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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA – CAMPUS XIX

LUANDSON MARQUES RAMOS

ANÁLISE DO PL 7270/2014: PRODUÇÃO,


INDUSTRIALIZAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E OS
BENEFÍCIOS DA REGULAMENTAÇÃO DE CANNABIS NO
BRASIL.

Camaçari
2016
LUANDSON MARQUES RAMOS

ANÁLISE DO PL 7270/2014: PRODUÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO,


COMERCIALIZAÇÃO E OS BENEFÍCIOS DA REGULAMENTAÇÃO
DE CANNABIS NO BRASIL.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade do Estado da Bahia – Campus XIX,
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof.ª Márcia Margarida Martins

Camaçari
2016
ANÁLISE DO PL 7270/2014: PRODUÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO,
COMERCIALIZAÇÃO E OS BENEFÍCIOS DA REGULAMENTAÇÃO
DE CANNABIS NO BRASIL.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade do Estado da Bahia – Campus XIX,
como requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________
Prof.ª Márcia Margarida Martins

_____________________________________________________________
Examinador (a) 2

_____________________________________________________________
Examinador (a) 3

Data da aprovação: Camaçari, ____/_____/ 2016.


RESUMO

O presente trabalho trata sobre os possíveis benefícios proporcionados com a eventual


aprovação do PL 7270/2014 que regula produção de Cannabis no Brasil. Apresenta os
conceitos de drogas, espécies de Cannabis e um breve histórico do consumo e repressão no
mundo. Por conseguinte traz um resumo de como o assunto é tratado em diversos países pelo
globo. Em um terceiro momento, faz uma síntese do projeto de lei supracitado, apontando
seus principais artigos e inovações na política de drogas. Ao final, apresenta aspectos
positivos que a aprovação deste projeto proporcionaria, alterando a política de droga como um
todo, descriminalizando o porte, dando ênfase ao tratamento de usuários problemáticos e
dependentes e, consequentemente, diminuindo a violência gerada com a guerra ao tráfico.

Palavras-Chave: Cannabis; Regulamentação; redução de danos.


ABSTRACT

This paper deals with the possible benefits provided to the eventual approval of the PL
7270/2014 regulating cannabis production in Brazil. It introduces the concepts of drugs,
species cannabis and a brief history of consumption and repression in the world. Therefore
provides a summary of how the issue is addressed in various countries across the globe. In a
third step, a synthesis of the above bill, pointing its main articles and innovations in drug
policy. At the end, it has positive aspects that the approval of this project would provide,
changing the drug policy as a whole, decriminalizing possession, emphasizing the treatment
of problematic and dependent users and thus reducing the violence generated by the war on
trafficking.

Keywords: Cannabis; regulations; harm reduction.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo
CF Constituição Federal
PL Projeto de Lei
STF Superior Tribunal Federal
ONU Organização das Nações Unidas
OMS Organização Mundial da Saúde
UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
WDR World Drug Report
THC Tetrahidrocanabinol
RE Recurso Extraordinário
Agradecimentos

Dedico este trabalho para conclusão de curso e toda a difícil trajetória acadêmica que
vivi à minha família.
Edileusa e Maria. Mãe e avó. Obrigado por toda a dedicação desde o momento de meu
nascimento pela qual sempre serei grato e que espero um dia poder retribuir na mesma
proporção.
Aos meus irmãos que tanto amo, à memória de meu pai e ao pai que desempenhou
este papel da melhor maneira que poderia tê-lo feito, o meu profundo agradecimento a todo
apoio abnegado.
Amo todos vocês!
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 09

2. CONCEITOS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSUMO E REPRESSÃO DA


CANNABIS NA HUMANIDADE .......................................................................................... 11

2.1 CONCEITOS DE DROGA ........................................................................................ 11

2.2 CANNABIS: DEFINIÇÕES. ESPÉCIES E CONSUMO .......................................... 12

2.2.1 DEFINIÇÕES E ESPÉCIES .................................................................................... 12

2.2.2 CONSUMO E SUA TRAJETÓRIA ........................................................................ 14

2.2 REPRESSÃO ÀS DROGAS NO SÉCULO XX. ....................................................... 15

3. A LEGISLAÇÃO E AS MUDANÇAS PRODUZIDAS POR SUA APLICAÇÃO ...... 18

3.1 HOLANDA: ................................................................................................................ 18

3.1 EUA: ........................................................................................................................... 19

3.3 URUGUAI: ................................................................................................................. 21

3.4 OUTROS PAÍSES E SUAS POLÍTICAS COM CANNABIS E DROGAS EM


GERAL ..................................................................................................................................... 24

4. ANÁLISE DO PL 7072/2014 ............................................................................................ 26

4.1 PRODUÇÃO E COMÉRCIO ..................................................................................... 27

4.2 POLÍTICAS PARA REDUÇÃO DE VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE


ATRELADAS AO TRÁFICO E ANISTIA ............................................................................. 29

4.3 ALTERAÇÕES DA LEI DE DROGAS (11.343/2006) ............................................ 31

4.4 CRIAÇÃO DO CNAPA PARA AS POLÍTICAS DE DROGAS..............................36

5. APOLOGIA AO PL 7072/2014 ......................................................................................... 38


5.1 LIBERDADES INDIVIDUAIS .................................................................................. 38

5.2 DESMARGINALIZANDO SIMPLES USUÁRIO .................................................... 40

5.3 USO MEDICINAL ..................................................................................................... 42

5.4 FALÊNCIA DA GUERRA ÀS DROGAS ................................................................. 44

5.2 REGULAMENTAÇÃO DA CANNABIS X REGULAMENTAÇÃO DE OUTRAS


DROGAS .......................................................................................................................... 48

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 50

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 52
9

1 INTRODUÇÃO

Quase toda a política drogas ao redor do mundo principalmente ocidental, teve seu
início e sustentação baseada nas experiências americanas, tudo isso graças a sua influência
mundial adquirida após o fim da segunda grande guerra, onde parte do globo ficou “refém” do
imperialismo norte-americano, tendo em vista sua heroica participação no conflito. 1
Tal imperialismo não se resumia apenas a impor sua cultura, influenciar ditaduras e
abalar estados onde o socialismo era latente, o imperialismo americano se reverteu também
em exportação de ideias para o combate do recente problema das drogas, ideias estas baseadas
em conceitos proibicionistas, moralistas e preconceituosos, sendo ainda pouco científicos.
O Brasil, como parte integrante do mundo ocidental, acabou por importar esta
concepção cometendo o erro de impor a experiência de uma cultura muito diferente da
brasileira de forma incisiva no nosso país, o resultado disso é notório, de lá pra cá os
problemas envolvendo drogas só aumentaram, violência, desigualdade, fortalecimento do
crime organizado são só alguns dos problemas proporcionados por esta política.
É por isso que novas formas de lidar com o problema das drogas devem sim ser
buscadas, experimentadas e aproveitadas da melhor maneira possível, descriminalização do
porte para consumo próprio é o primeiro passo, não por acaso tal assunto já é discutido pelo
STF no RE 635.659 que trata da inconstitucionalidade do art. 28 da lei 11.343/06 que
criminaliza o uso e porte de drogas em geral para consumo, assunto que será tratado de forma
mais aprofundada neste trabalho.
Contudo, é necessário analisar o assunto de forma mais abrangente, buscando
maneiras de reduzir os riscos atrelados ao consumo e combatendo o imenso poder que está
nas mãos do tráfico de drogas, pois, só descriminalizar o consumo de nada afeta o tráfico,
apenas garante ao usuário sua liberdade individual.
Por esta razão, o que se busca na presente pesquisa é debater outras vias alheias ao
proibicionismo, sendo, então, a regulamentação estatal das drogas a melhor maneira de frear
os problemas existentes nesta seara.

1
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
10

Portanto, cumpre esclarecer que o presente trabalho tem como bojo principal discutir
a aplicabilidade da eventual aprovação do PL 7270/2014 que regulamenta produção,
industrialização e comercialização de Cannabis, entretanto, de forma mais ampla, busca-se
colocar em pauta toda uma nova perspectiva em relação à política de drogas brasileira
baseada principalmente em redução de danos ao usuário e na consequente diminuição da
violência e enfraquecimento do poder adquirido pelo tráfico em razão, principalmente, ao
proibicionismo.
O tema foi escolhido inicialmente pela experiência de presenciar como simples
usuários recreativos são descriminados e apontados como delinquentes perigosos, pessoas
estas que não proporcionam quaisquer tipos de ameaças para a sociedade, além de ser uma
problemática polêmica e ainda muito pouco discutida de forma profunda por grande parte dos
cidadãos.
O trabalho está dividido em quatro capítulos, o primeiro apresenta o conceito de
drogas, Cannabis e suas espécies, além de traçar um histórico do consumo pela humanidade.
O segundo capítulo por sua vez, apresenta as legislações pertinentes pelo mundo, no terceiro é
feita uma análise do projeto, indicando e analisando seus principais pontos. Por fim, no último
capítulo é feita uma defesa pela aprovação do projeto de lei sinalizando para suas principais
inovações benéficas e comparando-o com a atual política já manifestamente fracassada.
Como método de abordagem foi utilizado o método dedutivo, através do raciocínio
logico, fazendo uso da dedução para se extrair premissas. Para isso, foram utilizadas,
pesquisas bibliográficas através de livros, artigos, notícias relacionadas ao tema, bem como o
estudo de legislações pertinentes.
11

2 CONCEITOS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSUMO E REPRESSÃO


DA CANNABIS NA HUMANIDADE:

2.1 – CONCEITO DE DROGA:

A priori, se faz mister esclarecer o que seria droga nos mais variados sentidos,
portanto, buscando a origem da palavra chegamos à conclusão de que a mesma está
intimamente ligada às substâncias de cunho farmacológico/natural, sua raiz vem da palavra
Droog2 do holandês antigo e significa “folha seca”, pois, antigamente a maioria dos
medicamentos era à base de folhas vegetais.
Na língua pátria encontramos algumas definições para a palavra Droga:

Substantivo feminino.
1.Med. Qualquer composto químico de uso médico, diagnóstico, terapêutico ou
preventivo.
2.Restr. Substância cujo uso pode levar a dependência.
3.Restr. Substância entorpecente, alucinógena, excitante, etc.
4.Coisa de pouco valor ou desagradável.
2016, Mini Aurélio Eletrônico.

Note-se que o quarto ponto nos traz um significado coloquial da palavra, oriunda da
visão que a sociedade tem das substâncias que já tiveram parte das suas características
definidas nos pontos anteriores, isto é em parte gerado pela ignorância e preconceito
enraizado no imaginário popular.
Segundo a OMS 3droga é toda substância que, em contato com o organismo, modifica
uma ou mais de suas funções, seja ela sintética ou natural e que podem proporcionar desde
cura de doenças, melhoria da qualidade de vida e saúde, a efeito nocivo ao corpo humano, em
ambos o casos podem elas ser lícitas e ilícitas, pois, como o fator principal para determinar se
uma droga é ou não ilícita é normalmente o de cunho político/moral/discricionário, é comum
que uma substância que ainda não tem seu lado nocivo totalmente estudado e que proporciona

2
Drogas. ://www2.unifesp.br/dpsicobio/drogas/defini.htm
3
Organização Mundial da Saúde.
12

em alguns casos além do benefício recreativo, benefícios à saúde, seja considerada uma droga
ilícita e até perversa.

Algo sim parece estar claro: a palavra droga não pode ser definida corretamente
porque é utilizada de maneira genérica para incluir toda uma série de substâncias
muito distintas entre si, inclusive em “sua capacidade de alterar as concepções
psíquicas e/ou físicas”, que têm em comum exclusivamente o fato de haverem sido
proibidas. Por um lado, a confusão aumenta quando se compara uma série de
substâncias permitidas, com igual capacidade de alterar essas condições psíquicas
e/ou físicas, mas que não se incluem na definição de droga por razões alheias à sua
capacidade de alterar essas condições, como, por exemplo, o caso do álcool.
( DEL OLMO, 1990, p. 22)

As drogas, comumente, são subdivididas com relação a seus efeitos sob a fisiologia
humana, categorizam-se então em três grupos distintos, os psicolépticos, os psicodislépticos e
os psicoanalépticos:4
Psicolépticas são as drogas que minimizam a atividade do sistema nervoso, alterando
principalmente a capacidade de raciocínio rápido, podemos elencar o álcool, morfina e
heroína; já as drogas psicodislépticas são responsáveis por modificar a percepção do usuário,
ocasionando alucinações e delírios, são exemplos o LSD, algumas espécies de cogumelos e
plantas alucinógenas, além da Cannabis, objeto de pesquisa no presente trabalho; e por fim
temos as substâncias psicoanalépticos tidas como estimulantes, atuam para aumentar a
atividade cerebral humana, sua percepção, diminuir cansaço e sono, mas que causam grande
dependência na qual sintomas como alucinações são extremamente comuns, a este grupo
estão inseridos a cocaína, crack e metanfetaminas.

