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HERMENÊUTICA - INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA

1. Conceito

A palavra 'hermenêutica' vem do verbo 'hermenêuein' (interpretar). E esta


interpretação foi entendida diversamente através dos tempos. Por isso, temos três
tipos de exegese: l. rabínica; 2. protestante; 3. católica.

2. Exegese Rabínica

Os judeus interpretavam a escritura ao pé da letra, por causa da noção de inspiração


que tinham. Se uma palavra não tinha sentido perceptível imediatamente, eles
usavam artifícios intelectuais, para lhes dar um sentido, porque todas as palavras da
Bíblia tinham que ter uma explicação. O exemplo do paralítico é antológico: ele
passara 38 anos doente. Por que 38? Ora, 40 é um número perfeito, usado várias
vezes na vida de Cristo (antes da ressurreição, no jejum) ou também no AT (deserto,
Sinai). Dois é outro número perfeito, porque os mandamentos (vontade) de Deus se
resumem em "2": amar Deus e ao próximo. Portanto, tirando um número perfeito de
outro, isto é, tirando 2 de 40 deve dar um número imperfeito (38) que é número de
doença...

Alegoria pura: neste sentido se entende a condenação de certas teorias que


apareceram e eram contrárias à Bíblia (caso de Galileu). Assim era a exegese antiga.
No século XVIII, o racionalismo fez o extremo oposto desta doutrina: negaram tudo
que tinha alguma aspecto de sobrenatural e mistério, e procuravam explicações
naturais para os fatos incompreensíveis, assim por exemplo, dizendo que Cristo
hipnotizava os ouvintes e os iludia dizendo que era milagre. JC não ressuscitou, mas
ele apenas havia desmaiado na cruz, e quando tornou a si saiu do sepulcro... Talvez
não o fizessem por maldade. Era por principio filosófico.

A Igreja primitiva herdou muito do rabinismo, no início, mas depois se libertou.


Começaram por ver na Bíblia vários sentidos: literal, pleno e acomodatício. Literal:
sentido inerente ás palavras, expressão pura e simples da idéia do autor; Pleno:
fundado no literal, mas que tem um aprofundamento talvez nem previsto pelo autor.
Deus pode ter colocado em certas palavras um significado mais profundo que o
autor não percebeu, mas que depois se descobre. Deus, como autor, fez assim. A
palavra do profeta se refere a uma situação histórica; a palavra de Deus se refere ao
futuro. Acomodatício: é a acomodação a um sentido à parte que combina com as
palavras. É a Bíblia aplicada à realidade apenas pela coincidência dos textos. Por
exemplo, em Mt se lê "do Egito chamei meu filho"... para que se cumprisse a
Escritura. Mas o sentido, ou seja, a aplicação original deste trecho não se referia à
volta da Sagrada Família, mas sim à saída do Povo do Egito. Esta acomodação foi
explorada demasiadamente pelos pregadores, que até abusaram disto. Outro
exemplo de acomodação é a aplicação a Maria dos textos do livro da Sabedoria.
Estes são mais literatura que Escritura. Todavia, crendo-se na inspiração, aceita-se
que as palavras do autor podem ter uma significação mais profunda que a original.

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3. Exegese Protestante

Surgiu do protesto de alguns cristãos contra a autoridade da Igreja como intérprete


fiel da Bíblia. Lutero instituiu o princípio da "scritura sola" (traduzindo, a escritura
sozinha), sem tradição, sem autoridade, sem outra prova que não a própria Bíblia. A
partir daquele instante, os Protestantes se dedicaram a um estudo mais acentuado e
profundo da Bíblia, antecipando-se mesmo aos católicos. Mas o princípio posto por
Lutero contribuiu para um desastre hermenêutico, pois ele mesmo disse que cada
um interpretasse a Bíblia como entendesse, isto é, como o Espirito Santo o
iluminasse.

Isto fez surgir várias correntes de interpretação, que podem se resumir em duas: a
conservadora e a racionalista. A conservadora parte daquele principio da inspiração
= ditado, em que se consideram até os pontos massoréticos como inspirados. Não se
deve aplicar qualquer método cientifico para entender o que está escrito. É só ler e,
do modo que Deus quiser, se compreende. A racionalista foi influenciada pelo
iluminismo e começou a negar os milagres. Daí passou à negação de certos fatos,
como os referentes a Abraão. Afirmam que as narrações descritas, como provam o
vocabulário, os costumes, são coisas de uma época posterior, atribuído àquela por
ignorância. Esta, teoria teve muito sucesso e começaram a surgir várias 'vidas' de
Jesus em que ele era apresentado como um pregador popular, frustrado,
fracassado...

