Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
em suas fontes
Vol. 1
Luiz Costa Lima
,
Organização seleção e introdução
Teoria da literatura
em suas fontes
l/o/. 1
3- edição
CIVILIZAÇÃO B R AS I L E I R A
Rio de Janeiro
2002
COPYRIGHT © Luiz. Cosrn Lima, 2002
* . 0 6
CAPA
Euclyn G rum ach
PROJETO GRAFICO
Evclyn Grumach c João dc Souza Lcitc
... ã Ò l l C Â - 2 â ^ .
Inclui bibliografia
ISBN 85-200-0562-4
CDD 801
01-0620 CDU 82.01
Im presso no Brasil
2002
Sumário
A. QUESTÕES PRELIMINARES
CAPÍTULO 1 15
Discurso sobre a estética
PAUL VALÉRY
CAPÍTULO 2 35
Em prol da poética
HENRI MESCHONNIC
CAPÍTULO 3 63
Hermenêutica e abordagem literária
LUIZ COSTA LIM A
CAPÍTULO 4 97
Literatura e história: desenvolvimento das forças produtivas
e autonomia da arte. Sobre a substituição de premissas estamentais na
teoria da literatura
MARTIN FONTIUS
CAPÍTULO 5 199
Literatura e filosofia: (Grande sertão: veredas)
BENEDITO NUNES
CAPÍTULO 6 221
Literatura e psicanálise: a desligação
ANDRÉ GREEN
CAPÍTULO 7 253
A questão dos gêneros
LUIZ COSTA LIM A
5
LU 12 C O S T A LIMA
B. A ESTILÍSTICA
CAPÍTULO 8 295
Sobre o lugar do estilo em algumas teorias lingüísticas
NILS ERIK ENKVIST
CAPÍTULO 9 317
Táticas dos conjuntos semelhantes na expressão literária
D ÁM ASO ALONSO
CAPÍTULO 10 341
A “Ode sobre uma urna grega” ou conteúdo versus metagramática
LEO SPITZER
CAPÍTULO 11 377
A Poesia espanola de Dámaso Alonso
LEO SPITZER
C. O FORMALISMO RUSSO
CAPÍTULO 12 411
Sobre a teoria formalista da linguagem poética
W OLF-DIETER STEMPEL
CAPÍTULO 13 459
As tarefas da poética
VIKTOR JIRMUNSKI
CAPÍTULO 14 473
O ritmo como fator construtivo do verso
IURI TINIANOV
CAPÍTULO 15 487
A tipologia do discurso na prosa
MIKHAIL BAKHTIN
CAPÍTULO 16 511
O dominante
ROM AN JAKOBSON
6
Nota à 3a edição
8
Nota à 2a edição
*A teoria da literatura passou a fazer parte do elenco de matérias passíveis de integrar o currículo
de letras por efeito da Resolução de 19-10-62, do Conselho Federal de Educação. A nteriorm en
te, ela foi ensinada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto Lafayete, pelo prof.
Afrânio Coutinho, a partir de 1950. Depois, o curso foi ainda oferecido pela Faculdade de Filo
sofia da Universidade Nacional, a partir de 1953, ensinada pelo prof. Augusto Meyer. N os pri
meiros anos da década de 60, foi introduzida nos cursos de letras da USP, tendo à frente o professor
A ntonio Cândido, e da Universidade de Brasília, contando com o professor H élcio M artins.
9
LUI Z COSTA LIMA
1o
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1 1
QUESTÕES PRELIMINARES
c a p ít u l o 1 Discurso sobre a estética
PAUL V A LÉRY
1 5
Senhores,
Vossa comissão não teme o paradoxo, posto que decidiu fazer falar aqui
— como se uma fantasia musical fosse program ada na abertura de uma
grande ópera — um simples amador, muito envergonhado de si mesmo
diante dos mais eminentes representantes da Estética, delegados de todas
as nações,
Mas talvez este ato soberano, e a princípio bastante surpreendente, de
vossos organizadores se explique por uma consideração que vos submeto,
permitindo transformar o paradoxo de minha presença falante neste lugar,
no momento solene da abertura dos debates deste Congresso, em uma medi
da de significação e alcance assaz profundos.
Ocorre-me freqüentemente que, no desenvolvimento de toda ciência
constituída e já bem distanciada de suas origens, poderia às vezes ser útil, e
quase sempre interessante, interpelar um mortal dentre os mortais, invo
car um homem suficientemente estranho a esta ciência e interrogá-lo sobre
se tem alguma idéia do objeto, dos meios, dos resultados, das aplicações
possíveis de uma disciplina, de que admito conheça o nome. O que ele res
pondesse não teria em geral nenhuma importância; mas estou certo de que
tais questões, dirigidas a um indivíduo que não tem de seu mais que a sim
plicidade e a boa-fé, refletir-se-iam de algum modo em sua ingenuidade e
retornariam aos doutores que o interrogam, reavivando nestes certas difi
culdades elementares ou certas convenções iniciais, daquelas que se fazem
esquecer, apagando-se tão facilmente do espírito quando nos envolvemos
nas sutilezas e na estrutura fina de uma pesquisa apaixonadamente empre
endida e aprofundada,
Uma pessoa qualquer que dissesse a outra (pela qual represento uma ciên
cia): O que faz você? O que procura? O que quer? Aonde pensa chegar? E afi-
1 7
LUI Z COSTA LIMA
1 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1 9
LUiZ COSTA LIMA
2 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — WOl . 1
2 1
LUI Z COSTA LIMA
o que este nem desconfiava que pensava. Ele lhe mostra uma invisível subs
tância sob o visível (que é acidente); muda-lhe o real em aparência; compraz-
se em criar nomes que faltam à linguagem para satisfazer os equilíbrios formais
das proposições: se carece de algum sujeito, engendra-o por um atributo; se
a contradição ameaça, a distinção se insinua no jogo, salvando a partida...
E tudo isto vai bem — até um certo ponto.
Assim, diante do mistério do prazer de que falo, o filósofo, justamente
preocupado em lhe encontrar um lugar categorial, um sentido universal, uma
função inteligível; seduzido, mas intrigado, pela combinação de volúpia, de
fecundidade e de uma energia comparável à que se desprende do amor, que
aí encontrava; não podendo separar, neste novo objeto de seu olhar, a ne
cessidade do arbitrário, a contemplação da ação, nem a matéria do espírito,
o filósofo, não obstante, não deixou de querer reduzir, por seus processos
ordinários de exaustão e de divisão progressiva, este monstro da Fábula In
telectual, esfinge ou grifo, sereia ou centauro, em quem a sensação, a ação, o
sonho, o instinto, as reflexões, o ritmo e a desproporção se compõem tão
intimamente quanto os elementos químicos nos corpos vivos; monstro este
que às vezes nos é oferecido pela natureza, mas como que ao acaso, e, outras
vezes, formado à custa de imensos esforços do homem, que o produz com
tudo o que pode despender de espírito, de tempo, de obstinação e, em suma,
de vida.
A Dialética, ao perseguir apaixonadamente esta presa maravilhosa, acos
sou-a, acuou-a, forçou-a para dentro do bosque das Noções Puras.
Foi aí que ela apreendeu a Idéia do Belo.
Mas a caça dialética é uma caça mágica. Na floresta encantada da Lingua
gem, os poetas entram expressamente para se perder, se embriagar de extra
vio, buscando as encruzilhadas de significação, os ecos imprevistos, os encontros
estranhos; não temem os desvios, nem as surpresas, nem as trevas — mas o
visitante que se afana em perseguir a “verdade”, em seguir uma via única e
contínua, onde cada elemento é o único que deve tomar para não perder a
pista nem anular a distância percorrida, está exposto a não capturar, afinal,
senão sua própria sombra. Gigantesca, às vezes; mas sempre sombra.
Era fatal, sem dúvida, que a aplicação da análise dialética a problemas
que não se encerram em um domínio bem determinado, que não se expri
mem em termos exatos, produzisse apenas “verdades” interiores ao círculo
convencional de uma doutrina e que belas realidades insubmissas viessem
sempre perturbar a soberania do Belo Ideal e a serenidade de sua definição.
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
Não estou dizendo que a descoberta da Idéia do Belo não tenha sido um
acontecimento extraordinário e que ela não tenha engendrado conseqüências
positivas de importância considerável. Toda a história da Arte ocidental
manifesta o que se lhe deve, ao longo de mais de vinte séculos, através de
estilos e obras de primeira linha. O pensamento abstrato mostrou-se aqui
não menos fecundo do que o foi na edificação da ciência. Mas essa idéia tra
zia em si o vício original e inevitável a que acabo de aludir.
Pureza, generalidade, rigor, lógica eram, neste assunto, virtudes que ge
ravam paradoxos, dos quais este é o mais admirável: a Estética dos metafísicos
exigia que se separasse o Belo das coisas belasl...
Ora, se é verdade que não há nunca ciência do particular, não há, ao
contrário, ação ou produção que não seja essencialmente particular e não há
sensação que subsista no universal. O real recusa a ordem e a unidade que o
pensamento lhe quer infligir. A unidade da natureza só aparece em sistemas
de signos fabricados expressamente para tal fim e o universo não passa de
uma invenção mais ou menos cômoda.
O prazer, enfim, só existe no instante e nada de mais individual, de mais
incerto, de mais incomunicável. Os juízos a seu respeito não permitem ne
nhum raciocínio, pois, longe de analisar seu objeto, o que eles fazem é acres-
centar-lhe um atributo de indeterminação: dizer que um objeto é belo é
conceder-lhe valor de enigma.
Mas não haverá nem mesmo por que falar de um belo objeto, já que iso
lamos o Belo das coisas belas. Não sei se foi suficientemente observada esta
conseqüência espantosa: a dedução de uma Estética metafísica, tendendo a
substituir por um conhecimento intelectual o efeito imediato e singular dos
fenômenos e sua ressonância específica, tende a nos dispensar da experiên
cia do Belo, na medida em que este se encontra no mundo sensível. Tendo
sido a essência da beleza obtida, suas fórmulas gerais escritas, a natureza e a
arte esgotadas, superadas, substituídas pela posse do princípio e pela certeza
de seus desenvolvimentos, todas as obras e todos os aspectos que nos encan
tavam podem perfeitamente desaparecer ou servir apenas de exemplos, de
meios didáticos provisoriamente exibidos.
Tal conseqüência não é confessada —- não tenho dúvidas, ela não chega
a ser confessável. Nenhum dos dialéticos da Estética concordaria que não
mais precisa de seus olhos nem de seus ouvidos fora das exigências da vida
prática. Além disso, nenhum deles sustentaria poder, graças às suas fórmu
las, divertir-se em executar — ou definir com toda a precisão, pelo menos —
2 3
LUI Z COSTA LIMA
2 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 5
LUI Z COSTA LIMA
2 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
O termo parti pris que empreguei significa, para mim, que os preceitos
elaborados pelo teórico, o trabalho de análise conceituai que efetua visando
passar da desordem dos juízos à ordem, do fato ao direito, do relativo ao
absoluto, estabelecendo-se com soberania dogmática, no máximo da cons
ciência do Belo, são utilizáveis na prática da Arte enquanto convenção esco
lhida entre outras igualmente possíveis, por um ato não obrigatório e não
sob a pressão de uma necessidade intelectual inelutável, à qual não se pode
subtrair uma vez que se compreendeu de que se tratava.
Pois aquilo que exige razão nunca exige mais do que ela.
A razão é uma deusa que pensamos velar, mas que, na verdade, dorme,
em alguma gruta de nosso espírito: aparece diante de nós, às vezes, para nos
obrigar a calcular as diversas probabilidades das conseqüências de nossos atos.
Sugere-nos, de tempos em tempos (pois a lei dessas aparições da razão em
nossa consciência é completamente irracional), a simulação de uma perfeita
igualdade de nossos julgamentos, uma distribuição de previsão isenta de pre
ferências secretas, um sóbrio equilíbrio de argumentos; e tudo isto exige de
nós o que mais repugna à nossa natureza — nossa ausência. Esta augusta Razão
gostaria que nos tentássemos identificar com o real a fim e dominá-lo, impe
ram parendo; mas nós próprios somos reais (ou nada o é) e o somos sobretudo
quando agimos, o que implica uma tendência, quer dizer, uma desigualdade,
uma espécie de injustiça, cujo princípio, quase invencível, é nossa pessoa,
que é singular e diferente de todas as outras, o que é contrário à razão. A
razão ignora ou assimila as pessoas, que, às vezes, de bom grado a ela se en
tregam. Está ocupada apenas com tipos e comparações sistemáticas, com
hierarquias ideais de valores, com a enumeração de hipóteses simétricas; e
tudo isto, cuja formação a define, desenrola-se na mente e não alhures.
Mas o trabalho do artista, mesmo em sua parte inteiramente mental, não
pode reduzir-se a operações guiadas pela razão. Por um lado, a matéria, os
meios, o próprio momento e uma multidão de acidentes (os quais caracteri
zam o real, pelo menos para o não-filósofo) introduzem na fabricação da obra
uma série de condições que não só trazem o imprevisto e o indeterminado
para o drama da criação, mas que, ademais, concorrem para torná-lo racio
nalmente inconcebível, pois elas o introduzem no domínio das coisas, onde
ele se faz coisa; e, de pensável, torna-se sensível.
Por outro lado, o artista, querendo ou não, não pode absolutamente
desligar-se do sentimento do arbitrário. Ele caminha do arbitrário em dire
ção a uma certa necessidade, e de uma certa desordem a uma certa ordem; e
2 7
LUI Z COSTA 1IMA
não pode evitar a sensação constante deste arbitrário e desta desordem, que
se opõem ao que nasce de suas mãos e que lhe aparece como necessário e
ordenado. É este contraste que o faz sentir que cria, posto que ele não pode
deduzir o que lhe virá a partir do que tem.
Sua necessidade é, assim, completamente diferente da do lógico. Ela está
toda no Instante deste contraste, e retira sua força das propriedades deste
Instante de resolução, que se tratará de reencontrar em seguida ou de trans
por ou de prolongar, secundum artem.
A necessidade do lógico resulta de uma certa impossibilidade de pen
sar, que afeta a contradição: tem por fundamento a conservação rigorosa
das convenções de notação — das definições e dos postulados. Mas isto
exclui do domínio dialético tudo o que é Indefínível ou mal definível, tudo
o que não é essencialmente linguagem, nem redutível à expressão pela
linguagem. Não há contradição sem dicção, quer dizer, fora do discurso.
O discurso, portanto, é um fim para o metafísico, não passando de um
meio para o homem que visa a atos. Preocupando-se antes de tudo com o
Verdadeiro, no qual alocou todas as suas complacências, e que reconhece
através da ausência de contradição, o metafísico, quando descobre em
seguida a Idéia do Belo e quando quer desenvolver sua natureza e conse
qüências, não pode deixar de lembrar-se da busca da sua Verdade; e ei-lo
a perseguir, sob o nome do Belo, algum Verdadeiro de segunda ordem:
inventa, sem hesitação, um Verdadeiro do Belo; e assim, como eu já disse,
separa o Belo dos momentos e das coisas, dentre os quais os belos mo
mentos e as belas coisas...
Quando se volta para as obras de arte, sente-se tentado, então, a julgá-las
segundo princípios, pois seu espírito é talhado para buscar a conformidade.
Será preciso, antes de mais nada, traduzir sua impressão em palavras, para
que possa emitir seus juízos a partir de palavras e especular sobre a unidade,
a variedade e outros conceitos. Ele afirmará a existência de uma Verdade na
esfera do prazer, cognoscível e reconhecível por qualquer pessoa: decreta a
igualdade dos homens diante do prazer, decide que há prazeres verdadeiros
e falsos prazeres e que é possível formarem-se juizes para afirmar o direito
com absoluta infalibilidade.
Não estou exagerando. Não há dúvida de que a firme crença na possibi
lidade de resolver o problema da subjetividade dos juízos, em matéria de arte
e de gostos, tenha-se mais ou menos estabelecido na mente de todos aqueles
que sonharam, tentaram ou levaram a cabo a edificação de uma Estética
2 8
TEORIA DA LITERATURA E M S U A S F O N T E S — VO L . 1
2 9
LU 12 C O S T A L I M A
Ora, este sentimento contraditório existe em seu mais alto grau no artis
ta; é uma condição de qualquer obra. O artista vive na intimidade de seu
arbitrário e na expectativa de sua necessidade. Ele reclama esta última a todo
momento, obtendo-a nas circunstâncias mais imprevistas, mais insignifican
tes; e não há nenhuma proporção, nenhuma uniformidade de relação entre
a dimensão do efeito e a importância da causa. Ele espera uma resposta ab
solutamente precisa (já que ela deve engendrar um ato de execução) a uma
questão essencialmente incompleta: deseja o efeito que será produzido nele
por aquilo que dele pode nascer. O dom às vezes precede a demanda, sur
preendendo um homem que se vê, então, cumulado, sem preparação. Este
caso de uma graça súbita é o que manifesta mais fortemente o contraste, a
que acabei de me referir, entre as duas sensações que acompanham um mes
mo fenômeno; o que nos parece poder não ter existido se nos Impõe com a
mesma força do que não podia deixar de ser, e que devia ser o que é.
Eu vos confesso, Senhores, que nunca pude Ir mais longe em minhas re
flexões sobre estes problemas, sem me arriscar além das observações que podia
fazer sobre mim. Se me detlve na natureza da Estética propriamente filosófi
ca, é porque ela nos oferece o próprio modelo de um desenvolvimento abs
trato aplicado ou Infligido a uma diversidade infinita de impressões concretas
e complexas. Daí resulta que ela não fala do que pensa estar falando, não se
tendo demonstrado ainda, aliás, que disso se possa falar. Mas, mesmo assim,
foi incontestavelmente criadora. Quer se trate das regras do teatro, das da
poesia, dos cânones da arquitetura, do segmento áureo, a vontade de fazer
surgir uma Ciência da arte ou, pelo menos, de Instituir métodos e de organi
zar, de certa forma, um terreno conquistado, ou que se Imagina definitiva
mente conquistado, seduziu os maiores filósofos, Foi por isso que me
aconteceu, outrora, confundir estas duas raças e tal engano me valeu algu
mas reprimendas bastante severas. Pensei ver em Leonardo um pensador; em
Spinoza, uma espécie de poeta ou de arquiteto. Estava errado, sem dúvida.
Parecia-me, entretanto, que a forma de expressão exterior de um ser fosse às
vezes menos Importante que a natureza de seu desejo e o modo de encadea-
mento de seus pensamentos»
Seja como for, não preciso acrescentar que não encontrei a definição que
buscava. Não desprezo este resultado negativo. Se eu tivesse encontrado
aquela boa definição, poderia ter-me sentido tentado a negar a existência de
um objeto que lhe correspondesse e a pretender que a Estética não existe.
Mas o que é indeflnível não é necessariamente negável. Ninguém, que eu
3 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. I
3 1
LUI Z COSTA LIMA
3 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 3
LUI Z COSTA LIMA
demos ver uma constelação no céu sem que logo forneçamos as linhas que
ligam os astros e não podemos ouvir sons suficientemente aproximados sem
que procedamos à sua continuação, encontrando para eles uma ação em
nossos aparelhos musculares que substitua a pluralidade desses acontecimen
tos distintos por um processo de geração mais ou menos complicado.
Todos esses fatos não passam de obras elementares. Talvez a Arte não seja
feita senão da combinação de tais elementos. A necessidade de completar, de
responder pelo simétrico ou pelo semelhante, de mobiliar um compasso vago
ou um espaço nu, de preencher uma lacuna, uma expectativa, ou de escon
der o presente fastidioso por meio de imagens favoráveis, são as múltiplas
manifestações de um poder que, desdobrado pelas transformações que o
intelecto sabe efetuar, armado de uma variedade de procedimentos e meios
tomados de empréstimo à experiência da ação prática, pôde elevar-se a estas
grandes obras de alguns indivíduos que conseguem atingir, vez por outra, o
mais alto grau de necessidade que a natureza humana pode obter da posse de
seu arbitrário, como que respondendo à própria variedade e indeterminação
de todo o possível que está em nós.
Tradução
E d u a r d o V iv e ir o s d e C a s t r o
Revisão
F e r n a n d o A u g u s t o R o d r ig u e s
3 4
c a p ít u l o 2 Em prol da poética
H EN RI M E S C H O N N IC
Tradução do original “Pour la poétique”, in Langue françatse, 3, setem bro, n.° sobre a estilística,
Larousse, Paris, 1969.
3 5
A POÉTICA
3 7
LUI Z COSTA LIMA
são, que a linguagem não tem quase nada a ver com a literatura; que a
formalização é impossível no que pertence à axiologia e ao arbitrário, mas
crêem numa verdade do texto, pois acusam alguns de contra-senso. Às
vezes, é difícil, aliás, entender suas queixas, porque os termos de que se
servem são nebulosos — mas é que a palavra, dizem, é enganadora. Na
verdade, e eles o confessam, são hedonistas. Pensam o belo, meditam so
bre o eu. Percebemo-los pouco à vontade por não serem seus próprios
contemporâneos.
Contudo, não se pode evitar a lingüística. O estudo da linguagem não
pode deixar de interrogar a literatura, que é linguagem e comunicação. E, se
ela é linguagem, uma primeira ilusão consistiria em estabelecer um privilé
gio exclusivo da lingüística sobre a literatura — e daí até a ilusão dos mode
los que esgotariam a obra. Nem tudo se reduz ao lingüístico. O texto é uma
relação com o mundo e com a história. Uma ilusão oposta seria considerar a
lingüística como uma auxiliar que forneceria o material a ser elaborado, como
uma etapa, em suma, antes de se chegar aos constituintes fundamentais da
literatura (o conhecimento psicológico, sociológico...); e eis, então, o dualismo
dos “literários”. Na verdade, a lingüística é o ponto de partida de um rigor e
de um funcionalismo que permitem colocar, em termos nem estéticos nem
redutores (sociologismo, biografismo, experiência do tempo ou do imaginá
rio, psicocrítica...), mas em termos sintéticos, a questão de seu ser para a li
teratura, eliminando, assim, todo dualismo, evitando o falso dilema da análise
formal ou da temática (que, ambas, matam o escrito), e todo procedimento
que “atravesse” a obra.
O estudo das obras é então uma poética. Ela não elimina os outros pro
cessos exploratórios, posto que se visa à descoberta e não à tautologia. Não
quer senão pensar eficazmente sua questão. Uma questão que só parece coi
sa de esteta aos historicistas e sociologizantes. Ela visa à forma como vivido,
o “signo” se fazendo “texto”.1 Ela não é separável de uma prática da escrita:
é a consciência desta. Não se trata de uma teorização no abstrato: tal ques
tão é uma atitude frente ao escrito, uma conseqüência de uma filosofia (ou
melhor, de uma prática materialista do escrito), que pode não interessar igual
mente a outras leituras, como a do texto na sociedade, a da literatura como
documento — leituras movidas por outras filosofias do escrever. Não há por
que julgar um procedim ento superior aos outros, nem exclusivo. Só o
empirismo de um Eu vibrátil se afigura insustentável. Não há “verdade” ob*
3 8
^ U í o t e c a - r T ^ f t . ',
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1 -
jetiva, eterna, nem da obra nem do ler. Não há complementaridade das leitu
ras. Mas seria bom para todos que cada método fosse explicitamente ligado
à filosofia, à ideologia, que implica. Não se pode separar o estudo de um
objeto do estudo da metodologia da descoberta desse objeto; e não se pode
separar saber de epistemologia: o estudo do escrito de uma reflexão sobre as
condições de estudo do escrito.
Para muita gente ainda, poética é apenas um adjetivo, ou, se é substanti
vo, evoca somente a poesia, o versificado. Sem dúvida, isto traduz uma certa
ignorância a respeito da reflexão contemporânea. Mas essa própria reflexão,
saída da poesia para o estudo de todo discurso literário, não fez desaparecer
semelhante ambigüidade, retirando seus exemplos só da poesia, ou ainda
tomando esta como uma linguagem limite. A incerteza domina a orientação
da poética, se considerarmos pesquisas recentes. Mas a contribuição mais
segura até agora obtida é certamente a indistinção formal entre “prosa” e
“poesia”, que surgem como as ferramentas conceituais as mais grosseiras para
se apreender a literatura, e como sobrevivêncías de difícil abandono, diante
da noção de texto (mas que, decerto, são mais operatórias que esta última).
O livro de Jean Cohen2 não contribuiu para desfazer o equívoco, redu
zindo por regressão e confusão a poética a uma ciência da poesia. Tais pro
blemas da constituição de uma poética se situam, ao mesmo tempo, no plano
da crítica da linguagem crítica e no plano da própria concepção do que é
poesia, obra, texto. E eles redobram de importância nos debates atuais.3
Edificando uma ciência, Jean Cohen estuda e classifica até mesmo o que não
existe (“traçar a priori o quadro das formas poéticas virtuais”), e como ele
está de posse de todas as possibilidades, “o problema da verificação, portan
to, não se coloca”. O anjo do bizarro é, para ele, a poesia, “a realização de
todas as combinações possíveis, com exceção precisamente daquelas que são
permitidas.”4 É a “antiprosa”, como sempre. E para N. Ruwet, também: “A
poesia se caracteriza correntemente pela violação de certas regras normal
mente obrigatórias.”5 Vai comungar, portanto, com Todorov, quando este
analisava a poesia.6 Mas será que uma incompreensão individual da poesia
pode constituir uma corrente de pensamento? Pelo menos, é isso que as apa
rências indicavam num certo momento. Recentemente, é numa direção con
trária que Todorov parece orientar a poética, restringindo-a a uma gramática
da narrativa.7Recolher-se a uma sintagmática faria parte da poética; mas isso
não é tudo. Tratar-se-á, sobretudo, de uma atenção abstrata ao modelo, que
se desinteressa das obras: “A poética trata apenas dos virtuais, não os reais.”8
LUI Z COSTA LIMA
4 1
LUI Z COSTA LIMA
0 SISTEMA
O princípio de trabalho que cada vez mais se depreende das pesquisas, dos
êxitos e dos fracassos, mas que, embora se comece a enunciá-lo, não é ainda
aplicado integralmente em lugar nenhum, é: não partir mais do estilo como
afastamento, escolha sobre a língua, originalidade, mas partir da obra intei
ra, como sistema gerador de formas profundas, fechamento e abertura, como
ela acaba de ser definida. A visão de Jakobson é transcendentalista. A única
via proveitosa é a abordagem imanente, para penetrar em um ato poético
4 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
4 3
ÍJJIZ COSTA LIMA
cialmente, que se compare alguma coisa no poema com alguma coisa que o
poeta teria podido escrever mas não o fez — pode-se justificar a priori, visto
que duas frases, que são transformações uma da outra, estão vinculadas es
trita e integralmente55 (p. 37, nota 7. Ver também p. 54, 6-3). Dessa forma, a
análise pode incidir sobre uma normalização do poema e não sobre o pró
prio texto: mais uma vez apreende-se a língua e não o segredo da obra.36 É
verdade que não se estava preocupado com isso. Assim faz N. Ruwet.37 As
sim faz Walter A. Koch:38 “Tkere is agreemení in that €style3 is somehow
connected with DEVIATIOW9 (p. 44), e sua análise da tópica (ele traduz o
verso de Shelley “Vai lentamente sobre a vaga do poente, Espírito da Noite”
por seu resultado em Eu (autor) amo a noite3 além de critérios metalín-
güísticos, tais como a personificação, a concretização etc.) revela uma con
cepção irremediavelmente ornamental do estilo, e só consegue atingir um
nível empobrecido da comunicação própria da obra,
Era inevitável que concepções (de origem diversa) do estilo como desvio
(frustração ou recompensa, tanto faz) culminassem no desvio quantitativo
(para falar como os formalistas de 1923, acusando Grammont de “desvio
emocionalista”). Não é preciso repetir as críticas de Gérald Antoine39 sobre
as conclusões de Guiraud em seu antigo livro Les caractères statistiques du
vocabulaire. A palavra é contexto, e apenas conjuntos podem ser confronta
dos.40 Em termos de lingüística gerativa, contar palavras implica confundir o
desempenho e a competência; e é esta última que importa. A fascinação pela
freqüência, o gosto fácil da abordagem através de palavras-tema e palavras-
chave, ocultou também a importância do critério de distribuição, sem falar
no critério de posição. O próprio P. Guiraud retomou a questão de utiliza
ção de estatísticas para mostrar a sua quase inutilidade: “Sem me contradi
zer, devo insistir na extrema complexidade do problema; a maioria dos
numerosos estudos feitos em vários lugares sobre palavras-chave ou afasta
mentos no emprego das formas e das construções são em geral simples in
ventários, passivos, chegando a conclusões vãs ou tautológicas.”41 Outra
atitude probabílista, igualmente, em Max Bense.42 Fonagy funda análises
fonemáticas sobre estatísticas, o que é contestado por Bresson.43 A estatística
ignora o valor. Mas só os entusiasmos desajeitados, atualmente caducos, in
sistiram num uso primário do quantitativo.44 Baudelaire já mostrara com ele
gância, desde seu artigo sobre Th. de Banville, o manuseio e a interpretação
do critério de freqüência. Assim como o valor não é quantificável, não é tam
bém apreensível por sondagens, pois ele é funcionamento num todo orgânico,
4 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO L 1
4 5
LUI Z COSTA LIMA
fora do sistema, nem o sistema sem sua mensagem (é o erro daqueles que
definem atualmente a poesia apenas no nível sintagmático). Tudo isto levan
ta o problema do modo de existência do valor no código (da obra no, diga
mos, “gênero”) e de sua abordagem.
4 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
dirá respeito às relações entre elementos lingüísticos nos poemas.” Ele acer
ta, ao dizer que não apreende senão o lingüístico; e na melhor das retóricas.
Paradoxo de uma crítica (é verdade que ela não se quer crítica, mas ciência)
que reencontra uma poética dos gêneros, no momento em que a literatura se
despojou deles. Ela só poderá se aplicar bem a uma tradição literária funda
da nos gêneros; muito menos eficazmente, à modernidade.50 Na verdade, não
apenas a obra moderna, mas a obra (no sentido absoluto: a obra forte,
marcante), não “preenche” uma forma predeterminada, preexistente — ela
a cria. Que poesia pode haver fora da “obra dos poetas individuais”? E, so
bretudo, que estruturas? Só convenções poderão ser apreendidas. Não exis
te a linguagem poética, mas a linguagem de Eluard, que não é a de Desnos,
que não é a de Breton... E, entretanto, aí nesse grupo surrealista, as condi
ções de uma escrita eram únicas... Que confusão, a que considera “prosa” e
“poesia” como gêneros!51 Confusão entre uma tópica e uma escrita. O que é
visado é uma escrita, bem como uma retórica — são universais da escrita.
Assim, Todorov escreve: “Estuda-se não a obra, mas as virtualidades do dis
curso literário.”52 Jean Cohen procura “um operador poético geral de que
todas as figuras não seriam mais que outras tantas realizações virtuais parti
culares”.53 Mas a obra, e toda a literatura, não é senão atualização. Onde
está o virtual? A obra é a antiescrita, o antigênero. Cada obra modifica, atua-
lizando-os, a escrita e o gênero, e só nela eles existem. Desde que o gênero
tem a mesma realidade que a obra, temos a tragédia segundo o abade
d’Aubignac. Chklovski, numa entrevista recente, declarava que o romance
sempre foi o anti-romance. O gênero não passa, então, de um retrato mecâ
nico: a reunião, por seu denominador comum, dos romances de Balzac, de
Stendhal, de Hugo, de Zola, de Dostoievski, de Tolstoi, de outros. Ele con
segue fazer com que não se entenda nada dos romances de Hugo, ao lê-los
através de Balzac ou Flaubert (que nada compreendia dos Miseráveis). A es
crita será, por exemplo, o estilo substantivo na poesia moderna: nada que já
não seja sabido. O problema é a possibilidade ou não de uma poética dos
gêneros ou da escrita. E uma ilusão dar-se à escrita a mesma realidade que à
obra... Por um lado, as questões teóricas e práticas levantadas por uma tal
poética são de uma relativa complexidade. A via transcendentalista requer
uma certa mestria, para, por exemplo, não se confundir a poesia e o estado
poético, o verso e a poesia, o verso dramático e o verso lírico; registro, escri
ta e estilo; prosa, linguagem corrente e prosa científica; sentido e denota-
ção, significado e referente... — o que faz Jean Cohen. Por outro lado, e este
4 7
LUI Z COSTA LIMA
4 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO L. 1
ao estado poético/ 7 enraizando-a num vivido do qual ela é uma forma, for
ma profunda no sentido em que Baudelaire fala da “retórica profunda”, donde
seu contato com a fábula/ 8 sua iluminação das coisas ocultas59 (que um poe
ta pouco profundo irá somente buscar no passado das palavras), que fazem
com que a poesia seja uma etnologia do indivíduo: “A poesia vive nas cama
das mais profundas do ser, enquanto a ideologia e tudo o que chamamos idéias
e opiniões formam os estratos mais superficiais da consciência. O poema se
nutre da linguagem viva de uma comunidade, de seus mitos, de seus sonhos
e de suas paixões, ou seja, de suas tendências mais fortes e mais secretas.”60 E
é por isso que etnólogos iluminam, enquanto lingüistas e historiadores da
literatura não enxergam.61 Não é necessário separar os textos de sua inten-
cionalidade. Como o diz Tristan Tzara: UA poesia não é apenas um produto
escrito, uma sucessão de imagens e de sons, mas um a maneira de viver”62
Contudo, a poesia é linguagem, e a lingüística vê aí justamente uma virtua-
lidade de toda linguagem ,63 O erro de uns ou de outros é somente o de tran
car o ato poético. Mas não há nisso senão incompetências particulares,
marcando de futilidade o palavrório crítico denunciado por Georges Mounin.
Hoje em dia, a lingüística e a lógica64 são indispensáveis para uma justa apre
ciação dos problemas da poesia e da retórica. E o que ocorre quanto à noção
capital de palavra poética.
O lingüista encontra o poeta quando este vê na poesia uma exploração
das possibilidades da língua, incluindo a técnica no conteúdo, identifican-
do-a ao conteúdo. E aqui o “problema da linguagem poética” não pode
situar-se num único plano.65 Se o contexto desempenha o papel de regula
dor da polissemia (a isotopia de Greimas), não é suficiente para superar
uma representação vaga se a palavra a ser compreendida é um termo —
que se situa não como um signo em um enunciado, mas como uma peça de
um sistema nocional. E se um enunciado não é mais terminológico, mas
literário, a monossemia é o produto de um sistema de relações lingüísticas
e extralingüísticas — a história, a obra. A palavra numa obra está ao mes
mo tempo em vários planos. Uma palavra rica de sentido não tem vários
sentidos, mas um sentido em vários planos. A estrutura verbal complexa é
o resultado de um pensamento que, desigual e fragmentariamente organi
zado na linguagem de comunicação, está fortemente organizado em uma
obra: essa organização será, então, ao mesmo tempo a meta e o conteúdo.
