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AS MULHERES E AS LÍNGUAS: PUNIÇÃO E IDENTIDADE PELA LEITURA

José Luiz Foureaux de Souza Júnior


UFSM - BRASIL

Para Hélène e Amanda.

(...) a ardilosa realidade da condição feminina confrontou


muitos homens da classe média - e muitas mulheres também
- com a necessidade de clarificar atitudes, de pôr
preconceitos à prova, de tomar decisões. A autopercepção do
homem estava em jogo. Os sentimentos exasperados que essa
situação provocou, e as mimerosas controvérsias que ela
gerou, só p<xiem deixar atônitos aqueles que não conseguem
perceber a preponderante parcela de sentimentos ocultos
existente na criação de atitudes sociais e ideologias políticas.

(Peter Gay)

Não há muito exagero em dizer que esse século é marcado por dois momentos ideológicos

contraditórios, aliás, aparentemente contraditórios: a paródia e o ceticismo. Duas observações iniciais são

necessárias. A questão da ideologia é por demais complicada, mas tomo aqui a palavra em seu sentido

mais primário, aquele que se refere a um conjunto de idéias, em tomo de um tema comum, por exemplo.

A segunda observação se refere à contradição, ainda que aparente, passível de ser detectada entre esses

dois movimentos. Essa


contradição exigiria um ensaio completo para sua sustentação. Insisto nela apenas por uma questão de

colocar em xeque as questões aparentemente certas e livres de problemas, dúvidas, etc.

Toda essa introdução se justifica por força da qualidade de um escritor latino- americano que, na

minha opinião, e conforme o quadro de referências apresentado, pode ser tomado como paradigma dessa

situação, principalmente no que se refere à literatura. Trata-se de Jorge Luiz Borges. Esse nome é aqui

referido explicitamente, por conta de uma de suas personagens mais intrigantes: Pierre Menard. Essa

personagem

é responsável pela tentativa de re-escrever o Quixote, tentativa que acaba por deixar metaforizada a grande

ansiedade da literatura, a busca de uma origem e/ou de uma originalidade absoluta, uma utopia.

A referência a Pierre Menard vai me levar ao ponto inicial de minhas considerações nessa

comunicação. Trata-se de um artigo de Silviano Santiago, chamado ‘TEça, autor de Madame Bovary”

Em linhas gerais, o ensaio do crítico brasileiro coloca em discussão uma das instâncias textuais mais

complexas, o autor. Santiago coloca em questão a composição narrativo-estrutural de dois romances

escritos em Língua Portuguesa - O primo Basilio, de Eça de Queirós e Dom Casmurro, de Machado de

Assis - ambos tomados como uma reapropriação de Madame Bovary, de Flaubert. Por que a insistência

no nome dos autores? Porque, na verdade, essa referência vai explicitar um dos objetivos mais genérico

dessa comunicação que é pensar a questão da identidade que se constitui, também, na língua e em seus

usos. Essa identidade deve ser, aqui, considerada uma experiência permanentemente recomposta,

inapropriável. Pois bem, Santiago discute a possibilidade de pensar a escrita de seu romance como um

plágio1 - ainda que essa seja uma palavra muito forte - do romance do escritor francês. O sentido de plágio,

aqui, não se recobre de censura ou condenação porque

i
SCHNEIDER, Michel. Voleurs de mots. 1985, p.47-70.
enquanto o leitor de um texto é sempre um outro, é possível considerar que o texto é a lembrança de uma

tela, algo que faz lembrar de um “texto” anterior. Assim, a leitura remete ao desejo de um grau zero da

escritura2 que nunca existiu

Outra idéia a ser considerada aqui é a de que a leitura é sempre uma escritura de segundo grau,

não apenas em relação à realidade cultural representada no texto, mas também da escritura ela mesma.

Assim, o plágio é apenas um caso particular de escritura e, eu diria, um exercício de leitura sempre

derivada de uma outra leitura. A proposta de discussão se assenta numa crítica contemporânea a Machado

de Assis que o teria acusado de plagiar o romance de Eça.

