Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Outubro de 2005
GT 10 Imagens e Sentidos: a produção conhecimento na ciências sociais
Um dos episódios mais significativos para o pensamento moderno sobre arte foi
a viagem empreendida por Aby Warburg aos Estados Unidos em 1895/6 na qual entrou
em contato com os índios pueblo, após o que ele alterou completamente sua maneira de
olhar a arte ocidental. Há, no entanto, uma profunda controvérsia sobre a herança e
significado desse contato entre esse pesquisador dedicado á história da arte e esses
índios. Conquanto haja acordo que tenha marcado de maneira seminal o pensamento
desse que chega a ser apontado por seus admiradores como tão influente como Freud, o
texto que testemunha diretamente os fatos que se sucederam durante a viagem foi
produzido em condições extremamente peculiares: Warburg o escreveu afim de
demonstrar pleno domínio sobre suas faculdades mentais e conseguir provar sua cura
enquanto interno da Clínica Bellevue na Suissa. A sua apresentação ao público ocorreu
em 21 de abril de 1923 para o público dos internos dessa mesma clínica. Ele estava
internado desde de 1921, e antes disso havia passado por uma clínica privada em
Hamburgo por ter, em 1918, ameaçada sua esposa e filhos com uma arma. Warburg
tencionava assassinar seus próprios familiares para evitar serem eles capturados, presos
e torturados até a morte em prisões secretas por persecutores anônimos, bolcheviques ou
por fúrias punindo seu abandono do judaísimo.
Tratar desse texto, assim como de toda obra de Warburg, implica um intrigante e
aparente contrasenso: o descompasso entre sua fama e o volume e condições de acesso
de sua obra. Aby Warburg é uma das personagens mais instigantes do pensamento nas
ciências humanas no século XX. Com grande influência em autores como Carlo
Ginsbug, Ernest H. Gombrich ou Michael Baxandall. Mais recentemente podemos
traçar suas marcas em Timothy J. Clark e Pierre Bourdieu. Algumas referências ao seu
pensamendo aparecem por tabela, através da citação de autores que se inspiraram
fortemente em seu trabalho. Clifford Geertz, por exemplo, em seu famoso ensaio sobre
a arte como sistema cultural, aponta o trabalho de Baxandall como exemplo do que ele
sugere e entende por uma etnografia das obras de arte.
Um dado espantoso, no entanto, dado uma presença tão forte em tantos autores
tão conhecidos, é o fato de que Warburg publicou pouco em vida e que as traduções de
seus textos são igualmente escassas. A biblioteca do Instituo Warburg em Londres
registra poucas obras suas. Há apenas um texto com data mais antiga, de 1939, sobre
sua viagem aos Estados Unidos, citada acima, cujo índice indica tratar-se de uma
conferência sobre povos pueblos (a chamada contém uma observação que ressalta que o
material disponível é uma cópia de artigo do jornal do próprio instituto). Ao todo são 78
entradas, mas a maioria é de publicações póstumas, como a já citada. Há algumas
traduções para o italiano, uma publicação completa de suas obras em japonês (tradução
de Tetsuhiro Kato de 2003) e pouco mais do que isso. Há também uma publicação de
1997 intitulada Photographs at the Frontier: Aby Warburg in América 1895-1896,
organizado por Benedetta Cestelli Guidi e Nicholas Mann, ralizada por Merrell
Holberton. Aparentemente este livro traz apenas as reproduções das fotografias tiradas
por Warburg durante sua viagem. A maior parte dos títulos está em alemão e foi
publicado a partir dos anos 80 e as referência são de várias edições da mesma obra.
Uma busca exclusiva por edições de trabalhos de Aby Warburg indica apenas 41
registros (infelizmente a lista que os especificava estava indisponível e não pude saber
quantos são livros, artigos de revistas especializadas ou outros textos quaisquer, como
artigos de jornal).