2.2 – CANNABIS: DEFINIÇÕES, ESPÉCIES E CONSUMO.

2.2.1 – DEFINIÇÕES E ESPÉCIES

A Cannabis é uma planta herbácea da família das canabiáceas e possui inúmeros


nomes conhecidos, dependendo principalmente da região em que é apelidada, dentre eles
podemos citar: maconha, marijuana, haxixe, ganja e etc.; seu principal princípio ativo é o
4
CEBRID – Centro Brasileiro De Informações Sobre Drogas Psicotrópicas Universidade Federal De São Paulo.
Livreto informativo sobre drogas psicotrópicas
13

THC (Tetrahidrocanabinol), entretanto, já são conhecidas 66 substâncias presentes na


Cannabis e estima-se que existam mais de 100 (cem) tipos diferentes de compostos, os
canabinoides; contudo, o THC é o composto químico mais potente e responsável pelos
principais efeitos alucinógenos.5
A origem da planta é asiática, estipula-se que seja de uma região que compreende a
China e Índia; tendo então como seu principal hábitat zonas tropicais e temperadas, existindo
3 (três) principais tipos de Cannabis, são a sativa, indica e híbridas (ruderalis) 6
Sativa é a mais popular e também a maior fisicamente, chegando a seus arbustos
terem 2 (dois) metros de altura, folhas longas e finas e em se tratando de efeitos estas têm o
que seria chamado de “efeito cerebral”, pois são efeitos mais ligados a psique humana:
alucinações, alteração da percepção e etc.
Indica tem uma estatura baixa quando comparada com a sativa, contudo os arbustos
são bem mais robustos, cheios de folhas largas, densas, compactas e com odor mais
acentuado, quanto aos efeitos tem o que é considerado “efeito corporal” por ser relaxante e
calmante.
Híbridas (ruderalis) são frutos de cruzamentos entre as duas primeiras e outras já
híbridas; tais cruzamentos têm objetivo de acelerar a colheita ou potencializar/modificar os
efeitos. Com relação à ruderalis não há um consenso entre botânicos sobre a mesma ser uma
planta híbrida ou se seria um terceiro tipo, sabe-se que ela tem características bem distintas
com relação às primeiras, tais diferenças são tanto físicas quanto por sua floração muito mais
acelerada se compara com as primeiras.

5
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar
com as drogas
6
Tipos de Maconha. http://maryjuana.com.br/2016/05/tipos-de-maconha/
14

Todas as espécies de Cannabis têm épocas de maturação diferenciadas e em uma


mesma planta podem existir ambas as estruturas sexuais, a fecundação, como em toda planta,
ocorre quando o pólen, que se encontra na estrutura masculina, vai para estrutura feminina,
onde são produzidas as sementes que darão origem a outras plantas, caso a planta feminina
não seja fecundada a mesma passa a produzir uma resina rica em THC que na planta serve
como protetor solar, mas que é a matéria-prima para a criação do haxixe, outro derivado de
Cannabis.

2.2.2 - CONSUMO E SUA TRAJETÓRIA:

É notória a presença da Cannabis em vários momentos da história da humanidade,


contudo, na maioria desses momentos ela era empregada sob forma de medicamento.
Já é sabido que a mesma era usada como medicamento na China no ano 7000 A.C, há
relatos que na Índia, em período pouco posterior, a Cannabis também já era utilizada como
medicamento e em cerimônias religiosas, acreditava-se que seu uso estreitava os laços como
algumas divindades. Não há consenso sobre quando a planta foi introduzida na Europa,
entretanto, o historiador Grego Heródoto 7em alguns de seus escritos já menciona o uso do
Cânhamo (fibra presente no caule da planta) na confecção de cordas e velas de navios por
volta do século IV A.C.8
As propriedades têxteis da Cannabis fizeram com que a mesma fosse amplamente
difundida na Europa, utilizava-se Cannabis na fabricação de cordas de navio, tecidos para
roupas, óleo e papel, a “Bíblia de Gutemberg” primeiro livro impresso da história da
humanidade foi justamente impresso em papel de cânhamo, só a partir do século XVIII
passou-se a estudar a planta de forma mais científica, com fins terapêuticos, para tratamentos,
por exemplo, de asma e tosse.

Maconha serve de remédio desde sempre. O primeiro tratado de ervas medicinais


que se conhece, o Pen Tsao, concebido há 4.700 anos na China, já inclui referência
destacada à canábis, e há registros de usos médicos em praticamente todas as
civilizações antigas do Velho Mundo. Extrato de canábis era remédio na Índia desde

7
Considerado o Pai da História
8
A história da Maconha, a droga mais polêmica do mundo. http://psicodelia.org/noticias/a-historia-da-
maconha-a-droga-mais-polemica-do-mundo
15

a Antiguidade e, quando os ingleses chegaram lá, logo descobriram suas virtudes


medicinais. Por isso, o Império Britânico exportava extrato de canábis, que era
vendido em farmácias do mundo todo, e provavelmente foi o anestésico mais usado
contra dor de cabeça até o século XIX, quando a aspirina foi inventada.
(BURGIERMAN, 2011, p. 35)

A Cannabis foi levada para a África e para América pelos europeus, na América
inicialmente as plantações foram feitas no Chile por espanhóis, mas desde o descobrimento
deste continente a planta já estava presente nas caravelas espanholas e portuguesas em forma
de tecidos de fibras.
No Brasil, mesmo com esforços da coroa Portuguesa no sentido de implantar o cultivo
da Cannabis com fins puramente econômicos, vista a sua alta utilidade e lucratividade, o fato
de se imaginar que a planta teria sido trazida em grande parte por escravos africanos
repercutiu como forma de preconceito, até pelo motivo de os escravos a utilizaram em rituais
religiosos de Candomblé, prática tida à época como “magia negra”, contudo, nada prova que
ela não possa ter sido introduzida pelos portugueses.
Nos EUA, local onde a repressão se iniciou, o preconceito provinha do fato de os
primeiros usuários da Cannabis como um psicotrópico terem sido imigrantes mexicanos e
negros, pessoas marginalizadas na sociedade.

2.3 - REPRESSÃO ÀS DROGAS NO SÉCULO XX (CANNABIS):

Não se pode analisar a repressão ao uso de Cannabis sem estudar como tudo se deu
nos EUA, pois, fora este o país precursor na política de repressão às drogas.
Em meados do século XX o consumo de Cannabis nos EUA se restringia a imigrantes
mexicanos em sua maioria e a afrodescendentes9, assim, como já explanado nos últimos
parágrafos do tópico anterior, no que diz respeito ao preconceito criado entorno do uso de
Cannabis como entorpecente, muito se deve ao fato desta droga ter sido inicialmente usadas
por parcelas mais marginalizadas da sociedade.
Após o fim da proibição do consumo do álcool em 1933, após 13 anos de uma
repressão fracassada que culminou no aumento estrondoso da violência e no enriquecimento

9
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
16

de traficantes de álcool como o famoso Al Capone, a máquina de repressão americana,


representada principalmente por seu principal expoente Harry Anslinger10 voltou seus olhos
pra outra droga: a Cannabis. Buscou-se, com a ajuda da mídia e sem quaisquer comprovações
científicas, justificar uma nova proibição possivelmente por ser esta uma droga usada por
pessoas excluídas socialmente, os chamados “homens de cor” (mexicanos e negros).
A partir de reportagens tendenciosas de jornais da época que correlacionavam toda e
qualquer espécie de violência com o uso da Cannabis, Anslinger foi ao congresso convencer
os políticos que esta era uma nova ameaça tão ou mais letal e perigosa que heroína ou ópio
(drogas mais conhecidas na época); em audiências onde a opinião técnica era ignorada.

Apenas um médico foi chamado a participar das audiências, o presidente da


Associação Nacional de Medicina, William Woodward, que se opôs veementemente
à proibição e acusou aquela comissão de ser uma farsa, baseada em boatos sem
comprovação. Ele foi voto vencido, e a maconha passou a ser proibida em 1937,
quatro anos depois do fim da proibição do álcool. (BURGIERMAN, 2011, p. 34)

Por conseguinte, foi inaugurada uma política nacional de repressão ao consumo de


drogas, sem fazer distinção quanto a seus efeitos, resultando em 1961 na Convenção Única
Sobre Drogas Narcóticas da ONU11 que tinha como objetivo combater o abuso de drogas por
meio de ações internacionais coordenadas de repressão, exportando então tal política para boa
parte do mundo, conduzindo realidades e problemas diferentes dos problemas americanos sob
o mesmo prisma.
Alicerçado nesta convenção, foram desenvolvendo-se vastas legislações pelo mundo
tomando-a como base, desde então, todo este modelo rígido e violento imposto pelos
americanos no auge da sua influência conseguida pelo papel de heróis na segunda grande
guerra, vem sendo, com pouquíssimas exceções, perpetuado.
O Brasil aderiu a esta política com a lei 5.726/71 batizada de lei antitóxicos, seguida
de diversas alterações e mais recentemente com a lei 11.343/2006 conhecida como lei de
drogas, neste ínterim, o crime de tráfico foi classificado como crime hediondo, comparado à
tortura e ao latrocínio, por exemplo. Todas essas legislações adotam o sistema no qual muito
pouca diferença existe no tratamento dado aos riquíssimos narcotraficantes e ao dado aos

10
Considerado o Czar Antidrogas nos EUA. BURGIERMAN, Denis Russo.
11
Organização das Nações Unidas
17

traficantes de menor importância, aviõezinhos e etc., enclausurados em favelas e em meio à


pobreza.
18

3 – A LEGISLAÇÃO E AS MUDANÇAS PRODUZIDAS POR SUA APLICAÇÃO

3.1 – HOLANDA:

Contrariamente ao que se é disseminado com relação à política holandesa de combate


às drogas, lá desde a década de 1970 o assunto vem sendo tratado com parcimônia, visto que,
na Holanda a Cannabis não é legalizada. É ilegal plantar, importar, vender no atacado, se
permite apenas a venda de pequenas quantidades nos chamados “Coffee Shop”, sendo
atualmente da monta de 5 (cinco) gramas por pessoa.
É um sistema contraditório e que teve seu início nos anos 70, quando o consumo
aumentou bastante, não só na Holanda, mas em vários países da Europa e de todo o mundo.
Só quando os jovens holandeses começaram a experimentar Cannabis que as autoridades
perceberam a necessidade de entender melhor os efeitos que aquela nova droga causaria,
principalmente se comparada com outras drogas como heroína, ópio e etc.
A partir daí o governo, em 1972, montou uma comissão de especialistas para estudar
tais efeitos e o resultado não foi diferente de estudos em outros países, a Cannabis não era
muito perigosa e regular sua comercialização seria o melhor modo de lidar com o problema.
Entretanto, a Holanda já havia se comprometido a combater e não regulamentar
nenhuma espécie de droga que estivesse elencada na Convenção Única Sobre Drogas
Narcóticas de 1961, contudo, o governo holandês viu a necessidade de diferenciar “drogas
pesadas” das chamadas “drogas leves” na qual a Cannabis se enquadrava, passou-se então a
tolerar o consumo em locais fechados, normalmente casas (posteriormente os Coffee Shop), e
a venda de pequenas quantidades.12
O modelo acima tinha como principal intenção distanciar os jovens consumidores de
Cannabis do convívio tanto de traficantes quanto de outras drogas mais pesadas e este
resultado foi obtido:
Depois de três décadas, é difícil negar que o sistema dos coffee shops, do ponto de
vista da política pública, foi um tremendo sucesso. Seu objetivo central, que era
afastar os jovens das drogas pesadas, foi claramente atingido: a Holanda tem um dos
menores índices de uso de cocaína e heroína da Europa.

