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Alain Braconnier
Pierre Fédida: Antes de mais nada, o fato de você querer falar de minha obra
me deixa tímido, mas fico logo querendo acrescentar que a minha obra tem,
no fundo, dois aspectos: de um lado, meu compromisso com a instituição e,
de outro, o trabalho de escrever. Sempre tenho estado às voltas com a idéia
de que é preciso levar duas ações. A primeira é a atividade psicanalítica e a
prática psicoterápica, bem como o papel a desempenhar na instituição
psicanalítica. Simultaneamente, há uma Segunda ação que me parece
essencial: é a do compromisso político, não no sentido de um partido político,
mas no de que não se pode pensar e continuar a falar sem uma preocupação
com o momento em que se fala e com as condições sociais então vigentes. O
que se pode fazer no plano das instituições quando se está neste ou naquele
momento de assunção de responsabilidades?
Neste momento cultural que estamos vivendo, onde as coisas acontecem tão
rapidamente, é preciso introduzir um tempo de reflexão que é um tempo de
comunicação necessária, e cito como exemplo o intercâmbio entre a biologia
e a psicanálise. Agora, trata-se de perseguir, de não deixar erodir o terreno
fértil desse diálogo em nome de uma ideologia fisicalista que é, em particular,
a das ciências cognitivas. Nossa própria tradição reflexiva e a importância que
atribuímos à psicopatologia, isto é, ao conhecimento dos indivíduos em sua
vida psíquica, constituem uma aposta importante. Estamos agora num ver-
dadeiro debate. Até o momento, os adversários eram leves; agora temos
verdadeiros adversários. Há aqueles que não querem mais perder tempo con-
versando com os pacientes; há os que tentam acabar com toda a formação
de referência analítica nos cursos de medicina ou psicologia. Nesse contexto,
muito me alegra ver um ministro tão exemplar como Claude Allegre. Fi-
nalmente temos um ministro – uma per-sonalidade notável em sua
especialidade – que tem por modelo o pragmatismo norte-americano e que
parece detestar a filosofia, a psicanálise e certamente a clínica. Suponho que
seja tecnocra-ticamente muito fácil decidir pela supressão de tal estrutura de
hospi-talização ou de dispensários, ou decidir que as técnicas terapêuticas
compor-tamentais e a farmacoterapia são mais eficazes que a psicanálise,
que a conversa clínica não é muito necessária etc. Isso implica deixar de ver
todas as conseqüências produzidas no campo em questão. Como ignorar a
esse ponto a ação de todos os atendentes e terapeutas que realizam
diariamente um trabalho tão importante? E também, como ignorar a esse
ponto que o tecido humano é feito de cultura coletiva?
Alain Braconnier: Vejo que você não respondeu a minha pergunta. E quanto a
seu livro A ausência?
Pierre Fédida: A outra parte, que é a da escrita, foi se formando para mim na
clínica analítica. Em 1978, o que se impunha a mim era a necessidade de
balizar a função do negativo na psicanálise. Para mim, A ausência posicionava
todo o problema da atenção na psicanálise e do lugar do psicanalista. Meu
último livro, Le site de l’étranger (edições PUF) é uma continuação de A
ausência, porém mais centrado num certo número de questões que se
tornaram mais vivas para mim, como o homicídio e a neutralidade. Em meu
próximo livro, sobre a depressão, importam-me as questões presentes no
tratamento analítico.
Pierre Fédida: Atualmente tenho con-vivido bastante com a idéia desse texto
de 1947, de Lévi-Strauss, sobre "psicanálise e xamanismo". A idéia de então
era a de que os psicanalistas ainda não tinham podido integrar o corpo na
prática do tratamento. Lévi-Strauss toma o exemplo de Madame Sechehaie,
que trata de seus esquizofrênicos, que põe a face de um esquizofrênico
contra a sua. Lévi-Strauss diz ser um gesto altamente simbólico, que penetra
o inconsciente. Deixemos a Lévi-Strauss a responsabilidade sobre o que ele
diz. Teria a psicanálise esquecido essa inspiração xamanística ?
Alain Braconnier: Você defende, uma vez mais, um ponto de vista que
desloca, que desarranja. Não ao psicossomático, por que?
Alain Braconnier: Você não nos disse o que pensa sobre o futuro da
psicanálise. Como você pensa a relação psico-terapia-psicanálise?
Pierre Fédida: Isso depende do plano em que se está. Se estamos num plano
de saúde pública, tendemos para uma regulamentação da prática
psicoterápica, regulamentação essa que tem sido evitada até o presente
momento na França, mas que será imposta na Europa. Mais acima, são os
diplomas universitários e a formação universitária que estão em jogo. Hoje
estamos muito atrasados na formulação das exigências de formação
universitária.
Está perfeitamente claro que qualquer pessoa que queira exercer a prática
psicoterápica deve ter uma formação psicopatológica, isto é, uma formação
que lhe permita ter ao mesmo tempo um conhecimento das doenças (não so-
mente psíquico) e um conhecimento do que são os processos psíquicos. Não
se pode evitar esse problema.