A lingüística sozinha não pode apreender todo o fato literário, mas a poé
tica tampouco pode dispensá-la.
4 9
LUI Z COSTA LIMA
5 o
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
A palavra poética não é uma bela palavra — nem essência nem Idéia. É
uma palavra como qualquer outra, sempre duplamente ligada: ao contexto
próximo por uma cadeia horizontal, aos longínquos por uma cadeia vertical
— sua memória. Cadeias associativas de sentidos e sons indissolúveis,68 ca
deias mais ou menos percebidas, carregadas. As palavras mais poéticas não
são necessariamente as que têm mais memória, as mais carregadas. A palavra
poética é uma palavra que pertence a um sistema fechado de oposições e de
relações, tomando aí um valor que não tem, assim, em lugar nenhum, e que
só pode ser compreendido em tal escritor, em tal obra, e através do qual a
obra e o escritor se definem. Qualquer palavra pode ser poética, e pode sê-
lo diversamente. E, então, uma palavra deformada/reformada: arrebatada à
linguagem e a seguir trabalhada; sempre, aparentemente, a palavra da comu
nicação; mas diferente, de uma diferença que não se aprecia por um afasta
mento mensurável, mas por uma leitura imanente.69 Assim é para negro e
grande ou pois em Hugo,70 branco ou abelha em Apollinaire (“Queimaram-
se as colméias brancas...”, “Lembras-te do dia em que uma abelha caiu no
fogo”),71 ordenado ou dobrado em Eluard. Tal estudo dos campos lexicais (e
prosódicos, rítmicos, metafóricos) de certas palavras na obra se liga à busca
dos princípios de identificação do mundo em um escritor,72 imagens-mães,
formas (e não princípios simplesmente formais) profundas, contribuição ao
conhecimento da criação literária: é isto que deve ser a poética. É por ser
feita de suas palavras poéticas que uma obra tem sua densidade. (Ezra Pound
diz: “Carregar ao máximo possível as palavras de sentido.”) E estas palavras
poéticas (e, sendo a beleza a sua relação íntima, só pode ser tardia) não são
uma exploração da linguagem, senão porque são a procura de um homem.
Assim, o alvo de uma tal poética é a obra, no que sua linguagem tem de
único. E a obra como dupla articulação, jogo de dois princípios construti
vos — a unidade de visão sintagmática e a unidade de dicção rítmica e
prosódica —, sistema e criatividade, objeto e sujeito, forma-sentido, for-
ma-história.
5 1
Notas
5 3
LU I Z C O S T A LIMA
5 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
36. Sem insistirmos no fato de que o próprio sentido e a configuração metafórica não
são levados em conta senão no quadro estreito de uma demonstração de equiva-
lências (6.1). E ao mesmo tempo muita ambição e muito pouca; e é revelar que
não se possui o sentido do que se manipula — a coerência do código específico do
poema. Contudo, Levin escreve (p. 41): “O poema engendra seu próprio código,
cuja única mensagem é o poema.” Du Bellay dizia a alguns “que não traduzissem
os poetas”. Podemos acrescentar: “não comentem os poetas”. A verdade é que esses
textos poéticos não passam aqui de material exemplar (um caso-limite) para a lin
güística, e que essas pessoas não estão construindo uma poética, mas sim verifi
cando uma gramática e não a “literariedade” de um texto.
37. N. Ruwet, “Uanalyse structurale de la poésie”, Linguistics, 2, 1963; “Analyse
structurale d’un poème français: un sonnet de Louise Labé”, Linguistics, 3, 1964;
“Sur un vers de Charles Baudelaire”, Linguistics, 17, 1965.
38. Walter A. Koch, Recurrence and a tree-modal approach to poetry, Mouton, 1966.
“O prazer do estilo depende da tensão entre a expectativa (expectation) e o acon
tecimento (ocurrence) e — para um estilo determinado pela tópica — da possibi
lidade de uma informação suplementar” (p. 47).
39. Revue de Venseignement supérieur, 1959, art. citado.
40. E. R. L. Wagner, em “Le langage des poètes” (Mélanges Bruneau, 1954), escrevia:
“Tanto quanto a freqüência, a raridade é significativa” e “As significações de um
poema — não digo seu conteúdo nocional definível, muito secundário — nascem
de um jogo mais ou menos sutil de ambigüidades sucessivas”. Não se pode, por
tanto, fundar nada a partir dessas contagens.
41. Conf. citada (p. 8).
42. Max Bense. Theorie der Texte, Colônia, 1962. Ver o exame de Todorov, “Procédés
mathématiques dans les études littéraires”, Annales, n.° 3, maio-junho 1965;
Todorov escreve: “abordagem racionalista, de alto a baixo, partindo de teorias
aprioristas para explicar os fatos”.
43. Bresson, “Langage et communication”, Traité de psychologie expérimentale, VIII,
P.U.F., 1965, pp. 71 e 81.
44. Como em Jean Cohen, cujos quadros estatísticos dão apenas uma informação ilu
sória, devido à constituição dos corpus, sua heterogeneidade, os critérios escolhi
dos, e devido ao seu próprio comparativismo.
45. A especificidade do fato literário impõe os limites naturais do estudo: a obra e as
obras que compõem uma obra — nem fragmentos (“extratos” para “explicação de
textos”) nem abstrações (temas ou procedimentos), que só podem dar lugar a uma
pesquisa parcial. Os livros de um escritor são vasos comunicantes, abertos e fecha
dos uns sobre outros. O “sistema” do autor existe em evolução. Ele contém
subsistemas — que não têm nada a ver necessariamente com o que se costuma
chamar de gêneros.
5 5
LUI Z COSTA LIMA
46. Por motivos que deveriam agora ser banais. Ver o art. citado de Jean Mourot.
47. Richard A. Sayce (“The définition of the term style”, Actes du IIP congrès de Vass.
inter. de littér. comparée, 1962) o diz, mas no sentido insuficiente de estrutura artística.
48. O que tentei realizar, na análise do Dernierjour d ’un condamné, de Hugo, publicada
no estudo Vers le roman poème, ed. das Oeuvres complètes de V Hugo, Club Français
du Livre, 1967, t. III. Pode-se também demonstrá-lo facilmente no Finnegans wake
de Joyce; é a característica da obra total.
49. Carta a Louise Colet (18 de dezembro 1853), Extraits de la correspondance, Seuil,
1963, p. 159.
50. Raymond Jean observa, com efeito (“Lautréamont aujourd’hui”, LArc, n.° 33, 4.°
trim. 1967): “Les chants de Maldoror são romance, narrativa, poema? A questão...
não tem objeto”.
51. “Todorov, Littérature et signification, p. 116: “Em seguida existem os gêneros: a
prosa e a poesia...”, “depois os grandes gêneros da época clássica...”, isto é, os
gêneros propriamente ditos, comédia, tragédia etc. J. Cohen comete o mesmo erro
em Structure du langage poétique, propondo-se ao estudo “da linguagem poética
enquanto gênero”(p. 14). Uma abstração mais próxima da realidade lingüística
encontra-se na repartição dos três “grandes gêneros” (lirismo, drama, epopéia),
segundo as três pessoas (eu, tu, ele) e as três funções, emotiva, conativa e referencial,
da linguagem. Ver Edm. Stankiewicz, “Poetic and non poetic language”, Poetics,
Poetika, Varsóvia, 1961.
52. “Les catégories du récit littéraire”, Communication, n.° 8, p. 125.
53. Structure du langage poétique, p. 50.
54. O fim aqui perseguido e o método praticado não podem harmonizar-se com a inter
pretação da “poética” ou “ciência da literatura” de Tzvetan Todorov, in Littérature
et signification (Larousse, 1967, pp. 7-9). Estudo que se pretende dos “possíveis”, e
não dos “reais” (“não as obras, mas o discurso literário”), não deixa, entretanto, de
passar por uma obra real, Les liaisons dangereuses, para realizar uma contribuição
ao que é, na verdade, uma retórica das grandes unidades; e isto seria o mais interes
sante. Mas o que é “o estudo das condições que tornam possível a existência destas
obras”? O que teria podido levar a uma sociologia da escritura, orienta-se para uma
duvidosa abstração normativa, que usa as obras “para falar de si própria”. Como
sempre, é o sonho do esgotamento do possível (desta feita, no plano dos gêneros
literários) através do método estrutural. O poder de descoberta de tal formalização
parece ilusório: uma “tipologia” das narrativas literárias não passa de uma taxinomia.
55. Aragon, Lkomme communiste, I, 147.
56. Palavras de Robert Desnos, referidas por P Berger, “Pour un portrait de Max Jacob”,
in Europe, abril-maio 1958, p. 58.
57. Como Rilke nos Cabiers de Malte Laurids Brigge: “Pois os versos não são senti
mentos, como crêem alguns... São experiências...”
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V 0 L. 1
5 7
LUIZ COSTA U M A
70. O que tentei levar a cabo numa série de estudos sobre a poesia de Hugo antes do
exílio, ed. das Oeuvres complètes de V Hugo, Club Français du Livre, 1967-1968.
Assim, sombra muda de valor segundo as coletâneas, e se penetra tanto de luz que
Hugo tem que escrever “sombra obscura” — aparente e falsa redundância.
71. Exemplos retirados de “Apollinaire illuminé au milieu d’ombres”, Europe, novem-
bro-dezembro 1966.
72. Em “prosa” como em “poesia”: Hugo trabalha e vê através das mesmas palavras
nesses dois tipos de escrita. O verdadeiro terreno é a visão do mundo, não a escri
ta, nem o gênero; é o mesmo tratamento da palavra estrelas, terminando um capí
tulo em Les misêrables ou fechando poemas. Á diferença é de densidade, não de
natureza, e se deve ao espaço rítmico. Á definição de Riffaterre (“La poétisation
du mot chez V Hugo”, in Cabiers de Vassoc. intem. des études françaises, n.° 19,
março 1967, p. 178) é ao mesmo tempo tautológica e estreita, definindo a
poetização: “o processo pelo qual, em um contexto dado, uma palavra se impõe à
atenção do leitor como sendo não apenas poética, mas ainda característica da poe
sia do autor”. Pois a “poética” não é definida. E a palavra em questão é, mais
amplamente, própria da obra, e não do espaço versificado. Enfim, a “estilística
dos efeitos” (psicologia da leitura, mais que da criação literária), apesar de suas
boas intenções, desfigura a líterariedade: não se trata de um processo exotérico de
imposição sobre a “atenção do leitor”, mas de um trabalho de visão através da
linguagem.
Proposições para um glossário
5 9
LUI Z COSTA LIMA
6 o
NOTA: Estas definições foram redigidas por Jean-Claude Chevalier, Claude
Duchet, Françoise Kerleroux e Henri Meschonnic, que propôs o primeiro
esboço de trabalho.
Tradução
E d u a r d o V iv e ir o s d e C a s t r o
cap ítu lo 3 Hermenêutica e abordagem literária
LUIZ C O ST A L IM A
6 3
INFORMAÇÃO ENCICLOPÉDICA1
6 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
6 7
LU I Z C O S T A LIMA
6 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
A HERMENÊUTICA DE SCHLEIERMACHER
6 9
LUI Z COSTA LIMA
Em sua acepção atual, L e., não mais considerada mero corpo auxiliar de
teólogos, juristas ou filólogos, a hermenêutica “deve sua função central no
seio das ciências humanas” ao “nascimento da consciência histórica” (Ga
damer, H.-G.: 1960, 157). Neste seu início moderno, da companhia de F.
Ast e F. A. Wolf destaca-se a contribuição de Schleiermacher, graças à
“virtuosidade combinada de interpretação filológica com genuína capacida
de filosófica” (Dilthey, W.: 1900, 255). Schleiermacher, contudo, nunca es
creveu de fato um tratado sobre hermenêutica. Seus textos sobre o tema são
uma coletânea de Randbemerkungeny de anotações à margem, destinadas a
seus cursos universitários. Observemos suas linhas principais.
Dos primeiros aforismos, resultantes de seus comentários ao Institutio
interpretis Novi Testamenti (1761), de J. A. Ernesti, deriva a idéia da infi
nidade da tarefa hermenêutica. “No ato de compreender, diz o terceiro
aforismo, (há) duas máximas opostas: 1) compreendo tudo até que me de
paro com uma contradição ou com uma falta de sentido; 2) nada com pre
endo do que não reconheço como necessário e que não posso construir.
Segundo a últim a máxima, a compreensão é uma tarefa interm inável”
(Schleiermacher, Fr. D. E.: 1838, 31, grifo meu).2 Por outro lado, estas
primeiras anotações ainda ressaltam a universalidade da hermenêutica por
quanto, escreve no aforismo seguinte, “a não compreensão de elementos
particulares não se dá apenas diante de uma língua estrangeira”, mas sur
ge onde “nos contentamos apenas com certa particularidade” (idem, 31),
i. e., com certa significação parcial. A universalidade ainda acresce porque
a hermenêutica não se resume ao texto escrito e, principalmente, porque é
menos uma disciplina intelectual do que uma atividade que dá acesso ao
mundo humano: “Cada criança acede ao significado verbal apenas por meio
da hermenêutica” (40). A não limitação ao texto escrito se mostra ainda
mais clara no “Discurso à Academia, de 1829”: “(...) Sucede, muitas vezes,
que, numa conversa, me surpreendo realizando operações hermenêuticas,
quando não me contento com um grau corriqueiro de compreensão mas
me esforço em descobrir como o amigo faz a passagem de um pensamento
para o outro, ou quando procuro ver de que opiniões, julgamentos e aspi
rações depende que ele se manifeste, acerca de certo objeto, desta maneira
e não de outra” (130).
Ainda nos apontamentos iniciais, datados de 1805 e 1809/10, encontra
mos delimitados os dois tipos de interpretação sobre os quais o autor não
deixará de refletir, as interpretações gramatical e técnica: “A interpretação
7 o
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO L . 1
7 1
LUIZ COSTA LIMA
7 2
de 1819”, formulava seus dois cânones da seguinte maneira: “Primeiro
cânone: tudo que, em em dado discurso, necessita de uma determinação mais
acurada pode ser apreendido apenas pelo domínio verbal comum ao autor e
a seu público original” (86); “Segundo cânone: o sentido de cada palavra em
uma dada passagem deve ser determinado de acordo com sua conexão com
o que lhe circunda (m it denen die es umgeben)” (91). Se o primeiro cânone
enfatiza a necessidade do conhecimento da ambiência original da obra, o
segundo postula a circularidade entre parte e todo.
Vindo agora à interpretação técnica, é esclarecedor reproduzir o parale
lo que Schleiermacher formula, na abertura de seu tratamento, na “Exposi
ção de 1826/7”: “Interpretação gramatical O homem com sua atividade
desaparece e aparece apenas como órgão da língua. Interpretação técnica. A
língua com sua força determinante desaparece e aparece apenas como órgão
dos homens, a serviço de sua individualidade, assim como até a personalida
de (se põe) a serviço da língua”(113). Claramente se vê que a diferença entre
os dois modos de interpretação resulta da ênfase respectivamente concedida
ou à língua ou à psique individual. Vigora em ambos os casos a mesma
circularidade. Enquanto na interpretação gramatical a circularidade se pro
cessa entre parte e todo, na técnica ela se dá entre obra e autor (esta esclare
ce aquela e vice-versa). Logo a seguir da passagem anteriormente citada, o
filósofo estabelece limites para cada um dos modos interpretativos, limites
que depois não serão respeitados: “A individualidade da língua de uma na
ção se correlaciona com a individualidade de todos os seus outros produtos
comuns (gemeinschaftlichen Werke). Mas não temos a ver com esta conexão
e com seu centro comum. Assim também (sucede) com a (interpretação) téc
nica. A individualidade da combinação e da exposição se correlaciona com
todas as outras manifestações da individualidade e quanto mais se conhece
alguém mais se descobre esta analogia. Mas não temos a ver com esta cone
xão e com seu centro, mas apenas com a peculiaridade da constituição (da
obra) — estilo” (114, grifos meus).
As duas passagens grifadas indicam as fronteiras que o autor estabelecia
para as interpretações gramatical e técnica. Ambas serão rompidas. A pri
meira por um Vossler da Frankreicbs Kultur im Spiegel seiner Sprachent-
wicklung (1913), a segunda por Dilthey.
Ainda a respeito da interpretação técnica, observe-se que, embora seja
freqüentemente tomada como sinônimo da interpretação psicológica, na
verdade Schleiermacher estabelecia uma diferença relativa entre as duas.
LUI Z COSTA LIMA
7 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
A HERMENÊUTICA DE GADAMER
7 5
LUI Z COSTA LIMA
o início falaremos da arte, será apenas porque esta se torna central em sua
obra. Com efeito, a primeira das três partes de Wahrheit undM ethode, “Des
coberta da questão da verdade na experiência da arte”, tem por tema a ques
tão da obra de arte do ponto de vista da teoria hermenêutica. A razão desta
primordialidade resulta de sua própria concepção da hermenêutica, como
assinala passagem do prefácio à 3.a edição de seu livro capital: “O sentido de
minhas pesquisas não é, de toda maneira, oferecer uma teoria geral da inter
pretação e uma doutrina diferencial de seus métodos (...), mas sim investigar
as condições gerais de todos os modos de compreender e mostrar que a com
preensão nunca é uma conduta subjetiva perante um dado ‘objeto’, mas que
pertence a uma história eficaz (Wirkungsgeschichte), o que significa: perten
ce ao Ser que foi compreendido” (Gadamer, H.-G.: 1960, XIX).
O trecho acima explicita sua diferença quanto a Schleiermacher: enquanto
este era conduzido pelo propósito de estabelecer uma metodologia científica
da interpretação, Gadamer desvincula a hermenêutica da problemática
metodológica e científica e a enraíza na experiência geral do cotidiano. Mas
não se trata apenas de uma desvinculação; ela significa que não se toma a
tematização científica e os juízos reflexivos como hermeneuticamente privile
giados. Muito ao contrário, a Gadamer interessa mostrar como o fenômeno
da compreensão resiste a toda tentativa de convertê-lo em abordagem cientí
fica. Daí, em troca, o privilégio que concederá aos tipos de experiência que
a ciência não é capaz de absorver, as experiências da filosofia, da história e
da arte. São estas, e não a ciência, que representam para o autor os pontos
nodais da reflexão a estabelecer. A partir de que, entretanto, é legítimo dizer
que elas resistem à sua cientifização? O conceito de histórica eficaz (Wirkungs-
geschicbte) pode-nos servir de guia. Por história eficaz Gadamer designa o
fenômeno de manutenção do significado de textos passados no presente.
Noutras palavras, a história é eficaz por conta da permanência dos valores e
convenções subjacentes ao significado de um certo discurso. Víamos como
Schleiermacher respondia à descoberta da consciência histórica — sendo sem
pre o mesmo, o homem é sempre diverso, pois diversos são os mundos his
tóricos — pela potenciação do método divinatório, i. e., pela imitação da
psique autoral cumprida pelo intérprete. Gadamer rejeitará terminantemen-
te essa explicação, pois ela leva a crer na possibilidade de o intérprete sus
pender o seu próprio condicionamento histórico, incorporando-se a uma
circunstância temporal que não é a sua. A interpretação, ao contrário, supõe
a presença da história eficaz, ou seja, nenhuma “reconstrução” interpretativa
7 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL 1
??
LUI Z COSTA LIMA
ser estético — ter o seu Ser em ser representado — faz-se existente no caso
da execução, como fenômeno autônomo e destacado” (WM, 127). Isso já o
levara a dizer que a arte se dirige a qualquer um, mesmo que não haja nin
guém para escutá-la (WM, 105).
Dado esse passo, o autor procura aprofundar a idéia de ser na represen
tação, comum ao jogo e à arte, tematizando a própria idéia de representa
ção. E o que fará pela diferenciação entre imagem (Bild) e cópia (Abbild). E
próprio da cópia servir de mediador quanto a seu modelo, anulando-se a si
mesma nesta destinação: “Na natureza da cópia está que ela não tenha ne
nhuma outra tarefa senão se assemelhar ao modelo” (WM, 131). Com a
imagem sucede o contrário. O espelho, por exemplo, reflete uma imagem e
não uma cópia. Se ele deforma a imagem, assim se dá apenas por defeito do
instrumento. “Nesta medida, o espelho confirma o que aqui se diz funda
mentalmente: que à imagem, ao contrário (da cópia), cabe a intenção de
oferecer a unidade original e a não diferenciação entre representação e re
presentado (die ursprünglicbe Einheit und Nichtunterscheidung von Dars-
tellung und Dargestelltem). O que se mostra no espelho é a imagem do
representado — é a sua ‘imagem’ (e não a do espelho)” (WM, 132). Por essa
distinção, Gadamer simultaneamente se afasta de duas interpretações do
produto mimético: da “realista” que, confundindo a natureza da imagem com
a da cópia, interpreta a primeira por seu ato de remeter a uma fonte original
representada; da inversa, que nega haver na representação algo de compará
vel ao objeto representado. Ao contrário desta posição expressiva, para
Gadamer a função da imagem é trazer nela mesma aquilo que representa,
não se anulando diante de sua fonte, mas tampouco a abolindo. Isso pratica
mente significa dizer que “apenas através da imagem o modelo (Urbild) se
torna propriamente um original (Ur-bilde), ou seja, só pelas imagens o re
presentado se torna propriamente figurado (bildhaft)” (WM, 135). Assim
especificada, a imagem aparece como a base da especificidade da representa
ção na obra de arte. A representação aí não remete a algo que lhe seja sim
plesmente anterior, a que deveria refletir com fidelidade —■papel da cópia
■
— mas se funde com este anterior, concedendo-lhe a figuratividade que não
possuía. Entender a representação artística, portanto, é tanto um reconheci
mento quanto uma descoberta. Desta maneira torna-se também mais claro
por que Gadamer afirma que a representação artística e, antes deia, o jogo,
exige o receptor, mesmo que eventualmente ele não esteja presente. Não é
então por coincidência que as idéias de Gadamer tenham tido um papel
7 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
7 9
LU I Z C O S T A LIMA
8 o
TEORIA DA L I TE R ATU RA EM SUAS FONTES — V O L. 1
8 1
LUI Z COSTA LIMA
8 3
LUI Z COSTA LIMA
8 4
TEORIA DA LITERATURA E M S U A S F ON T E S — VOL. 1
que um filtro que nos permite compreender um discurso, meio estranho aos
nossos valores, meio familiar a eles. Dizer pois que a compreensão favorecida
por certa distância temporal se realiza dentro da história eficaz significa que
o ato de compreender nunca é absoluto. Compreendo de acordo com e den
tro dos limites possibilitados por minha situação. Nunca nos encontramos
diante da história, somos sempre por ela circundados. Assim, é próprio da
história eficaz que ela nunca seja totalmente captada, i. e., que nunca possamos
saber a totalidade da preconcepção que nos dirige — “ser histórico significa
nunca se resolver em saber de si mesmo” (WM, 285). A Wirkungsgescbichte
assim implicitamente coloca a questão da continuidade histórica ou de suas
rupturas. Só digo implicitamente porque em Gadamer nada leva a perceber
a segunda possibilidade. Ao contrário, taxativamente se afirma a constante
continuidade: “Há assim na verdade um único horizonte, que engloba tudo
o que em si contém a consciência histórica. O passado, tanto o próprio quanto
o alheio, a que nossa consciência histórica se filia, forma este horizonte
movediço, de que vive toda vida humana e que a determina como origem e
transmissão” (WM, 288). Assim o ontocentrismo vem em auxílio do autor
para diminuir a problematicidade contida na idéia de história eficaz. Digo
diminuir porque se, ao contrário, entendermos que a história é freqüen
temente atravessada por rupturas — idéia que as pesquisas de Foucault tor
naram familiar — o princípio da “fusão de horizontes”, contido na história
eficaz, se torna mais problemático do que Gadamer desejaria. Ou seja, quan
do se trata de interpretar um discurso pertencente a época ou cultura dife
rente da nossa, a idéia da fusão de horizontes pode-se acumpliciar com
facilidade à arbitrariedade. Por efeito de economia de espaço, lembro ape
nas o ensaio de J.-P. Vernant sobre a leitura freudiana de Édipo rei (cf. Vernant,
J.-P.: 1972, 99-131). A partir dela podemos dizer que a interpretação
freudiana se apoia no princípio da continuidade histórica, com o que se
empresta ao mundo grego pressupostos que lhe são descabidos.
Sem a pretensão de seguir rigorosamente a ordem de exposição do au
tor, destaca-se agora outro tópico decisivo, a lógica da questão e da resposta.
“Pode-se compreender um discurso apenas quando se compreendeu a per
gunta da qual ele é uma resposta”(WM, 352). Partindo de Collingwood e,
ao mesmo tempo, retificando-o, a lógica da pergunta e da resposta é, na ver
dade, o princípio básico pelo qual a hermenêutica gadameriana replica efi
cazmente à introspecção divinatória de Schleiermacher e à empática de
Dilthey: “(...) A pergunta, de cuja reconstrução se trata, não concerne em
8 5
LUIZ CO í TA I I fVJ Ã
8 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL, 1
8 7
LUI Z COSTA LIMA
8 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
8 9
LU I Z COSTA LIMA
Deste modo a língua é também ideológica” (Habermas: op. cit., 52-3). A lín
gua, em suma, é hipostasiada, comprometendo-se o seu relevo efetivo, por
quanto seu realce se fez deixando de lado os outros determinantes decisivos
para a interpretação das ações sociais: “A relação objetiva, unicamente a par
tir da qual as ações sociais podem ser concebidas, constitui-se sobretudo pela
língua, pelo trabalho e pelo poder” (Habermas: 1970b, 289).
O endosso de tais críticas não nos leva a negar a relevância de uma obra
que, reagindo contra o objetivismo positivista, relegador de tudo que não se
assemelhe à metodologia científica, defende a especificidade de construção
das ciências humanas, sem por isso embarcar na oposição acadêmico-con-
servadora de ciência versus homem. Apesar desta relevância, Wahrheit und
Methode é prejudicado pelo ontocentrismo, que leva o autor à paradoxal
caracterização atemporal do clássico, ao desdém pela pesquisa histórica con
creta, ao abandono de qualquer preocupação metodológica e à hipertrofia
idealística do papel da linguagem. Esse prejuízo se torna tanto maior quanto
as deficiências da colocação de Gadamer se dão pari passu às suas idéias mais
fecundas. Isso se torna visível no caso da análise literária que nele encontrou
uma de suas fontes. Se Iser e Jauss, notadamente o primeiro, expurgam o
especulativismo gadameriano, por outro lado, obrigados a desenvolver uma
metodologia de análise, aproveitam de seu ex-professor o encaminhamento
proposto pela idéia da Wirkungsgeschichte e pela lógica da questão e respos
ta. E, ao fazê-lo, não podem se contentar com a teorização de Gadamer. Pois,
mesmo se aceitamos que a análise do discurso cumpre um trajeto que não se
confunde com o estritamente científico, enfatizar apenas esta oposição con
duz a que se entenda a análise da literatura como um gênero ficcional. Com
efeito, a idéia da fusão de horizontes não representaria um obstáculo a esta
pretensão porque, se a obra ficcional não nasce da mera exploração das
virtualidades da psique do autor, se toda ela mantém um diálogo aberto com
as obras do passado e com o mundo envolvente, o que nos impedirá de dizer
que também ela é produto de uma Horizontsverschmelzung? Ora, à medida
que o conceito se estende até à interpretação ficcionalmente realizada, ele
não é suficiente para justificar-se o estatuto propriamente analítico da inter
pretação do discurso literário. Contra essa in discriminação de fronteiras, é
oportuno acentuar com Habermas que a hermenêutica tem limites precisos:
“(...) A intersubjetividade da comunicação verbal comum é sempre ‘quebra
da5. Ela existe porque a compreensão é em princípio possível e não existe
porque em princípio é necessário chegar-se à compreensão. A hermenêutica
9 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO L . 1
9 1
LUI Z COSTA LIMA
9 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O L. 1
Dilthey, W, 1900: “Die Entstehung der Hermeneutik”, cit. de acordo com a trad. “The
Development of hermeneutics”, in Dilthey Selected Writings, org. e trad. por H. P.
Rickman, Cambridge University Press, Cambridge-Nova York, 1976.
------ . 1911: “Los Tipos de concepción dei mundo y su desarrollo en los sistemas
metafísicos”, in Teoria de la concepción dei mundo, trad. de E. Imaz, FCE, México,
1954.
Gadamer, H.-G., 1960: Wahrheit und Methode, 4.a ed., J. C. B. Mohr, Tübingen, 1975.
- — -. 1966: “The Universality of the hermeneutical problem”, in Philosophical hermeneutics,
trad. de ensaios originalmente reunidos in Kleine Schriften (3 vols.), trad., org. e introd.
de David E. Linge, University of Califórnia Press, Berkeley, 1977.
——. 1967: “On the scope and function of hermeneutical reflection”, in Philosophical
hermeneutics, op. cit.
Habermas, J., 1970a: “Der Universalitaetsanspruch der Hermeneutik”, republ. In
Hermeneutik und ídeologiekritik, Apel, Bormann, Bubner, Gadamer, Giegel, Haber
mas, Suhrkamp Verlag, Frankfurt a/Main, 1971.
------. 1970b: Zur Logik der Sozialwissenschaft, Suhrkamp Verlag, Frankfurt a/M.
- — 1971: “Zu Gadamers Wahrheit und Methode", in Hermeneutik und ídeologiekritik,
op. cit.
Heidegger, M., 1927: Sein und Zeit, Neomarius Verlag, Tübingen 1960. (Lido em cote
jo com a trad. em esp. de José Gaos, El Ser y el tiempo, FCE, México, 1962.)
Hirsch Jr., E. D., 1976: The Aims o f interpretation, The University of Chicago Press,
Chicago and London.
Jauss, H. R., 1980: “Limites et tâches d’une herméneutique littéraire”, in Diogène, 109,
(jan.-março), Paris.
Panofsky, E., 1954: Galileo as a critic ofthe arts, Martinus Nijhoff, Haia.
Skinner, Q., 1975: “Hermeneutics and the role of history”, in New literary history, VII, 1.
Szondi, P., 1970: “LHerméneutique de Schleiermacher”, in Poétique, 2, Seuil, Paris.
Vernant, J.-P., 1972: “Ambigüité et renversement: sur la structure énigmatique ÜOedipe-
ro?\ in Mythe et tragédie en Grèce ancienne, Maspero, Paris.
9 5
c a p ít u l o 4 Literatura e história: desenvolvimento
das forças produtivas e autonomia da
arte. Sobre a substituição de premissas
estamentais na teoria da literatura
M A R T IN FO N TIU S
9 7
São conhecidas as categorias estéticas, com as quais foi desenvolvida no séc.
XVIII a nova concepção, burguesa, de literatura. Contudo, autonomia e
originalidade, totalidade e gênio, organismo e criatividade, no passado pa
lavras de ordem para batalhas ideológicas, já se transformaram há muito
em palavras claramente irritantes para uma análise materialista da literatu
ra. Pois a partir do reconhecimento da impossibilidade de apreender as
realidades do séc. XX com a terminologia antiga, a partir do reconheci
mento do abuso desenfreado da maioria destes termos por parte da indús
tria cultural burguesa em geral e por parte do fascismo crescente em
particular, Benjamin e Brecht começaram nos anos 30 a proscrever conscien
tem ente toda a terminologia estética tradicional. Ao programa de uma
“politização da arte”, que queria servir às lutas da classe operária, corres
pondia a busca de conceitos fundamentais de uma nova teoria da arte, que
deveria refletir sobre esta funcionalização política da arte. Ao lado dos gran
des ensaios de Benjamin sobre “O autor como produtor” e “A obra de arte
na época de sua reprodutibilidade técnica”, o “Processo dos três vinténs”
de Brecht representa talvez a tentativa mais im portante de derivar uma
concepção fundada no materialismo a partir da dissociação da práxis artís
tica da teoria tradicional.
Brecht escreveu: “Arte é uma forma de comunicação humana e com isso
dependente dos fatores, que geralmente determinam a comunicação hu
mana.”1 Daí resultou como tarefa principal a elaboração de uma teoria da
literatura a partir dos “fatores determinantes” do séc. XX: de uma teoria,
que estivesse a salvo do abuso dos inimigos do socialismo. A formulação
desta nova teoria em termos positivos parecia neste contexto mais urgente
do que a crítica da concepção antiga da arte. Por isso Brecht justificou a
tu I 2 C O S T A LIMA
soa posição e seu método no “Processo dos três vinténs” da seguinte ma
neira: “Não é necessário dissolver em si e a partir dos seus próprios termos
esta concepção, à qual correspondem multas outras semelhantes, que pre
cisamente constituem a visão de mundo aristotélico-medieval. E mais acer
tado deixar esta dissolução a cargo do caminhar da realidade, não através
da simples espera, mas através de provocações da realidade por meio de
experimentos, através de moldagens mais visíveis do processo por melo da
aceleração e do resumo.”2
Aqui estão formuladas questões decisivas. Uma nova concepção da litera
tura não surge simplesmente como resultado da destruição das teorias lite
rárias tradicionais. Contrariando a análise espiritualista (geistesgeschichtlich)
da literatura, que parte até hoje da suposição de “uma dialética do con
ceito”3 ou da suposição da lógica Interna da evolução das Idéias, o “Pro
cesso dos três vinténs” é por assim dizer a peça didática (Lehrstück) que
exemplifica a evolução real da teorlzação sobre a literautra. Em Brecht as
novas idéias e os novos conceitos surgem a partir da reflexão sobre o
“caminhar da realidade”; diante disso a crítica das concepções literárias
tradicionais desempenha um papel secundário. A aparência de uma his
tória autônom a da arte e da literatura não se pode configurar aqui. Se
isto vale para cada formação ideológica e para cada período, devemos fazer
aqui uma ressalva para os períodos históricos anteriores a M arx, na me
dida em que neles se perfazia apenas inconscientemente o que acontece
ria, mais tarde, conscientemente, no desenvolvimento da teoria socialista
da literatura. Somente uma visão de mundo materialista conduz ao se
guinte postulado: “Devemos também perm itir a entrada abundante de
novos conceitos e assim multiplicar o material do pensamento, pois mul
to depende da conservação demasiadamente obstinada do antigo m ate
rial conceituai, que já não é mais capaz de apreender a realidade...”4
A afluência abundante de novo material conceituai no final do séc,
XVIII, já constatada há multo tempo, evidencia que também neste período
ocorreram tentativas de estabelecer novas funções da literatura a partir de
transformações sociais. No entanto, uma análise comparatista mostrará um
fenômeno estranho, que não surge a partir da ótica da historiografia nacio-
nal-literária: justamente com a passagem do séc. XVIII ao XIX, a França
cede a posição de liderança na área da teoria, mantida durante 150 anos, à
Alemanha. Será que a vitória da revolução burguesa não ensejou as condi
1o o
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥01- 1
1o 1
LU I Z C O S T A LIMA
das forças produtivas, ela chega a estar numa determinada etapa em con
tradição com as relações de produção dominantes; mas, diferentemente dos
outros fenômenos econômicos, a sua evolução não é interrom pida pela
sucessão das formações sociais, mas acelerada. Esta segunda especificidade
da técnica constitui, entre outros fenômenos, a base real para esta conti
nuidade da reflexão teórica, à qual usualmente reservamos pouco espaço e
pouca im portância, em virtude dos critérios políticos em pregados na
periodização da história literária.
