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(apontamentos)
Gaston Bachelard nasceu no dia 27 de Junho de 1884, em Bas
surAube, onde os seus pais tinham uma loja de tabaco e
jornais. Em 1903, entra para a Administraçäo dos Correios,
onde ficará até 1913. Começa os seus estudos na Faculdade de
ciências. Prepara o curso dos alunos engenheiros dos
telégrafos e, ao mesmo tempo, termina uma licenciatura em
matemática. Mas Bachelard näo será Engenheiro, depois da
guerra, em 1919, entra para o ensino secundário como Professor
de ciências no colégio da sua cidade natal. Agregado de
filosofia, em 1922, fica em BasSurAube como professor de
ciências e de filosofia. A Faculdade de Letras de Dijon chama
o em 1930 e a Sorbonne, em 1940. Morre em Paris, no dia 16 de
outubro de 1962.
O senhor Bachelard! para mim, de certo, ele näo era
o filósofo, näo era o cientista, nem o membro do
Instituto, nem o poeta: era _alguém especial, um
homem espantoso que parecia compreender täo bem ser
ele e as coisas e os outros, um Senhor, generoso e
bom, que amava a vida, os homens e a água e o ar e
tudo... e que parecia dizer _obrigado.
Durante muitos anos, vio aparecer neste corredor.
Dirigiase a mim, levavame ao seu gabinete, onde
conversávamos alguns momentos, antes de passar à
sala _C, onde, com impaciência e alegria, dezenas e
dezenas de estudantes o esperavam. Ele entrava,
vestido com um eterno fato escuro, muito ágil e
vivo. O seu rosto: dois olhos negros, brilhando de
inteligência, barba e cabelos de um branco de neve.
E mäos que viviam, pensavam com o olhar, o sorriso,
todo o ser.
Conhecia bem os estudantes e só os tratava pelo nome
próprio. Gostava muito deles e a eles se ligava
depressa, desde que trabalhassem. Tudo queria saber
deles e näo podia pensar que eram infelizes.
O Senhor Bachelard, antes de mais nada, era bom e os
homens bons, os que chegam a pensar que tudo no
mundo é bom, näo säo assim täo vulgares; conheci
alguns, e é isso que nos reconcilia com a vida.
Obrigado, Senhor Bachelard, graças a si fui um pouco
mais feliz; graças a si, muitos jovens aprenderam
algumas coisas do que é a felicidade. Dentro de uns
cinquenta anos, um senhor idoso e uma idosa Senhora,
recordando a sua juventude, diräo ainda: "Ah!
Bachelard, conhecio, que grande homem!"
Bom dia, Romeu.
Bom dia, senhor bachelard.
Pierre Romeu, Bibliotecário da secçäo de
filosofia da Sorbonne.
nasci num país de regatos e de rios, num
recanto do vale de Champagne, no Vallage,
assim chamado por causa da quantidade dos
seus vales. O vallage tem dezoito léguas
de comprimento e doze de largura. É
portanto um mundo. Näo o conheço
completamente: näo segui todos os seus
rios.
Bachelard.
1. O SENSO COMUM E A CONSTRUÇÄO DA CIêNCIA:
OS OBSTåCULOS EPISTEMOLGICOS
NOÇÄO DE OBSTåCULO EPISTEMOLGICO
é em termos de obstáculos que devemos pôr
o problema do conhecimento científico.
Bachelard.
É, portanto, ao nível do acto de conhecer que surgem as causas
de estagnaçäo e mesmo de regressäo, causas de inércia, que säo
chamados obstáculos epistemológicos: Como se a luz que o
conhecimento do real implica, projectasse sempre determinadas
sombras. A epistemologia deste cientistafilósofo será assim
chamada podemos desde já fixar a característica pelos
obstáculos e pelas rupturas, até mesmo pelas tentaçöes e erros
da ciência.
Chega a uma altura em que o espírito gosta
mais daquilo que confirma o seu saber do
que daquilo que o contradiz; em que
prefere as respostas às questöes. Entäo,
o instinto conservativo domina, o
crescimento espiritual pára.