A argúcia do crítico brasileiro relê as linhas dessa proposta de polêmica, gênero muito comum

no final do século XIX e início do nosso, para desenvolver um raciocínio brilhante acerca da questão da

questão da “autoria” de um texto literário, o que acaba por refletir-se na consideração do que costuma

denominar de identidade cultural.

Meu interesse particular é propor, a partir dessas premissas, um caminho de reflexão sobre a

relação intercultural que pode ser identificada e analisada a partir da leitura comparativa dos três romances

anteriormente citado. Vale lembrar que aleitura é, ao mesmo tempo, uma atividade individual e social. '

Ideologia e coletividade se intercambiam dando forma ao que podemos chamar de discurso cultural.

Quando se faz esse tipo de consideração no âmbito do que se conhece por lingua, é necessário afirmar

que a leitura é, em si mesma, um acontecimento em que a própria língua se transforma. E claro que não

vou concluir essa discussão aqui, nem, tão pouco, ouso desenvolver toda uma hipótese teórica. Minha

arrogância se junta à minha honestidade intelectual para apenas determinar algumas linhas que considero

plausíveis e básicas para repensar uma série de coisas - entre outras a relação interlingual que pode ser

pensada nas atividades de leitura no ensino superior.

Não interessa aqui a discussão pura e simples de diferenciações identitárias entre língua materna,

língua estrangeira e língua segunda, por exemplo. No entanto, acredito que tais especulações pode abrir

2
BARTHES, Roland Le degré zéro de 1'écriture. 1972, p. 165-167.
?
NUNES, José Horta. Formação do leitor brasileiro. 1994, p.9-12.
mais um caminho para a discussão de questões pertinentes a essas três categorias.

Uma outra motivação para a apresentação de minha proposta de especulação é o fato de que nos

três romances em referência, a cena final é idêntica. Cada um a seu modo, acaba por apresentar uma

situação de punição da mulher que se identifica com um traço atávico da cultura ocidental, daí a

possibilidade de pensar a identidade cultural, na interlocução entre língua portuguesa - do Brasil e de

Portugal - e língua francesa. O pano de fundo é o trabalho com a leitura de textos literários, no ensino

superior.

É necessário esclarecer que por “cena final” estou entendendo, aqui, a seqüência narrativa que

culmina com a morte das três protagonistas - Ema, Luisa e Capitu. Em rápidas pinceladas o que acontece

é o seguinte: no caso de Ema Bovary, o narrador nos apresenta o suicídio de Ema, por um motivo que é

recorrente ao longo do romance - a insatisfação da protagonista e sua sede de prazer e felicidade, abortados

pelos repetidos malogros amorosos, inclusive, o matrimônio; nesse caso a punição se dirige à devassidão.

No caso do romance português, a protagonista é punida com uma febre inexplicável, e mortal. Sem quê

nem porquê, da noite para o dia, Luisa amanhece febril, seus cabelos são cortados - aí está o significante

da punição - e ela morre; seu pecado foi a traição aos princípios burgueses de fidelidade conjugal. Em

Machado de Assis, a situação é análoga, mas a motivação é um tanto particularizada, porque burguesia e

devassidão não se juntam, mas induzem Capitu a cair na rede do ciúme atormentado de Bentinho: não se

pode “afirmar” que houve o adultério.

À parte as diferenças no tratamento ficcional dado ao tema do adultério nos três romances,

considero importante colocar algumas reflexões pormenorizadas - guardadas as proporções do espaço de

minha comunicação - acerca de cada uma das narrativas. Adianto que não vou me deter na questão

vocabular por si mesma, ainda que, ao final, venha a propor um direcionamento das considerações para o

campo da tradução.

No caso do romance de Flaubert, temos um casal de província que é - e esse fato é fundamental

para entendermos um pouco das perspectivas de leitura de romances franceses do século XIX, devedores
convictos de uma tradição descritivo-realista fundamental para a literatura da época, o casal de

protagonistas sacramentam, com seu casamento, um contrato burguês no campo: nada da burguesia

urbana que vai caracterizar outras narrativas ficcionais da época, mas a insistência na articulação entre

provincianismo e vida no campo. Ema é uma mulher “romântica”, por vício de formação. Leitora dos

românticos mais em voga, vive influenciada pelo imaginário romântico e desenvolve uma procura

desesperada de ascensão social aliada ao prazer sensual. Nesse desejo desenfreado por mudança de status

existencial, Ema recusa sua condição provinciana, em nome do desejo burguês de bem viver. Nesse

sentido, seu casamento se reveste de uma aura de interesse, marcada pela busca de um status social

diferenciado.