Outros ainda interpretavam o Cristianismo dentro da lógica hegeliana: São Paulo,


entusiasmado, teria feito uma doutrina, que atribuiu a JC (tese); depois São João,
com seu Evangelho constituiu a antítese; finalmente São Marcos fez a síntese. Hoje,
porém, se sabe que Marcos é o mais antigo. Estes intérpretes se contradizem entre
si, o que provocou uma certa desconfiança. Por fim, a própria arqueologia, em
auxílio do Cristianismo, veio provar com a descoberta de vários documentos
históricos que a Bíblia tinha razão: aqueles costumes, aquele vocabulário eram
realmente daquela época, inclusive o uso dos nomes Abraão, Isaac também eram
comuns no tempo. Isto e outras coisas serviram para desmentir tais idéias
iluministas.

4. Exegese Católica

Inicialmente, apegou-se muito aos métodos tradicionais: usava mais a tradição e


menos a Bíblia. Mesmo no século XIX, a tendência era ainda conservar a
apologética, a defesa da fé. Foi o Padre Lagrange quem iniciou o movimento de
restauração da exegese católica. Começou a comentar o AT com base na critica
histórica. Mas foi alvo tantos protestos que não teve coragem de continuar. Em
seguida, comentou o NT, e ainda hoje é autoridade no assunto. A Igreja Católica
custou muito a perceber o seu atraso no estudo bíblico, e até bem pouco tempo
ainda afirmava ser Moisés o autor do Pentateuco, quando os protestantes há mais de
um século já descobriram que não.

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O primeiro passo da nova exegese da Igreja Católica foi dado por Pio XII, em 1943,
com a encíclica DIVINO AFFLANTE SPIRITU, na qual aprovou a teoria dos
vários gêneros literários da Bíblia. Depois, em 1964, Paulo VI aprovou um estudo
de uma comissão bíblica a respeito da história das formas (formgeschichte). E hoje
em dia, tanto os exegetas católicos como os protestantes são a favor desta, e
qualquer livro sério sobre o assunto traz este aspecto. Protestantes citam católicos e
vice versa, sem nenhuma restrição.

MEU CAMINHO PARA A FENOMENOLOGIA

(Mein Weg in die Phanomenologie – 1963)

In Gesamtausgabe Nº 014 – Zur Sache des Denken

(Sobre o Assunto do Pensar)

Trad. Ernildo Stein

MARTIN HEIDEGGER

Meus estudos acadêmicos começaram no inverno de 1909/10, na faculdade de


Teologia da Universidade de Freiburg. A prioridade do trabalho teológico deixava, no
entanto, tempo suficiente para a filosofia que, de qualquer modo, fazia parte do programa
de estudos. Assim desde o primeiro semestre, os dois volumes das Investigações Lógicas de
Husserl estiveram na minha mesa de estudos no teologado. Pertenciam a biblioteca da
Universidade. O prazo sempre podia ser renovado com facilidade. Provavelmente a obra
era pouco procurada pelos estudantes. Como, porém, chegou até o estranho ambiente de
minha mesa de estudos?

Soube, por diversas indicações de revistas filosóficas, que a maneira de pensar de


Husserl era determinada por Franz Brentano. A dissertação deste ultimo “Sobre o
Significado Múltiplo do Ente Segundo Aristóteles” (1862) construía, desde 1907, o
principal auxilio, nas minhas desejadas alternativas para penetrar na filosofia. Bastante
indeterminada, movia-me a seguinte idéia: se o ente é expresso em múltiplos significados,
qual será, então, o determinante significado fundamental? Que quer dizer ser? Nos últimos
anos de meu ginásio topei com a obra do então professor de Dogma da Universidade de
Freiburg, Carl Braig: Sobre o Ser, Compêndio de Ontologia. Fora publicado no ano de
1896, quando seu autor era professor extraordinário de filosofia na Faculdade de Teologia
de Freiburg. As seções maiores do texto sempre trazem no fim passagens de Aristóteles,
Tomás de Aquino e Suarez, além da etimologia das palavras designantes dos conceitos
ontológicos fundamentais.

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Das Investigações Lógicas de Husserl esperava um estímulo decisivo com relação
ás questões suscitadas pela dissertação de Brentano. Porém, era vão o meu esforço, porque,
somente mais tarde o descobriria, eu as questionava de maneira inadequada. Contudo a
obra de Husserl marcara-me de tal modo, que nos anos subseqüentes sempre a li, sem
compreender suficientemente o que me fascinava. O encanto que emanava da obra
estendia-se até o aspecto exterior da paginação e da pagina-titulo.Nesta, ainda hoje tenho-a
diante de meus olhos como naqueles tempos, encontrei o nome da Editora Max Niemeyer.
Vinha ligado ao nome estanho “fenomenologia”, que aparece no subtítulo do segundo
volume. Assim como naquele ano pouco sabia da Editora Max Niemeyer ed e seu trabalho,
precário e insegura permanecia também minha compreensão do termo “fenomenologia”.
Todavia, muito breve, mostrar-se-ia, de maneira mais nítida, em que medida os dois nomes
– Editora Max Niemeyer e Fenomenologia – formam uma unidade.

