BIBLIOTECA DE CIENCIAS SOCIAIS

Sociologia
Tom. Bottom.ore

..
SOCIOLOGIA
POLÍTICA
J. 6oe,o/4e)a f>oh-hca.

'l'lldlaflo:
Pnulloo de Alui Pereira
,.

ZAHAR EDITORES
RIO DE JANEIRO
 1 1 1 111111 1111 1111111 1 1 1 111\11 llll
06148/97

Título original: Política/ Sociology fNDICE

Traduzido da primeira edição inglesa

publicada por Hutchinson & Co. (Publishers) Ltd.
de Londres, 1 nglaterra
r-
© 1979by Tom Bottomore Z
uJ
AI/ rights reserved 1 ntrodução 7
<
Direitos reservados.
A reprodução não autorizada
1. Democracia e Classes Sociais 19 u
desta publicação, no todo ou em parte, 2. Movimentos Sociais, Partidos e Ação Política 38
constitui violação do copyright. (Lei n<? 5.988) 3. Tipos de Sistema Político 55
4. Mudança Política e Conflito Político 74
5. A Formação de Novas Nações:
Capa: Marta Strauch Nacionalismo e Desenvolvimento 92
Composição: Zahar Editores S.A. 6. Política Global no Século XX 107

Bibliografia 123

1981
Direitos para a I íngua portuguesa adquiridos por
ZAHAR EDITORES
Caixa Postal 207 (ZC-00) Rio
que se reservam a propriedade desta versão
Impresso no Brasil
 INTRODUÇÃO

A sociologia política interessa-se pelo IJ.Qder em seu contexto social. "Po­

der", aqui, significa a. capacidade que tem um indivíduo QU um grupo
social de seguir um curso de ação (de tomar decisões e executá-las e, de
maneira mais ·ampla, de determinar a agenda para a tomada de decisões),
se preciso contra os interesses e mesmo contra a oposição de outros indiví­
duos e grupos. Com essa afirmação não pretendo dar uma definição com­
pleta e adequada do conceito de poder, mas apenas delinear preliminar­
mente um campo de investigação. Há diversas conceituações de poder, 1
encontradas em cada uma das várias teorias políticas; e no decorrer deste
livro algumas das principais dificuldades conceituais na construção dessas
teorias são examinadas de modo mais completo. Além das questões que
podem surgir com relação à noção central de "poder", há outras referentes
a noções cognatas tais como "autoridade", "influência" e "força" ou
"violência", que deverão também ser exa_minadas no contexto dos esque­
mas teóricos particulares.
1: evidente que poder, no sentido amplo que indiquei, constitui um
elemento na maioria das relações soc1a1s, se não em todas - na familia,
nas associações rei igiosas, nas universidades, nos sindicatos etc.; é im­
portante ter em mente essa visão mais ampla do domínio da investigação
política. No entanto, o objeto principal da sociologia política to,, e deveria
ser, O_ fenômeno do poder ao-;; ÍÇ°�I de��rna SOCledadeÍibrang-�te (seja uma
tribo, �m ·Estado-nação, um império ou qualquer outro tipo), as relações
entre tais sociedades, e os movimentos, organizações e instituições sociais ..

Ver, por exemplo, a discussão em Steven Lukes. Power:a Radical View (Macmil­
lan, 1974).