Bachelard.
Conta a este propósito Bachelard, em "A Formaçäo do Espírito
científico", a afirmaçäo espirituosa atribuída a um
epistemólogo irreverente que afirmava que os grandes homens
säo úteis à ciência na primeira metade da sua vida e nefastos
na segunda metade... Contrariamente ao jovem, o homem de mais
idade tornase regra geral, mais conservador.
Podemos, em suma, reter que, o obstáculo epistemológico, para
Bachelard, näo procede principalmente da natureza do objecto a
conhecer, näo é um obstáculo objectivo, mas é inerente ao
nosso próprio espírito, portanto, mais subjectivo que
objectivo.
EXEMPLOS DE ALGUNS OBSTåCULOS EPISTEMOLGICOS
a) A EXPERIêNCIA PRIMEIRA
O carácter orgânico é aí täo evidente que
seria muito difícil saltar capítulos.
Passadas as primeiras páginas, já näo se
deixa falar o senso comum.
Bachelard.
Como o texto 2 refere, no livro científico do século dezoito
"o autor conversa com o seu leitor como um conferencista de
saläo". näo säo as verdadeiras razöes científicas do troväo
que aí säo analisadas, mas sim razöes de ordem psicológica,
receios e medos infundados, impressöes incómodas...
Säo, na realidade, livros précientíficos, humorísticos até,
por vezes: num outro livro do século dezassete, ainda citado
por Bachelard, um erudito começa assim a sua obra sobre os
cometas:
Uma ciência que aceita as imagens é, mais
do que qualquer outra, vítima das
metáforas. Assim o espírito científico
deve lutar continuamente contra as
imagens, contra as analogias, contra as
metáforas.
Bachelard.
Tal como para os alunos do Liceu, para quem o pitoresco e as
imagens exercem uma grande atracçäo (o caso das explosöes nas
aulas de química, por exemplo: o que mais tarde se recordará
näo seräo as causas objectivas do fenómeno, mas o
aborrecimento do Professor, o pânico de um vizinho tímido).
estas experiências muito vivas, muito imaginadas, seräo, para
Bachelard, centros de falsos interesses; e é neste sentido que
ele diz que o espírito científico se deve tornar contra a
natureza (ver texto 2).
Näo esqueçamos ainda que a razäo, a causa profunda deste
obstáculo epistemológico, näo está tanto na força dos factos
coloridos e diversos apresentam,, mas em nós mesmos, nas
nossas surdas paixöes, nos nossos desejos inconscientes. Daí a
insistência com que Bachelard fala da necessidade de
psicanalisar o inconsciente do espírito científico. Por isso
diz:
Näo nos podemos surpreender pelo facto do
primeiro conhecimento objectivo ser o
primeiro erro.
Bachelard.
b) OS CONHECIMENTOS DO GERAL COMO OBSTåCULO AO CONHECIMENTO
CIENTïFICO
Para se desculparem desta banalidade, eles
pretendem mostrar que com um tal exemplo
têm tudo o que é preciso para marcar um
progresso decisivo do pensamento
científico... e julgam assim fundamentada
a sä doutrina de gravitaçäo.
Bachelard.
Generalizaçöes deste tipo seräo apressadas e fáceis (ver texto
3). E, mais uma vez, Bachelard insiste na necessidade de fazer
uma psicanálise do conhecimento objectivo para que todas as
seduçöes de facilidade sejam detectadas.
Com efeito, a procura apressada do geral conduz a maior parte
das vezes a generalidades mal colocadas, sem ligaçäo com as
funçöes matemáticas essenciais do fenómeno.
Dizse: todos os corpos caem; ou: todos os raios luminosos se
propagam em linha recta; ou: todos os seres vivos säo mortais,
equivale a colocar, no limiar de cada ciência, grandes
verdades primeiras, definiçöes intangíveis. E Bachelard
acrescenta que era precisamente isso que se fazia nos livros
précientíficos de física, no século dezoito, e de sociologia
do século vinte.