12
BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
19

Mais surpreendente é notar que o número de usuários de maconha também é


bastante baixo. Houve crescimento no número de usuários nos anos 1980, mas em
níveis muito similares aos de países duramente proibicionistas. Ficou claro que a lei
tem influência muito pequena na decisão das pessoas de usar uma droga ou não.
(BURGIERMAN, 2011, p. 56/57)

Desde modo, a Cannabis não é legalizada, mas o sistema descriminalizou o usuário de


pequenas quantidades e não só “despenalizou”, como fez o Brasil com a lei 11.343/06.
Na Holanda é tolerado o consumo de algumas drogas, isso não quer dizer tal consumo
seja incentivado, os índices baixos de consumo comprovam isto. Os Coffee Shop são
proibidos de estampar quaisquer espécies de propaganda, até o nome “maconha” ou Cannabis
é terminantemente proibido, venda a menores de 18 anos também é proibida, boa parte dos
holandeses veem a Cannabis como droga de turista, pois a quantidade de pessoas que se
deslocam de países proibicionistas para consumir a droga lá é muito grande.
Portanto, notamos que o modelo holandês trata a questão da droga bem mais pelo viés
da saúde do que pelo viés jurídico, separando e diferenciando drogas pesadas e leves e
mantendo, como na maior parte do mundo, leis duras contra tráfico de entorpecentes, sem,
contudo, deixar de resguardar a saúde do usuário.

3.2 – EUA:

Nos Estados Unidos da América não é permitido o consumo recreativo de Cannabis, e


para uso medicinal os casos são restritos, é o que disciplina a lei Federal que trata do assunto,
entretanto, como na América os estados tem certa autonomia em relação à União, inclusive
para legislar, a realidade legislativa de alguns estados com relação à Cannabis é diferente da
lei Federal.
Tal panorama começou a mudar em 2012 quando, após forte apelo e apoio popular,
inclusive por meio de um referendo, o uso recreativo da Cannabis foi liberado nos estados do
Colorado e Washington, passou-se a não mais existir quaisquer penalidades para quem fosse
usuário de Cannabis e logo após, em 2014, mais dois estados: Alasca e Oregon, além da
capital Washington DC, seguiram a tendência de liberação.
Com relação ao uso medicinal, existem hoje cerca de 27 (vinte e sete) estados que
autorizam o consumo de Cannabis com fins medicinais, dentre eles encontram-se os estados
20

de Massachusetts, Maine, Nevada, Arizona e Califórnia que podem ter legislações aprovados
no sentido da legalização ainda no ano de 201613, sendo o mais importante e rico a Califórnia,
que nesta posição relevante pode servir de espelho para mudanças tanto no âmbito Federal
quanto em outros estados.
O caso da Califórnia é importante, pois foi o primeiro estado a proibir o uso de
Cannabis, assim como foi dali que surgiu o movimento que disseminou o uso da Cannabis
pelo mundo nas mais variadas classes sociais, o “Flower Power”, no Brasil mais conhecido
como movimento “Hippie”, contudo, hoje quase cinquenta anos após o início do movimento
o uso recreativo da Cannabis ainda não é permitido. 14
Malgrado a proibição para uso recreativo, ainda é o estado que mais arrecada com o
consumo de Cannabis e sua vasta gama de produtos derivados, todos com o viés medicinal
como plano de fundo.

Pela lei californiana, não apenas portadores de esclerose múltipla, câncer ou


glaucoma podem se medicar com canábis, mas também quem tem dor de cabeça,
insônia, ansiedade ou “qualquer outra condição para a qual a canábis traz alívio”.
Esse “qualquer outra condição” potencialmente abre as portas para tudo: bloqueio
criativo, dificuldade social, melancolia, tédio. Não é o governo que decide quem
pode ou não comprar maconha, é o médico, e qualquer médico pode autorizar ou
recomendar o uso da maconha. Há até clínicas especializadas em emitir carteirinhas
sem criar dificuldades (BURGIERMAN, 2011, p. 67).

Isto gera ao estado da Califórnia uma arrecadação gigante sem sequer liberar consumo
recreativo.

O principal argumento para a legalização é tirar das sombras uma indústria que já é
gigantesca em si e impossível de perseguir pelas agências de segurança federais. Os
benefícios fiscais seriam de “centenas de milhões por ano”, segundo os proponentes
da lei californiana. O Colorado arrecadou no ano passado 135 milhões de dólares
(mais de 445 milhões de reais) em impostos para a cannabis, 77% mais do que os 76
milhões (cerca de 250 milhões de reais) de 2014, o dobro arrecadado com o álcool.
O Colorado tem 5 (cinco) milhões de habitantes e a Califórnia, 38 milhões. A
consultoria especializada ArcView estima as vendas legais no ano passado em todo
o país em 5,7 bilhões de dólares (cerca de 570 bilhões de reais). Ninguém sabe
quanto aumentaria isso se o mercado ilegal for incorporado. A perspectiva de um
efeito parecido, em escala muito maior, gerou uma verdadeira febre do ouro verde.
(EL PÁIS, 2016)

13
El País, 2016.
14
BURGIERMAN, Denis Russo O fim da guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar com as
drogas
21

As estimativas de arrecadação para uma possível liberação do uso a nível nacional são
imprecisas e desiguais, haja vista a dificuldade de calcular um mercado que até o momento é
quase que completamente clandestino, contudo, em uma coisa todos concordam, a taxa de
lucratividade seria altíssima, rondando a casa dos vários bilhões.15
Não obstante, acrescenta-se a isso o fato de a sociedade americana em sua maioria
também aprovar a liberação do uso recreativo da Cannabis. Em pesquisa realizada pelo
instituto Gallup16 de pesquisa de opinião, constatou-se que 58% dos americanos aprovam a
liberação, diferente dos 12% que aprovavam na época em que a proibição ganhou nível
federal.

Americans' support for legal marijuana has steadily grown over time. When Gallup
first asked the question, in 1969, 12% of Americans thought marijuana use should
be legal, with little change in two early 1970s polls. By the late 1970s, support had
increased to about 25%, and held there through the mid-1990s. The percentage of
Americans who favored making use of the drug legal exceeded 30% by 2000 and
was higher than 40% by 2009. (GALLUP, 2015)

3.3 – URUGUAI:

O Uruguai é o primeiro país do mundo a legalizar produção, distribuição e consumo


de Cannabis para consumo recreativo e medicinal, esta lei fora aprovada em dezembro de
2013 no governo do carismático ex-presidente Pepe Mujica e tem por denominação: ley
19.172 Marihuana e sus derivados.
A estratégia do país é regular o consumo garantindo uma política voltada mais à
minimização dos riscos e redução de danos do que à repressão estatal, isso fica bem claro
quando analisamos o primeiro artigo da lei supracitada:

Artículo 1º.- Decláranse de interés público las acciones tendientes a proteger,


promover y mejorar la salud pública de la población mediante una política
orientada a minimizar los riesgos y a reducir los daños del uso del cannabis, que
promueva la debida información, educación y prevención, sobre las consecuencias y
efectos perjudiciales vinculados a dicho consumo así como el tratamiento,
rehabilitación y reinserción social de los usuarios problemáticos de drogas.

15
El País, 2016.
16
Gallup, Inc. American company performance-management consulting
22

Da mesma forma que na Holanda, por exemplo, o Uruguai tenta afastar o usuário de
Cannabis do convívio com traficantes e consequentemente de outras drogas tidas como mais
pesadas, dando assim um duro golpe no tráfico de drogas, pois retira uma das suas principais
fontes de faturamento e reduz a possibilidade de adquirir novos consumidores, sempre
direcionando os ganhos tributários para políticas voltadas à prevenção e tratamento de
dependentes.
O art. 4 da ley 19.172 é importante norte para entender a intenção uruguaia com a nova
lei:

Artículo 4º.- La presente ley tiene por objeto proteger a los habitantes del país de los
riesgos que implica el vínculo con el comercio ilegal y el narcotráfico buscando,
mediante la intervención del Estado, atacar las devastadoras consecuencias
sanitarias, sociales y económicas del uso problemático de sustancias psicoactivas,
así como reducir la incidencia del narcotráfico y el crimen organizado.

A tales efectos, se disponen las medidas tendientes al control y regulación del


cannabis psicoactivo y sus derivados, así como aquellas que buscan educar,
concientizar y prevenir a la sociedad de los riesgos para la salud del uso del
cannabis, particularmente en lo que tiene que ver con el desarrollo de las adicciones.
Se priorizarán la promoción de actitudes vitales, los hábitos saludables y el bienestar
de la comunidad, teniendo en cuenta las pautas de la Organización Mundial de la
Salud respecto al consumo de los distintos tipos de sustancias psicoactivas.

Por ser uma lei inovadora, todos os aspectos que a envolvem são de extrema
importância, contudo, alguns devem ser salientados e um deles é o fato de só se permitir a
venda de Cannabis para maiores de 18 anos, sendo estes uruguaios ou estrangeiros e que
residam de forma fixa no Uruguai, isso afasta a perspectiva do turismo de Cannabis. Tendo
em vista as intenções do governo uruguaio já terem sido exemplificadas fica claro que o
mercantilismo (como é em alguns estados dos EUA) não é prioridade naquele país.
Ainda na mesma lei se cria o IRCCA (Instituto de Regulação e Controle de Cannabis)
que tem o objetivo de regular plantio, cultivo, colheita, produção, processamento,
armazenamento, distribuição e venda de Cannabis, além de promover e propor ações para
dirimir riscos e danos relacionados ao consumo abusivo da mesma, tendo ainda o condão de
fiscalizar o cumprimento da já referida lei.
23

Para adquirir a Cannabis todo usuário deve ser cadastrado no IRCCA e só após ter
acesso via farmácias (que terão a faculdade de dispor ou não do produto), se tornar sócio de
um clube de plantio ou, se preferir, plantar em casa.
Nas farmácias o usuário cadastrado, que tenha receita ou carteira de usuário fornecida
pelo IRCCA, terá o direito de adquirir 10 gramas por semana ou 40 gramas por mês.
Os clubes devem obter autorização do IRCCA e só podem conter até 45 sócios, sendo
que o limite máximo de pés plantados é de 99, deste modo o sócio poderá obter até 40 gramas
por mês; tais clubes obedecem a regras como as exigidas nos Coffee Shop da Holanda com
relação à publicidade e propaganda visando não incentivar o consumo.
Optando o usuário por plantar em casa, ficará o mesmo adstrito ao limite máximo de
06 pés por pessoa, sendo, também, necessária a autorização do IRCCA.
Por ser uma política de redução de danos onde o Estado toma para si toda e qualquer
responsabilidade por produção e comercialização, não se poderia afastar a incidência de penas
duras para quem desobedecer tal política e por isso o art. 6 traz a seguinte redação.

Artículo 6º.- Sustitúyese el artículo 30 del Decreto-Ley Nº 14.294, de 31 de octubre


de 1974, en la redacción dada por el artículo 3º de la Ley Nº 17.016, de 22 de
octubre de 1998, por e l siguiente:

"ARTÍCULO 30.- El que, sin autorización legal, produjere de cualquier manera las
materias primas o las sustancias, según los casos, capaces de producir dependencia
psíquica o física, contenidas en las listas a que refiere el artículo 1º, precursores
químicos y otros productos químicos, contenidos en las Tablas 1 y 2 de la presente
ley, así como los que determine el Poder Ejecutivo según la facultad contenida en el
artículo 15 de la presente ley, será castigado con pena de veinte meses de prisión
a diez años de penitenciaría.

Quedará exento de responsabilidad el que produjere marihuana mediante la


plantación, el cultivo y la cosecha de plantas de cannabis de efecto psicoactivo en
los términos de lo dispuesto en el artículo 3º de la presente ley. El destino a que
refiere el literal E) del artículo 3º será valorado, en su caso, por el Juez competente y
con arreglo a las reglas de la sana crítica, en caso que se superaren las cantidades allí
referidas".

No Uruguai muito se discute sobre lacunas que a supracitada lei possa ter deixado,
principalmente no que diz respeito à fiscalização: como fiscalizar lares, pessoas que compram
em farmácias e plantam em suas casas ou pessoas que trabalham sob efeito de Cannabis são
alguns dos questionamentos.
24

Entendemos que tais questionamentos são plausíveis e que o governo uruguaio deve
buscar formas de ao menos minimizá-los, contudo, solução absoluta é impossível de se obter,
o que se busca é diminuir riscos, e o que se deve observar principalmente é a tentativa
inovadora do Uruguai, haja vista a já notoriamente falida segunda opção de guerra às drogas
que vem sendo difundida por tantos anos sem demonstrar qualquer eficácia.

