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Pr doDireito Sujeito doDesejo Direito e Psicandlise Alguns entrelagamentos importantes para se pensar como Remuera creOE} Te Me emery Tees Onno EONS ORT Na ( TR AOL a Cena freudiana, 0 Outro, Sujeito, Ima- Sinario, a relagao entre 0 Outro e 0 Social. 0 texto do psicanalista francés, Olivier Dowville, €o resultado de ‘uma conferéncia feita para os alunos do Curso de Especializagao em Psicologia Juridica, em 1996, sobre o pensamento de Pierre Legendre, nos mostra como se coloca para aquele autor a questao da alteridade em nossa sociedade, como ela é produzida em ligagao com © discurso juridico e, a partir dat, como se dé a ordem das filiagdes e & possivel contar as geracbes. Ele ressalta que a obra de Pierre Legendre “visa colocar em relevo a relacao légica entre a Jo subjetiva dos indi gens normativas da referencia”. Quero, ain- da, assinalar que, para melhor esclarecer um dos principais eixos que ientam 0 pensamento de Legendre — 0 sistema simbélico genealdgi- co =, ele discute a “palavra crianca", mostrando que se trata de uma Fealidade complexa e construida em cada cultura, Acreditando que estes textos serdo muito estimulantes para todos (os profissionais de ciéncias sociais e humanas, em particular, aqueles cujo trabalho esta referido as criangas e aos adolescentes, ressalto que hha uma interligacdo acentuada entre uns e outros. Nao ha necessaria- mente uma ordem melhor para lé-los. Contudo, é certo que a leitura de todos os artigos facilta a compreensao de cada um deles. Boa leitural Sénia Altoé OS RI SUMARIO Capitulo 1 # f Sujeito do Direito, Sujeito do Desejo............ Régine Mougin-Lemerle Capitulo 2 f Seriam os Fundamentos da Ordem Juridica Razodveis? ..... 15 Pierre Legendre Capitulo 3 Flica, Moral e Sujeito 29 J6 Gondar Normativos da Infancia e da Juventude . 39 ‘Ant6nio Fernando do Amaral e Silva Capitulo A Psicandlise Pode Ser de Algum Interesse no Trabalho Institucional com Criangas e Adolescentes? : 31 Sonia Altoé Capitulo 6 ‘A Ordem da Filiacdo 61 Patrick Guyomard a ' F Sujeito de Direitos nas Varas de Famflia?......... 67 Leila Maria Torraca de Brito tulo 8 Poder Genealégico do Estado. . Piesre Legendre 0 Direito dos Menores e sua va Fvolugio em Face das Regras Internacionais .... 3 nina Lal ferna, Questdes de Teoria ou: das Leis a Lei Capitulo 12 Para Apresentar Algumas Idéias de Pierre Legendre sobre Nossa Modernidade, Palavras de um Psicanalista Ocidental Olivier Douville 7” 89 . 97 es 133 Capitulo 1 SUJEITO DO Direto, SUJEITO DO DEsSEJO Régine Mougin-Lemerle! Traducao: Paulo M. Schneider Revisao Técnica: Ana Licia T. Ribeiro depois de ter nascido homem, nio é to evidente imano é uma construgao. Como se constitui um sujei- to humano? Como dar conta das dificuldades dessa construao, de seus passes e portanto das neuroses, ¢psicoses? A psicandlise nos permit 1, por sis6, responder a essas quest0es? Elan € uma teoria do sujeito mas uma teoria da atividade psiquica do ser humano. Mas a atividade psiquica do homem poderd ser compreendida deixando-se de lado os pontos de referéncia cone 10? Nao haverd, como afirma o préprio Jacq I sobre a amarracio subjetiva do homem dentro de sua his- € pessoal? “O homem, desde antes de seu nascim: para além da morte, esté preso na ca ibolica que Fundow E portanto necessério, para se compreender @ constituigao do Sujeito do desejo humano e os avatares dessa construcio, estudar as relagoes e as aticulagdes entre o Juridico e o Psfquico. Por isso centrei rmembro da Asso de Paris Ville d 2__SUJEITO DO DIREMTO, SUIEITO DO DESHO, DIREITO E.. cessas conferéncias para a VER)? no tema maior da filiacao, questionado em referéncia ao direito da filiagdo, as notéveis Legendre, e & teoria freudiana do Sujeito. (© que esté em jogo na filiagao? Em que a nominacao é constitutiva daidentidade de um sujeito? O que nos ensina o “complexo de Ea seus avatares? Quais os efeitos psiquicos dos impasses da fiiacio? Como se articulam a Lei e as leis? Quais 0s efeitos psiquicos do incesto? © QUE ESTA EM JOGO NA FILIACAO Somos seres falantes. Os psicanalistas t€m como tarefa interpretar, dar sentido aos enunciados de seus analisandos, em busca dle sua hist6- Tia e da verdade de seu desejo. Fiquemos atentos para nao nos esque- cermos de que, antes de sermos filhos de nossos pais, somos filhos do texto que Legendre chama de Referéncia, Os ps aqueles que praticam a clinica da construcao do Si nto interesse em levar em conta a especi ito do Desejo tem ide do Sujeito do direito insereve o ser humano na ordem da filiacao, segundo modalidades particulares e proprias @ cada cultura. Cada cri anga é falada por antecedéncia, bem antes de seu nascimento, no somente como nos provam os tratamentos analfticos, no desejo ¢ nos discursos de seus pais e ascendentes, mas também pelas leis determi- nantes de sua ido e de sua nominagao, O NOME institu’ um sujeito , ordenado segundo regras, “arranjos arbitrérios mui- to trabalhados” ao longo dos séculos. A crianga humana nao é 0 produ- to da came de seus progenitores, nem mesmo de seu desejo de filhos, idas. nos procedit O ser humano —a menos que se ra da fliagio — é subme- aclas na UER| de 22 a 26 Régine Mougin-Lemerte. No ciclo de palestras denominado SUJEITO DO DIREITO, SUJEITO DO DESEJO, promovido pelo Curso de Especializacao em Psicologia