A explicação para a falta de publicações desse autor pode estar ligada a duas
razões: primeiro, ao próprio perfil do Instituto; segundo porque talvez a influência de
Warburg tenha sido muito maior por suas posturas e perspectivas de trabalho do que
propriamente por uma grande obra. O Instituto apresenta-se como voltado,
principalmente, ao estudo da tradição clássica na qualidade de tema que unifica a
história da civilização ocidental. A sua origem é a biblioteca do próprio Warburg
centrada no contexto intelectual e social da arte renascentista. Em 1921 essa biblioteca
tornou-se um centro de estudos em história cultural. Em 1933 o instituto mudou-se para
Londres afim de escapar do regime nazista e em 1944 foi incorporado à Universidade de
Londres1.
1
Informações extraídas do site do instituto (http://www.sas.ac.uk/warburg ), no
original: “The classical tradition is conceived as the theme which unifies the history of
Western civilization. The bias is not towards 'classical' values in art and literature:
students and scholars will find represented all the strands that link medieval and modern
civilization with its origins in the ancient cultures of the Near East and the
Mediterranean. It is this element of continuity that is stressed in the arrangement of the
Library: the tenacity of symbols and images in European art and architecture, the
persistence of motifs and forms in Western languages and literatures, the gradual
transition, in Western thought, from magical beliefs to religion, science and philosophy,
and the survival and transformation of ancient patterns in social customs and political
institutions. The Institute stems from the personal library of the Hamburg scholar Aby
Warburg (1866–1929), whose research centred on the intellectual and social context of
Renaissance art. In 1921 this library became a research institute in cultural history, and
both its historical scope and its activities as a centre for lectures and publications
expanded. In 1933 it moved from Germany to London to escape the Nazi regime, and in
1944 it was incorporated in the University of London. It is now a member-Institute of
the University’s School of Advanced Study. Its first Director was Fritz Saxl followed by
Henri Frankfort, Gertrud Bing, E. H. Gombrich, J. B. Trapp, Nicholas Mann and
Charles Hope”
2
WARBURG, Aby. Cópia de carta datada de 26 de abril de 1923 enviada por Warburg a F. Saxl e
publicada como encarte em Koener, p. 58.
e, para Koener, as duas únicas boas traduções de seu alemão difícil são justamente do
Ritual da Serpente: uma de 1990 intitulada Essais Florentins, de Sibylle Muller, e outra
de Philippe-Alain Michaud que contém em anexo o rascunho inédito da conferência. Há
uma tradução para o alemão, de 1988, coordenada por Ulrich Raulff, que foi produzida
a partir de um texto original datilografado e não sobre o que foi elaborado para tradução
em 1938. A nova tradução para o inglês, de Michael Steinberg, se afirma completa, no
entanto, o texto datilografado que Warburg tinha diante dos olhos enquanto falava havia
sido elaborado por Saxl e Bing a parti de rascunhos manuscritos que ele os havia
enviado de Kreuslingen. O autor ainda os cobriu de anotações e correções e, para
completar, não leu, mas discorreu sem olhar para o papel. Apenas ao fim dos anos 80
esse texto foi organizado com a ajuda de Anne-Marie Meyer em cujo trabalho baseou as
versões inglesa e alemã.
Por outro lado, está bastante claro, a partir de Warburg, que a idéia de uma
explicação puramente interna para o sentido das obras de arte é insuficiente. Ele recusa
a existência no homem de uma faculdade que o torne capaz de julgar o belo, seja esse
julgamento anterior ou posterior à obra, mais ainda de que esse julgamento seja
universal, por qualquer processo que isso se realize. Esse julgamento é condicionado
por um contexto histórico determinado. Toda a dificuldade que surge, no entanto, a
partir dessa proposição inicial, que, inclusive, é facilmente demonstrada, está no fato de
que as tentativas de buscar uma explicação para o sentido da obra de arte por forças
específicas e claramente discerníveis no próprio mundo da arte e que não remeta nem ao
puramente estético, nem ao reflexo imediato de outras esferas da vida social, segundo
Ginsburg, fracassaram. Ou seja, se o pressuposto pode ser validado a partir de
comparações entre épocas ou culturas distintas, não se pode dizer o mesmo da maioria
das pesquisas que procuraram tratar as obras de arte buscando outros recursos que não
uma leitura estética fechada em si mesma. A maioria dos mesmos acabou escorregando
para um determinismo disfarçado que não fez outra coisa senão apresentar a produção
iconográfica como resultado de ações movidas em outras atividades, como a política ou
a religiosa, como se ela não tivesse independência alguma, o que lhe retira o interesse
enquanto material investigativo autônomo.