Após quatro semestres, abandonei o estudo teológico e dediquei-me inteiramente à


filosofia. Freqüentei, porém, ainda anos após 1911, uma aula de teologia; era a aula sobre
Dogma de Carl Braig. Levava-me a este o interesse pela teologia especulativa, mais
sobretudo a maneira penetrante de pensar que o professor desenvolvia em cada aula. Dele
ouvi, pela primeira vez, por ocasião de alguns passeios a pé em que me foi dado
acompanha-lo, algo sobre a importância de Schelling e de Hegel para a teologia
especulativa, em contraste com o sistema doutrinal da escolástica. Desta maneira , a tensão
entre ontologia e teologia especulativa como estrutura da metafísica passou ao horizonte de
meu questionamento.

Temporariamente, contudo, este domínio foi sendo abandonado, devido aquilo que,
Heinrich Rickert tratava nos exercícios do seminário: eram os textos de seu discípulo Emil
Lask, que em 1915, tombou como simples soldado na frente da Galícia. Rickert dedicou
“ao querido amigo” sua obra. O Objeto do Conhecimento. Introdução à filosofia
Transcendental, que aparecera, naquele mesmo ano, em terceira edição inteiramente
reelaborada. A dedicatória tinha, ao mesmo tempo, como função, testemunhar os impulsos
que o professor recebera do aluno. Ambos os escritos de Emil Lask: A Lógica da Filosofia
e A Doutrina das Categorias. Um Estudo sobre o Âmbito de validez das formas Lógicas
(1911) e A Doutrina do Juízo (1912) manifestam, por sua vez, com bastante evidência, a
influência das Investigações Lógicas de Husserl.

Esta situação obrigou-me obrigou-me a voltar novamente à obra de Husserl.


Entretanto, também esta abordagem repetida permaneceu insatisfatória, pois não conseguia
superar uma dificuldade capital. Esta referia-se a simples questão de como se deveria
realizar os modos de proceder do pensamento denominado “fenomenologia”. O elemento
inquietante desta questão resultava na ambigüidade que a obra e Husserl revela à primeira
vista.

O primeiro volume, aparecido em 1900, traz a refutação do psicologismo na lógica,


procurando mostrar que a doutrina do pensamento e do conhecimento não pode fundar-se
na psicologia. Opondo-se a isto, o segundo volume, aparecido no ano seguinte, e três vezes
maior, contém a descrição dos atos conscientes essenciais para a edificação do
conhecimento. Portanto, parecia impor-se uma psicologia. A que outra finalidade serviria o
§ 9 da Quinta Investigação sobre: O significado da delimitação dos ‘fenômenos psíquicos’

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de Brentano”? conseqüência lógica: Husserl recai, com sua descrição fenomenológica dos
fenômenos conscientes, na posição do psicologismo que precisamente procurara antes
refutar. Se, no entanto, erro tão grosseiro não pode ser atribuído à obra de Husserl, que é
então a descrição fenomenológica de atos conscientes? Em que consiste o elemento
individualizador da Fenomenologia, já que esta não é nem lógica nem psicológica?
Manifesta-se aqui uma disciplina filosófica inteiramente nova e que possui dignidade e
nível próprios?

Não encontrava uma solução para estas questões; perplexo sem em orientação, nem
mesmo era capaz de articula-las com a clareza com que aqui formulo.

Então, o ano de 1913 trouxe uma resposta. Na editora Max Niemeyer começou a ser
publicada o “Anuário de Filosofia e Pesquisa Fenomenológica”, editado por Husserl. O
primeiro volume é inaugurado com o tratado de Husserl que já manifesta, no titulo, o
elemento caracterizador e o alcance da Fenomenologia: Idéias a Propósito de uma
Fenomenologia Pura e de uma Filosofia Fenomenológica.

A “fenomenologia Pura” é a “ciência básica” da filosofia por ela marcada. “Pura”


significa: “fenomenologia transcendental”. “Transcendental” é a “subjetividade” do sujeito
que conhece, age e valora. Ambos os títulos, “subjetividade” e “transcendental”, indicam
que a “fenomenologia” se encaminhava, consciente e decididamente, na esteira da tradição
da Filosofia Moderna; fazia-o, não há duvida, de tal maneira, que a “subjetividade
transcendental” atinge, através da fenomenologia, uma possibilidade de determinação mais
original e universal. A Fenomenologia retém as “vivências conscientes” como área
temática; mas, já agora no âmbito da pesquisa da estrutura dos atos vivenciados,
sistematicamente projetada e garantida, e isto conjugado à pesquisa dos objetos vivenciados
nos atos, sob ponto de vista de sua objetividade.