Juridica, batico —as eis ea Lei; 0s efeitos psiquicos do incesto, neem SUJEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESEO _3 permite se inscrever como vivente tendo a capacidade de reproduzir a vida instituidla, ou seja, falada, codificada, simbolicamente organizada. Para advir como ser desejante, o que quer dizer vivo, o flhote humano tem antes que se referir a um Nome e, portanto, 2 uma genealogia na al 0 que esté em jogo, raci é construfdo de modo muito ado pelos ju a brilhantemente Legendre. de nossas filo”. De que Pai se pretacao psicoldgica dessa cli amig ais chefes”, Nao nos deixemos embalar por encan- tamentos magicos que conclamam os novos pais ou denunciam as caréncias patemas, as familias ditas monoparentais. Nao fagamos con- fusdo entre evolucao de costumes, mi socais, de sociedades ferozmente individualistas, competitivas, que privilegiam prazeres imediatistas, ef€meros, consumismo em todos 0 sentidos ¢ causalidade institucional e psiquica. Facamos de preferéncia cia de um pai de came e osso que gera o desamparo cara (psicose). Nao é tampouco sua simples presenga—mesmo afe sa eatenta ao filho — que geraria para a crianga a capacidade de viver, amar, trabalhal Eo frac so da fungaio paterna, do oficio do pai, que impede o fando falha a juncao do biolégico, do social e do inconsciente, pela operacao dogmndtica, ocorre, como nos lembra cons tantemente Legendre, “quebra” do sujeito. Por qué? Porque o ser hhumano nado se autofunda, ndo se autoriza por si mesmo a se humani- ar, ou seja, a falar e desejar em seu proprio nome. Pois seu nome the ver de um outro —o pai —que o recebeu de um outro — seu pai, etc. Sustentar 0 desejo de viver necessita do apoio simbolico daquele pelo qual fomos chamados a viver na qualidade de “filho di 4 _SUJEITO DO DIREITO, SUJEITO DO DESEO, DIREITO E. ANOMINACAO. Do mesmo modo que nao escolhemos nossos pais, nds no esco- Ihemos nosso Nome, De imediato, estamos no mundo alienados pela sociedade — e suas inhagem — e pelo desejo de ‘expresso minimamente pela escolha de nosso prenome, ico, Essa dupla Jo social e de nossa ancoragem subjetiva. E claro que a humanidade é multicultural e hiperinventiva: os gru ‘pos humanos nao sao organizados segundo regras de parentesco uni- versais. Mas sio universais as linhagens (conjuntos de pais e maes entre os quais podemos tracar lagos geneal6gicos matri 1eares) ea lei da interdicao do incesto, Nenhiuma s ite e portanto uma referéncia, is50 mostra 0 quanto a 1620 no € tao evidente assim; nao basta gerar. Nomear Z nao se re- za dizer que ele ¢filho de X e Y, mas consiste antes em declarar que ele traz, de uma maneira socialmente autorizada, o nome de X (ou Y). O nome confere & crianca um lugar dentro de uma linhagem, o diteito Ihe oferece o espaco dentro do qual ele teré de construir sua estrutura psiquica e sem 0 qual ele ndo seria mais do que uma “boneca de came ou de pano” (produto do coito de seus genitores ou de seus farrapos particulares). Pierre Legendre insiste sobre as funcdes da nominaco e das regras geneal6gicas: produzir diferenciagoes e permitira transmis- sto da vida, Produzir a diferenciagao nome de familia nao ¢ redutivel ao sobrenome do Pai concreto, quer se trate do pai biolégico da crianca ou do pai que reconheceu e, portanto, deu seu sobrenome a tima crianca. A érvore genealégica con- figura o que Legendre chama de Referéncia —ou Principio de Razio — que ordena, nos textos jurdicos constantemente comentados e rema- nejados, ainstituigao da vida. Ela dé sentido ao que sem sso seria ape- nas produgao da Natureza, Portanto, nds somos antes de tudo filhos da Referéncia. A lei nos diz filho ou filha daqueles que ela designa como 1nossos pais, em consiceracao & Referéncia (enunciada pelos textos fun- dadores: a Torah, a Biblia, o Cordo, as leis da cultura). Isso quer dizer SUJEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESEO _5. {que somos filhos da lei simbélica, Aquela que, como nos lembra Lacan, *egulando a alianca, opée o reino da cultura ao reino da Natureza des- tinada ao acasalamento; a interdicao do incesto é 0 piv6 subjetivo des- sa oposi¢ao". O sobrenome ¢ assunto especficamente humano da palavra, e portanto também do Inconsciente, que € um sistema de Tepresentagdes estruturado como uma linguagem. E por isso que se iprovisarmos” muito apressadamente nosso sistema juridico, que do ser humano na sua linhagem, nos arriscare- nos arriscaremos a desencadear da crise de identidade que atra- introjetar as imagens parentais eas interdigdes sociais — novamente em causa o principio de h A transmissao de vida Legendre distingue apropr ‘ransmissdo biol6gica da vida dos humanos, que necessita de um. social conferido pela nominacao. O sobrenome toma presente a ‘gem, para além dos ancestrais, até o primeiro homem, até Deus, etc. “Todos os nossos mitos de criagdo e de orige lteridade iro, Referéncia Absoluta fundadora, € uma pura montagem uma ficgio que se enuncia dentro da arbitrariedade das regras. Eo ponto de apoio constitutivo do sujeito. "Nao existe Outro do Outro como nos ensina Lacan. As leis de fliagdo nos designam limites e conseqllentemente lugares, pois colocam em pratica regras logicas de continuidade e diferenciagio, lica bem nossa inelinagao natural para ignoré-las ou para transgredi-las, e para ficar imaginariamente fusi- ‘onados eroticamente