Durante seus devaneios na clínica ele acredita que toda sua família lá estava em
algum lugar secreto esperando para ser massacrada e que a carne servida durantes as
refeições vinha dos corpos de seus próprios filhos. Sua terapia era composta de repouso,
ópio e terapia. Com a ajudar de Fritz Saxl ele consegue que seus médicos prometam sua
alta se ele conseguisse redigir e pronunciar uma conferência erudita sobre um tema à
sua escolha. Ele decide falar sobre a serpente e interpela seus dados à busca de
elementos para discorrer sobre diagnósticos com que ele mesmo é identificado: quer
saber se os índios que as manipulam são mesmo esquizóides e se realmente vivem entre
o delírio e a razão (Koerner: p 19).
Apesar dessas condições absolutamente anormais de produção de uma
conferência o resultado é absolutamente equilibrado. No entanto, para Koerner, o
interesse dessa conferência não está no que revela sobre o Hopis e seus rituais, mas na
importância que tem para o entendimento da personalidade de Warburg e sua
contribuição à história da arte. Para esse comentador de sua obra, embora seja ela seu
maior interesse, a maneira como Warburg lidou com as agruras da guerra, seu judaísmo
e sua relação com a Alemanha, sua herança e sua saúde mental, constitui uma espécie
de fábula sobre nossa própria identidade no mundo moderno (Koerner, p. 23). Ao fim
de seu texto, afinal, há um julgamento sobre a modernidade: a eletricidade teria
destruído o espaço como zona de contemplação dotada de uma dimensão espiritual
formada pelo conflito entre o pensamento mítico e o simbólico.
Koener aponta como exemplo dessa sua exploração do estranho a sua análise da
igreja florentina da Santíssima Anunziata. A partir de documentos inéditos ele nos
mostra a presença de pessoas contemporâneas ao artista nas telas sobre passagens
sagradas por ele pintadas, fazendo do espaço da igreja um campo de jogo do mundo
profano (Koerner: 34). Os exemplos podem se multiplicar em muitos, talvez à própria
extensão da obra de Warburg. Ele nunca se constituiu, assim, em um grande pensador
da cultura ocidental ou da modernidade nos moldes especulativos de outros grandes
autores. Ao contrário, foi sua postura diante dos problemas da cultura ocidental,
bastante inovadora, que lhe rendeu sua fama. Warburg rompeu com a noção de que telas
constituíam totalidades fechadas sobre si mesmas em estado de perfeição. Ele evidencia
nelas a presença não apenas dos rostos mundanos, mas também de elementos de
religiões pagãs contrapondo-se á idéia de uma nifestação religiosa pura, chegando,
através das rupturas, às contradições da cultura e do pensamento sobre a arte e a
civilização ocidental.
O interesse dos alemães por esta obra em especial, para Koerner, estaria ligada
ao anti-americanismo de Warburg. Ele chama a atenção para um genocídio que se
passou não nas mãos do alemães, mas na dos americanos. A sua viagem aconteceu
cinco anos depois da batalha de Wounded Knee na qual a última grande sublevação
indígena sofreu sua derrota definitiva. Lamentar-se-iam os alemães de que os ingleses
não souberam valorizar o tesouro que tinham em mãos (Koerner: p. 42 e 43).