7
8 sociologia poh'tica
que estão diretamente envolvidos na determinação de tal poder. Pois é
nessa esfera que o poder aparece em sua forma mais pura, mais caracterís­
tica, e é apenas a partir dessa posição vantajosa que suas manifestações
em outras esferas e sob outras formas podem ser apropriadamente com­
preendidas.
Na minha opinião, é impossível es-::abelecer qualquer distinçã,q tt!Ó·.
r_[ça importante, entrê'1§:çl9Tõ,9iiC,e.olíi@L��ÊT[��?,!a.,J>,8Et}�!1_· No máximo,
podem existir diferenças resultantes de preocupaçoes trad1c1ona1s ou de
urna divisão conveniente do trabalho; por exemplo, o interesse particular
que os cientistas .Q.QJítiEQS têm demonstrado com relação àquilo que pode
ser chamado de "as engrenagens do governo" - o aparelho e os processos
de legislação, administração e regulamentação legal -, consideradas, até
certo ponto, isoladaQlente do contexto social e tratadas de maneira prin­
cipalmente descritiv1' Por outro lado, pode-se argumentar que a moderna
ciência política (isto é, algo indistinguível da sociologia política) deve seu
desenvolvimento característico, a partir do século XVIII, ao estabelecimen­
to de urna distinção clara entre o "político" e o "social", à constituição
da "sociedade" corno um objeto de investigação sistemática e à conseqüen­
te reflexão sobre as relações entre a vida política e a vida social. 2 í
Essa distinção foi originalmente formulada ao se contrastar a "socie­
dade civil" com o "Estado" e exposta de diversas maneiras nas obras dos
enciclopedistas e de Saint-Simon, nos estudos de filósofos e historiadores
escoceses (sobretudo no Essav on the H_istory of Civil Society, de Adam
Ferguson) e nos escritos de Hegel sobre a filosofia do Direito e do Estado.
Subseqüentemente, encontrou urna expressão clássica na afirmação de
Marx do princípio subjacente de sua teoria social:
Fui levado por meus estudos à conclusão de que tanto as relações
legais quanto as formas de Estado não podem ser compreendidas
em s1 mesmas nem explicadas pelo chamado progresso geral d� mente
humana, mas que estão enraizadas nas condições materiais de vida,
que foram resumidas por Hegel, segundo o costume dos escritores
2 Ver W.G. Runciman, Social Science and Political Theory, 2'1 ed. (Cambridge
University Press, 1959), cap. 1 [Ed. bras.: Ciência Social e Teoria Po//tica, Rio, Zahar,
1967I. Esse argumento tem um significado mais «isto. Se afirmarmos que uma nova
ciência da pol(tica foi gerada pela definição de um campo de investigação que se re­
fere à relação entre "pol(tica" e "sociedade", então devemos reconhecer que isso
ocorreu durante certo tempo em várias disciplinas acadêmicas, de modo que a nova
ciência veio a compreender não ·só o pensamento pol(tico tradicional, mas também
jurisprudência, sociologia do direito, economia poli'tica e antropologia pol(tica. A
_ 3 Karl Marx, Uma Contribuição à Critica da Economia Politica (1859), Prefácio.
sociologia polt'tica, portanto, baseia-se nos métodos e resultados de várias d1sc1pltnas,
e é apenas um tt'tulo descritivo conveniente para um domi'nio especifico de investiga­
ção, um conjunto de problemas teóricos, que poderia perfeitamente ser chamado por
outro nome.
introdução 9
ingleses e franceses do século XVI li, na expressão sociedade civil,
e que a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia
pol(tica. 3
Essa nova concep_ çãode política se deserwo_lveu q1.1.ar:ido do_�!:l!.f!!T�íl:
t
to de u�:i.ii''!:tes Je s9cfodad.�. o ca.�itàJis.rno 11]9çiemo, no _qual o siste­
ma de produção adquiriu força e independência muito maior que em
outras sociedades. Daí, a equação parcial de "sociedade civil" com "socie­
dade burguesa", o reconhecimento da importância fundamental da econo­
mia política corno uma ciência "política" e a formulação, corno um pro­
blema central dessa época, da relação entre, de um lado, a esfera da produ­
ção, propriedade e trabalho e, do outro, o poder político organizado - o
Estado. Essas preocupações, e o contexto no qual elas surgiram, foram
expressas de forma explícita por Hegel em Filosofia do Direito, quando
argumentou que "a� da:socieEade civil é a realização do mundo mo­
_
derno" e definiu sociedade civil em termos do modelo dos econornrstas
do mercado livre, no qual a associação de seus membros "é provocada por
suas necessidades, pelo sistema legal - os meios para segurança da pessoa
e da propriedade - e pela organização externa para concretizar seus inte­
resses particulares e cõrnuns".4 Segundo Hegel, a sociedade civil coloca
urna série de problemas para o Estado resolver; acima de tudo, o problema
do crescimento inter-relacionado da riqueza e da pobreza, e a polarização
e os conflitos sociais que isso produz.
- Não é difícil perceber a importância dessas concepções para o desen­
volvimento da teoria de Marx. A transformação que Marx fez do pensa­
mento de Hegel envolve principalmente urna rejeição da idéia do Estado
como um universal superior no qual as contradições da sociedade civil
podem s�r superadas, e urna affr.rnação da dependência do Estado preêisa­
mente com relação à contradição entre riqueza e pobreza, inerente ao
modo de produção capitalista, e, portanto, com relação ao conflito entre
as duas classes - burguesia e_ proletari�do - que personificam esses aspectos
contraditórios da sociedade. O Estado é, então, concebido corno um ele­
mento dependente de um processo social total em que as principais forças
motrizes são aquelas decorrentes de um determinado modo de produção.
Há ainda o estilo de pensamento político que trata de outro modo
a relacão entre sociedade civil e Estado, contribuindo para urna versão
difere�te da sociologia política. Urna expressão inicial dessa visão alter­
nativa encontra-se na "nova ciência política" de Tocqueville, "neces-
4 Há uma excelente análi1;e da concepção de Hegel sobre a sociedade civil e sua rela­
ção com O Estado em S. Avineri, Hege/'s Theory of the Modem State (Cambridge
University Press, 1972), especialmente p. 141-54.
10 sociologia poli'tica
,f introdução