Neste projeto universal de uma filosofia fenomenológica, podia ser apontado o lugar
sistemático das Investigações Lógicas que haviam como que permanecidos neutras do
ponto de vista filosófico. Aparecem, ao mesmo ano, 1913, em segunda edição, na mesma
editora. A maioria das investigações havia sido submetida a “profundas reelaboracões”. A
sexta investigação, “a mais importante no que se refere à fenomenologia” (prefácio da
segunda edição), foi, entretanto, mantida. Por outro lado, o ensaio Filosofia como ciência a
Rigor (1910/11), publicado no primeiro volume da recém-fundada revista Logos, recebeu,
somente com a publicação das Idéias para Uma Fenomenologia Pura, a devida
fundamentação de suas teses programáticas.

Ainda em 1913, apareceu, na Editora Max Niemeyer, a significativa analise de


Scheler: “A propósito da fenomenologia dos sentimentos de simpatia e ódio. Com um
apêndice sobre a razão da aceitação da existência de um eu estranho”.

A edição das obras citadas colocou o trabalho editorial da Niemeyer na primeira fila
de editoras de Filosofia. muitas vezes, ouviu-se naquele tempo a afirmação, que parecia
impor-se, de que com a “fenomenologia” surgira um novo movimento no seio da filosofia
européia. Quem teria ousado negar a veracidade de tal afirmação?

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Mas um cálculo histórico desse tipo não precisa que com a “fenomenologia”, isto é,
já com as Investigações Lógicas, acontecera, Isto permanece inexpresso desde aquela época
e dificilmente também hoje deixa-se dizer. As explicações programáticas e as exposições
metodológicas de Husserl reforçaram antes o equivoco de que com a “fenomenologia” se
reivindicava um começo para a filosofia, começo que negaria todo pensamento anterior.

Ainda após o aparecimento das Idéias para uma Fenomenologia Pura, manteve-se
fascinado o encanto insistente que as Investigações Lógicas irradiavam. Provocavam uma
inquietação que desconhecia sua razão de ser, ainda que deixasse pressentir que se
originava da incapacidade de chegar, pela pura leitura da literatura filosófica, a realizar o
processo de pensamento que se designava como “fenomenologia”.

A perplexidade desapareceu muito lentamente, trabalhosadamente solveu-se a


confusão, a partir do momento em que pude entrar pessoalmente em contato com Husserl
em seu centro de trabalho.

Husserl veio para Freiburg im Bresgau em 1916, como sucessor de Heinrich


Rickert, que assumira a cátedra de Windelbvand, em Heidelberg. A atividade docente de
Husserl consistia no progresso exercício e na aprendizagem do “ver” fenomenológico; ele
exigia tanto a renúncia a todo uso não critico de conhecimentos filosóficos como impunha
não trazer-se, para o diálogo, a autoridade dos grandes pensadores. Eu, entretanto, menos
podia separar-me e Aristóteles ed e outros pensadores gregos, quanto mais claramente a
crescente intimidade com o ver fenomenológico fecundava a interpretação dos textos
aristotélicos. Na verdade, não conseguia ainda abranger, de imediato, que conseqüências
decisivas traria o repetido retorno a Aristóteles.

Desde 1919 passei a dedicar-me pessoalmente às atividades docentes na


proximidade de Husserl; nestas, aprendia o ver fenomenológico, nele me exercitando e ao
mesmo tempo experimentando uma nova compreensão de Aristóteles; foi ai que meu
interesse se voltou novamente às Investigações Lógicas, sobretudo à Sexta Investigação da
primeira edição. A distinção que Husserl ai constrói entre intuição sensível e categorial
revelou-me seu alcance para a determinação do “significado múltiplo do ente”.

Por isso insistimos – amigos e alunos – para que o mestre reeditasse a Sexta
Investigação, naquela época dificilmente encontrável. Numa comprovada disponibilidade
aos interesses da fenomenologia, a Editora Max Niemeyer publicou, em 1922, a última
parte das Investigações Lógicas. Husserl nota no prefácio: “Na situação atual, cedi à
insistência de amigos da presente obra, e decidi-me a possibilitar novamente o acesso à sua
parte final, na forma primitiva”. Com a expressão “amigos da presente obra” Husserl quis
ao mesmo tempo significar que, desde a publicação das Idéias, ele próprio não mais se
sentia tão ligado às Investigações Lógicas. Pois, com dedicação sem igual, empenhava, na
nova sede de sua atividade acadêmica, sua paixão pelo pensamento e seu esforço na
elaboração sistemática do projeto apresentado nas Idéias. Por isso Husserl pode escrever no
prefácio à Sexta Investigação acima referido: “Também minha atividade docente em
Freiburg orientou meu interesse aos elementos-guias da uinversalidade e ao sistema”.