E, como o texto 3 refere, em vez do enunciado: todos os corpos
caem sem excepçäo, se se fizer a experiência no vazio, num
tubo de Newton, chegase a uma lei mais rica: no vazio, todos
os corpos caem com a mesma velocidade. E este será, isso sim,
um enunciado útil, base real de um empirismo exacto. Apesar de
que esta lei, sendo täo completa, täo bem acabada, pode por
isso mesmo, näo fazer avançar mais o pensamento e a
experiência. O caso é que
à volta de um conhecimento muito geral, a
zona de desconhecido näo se resolve em
problemas precisos.
Bachelard.
O ideal de limitaçäo deves ser uma meta a
atingir. Um conhecimento a que falta a
precisäo, um conhecimento que näo é dado
com as suas condiçöes de determinaçäo
precisas näo é um conhecimento científico.
Um conhecimento geral é quase totalmente
um conhecimento vago.
Bachelard.
c) O CONHECIMENTO UTILITåRIO COMO OBSTåCULO AO CONHECIMENTO
CIENTïFICO
Há igualmente a considerar, como obstáculo epistemológico, "a
seduçäo de generalidades mais vastas", no âmbito já do
pensamento filosófico.
Uma doce letargia imobiliza a experiência;
todas as questöes ficam mudas numa vasta
visäo do mundo; todas as dificuldades se
resolvem diante de uma visäo geral do
mundo, por simples referência a um
princípio geral da natureza.
Bachelard.
É tomando consciência desta revoluçäo que
se pode compreender verdadeiramente a
força da formaçäo psicológica do
conhecimento científico e que se apreciará
a distância do empirismo passivo ao
empirismo activo e pensado.
Bachelard.
Bachelard ocupase ainda, na obra já referida e toda dedicada
a este assunto A FORMAÇÄO DO espírito CIENTïFICO de
outros obstáculos, como o obstáculo substancialista,
Portanto, quando se unem directamente à substância qualidades
diversas, tanto uma qualidade superficial como uma qualidade
profunda, tanto uma qualidade manifesta, como uma qualidade
oculta, caise no chamado obstáculo substancialista. Também a
substancializaçäo tem, assim, um carácter vago e infinitamente
tolerante oposto a um verdadeiro movimento epistemológico que
vai do interior ao exterior das substâncias.
O CONHECIMENTO CIENTïFICO COMO RECTIFICAÇÄO
A rectificaçäo é uma realidade ou, melhor,
para a verdadeira realidade
epistemológica, já que é o pensamento em
acto, no seu dinamismo profundo.
Bachelard.
Tem de haver portanto, na base da rectificaçäo, uma reforma do
pensamento, da sua capacidade inventiva, da sua autonomia, que
muitas vezes terá de rejeitar a priori antigos conceitos de
forma a substituílos por novos já modificados.
A ideia fundamental da teoria da história das ciências, para
Bachelard, é a da ruptura que se pode considerar como uma das
mais célebres das noçöes epistemológicas deste autor.
compromete facilmente o ser sensível; é a
satisfaçäo íntima; näo é evidência
racional.
Bachelard.
É assim que Bachelard näo se cansa de afirmar, em muitas das
suas obras, que o "espírito científico contemporâneo näo
poderia estar em continuidade com o simples bom senso" (ver
texto 6). e que, pelo contrário, as suas teses, de täo
arriscadas, chocariam o senso comum.
Assim, a ciência contemporânea näo se segue sem contas a uma
ciência anterior; haverá sempre rupturas necessárias: se o
objecto de estudo é agora, por exemplo, o núcleo atómico, já
as imagens e fórmulas verbais de uma física clássica näo
poderäo servir.
Esta ruptura é täo nítida que, como afirma o autor (texto 6),
a filosofia inerente a estes dois tipos de pensamento tem que
ser também ela diferente: e é assim que o empirismo se liga ao
senso comum.