com nosso pai ou nossa mae, 'Nosso sobrenome nos inscreve dentro de uma ordem e nos situa em relagao a nossa linkage! to um laco, mas produz também interdigbes de lacos — os lacos incestuosos. Legendre nos Jembra que as regras da fliagao organizam a regulamentacao especifi ‘camente humana do incesto. NOMINAGAO E IDENTIDADE Nao podemos ser sujeitos desejantes sem nos submetermos a essa inscrigio ao mesmo tempo prescritiva e proibitiva, Dentro de nosso sistema ocidental, nosso sobrenome — piv ao mesmo tempo de nos- 6 _SUIEITO DO DIREITO, SUJEITO DO DESEIO, DIRETO E.. SUJEITO DO DIREITO, SUIETO DO DISHO_7 sa identidade social e de nossa identidade subjetiva— remet wlo bem os textos gregos € os comentirios de Pierre Hrangoise Héritier, localizamos a origem da infelici a Sc pers tes trage storia antecipadamente, e ele carreya a a 110 perpetuado pelas geracdes (0 rapto de Crisipe por ss0es tepetidas do interdito do incesto e das | de Edipo coloca em discurso a causalidade dp ponto dle juncao entre Sujeito do Direito e Sujeito do ito entre as leis da cidade, o destino e 0 inconsciente. te humana simbélica. jantes em nosso proprio nome. A filiacao é tentou dar conta, teoricamente, nos socorre” que nos ajuda aficar de pé ipo” e “complexo de castracao”. precisio, que sdo as montagens juridicas da ordem gen ‘guns individuos, da ciéncia, ou de Estados demissionari . de sentimentos e de pel. Legendre denuncia com énfase as manipulacbes cont fem parte ou na sua totalidade inconscientes. Esse con- ‘ordem genealogica e seus efeitos devastadores para o su (/uma forca afetiva que estrutura a personalidade de cada lar, sem tomar as devidas precaucées, 0. ui le colore seus afetos e orienta suas ages. Freud evoca, € ameacar a construgao da autonomia psig de 1897, seus sentimentos de amor por sua mae e seu Psicandlise se retinem como intérpretes do fatima em 1925 que todo individuo conhieceu essa fase incesto que nos permite viver ¢ transmitir a Hui, No melhor dos casos Freud afirma que 0 complexo de Edipo: dia Séfoctes,"Muitos dos mortais ja compart castrasao.E grag a mmaterno”. 0 compartha colocado em afo,e mesimo sem qi i a, como ocorreu com o infelizEdipo, transforma 0 cada estégio de uma linhagem destinada & extingao. fi lilo (substituto do penisnei O COMPLEXO DE EDIPO E SEUS AVATARES {oninina heterossexual. Nao nos estenderemos Freud tinha visto desde 1896, na tragédlia Edipo Rei, a transposig jy sobre 0 complexo de Eidipo, nem sobre a con pela Jenda e pela arte — do drama humano da estrutura¢a0 do s ula 8eX0, apenas o lembramos rapidamente para insistir sobre a Lembremos que 0 mito de Edipo, tratado com algumas slemna. Pois tanto para uma menina qué interessantes pelos grandes trégicos gregos Telago ao Pai e a0 Euripedes, é a histéria de um sujeito que ganha mais sentido s sia constituicio, sua evolucio, ressituarmos na hist6ria mais ampla de sua familia, 0s Labdac wifora patema, ni longo de cinco geracdes. Pois é a hist6ria de uma maldigao feito de uma tradigdo reiterada, conduzindo & extingio de Pita iz Legendre, ndo deve serum “aso bihante”, muito menos 8_SUJEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESEO, DIREITO E.. luma segunda mae, um irmao mais velho, um amigo, Ele € antes de tudo © Terceiro separador de uma crianga e sua mae, constitutive de uma possibilidade para o ser humano de chegara ser Sujeito de seu desejo. 0 ‘complexo de Edipo — efeito do principio logico temario que estrutura ‘um sujeito — € a encenacao do Principio da Interdiao do Incesto,pilar de todo o sistema de filiacao no teatro psiquico. Carregamos conosco as Fantasias de nossa linhagem, e as nossas, como também carregamos, desde antes de nosso nascimento, a sociedade dentro da qué ¥iver, sob a forma da instituigao familiar organizada por regras ju Constituidos como sujeitos do Direito, poderemos construir nossa iden. Entao 0 que se abre para a crianca quando ela ¢ submetida a falha, ou mesmo ao fracas- 50 do oficio de pai? Os avatares do complexo de Edipo e os impasses da filiagdo Freud nos ensina ao longo de sua obra tebricae clinica que ofracas- so da superacao co complexo de Edipo é 0 nicleo central de toda neuro- se. Aneurose 6 a elaboragao por um sujeito de um modo de defesa con- traa castracao pela fixacao a um script edipiano, Para além da diversida- de de sintomatologias, e de uma evocagao do conhecido primado do fa lo, para os dois sexos humanos, lembremos a propensdo que cada um tem para recusar, até mesmo negar a falta da mae e para repetir uma si ‘tuacdo original. Se “superar” o Edipo é renunciar a ser e a ter 0 falo, 3 pretensio de assenhorear-se dente do pai ou da mae, isso entretanto nao é dado naturalmente a cada tum de nés. Pois ndo é somente a discordéincia entre o pai real ea funcao paterna simbélica que nos leva & neurose. Eo fracasso da castracao sim- bélica que produz a neurose, exprimindo o ideal de onipoténcia de um ito, ou seu ideal de autofundacdo. E também o que Lacan chema de idual do Neurético”, que amarra por demas um sujeto a umn de seus pais e a um gozo primario que ele tentaré fazer perdurar. Quer se trate dos conhecidos desejos insatisfeitos da histeria ou do desejoim- | do obsessivo, dos problemas daquela, em dificuldades de iden deste titimo, as voltas com a divida e a lae desejvel, evida, cada neurético— produto de um con- flito entre 0 Eu e 0 