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Assim pois, Husserl, compreensivo, mas no fundo reciente, observava como eu,
paralelamente às minhas aulas e exercícios de seminário, aprofundava, todas a s
semanas,com alunos mais adiantados, as Investigações Lógicas, em grupos privados de
trabalho. Principalmente a preparação deste trabalho foi-me muito fecundo. Nela descobri –
antes conduzido por um procedimento do que orientado por uma compreensão fundada – o
seguinte: o que para a fenomenologia dos atos conscientes se realiza como o automostrar-se
dos fenômenos é pensado mais originalmente por Aristóteles e por todo o pensamento e
existência dos gregos como Alétheia, como o desvelamento do que se pré-senta, seu
desocultamento e seu mostrar-se. Aquilo que as Investigações redescobriram com a atitude
básica do pensamento revela-se como o traço fundamental do pensamento grego, quando
não da Filosofia como tal.

Quando mais decisivamente esta convicção se defina, tanto mais insistente tornava-
se a questão: De onde e de que maneira se determina aquilo que, de acordo com o principio
da fenomenologia, deve ser experimentado como “a coisa mesma”? É ela a consciência e
sua objetividade, ou é o ser do ente em seu desvelamento e ocultacão?

Deste modo fui levado ao caminho da questão do ser, iluminado pela atitude
fenomenológica, sempre de novo e cada vez de maneira diferente, inquietado pelas
questões emanadas da dissertação de Brentano. O caminho do questionamento tornou-se,
porém, bem mais longo do que presumia. Exigia muitas paradas, desvios e sendas perdidas.
Tudo aquilo que foi tentado nas preleções da primeira fase de Freiburg, e nas de Marburg,
mostra, embora de maneira indireta, qual foi o caminho.

“Colega Heidegger, agora torna-se necessário que o senhor publique algo. Dispõe
de um manuscrito pronto?” Com estas palavras entrou em minha sala de estudos o decano
da Faculdade de Filosofia de Marburg, em certo dia do semestre de inverno de 1925/26.
“certamente”, respondi-lhe. E o decano novamente: “Há de imprimi-lo com urgência”. A
faculdade havia-me proposto unico loco como sucessor de Nicolai Hartmann no ordinário I
Encontro e Filosofia. O Ministério de Cultura de Berlim recusara, entretanto, a proposta
com o argumento de que eu havia (estava) dez anos (que) nada publicado.

Chegara, pois, a hora de enfrentar o publico com o trabalho longamente cultivado.


A Editora Max Niemeyer estava disposta, através da meditação de Husserl, a imprimir logo
os primeiros cinqüenta cadernos do texto, que deveriam aparecer no “Anuário” de Husserl.
Sem demora, a Faculdade encaminhou ao ministério dois exemplares do que estava
impresso. Após certo tempo foram, contudo, devolvidos a Faculdade, com a observação:
“insuficiente”. Em fevereiro do ano seguinte (1927) apareceu então o texto completo de Ser
e Tempo, no oitavo volume do “Anuário” de Husserl, e com separata. Após meio ano, o
ministério retirou seu juízo negativo, efetivando meu chamado à cátedra.

Por ocasião da singular publicação de Ser e Tempo, entrei pela primeira vez em
contato direto com a Editora Max Niemeyer. O que no primeiro semestre de meus estudos
acadêmicos era apenas um nome na página-título da fascinante obra de Husserl mostrava-
se, agora e daí em diante, amplamente no trabalho editorial realizado com cuidado e
segurança, com generosidade e simplicidade.

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No verão de 1928, durante meu ultimo semestre em Marburg, foi preparado o
volume comemorativo dos setenta anos de Husserl. No inicio deste semestre, morreu
inesperadamente Max Scheler, um dos co-responsáveis pela edição do “Anuário” de
Husserl, que havia publicado no primeiro e segundo volumes (1916) seu grande tratado O
Formalismo na Ética e a Ética Material dos Valores. Ao lado das Idéias de Husserl
constitui esta a mais importante contribuição para o “Anuário”, o qual, através de sua ampla
repercussão, também mostrou sob nova luz a grande visão e eficiência da Editora Max
Niemeyer.

O volume comemorativo do aniversário de Edmund Husserl saiu pontualmente a


lume no dia natalício, como volume complementar do “Anuário”. Tive a honra de entrega-
lo ao professor festejado, no dia 08 de abril de 1929, em meio ao circulo de seus discípulos
e amigos.

Nos anos seguintes evitei toda publicidade maior, até que a Editora Max Niemeyer
arriscou imprimir, em 1941, minha interpretação do hino de Hölderlin “Como num dia de
Festa...”, sem entretanto, indicar a data da edição. Eu havia proferido esta conferência, em
maio do mesmo ano, como professor visitante na Universidade de Leipzig. O proprietário
da Editora, Hermann Niemeyer, veio de Halle para assistir a ela, e logo combinamos a sua
publicação.