As notas para a conferência revelam ainda que sua viagem foi inspirada pela
obra de Gustav Nordenskiold, arqueólogo sueco que publicou The Cliff-Dwellers of the
Mesa Verde, Southwestern Colorado, publicado em Estocolmo em 1893, mais
particularmente por uma reprodução fotográfico contida neste livro, que, apesar da sua
má qualidade, cativou fortemente a atenção de Warburg. O tema era uma fotografia de
um povoado índio encrustrado numa grande falha de um rochedo. É a esta obra que o
ele confere a base científica de sua viagem. (Michaud: 176) Em outra nota Warburg se
diz profundamente em débito com esses índios pois sem esta viagem não estaria em
condições de dar um fundamento amplo à psicologia da Renascença (Michaud: 183).
Muito orgulhoso de seu desempenho, Warburg conta que não leu o texto, mas
declamou-o sem perder o fio narrativo. Michaud concorda que a apresentação, além de
testemunhar sua recuperação, destinava-se a mostrar que os caminhos do pensamento
apresentam certas similitudes com a concepção de mundo dos índios e poderiam ser
explicados através dele (Michaud: 187). Para ele, o contraste entre a magia fantástica e
os fins materiais não teriam nada de esquizóide, ao contrário, revelariam a ausência de
barreiras entre o homem e o mundo que o rodeia. A partir, portanto, de seu contato com
a arqueologia, Warburg teria descoberto um novo filão para a história da arte entendida
com reconstituição do passado.
3
Warburg, apud Michaud, p. 174.
psicológica fundamentada na sua condição de judeu, mas sobretudo a busca de uma
postura científica que ele credita a autores de grande importância coetâneos a Warburg.
A sua disposição e atenção não estariam voltadas para a Europa, mas justamente o
inverso, revelariam profundo descontentamento tanto com o pensamento como para
com a cultura ocidental.
4
Assim se apresenta o programa de Carlo Severi na EHESS: Traditions iconographiques et
mémoire sociale. À partir d’une réflexion sur Aby Warburg et l’anthropologie de l’art, ce séminaire collectif est consacré à l’étude du
mode de fonctionnement des traditions iconographiques. On essaiera, comme les années précédentes, d’évaluer la relation de ces
traditions avec des pratiques liées a la mémoire sociale, et de les distinguer d’autres types de tradition, qu’elles soient écrites ou orales.
Cette année, on poursuivra dans le travail de généralisation anthropologique du concept warburghien de nachleben (« vie posthume »)
des iconographies, en focalisant sur la notion de réinterprétation des images dans le contexte d’échange ou de conflit entre cultures
différentes.
Partindo de uma suposição radicalmente inversa àquela dos autores anteriores,
Severi recupera vários pensadores fundamentais para o pensamento de Warburg que
acabam por conformar um projeto para além da revisão do renascimento, com alta
relevância para a antropologia contemporânea, e que ele primeiro experimenta em sua
viagem aos Hopis. Uma das questões fundamentais que ele procura esclarecer é: como
se dá a formação e transmissão cultural de símbolos. A primeira pista que Severi segue
afim de traçar as origens dessa questão é um texto de Edgar Wind no qual ele destaca a
importância de Robert Vischer para a compreensão dos pontos de vista de Warbug. Em
1873 Vischer publicou um pequeno ensaio revolucionário sobre a “empatia visual”. A
questão que ele se colocava é: porque certas imagens são mais intensas do que outras?
A resposta implicava um exame do nosso olhar bem como de nossa imaginação.
Vischer, influenciado, por sua vez, pelo pensamento de Scherner, conclui que “de fato,
assim como a imagem onírica, a projeção inconsciente de emoções intensifica a
representação visual através de dois caminhos: ela liga intimamente o observador à
imagem criando uma espécie de compromisso entre o que emana da imaginação e o
que se encontra representado pela percepção, e ela enriquece a imagem de cadeias
associativa de idéias.” (Severi: 81). Ou seja, o ato de perceber implica sempre uma
participação particular daquele que percebe pois requer uma projeção do que é
percebido, o que dota esse ato de uma complexidade histórica e cultural.