3.4 - OUTROS PAÍSES E SUAS POLÍTICAS COM CANNABIS E DROGAS EM


GERAL:

Apesar de toda política antidrogas imposta pela Convenção única Sobre Drogas
Narcóticas de 1961, inúmeros são os países que adotam políticas antiproibicionistas de
tratamento à Cannabis e outras drogas, seja tolerando o consumo recreativo e/ou até
gerenciando-o, como nos casos citados em tópicos anteriores, contudo, o número é realmente
maior quando se trata do consumo medicinal de Cannabis.
Portugal é um destes países; por querer respeitar a convenção de 1961 lá não existe
nenhuma espécie de legislação no sentido de legalizar drogas como no Uruguai, acontece lá
desde 2001 com uma nova legislação sobre o assunto, uma política de redução de danos na
qual existem para o usuário e portador de Cannabis e/ou outras drogas para consumo pessoal
apenas uma punição administrativa, não se criminaliza consumo de nenhuma droga.

Nos últimos dez anos, desde que o novo modelo foi implantado, o consumo de
drogas entre menores de idade caiu, o número de contaminações de aids e hepatite C
despencou, o de usuários de drogas problemáticos diminuiu, o de dependentes de
droga em tratamento cresceu, o índice de sucesso do tratamento aumentou, as
cadeias e os tribunais estão mais vazios e conseguindo fazer seu trabalho com mais
eficiência, a polícia está tendo mais sucesso no combate ao tráfico internacional, e a
sociedade está economizando uma fortuna. (BURGIERMAN, 2011, p. 100)

Tal política de redução de danos consiste entre outras coisas em tratar o dependente de
heroína com metadona, que é uma substância com efeitos semelhantes ao da heroína e
morfina, mas que tem uma síndrome de abstinência mais leve, oportunizando o abando ao
vício, distribuição de seringas evitando a proliferação de doenças como a AIDS e Hepatite C e
acompanhamento psicológico do dependente, caso alguém seja pego com quantidade superior
25

a permitida fica a cargo de o Juiz analisar se é caso de enquadramento ou não como tráfico,
prática que tem penas duras.
Já na Espanha, principalmente por causa de jurisprudências no sentido da não
criminalização do plantio para consumo próprio, aos poucos foi se desenvolvendo uma cultura
de associações sem fins lucrativos para a distribuição entre os associados, ainda não existe
legislação regulando tais associações.
Israel permite o plantio de Cannabis desde a década de 1990, contudo tal plantio só é
permitido com fins terapêuticos, lá continua sendo a Cannabis uma “droga” ilegal. Entretanto,
é utilizada para diversos tratamentos de doenças como câncer, esclerose, glaucoma e
transtornos relacionados a estresse pós-traumático, existem ainda programas em que o próprio
Estado de Israel fornecesse Cannabis para pessoas com estas doenças.
Na Colômbia, principal produtor e exportador de drogas na América do Sul, o
consumo e porte de pequenas quantidades de drogas não são passíveis de prisão, todavia,
ainda não se discute abertamente a regulamentação de Cannabis ou outra droga, tendo em
vista a forte influência da política antidroga americana enraizada desde os anos 70.
Podemos citar ainda o Marrocos, principal produtor mundial de haxixe e principal
fornecedor da Europa segundo a ONU, neste país pobre, muito da economia está ligada a está
prática antiga, no entanto, mesmo num país com cultura intimamente ligada ao consumo deste
derivado de Cannabis, a política proibicionista aos poucos está sendo imposta.
O primeiro país a permitir legalmente o uso de Cannabis com fins terapêuticos foi o
Canadá, lá os cidadãos que portarem receita médica ou um documento expedido pelo
governo, são autorizados a cultivar e consumir Cannabis. 17
Existe a possibilidade de o Canadá liberar o consumo recreativo ainda em 2016 e,
tanto neste país quanto em outros países do mundo que começam a discutir o assunto com
uma nova perspectiva, muito se deve ao fato de o principal “exportador” da política severa
contra as drogas, os EUA, estar começando paulatinamente a rever conceitos, particularmente
em alguns estados (Vide tópico 3.2).

17
Portal G1, 2013.
26

4 ANÁLISE DO PL 7270/2014:

Neste capítulo será feito um resumo do projeto de lei 7270/2014 de autoria do


Deputado Jean Wyllys PSOL/RJ e apresentado à Câmara dos Deputados no dia 19/03/2014,
tal resumo consiste em apontar seus principais artigos, tecendo comentários sobre esta
inovadora perspectiva de combate às drogas que positiva a nova tendência mundial
antiproibicionista.
Este projeto, como o próprio Deputado Jean Wyllys preleciona em sua Justificava para
a proposição, “foi elaborado com a participação e colaboração de diferentes entidades,
coletivos e pessoas [...] Diferentes especialistas na matéria e militantes dos movimentos
sociais que lutam por mudanças nas políticas de drogas” (JEAN WYLLYS, 2014) e busca
regular a produção, industrialização e a comercialização de Cannabis, derivados e produtos de
Cannabis além de dispor sobre alterações nas legislações vigentes que tratam do assunto.
Importante salientar que no momento da confecção do presente trabalho acadêmico, o
projeto encontra-se estagnado na Câmara, seu último e único despacho data de 21/03/2014
quando o mesmo foi apensado a outro projeto de lei que discorre sobre o mesmo tema, o PL
7187/2014 proposto pelo Deputado Eurico Júnior do PV/RJ, que não é fonte de pesquisa do
presente trabalho. Contudo, desde a data supracitada até o presente momento o único
andamento legislativo foi no sentido de arquivar o projeto com base no art. 105 do regimento
interno da Câmara dos Deputados e posteriormente seu pedido de desarquivamento oposto
pelo Deputado autor, trâmites naturais de final e início de nova legislatura.
Na justificava para a propositura do projeto outro ponto merece especial destaque,
aparece quando o Deputado autor destaca: “O presente projeto não pretende “liberar” o
comércio da maconha, mas regulá-lo.” (JEAN WYLLYS, 2014), tal esclarecimento se faz
extremamente necessário, tendo em vista falta de conhecimento de grande parcela da
sociedade com relação às novas políticas de drogas avessas ao proibicionismo e, também,
necessário para afastar discursos demagogos de políticos oportunistas que se aproveitam do
terror e violência gerados pela guerra contra as drogas para disseminar ideais preconceituosos.
Obviamente, estando o PL em questão no momento sujeito a apreciação do plenário da
Câmara, muitas alterações podem ainda ser feitas antes de sua aprovação, ficando, pós-
27

aprovação, carente de regulamentação por parte do poder executivo que disporá dos detalhes
envolvendo a nova legislação.

4.1 – PRODUÇÃO E COMÉRCIO

O primeiro artigo do PL 7270/2014 é de suma importância porque é este artigo que


inaugura uma mudança de paradigma no trato dado à Cannabis, mudança esta que pode servir
de trampolim para uma transformação mais profunda no contexto do combate às drogas.
O art. 1 se atém a autorizar em todo território nacional a produção de Cannabis,
derivados e produtos de Cannabis, estabelecendo exigências para esta prática como o registro,
padronização, classificação, inspeção e fiscalização de tais atividades. Passa a não mais
definir os produtos supracitados como “drogas ilícitas” e os inclui no rol das “drogas lícitas”,
além de delegar competências para a inspeção e fiscalização.
O art. 2 em seu caput, incisos e parágrafos, se preocupam em definir o que é Cannabis,
as partes da planta assim consideradas para os efeitos da lei, excluindo a fibra produzida a
partir do caule da planta e o Cânhamo industrial, que não pode exceder uma concentração de
THC pré-estabelecida, além de explicar o que são derivados e produtos de Cannabis.
Os artigos seguintes delegam para o Ministério da Agricultura, Abastecimento e
Reforma Agrária e do Ministério da Saúde competências como, por exemplo, registro,
inspeção e fiscalização da produção e de seus aspectos sanitários envolvidos.
O art. 7 é outro ponto que merece atenção especial, pois nele se permite o cultivo
doméstico de Cannabis para consumo pessoal ou compartilhado.

Artigo 7º - O plantio, o cultivo e a colheita domésticos de plantas de Cannabis


destinadas ao consumo pessoal ou compartilhado no domicílio, de até 06 (seis)
plantas de Cannabis maduras e 06 (seis) plantas de Cannabis imaturas, por
indivíduo, e o produto da colheita da plantação precedente até um máximo de 480
(quatrocentos e oitenta) gramas, ficarão isentos do registro, inspeção e
fiscalização a que se referem os artigos 3º e 4º desta lei.

Chamamos atenção às linhas finais do artigo onde podemos perceber uma importante
diferença em relação à Lei uruguaia, pois lá os cultivos domésticos carecem de autorização
por parte do Estado. Esclarece o Deputado JEAN WYLLYS (2014) “não seguimos o caminho
adotado pela lei uruguaia, que inclui a criação de um registro de usuários, já que
28

consideramos que o mesmo violaria a privacidade das pessoas.”, entendemos ser demasiado
relevante o respeito à privacidade, direito assegurado pela Carta Magna, entretanto, isto
geraria aqui no Brasil umas das principais questões levantadas no Uruguai no que diz respeito
a como se saberia quando as pessoas estariam obedecendo aos limites estabelecidos pela lei
em seus lares, sendo um local de acesso inviolável, protegido pela mesma Carta Magna, tanto
uruguaia como pela brasileira.
O artigo seguinte trata do cultivo coletivo realizado pelos denominados “Clubes de
autocultivadores” experimento de sucesso em diversos países onde é comum se limitar o
número de associados e de plantas, importante por eliminar a intermediação do mercado.

Artigo 8º - O plantio, o cultivo e a colheita de plantas de Cannabis realizados por


clubes de autocultivadores deverão ser autorizados pelo Poder Executivo de
acordo com a legislação vigente, na forma e condições que estabeleça o
regulamento.
Parágrafo único. Os clubes de autocultivadores deverão ter um máximo de 45
(quarenta e cinco) sócios. Poderão plantar um número de plantas proporcional ao
número de sócios, o que equivale a um máximo de 540 (quinhentas e quarenta)
plantas de Cannabis para clubes de 45 (quarenta e cinco) sócios, sendo 270
(duzentas e setenta) plantas maduras e 270 (duzentas e setenta) plantas imaturas, e
obter como produto da colheita da plantação um máximo de armazenamento anual
proporcional ao número de sócios, que não poderá exceder 21,6 kg anuais, na forma
e condições que estabeleça o regulamento.

Relevante demonstrar que neste item o PL muito se assemelha a lei uruguaia no


sentido de exigir registro para a constituição dos clubes, a fim de facilitar a prática de
inspeção e fiscalização da qualidade, quantidade e do possível mercado ilegal.
Os artigos posteriores preceituam, deixando ampla margem para regulamentação por
parte do executivo, as exigências necessárias para a industrialização de Cannabis e para sua
produção e comercialização com fins terapêuticos, ficando facultado ao Estado o monopólio
da produção para estes fins e vedando qualquer prática relacionada à manipulação genética
das plantas de Cannabis.
Avançando no PL, do art. 13 ao art. 17 são feitas alterações na Lei 9.294/1996 que
dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas,
medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, para incluir nos primeiros artigos da
supracitada lei a expressão “Cannabis, derivados e produtos de Cannabis” ou simplesmente
“Cannabis” em seu texto original, como podemos observar na transcrição do art. 13 a seguir:
29

Artigo 13 - O artigo 1º da lei 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar com a


seguinte redação:
“Artigo 1º - O uso e a propaganda de produtos fumígenos, derivados ou não do
tabaco; de bebidas alcoólicas; de Cannabis, derivados e produtos de Cannabis; de
medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições e
condições estabelecidas por esta lei, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição
Federal.
Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei, as bebidas
potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.”

O último artigo da primeira parte do PL dita as penalidades para quem incorrer nas
infrações dispostas no próprio projeto, se tratando sempre de processo administrativo e indo
desde a advertência à suspensão de registro ou licença ou ainda penas pecuniárias, sendo
todas as punições elencadas neste artigo extremamente parecidas com as dadas no caso da
regulamentação do álcool ou do tabaco.