1830 e de recalques muito atuantes — “tem dor no SUJEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESHO_9 Pai’, usando uma expressao de Frangoise Dolto. Dito de outra forma, ca- dda neurético manteve-se inconscientemente, incestuosamente fixado & ae, ou submetido ao ideal do pai. Poderiamos dizer que o neue sofre por nao ter podido assumir uma separacao, nem construir ider ica, a qual remetemos ia da psicose € nitidamente mais controverti- ia. a ser motivo de divergéncias entre as teorias das neuro- igncias e as que sao elaboradas pela psicandlise, sobretudo depois dos avangos propostos por Jacques Lacan. Tocio mundo esté de acordo quanto a diferenga radi ico, que tem acesso & realidade que ele modifica e tem capacidade d 3, € 0 sujeito psicético, alucinado, delirante, que perdeu contato com a realidade perturbado em suas relagdes com o mundo, mesmo e com 0s outros, As nuumerosas definigdes da psicose € da psicose maniaco-depressiva, Mas foi necessério esperar 0s esforgos de Freud e Lacan para o esclarecimento dos mecanismos psiquicos que conduzem a eclosao da psicose, para pensar esse fracas- So psiquico de um modo radicalmente novo. Um substicuto de realida- de-vem no lugar de algo que foi foracluido, gerando esses transtornos de condutas e discursos, esses desmoronamentos as vezes bruscos e espetaculares, essas passagens ao ato, tipicos da psicose, que tornam © sujeito perigoso para ele mesmo ou para os outros. Nao abordaremos aqui os mecanismos psiquicos que atwam psicose, porque nao 6 0 nosso objetivo, Evocaremos simplesmente os de linguagem a servico da diferenciagdo subjetiva, ele nao pree mais seu papel de mensageiro de um ser humano instaurado como terceiro separador, 0 Pai. O si cchega ao sujeito, Lacan diria que ele € foraclufdo —e estraga, no senso forte da palavra — aquele que deveria terse tomado um suj obra brilhante de Alexandre Papageorgiou — Legendre en 10_SUJEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESEO, DIREITO E, chorro", ou da crianga muda cujo avo materno havia tomado o nome em- Prestado de seu irmio morto, é sempre colocado em evidéncia que os Impasses da fliago produzem — pelo menos na terceira geraca psicose. As mudangas de nomes sobredeterminadas traduzem as esco- thas e os impasses subjetivos dos ascendentes, longamente descritos por A. Papageorgiou —, Legendre (Ligdo IV a imbticacio do sujeito do Desejo com 0 sujeito do Direito. A psicose ‘do poderia ser outra coisa que loucura humana, pois s6 0 homem & um ser d gem, que a palavra pode construir e desconstrur. £0 que ilustra de maneira surpreendente a andlise,feita por Le- sgendre, do crime do Cabo Lortie (Ligao Vill —Tratado sobre o Ticidio praticado por um psicético, exemplar para nosso assunto. tura aprofuundada desse trabalho magistral ¢ incontorndvel para bem compreender a forca do laco que amarra o sujeito do Desejo ao sujeito do Direito, colocados em agao tragicamente pelo Cabo Lortic. O PARRICIDIO COMO ATENTADO A ORDEM DA FILIAGAO Se 0 complexo de Edipo nos faz lembrar que o incesto é sempre inconscientemente desejado, nés compreendemos a funcao eminente- ‘mente estruturante, para o sujeito humano, de sua interdigdo. Como |, apds Frazer, 0 que a natureza defende e pune nao sé-lo pela lel, A lei humaniza 0 homem que interioriza 0 In- » Protege-o da fusao, da loucura e do assassinato. Desde 1912-1913, 0 mito freudiano do assassinato do pai na Hor- itiva (cf Totem e Tabu) e de seus efeitos sobre os filhos é, como ica Legendre, uma cena fundadora; fndadora da humanidade co- mo espécie cultural, colocando em discurso um interdito no qual o que esti em jogo ultrapassa o que possa luem quer que seja. O tito freudiano permite dar conta da presenca do que Legendre chama de verdade da relacao a lei . Sob a figura do y" — que Lacan chama de Pai Simbolico — esté presente a Referéncia que nos funda como suje Qual é a significasao ea verdade desse assassinato do pai? Leger: dre fisa os pontos que interpelam particularmente a psicanalise. Todo ium carater opaco e assustador, que ver do enigmé- SUJEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESEO _11 tico desejo nio sabido do sujeito, desenraizado da palavra, que ele {transforma em ato. Todo assassinato é um crime gene: luma figura da Paternidade (o cabo Lortie disse: “O governo do Quebec tinha a cara de meu pai"). Todo assassinato remete & ante do discurso da Referéncia, ao es para a eficiéncia subjetiva das manobras j aquela do sujeito do Inconsciente. ‘Sem poder retomar a ‘il le era filho de um pi nem humanizado pelos limites dados pela Lortie temia assemelhar-se a esse tirano contra 0 qual, no seu delirio assassino, ele trava um combate perdido, de uma impossivel entrada para cle na patemidade, Se esse assassinato realizado é a mais pura expressio da onipoténca, da convicgio delirante de um eclosiio psicética do filo, Em nome da presuncao legal de razao e, por- tanto, de um sujeito instituido, os juizes tém de determinar 0 impes mento — out nao — do parricida de responcler pelo seu ato, e pot de ser declarado— ou ndio— culpado. 