Em contrapartida, Charles, o marido, reconhece, ao longo do romance, sua falência como marido

mesmo, enquanto instrumento de realização marital dos desejos de ascensão social de Ema. Ela ama sua

mulher mas não perde de vista seu perfil estreito de médico de província, o que lhe impões e à mulher,

uma série de limitações absolutamente frustrantes para ambos.

Dadas essas condições, a punição de Ema - veiculada por um suicídio que nada tem de covarde,

mas funciona como admissão do fracasso, no sentido nietzcheano - funciona como sentença social

provinciana para o pecado da devassidão. Na esteira da luxúria, Ema perde o controle da situação e se

deixa arrastar numa enxurrada de “crimes” que não podiam ficar impunes: o moralismo provinciano da

burguesia do campo não o permite.

Num segundo momento, temos o casal formado por Luisa e Jorge, igualmente provincianos, mas

de um provincianismo citadino, urbano - como requer o código da modernidade. Luisa também é leitora

dos românticos franceses, mas ao contrário de Ema, não se sente atraída por mais nada além do que já

possui: boa casa em Lisboa, empregados, um marido dedicado e todos os confortos que o modelo burguês

poderia oferecer. Seu paraíso começa a ser ameaçado com a volta de um primo, amor antigo, atropelado

pelo casamento apaixonado. O contrato burguês aqui se localiza na cidade, como já se disse. Há de se

insistir que um certo provincianismo pode ser detectado nesse quadro narrativo, mas um provincianismo
dirigido à situação de Lisboa no contexto europeu “fin-de-siècle”. Jorge é o protótipo do macho bem

sucedido, para a época.

O detalhe que chama a atenção no aparente equilíbrio da cena de fundo é o fato de que a célula

dramática do romance é espelhada no texto do próprio romance. Na mise-en-abyme realizada pelo

narrador, Emestinho, uma personagem, escreve uma peça cujo fim é vivenciado pelo casal de

protagonistas. O marido é traído e deve decidir sobre o destino da mulher adúltera. Coincidentemente, ela

morre, mas não por meio da febre que vitima Luisa. Esse espelhamento em profundidade pode remeter à

narrativa de Flaubert, recuperada pela dicção narrativa de Eça de Queirós que, por meio de insistentes

comparações da vida lisboeta com a mundanidade parisiense, acaba por reduplicar a situação de

insatisfação vivida por Ema e sua punição que, no caso de Luisa, é revestida de uma erudição atávica no

perfil culto-intelectual dos portugueses.

Em outras palavras, a morte de Luisa remonta à punição medieval das mulheres tomada pelo

demônio. Os jesuítas, mestres na arte de “arrancar” confissões de obsessão de homens e mulheres têm

uma participação mais que profunda na formação do caráter religioso dos portugueses. Essa marca se

deixa transparecer quando Luíza tem a cabeça raspada Esse elemento dramático pode ser associado ao

ritual inquisitorial, já referido, o que, por sua vez.


na economia do romance de Eça acaba por explicitar urna faceta da religiosidade – marca indiscutível da

identidade cultural portuguesa.

Fiquemos, agora, com algumas considerações acerca do romance de Machado de Assis. De

maneira diferente, em relação às duas protagonistas já citadas, Capitu tem uma personalidade forte. Moça

decidida, resolve todas as situações com um senso de objetividade e equilíbrio, que superam o próprio

Bentinho, personagem fraca e indecisa, apesar de nomear a narrativa, fato que o faz coincidir com Basilio,

o vértice do triângulo de adultério estabelecido no romance português. Bentinho, como já se disse, é fraco

e seu espírito ffeqüentemente assaltado por dúvidas e inseguranças. Talvez seja resultado da força

impositiva da mãe, substituída depois pela objetividade de Capitu. No fim de sua trajetória narrativa,

Bentinho é um homem atormentado por um ciúme doentio, um pouco fruto de sua imaginação, associada

à insegurança que lhe marca a personalidade. Suas fantasia são comuns quando se pensa no perfil do

homem burguês - na perspectiva de Peter Gay que coloca no homem um temor desmedido pelo “sexo

misterioso” da mulher, o que acaba por refletir uma insegurança em relação à possibilidade de perda de

seu lugar na hierarquia social da burguesia fin-de-siècle.