Ao me decidir, doze anos mais tarde, a editar parte de minhas antigas aulas, não tive
duvida em escolher para tal empresa a Editora Max Niemeyer. Mais agora não se lia mais
nas primeiras paginas de seus livros, “Halle a.d. Saale” – cidade em cuja Universidade
lecionou, na última década do século passado, o então livre-docente Edmund Husserl.
Muitas vezes contou mais tarde, em Freiburg, a história que está nas origens das
Investigações Lógicas. Nunca esquecia de, nestas ocasiões, lembrar com gratidão e
admiração, Max Niemeyer que, na passagem do século, assumiu o risco de publicar a
volumosa obra de um desconhecido livre-docente, que enveredava por caminhos inusuais,
provocando, com isto, estranheza no seio da filosofia contemporânea; muita coisa
aconteceu a esta obra, no decurso dos anos seguintes, até Dilthey reconhecer sua
importância. Naquela época a editora não podia saber que, no futuro, seu nome
permaneceria ligado à Fenomenologia, a qual muito em breve passou a determinar o
espírito da época, nas mais diversas áreas e em geral de maneira silenciosa.

E hoje? Parece que o tempo da filosofia fenomenológica passou. Já é julgada como


algo passado, que é apenas consignado ainda historiograficamente ao lado de outros
movimentos filosóficos. Entretanto, a Fenomenologia não é nenhum movimento, naquilo
que lhe é mais próprio. Ela é a possibilidade do pensamento – que periodicamente se
transforma e somente assim permanece – de corresponder ao apelo do que deve ser
pensado. Se a Fenomenologia for assim compreendida e guardada, então pode desaparecer
como expressão, para dar lugar à questão do pensamento, cuja manifestação permanece um
mistério.

Post scriptum de 1969

O sentido da ultima frase já vem expresso em Ser e Tempo (1927) pás. 38:

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“O essencial para ela (a Fenomenologia) não consiste em realizar-se como
‘movimento’ filosófico. Acima da atualidade está a possibilidade. Compreender a
Fenomenologia quer unicamente dizer: capta-la como possibilidade”. 1[1]

Os outros em eu: uma abordagem fenomenológica

MICHEL HENRY2

Convém lembrar qual é o objecto da fenomenologia: não são os objectos, mas o modo
como eles se doam; não são os 'fenómenos', mas a sua fenomenalidade pura, considerada
como tal. Ora há dois modos fundamentais e heterogéneos segundo os quais se manifesta
tudo aquilo que podemos experienciar: o aparecer ek-stático do mundo, a auto-revelação
imanente e patética da vida. Tratar a questão filosófica da relação com outro é referi-la ao
fundamento fenomenológico do qual ela recebe a sua possibilidade transcendental, ao
mesmo tempo que recebe a realidade fenomenológica da sua efectivação. Esta possibilidade
sustenta-se na fenomenalidade da vida, jamais na do mundo. E isto, porque qualquer
experiência do outro pressupõe os 'Si', os 'eu', os 'ego' nos quais ela se enlaça - 'Si', eu e ego
que só advêm a si mesmos nesta auto-revelação originária da vida. Esta é a razão profunda
do fracasso das grandes fenomenologias do século XX, ao abordarem a questão da relação
com o outro, negligenciada pelo pensamento clássico: todos estes pensamentos são, com
efeito, fenomenologias do mundo, na exterioridade do qual nenhuma relação consigo,
nenhum Si são possíveis. Mostraremos, então, como é que só uma fenomenologia da vida é
capaz de dar conta da ipseidade de cada um dos 'si' que intervêm na relação intersubjectiva
e, ao mesmo tempo, dar conta da possibilidade desta relação. Assim, será posta em
evidência a possibilidade fenomenológica originária de toda a comunidade. Tais resultados
interessam, sem dúvida, à medicina, na medida em que se torna cada vez mais evidente que

1[1] Na tradução brasileira de Ser e Tempo por Márcia de Sá Cavalcante Schuback encontra-se no § 7 página
69-70.