A abundância de investigações monográficas de cada uma das categorias
mencionadas no início não nos pode fazer esquecer que sabemos muito pou
co sobre a sua relação oculta com o “caminhar da realidade” nesta época. A
razão deste desconhecimento está sobretudo no fato de que este tema até
agora quase nunca foi abordado. Enquanto a ciência burguesa da literatura
não se via obrigada a tematizar, além das suas fronteiras de disciplina especia
lizada, as transformações ocorridas no processo de produção, a crítica mar
xista aparentemente não teve tempo para uma releitura histórico-crítica da
concepção burguesa da literatura, com vistas ao seu material conceituai — e
isto na melhor das hipóteses, quando a crítica marxista reconhecia a impor
tância deste temário. Assim Brecht subsumiu de maneira polêmica e primiti
va a lógica aristotélica e a estética kantiana à visão de mundo da Idade Média,
numa atitude que poderia ser considerada por pessoas mal-intencionadas
como a realização do postulado benjaminiano do abandono da posição
contemplativa, própria do historismo. Ao mesmo tempo, Lukács, durante o
período da luta antifascista o grande antípoda de Brecht dentro do próprio
marxismo, continuava convencido da indelével potência revolucionária das
idéias centrais da estética burguesa. Lukács criticou a linha representada por
Brecht nos anos 30 pelo abandono radical dos “ideais” antigos; ele via ou
presumia uma queda recente em um apego naturalista à “experiência imediata
da vida média no capitalismo”, ele não via o fundamento histórico-dialético
do estilo brechtiano. Daí a sua conclusão: “... diante da representação de um
mundo tal, todas as categorias da estética antiga perdem efetivamente o seu
sentido”.7 Sem distinguir entre as obras e as teorias segundo o merecimento
da sua inclusão na herança cultural do proletariado, Lukács via na releitura
abrangente da história do pensmento estético, feita segundo critérios histó
ricos e materialistas, a tarefa central da história da literatura, na medida em
que os grandes intelectuais do passado no fundo não teriam buscado outra
10 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
II
10 3
LUIZ COSTA LIMA
1 04
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥01. 1
IMITAÇÃO
10 5
LU I Z C O S T A LIMA
Com esta virada naturalista, que foi refletida conscientemente pela pri
meira vez por Leonardo da Vinci e que deveria também institucionalizar-se
na fundação de academias de pintura, foi proscrita a tradição dos ateliers e
nasceu a teoria da arte. Necessitava-se de uma teoria como bússola, para ini
ciar a exploração da paisagem imensa da natureza. Necessitava-se da subor
dinação da arte à ciência, para obter cópias do mundo real; esta subordinação
era incompatível com a representação de um mundo transcendente e com a
correspondente concepção simbólica da arte, própria da Idade Média. A
quebra do monopólio do ensino, antes em poder das corporações, é neste
sentido um processo que tornou necessária a teoria da arte. Surgira também
a necessidade de desenvolver um “ensino acadêmico, no qual novos ideais
igualmente severos, mas fundamentados pela ciência, ocupavam o lugar dos
velhos modelos, agora desacreditados”.11
Esta evolução, aqui apenas esboçada, descrita por Albert Dresdner em
uma obra até hoje fundamental,12 atingiu também a literatura, na medida em
que a concepção global da arte sofria modificações. Se a Antigüidade e a Idade
Média não tinham visto nenhum parentesco entre as artes plásticas e a poe
sia, surgira agora uma situação na qual duas disciplinas artísticas se encon
travam lado a lado, sendo que a mais jovem procurava naturalmente o apoio
da mais velha. Este apoio foi encontrado sobretudo no princípio da imitação
da natureza, enquanto que a fórmula horaciana “ut pictura poesis”, doravante
muito citada, legitimava a ligação espiritual entre as duas disciplinas.
O período da coexistência pacífica de teoria da arte e teoria da poesia,
cuja influência recíproca foi significativa sobretudo no séc. XVIII, sem que
se chegasse à formulação de um sistema estético abrangente, deveria sofrer
testes de resistência muito severos durante o desenvolvimento do absolutis-
mo. Na França se viu, melhor do que em qualquer outro lugar, quão bons
instrumentos da política estatal poderiam ser as academias. Assim Colbert, o
onipotente ministro de Luís XIV, dava à arte a função de “aumentar a glória
do rei, o esplendor da corte e o bem-estar do Estado”.13 Com esta finalidade
foram fundadas, subvencionadas e regulamentadas as academias. Arnold
Hauser descreveu de maneira inesquecível esta política do Estado absolutis-
ta na França: “Todas as leis e regras da estética classicista lembram parágra
fos do código penal; a competência policial das academias faz parte das regras,
para garantir a sua vigência. A coação, que caracteriza a vida artística na Fran
ça, expressa-se mais diretamente nestas academias. A união de todas as for
ças disponíveis, a supressão de toda e qualquer manifestação individual, a
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOl. 1
GOSTO
1 0 7
LUI Z COSTA LIMA
no reino da arte não tinha por fim desapropriar intelectualmente uma mino
ria exclusiva no interesse de uma numerosa classe de burgueses; ela visava
impedir o retorno do Estado à prática do monopólio artístico. E Du Bos não
era mais do que coerente ao criticar nesta empresa todos os pontos de parti
da para uma justificação teórica do antigo sistema. A possibilidade de utili
zar para a mania da regulamentação, própria do Estado absolutista, a obsessão
pelas regras dos eruditos humanistas de formação neo-aristotélica era tão
patente e a dignificação das regras artísticas pela filosofia racionalista da his
tória tão perigosa, que ambas tinham que sofrer críticas. A apreciação racio
nal da arte ficava, assim, subordinada em princípio ao juízo de gosto, que ela
deveria explicar apenas ex post. Nesta medida condenava-se aqui não ape
nas o privilégio da cultura e o saber humanista como pré-requisitos para um
posicionamento competente em questões de valoração estética; tampouco
se colocava apenas a percepção sensível no centro da discussão. Mostrava-
se, simultaneamente, que a arte e a literatura tinham voltado ao domínio da
sociedade, dos salões de Paris. Encerrara-se a época do protecionismo esta
tal na área da arte; a relação do mecenato privado tornara-se novamente a
forma dominante da subvenção social para os artistas plásticos e os literatos.
Ora, a fruição de obras das belas-artes era de fato um dos elementos mais
importantes da “arte de viver” dos nobres na corte francesa, os quais tinham
sido obrigados pela monarquia absoluta a um estilo de vida representativo.
Mas uma coisa tinha sido negada ao “aluno da arte”, ao “estamento dotado
do privilégio de apenas fruir a vida”:18 a elaboração de uma teoria que
nobilitasse a própria vida cotidiana. Esta necessidade foi satisfeita pela esté
tica sensualista com a sua “lógica do hedonismo”.19 Na medida em que ela
precisava recorrer, para tal fim, ao estilo mais abstrato de pensamento da
ideologia burguesa, surgiu a possibilidade de uma interpretação e de um efeito
democráticos, que se difundiram em larga escala e muito além das fronteiras
francesas depois da metade do século.
A natureza bifronte da estética sensualista se evidencia plenamente se
levarmos em consideração a análise por Marx da “filosofia do prazer”, de
senvolvida no séc. XVIII na França: “A filosofia do prazer surgiu nos tempos
mais recentes com a decadência do feudalismo e a transformação da nobreza
feudal rural na nobreza alegre e esbanjadora da corte, ocorrida durante a
monarquia absoluta. A filosofia do prazer tem nesta nobreza ainda mais a
forma de uma visão ingênua e direta da vida, expressa nas memórias, nos
poemas, nos romances etc. Ela se torna filosofia propriamente dita apenas
108
- ' - , ' ■' ■ ■■ " r
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL 1 ------- - —
1o 9
LUI Z COSTA LIMA
GÊNIO
11o
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1 1 1
LUI Z COSTA LIMA
1 13
LUIZ COSTA LIMA
riores porque não estão presos a nada, seguem suas inclinações e escolhem
na sociedade os papéis indicados por seus corações ou. destinados pelo cha
mado do povo”.39 Embora a palavra “artista” ainda esteja sendo usada no
sentido de artesão, já se sente a polarização entre “habilidade artística” e “gê
nio”. A concentração maciça de “ignorância” e “hábito” mecânico de um
lado causa ema demonstração acentuada de “conhecimento”, “exercício in
telectual” e “amor à perfeição” do outro lado, pois acenam ao artista com a
promessa de ascensão social Para a maioria dos produtores, em contrapartida,
“a divisão de trabalho serve, (...) em ultima instância, para romper os laços
da sociedade, para impor formas vazias e regras de destreza em lugar da
genialidade, e para retirar os indivíduos do cenário de observação de suas
atividades”/ 0 isto é, para aliená-los dos acontecimentos públicos.
A contradição que Ferguson percebeu com a “divisão das artes” e que
Marx atribuiu à oposição entre capital e “força de trabalho combinada”41
teve uma importância decisiva para o novo sentido do conceito de gênio no
século XVIII. Forster, cujas virtudes revolucionárias obscureceram injusta
mente seu valor quanto às discussões estéticas no classicismo alemão, cons
tatou no final do século uma tendência básica da época, a “anulação da
individualidade”, tanto na esfera política como ea produção, e por meio disso
estabelece uma relação com o novo conceito. Escreve ele em 1791: “Não se
pode negar que começa a surgir um mecanismo anulador do bom senso e do
coração, que se adentra em todos os setores da vida. Através da pura forma
das leis espera-se tornar dispensáveis todos os suportes da moralidade e criar
à força uma virtude civil por meio de palavras áridas. Já se fundam até mes
mo novas constituições sobre teorias imaginadas (...). E também evidente que
progredimos nas artes mecânicas e permanecemos atrasados nas outras. As
primeiras só têm a ganhar com o desenvolvimento da razão, as outras reti
ram todo o seu valor da individualidade do mestre, de seu caráter e da ple
nitude de sua vida que flui diretamente dos sentidos para as obras, através de
seu poder criativo. A anulação da individualidade é a tendência inevitável de
uma época que, com suas formas determinadas, tudo regula e restringe.
Quando as regras se multiplicam, surge nas pessoas uma uniformidade
escravizante, apequenante; a mediocridade e o vazio imperam em obras
modestas, feitas sob receita.”42
De maneira igualmente resoluta, Karl Philipp Moritz adota a “individua
lidade” como critério decisivo para distinguir uma verdadeira obra de arte
da produção do mero artífice industrial. Lutando contra a moda de ordenar
1 1 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O L 1
1 15
LU I 2 C O S T A LIMA
lli
116
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1 1 7
LUIZ COSTA LIMA
118
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
IV
Por importante que tenha sido o trabalho de Batteux como um passo na di
reção de uma estética enquanto “disciplina científica autônoma”,55 mais im
portante ainda que uma teoria das belas-artes foi, de um ponto de vista
burguês, uma teoria das artes mecbanicae que possibilitou uma visão sobre
as classes e as tendências no desenvolvimento das forças produtivas. Ao lado
da elaboração de uma visão de mundo materialista assim como de teorias
políticas e econômicas com as quais os fundamentos ideológicos da ordem
feudal puderam ser destruídos, esta foi a tarefa à qual se dedicaram prepon
derantemente os enciclopedistas.
Quando começaram seu trabalho em 1746, que trouxe à luz a primeira
teoria das belas-artes, o desprezo tradicional pelas artes mecânicas, mantido
por Batteux, representava apenas um anacronismo grotesco. Contudo não
houve uma mudança radical com a substituição de artes “livres” por artes
“belas”, já que se mantinha o interesse prazeroso da aristocracia feudal.
119
LUI Z COSTA LIMA
1 2 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL, 1
temente quando diz que a Enciclopédia é uma obra que só poderia ser exe
cutada por “uma sociedade de cientistas e trabalhadores manuais”.60 Isto é,
por uma sociedade que não existia em parte alguma nas academias ou nas
corporações científicas da época. Mostrar a fecundação mútua entre teoria e
prática, “promover o apoio recíproco entre arte e ciência”,61 são postulados
nos quais a posição teórica fundamental dos enciclopedistas está contida.
Também no célebre “Díscours préliminaire” de d’Alembert, encontra-se no
centro a mesma exigência, de tal modo que aqui, “pela primeira vez na his
tória da filosofia, se faz perceptível um cântico de louvor à prática da produ
ção social, fato único até então”.62
Se a maioria dos trabalhadores manuais se entregou a seus ofícios força
dos unicamente pela necessidade e os executou instintivamente, existe po
rém na teoria a maior premência em esclarecê-los, em fornecer-lhes a
consciência de suas atividades e acabar com o secular estado de “mudez da
técnica”.63 Também para os teóricos será vantajosa a união com os que pra
ticam, que facilitará seu confronto com a natureza. Diderot concentrou de
modo cristalino esta concepção em 1754, no ensaio De Vinterprétation de la
nature: “Parece-me que uns têm muitas ferramentas e poucas idéias e os ou
tros, muitas idéias e nenhuma ferramenta. No interesse da verdade, seria bom
que os pensadores tratassem finalmente de se unir aos executores (...) para
que todos os nossos esforços conjuntos viessem a ser usados para combater
as resistências da natureza, e que, nesta reunião de força, cada um pudesse
exercer seu papeh”64
O impacto dessa campanha manufatureira-capitalista convinha à obsole
ta política mercantil estatal, juntamente com as idéias nacionalistas exclusi
vistas a ela correspondentes. E nos representantes desta ideologia que os
enciclopedistas reconhecem seus maiores adversários. No intuito de justifi
car o aparecimento do “colossal panfleto em trinta volumes” (Heine), era
necessária uma alternativa, encontrada e propagada pelos enciclopedistas na
idéia de Humanismo. Aos olhos dos adversários, o fato de tornar públicos
inventos, conhecimentos e indústrias nacionais chega a ser traição da pátria.
Diderot externou francamente suas considerações sobre este tema: “Quan
do os ouvimos falar, poder-se-ia pensar que uma enciclopédia pronta, uma
compilação geral de conhecimentos técnicos, não deveria ser nada além de
um manuscrito bem guardado na biblioteca do rei, acessível apenas aos olhos
reais, mas não aos dos homens comuns: um livro para o Estado e não para o
povo.”65 Aludia ao fato irritante de que a Academia de Ciências de Paris re
12 1
LUIZ COSTA LIMA
1 2 3
LUI Z COSTA LIMA
1 2 5
LUI Z COSTA LIMA
12 6
TEORIA DA LITERATURA E M S U A S F ON T E S — VOL. 1
Na alemanha, temos de esperar até Heine e sua célebre tese do “fim do perío
do de arte”, que irritou a Goethe em 1828, mas que encontrou algo seme
lhante em um escritor igualmente importante na Enciclopédia: “Já passou
12 7
LUIZ COSTA LIMA
1|8
TEORIA DA LITERATURA E M SUAS FONTES — V O L 1
12 9
LU I Z COSTA LIMA
Não são necessárias provas detalhadas para reconhecer a relação entre a nova
ciência da tecnologia e o programa dos enciclopedistas franceses. Apesar de
Beckmann, diferentemente dos franceses, não ter dedicado sua tecnologia aos
produtores e sim às necessidades da administração, mediante as seguintes pala
vras — “Os trabalhadores manuais estão para os cameristas assim como os ser
vos agrícolas para os donos de terras e os farmacêuticos para os médicos”88 —,
foi ele um dos que compreenderam o propósito central dos enciclopedistas. Na
Alemanha, a grande reserva contra a ideologia materialista dos franceses não
impediu que se reconhecesse a colossal empresa dos enciclopedistas em perce
ber pela primeira vez a fundamental importância das desprezadas “artes mecâ
nicas” para o desenvolvimento social e em propagar enfaticamente esta idéia.
Partes decisivas do “Discours préliminaire” de d5Alembert e do artigo pro-
gramático “Arte” de Diderot são citadas e, bem no espírito dos enciclopedistas,
aí aconselha ao cientista alemão o estudo da tecnologia, “mesmo que este cien
tista esteja imbuído dos preconceitos das ciências especulativas”: “Pois os cien
tistas ajudarão a soerguer as pequenas indústrias, sem as quais o Estado não pode
existir, mas que na Alemanha, por ignorância e preconceito, são ainda conside
radas ocupações simples e pouco dignas, rebaixadas à classe dos mais miseráveis
e desfavorecidos povoados (...).”89
As ambiciosas expectativas de Beckmann não se deveriam realizar tão
rapidamente. Em face da gigantesca distância no campo técnico entre Ale
manha e Inglaterra, ele se viu forçado a proferir trinta anos mais tarde a re
signada afirmação: “A avaliação incorreta das pequenas indústrias pertence
à ordem do pecado original, que parece não ser capaz de purificação.”90
1 30
TEORIA DA LI TE R ATU RA EM SUAS FONTES — VOL. 1
13 1
LUI Z COSTA LIMA
13 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V OL. 1
i ? ?
LUI Z COSTA LIMA
1 3 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOl. 1
1 3 5
LUI Z COSTA LIMA
1 3 7
LUI Z COSTA LIMA
quando, mais ou menos nessa mesma época, Herder, em lugar disso, esboça
um programa nos moldes “daqueles tempos melhores, onde os homens não
falavam por palavras e sim recebiam múltiplas influências de atos, hábitos e
exemplos”,120 ainda assim não é suficiente acentuar apenas sua oposição à
teoria da sociedade burguesa de Smith. Pois Herder via esses tempos não
apenas no longínquo “mundo patriarcal” do Oriente, pintado com cores
idílicas. Ele tinha também consciência de que “a maioria das nações da Ter
ra”121 nesta época ainda vivia no estágio infantil, onde língua, costumes e
grau de cultura estavam imersos naquela relação orgânica original com a arte
e a poesia que ele conhecia da Bíblia.
Visto desta perspectiva universal histórica, que também explica a dura
crítica ao comércio de escravos, seu conceito de poesia da natureza é algo
mais que uma mera recusa da cultura alemã de cunho aristocrático, prove
niente da França. Contém de um lado o partidarism o dem ocrático de
H erder para com as nações oprimidas de todos os continentes, às quais
pertenciam também, sob alguns aspectos, os alemães do século XVIII, e,
por outro lado, tem o caráter de pôr em marcha uma tentativa de reno
var a poesia contra as relações de comunicação desenvolvidas desde a
invenção da imprensa.
Com a frase epigramática “Poesia é literatura”, Herder faz um balanço
essencialmente negativo, em 1778, da via aberta por Gutenberg: “Agora o
poeta escreve, antes cantava; escreve devagar, para ser lido, antes recolhia
sons para fazer ressoar vivamente os corações. Agora devia escrever de modo
inteligível, vírgulas e pontos, rimas e períodos bem construídos, corretos e
medidos, para dizer o que antes era dito mil vezes melhor e mais expressiva
mente pela voz viva. Em suma, agora havia de escrever por afeição seres e
obras clássicos e para a eternidade impressa em livros, quando o menestrel e
o bardo cantavam apenas para o momento presente, impressionando cora
ções e memórias, em lugar de bibliotecas para os séculos vindouros”.122 Evi
dentemente, Herder sabia que a “imprensa”, isto é, uma forma diferente de
produção trouxera, por um lado, muitas “coisas boas”; mas por outro, “rou
bara à arte da declamação poética (...) muito de seu efeito vivo”.123 A medida
que a questão do efeito representava o princípio básico de seu pensamento
estético, achava-se ele do mesmo lado do Iluminismo. Porém, à medida que
se voltava para uma época já passada em relação ao “novo estado do mun
do”,124 seu programa estético correspondia à sua crítica da posição enciclo
pedista, frente às artes mecânicas e tem um caráter ambíguo.
13 9
LUI Z C O S T A L I M A
14 1
I t m COSTA U M A
14 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O L. 1
14 3
LU I Z C O S T A LIMA
14 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1 ------ —
1 45
LUI Z COSTA LIMA
14 ?
LUIZ COSTA LIMA
filosofia popular, assim também a autoridade de Marx impediu até agora uma
apresentação histórico-marxista do pensamento econômico dos alemães. “A
economia política na Alemanha permanece até esta data uma ciência estran
geira”, assim consta do posfácio da segunda edição de O Capital.164 Ainda
hoje, para ocupar-se do camerismo é necessária uma desculpa, pois “a ciên
cia econômica marxista-leninista não tem raízes teóricas nestes distantes
depósitos mortos da história das ciências alemã”.165
Se bem que a maneira deformada de receber as idéias de Smith na Ale
manha não teve nenhuma importância para o desenvolvimento da econo
mia política, para a história do pensamento e da literatura já não acontece o
mesmo. Se a ideologia liberal — comparada ao rigor dos impostos do siste
ma fisiocrático cujo emprego pressupunha um Estado centralizado — pos
suía de antemão uma afinidade que chegava na Alemanha a escabrosas
conseqüências, esta afinidade se explica pelo fato de que as assembléias dos
estamentos feudais reacionários pareciam tomar emprestado o papel de de
fensor da liberdade nacional contra o aumento de poder do Estado. Neste
sentido, Christian Wilhelm Dohm — diplomata prussiano que Forster cha
mava de “esplêndida cabeça” e a quem homenageou com uma citação nas
Ansichten vom Niederrhein — no artigo programático “Ueber das physio-
kratische System” (“Sobre o sistema fisiocrático”), aproveitou a crítica de
Smith à teoria francesa e com isto encerrou em 1778 uma longa discussão.166
Por haver mantido contato pessoal com Dohm, Forster, assim como o jovem
Humboldt, ficou seduzido pelas idéias dos economistas escoceses. Na leitura
do Tagebuch der Reise nacb Paris und der Schweiz 1789 (Diário das viagens a
Paris e à Suíça em 1789) transparece claramente a profunda impressão dei
xada em Humboldt pelas “idéias básicas” de Dohm, a saber: que a única in
cumbência positiva do Estado era com a segurança; todos os outros meios
para o aprimoramento do “bem-estar físico, moral e intelectual” passariam
melhor sem a intervenção do Estado.167
O que despertou mais interesse em Humboldt foi o fato de que seu ideal
humanista de colorido aristocrático parecia confirmado por uma ciência in
teiramente nova. Sua norma de que “cada ser humano só deveria se desen
volver por sua própria vontade”168 correspondia, se bem que em outro nível,
ao princípio fundamental de Smith do comércio orientado pelo interesse na
economia; a seu “anarquismo filosófico”169 correspondia o anarquismo eco
nômico. Bem nitidamente formulado, Humboldt tomou de Smith os elemen
tos históricos progressistas para sua crítica ao Estado, com a finalidade de
14 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O L. 1
14 9
LUI Z COSTA LIMA
1 5 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1 5 1
LUIZ COSTA LIMA
15 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O L. 1
1 5 3
LUI Z COSTA LIMA
1 5 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O L . 1
15 5
10 12 C O S T A LIMA
VI
156
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥OL. 1
gêneros particulares como drama, romance ou lírica foram incluídos sem mais
cuidados na teoria da literatura — a interpretação da catarse por Lukács é
um exemplo conhecido. Desta maneira é menos realçado o significado dos
momentos, que mudam de fato toda a compreensão da literatura. A idéia de
autonomia deve ser considerada como um destes momentos.
Kant introduziu-a na filosofia, por sua conversão, a partir da esfera jurí
dica, em categoria política, e em correspondência, foi recebida pelas dife
rentes ciências, com diversas variantes de significado.213
Com o conceito de autonomia, a estética alemã desenvolveu um concei
to de arte, integrador da literatura, que, com a passagem da hegemonia da
teoria francesa da arte para a alemã, desempenhou uma função capital, no
início do século XIX. Por mais que o isolamento da França revolucionária e,
depois, napoleônica, contra a qual toda a Europa se coligou, possa esclare
cer a superação, no campo cultural, da hegemonia francesa, o papel de lide
rança espiritual de uma nação surge constantemente segundo um modelo
republicano, pela aclamação doutros povos e, daí, possui como pressuposto
realizações teóricas geralmente entendidas como progresso. E de se esclare
cer, portanto, a contribuição histórica da teoria alemã no processo de subs
tituição realizado entre 1789 e 1815. Em ampla medida, a estética alemã deve
sua ininterrupta repercussão internacional à constituição de um novo con
ceito de arte, a que se liga o postulado da autonomia.
Sobre esta mudança no cenário europeu, baste-nos aqui um testemunho.
Em seu primeiro trabalho significativo, Belinski nomeia os anos entre 1817
e 1824 como aqueles em que, também na Rússia, se impõe a convicção “de
que Schlegel conhece mais sobre arte do que La Harpe”, enquanto “os mui
apreciados senhores Boileau, Batteux, La Harpe e Marmontel caluniam sem
escrúpulos a arte, por terem refletido incorretamente sobre seu significado.”214
No “Discurso sobre a arte”, consagrado ao democratismo revolucionário,
Belinski ressalta, como realização da teoria alemã, “justificar a beleza pelo
amor à beleza, a finalidade em si da arte” e ter daí efetuado o passo decisivo
de “captar a idéia da arte como um território de criação peculiar e sobera
no”. Para isso a idéia de “que a arte contém sua própria finalidade, que a
poesia não tem nem deve ter uma finalidade fora de si”, realizou um traba
lho preparatório tão significativo quanto necessário.215
Se os mesmos conceitos são destacados pelas forças conservadoras,
dentro da ciência literária da época, seus conteúdos entretanto se modi
ficam. Pois o conceito de autonomia é vazio de conteúdo, enquanto per
157
LUIZ COSTA LIMA
1 5 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1 5 9
LUI Z COSTA LIMA
“Pelo apenas útil não me encontro tanto diante do próprio objeto, quan
to, ao invés, diante da representação do que é conveniente ou agradável, que
causa prazer a mim ou a outrem pelo uso que dele se faz. Converto-me, por
assim dizer, em centro a que se endereçam as partes do objeto, i. e., encaro-
os apenas como meios de que eu próprio, na medida em que minha perfei
ção é assim fomentada, sou a meta. O objeto apenas útil, assim, não é em si
um todo ou uma plenitude, mas o é apenas quando alcança em mim sua fina
lidade ou quando é em mim completado. — Pela contemplação do belo,
contudo, aparto a finalidade de mim e a reconduzo ao próprio objeto: con
templo-o como algo pleno, não em mim, mas em si mesmo, que assim, em si
mesmo, constitui um todo e que me concede prazer graças a si mesmo”, isso
porquanto não tomo o belo tanto em relação a mim, quanto, ao invés, me
tomo em relação a ele.”221
A partir da oposição entre as belas-artes e as artes mecânicas, Moritz erige
o “pleno em si mesmo” em critério do belo, à medida que emprega a dialética
pré-hegeliana de meio e fim, por nós conhecida a partir da discussão políti
ca. O que ele assim desenvolveu foi um novo método de reflexão das obras
de arte. Do mesmo modo que na filosofia antiga — que, por tomar o bios
theoretikos como o supremo valor, estabelecera a diferença entre autovalores
e valores de uso — o puro conhecimento tinha o ócio por condição, assim
também na estética de Moritz o belo exigia a entrega de si. Para experimen
tar o prazer, o observador deve não se tomar como centro, mas entregar-se
a um “relacionamento” com o “objeto belo”. Era deste modo introduzido
um momento contemplativo na reflexão artística, que Kant converterá em
conceito. O juízo do gosto é, na Kritik der Urteilkraft (Crítica da faculdade
de julgar), em conseqüência, “apenas contemplativo, i. e., um juízo que, in
diferente quanto à existência do objeto, apenas liga seu modo de ser ao sen
timento de agrado ou desagrado”.222 Friedrich Theodor Vischer formulou
expressivamente, em 1870, o que isso significa: “(...) No estado de ânimo
estético, deixamos o mundo estar como é. Pois não desejamos mudá-lo. (...)
Apesar de todas as suas carências, ele provoca o nosso agrado.”223 “A norma
do trato científico com a arte, adotada pelas posições burguesas pós-revolu-
cionárias”, é “a contemplação”.224 Assim, para falarmos de uma estética pós-
revolucionária, realizada pelos filósofos burgueses alemães antes mesmo da
Revolução Francesa, são aproximáveís a fórmula do “prazer puro e gratui
to ” de Moritz e o conceito do “prazer desinteressado” de Kant. A frase ga
nha sentido e perde sua aparência de paradoxo se a relacionamos com a
1 60
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO L . 1
subversão nas relações de produção literária. Para Moritz e Kant, não se tra
ta mais de diferençar a natureza e o artefato, sobre a qual tanto trabalhara a
teoria estética, mas sim da diferenciação categorial entre beleza e utilidade.
Daí que, em 1788, Moritz tenha extremado a posição em um arriscado pa
radoxo: “Os conceitos de belo e inútil não só não são mutuamente exclu-
dentes, como até mesmo são conformes entre si.”225 Com isso se dava um
exemplo que faria escola. Com a resolução deste problema básico da estéti
ca, resultante da “separação das artes” quanto aos valores do cotidiano, des
terrava-se do campo da verdadeira arte notadameete a literatura didática e
moral
Se procurarmos determinar a base real do puro procedimento didático-
conceitual de Moritz, veremos que ele se encontra no antagonismo entre o
belo e o útil, que, de seu lado, depende da oposição entre belas-artes e artes
mecânicas. No fim do século XVIII, precisava-se, na Alemanha, estabelecer
um abismo entre o conhecimento do belo e o conhecimento de sua função
social que pusesse em dúvida qualquer fixação dos fins imediatos da arte e5
só a partir daí, permitisse pensar-se em um efeito geral do belo. Como que
enfeitiçado por mão mágica, o pensamento estético gira em torno da idéia
da totalidade da obra de arte, de que o princípio da contemplação constitui
apenas a determinação complementar ao lado da recepção. E na formação
do mercado literário que percebemos o processo histórico motivador desta
teoria.
Com a institucionalização de uma esfera de mediação entre o autor e os
receptores, dão-se para ambos mudanças fundamentais, sobre as quais não
há diferenças de opinião significativas. A medida que o mercado literário se
estabiliza e conduz a uma demanda metódica de produtos literários, o autor
tem a possibilidade de transformar sua dependência pessoal ante um mecenas
na existência de um escritor independente, que procurava viver da venda de
suas obras. Daí que, como nota a aguda observação econômica de Garve5 a
tradução tenha desempenhado um papel decisivo e tenha, no sentido pró-
prio do termo, “introduzido o ofício do escritor. Pois cada um pode-se apres
sar quanto queira: a obra própria é escrita apenas quando se p o d e ”.116 Este
fenômeno que, de imediato, afetou apenas um número limitado de escrito
res, alcançou no século XVIII, tanto na Inglaterra quanto na França e na
Alemanha, uma rápida aceleração. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se, a partir
de um círculo relativamente estreito de receptores privilegiados, um público
moderno de massa. A forma de mediação da produção poética, concretizada
1 6 1
LUI Z COSTA LIMA
16 2
.. , -.J
a situação se ainda no século XVII aa ocasião (pudesse) determinar o talen
to”,233 como escrevia nostalgicamente Goethe a Schiller, no início do século
seguinte. Apenas em casos isolados, as oportunidades concretas e os fins
determinados ofereciam a ocasião para a constituição de obras de arte. A
produção da arte tornara-se normalmente dirigida para o mercado literário
anônimo; estabelecera-se a “produção da arte como tal” (Marx).234
Deste modo, a causa da mudança na situação do escritor caracteriza-se
pelo seguinte ponto: o êxito, de que Molière ainda falava com absoluta na
turalidade, tornou-se agora problemático. O mais genial prosador prussiano
daquele tempo, Georg Forster, fixou em frase afiada a absoluta novidade da
relação do escritor quanto ao efeito de sua obra: “O artista, que trabalha
apenas pelo entusiasmo, mal ainda é merecedor de admiração.”235 A relação
com o êxito e o entusiasmo pela própria criação são agora quebrados, pois a
mediação do mercado anônimo não só cortara praticamente as relações pes
soais do artista com os receptores, quanto se tornara conscientemente uma
relação com a “forma equivalente geral”, ou seja, com o dinheiro.
Kant descreveu secamente esta situação pela distinção entre “arte livre”,
dotada de seu próprio fim, e “arte paga”, trabalho ou meio para um fim:
“Encara-se a primeira como passível de ter êxito apenas como jogo, i. e., como
uma ocupação agradável em si mesma; a segunda, porquanto é reclamada
como trabalho, i. e., como ocupação em si mesma molesta, é apenas por seu
efeito (i. e., a sua paga), pode ser coercitivamente imposta.”236 Em Forster, a
mesma situação aparece com a paráfrase do “trabalhar apenas pelo entusias
mo”. “Entretanto”, diz ele, considerando esta concepção de arte como sua
“frase favorita”, “a alma (do artista) era tão rica e seu impulso de criar tão
forte que aquele motivo se dissipou ou pelo menos jamais o incomodou em
sua espontaneidade, de forma que ele pinta com o sentimento de sua exube
rante força criativa; não me espanta assim que sua obra não seja dotada da
marca de si mesmo e não tenha as características do gênio.”237 Se, no entan
to, a idéia de “entusiasmo” ou de “paga” pelo trabalho deviam ser abando
nadas para que a obra tivesse êxito, isso só pode significar que o artista
tornou-se consciente de sua nova relação com a sociedade, enquanto produ
tor de mercadorias.