te o movimento socialista - sobre a política nacional. Como Robert Nisbet

sária para um mundo novo",5 uma ciência que se interessa pelo desenvol­
observou, Weber apresenta "um temperamento muito semelhante ao de
vimento da democracia e a formação de uma sociedade "moderna" (em 7
Tocqueville", sobretudo um pessimismo semelhante (porém, talvez, mais
contraste com o ancien régime) na França, Inglaterra e América. Para
pronunciado) em sua avaliação do futuro da liberdade individual em socie­
s� perceber a natureza característica da concepção de Tocqueville basta
dades dominadas menos pela paixão da igualdade (embora ela desempenhe
dizer que, ao observar as duas correntes revolucionárias do século XVIII
um papel) do que pelas forças da racionalização.
- a revolução democrática e a revolução industrial - que estavam criando
A importância das forças políticas independentes foi afirmada de
o ·:mundo novo", ele, ao contrário de Marx, prestou mais atenção à pri­
_ outra forma, incorporando um confronto mais direto com o marxismo, na
meira e atribu1u-lhe maior importância na formação das sociedades mo­
_ teoria das elites formulada por Mosca e, de maneira mais intransigente, por
dernas. Pois sejam quais forem as fontes do movimento democrático
Pareto. Segundo Mosca:
s�as conseqüências, para Tocqueville, eram claras: sua tendência I'
�1 ai era_rJroduzir_ i I balindo as Entre os fatos e tendências constantes que se encontran, em todos
os organismos pol(ticos, um é tão evidente que o olnar mais casual
dl! 0s1 a an o todas ões r
o percebe. Em todas as sociedades - desde as sociedades pouco
a cada membro da sacie ade. Segundo ocqueville, essa tendência po�suía desenvolvidas que mal atingiram a aurora da civilização até as so­
aspectos pos1t1vos e negativos. Um governo democrático provavelmente ciedades mais adiantadas e poderosas - aparecem duas classes de
dedicaria suas atividades ao bem-estar do maior número de pessoas e pode­ pessoas: uma classe que domina e uma classe que é dominada. A
,;
_
ria estabelecer uma sociedade liberal, moderada e organizada. Por outro primeira, sempre �9§.. numerosa, desempenha todas as funções
pol(ticas, monopoliza o poder e desfruta das vantagens proporciona­
lado, a busca da igualdade social, "uma paixão insaciável" das comunida­ das pelo poder, enquanto a outra,a classe mais numerosa,é dirigida
�es democráticas, segundo Tocqueville, pode entrar em conflito com a e controlada pela primeira, de um modo que agora é mais ou menos
liberdade dos indivíduos, e nessa disputa a primeira tende a prevalecer, legal,mais ou menos arbitrário e violento.8
levando em caso extremo à "igualdade na escravidão"
Pareto desenvolveu uma versão dessá teoria na qual o domínio das elites
Tocque�ille não ignora o contexto do capitalismo industrial em que
. . era apresentado como um fato universal, imutável e inalterável da vida
ex1st1a o movimento democrático, como se pode ver especialmente em sua
s�� :...xistência dependia das diferenças psicológicas entre os indiví-
análise das revoluções de 1848;6 contudo ele atribuía a um regime politico -
-� Mosca entretanto modificou sua concepçao m1c1al reconhecendo
democrático, influenciado pela geografia, pelas leis e tradições - e por isso
que as mudanças históricas na composição da elite e na relação entre 1
seguindo uma trajetória de desenvolvimento diferente em sociedades dife­
rentes (interessava-se acima de tudo numa comparação entre América e dominantes e dominados poderiam ocorrer sob a influência de várias · ··
"forças socia/s" que representavam os numeroso� e diferentes interesses na /\
França) -, _ uma e�etividade independente na determinação das condições 10
sociedade.
gerais da vida social. Es_s_a i_déi� d,ij..a1..1tooom,ia_ dij. política foi elaborada
Cada um dos dois esquemas de pensamento que esbocei pode ser
po�t�.rjprr;ne.rt� p<Jr vá�ios pen�adores, numa oposicã;;��:s· éônscténYl âô
t
a­
.velg"
mar� ig11q,, .,!! je.oil.ii :r2íJ,(ic�
�:é.cini;(fjyir i:I�, :�o�: priríêi�âis. pôfos da apresentado numa forma extrema - como muitos críticos se preocup
uma autonom ia mais ou menos total da
no.f[r::ia,l,�p ��-�_l,l_lo)<.IX_._ Sob certa forma é um aspecto característico êfa ram em mostrar - para afirmar
política ou sua dependência mais ou menos completa das outras forças
sociologia pai ítica de Max Weber, evidente em sua explicação da concen­
sociais, particularmente aquelas que surgem na esfera ecaoâroica Assim,
tração dos meios de administração - que ele considera como paralela à ,.-
concentração dos meios de produção e tão importante quanto esta· e de
modo mais geral, em sua preocupação com o papel do Estado-nação 'e �om 7 Robert A. Nisbet, The Sociologica/ Tradition (Basic Books, Nova York, 1966),