4.2 - POLÍTICAS PARA REDUÇÃO DE VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE


ATRELADAS AO TRÁFICO E ANISTIA

A segunda parte do PL 7270/2014 se concentra em estabelecer como objetivos a


redução da violência e da criminalidade relacionadas ao tráfico de drogas ilícitas, além da
promoção e facilitação da reinserção social das pessoas nele envolvidas (Art. 20), isto posto,
delega-se ao executivo a atribuição de regulamentar a reinserção, agora no mercado lícito, de
pessoas que já praticavam a atividade de produção e venda antes ilícita.
Outra medida para a redução da criminalidade e reinserção social das pessoas nela
envolvidas é uma consequência natural da descriminalização da produção e comércio de
Cannabis e encontra guarida em princípio basilar do direito penal no qual se aplica a lei mais
benéfica ao réu, nas palavras de Capez:

Tanto na hipótese da abolitio criminis quanto na da alteração in mellius, a norma


penal retroage e aplica-se imediatamente aos processos em julgamento, aos crimes
cuja perseguição ainda não se iniciou e, também, aos casos já encerrados por decisão
transitada em julgado. (CAPEZ, 2012. p. 70)

Portanto, com a extinção da figura típica de tráfico de drogas quando o objeto da


conduta tenha sido a Cannabis, anistiar todos os indivíduos envolvidos nestas práticas até o
30

momento da aprovação da lei será uma consequência da qual não se pode fugir, sendo este um
dos artigos de maior repercussão, em vista disso, instrui o art. 21 do PL 7270/2014:

Artigo 21 – É concedida anistia a todos que, antes da sanção da presente lei,


cometeram crimes análogos aos previstos na nova redação estabelecida para o artigo
33 da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, sempre que a droga que tiver sido
objeto da conduta anteriormente ilícita por elas praticada tenha sido a
Cannabis, derivados e produtos de Cannabis.
§ 1º Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram processados, com ou
sem sentença transitada em julgado, por crimes praticados com violência, grave
ameaça ou emprego de arma de fogo; quando se tratar de delitos de característica
transnacional; quando tiverem sido praticados prevalecendo-se da função pública ou
no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância, ou
quando sua prática tiver envolvido criança ou adolescente, ou a quem tenha, por
qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e
determinação.
§ 2º A extinção da pena e/ou da ação penal importará a eliminação dos antecedentes
relacionados com os respectivos processos.
§ 3º Serão incluídos na anistia concedida, com a ressalva do § 1º, todos aqueles
que, antes da sanção da presente lei, cometeram crimes análogos aos previstos na
nova redação estabelecida para o artigo 33 da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006,
sendo a substância que foi objeto da conduta ilícita por eles praticada uma
droga distinta da Cannabis, derivados e produtos de Cannabis, sempre que
I – Até o dia da promulgação da presente lei ainda não tiverem sido indiciados em
processo criminal por tais crimes;
II – Por própria iniciativa se apresentarem perante o órgão que o Poder Executivo
estabelecer para a solicitação do registro e habilitação como unidade de venda de
Cannabis no varejo;
III – Abandonarem definitivamente, a partir de tal solicitação, qualquer atividade
relacionada à produção e/ou comercialização de drogas ainda ilícitas, sob pena de
revogação do benefício de anistia concedido.

Tal artigo é deveras polêmico e será de difícil assimilação para o público em geral,
pois, mesmo com o § 1º excluindo da anistia, entre outras hipóteses, aquelas em que a conduta
fora realizada com violência, grave ameaça e emprego de arma de fogo; o sentimento de que
alguns se aproveitarão desse justo efeito para disseminar boatos maldosos e contrários à nova
lei é muito grande. Sendo este sentimento ainda maior quando se fala no § 3º que inclui na
anistia indivíduos que tinham outras drogas como objeto de suas condutas, mas que ainda não
respondiam a processos e que, por sua iniciativa, abandonarem tais práticas para junto ao
órgão responsável no Poder Executivo, adentrar ao comércio legal de Cannabis, sendo esta
outra importante ferramenta de inserção.
Todavia, a anistia esbarra no art. 2ºA da lei 8.072/1990 (lei dos Crimes hediondos) que
inclui a conduta de trafico ilícito de drogas, tortura e terrorismo como insuscetível de anistia,
graça ou indulto, e é por isso que o PL em seu art. 19 propõe, também, mudanças neste
31

diploma legislativo, a fim de excluir do rol taxativo a conduta de tráfico na lei


supramencionada, necessário por “razões de técnicas legislativas” (JEAN WYLLYS, 2014).

4.3 - ALTERAÇÃO DA LEI DE DROGAS (11.343/2006)

Na terceira parte do PL 7270/2014 diversas alterações são feitas na Lei 11.343/2006,


conhecida como “Lei de Drogas”, tais alterações compreendem do art. 22 ao art. 56 e,
portando, elencar todas estas modificações feitas no presente trabalho se torna uma tarefa
inviável, tendo em vista os limites estabelecidos para conclusão da pesquisa, sendo assim,
serão observadas somente as principais mudanças.
O art. 22 do PL supra, corresponde ao art. 1 da Lei 11.343/2006 e é de extrema
importância para compreender a mudança de paradigma que a nova legislação adota, uma vez
que modifica alguns conceitos; para elucidar tais alterações, passamos a traçar um
comparativo entre os dois artigos de lei.

Artigo 22 - O artigo 1º da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a vigorar com


a seguinte redação:
“Artigo 1º - Esta lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
(SISNAD); prescreve medidas para a prevenção do uso problemático e para a
atenção e reinserção social de dependentes de drogas; estabelece normas para
repressão à produção e comercialização de drogas ilícitas, e define crimes.”

Na lei de drogas tínhamos a seguinte redação:

Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.

As três expressões destacadas exemplificam algumas propostas do novo diploma


legislativo.
Como em todo o projeto de lei, pretende-se distinguir usuário recreativo, usuário
problemático e dependente de drogas; e na primeira parte do art. 22 tem-se esta distinção ao
não colocá-los no mesmo patamar, prescrevendo medidas para evitar o uso problemático e a
atenção à saúde e reinserção social do dependente, resguardando a liberdade individual de
cada pessoa, deixando de lado, ao menos neste momento, o uso recreativo. Salienta-se que
32

com relação ao uso recreativo também são adotadas medidas de prevenção, informação sobre
consequências do uso e etc., contudo, noutro momento do projeto de lei.
Necessário também distinguir uso problemático de dependente químico, pois temos no
primeiro uma situação na qual o usuário necessita de ajuda, pois o uso ocasiona problemas em
sua vida (violência, furtos para sustentar vício e etc.), entretanto, não necessariamente em sua
saúde; já na segunda situação o usuário é considerado dependente por ter uma severa
dependência à substância, causando graves danos a sua saúde.
Ainda no campo das importantes modificações, encontramos a alteração do conceito
de “tráfico ilícito de drogas” para “tráfico de drogas ilícitas”, é importante fazer a distinção
entre o antigo e novo conceito pelas seguintes razões: imaginemos uma situação hipotética na
qual, em um futuro próximo onde a Cannabis não será mais considerada droga ilícita, um
carregamento desta mesma droga agora lícita é apreendido na fronteia, alegando o motorista
que não comete crime, pois no Brasil é permitido o comércio de Cannabis, porém sendo este
carregamento ilegal por não ser permitida a importação desta droga para comercialização
dentro do Brasil, pois fica a cargo do Estado brasileiro a concessão de permissões para
produção e industrialização de Cannabis a ser consumida no território nacional, ficando então
a conduta hipotética aqui contextualizada configurada como tráfico ilícito de drogas, passível
de punição, e não tráfico de drogas ilícitas por não ser mais a Cannabis, em tese, ilícita.
A respeito disso, o art. 23 do PL correspondente ao art. 2 da lei de drogas que antes
proibia em todo território nacional “as drogas”, prescreve:

Artigo 23 - O artigo 2º da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a vigorar com


a seguinte redação:
“Artigo 2º - Fica proibido, em todo o território nacional, o tráfico de drogas
ilícitas.

§ 1º. Para fins desta lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos
capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em
listas atualizadas anualmente pelo Poder Executivo da União, de conformidade
com as disposições legais em vigor e tecnicamente fundamentadas em critérios
científicos atualizados.”

Para melhor explorar as mudanças com o novo diploma legislativo sem a necessidade
de especificar artigo por artigo pelas razões já expostas, passaremos a traçar um comparativo
entre as antigas e novas redações do título III e seu capítulo II, disponíveis nos artigos 28 e 30
do PL em questão, respectivamente:
33

Artigo 28 - O título III da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a ser


identificado da seguinte maneira:
“TÍTULO III. DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO PROBLEMÁTICO,
ATENÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL; DOS DIREITOS DAS PESSOAS QUE
FAZEM USO PROBLEMÁTICO DE DROGAS; E DAS POLÍTICAS DE
REDUÇÃO DE DANOS.”

Redação anterior:

TÍTULO III
DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO, ATENÇÃO E
REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS E DEPENDENTES DE DROGAS

Seguindo no PL temos:

Artigo 31 - O capítulo II do título III da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a


ser identificado da seguinte maneira:
“CAPÍTULO II. DAS ATIVIDADES DE ATENÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL;
DOS DIREITOS DAS PESSOAS QUE FAZEM USO PROBLEMÁTICO DE
DROGAS; E DAS POLÍTICAS DE REDUÇÃO DE DANOS.”

Redação anterior:
DA PREVENÇÃO
CAPÍTULO II
DAS ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO SOCIAL
DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS

Portanto, levando em consideração as novas redações acima e por consequência os


artigos que lhes são correspondentes, podemos constatar que o âmago da nova legislação
neste ponto é, como já explicamos no início deste tópico, distinguir as “espécies” de usuário
para melhor implantar a política de redução de danos e de reintegração social, diferente do
que é feito atualmente.
Constituir atividades para proporcionar a prevenção de uso problemático mediante a
conscientização sobre os efeitos e riscos no uso, investir em alternativas de inclusão social e
melhoria na qualidade de vida destas pessoas e mantê-las inseridas na escola, além de
medidas voltadas à proteção da saúde do usuário como distribuição de seringas para evitar a
proliferação de doenças como HIV e hepatite C, implantação de programas de substituição de
drogas de uso problemático por outras substâncias de efeito psicoativo (com menor
nocividade e que causam menor dependência), definidas pelo regulamento, distribuição de
produtos projetados para a medição de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas, são algumas
34

das diversas medidas de redução de danos e reinserção social espelhadas em experiências bem
sucedidas de outros países como Portugal e Canadá.
Os direitos fundamentais destas pessoas (usuários problemáticos e dependentes)
também são protegidos pelo PL, direitos como não sofrer discriminação em campanhas contra
o uso de drogas, ter acesso a tratamentos voluntários de superação da dependência química
e/ou de outros problemas de saúde decorrentes do uso problemático de drogas, ter acesso a
apoio psicológico durante e após o tratamento e ter garantia de sigilo nas informações
prestadas são alguns destes direitos.
A nova redação do polêmico art. 28 da lei 11.343/2006 fornecida pelo art. 38 do PL
em questão prescreve:

“Artigo 28 - Não comete crime quem, para uso ou consumo pessoal, com fim
religioso, medicinal, recreativo ou qualquer outro:
I. - adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas ilícitas, ou
plantas ou outras matérias primas destinadas à preparação de drogas ilícitas;
II. - semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas ilícitas.