Não faltam testemunhos que comprovam que os escritores alemães com
preenderam, no último terço do século, sua nova situação de forma cada vez
mais clara. Por volta de 1772, Lessing, no fragmento (“Projekt für Schriftsteller
und Buchhándler” (“Projeto para o escritor e o livreiro”), não quer mais saber
1 6 3
LUI Z COSTA LIMA
da validade do lema luterano “dai e recebei sem paga”. Para romper com
este muito difundido preconceito, que expressava a manutenção da depen
dência social dos literatos quanto aos mecenas nobres, não parece a Lessing
que o rebaixamento oriundo da comparação proposital com o mais baixo
trabalho assalariado seja um preço demasiado alto: “Como? Devia-se levar a
mal o escritor que busca tornar os produtos de sua cabeça tão lucrativos
quanto possível? Se ele trabalha com suas forças mais nobres não deve gozar
da satisfação que tem o mais bronco dos ajudantes de pedreiro, i. e., de con
seguir seu sustento por sua própria diligência?”238
Também Wieland, tão logo abandonou na Suíça o período seráfico, de
fendeu constantemente o direito ao controvertido honorário como base para
a independência do escritor. A censura de mentalidade baixa, contra ele
lançada pela “fábrica mercurial”, o editor do Teutschen Merkur (Mercúrio
Teutônico) opunha, em 1777, um parecer singular: seria “de fato uma coisa
maravilhosa deixar que sua luz brilhasse gratuitamente, como o sol”; no
entanto, quem se encontre “na situação de ter de viver de seu trabalho ou de
seu talento, deve também poder viver disso”. Mesmo se se reconhece como
profundamente correto que “nenhum verdadeiro intelectual ainda deva es
crever para ganhar o pão”, sucede entretanto que “alguns verdadeiros inte
lectuais (...) têm, na Alemanha, de escrever para seu ganha-pão”. A consciência
do valor da obra literária no mercado assim caminha paralelamente à cons
ciência de seu valor artístico: “A menor obra do gênio e da arte”, ainda afir
ma Wieland, “que a seu modo seja perfeita, é, de fato, sem preço, do ponto
de vista de seu valor interno.”239
Também Garve se inclui entre aqueles que encaram positivamente a nova
relação. Com uma precisão não encontrável noutro escritor da Alemanha da
época, escreve em 1791 ao dramaturgo Weisse: “Eles estão certos. Um escri
tor tem tão pouca razão de se envergonhar por vender seu livro quanto um
advogado ou médico por ser pago pela condução do processo de um cliente
ou por curar suas enfermidades, pois realizam um trabalho intelectual tão bom
quanto aqueles. Mesmo os funcionários do Estado, inclusive os mais altos, são
pagos por seu trabalho.” E, depois de haver realçado a diferença entre a paga
pelo serviço prestado ao Estado e a paga pelo manuscrito de destino incerto,
Garve generaliza: “Como o preço do mercado para cada mercadoria é distin
to de seu valor interno, aquele pela concorrência e pela demanda do compra
dor, este pelo tempo e energias despendidas, daí resultam relações entre o
escritor e o editor que às vezes são desvantajosas para o primeiro.”240
1 6 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL, 1
1 6 5
LUI Z COSTA LIMA
extensão e importância para que coisas úteis sejam produzidas para a troca,
de tal modo que o caráter de valor destes objetos já é levado em conta em
sua própria produção. A partir deste momento, os trabalhos privados dos
produtores adquirem, de fato, um duplo caráter social. De um lado, devem
ser trabalho útil, satisfazer necessidades sociais e afirmar-se assim como par
tes integrantes do trabalho geral, de um sistema de divisão social do trabalho
que se forma espontaneamente; doutro lado, satisfazem as necessidades di
versas dos próprios produtores apenas na medida em que cada espécie de
trabalho privado útil é permutável com todas as outras espécies de trabalho
privado útil, assim reputado seu igual.”245
Na segunda metade do século XVIII, a produção artística e literária atin
giu, em escala histórico-mundial, este ponto de inflexão. Tão logo o “cará
ter de mercadoria” da obra de arte “já é levado em conta em sua própria
produção”, realiza-se a separação da obra de arte “em objeto útil e objeto de
valor”. Abriu-se desta maneira um campo incalculável para a reflexão estéti
ca que aguardava sua transformação.
Se, a partir deste fundamento marxista, observamos a determinação das
belas-artes por Moritz, tornar-se-á compreensível o filão mlstificante. Isso não
resulta da origem teológica dos conceitos aplicados,246 riias do “caráter místico
da mercadoria”. Pois “o valor não traz escrito na testa o que é. O valor converte
ao contrário cada produto do trabalho em um hieróglifo social”.247 O mesmo
se passa com os resultados da produção intelectual e artística.
No esforço de captar a obra de arte como “um todo em si”, ou seja, “per
feito em si mesmo”, para ressaltar seu valor interno, pelo qual ela é diferen
ciada dos produtos apenas úteis das artes mecânicas, delineia-se claramente
o desenvolvimento da chamada concepção romântica da obra de arte orgâ
nica.™ Pois, na medida em que a finalidade é deslocada “para o próprio
objeto”, a idéia de vida se torna subordinada ao objeto.
“Com o conceito de finalidade interna”, lê-se na Enzyklopãedie der
philosophischen Wissenschaften (Enciclopédia das ciências filosóficas), Kant
ressuscitou a idéia em geral e, particularmente, a idéia da vida. A determina
ção da vida por Aristóteles já continha a finalidade Interna e, por Isso, ultra
passa de muito os conceitos da teologia moderna, que leva em conta apenas
as finalidades finita e aparente*249 A crítica de Hegel não alcança pois Moritz,
mas sua interpretação pelos filósofos burgueses, como Baumgãrtner, para
quem representa “a estética de Moritz (...) não outra coisa” senão “um tras
lado do conceito de mundo da metafísica de seu tem po para a esfera
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO L . 1
estética”.250 No entanto, não foi apenas na escola metafísica alemã que a “fi
nalidade” se tornou uma fórmula mágica, com que estava pronto, para cada
problema, o decreto impenetrável da divindade. Assim como Wolff justifica
ra a luz do dia por ser necessária para a leitura, assim também o escocês Home
observava que o sentido do belo foi adquirido pelos homens para tornar
agradáveis os objetos do mundo ambiente. Home escreveu: “Como o belo é
muitas vezes também o útil, esta tendência para o belo nos estimula a culti
var nossos campos e a melhorar nossas manufaturas.” A observação, a ser
escocesamente considerada, irritou A. W. Schlegel, que contestava ironica
mente: “A beleza deve então prestar serviços econômicos e, por Sua criação,
Deus deve ter-se preocupado com a florescência das manufaturas inglesas.”251
Talvez também para Moritz a pedra fundamental tenha sido a teoria desen
volvida pelo esteta berlinense Sulzer sobre a origem das artes, na medida em
que este definia sua natureza como o “entrelaçamento do agradável com o
útil”. Sulzer entendia a inclinação para o “embelezamento como a mais ne
cessária para os homens”.252 Seguia assim um caminho cuja questão central
consistia em indagar a relação entre as coisas de uso cotidiano e o belo, muito
embora isso não se destaque na recensão excessivamente famosa do jovem
Goethe.253 Qualquer que tenha sido a variante da teologia ou da estética da
época levada em conta por Moritz, à sua concepção distinta se integraram as
novas condições de mercado, por meio da introdução do útil como catego
ria. Já não se dirigia a discussão pela diferença entre arte e natureza ou pela
distinção entre arte e ciência, pois ela se deslocara para a consideração da
oferta de bens produzidos pela sociedade e mediados pelo mercado.
As últimas considerações do pequeno ensaio mostram que M oritz de
fato se preocupava com a problemática da mercadoria e que seu texto não
poderia ser interpretado apenas a partir da comparação com as artes. A
objeção de que seria impossível que o inútil ou o sem finalidade causasse
prazer a um ser racional, M oritz contestava recorrendo à finalidade da
forma: “Onde (...) falte a um objeto uma utilidade ou fim externo, este deve
ser buscado no próprio objeto, tão logo ele desperte prazer em mim. Ou:
devo encontrar nas partes isoladas do mesmo tanta adequabilidade que es
queça de perguntar para que deve servir propriamente o todo ? Com outras
palavras: diante de um objeto belo, devo encontrar prazer graças a si mes
mo; para este objetivo, a carência de adequação externa deve ser substituí
da por sua adequação interna; o objeto deve ser de algum modo perfeito
em si mesmo.”254
16 7
LUI Z COSTA LIMA
imanente das obras isoladas, que já não são consideradas do ponto de vista
de seu efeito poético, mas sim de sua poeticidade. A nova crítica, ele ofere
ceu seu fundamento teórico com a frase: “Para observarmos, entretanto, cada
obra de arte como um todo em si mesmo é necessário descobrir na própria
obra o seu ponto de vista (Gesichtspunkt), por meio do qual todas as partes
se representam em suas necessárias relações com o todo e por meio de que
nos é evidenciado que na obra nem algo é supérfluo, nem falta algo.”259 Desta
maneira não era apenas realizado um afastamento radical da compreensão
da crítica de até então. Com o postulado da construção do todo, liga-se em
Moritz também a idéia de que, desta maneira, “deve ser dito algo de digno
sobre as obras de arte”.260 Introduzia-se assim uma estetização da crítica, “que,
na verdade, não desejará ser propriamente uma obra de arte, que, entretan
to, permanece na esfera da arte, partilhando da dignidade desta por seu re
lacionamento com o obra de arte”.261
Com efeito, o pressuposto da nova concepção da crítica era a obra de
arte, a qual ainda justificava a conduta contemplativa e o aprofundamento.
Quando este pressuposto não se realizava, o objeto não correspondia à mais
elevada exigência da arte e a conduta descrita do crítico assumia a mais agu
da polêmica.
O próprio Moritz ofereceu exemplos brilhantes para as duas possibilida
des. Na resenha “Über ein Gemàlde von Goethe” (“Sobre um retrato de
Goethe”), de 1792, reconhecia uma parte do Werther como “um padrão in
superável” de expressão poética, no gênero em pauta. Ao invés, os dramas
da mocidade de Schiller receberam, em 1794, um julgamento arrasador. Numa
resenha concisa de Kabale und Liebe (Cabala e amor), Moritz, irritado, ex
cluía qualquer exame mais detalhado — “Na verdade, mais um produto que
faz vergonha a nossos tempos! Como pode um homem escrever e deixar que
se imprimam tais disparates (...)”. A seguir, Moritz desenvolvia um arrazoa-
do minucioso, em que devia “apenas apontar (...) todas as contradições e
absurdos dos personagens schillerianos”, chegando à seguinte conclusão:
“Mas agora basta, lavo minhas mãos desta sujeira schilleriana e prometo a
mim mesmo nunca mais delas me ocupar”.262 Nenhuma sílaba em crítica tão
feroz denuncia que na peça se trata de uma “sátira política violenta” (Hettner)
da imediata atualidade alemã, de “o primeiro drama político alemão”, juízo
ao qual Engels entretanto acrescenta ser isto “o melhor que se pode dizer da
peça de Schiller”.263 Como não há em Moritz nenhuma referência a manei
ras políticas de pensar, é inadmissível a suspeita de uma intenção denuncia-
16 9
LUI Z COSTA LIMA
1 ? o
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOl. 1
1 7 1
LU I Z COSTA LIMA
1 7 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
17 3
LUIZ COSTA LIMA
174
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1? s
LUIZ COSTA LIMA
1 7 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
17 7
LUI Z COSTA LIMA
17 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
rárias. Enquanto nos demais países europeus era muitas vezes difícil ao com
prador potencial averiguar até mesmo o nome do editor de um livro deseja
do, para que então pudesse encomendá-lo, o livreiro alemão dispunha, além
de outras vantagens, de que todas as firmas significativas dispusessem de uma
casa comissionada, que, entre as feiras, era administrada por uma casa co
mercial localizada em cidade vizinha. Em qualquer momento, podia-se re
correr a seus estoques. Daí que se encomendassem de Paris livros que, embora
aí editados, não eram no momento encontráveis senão em Estrasburgo, que,
apesar de sua vinculação política à França, no campo editorial mantinha re
lações ainda mais estreitas com o comércio livreiro alemão. Com justo orgu
lho, um jurista de Gõttingen, Pütter, constatava em 1774: “Esta grande
organização do comércio livreiro teutão é, para o público, muito mais do
que apenas possível, é extremamente conveniente e dela não se pode van
gloriar nenhum outro país da Europa.”300
Já os contemporâneos estavam conscientes de que a condição de esti-
lhaçamento feudal favorecia particularmente o afluxo das publicações perió
dicas na Alemanha. Calculava-se que só nas cidades imperiais alemãs se
publicavam mais periódicos ado que nos reinos da Espanha, de Portugal, da
França, da Suécia e da Dinamarca, onde com freqüência a razão de Estado
exigia que houvesse apenas uma lei e um jornal”.301 E essa impressão não era
falsa. Os números quanto às revistas novas, calculados pela história do jor
nalismo, apresentam a seguinte contagem para a Alemanha e a França: 64:9,
na primeira década do século, 119:16, na seguinte; o balanço das novas
publicações de 1741 até 1750 apresenta a cifra de 260:44, e a referente a
1751 até 1760 é de 331:41.302
Não se poderia esquecer que o avanço nas relações de comunicação, re
fletido na existência em massa de uma forma de literatura desde o início
submetida à lei do mercado, também se expressava na teoria literária. A con
cepção do crítico, desenvolvida por Lessing nas Literaturbriefen (Cartas lite
rárias) y na verdade de maneira não muito conseqüente, já reconhece a obra
literária como mercadoria destinada à oferta do mercado, sobre cuja quali
dade o comprador há de ser informado: “Sempre acreditei ser dever do crí
tico, tão logo se dedica a julgar uma obra, circunscrever-se apenas a esta obra;
não pensar no autor; não se preocupar em se o autor escrevera outros livros,
piores ou melhores; dizer-nos apenas, sinceramente, que conceito se pode
ria fazer da presente obra. Isso eu disse que acreditava fosse o dever do crí
tico. Mas não o é?”303 Recusa tão radical de qualquer deferência para com o
1 7 9
LUIZ COSTA LIMA
autor e para com o conjunto de sua obra não se encontra na literatura fran
cesa da época. Pois aqui o crítico tinha sempre de levar em conta que cada
autor existente em Paris, e quase todos aí viviam, era, por suas obras, não só
reconhecido pela “boa sociedade”, quanto ganhava materialmente com ela,
até que sua reputação literária não fosse completamente destruída. Mesmo
o julgamento “de sua pior obra” não lhe devia “matar (...) a confiança que
merece por outras tantas razões”, que o autor estava acostumado a serem
levadas em conta, razões como “a sua propriedade, o seu castelo, a sua for
tuna”.304
Por conseguinte, o fato de que na Alemanha faltasse “o centro de uma
forma de vida social em que os escritores se encontrassem”,305 falta de que
Goethe se queixava, no fim do século, como causadora de um freio para o
desenvolvimento de uma literatura nacional alemã, representava apenas um
dos lados da medalha. Não se verificava sobre o outro lado que se devia ao
comércio livreiro estendido, por toda a nação, uma crítica literária liberta de
quaisquer preconceitos constantes, que tivesse de contrapor as obras-primas
ao padrão de uma outra literatura nacional.
Tradução
PETER NAUMANM
H elena F loresta
Luiz C osta Lima
Revisão
H eidrun Krieger O linto
Notas
18 1
LUIZ COSTA LIMA
1 8 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
18 3
LUI Z COSTA UMA
68. Idem, pág. 508 (Diderot, Oeuvres complètes, vol. 14, pág. 493),
69. Marx/Engels: Die deutsche Ideologia} in MEW, vol. 3, pág. 178.
70. Artigo da Enciclopédia, pág. 412 (Diderot, Oeuvres complètes, vol. 14, pág. 425).
71. Idem, pág. 483 (Diderot, Oeuvres complètes» vol. 14, pág. 475).
72. Jacques Chouillet: La formation des idées estbétiques de Diderot, Paris, 1973»
pág. 373.
73. Diderot: Zur Interpretaiion der Natur, pág. 45»
74. Friedrich Melchior Grimm: Correspondance littéraire, org. por Maurice Torneux,
vol. 16, Paris, 1882, pág. 340.
75. Apud Hans Wahl, Geschichte des Teutschen Merkur. Ein Beitrag zur Geschichte des
Journalismus im 18. Jahrhundert, Berlim, 1914, pág. 161.
76. Johann Heinrich Campe: Briefe aus Paris (1789), Berlim 1961, págs. 208 e s.; apud
Wolfgang Heise, “Zur Krise des Klassizismus in Deutschland”, in Hellenische poleis.
Krise — Wandlung — Wirkung, vol. 3, Berlim, 1974, pág. 1689.
77. Marx/Engels: Die deutsche Ideologie3 in MEW, vol. 3, pág. 394.
78. Mercier: Neuer Versuch über die Schauspielkunst (1773), Leipzig, 1776, impresso
em fac-símile, Heidelberg 1967, pág. 37 e c.
79. Anne-Louise-Germaine de Staêl-Holstein: De la littérature, vol 2 , Paris, 1812,
pág. 73 .
80. Rainer Rosenberg: “Deutsche VormárzÜteratur in komparatistischer Sicht”, in
Weimarer Beitràge, caderno 2/1975, pág. 80.
81. Hegel: Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie, vol. 3, Leipzig, 1971,
pág. 443,
82. Hegel: Ãsthetik, org. por Friedrich Bassenge, vol. 1, Berlim, 1965, pág. 110. “Hegel
an Niethammer”, in Briefe von und an Hegel, org., por Johannes Hoffmeister, vol.
1, Hamburgo, 1960, pág. 271; apud Arsen Gulyga, Georg Wilhelm Friedrich Hegel,
Leipzig, 1974, pág. 123.
83. Johann Beckmann: Anleitung zur Technologies 2 .® ed., Gõttingen 1780, impressão
fotomecânica, Leipzig, 1970, pág. 18.
84. Idem, pág. 19,
85. Marx: Das Kapital, vol. 1, in MEW, vol. 23, pág. 510.
86. John Bernal: Die Wissenschaft in der Geschichte, Berlim, 1967, pág. 322,
87. Beckmann: Anleitung zur Technologie, pág. 17,
88. Idem, Prefácio à l . a edição (s/pág.).
89. Idem,
90. Johann Beckmann: Entwurf der allgemeinen Technologie, Gõttingen, 1806, apud
Wilhelm Franz Exner: Johann Beckmann. Begründer der technologischen Wissens
chaft, Wien, 1878, pág. 50 e ss.
91. Werner Krauss: Werk und Wort, Berlim, 1972, pág. 69.
18 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
18 5
LUIZ COSTA LIMA
108. Friedrich Meinecke: Die Entstehung des Historismus (1936), 2.a ed., Munique,
1946, pág. 432.
109. Cf. Herder, Werke, vol. 2, pág. 347; pág. 327 contra d’Alembert — Diderot: “Le
moment le plus glorieux pour un ouvrage de cette nature, ce serait celui qui
succèderait immèdiatement à quelque grande révolution qui aurait suspendu les
progrès des sciences, interrompu les travaux des arts et replongé dans les ténèbres
une portion de notre hémisphère. Quelle reconnaissance la génération qui viendrait
après ces temps de trouble ne portérait-elle pas aux hommes qui les auraient
redoutés de loin, et en auraient prévenu le ravage, en mettant à Pabri les connais-
sances passées” (Oeuvres complètes, vol. 14, pág. 428).
110. Herder: Werke, vol. 2, págs. 330, 327, 342, 333, 338 e s., 380.
111. Idem, pág. 329.
112. Idem, págs. 321, 322 e 323.
113. Idem, págs. 328 e 330.
114. Idem, pág. 333.
115. Johnn Beckmann: Pbysikaliscb-õkonomiscbe Bibliothek, vol. 11, Gõttingen, 1781,
pág. 375 s.
116. Herder: Werke, vol. 2, pág. 337.
117. O conceito é de Kurt Wais, cunhado sobre a primeira obra volumosa do oponente
da Enciclopédia, Chassaignon: Cataractes de Vimagination, déluge de la scribomanies
vomissement littéraire, hémorrhagie encyclopédique, monstre des monstres... de
1779 (Kurt Wais, Das antipbilosopbiscbe Weltbild des franzõsiscben Sturm und
Drang 1760-1789, Berlim, 1934). A influência desses opositores do Iluminismo
(especialmente Clément e Fréron) sobre o jovem Herder é considerável; uma pes
quisa ainda se faz necessária.
118. Herder: Werke, vol. 2, pág. 333.
119. Adam Smith: esboço inédito para Wealtb ofnations de 1763; impresso em: William
Robert Scott: Adam Smith as student and professor, 1937, pág. 344 s.; apud Francis
D. Klingender: Kunst und Industrielle Révolution (1947), Dresden, 1874, pág. 37.
120. Herder: Werke, vol. 2, pág. 339.
121. Idem, pág. 359.
122. Herder: “Über die Wirkung der Dichtkunst auf die Sitten der Võlker in alten und
neuen Zeiten”, in Herder: Über Literatur und Gesellscbaft. Ausgewãhlte Schriften,
org. por Claus Trãger, Leipzig, 1962, págs. 132 e 130 s
123. Idem, pág. 130.
124. Idem, pág. 146.
125. Friedrich Schlegel: “Rezension zu Adam Müller. Vorlesungen über die deutsche
Wissenschaft und Literatur” (1808), in Kritische Ausgabe, parte 1, vol. 3, Muni
que, 1975, pág. 156.
126. Marx/Engels: Die deutsche Ideologie, in MEW, vol. 3, pág. 178.
18 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES —
127. Cf. Handbuch der deutschen Wirtschafts- und Sozialgeschichte, org. por Aubin/Zorn,
vol. í, Stuttgart, 1971, pág. 571.
128. Somente a história do efeito é conhecida, história esta ligada à história das univer
sidades de Gõttingen e Kõnigsberg; o Handbuch der Staatswirtschaft (1796) de
Sartorius é considerado a primeira obra acadêmica que divulgou na Alemanha as
idéias básicas de Adam Smith. Cf. Wilhelm Treue: “Adam Smith in Deutschland,
Zum Problem des “Politischen Professors” zwischen 1776 und 1810”, in Deuts
chland und Europa. Historische Studien zur Võlker- und Staatenordnung des
Abendlandes, Düsseldorf, 1951, págs. 101-134.
129. Wilhelm von Humboldt: “Ideen zu einem Versuch, die Grenzen der Wirksamkeit
des Staates zu bestimmen” (1792), in Humboldt, Werke, org. por Flitner/Giel, vol.
1, Berlim, 1960, págs. 86, 63 e 108.
130. Georg Forster: Ansichten vom Niederrbein (1791), in Forster, Sâmtliche Schriften,
vol. 9, Berlim, 1958, pág. 36.
131. Idem.
132. Idem, pág. 35.
133. Marx: Theorien über den Mehrwert, in MEW, vol. 26/1, pág. 127.
134. Idem, págs. 127 e 145.
135. Friedrich Maximilian Klinger: Orpheus, apud Kosselek: “Persõnlichkeitsidee und
Staatsanschauung in der deutschen Geniezeit”, in Historische Vierteljabrsschrift,
vol. 24/1927, pág. 43.
136. Herder: “Auch eine Philosophie zur Bildung der Menschheit”, in Herder, Werke,
vol. 2, pág. 334 s.
137. Idem, pág. 331 s.
138. Jakob Michael Reinhold Lenz: Von den Soldatenehen (1776), apud Kosselek,
“Persõnlichkeistsidee und Staatsanschauung in der deutschen Geniezeit” in
Historische Vierteljabrsschrift, vol 24/1927, pág. 56.
139. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, pág. 100.
140. Herder: “Auch eine Philosophie zur Bildung der Menschheit” in Herder, Werke,
vol. 2, pág. 343.
141. Christian Friedrich Daniel Schubart: Deutsche Cbronik, apud Kosselek, “Persõn
lichkeitsidee und Staatsanschauung in der deutschen Geniezeit”, in Historische
Vierteljahrsscbrift, vol. 24/1927, pág. 43.
142. Herder: “Auch eine Philosophie zur Bildung der Menschheit” in Herder, Sâmtliche
Werke, vol. 5, pág. 252.
143. Idem, pág. 524.
144. Idem, pág. 555 s.
145. Marx: Kritik des Hegelscben Staatsrechts (1843), in MEW, vol. 1, pág. 283.
146. Garve: Briefe an Weisse, vol. 1, pág. 77.
18 7
LUI Z COSTA LIMA
147» Garve: Ánbang einiger Betrachtungen über Johann Macfarlans üntersuchungen (über
dieArmuth) betreffend und über den Gegenstand s e l b s t Leipzig, 1785, págs. XIX
e 37 s. Seguindo o modelo dos ingleses, Garve também classifica economicamente
e não mais politicamente, e diferencia cinco “épocas”: a introdução da escravatu
ra, do dinheiro, do cristianismo, o sistema feudal, o luxo moderno e a ampliação
do comércio a ele ligada. Assim como o autor inglês, Garve conhece e cita Smith.
As traduções alemãs da literatura sobre o problema da pobreza deveriam ser uma
fonte importante tanto para a forma de receber Smith quanto para a história da
ideologia alemã.
148. Lenin: “Der õkonomische Inhalt der Volksstümlerrichtung” (1895), in Lenin, Werke,
vol. 1, pág. 435.
149. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, págs. 127 e 224.
150. Idem, pág. 86.
151. Idem.
152. Ferguson: Abhandlung über die Geschichte der bürgerlichen Gesellschaft, pág. 257.
153. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, págs. 127 e 224.
154. Cf. Otto von Gierke: Die Staats- und Korporationslehre der Neuzeit, Berlim, 1913,
pág. 310 (Das deutsche Genossenschaftsrecht, vol. 4).
155. Cf. Emil Littré: Dictionnaire de la langue française, vol. 2, pág. 369 (machine, n.° 15).
156. Artigo da Encyclopédie, pág. 135 s.
157. “Marx an Engels”, 28 de janeiro de 1863, in MEW, vol. 30, pág. 321; apud
Wolfgang Jonas e outros: Die Produktivkrãfte in der Geschichte, vol. 1, Berlim,
1969, pág. 212.
158. Apud Ferdinand Brunot: Histoire de la langue française, vol. 6 : Le XVIII siècle. 1.°
tomo, fase. 1: Le mouvement des idées et le vocabulaire technique, Paris, 1966,
pág. 94.
159. Ferguson: Abhandlung über die Geschichte der bürgerlichen Gesellschaft, pág. 257.
160. Adam Smith: Eine Untersuchung über Natur und Wesen des Volkswohlstandes
(1776), vol. 2, Jena 1923, pág. 92; apud Hartmut Neuendorff: Der Begriff des
Interesses in den Theorien der bürgerlichen Gesellschaft von Hobbes, Smith und
Marx, Frankfurt a. M. 1973, pág. 86.
161. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, pág. 222.
162. Idem, pág. 223.
163. Hegel: Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie, vol. 3, pág. 412.
164. Marx: Das Kapital, vol. 1, in MEW, vol. 23, pág. 19.
165. Kurt Braunreuther: “Zur Geschichte des staatswissenschaftlichen Faches ander
Humboldts-Universitât zu Berlin im ersten Halbjahrhundert ihres Bestehens. Eine
theoriegeschichtliche Studie”, in Wissenschaftliche Zeitschrift der H um boldt-
Universitãt, Gesellscbafts-und sprachwissenschaftliche Reihe, caderno 4/1959/60,
pág. 433.
18 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL, 1
166. A apresentação de Kurt Braunreuther forneceu as fontes, mas foi levada a juízos
absurdos em geral e sobre a importância de Dohm, em particular, porque foi apre
sentada sobre a tese básica de que a fisiocracia de então, na Alemanha, representava
“o mais alto grau do pensamento político e econômico” (Kurt Braunreuther: Die
Bedeutung der physiokratischen Bewegung in Deutschland in der 2. Hàlfte des 18.
Jahrbunderts. Ein geschichtlich-politõkonomischer Beitrag zur “Sturm-und-Drang”
Zeit. Diss. Humboldt-Universitát Berlin, 1954, pág. 193). Um quadro totalmente
diferente de Dohm fornece Walther Hofstaetter em Das deutsche Museum (1776-
1788) und Das neue deutsche Museum (1789-1791). Ein Beitrag zur Geschichte der
deutschen Zeitschriften im 18. Jahrhundert, Leipzig, 1908. Forster tornara-se amigo
de Dohm desde seu encontro em Kassel e já naquela época conhecia bem o trabalho
de Dohm; cf. “Brief an Jakobi” de 10 de outubro de 1779, in Forster: Werke in vier
Bãnde, org. por Gerhard Steiner, vol. 4. Leipzig, pág. 132 s. A opinião citada na
carta a Sõmmering de 14 de agosto de 1784, idem, pág. 289.
167. Wilhelm von Humboldt: Tagebücher, org. por Albert Leitzmann. vol. 1, Berlim, 1922,
pág. 90 (Gesammelte Schriften, vol. 14). Humboldt “no início, não entendeu Dohm
completamente”, mas depois reconheceu que “suas idéias não eram banais, pelo con
trário, eram novas, bem esboçadas e altamente interessantes”. Quando compreendeu
que a função estatal da segurança era equivalente ao desenvolvimento independente
do Estado da “agricultura, fábricas, comércio, esclarecimento, moral”, tirou a seguin
te conclusão: “Ele tinha, assim como eu, o maior cuidado com o bem do ser humano,
neste sentido, a liberdade de todos os atos.” O caráter de revelação que teve para o
jovem Humboldt seu contato com Dohm dirigiu necessariamente sua pesquisa para
Smith, pai espiritual das “principais idéias” de Dohm. Mas, na ciência histórica alemã,
Dohm ficou registrado como “fisiocrata convicto”. Cf. Siegfried A. Kãhler, Wilhelm
von Humboldt und der Staat (1927), 2.a ed., Gõttingen, 1963, pág. 140. O mesmo
desinteresse por Dohm aparece na pesquisa de Forster. Segundo Ludwig Uhlig, “seria
ocioso reconstruir exatamente o comércio espiritual entre Dohm, Humboldt e Forster”
(Uhlig: Georg Forster, Tübingen, 1965, pág. 164, cf. também pág. 162).
168. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, pág. 67.
169. Kãhler: Wilhelm von Humboldt und der Staat, pág. 138.
170. “Humboldt 1793 an Brinkmann” (inédito n.° 27): apud Kãhler: Wilhelm von
Humboldt und der Staat, pág. 149.
171. É secundário para o exame da história do pensamento se Humboldt conheceu a
bíblia do liberalismo por intermédio de Dohm ou também diretamente. Parece que
sim, pela maneira como ele quer ver os operários na sua característica de proprie
tários da força de trabalho sujeitos a impostos diretos: “Dentre os sistemas possí
veis de tributos diretos, o sistema fisiocrático é indubitavelmente o mais simples.
Porém — e aí temos uma crítica freqüente — esqueceu-se um dos produtos naturais,
a saber, a força do homem, que com seu efeito e trabalho se transforma nas nossas
18 9
LU I Z C O S T A LIMA
187. Schiller: Gesammelte Werke, vol. 8, pág. 413. Por “compreensão de tabelas” tal
vez houvesse uma alusão ao principal fisiocrata, Quesnay. No muito citado Elogio
a Quesnay, Mirabeau, em 1775, assinala como as três grandes descobertas da so
ciedade burguesa a escrita, o dinheiro e as tabelas econômicas.
188. Schiller: Gesammelte Werke, vol. 8, pág. 415.
189. Hans-Dietrich Dahnke: “Zur weltanschaulich-ãsthetischen Konzeption von Goethe
und Schiller”, in Weimarer Beitràge, 8/1970, pág. 17.
190. Schiller: Gesammelte Werke, vol. 8, pág. 418.
191. Rosa Luxemburgo: “Rezension zu Franz Mehring, Schiller. Ein Lebensbild für
deutsche Arbeiter” (1904/05), in Luxemburg, Schrifen über Kunst und Literatur,
Dresden, 1972, pág. 20 s.
192. Claus Tráger: “Schiller ais Theoretiker des Übergangs vom Ideal zur Wirklichkeit
(1959), in Tráger: Studien zur Literaturtheorie und vergleichenden Literatur-
gescbicbte, Leipzig, 1970, pág. 74.
193. Na qualidade de editor do Neuen Tbalia, onde publicou um capítulo, Schiller esteve
de posse, durante meses, do manuscrito de Humboldt “Ideen zu einem Versuch...”,
publicado por inteiro apenas em 1851, e o conhecia a fundo. Inicialmente, optou
por uma “total reformulação”; “algumas idéias” do ensaio “não o deixaram desinte
ressado”. Como Schiller na época se ocupava dos mesmos temas, Humboldt chegou
a pensar em um prefácio daquele (Der Briefwecbsel zwiscben Friedrich von Schiller
und Wilhelm von Humboldt, org. por Siegfried Seidel, vol. 1, Berlim, 1962, págs.
46, 48, 56). Como Schiller conhecia o Anhang einiger Betracbtungen zu Macfarlan,
pode-se, por um lado, supor por que Garve era “o predileto dentre os filósofos” e,
por outro, concluir por que dirigiu a Garve um convite para fornecer ao Horen um
artigo sobre “as relações do escritor com o público e do público com o escritor”.
Pois, no prefácio ao Anhang, Garve havia se expressado sobre a relação entre o de
senvolvimento do escritor livre e o sistema de tradução — uma observação brilhan
te que até hoje não foi superada. Altamente característica do altivo desprezo do
pensamento econômico é a opinião de Kerner sobre as exposições contidas nas cartas
de Garve: “Quase poderíamos pensar que ele se esforçou em produzir as mais chãs
e triviais páginas sobre este tema. Melhor para o Horen que ele não haja enviado
nada.” (“Brief an Schiller” de 20 de novembro de 1794, in “Briefe an Schiller 1794/
95”, org. por Schulz: Schillers Werke. Nationalausgabe, vol. 35, Weimar 1964, pág.
92; “Garve an Schiller”, 17 de outubro de 1794, idem, pág. 73 ss.; “Schiller an Garve”,
1.° de outubro de 1794, in Nationalausgabe, vol. 27, Weimar, 1958, pág. 57).
194. Schiller: Gesammelte Werke, vol. 8, pág. 401.
195. Schillers Briefe. Kritiscbe Gesamtausgabe, org. por F. Jonas, vol. 3, Stuttgart, 1893,
pág. 335 s.
196. Schiller: Über naive und sentimentaliscbe Dichtung (1795/96), in Gesammelte
Werke, vol. 8, pág. 626.
19 1
LUI Z COSTA LIMA
197» “Schiller an Kõrner, 12 de setembro de 1974, in Nationalausgabe, vol. 27, pág. 46.
198. Schiller: Gesammelte Werke, vol. 8, pág. 405.
199. Trãger: Studien zur Literaturtheorie und vergleichendeLiteraturgeschichte, pág. 70.
200. Rudolf Haym: Wilhelm von Humboldt. Lebensbild und Charakteristik, Berlim, 1856,
pág. 42.
201. Schiller: Gesammelte Werke, vol. 8, pág. 402.
202. Idem, pág. 406.
203. Idem, págs. 494 e 496.
204. Idem, pág. 404.
205. Idem, pág. 402.
206. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, pág. 216.
207. Idem, pág. 220.
208. Humboldt: “Ideen über Staatsverfassung, durch die neue Franzõsische Constitution
veranlasst”, in Werke, vol. 1, pág. 34.
209. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, pág. 221.
210. Tráger: Studien zur Literaturtheorie und vergleichenden Literaturgeschichte, pág. 75.
211. Humboldt: “Ideen zu einem Versuch...”, in Werke, vol. 1, pág. 218.
212. Franz Mehring: “Schiller, Ein Lebensbild für deutsche Arbeiter” (1905), in Mehring,
Gesammelte Schriften, vol. 10, Berlim 1961, pág. 190. Com isto, Mehring corri
giu silenciosamente a interpretação que dera em “Ãsthetischen Streifzügen” (1898)
sobre a Ãsthetischen Erziehung, quando atribuiu à “vidência” de Schiller uma com
preensão da essência da “sociedade burguesa naquela Alemanha que ainda nada
sabia da grande indústria e quase nada da manufatura” {Gesammelte Schriften, vol.
11, Berlim, 1961, pág. 157).
213. Cf. R. Pohlmann, “Autonomie”, in Historisches Wòrterbuch der Philosophie, org.
por Joachim Ritter, vol. 1, Basel 1971.
214. Belinski: “Literarische Tráumereien” (1834), cit. de acordo com: W. Belinski, der
Begründer der modernen Literaturkritik, Berlim, 1948, pág. 65.
215. Belinski: “Rede über die Kritik” (1842), in Meister der Kritik. Berlinski, Do-
broljubowy Tscbernyscbewski, Berlim, 1953, págs. 48 e 112.
216. Franz Xaver von Baader: “Fermenta cognitionis”, in Baader, eíSâmtliche Werke,
org. por von Hoffmann, vol. 2, Leipzig, 1851, pág. 414; cit. de acordo com
Pohlmann, “Autonomie” (op. cit.).
217. Benno von Wiese: “Dichter, Schriftsteller, Narren”, in Literatur und Dichtung, org.
por Horst Rüdiger, Stuttgart 1973, pág. 95; Kãte Hamburguer: “Das Wort
‘Dichtung’” (idem, pág. 42).
218. Hegel a Schelling, in Briefe von und an Hegel, vol. 1, Hamburgo, 1952, pág. 24;
cit. de acordo com Gulyga, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, pág. 31.
219. Marx: “Randglossen zu Adolph Wagners Lebrbuch der politischen Õkonomie”
(1879/80), in MEW, vol. 199, pág. 372.
1 9 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
1 9 3
LUIZ COSTA LIMA
241. Lessing: Sâmtliche Werke, org. de Friedrich Muncker, 3.a ed., Leipzig 1904-1907,
vol. 17, pág. 348; vol. 18, págs. 67 s., 131; apud Haferkorn, “Der freie Schrifts
teller”, in Archiv für Geschichte des Buchwesens, vol. 5, esp. pág. 621.
242. “Schiller an Baggesen”, 16 de dezembro de 1791, in Schillers Briefe, Kritische
Gesamtausgabe, vol. 3, pág. 179.
243. Gerhard Bauer (Lili, tomo 1-2/1970/71, pág. 47) nega esta questão.
244. Humboldt já observara que sem uma causa externa, como a de preencher os va
zios de uma de suas revistas, e sem uma publicação periódica, não teriam nascido
alguns dos trabalhos schillerianos e mesmo alguns de “os mais belos”. Humboldt
chegou mesmo a formular a tese oposta à de Schiller: “Um trabalho levado a cabo
por uma finalidade externa não se torna menor”, in Der Briefwechsel zwischen
Friedrich Schiller und Wilhelm von Humboldt, vol. 2, Berlim, 1962, pág. 175,
carta de 5 de setembro de 1798.
245. Marx: Das Kapital, vol. I, in MEW, vol. 23, pág. 87.
246. Cf. M. H. Abrams: “What’s the use of theorizing about the arts?”, in In Search of
literary history, Bloomfield, Ithaca 1972, pág. 46.
247. Marx: Das Kapital, vol. I, in MEW, vol. 23, pág. 88.
248. “Estão mortos e restritos os trabalhos de arte mecânica; os trabalhos da mais alta
cultura do espírito estão vivos, movem-se em si mesmos e são inesgotáveis”, A. W
Schlegel: Vorlesungen über schõne Literatur und Kunst, org. de J. Minor, parte 1,
Die Kunstlehre (Berlim 1801/02), Heilbronn, 1884, pág. 8.
249. Hegel: Enzyklopãdie der pbilosophischen Wissenschaften im Grudrisse (1817),
in Hegel: Sâmtliche Werke, org. de Lasson/Hoffmeister, vol. 5, Leipzig, 1949,
pág. 182.
250. Baeumler: Das Irrationatitãtsproblem in der Ãsthetik und Logik des 18. Jahrhunderts
bis zur Kritik der Urteilskraft, pág. 250.
251. A. W Schlegel: Vorlesungen über schõne Literatur und Kunst, pág. 54.
252. Johann Georg Sulzer: Allgemeine Theorie der Schõnen Künste, parte 2, Leipzig,
1771, pág. 609.
253. Cf. Goethe: Kunsttheoretische Schriften und Übersetzungen. Schriften zur bildenden
Kunst, vol. 1, Berlim, 1972, pág. 22 ss. (Berliner Ausgabe, vol. 19).
254. Moritz: Versuch einer Vereinigung aller schõnen Künste..., in Moritz: Schriften zur
Ãsthetik, pág. 6.
255. Wolf Kaiser/Gert Mattenklott: “Ãsthetik ais Geschichtsphilosophie. Die Theorie
der Kunstautonomie in den Schriften Karl Philipp Moritzens”, in Westberliner
Projekt: Grundkurs 18. Jahrhundert. Die Funktion der Literatur bei der Formierung
der bürgerlichen Klasse Deutschlands im 18. Jahrhundert (análises), org. de Gert
Mattenklott e Klaus R. Scherpe, Kronberg/Ts. 1974, pág. 252 (Literatur im
historischen Prozess 4/1). O aspecto histórico-filosófico parece-me enganoso e
supervalorizado, como comprovaria uma análise do conceito de gênero em Moritz.
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
256. Alfred Kurella: “Kunstwerk ais Eigenwert”, in Sinn und Form, caderno 3/1969,
pág. 745.
257. Friedrich Schlegel: “Lessings Gedanken und Überlegungen”(1808), in Kritiscbe
Friedrich Schlegel Ausgabe, parte 1, vol. 3, org. por Hanns Eichner, Munique, 1975,
pág. 58.
258. “Friedrich Schlegel an A. W. Schlegel”, 26-8-1791, apud Heinz-Dieter Weber,
Friedrich Schlegels ‘Transzendentalpoesie’. Untersuchungen zum Funktionswandei
der Literaturkritik im 18. Jahrhundert, Munique, 1973, pág. 72.
259. Moritz: “Bestimmung des Zwecks einer Theorie der schõnen Künste” (1795), in
Moritz: Schriften zur Ãsthetik und Poetik, pág. 122.
260. Moritz: “Die Signatur des Schõnen. In wie fern Kunstwerke beschrieben werden
kõnnen?” (1788), in Moritz: Schcriften zur Ãsthetik und Poetik, pág. 103.
261. Weber: Friedrich Schlegels ‘Transzendentalpoesie, pág. 77...
262. Moritz: Schriften zur Àsthetik und Poetik, págs. 142, 301, 303 e 306.
263. Hermann Hettner: Geschichte der deutschen Literatur im 18. Jahrhundert (1856-
1883), vol. 2, Berlim, 1961, pág. 275. — Marx/Engels: Über Kunst und Literatur,
org. por Manfred Klien, vol. 1, Berlim, 1967, pág. 484.
264. August Wilhelm Schlegel: Vorlesungen über dramatische Kunst und Literatur, org.
por G. V Amoretti, vol. 2, Bonn, 1923, págs. 100 ss, 50 e 57.
265. Idem, pág. 7. — “Friedrich Schlegel, Georg Forster, Fragment einer Charakteristik
der deutschen Klassiker” (1797), in Meisterwerke deutscher Literaturkritik, org.
por Hans Mayer, 3.a edição, vol. 1, Berlim, 1963, pág. 520 s.
266. Moritz: Versuch einer Vereinigung aller schõnen Künste..., in Moritz: Schriften zur
Ãsthetik und Poetik, pág. 6 s.
267. Idem, pág. 7.
268. Brecht: Arbeitsjournal, 2-1-1948, apud Werner Mittenzwei: Brecbts Verhãltnism
zur Tradition, Berlim, 1972, pág. 175.
269. Gesellschaft — Literatur — Lesen, pág. 225.
270. Moritz: Versuch einer Vereinigung aller schõnen Künste..., in Moritz: Schriften zur
Àsthetik und Poetik, pág. 7 s.
271. Rudolf Zacharias Becker: Das Eigentumsrecht an Geisterwerken, Frankfurt, 1789,
pág. 18; apud Haferkorn: “Der freie Schriftsteller”, in Archiv für Geschichte des
Buchwesens, vol. 5, esp. pág. 571.
272. Geschichte der marxistischen Dialektik. Von der Entstehung des Marxismus bis zur
Lelinschen Etappe, Berlim, 1974, pág. 220.
273. Georg Lukács: “Frie oder gelenkte Kunst” (1947), in Lukács: Schriften zur Ideologie
und Politik, Neuwied-Berlim, 1967, págs. 446 e 460.
274. Idem, pág. 444.
275. Ibidem, pág. 448.
276. Ibidem.
19 5
LUI Z COSTA LIMA
277. Alfred Kurella, “Reichtum und Armut — neu betrachtet” (1947), in Kurella: Der
Mensch ais Schõpr seiner selbst, Berlim, 1958, pág. 99.
278. Clemens Brentano: Briefwechsel mit Sophie Mereau, org. por Amelung, Potsdam
1939, pág. 178 s., apud Haferkorn, “Der freie Schriftsteller”, op. cit.
279. Geselschaft — Literatur — Lesen, pág. 108.
280. Marx: Das Kapital, vol. 1, in MEW, vol. 23, pág. 93.
281. Forster: “Ansichten vom Niederrhein”, in Forster: Sâmtliche Schriften, vol. 9,
págs. 41 e 27.
282. Moritz: Versuch einer Vereinigung aller schõnen Künste..., in Moritz: Schriften zur
Àsthetik und Poetik, pág. 8.
283. Moritz: Über die bildende Nachahmung des Schõnens, in Moritz: Schriften zur
Àsthetik und Poetik, pág. 77.
284. Annemarie Auer: Die kritische Wãlder. Ein Essay über den Essay, Halle, 1975,
pág. 165.
285. Moritz: Über die bildende Nachahmung des Schõnen, in Moritz: Schriften zur
Àsthetik und Poetik, pág. 86.
286. Idem, pág. 87.
287. Cf. Dieter Schiller: Von Grund aufanders. Programmatik der Literatur im antifaschis-
tischen Kampf wahrend der dreissiger Jahre, Berlim 1972, pág. 192 ss. — Seme
lhantemente, Werner Mittenzwei: Brechts Verhãltnis zur Tradition, Berlim, 1972,
pág. 60 ss.
288. Herbert Marcuse: “Über den affirmativen Charakter der Kultur”, in Zeitschrift für
Sozialforschung, caderno 1/1937, págs. 60, 62 (reimpresso em Munique, 1970).
289. Moritz: Über die bildende Nachahmung des Schõnen, in Moritz: Schriften zur
Àsthetik und Poetik, pág. 88.
290. Idem.
291. Alfred Kurella: “Reichtum und Armut — neu betrachtet”, op. cit. pág. 95.
292. Idem, pág. 96.
293. Moritz: Schriften zur Àsthetik und Poetik, pág. 88.
294. Idem, págs. 70 e 88.
295. Trãger: “Schiller ais Theoretiker des Übergangs vom Ideal zur Wirklichkeit”, in Tráger:
Studien zur Literaturtheorie und vergleichenden Literaturgeschichte, pág. 72.
296. Goethe: Berliner Ausgabe, vol. 14, Berlim, 1961, pág. 731. O destaque das partes
reproduzidas nas Italienische Reise já fora feito pelo próprio Moritz que as reim
primiu em 1793, na miscelânea Die grosse Loge, sob o título de “Der bildende
Genius”. Não se pode assim falar de um afastamento tácito por Goethe de certas
teses moritzianas extremadas.
297. Goethe: Tagebucb an Frau von Stein, apud Sigmund Auerbach: introdução a Moritz,
Über die bildende Nachahmungs des Schõnen, Stutthgart, 1888, pág. XIX (grifo
do autor deste ensaio).
1 9 6
TEORIA DA LITERATURA E M S U A S F ONTE S — VOL. 1
298. “Goethe an Zelter”, 29 de março, 1827, in Goethe: Berliner Ausgabe, vol. 18,
pág. 740.
299. A. W Schlegel: Vorlesungen über dramatiscbe Kunst und Literatur, vol. 2, Bonn,
1923, pág. 13. — Madame de Staèl: De la littérature (1800), vol. 1, Paris, 1812,
pág. 268. — Chateaubriand: Essai sur la littérature anglaise (1836); apud Wellek:
Geschichte der Literaturkritik 1750-1830, pág. 693.
300. Johann Stephan Pütter: Der Büchernachdruck nach àchten Grundsãtzen des Rechts
geprüft, Gõttingen 1774, pág. 143; apud Albert Ward: Book production, fiction
and the german reading public 1740-1800, Oxford, 1974, pág. 39.
301. Le Courier du Bas-Rhin, eine in Kleve publizierte Zeitschrift; apud Eugène Hatin:
Les Gazettes de Hollande et la presse clandestine au X V lf et XVIlf siècles, Paris,
1865, pág. 50.
302. As informações referentes a Alemanha se baseiam em Joachim Kirchner, Die
Grundlagen des deutschen Zeitschriftenwesens, 2 volumes, Leipzig, 1928-1931. As
referentes à França se baseiam em Gabriel Bonno, Liste chronologique des pério-
diques de langue française du dix-buitième siècle, in Modem languages notes, 1944.
303. Lessing: Briefe, die neueste Literatur betreffend. Carta 105 (15 de maio, 1760), in
Lessing: Gesammelte Werke, org. por Paul Rilla, 2.a edição, vol. 4, Berlim, 1968,
pág. 381.
304. Moncrif: De Vesprit critique (1743), in Moncriff: Oeuvres, vol. 2, Paris, 1768,
pág. 217.
305. Goethe: “Literarischer Sansculottismus” (1795); apud Meisterwerke deutscher
Literaturkritik, vol. 1, pág. 363.
1 9 7
CAPÍTULO 5 Literatura e filosofia:
(Grande sertão: veredas)
BEN ED IT O N U N E S
199
PRÓLOGO NÃO MUITO CURTO
2 0 1
LUI Z COSTA LIMA
3 — Não é este, por certo, o debate que continuará aqui. Mas, até porque se
lhe concedeu prioridade, colocada que foi, nesse colóquio, à testa das disci
plinas — Antropologia, Sociologia, Psicanálise e Lingüística — que deverão
investigar a literatura, de acordo com os objetos de conhecimento que lhes
são próprios, e das perspectivas metodológicas que as particularizam enquanto
ciências determinadas, a fiilosofia está confrontada às ciências humanas.
Cumpre-nos, assim, indagar qual seria, afinal, a competência da filosofia nessa
matéria.
Essa competência decorreu da discriminação metafísica de que falamos;
firmou-se através da Poética, disciplina que, ao lado da Lógica e da Ética, já
participava da configuração do conhecimento filosófico enquanto episteme,
conhecimento subordinativo dos domínios da ação e da atividade formadora,
202
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥01. 1
203
LUI Z COSTA LIMA
2 0 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOl. 1
Tudo o que vai ser exposto acerca dessa obra tem o caráter de reflexão sobre
uma forma, reflexão que procurará acompanhar, na análise do romance de
Guimarães Rosa, os pontos de incidências antes referidos.
O primeiro ponto, a linguagem, leva-nos ao aspecto mais sistematicamente
estudado das novelas, dos contos, das histórias e do romance do escritor mi
neiro, objeto de numerosas análises estilísticas que permitiram levantar os
recursos poéticos e retóricos aos quais essa obra, e de modo particular Gran
de sertão: veredas, deve o seu poder verbal explosivo.
Depois que se conseguiu isolar as matrizes mínimas do idioma literário
de Guimarães Rosa, será conveniente considerar esse poder verbal em fun
ção da própria narrativa como um todo. De tal ponto de vista, o que é que
peculiariza a linguagem de Grande sertão: veredas?
Já observara Mary L. Daniel que a maioria das histórias de Guimarães
Rosa e Grande sertão: veredas são estruturadas em forma de narrativa oral.13
Trata-se, portanto, como bem lembrou Walnice Nogueira Galvão, de uma
oralidade ficta, “criada a partir de modelos orais mediante a palavra escri
ta”,14mas oralidade ficta que traduz um afastamento e um recuo: afastamen
to em relação às tradições da escrita romanesca, particularmente a oriunda
do realismo, e recuo para estilo que já constitui o índice da mimese da lin
guagem que se opera no romance.
Grande sertão: veredas é um romance polimórfico. As formas heterogê
neas a ele incorporadas, por efeito desse recuo, que o nível de oralidade de
sua narrativa nos indica, apontam para toda uma atividade preliminar, for
madora. Referimo-nos à atividade geradora de formas simples (Einfache
Formen) — a Lenda e a Saga, o Mito e a Adivinhação (Charada ou Enigma),
2 0 5
LUI Z COSTA LIMA
206
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL* 1
2 0 7
LU I Z C O S T A LIMA
2 0 9
LUIZ COSTA LIMA
211
LUI Z COSTA LIMA
se no amor permitido, mas impossível, pela mulher disfarçada que ele já era
em vida. E o travestimeeto da mulher combatente em trajes masculinos —
êmula das heroínas medievais, dos Romanceiros e epopéias de Cavalaria —-
que caí sobre a paixão perigosa que o mito permitiu condensar, ao desnu
dar-se dama, aquele, aquela, que se chamava Maria Deodorina da Fé Betten-
court Marins — “que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e
mais para muito amar, sem gozo de amor...” (pág. 568). Á transfiguração
onírica cessa, o encanto demoníaco se quebra. Reinaldo Diadorim foi gosta
do como homem, em dormência (pág. 276), de corpo a corpo (“Meu corpo
gostava de Diadorim”, pág. 273). Com a morte, a transfiguração onírica se
estanca; a neblina e a turbulência, a atmosfera de sonho, o pesadelo e o en
cantamento, acentuados na parte final do romance, correspondente às proe
zas de Urutu Branco, desapareceram. E enquanto o amor interdito se fixa e
se sublima na queda do disfarce, o cavaleiro corajoso e encoberto converti
do em dama desnuda, o romance “de bel-ver, bel-fazer e bel-amar” (pág. 184)
perde o seu encanto de gesta medieval e também se desencanta; a mentira
romântica, a mentira do criador de fábulas, se transforma em verdade roma
nesca *— nesse caso, a incompletude do sujeito narrador que se busca a si
mesmo, e que procura completar-se através da narração. Poderíamos dizer,
em linguagem hegeliana, que essa verdade romanesca, a verdade do roman
ce moderno e a verdade do Grande sertão: veredas, é, para aproveitarmos o
conceito de Lukács, a necessidade, que marca a obra com a muito profunda
melancolia de todo grande romance autêntico,20 de uma contínua e intransfi-
gurável reflexão, jamais totalizada.
2 12
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 13
LUIZ COSTA LIMA
Demônio, já por ele tão aproximados. Não sendo nem um nem outro, esse
terceiro termo — o Grande sertão, Sertão-Mundo, Sertão supra-regional23
— é a diferença que os separa, e que os mantém como aspectos complemen
tares de uma mesma realidade problemática.
Traiçoeiro como Deus, bruto como o Demônio, o Grande sertão sorra
teiro, que “vai virando tigre debaixo da sela” (cf. pág. 324), o Grande ser
tão certo e incerto (cf. pág. 149), onde não se pode saber o que vale e o
que não vale, antes da decisão e da ação, o Grande sertão que ninguém
encontra quando procura (cf. pág. 360), é o espaço de errância em que o
homem se perde para encontrar-se. “O sertão é bom: tudo aqui é perdido,
tudo aqui é achado” (pág. 427). Essa realidade problemática e onipresente
da existência humana e do mundo interligados, em que o sertão regional
se transforma, corresponde ao repetido motivo, que alenta a reflexão, do
viver perigoso, não só arriscado mas incerto, viver de que não há senão um
discernimento incompleto e limitado, e cuja regra certa, sempre visada e
pressentida, não se possui antecipadamente: “Viver — não é? —- é muito
perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o vi
ver, mesmo” (pág. 550) — “Vivendo se aprende, mas o que se aprende,
mais, é só a fazer outras maiores perguntas” (pág. 389/390).
Ao começarmos a leitura de Grande sertão: veredas, é o epos que nos
envolve e nos entrega ao m ito; ao terminá-la, porém, é o mito, suspenso à
indagação reflexiva que foi capaz de neutralizá-lo, que nos entrega a um ethos,
quer dizer, à inquietação ética ou a uma ética da inquietação, e não a um
código moral. Se o mito sobredeterminou o epos, o ethos do viver perigoso
sobredetermina, por força da reflexividade dominante da narração, o pró
prio mito, e o pacto com o Demônio assume então a forma do destino con
tingente: a forma da existência que se temporaliza.
2 14
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 15
LUIZ COSTA LIMA
2 1 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOl. 1
2 17
Notas
17. Ver, a propósito, Xenofonte, Apologia, II, e Platão, Apologia de Sócrates, 28, e.
18. As quatro estrofes desse poema, que Goethe comentou em 1820, quando publica
dos na Morpbologie e em Kunst und Altertum (II. 3), versam, sucessivamente, so
bre as cinco palavras-chave Demônio, Acaso, Amor, Necessidade e Esperança. Cf.
Henri Lichtenberg, La Sagesse de Goethe, La Renaissance du livre, Paris.
19. Kerényi, Lenfant divin, Jung, Contribution à la psychologie de Varchétype de
Venfant, in C. G. Jung e Ch. Kerényi» Introduction à Vessence de la mythologie
(Uenfant divin — La jeune filie divine), Petite Bibliothèque Payot, Paris. Ver, tam
bém, de Jung, Psicologia de la Transferencia, págs. 45/46, Buenos Aires, Paidos.
Acerca da androginia, particularmente, Mircea Eliade, Mytbes, Rêves et Mystères,
pág. 234, Gallimard.
20. Georges Lukács, La Théorie du roman, pág. 80. Editions Gonthier, 1963.
21. Luiz Costa Lima, O Sertão e o Mundo: Termos da Vida, Por que literatura, págs.
93/94, Petrópolis, Vozes, 1966.
22. “Um só e mesmo caminho para cima e para baixo” — Heráclito, Frag. 60. E o que
a Tábua Smaradigna, documento básico da tradição hermético-alquímica, repete
ampliando: “... o que está embaixo é como o que está em cima, o que está em cima
é como o que está embaixo...”.
23. Referiu-se Antonio Cândido ao supra-regionalismo de João Guimarães Rosa, no
quadro das tendências atuais da novelística da América Latina. Vide, do ensaísta,
Literatura y Subdesarrollo, América Latina en su literatura, Coordenação e intro
dução por Cesar Fernandez Moreno, Siglo Veintiuno Editores.
24. Walter Benjamin, “Affinités Electives” de Goethe, Oeuvres Choisies, Julliard.
25. Op. cit., idem, pág. 151.
26. Gilles Deleuze, Différence et Répetition, págs. 252/253, Presses Universitaires de
France, 1968.
27. Nietzsche, Das Pbilosophenbuch, 53, pág. 69, Aubier-Flammarion.
2 1 9
cap ítu lo 6 Literatura e psicanálise
a desligação
A N D R É G R EEN
2 2 3
LUI Z COSTA LIMA
seu tempo que às do passado, como se ela parecesse recuar diante daquelas,
ou até mesmo entregar os pontos diante da literatura que tem a sua mesma
idade.
Haveria então de algum modo um evitamento da psicanálise com rela
ção à literatura de hoje, apesar de seu encontro ser patente, apesar de a psi
canálise estar manifestamente presente nos três lados do triângulo literário:
lado do escritor, lado do leitor, lado do crítico. De fato, seria preciso inter
rogar-se sobre o efeito de duplo sentido da relação entre literatura e psica
nálise: efeito da psicanálise sobre a literatura e efeito da literatura sobre a
psicanálise. De Freud a Lacan, há uma marca do literário sobre a obra de
pensamento psicanalítico, um quadro formal da linguagem e da escrita, que
justificariam por si sós um estudo. Entretanto, nós nos ocuparemos do exa
me, em mão única, do efeito da psicanálise sobre a literatura, deixando aos
mais letrados a outra tarefa.
Eis-nos com as mãos na massa. Uma divisão prévia se nos impõe. O efei
to da psicanálise sobre a literatura pode ser o resultado quer do saber, quer
da verdade, isto é, da prova da experiência da psicanálise. Proceder a esta
dicotomia desperta suspeitas. Toda divisão do mundo literário em duas clas
ses, a dos iniciados e a dos não-iniciados, provoca efeitos ambivalentes. A
legitimidade da distinção é criticada tão logo admitida. Vamos opor deter
minada análise literária, notoriamente fraca, cuja responsabilidade recai so
bre a pena de um analista, a um determinado ensaio brilhante cujo autor é
um não-analisado. O escandaloso ostracismo com que cumulamos os não-
iniciados não acarreta nenhuma proibição de direito ou de fato. Pensamos
apenas que se se pretende falar com conhecimento de causa, o saber sobre a
psicanálise não pode ocupar o lugar da formação na prática psicanalítica. E
claro que ter tido a experiência de uma psicanálise e mesmo ser psicanalista
não garante em nada a validade dos trabalhos que se é levado a produzir.
Praticar a psicanálise — ainda que seja a dos textos — necessita, em
nosso entender, que se tenha tido a experiência da psicanálise. Percebe-se
de imediato que esta cláusula concerne aos personagens do triângulo lite
rário de uma maneira muito desigual. Embora leitura e escrita tenham sido
reunidas em uma prática única com duas faces, precisamos separá-las. Do
lado do escritor, a experiência da psicanálise só lhe diz respeito na medida
em que ele pretende escrever sobre a psicanálise ou dar uma orientação
abertamente psicanalítica a um trabalho literário, o que é muito raro. A
literatura atual é abundante em escritos cheios de um saber sobre a psica
2 2 4
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES - VOL, 1
225
LUIZ COSTA LIMA
0 PODER INTERPRETATIVO
Não é raro que o psicanalista encontre na relação analítica uma forma parti
cular de resistência: aquela em que o analisando reage à interpretação que
acaba de lhe ser dada, não pelo efeito que ela produziu nele (prazer ou
desprazer, aceitação ou recusa, reconhecimento ou desconhecimento etc.),
mas sobretudo por um questionamento sobre o poder interpretativo do ana
lista: “Eu me pergunto, diz ele, o que permitiu que você me dissesse isso.
Como é que você fez para, a partir do que eu disse, me dar esta interpreta
ção? Através de que caminhos você passou? Baseado em quê você selecionou
2 2 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
227
LUIZ CO STA LIMA
2 2 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
A DESL1GAÇÃO
2 2 9
LUI Z COSTA LIMA
deixa aqui e ali, pelo fato mesmo de ser uma obra de ficção, portanto gover
nada pelo desejo, vestígios dos processos prim ários sobre os quais foi
edificado. Estes vestígios sempre se traem, atrás da construção necessária do
texto, por seu caráter acessório, adventício, contingente. O olho neles es
barra sem se deter, mas o inconsciente do leitor os percebe e os registra.
Donde, diante de todo texto literário — e quanto mais o texto é forte, mais
este efeito é marcado, nos dois sentidos do termo — o aparecimento de uma
idéia e de um afeto. A idéia é a de um enigma e o afeto, o da fascinação do
texto enquanto emissor. Ambos criam problemas e levam o analista a fazer
esta pergunta, a analisar a fascinação. Em suma, o analista reage ao texto
como a uma produção do inconsciente. O analista torna-se então o analisa
do do texto. E nele que é preciso encontrar uma resposta para esta pergunta,
e ainda mais no caso do texto literário, onde ele só pode contar com as suas
próprias associações. A interpretação do texto torna-se a interpretação que
o analista deve fornecer sobre o texto, mas afinal de contas é a interpretação
que ele deve dar a si próprio dos efeitos do texto sobre seu próprio incons
ciente. Por isso, importa que este exercício de auto-análise seja precedido de
uma análise por um outro, ou, se preferirem, de uma análise do Outro. O
analista põe esta interpretação à prova ao comunicá-la. Trata-se exatamente
de uma prova, pois ele revela abertamente as falhas de sua leitura e os limites
de sua auto-análise. É certo que ele corre o risco de perder o sentido incons
ciente do texto, mas principalmente de desvelar as resistências que encontra
ao desvelamento de seu próprio inconsciente. Aqui uma colocação muito
superficial colocará em evidência a racionalização do analista; lá uma cons
trução artificiosa indicará que ele está “fora de foco”, o que se chama em
jargão analítico uma interpretação “chutada”. Interpretar é sempre assumir
o risco interpretativo.
A credibilidade da interpretação não está em causa. A aceitação ou a re
jeição não têm nenhuma utilidade para julgar sobre o valor da interpretação.
Se se diz que o delírio é da interpretação, é preciso aceitar em troca a idéia
que a interpretação do psicanalista aos olhos dos outros é também um delí
rio. Mas a força de resposta provocada pela interpretação testemunha sua
fecundidade ou sua esterilidade. O analista, a partir dos vestígios (traces) que
permanecem abertos a seu olhar-escuta, não lê o texto, ele o desliga. Quebra
a secundariedade para encontrar, aquém dos processos de ligação, a desligação
que a ligação encobriu. A interpretação psicanalítica tira o texto de seu sulco
(delirar = colocar fora do sulco). O analista desliga o texto e o “delira”. Donde
23 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS f OWTES — VOl, 1
2 3 1
LUI Z COSTA LIMA
2 3 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
o texto com uma claridade muito crua, despoja-o do halo de sua leitura ori
ginária. Recrimina-se o psicanalista porque tocou na santa penumbra do texto,
propícia ao nascimento dos fantasmas que acompanham a leitura.
Todo saber verídico é acompanhado de uma perda irrecuperável. Uma
ferida narcísica infligida a quem quer levantar o véu da ilusão Assim o anali
sando, ao termo de sua análise, lastima às vezes a sua neurose, pois ela lhe
dava a impressão de se sentir um ser de exceção, mesmo que fosse preciso
pagar o preço com a angústia e o sofrimento.
LER E ESCREVER
2 3 3
LUI Z COSTA LIMA
2 3 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 3 5
LUI Z COSTA LIMA
236
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
*Fregoliano: de Leopoldo Fregoli, ator italiano (Roma 1867 — Viareggio 1936), n o tab ili
zado pela variabilidade de papéis por ele desem penhados, chegou a encarnar m ais de 60
papéis. (N. do Org.)
**No original: “M ontre-toi”, “regarde-m oi” e “m ontre tnoi” “regarde toin. Os dois últim os
indicam jogos de palavra intraduziveis, onde o m oi corresponde ao Eu (no alem ão Ich) ou
ego, enquanto conceito psicanalítico. (N. do T.)
137
LUI Z COSTA LIMA
AS TRANSFORMAÇÕES DA ESCRITA
2 3 9
LUI Z COSTA LIMA
240
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
escolhidos por seu valor Ilustrativo. Marthe Robert soube mostrar multo bem
que o Dom Quixote é um livro sobre os livros, sobre a literatura. Esta obra
exemplar só pode ser lida com os olhos da representação, porque ela é
construída em “quadros” de aventuras do herói principal ou dos persona
gens secundários, de modo que a narrativa faz aparecer e desaparecer o tem
po da história que os faz viver “no papel”.
Na escrita figurativa, a especificidade do literário preenchia uma função
entre outras. Ela servia ao mesmo tempo de tampão, de filtro e de conversor.
A literalidade do texto se abeberava do sangue, do suor e das lágrimas que
alimentavam o texto para lhe dar uma outra figura na criação do escrito. O
significado passava em parte no significado literário (as representações pré-
conscientes evocadas pelo texto) e em parte no significante escrito. O valor
funcional e econômico do significante era a relação do velar-desvelar,
ocultamento furtivo da coisa mostrada, cintilante e evanescente, objeto da
captação imaginária. A escrita era a passagem, a leitura descoberta do per
curso que constituiu a passagem. Por mais explícito que se quisesse na apa
rência, o texto era sempre lacunar. Quanto mais ele pretendesse aproximar-se
do explícito, mais ainda ele aumentaria a distância do explícito ao implícito,
porque mais ainda se colocaria a pergunta de como uma obra escrita, um ser
de ficção, podia insuflar vida. Para bem compreender o que é um escrito em
que tudo é explícito, em que a representação é integralmente restituída, se
ria preciso abandonar o campo da literatura e abrir o tratado de anatomia.
Ora, o tratado de anatomia visa à descrição do corpo vivo, mas é escrito a
partir da descrição do cadáver. Ainda que se trate de um cadáver “tratado”,
no qual a preparação deteve o processo de decomposição da morte. Escre
ver é o contrário de descrever. Descrever supõe o desvelar total, a nudez
absoluta da morte. A morte do objeto da descrição corresponde paralela
mente à morte da escrita na descrição.
Portanto, uma clivagem separa sempre o texto da representação. E não é
à toa que Freud tinha adiantado que o que caracteriza o inconsciente é que
nele só reina a representação de coisa, ao passo que o consciente e o pré-
consciente compreendem a representação de coisa e a representação de pa
lavra. Mas é preciso acrescentar que o núcleo do inconsciente é inacessível,
isto é, que certas representações permanecerão para sempre inconscientes,
não representáveis, e que entre a representação de coisa e a representação
de palavra persiste uma distância. Se tornar consciente consiste em relacio
nar a representação de coisa e a representação de palavra, há uma ordem
2 A %
LUIZ COSTA LIMA
2 4 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
mas o estado do corpo próprio na sua manifestação mais violenta. Além dis
so, nota-se que se opera entre o corpo e o pensamento um curto-circuito,
que faz do pensamento um órgão corporal. Deve-se ler Artaud e Beckett sob
este ângulo. Quanto ao primeiro, ele não parou de repetir o quanto a “lite
ratura” lhe era indiferente, que só lhe importava a realidade extraliterária
evidenciada através do que escrevia. Toda a sua correspondência traz esta
marca. E se durante toda a sua vida Artaud não deixou de relacionar-se com
os psiquiatras, os taumaturgos, os videntes, foi porque expunha-lhes o cor
po fervilhante de miasmas que ele próprio convocava, pois seu pensamento
é um corpo e, bem entendido, um corpo sexuado. Desde os primeiros anos
em que escreve, solicita “injeções de suco testicular”. Só lhe importa o con
tato com as “potências do espírito”, mas as concebe como as potências de
um sexo corporal. Quando Artaud descreve os fenômenos múltiplos que o
impedem de pensar, usa uma escrita que lembra a de Gaetan Gatian de
Clérambault, o mais brilhante representante do organicismo em psiquiatria,
o qual, salvo engano, ele nunca conhecera. E quando seus êmulos e amigos,
a começar por Jacques Rivière, recomendam-lhe que retoque alguns deta
lhes em seus escritos, ele recusa qualquer modificação, pois não lhe interessa
o valor literário do texto, mas a transmissão de um estado corporal, de um
momento de tensão “incorrigível”. Não é proibido pensar que esbravejaria
ante a leitura da utilização que hoje se faz de suas obras. Só nos detivemos
neste exemplo porque o pensamos particularmente demonstrativo. Toda uma
literatura se desenvolve a partir deste impulso, com menos felicidade nos
resultados porque menos bem resolvida a pagar o preço das atitudes que
guiavam Artaud e Daumal, que por elas pagaram bem caro.