a influência independente das diversas tendências políticas - especialmen- p. 292.
R Gaetano Mosca, The Ruling Class (revista e ampliada, 1923; tradução inglesa,
McGraw-Hill, Nova York, 1939),p. 50.
5 Alexis de Tocqueville, Democracy in America (1835-40; tradução inglesa, Oxford
_ 9 Vilfredo Pareto, Treatise on General Sociology ( 1916; tradução inglesa,2 volumes,
Un1vers1ty Press, 1946).
Dover Publications,Nova York,1963).
6 Ver J P Mayer (org.), The Recollectmns of Alex,s de Tocqueville (Harvil! PrP.ss
10 Para um exame mais pormenorizado das teorias de elite, ver o Capi'tulo 3 deste
19481, e a comparação entre as visões de Tocquevil_le e Marx em Irving M. Zeitlin,
_ livro e T. Bottomore, Elites and Society (C.A. Watts, 1964). [Ed. bras.: As Elites e a
L,berty, Equality and RevolutJOn in Alexis de Tocqueville ( Little, Brown & Co.
Sociedade, 2ª ed., Rio,Zahar, 1974.)
Boston,1971),p.97-120.
 ..
/2 sociólogia poh'tica
Karl Popper, em The Open Society and its Enemies, argumenta que a
t�arxista da sociedade impli�'irn2._�tê_nciLd.�_ tof!� ..I?ol(tica",
pois o sistema político de uma determinada sociedade, em qualquer mo-·
menta, e sua transformação são igualmente determinados por forças não­
políticas; sendo essa visão reiterada, de diversas maneiras, nas obras poste­
riores. Por outro lado, as teorias referente� têm sido freqüentemente
interpretadas como afirmações de que há uma semelhança fundamental
ent� sistemas políticos de todas as sociedades - sem ser afetada pela
e
diversidade das circunstancias econômicas soci�is - que resulta da ocor­
rência universal de disparidade entre as posições de uma minoria orga­
nizada e a maioria não-organizada, ou de uma certa uniformidade geral na
natureza humana e 11ª-J:j_istribui ão desigual dos talentos.
f
Em grande parte, porém, as idéias de ambos os lados têm sido expos­
tas com muitas modificações, e o problema fundamental da relacão entre
o "12_olítico" e o "i:qcial" acabou sendo concebido de modo �ais com­
plexo, considerando as influências recíprocas e as variações históricas.
Mesmo assim, essa relação continua sendo"um ponto focal de controvérsia,
no qual a te_g_ria ta (sem levar em consideração sua diversidade inter­
��
na e as reavaliações o papel do Estado efetuadas por alguns pensadores
recentemente) se opõe abertamente à
las teorias que se preocu am de
m'?do ma· 1 ·vo com os efeitos independentes as ins 1tu1ções políti­
cas - com sistemas partidários 1pos de gove - ou
r
q�eanalisam a vida política em termos de comunidades nacionais.e não de
classes sociais. · ' ---�
Isso não constitui a única �_stãn re!evant� que deu origem a esque­
mas teóricos conflitantes. Na sociologia política das últimas décadas
hou�e uma oposição gerâl entre aqueles que se Jjreocupam principalment�
com o funcionamento das instituições políticas existentes - concebidas
como um elernema...num sistema social que tende a u·m estado de equilí­
-� - e os 9!J.f s11 GeA.Centram sobrel.l.K!o nas forças que tendem a produzir
instabilidade e potencialidades para a mudança., A .primeira dessas con­
cepções se asssocia de forma ínti!Tl"l,.S::Om a teoria funcionalista,que teve
grande influência sobre a sociologia <}.!Jl.fil!_te os anos 5�. Representava a
*
sociedade como um sistema integrado cuja existência émantida por rela­
ções complementares entre seus vá;ios ·elemêntos, ·ou subsistemas, e que
r 0 pousa, em � ltima irnálise, sobre um co.AfWl!.Q_ dê valores comuns. Foi em
ter�o� ?essa ima em ou modelo que s propôs a noção de ·
, � _ � �
� (que sera examinada com _mais detalhe no capítulo seguinte); o
mesmo modelo geral forjou grande parte da discussão sobre "desenvolvi­
mento'I • e "modernização", que eram concebidos principalmente como um
processo pelo qual as sociedades agrárias gradualmente se adaptavam às
condições de vida, aos valores e instituições das atuais sociedades indus­
�- Essa.vl��()�-�modo enérgico, por exemplo, em PoliJ.j_cal
introduçlo
Order in Changing Societies, de Samuel P. Huntington, que parte da propo­
sição de que "a mais importante distinção política entre países se refere ...
ao seu nível de governo" para, então, distinguir países "cujas políticas
expressam ��_nso, CQ_ITlld'lL�e. legitimação, �ganização, e�tabilida·
d�'d;-queles que não apresentam essas qualidades, mas exíoem caracter(s­
ticàs tais como um intenso conflito.�nico e deJ��es, tumultos e agitação
de massa, fragmenta..c.ão doS-{)actidos_. Assim, a estabilidade é venerada como
o·vaic>rpolítico mais elevado, o que se mostra plenamente nas políticas das
sociedades in�ustriais democráticas.
Essas idéias perderam grande parte -de sua força de persuasão desde
o ressurgimento de graves conflitos políticos nas sociedades industriais