0 processo no qual se organiza 0 discurso do interdito e se interpreta o ato assassino ajuda o Cabo Lortie 1ce de se estruturar como st , Ol mesmo terapéutica ck sm nossa sociedade, como nos ra, como reescrever — como diria Legendre —a ‘em cena, sobre uma base segut matar e portanto a interdigao do hi SOBRE O INCESTO Apillagem feta pelo Cabo Lortie da representacao do Pa o acuou Aloucura; poderiamos até dizer ao desligamento do social e do subjeti- 12_ SUIEITO 00 DIREITO, SUJEITO DO DESEO, DIREITO E. vo, da carne e da palavra, tendo como conseqliéncia a carificina: mor- tos por causa da transgressio das regras de filiagio que profbem ou Prescrevem as aliangas e as condutas desejantes autorizadas, ¢ um se fulminante do sujeito Lortie Esses efeitos do fracasso do Inter- dito do Incesto motivado por um pai incapaz de preencher seu oficio, nos indicam as funcdes capitais desse interdito: fazer obsticulo a0 assassinato, separar o sujeito que, dividido, poder falar e desejar. Sig. fica o imperativo categérico de diferenciacéo, colocando em acao a logica da alteridade constitutiva do sujeito humano. Ele marca a safda de um natureza cabtica, violenta, sem outra que aquela do mais forte fisicamente. Ele impée a construggo de uma identidade social e subjetiva, passando pela perda do lago de aderén- cia ao semelhante e de reprodugao com o mesmo. 0 incesto é um con- ceito produzido por um disc icas hummanas. Falar de incesto em relagdo as espécies animais é um abuso de linguagem. © interdito do incesto parece certamente dificil de definir, tanto no que conceme as suas origens, quanto a sua finaidade social e psfquica, Ele € entretanto universal em sua forma, em sua estrutura, embora parti- cailara cada cultura, em suas modalidades de agéo. Lembremos que 0 incesto designa relagies sexuais entre parentes préximos ou aliados, ujo casamento ou contato intimo sao proibidos pela lei escrita ou dos costumes. O interdito do Incesto impde limites ao desejo humano, Em nosso sistema ocidental é 0 nome que inscreve o sujeito na cadeia de {eragOes que suportae transmite para um sujeito o recalque ea castta- ‘0 simbélica. O “Nome do Pai” institui, para um sujeito, um objeto causa de seu desejo. A interdicéo do assassinato (do pai) e de separacio da mae fundam as leis de alianca exogémica confusio que Frangoise Heiter chama de acumulo do Idéntico, cujos efeitos devastadores para a subjetividade conhecemos, Pare- cernos interessante lembrar a distingio estabelecida por F. Héritier iro tipo e incesto do segun- Ocidente: a v0eS sexuais entre parceiros de sexos diferentes consangiifneos, em graus definidos pel iados matrimo- niais. O segundo nos parece mais. {0es entre irmas, ou entre mae ¢ filha, proibindo que consangiifneos do mesmo sexo compartilhem um mesmo parceiro sexual. O que nos ensina esse interdito enunciado, por exemplo, entre os Baoulé da Cos- ta do Marfim, ou dois séculos antes de Cristo entre os Hititas? Que o tabu do incesto é antes de tudo uma interdigao de fusio com a mae, Dentro do incesto do segundo tipo haveria comunicacao entre humo: maser cate: SUJEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESEIO_13 res idénticos,fluidos, eo contato de substanicias comuns no fato de as duas mulheres em questio, ou os filhos de leite, compartilharem um parceiro sexual comum. Mesmo o incesto de Edipo, nos diz . Héritier, deve ser pensado em termos de incesto do segundo tipo, nao somente o tabu de compartilhar com o pai a mesma parceira sexual, a mae, mas a impossibilidade para o filho de retornat aos “sulcos escavados pelo pai”, de estar em contato com os “humores” do pai dentro da matriz proibida. 'Na origem do lago social existem concepedes simbélicas muito abstratas da diferenca dos sexos; elas se exprimem em sistemas de alianga muito diversificados e complexos, em que miltiplas proi asseguram 0 interdito do Incesto, Na origem da possiblidade da cons- tituicao subjetiva do sujeito humano existe um pai (no Ocidente), uma figura separadora que permite ao homem, sujeito do o truir-se como sujeito do Desejo, Se a mae aparece como “inimiga” da humanizagao do filhote do homem, nao serd porque ela é situada do lado do biolégico, da Natureza, da qual o Homem tem a vocacao de se distinguit? caer asotine ere pers pec et een dae Gace jesejo, nao deve ficar surda aos enunciados ‘to menos educador, para fazer oficio ele terd de estar informado dos en direito e de seu sentido, bem como dos remanejamentos leg} dos trabalhos de seus comentadores e intérpretes. Decifrar a qBes entre sujeito do Direito e sujeito do Desejo é uma tarefa sével, tanto teoricamente quanto clinicamente. Isso requer uma escuta atenta, teoricamente multirreferenciada, e portanto nada, das palavras e sintomas de nossos pacientes, sul hist6ria singular, inscrita na Cultura, da qual se almejam reapropriar, BIBLIOGRAFIA. André J. Vinceste focal dans la famille 'Nauveles en Psychanalyse, Paris: PUF, 1987. Delumeau J, Roche D. Histoire des pores ot de la paternité. Paris: Larousse, 90 Freud S, Totem et tabou, Pars: Pa La vie sewelle, Paris: PU Nevrose, psychose et perversion. PUF 1973, 1 F-Les deux souers et leur mere. Pars: Odile Jacob, 1994. ire antllase. Collection Voix Principe genéalogique en Occident. Paris: Fayard, 1985, gabon I sult: Le dosier accidental de a parent: Paris: Fayard, 1 Legon IVs ion. Fondement généalogique de la Psychanalyse par Alexanclre Papageogiou - Legendre. Pats: Fayard, 1990, Legon Vili: Le crime du caporal Lorie. Taité sur le Pére. Pais Fayard, 1991 Capitulo 2 SERIAM OS FUNDAMENTOS DA ORDEM JuriDica RAZOAVEIS?" Pierre Legendre? Traducao: Laurice Levy Revisdo Técnica: Sénia Altoé © fensdmeno juridico é um sistema fccional essencial para as orga- ZagBes Sociais, O principio de Razao e a fungao dogmatica do diteito jentam essas montagi tucionais. 