É munido dessa perspectiva que Warburg descobre nas suas observações sobre
os Hopis que a representação realista e a abstrata não são opostas, ao contrário, podem
ser complementares. Essas conclusões teriam encontrado eco no pensamento de Franz
Boas para quem existiria uma representação realista, imitando a perspectiva unifocal do
olho, e outra imitando como os objetos são representados pelo espírito. O que Warburg
descobre entre os Hopis é exatamente que a representação mental excede aquilo que a
imagem permite ver. A figura de uma ave, por exemplo, pode ser decomposta em suas
partes essenciais e aparecer como uma espécie de abstração heráldica que requer não
apenas um olhar mas um processo de decifração (Severi: 83/84). Esse foi o primeiro
passo para romper com a idéia de que a leitura de uma obra de arte deve ser realizada
apenas a partir de seus elementos constituintes, pois isso deixa de lado capacidades
específicas de ver.
Até este ponto, na verdade, não há muito porque considerar, como Severi
pretende, que estamos diante de uma brecha esquecida do pensamento de Warburg e
que poderia configurar uma outra linha de pesquisa diferenciada e ligada
especificamente à antropologia. Na verdade, a obra de Gombrich, na melhor tradição do
pensamento do Instituto, procura responder a essas mesmas questões e as toma com
ponto de partida. Através de referências muito mais elaboradas sobre o ato físico e
biológico do ver e também de dados sobre as história da arte, Gombrich demonstra o
quanto ao olhar é indispensável aquilo que ele denomina de “esquemas”, ou referências
visuais que tornam possível a representação e sua observação.
Um dos principais nomes dessa antropologia foi Alfred Haddon, que tornou-se,
em 1910, primeiro professor de antropologia de Cambridge. Ao lado de Pitt-Rivers,
Stolpe e Colley March, foi um dos pensadores mais importante a dedicar-se a uma
antropologia das imagens. O objetivo principal desse ramo esquecido da antropologia
seria o de estudar a distribuição geográfica das formas na arte primitiva, projeto que
estava maculado por uma perspectiva evolucionista, tratava-se de definir linhas
seqüenciais de formas afim de reconstruir um passado perdido através de suposições
extraídas das conclusões fundamentadas na distribuição ainda visível e encontrada nos
povos primitivos. Pitt Rivers já havia postulado que o primeiro reflexo do homem
primitivo não é o de traçar uma forma sobre um suporte, mas de reconhecer uma forma
no ambiente. Uma pedra, por exemplo, na qual se pode projetar a forma de uma foca.
Esse passo de análise nos faz trocar a idéia da imitação pela da interpretação de seu
conteúdo. Através de processo de simplificação e projeção chegamos à questão
fundamental do sentido. Após uma seleção que retém os traços essenciais do objeto
representado, passar-se-ia à elaboração de um modelo gráfico que se poderia repetir.
Suas variações e desenvolvimento histórico poderiam ser traçados mesmo se os povos
que os produziram já não tivessem consciência de sua origem. A contribuição de
Warburg, para Severi, estaria justamente em deslocar a questão da investigação de
linhagens de formas de representação para a forma pela qual a memória se instaura nas
sociedades primitivas. Severi desenvolve seu texto a partir desse ponto na direção de
fornecer alguns avanços nesse aspecto.
