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CORTEZ EDITORA
Ingedore Grunfeld Villaça Koch, Luiz Carlos Travaglia
Orelha do livro:
coerência teria a ver com a ”boa formação” do texto, mas num sentido que não tem nada a ver com qualquer
idéia assemelhada à noção de gramaticalidade usada no nível da frase, sendo mais ligada, talvez, a uma boa
formação em termos da interlocução comunicativa. Portanto, a coerência é algo que se estabelece na
interação, na interlocução, numa situação comunicativa entre dois usuários. Ela é o que faz com que o texto
faça sentido para os usuários, devendo ser vista, pois, como um princípio de interpretabilidade do texto.
Assim, ela pode ser vista também como ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à
capacidade que o receptor do texto (que o interpreta para compreendê-lo) tem para calcular o seu sentido. A
coerência seria a possibilidade de estabelecer, no texto, alguma forma de unidade ou relação. Essa unidade é
sempre apresentada como uma unidade de sentido no texto, o que caracteriza a coerência como global, isto é,
referente ao texto como um todo.
INGEDORE GRUNFELD VILLAÇA KOCH é docente do Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos de
Linguagem - IEL, da UNICAMP. Foi professora-titular do Departamento de Português da PUCSP. É bacharel em Direito
pela USP, licenciada em Letras: Português/Literatura, mestre doutora em Ciências Humanas: Língua Portuguesa pela
PUCSP. Tem várias obras editadas e artigos em diversas revistas especializadas. Pela Cortez Editora publicou os livros:
Argumentação e linguagem, Lingüística textual: introdução (em co-autoria com Leonor Lopes Fávero); Lingüística
aplicada ao Portug’uês: sintaxe e Lingüística aplicada ao Português: morfologia (estes em co-autoria com Maria Cecília
Perez de Souza e Silva).
CORTEZ EDITORA
Quanto ao problema terminológico, observa-se que há uma tendência a certas uniformizações que
adotamos aqui. Fatos terminológicos que porventura possam gerar problemas serão abordados
oportunamente. Todavia, para evitar problemas, gostaríamos de definir aqui os termos texto e
discurso. Chamaremos de discurso toda atividade comunicativa de um locutor, numa situação de
comunicação determinada, englobando não só o conjunto de enunciados por ele produzidos em tal
situação - ou os seus e os de seu interlocutor, no caso do diálogo - como também o evento de sua
enunciação. O texto será entendido como uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão
ou audição), que é tornada pelos usuários da língua (falante, escritor/ ouvinte, leitor), em uma
situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo
uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão.
Capítulo 1
Antes de mais nada, é preciso observar que nenhum dos conceitos encontrados na literatura é capaz
de conter em si todos os aspectos que consideramos como definidores da coerência. Vamos, por
isso, elencar, de forma sumária, os traços que têm sido mais comumente apontados.
A coerência teria a ver com a boa formação” do texto, mas num sentido que não tem nada a ver com
qualquer idéia assemelhada à noção de gramaticalidade usada no nível da frase, sendo mais ligada,
talvez, a uma boa formação em termos da interlocução comunicativa. Portanto, a coerência é algo
que se estabelece na interação, na interlocução, numa situação comunicativa entre dois usuários. Ela
é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo ser vista, pois, como um
princípio de interpretabilidade do texto. Assim, ela pode ser vista também como ligada à
inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor do texto (que
o interpreta para compreendê-lo) tem para calcular o seu sentido. A coerência seria a possibilidade
de estabelecer, no texto, alguma forma de unidade ou relação, Essa unidade é sempre
apresentada como uma unidade de sentido no texto, o que caracteriza a coerência como
global, isto é, referente ao texto como um todo.
Paralelamente ao conceito de coerência, formando com ele uma espécie de par opositivo/distintivo,
encontramos nos estudos textuais o conceito de coesão. Ao contrário da coerência, a coesão é
explicitamente revelada através de marcas lingüísticas, índices formais na estrutura da seqüência
lingüística e superficial do texto, sendo, portanto, de caráter linear, já que se manifesta na
organização seqüencial do texto. É nitidamente sintática e gramatical, mas é também semântica,
pois, como afirma Halliday e Hasan (1976), a coesão é a relação semântica entre um elemento do
texto e um outro elemento que é crucial para sua interpretação. A coesão é, então, a ligação entre os
elementos superficiais do texto, o modo como eles se relacionam, o modo como frases ou partes
delas se combinam para assegurar um desenvolvimento proposicional.
Muitos autores não distinguem entre coesão e coerência, utilizando um termo ou o outro para os
dois fenômenos. Alguns fazem a distinção usando expressões como ”coerência microestrutural” ou
”coerência local”, quando querem se referir ao que foi definido no parágrafo anterior como
”coesão” e expressões como coerência macroestrutural ou ”coerência global”, quando desejam se
referir ao que foi definido nos parágrafos iniciais deste item como ”coerência”. É o caso de
Charolles (1987a) e de Van Dijk e Kinisch (1983), por exemplo, lá Charolles (1987a) subdivide a
coesão em ”coesão” e ”conexão” (ef. item 1.2). Essas observações objetivam alertar o leitor para
flutuações terminológicas ou de outro tipo que exigem que se preste atenção sobretudo às
conceituações dadas e não apenas aos nomes utilizados.
Halliday e Hasan (1976) dizem que a coesão tem a ver com o modo como o texto está estruturado
semanticamente. É, portanto, um conceito semântico que se refere às relações de significado que
existem dentro do texto e fazem dele um texto e não uma seqUncia alea-
tória de frases. A coesão é a relação semântica entre dois elementos do texto, de modo que
um deles tem de ser interpretado por referência ao outro, pressupondo-o. Cria-se entre os
elementos um vínculo (”tie”). Para eles há dois tipos de coesão, conforme a classe de
elementos envolvidos: coesão gramatical (expressa através da gramática) e coesão lexical
(expressa através do vocabulário). Mas não seriam somente as relações de coesão que
fariam do texto um texto (isto é, que lhe dariam textura ou textualidade), pois ele precisa
apresentar também um certo grau de coerência que envolve os vários componentes
interpessoais e outras formas de influência do falante na situação de fala. Um texto e uma
passagem do discurso que e coerente em dois aspectos: a) em relação ao contexto de
situação, portanto consistente em registro; b) em relação a si mesmo e, portanto, coeso. A
coesão é interna (lingüística) e a coerência, externa, pois diz respeito aos contextos de
situação. O registro seria ”constituído pelos traços lingüísticos que são tipicamente
associados com a configuração de traços situacionais”, seria o ”r_onjunto de configurações
semânticas que é tipicamente associado com uma classe particular de contextos de
situação” e define a substância do texto: o que ele significa no sentido mais amplo,
incluindo todos os componentes de seu significado já citados acima (interpessoaís etc.) e
também o representacional (referencial).
Para Franck (1980), o termo coerência designa ”a conexão formal e de conteúdo entre
elementos seqüenciaís (frases, enunciados, atos de fala etc.) que coloca estes elementos em
relação uns com os outros e os insere numa forma de organização superior como, por exem-
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pio, nomes em uma lista, frases em texto, atos de fala numa seqüência (dialógica) ete.---.
Cabe lembrar aqui que, segundo os filósofos analíticos de Oxford (Austin, Searle, Strawson), toda
manifestação lingüística constitui um ato de linguagem, isto é, realiza uma ação (”todo dizer é um
fazer”). Assim, os enunciados são dotados, além do conteúdo proposicional (representação
lingüística de um estado de coisas por meio de um ato de referência e um ato de predicação), de
uma força ilocucionáría, que indica o tipo de ação que, por meio deles, se pretende realizar. Entre
os diversos tipos de atos de fala ou atos ilocucíonários podemos citar: asserção, pergunta, ordem,
pedido, promessa, aviso, conselho, advertência etc. Para que tais atos se concretizem, existem certos
requisitos a serem preenchidos: as condições de felicidade. Por exemplo.,
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no enunciado (1), temos um conteúdo proposicional em que se faz referência a um
elemento do mundo (a porta) e uma predicação a respeito dela (está aberta):
Por meio da enunciação de (1) podem-se realizar diferentes atos ilocucionários como:
a) uma simples asserção - se (1) é dito por alguém que, chegando a sua casa, constata que a
porta está aberta, contrariamente ao esperado, e o declara ao seu acompanhante;
h) um pedido - se (1) é dito numa situação em que uma colocação anterior (por exemplo, de
que o barulho exterior está incomodando) levasse o interlocutor a deduzir que o falante
deseja que a porta seja fechada:
c) uma ordem - se (1) é dito, por exemplo, por uma mãe aos filhos, aos quais ela já
determinou que nunca deixassem a porta aberta;
se (1) é dito numa situação em que o interlocutor está se queixando de algo na situação em
andamento ou está, por qualquer razão, representando um incômodo para o falante.
Bernárdez (1982), citando Salomon Marcus (1980), diz que a coerência significa uma certa
capacidade de atuar como unidade e que coesão se refere à existência de conexão entre as
diferentes partes. Citando Cont (1977), diz que a coerência textual não se busca
simplesmente na sucessão (unidimensional) linear dos enunciados, mas sim em uma
ordenação hierárquica (pluridimensional). Quer dizer que, ao explicarmos o
Para Van Dijk (198 1) e Van Dijk e Kintsch (1983), o termo coerência pode ser usado em sentido
geral para denotar que alguma forma de relação ou unidade no discurso pode ser estabelecida. Em
seus trabalhos iniciais, Van Dijk considerava a coerência uma propriedade lógica do texto.
Atualmente acha que a coerência não é apenas propriedade do texto, mas se estabelece numa
situação comunicativa entre usuários que têm modelos cognitivos comuns ou semelhantes,
adquiridos em dada cultura. Estes autores falam de coerência local (de parte do texto ou de frases ou
de seqüêncías de frases dentro do texto) e em coerência global (do texto como um todo). Van Dijk e
Kintsch aludem a diversos tipos de coerênci,9-
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”a) coerência semântica: que diz respeito à relação entre significados dos elementos das frases em
sequência em um texto (local) ou entre os elementos do texto como um todo (macroestrutura
semântica),
b) coerência sintática: que se refere aos meios sintáticos para expressar a coerência semântica (por
exemplo, uso de pronomes e SNs definidos);
c) coerência estilística: que significa que um usuario em seu texto faz uso do mesmo estilo ou
registro, na escolha lexical, comprimento e complexidade da frase etc. Esta noção parece necessaria
para explicar fenômenos de quebras estílísticas;
d) coerência pragmática: que caracteriza o discurso quando estudado como uma seqüência de atos
de fala, desde que atos de fala em seqüência sejam condicionalmente relacionados e satisfaçam as
mesmas condições de propriedade que se mantem para um contexto pragmático dado (uma
seqüencia de pedido polido seguida por uma ordem seria pragmaticamente incoerente) ”.
Não se trata aqui de seqüências como a de (2). abaixo, em que a resposta do interlocutor justifica a
mudança da força ilocucionária.
- Sr. Paulo, por favor, organize uma relação dos clientes que ainda não contactamos este mês.
- Eu estou dizendo para fazer, portanto faça-o agora. Quero esta relação na minha mesa em uma
hora.
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(A segunda fala do chefe é feita em tom de ordem e não deixa qualquer dúvida sobre a
natureza do ato ilocucionário.)
Tannen (1984) define coesão como o conjunto de nexos da superfície textual que indicam
as relações entre os elementos de um texto; e coerência, em termos de organização de
estruturas subjacentes, que fazem com que palavras e sentenças componham um todo
significativo para os participantes de uma ocorrência discursiva.
Para Charolles (1978), coerência e linearidade textual estão relacionadas, ou seja, ”não se
pode questionar
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a coerência de um texto sem levar em conta a ordem que aparecem os elementos que o
constituern”. Charolles (1979) diz que a coerência seria a qualidade que têm os textos
pela qual os falantes os reconhecem como bem formados, dentro de um mundo possível
(ordinário ou não). A boa formação seria vista em função da possibilidade de recuperação,
pelos falantes, do sentido de um texto. Charolles afirma que a capacidade dos falantes de
recuperação do sentido de um texto, calculando sua coerência, ”é limitada por fatos
norinativos (Piaget) de coerência socialmente (sobre) determinados”. Esses limites à
recuperação da coerência são variáveis,
Charolles (1987 e 1987a) diz que, a partir do meio da década de 70, houve uma revisão na
base empírica das gramáticas de texto, porque se verificou que as seqüências de frases não
eram coerentes ou incoerentes em si, mas que tudo dependia muito da situação e da
capacidade de cálculo do receptor. Isto o levou a firmar a noção de coerência como um
princípio de interpretabilidade do texto, ligado à capacidade de cálculo do interpretador e a
processos de cálculo de significação. Por esse princípio, os falantes sempre esperam que
haja coerência e isto faz com que o interpretador construa as relações que não figuram
expressamente nos dados textuais, Essa posição levou à idéia de que não existe o texto
incoerente em si. Charolles (1987 e 1987a) propõe os conceitos de coesão e conexão. A
coesão se refere às relações de identidade, de inclusão ou de associacão entre constituintes
de enunciados, que são as relações entre elementos do texto que podem ser resolvidas em
termos de igualdade ou diferença: pronomes, SNs, descrições definidas e demonstrativas,
possessivos etc. A
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conexão marca as relações entre os conteúdos proposicionais e/ou atos de fala; é a
marcação da relação entre enunciados. Charolles (1987) acha que, se o conector não está
explícito, entra um problema de cálculo de significado e que, nesse caso, temos apenas
coerência e não conexão. Segundo ele, ”todos os elementos superficiais ou sintáticos da
continuidade textual têm a ver com coesão e conexão”.
Cremos que a exposição do pensamento destes teóricos é suficiente para dar ao leitor uma
visão geral do que se entende por coerência.
Todos os estudiosos do texto estão de acordo quanto ao fato de que coesão e coerência
estão intimamente relacionadas no processo de produção e compreensão do texto.
Sabe-se que a coesão contribui para estabelecer a coerência, mas não garante sua obtenção
(Tannen,
1984). A mesma idéia aparece em outros autores. Assim Adam (1977) cita Slakta dizendo
que ”é graças em parte (grifo nosso) à coesão, à ordem do texto pelo qual um discurso se
manifesta que este pode produzir a ilusão de uma coerência interna”. A contribuição da
coesão para a coerência e apenas parcial, por isso Charolles (1987a) afirma que ”os
elementos lingüísticQs-de coesão e conex -ão-ajudam a estabelecer a coerência, mas não
são nem suficientes, nem necessários para que a coerência seja estabelecida, sendo preciso
contar com os conhecimentos exteriores ao texto. É por isso que, como afirma Marcuscbi
(1983), ”há textos sem coesão,
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mas cuja textualidade ocorre a nível da coerência-, Por outro lado pode haver seqüências
língüísticas coesas, mas para as quais o leitor não consegue estabelecer ou dificilmente
estabelece um sentido que lhe dê coerência. Evidentemente, a nível de leitor individual, um
texto coeso pode parecer incoerente, por dificuldades particulares do leitor, como o
desconhecimento do assunto ou a não-inserção na situação. Tudo isso evidencia que a
coesão ajuda a estabelecer a coerência, mas não a garante, pois ela depende muito dos
usuários do texto (seu conhecimento de mundo etc.) e da situação.
Charolles (1987) ressalta que, devido à subdeterminação das marcas lingüísticas de coesão
e conexão (isto é, o fato de elas não veicularem instruções que permitam a determinação
alí6Stmica dos constituintes que elas retomam - anaforizam - ou do enunciado que elas
colocam em conexão com outro), ”a parte do trabalho de resolução que o interpretador deve
realizar
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continua decisiva, o que faz com que a divisão (a separação) entre coesão e conexão de um lado e
coerência do outro não seja tão nítida” quanto se poderia pensar e muitas vezes se sugere, Bernár&z
(1982) lembra que, ,4 embora metodologicamente seja importante separar coesão e coerência, é
preciso não esquecer que são dois aspectos do mesmo fenômeno”.
Finalmente importa registrar o que lembra Charolles (1987). Na relação entre as marcas de coesão,
conexão e a coerência, observa-se que as primeiras (devido à especificidade de seu uso e função
dentro do sistema da língua), cujo uso no texto tem, teoricamente, a função de facilitar a
interpretação e portanto o cálculo da coerência, são também o que pode fazer com que haja
”incoerência” numa seqüência de frases quando se viola sua especificidade de uso e função (cf.
exemplos 9 e 10 mais adiante). Esse tipo de incoerência nem sempre impede o cálculo do sentido.
Nas próximas seções veremos exemplos de outros casos em que temos uma espécie de incoerência
representada por um estranhamento do receptor causado pela violação ou não-uso de certos
elementos necessários ao cálculo mais direto da coerência, Este seria o caso, por exemplo, de uma
narrativa que se fizesse fora da superestrutura (cf. Cap. 4) estabelecida para esse tipo de texto em
nossa cultura.
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Capítulo 2
A COERÊNCIA E O TEXTO
Neste capítulo queremos comentar alguns aspectos que julgamos relevantes na relação entre
coerência e texto. Para isso discutiremos basicamente quatro questões:
a. É a coerência que faz de uma sequencia lingüística um texto, isto é, é a coerência que dá origem
à textualidade?
b. Há textos incoerentes?
Textualidade ou textura é o que faz de uma sequencia lingüística um texto e não uma sequencia ou
um amontoado aleatório de frases ou palavras. A seqüência é percebida como texto quando aquele
que a recebe é capaz de percebê-la como uma unidade significativa global. Portanfo, tendo em vista
o conceito que se tem de coerência, podemos dizer que é ela que dá origem
à textualidade, respondendo assim a nossa primeira questão.
Halliday e Hasan. (1976) afirmavam que o que dá textura é a coesão. Hoje já não se aceita
mais isto, pois essa afirmação não se sustenta empiricamente, visto que há muitos textos
sem coesão que apresentam coerência e são classificados pelos falantes como textos.
Marcuschi (1983) dá exemplo de texto sem coesão, mas com coerência, e exemplo de texto
com coesão, mas sem coerência e sem textura. Observe-se o texto ”A Pesca”, de Affonso
Romano de Sant’Anna, transcrito em (3), o qual não tem coesão, mas é visto como um
texto coerente com uma unidade de sentido dada pelo próprio título.
(3)
A PESCA
a água a linha
a espuma
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a garganta a âncora o peixe
a boca
o arranco
o rasgão
o peixe
a areia osol
(Extraído de: SOARES, Magda. Comunicação em língua porIuguesa - 5.1 série. Belo Horizonte,
Bernardo Alvares,
1972, p. 121.)
Veja-se também o exemplo (4), onde praticamente não há elementos coesivos entre as frases, mas o
sentido global, apreensível graças à frase inicial, dá coerência à seqüência, constituindo o texto. No
exemplo (5), a seqüência é coesiva, mas não apresenta coerência, não formando um texto com uma
unidade de sentido.
(4) CORTE
(O dia segue normal. Arruma-se a casa. Limpa-se em volta. Cumprimenta-se os vizinhos. Almoça-
se ao meiodia,
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Ouve-se rádio à tarde. Lá pelas 5 horas, inicia-se o sempre,)
(Miniconto publicado no Suplemento Literário do Mí~ Gerais n.o 686. ano XIV, 24/11/1979, p. 9.)
(5) O gato comeu o peixe que meu pai pescou. O peixe era grande. Meu pai é alto. Eu gosto do meu pai.
Minha mãe também gosta. O gato é branco. Tenho muitas roupas brancas.
Também no texto ”O que se diz”, de Carlos Drummond de Andrade, transcrito abaixo, praticamente não há
elementos de coesão, mas, graças ao título e algumas seqüências do texto (tais como ”Assim, em plena
floresta de exclamações, vai-se tocando pra frente”, ”Em redor, não cessam explosões interjetivas”, ”E vêm
outras vozes breves, no vão do vaivém”, ”E chegam os provérbios, que se deterioram, viram antiprovérbios” e
”A situação torna-se confusa”) que dão unidade aos parágrafos, que sem elas seriam amontoados aleatOrios,
percebe-se uma unidade de sentido que dá coerência ao texto: o autor está pondo a nu o caráter estereotipado
do que falamos no dia-a-dia que, por isso mesmo, é, quase sempre, vazio de sentido, de pouca ou nenhuma
significação comunicativa ou dúbio, confuso, podendo ser tomado no sentido que se quiser ou que for mais
conveniente, ou simplesmente usado para preencher espaço.
O QUE SE DIZ
Que frio! Que vento! Que calor! Que caro! Que absurdo! Que bacana! Que tristeza! Que tarde! Que amor!
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Que besteira! Que esperança! Que modos! Que noite! Que graça! Que horror! Que doçura! Que novidade!
Que susto! Que pão! Que vexame! Que mentira! Que confusão! Que vida! Que coisa! Que talento! Que
alívio! Que nada...
Assim, em plena floresta de exclamações, vai-se tocando pra frente, Ou para o lado. Ou para trás. Ou não se
toca, Parado. Encostado. Sentado. Deitado. De cócoras. Olhando. Sofrendo. Amando. Calculando. Dormindo.
Roncando. Pesadelando. Fungando. Bocejando. Perrengando. Adiando. Morrendo.
Em redor, não cessam explosões interjetivas. Coitado! Tadinho... Canalha! Cachorro! Pilantra! Dedo-duro!
Bandido! Querido! Amoreco! Peste! Boneco! Flor!
É. Pois é. Ah, é. Não é? Tá. OK. Ciao. Tchau. Chau. Baibai. Oi. Opa! Epa! Oba! Ui! Ai! Ahn ...
Que fazer senão ir na onda? Lá isso ... Quer dizer. Pois não. É mesmo. Nem por isso. Depende. É possível.
Antes isso. É claro. É lógico. É óbvio. É de lascar. Essa não! E daí? Sai dessa,
Não diga! É o que lhe digo. Eu não disse? Repete. Como ia dizendo ... Não diga mais nada. Digo e repito.
Dizem ... Que me contas!
E chegam os provérbios, que se deterioram, viram antiprovérbios. Tão certo como 2 e 2 são só dois dois. O
bom da festa é acabar com ela. Quem canta espanta. A noite é conselheira acácia. Um proveito não cabe em
dois sacos de papel. De hora a hora Deus vai simbora. Simonal é melhor e não faz mal. Um dia é do caçador e
o outro também. A satIva é essencialmente agrícola. Banco de jardim ninguém assalta: é de ferro. Um urubu
não faz verão. Ou faz?
A situação torna-se confusa. A moça tira o sapato: tem pé de laranjolina. O mar recua diante da SURSAN,
resmungando: Amanhã eu volto. Presos dois adultos sob o viadúltero. Chica da Silva pavoneia-se na Tijuca.
Pedrálvares Cabra] descobre o bromil. Pistolas de ácido lisérgico disparam a esmo; multidões devoram
torresmo de muitos
sabores e odores. Todo tostão quer ser campeão, mas só um é do balão. De castigo, não
mostre o umbigo. Um rato é um chato, é um chato, é um chato. Também, com este nome:
Praga. . . Pode me dizer quando será instaurado o socialismo nos países socialistas?
Desculpe: todos os canais estão ocupados. A Lua, nua. Marte, de zuarte. Vênus, é o de
menos. E o Sol? Um caracol. Tudo rima, depois que as rimas deixaram de ser. Furacão que
se preza tem nome de mulher, mulher não precisa ter nome de furacão. E adeus. Se
continuar, quem vai entender? E depois, que frio! Que calor! Que vento! Que tudo! Etc.
(ANDRADE, Carlos Drurnmond. O poder ultrajovem. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 103.)
Também para Charolles (1987a) é a coerência que faz de um conjunto de frases um texto,
porque ”um texto é uma seqüência de frases com relações entre si”, e o que permite
estabelecer estas relações é a coerência. Bernárdez (1982) afirma que ”a coerência é a
característica principal, fundamental de um texto, aquilo que converte uma mensagem
verbal em texto”.
Algumas das colocações feitas em 2.1. sugerem diretamente que há textos incoerentes ao
lado dos textos coerentes. Qual a posição da Lingüística do Texto a esse respeito?
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textos. Texto incoerente é aquele em que o receptor (leitor ou ouvinte) não consegue
descobrir qualquer continuidade de sentido, seja pela discrepância entre os conhecimentos
ativados, seja pela inadequação entre esses conhecimentos e o seu universo cognitivo.
Texto coerente é o que ”faz sentido” para seus usuários, o que torna necessária a
incorporação de elementos cognitivos e pragmáticos ao estudo da coerência textual.
Charolles (1987a) diz que ”não há regras de boa formação de textos” (como as há para as
frases) que se apliquem a todas as circunstâncias e cuja violação, como na sintaxe das
frases, ”fizesse a unanimidade”, isto é, levasse todos ao mesmo veredito: é um texto ou não
é um texto. Afirma que não há propriamente texto incoerente, pois o receptor (ouvinte ou
leitor) do texto age como se este fosse sempre coerente e faz tudo para calcular seu sentido,
e, nesta tarefa, é sempre possível encontrar um contexto, uma situação em que a seqüência
de frases dada como incoerente se torne coerente, vindo a constituir um texto. Os exemplos
de Charolles são de seqüências de duas frases (cf. exemplo 7). Com textos maiores se torna
problemático esse procedimento, como no caso do exemplo (6).
(6) João Carlos vivia em uma pequena casa construída no alto de uma colina árida, cuja
frente dava para leste. Desde o pé da colina se espalhava em todas as direções, até o
horizonte, uma planície coberta de areia. Na noite em que completava 30 anos, João,
sentado nos degraus da escada colocada à frente de sua casa, olhava
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o sol poente e observava como a sua sombra ia diminuindo no caminho coberto de grama. De repente, viu um
cavalo que descia para a sua casa. As árvores e as folhagens não o permitiam ver distintamente; entretanto
observou que o cavalo era manco. Ao olhar de mais perto verificou que o visitante era seu filho Guilherme,
que há 20 anos tinha partido para alistar-se no exército, e, em todo este tempo, não havia dado sinal de vida.
Guilherme, ao ver seu pai, desmontou imediatamente, correu até ele. lançando-se nos seus braços e
começando a chorar.
Esse texto apresenta uma série de incoerências em nível semântico, contrariando o conhecimento de mundo
geral. Não é fácil imaginar uma situação em que ele se torne coerente.
Para Charolles todo texto tem certo grau de coerência, cujo cálculo só depende da capacidade de recuperação
do sentido pelo receptor do texto. Exemplifica com o caso de textos literários que se mostram à primeira vista
como incoerentes ou tendo passagens incoerentes, o que fornece material para análise, mas que, com
freqüência, terminam por tirar de sua incoerência o seu sentido. Lembra também o caso dos textos
psiquiátricos que falam da incoerência verbal como marca de doença mental, Charolles, seguindo Todorov,
acha que o doente mental não é incoerente: apenas projeta mal os cálculos que o outro terá de fazer para
recuperar o sentido do seu texto e não percebe que as ligações que faz entre os elementos não têm sentido
social; daí os eventuais interlocutores não conseguirem fazer o cálculo do sentido e o texto parecer incoerente.
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Todavia é o próprio Charolles (1987a) quem levanta a possibilidade de certo tipo de
incoerência. Diz ele: ---Embora sejam muitas vezes subdeterminadas, as marcas lingüísticas
são suficientemente especializadas (isto é, têm um uso, uma formação bem particular) para
tornar inaceitáveis., quando usados inadequadamente certos encadeamentos de frases”.
Charolles (1987) admite que, quase sempre, esses problemas não impedem o cálculo do
sentido, mas criam seqüências que são vistas como violadoras de especificidades do uso de
formas da língua. Isto recoloca a questão de saber se há ou não critérios de aceitabilidade
para além da frase, observando-se então o seguinte:
a) há seqüencias nas quais não há nenhuma marca de relação entre os anunciados que as
constituem, mas que, em teoria, jamais serão inaceitáveis, porque é sempre possível
calcular (ao menos em abstrato) uma situação na qual elas são interpretáveis como
exprimindo uma relação plausível entre os estados de coisas (cf, exemplos 7 e 8).
(7) Temos convidados para o almoço. Calderón foi um grande escritor espanhol.
Este exemplo foi dado por Van Dijk (1972), em inglês, como incoerente. 0. Dah1. e J.
Dah]. (1974) disseram que bastava imaginar uma família que tivesse o hábito de celebrar o
aniversário da morte de Calderón. com um almoço para que a referida seqüência deixasse
de parecer absurda (apud Charolles, 1987a).
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Eni (8a), a relação entre as duas frases é mais facilmente estabelecível do que em (8b), que exigirá a
imaginação de uma situação e um contexto singulares, especiais, não disponíveis no conhecimento
de mundo da maioria dos usuários da língua, tal como em 7.
b) Por outro lado há seqüências que contêm marcas de relação entre os enunciados ou partes de
enunciados que as constituem, de tal forma que algumas são aceitáveis e outras não, porque os
marcadores que elas contêm não podem ser usados de qualquer modo por terem uma certa
especialidade no sistema da língua” (cf. exemplos 9 e 10).
b) Esta filha veio logo. Este filho demorou. c) Esta veio logo, aquele demorou.
A seqüência (9b) apresenta o tipo de problema a que Charolles se refere e que cria um certo tipo de
incoerência local, porque viola a especificidade de uso de um elemento da língua, no caso o
demonstrativo.
O uso de além de no lugar de apesar de prejudica a coerência do texto, já que se trata de marcas
lingüísticas com funções opostas: além de soma idéias ou argumentos, ao passo que apesar de os
opõe.
Para Charolles, isto mostra que as marcas de coesão e conexão, que têm por função facilitar a
interpre-
35
tação e, portanto, o cálculo da coerência, podem também ser responsáveis, quando mal
empregados, por incoerência. É preciso ressaltar que essa incoerência parece não atingir o
texto como um todo, por ser local, e não impede o cálculo do sentido. Pensamos que o uso
de elementos não próprios de um certo tipo de texto também é responsável por incoerências
locais.
b) o falante desenvolve um plano global que lhe possibilite, tendo em conta os fatores
situacionais etc., conseguir que seu texto tenha êxito, quer dizer, que cumpra sua intenção
comunicativa,
c) o falante realiza as operações necessárias para expressar verbalmente esse plano global,
de maneira que, através das estruturas superficiais, o ouvinte seja capaz de reconstituir ou
identificar a intenção comunicativa inicial”.
Vejamos exemplos das falhas que podem levar à incoerência nas três fases. Na primeira, o
falante teria uma intenção comunicativa impossível no contexto situacional. Bernárdez acha
que este caso é pouco freqüente e ocorreria mais com pessoas que tenham problemas
psíquicos ou neurológicos. Na segunda fase, ocorre falha se o falante foi incapaz de projetar
corretamente o plano de produção do texto, quase sempre por má apreciação da situação e
das possibilidades do
36
ouvinte. Por exemplo, contar um fato sem precisar bem os protagonistas, julgando que são
conhecidos do ouvinte e que este pode reconhecê-los. Na terceira fase, as falhas repercutem
diretamente sobre a formulação lingüística, de forma que o texto, além de incoerente, seria
também sem coesão e/ou ”gramaticalmente incorreto-,
Todas estas evidências levam-nos a defender a posição de que não existe o texto incoerente
em si, mas que o texto pode ser incoerente emIpara determinada situação comunicativa.
Assim, será bom o texto quando o produtor souber adequá-lo à situação, levando em conta
intenção comunicativa, objetivos, destinatários, outros elementos da situação de
comunicação em que é produzido, uso dos recursos lingüísticos etc. Por tudo isso, ao dizer
que um texto é incoerente, temos de especificar as condições de incoerência, porque sempre
alguém poderá projetar um uso em que ele não seja incoerente. Estes fatos têm implicações
no ensino de produção e também de compreensão de textos.
Todavia, importa ressaltar que, como vimos com Charolles (exemplos 9 e 10) e Bernárdez
(fase 3), o mau uso dos elementos lingüísticos e estruturais pode criar incoerência,
normalmente em nível local. Se o produtor de um texto violar em alto grau o uso desses
elementos, seu receptor não conseguirá estabelecer o seu sentido e o texto seria
teoricamente incoerente em si por uma questão de extremo mau uso do código lingüístico.
Diante dessa questão, quase sempre a resposta que encontramos nos estudos realizados e
modelos propos-
tos é unânime: a coerência não é apenas uma característica do texto, mas depende
fundamentalmente da interação entre o texto, aquele que o produz e aquele que busca compreendê-
lo. Entretanto, é preciso notar que os estudiosos não deixam claro em suas colocações se, para eles,
a coerência é algo estabelecido apenas pelos usuários e totalmente independente do texto. A nosso
ver há elementos (pistas) no texto que permitem ao receptor calcular o sentido e estabelecer a
coerência; mas muito depende do próprio receptor/interpretador do texto e seu conhecimento de
mundo e da situação de produção, bem como do seu grau de domínio dos elementos lingüísticos
pelos quais o texto se atualiza naquele momento discursivo-comunicativo. Cremos que a coerência,
assim, estaria no processo que coloca texto e usuários em relação, numa si .tuação dada.
Vejamos as posições de alguns teóricos sobre a questão. Para Adam (1980), o texto em si mesmo
consiste apenas em instruções, a partir das quais o leitor produz o seu sentido. Para Beaugrande e
Dressler (1981), a coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não
mero traço dos textos. Para Koch (1988), o texto em si não é coerente ou incoerente. Ele vai ser
coerente para uma pessoa, em determinada situação. Também Bastos (1985) afirma que ”um texto é
ou não coerente para alguém. Tudo se passa como se bm sujeito receptor, ao avaliar um texto como
coerente ou não, se colocasse no mundo do texto”. Charolles (1987a) considera que a coerência não
estaria inscrita no texto, mas na mente das pessoas, principalmente porque elas levam em
consíderação a máxima de Grice: ”seja pertinente”. E, a não ser que haja algo em contrário, vai-se
agir como se o outro
38
fosse pertinente, devendo, pois, haver uma relação entre os enunciados e procurar-se-á
calcular-lhes o sentido. Brown e Yule (1983) também acreditam que o receptor da
mensagem sempre assume que ela é coerente e busca interpretá-la, entender seu sentido.
Supõe-se que os sujeitos são cooperativos na sua interlocução. Assim, se o receptor
(interpretador) não consegue calcular a significação, ele conclui que o autor do texto fê-lo
incoerente com um propósito e considera que a nao-coerência e que lhe dá o sentido. Este
seria o caso dos exegetas e críticos dos poemas de Rimbaud; quando não conseguiram
calcular o sentido de certos poemas, concluíram que era exatamente isto que o autor queria
dizer: que algo não tem sentido, razão de ser, solução. Ou, por outra, o sentido da frase
absurda está em ser absurda. Evidentemente estas colocações de Charolles tocam de perto a
questão da existência ou não de textos incoerentes que já abordamos. A posição de Garrafa
(1987) é que o texto só pode ser visto como coerente em si e por si, independentemente das
operações argumentativas e dos universos cognitivos dos usuários, dentro das teorias da
linguagem como código, para as quais o texto seria o produto de uma competência
lingüística social e idealizada. já nas teorias da linguagem enquanto ação, a noção de
coerência torna-se uma questão de sentido, uma atividade que envolve a manipulação de
elementos lingüísticos por operações argumentativas e processos cognitivos realizados
entre os usuários do texto.
Cabe registrar aqui situações em que um receptor diante de um texto pode não ser capaz de
calcular-lhe o sentido por desconhecimento de mundo, do assunto ou do léxico empregado.
Seria o caso de um leigo que se deparasse com um texto altamente técnico, por exemplo,
39
de Física Quântica. Poderá declarar que o texto para ele não faz sentido, ou seja, não será
capaz de calcularlhe a coerência. No entanto, jamais dirá que não se trata de um texto;
devido à fonte que ele julga idonea, seu comentário provavelmente será: ”Não consegui
entender este texto”. Ele nem mesmo dirá que o texto é incoerente, considerando a fonte.
Todavia, em se tratando de falas de loucos ou bêbados, normalmente os receptores não têm
dúvida em tachá-las de incoerentes.
OL mesmo ocorre com textos produzidos por alunos que muitas vezes são avaliados como
incoerentes pelo professor, mas que, se apresentados como escritos por um autor famoso,
ganhariam as mais variadas interpretações. Isto é importante para a constatação de que a
coerência não está apenas no texto nem só nos usuários, mas no processo que coloca texto e
usuário em relação, numa situação,
Nenhum dos trabalhos que examinamos busca verificar se cada gênero ou tipo de texto tem
um tipo de coerência. Beaugrande e Dressler (1981) e Charolles (1987a) afirmam que os
estudos de tipologia teriam uma relação indireta com os estudos de coerência. Achamos que
o conhecimento das superestruturas de cada tipo de texto ajuda o processo de compreensão
(de uma narrativa, por exemplo) e tem portanto a ver com coerência. Na seção 4.11, quando
falarmos de intertextual idade, procuraremos mostrar em que medida fatores ligados a tipos
de texto podem influir na coerêncía dos mesmos.
40
Além dessa relação entre tipologia e coerência, cremos que se pode verificar que diferentes tipos de
textos podem diferir quanto ao número e/ou quanto ao tipo de pistas da superfície lingüística que
apresentam, para facilitar ao receptor (leitor ou ouvinte) a tarefa de compreensão. Uma vez que a
coesão é determinada pela coerência, é nossa opinião que diferentes tipos de textos apresentariam
diferentes graus de coesão e diferentes elementos coesivos, ou seja, diferentes modos de dar pistas,
na superfície, para chegar ao sentido global e, portanto, detectar sua coerência.
Há tipos de textos que parecem ter uma tendência a apresentar mais elementos coesivos e outros
que tendem a apresentar menor quantidade de elementos coesivos. Assim, textos científicos ou
acadêmicos tenderiam a ser bem mais coesivos do que a maioria dos textos poéticos. Todavia,
observa-se que, apesar das diferentes tendencias, textos do mesmo tipo podem ter graus de coesão
diferentes.
Evidentemente tudo o que dissemos aqui é matéria para verificação empírica, mas fica nossa
posição de que não se pode falar em diferentes tipos de coerência, mas sim que diferentes tipos de
textos podem apresentar diferentes modos, meios e processos de manifestação da coerência em
nível da superfície lingüística.
41
Capítulo 3
LINGOISTICA DO TEXTO
E COERÊNCIA
A partir do postulado de que os usuários de uma língua têm uma competência comunicativa
(capacidade de utilizar os enunciados da língua em situações concretas de comunicação),
que envolve uma competência textual (capacidade de produção/leitura de textos, já que
estes são a unidade da língua em uso), alguns lingüistas propuseram que se fizesse uma
gramática do texto. Primeiro apresentaram argumentos empíricos que pareciam apontar
para o fato de que os falantes da língua têm conhecimentos lingüísticos implícitos que lhes
permitem realizar, com sucesso e de modo coincidente, performances discursivas (produção
e compreensão de textos coerentes) a partir de três capacídades textuais básicas, a saber (cf.
Charolles, 1979):
Com isso, e acreditando na existência de textos que fossem coerentes ou incoerentes em si,
propôs-se a feitura de uma gramática de texto, semelhante à de frases propostas por
Chomsky, que seria um sistema de regras finito e comum a todos os falantes e que lhes
permitisse dizer, de forma coincidente, se uma seqüência lingüística é ou não um texto, é ou
não um texto bem formado.
c) com a modificação do modo de ver a linguagem não mais só como código mas também
como ação (o que evidenciou todo o lado pragmático da interação dos usuários do texto);
ocorreu toda uma revisão da base empírica da gramática de texto que se propunha, pois
verifícou-se que não havia textos incoerentes em si e, portanto, não havia, pelo menos
teoricamente, o chamado não-texto,
Como bem lembra Charolles (1987a), se não há texto incoerente e, portanto, não há o não-
texto, ou seja, todos os textos seriam em princípio aceítaveis, não é possível uma gramática
de texto com regras que digam o que é e o que não é um texto, mas só é possível uma
Teoria do Texto, uma Lingüística do Texto, que inclua princípios ou modelos que permitam
calcular soluções de coerência entre enunciados em um texto. Esse tipo de modelo
substituiu, a partir do final da década de
1970, o modelo anterior de regras. Na sua maíoria, tais modelos, ditos procedurais, que são
mais de natureza cognitivo-pragmática, ”não têm mais o objetivo de formular regras que
predigam a boa ou má formação do texto, mas buscam representar os processos de
tratamento e retratamento postos em ação pelos sujeitos, quando interpretam os dados
textuais e que normalmente obedecem a restrições que levam em conta certas
determinações psicológicas”. Parece óbvio em todos os estudos sobre o texto que tais
determinações são não so psicológicas mas também socioculturais, pragmáticas e
lingffis,ticas.
44
3.2. Estudo da coerência: o que compete à Lingüístíca
aqui, o estudo da produção, compreensão e coerência textuais, cada vez mais, se mostra um campo
inter e pluridisciplinar, que recebe contribuições da Psicologia da Cognição, da Psicolingüística, da
Lingüística, da Filosofia, da Teoria da Computação e Informática (estudos de Inteligência Artificial)
e mesmo da Sociologia e SocioIingüística. Todos esses campos ”fornecem uma série de elementos
imprescindíveis a uma visão global da interação comunicativa” (cf. Garrafa, 1987). À medida que
se avança nesta direção, torna-se cada vez mais difícil estabelecer, com nitidez, as fronteiras entre a
Lingüística e as demais disciplinas que atuam nesse campo. Neste ponto cabe a questão: no estudo
da produção, compreensão e coerência textuais, o que compete ao lingüista fazer?
Charolles (1987a) trata explicitamente deste problema. Para ele, neste quadro inter e
multídisciplinar,
4 a questão que se coloca aos lingüistas é delimitar, na constituição e composição textuais, qual é a
parte e a natureza das determinações que resultam dos diferentes meios existentes nas diferentes
línguas, para exprimir a continuidade ou a seqüência do discurso”. O lingüista deve, pois, fazer ”a
análise das marcas de relação entre as unidades de composição textual que a língua usa para
resolver, o melhor possível, os problemas de interpretação que seu uso possa gerar. Isto para além
da generalidade dos processos psico e sociocognitivos que intervêm na interpretação (da coerência)
do discurso”. Nesta análise das marcas de continuidade textual haveria três pontos essenciais a
observar:
45
-’a) medir, para cada marca ou tipo de marca, quais instruções relacionais ela contém (a
nosso ver, instruções relacionais de todas as naturezas: puramente lingüísticas a nível
gramatical, semânticas, pragmáticas e o que mais se possa constatar), quais ligações ela é
capaz de indicar ao receptor de maneira que ele tenha acesso ao modelo de representação
que o locutor tem a intenção de lhe comunicar, e se esforça (cooperativamente) para lhe
comunicar. Portanto, o lingilista deve estabelecer a especificidade de cada uma das marcas
(ou formas de marcação) existentes em uma língua em um momento dado de sua evolução;
c) observar a freqüente subdeterminação das marcas lingüísticas que, ao mesmo tempo que
coritém instruções interpretativas complexas, nem sempre veiculam instruções que
permitam determinar algoritmicamente o constituinte que elas anaforizam ou o enunciado
que colocam em conexão com outro”.
46
Capítulo 4
47
do texto, entendida como a distribuição da informação nova e dada nos enunciados e no
texto, em função de fatores diversos; c) de fatores pragmáticos e interacionais, tais como o
contexto situacional, os interlocutores em si, suas crenças e intenções comunicativas, a
função comunicativa do texto.
49
não) podem dar o sentido ou modificar totalmente o sentido do que se enuncia, afetando,
pois, a coerência. Van Dijk (1981) apresenta a seguinte lista: movimentos dêiticos, outros
gestos, expressão facial, movimentos do corpo e interação corporal, como afetando a
identificação de atos de fala realizados através dos enunciados. Sabemos que, em muitos
casos, tais elementos afetam. o enunciado também no que respeita a seu sentido não-
pragmático, proposicional. Outros elementos que afetam o cálculo do sentido e, portanto, a
coerência, apenas no oral, são a entonação e fatores prosódicos em geral, como velocidade
e rítmo de fala. Diferenças da coerência no oral e no escrito ainda são apresentadas nas
seções 2.4., 4.2. e 4.7.
Poder-se-ia acrescentar uma meta-regra de ”superestrutura”, que teria a ver com a estrutura
de cada tipo de texto: descritivo, narrativo, dissertativo etc. Isto corrobora o que
propusemos em 2.4. e reiteramos na seção sobre intertextualidade quanto à relação entre
tipos de texto e coerência. Para Charolles (1978), as meta-regras tratam da constituição da
cadeia de representações semânticas e suas relações de conexidade que constituem o texto.
As meta-regras estabelecem ”um certo número de condições que um texto deve satisfazer
para ser reconhecido como bem formado por um dado receptor, numa dada situação”. Ora,
a introdução do receptor e da situação traz à tona a questão da interlocução e deixa claro
que tais meta-regras estão sujeitas a aspectos da situação de comunicação e não são, por si,
suficientes para explicitar as condições que um texto deve atender para ser bem formado.
51
Antes de passarmos ao comentário, de forma mais particularizada, da relação da coerência
com os fatores aqui levantados, gostaríamos ainda de registrar as colocações de Franck
(1980) sobre seqüências fortemente e fracamente coerentes.
(4) 8 - Não fale assim tão cheia de si, eu a conheço de antigamente, Lisa,
52
Para Franck, (2) é fortemente coerente com (1), e (3) a (5) são fracamente coerentes, Franck
afirma que falas fracamente coerentes podem perturbar a evolução barmônica de uma
conversação ou irritar o parceiro, ofendendo-o. Isto ocorre porque o receptor considera que
o outro não coopera adequadamente, desviando o rumo da conversação.
Para nós, quando a coerência é forte, estabelecese facilmente a relação entre as falas,
ocorrendo o oposto no caso da coerência fraca.
Nas seções seguintes, buscaremos explicitar como cada tipo de fator e/ou cada fator em
particular concorre para o estabelecimento da coerência,
Todos os estudiosos são unânimes em admitir que os elementos lingüísticos têm grande
importancia para o estabelecimento da coerência, embora Brown e Yule (1983) afirmem
Uue é ilusão pensarque entendemos o significado de uma mensagem com base apenas nas
palavras-e na sintaxe. Buscãn-dõ FVí-(IeMcíar que a compreensão 3ee’nde de nosso
conhecimento de mundo e de fatores pragmáticos, dão exemplos de mensagens lingffisticas
que não têm a forma de frase, semelhantes ao exemplo (12).
5,3
Antes de passarmos ao comentário, de forma mais particularizada, da relação da coerência com os
fatores aqui levantados, gostaríamos ainda de registrar as colocações de Franck (1980) sobre
seqüências fortemente e fracamente coerentes.
Franck (1980) propõe a inclusão, na análise da conversação, da noção de relevância da teoria dos
atos de fala, afirmando que a fala de um interlocutor é coerente com a fala do antecessor, no sentido
mais amplo do termo, quando ela retém um aspecto significativo, ainda que secundário, da fala
anterior. Só em continuações optimais, as pressuposições e a estrutura temática dos enunciados
anteriores são totalmente assumidas e suas preferências de continuação atendidas. Para Franck,
neste caso, temos uma contribuição (fala) fortemente coerente, porque seu aspecto significativo
essencial se liga ao aspecto significativo essencial da contribuição (fala) anterior. No outro caso, em
que o aspecto significativo essencial do segundo turno se orienta para um aspecto não essencial do
primeiro, ou vice-versa, temos uma fala fracamente coerente. Franck dá o seguinte exemplo:
(4) B - Não fale assim tão cheia de si, eu a conheço de antigamente, Lisa.
(5) B - Pst, não fale tão alto. Ninguém deve nos Otivit.
52
Para Franck, (2) é fortemente coerente com (1), e (3) a (5) são fracamente coerentes. Franck afirma
que falas fracamente coerentes podem perturbar a evolução harmônica de uma conversação ou
irritar o parceiro, ofendendo-o. Isto ocorre porque o receptor considera que o outro não coopera
adequadamente, desviando o rumo da conversação.
Para nós, quando a coerência é forte, estabelecese facilmente a relação entre as falas, ocorrendo o
oposto no caso da coerência fraca.
Nas seções seguintes, buscaremos explicitar como cada tipo de fator e/ou cada fator em particular
concorre para o estabelecimento da coerência.
Todos os estudiosos são unânimes em admitir que os elementos lingüísticos têm grande importância
para o estabelecimento da coerência, embora Brown e Yule (1983) afirmem-que é ilusão pensar
que entendemos o significado de uma mensagem com base apenas nas palavras e na sinta7e-.
Buscancio evidenciar que a complr-eeff-são dee~nd nosso conhecimento de mundo e de fatores
pragmáticos, dão exemplos de mensagens lingüísticas que não têm a forma de frase, semelhantes ao
exemplo (12).
(12) Exemplo semelhante ao de Brown e Yule é o do aviso transcrito abaixo e aLxado no quadro de
avisos junto à entrada da biblioteca de uma instituição que se dedica ao estudo da linguagem.
53
Colóquios
O discurso narrativo dos mitos indígenas Prof. Dr. João da Silva
5. feira, 20-10-1988
14 horas
Auditório 111
A compreensão deste aviso, cujos elementos lingüísticos não chegam a constituir uma frase,
depende pelo menos dos seguintes conhecimentos do produtor e receptor do texto, não presentes no
aviso: a) que os colóquios são reuniões de professores e alunos da instituição e outros interessados
em que um pesquisador (da instituição ou não) expõe um trabalho seu em andamento ou concluído,
seguindo-se à exposição discussões sobre o assunto; b) que o assunto é de lingüística; c) quem é o
Professor e quais suas qualificações; e d) onde é o Auditório 111.
Vimos que é a coerência que determina, em última instância, que elementos vão constituir a
estrutura superficial lingüística do texto e como eles vão estar encadeados na seqüência lingüística
superficial, e isto é suficiente para deixar claro que a recuperação desta coerência passa pelas
marcas lingüísticas. Muitos autores inclusive chamam a atenção para a relação do lingüístico com o
conceitual-cognitivo (conhecimento de mundo) e com o pragmático, o que reforça ainda mais a
importância das marcas lingüísticas como pistas para o cálculo do sentido e, portanto, da coerência
do texto. Vejamos algumas destas colocações.
Beaugrande e Dressler (1981) dizem que há relações (um certo paralelismo) entre o nível gramatical
54
e o conceitual do texto, mas que a cadeia gramatical só se estende por pequenas partes do
texto, enquanto a cadeia conceitual abrange o texto todo. Beaugrande (1980) mostra e
exemplifica alguns candidatos razoáveis para correlação preferencial entre os níveis
gramatical e conceitual. Um dos exemplos que ele dá desse paralelismo pode ser
esquematizado como em (13):
(13) Nível gramatical Nível conceitual sujeito - para - verbo agente - para
ação objeto - para estado
Isto quer dizer que, quando temos, no nível gramatical, uma estrutura que relaciona um
sujeito com um verbo, no nível conceitual a preferência é Para que o sujeito seja um agente
se o verbo for de ação, e para que o sujeito seja um objeto (um ser visto como paciente ou
não-agente) se o verbo for de estado, como em (14) e (15):
Tanto a preferência é esta que outras relações são possíveis, mas, com freqüência, são
vistas como resultado de alterações (podemos dizer transformações) da forma básica, como
em (16), onde a passiva é vista como uma transformação da ativa
sujeito (16) A porta objeto foi aberta (ação) pelo menino (agente)
55
Prince (1981) e Yule (1981) deixam clara a relação das formas lingüísticas com a estrutura
informacional, o que seria mais um papel dessas formas no estabelecimento da coerência.
FilImore (1981) mostra que a pragmática das expressões é necessária para explicar certos
fatos que ocorrem no emprego das mesmas e que as condições pragmáticas para a frase
permitem saber suas possibilidades de interpretação e, portanto, permitem
perceber/estabelecer sua coerência.
Fillmore exemplifica, utilizando a pragmática dos verbos ir e vir em frases que adaptamos
para o português nos exemplos (17) a (20). Para facilitar a percepção das diferenças
pragmáticas entre as frases, Fillmore utiliza o recurso de imaginar que elas são parte de um
roteiro cinematográfico e como seria a filmagem do que cada frase descreve e como ficaria
a cena em termos de elementos presentes, posição da câmara etc. Usamos aqui o mesmo
recurso. Assim, pode-se perceber que as frases, para serem aceitas como bem seqüenciadas,
requerem um contexto em que os eventos possam ser observados na ordem determinada
pelas seqüências que os descrevem.
(17) A porta da lanchonete de Henrique abriu e dois homens vieram Para dentro.
- só há dois homens
(18) A porta da lanchonete de Henrique abriu e dois homens foram para dentro.
- câmara (observador) fora
- alguém dentro abriu a porta
56
- pode haver mais de dois homens, mas só dois entram ou há um close na porta e se vêem dois homens
entrarem (Isto porque temos ”dois homens” e não ”os dois homens”.)
(19) Dois homens aproximaram-se da lanchonete de Henrique, abriram a porta e foram para dentro.
(20) Dois homens aproximaram-se da lanchonete de Henrique, abriram a porta e vieram para dentro.
- câmara (observador) dentro, mas tem de haver uma janela ou porta de vidro ou algo que permita a
observação dos eventos na ordem em que são descritos
No que respeita à relação do lingüístico com o pragmático, também Van Dijk (1981:233-6) mostra a
importância dos traços lingüísticos do enunciado, em todos os níveis (fonético/ fonológico,
morfológico/lexical, sintático e semântico) para apreender os atos de fala realizados e, portanto, estabelecer a
coesão pragmática.
Para Fillmore (1981), a tarefa mais importante da gramática do discurso é caracterizar, com base no material
lingüístico contido no discurso sob exame, o conjunto de mundos em que o discurso pode represetitar um
papel e daí a importância da contextualízação que as formas lingüísticas permitem. FilImore não está
57
falando de contexto lingüístico (contexto), mas de contexto de situação.
Filimore também mostra a relação das formas lingüísticas com o tipo de texto, o que tem a
ver com a ligação entre intertextualidade e coerência e relaciona-se com o discutido em 2.4.
Usa como exemplo o caso do texto narrativo onisciente seletivo do ponto de vista de um
personagem, mostrando como o tipo do texto afeta o uso de elementos tais como pronomes,
nomes pessoais, SNs definidos, tempos, palavras dêiticas, regras de seqüenciamento e o uso
de itens lexicais epistêmícos, avaliativos e de experiência psicológica. Se o tipo de texto
estabelece privilegios e restrições especiais ao uso de elementos língüísticos, evidentemente
vai influir na possibilidade de interpretação e percepção da coerência.
Franck (1986), falando das sentenças com ”dupla ligação sintática” que ocorrem na
conversação, mostra que em alguns casos elas têm uma função ligada à questão da tomada
e manutenção do turno e outra ligada à questão da coerência e da relevancia da fala
presente em face dos enunciados imediatamente precedentes. Sentenças ou frases com
dupla ligação sintatica são aquelas que contêm um termo ou expressão que tem a
possibilidade de formar seqüência sintática tanto com o que vem antes como com o que
vem depois. Nas musicas é, comum o uso desse recurso para sugestão de duplo sentido.
Nestes casos, a dupla ligação sintática se evidencia pela forma de cantar com uma certa
divisão das frases pelo ritmo e pausas da música. Um bom exemplo é encontrado no trecho
da música ”Você não enteinde de nada” de Chico Buarque de Holanda e Cae-
58
tano Veloso, transcrito em (21), em que o termo ”você” é cantado entre duas pausas
relativamente longas, podendo, por isso, ser percebido tanto como objeto do verbo comer
quanto como sujeito de ”tá entendendo”.
(21) Você é tão bonita. Você traz a Coca-Cola eu tomo Você bota a mesa eu como, eu
como, eu como, eu
como, eu como
//Você// Não tá entendendo quase nada do que eu digo Eu quero é ir-me embora
ljga,ão sintática são apenas um ex-emplo de como o texto oral p9de us_ar [e-pístas
lin üísticas diferentes dacíueIãs do escrito para obter coerência, ou, -Dor ou_trã_ara que o
WVinte possa per,Qhex.Q.texto, como coerente.
59
ponente lexícal e os conceitos e mundos que se deflagram no texto; fenômenos de recuperação
pressuposicional; fenômenos de tematização: temarema, tópicocomentário e marcas de tematização;
fenômenos de implicação; orientações argumentativas de elementos do léxico da língua,
componentes de significado de itens lexicaís
a) a construção de um mundo textual. A esse mundo se ligam crenças sobre mundos possíveis na
concepção dos usuários, o que passa pelo modo como o receptor vê o texto: falando de um mundo
real? de ficção? etc. Isto influencia decisivamente se ele vai ver o texto como coerente ou
incoerente. Além disso, para haver compreensão é preciso que o mundo textual do emissor e do
receptor tenham um certo grau de similarídade.
0 mundo textual, a representação do mundo pelo texto, nunca coincide exatamente com o ---mundo
real”, porque há sempre a mediação dos conhecimentos de mundo (que podem ser mais ç)u menos
amplos), dos
60
uma informação prévia do indivíduo. Os conceitos são aí ativados como unidades de
sentido. A mernoria permanente e o espaço de armazenagem e organização de todo o nosso
conhecimento de mundo, incluindo o conhecímento língüístico, conceitos, modelos
cognitivos globais, fatos generalizados e episódios particulares provenientes da experiencia
de cada indivíduo.
(22) Meti filho trouxe-me uma caixa de tomates. As frutas estavarn podres.
62
Finalmente, e preciso lembrar que o conhecimento de mundo resulta de aspectos
socioculturais estereotipados.
63
humana. São estruturas cognitívas que organizam nosso conhecimento convencional de
mundo em conjuntos bem interfigados”.
Entre os modelos cognitivos globais, os ”frames”, esquemas, planos e ”seripts” vêm sendo
citados na literatura como os tipos básicos que são utilizados no processamento cognitivo
dos textos com vistas à sua compreensão. Ao lado deles, aparecem os cenários e modelos
mentais. Alguns desses modelos foram propostos pelos estudos de inteligência artificial
(”frames”, ”scripts”), outros pela psicologia da cognição (cenários, esquemas, modelos
mentais). Embora todos os autores que trabalham na linha construtivista reconheçam a
existencia dos modelos cognitivos, cabe lembrar que há uma flutuação terminológica, de
modo que o mesmo conceito pode aparecer com diferentes nomes e o mesmo nome pode
aparecer ligado a diferentes conceitos. Há autores que utilizam um só nome para todos os
tipos de modelos cognitivos (teoria dos ”frames”, teoria dos ”esquemas” etc.). Tomaremos
como base a proposta de Beaugrande e Dressler (1981), com alguns acréscimos que
julgamos necessários.
”Frames” são ”modelos globais que contêm o conhecimento de senso comum sobre um
conceito central (por exemplo, Natal, viagem aérea); estabelecem quais as coisas que, em
princípio, são componentes de um todo, mas não estabelecem entre eles uma ordem ou
seqüência (lógica ou temporal)”.
Os esquemas diferem dos ”frames”, porque ”são modelos cujos elementos são ordenados
numa progressão, de modo que se podem estabelecer hipóteses sobre o que será feito ou
mencionado a seguir no universo textual. As ligações básicas são a proximidade temporal
64
e a causalidade, sendo, pois, os esquemas previsíveis e ordenados”. Exemplos: Comer em
um restaurante, pôr um carro em movimento. Um tipo particular de esquemas são as
superestruturas ou esquemas textuais (Van Dijk) de que trataremos em 4.10.
Planos são ”modelos globais de acontecimentos e estados que conduzem a uma meta
pretendida. Além de terem todos os elementos numa ordem previsível, levam a um fim
planejado”. Exemplo: num texto de instruções para montagem de um aparelho.
”Scripts” são ”planos estabilizados, utilizados ou invocados com muita freqüência para
especificar os papéis dos participantes e as ações deles esperadas. Diferem dos planos por
conterem uma rotina preestabelecida. Trata-se de um todo seqüenciado de maneira
estereotipada, inclusive em termos de linguagem, ou seja, como se age verbalmente numa
situação”. Exqmplos: cerimônia religiosa e civil de casamento, certas partes de uma sessão
de júri, um ritual religioso qualquer (missa, batizado etc.), seqüências de cumprimento.
65
terizado pela frase e que ele chama de modelo mental. Adota a semântica procedural
porque não interessa o conteúdo fenomenológico ou subjetivo do modelo mental, mas sua
estrutura e o fato de que possuímos procedimentos para ,construí-lo, manipulá-lo e
interrogá-lo. Muitos dos procedimentos tomam como garantida uma base comum de
conhecimento, inclusive fatos sobre o mundo, a língua e as convenções que governam a
conversação. Como se percebe, os modelos mentais são pratic&mente a proposta de
construção do mundo textual a que nos referimos.
Finalmente, temos as macroestruturas, que não são modelos cognitivos, mas são estruturas
globais e fundamentais para a compreensão do texto. A macroestrutura foi proposta por
Van Dijk (1981) para a interpretação coerente de um texto. Trata-se de uma espécie de
estrutura profunda semântica do texto, que é representada por uma macroproposição obtida
através de macrorregras que reduzem e abstraem o conteúdo proposicional das seqüencias
textuais, mas ao mesmo tempo organizam seu conteúdo em termos de hierarquização. A
macroestrutura é definida no nível da representação semântica global do texto. A
macroestrutura teria como correlato psicológico um esquema cognitivo que determina o
planejamento, execução, compreensão, armazenamento e reprodução do texto. A
macroestrutura temse revelado como o elemento do texto que melhor e mais
permanentemente é recordado. Como se pode ver, determinar a macroestrutura de um texto
é estabelecer sua coerência, pelo menos em termos semânticos. A frase que expressa a
macroestrutura é chamada também de ”macroproposição textual”.
66
4.4. Conhecimento partilhado
Classicamente se considera nova a informação que o falante apresenta como não sendo recuperável
a partir do texto precedente e como dada aquela que o é (Halliday). A noção de dado e novo tem
apresentado flutuações no correr do tempo. Prince (1981) discute as principais propostas e, a partir
da visão de texto como um conjunto de instruções de um falante para um ouvinte sobre como
construir um modelo de discurso particular, contendo entidades, atributos e ligações entre entidades,
propõe uma escala de ”familiaridade assumida” e uma taxinomia de diferentes tipos de dados e
novo, a saber: Evocado
textualmente Não Inferível Totalmente Totalmenw Evocado usado > Inferíve novo > novo
>
ancorado contenedor
Cada tipo de entidade desta escala pode ser definido como segue. Nova é a entidade que está sendo
introduzida no discurso pela primeira vez e pode ser de dois tipos: totalmente nova, quando o
falante precisa
64criá-la” a partir do texto (exemplo 22) ou não-usada, quando se supõe que ela já é familiar ao
ouvinte (exemplo 23).
(22) Um disco voador sobrevoou a cidade. (23) Pelé hojIe é comentarista esportivo.
67
As entidades totalmente novas podem ser ancoradas (exemplo 24) ou não-ancoradas
(exemplo 22), conforme estejam ou não relacionadas a alguma outra entidade por meio de
um SN propriamente contido no SN que introduz a entidade.
(24) Um professor que eu conheço disse que não acredita na existência de extraterrestres.
SN de ancoragem.
As entidades injeríveis podem ser de dois tipos: as inferíveis não-contidas, que são aquelas
que o falante supõe serem deduzíveis, pelo ouvinte, de outras entidades já evocadas ou
inferíveis, via raciocínio lógico ou plausível (exemplo 25); e as inferíveis contidas, que são
aquelas em que a entidade a partir da qual a inferência é feita é representada por um SN
contido dentro do SN que introduz a entidade classificada como inferível contida (exemplo
26).
As entidades evocadas também podem ser de dois tipos: as evocadas textualmente que são
aquelas já mencionadas no texto (exemplo 27) e as evocadas situacionalmente que
representam participantes do discurso ou traços salientes do contexto extralingüístico
(exemplo
28).
(27) Encontrei o marido de Dora. Ele me contou que ela estava viajando.
Prince acha que tudo isto leva a um fenômeno talvez válido para o discurso em geral: a
tQnêpQ1;Ek_pgra usar SNs que sejam tão altos na escala de familiaridade quanto possível.
Há também um outro fenômeno relacionado a este que parece especialmente pertinente
para o discurso da conversação informal: uma tendência para o uso de construções
sintáticas em que não ocorrem, na posição de sujeito, SNs baixos na escala. Para Prince,
uma taxinomia de familiaridade assumida permitiria estudar mais profundamente a relação
entre forma e compreensão. Isto tem a ver com elementos ia apresentados nesta seção e
com pontos levantados em
4.2.
Van Dijk (1981) mostra que o tópico da sentença, que é um conceito semântico-
pragmátíco, tem a ver com a estrutura informacional do texto e se manifesta na estrutura de
superfície por diversos meios: ordem de palavras, sintagmas ou morfemas específicos,
entonação, acento etc.
6q
lingüística ou de conteúdo explícita com aquela, como no exemplo (29).
4.5. Inferências
Beaugrande e Dressler (1981) dizem que inferência é a operação que consiste em suprir
conceitos e relações razoáveis para preencher lacunas (vazios) e descontinuidades em um
mundo textual. Para eles, o inferenciamento busca, pois, sempre resolver um problema de
continuidade de sentido.
Para Brown e Yule (1983), inferências são conexões que as pessoas fazem quando tentam
alcançar uma interpretação do que lêem ou ouvem, isto é, é o processo através do qual o
leitor (ou ouvinte) consegue captar, a partir do significado literal do que é escrito ou dito, o
que o escritor (falante) pretendia veicular. A inferência é sempre vista como uma ”assunção
ligadora”, isto é, que estabelece uma relação entre duas idéias do discurso,
a) substanciais, inalienáveís ou necessárias: que seriam aquelas a que não podemos fugir,
que são obrigatoriamente feitas (exemplos 29 a 31).
(30) João tem um Scort -> João tem carteira de motorista. c) contextuais: que variam com o
contexto.
(31) Você sabia que o João parou de fumar? substancial: João fumava antes.
contextual: Pode haver uma reprovação nessa pergunta, se ela é feita com o propósito de
censurar o interiocutor que não quer parar de fumar.
71
d) retroativas ou para trás: são as que se fazem sobre o sentido de um termo ou expressão a partir de algo
dito posteriormente.
(33) Pedro tem um grilo. a) Alimenta-o todos os dias. animal b) Não sabe se a namorada gosta
dele. preocupação.
objeções ao uso das inferências na explicação do processo de compreensão de textos ou como parte do
modelo que representaria esse processo por duas razões: primeiro, porque as inferências admitidas neste
processo seriam escolhidas arbitrariamente e, segundo, porque as inferências admitidas são poucas, uma vez
que os usuários podem fazer muitas outras.
Sempre se podem fazer muitas inferências a partir dos elementos de um texto. Como limitar essas inferências
apenas às necessárias e/ou relevantes à interpretação autorizada pelo texto e desejada pelo seu produtor? De
acordo com Brown e Yule (1983), um problema que se levanta para toda tentativa de incorporar o
conhecimento do mundo ao processo de compreensão do texto é encontrar um meio de limitar a incorporação
de dados desse conhecimento ao estritamente relevante, na interação.
Alguns meios que executariam essa difícil tarefa de limitar as inferências seriam:
a) o contexto, que pode ser o contexto lingüístico, (ou co-texto) e o contexto de situação (contexto
sociocultural, circunstancial). A atuação do co-texto é ques-
72
tionada por Brown e Yule (1983), que dizem que os elementos do contexto lingüístico não dão base
ao analista para determinar as inferências que realinente são feitas, porque a ação de inferir fica
como um processo que é dependente do contexto específico do texto e I ocalizado no leitor (ou
ouvinte) individual;
d) a focalização, a que Charolles (1987) se refere como ”filtragem pelo alto”. (Sobre focalização,
cf. 4.9.) Diante da dificuldade de limitação das itiferências,
poder-se-ia considerar ideal que se construíssem textos que exigissem poucas (ou nenhuma)
inferências para sua compreensão. Como bem observam Brown e Yule (1983), ”tais textos
requereriam muito espaço para veicular pouquíssima informação, se bem que não exigiriam por
parte do leitor (ouvinte) muito trabalho interpretativo via inferência. Todavia, os textos reais não
são assim: eles mostram uma quantidade inínima de coesão formal, assumem quantidades massivas
de conhecimento ’backgrounded’ existente e normalmente requerem que o leitor (ouvinte) faça,
sejam quais forem as inferências, que ele sinta como querendo operar para obter uma compreensão
do que está sendo veiculado”.
Finalmente é preciso lembrar que, freqÜentemente, o produtor do texto deseja que as inferências
não sejam limitáveis, que o texto abra muitas linhas de possíveis inferências. lÉ o caso do texto
dúbio (como muitas falas políticas e textos de humor e propaganda) ou polissêmico (como na
literatura).
’17
4.6. Fatores pragmáticos
Já deve ter ficado claro de tudo o que foi dito até aqui que o estabelecimento da coerência
depende em muito de fatores pragmáticos, já que a compreensão do texto depende em
grande parte desses fatores: tipos de atos de fala, contexto de situação, interação e
interlocução, força ilocucionária, intenção comunicativa, características e crenças do
produtor e recebedor do texto etc. tem a ver com a influência do pragmático na coerência.
Segundo Brown e Yule (1983), três aspectos são constítutívos do processo de interpretação
de textos: computar a função comunicativa, usar o conhecimento sociocultural geral e
determinar as inferências a serem feitas. Comentando a questão da função comunicativa do
texto, dizem que a coerência se basearia não na relação entre os enunciados, mas entre
ações realizadas com os enunciados (coerência pragmática), ou seja, os atos de fala na
interação. Dentro da função comunicativa .abordam, ainda, a questão de situações de fala
sociologicamente determinadas, com convenções marcadas para que a interação se realize e
dão como exemplo a questão da ”aula”, remetendo ao estudo feito por Sínelair e Coulthard.
Outros exemplos desse tipo de situações seriam: no restaurante, conversação telefônica,
consulta médica, assembléia de membros de uma instituição, reuniões administrativas etc.
Van Dijk (1981) diz que, ao lado da macroestrutura semântica de um texto, que dá sua
coerência semântíca, temos uma macroestrutura pragmátíca, que dá a sua coerência
pragmática. Essa macroestrutura prag-
74
mática seria um macroato de fala ao qual se subordínariam, hierarquicamente, todos os atos
de fala realizados por subpartes e frases do texto. Esse macroato é obtido através de
macrorregras (generalização, apagamento e construção) do mesmo tipo daquelas que dão
origem à macroproposição semântica e seria também um construto fundamental para o
processamento do texto tanto na produção como na compreensão. Van Dijk deixa claro que
o processo de compreensão do texto obedece a regras de interpretação pragmática e,
portanto, a coerência do texto não se estabelece sem levar em conta a interação e as
crenças, desejos, quereres, preferências, normas e valores dos interlocutores, Estuda, ainda,
a relação entre atos de fala e ”frames”, concluindo que a verificação do preenchimento ou
não das condições necessárias para que o ato de fala seja apropriado deve ser feita pelo
nosso conhecimento do mundo e sua organização em ”frames”. Isto serve para nos mostrar
como os elementos ou fatores atuantes no processo de produção e compreensão de textos e,
portanto, de sua coerência, atuam de forma interligada. Evidência dessa interligação seriam
também os elementos do texto que Marcuschi (1938) e Fávero e Koch (1985) chamam de
”contextualizadores”. -Uses elementos seriam de ddis ’tiposa) coríê_x_tuãíizadores
propriamente ditos, que ajudam a ancorar o texto na situação comunicativa: assinatura,
local, data e elementos gráficos; b) perspectivos, que contribuem para fazer avançar
expectativas a respeito do texto: título, início do texto, autor, estilo de época, corrente
científica, filosófica, religiosa a que pertence. Elementos como assinatura, indicação de
local, data e autor mostram a relação do lingüístico com fatores pragmáticos do contexto de
si-
75
tuação; o título terá muito a ver com focalização, as implicações, na interpretação do texto,
do estilo de epoca, corrente científica, filosófica ou religiosa a que se filia o autor só podem
ser dadas pelo conhecimento de mundo.
4.7. Situacionalidade
Bastos (1985) afirma que a coerência se estabelece pelo nível de inserção do texto numa
determinada situação de comunicação. Somos de opinião que, se a condição de
situacionalidade não ocorre, o texto tende a parecer incoerente, porque o cálculo de seu
sentido se torna difícil ou impossível. Foi a não-situacionalidade que, em grande parte,
levou muitos estudiosos a dizerem que certos textos eram incoerentes, propondo, com base
nisso, uma gramática de texto de um tipo que incorporava algo semelhante à
gramaticalidade/agramaticalidade das frases para os textos. Depois verificou-se que textos
ditos incoerentes eram perfeitamente coerentes, e faziam sentido, desde que os
imaginássemos numa situação X, com determinadas características, como já foi
exemplificado.
Seria interessante lembrar aqui o que se comentou rio item 4.5 sobre o efeito do contexto de
situação na
76,
limitação das inferências que se deve ou pode fazer na interpretação de um dado texto.
Van Dijk (198 1) dá toda uma relação dos elementos que devemos observar na análise
contextual e como fazê-lo. Ele liga este contexto à identificação e produção dos atos de
fala, ou seja, à coerência pragmática do texto. Para ele, o contexto também seria uma
abstração em que só se levam em conta os elementos da situação pertinentes para a
produção e compreensão. Em resumo, na análise contextual, que ocorre durante a
compreensão pragmática, o usuário da língua levaria em conta as seguintes informações
sobre o contexto social em questão: seu título específico, o ”frame” do contexto relevante
no momento, as propriedades /relações das posições sociais, funções e indivíduos que as
preenchem, bem como as convenções (regras, leis, princípios, normas, valores) que
determinam as ações socialmente possíveis dos membros envolvidos. Para Van. Dijk, esses
contextos são dinâmicos e, por isso, sua análise é um processo permanente no qual as
pessoas constroem os traços relevantes do contexto.
Pensamos que o contexto de situação se reflete não só no pragmático, como quer Van Dijk,
mas também no semântico. Evidência disso seria o caso dos dêiticos e a especificidade do
significado dos homônimos, que seriam tomados num sentido e não noutro devido à
focalizacão imposta ao texto pela situação em que ele é produziáo.
Cumpre registrar que, no oral, pelo menos num certo sentido, a coerência depende muito
mais do contexto situacional do que no escrito, porque no oral os elementos da situação
cooperam no estabelecimento das
77
1;”
relações entre os elementos do texto em mais alto grau do que no escrito, sobretudo por
haver muitas entidades evocadas situacionalmente e por ser decisiva a influência da
situação no cálculo do sentido. Uma evidência dessa dependência é a dificuldade que se
encontra para interpretar fala gravada. Todavia, há casos de textos escritos muito
dependentes da situação, como placas indicativas de direção, de silêncio em hospitais,
indicativas de salas e seções em instituições diversas etc. e que, inclusive, foram chamadas,
pela teoria lingüística tradicional, de frases de situação.
É preciso lembrar, porem, como o fazem Beatigrande e Dressler, que a relação texto-
situação se estabelece em dois sentidos: da situação para o texto e do texto para a situação.
Isto significa que se, por um lado, a situação comunicativa interfere na maneira como o
texto é constituído, o texto, por sua vez, tem reflexos sobre a situação, já que esta é
introduzida no texto via mediação. A mediação é aqui entendida como a extensão em que
as pessoas introduzem, em seu modelo da situação comunicativa (do ”rnundo real”), suas
crenças, convicções, objetivos, perspectivas. Assim, o texto jamais será um espelho do
mundo real, visto que a situação acaba sendo recriada pelo texto através dessa mediação e
que a evidencia disponível na situação é introjetada no modelo de mundo juntamente com o
conhecimento prévio e as expectativas que se têm sobre o modo como o ---mundo real” se
encontra organizado. Até mesmo no caso de descrições aparentemente objetivas, os textos
são mais que simples ---reações” aos ”estímulos” da cena, uma vez que as pessoas têm
opiniões estabelecidas sobre o que merece ser observado e regístrado, o que é ou não digno
de nota.
78
4.8. Intencionalidade e aceitabilidade
Beaugrande e Dressler afirmam que, ”para -que uma manifestação lingüística constitua um
texto, é necessário que haja a intenção do emissor de apreséníã-l-a e a dos receptores de
aceitá-la como tal”. As noçÕCS de intencional idade e aceítabilidade são introduzidas para
dar conta, respectivamente. das intenções dos emissores e das atitudes dos receptores. Cada
uma delas pode ser tomada em dois sentidos: um restrito e um amplo.
79
vismo age também em termos de focalização: no diálogo, os interlocutores supõem sempre
que estão agindo num campo comum.
4.9. Informatividade
4.10. Focalização
Grosz (1981), num trabalho cujo objetivo era contribuir para a montagem de sistemas
computacionais capazes de processar língua natural, propõe o conceito de focalização, que
consideramos um aspecto importante da produção e compreensão de um texto. Embora
Grosz comente a focalização apenas no diálogo oral, cremos que suas colocações são
válidas para qualquer texto oral e escrito. A focalização tem relação direta
81
com a questão do conhecimento de mundo e do conhecimento partilhado.
Segundo Grosz, falante e ouvinte, no diálogo, focalizam sua atenção em pequena parte do
que sabem e acreditam, e a enfatizam. Assim, certas entidades (objetos e relações) são
centrais para o diálogo e não só isto, mas também elas são usadas e vistas através de certas
perspectivas que afetam tanto o que o falante diz quanto como o ouvinte interpreta. Grosz
exemplifica: a) uma construção pode ser vista de diferentes perspectivas: como uma
maravilha da arquitetura, uma casa, um lar ou, podemos acrescentar, um patrimônio
histórico cultural, um empecilho a um empreendimento etc.; b) certo evento pode ser visto
como uma compra, uma venda, uma transação comercial etc.
Para Grosz, a focalização não só torna a comunicação mais eficiente, como, na verdade, a
torna possível. Evidentemente, tudo isto afeta a capacidkide e a possi-
82
bilidade do ouvinte de estabelecer a coerência de um texto, interpretando-o
convenientemente.
Além do que se disse acima sobre a relação da focalização com o lingüístico, Grosz afirma
que as descrições definidas são um dos meios-chaves pelo qual se manifesta a influência da
focalização no diálogo; e que a focalização e o uso das formas lingüístícas adequadas para
expressá-la são necessarios para a identificação do referente adequado, o que mostra a
importância da focalização para gerar e interpretar descrições definidas. Isto é facilmente
perceptível no texto ”No aeroporto”, de Carlos Drummond de Andrade, transcrito abaixo.
NO AEROPORTO
Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não
faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito
assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras e, a bem dizer, não se
digne pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões, pelos quais se faz
entender admiravelmente. É o seu sistema.
Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível.
Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo
considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e o oriental, e em particular o
nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de
dentes), abonam i classificação.
83
Devo admitir que Pedro, como visitante, nos deu trabalho: tinha horários especiais, comidas especiais, roupas
especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam
provdências e privilégios maiores. Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e
ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de sono - e lhe apraz dormir não só à noite
como principalmente de dia - eram respeitadas como ritos sacros, a ponto de não ousarmos erguer a voz para
não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém nós mesmos é
que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito
concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da tv.
Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não
tinha importância.
Objeto que visse em nossa mão, requisitava-o. Gosta de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso,
copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta
das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem
não o conh ’ecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de
seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis - porque me esquecia dizer que tem olhos azuis, cor que afasta
qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.
Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os côrnodos, e o que lhe ocorria fazer,
fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. jamais me voltei
para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua
azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade - e, até, que a nossa
amizade lhes conferia caráter necessário, de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.
Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a
seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.
(In Cadeira de balanço. Rio de janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1976, pp. 61, 62.)
Como se pode observar, as descrições definidas utilizadas por Drummond nos levam a
construir uma imagem equivocada de Pedro. Somente no último parágrafo é que o autor
nos dá condição de identificar adequadamente o referente, o que altera a focalização que
vinha sendo feita até então, levando-nos a encarar de um modo novo tudo o que dissera
anteriormente sobre Pedro. Evidentemente, Drummond usa o desvio de focalização como
uma técnica para produzir um texto com quebra de expectativa. Tal recurso pode ser
utilizado com outros fins.
Van Dijk (1981) também se refere à questão da focalização, mas a coloca do lado do
analista, ao dizer que a perspectiva em que este se coloca pode interferir na identificação do
tipo de ato de fala realizado por uma seqüência lingüística.
85
e por um grupo de moças, alunas de uma escola de música, devido a focalização diversa
que fazem dentro dos respectivos campos: esporte e música. Outro exemplo seria o de um
romance lido por um sociólogo, um psicanalista, um religioso e um ativista político. Com
certeza as leituras, devido à focalização de cada um, seriam bastante diferentes ...
0 contexto em que se produz o texto pode também focalizar e especificar, por exemplo, o
sentido de homônimos como no exemplo (34) em que, para cada situação indicada em a, b
e c, a descrição definida ”a chave” terá um significado diferente.
c) uma pessoa para outra na situação de resolução de um enigma (aquilo que permite
solucionar o problema).
A vista era de tirar o fôlego. Da janela, podía-se ver a multidão embaixo. Tudo parecia extremamente
pequeno de tal distância, mas ainda se podia distinguir as roupas coloridas. Todos pareciam estar se movendo
numa mesma direção, de modo ordeiro, e parecia haver tanto criancinhas como adultos. A aterrissagem foi
tranqüila, e, felizmente, a atmosfera era tal que não houve necessidade de usar roupas especiais. A princípio,
havia grande agitação. Depois, quando os discursos começaram, a multidão se aquietou. O homem com a
câmara de televisão fez várias tomadas do local e da multidão. Todos eram muito amigáveis e pareceram
contentes quando a música começou. (Bransford e Johnson (1973) in CLARK, H. H. and CLARK, E. V.
(1977). Psychology and Language. New York, Harcourt/ Brace lovanovich, p. 156.)
Gostaríamos de lembrar que a focalização vem sendo, intuitivamente ou não, usada no ensino de produção de
textos, quando se fala de delimitação de assunto e objetivo. Veja-se o exemplo (35).
(35) Ao produzir um texto sobre a Amazônia o autor pode optar por uma das seguintes delimitações do
assunto: a) A floresta amazônica
87
b) do ponto de vista de sua utilidade para o homem.
Como se pode observar, a focalização vai depender também dos objetivos tracados pelo
autor.
4.11. Intertextualidade
Tais maneiras, a nosso ver, incluem fatores relativos a conteúdo, fatores formais e fatores
ligados a tipos textuais.
Quanto à intertextualidade de caráter formal, ela pode estar ou não vinculada à tipologia
textual. Limitarnos-emos aqui a dar exemplos não ligados à tipologia, já que o aspecto
tipológico é tratado a seguir. Há textos que mantêm intertextualidade com a Bíblia por lhe
imitarem a forma. Naturalmente, quem ler estes textos, sem conhecer a Bíblia, pode até
atribuir-lhes um sentido, mas certamente deixará de perceber muitas das significações
pretendidas pelo produtor dos mesmos. É o caso também do texto ”Grande ser, tão veredas”
de Paulo Leminski, publicado na Folha de S. Paulo, que remete, pelo título, mas sobretudo
pela forma em que e escrito, a Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa.
Pauto Leminski
A pois. E não foi, num vupt-vapt, que as altas histórias gerais da jagunçagem deram de
ostentar suas prosapias e bizarrias no tal horário nobre da caixinha de surpresas, pro bem e
pro mal, Rede Globo chamada?
Compadre mano velho, mire e veja as voltas que o mundo dá. Quem havera de dizer que
toda essa aprazível gente cidadã ia botar gosto em saber das fabulanças daqueles tempos,
quando o desmando e a contra-lei atropelavam os descampados do Urucuia, lá praquelas
bandas brabas, onde tanto boi berra?
Só dizendo mesmol a bem dizer, como proclamava meu compadre de Andrade, Oswald,
dito e falado, lauto
89
fazendeiro de S. Paulo: a massa ainda vai (-.orner do biscoito fino que eu fabrico. A graça que ia nisso! Tinha
muita graça meu compadre de Andrade, Mas o senhor, que é homem instruído, não faça pouco nem ponha
reparo nas, facécías do compadre Oswald. Era homem sabido de esperto, e quando parecia que estava mais se
rindo, mais se estava falando sério. Tudo questão de tino, coisa que é que nem coragem, que tem, como tem
gente que não vai ter nunca.
De modos que esse brazilzão todo, rol de gente de nunca acabar, está ficando sabendo, devagarinho, das
andanças do jagunço Riobaldo Tatarana, ao lado do seu querido Reinaldo, vale dizer Diadorim. Só que tem
um desconforme. A gente não sabia, de princípio, que Reinaldo era mulher, que nem a gente já fica sabendo
nas televisivas fabulanças. E se bem me alembro, a memória tem dessas coisas. Reinaldo não era tão bonito
como essa beleza de dona Bruna, Lombardi chamada, italiana tirana de tanta boniteza. Semelhava assim, no
pisco do olho, uns jeitos de garoto nos seus quinze, o mais tardar seus dezessete anos, emborasmente mais
judiado, que a jagunça vida nasceu pra dar formosura pra ninguém.
Tarcísio Meira? Meira, dos Meira de Buritis-Altos? Ah, não. A pois. Veja você, que é gente de prol e de
escol, mire e veja. Não assemelha o Hermógenes. Não. Deus esteja. T’arrenego, e esconjuro! 0 cão com o cão,
e a faca na mão! Aquilo não era criatura de Deus, quem viu, viu sabendo, e bem sabido. Era feio como a
necessidade. ninguém nunca deitou os olhões num indivíduo mais puxado a sapo, que até cascavel, pra quem
gosta, até tem lá suas graças e desenhadas cores.
É, despotismo de calamidades! Teve o fim que mereceu, que o diabo escolhe quem quer, Deus só escolhe os
seus.
Do Diabo? Diaa? Diadorim? Do diabo, não se fala. Que diabo hoje não faz favor na gente cidadã. Oue diabo,
que nada! o coisa-ruim, o que-nem-se-diga, o diantre, o dívida-externa, o Aids, o inflação, o Dielfim-
Netto! Acreditar não digo que a gente acreditava. Difícil era achar quem duvidasse, o senhor releve a sutileza,
que é cortesia de jagunço velho, mor de não estragar a pontaria.
Pontaria, pontaria mesmo, quem teve nem nunca deixou de ter, foi Riobaldo Tatarana Guimarães Rosa, esse o
nome cabal e completo, homem de muitas letras, nenhum igual ninguém nunca viu. A pois, mano velho. Tino
e siso era ali, jagunço de caudaloso cabedal, tiro certeiro no olho da onça jaguarete, pau e pau, pum e pum.
Quem dissera? Nem quem diria! Aquela parolagem toda, jaguncismo de lei, no tal nobre horário da Rede
Globo chamada ... Custoso é o mundo de entender, custosa a fala de Ríobaldo Tatarana Guimarães Rosa.
Aquilo é falar de cristão, cruz-credo, me persigno!? Nem nenhuma lei de sã gramática aquele jagunço
reverenciava, e era tudo um redemoinho de sustos, que gente como nós é minuciosa nas artes do sem-
sobreaviso. Surpresa só. Vá que a gente cidadã nos seus nobres horários vá saber o que a gente só dizia no oco
do toco, o senhor que é de lá me diga ... e a caixa de surpresa, televisão chamada, não tem validade de força
pra suflagrar no durante e no seguinte, os cafundós de filosofismo que Tatarana Guimarães Rosa enredava
naqueles cipós lá dele ... que esse Tatarana fosse o Hornero desses brasis todos, Homero, o senhor sabe, o
Adão dos cantadores ...
Divago. Mas não disperso. Esse rural acabou. A pois. Mas que foi muita coragem desse tal sio Avancino,
Avancini, o senhor me corrija e reja, de ponhar em vídeo e áudio tanto caudal primitivo, que isso foi, foi
macheza, ninguém duvida, quem havera de? Eh, mão de obra!
Efetuar proezas é da vida, e o que for do homem, o bicho não come. Contar é que impecilha, a lembrança não
pousa nunca no mesmo lugar, e o dito nunca fica como foi, nem o escrito, que só vem muito depois.
91
Consoantemente meu compadre falecido Tatqrana, na glória esteja! Costumo e tenho bom uso de dizer, que
com ele aprendi, ”viver é muito perigoso”.
Quanto à intertextualidade por fatores tipológicos, ela pode se dever à estrutura que caracteriza cada tipo de
texto ou a aspectos formais de caráter lingüístico próprios de cada tipo de texto. Para que um texto seja bem
compreendido e visto como coerente, é preciso que apresente certas características próprias do tipo de texto
do qual ele é apresentado como sendo um exemplar.
No que se refere à estrutura de cada tipo de texto, é fundamental a noção de superestrutura que Garrafa
(1987), seguindo os passos de Van Dijk, define como estruturas globais características de certos tipos de
discurso, esquemas discursivos provenientes de um aprendizado intuitivo ou sistematicamente dirigido,
conhecimentos convencionais relativos a tipos de discurso, envolvendo, além de uma seqüência esquemática,
características de linguagem, de recursos retóricos ou estilísticos etc. Além de serem convencionais, as
superestruturas são culturalmente dependentes. Embora de natureza cognitiva, cremos que as superestruturas
têm muito a ver com intertextualidade tipológica, sendo apreendidas na prática dos indivíduos como
receptores de textos. Sua natureza é em parte distinta da dos modelos cognitivos globais já mencionados, pelo
menos a medida que os usuários tem dificuldade em explicitá-las, sem um aprendizado sistemático, ao
contrário do que acontece com os ”frames”, esquemas, planos e ”scripts” sobre os quais, em geral, são
capazes de falar sem dificulda-
92
de: eles responderão a ”Como é ir a um restaurante?”, mas não terão a mesma facilidade em
dizer como é uma narrativa .
Bastos (1985) afirma que ”a coerência dos textos narrativos se estabelece também no nível
da estrutura propriamente dita de uma narrativa”. Assim, a título de exemplo, podemos
imaginar o que aconteceria se alguém dissesse que ia contar um caso e produzisse um texto
que não se encaixasse em nenhuma estrutura narrativa conhecida na sociedade e na cultura
em que a interlocução ocorre. Um exemplo desse tipo é dado por Kintsch. e Van Dijk, que
fizeram um experimento onde leitores não foram capazes de resumir um mito apache,
porque ele apresentava uma estrutura narrativa diferente daquela com a qual estavam
acostumados.
FilImore (198 1) exemplífica, com o discurso narrativo do tipo onisciente seletivo, o tipo de
elementos lingüísticos, construções e elementos contextualizadores que podem ou não
aparecer. O uso de elementos que não são próprios desse tipo de discurso cria problemas de
coerência. Assim, por exemplo, não se pode colocar nada nesse tipo de narrativa que não
seja possível dizer do ponto de vista do personagem que é o narrador e como isto afeta as
possíveis interpretações para seqüencias do texto. Este fator afeta o uso de pronomes,
nomes pessoais, SNs definidos, tempos, palavras dêiticas, regras de seqüenciamento e o uso
de itens lexicais epistêmicos, avaliativos e de experiência psicológica.
Coulthard (1977) mostra como a superestrutura de textos é importante para a coerência: usa
o exemplo das piadas que, segundo ele, teriam uma forma fixa e podem ser arruinadas por
pequenas alterações, ao serem recontadas, deixando de criar o efeito pretendido pelo
93
falante que, então, deixa de poder ser calculado pelo ouvinte.
Um texto (oral ou escrito) que se apresenta como uma discussão deve satisfazer duas
condições para ser possível: ”de um lado que exista um terreno de entendimento (valores
implícitos, compartilhados), de outro lado que, sobre estes pontos de acordo, se confrontem
sistemas de crenças e de valores diferentes” (Garcia,
1980). Se não houver esse confrontamento e o texto for apresentado como discussão, os
receptores terão dificuldade de entender o que se passa e de estabelecer a coerência do
texto.
Brown e Yule (1983) discutem a questão do discurso em uma situação social particular (o
que cria um veio tipológico), como, por exemplo: aula, conferência, conversa telefônica,
consulta médica etc. Esses tipos de discurso são mais sociologicamente do que
lingüisticamente determinados e têm características (sociais e lingüísticas) que afetam as
condições de coerência. Citam o exemplo das aulas estudado por CouIthard.
Todas as características da conversação são mostra de que diferentes tipos de texto têm
marcas diferentes para estabelecer a continuidade textual a que se referem os estudiosos
como condição para a coerência dos textos: marcadores conversacionais, por exemplo, não
são usados em textos científicos ou narrativos, a não ser que reproduzam, em estilo direto, a
conversação.
Outros veios tipológicos podem ser explorados. Seria o caso, por exemplo, de tipologias
ligadas a estilos de época. É preciso lembrar ainda que, apesar de os tipos genéricos (como
narrativa, por exemplo) terem suas características, subtipos têm características particulares
que os distinguem de outros subtipos. É esse o
94
caso do exemplo de FilImore que vimos há pouco. Evidentemente romances policiais,
narrativas épicas, contos, fábulas, contos de fadas etc., enquanto narrativas, compartilham
características comuns, rnas apresentam outras que as distinguem entre si e justificam sua
existência.
4.12. Relevância
De acordo com Giora (1985), uma das principais condições para o estabelecimento da
coerência e a de. relevância discursiva. Para ela, um texto é coerente quando o conjunto de
enunciados que o compõem pode ser interpretado como tratando de um mesmo topico
discursivo. Um conjunto de enunciados será relevante (para um tópico discursivo
subjacente) se eles forem interpretáveis como predicando algo sobre um mesmo tema.
Assim, a relevância não se dá linearmente entre pares de enunciados, mas entre conjuntos
de enunciados e um tópico discursivo. Se isto não ocorrer, o texto poderá ser ainda coerente
no caso de dado enunciado ou conjunto de enunciados virem explicitamente conectados por
meio de um marcador de digressão. Portanto, para que vários segmentos textuais com
diferentes tópicos discursivos possam, mesmo assim, preencher o requisito de relevância,
eles devem ser relacionados por um hipertópico discursivo subjacente em termos de
95
”aboutness” (ser sobre algo); contudo, quando não o orem, poderão ainda ser considerados
coerentes se fizerem uso de um conector explícito para marcar a digressão. Cabe lembrar,
porém, que, na linguagem oral, nem sempre esses marcadores ocorrem. Na linguagem
escrita jornalística, as digressões são comumente destacadas sob a forma de quadros com
comentários e informações paralelas a que se remete no corpo da reportagem. Nesta, eles
representariam digressões se seu conteúdo fosse encaixado no continuum do texto nos
pontos em que se lhes faz referência.
Para muitos autores, hoje em dia, a noção de tópico discursivo é crucial para a compreensão
da coerência textual.
Nos exemplos (36) a (38), temos casos de digressão. Em (36) um texto acadêmico em que a
digressão se evidencia pelos marcadores ”É interessante lembrar” e ”Voltando ao estudo do
humor”. Em (37) temos um texto oral em que a falante insere uma explicação sobre a
função de sua auxiliar, retornando em seguida à especificação dos elementos que
constituem suas tarefas. A unica marca dessa digressão é o ”aliás”, que todavia não
explicita o fato de que a explicação seja uma digressão. Em (38), temos um exemplo
literário bastante interessante: o narrador conta o diálogo entre os dois per-
96
sonagens e a digressão introduzida na conversa por um deles é assinalada pelo narrador através de
”perguntou, por desconversa” e ”E logo tornava a falar no de antes---. Neste caso fica evidente que a
digressão ocorreu por uma tentativa de mudança de tópico não aceita pelo interlocutor, mas a causa das
digressões e seus tipos não é nosso objetivo aqui e não nos estenderemos sobre isto. Os exemplos visam
apenas mostrar casos em que digressões não perturbaram a coerência dos textos.
(36) Quanto aos estudos sobre o humor sabe-se que, embora não houvesse pesquisa sobre o humor, ele é
objeto de teorias desde Platão até nossos dias. Aristóteles já dizia que o riso é algo próprio do homem. Isto na
segunda parte de sua Poética onde ele discorre sobre o humor, o riso, a comédia, a arte que nasce dos
”simples”, isto é, do povo. Infelizmente parece que a segunda parte de sua ”Arte Poética”, a que tratava da
comédia, se perdeu. É interessante lembrar que a leitura dessa obra é o motivo que Umberto Eco usou na
composição do seu ”0 Nome da Rosa”,. onde toda a trama ocorre pela proibição de ler algo que falava do riso,
algo que não era de Deus, mas do demôtiio. Voltando ao estudo do humor, registramos a opinião de Raskin
(1987 e 1987a) para quem somente na última década é que a pesquisa sobre humor tem se desenvolvido
satisfatoriamente. Para ele, antes de FREUD não se pode falar em pesquisas sobre o humor, mas apenas de
alguma coisa que muitos grandes disseram de permeio com outras coisas1 mas que, sem dúvida, se tornaram
sementes da pesquisa atual.
(TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O que faz quem rir. O humor brasileiro na televisão. Texto inédito, 1988, 106
pp.)
9,7
(37) Doe. seus filhos estão com que idade H.? L2 com três e cinco anos
285 Doe. eles têm noção de ho::ras ... noção de:: horário?
1
1-2 olha nós( ), . . ( )têm:.noção de horário ... porque eh eles. . . lá lá em casa é tudo em
função de horário ...
L2 exatamente se eles têm noção de tempo. . . mas eles têm noção de horário que tudo tem hora eles têm
noção de atrasados ou
295 não atrasados «risos» ( )
1 isso se a mãe buZIna ... mais brabamente então é porque está atrasado
1
1,2 e tenho que me vestir... porque ambos são pequenos ... então eles não aceitam muito a pajem né para
éh:: ... aliás não é pajem pajem é arrumadeira mas
305 Li ( )
1
12 quer dizer não é só não vive em. função
310 a (mamãe) que faça né? então sou eu que:. tenho que ir fazer et cetera et cetera... depois o café:: em
casa o café é muito demorado. . . muito complicado quer dizer então até eles comerem todas as coisas que f
azem... parte do café eles demo::rani um briga com o outro a divisão tem que
315 ser ABsolutamente exata. . . porque se urn tiver mais do que o outro sai um monte de briga na
realidade não acabam tomando tudo não comendo tudo que tem
LI (e eles tem)
L2 basta ser igual... pode sobrar tudo mas a divisão tem que ser igual,
(Inquérito n.o 360, Projeto NRC/SP in CASTILHO, Ataliba Teixeira de e PRETI, Dino. A linguagem Jalada
culta na cidade de São Paulo. Vol. II: Diálogos entre dois informantes, São Paulo, T. A. Queiroz/FAPESP,
1987. pp. 143 e 144.)
Canuto - a cara avermelhada, em quadro na cisgola branca, de fino trançado, e enfeitada até com anéis que de
distância vigiava-os, como que sério de ciúme.
0 Pernambo entoara, pouco adiante, uma trova de três versos. Aquele resfriado rendia longe, seguindo os
todos volteios da vereda. Mas, Delmiro, o que ele queria mesmo era falar de si, seus projetos, de sua raiva de
não poder prosperar, de ter de remar como pobre vaqueiro. - ”Sabe, meu pai foi boíadeiro de renome, e meu
avô dono de fazenda, pompeano!” Ele, Delmiro, ainda havia de se fazer, lidava nesse
99
caminho, não baixava o topete por nada nenhum, não se entregava! 0 que carecia era de um começo de
cabedal, para mascatear, revender gados; amouxava, já tinha oito contos-de-réis, a juros, com seu primo
Astórgio, em Arinos. E proteção de gente graúda, isto sim, é que era importante. Ainda esperava mais uns
dois anos, e então ia para outro lugar - pra Mato-Gros ’so, ou, agora se dizia que o melhor era o Paraná, quem
sabe... De nervoso, pegava a fumar, e cotucar dedo no nariz. A mote, perguntando a Lélio: que planos que
tinha? Léfio se atalhava, não estava com disposição para nisso pensar - a vida regulada no estreito o
desconcertava, assustava. Por alguma coisa em Delmiro, a gente podia gostar dele; e já era seu amigo. Mas
fazia mal aquela sua fúria de tenção, o companheiro recordava idéia de um chaleirão que fervesse, e a fervura
fazendo pular a tampa; esse cobiçar, esse ronco interior, de gana encorrentada, chega cheirava a breu, secava
os espíritos d a gente, dava até sede.
- ”E o J’sé jórjo?” - perguntou, por desconversa. - Bugre, de diabo. . . ” ”- E o Placidino?” ”- Ara, coitado.
Idiota. . . ” Delmiro respondia abrutado, como se estivesse dando soco no amigo. Agora, quando se esquentara
naqueles pensamentos, parecia tomar raiva de todo o mundo. Mas falava assim sem principal, zangado no
instante, por Léfio ter tapado seus assuntos. Tanto, que, voltando rastro, emendava:
- ”J’sé-Jórjo é companheiro correto, homem que já achou os desgostos da vida ... Placidino também é bom
rapaz, nunca fez mal a ninguém. . . ” E logo tornava a falar no de antes. Que o perigo era a gente se embeiçar
por uma mocinha sertaneja, surgir casamento, um se prendendo e inutilizando para todo o resto da vida.
Casar, só com uma fazendeira viúva, uma viúva ainda bem conservada. Mesmo ali no Gerais a gente
campeava algumas, que valer valiam. Aí era o que Léfio também devia de ter em cautela: na-
moro com moça pobre, filha de vaqueira, era ameaça de aleijão... E ali tinha, por dizer? - Léfio perguntava.
Ah, bonitas, em alguma condição, tinha só três: Maffinha e Biluca, filhas de Lorindão; e Manuela irmã de
Maria Júlia, mulher de Soussouza. Com essas, então, ele carecia de medir cuidado! Menos com a Biluca, já
noiva do Marçal, filho do Aristó, e vaqueiro também, que agora estava no retiro do São-Bento, porque depois
de casados eles dois queriam morar lá, e nas horas de folga ele mesmo ia levantando sua casinha. O Marçal
era o melhor de todos, alegre e sincero, Léfio ia ver. . .
(ROSA, João Guimarães. No Urubuquaquá, no Pinhém [Corpo de Baile]. Rio de janeiro, Livraria José
Olympio Editora, 1978, pp. 145 e 146.)
101
CONCLUSÃO
Como se pode perceber, propusemos aqui um modelo de coerência textual que envolve
todos os fatores que, de alguma forma, afetam o sentido que os usuários constroem no/a
partir do texto. A coerência é vista, pois, como um princípio de interpretabilidade do texto,
num processo cooperativo entre produtor e receptor. Daí decorre a estrita correlação entre
os fenômenos da coerência e da compreensão: ocorrendo, na interação texto-usuários, a
construção de um sentido (ou de uma continuidade de sentidos na conversação ou em textos
mais longos), haverá compreensão. Do contrário, por mais organizado que esteja o texto
do ponto de vista estritamente lingüístico, a compreensão não se dará e, para o receptor,
ele se apresentará como destituído de coerência. Ao contrário da coerência que, como
vimos, depende de uma intrincada rede de fatores de ordem lingüística, semântica,
cognitiva, pragmática e interacional, a compreensão é apenas um processo cognitivo.
102
Conhecimento lingüístico
Conhecimento de mundo
Conhecimento partilhado
Inferências
Fatores pragmáticos
Situacional idade
Intencional idade
Aceitabilidade
Informatividade
Focalização
Intertextua 1 idade
Relevância
1) diagrama (pág. 103) permite visualizar o modelo de coerência aqui proposto (é
importante observar que as setas são bidirecionais sugerindo a inter-relação entre todos
os fatores).
Gostaríamos de lembrar, ainda, que todas estas colocações sobre a coerência e seu
estabelecimento têm implicações profundas no trabalho pedagógico com a produção e
compreensão de textos. Não vamos nos estender aqui sobre esta questão; todavia,
gostaríamos de observar que, uma vez que se propõe que não existe o texto incoerente em
si, mas apenas que o texto pode ser incoerente para alguem em determinada situação de
comunicação, o professor deve trabalhar a produção e a compreensão de textos buscando
sempre deixar muito claro em que situação discursiva o texto a ser produzido (como
também o texto a ser compreendido) deve ser encaixado. A avaliação que se fará, então,
terá por parâmetro todos os elementos de adequação a esta situação e não a uma situação
que estava de forma vaga na mente do professor, mas que ele não explicitou com e para os
seus alunos.
Para concluir, talvez pudéssemos dizer que o estudo da coerência é o estudo da própria
competência textual; ou, talvez, que este estudo pode levar a uma teoria do sentido do
texto.
104
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VO S E CONTRASTES
Em Pulcine111 OrlaRdi, Eduardo Gulrnaràes, Fernando ’
Vozes e contrastes trata de relações entre discurso rural e urbano. Os conceitos rural e urbano correspondem a usos que se
ligam a um imaginário que tem de específico o fato de ser constituído na história de uma formação social que institui
relações distintas em suas práticas de linguagem e que resultam na separação dessas duas ordens, a urbana e a rural. Em
outras palavras, faz parte do imaginário de nossa formação social a distinção entre o urbano e o rural. A essa distinção
inscrita em nosso social se ligam os efeitos de sentidos constitutivos dessa diferença discursiva.
A partir dessas considerações, podemos dizer que não há separação estanque entre discurso urbano e discurso rural. A fala
do agricultor não está separada categoricamente da fala do cientista. Em uma está a outra. A questão é que elas se
articulam por confrontos, por exclusões mútuas, por alianças. E aí se define o modo de relação entre elas, como parte
constitutiva da política agrária, da produção, com suas inúmeras consequencias, das quais não podemos deixar de
enfatizar a sua forma histórica, a da dorninância do urbano sobre o rural. Forma essa, portanto, que não é de princípio (-
natural-) mas é um efeito de sentido produzido em um contexto histórico social específico, como o nosso.
CORTEZ EDITORP
A TEVE E A CR1ANÇ,k QUE TE VE
ANA LúCIA M. DE REZENDE NAURO BORGES DE REZENDE
0 espetáculo televisivo deve permitir ao telespectador a evasão, o êxtase diante do belo, instantes de extrema
felicidade. Mas é preciso que permaneça aberto o caminho de volta ao real. O espetáculo não pode ser a ruptura
espaço-temporal, a ilha purificada da esquizofrenia. Evasão, identificação, catarse, são momentos importantes da
vida do ser humano, mas a relação real-imaginário não pode ser perdida sem o risco da alienação. A dialética entre
o real e imaginário, entre o contemplar e o agir, entre extasiar e problematizar, abre grandes possibilidades na
relação telespectador-tevê.
Independentemente das críticas que são feitas à tevê, muitas das quais partilhadas por nós, a tevê aí está. Diante
dela a criança, de olhos atentos, com suas perguntas silenciosas, a receber indiscriminadamente estímulos indiciais,
entretenimento fácil em vez de envolvimento - testemunha emudecida do ato locutório.
Essas constatações do dia-a-dia foram estímulos para esta nossa proposta de intervenção. Consideramos que há
uma significativa parcela de responsabilidade do adulto ao delegar à tevê a companhia e atençãe, às crianças.
Por outro lado, não é sensato ig,norar a presença da tevê na educação das crianças. Esse
poderoso instrumento do currículo paralelo poderia, talvez, integrar as atividades escolares,
desde que a escola refletisse sobre sua obsolescência como veículo de informação e
passasse a ver na tevê, não uma ameaça, mas sim, um recurso.