0 direito se origina também de uma cena nio- que remete @ outra cena freudiana. O direito surge de um duplo registro: enuncia- dos e representagbes. Estariamos nos amadurecidos o bastante para abordar friamente esa questo? Creio que nao. Todavia, é posstvel comentar essa afirma- Ho, afastando-nos dos ideais de exibicao que, sob pretexto de pro- g1esso cientifico utilizado como uma propaganda, diluem, ou, se prefe- Firmos uma formulagao mais psicolégica, esquecem o fendmeno juridi- 0, isto &, 0 fendmeno da comunicagao dogmatica de que tratam, em ‘toda humanidade, as montagens sociais do principio da Razao. Observemos que esse recalcamento do juridico tem um certo preco a ser pago, Na atmosfera cientificista atual, as ciéncias ditas so manas e outras, assumem disfargadamente o stotus de cigncias juridicas, 1 Aigo publicado in: Cadoret, M 16 _SUJEITO DO DIRENTO, SUIEITO DO DESEIO, DIRENTO E. anulando a enigmética questdo do direito como um vestigio da era e transformando a interpretacao da relacao humana com a iades psicossociol6gicas ou socioecondmicas, enriqueci- térios de ‘objehidade Tatepodanaden ip nape porave nis pode desconhecer a diferenca estrutural dos registros do saber numa socieda- de sem gerar a confusdo. Ora, a confusao s6 pode produzir seus efeitos _generalizar 0 discutso juridico, isto &, abrir as com- Portas do raciocinio dogmatico introduzindo-o onde ele nao cabe. O tra- balho dogmitico é uma fungao rigida em qualquer sociedade; exige ser caramente circunscrito, a fim de evitar stia prépria perversio, pois a ordem dogmética de uma sociedade constitu’ uma dimensio I6gica das coisas que, como tal, nao pode estar & nossa mercé, “Assim, antes de mai levemos colocar claramente 0 que se- _gue: a funao dogmatica, da qual o direito — aquilo que 0 Ocidente no: meia desta forma, segundo a tradigdo do direito romano e os mentos do cristianismo® — é o nicleo, pode ser esclarecida pelas ci ‘© outras, sem que sejam capazes, Deus gay licagdes e as conseqiiéncias de um fato tao importante, eu gostaria de esdlarecer por que as coisas acontecem assim. Elas acontecem dessa forma porque a humanidade nao funciona e e reprocluz sem a palavra. Sem o reconhecimento deste status tao lar que coloca o homem numa posicao diferenciada, enquanto ‘animal civil na escala dos seres vivos, idade do fendmeno ju ‘uma ligagao com o fenémeno da vida. 0 direito é, antes de mais nada, tuma operagao do discurso e a normatividade que preza sé funciona se tal discurso for con: tamente na forma dogmati- a, Como definir aqui a forma dogmética? Poderiamos resumicla assim: da forma do discurso que diz sempre a verdade, uma forma que, conseqilentemente, nos remete a0 'SERIAM OS FUNDAMENTOS DA ORDEM JURIDICA RAZOAVEIS?_17 impossivel, nao a qualquer impossivel, mas sim a um impossivel estru- tural, Retomarei minha comparacio familiar a verdade que funda 0 direito é da mesma ordem de que nos fala a 6pera de Mozart, A fleuta mégica, na qual Sarastro, encarnando o poder, realiza a funcio de re- 1 0 absoluto da Verdade impossivel de ser apreendida de ja propria esséncia da normatividade na es- , uma normatividade cuja eficécia resulta da articulagao luma certa parte em forma de representacao. Como numa épera, 0 sis tema juridico representa. Nosso questionamento a respeito do direito gira agora em tomo da questo: o que é que ele representa? nteressa para compre- da Razo expondo franqueza, os impasses to em relacao s cuanto na escala da prdpria sociedade enquan- ada dos individuos, Existe uma légica nas alavan- cas institucionais que s6 pode ser estudada a partir do funcionamento -0 e com a condicao de considerar este wvém, isto & como um efeto es O direito representa algo que ele nao diz, que s6 pode ser dito, como no discurso da épera, através de procedimentos de consagragao que visam colocar em cen soluto da verdade e do poder, imposs{vel de apreender de outra forma. Vou esclarecer em que consistem essas interpretagdes do discurso, mas antes € preciso salientar um ponto fundamental, natureza dos fundamentos da verdade de que trata 0 normativo: a especificidade do que nao tem mais sentido para nés, a ndo ser que a inscrevamos, em nome da descoberta do inconsciente por Freud, dentro da suposigao importante da outra cena. Nao existe instituigio de vida, se aquilo que se representa na outra cena ndo for ancorado na ula que de- manda também maiores esclarecimentos nos dias atuas, Assim, as construgdes juridicas basicas — entendo com sso aquelas quevi primeiro lugar, & reproducao do ser vivo — devem servis- {as como interpretacdes de uma estrutura que sustenta o discurso expl- Ajustiga nas con- lidades familiares da sociologia, por exemplo. E, portanto, a partir dai —a parti do reconhecimento do sistema juridico como fenomeno de inter- 4 Ch Vempire de la vérié,p. 123 e segs. 18 _SUIFITO D0 DIREITO, SUIEITO DO DESEO, DIREITO E. retasdo — que poderemos nos artiscar a examinar a problemitica insti- 1o poderemos reduzira sindicacoes dah ica assinaladas por Foucault £ também a partir daf que podem ser considerados, a0 me efeitos dda manipulacao jurdica (legislativa e sobre a subjetividade e os remangjamentos