Mas o racionalismo é solidário do conhecimento científico. Näo
se pode ser arrastado pelo peso dos conhecimentos comuns, näo
se pode hoje em dia imaginar um corpúsculo como um pequeno
corpo (texto 5), a ciência tem assim, como já se viu, que se
opor à opiniäo (texto 1). Näo é a utilidade que pode
caracterizar um objecto no que respeita às suas propriedades
essenciais, quer dizer, näo pode ser aquilo que nos é dado na
aparência que basta ao conhecimento científico: antes o que é
construído pela razäo.
Nada surge por si. Nada é dado. Tudo é
construído.
Bachelard.
A TEORIA DO PROGRESSO POR RUPTURAS: MATERIALISMO OU IDEALISMO
EM BACHELARD?
Em vez de uma concepçäo continuista da história da ciência e,
como se vê, uma visäo mais dialéctica, segundo a qual a
história conhece saltos, revoluçöes, mudanças, rupturas: por
isto mesmo alguns têm considerado Bachelard próximo do
materialismo histórico; outros, no entanto, negam esta
atribuiçäo, na base de que para o cientistafilósofo francês
näo há causas historicamente exteriores à ciência que governem
o seu desenvolvimento. De facto ele afirma:
Näo há, portanto, nenhuma necessidade histórica, como para a
concepçäo materialista. Näo há causas exteriores à ciência que
a expliquem, mas täo somente contam para este efeito os
conceitos científicos.
A tese e ruptura, de Bachelard, leva a que seja negada toda a
necessidade de desenvolvimento histórico: a racionalidade
actual explicase por si mesma, a ciência explicase por um a
"vontade de razäo" e o conjunto dialéctico de que fala estará
envolto no dizer de alguns, numa atmosfera idealista, porque é
subjectiva e se destina a oporse a toda a dialéctica
objectiva baseada na existência de contradiçöes que formam uma
unidade no real. De facto, para os materialistas, o movimento
histórico fazse através de antagonismos que opöem forças de
maneira contraditória; ora, para Bachelard, a negaçäo é sempre
referida ao espírito e à razäo; näo é uma verdadeira
contradiçäo, mas só uma oposiçäo entre imaginaçäo e razäo, que
desaparece logo que se adopta o verdadeiro espírito
científico. Mas apesar de defender a descontinuidade,
Bachelard defende o progresso da ciência: há sucessivas
aproximaçöes à verdade, na medida em que se deve dar o
afastamento das opiniöes do senso comum.
O progresso científico será assim como uma luta com diversas
formas de ataque e também diversos métodos.
2. DA DESTRUIÇÄO DAS INTUIÇÖES EMPïRICAS æ NOÇÄO DE
ULTRAOBJECTO
A INTUIÇÄO SENSïVEL COMO OBSTåCULO AO CONHECIMENTO CIENTïFICO
estas intuiçöes primeiras respondem, muito
cedo e completamente, às questöes postas;
näo favorecem as sínteses complicadas e
fecundas, näo sugerem experiências.
Bachelard.
E assim as intuiçöes sensíveis levam ao imobilismo, à negaçäo
do próprio espírito de investigaçäo científica. O método
científico tem portanto que se libertar de um primeiro
movimento que é a final o engano dos sentidos e da intuiçäo. E
é nesta acepçäo que Bachelard diz:
näo há verdade primeira, só há erros
primeiros.
Bachelard.
As intuiçöes säo muito úteis: servem para
ser destruídas. Ao destruir as suas
imagens primeiras, o pensamento científico
descobre as suas leis orgânicas.
Bachelard.
O VALOR DA INTUIÇÄO INTELECTUAL
As intuiçöes sensíveis devem ser substituídas pelas intuiçöes
racionais.
Bachelard.
Vimos na rubrica anterior que Descartes considerava a intuiçäo
intelectual como o acto de inteligência pura e atenta. A
intuiçäo cartesiana tinha, como já foi visto, o carácter
imediato da evidência e, tal como acontecia com os princípios
da lógica de Aristóteles, era caracterizada por uma grande
clareza aparente. Ora Bachelard faz uma crítica a este tipo de
evidência porque, sendo assim, o pensamento näo avança e nada
é descoberto. É certo que a intuiçäo racional tem que brotar
espontaneamente, mas ela nasce numa consciência profundamente
cultivada.
A intuiçäo racional para Bachelard, contrariamente à intuiçäo
cartesiana e à intuiçäo bergsoniana, formase na acçäo,
triunfa das formas estáticas, opera em níveis diversos e
revela novos problemas:
Toda a intuiçäo procederá de uma escolha.
Bachelard.
é preciso reduzir o que näo se vê ao que
näo se vê.
Bachelard.
Näo poderemos, portanto, reduzir o que se vê ao que se vê (ver
texto 9) e é assim que a intuiçäo intelectual tem vantagem
sobre a intuiçäo sensível: A coerência racional terá vantagem
sobre a experiência visual.
OBJECTO E ULTRAOBJECTO
As imagens e as formas realistas dos objectos, aquilo que nos
é dado nas primeiras intuiçöes, o conhecimento sensível das
coisas tem de ser, como já vimos, ultrapassado, tem de ser
reduzido, quando se pensa em termos de conhecimento
científico:
Mas tudo o que se reduz, que se elimina, deve permanecer, como
diz Bachelard, no conceito rectificado, como uma crítica que
foi feita, como um erro que foi detectado: a razäo terá de ser
polémica, näo arquitectónica (ver texto 10). E será,
precisamente, através da crítica e da dialéctica que se atinge
o ultraobjecto ou seja um objecto que apenas se retém aquilo
que se criticou.
Tal como surge na microfísica contemporânea, o átomo é o tipo
perfeito de ultraobjecto.
Bachelard.
O ultraobjecto será assim a näoimagem; a noçäo de átomo que
vigorava no princípio do século dada como uma imagem foi
entretanto criticada (mas sugeriu näos suficientemente
numerosos para manter um papel pedagógico indispensável em
qualquer iniciaçäo). O que significa que foram precisamente as
críticas feitas à noçäo de átomo que hoje "constituem na
verdade a microfísica contemporânea".
O ULTRARACIONALISMO
Bachelard sempre opôs à razäo tradicional uma nova razäo, ao
racionalismo rígido dos cartesianos (ver capítulo seguinte),
um novo racionalismo capaz de ir além de certos limites que
lhe pareciam impostos, de um saber já feito; um novo
racionalismo que irá experimentar novas vias, que duvida de si
próprio, que se torna dialéctico (ver texto 11).
'O que caracteriza o ultraracionalismo é precisamente a sua
força de divergência, a sua força de ramificaçäo.
Bachelard.
É nesta regiäo do ultraracionalismo dialéctico que o espírito
científico sonha. É aqui que nasce o sonho que se aventura
pensando, que pensa aventurandose, que procura uma iluminaçäo
do pensamento pelo pensamento.
Bachelard.
näo se deduzem esses princípios de um exame da realidade, mas
de uma reflexäo sobre as condiçöes da realidade.
Bachelard.
E acrescenta ainda que, na mecânica clássica, näo se podia dar
uma significaçäo universal a uma velocidade particular, como a
velocidade da luz; e que foi necessário um estatuto
completamente novo para utilizar esta velocidade, para fazer
dela uma peça da construçäo racional da experiência.
O termo _ultraracionalismo empregue por Bachelard quererá
significar, em suma, o abandono de uma concepçäo racionalista
mais dogmática, a dos herdeiros de Descartes; é uma operaçäo
nova do espírito, mais dialéctica, que se quer descrever:
do nosso ponto de vista nem tudo é real da mesma maneira, a
substância näo tem sempre, em todos os níveis, a mesma
coerência; A existência näo é uma funçäo monótona; ela näo
pode afirmarse por todo o lado e sempre no mesmo tom.
Bachelard
Se considerarmos a mecânica clássica e a mecânica ondulatória
verificamos que as palavras _onda e _corpúsculo mudam de
sentido.
Há portanto um enriquecimento e uma revitalizaçäo quando se
considera a palavra ultraracionalismo, relativamente a
racionalismo. A descoberta sede lugar à invençäo construtiva,
à criaçäo do espírito no interior das leis dinâmicas
formuladas pela inteligência:
Uma mobilidade, essencial, uma efervescência psíquica, uma
alegria espiritual, encontramse associadas à actividade da
razäo.
Bachelard.
3. RAZÄO POLéMICA E RAZÄO CARTESIANA.
A PSICANáLISE DA CIêNCIA
Crítica à CONCEPÇÄO DA RAZÄO CARTESIANA
podese dizer que um átomo que possui vários electröes é, de
certo modo, mais simples que um átomo que possui um só
electräo, porque, numa organizaçäo mais complexa, a totalidade
é mais orgânica.
Bachelard.
Se compararmos o célebre exemplo cartesiano do bocado de cera
(ver textos de Descartes) com experiências actuais de uma gota
de cera na microfísica contemporânea, apercebemonos da
distância entre as duas concepçöes (ver texto 13).
Uma acçäo construtiva, uma orientaçäo para o complexo, uma
dialéctica näocartesiana marca de facto a epistemologia da
física actual.
A IMPORTâNCIA DO ERRO, MOTOR DO CONHECIMENTO
o problema do erro tem a primazia sobre o problema da verdade.
Bachelard.
Querendo Bachelard com isto dizer que o erro é um dos tempos
da dialéctica que é necessário atravessar R. como também já
foi observado no capítulo primeiro, a propósito dos obstáculos
epistemológicos, as causas do erro concebemse como
essencialmente subjectivas e daí, como veremos a seguir, a
necessidade de se proceder a uma verdadeira psicanálise do
conhecimento objectivo com fins terapêuticos e catárticos.Esta
forma de encarar a _fonte dos erros como subjectiva leva a que
muitos autores considerem que Bachelard dá desta questäo uma
explicaçäo teórica e filosoficamente idealista.
Quando se diz que o erro é um dos tempos da dialéctica, que é
necessário atravessar, podemos perguntar o que se deve
entender com rigor por este termo _dialéctica, qual a acepçäo
com que Bachelard o emprega?
a filosofia do näo distinguese de uma dialéctica a priori. Em
particular ela näo se relaciona com as dialécticas hegelianas.
Bachelard.
A PSICANáLISE DA CIêNCIA
O erro é pois importante para que o cientista se possa
aproximar da verdade.
Ao longo de uma linha objectiva, é preciso dispor a série dos
erros comuns e normais.
Bachelard.
O conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusäo.
Bachelard.
Bachelard fundamenta a tese da primazia do erro na existência
de tendências que säo verdadeiros "instintos" e que
desorientam o conhecimento do fogo: conhecemos o fogo de
forma, por assim dizer, impura e é preciso um trabalho prévio
para que se atinja a objectividade científica (ver texto 15).
Hipóteses e divagaçöes estäo muitas vezes na base de falsos
conhecimentos e elas säo falsas precisamente porque o espírito
se prendeu ao imediato, à fascinaçäo primeira, (basta um seräo
de inverno, o vento a soprar em volta da casa, uma fogueira
crepitante) e por isso é que Bachelard diz, no texto citado,
que toda a objectividade, devidamente verificada, desmente o
primeiro contacto com o objecto. Ante a crítica científica,
tem assim que se dirigir à sensaçäo, ao senso comum, até à
própria etimologia da palavra.
A observaçäo fogo será sempre uma observaçäo hipnotizada,
porque a chama exerce tal seduçäo que é de facto nos domínios
da subjectividade que nasce este conhecimento que, näo sendo
objectivo, näo pode ser científico. As causas do erro säo
portanto, sempre, essencialmente subjectivas.
O que é importante, entäo, que toda a ciência faça é
precisamente "descortinar a influência e os valores
inconscientes na própria base do conhecimento empírico e
científico" (ver texto 16).
A RAZÄO POLéMICA: A FUNÇÄO DA RAZÄO é PROVOCAR CRISES