Não há “imitação” de Artaud. Há apenas alguns corvos que tentam en
contrar o olhar —- mas amarrando previamente os cintos de segurança —
incapaz de sustentar a contemplação dos corvos que Van Gogh pintou.
No outro pólo, desenvolve-se uma literatura que chamarei aqui de lite
ratura do escrito sublimado. Escrito despojado de toda representação, de toda
significação. Escrito que se esforça por não dizer mais nada além do que é o
processo de escrita. Esta escrita é não figurativa tal como a precedente, pois
nesta última trata-se menos de representar o corpo do que fazê-lo viver em
estilhaços, fragmentados e despedaçados. Aqui a ausência de figurabilidade
faz da escrita a única representação. Esta escrita tira sua opacidade e sua trans
parência dela mesma. Ela é sua própria causa. Seu fim último é chegar a uma
escrita branca, abolindo qualquer vestígio da representação. Ela apaga à
2 4 3
LU I Z COSTA LIMA
2 44
TEORIA OA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥ O L. 1
O RETORNO DA REPRESENTAÇÃO
Assim, tanto de uma maneira como de outra, a escrita moderna não quer
mais se deixar prender à representação. Concreta ou abstrata, ela se quer
não figurativa, mas por este fato o texto está sempre numa situação em que
falha à sua função. Para a escrita do corpo, o texto nunca vive bastante, está
sempre aquém do que se trata de transmitir, e conseqüentemente pensa de
mais. Para a escrita do pensamento, o texto fala demais, ele ainda está muito
ligado à materialidade pela qual deve passar, ele não pensa bastante. Mas aí
não está a falha da escrita moderna em seu combate contra a representação,
Porque escrever, pelo próprio fato de que toda escrita é um vestígio visível já
que legível, e é seu destino ser lida, ainda é representar. Escrever coloca-se
entre a não-representabilidade da escritura e sua inevitável representação.
Um livro branco é ainda um livro, mesmo que sem escritor, sem título e sem
caracteres tipográficos, é um objeto que tem seu lugar numa biblioteca ou
numa livraria. Não e fácil libertar-se da representação; esta exige que lhe seja
pago o tributo de um mínimo vital, sem o que ela deixa de ser escrita. E de
fato, quanto menos o texto ancora na representação, mais ele faz ver, ou pelo
menos representar. Os textos mais vagos são aqueles que solicitam mais nos
sa imaginação. Todo o esforço da literatura é um movimento que aos poucos
a afasta e a aproxima de seu foco. Na escrita corporal, a que zomba da lite
ratura para atingir uma realidade viva, pois optou dizer pela literatura, so
mos levados de volta para a escrita. Assim, os que queriam ir além da literatura
tornaram-se modelos de literatura. Na escrita intelectual, todo o esforço de
identificação entre pensar e escrever acaba por deixar um inevitável hiato
entre um e outro, por causa da especificidade da escrita que é assim realçada.
Neste vaivém da escrita, encontramos o mesmo movimento em duas dire
ções opostas para esvaziar a representação. Em direção ao corpo, a escrita
gostaria de dizer o corporal bruto, mas só pode representá-lo, do mesmo
modo que a atividade corporal deve ser transcrita na linguagem da represen
tação para se comunicar. Afinal, a escrita de Artaud é a mais representativa,
quando fala de seu corpo ou de seus estados de espírito. A sucessão das metá
foras ocupa um lugar central. Impossível fazer falar o corpo ou escrevê-lo
sem recorrer a modos de representação. Os afetos podem-se comunicar no
silêncio, podem ser adivinhados em sinais fora da linguagem. A emoção
amorosa ou agressiva, o prazer, o desprazer não precisam da linguagem para
ser adivinhados mutuamente, ser partilhados, ser contrariados. Mas desde
24 5
LUIZ COSTA LIMA
2 4 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
24 7
LUI Z COSTA LIMA
2 4 8
TEORIA DA LITERATU RA EM SUAS FONTES — VOL. 1
qual mantinha comunicação. Será preciso então ceder a uma nostalgia de uma
“bela época” desaparecida para sempre? Claro que não. Mas talvez também
não se deva ceder a um pessimismo fatalista. Talvez a literatura morra, mas
talvez também uma mutação que nossa imaginação não é capaz de conceber
lhe dê um novo rosto. Nosso horizonte atual é limitado por nossos modos
de pensar. Afinal de contas, nós não somos mais capazes de imaginar o que
sucederá à psicanálise do que éramos capazes, em 1880, de imaginar o que
Freud nos permitiria ver, e que estava ali diante de nossos olhos, desde sem
pre. Só um é bastante.
Tradução
LÍGIA VASSALLO
Revisão
L u iz C o st a L im a
2 4 9
Notas
1. O que não significa que ele não possa de quebra ser escritor. Lembremos que Freud
recebeu o prêmio Goethe.
2. Pois há outros, como por exemplo os que usam Lévi-Strauss e Lacan.
3. Excluo aqui a poesia, que coloca muitos problemas particulares nesse sentido.
4. E inútil insistir sobre estas banheiras que são, por um consenso familiar tácito,
transformadas em verdadeira biblioteca, fazendo da leitura um ritual escato-
lógico.
5. Secundariamente, o desejo de ver que subjaz à leitura se duplica por um desejo de
saber, saber o que contêm os outros livros, literários ou não, aumentar sua baga
gem literária e intelectual até à erudição. Itinerário que muitas vezes leva o ama
dor de livros ao nível profissional: professor, crítico, escritor etc.
6. Todo mundo sabe que a principal dificuldade na aprendizagem da leitura é fazer
uma criança admitir que o b seguido do a sem intervalo faz ba. Dificuldade que a
leitura global tenta contornar, poupando à criança um esforço intelectual que, no
entanto, é essencial.
7. Notemos que se pode estabelecer um esquema homólogo para o leitor, com a dife
rença que este consome uma escrita produzida por um outro que faz o papel de
indutor sobre os dois outros níveis, ao passo que são os dois outros níveis que
induzem o escritor à escrita.
8. Marthe Robert mostrou os elos que unem o romance familial e a criação romanes
ca (“Raconter des histoires”, LEpbémère, 13, 1970). O crítico psicanalista analisa
o fantasma da autocriação e comete então um crime de lesa-majestade. Sarah
Kofman tratou deste tema em LEnfance de Vart, Payot, 1970.
9. O conceito de fantasma inconsciente é de uma tal complexidade que faz a análise
recuar. Já sustentamos, noutra oportunidade, a idéia de que se os fantasmas in
conscientes são inacessíveis à consciência e devem pois ser deduzidos através de
seus rebentos, sua estrutura só parcialmente é da ordem da representação no nível
do inconsciente. A parte mais inconsciente do fantasma inconsciente não é repre
sentativa porque ela é soldada com a moção pulsional que a constitui. Cf. Revue
française de psycbanalyse, 1970, t. XXXIX, p. 1143-1169.
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
10. Coube a Maurice Blanchot mostrar como toda produção do espaço literário ten
de, sem jamais o atingir, para o ponto de silêncio que constitui ao mesmo tempo
sua origem e seu fim. Resta saber se este ponto só pode ser notado quando recupe
rado por um silêncio calado. Mas, desde que Blanchot o nomeia para nós, a recu
peração literária se esgota em fazê-lo falar. Daí resulta não tanto que o silêncio se
desloque para “um pouco mais longe”, mas que ele está investido desta nomeação,
em favor — ou desfavor — da qual ele se torna mutismo vestido com os trajos do
silêncio. Não queremos dizer com isso que o resultado não diz nada, mas, pelo
contrário, que se extenua ao fazê-lo.
11. Bion é o autor que levou mais longe a noção freudiana de ligação. Cf. Elements o f
Psychoanalysis, Londres, Heinnemann.
12. Os textos de hoje devem ser considerados sem profundidade, conforme a vanguarda
literária. Não são mais explorados na verticalidade, são colocados “em abismo”
(en abyme). Condensação bem-sucedida entre abismo (abime) e abissal (abysse)
que remete às maiores profundezas oceânicas. Como poderá a intertextualidade
transversal vir comunicar-se com o abismo em questão? E o que me parece difícil
de conceber sem passar pela mediação dos inconscientes, a menos que se caia numa
mística da linguagem ou da História.
2 5 1
CAPÍTULO 7 A questão dos gêneros
LU IZ C O ST A L IM A
253
No ocidente, cabe a Platão a primeira referência sobre a questão dos gêne
ros. E sintomático que ela apareça em um contexto onde o filósofo se esforça
em caracterizar o modo de operação do poeta, o modo mimétlco, caracteri
zação que constitui o primeiro passo para sua condenação posterior* O pro
tagonista do diálogo nada tem contra a “narração simples”, aquela em que o
autor não finge que empresta suas palavras a outrem: “(...) Sem nenhuma
imitação, é que se faz uma narração simples” (Rep. III, 394b). O poeta só se
torna condenável pela autonomia que concederá à voz dos “fantasmas”, suas
personagens. A maneira como atuará a relação poeta-personagens determi
nará a possibilidade de três gêneros: “(...) A poesia e a mitologia podem cons
tar inteiramente de Imitação, tal como se dá na tragédia e na comédia (...),
ou apenas da exposição do poeta. Os melhores exemplos desse tipo de com
posição encontrarás nos ditirambos; há uma terceira modalidade, em que se
dá a combinação dos dois processos: é o que se verifica na epopéia e em multas
outras formas de poesia” (Rep. III, 394c).
E sabido que esta consideração do poeta e sua obra será drasticamente
modificada com a Poética aristotélica, onde não só será afirmada a dignidade
do fazer poético, quanto será diversa a classificação de seus gêneros. A expo
sição direta, encarnada pela lírica coral do ditirambo, deixará o primeiro pla
no, que será formado por distinta trindade, a tragédia, a comédia e a epopéia*
Como ela é bem conhecida, limitamo-nos a seus pontos básicos. Assinale-se,
em primeiro lugar, que, em vez de um princípio concorrente da m im esis, con
forme aparecia em Platão, em Aristóteles “o modo da imitação” abrange as
três modalidades de sua realização (Poét. 4, 20 ss). Entre estas modalidades,
ressalta a tragédia como o gênero culminante, entendendo-se por ela “a imita
ção de uma ação de caráter sério e completo, de uma certa extensão, em uma
linguagem assinalada por temperos de uma espécie particular conforme com
as diversas partes, imitação que é realizada por personagens em ação e não por
meio de uma narrativa e que, suscitando piedade e temor, opera a purgação
2 5 5
LUI Z COSTA LIMA
256
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 5 7
LUI Z COSTA LIMA
então que essa diferença de reações é possível porque não tematízamos os dois
tipos de objetos do mesmo modo. O mundo empírico não é tematizado da
mesma maneira que o mundo das imagens. Conseqüentemente, não se pode
estabelecer uma linha contínua entre a recepção do mundo real e a recepção
dos objetos da arte. Daí Koller, o primeiro a retomar contemporaneamente a
questão da mimesis entre os gregos, escrever sobre aquela passagem: “Apreen
de-se univocamente aqui a mimesis como imitação; até o momento, esta é a
única passagem em que ela é vislumbrada em todo o seu processo mental e na
unidade de sua formulação” (Koller, H.: 1954, 108).1
Só aparentemente a questão dos gêneros teve melhor fortuna. E certo
que não nos poderíamos queixar de Aristóteles haver sido aí pouco explíci
to. A questão se torna outra. Considerando a maneira como a Poética veio a
ser lida, o problema consiste em saber se a diferenciação aristotélica era ape
nas (ou dominantemente) descritiva ou, ao invés, de ordem normativa. E
bastante sabido que, desde seu revival no século XVI até os preceptistas,
principalmente franceses, a Poética foi utilizada para a confecção de cânones
a que as obras deveriam se ajustar. Também sabemos que o próprio Aristóteles
não seria responsável por essa utilização. Mas seu tratado impugnaria a priori
semelhante leitura? Como negá-lo diante de passagens como aquela em que
destaca a mais importante das propriedades a que as personagens trágicas
deveriam se submeter: “Quanto aos caracteres, há quatro coisas a serem vi
sadas. A primeira e mais importante é que devem ser bons. As pessoas terão
caráter (...) se sua fala ou sua ação revela a qualidade moral de certa escolha
(...)” (Poét. 54a, 16 ss). Tomadas em separado, passagens desta ordem são
diretamente normativas. Contudo, sem procurar salvar Aristóteles a todo
custo, convém destacar que a questão não é tão simples. Ela, na verdade,
depende do critério e interpretação anteriormente adotados. Quero dizer,
se se encara a Poética como voltada para a caracterização do produto a par
tir de propriedades que lhe seriam inerentes — i. e., se a tomamos como a
primeira manifestação de uma poética imanentista — ou, ao contrário, a en
caramos como uma reflexão que caracteriza a mimesis pela conjunção de pro
priedades do objeto com uma disposição específica do receptor. Ora, muito
antes da teoria do papel do receptor pela estética da recepção, já podíamos
ouvir o comentário de um dos mais finos intérpretes do filósofo grego: “Não
há para Aristóteles nenhuma separação entre a perfeição da obra de arte trá
gica em si e os efeitos dela resultantes sobre o expectador. O modo de ser da
tragédia se realiza na comoção trágica particular e desta deriva seu traço
2 5 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL I
259
LUI Z COSTA LIMA
2 6 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
e maldade ou pelo caráter das pessoas selecionadas para a imitação, mas por
seu nível (rank) ou por sua condição apenas” (Spingarn, J.: Idem, 46).
Se passarmos ao outro extremo do período, veremos mais largamente a
articulação entre imitatio e normatividade. Há apenas a observar que, para os
neoclássicos, a imitação nos entregava uma realidade polida e depurada. E a
esta que se refere “the lively imitation ofNature”, tomada por Dryden como
a própria definição da peça teatral: “Pois, estando a viva Imitação da Natureza
na definição de uma peça, aqueles que melhor cumprem esta lei devem ser
estimados superiores aos demais” (Dryden, J.: 1668,185). Que esta idealização
continuava a ser cogitada em termos de realidade empírica mostra passagem
anterior, onde Dryden justifica a lei das unidades de tempo, lugar e ação. Tra-
tava-se por elas de naturalizar a encenação, tornando-a servil a athe compass
o f a natural day” e à própria materialidade do palco que, sendo “one and the
same place, it is unnatural to conceive it many” (Dryden, J.: idem, 179).
O mesmo princípio de decoro, i. e., de imitação idealizada, é pressupos
to em Boileau, onde se rejeita que o alto seja expresso com a linguagem do
baixo, conforme se dava nos poetas que condenava porque
Dentro por fim do século XVIII o Dr. Johnson, se bem que ironizasse a
lei das três unidades e a rejeição por Dryden da tragicomédia, se bem que
sua concepção da natureza o afastasse do decoro de salão, ainda mantém a
unidade de ação e a unicidade do herói.
2 6 1
LUIZ COSTA LIMA
26 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
mente lembrada é a de Brunetière. Não por acaso, ainda que ela se fizesse
com termos da ciência contemporânea, sua imagem favorita de literatura
mantinha o desenho do classicismo. As páginas em que o autor a formula
deveriam constituir apenas a apresentação introdutória de uma obra que
deveria estender-se por três volumes. O projeto contudo não se realizou e as
idéias do crítico não vão além de 31 páginas. Nelas, Brunetière enuncia a
propósito de um gênero como o romance francês sua idéia evolucionista. O
romance teria nascido da epopéia ou canção de gesta, que levaria aos ro
mances de aventura, aos romances épicos, aos romances de costume, cujas
espécies — de costumes gerais, de costumes íntimos, de costumes exóticos
— também se sucederiam temporalmente. Tais transformações seriam natu
rais, i. e., tão determinadas quanto as que a história natural apresenta, onde
“de um mesmo fundo de ser ou de substância, comum e homogênea, os indi
víduos se destacam com suas formas particulares e assim se tornam a base
sucessiva das variedades, das raças, das espécies” (Brunetière, F.: 1890, 11).
Há portanto leis que presidem a transformação dos gêneros. Estas são tão
inelutáveis quanto as leis biológicas: “(...) A diferenciação dos gêneros se opera
na história como a das espécies na natureza (...)” (Brunetière, F.: idem, 20).
Daí, recorrendo ao exemplo da tragédia, exemplo privilegiado porque se
trataria de um gênero já morto, Brunetière escrever a frase pela qual é mais
lembrado: “(...) Um gênero nasce, cresce, alcança sua perfeição, declina e enfim
morre” (ibidem, 13). Neste processo de diferenciação, são determinantes a
raça ou herança, as condições (geográficas ou climatológicas, sociais e histó
ricas) e a individualidade.
Toda essa mascarada biológica, que se pretende fundada em Darwin e
Haeckel, poderia ser deixada entre as sombras dos livros que não mais se lêem
caso não tivesse o privilégio de revelar o princípio de que se alimentam as inter
pretações normativas: os gêneros existem, não são simples etiquetas e sua reali
dade é inquestionável: “(...) Não vejo como se lhe negaria — pois enfim uma
Ode, que a rigor se pode confundir com uma Canção, não é uma Comédia de
caracteres, por exemplo” (ibidem, 11). Por isso Victor Basch lembrava a pro
pósito da posição de Brunetière o realismo da escolástica: “Considerar os gê
neros literários como entidades existentes em si, fora e acima dos que os criam
e os modificam como por um decreto imprevisível de sua individualidade ar
tística, não é retornar ao realismo dos escolásticos?” (Basch, V: 1899, 344).
Depreende-se, portanto, um primeiro tipo de teorização sobre os gêne
ros: sua descrição corresponde a uma substância ou realidade que o analista
2 63
LUI Z COSTA LIMA
2 6 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL 1
2 6 5
LUI Z COSTA LIMA
266
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 67
LUI Z COSTA LIMA
268
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 6 9
LUIZ COSTA LIMA
2 7 0
a
27 1
LUI Z COSTA LIMA
2 7 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO l . 1
21 3
LUIZ COSTA LIMA
2 7 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
com os outros” (Joyce, J.: 1916, cap. V). Ao que eu saiba, contudo, as fontes
desta classificação não estimularam nenhuma reflexão contemporânea. Me
lhor sorte encontrou passagem de Goethe, nas “Noten und Abhandlungen”
ao ciclo de poemas do West-õstlicher Divan (1816). Depois de apontar que
as inúmeras variedades poéticas — alegoria, balada, cantata, drama, elegia,
fábula, narração etc. — concernem a propriedades externas e raras vezes se
atêm à sua “forma essencial”, Goethe apresenta as “formas naturais do poé
tico” (Naturformen der Dichtung), que seriam de alcance universal: “Há
apenas três formas naturais autênticas de poesia: a claramente narrativa, a
que move o entusiasmo (die enthusiastisch aufgeregte) e a que age de modo
pessoal: epos, lírica e drama. Estas três formas poéticas podem agir juntas
ou separadamente” (Goethe, J. W. 1 8 1 6 ,1, 1673). A idéia das “formas na
turais” do poético terá uma fortuna, mormente na reflexão alemã, de que
aqui se oferecerá apenas uma pálida idéia. Desde logo, ela prepondera nas
Einfache Formen de André Jolles, que, em seu prefácio, recorria a Goethe
para justificar o tipo de análise que se oporia ao instável, ao histórico:
“Eliminando-se tudo o que é condicionado pelo tempo ou individualmen
te movediço, pode-se, na poesia no sentido mais amplo, estabelecer igual
mente a forma, circunscrevê-la e conhecê-la em seu caráter fixo” (Jolles,
A.: 1930,15). Seu propósito é assim chegar, como declara, às “formas fun
damentais” a que o homem teria acesso depois de intervir no caos do uni
verso, de reunir e separar, alcançando por fim a permanência do essencial.
Estas formas elementares, em número de 9 — a lenda, a gesta, o mito, a
adivinhação, a locução, o caso, os memoráveis, o conto, o rasgo de espírito
— corresponderiam a uma “disposição mental” diferenciada, que perma
neceria malgrado a diversidade das configurações histórico-culturais. Con
sideradas deste modo, as formas fundamentais seriam entidades reais e
transistóricas.
Direção semelhante e igualmente inspirada em Goethe é assumida por
Vladimir Propp que, dois anos antes, publicara a Morfologia da fábula. Propp
contudo tivera pelo menos o cuidado de restringir a “universalidade” de
seus resultados. Como escreve ainda na abertura da obra: “(... E possível
examinar as formas da fábula com a mesma precisão com que se estuda a
morfologia das formações orgânicas. E se não se pode dizer isso da fábula
em geral, em toda a sua variedade, isto vale de todo modo para as chama
das fábulas fide magia5, para as fábulas ‘no verdadeiro sentido da palavra’.
É a estas que é dedicado o nosso trabalho” (Propp, V.: 1928, 3). Redes-
2 7 5
LUI Z COSTA LIMA
2 7 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
27 7
LUIZ COSTA LIMA
2 7 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
o seu tom patético-metafísico, seu esqueleto não é nada diverso. Por isso,
não vejo melhor caminho senão corroborar o comentário final de Hempfer,
que o livro de Staiger representa um contributo importante para a teoria
dos gêneros, desde que se entenda ser um contributo ex n eg a tivo So h a t er
(...) ex negativo einen w ich tig en B eitrag zu r D isk u ssio n u m d ie ‘G a ttu n g e n 3
g e le is te t”). Contribuição pela negativa, porque aa contradição em que o
autor se enreda nos fa z ver co m o falsificada um a teoria dos gêneros que to m a
a tría d e das a titu d e s fu n d a m e n ta is n os gên eros esq u e m a tiza d o s c o m o p e r
m a n en tem en te preex isten te nas idéias fun dadas no ser do h o m e m ” (Hempfer,
K. W.: 1973, 73, grifo nosso).
Esta conclusão, na medida em que se pode estender até à A n a to m y o f
criticism de N orthrop Frye, nos permite uma exposição também econômica.
A sistematização de Frye se apoia no legado das obras de Frazer, Jung,
Bachelard — na parte específica sobre a poética dos quatro elementos — e
Spengler. Já por este perfil se mostra a orientação estática do pensamento
abordado. Através dos quatro ensaios que formam a A n a to m y , Frye procu
ra levantar as maneiras como a literatura tem sido e pode ser considerada.
Como diversos autores o têm criticado,5 as perspectivas dos ensaios não
são integralmente coincidentes, muito embora a teoria dos modos — o
mítico, o romanesco, o alto mimético (compreendendo a tragédia e a epo
péia) e o baixo mimético (tratamento irônico e parodístico) escalonem os
modos fundamentais do trágico e do cômico, em um movimento simulta
neamente diacrônico e circular — represente a disposição-pivô. Como, no
entanto, esta classificação não se confunde, para o autor, com a teoria dos
gêneros, não teria aqui sentido tentar mostrar a articulação geral buscada.
Mais modestamente, devemos então nos limitar ao que postula de forma
expressa sobre os gêneros.
Para Frye, há quatro gêneros básicos, cujo fundamento comum é o seu
modo de apresentação, ou seja, a forma pela qual se estabelece a relação entre
autor e público. Três dos gêneros básicos foram designados ainda pelos gre
gos: o drama, o epo s, a lírica: aNo drama, as personagens hipotéticas ou in
ternas da estória confrontam-se com a audiência diretamente; por isso, o
drama é caracterizado pelo ocultamento do autor, que não é visto por sua
audiência. (...) No epos, o autor defronta sua audiência diretamente, e as
personagens hipotéticas de sua estória estão escondidas. (...) O princípio de
apresentação na lírica é a forma hipotética daquilo que em religião é chamado
2 7 9
LUI Z COSTA LIMA
a relação <eu-tu\ O poeta, por assim dizer, volta as costas para seus ouvintes,
embora possa falar por eles e embora eles possam repetir algumas de suas
palavras atrás dele” (Frye, N.: 1957, 245). Para o quarto gênero básico, Frye
reserva o nome de ficção, que se diferencia do epos por ser este episódico,
enquanto aquela é contínua. A distinção é de fato muito fluida, pois facil
mente um modo pode ser tomado como outro: aOs romances de Dickens,
como livros, são ficção; como folhetins seriados, numa publicação destinada
à leitura familiar, são ainda fundamentalmente ficção, embora muito próxima
do epos. Mas, quando Dickens começou a dar leituras de suas próprias obras,
o gênero mudou inteiramente para o epo s; a ênfase era então posta no
imediatismo do efeito ante uma audiência visível” (Frye, N.: 1957, 244-5).
De todo modo, a identidade da ficção ficará mais clara ao passarmos para a
caracterização de suas espécies.
Os quatro gêneros fundamentais se dispõem de uma maneira especial:
o e p o s e a ficção ocupam a área central da literatura, respectivam ente
flanqueadas pelo drama e pela lírica. Cada um deles representa uma forma
especial de m im esis: o ep o s é apresentado pela m im esis do discurso direto,
a ficção pela m im e sis da escrita assertiva, o drama pela m im esis externa ou
da convenção, a lírica pela m im esis interna. (Note-se que, à diferença dos
preceptistas, Frye não postula princípios rígidos para cada tipo. N a verda
de, como sempre repetirá, o papel dos gêneros é de determinar a dominan
te com que se realiza cada obra empírica.) A ficção, por sua vez, apresenta
quatro modalidades: o romanesco (rom an ce), o romance (n o vel), a forma
confessional e a sátira menipéia ou anatomia. Quanto à diferenciação en
tre as duas primeiras: “A diferença essencial entre romance (n ovel) e estó
ria romanesca (ro m a n ce) está na concepção de caracterização. O autor
romanesco não tenta criar ‘gente real5, tanto quanto figuras estilizadas que
se ampliam em arquétipos psicológicos. (...) O romancista (de sua parte)
lida com a personalidade, com personagens que usam p e rso n a e as máscaras
sociais” (Frye, N.: 1957, 299). Quanto à terceira modalidade, note-se que
o autor não a confunde com a autobiografia: “Não há motivo literário por
que o tema de uma confissão deva ser sempre o próprio autor (...)” (idem,
302). Por fim, a sátira menipéia ou anatomia “lida menos com pessoas como
tais do que com atitudes mentais. (...) A sátira menipéia assim se assemelha
à confissão por sua habilidade em lidar com idéias e teorias abstratas e di
fere do romance (n ovel) em sua caracterização, que é antes estilizada do
que naturalista e apresenta as pessoas como porta-vozes das idéias que re
2 8 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 8 1
LUI Z COSTA LIMA
? 82
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 8 3
LUI Z COSTA LIMA
2 8 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 8 5
LUI Z COSTA LIMA
2 8 6
TEORIA DA LITERATURA E ÍV? S U A S FONTES — v/ O l . 1
28 7
Notas
1. Para maiores esclarecimentos, cf. Luiz Costa Lima, Mimesis e modernidade, cap. I,
Graal, Rio, 1980.
2. Ela se esboça de forma extremamente aguda na comunicação da Ulrich Schulz-
Buchhaus ao colóquio “The Discourse of the history of literature and language”
(Dubrovnik, 16-28 de março, 1981): “Benedetto Croce die Krise der Litera-
turgeschichte” in Der Diskurs der Literatur und Sprachhistorie, B. Carquiglini e H.
U. Gumbrecht (orgs.), Suhrkamp, Frankfurt a. M., 1983, pp. 280-302.
3. Cf. especialmente o Carteggio Croce-Vossler, trad. argentina, Epistolario Croce-
Vossler, Guillermo Kraft, Buenos Aires, 1956.
4. Quanto aos formalistas, note-se desde logo que, como assinala W -D. Stempel, no
ensaio aqui incluído (cf. pp. 413 ss) a idéia de Croce sobre a poesia é criticada por
Vinogradov, em ensaio de 1925 (nota 25, p. XVI, no original). Quanto aos new
critics, é sabido que Spingarn exaltava o filósofo italiano em conferência de 1910,
publicada em 1917, curiosamente intitulada “The New Criticism”. Sua proposta
entretanto não se confundia com a efetiva realização posterior do new criticism
(cf. Walter Sutton, Modern american criticism, pág. 1, Prentice-Hall, Englewood
Cliffs, Nova Jersey, 163).
5. Cf. particularmente Northrop Frye in modern criticism, M. Krieger (org.), The
English Institute, Columbia University, Nova York, 1966, A. Fowler e P. Hernadi,
arts. cits., Hempfer, op. cit., espec. pp. 76-80.
6. Cf. Wolfgang Iser, Der Akt des Lesens, Fink Verlag, Munique, 1976, e a seção aqui
dedicada às estéticas da recepção e do efeito (vol. 2).
7. Coube a Richard Kuhns, in “Professor Frye’s criticism”, in The Journal ofphilosophy,
vol. LVI, n. 19, set. 1959, pp. 745-755, chamar a atenção para os equívocos oriun
dos da falta de limite na comparação das atividades do matemático e do analista
da literatura. Embora nosso argumento seja independente, talvez não o tivésse
mos pensado sem a iniciativa de Kuhns.
8. O discurso epidíctico constituía, ao lado dos discursos deliberativo e judicial, o
terceiro gênero do discurso, para Aristóteles (cf. Retórica I, 3 e II, 12). Caracteri
zava-o ser próprio de uma situação de festa ou, a uma representação social, tendo
por função o elogio ou a censura. A distinção é retomada e retocada por Quintiliano,
288
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
porquanto, diz ele, todos eles são empregados tanto para tratar de “negócios”
quanto para “ostentar eloqüência” (negotia x ostentatio, cf. De Instit. orai., III, IV
14 ss). Ou seja, os traços distintivos dos três gêneros — respectivamente: aconse
lhar ou desaconselhar (deliberativo), acusar ou defender (judicial), elogiar ou cen
surar (epidíctico) — não marcam nitidamente suas fronteiras. Ora, se os dois
primeiros têm uma clara função pragmaticamente, o problema que Gumbrecht
supõe é qual a função do terceiro, o epidíctico, posto assim entre os discursos ni
tidamente pragmáticos e o ficcional.
2 8 9
Referências Bibliográficas
Abrams, M. H., 1954: The Mirror and the lamp. Trad. cit.: El Espejo y la lámpara, Edi-
torial Nova, Buenos Aires,, 1962.
Alighieri, Dante, 1316/7: “Epistola a Can Grande Delia Scala”. Ed. cit.: Epistole, pp.
77-101, Cario Signorelli Editore, Milão, 1966.
Ambrogio, I., 1968: Formalismo e avanguardia in Russia, Editori Riuniti, Roma.
Aristóteles: Poética. Trad. de J. Hardy, Les Belles Lettres, Paris, 1977, e de G. F. Else,
The University of Michigan Press, 1973 (é expressamente indicado quando nossa
tradução se baseia nesta versão).
Bakhtin, M. M., 1928: FormaVnyi metod v literaturovedenii (Kritscbekoe vvedenie v
sotsiologicbeskuiu poetiku). Trad. cit.: The Formal metbod in literary scholarsbip (A
criticai introduction to sociological poetics), The Johns Hopkins University Press,
Baltimore e Londres, 1978.
Barthes, R., 1966: “Introduction à Panalyse structurale des récits”, in Communications,
8, Seuil, Paris.
Basch, V, 1899: “Les Idées de M. Brunetière”, republicado in Essais d'esthétique, de
philosophie et de littérature, F. Alcan, Paris, 1934.
Bohannan, L., 1967: “Miching mallecho, that means witchcraft”, in Magic, witchcraft
and curing, J. F. Marchment Middleton (org.), The Natural History Press, Nova York.
Boileau-Despréaux, N., 1674: Art poétique. Ed. cit.: in Art littéraire et préludes au grand
siècle, A. Quillet, Paris, 1953.
Booth, W. C., 1961: The Rhetoric offiction, The University of Chicago Press, Chicago e
Londres, 1970.
Brooks, C.: cf. Wimsatt.
Brunetière, F., 1890: LÉvolution des gemes dans Vhistoire de la littérature, Hachette,
Paris.
Chklovski, V, 1917: “A Arte como procedimento”. Trad. cit.: in Tbéorie de la littérature.
Textes des formalistes russes, T. Todorov (org.), Seuil, Paris. 1965.
Coseriu, E., 1952: “Sistema, norma y habla”, in Teoria dei lenguaje y lingüística general,
Gredos, Madri, 1967.
------. 1971: “Theses zum Thema £Sprache und Dichtung’”, in Beitràge zur Texlinguistik,
W.-D. Stempel (org.), Fink Verlag, Munique.
2 9 0
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES —- V O L , 1
Croce, B., 1902: Estética come scienza delVespressione e linguistica generale. Trad. cit.*
Estética, Nueva Vision, Buenos Aires, 1962.
------ . 1922: “Per una poética moderna”, in Idealistische Neupbilologie. Festschrift für
Karl Vossler, V Klemperer e E. Lerch (orgs.), Karl Winter’s Universitâtsbuchhandlung,
Heidelberg.
Dryden, J., 1668: An Essay ofdramatic poesy. Ed. cit.: in Great theories in literary criticism,
K. Beckson (org.), Noonday Press, Nova York, 1963.
Else, G. E., 1957: Aristotle’s Poetics: the argument, Harvard University Press, Cambridge,
Massachusetts.
Fowler, A ., 1971: “The Life and death of literary forms”. Republ. in New directions in
literary history, R. Cohen (org.), Routledge & Kegan Paul, Londres, 1974.
Frye, N., 1957: Anatomy of criticism, Princeton University Press, Nova Jersey. (As citações
seguem, em princípio, a trad. bras., Anatomia da crítica, Cultrix, São Paulo, 1973).
Goethe, J. W, 1816: “Noten und Abhandlungen” trad. feita em cotejo com Johann
Wolfgang Goethe, Obras completas, I, Aguilar, Madri, 1950.
Gumbrecht, H. U., 1978: Funktionen parlamentarischer Rhetorik in der Franzõsiscben
Révolution. Fink Verlag, Munique.
Hempfer, K. W, 1973: Gattungstheorie, Fink Verlag, Munique.
Hernadi, P., 1978: “Order without borders: recent genre theory in the english speaking
countries”, in Theories o f literary genres, J. P. Strelka (org.), The Pennsylvania State
University Press, University Park e Londres.
Horácio: Arte poética. Trad. cit.: in Great theories in literary criticism, op. cit.
Hugo, V, 1827: “Préface de Cromwell”. Trad. cit.: Do Grotesco e do sublime, Perspec
tiva, São Paulo, s/d.
Jakobson, R., 1960: “Linguistics and poetics”, in Style in language, Th. A. Sebeok (org.),
The M. I. T. Press, Cambridge, Massachusetts, 1966.
Jauss, H. R., 1970: “Littérature médiévale et théorie des genres”, in Poétique, 1, Seuil,
Paris.
Jolles, A ., 1930: Einfache Formen. Trad. cit.: Formes simples, Seuil, Paris, 1972 (há
trad. bras.).
Joyce, J., 1916: A Portrait ofthe artist as a young man, A Signet Book, Nova York, 1952.