durante os anos 60 e o aparecimento de condições de crise econômica e
p�ue ainda estãô longe de esboçar um fim. Em conseqüência; houve
uma acentuada renovação de interesse no modelo alternativo, de inspira­
ção francamente marxista, que toma como ponto de partida a existência
de pressões, contradições e conflitos em todos os sistemas sociais e consi­
dera a manutenção da ordem e da estabilidade apenas como uma resolução
parcial e temporária (embora, em termos históricos, não necesséjriamente
de vida breve) dos vários antagonismos. _Q..utra car cterística do modelo
�
é o fato de ele reservar .maior destaque ao uso da orça, em lugar de um
acÕrdo geral sobre "valores comuns ', na produção e réprodução de uma
1
det;rminacia forma de sociedade; embora os próprios valores e todo o
sistema cultural que eles informam possam ser encarados como consti­
tuídos sobretudo pelo exertício' da "violência simbólica", 11 e não por
algum processo não-coercivo de acordo intelectual. Contudo, isso não
quer dizer que em tal modelo, e mais especificamente na teoria marxista,
a dominação política tenha de ser concebida como baseada de forma ex­
clusiva, ou mesmo· principalmente, na maioria dos casos, sobre o uso da
força; sua eficácia em garantir a continuidade de um sistema social estabe­
lecido advém de um complexo conjunto de condições que podem incluir
a dbn-iinação econô�ica, o controle sobre a reprodução dos valores cultu­
rais e a organizacãó superior das minorias. Em resumo, o modelo propõe,
pelo menos numa de suas versões, uma éoncepção da dominação política
como tendo sua base num " 12Qder social" mais geral.
Conjugando essas duas tendências de concepções opostas -
--��;_e�tabilidad�, �ntegração e deter­
minação através dos valores versus mutaçao, contrad1çao e uso da força
corno características preeminentes dÕs sistemas sociais - obtemos quatro
modelos possíveis, e as teorias e investigações de qúe me ocuparei ne�te
livro podem ser mais ou menos adequadamente incorporadas a um ou
11 Ver, em especial, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Reproduction: in
Education, Society and Culture (Sage Publications, 1977).
1, •• '
 1-l sociologia pohtica
outro desses modelos. Isso, porém, não esgota a diversidade de concepções
que prevalecem na sociologia poli"tica. As divergências metodológicas entre
cientistas sociais encontram expressão também nos estudos políticos; e
uma vez que o compromisso com uma visão particular de método tem con­
seqüências importantes para a seleção de problemas, a condução da investi­
gação e o modo de raciocinar.seria conveniente examinarmos aqui (embora
brevemente) as principais questões envolvidas, especialmente porque têm
sido apresentadas com freqüência de modo limitado e supersimplificado.
Um.:i importante discordância, existente há ·muito, S'epara aqueles
que pensam que não há diferenças essenciais entre as ciências naturais e
as ciêncii:ls sociais - e, portanto, esforçam-se por fornecer uma expli­
caç�? causal dos eventos sociais -, daqueles que rejeitam a idéia de
uma ciênci:;i social nesse sentido e afirmam que o estudo da sociedade
h!;Jmana consiste em -compreender o significado da ação intencional,
.. "d a por regras..1:i---;.
d. 1ng1 A controvérsia apresentou-se sob diversas formas: na
i crítica do "positivismo" do ponto de vista de·um método "interpretéitivo"
(verstehende), de maneira considerável no debate entre sociólogos e histo­
riadores alemães que se iniciou em fins.do século XI X e foi resumido num
contexto mais amplo durante a década de 1960; na recente crítica generali­
zad das ciên ias sociais de uma perspectiva len_o�. durante um
� �
periodo considerável de tempo, nos debates entre pensadores marxistas:
entre aqueles que se inclinam para a visão de uma ciência natural - formu­
lada de modos bastante diferentes pelos marxistas austri'acos no início
deste século e, mais recentemente, por Althusser - e aqueles que conce­
bem o marxismo mais como uma interpretação filosófica da história, à
maneira de Lukács, de Gramsci, da Escola de Frankfurt-e, com várias quali­
ficações, de "teóricos críticos" ·como Habermas.13 Embora na própria teo­
ria política esse debate metodológico não tenha' sido tão extensa e sistema­
ticamente conduzido quanto na sociologia ou na filosofia da ciência,
grande parte da discussão mais ampla exerce influência sobre problemas
no estudo da política, como, por exemplo, na obra de Poulantzas e outros
sobre o Estado e no exame da legitimação realizado por Habermas. De
modo mais específico, o "movimento comportamental", que é freqüente­
mente considerado como tendo introduzido uma reorientação radical da