2
Michel Henry nasceu a 10 de Janeiro de 1922, em Haipong (Vietname). Aos sete anos vem para França,
onde faz toda a sua formação. É actualmente considerado um dos “maiores” nomes da fenomenologia
francesa, conjuntamente com Paul Ricoeur e Emmanuel Levinas. Tem desenvolvido trabalho no âmbito da
fenomenologia do afecto, nos limites da intencionalidade, partindo de uma análise das aporias da
fenomenologia «tradicional», sobretudo da de Edmund Husserl e de Martin Heidegger. É também um
especialista no pensamento de Marx. A sua obra está hoje traduzida em inglês, alemão, italiano, espanhol,
português, japonês, romeno e turco. Para além de vários artigos, publicou já os seguintes livros: “L'essence de
la manifestation” (PUF, 1963); ”Philosophie et phénoménologie du corps. Essai sur l'ontologie biranienne”
(PUF, 1965) (II ed. em 1 vol 1990); “Marx”, 2 vols: “I. Une philosophie de la réalité”, “II. Une philosophie de
l’économie” (Gallimard, 1976); ”Généalogie de la psychanalyse - le commencement perdu” (1985); “La
barbarie” (Grasset, 1987); “Voir l’invisible. Sur Kandinsky” (Éd. Bourin-Julliard, 1988); ”Phénoménologie
matérielle” (PUF, 1990); “Du communisme au capitalisme. Théorie d’une catastrophe” (O. Jacob, 1990);
mais recentemente: “C’est moi la vérité. Pour une philosophie du christianisme” (Ed. Seuill, 1996), trad. port.
(1998); ”Incarnation une philosophie de la chair” (2000), trad. port. (2001). Michel Henry é ainda autor de
vários trabalhos de literatura / ficção: “Le jeune officier” (Gallimard, 1954); ”L'amour les yeux fermés”
(Gallimard, 1976); ”Le fils du roi” (Gallimard, 1981); ”La vérité est un cri” (Radio-France, théâtre, 1982);
”Le cadavre indiscret” (Albin Michel, 1996).

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ela não pode reduzir-se a um saber objectivo e impessoal, por muito essencial que seja este
último. A prática da medicina implica uma relação intersubjectiva entre o clínico e o
paciente; ela depende da natureza desta relação. Porque o olhar clínico é um olhar
transcendental que se experiencia no coração da realidade humana, a medicina é mais do
que uma simples ciência; ela descobre-se ou redescobre-se, hoje, na nosso época ameaçada
por um positivismo desastroso, como uma das formais essenciais da cultura.

A HERMENÊUTICA DO PRESENTE

Alberto Lins Caldas3

Aquilo que denominamos Hermenêutica do Presente tem se apresentado, antes de tudo,


como uma leitura radical (o redimensionamento das ações, do ser, dos saberes, das
existências, dos discursos), e uma das funções dessa leitura é iniciar outra reflexão e
outra ação, fora de um conhecimento e um saber positivos (seu rastro é negativo, não é
a contrapelo: é tosa, corte, dissecação, calcinação, dissolução). Por isso, caracterizamos
inicialmente essa Hermenêutica como guerrilha (Caldas, 1996, 1997), interpretação
viva impondo-se como acampamento provisório, propondo a ação de um tipo de
consciência crítica e de uma concepção de presente (1996) que diferem, e buscam
diferir, da racionalidade tradicional e das temporalidades ocidentais, voltando-se contra
si mesmo, num processo de autodissolução constante e absolutamente necessário para
não se tornar disciplina, saber, técnica, conhecimento, método [ser um rastro de fogo é a
ambição da Hermenêutica do presente]; como uma tentativa de compreensão da
virtualidade que caracteriza a ocidentalidade; como uma forma de entender as
naturalizações e universalizações que moldam nossa maneira de pensar e ser, impedindo
uma modificação radical ou uma teoria da revolução que não seja historicamente
naturalizada.
A Hermenêutica do Presente (não esqueçamos a ironia deste nome que não é uma
interpretação e muito menos uma filosofia) não pode estar nem entre as disciplinas nem
dentro de nenhuma delas (e não pode pretender estar, o que seria se negar a ponto de
deixar de ser), muito menos fazendo ponte entre elas; não é nem interdisciplinar nem
multidisciplinar; ela produz e propõe um rastro de negação, não um lugar de
conhecimento, um lugar disciplinar; nem as Ciências Humanas se aplica nela nem elas
3
http://www.unir.br/~albertolinscaldas/