Sem querer cansar o leitor com mais uma leitura dessa obra, gostaria de destacar
algumas passagens à guisa de conclusão. Warburg abre a conferência ressaltando a
distância temporal entre os fatos que ele passará a narrar e o momento presente, o que
pretende superar em parte pelas suas anotações e outras lembrança que trouxe e que
gostaria de ter examinado melhor. Apresenta um duplo objetivo: transmitir aos seus
ouvintes, ao menos através das fotografias, uma impressão sobre um mundo e de uma
cultura que morrem; e também de também de expor um problema decisivo para a
história em geral, saber em que medida devemos ver nesses povos as características
essenciais de uma humanidade pagã primitiva? (Warburg: 59)
O que me parece deslocado nessas discussões todas sobre sua obra, que
destaquei acima, na verdade, é a importância atribuída ao que fundamentou posições tão
renovadoras do pensamento sobre as artes. Mais ainda tentar, a partir disso, delimitar
campos específicos aos quais aplicar legitimamente suas descobertas ou posturas.
Parece-me mesmo que estamos diante de uma dinâmica extremamente voltada para
núcleos auto centrados de investigação que pensam seus contatos esquartejando
pensadores e pesquisas de modo bastante aleatório. As incursões na psicologia para
explicar certas atitudes de Warburg certamente são muito especulativas, no seu caso
alimentaram apropriações e divagações bem pouco justificáveis e cuja consistência
permite justificarem qualquer posição que seja. Obviamente temos um caso muito
evidente a particular de mistura entre necessidades psicológicas e a produção de um
texto. Isso não quer dizer que tenha sido diferente em outros autores cujos dados sobre a
vida particular estão indisponíveis ou são considerados irrelevantes. Na verdade, muito
claramente, a biografia desse grande pesquisador é um desafio que cresce na medida das
suas poucas publicações, que servindo de argumento explicativo de qualquer posição.
Esse tipo de abordagem talvez tenha dificultado uma leitura mais ampla e mais
neutra da contribuição de Warburg. Há alguns elementos muito ricos na sua leitura, por
exemplo, o fato de que ele, em nenhum momento, toma os desenhos ou os elementos
tomados com sendo a serpente como meros desenhos ou representações distanciadas e
irreais em relação ao representado. Ele as trata o tempo todo nos termos dos índios, ou
seja, o raio é a serpente. Há mesmo considerações contemporâneas na antropologia que
imaginam essa postura como novidade quando na verdade data de mais de cem anos.
Sem querer fazer um balanço, julgar essa ou aquele leitura mais exata ou correta,
nem mesmo uma conciliação forçada, o que me parece sempre artificial pois seria tentar
reconstruir uma totalidade por justaposição ou encaixe de peças imaginadas como
isoladas, menos ainda desprezar contribuições importantes, há alguns pontos que
poderiam ser orientadores de uma leitura mais aberta e rica de Warburg, sobretudo
desse texto em especial. Particularmente importante é a conclusão que extrai da
observação do ritual da serpente: “Mitologia não é regida por energia mínima, não há
fator que desperta racionalidade, ao contrário, para dar conta das coisas conhecíveis se
institui um ser saturado de energia demoníaca, afim de poder manipular à plena mão as
causas dos eventos misteriosos.” (Warburg: 126). Warburg está tratando, assim, a
criação simbólica como um ato de emancipação intelectual (conforme aponta Saxl: p.
150), proposição preciosa não apenas por romper com a noção de que o comportamento
indígena era esquizóide, involuído ou anacrônico em relação aos recursos da sociedade
que o circundava, mas também por questionar de modo geral a distinção e a separação
entre o racional e o simbólico. Soma-se a isso outra proposição igualmente importante e
central ao seu método que pode ser melhor expressa em uma frase que, segundo seus
discípulos, ele gostava de repetir: Deus está no particular. Warburg nos ensina a seguir
as pistas mais mundanas, os dados mais imediatos, a nos deixar levar por nossos objetos
de pesquisa de modo mais intenso e livre, para alcançar uma superação que de modo
algum é redutora ou restrita à racionalidade ou ao espírito, é sistemática e
metodicamente preso aos dados concretos tendo como objetivo final a amplitude do
entendimento do homem.
Bibliografia: