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Castro Alves
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A Saga
do
Pau-Brasil
3
A
Prof. Diana Elizabeth,
cúmplice, crítica, personagem.
Maria Vitória, José Francisco (Chico) e Ana Laura,
- 500 anos depois do descobrimento, ainda sentem pelo
Brasil a mesma fé e o fascínio dos descobridores.
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Welington Almeida Pinto
A Saga
do
Pau-Brasil
História, Monopólio & Devastação
Edições Brasileiras
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DO MESMO AUTOR
Coleção Infantil Vitória Régia - Livros: A Águia e o Coelho, Clin-Clin, o Beija-Flor Mágico,
Tufi, o Elefante Equilibrista, Seu Coelhino, em Viagem ao Sol, O Gato-do-Mato e
o Preá e A Caçada - Edita/1973
Malta, o Peixinho-Voador no São Chico - Edita/1976
Flicts - adaptação do livro Flicts, de Ziraldo, para o Teatro/1972.
O Pequeno Príncipe - adaptação do livro O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint
Exupery para o Teatro/1974
História do Brasil, em Aula Viva - adaptação de temas históricos para o Teatro
aplicados em sala de aula - Edita/1978
A Cela - Obra para Teatro de Arena - Pscodrama - Helbra/1971
Poesia - Antologia Poética - Edita/1980
Dicionário Geográfico e Histórico do Estado de Minas Gerais - Edita/1983
Dicionário Geográfico e Histórico do Estado de São Paulo - Edita/1984
Condomínio e suas Leis - Edições Brasileiras/1993
Licitações e Contratações Administrativas - Edições Brasileiras/1993
A Empregada Doméstica e suas Leis - Edições Brasileiras/1994
Lei do Inquilinato - Edições Brasileiras/1994
Assédio Sexual no Local de Trabalho - Edições Brasileiras/1996
Santos-Dumont - No Coração da Humanidade - Edições Brasileiras/1998
O Autor
Mapa do Brasil, reproduzido do atlas dos Reinel. Índios cortando e transportando Pau-Brasil.
- Pau-Brasil? Nunca vi um, Professora.
- E Você, Maria Vitória?
- Só ouvi falar. Sei mais que a Ana Laura!
- E Você, Chico?
- Também já ouvi falar... Vi uma foto numa revista... Jornal... Que é
bonita, posso garantir, Dona Diana.
A Professora:
- Levante a mão quem mais conhece ou já ouviu falar, viu fotografia, da
árvore que é símbolo natural brasileiro.
- Direita ou esquerda? – brinca Maria Vitória.
- Só porque está com o braço na tipóia, aparecida! – caçoa Joana, no
fundo da sala.
Chico, sempre gozador:
- Taí, gostei do aparecida... Só porque quebrou esse braço, fica
levantando, na maior vantagem... Essas meninas, Dona Diana.
Maria Vitória pôs a língua para o colega, a Professora interfere:
- Chega de braço quebrado e de tipóia... Aposto que a Maria Vitória
não quebrou o braço porque quis... Pelo jeito, mais da metade não ouviu
falar e nem viu nossa árvore famosa. Isso mesmo, e nem uma, nem um de
Vocês pode ter culpa nisso. Pau-Brasil quase foi extinto em terras
brasileiras...
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Depois dessa conversa de fim de aula, no Colégio Santos-Dumont, a
Professora Diana combina com a classe dar um passeio até o Jardim
Botânico e conhecer de perto, ao vivo e a cores, um exemplar de Pau-
Brasil. Para os jovens, nada melhor: uma saída do comum das aulas
entusiasma a todos. Motivação melhor? A árvore famosa ia favorecer
uma boa escapada da floresta de pedra da cidade grande.
No dia combinado, lá vão todos contentes, inclusive o motorista do
ônibus, o Tatão, um gorducho de queixo mole e cara arredondada, que
adora passar a manhã longe do trânsito agitado e admirar a Natureza,
principalmente uns passarinhos também raros, uma paixão de seus tempos
de menino no Interior:
- Ô Dona Diana, a senhora é fogo com essas idéias.
Mal o especial estaciona em frente ao portão principal do Jardim
Botânico, os estudantes, um mais assanhado que o outro, se debruçam
nas janelas ou se levantam das poltronas para o corredor para descer o
mais depressa.
- Já posso abrir a porta, Dona Diana? – pergunta o Tatão, cuidadoso.
A Professora, de pé junto à porta do ônibus, balança a cabeça,
concordando:
- Só um minuto. Hei!... Hei!... Sem baderna, Pessoal! Sairemos em
fila, bem comportados.
Os meninos, um a um, descem, falando e rindo. Acham graça em tudo.
Na entrada, orientados pelo Porteiro Juraci da Silva, um moreno
troncudo, cara de índio e voz grossa, os meninos vão para a varanda do
prédio da administração, onde aguardam o Diretor do Parque.
Manhã agradável, céu limpo e muito azul; poucas nuvens passeiam nas
alturas. A vegetação desafiava a cidade, descia pelo Parque em camadas
de glorioso verde. E nas árvores ao redor os passarinhos coloridos
cantavam em galhos, ou cruzavam o ar em vôos rápidos de um lado para
outro.
De repente, a voz rouca de um papagaio invade a varanda:
- Ô Felício! Ô Felício! Currupaco-papaco. Ô Esmaragdo!
Todos olham para cima, procurando o dono da estranha voz. Onde?
Os mais danadinhos ameaçam correr para fora do alpendre, imaginando
que o papagaio só podia estar no telhado. Chico sugere, metido a entender
de papagaio:
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- Podemos pedir uma escada e subir para procurar o bichinho no meio
daquela folhagem no beiral da varanda.
Genial a idéia. Um alvoroço, um empolgamento; querem dar palpite.
Nisso, sem ninguém imaginar, um homem aparece na porta da varanda e
interrompe a algazarra:
- Tchã, tchã, tchã, tchã... Aqui estou eu, Cambada!
Num pulo, os meninos recuam um passo; se embolam. O estranho
homem solta uma sonora gargalhada e pergunta:
- Nunca me viram?
Ninguém responde. Todos embasbacados, olhos arregalados de
espanto e curiosidade.
- Meus Senhores! Minhas Senhoras! Sou o Felício Esmaragdo
Valverde, o Professor Felício, se preferem. Vieram visitar o Jardim ou
aprender mais alguma coisa sobre Botânica, aposto! Fiquem à vontade,
por favor, Professora...
Aliviada pelo susto, sorrindo, aperta a mão do Professor e diz:
- Ambas as coisas. Meu nome é Diana; estes são meus alunos,
conforme telefonei. Vamos cumprimentar o Professor Felício Esma...
- ... ragdo Valverde, Dona Diana, meu nome completo.
- Bom dia, Professor! – gritam em coro, com as mãos na boca,
despistando uma risada pela novidade inesperada da situação.
- Bem vindos ao Jardim das Plantas.
Ana Laura, já descontraída, quer saber:
- Professor, ouvimos um papagaio tagarela por aí. Podemos ver o
bichinho? Se é mesmo papagaio...
- Papagaio, aqui! Não é possível, Professora. Mas pode ser!... No
Brasil, toda reserva florestal, por menor que seja, deve ter papagaio, que
também simboliza esta terra...
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A resposta do Diretor deixa o grupo encafifado. Entreolham-se,
tentando entender a situação.
A Professora intercede:
- Vamos esquecer por enquanto essa história de papagaio. Estamos
aqui para conhecer a árvore que deu nome ao nosso País. E para o
Professor: - Sabemos que o senhor é botânico, ambientalista e especialista
no assunto...
Felício percebe a inquietação geral e tenta acalmar o clima:
- Meu trabalho é uma obrigação e um prazer, aqui entre a Natureza.
Muito bem, Garotada! Será que existe mesmo um papagaio aqui? Eu
bem que desconfiava! Ouvi também voz de papagaio chamar meu nome
por aí, mas ando tão entretido lendo um livro sobre vegetação brasileira
que até nem prestei muito atenção... Bem, se existe um papagaio mesmo
aí fora, vai ter que aparecer. Quem é vivo sempre aparece, diz o ditado.
Aliás, este ambiente não pode ser melhor para um papagaio morar. Vai
ver, fugiu dalgum cativeiro. O Jardim ainda não tem papagaio, a ave-
símbolo do Brasil. Estamos providenciando um casal para povoar este
pedaço... E também outras aves nacionais. Canários e sabiás já temos.
Virão também jandaias e uns periquitos, o nosso pequeno e simpático
tuim. Numa próxima visita, Vocês verão psitacídeos por todos os lados.
Nosso pequeno paraíso vai ficar ainda mais bonito.
Maria Vitória, ainda um tanto confusa, insiste:
- Então pode existir mesmo um papagaio solto aqui?
Sem garantir nem que sim, nem que não, o Professor dá uma boa
risada, que, para os alunos, soa com uma confissão. Felizes, se cutucam,
com rizinhos de satisfação curiosa.
- Muito bem, vamos deixar esse papagaio falador para o final da
história. Até lá, já mostrou a cara, quero dizer, o bico. Qual é mesmo o
nome da árvore que vieram conhecer?
- Pau-Brasil! - gritam na maior euforia.
O Diretor ajeita a calça jeens, sempre escorregando para baixo da
barriga avantajada. Vira o rosto em direção ao fundo do Jardim, arregaça
as mangas da camisa e aponta na direção de uma árvore mais distante,
alta e frondosa:
- Aquela bonita e cheia de espinhos é o nosso Pau-Brasil.
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Os alunos levantam os olhos em direção da árvore, que se distinguia
entre outras.
- Olhem: logo ali, eu vi primeiro – grita a Professora cheia de admiração,
mordendo a ponta da caneta.
O Diretor, muito extrovertido, salta para o pátio. Os meninos, agitados,
nem esperam pela Professora e descem atrás do Professor Felício,
correndo, no rumo de uma estradinha de terra batida, toda riscada pelas
rodas das carrocinhas dos zeladores até o pé da grande árvore.
Ainda na varanda, Dona Diana acompanha a felicidade dos alunos,
também alegre e emocionada, aspirando o cheiro bom de mato. E elogia:
- Isto é um paraíso, Professor! E bem no perímetro urbano!
- Ou o que resta dele, nesta selva de concreto armado!
Os dois adultos descem ao encontro dos colegiais bem mais na frente,
e já com estripulias em volta do tronco majestoso da árvore-símbolo do
Brasil, apalpando com cuidado a casca áspera, apanhando folhas caídas
para jogar uns nos outros, como se lançam confetes em bailes de Carnaval.
Outros abrem os braços e rodopiam feito avião, em torno da planta.
Conheciam um típico exemplar de um Pau-Brasil: frondoso, bem
copado, cheio de folhas miúdas e de casca espinhenta; mais grosso do
que um poste de luz e mais de dez metros de altura.
O Professor pede atenção:
- Meninos e Meninas, hoje é o Dia da Árvore?
- Não! - respondem uns.
- Dia 5 de junho é o do Meio Ambiente. E o da árvore, qual é mesmo?
– insiste.
- 21 de setembro – afirmam, em coro.
A Professora participa:
- Todo dia é dia de árvore, não é, Pessoal?
E depois de uma nova admirada na árvore em frente:
- Que tal agora todos assentados nesses banquinhos em volta do Pau-
Brasil? O Professor vai-nos contar uma história interessante. Eu estou
morrendo de curiosidade...
- Muito bem. Qual de vocês já tinha visto um pé de Pau-Brasil, assim
tão de perto?
Rodrigo levanta um braço:
- Eu só conhecia de fotografia! Assim é muito mais bonito.
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Daniel, que tinha estado calado, levanta também um braço:
- Só conhecia de gravura, de um livro de meu pai. Ao vivo, é a primeira
vez. Legal!
- Eu também!
- Eu também!
- Eu também!
- Pela importância dessa árvore, meus jovens, ela deve ser plantada
nas ruas, praças e jardins das cidades brasileiras.
- É só querer, não é, Professor Felício? – ajuda um no meio do grupo.
- Ainda tem muito Pau-Prasil em nossas matas? - pergunta, outra vez
o Daniel.
Sorridente, o Professor apalpa o tronco da árvore e começa a história
prometida:
- Está praticamente extinto, e isso tem uma explicação. Desde o
descobrimento do Brasil, europeus ambiciosos, doidos para enriquecer,
viram na extração dessa madeira um meio de conseguir, rápido e fácil,
grandes fortunas.
- E ganharam muita grana? – quis logo saber o Beto, faiscando os
olhos.
- Quem já era rico, mais rico ficou. Naquele tempo, cortaram Pau-
Brasil por toda extensão das terras que iam de Cabo Frio, no Rio de
Janeiro, ao Cabo de São Roque, em Pernambuco; um arraso! Coloriam a
Europa de vermelho com a preciosa árvore. O Governo Brasileiro, hoje,
está preocupado em incentivar o replantio de nossa árvore-símbolo. Já é
um bom princípio, não acham?
Todos concordam, os braços levantados. A Professora Diana repete
os gestos dos meninos.
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A VIAGEM DE CABRAL
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Desenho de J. Wasth Rodrigues
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Depois da cerimônia, cercado pelos seus Capitães, Cabral, emocionado
com os acontecimentos, passeia pelas praias do ilhéu da Coroa Vermelha,
saudando todo mundo, isto é, os marujos que festejavam a posse e os
nativos, curiosos, reunidos na beira do mar, já bastante familiarizados com
os portugueses.
Pedro Álvares Cabral fica impressionado com a densa floresta logo na
sua frente: árvores colossais, tão grandes de alcançar as nuvens. E muito
mais alegre ao ver a imensa quantidade de Pau-Brasil, destacando-se na
mata, ao longo da orla marítima.
- Os Tupiniquins receberam tão bem assim os portugueses? – Matilde
quer saber, quase junto com outros meninos.
- Com festa. Mais ou menos assim: os mais jovens cercam Cabral por
todos os lados, deslumbrados com sua vistosa vestimenta. Mães índias,
cheias de curiosidade, vão e vêm com seus filhos escanchados na cintura;
riem de tudo, com pureza. Os mais velhos, ainda desconfiados com a
novidade, permanecem meio afastados, observando a chegada dos
estrangeiros. E os meninos, estes mais alegres com a movimentação e, já
bem entrosados com os brancos, promovem macaquices na areia da praia,
tentando chamar a atenção dos adultos.
- E Cabral foi mesmo legal com os índios? – pergunta Rafael.
- Adorou o bom entrosamento entre os gentios e a sua tripulação.
Pedrálvares cumpria as recomendações de D. Munuel I: fazer amizade
com os povos, estabelecer com eles relações de comércio e, se for o
caso, covertê-los à fé cristã.
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Querendo agradar, procura logo um jeito de retribuir a recepção e
pede ao ex-Bobo da Corte, o Marinheiro José Esperto, também conhecido
pela alcunha de Zé Bom de Pé, para fazer uma apresentação, isto é, dar
um show, e divertir ainda mais aquela gente. Aí, o moço, que de bobo não
tinha nada, esperto até no nome, abre uma roda no meio das pessoas e
começa a palhaçada: levanta-se sobre as pernas arqueadas e se lança em
uma série de figuras acrobáticas, cada uma mais engraçada do que a outra,
numa flexibilidade física e cênica fenomenal. Salta de frente, salta de costas,
gira no ar. Com as mãos no chão, corre de pernas para cima. Dá cambotas.
Saltos mortais. Faz careta. Apronta. Depois de tanta estripulia, o
Marinheiro, ainda consegue fôlego para pegar uma gaita de foles, tocar
músicas alegres e dançar; inspirado na ginga da capoeira africana, introduzia
até elementos de angola na coreografia. Um espetáculo e tanto, onde só
faltou mesmo o berimbau.
A Professora ressalta:
- Esse João Esperto devia, lógico, como um bom Bobo-da-Corte,
parecer muito engraçado mesmo. Tão ágil e espirituoso que rapidamente
conquistou a atenção e admiração dos silvícolas e até dos marinheiros,
acostumados com suas macaqueações.
- Os índios, também caíram na farra? – mostra-se curioso, o Mateus.
- Aposto que sim! - adianta a menina Rita de Cássia, com ar de
sabichona.
- E como!... Os índios assistiam tudo, hipnotizados. Observavam o
espetáculo com um encantamento que crescia à medida que o Zé Bom de
Pé encadeava cambalhota após cambalhota. Cada um mais contagiado
do que o outro, dançava a seu modo ou arremedava gestos dos brancos.
E imitando Cabral, Felício Esmaragdo segue com a narrativa:
- Santos Anjos!... Nessa colônia dinheiro dá em árvores, ou melhor,
no sulco bendito, colorido e afortunado dos seus troncos. Sua Majestade,
D. Manuel I, precisa ser muito bem informado de tanta riqueza, ora, pois-
pois!
Os meninos começam a rir com a remedação lingüística do sotaque
português, representado pelo Professor, já um artista para os ouvintes,
agora bem mais descontraídos:
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- O Jovem Cabral, Alcaide-Mor de Azurara e Senhor de Belmonte,
assim também chamado, vibra com tudo. Logo despacha importante
ordem a Caminha, escrivão que entrou para nossa História por causa de
uma carta: - Escrivão Pero Vaz de Caminha, cesse tudo que está aí a
descrever dessa festa e prepare uma descrição especial, em carta ao nosso
rei; diz que tudo anda certo no achamento das novas terras e que, nessa
região santificada pela fantástica natureza, existe em abundância a planta
que dará muita riqueza ao Reino de Portugal. É o Pau-Brasil, Pero Vaz, é
a madeira de afortunadas qualidades. Estamos feitos!
Cabral convoca alguns ajudantes, e impõe:
- Tragam os machados mais afiados e derrubem quantas boas árvores
de Pau-Brasil puderem. Quero todas viçosas e sadias, dignas de um
monarca português. Enviarei tudo, já, já, a Lisboa! A Europa mais uma
vez cairá aos pés dos domínios lusitanos, ora pois!
Risos gerais.
Felício Esmaragdo Valverde aprecia a própria versatilidade e dá outra
de artista, arremedando de novo o Almirante Português, no sotaque e nos
gestos. Com a mão direita, assim, na altura do peito, posudo, importante,
fala mais grosso e ordena:
- Capitão Gaspar de Lemos, tão logo o Escrivão Caminha termine a
Carta ao rei, prepare sua nau e faça velas ao mar; retorne a Portugal com
boa quantidade de troncos de Pau-Brasil; D. Manuel vai adorar receber
nossa encomenda. Que os ventos lhe sejam constantes!
O Professor faz uma pausa e continua:
- Aí, meus jovens, ruídos estranhos dentro da floresta chamam a atenção
de Cabral e de seus comandados; barulhos muito esquisitos. Admirados,
reparam ao longo daquele imenso tapete verde. Cabral leva o dedo
indicador aos lábios e pára para observar melhor e escutar uns guaribas,
uns macacos, trançando de galho em galho, no alto das árvores, no maior
alvoroço. Terra mais estranha! Pensou, com toda certeza.
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Neusa ergue a mão:
- Pelo entusiasmo de Cabral, o Pau-Brasil só existia aqui!...
- Que nada! Documentos registram que uma espécie semelhante, a
Casealpinia sappan, nativa da Sumatra, já era industrializada na Ásia há
muito tempo, desde o século XI. O produto chegava a preço de ouro ao
mercado europeu, vindo principalmente do Egito e da Turquia, através
dos comerciantes venezianos e genoveses, habitantes de cidades hoje da
Itália, que eram os melhores navegadores do mar Mediterrâneo. Cabral
tanto conhecia a famosa e procurada Madeira de Tingir (Caesalpinia
echinata, este o seu nome científico de uma das espécies encontradas no
Brasil), que mal põe as botas na areia da praia já vai de olho nas árvores
de Pau-Brasil, logo na sua frente. Imaginem Vocês como ficaram os olhos
cobiçosos do Capitão-Mor com o achado...
Marco Antônio aproveita a deixa e brinca:
- Cabral não quis mandar também umas belas moças índias para
Portugal?
- Menino esperto! Cabral não achou prudente enviar índios entre as
amostras da nova terra. Mandou apenas arcos, flechas, enfeites, papagaios
de várias cores e muitas toras da madeira vermelha, o cobiçado pau-de-
tinta. Quanto mais nativo ficasse para ajudar na derrubada da preciosidade,
melhor, maior o lucro, deve ter concluído fácil o Capitão.
César, até então calado, indaga:
- Quantos dias Cabral ficou no Brasil?
- Dez dias, meu Caro. Tempo suficiente para tomar posse do território
achado, descoberto, como queira; recolher amostras da nova terra, mandar
rezar duas missas, como de costume e impressionar os índios, já caindo
de amores pelas gentilezas dos chegantes.
- Pelo menos por enquanto!... - critica Ana Laura, cada vez mais ativa.
- Os índios levam a pior, desde aquele dia... – interfere a Professora. -
Os europeus chegaram como os legítimos donos da terra, sem respeitar
os direitos dos povos que viviam aqui há séculos.
- A Professora tem razão. Mas... Só para encerrar esse capítulo: no
sábado, pela manhã, a frota de Cabral parte para as Índias. E a nau de
Gonçalo, abarrotada de Pau-Brasil, volta para Portugal.
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- Professor, – pergunta Tijuca balançando o braço – a frota de Cabral
tinha mesmo os melhores navios daquele tempo?
- O que havia de mais moderno, ou melhor, a síntese da mais alta
tecnologia existente na época. As caravelas eram consideradas as
embarcações mais sofisticadas disponíveis no mercado; o ônibus espacial
da era dos descobrimentos.
Elevação da Cruz. Detalhe do quadro do pintor Pedro José Pinto Perez. Museu
Nacional de Belas-Artes - RJ.
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A FESTA DO PAU-BRASIL
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Rugendas - Foz do Rio Cachoeira - Prancha 26
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O PAÍS DAS MARAVILHAS
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O ARRENDAMENTO
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SUOR E SANGUE TUPI
Pausa na narrativa.
No galho alto de um Jacarandá, um Canário-da-Terra, o nosso popular
Chapinha, ou Cabecinha-de-Fogo, como é chamado em diferentes regiões
do Brasil, quebra o silêncio momentâneo com o estalar seu canto cheio de
alegria. E quase oculto entre as folhas de uma Cerejeira, ouvia-se, em
dueto com o canário, o lamento de um Sabiá-Laranjeira; enquanto um
beija-flor cruza o espaço aberto e se aproxima de um cacho de banana
em formação para dividir o mel da flor da bananeira com um bando de
pequenas abelhas.
Todos param um instante, distraídos, voltados para cima, ao derredor,
procurando descobrir em que galho cantavam o Chapinha e o Sabiá,
tentando acompanhar a agilidade do Beija-Flor que girava em volta de
mais flores, numa parceria harmoniosa com as abelhas.
- Professor!... – Tiago levanta o dedo.
- Pode perguntar.
- Será que Cabral ouviu aqui o canto de um Chapinha?
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- Com certeza. Tanto do Cabecinha-de-fogo, como do sabiá, do
pintassilgo, de tantos outros pássaros que encantam pelo canto e pela
plumagem. Escutem o que o Comandante Américo Vespúcio disse da
fauna alada brasileira: ... pássaros de diversas formas, e cores, e tantos
papagaios que era deslumbrante; alguns corados como carmim, outros
verdes e cor de limão e outros negros, e encarnados, e o canto dos
pássaros que estavam nas árvores era coisa tão suave, e de tanta
melodia, que nos acontece muitas vezes estarmos parados pela doçura
deles. E a mata é de tanta beleza e suavidade que pensamos estar no
Paraíso Terrestre.
Em seguinda, o Botânico convida outra vez a Professora para substituí-
lo na palestra. Ela concorda e começa falando da exploração do índio
pelo branco:
- Para o europeu os selvagens tinham parentesco com os monstros
medievais; andavam nus e cultivavam hábitos estranhos, portanto,
considerava-se superior, com direito sobre a terra, à liberdade e a própria
vida do índio. Partindo deste princípio, os exploradores brancos utilizaram
os silvícolas para cortar e carregar o Pau-Brasil para seus navios, em
troca de pequenos objetos que mal valiam um vintém!
Jaqueline pede mais explicação:
- Desculpe! Não entendi direito...
- Como o nosso litoral era habitado por tribos indígenas de boa índole,
pacíficos e dóceis, fazer escambo com essa gente foi moleza. Ainda mais
que as ferramentas européias eram de grande serventia ao índio na luta
que travava com a Natureza pela sua sobrevivência.
- Escambo!...
- Escambo, meu Caro Chico, era a maneira de realizar uma troca de
um produto por outro, entre pessoas interessadas, sem envolvimento de
dinheiro. Os índios davam Pau-Brasil aos europeus; em troca, recebiam
quinquilharias ou ferramentas, coisas de pouco valor monetário.
- Então, o europeu era fera na tapeação dos índios! - debocha
Marildinha.
A expressão do rosto da Professora muda rapidamente. Alisa com as
palmas das mãos a frente da blusa, e censura:
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- Uma judiação! Os nativos eram ignorantes, limitados às suas aldeias.
Inocentes que nem crianças ficavam até zonzos diante de tantos objetos
desconhecidos. Tudo era novidade: espelho, pente, guizo, colar de
miçangas; ferramentas, como machado e faca, necessários para a própria
obtenção da madeira para o branco; foices, enxadas, cunhas de ferro,
tesouras, panelas, anzóis, tambor, sininho, pedaços de tecido, gorro
vermelho. Por qualquer um desses objetos, um índio era capaz de dispor
tudo que possuía, ou trabalhar duro de sol a sol para o branco, em troca
de um presentinho de nada.
- Poxa, Pessoal, sinto até um frio por dentro...
- Dose acreditar, Maria Vitória Aparecida...
- Maria Vitória Ferreira Pinto, seu Chico Decoreba, e nem levantei o
braço quebrado, desta vez.
- Mas os índios aceitavam tudo numa boa, Professora?
- Para eles, Marisa, uns meninos, era uma festa... A maioria das tribos
trabalhava com satisfação para o europeu invasor. Ainda mais cortando
Pau-Brasil com machado de ferro! Comemoravam o fim da idade da
pedra.
Ana Laura zomba:
- Engabelavam os coitados com coisinhas iguais aos mixurucos presentes
das nossas lojas de 1,99!
- E até menos...
Hunnnnssss gerais.
- Coitados, Dona Diana! Essa exploração deve ter sido a parte mais
amarga da história – conclui Renata, inconformada.
Ana Laura sente um frio por dentro. Pensa no sofrimento dos índios.
Mas fica calada.
Cidinha levanta uma dúvida:
- Professora: se os índios não falavam a língua dos brancos, como
entendiam e obedeciam as ordens dos exploradores?
- O homem civilizado, quando esperto, arruma sempre um jeito para
garantir suas vantagens, levar o seu lucro com o mínimo de gasto e quase
nenhum trabalho pessoal. No princípio, fazendo gestos; depois,
aprendendo a linguagem dos indígenas e também ensinando a eles palavras
de ordem, em sua língua. Não era difícil.
- Como que um nativo escolhia o objeto de seu agrado?
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- Filipe, os brancos empregavam uma tática infalível: expunham os
produtos na beira da praia. Coisinhas bem vistosas, brilhantes, coloridas!
Atraídos, os nativos ficavam boquiabertos diante de tanta bugiganga. Logo,
um interessado apontava com o dedo, mostrando o que desejava. Pulava
e gritava palavras na sua língua, que os exploradores interpretavam como
eu quero isso ou aquilo. Aí, o espertalhão branco fazia o índio entender:
- Muito bem, esse espelho será seu; primeiro, corte dez pés de
Arabutã, o nome do Pau-Brasil em Tupi-Guarani. E mostrava os dedos
das mãos.
O índio escancarava os dentes de alegria. Pegava um machado, cortava
as árvores, trazia a madeira para a Feitoria e ganhava o espelho. Outro
ficava doido por um gorro vermelho, aí o explorador impunha:
- Ótimo... meu Amigo.
- Mui amigo!... – grita um.
- Traga tantos troncos bem aparadinhos de Ibiratinga, outro nome
que os índios davam ao Pau-Brasil. Sempre com gestos de cortar galhos,
carregar nos ombros. E mostrava os dedos das mãos: tantos e tantos
toros.
Um morubixaba, caído de amores por uma campainha, um mero sininho,
que retinia diferente de todos os sons já ouvido, se tornava uma presa
fácil. O explorador abusava:
- Tudo bem. Será seu e mais esta tira de pano vermelho, mas quero o
navio cheio de Muirapiranga, referindo-se ao Pau-Brasil; e dos melhores,
dos mais grossos. Fazia o gesto já conhecido de aparar a árvore. Entendeu?
Índio nenhum reclamava da sorte. Diante de uma mercadoria que
preenchia seus sonhos, não resistia, corria para mato com um machado
bom de corte, mourejava de sol a sol, trazia a madeira e trocava pelo
objeto desejado, ou melhor, sonhado. Não havia sábado, nem domingo
de folga para um índio, depois do descobrimento; a semana toda derrubava
a floresta para algum explorador europeu.
Ana Laura levanta-se como se impelida por uma mola, corada:
- Que gente malvada esses comerciantes brancos, faziam tudo para
enganar os coitadinhos! Não tinha índio bravo no Brasil?
- Para botar para correr aquela corja de exploradores...
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- Índios bravos? Ah, sim, havia. Lógico, mais para o interior do
Continente. Como exemplo os Caetés, que habitavam desde a Ilha de
Itamaracá até as margens do Rio São Francisco. Ferozes, rebeldes e
androfágicos, comedores de carne humana; eram inamansáveis. Defendiam
seu território com bravura; aliás, como os verdadeiros donos da terra;
não aceitavam ser capiturados, reagindo às ameaças dos invasores
estrangeiros. Já os Tupiniquins, os Tamoios, os Tabajaras, os Carijós e
outros que viviam no litoral eram de boa índole, aceitando com facilidade
o entrosamento pacífico e danoso com os europeus.
Maria Vitória lembra:
- O Bispo Sardinha foi devorado pelos Caetés. Confere, Professora?
Sim. Em junho de 1556. Numa viagem para Portugal, seu navio Nossa
Senhora da Ajuda naufragou-se nas costas de Alagoas. O Bispo e outros
marinheiros salvaram-se, mas foram aprisionados e devorados pelos índios
Caetés. Tribos tão selvagens que até o Padre José de Anchieta tinha medo
deles: - eram tribos bárbaras e indômitas, aproximam-se mais à
natureza das feras que à dos homens. Mais tarde foram exterminados
pelo Governador Mem de Sá.
E depois de uma pausa:
- O Comandante Antônio Pigafetta, da frota de Fernão de Magalhães,
escreveu sobre a antropofagia de índios no Brasil: ... comem algumas
vezes carne humana, porém somente a de seus inimigos. Mas não é
por gosto ou apetite que a comem. Não os comem nos campos de
batalhas, nem tampouco vivos. Despedaçam o corpo e repartem entre
os vencedores...
- Quantos índios existiam aqui no tempo de Pindorama?
- Boa pergunta, Rita. Antes de Cabral, supostamente mais de cinco
milhões de aborígines viviam aqui dentro das matas e no litoral. Os primeiros
extintos foram os Tupiniquins, pouco tempo depois da chegada de Cabral.
Por volta de 1570, a tribo já era considerada extinta.
Índios morriam pelos maus tratos, massacres e também pelas doenças
transmitidas pelos brancos, como a varíola, desinteria, tifo, lepra, pneumonia
e outras. A mais devastadora dessas epidemias foi a varíola, cujos sintomas,
de acordo com os gentios num relato ao Frei Bernardino Sahagun, em
1555, eram: ... tosse, grãos ardentes, que queimam... Muitos morreram
com a pegajosa, compacta, dura doença de grãos.
49
De lá para cá desaparecerem aproximadamente 1200 línguas nativas
no Brasil e, com elas, seus povos. Hoje, somando todas a Nações
Indígenas, são menos de trezentos mil índios. Cento e sessenta mil na
região amazônica, falando aproximadamente cento e cinqüenta línguas
distintas. Juntos, mal lotariam três estádios de futebol.
- Puxa!
- Dose!
- Fogo!
Ana Laura ergue um braço e pede para recitar o versinho chamado
Erro de Português. O Professor concorda e ela declama:
Risada geral.
- Ana Laura, parabéns, nota dez – festeja a Professora. E virando-
se para a turma: - Cinco pontos para quem acertar o nome do autor do
poema. Não vale a resposta de Ana Laura.
Alguns abanam os braços, gritando:
- Eu... Eu
- Eu...
- Você – aponta a Professora para Filipe.
- Foi o poeta paulista Oswald de Andrade.
Felício levanta-se do seu banquinho e se dirige à Professora, sorrindo:
- Muito bem!... Muito bem!... Professora Diana, ótima sua explicação.
Ana Laura, boa a lembrança do poeta modernista Oswald de Andrade.
Anote aí... Estudar o Movimento Pau-Brasil, liderado por esse escritor
no Brasil. Parabéns para todos.
- Ótimo que gostou, Diretor. Agora, sua vez de continuar.
50
VIAGENS PELO MAR DO MEDO
55
Interior de uma caravela portuguesa - a parte da ré
Expedição guarda-costas combatendo
(gravura de Roque Gameiro) de Pau-Brasil
o contrabando
56
OS PRIMEIROS BRASILEIROS
58
A CORTE PORTUGUESA ABRE OS OLHOS
Ao Viandante
Tu que passas e ergues para mim o teu braço,
Antes que me faças mal, olha-me bem.
Eu sou o calor de teu lar nas noites frias de inverno,
Eu sou a sombra amiga que tu encontras,
quando caminhas sob o sol de agosto.
E os meus frutos são a frescura apetitosa,
Que te sacia a sede nos caminhos.
Eu sou a trave amiga de tua casa, a tábua da tua mesa,
a cama em que descansas e o lenho de teu barco.
Eu sou o cabo de sua enxada, a porta de tua morada,
A madeira de teu berço e do teu próprio caixão.
Eu sou o pão da bondade, a flor da beleza.
Tu que passas, olha-me bem e não me faças mal.
70
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Para o Professor
Reflexão
Falar com apuro a Língua Vernácula é prestar culto a uma herança
sagrada que recebemos do passado através dos lábios de nossas mães
(Coelho Neto).
Motivação
Educação Ambiental
LEGISLAÇÃO
77
Lendo contos em família. Ilustração de Gustavo Doré (Paris, 1867).
78
Dos Índios...
neste dia os vimos mais de perto e mais
à nossa vontade, por andarmos todos
quase misturados. Ali, alguns andavam
daquelas tinturas quartejados; outros de
metades; outros de tanta feição, como em
panos de armar, e todos com beiços furados,
e muitos com ossos neles, e outros sem
ossos. Traziam alguns deles uns ouriços
verdes, de árvores, que, na cor, queriam
parecer de castanheiros, embora mais e
mais pequenos. E eram aqueles cheios
duns grãos vermelhos pequenos, que,
esmagados entre os dedos, faziam tintura
muito vermelha, de que eles andavam
tintos. E quanto mais se molharam, tanto
mais vermelhos ficavam.
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de Welington Almeida Pinto
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