Ainda sobre Dom casmurro, é necessário que se diga que os nomes das personagens são

significantes mais que sintomáticos das situações aqui referidas. A mãe de Bentinho se chama Glória;

Capitu, na verdade, se chama Capitolina, o que remete o significado de seu nome para o campo semântico

da superioridade que marca sua personalidade. Bentinho, ele mesmo, tem no nome um diminutivo

ambiguo, ao mesmo tempo carinhoso e depreciativo.

Todas essas considerações, a meu ver, remetem para uma reflexão acerca do exercício da leitura.

Não há como negar o valor das teorias que se debruçam sobre essa perspectiva de trabalho com o texto,

seja ele literário ou não. No caso específico da literatura, pode-se pensar nas considerações de Wolfgang

Iser3 e todo um ideário acerca do ato de leitura, ato fundador

4
ISER. Wolfgang. Tc act of reading. A theory of asthetic response. 1980.
de sentido. No que se refere ao ensino de lingua, tal perspectiva me parece igualmente válida, ma vez que

o texto literário, para além de suas questões particulares, apresenta, no minimo, duas outras facetas

instigantes para esse trabalho.

De um lado, a possibilidade de se pensar e discutir e refletir e teorizar acerca das representações

que a própria linguagem, utilizando determinado código lingüístico, acaba por construir de urna cultura.

O texto literário é porta-voz desses discursos difusos, subliminares, aparentemente inocentes. De outro

lado, a questão das formas lingüísticas elas mesmas que, confrontadas pela ótica da tradução - por

exemplo - apresentam outro fecundo conjunto de variáveis igualmente fecundas.

Além do mais, o texto literário encena um sujeito que escapa do controle gramatical de uma

língua. Em outras palavras, o eu que fala no texto, na linguagem, nunca é, sem poderá sè- lo, uma entidade

compacta, única. A história de sua nacionalidade, os traços de sua cultura, as entroces de seus códigos

sempre serão mais fortes. A leitura, el mesma, é reveladora desses subterfúgios nos quais o eu do leitor

se identifica com aquele outro, o que o faz repetir a mesma série de considerações Assim, estabelece-se

uma mise-en-abyme constante, crescente e circular, girando sempre em tomo da utopia de uma língua

adámica, original, como queria Haroldo de Campos.4

Tudo isso pode ser correlacionado quando, se o quisermos, tomamos a representação agenciada

pelo discurso desenvolvido na linguagem ficcional, através, por exemplo, da descrição realizada no

romance Muitas teorias devem haver sobre as inúmeras possibilidades que o texto ficcional oferece. Nesse

sentido, o que disse sobre os três romances, no curto espaço dessa comunicação, acaba por propor uma

linha de discussão que pode, por exemplo, eleger a paródia como inversões narrativas, enquanto formas

de leitura intercultural Sihiano Santiago estaria certo, então, ao considerar Eça de Queiroz autor de

Madame Bovary. apenas


• • • •

pelo fato de ter tomado a categoria de “autor” como aquele - dentre outras -que privilegia a consideração

de um discurso intercultural agenciado e permitido pela linguagem literária que é “lida”.

4
CAMPOS. Haroldo de. Deus eo diabo no Fausto de Goethe. 1981. p. 179-209.
Assim, na conclusão desse conjunto de provocações, creio ter deixado clara a minha proposta de

encaminhamento não apenas de uma discussão teórica sobre o assunto - no sentido d determinação de

possíveis “modelos” pra as análises possíveis mas um encaminhamento até certo ponto prático, um

exercício demonstrativo das idéias que gostaria de ver discutidas e teorizadas aqui e em outras

oportunidades. É nesse sentido que considero pertinente declarar que a Literatura Comparada, enquanto

pretensa disciplina, é interessante para a “leitura”, enquanto metodologia de trabalho teórico na

Universidade.

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