O cerne da questão aqui é esclarecer que o PL, apesar de regulamentar a produção e


comércio apenas de Cannabis, nesse ponto modifica a lei para descriminalizar quaisquer
condutas relacionadas às drogas, desde que estas condutas tenham como objeto a Cannabis ou
qualquer droga ilícita, e que configurem o uso pessoal, respeitando os parâmetros
estabelecidos pelo regulamento competente, nesse sentido (JEAN WYLLYS, 2014) diz
“Porém, não basta descriminalizar [...] É por isso que o projeto estabelece regras para que o
Ministério da Saúde, baseado em critérios técnico-científicos, determine as quantidades de
cada droga que serão consideradas para consumo privado” o avanço é no sentido de
descriminalizar para desmarginalizar o usuário, não colocá-lo na mesma esfera do traficante,
passando a tratar do assunto com viés sanitário, inserindo-o na sociedade, resguardando sua
saúde e liberdade individual e abandonando o modelo político/repressivo.
O art. 41, art. 42 e, principalmente, o art. 40 do PL objeto deste trabalho são de grande
relevância na alteração das condutas tipificadas no art. 33 e art. 34 da Lei de Drogas e,
também, na mudança do paradigma no qual todos os traficantes, seja o chamado “aviãozinho”
ou o narcotraficante, são relativamente equiparados, não havendo muita distinção no
momento de apená-los, sendo esta alteração primordial para uma verdadeira mudança na
situação atual onde maior parte das pessoas, e na maioria das vezes pobres, são os menos
35

beneficiados com os lucros e os que mais sofrem com a violência gerados com a guerra ao
tráfico, destarte, disciplina o art. 40 do PL 7270/2014:

Artigo 40 - O artigo 33 da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a vigorar com


a seguinte redação:
“Artigo 33 - Nas penas abaixo incorre quem, com o fim de obter lucro:

I - Importa, exporta, remete, prepara, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à


venda, oferece, tem em depósito, transporta, traz consigo, guarda, prescreve,
ministra, entrega a consumo ou fornece drogas ilícitas:
Pena - reclusão de 4 (quatro) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos)
a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
II - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda,
oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, com o fim de
obter lucro, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação
de drogas ilícitas;
III - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, de plantas ou sementes que se constituam em
matéria-prima para a preparação de drogas ilícitas;
Pena - Reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos, e 300 (trezentos) a 900 (novecentos)
dias-multa.
IV - fabrica, adquire, utiliza, transporta, oferece, vende, distribui, entrega a
qualquer título, possui, guarda ou fornece, ainda que gratuitamente, maquinário,
aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação,
produção ou transformação de drogas ilícitas, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos, e pagamento de 1.200 (mil e
duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.
Parágrafo único. Quem oferecer drogas ilícitas a menor de 18 (dezoito) anos,
eventualmente e sem intuito de lucro, incorrerá na pena de reclusão, de 02 (dois) a
04 (quatro) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.”

Antes de qualquer observação, apontamos para a principal alteração que está presente
no Caput deste artigo e diz respeito a só estar incorrendo nas condutas por ele elencadas quem
as pratica com intenção de obter lucro, isto eliminaria alguns disparates do atual diploma
onde, por exemplo, oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu
relacionamento, para juntos consumirem pode ser punido com pena de 06 meses a 01 ano,
adentrando, assim, o Estado na esfera privada e desrespeitando princípios basilares da
Constituição Federal como o direito a intimidade e a vida privada.
Percebemos ainda claramente a distinção das penas conforme a conduta a ela
relacionada, por exemplo, no diploma atual, tanto quem importa drogas ilícitas para venda,
quanto quem cultiva plantas que servem de matéria-prima para produção de drogas ilícitas,
incorre na mesma pena que é de 05 anos a 15 anos, acrescido de multa, totalmente fora de
36

qualquer razoabilidade; no novo diploma as penas podem ser menores, dependendo da


importância da conduta do agente, pois não se pode comparar o narcotraficante com a pessoa
que é “contratada” para realizar a colheita.
Não se altera a pena para quem oferece drogas ilícitas a menor de 18 anos.
Nesse seguimento, os artigos posteriores enumeram uma série de agravantes e
atenuantes nas quais para a sua aplicação é tomado como base o agente que pratica a conduta,
podendo reduzir a pena de um sexto a dois terços ou aumentá-la, também, de um sexto a dois
terços.
Isto depende, por exemplo, da sua relevância para o tráfico, desde que primário e de
bons antecedentes, da quantidade de droga apreendida ou pessoas em clara situação de
vulnerabilidade social, no caso das atenuantes; e no caso das agravantes de estar o agente se
prevalecendo de função pública, praticar o crime com violência ou grave ameaça e etc.
Por fim, nos últimos artigos desta terceira parte são feitas disposições de cunho
processual e investigatório onde são ditados parâmetros que possibilitam uma menor
discricionariedade por parte da polícia em momentos como o flagrante, por exemplo.

4.4 - CRIAÇÃO DO CNAPA PARA AS POLÍTICAS DE DROGAS.

Na quarta parte, cria-se o Conselho Nacional de Assessoria, Pesquisa e Avaliação para


as políticas de drogas (CNAPA), integrante do SISNAD18 instituído pela lei de drogas e que
terá suas competências e finalidades alteradas no caso de aprovação do PL 7270/2014 objeto
deste trabalho.
Já o CNAPA nasce com suas competências pré-estabelecidas claramente, sua função é
auxiliar o poder executivo da União na tomada de decisões relacionadas às políticas públicas
de drogas, será um órgão composto por diversos representantes do poder executivo e de
entidades de movimentos sociais, direitos humanos e de autocultivadores.
Este auxílio ao poder executivo se daria mediante fornecimento de dados, estatísticas,
relatórios técnicos, criando-se uma base científica para qualificar as políticas públicas.
Dentre suas competências, ressaltamos a estipulada no art. 60 do PL 7270/2014:

18
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
37

Artigo 60 - O Conselho elaborará anualmente, a partir do primeiro ano desde a


entrada em vigor da presente lei, um relatório público sobre os resultados da
regulação e regulamentação da produção e comercialização de Cannabis, derivados e
produtos de Cannabis

Com este relatório, que por sinal seria atualizado anualmente, se buscaria corrigir
possíveis erros, pois toda nova legislação é passível de erros, implementar as políticas que
forem bem sucedidas e estendê-las. E em caso de sucesso, sempre com base técnico-
científica, patrocinando uma possível regulamentação do consumo de outras drogas, sendo
este um dos principais desejos dos idealizadores do projeto de lei.
Por essa razão, compete também ao CNAPA, mediantes tais relatórios, recomendar ao
Poder Executivo da União a exclusão de alguma droga da lista de drogas ilícitas,
recomendando sobre a forma, prazos e condições da regulação e regulamentação da produção
e comercialização da mesma.
Desta forma, o gestor público passará a pautar as políticas públicas de drogas com
base principalmente em estatísticas e observação das consequências da nova legislação.
Suso exposto, passaremos a adotar o modelo das ciências, baseado em
experimentação, observação e tentativas, e não mais o modelo político moral atual do poder
executivo que de forma discricionária, não levando em consideração a opinião de nenhum dos
principais entes envolvidos, perpetua uma política regrada a pânico, medo e pré-conceito.
38

5 APOLOGIA AO PL 7072/2014:

5.1 - LIBERDADES INDIVIDUAIS

Inicialmente, não se pode fazer uma defesa à aprovação do projeto de lei objeto deste
trabalho, sem ressaltar o quão a política de drogas brasileira afeta a liberdade individual de
escolha do cidadão, pois, ao não se distinguir as drogas quanto a seus efeitos, e os usuários
quanto a suas respectivas implicações na sociedade, o que acontece é um cerceamento da
liberdade que converge no detrimento ao direito à privacidade e a autonomia da vida privada,
todos protegidos pela Magna Carta.
Dito isto, preceitua a Constituição Federal brasileira em seu art. 5º Inciso X:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação;

Logo, a Constituição assegura o direito a cada um exercer sua autonomia própria de


decisões na esfera privada, quando tais escolhas não afetem terceiros de forma danosa, desta
maneira, igualar o consumo de Cannabis ou de qualquer outra droga, que é um ato pessoal, a
uma conduta considerada criminosa, quando esta não contribui em nada na vida de terceiros,
nada mais é do que o Estado adentrando em questões das quais não lhe cabe interferir, a não
ser para prevenir para as consequências do consumo ou prestar auxílio em caso de uso
abusivo.
Sendo assim, o consumo de drogas, que é prática inerente da maioria dos seres
humanos como no caso de consumo de álcool ou tabaco, não pode ser considerado fato
criminoso quando diz respeito somente à esfera individual de cada um, nesse seguimento, em
brilhante raciocínio disponibilizado no RE 635.659 tratando da inconstitucionalidade do art.
39

28 da lei 11.343/06 que criminaliza o uso e porte de drogas para consumo, o Ministro Luís
Roberto Barroso aduz:

O denominado princípio da lesividade exige que a conduta tipificada como crime


constitua ofensa a bem jurídico alheio. De modo que se a conduta em questão não
extrapola o âmbito individual, o Estado não pode atuar pela criminalização. O
principal bem jurídico lesado pelo consumo de maconha é a própria saúde individual
do usuário, e não um bem jurídico alheio. Aplicando a mesma lógica, o Estado não
pune a tentativa de suicídio ou a autolesão. (MIN. BARROSO, 2015)

Todavia, com a desculpa da proteção à segurança pública, que é uma questão bem
mais complexa e que não envolve simplesmente o consumo de drogas e sim uma gama de
outros assuntos sendo estes, principalmente, socioeconômicos, o Estado cerceia direitos das
pessoas ao criminalizar e/ou penalizar o consumo de drogas e é nesta essência que esclarece
Salo de Carvalho:

Na tensão entre a crise de segurança individual, vivenciada pela sociedade, que se vê


cada vez mais como vítima em potencial, e a falência da segurança pública,
apresentada pela incapacidade de os órgãos de Estado administrarem em
minimamente os riscos, tentações autoritárias brotam com a aparência de
instrumentos eficazes ao restabelecimento da lei e da ordem. No cálculo entre
custos e benefícios, o sacrifício de determinados direitos e garantias
fundamentais aparenta ser preço razoável a ser pago pela retomada da
segurança. Sua assimilação resta ainda mais fácil se estes direitos e garantias a
suprimir integrarem o patrimônio jurídico de alguém considerado como inimigo, de
outrem considerado como obstáculo ou ameaça que deve ser reputado como
ninguém, como não ser. (CARVALHO 2016. p. 79-80)

Outro fator que serve de justificativa para limitar a autonomia privada das pessoas no
caso do consumo de drogas é o da proteção à saúde pública, porém, o que a experiência de
outros países que descriminalizaram o consumo de drogas nos fornece é que, ao contrário do
que se pensa, a criminalização piora as questões de saúde quando dificulta o acesso pelos
usuários aos tratamentos e informações relativas ao consumo.

O sistema atual de Guerra às Drogas faz com que as preocupações com a saúde
pública – que são o principal objetivo do controle de drogas – assuma uma posição
secundária em relação às políticas de segurança pública e à aplicação da lei penal. A
política de repressão penal exige recursos cada vez mais abundantes, drenando
investimentos em políticas de prevenção, educação e tratamento de saúde.
E o pior: a criminalização de condutas relacionadas ao consumo promove a exclusão
e a marginalização dos usuários, dificultando o acesso a tratamentos. (MIN.
BARROSO, 2015)
40

Em voto do Ministro do STF, Gilmar Mendes, relator do recurso extraordinário


supracitado, fora dito o seguinte: “A criminalização da posse de drogas para uso pessoal
conduz à ofensa à privacidade e à intimidade do usuário. Está-se a desrespeitar a decisão
da pessoa de colocar em risco a própria saúde.”.
Sendo então a liberdade princípio basilar em um Estado Democrático de Direito,
inclusive a liberdade para colocar em risco sua saúde quando o indivíduo entender que os
benefícios proporcionados são merecedores de tal risco, não cabe ao Estado interferir no caso
de se tratar apenas da esfera privada.