q impor a funcao tere como a Franca, par para falar socialmente do impasse da Razao. seriam convenientes , num pats de tradigao juridica codificadora DE QUE FORMA O DIREITO £ PRODUZIDO __ ENQUANTO DISCURSO QUE DEPENDE TAMBEM DA. “OUTRA CENA"? Observagdes sobre a cena nao-juridica do direito Decididamente, ¢ preciso afastar de nosso caminho tanto as con: sideracoes initeis sobre um pretenso inconsciente coletivo quanto as doutrinas de inspiracao cientificista, que té lise uma espécie de apoio permanente destinado a “fechat” a de certezas tradicionais sobre a normativi- dade pela evoluao atual da humanidade, Assim como nao se poderia transportar pura e simplesmente, na escala social, a ordem inconsci- ente do sujeito — o que seria o mesmo que colocar a organizagao Social de uma forma delirante como se fosse um corpo de came e sso —, da mesma forma, apesar de um crescimento quase gener zado de transformar a psicanélise numa ciéncia positiva de peritos, a ordem juridica nao poderia receber sua propria eficiéncia normativa em nome da psicanslise sem promove-la, ao mesmo tempo, a condigao de absoluto fundador. Trata-se, muito pelo coi compreender a propria economia da ordem jul através das montagens ficcionais observéveis em qualquer , ssa economia comporta uma cena nao-juridica que é importante situar aqui com precisio, Se eu falo de uma cena ndo-juridica do direito, € realmente num sen- {do muito preciso e na perspectiva de mostrar como, sem o recon dliferenciacao estrutural dos registros que j alu anterior- 4 problematica do principio da Razao, qualquer que sejao e 'o da cultura para operacionalizé-la (como por exemplo, em culturas totémicas e culturas baseadas em substitutos dessas montagens), en~ SERIAM OS FUNDAMENTOS DA ORDEM JURIDICA RAZOAVEIS?_19, contra-se pura e simplesmente uma conseqiiéncia imediata: divi primeiro seria 0 das sociedades nao desenvolvidas, s fs, antigas ou ficas) atuando lade por uma efer- las formas anacré: permanentes, incessantemente retomadas, que seriam simplesmente ‘sina da humanidade inferior. O protongamento desse fato é facilmen- te observavel: nfo somente nossas sociedades ultramodlemas estariam dispensadas de enfrentar a questao do principio da Razio em seu tra- balho institucional, mas também a eventualidade dos fracassos psi ito de outra forma, as derrapagens psi ial comparével ao dos acidentes de percurso e ao de igadas ds condigdes da vida desenvolvida; os saberes “psi” funcionariam, entdo, como um regime de asseguramento, Eu precisava retornar a esse aspecto elementar da questao,, terado por mim varias vezes, a fim de preparar o leitor para receber 0 5 05 niveis nos quais se de- senvolve o impasse da R70. Nao falarei aqui detalhadamente sobre o meu estuco a respeito do principio genealdgico, que demonstra a sobredeterminacao de qualquer sistema jurfdico.> Acrescento agora o ‘ndo-juridica do dirito, com o qual pode ser esclarecido, 1V, Uinestimable objet dala transmissions. Etude sur le principe ‘en Occident, Paris: Fayard, 1985. FUNDACAO GETULIO VARGAS: BIBLIOTECA MARIO HENRIQUE SIMONSEN 20 SUJEITO DO DIREITO, SUJEITO DO DESHIO, DIREITO E. de uma nova forma, o discurso juridico com o nome daquilo que Freud designava com o termo tio elogiiente da “outra cena”, Aeste respeito fae algumas obseracdes que vsam apenas exporos elementos de uma reflexio. Existe um denominador comum entre o direito e apsicanélise, que deve ser procurado naquilo que eu chamei de Referéncia absoluta® Na vertente juridica, trata-se do funcionamento de uma justificativa ma de normatividade, tltima no sentido que ela demarca a frontei dizivel e permite ao direito, a partir de enunciados que tém o status de fiador, se constituir num discurso genealégico para a sociedade referi- da, Ao mesmo tempo, esta produ teatralmente; quero dizer, ela representa, com do teatro, ainvocardo daqui- lo que a funda e a inscreve na legitimidade, colocando-se dessa forma uma osigio estrutural de lamente as regras ju nao ha vertente de subjetividade que nio ial com a vertente juridica, pois a proble- la também, o jogo da Referéncia absoluta, Pela simples razo que as fungdes de Pai e Mae — que condicionam a entrada do sujeito na palavra sob um status de ndo-loucura — se defi- sm seu principio como fungio de legalidad nao somente como obrigacao de al ram colocadas em seus devidos luga- res, toma-se mais facil apreender que o direito, enquanto discurso na cescala social, possa depender da “outra cena”, J4 o oprimimos pela ‘evocagao de uma Referéncia absoluta. Todavia, o funcionamento do direito deve ser esclarecido, pois sendo tautol io sistema se apresenta em primeiro lugar, €s0- nte no deixam de se equivocar, re ntdo atribuir algum interesse , quanto a elaboracao do principio da Raz? A questo assu- ‘me um outro viés, se a Refer ral da palavra na humanidade, isto é, essencialmente as préprias con; ses que tornam possivel a manutengao de um discurso, que como i. Vinestimable objet. Este conceit de ina dimensao instituci: ae ventares no Llempire SSERIAM OS FUNDAMENTOS DA ORDEM JURIDICA RAZOAVEIS? 21 ler discurso remete a um sujeito. Fis precisamente af 0 lagao que permite conceber o duplo registro de onde se registro dos enunciados juridicos tais como se o tratamento pertence exclusivamente aos juristas, b) (0 segundo registro do discurso, atribuivel as representagdes de um Sujeito suposto, isto € da pro m Juridica colocada como Sujeito no ‘bsoluto de um sistema sociale politico, Examinemos um pouco mais de perto a montagem implicada nessa operacao logica. 