Koller, H., 1954: Mimesis in der Antike. Nachahmung, Darstellung, Ausdruck, Bernae
Aedibus A. Francke, Bern.
Kommerell, M., 1940: Lessing und Aristóteles. Untersuchung über die Theorie der Tragõdie.
Ed. cit.: Vittorio Klostermann, Frankfurt a. M. 1957.
Kuhn, H., 1956: “Gattungsprobleme der mittelhochdeutschen Literatur, republicado in
Dichtung und Welt im Mittelalter, J. B. Metzler, Stuttgart, 1969.
Lévi-Strauss, C., 1960: “La Structure et la forme (réflexions sur un ouvrage de Vladimir
Propp)”, in Cahiers de IT.S.E.A., Paris.
2 9 1
LU I Z C O S T A LIMA
Lukács, G., 1920: Die Theorie des Romans. Trad. cit.: La Théorie du roman, Gonthier,
Paris, 1963.
Medvedev, P. N., cf.: Bakhtin.
Platão: República. Trad. cit.: Universidade Federal do Pará, Belém, 1976.
Propp, V, 1928: Morfologija skazki. Trad. cit.: Morfologia delia fiaba, Einaudi, Torino, 1966.
Spingarn, J., 1899: Literary criticism in the renaissance, Harcourt, Brace, Nova York, 1963.
Staiger, E., 1946: Grundbegriffe der Poetik, Atlantis Verlag, Zurique 1961 (em princípio,
as passagens são citadas de acordo com a trad. bras., Conceitos fundamentais da
poética. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1975).
Stempel, W-D., 1968: “Pour une description des genres littéraires”, in Actele celui de-al
XII-lea congres international de linguistica si filologie romanica, Bucareste, 1970/1.
Tate, A., 1948: “Longinus and the ‘new criticism’”, republicado in The Man ofletters in
the modern world, selected essays: 1928-1955, Meridian Books, Londres.
Tinianov, Y , 1924: “O fato literário”. Trad. in Russischer Formalismus. Texte zur
allgemeinen Literaturtheorie und zur Theorie der Prosa, J. Striedter (org.), Fink Verlag,
Munique, 1969.
Tomachevski, B., 1925: “Temática”. Trad. in Théorie de la littérature. Textes des formalistes
russes, op. cit.
Trabant, J., 1970: Zur Semiologie des literarischen Kunstwerks. Glossematik und
Literaturtheorie. Trad. cit.: Semiología de la obra literaria. Glosemática y teoria de
la literatura, Gredos, Madri, 1975.
Wimsatt Jr., W K., 1964: Literary criticism. A short history, A. A. Knopf, Nova York (há
trad. port.).
292
B. A ESTILÍSTICA
CAPÍTULO 8 Sobre o lugar do estilo em algumas
teorias lingüísticas
NILS ERIK EN K VIST
Tradução do original inglês “On the place of style in some linguistic theories”, in Literary
style: a sym posium , ed. Seymour Chatm an, O xford University Press, Londres, 1971.
Não sei quantas pessoas levantariam objeções se se classificasse o estilo como
uma variante sistêmica da linguagem. Mas poucos, ao que presumo, dis
cordariam da afirmação de que o estilo é um tipo de variação lingüística
sistemática.
Por mais simples e frágil que esta afirmação possa parecer, ainda as
sim ela traz consigo uma série de corolários im portantes. Como uma ca
tegoria de variação lingüística sistemática, o estilo é, e deve ser, um foco
da investigação lingüística (o que não significa dizer, evidentem ente, que
todos os demais, exceto o lingüista, dever-se-iam m anter afastados). De
início, todos os estudiosos da variação lingüística deveriam em preender
duas tarefas: a de descrever a linguagem variante, quer como um sistema
independente e auto-suficiente, quer como um subsistema derívável por
regras explícitas de algum sistema conhecido; e a de deixar claro quan
do, onde e por quem esta variante em particular foi, ou é, usada.1 A de
terminação destes parâmetros da variação lingüística envolve considerações
sociolingüísticas que não podem ser negligenciadas em qualquer estudo
completo das variedades da linguagem.
Além disso, como um estudo completo da linguagem deveria arcar com
o ônus de justificar os diferentes tipos de variação lingüística — dialetos
regionais, dialetos sociais, estilos, registros, idioletos •—■e distinguir, dentro
de cada um desses tipos, a variação sistemática e estruturalm ente signifi
cativa da variação não-significativa ou aleatória, ela dificilmente poderia
deixar de oferecer estratégias quanto à hierarquização das variedades da
linguagem. Seria preciso ter à nossa disposição princípios que nos possi
bilitassem distinguir que tipos e exemplos de variação se subordinam a
outros; noutras palavras, deveríamos saber quais deles constituem siste
mas e quais são subsistemas. Tentei algumas vezes ilustrar este problema
pela comparação da linguagem com o conteúdo de um grande recipiente
2 9?
LU I Z C O S T A LIMA
2 9 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
2 9 9
LUI Z COSTA LIMA
3 0 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOl . 1
11
30 1
LU I Z C O S T A LIMA
3 0 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
III
3 0 3
LUI Z COSTA LIMA
IV
*0 autor se refere a exem plos de versos freqüentem ente repetidos na discussão lingüística da
questão do desvio na construção gramatical. (N . do Org.)
3 0 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 05
LUIZ COSTA LIMA
3 0 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥01. 1
3 0 7
LUI Z COSTA LIMA
uma delas — diria a maior parte deles — está correta, e aí termina a respon
sabilidade do gramático. Mas então a quem cabe mostrar por que tais textos
constituem um desvio? Quem está melhor equipado para esta tarefa? Suge
riria que ao menos parte desta responsabilidade deveria ficar com o estudio
so de estilo.
De fato, e de um ângulo de certo modo diferente, os estudiosos de estilo
têm tido consciência do Problema do Discurso. Farei uma nova citação: “A
área da estilística é definida aqui como a das características que não podem
ser completamente elucidadas em uma única sentença, ou em sentenças se
paradas sem se considerar as suas relações internas. A definição dada aqui se
baseia na convicção comumente aceita de que há uma área de estudo que
descreve temas dentro de sentenças, detendo-se nos limites da sentença. Esta
área pode ser chamada pelo termo de lingüística; a área maior do estudo da
linguagem que não é abarcada pelos limites da sentença é denominada aqui
a área da estilística.”12
“Sem se levar em conta as outras atribuições da crítica, esta deve inter
pretar as obras literárias. A própria teoria em parte diz respeito à questão de
‘que coisas realmente interessam à interpretação crítica?’ Mas, fora de dúvi
da, a interpretação começa pelas sentenças. Por mais complexa que seja a
apreensão de um crítico de toda a obra, esta compreensão se processa nor
malmente, sentença por sentença (...). Eu diria ser no nível das sentenças que
a distinção entre forma e conteúdo se torna clara e que a intuição do estilo
tem seu equivalente formal (...). A análise adequada dos estilos resulta da
análise satisfatória das sentenças. Os problemas de retórica, tais como a ên
fase e a ordem, também prometem se tornar mais claros à medida que com
preendemos melhor as relações internas nas sentenças (,..).”13
Parece-me haver uma diferença genuína na ênfase, senão nos pontos de
vista mais básicos, entre o professor Hill e o professor Ohmann. Na verda
de, ambas as citações são passíveis de discussão. A definição de estilística do
professor Hill como uma lingüística para além da sentença precisa ser
complementada em defesa de dois tipos de exemplos contrários. Em primei
ro lugar, alguns assuntos de gramática, tais como a referência pronominal,
exigem que se vá além da sentença, sem serem, ao que eu saiba, estilísticos:
“My brother is eight. He/she/it goes to scbool every d a y ” (Meu irmão tem
oito anos. Ele/ela vai para a escola diariamente.) O tipo oposto de exemplo
contrário consiste em aspectos estilísticos que podem ser localizados dentro
de uma única sentença, sem um contexto ulterior. Certa vez ouvi um guia de
3 0 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
turismo brilhante dizer, grosso modo, o seguinte: “Peter the Great’s bold
venture was entirely successful, and his magnificent city, whose main drag the
Nevsky Prospekt you are now traversing, quickly realized Peterys ambitions o f
opening a window towards the W est”*
Aqui, a expressão main drag destaca-se dentro de sua própria sentença,
como sapatos marrons com gravata preta.
A ênfase do professor Ohmann na sentença como um portador de estilo
é, por certo, absolutamente correta: a estrutura da sentença é um aspecto
básico do estilo e o modo como as sentenças se ligam em um discurso coe
rente pode ser, em última análise, descrito em termos de características den
tro de sentenças. Até mesmo as pausas podem ser atribuídas a uma ou a outra
sentença. Continuo a me perguntar, contudo, se os fenômenos intersentenciais
do discurso não poderiam ser abordados como tal, desde o início. Seria real
mente útil se possuíssemos um aparato para descrever indiretamente o modo
pelo qual as sentenças se interligam em unidades maiores, de modo que não
precisássemos realizar uma análise completa de cada sentença em nosso tex
to e esperássemos que os aspectos intersentenciais emergissem deste labo
rioso processo. Minha própria inclinação seria, portanto, realizar uma síntese
de Hill e Ohmann: um número amplo de aspectos estilísticos é, em última
análise, passível de ser descrito em termos de sentenças e comparações de
sentenças, mas muitos procedimentos intersentenciais também podem pos
suir pertinência estilística e devem imediatamente ser indicados como tais.
A comparação de seqüências de sentenças aleatórias tais como a que citei
pouco atrás, com exemplificações de discurso coerente, sugere que a coe
rência intersentencial se liga com um grande número de características que
se podem analisar e descrever em termos lingüísticos. Tais características
poderiam ser agrupadas, como hipótese, em três áreas principais: tópico, foco
e ligação. Sob tópico, colocaria aquelas características que pertencem ao as
sunto principal da unidade discursiva, a coesão do vocabulário e o campo do
discurso. Por foco subentendo a escolha e a marcação de funções para pala
vras e grupos de palavras em uma oração ou sentença; geralmente, os proce
dimentos focais mais interessantes são os que marcam certos temas de modo
a ocuparem o centro da atenção ou estarem “em primeiro plano” (fore-
*“A mais audaz em presa de Pedro, o Grande, foi totalm ente bem -sucedida, e sua magnífica
cidade, cuja principal dragagem, o Nevsky Prospekt, vocês estão atravessando agora, realizou
rapidam ente as ambições de Pedro de abrir uma janela para o O cidente.” (N. da T.)
3 0 9
LUI Z COSTA LIMA
3 1 0
>■ ;:
e aí a m enina entrou na casa da sua avó? e aí ela viu sua avó na cam a com um xale em
volta da cabeça, e aí ela chegou perto da velhinha, e aí ela disse ‘O lá!’ e aí a avó sentou-se, e
aí...”. (N. da T.)
LUI Z COSTA LIMA
Vi
3 12
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
Tradução
L u iz a L o b o
3 1 3
Notas
1. Omitirei aqui a questão de até que ponto um lingüista deveria se preocupar com os
efeitos do uso das variedades da linguagem.
2. Ver Paul Kiparsky, “Linguistic universais and linguistic change” in Emmoe Bach
and Robert T. Harms, eds., Universais in linguistic tbeory (Nova York, 1968).
3. Structural linguistics (Chicago, 1960), pp. 10-11. Sobre a ocorrência concomitante,
ver também Harris, “Co-occurence and transformation in linguistic structure”,
Language, 33 (1957), 283-340, também acessível em Jerry A. Fodor e Jerrold J.
Katz, The Structure of language (Englewood Cliffs, N. J., 1965), pp. 155-210.
4. In “Linguistic structure and linguistic analysis”, Archibald A. Hill, ed., Report on
the fourth annual round table meeting on linguistics and language teaching
(Washington, D. C., 1933), pp. 40 ss.
5. The Five clocks foi publicado pelo Indiana University Research Center in Anthro-
pology, folklore, and linguistics, publicação 22, 1962, e também como parte V do
International Journal of american linguistics, vol. 28 n.° 2.
6. In Journal o f linguistics, 3 (1967), 37^81 e 199-244; e 4 (1968), 179-216,
7. I. R. Galperin, “Javljaetsja li stilistika urovnem jazyka?” Abstracts of papers of the
Xth congress o f linguistics (Bucareste, 1967), p. 111, também na publicação do
congresso russo, Problemy jazykoznanija (Moscou, 1967), pp. 198-202. Cf. tam
bém John Nist, “The Ontology of style”, Linguistics, 42 (1968), 44-47. A discus
são torna-se mais complexa pelo fato de alguns lingüistas terem usado a palavra
“nível” (levei) para significar níveis ou sistemas não-hierárquicos.
8. In “Stylistics: quantitative and qualitative”, Style, 1 (1967), 29-43.
9. “The Application of linguistics to the study of poetic language”, in Style in language,
ed. Thomas A. Sebeok (Cambridge, Mass., 1960), p. 84. Ver também Archibald A,
Hill, “Some further thoughts on grammaticality and poetic language”, Style, 1
(1967), 81-91.
10, Sobre a aceitabilidade, ver Randolph Quirk e Jan Svartvik, Investigating linguistic
acceptability (The Hague, 1966), e Dale Elliott, Stanley Legum, and Sandra
Annear Thompson, “Syntatic variation as linguistic data”, in Robert I. Binnick
et al., eds., Papers from the fifth regional meeting ofthe Chicago linguistic society
(Chicago, 1969), pp. 52-59.
3 1 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
11. Samuel R. Levin, “Poetry and grammaticalness”, in Horace C. Lunt, ed., Proceedings
o f the ninth International congress o f linguistis (The Hague, 1964), pp. 308-15, e
J. P. Thorne, “Stylistics and generative grammars”, Journal o f linguistics, 1 (1965),
49-59. Uma vez terminado este trabalho, houve nova série de debates sobre o Pro
blema do Desvio. Ver William O. Hendricks, “Three models for the description of
poetry Journal of linguistics, 5 (1969), 1-22; Roger Fowler, “On the interpretation
of nonsense strings”, ibid. 75-83; e J. P. Thorne, “Poetry, stylistics and imaginary
grammars”, ibid. 147-50,
12. “A programm for the définition of literature”, University ofTexas studies in literature
and language, 1 (1959), aqui citado a partir de Essays in literary analysis, ensaios
selecionados, de Hill (Austin, Texas, 1965), 69.
13. Richard Ohmann, “Literature as sentences”, College English, 1966, aqui citado a
partir da reedição em Seymour Chatman e Samuel R. Levin, eds,, Essays on the
language o f literature (Boston, 1967), pp. 232, 233 e 238.
14. Harris, “Discourse analysis”, Language, 23 (1952), 1-30, reedição in Fodor e Katz,
The structure o f language, pp. 355 ss.; e “Discourse analysis: a sample text”,
Language, 28 (1957), 474-94. Jan Firbas, “From comparative word-order studies”,
Brno studies in English, 4 (Praga, 1964), pp. 111-26, e “On the interplay of means
of functional sentence perspective”, Abstracts o f papers o f the Xth congress of
linguistics, pp. 94-95.
Uma introdução geral à abordagem intersentencial encontra-se em William O.
Hendricks, “On the notion ‘beyond the sentence’”, Linguistics, 37 (1967), 12-51,
que também trata das relações entre a lingüística intersentencial e a estrutura nar
rativa. Muitos pontos pertinentes aparecem passim em vários volumes e trabalhos
de conferências recentes, publicadas ou não. Ver, por exemplo, Karel Hausenblas,
“On the characterization and classification of discourses”, Travaux linguistiques
dePrague, 1 (1966), 67-83: K. E. Heidolph, “Kontextbeziehungen zwischen Sátzen
in einer generativen Grammatik”, Kybernetik, 3 (1966), 97-109; B. Drubig, tese
de mestrado não publicada, “Kontextuelle Beziehungen zwischen Sátzen im
Englischen” (Kiel, 1967); Gerhard Nickel, “Some contextual relations between
sentences in english”, que constará da Acta o f the tenth international congress of
linguistic ocorrido em Bucareste em 1967; Ruqaiya Hasan, Grammatical cohesion
in spoken and written english (a primeira parte surgiu como artigo no n.° 7,
“Programme in linguistics and english teaching”, Londres: University College and
Longmans, Green and Co., 1968; a segunda parte será publicada nas mesmas sé*
ries); e a discussão entre Harald Weinrich e outros, publicada em Poética, 1 (1967),
pp. 109 ss. Muitos problemas pertinentes aparecem, implícita ou explicitamente,
em vários trabalhos sobre estilo-estatística, inclusive os de Gustav Herdan. Vários
trabalhos em andamento sobre gramática transformacional também se relacionam
aos problemas citados. Sobre a relação entre a análise intersentencial e a estrutura
315
LUIZ COSTA L I M A
literária, ver por exemplo Seymour Chatman, “New ways of analysing narrative
structure”, Language and style, 2 (1969), pp. 3-36. Outra relação existe entre foco
e ponto de vista; ver por exemplo John McH. Sinclair, “A Technique of stylistic
description”, Language and style, 1 (1968), especialmente pp. 223-24. Há bastan
te possibilidade de as mudanças de ponto de vista poderem ser reformuladas em
parte como mudanças de foco, particularmente como foco do sujeito; cf. Alain
Renoir, “Point of view and design for terror”, Neupbilologiscbe Mitteilungen, 63
(1962), pp. 154-67, e Hakan Ringbom, Studies in the narrative technique ofBeowulf
and Lawman’s Brut, Acta Academiae Aboensis, A, vol. 36 n.° 2 (Abo, 1968). Uma
classificação de relações intersentenciais pode ser obtida na introdução de Louis
T. Milic a Stylists on style (Nova York, 1969).
3 1 6
CAPÍTULO 9 Táticas dos conjuntos semelhantes na
expressão literária
D Á M A SO ALO N SO
T raduzido de Seis calas en la expresión literaria espanola. Editorial G redos, M adri, 1956.
3 17
CONJUNTOS SEMELHANTES
3 1 9
LUI Z COSTA LIMA
A, a2 A3
B, B2 B3
c, C2 C3
D, D2 d3
320
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
N on punse (A^, arse (A2) o legò (A3), stral (Bl), fiamma (B2)
[o laccio (B3),
d 3Ámor giatnai si duro (Ct) e freddo (C2) e sciolto (C3)
cot; quanto7 wío, ferito (D^, acceso (D2) e9nvolto (D3),
misero pur ne Vamoroso impaccio.
Saldo (E^ e gelido (E2) piú che marmo e gbiaccio,
libero e franco (E3) i3non temeva, stolto,
piaga (Fj), incêndio (F2) o ritegno (F3): e pwr coito
/'tfrco (Gt) £ /'esoz (G2) e la rete (G3) in ch3io mi giaccio.
E trafitto (H^, distrutto (H2) e preso (H3) in modo
son, ch3altro cor non apre (Ia), avampa (I2) o cwge (I3)
dardo (J^), face (J2) o catena (J3) boggi si forte,
Nè fia, credo, ch3il sangue (Kt), il foco (K2), il nodo (K3)
che3l fianco allaga (Lt) e mi consuma (L2) e stringe (L3)
stagni (Mt), spenga (M2) o rallente (M3) altri che morte.5
3 2 1
LUI Z C O S T A L I M A
A, A2 a3 ....... An
B, B2 b3 ... Bn
c, C2 C3 ....... c„
P, Pa P3 ... ... P„
3 2 2
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
A, a2 a3 ... A11
A, a2 a3 ... Ail
A, A2 A3 ... ... A,
Ai A2 A3
3 2 3
LUIZ COSTA LIMA
A, a2
a2
A,
A] a2 A,
3 2 4
TEORIA DA LITERATURA EM S U A S FONTES — VOL. 1
Muito mais freqüente que este caso particular (correlação totalmente reiterativa)
é outro no qual não todas, mas sim apenas algumas pluralidades são iguais entre
si. Ou seja, em poemas desta classe há pluralidades que são ‘progressivas’ e ou
tras que são ‘reiterativas’: surge, pois, neles como uma mistura do caso geral (‘cor
relação progressiva’) e do particular que acabamos de explicar (‘correlação
reiterativa’). Chamamos os poemas deste tipo ‘mistos ou híbridos de progressão
e reiteração’. Estude-se este soneto bimembre de Pedro Espinosa:
A, a2
B2
c, C2
A, A2
D,
** B2
Et E2
c, C2
3 2 5
LUI Z COSTA LIMA
De suas oito pluralidades, cinco são progressivas (AB C D E); uma reite
ra A; outra, B e outra, C. Este tipo híbrido aparece com grande freqüência
em todas as literaturas em que existem poemas correlativos de muitas
pluralidades (como a espanhola, a francesa, a italiana etc.).11
UM SUBTIPO: DiSSEMINATIVO-RECOLETIVO
A, A2 a3 ....... A
A, A* a3 ... AI
A, a2 A3 ... Ai
At a3 ... AI
A 1 A 2 A 3 ....... A n
Át A2 A3 ...... An
At A2 A3 ...... An
3 2 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES
(....)
Não há tipo mais fértil em nossa literatura; aos montões (do mesmo
modo que em sonetos, em canções, romances etc.) no-lo oferece Lope de
Vega, e conhecidíssimo do público é este tipo, em infinitas florescências líri
cas do teatro de Calderón (monólogo de Sigismundo etc.) De seus muitos
subtipos não me posso ocupar agora. Sempre se ajusta à fórmula:
A, Ai ^ ... A,
Ai ^2 Aj ..... An
Mas sucede ser característico deste tipo que a primeira pluralidade esteja
“disseminada” ao largo de todo o poema ou de parte dele, e a segunda reu
nida (“recoletada”) pelo final da composição, às vezes em um único verso.13
E este o tipo que chamamos "disseminativo-recoletivo’.
a2 a3 ... An
B, B2 B3 - Bil
C2 c3 ... Cll
P
11
P2 P
13
327
LUI Z COSTA LIMA
Na tradução já citada,
os membros de uma linha (de uma pluralidade), por exemplo, “cabras, cam
pos, enemigos”, estão mutuamente em relação paratática. Mas se lemos por
colunas, de cima para baixo (ou seja, “Pací, pastor, cabras, con hoja; cultivé,
labrador, campos [con] azadón; venci, soldado, enemigos [con la] mano”),
restabelecemos a ordem natural dos três conjuntos semelhantes. Pois bem,
dizemos que os membros de cada conjunto (ou, o que é o mesmo, de cada
coluna de nossa fórmula) estão entre si em relação hipotática.
A ordenação paratática de vários conjuntos semelhantes nos dá, como
vimos, o poema correlativo. Mas será que não existe em literatura a ordena
ção hipotática de conjuntos semelhantes?
Sim, existe, e seu resultado é o poema paralelístico.
A, A, A3
B, b2 B3
c, c2 C3
3 2 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
Ou seja:19
A, a2
B,
c, C2
Di \ / D2 v
329
LUIZ COSTA LIMA
3 3 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
Ou seja:
A2 a3
b2
\, C3 V
3 3 1
LUI Z COSTA LIMA
CORRELAÇÃO E PARALELISMO
3 3 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL* 1
A, A2 A3 A tl
Bi B2 b3 Bn
Ci C2 c3 C 11
P
1 1
P2 P3 Pn
3 3 3
LUI Z COSTA LIMA
Ou seja:
A,B,Ct A2B2C2
c, c2
A1 A2
Bt B2
33 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
Fórmula:
a2 A3
** b2 Bs
c, C2 C3
D, D2 d3
E, E2 E3
F, F2 F3
G .H .A , g 2h 2a 2 g 3h 3a 3
FINAL
3 3 5
LUI Z COSTA LIMA
Todo o tempo operamos com exemplos poéticos: mas tudo que se disse
tem aplicação imediata à prosa; aí está, se faltam exemplos próximos, a pro
sa dos séculos XVI e XVII.31
E que a natureza física e o mundo moral oferecem constantemente ao
poeta séries de fenômenos semelhantes entre si, nos quais existe um princí
pio formal (a própria semelhança) que seduz a imaginação, e mesmo esta
procurará imagens múltiplas semelhantes para expressar as realidades ime
diatas. Assim, o trabalho da ordenação dos conjuntos semelhantes se apre
sentou ao escritor em várias ocasiões na história da Humanidade: o modo
mais natural de ordenação era o paralelístico; mas logo se descobriu outro
mais artificioso e intelectual, o correlativo. Enfim, uma terceira oportunida
de era oferecida pelas formas híbridas entre correlação e paralelismo. Vimos
que também elas foram freqüentemente usadas.
Eis aqui um imenso campo literário reduzido a rigoroso sistema. Pela
própria natureza do objeto essa redução era fácil.
Se tudo na matéria literária pudesse ser assim tratado, a constituição de
uma Ciência da Literatura não seria problema. No cosmo da Literatura (ou
seja, da poesia em seu sentido mais geral), há infelizmente, enormes zonas
nas quais, cremos, nunca será possível uma sistematização exata. E que a poesia
é um complexo dos materiais mais distintos, físicos e espirituais. Toda a
Geometria pode sair de uma única postulação a priori. Nada de semelhante
será o panorama da Ciência da Literatura, se algum dia se constituir.
Entre os setores, como o que estudamos, e estes outros que hoje vemos
como irredutíveis a uma organização científica, há muitos que esperam o
investigador e como que o estão convidando.
Este é o maior, o mais instigante trabalho no campo da investigação lite
rária. E é por certo necessária a perspectiva histórica. Mas tenhamos concei
tos um pouco claros: a Ciência da Literatura não será em si mesma uma ciência
histórica, embora assim pareçam hoje acreditar alguns ilustres investigadores.32
Tradução
L u iz C o st a L im a
Notas
3 3 7
L U i Z C O ST 1M A
3 3 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
15. Parataxe e hipotaxe são conceitos bem conhecidos em sintaxe. Leve-se em conta
que, sem nos determos agora em uma delimitação com o conceito normal em sin
taxe, chamamos 'paratática’ a ordenação de um sintagma não-progressivo e
‘hipotática’, a de um sintagma progressivo; ou seja, simplesmente, a parataxe
corresponde à leitura de nossa fórmula em sentido horizontal; a hipotaxe, à leitu
ra em sentido vertical Será 'paratática5 a relação entre os membros de uma linha;
“hipotática5, a relação entre os elementos de uma coluna.
16. Do ano de 1620. Pode-se ver nas Obras sueltas de Lope de Vega, tomo XI. A copia
se encontra no frontispício do livro.
17. Apenas com uma mudança: “virtud”, em vez de “virtudes”.
18. Cristóbal de Castillejo, Ed. Domínguez Bordona, II, 80*
19. As setas indicam que a fórmula há de ser lida por colunas e não por linhas.
20. As “heridas”, separadas umas das outras, correspondem no plano imaginário ao
“escalonado” das rosas no real. Este exemplo (do Libro de las banderas, ed. por
Garcia Gómez) foi por nós comentado, doutro ponto de vista, em Ensayos sobre
poesia espanola, p. 41.
21. Purg. XXIII, 16-21. Exemplo comunicado por meu amigo Cario Consiglio. O
paralelismo conceituai é perfeito, embora o mesmo não se dê com o sintático.
22. Analise-se por exemplo, na poesia alemã, “Das bucklicht Maennlein” ou “Es kamen
drei Diebe aus Morgenland”, composições anônimas que se podem encontrar em
Bofill e Gutiérrez, La poesia alemana, Barcelona, 1947, pp. 102 e 112. Na primei
ra são oito os conjuntos paralelísticos; a segunda contém vários sistemas para-
lelísticos diferentes.
23. Considero “si la nave o la vela o la estrella” como um único elemento (C{); do
mesmo modo “si el caballo o las armas o !a guerra” como C2; e “se el ganado o las
valles o la sierra” como Cr E possível que se pudesse levar a análise adiante, mas
assim basta para nosso objetivo. Que o poeta sentiu uma maior correspondência o
prova, sem mais considerações, a natureza ternária de C.
24. Observe-se a anáfora (“Digas tú”) e também a reiteração final (“es tan bella”). Se
designamos por X e Y estes elementos que não têm diferenciação específica nos
diversos conjuntos, a expressão genérica dos três conjuntos desta composição de
Gil Vicente seria:
XABCY
A anáfora aparece, com enorme freqüência, nas ordenações paralelísticas. E ela (e,
em geral, os elementos invariáveis) costuma ter grande extensão no paralelismo
dos cancioneiros antigos.
25. Veja-se em Seis calas seu estudo “Los conjuntos paralelísticos de Bécquer”.
26. Mananas de abril y mayo, Rivad., IX, 29.
3 39
LUI Z COSTA LIMA
27. Por exemplo: sopló reitera aproximadamente encendí apesar da mudança de ver
bo e de ser numa ocasião terceira pessoa e na outra primeira pessoa.
28. A Virgem venerada na localidade flamenga de Scherperheuvel (em francês,
Montaigu, em espanhol, Monteagudo), uma imagem da qual foi levada para
Antequera em 1608. Os poetas locais celebraram abundantemente a sua chegada.
Veja-se Cancionero antequerano, recogido por Ignacio de Toledo y Godoy, publica
do por Dámaso Alonso e Rafael Ferreres, Madri, 1950, pp. XXXI-XXXIII e 449-
450.
29. Pedro Espinosa, Obras, ed. Rodríguez Marín, p. 34. Poderia também ter suposto
que a quarta pluralidade é reiteração da primeira; decido-me por considerá-la pro
gressiva atendendo a que inova na adjetivação acrescentada. Se relemos agora o
soneto “El Sol a noble furia se provoca”, do mesmo Espinosa — considerado no §
IV — podemos agora analisá-lo com mais exatidão: a última pluralidade que en
tão registramos como C, C2 é na realidade C,-Bj C2-B2. Ou seja, este soneto é misto,
contendo ao mesmo tempo progressão e reiteração, correlação e paralelismo.
30. Estilística dei petrarquismo y dei siglo de oro onde oferecemos, amplamente, exem
plos espanhóis e, suficientemente, exemplos estrangeiros. No presente estudo se
tratava apenas de mostrar os exemplos indispensáveis para a articulação da teoria
(...).
31. Existem seja correlações, seja paralelismos em vários dos exemplos de prosa que,
ao falar das pluralidades, mencionei atrás: “alumbrará mi entendimiento (At) y
fortalecerá mi corazón (A2) de modo que quede único (Bj) y sin igual (B2) en la
discreción (Cj) u en la valentia (C2)” (Quijote). A primeira e a terceira dualidades
são evidentes; a segunda, duvidosa; embora único pareça aludir à inteligência (“úni
ca Fénix” etc.) e sin igual ao valor do invencível cavalheiro (...).
32. Não negamos a “história” como “ciência”. Negamos sim que “História da literatu
ra” seja igual a “Ciência da literatura”.
34 0
cap ítu lo 10 A “ Ode sobre uma urna grega” ou
conteúdo versus metagramática
LEO SPITZER
Horácio,
Carmina, 2, 10, 5
3 4 1
No seu recente livro The fíner tone (1953), o professor Earl R. Wasserman
dedica cinqüenta páginas à famosa ode de Keats — exemplo notável de
pesquisa cuidadosa, de indagação refletida sobre o significado e sobre a
forma de um poema im portante, de desejo inquebrantável de penetrar
no íntimo de cada palavra e cada pensamento, de pertinentes observa
ções que provavelmente ainda não haviam sido feitas, e de como formular
perguntas oportunas» O professor Wasserman é um espírito determ ina
do, operoso, penetrante, que não se deixa vencer pelas dificuldades (nem
mesmo pelas que ele possa criar), que não está disposto a descansar antes
de encontrar uma solução que o satisfaça plenamente (este severíssimo
juiz fia-se no julgamento apenas dele mesmo — outras doutas opiniões
nem são levadas em conta).
E como se, das duas alternativas propostas por Keats nos versos de
Endymion,
S á 3
LUIZ COSTA LIMA
3 44
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
tico”,1 etc., que talvez contribua menos para as nossas técnicas descriti
vas do que parece prometer.
Não sendo eu especialista em Keats, mas apenas um praticante da
explication de texte à francesa, me posso permitir apresentar minha explica
ção relativamente simples da “Ode sobre uma urna grega”, com a esperança
de que a diferença de método e talvez o tradicionalismo da minha aborda
gem possam não ser destituídos de valor (mesmo que minha interpretação
tivesse sido proposta por outros especialistas do passado). Seja como for, creio
que a discussion de determinada teoria de um dado crítico pelos seus cole
gas, a crítica pormenorizada de uma obra específica — costume que tende
cada vez mais a desaparecer das nossas publicações especializadas nestes dias
de anarquia, isolamento espiritual e linguagens exclusivas — ainda possa dar
resultados valiosos, da mesma forma que nos problemas estritamente lin
güísticos. O consensus omnium é tanto um ideal para a explicação da poesia
como para a pesquisa etimológica. Um ensaio escrito com a energia mental
do professor Wasserman não só convida a que seus resultados sejam pesados
cuidadosamente pelo maior número possível de estudiosos da literatura, como
também o merece.
34 5
LUI Z COSTA LIMA
il
iii
IV
3 4 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
II
Doces são as melodias ouvidas, mas as não ouvidas / São mais doces;
continuai, pois, a soar amenas flautas; / Não para o ouvido sensual, e sim, mais
gratas, / Tocai para o espírito canções insonoras: / Belo jovem sob as árvores,
347
LUI Z COSTA LIMA
tu não podes deixar / Tua canção, nem jamais poderão aquelas árvores desnu
dar-se; / Ousado Amante, nunca, nunca, poderás beijar / Posto que te aproxi
mes do alvo — mas não te lamentes; / Ela não pode esvaecer-se, ainda que não
alcances tua felicidade, / Para sempre haverás de amar, e ela será bela!
(li
Ah ditosos, ditosos ramos! que não podeis largar / Vossas folhas, nem ja
mais dizer adeus à Primavera; / E, ditoso, infatigável melodista, / Para sempre
tangendo canções eternamente novas; / Mais ditoso amor! mais ditoso, ditoso
amor! / Para sempre ardente e ainda por fruir, / Para sempre ofegante e para
sempre juvenil: / Toda a palpitante e arrebatada paixão humana / Que deixa o
coração opresso e farto de pesar, / A fronte abrasada e a língua ressequida.
IV
Quem são esses que chegam para o sacrifício? / A que verde altar, ó miste
rioso sacerdote, / Conduzes tu aquela novilha que muge aos céus, / Com suas
sedosas ilhargas ornadas de grinaldas? / Que vilarejo à beira-rio ou beira-mar,
/ Ou erguido na montanha com pacífica cidadela, / Está vazio de sua gente,
nesta pia manhã? / E, vilarejo, tuas ruas para todo o sempre / Silenciosas fica
rão; e nem uma só alma para contar / Por que estás ermo, jamais regressará.