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podem suportar sua presença virótica em seu interior [seu tipo de ação é virótica, que
tanto horror causa a Baudrilard]; não constitui um objeto, mas uma ação destrutiva dos
outros objetos, sujeitos, campos, conhecimentos e lugares; não por se remeter às
origens, mas por negar a origem (a história, não ainda a historicidade) e refundar a
dimensão de apresentação desse conhecimento; uma dessas passagens é interpelar,
dissolver, des-[re]velar e des-mas[em]carar tanto a produção de conhecimento quanto a
existência social e a existência natural.
Para tanto, criamos um espírito historicizante (movimento múltiplo, polifônico, e não
encadeamento com origem, relação e conseqüência), mas sem história ou História,
como uma das nossas armas. A historicização radical como a reflexão que pode
combater tanto as naturalizações quanto a universalização de idéias, imagens e símbolos
tendo o capital e seus mundos como suporte, escapando ao medo do relativismo por
incluí-lo na própria historicização.
Para tanto partimos, primeiro, para uma idéia de ocidentalidade enquanto horizonte
virtual [a virtualidade], onde/quando todos os sentidos nascem e se esgotam; e
onde/quando todas as universalidades e naturalizações dessa virtualidade social estão
historicamente ligadas, primeiro aos fundamentos cristãos e, “agora”, aos processos de
instauração e expansão do capital; uma idéia de virtualidade como grande território
imaginário, a grande práxis específica, onde se criam todas as realidades;
segundo, correspondendo a essa universalidade, temos um processo monstruoso de
naturalizações que garantem todas as universalizações, fundando e possibilitando a
própria racionalidade ocidental;
terceiro, uma concepção de natureza enquanto recorte e fundação da práxis, perdendo
seu estatuto de estrutura real e natural, enquanto realidade independente das
formatações vitais das sociedades, entendendo toda “dialética” entre natureza e
sociedade como falseamento da dialeticidade social, instauradora das duas “realidades”
e dos processos envolvidos;
quarto, compreendemos a história como criação ocidental e, sobretudo, cristã, tendo se
tornado a nossa maneira de se representar, apresentar e funcionar, a nossa forma de
compreender e articular quase todos os sentidos da virtualidade, tendo, como eixo não-

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dito, todo um sistema metafísico basicamente cristão formatando coisas, homens,
discursos e paisagens;
quinto, desnaturalizada e desuniversalizada, a razão torna-se ocidental e com as
características dessa grande virtualidade, perdendo na ideologia sua “guerra santa” ao
ser localizada, ao ser compreendida como parte inestirpável daquilo que ela sempre
afastou como deformação e erro: a mitologia;
sexto, uma temporalidade que concebe o presente não como uma fina fatia de tempo,
mas como dobra: múltipla dimensão onde convergem todas as vivências, todos os
significados, todos os passados, deixando de lado tanto a concepção de História quanto
uma idéia presentista: o passado deixa de existir como tendo acontecido e o presente
escapa do seu imediato;
sétimo, uma concepção da Ciência como uma das formas da práxis no capitalismo e
por isso se tornando uma mega-ideologia que tornou sua sustentação praticamente
invisível, tendo sentido somente a partir dos horizontes da virtualidade ocidental;
oitavo, a reestruturação da dialética enquanto visão de mundo e ação política,
enquanto “método” que ainda precisa passar por processo crítico para torna-la menos
“natural”, menos “universal”, menos “burguesa” e “proletária”, capaz de compreender e
destruir tanto o mundo do trabalho, que se apresenta como o real, quanto os mundos
discursivos que se tornam mundos sem saber que são discursos;
nono, redimensionando a virtualidade ocidental, criamos uma atmosfera onde a práxis
não precisa mais de natureza nem de história, para ser compreendida;
décimo, dialogamos com certa História Oral em busca de uma aproximação com os
discursos constitutivos da interioridade, da experiência, da palavra, da singularidade
como um dos caminhos necessários para se chegar ao conjunto da nossa atuação.
Aquilo que chamamos Hermenêutica do Presente não é um sistema ou uma teoria, mas
processos de leituras radicais da ocidentalidade. Os pontos acima tentam somente
coagular a forma e o movimento das leituras que caracterizam esta Hermenêutica sem
tornarem esse momento a instauração de um modelo ou como posições fixas, mas
momentos da reflexão e que devem ser superados no movimento criado por essa
atuação.

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BIBLIOGRAFIA

CALDAS, Alberto Lins. HISTÓRIA E CIÊNCIA. BOLETIM DO LABORATÓRIO


DE GEOGRAFIA HUMANA: 3, Universidade Federal de Rondônia/Centro do
Imaginário Social, Nº 1, ano I, Porto Velho-RO, Setembro/Outubro, 1993.
__________. HERMENÊUTICA DO PRESENTE. Caderno de Criação, UFRO/Dep.
de História/CEI, nº 11, ano III, Porto Velho, dezembro, 1996.
__________. INTERPRETAÇÃO E REALIDADE. Caderno de Criação,
UFRO/Centro de Hermenêutica do Presente, nº13, ano IV, Porto Velho, setembro,
1997.
__________. ORALIDADE, TEXTO E HISTÓRIA: PARA LER A HISTÓRIA
ORAL. Loyola, São Paulo, 1998.
__________. HISTÓRIA E VIRTUALIDADE. Caderno de Criação: 6/12,
UFRO/Centro de Hermenêutica do Presente, nº18, ano VI, Porto Velho, junho, 1999.
__________. NAS ÁGUAS DO TEXTO: FRAGMENTOS DE UMA
INTERPRETAÇÃO. Caderno de Criação: 28/49, UFRO/Centro de Hermenêutica do
Presente, nº19, ano VI, Porto Velho, agosto, 1999.

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