12 Há uma proveitosa exposição dessas visões opostas em G.H. von Wright, Explana­
tion and Understanding (Routledge & Kegan Paul, 1971 ).
13 Para um exame bem minucioso do método "interpretativo", seu desenvolvimento
posterior e o contexto geral da controvérsia, ver William Outhwaite, Understanding
Social Life (Allen & Unwin, 1975). Sobre o positivismo. ver Anthony Giddens, "Posi­
tivism and its Critics". in T. Bottomore e R. Nisbet (org.), A History of Sociological
Analysis (Bas1c Books, Nova York, 1978). [Ed. bras.: História da Análise Sociológica,
R 10, Zahar, 1980.]
introdução 1 .5
c1enc1a política nas últimas décadas, tende, sem dúvida, para uma visão
de ciência natural, mas sem se comprometer com tal posição; pois sua
prescrição geral de que deveríamos prestar mais !Jtenção ao comportamen­
to político real do que à estrutura formal das instituições pode ser seguida
ãe diversas maneiras segundo se conceba "comportamento" como ativi­
dade física diretamente observável que pode ser explicada causalmente,
ou como ação intencional, cujo significado deve ser interpretado. Nesse
sentido uma análise fenomenológica da vida política cotidiana pareceria
ser tão aceitável quanto uma explicação behaviorista estrita ao longo das
linhas sugeridas em Beyond Freedom and Dign'ity, de B. F . Skinner.
Um segundo debate metodológicQ, no qual as principais contribui­
ções têm vindo de recentes pensadores marxistas e estruturalistas, se refere
i, ao empirismo. Esses pensadores, sem abordar todas as complexidades do
•
problema, lq têm formulado várias objeções ao empirismo - definido como
1
a visão segundo a qual o conhecimento sé baseia na observação e ÇQ!iúa
de fatos "dados" podendo ser por elas-testado - que julgam predomi•
nar nas ciências sociais. Eles argumentam, primeirn, que uma ciência não
sê"""desenvolve pela coleta de íatas diretamente observáveis, mas pela ela­
bw:a.çio de conceitos que definem as fatos que constituem seu domínio: e,
segundo, que essa át'ividade teórica implica a descoberta e a análise de uma
realidade além do que é imediatfmente percebido. Como assinala Godelier,
contrastando as concepções �mpirista e estrutur�lista da estrutura social:
Tanto para Marx quanto para Lévi-Strauss a estrutura não é uma
realidade diretamente visivel e, portanto, diretam_:nte _ o_bservável,
_
,{ mas um n/vel da realidade que existe além das relacoes vIsIveIs entre
os homens, e cujo funcionamento constitui a lógica subjacente do
sisteíl\8, a ordem subjacente pela qual a ordem aparente deve ser
explicada.IS
Tais idéias, que hoje em dia são bastante familiares e amplamente aceitas
t' na filosofia da ciência, parecem relevantes em especial para as formas in­
gênuas de empirismo e indutivismo, não são de grande valia na abordagem
de questões de verificação ou falsificação, a contribuição de teorias rivais
ou a demarcacão entre ciência e não-ciência. Daí as diversas tentativas
(algumas das q�ais são examinadas em Criticism and the Growth of Knowl­
edge,. org. por Lakatos e Musgrave) para formular versões mais sofisticadas
de noção de verificação empírica.
14 Essas complexidades estão bem apresentadas nos artigos de 1. Lakatos e A. Mui•
grave (org.). Criticism and the Growth of Knowledge (Cambridge University Pr�,
J 1970).
1 s Maurice Godelier, Rationality and lrrationality in Economics (New Left ...... e
" ,;:·
1974), "Prefácio", p. XIX.
 16 sociologia po/(tica
X O estruturalismo coloca-se em oposição não só às forn'.a� mais inci-
pientes de empirismo, como assinalei, mas também ao histQpc•smo, rena-
vando assim as controvérsias referentes ao método histórico nas ci!ncias
l _. _ .
sociais. A questão aqui não se refere ao contraste entre uma c1enc1a gene­
ralizante" e uma ciência "individualizante" (como Rickert o expressou)
que concerne antes ao debate sobre ciência natural e ciência social, mas ao
próprio caráter de uma ciência da sociedade generalizante: se seu objetivo
deveria ser formular declarações uoivecsais sabre as estruturas sociais e
seus elementos (por exemplo, a respeito ãa estrutura subjàçente do paren­
tesco, das relações políticas, e assim por diante). ou sobre códigos culturais
(através de uma análise estrutural do mito, por exemplo); ou, ao contrário,
formular lejs históricas, como 'flmbicionaram os �volucionistas sociais.
Essas visões rivais aparecem numa forma particulaf'mente interessante no
pensamento marxista, onde a representação do marxismo como uma filo­
sofia da história ou u·ma "teoria do processo histórico" (Lukács). é rejei­
tada por pensad�res estruturalÍStas, que cbncebein o marxism;;ê;omo uma
teocia da saciecwde, "uma hipótese relativa à articulação de seus níveis
internos e à causalidade hierárquica específica de cada um desses níveis", 16