5.2 – DESMARGINALIZANDO O SIMPLES USUÁRIO

Como já dito no presente trabalho, tramita no Superior Tribunal Federal o Recurso


Extraordinário de nº 653.659, discutindo a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06
que criminaliza de forma despenalizada (no caso, penas privativas de liberdade), o porte para
consumo de drogas em geral.
Tal recurso foi interposto pelo Defensor Público-Geral do Estado de São Paulo contra
acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema/SP que, por entender
constitucional o art. 28 da Lei 11.343/2006, manteve a condenação pelo crime de porte de
drogas para consumo pessoal.
No caso concreto, o réu portava 3 (três) gramas de maconha, o julgamento teve início
em agosto de 2015 votando o relator ministro Gilmar Mendes pela inconstitucionalidade da
criminalização da posse de entorpecentes para uso pessoal em razão de violação a princípios
constitucionais; além de determinar outras medidas, importante salientar que, mesmo se
tratando no caso concreto do porte apenas de maconha, o voto do relator foi direcionado para
a descriminalização do porte para consumo de qualquer droga ilícita. 19
Em seguida, vieram os votos dos ministros Edson Fachin e Roberto Barroso,
diferentemente do ministro relator, ambos restringiram a descriminalização para o porte de
maconha, objeto do recurso, por entender, entre outras razões, que mudanças de tamanha

19
MENDES, Min. Gilmar. RE 635.659, STF.
41

importância e valor social têm que ser feitas paulatinamente, analisando suas consequências
antes de estendê-las a outras searas.
O ministro Roberto Barroso, com o fim de dirimir eventuais injustiças na
diferenciação de porte para consumo e tráfico, propôs estabelecer a quantidade de 25 gramas
de maconha por pessoa (visto a urgência da distinção), com base em experiências de outros
países que já descriminalizaram o porte para consumo, principalmente, Uruguai;
diferentemente de seus dois outros colegas que optaram por deixar a cargo do congresso a
delimitação de quantidades. 20
No momento da confecção do presente trabalho este recurso encontra-se com vistas ao
ministro Teori Zavascki já pelo período de um ano.
Analisar o Recurso Extraordinário supramencionado é de suma relevância para
entendermos a já presente, contudo, ainda lenta, mudança de perspectiva da sociedade com
relação às drogas, visto que, alguns anos atrás, discutir tal assunto fosse pela via judicial ou
pela via legislativa seria inconcebível.
Sendo o STF o órgão máximo do judiciário brasileiro, discussões referentes a tal
assunto em seu plenário são necessárias, entretanto, a via correta para uma mudança de
paradigma desta magnitude deve ser a que perpassa pelo Congresso Nacional, e é nesse
campo fértil que deve florescer o PL 7270/2014, posto que, vislumbrando uma eventual
aprovação, já não seria necessário, por exemplo, que o STF julgasse a demanda supracitada,
pois, como já explica no subitem 4.4, o projeto traz diversas alterações na lei de drogas,
inclusive descriminalizando o porte para consumo de quaisquer drogas, trazendo ainda tanto
outros avanços tendo sido boa parte deles aqui explicados.
Malgrado a diferença de amplitude se comparado o projeto de lei com o recurso
extraordinário no STF, posto que um só descriminaliza e o outro além de descriminalizar
regulamenta por parte do Estado a produção, industrialização e comércio da Cannabis, os dois
têm diversos denominadores comuns, sendo alguns dos principais a liberdade individual já
tratada no subitem anterior e também a desmarginalização do simples usuário, aquele
indivíduo privado de liberdade no âmbito particular, privado de assistência adequada de
saúde, de informações referente aos danos que o consumo de drogas pode ocasionar e que se
vê colocado à margem da sociedade, em posição vulnerável à violência gerada com o tráfico e

20
BARROZO, Min. Roberto. RE 635.659, STF
42

aos danos causado pelo consumo inconsequente, tudo isso por uma escolha que na imensa
maioria das vezes apenas afeta a si mesmo.
Isto posto e ainda no tocante à descriminalização, também como forma de
desmarginalizar o simples usuário, Salo de Carvalho citando Weigert expõe:

As políticas de redução de danos, portanto, conforme destaca Weigert, partem do


princípio de que “existem (e sempre existirão) usuários (dependentes ou não) que,
seja pelo motivo que for, não abandonarão as drogas. Optam pelo consumo e assim
permanecerão, razão pela qual defini -los como delinquentes ou doentes em lugar
de meros consumidores significa frear o movimento no sentido de respeitar seus
direitos como cidadãos. [...]
A descriminalização aparece, assim, como possibilidade de deslocamento do
enfoque, aprimorando instrumentos de garantia dos direitos humanos
fundamentados em modelos de diminuição dos efeitos perversos gerados pela
criminalização. Desde esta perspectiva é possível pensar políticas públicas eficazes
à prevenção sustentadas na informação e no ensino, no incentivo agrícola de culturas
alternativas e na regulamentação e controle do comércio das substâncias pelos
órgãos estatais. (CARVALHO apud WEIGERT, 2016. p. 148)

A vista disso chega-se à conclusão de que impor a marginalização ao usuário, seja pela
exposição à violência, seja pela intensificação dos danos causados à saúde, têm consequências
tão ou mais danosas que as causadas pelo consumo em si (MIN. BARROSO, 2015), mas que
podem ser abrandadas pela descriminalização e mais ainda pela regulamentação, ideia
defendida aqui e no PL 7270/2014.

5.3 – USO MEDICINAL

A ANVISA21 publicou em março de 2016 a RDC 66/2016, que permite a


prescrição médica e a importação, por pessoa física, de produtos que contenham as
substâncias Canabidiol e Tetrahidrocanabinol (THC) em sua formulação, contanto que seja
para uso próprio e para tratamento de saúde.
Entretanto, desde abril de 2014 o órgão regulador já vinha liberando pedidos
excepcionais de importação de produtos com Canabidiol para uso pessoal e em janeiro de
2015 retirou o Canabidiol da lista de substâncias proibidas no Brasil, situando-o como uma
substância controlada, com isso, a importação de produtos à base de Canabidiol, por pessoa

21
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
43

física, para uso próprio, com prescrição de profissional e para tratamento de saúde já vinha
sendo autorizada.22
O que ocorreu foi uma confirmação de prática que já vinham sendo adotada, abrindo-
se caminhos também para substâncias a base de THC e para amplificação dos pedidos
relacionados.
Contudo, na própria ANVISA a decisão não é vista com bons olhos, por alegar que,
mesmo tendo como exigência para a importação a regularidade das substâncias em seus
respectivos países, em muitos destes países tais substâncias não são consideradas como
medicamentos, podendo não ter sido avaliado por qualquer autoridade de saúde.
Todas estas preocupações são cabíveis, sendo necessário buscar mecanismos para
dirimi-las, a fim de proporcionar à pessoa que necessita de tais substâncias uma maior
segurança quanto a sua qualidade e procedência, pois o que se busca é uma melhora na saúde
das pessoas ou ao menos amenizar o sofrimento de algumas espécies de tratamento.
Cabe-nos aqui destacar a importância da aprovação do PL 7270/2014 em sentido
geral, mas também em questões específicas como esta do consumo medicinal, já é notório que
o consumo de Cannabis proporciona melhorias nas reações adversas causadas com o
tratamento do câncer, epilepsia, glaucoma e etc. Em Israel, desde a década de 90 o próprio
Estado disponibiliza as substâncias supramencionadas nestes casos específicos. (Vide 3.4)
Ademais, a aprovação evitaria absurdos como no caso do senhor Alexandre Tomaz23,
morador de Porto Alegre - RS, que após sofrer por um longo período com o tratamento de
linfoma na região do pescoço, resolveu buscar alternativas para amenizar as consequências da
radioterapia, quimioterapia e dos fortes remédios lhes receitados para depressão causada pela
doença; foi então que o mesmo tomou conhecimento que em alguns países o consumo de
Cannabis já era feito com esse fim, inclusive com incentivos em países proibicionistas,
Alexandre então resolveu cultivar Cannabis, apenas para consumo próprio, com fins
exclusivamente terapêuticos e sem intenção alguma de lucro.
Algum tempo depois, após delação anônima, foi denunciado pelo Ministério Público
do Rio Grande do Sul como incurso nas penas previstas no art. 33 da lei 11.343/06 (tráfico de
drogas), tendo o magistrado desclassificado para o art. 28 da mesma lei, acontece que em
22
ANVISA permite prescrição e importação de produtos com canabidiol e THC. ASCOM, 2016.
23
CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei 11.343/06
P. 299/300, 2016.
44

qualquer dos casos existe uma anomalia na qual uma pessoa que busca amenizar sua dor e
sofrimento, exercendo uma prática que afeta apenas a si mesmo, pode ser considerado um
criminoso, tratando-se aqui de mais uma questão que se findaria com a eventual aprovação.

5.4 FALÊNCIA DA GUERRA ÀS DROGAS

É notório que a atual política de guerra às drogas pautada numa repressão severa a
toda cadeia de produção, ao consumo e encarcerando em massa de todos os envolvidos sem
analisar sua real importância para a sistemática do tráfico esta sendo até os dias atuais um
total fracasso.
Até o momento, quase 50 anos após, não se conseguiu erradicar as drogas da
sociedade, como propôs o presidente americano Richard Nixon nos anos 70 ao declarar a
atual guerra, pelo contrário, as consequências foram catastróficas, genocídio de pobres,
aumento da criminalidade, crescimento e enriquecimento do crime organizado, consumo
desordenado, cadeias superlotadas, na sua maioria por jovens pobres e negros que são
expostos lá dentro a mais violência ainda e que quando saem voltam a delinquir, esses são só
algumas das sequelas que podemos citar brevemente.
Ainda com relação ao encarceramento, segundo dados do censo penitenciário de 2014
o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, ultrapassando os 600.000
detentos e 25% das pessoas presas condenadas ou aguardando julgamento lá estão em virtude
de condutas relacionadas ao tráfico de drogas, figurando em segundo lugar, atrás apenas de
crimes ao patrimônio que em boa parte tem relação intima com drogas, a proporção pula para
40% quando se fala de encarceramento de mulheres, isto gera custos elevadíssimos tanto para
manter estes presos, quanto para coibir que mais pessoas entrem nessa estatística.24
O vencedor do Nobel de economia Milton Friedman citado por Salo de Carvalho,
discorre sobre a guerra às drogas americana da seguinte maneira:

“O atual estado das coisas é uma desgraça social e econômica. Veja o que acontece
todos os anos neste país: colocamos milhares de jovens na prisão, jovens que
deveriam estar se preparando para o seu futuro, não sendo afastados da sociedade.
Além disso, matamos milhares de pessoas todos os anos na América Latina,
principalmente na Colômbia, na tal ‘Guerra contra as Drogas’. Nós proibimos o uso

24
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Censo penitenciário 2014.
45

das drogas, mas não podemos garantir que elas não sejam de fato consumidas. Isso
só leva à corrupção, à violação de direitos civis. Acho que o programa contra as
drogas dos EUA é uma monstruosidade e ele é que devia ser eliminado. A maconha
é apenas um pequeno pedaço desse problema, mas essa equação pode ser aplicada a
qualquer droga hoje em dia ilegal” (CARVALHO apud FRIEDMAN, 2016. p. 128)

Não podemos dizer que tais consequências não eram previsíveis, no subitem 2.3 foi
traçado um breve relato sobre a repressão ao consumo de drogas no século XX, perpassando
pela repressão americana ao álcool na década de 20, que causou aumento alarmante da
violência naquela época, o que podemos deduzir da análise a repressão ao álcool e da atual
repressão às drogas é que o modelo proibicionista não é o que melhor se encaixa com a
realidade da nossa sociedade por razões óbvias.
Podemos passar todo o presente trabalho apenas enumerando as razões pelas quais a
política de guerra às drogas não funcionou, porém, um dos principais motivos que podemos
aqui citar foi a intenção de erradicar as drogas da sociedade, Salo de Carvalho citando o
renomado jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni nos traz o seguinte raciocínio:

“una Política Criminal, que sueñe con que su objetivo sea la erradicación será
absurda, porque el delito, en su contenido concreto, es un concepto cultural y, por
ende, relativo, históricamente condicionado. Siempre habrá delitos, siempre habrá
conductas jurídicamente prohibidas y reprochables” (CARVALHO apud
ZAFFARONI, 2016. p. 84)

Com a mesma perspectiva, o Min. Roberto Barroso preceitua:

Em lugar de reduzir a produção, o comércio e o consumo, a política mundial de


criminalização e repressão produziu um poderoso mercado negro e permitiu o
surgimento ou o fortalecimento do crime organizado. Paralelamente a isso, floresceu
a criminalidade associada ao tráfico, que inclui, sobretudo, o tráfico de armas
utilizadas nas disputas por territórios e nos confrontos com a polícia.
Em contraste com o aumento do consumo de drogas, inclusive a maconha, o
consumo de tabaco caiu drasticamente. Segundo dados trazidos pelo IBCCRIM, em
1984, 35% dos adultos consumiam cigarros. Em 2013, esse número caíra para 15%.
Informação e advertência produzem, a médio prazo, resultados melhores do que a
criminalização. (MIN. BARROSO, 2015)

Suso exposto fica claro que proibir não é o caminho correto, não se trata aqui de
liberar ou abandonar ao bel prazer dos traficantes, mas sim de tomar para si o controle a
tempo perdido, para alguns pode ser difícil admitir, mas é impossível vencer totalmente as
drogas, elas fazem parte da humanidade e sempre farão, por isso, se não pode erradicá-las,
controle-as, minimize os danos, arrecade e converta os ganhos em prevenção e informação.
46

