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Português para estrangeiros, lição número 1: a

conversa telefónica
27.02.2009 às 17h56

Primeiro, o começo; "Estou". Que afirmação ridícula! Claro que eu estou. Se não estivesse,
não atendia a chamada. E a resposta de quem me está a ligar é igualmente estranha. "Está?".
Mais uma pergunta inútil. Claro que a pessoa que atende está. Mais uma vez, se não estivesse,
não atendia. 

Segundo, a frase essencial para abrir a conversa é "Como é que vai isso, meu amigo?". A
resposta certa é, sempre, "vai bem". O que vai bem não interessa: até seria indelicado 
perguntar a que é que "isso" se refere. Tudo vai bem, por princípio. E, claro, somos todos
amigos. 

Nota ­ até este ponto, não faço a menor ideia com quem estou a falar; presumo que é a pessoa
certa, mas como não há nenhum troca de informação personalizada, por exemplo nomes ou
funções, não sei se estou a falar com o meu contacto no Ministério, o colega dele, ou até o
continuo que por acaso pegou no telefone.

Terceiro: a "carne" da conversa. A isto, por regra, leva­se tempo a chegar, e quando se chega,
nunca é breve. Em português correcto, a aproximação ao cerne da questao faz­se em ângulo
oblíquo. "Sabe, meu amigo, há um tema de que gostava muito de falar consigo". Nota ­ não se
deve perguntar "qual é o tema?": isto seria demasiado brusco; o que interessa é que há um
tema, e que ele é importante. E que ainda somos amigos. Depois, a descrição do tema ­ que é
quase sempre uma pessoa, não uma coisa; "deve lembrar­se do nosso amigo comum, Pedro,
sobre quem falámos há pouco?".  Neste ponto da conversa entro em pânico absoluto.
Conheco 10 Pedros. Qual deles? E quando é que falámos dele? E com quem estou eu a falar
agora? Com um dos outros nove Pedros? Mas, apesar destas dúvidas existenciais, a minha
resposta é, infalivelmente, "claro, meu amigo, claro". Somos ainda amigos.

A seguir, o tema é debatido, são trocadas impressões, etc. etc. Isto é a parte menos
interessante do telefonema.
Depois, chegamos ao momento mais importante da conversa, "la piece de resistance": a
despedida. Primeiro, a pré­despedida, com outra frase obrigatória ­ "então vá". É essencial
repetir esta frase pelo menos três vezes, para indicar que estamos a chegar ao fim. Então vá.
Então vá. Então vá. Por fim, a própria despedida. É melhor feita com uma ou outra frase
verdadeiramente barroca, fazendo lembrar aqueles altares rococó construídos nas Igrejas do
século XVIII que se ergueram das cinzas da Lisboa do terramoto. A minha preferida é a
clássica "por amor de Deus disponha sempre", que vale muito mais que um simples "adeus".
Mas ainda mais fascinante do que a frase é a maneira de dizê­la, com uma voz cada vez mais
distante, como se eu fosse a partir num barco do Cais de Sodré, gritando despedimentos
emocionais ao meu amor, que me acena do cais um último adeus.

E depois, o silêncio. E fico sem saber com quem estive a falar, ou sobre o quê. Mas sei uma
coisa: somos ainda mais amigos do que antes. E isto tem algum valor.

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