mas que, no entanto, têm de enfrentar a.questão - colocada ·por Marx em
seu esboço de uma seqüência definida de formas de sociedade - da possi­
bilidade, ou não, de uma ciência dâ his;ória, isto é, de uma explicação
causal da transformação de uma estrutura em outra em algum processo
necessário e governado por leis. /
Essa oposição levanta a última das questões metodológicas que
pretendo considerar aqui: a saber, se existe de fato, como se afirma com
freqüência, um método �pecjfjçamente marxista, e, se existir, como deve
ser caracterizado. A discussão precedente pode sugerir uma resposta nega­
tiva. Não existe uma única '!e!íãn da rnacx.ismo. mas várias; e cada versão
- cujos elementos sem dúvida se encontram ria própria obra de M�rx -
_ conquanto implicitamente, � ideologia definida. Um cientista social )(
apresenta uma visão de método que concorda de certa forma com as 1dé1as
de pensadores não-marxistas e é influenciàda por movimentos gerais de
pensamento na filosofia �iência. Em termos gerais, é possível distinguir
"t ao menos tr�s estilos principais _da te�;.ia social �ar�}sta: o hegeliano, que
_
apresenta afinidades com o método interpretativo e com uma abqrda­
'� gem feno�lógica; o positivist�-empirista, influenciado �e �iversas ma­
íf\ neiras pela epistemologia neokantrana:.. pelos modelos-2_� c1�n�1a natural e
pelo materialismo; e o estruturalista, que tem suas prmc1pa1s fontes na
lingu1stica e na antropologia estruturais e nas doutrinas epistemológicas
francesas (especialmente a obra de Bache1ard).
Frente a essa diversidade de métodÓs podemos afirmar que o mar­
xismo é caracterizado por um núcleo central de conceitos e proposições
�
16
/d.• ibid., p. xxviii.
introdução 17
teóricos; isso porém não resolve inteiramente a dificuldade, pois teoria
e método são interligad9s, e as concepções marxistas divergentes expres­
sam• diferenças tonceituais e metodológicas. Talvez seja mais instrutivo
considerar as diversas versões do marxismo como paradigmas concorren­
tes, 17 é então interrogar se as semelhanças entre eles são tão grandes que
em um nível mais geral podem ser razoavelmente contrastados em conjun­
to com outros paradigmas que são caracteristicamente não-marxistas. Na
minha opinião, é isso que ocorre na maioria dos casos, ainda que devamos
reconhecer a existência de outras semelhanças que atravessam essa divisão
particular e que a fronteira entre teoria social marxista e não-marxista em
todo "caso não se demarca de modo claro nem permanente. O marxismo
não é um esquema fechado de pensamento impermeável a influências ex­
ternas, podendo acontecer, por exemplo, que um fenomenologista marxista
tenha afinidades intelectuais mais íntimas com outros fenomenologistas
do que com outros marxistas.,
Na medida em que o marxismo pode ser distinguido mais ou menos
claramente, corno um paradigma geral, de outros paradigmas, isso parece
envolver dois outros aspectos que em' princípio não são teóricos nem meto·
dológicos. Um deles é a relação da .tfil!ria marxista com a tJida sosial -Prá,­
tica; o outro �- SY.a acieatação ideológica� Quanto ao primeiro, a diferença
entre o marxismo e outras escolas de pensamento social não é que em um
caso a conexão entre teoria e prática seja conscientemente reconhecida
e declarada, e no outro caso não - pois essa conexão surge em todo e qual­
quer pensamento SOGial, embora 'com diversos graus de clareza - mas que
se concebe a prática, na expressão de Marx, como "atividade revolucioná-
ria, prática-ccítica.". Corno Lukács mais tarde argumentou, a teoria marxis-
ta "em sua essência nada mais é do que a expressão em pensamento do
próprio processo revolucionário". Essa visão da teoria e da prática exprime,
marxista além de estar · intelectualmente convencido da superioridade / \
teórica e' metodológica do marxismo, também adota - não importa quão
variada e imprecisa a maneira de realizar isso - uma visão de mundo mais
geral na qual idéias como "revolução", "sçciedade sem classes" , o "fim
da alienação", "socialismo"� nova "civilização integré;!I" (para as
quais, segundo Gramsci, o marxismo proporciona os elementos fundamen-
tais) expressam julgamentos cJe valor sobre formas existentes de sociedade,
17 No sentido proposto por Thomas Kuhn em seu "Posfácio" a The Structure of
Scientific Revolutions, 2\1 ed. ampliada (Chicago University Press, Chicago, 1970),
em que um paradigma compreende generalizações simbólicas, modelos (desde heurís­
ticos até ontológicos), valores e soluções exemplares de problemas, compartilhados
por uma comunidade de especialistas - os produtores e avaliadores do conhecimento
científico num determinado campo - ou por um subgrupo dessa comunidade.
18 sociologia pohtica

acreditando na possibilidade e na aspiração de um novo tipo de socie­

dade e, portanto, estimulam e orientam a atividade política. De modo
semelharite, embora não tão obviamente, outras teorias ou paradigmas
sociais expressam outros valores e crenças, dirigem a teoria e a prática para
outros canais, através de suas concepções de "democracia", "nação" ou
"so�erã?:--Essasquêstões cruciais da relacão entre ciência polí­
tica ê ação poiítica surgirão inevitavelmente no decorrer deste livro e serão
examinadas com mais detalhe no último capitulo.
A multiplicidade de paradigmas (brevemente indicada na discussão
precedente) que caracteriza as ciências sociais de hoje excluem qualquer
possibilidade de conjugar de modo direto e incontroverso os "elementos"
ou "princípios" da sociologia política. O que é essa disciplina, os proble­
mas e soluções que a constituem como um campo de investigação cient i­
fica, seu desenvolvimento através da acumulação de conhecimento e técni­
cas, ou através das revoluções científicas, só podem ser estabelecidos pelo
confronto dos diferentes paradigmas entre si e vendo-os no contexto de
um processo histórico que abrange não só o progresso da própria ciência,
defendido por diversos grupos de pensadores e pesquisadores, mas também
a incessante transformação de seu meio ambiente externo como um resul­
tado das mudanças econômicas, políticas e culturais. Assim, nos capítulos
seguintes vou apresentar paradigmas concorrentes e considerá-los em seus
contextos social e cultural. Questionarei o que divide os vários grupos de
pesquisadores e escolas de pensamento: as visões caracteri' sticas, alterna­
tivas ou incomensuráveis do mundo político; os julgamentos sobre seus
elementos fundamentais e suas inter-relações; as questões cruciais que
deveriam ser levantadas e os métodos de investigação que deveriam ser
utilizados.