Os dados apresentados acima pelo Min. Barroso com relação ao tabaco exemplificam
o poder do controle estatal. Quando o Estado se apossa da regulação, dita limites e se
compromete a proteger o usuário de determinada droga, o que ocorre é a diminuição do
consumo. Anos atrás existiam demasiadas propagandas nas quais fumar era considerado
status, mulheres lindíssimas, homens bem sucedidos, todos fumando cigarros sem qualquer
espécie de informação sobre os riscos relativos ao consumo.
Hoje as pessoas tem acesso à informação, não são expostas às propagandas
incentivadoras de outrora e estão cientes de todos os perigos correlacionados, convertendo-se
em drástico decréscimo nos fumantes e, consequentemente, nas doenças atreladas ao uso.
São por estas razões que alterar totalmente a política de drogas atual é tão importante,
pois criminalizar não resolve o problema, na verdade só vem causando mais problemas
principalmente em um país como o Brasil, onde as diferenças socioeconômicas são tão
evidentes. Um sistema onde a condição social e a raça são fatores determinantes para moldar
o tratamento dado ao infrator, exempli gratia, um jovem branco de classe média pego com
drogas é rotulado de usuário/dependente, todavia, no caso de um jovem negro, pobre, morador
de comunidade carente e flagrado na mesma situação, este recebe quase sempre o rótulo de
delinquente.
O PL 7270/2014 ao propor uma alternativa diferente da guerra às drogas possibilita a
abertura de um leque maior de soluções para o tema e tendo a ideia da redução de danos como
um dos seus princípios norteadores, busca-se sanar a racionalidade moralizadora
proibicionista que cerceia o direito de opinar daqueles que são os principais destinatários das
políticas de redução de danos, novamente citando Salo de Carvalho:

Seja em termos de punição ou de tratamento, a resposta inquisitória à prática do


desvio punível é vertical, hierárquica e coativa, à qual o implicado simplesmente se
submete, não interage. As propostas de redução de danos, ao contrário,
pressupõem a participação ativa do destinatário do programa, não submetendo
o tratamento à lógica coercitiva. (CARVALHO, 2016. p. 159)

Entender que a redução de danos minimiza os riscos para o usuário e, principalmente,


para a sociedade é primordial, e para esta compreensão, estudar experiências como a de
Portugal com tal política, brevemente resumida neste trabalho, e com experiências de
regulação do consumo como a do Uruguai, são importantes e devem ser observadas com
47

olhos atentos, entretanto, a realidade brasileira é diferente da realidade destes países há pouco
mencionados, apenas nossa própria experiência vai poder dizer o melhor caminho a seguir,
contudo, não podemos fugir do fato que, a sistema proibicionista faliu e seja pela alternativa
do PL 7270/2014, ou por outras opções que venham a aparecer, uma modificação no
panorama atual se faz urgente. A guerra às drogas fracassou e não podemos apagar e nem
esquecer todos os males que ela causou.
Podemos refletir de maneira mais clara com as lúcidas palavras do magistrado
brasileiro Gerivaldo Neiva, ativista e defensor da legalização das drogas:

Desnudos da hipocrisia, do medo e do preconceito, sem dúvidas, teremos muito


mais condições de compreender o problema das drogas e de propor mudanças. Sem
qualquer sobra de dúvidas, o primeiro passo é compreender que a atual política
de “guerra às drogas” é um verdadeiro fracasso e a humanidade se envergonhará
dela e terá remorsos da cumplicidade com uma política que só encarcera e mata
pobres, jovens e negros. Em segundo, é preciso entender, sem traumas, que drogas
sempre fizeram parte da vida da humanidade e um “mundo sem drogas” é apenas
um mote inatingível para manter a atual política. Por fim, precisamos visitar e
dialogar com as experiências de descriminalização e de legalização que vivenciam
outros países e, sem hipocrisia e preconceitos, construirmos juntos uma nova
política de drogas para este país, que passa, necessariamente, pela legalização da
produção, distribuição e consumo de drogas. (NEIVA, 2016)

A verdade é que, da mesma forma que a guerra às drogas proporciona gastos


estratosféricos ao Estado e consequentemente à sociedade, é esta mesma guerra que gera lucro
a alguns poucos, não se falando neste momento de traficantes, que são peças comumente
substituídas em virtude do alto lucro e alta periculosidade que o tráfico propicia. Alguém
lucra com o tráfico e não é o pequeno vendedor de esquina, mas é este o que mais sofre com a
repressão.
São comuns os discursos de políticos que apelam ao terror causado pela violência
gerada com o tráfico para alavancar suas candidaturas pautadas na segurança pública sem
propor soluções reais ao problema, se fazendo valer da ignorância da maior parte da
população que presume ser o consumo de drogas o maior causador da violência
contemporânea.
Aliado a isto, encontramos a ideia da moral proibicionista onde se interferir na vida
privada das pessoas é justificado com base na defesa social, conceito vago e superficial que
poderia ser facilmente aplicado ao álcool ou tabaco, mas que não é por interesses escusos.
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Nestes fatores esbarra o projeto de lei aqui objeto de pesquisa, afinal, modificar
décadas de disseminação de determinadas ideias não pode acontecer da noite para o dia,
contudo, o debate é necessário e eficaz para a tão sonhada mudança de panorama.

5.5 - REGULAMENTAÇÃO DA CANNABIS X REGULAMENTAÇÃO DE OUTRAS


DROGAS

No decorrer desta pesquisa foram apresentadas demasiados motivos pelos quais se


defende a aprovação do PL 7270/2014, contudo, com estes mesmos motivos se justificaria a
regulamentação, não só da Cannabis como propõe o projeto, mas também de todas as drogas
ilícitas, portanto, surge a seguinte indagação: por que regulamentar apenas o uso de Cannabis
e não de todas as drogas de uma vez? A resposta é que todas as drogas deveriam ser
regulamentadas pelo Estado, que deteria o controle sobre todas elas, controle que atualmente é
inexistente, mas isso esbarra em outras questões que passamos a discutir.
A primeira delas é que regulamentar todas as drogas de uma vez causaria uma
mudança muito drástica em uma política antiga e enraizada na sociedade brasileira, uma
mudança dessa magnitude requer, antes de qualquer coisa, cautela.
A aprovação do projeto pode ser encarada, nesse sentido, como uma experiência a ser
adotada caso a mesma se converta em solução ao problema. Decisão alguma que é tomada às
pressas pode ser considerada como dotada de cautela, para esta mudança inicial ainda há
muito debate político social a ser feito e, caso aprovado e proveitoso, outra rodada de debates
ainda deve ser feita para a regulamentação de outras drogas.
Aqui surge uma segunda questão que poderá ser levantada facilmente: por que a
Cannabis? Por que não experimentar com outra droga? As respostas para essas perguntas
podem ser encontradas no decorrer do trabalho e nos próximos parágrafos.
Na pesquisa foi explicado, por exemplo, que em outros países que se propuseram a
estudar os efeitos das drogas de forma isenta, sem correntes moralistas, constatou-se a
necessidade de separá-las conforme sua capacidade danosa, e em quase todos os estudos, a
Cannabis figura dentre as que menos podem causar efeitos danosos à saúde do usuário, não é
dito aqui que o uso de Cannabis não implica em danos à saúde, mas não se pode comparar aos
causados, por exemplo, pelo álcool, cocaína, heroína, morfina e etc.
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O WDR25 2016 é um relatório anual feito pela ONU por meio do UNODC 26para traçar
um panorama do consumo e tráfico de drogas ilícitas pelo mundo, segundo o WDR no ano de
2014, que é o marco temporal para a análise dos dados, ocorreu algo em torno de 207 mil
mortes relacionadas com drogas, sendo de um terço a metade destas mortes acontecendo por
overdose que na maioria dos casos é causado pelos chamados opiáceos, substâncias derivadas
do ópio (heroína, morfina, codeína e etc.).
Saliento que em toda pesquisa não se encontrou relato de nenhuma morte causada por
overdose de Cannabis.
Outro fator de suma importância a ser destacado é o papel que a Cannabis tem em todo
o comércio ilegal de drogas, sendo a droga mais usada no mundo e, consequentemente, no
Brasil, o WDR ressalta que em 2014 cerca de 1 em cada 20 adultos com idades entre 15 e 65
anos usou alguma espécie de droga, aproximadamente, 250 milhões de pessoas, desse
número, por volta de 183 milhões dessas pessoas usaram Cannabis, colocando-a no topo do
consumo.
O relatório ainda aponta que o consumo de Cannabis se mantém estável desde a
década de 90, sofrendo elevação em virtude principalmente do crescimento da população
mundial.
Da análise fria dos dados apresentados compreendemos algumas coisas. Primeira:
como já ressaltado e exemplificado, a proibição não diminui o consumo; segundo: sendo a
Cannabis, com larga distância, a droga mais usada no mundo, regulamentá-la seria um grande
golpe no tráfico organizado, pois reteria uma das suas principais fontes de renda e afastaria
seus usuários do convívio com drogas mais pesadas e a violência do tráfico, que seria, em
tese, enfraquecido; terceiro: a Cannabis, se comparada com outras drogas, não se encontra
entre as mais perigosas, os próprios dados com relação à overdose comprovam isso.
Portanto, são estes os motivos pelos quais, neste momento do debate social,
regulamentar apenas a Cannabis vai ser de mais valia do que expandir a política
antiproibicionista de forma desordenada.

25
WORLD DRUG REPORT (Relatório Mundial sobre Drogas)
26
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
50

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, com a pesquisa ora apresentada, buscou-se, sem pretensão de exaurir todos os
detalhes envolvidos no tema, desenvolver um conteúdo de grande polêmica e na mesma
proporção, de grande importância para a sociedade brasileira e mundial como é qualquer
temática que envolva mudanças na política de drogas.
Entender que modificar um paradigma sempre que uma nova perspectiva nos é
apresentada é necessário em toda sociedade que se diz democrática, por mais que tal mudança
seja de difícil assimilação; fugir do debate e se esconder atrás de uma cortina de falácias pode
ser o caminho mais adequado para quem se beneficia com o panorama atual, contudo, na
posição de operadores do direito, colocar o tema em pauta buscando soluções que melhor se
adequem à realidade fática deve ser encarado como obrigação.
Por essa razão, o objetivo principal da presente pesquisa foi apresentar o projeto de lei
7270/2014 que tramita na Câmara dos Deputados e que regula a produção, industrialização e
comércio de Cannabis, tarefa desenvolvida de forma satisfatória, sempre buscando traçar
paralelos com experiências bem sucedidas em outros países a fim de criar a sustentação para a
defesa de sua aprovação.
Com as análises feitas no decorrer do trabalho e a simultânea constatação da realidade
atual, tendeu-se a apresentar as soluções propostas pelo projeto de lei ao problema das drogas
por entender que é o que melhor se adapta ao horizonte brasileiro, pois discute o assunto de
forma responsável, sem demagogias, muitas das vezes indo de encontro ao senso comum, mas
sendo sempre fiel aos seus princípios, mesmo que para isso alguns olhares desaprovadores
sejam detectados no caminho.
Tais soluções são pautadas na política de redução de danos, das liberdades individuais
e do respeito ao ser humano, ensejando um caminho seguro, humanizado e intimamente
ligado à realidade, para tratar do problema das drogas na sociedade moderna.
Ao final, conclui-se que, apesar da forte recusa por boa parcela da sociedade em
entender que o sistema atual de combate às drogas falhou, pode-se afirmar o surgimento,
ainda que modesto, de uma nova realidade na tratativa dada ao tema, buscando-se alterar as
políticas atuais, preocupando-se mais com o bem estar e dignidade da pessoa humana e
respeitando as liberdades de escolhas comportamentais.
51

Esta nova realidade pode ser constatada em todos os debates acalorados que
acontecem nos mais variados setores, buscando novas alternativas para a já falida guerra às
drogas, algumas dessas alternativas indo na contramão à tendência mundial de
descriminalização, porém na maioria das vezes buscando opções antiproibicionistas como a
aqui apresentada.
Portando, sendo o tema de tamanha relevância, envolvendo questões socioeconômicas,
de segurança pública, saúde, princípios e direitos de ordem constitucional e fundamental, e
após uma análise detalhada do mesmo ficou claro que, sem sobra de dúvidas, a eventual
aprovação do projeto de lei em questão será satisfatória para a sociedade brasileira, assim
poderemos encarar o problema de frente, de forma responsável, cautelosa e acima de tudo
respeitosa com as pessoas, sejam usuários ou não usuários, uma vez que o assunto das drogas
envolve todos os graus da sociedade.
52

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