0 fato de ser o direito um discurso acarreta uma exigéncia logica: que este discurso tenha um sujeito. Nao haveria discurso se uma socie- dade fosse apenas um aglomerado de individuos justapostos; um tal aglomerado nao poderia articular um discurso que Ihe fosse proprio. Esse tipo de sociedade seria sem palavra e sem corpo. E preciso, por tanto, fabricar um corpo, através do qual a sociedade possa fal tamente pela a que € obtido esse corpo bem espe que todas as culturas do planeta se permitem os meios de produ Humana como as outras, endo sobre-humana, apesar de sua poté técnica e de suas representagdes cientificas, a cultura hiperindustri zada é submetida, ela também, a esse imperativo. Nao descreverei aqui em detalhes 0 mecanismo dessa montagem ‘ao delicada e complexa, frente a qual as ciéncias sociais, humanas ¢ outras sio desarmadas, simultaneamente, por uma historio- pertinente e — por que nao admiti-lo afinal? — wvantar algumas questdes pouco compativeis com os ideais de exibicao. Estes titimos nao nos autorizam a olha é ie de loucura que pr rio. Todavia, dependendo da montagem institucional da sociedade, essa loucura nao é loucura, pois ela realiza uma funcao: a funcao de struir”o corpo ficcional pela interpretacdo do qual a ordem juridica & colocada como Sujeto do discurso. A fim de ilustrar, da maneira mai ples possivel, a existéncia desse Sujeito de composicdo, francés, qualquer Estado, qualquer corpo ficcional reconhecido como tendo poder geneald (0 €, que possui competéncia para fixar a ordem e a combinat6ria das filiagdes. Limito-me, portanto, a destacar a montagem, tao dificil de ser deli sdo submetidas ao imperativo da legitimidade, isto é, |. visando conseqiientemente produzir 22_ SUIEITO DO DIREITO, SUIEITO DO DESEIO, DIREITO E, lemento de base: o corpo. Nao se pode medi a riqueza antro- polégica do discurso 80 avaliar a import humanos que ele utiliza, sem retomar ao corpo.# Por qué? A resposta deve ser dada sem rodeios: porque as grandes questdes da humanids. de passam pelos afetos. Dito de outra forma, o fur detoda to central éa Referéncia absoluta, é inse- numa sociedade, a favor da demanda de amor. No contexto atual das ciéncias sociais e humanas, essa observa. Ho pareceré assombrosa e, no entanto, ela apenas constata aquilo que é realmente. Se as instituigdes estdo em relacionamento estreito com umanidade modema, pela psica- terreno operacional das instituigdes € ida de amor, que canaliza, produz e por vezes dramatiza a {dica.O leitor se convencerd ao refleti profundamente a res- Peito do discurso: as exaltacdes & Referéncia absoluta, a emblemitica, & temitica do amor patriético? segundo elem area para desculpar a lou ura das insttuigdes, as inscreve sob o status da Razdo. Se a ordem juri dica finge ser um corpo nao é, se me atrevo a dizer, para desprezar o ai rio, para operacionalizio. lagdes ju ica medieval e produzida sem ) ou construgdes referentes a re- absoluta no corpo de um individuo promo- sm Novamente a este respeito E. Kanto- i 10 da sociedade. A fabrica- igico € a prova, de alguma forma tangivel, do funcionamento simbélico desse trabalho constante de deslocamento de significagio gracas ao qual as sociedades ind tanto quanto 8 primitivas, fabricam seus procedimentos de humanizacao. O terceiro elemento: o que toma possivel esse trabalho de huma- nizagio € a elabora¢do de uma problemética do Pai. No centro das 1a Nocao fundada pela e arar pela tradigao jure 8 Aeste respeito é preciso falar novamente da impo ‘@correu, no Ocidente, com 0 conceito de psycho. estudado em Vempire de la vérité p. 187'e sexs «du psyco-somatisme moderne) 9 CF mable objet, p. 197 e segs. incia da confusio que ie, longamente Juridiques SERIAM OS FUNDAMENTOS DA ORDEM JURIDICA RAZOAVEIS? 23 construcées ficcions -ontra-se a questo do Pai — uma questao que nenhum sistema juridico conseguiria prescindir ndo somente para produzir as regras de filiagao propriamente ditas em direito civil, mas também para que 0 surgimento de uma Refe mente necessaria, fosse politicamente pensave Femeto o leitor as explicacdes prel mente. O TRABALHO CLINICO DOS JURISTAS E O FUTURO DA LOUCURA ipalmente sob a forma ndo-sangrenta do je ndo esto mais con- assassinato do sujeito). Os dias que vivemos hoje nao turbadlos que os de ontem, mas € onde os sistemas jurfdicos encarrega- dos de instituir a vida, na c \dustrial da qual somos de alguma forma emblemas vivos, sao lesados por uma hipoteca. Esta hipoteca credor que nos suga: cientificismo produco nao somente de individuos manipulaveis, mas de sujeitos, Cuja nocao deve ser entendida em sua liberalidade como sendo (G30 de cada ser humano a algo radical que o ultrapassa, Este algo ra Gal, denomin8-mo-lo de relacio com ae, por onde se coloca, em nos- sa espécie, o impasse de diferenciacao subjetiva ligado a entrada na palavra, a0 qual o funcionamento genealégico, com toda sua comples dade ai Iss0 posto, € necessario insistir nas graves desilusdes que dio lugar hoje, em nosso contexto de esquecimento do fenmeno juridico, a operacionalizacio dos ideais de exibicao “portadores” de cientifi

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