3 4 8
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 4 9
LUI Z COSTA LIMA
3 5 0
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 5 1
LUI Z COSTA LIMA
3 5 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 53
LUI Z COSTA LIMA
3 5 4
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS F O N T E S — VOL. 1
3 5 5
LUIZ COSTA LIMA
sua integridade sem jaça, elevando-se perante seus olhos, renascida como
um todo perfeito! E esta visão da beleza orgânica da arte chega ao poeta
no m om ento da sua depressão mais profunda, como uma consolação
iluminadora: numa fórmula de invocação dirigida por assim dizer a uma
divindade cuja entidade de “edle Einfalt und stille Groesse” ele claramente
apercebeu. Notar-se-á que, enquanto o poema abre como se Keats não es
tivesse começando, mas antes, continuando uma conversação com um thou
ao qual atribuiu epítetos descritivos (como “still unravishyd bride”, “foster-
ch ild ..”, “sylvan historian”), agora a definição final (tfiO Attic shape...”)
redunda na evocação de uma presença, de um numen (notar-se-á o “O ” da
invocação, único no poema); e o thou segue a predicação de ser. O começo
e o fim do poema constituem assim um padrão quiástico que acentua o seu
efeito cíclico.
Mas mesmo depois da revelação da mensagem estética da urna, o so
pro de mortalidade que se eleva das seladas câmaras da história (o que
Goethe chamava as “Leichengeruch der Geschichte”), que regelava a empatia
do poeta, não declinou inteiramente; pois ele vê na “silent form ” da urna
“marble men and maidens”, uma “Cold Pastoral”, tão fria e monótona como
a idéia da eternidade (“... dost tease us out o f thought”). A frase “Cold Pas
toral” corresponde a “sylvan historian” (da estrofe I) invertida; a urna co
memora cenas silvestres (i. e., pastorais) e, embora ocasionalmente perpetue
o cálido amor humano, é, contudo, no fim de contas, tão fria como a his
tória (ou o tempo, ou a eternidade). Assim, a obra de arte que sobrevive à
morte respiraria alguma coisa do ar da morte. Esta idéia (quem dentre nós,
ao contemplar a Vênus de Milo, não sentiu algo da presença da majestade
da morte!) não está expressa, embora possamos sentir que ela está latente
por baixo das verdadeiras palavras do poeta. Evitando sistematicamente a
palavra “morte”, ele prefere apegar-se às consoladoras mensagens apolíneas
como a da imperecibilidade da obra de arte enquanto um “friend to m an”
— e, naturalmente, a que está expressa nos dois últimos versos:
3 5 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
de, ela não está em condições de informá-lo de que isto ê a soma total do seu
conhecimento sobre a terra e de que isto é o bastante para a sua existência
terrena (6all ye need ot know'); porque ele obviamente conhece outras coisas
sobre a terra, como o fato de que, no mundo, beleza não é verdade, e isto
seria ainda mais valioso neste mundo do que o conhecimento de que as duas
coisas constituem uma só nos domínios do céu. Mas o que é mais importan
te, a ação simbólica do drama em nenhum momento justifica esta mensagem
restritiva da urna; em nenhum lugar a urna explicitou o fato de que o ho
mem nada mais conhece ea terra do que esta identidade beleza-verdade e de
que este conhecimento baste.
“Além disso, é significativo tratar-se de uma ode sobre (on) uma urna
grega. Se Keats tivesse desejado que fosse a (to), teria escrito assim, como
fez na cOde to a nightmgale’ (Ode a um rouxinol). Aí, o significado do
poema surge das relações dramáticas do poeta com o símbolo; mas sobre
(on) implica um comentário, e é Keats que deve fazer o com entário sobre
o drama que esteve observando e experimentando nos bastidores da um a.
É o poeta, portanto, que profere as palavras ethat is all/Ye know on eartb3
and ali ye need to k n o w \ e está se dirigindo ao homem, ao leitor. Daí o
deslocamento do referente de thou (urna) para ye (homem). N ão sinto a
objeção freqüentem ente formulada de que se o último verso e meio per
tence ao poeta e é dirigido ao leitor, não é dramaticamente trabalhado
com esse objetivo. O poeta veio-se impondo gradualmente à consciência
do leitor nas últimas duas estrofes na medida em que se retirou da sua
experiência empática e assumiu sua identidade. Tornou-se claram ente
presente na última estrofe como alguém que se dirige à urna, e aos pou
cos a urna foi se retirando do centro do interesse dramático; basta agora
um pequeno passo para que o poeta deixe de se dirigir à urna e se dirija
ao leitor. Este, por sua vez, também foi sutilmente introduzido na estro
fe, pois o poeta acentua vivamente sua completa separação da essência
da urna pluralizando-se a si mesmo (cte ase u s \ 6other woe/Than ours’) e
assim pondo-se numa categoria inteiramente distinta da categoria da urna;
e, através deste recurso, Keats envolveu agora o leitor como terceiro
membro do drama. Finalmente, quando o leitor emergiu, através do plu
ral us e om s pela referência a rnan (48), o poeta pode agora dirigir-lhe
suas considerações finais sobre o drama.
“Mas o poeta não está mais autorizado do que a urna para concluir que
a suma da sabedoria necessária na terra é a identidade beleza-verdade.
3 5 7
LUI Z COSTA LIMA
Decerto, quando ele voltou ao mundo das dimensões na estrofe IV, desco
briu que as duas coisas são antitéticas, não idênticas. Parte das dificuldades
com que se defrontou Keats ao tentar orientar o seu significado pode ser
observada nas três versões dos versos finais que têm autoridade textual ou
manuscrita. O manuscrito de Keats e as transcrições feitas por seus amigos
trazem:
Nos Annals o f the fine arts de 1820, onde o poema foi publicado pela
primeira vez, o verso aparece como:
3 5 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOl . 1
bém integra esse fato a uma verdade maior. A suma da sabedoria terrena é
que neste mundo de sofrimento e corrupção onde o amor não pode ser para
sempre cálido e onde até os mais elevados prazeres deixam necessariamente
ca burning forehead and a parching tongue’ (a fronte abrasada e a língua res
sequida), a arte permanece, imutável na sua essência, porque essa essência
está encerrada numa 6Co Id Pastoral’... Esta arte está para sempre ao alcance
cdo homem como uma amiga’ (as ‘a friend to mari) uma potestade disposta
a admiti-lo às suas ‘sphery sessions’... O grande objetivo da poesia, escreveu
Keats, é ‘que ela seja um amigo/A suavizar os cuidados, e a elevar os pensa
mentos do homem’, pois a arte... torna mais leve este fardo, oferecendo ao
homem a promessa de que, em algum lugar — nos domínios do céu, onde as
aflições deste mundo serão resolvidas — as canções são eternamente novas,
o amor é sempre jovem, a paixão humana é chuman passion far above\ a
beleza é a verdade; que, embora a beleza não seja a verdade neste mundo, o
que a imaginação apreende como beleza deve ser verdade — quer tenha
existido antes ou não (pp. 58-61).
“Pelo fato de a asserção de que a beleza é a verdade ter a aparência ilusó
ria de ser a afirmação mais explícita e mais carregada de significado da ‘Ode
sobre uma urna grega’, quase todos os estudos do poema se concentraram
nos versos finais, apenas para descobrir que as abstrações aparentemente claras
são um ignis fatuus, dando para um pantanal da quase-filosofia... O aforismo
é tanto mais enganador quanto surge próximo ao final do poema, pois sua
posição aparentemente de clímax geralmente tem levado à suposição de que
ele é o resumo abstrato do poema, destacável dos primeiros 48 versos, e
equivalente a eles.
“Mas a ode não é uma sentença abstrata nem uma excursão pela filoso
fia. É um poema sobre coisas: urna, flautas, árvores, amantes, um sacerdote,
uma cidade; e as imagens poéticas têm uma gramática própria, contida nas
suas ações dramáticas... Apenas uma leitura da gramática imagística total do
poema pode desvelar o seu propósito de um modo que os versos finais, to
mados isoladamente, não podem. Na verdade, através dessa leitura total, o
aforismo prova não ser um resumo do poema, nem mesmo um ponto alto
do seu propósito, mas apenas uma parte funcional subordinada da gramáti
ca das imagens (pp. 13-14).”
Acreditando, como eu acredito, que os dois últimos versos inteiros
devem ser entendidos como palavras proferidas pela urna, tentarei refutar
3 5 9
LU I Z COSTA LIMA
3 6 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES —
de que é o poeta que deve fazer a observação “that is ali ye need to k n o w ..”9
é um evidente non sequitur. Note-se que, a despeito de estar escrevendo
sobre uma urna, o poeta, ao longo de todo o poema, falou à urna {thou) e
que ele pode muito bem sugerir suas próprias conclusões por meio de pa
lavras emprestadas à urna. Na verdade, concordando com a interpretação
do professor Brooks, penso que está de acordo com passagens prévias so
bre o “silêncio” da urna o fato de que ela está finalmente autorizada a fa-
lar, isto é, autorizada a formular a verdadeira mensagem que, segundo Keats,
se encontra corporificada nela, e da qual ele mesmo, por fim, se tornou
consciente. A ecphrasis, descrição de um objet d ’art por meio da palavra,
amplificou-se até atingir aqui o registro de uma experiência exemplar sen
tida pelo poeta ao se confrontar com uma obra de arte antiga — experiên
cia mostrada no desenvolvimento do poema — no momento em que as
aspirações puramente estéticas de Keats conseguem despojar-se de todos
os componentes não essenciais. Foi mérito de Keats o ter apresentado a
“ode sobre” sob a forma de “ode a”, isto é, de modo consoante com a
emoção elevada, tradicionalmente requerida pelo gênero da ode, o que teria
satisfeito até mesmo a Lessing — o ter transformado uma extensa enume
ração de pormenores factuais, difíceis de visualizar, numa invocação contí
nua, cheia de emoção, dirigida à u rn a,16 e num a busca dram ática da
mensagem nela contida.
Q uanto à alegação do professor Wasserman de que, nas últimas estro
fes, o poeta se foi gradualmente impondo à consciência do leitor e aos
poucos a urna se foi retirando do centro do interesse —• já dissemos que
a urna, muito longe de se ter “afastado”, renasceu e se reform ou na últi
ma estrofe — como poderia o poeta, nesse momento supremo, tê-la per
dido de vista? Além disso, o suposto “pequeno passo” pelo qual o poeta
teria supostamente deslocado o seu discurso “da urna para o leito r” é ab
solutamente impossível. Teria sido, sem dúvida, supremamente deselegante
e didático da parte do poeta terminar sua invocação à urna e nesse m o
mento virar-se para nós e dizer: “e agora, meus companheiros humanos,
vou-me aproximar de vocês para dizer” ■ —■mas com tal transição, o des
locamento sugerido por Wasserman teria sido, pelo menos, possível. De
qualquer modo, não houve aqui nenhuma transição dessa natureza, e um
súbito ye3 depois de uma série de thou3 não pode pertencer à mesma pes
soa que está falando; ye sempre precisa de um antecedente (a referência,
3 61
LUI Z COSTA LIMA
3 6 2
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM S U A S F O N T E S — VOL. 1
forma epigramática. Como nos diz Paul Friedlaender em seu livro Epi-
grammata (Berkeley — Los Angeles, 1948): “Os gregos, embora seguindo o
Oriente no costume de erigir monumentos com inscrições, gostavam de va
zar uma inscrição sepulcral ou uma dedicatória a um deus no metro e no
estilo de Homero, ou no dos poetas elegíacos ou iâmbicos”, sendo o dístico
elegíaco a principal forma de epigrama inscrito. Estas inscrições poéticas, a
parte eloqüente das estátuas ou das lápides mudas, dirigiam-se supostamen
te ao passante:
-— e eram para ser lidas por este, de tal sorte que monumento e viajante tra
vassem um diálogo, “pois o ler dos antigos era sempre um ler em voz alta”.
Para citar as palavras de um epitáfio latino:
Até o final da ode, foi apenas Keats que falou à urna, isto é, pensou em voz
alta, interrogando-se sobre o seu sentido. Por que não teria pensado, num
poema que trata da ressurreição de uma obra de arte antiga, em um diálo
go entre a obra de arte e os que a contemplassem, diálogo no qual a urna,
por um milagre ou metamorfose gregos, chegasse a verbalizar para eles (na
forma de ye3 que inclui o poeta) a sua inscrição, respondendo assim à bus
ca, por parte do poeta, do significado como “a friend o f m an” — exata
mente como as inscrições sepulcrais gregas recompensavam o passante que,
depois de olhar um monumento (urna, esteia etc.), tinha reverentemente
lido o nome do morto, com palavras consoladoras e votos amigáveis {“but
you farewell, o passerby!J\ “godspeed, o stranger!” — Friedlaender, n.° 168)
ou mesmo com advertências morais (gnoma ou parênese) desejando seu bem
3 63
LUI Z COSTA LIMA
3 6 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
— pela qual se torna possível, para ele, sustentar o ponto de vista de que
não é a urna mas o poeta que estabelece a suficiência, para o homem, do
conhecimento da identidade beleza-verdade “nos domínios do céu” — con
tra essa hipótese argumentaria primeiro que, para que th a t se refira a toda
a sentença desde “When old age” até “truth b e a u ty ” , o conteúdo desta sen
tença não é suficientemente geral para ser considerado “a li y e k n o w on
e a r th ” (a experiência p a rtic u la r feita pelo poeta com esta urna particular
seria então chamada de ua ll y e k n o w o n earth”); segundo, que a idéia de
que para Keats “b e a u ty is tru th , tru th b e a u ty ” nos d o m ín io s do céu é co
nhecida pelo professor Wasserman através da sua ampla leitura do poeta,
mas é óbvio que não está expressa no nosso poema; se, por um lado, os
leitores do poema são informados de que o fato de a urna ficar para sem
pre “a friend ” para eles é o único conhecimento de que eles carecem na
terra , e, por outro lado, a urna proclama “B ea u ty is tr u th .,”, como pode
riam eles deduzir que o aforismo “B ea u ty is tr u th ...” é válido somente “nos
d o m ín io s d o céu”} Esta “ajuda extrínseca” proporcionada pelo crítico des-
trói o organismo poético.19
Se, pelo contrário, se aceitar minha interpretação de que o conhecimen
to histórico é a única coisa que está excluída daquilo que “ye n eed to k n o w ”
e que a experiência estética com a urna levou o poeta a exprimir (através do
dístico final) sua religião platônica da arte, creio que a unidade do poema
permanece intacta e que os versos finais são de fato a formulação abstrata da
experiência real da obra de arte, retratada dramaticamente pelo poeta nesta
ode de ecphrasis.
3 6 5
LUI Z GOSTA LIMA
*A proxim adam ente corresponde ao que cham aríam os jogo, ou com binaçã o, de imagens p ró
prio a um autor. (N. do Org.)
366
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
nalado pela seqüência das frases (ainda que em partes ímagístícas), “sylvan
h isto ria n ”, “ O Attic shape!”, c<silent f o r r r i\ “ Cold P astoral”, que culminam
no aforismo £íBeauty is truth...”? Eu sustentaria antes o ponto de vista se
gundo o qual nenhuma seqüência imagística se poderia considerar válida a
menos que fosse confirmada pelo aforismo final
Nenhum mitologema do mundo, do tipo “gramática imagística”, nos
convencerá de que, na poesia européia anterior ao simbolismo e ao surrealis
mo, as imagens tenham vida própria, não subordinadas às idéias. De fato,
foi em função da idéia do poema (“a mensagem estética, não histórica, da
obra de arte”) que Keats ofereceu à nossa contemplação as três cenas dife
rentes (ou conjuntos de imagens) no friso, em que seus sentidos histórico e
estético não foram igualmente satisfeitos (atingindo o equilíbrio apenas na
cena 2, mas não nas cenas 1 e 3) — quer estas três cenas tenham existido
outrora num vaso grego que por acaso realmente viu, quer ele mesmo ti
vesse inventado (ou modificado) as três cenas de modo a satisfazerem à sua
tese geral sobre a obra de arte. Assim, na minha opinião, os críticos, depois
de terem indicado os pormenores essenciais e delineado os claros contor
nos da escultura descritos no nosso poema, deveriam estabelecer sua firme
arquitetura ideológica (o avanço particular ou nuance que ele representa
entre os poemas qu<* tratam da arte, ou filosofias da arte) antes de analisa
rem a imagery (que, em nosso poema, é decerto subordinada). As imagens
do nosso poema não têm o poder de reduzir o aforismo final a uma posi
ção subordinada; pelo contrário, o aforismo final, que tão claramente res
salta para qualquer leitor de espírito não preconcebido, e que deve estar
ligado a idéias previamente sugeridas no poema, não pode deixar de redu
zir as imagens a uma posição subordinada — a de corporificar a idéia.20 E
irônico que o professor Wasserman, discípulo do autor de The g rea t chain
o f beingj ao explicar um poema de idéias bastante simples, tenha abando
nado o seu ponto forte, a história das idéias (que inclui a história das idéias
antigas).21
Estabelecer uma metagramática imagística, ignorando a “gramática in
telectual” que controla totalmente o poema, seria acionar um perigoso
“aprendiz de feiticeiro”. Tenhamos, nas nossas explicações dos poemas
clássicos da literatura inglesa, menos magia ou alquimia imagísticas, que
cheiram a coisa fechada, e mais daquela lucidez cristalina de ar livre, em
relação à obra de arte — como está presente na ode de Keats, em que
3 6?
LUIZ COSTA LIMA
Tradução
Álvaro M endes
Revisão
F ernando Augusto R odrigues
3 6 8
Notas
1. O professor Wasserman chega a cunhar uma palavra derivada deste termo clássico
da retórica: oxymoronic — formação que ofende igualmente o ouvido clássico e o
americano; em uma frase como “A natureza (de Pan) é oximorônica nos domínios
do céu”, a mistura de um neologismo com um solecismo é lamentável. O ouvido
latino torna a ser ferido pela cunhagem de coextential (p. 36); pretenderá ela ser
uma palavra portmanteau {coexistent + coextensive)?
2. Embora eu me oponha ao que o professor Wasserman chama corretamente o hábi
to “autoflagelatório” que têm certos críticos extremistas de excluírem por princí
pio, da explication de texte, todos os elementos exteriores ao poema, acredito que
o momento de fazer referências a elementos estranhos deve ser estabelecido com
todo o cuidado. Por exemplo, no caso da nossa ode, creio que seria melhor estra
tégia crítica, em vez de citar logo de começo passagens de outros poemas (“There
is a budding morrow in midnigkt”, “at keaven’s bourne” etc.) ou idéias gerais de
Keats, reconstruir o poema para o leitor através de palavras e conceitos extraídos,
na medida do possível, do poema em estudo. O leitor deve ser levado a sentir o
poema como auto-explicativo e auto-suficiente (pois na maior parte das vezes é
isso que o poeta pretende), desdobrando-se organicamente aos olhos do leitor,
sem necessidade de comentador nenhum. Auxílio exterior introduzido cedo de
mais, e como se indispensável, pode destruir a impressão da unicidade específica e
da totalidade da obra de arte. Só quando o leitor compreendeu inteiramente o
poema, auxiliado, talvez mais do que ele supõe, pela orientação invisível do críti
co, poderá este elevar o seu vôo e exclamar: “Isto não é tudo o que vocês precisam
saber. Este poema também deve ser visto em ligação com toda a produção de Keats,
e com o seu sistema de idéias.”
3. Por que este recurso jurídico e comercial “nos domínios do céu”?
4. Passagens como estas, que nos apresentam como já conseguido pelo poeta, logo
no começo, o que é somente recompensa resultante de longa meditação, a unio
mystica, causam, no leitor não preparado, primeiro um leve sentimento de ver
tigem, depois um sentimento de frustração diante da solução prematura de to
dos os problemas, alcançada ostensivamente com tanta facilidade, tão sem
esforço.
3 6 9
LUI Z COSTA LIMA
370
TEORIA DA LITERATURA I M SUAS FONTES — VOL. 1
371
LUIZ COSTA LIMA
11. Acho um tanto arbitrária a sugestão do professor Wasserman (p. 30) de que nos
modos sintáticos usados nas estrofes I-III se registra um aumento de “empatia”; de
acordo com ele, o “menos empático” é manifestado pelo modo interrogativo (es
trofe I), os dois modos mais empáticos que vêm a seguir (que aparecem combina
dos na estrofe II) são indicativos e imperativos, sendo o clímax empático atingido
nas sentenças exclamativas (estrofe III). Isto é destituído de validade geral para a
linguagem e de pertinência para as nossas estrofes; com certeza, o modo inter
rogativo pode ser altamente empático em perguntas como “Ah, did you once see
Shelley plain/And did he stop and speak to you...V\ Quanto à nossa estrofe I, as
perguntas são interrogativas apenas sob o aspecto formal; na realidade, têm o va
lor emocional de exclamações (“What wild ecstasy?” poderia ser impresso como
“What wild ecstasy r . Com certeza, a exclamação como tal não “garante que o
sujeito esteja implicado na vida do predicado — se tenha fundido a ele — ‘tornan
do-se assim parte dele”’). Além disso, o indicativo como tal não é nem deixa de ser
empático; “Heard melodies are sweet” não é empático, mas, como dissemos, filo
soficamente meditativo, enquanto que “thou canst not leave / Thy song” é real
mente empático. Por fim, exclamações como “Ah, happy, happy boughs\” são
empáticas, mas apenas devido ao adjetivo happy.
12. E lamentável que a terminologia metafísica do professor Wasserman, tanto aqui como
em outras passagens, dilua todo o concreto, mesmo quando ele está avançando na
direção certa: “Agora Keats faz três perguntas. A primeira, como as da primeira es
trofe, refere-se à identidade: lWho are these coming to the sacrificeVMas decerto
não pode haver resposta, porque nos domínios do céu existe apenas ausência de
identidade. As duas perguntas seguintes... buscam direções... são perguntas espaciais,
e não podem ter mais respostas do que as relativas à identidade, porque os domínios
do céu são espaço essencial. No resultado da convivência com a essência é que nos
tornamos (Full alchemiz’d, and free of space'” (p. 41). Para mim, frases como essas
em destaque soam a pronunciamentos de uma espécie de burocracia fantasmal “nos
domínios do céu”, respondendo a perguntas com a auto-suficiência peremptória evi
dentemente característica dos guardas de trânsito do céu. Mais uma vez, o que deve
ríamos pensar de alegorizações como: “O altar do sacrifício em direção ao qual avança
a procissão é... dedicado ao céu, ao reino do puro espírito: imortal sem mortal, ver
dade sem beleza. E a cidade que as almas abandonam é a cidade que todas as almas
abandonam em sua caminhada humana em direção ao altar-céu” (p. 42). Não, o
altar e a cidade são apenas um altar e uma cidade gregos não descritos, e esqueça
mos “o reino do puro espírito” e o “altar-céu” para nos concentrarmos no único
problema imutável do poema: o que é que uma urna grega nos pode ensinar?
13. A associação estabelecida aqui entre o detalhe da cidade morta e o sentimento
da qualidade mortal da história é simetricamente paralela à associação, nas es
trofes I-II, entre o detalhe das flautas e pandeiros representados no friso e a crença
do poeta na música pitagórica do silêncio.
3 7 2
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 7 3
LUI Z COSTA LIMA
16. Só uma vez, na invocação à cidadezinha que Keats imaginou apenas por inferência,
a predicação hínica thou não se limita à urna e às coisas nela representadas. Neste
caso, o poeta se permitiu inserir a obra de arte na “história” — vício de sua imagi
nação, por assim dizer, que é simbolizado pelo uso inadequado do thou e de que o
poeta será levado a retratar-se pela forma inteira da urna que se eleva diante do
seu olhar: “O Attic shape!..”
17. Deve ter-se em mente que, além das verdadeiras inscrições sepulcrais, os gregos
desenvolveram um gênero literário de pseudo-inscrições, dirigidas ao leitor, no
qual seria descrita a obra de arte. Hellmuth Rosenfeld, que no seu livro Das deutsche
Bildgedicht, Leipzig, 1935, trata principalmente da sobrevivência desse gênero na
poesia alemã, distingue os tipos antigos do Bildgedicht, aquela “forma híbrida es
teticamente desafiadora, em que a obra de arte em seu repouso e a poesia que con
siste em movimento são levadas a uma perfeita união”; tal gênero pode consistir
em: (1) um apelo objetivo ao leitor pela pessoa que doou a obra de arte como um
ex-voto; (2) um recurso ficcional pelo qual a própria obra de arte supostamente
fala para se apresentar, ou para responder a perguntas do leitor; (3) o desenvolvi
mento posterior em que o poeta assume a parte do leitor no diálogo com a obra de
arte (neste caso, o diálogo pode tornar-se um monólogo do poeta); (4) finalmen
te, a variante em que o poeta (que aponta para a obra de arte: “contempla... con
templa!”) a descreve para um espectador ideal ou reinterpreta, como se fosse
pessoalmente movido a isso, a cena representada na obra de arte como ação dra
mática. Rosenfeld, em lembrança da cena homérica, chama a este tipo de “teicos-
cópico”. Parece óbvio que a ode de Keats contém os elementos (2), (3) e (4)
ordenados de tal maneira que (2) (a resposta da obra de arte) e (3) (o apelo a um
espectador ideal) brotam organicamente de (4) (a apresentação “teicoscópica” da
urna). Acrescento ainda que na coletânea de Rosenfeld de “Bildgedichte” alemães
nada há que se compare à “apercepção estética desenvolvida no tempo”, tão ca
racterística da ode de Keats.
18. Agora que vimos a correspondência entre os versos finais da ode e o costume gre
go de inscrever monumentos sepulcrais, podemos ir mais além e perguntar-nos se
mesmo no começo deste poema não se pode notar já algo semelhante. As reitera
das “perguntas quanto à identidade histórica” nas estrofes 1 e iy que aparecem
carregadas de uma emoção tão pessoal por parte do poeta, podem ter seus antece
dentes em perguntas semelhantes inscritas em monumentos gregos e ostensivamente
dirigidas pelo passante ao monumento. Cf. a descrição de Friedlaender de uma
coluna encimada por uma Esfinge, e com a inscrição: “O Esfinge, cão do Hades, a
quem vigias, enquanto montas guarda aos mortos?” Segue-se, como resposta, o
nome de determinada pessoa morta. Mas as perguntas de Keats, dirigidas como o
são à Esfinge da História, não admitem resposta da História. O diálogo inerente à
inscrição sepulcral foi tornado explícito pelo poeta neolatino Pontanus que, em
3 7 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
seus Tumuli (1518), tantas vezes imitado pelos poetas franceses da Pléiade, fez
repetidamente um Viator formular perguntas (quanto à identidade histórica) que
eram respondidas pelo Genius ou pela umbra dos mortos. Nas Bergeries (1572) de
Remy Belleau encontramos descrições em prosa de suntuosos túmulos do Renas
cimento, seguidas por epitáfios em verso que soam como respostas poéticas à si
lenciosa pergunta do contemplador. Não pretendo, naturalmente, afirmar que Keats
tenha na realidade visto ou estudado alguma das inscrições gregas particulares
mencionadas acima (nem suas derivadas do Renascimento); mas o poema foi evi
dentemente escrito por alguém que estava embebido daquela atmosfera particular
criada por qualquer museu de arte clássica.
19. Ver nota 2, acima.
20. Por outras palavras: as imagens do nosso poema não são de natureza associativa
(como o são, por exemplo, as do “Bateau ivre” de Rimbaud); somente se o fos
sem, poderia justificar-se uma aproximação predominantemente imagística.
21. E paradoxal ver no trabalho do professor Wasserman duas tendências que parece
riam excluir-se mutuamente: uma alegorização por demais ansiosamente metafísica,
de um lado; e uma subserviência à metagramática imagística, do outro; nos dois
casos existe evidentemente um excesso de meta, um afastamento daquela aurea
mediocritas que evita os extremos da crítica literária. (Mas estes “excessos” radi
cam, sem dúvida, numa virtude nunca por demais elogiada: o desejo apaixonado
que tem o professor Wasserman de compreender inteiramente o poema.)
3 7 5
CAPÍTULO 11 A Poesia espanõla de
Dámaso Alonso
LEO SPITZER
3 8 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
381
LUIZ COSTA LIMA
382
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
383
LU IZ COSTA LIMA
3 8 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V OL , 1
3 8 5
LUIZ COSTA LIMA
3 8 6
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS F O N T E S — VOL. 1
A, a3 ... A 11
Bt b2 b3 ... Bn
Cl c2 C3 - - c,
P2 P3 P 11
Este esquema elemenar não tem nada a ver com a matemática, apesar de
seus sinais algébricos (qualquer matemático se divertiria com isso!), nem se
quer com a aritmética. Trata-se no máximo de um modelo gráfico cuja bele
za individual, uma vez fixado o esquema, nada significa a priori. Mas para a
juventude desvairada de certos países é bom que mestres experientes da
filologia, dotados de conhecimento poético e técnico, possam mostrar os
elementos materiais e técnicos, o apreensível na grande literatura, sem que
este tipo de interpretação precise ser visto como “investigación rigurosamente
científica” ou “matemáticamente rigurosa” ou que seja necessária a compro
vação matemática em considerações filológicas.
Apesar de todas as restrições,13 permanece inalterada minha admiração
face a uma obra filológica que realiza tão magistralmente os desejos de toda
a verdadeira filologia e que compreende com essa sensibilidade congenial
um período florescente da literatura românica.
* * *
3 8 7
LUI Z COSTA LIMA
de León. Alonso já tinha feito nos seus Ensayos sobre poesia espanola (Buenos
Aires, 1946) uma comparação minuciosa do poema espanhol com o seu
modelo latino, a profecia de Nereu feita a Páris, seqüestrador da Helena, na
Ode I, 15, de Horácio e classifica a interpretação do poema espanhol, em
nosso livro, dentro do quadro do “externo ao interno”. Após ter chamado a
atenção sobre o tratamento que Fray Luis deu a uma saga nacional espanho
la da Idade Média em forma de uma lira classicista, o equivalente da ode
horaciana, e dentro do espírito renascentista, em que os protagonistas do
poeta espanhol correspondem aos do poeta romano:
3 8 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 8 9
LUI Z COSTA LIMA
em pessoa ao lado do leito depravado do rei espanhol (el pecho sacó fuera)u
como testemunho indesejável (os amantes se acreditaram sin testigo): o mes
mo abismo, que existe entre o mundo de Dante, que pode tornar um proble
ma moral fisicamente verossímil e o cristianismo com sua herança de traços
judaicos. Vossler já descobriu no seu livro Fray Luis de León (1946) no poema
em questão a marca de um “profeta do Velho Testamento”, que pune a ceguei
ra do apaixonado e a maldição da seduzida. Muitos detalhes do poema pode
riam ser usados para apoiar esta observação dos sentimentos. Podemos ouvir
através das palavras da figura da Antigüidade, que surge do Tejo, a voz da cons
ciência judaico-cristã, sempre “testemunha” quando o homem está só (cf. o
mito de Caim); esta voz, que mistura a sua ameaça ao prazer sexual, os muitos
iay! que fazem estremecer o sujeito no ato de pecar (relaciono assim os itens 1
e 3). Todas as outras revelações do crime (e da desgraça) se entendem a partir
do prazer, construídas como contraponto à maneira de um pregador como
Guevara, e nenhuma delas tem correspondência em Horácio.
390
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 9 1
LUI Z COSTA LIMA
3 9 2
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS F O N T E S — VOL. 1
3 9 3
LU 7. C O S TA i i SVi A
3 9 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
3 9 5
LUI Z COSTA LIMA
nestas palavras que ecoarão eternamente em nós.30 Não sentiu ele que nelas
se perdeu toda a força mitológica do poema ■— e que o deus do Rio, na gran
deza de sua dor, não é mais um deus da Antigüidade mas apenas um homem
do povo, que não poderia se expressar senão como este?
Fray Luis transformou a profecia da Antigüidade de voz impessoal da
natureza, que anuncia o destino de forma patética e humana, em manifesta
ção viva do homem hispano-cristão histórico que entende a desgraça nacio
nal como falta. Em outras palavras, uma consciência humana hispano-cristã
esvaziou a mitologia da Antigüidade a partir do seu interior, dando-lhe ou
tro conteúdo, conteúdo moderno de forma clássica,31 equivalente ao pro
grama do teórico do Renascimento, Vida (Poetic. III. 257-8):
Tradução:
H eidrun Krieger O linto
Revisão
Luiz C osta Lima
3 9 6
Notas
3 9 7
LUI Z COSTA LIMA
do modelo antigo:
3 9 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL . 1
8. Alonso confessa o seu espanto diante dos poemas pagãos fúnebres de Quevedo,
em desarmonia com a sua postura cristã. Creio que são condicionados por te
mas e gêneros como os de Ronstard, p. ex., que consegue ter uma postura cris
tã em poemas fúnebres de tendência epicurista. “Más bien producto de un
mimetismo que de una convicción”, como sugere Alonso, à p. 563, não é uma
alternativa correta. Como “o mais belo soneto da língua espanhola” poderia
ser escrito “sem convicção”, apenas de forma mimética? Quevedo é extrema
mente cioso de sua condição de poeta tanto nos poemas de inspiração antiga
quanto cristã. E, em períodos de ortodoxia, temos que.nos contentar com a
convicção poética do poeta, mesmo em poemas religiosos: quase nada sabe
mos sobre a sua verdadeira fé.
9. Se fosse necessário inventar uma fórmula abrangente da especificidade deste poe
ta, proporia como conceito geral “moderação clássica”. Esta característica está
presente em toda a sua poesia, principalmente na temática. O poeta apresenta desde
o início no seu poema de juventude “A la flor de Gnido” os sons como os de baja
lira, louvando uma dama perfeita, que só alguma vez se mostra arredia, já que o
destino da antiga Anaxarete lhe serve de advertência. O poeta não escreve para si
mas para um amigo, dela enamorado. Os cHticos não percebem que todos estes
elementos (escrever em nome de outro, classificação do poema numa categoria
modesta, exposição de uma única falta da dama, exemplo paradigmático da Anti
güidade) precisam ser entendidos como intenção de moderação do sentimento: o
sentimento, em vez de fluir espontaneamente, deve ser moderado. Da mesma for
ma, na terceira écloga, o poema mais maduro de Garcilaso, a unidade do poema se
revela pela atitude serena e prazerosa das ninfas na natureza, que abranda todos
os sentimentos: os quatro seres da natureza elegem o locus amoenus no Tejo como
local de sua siesta, fazendo bordados e ouvindo a mais bela cantoria dos pastores
antes de voltar para o elemento líquido, ao cair da noite. O tema deste poema
bucólico é a união entre natureza, arte e amor, a ponto de o amor parecer trans
formado em obra de arte (os amantes mortos são motivos do bordado; os lamen
tos amorosos dos pastores se transformaram em doces sons). Estas obras de arte se
revelam para nós a partir dos belos seres naturais no quadro de uma natureza en
cantadora. Quando as ninfas desaparecem no seu elemento, deixando como vestí
gio apenas espuma, desfaz-se a visão fugidia da arte e da beleza da natureza — e
com ela a lembrança do amor sofrido. A dor amorosa pessoal do poeta, que pre
sencia a morte da amada que pertenceu a outro, se insere neste quadro de arte e
natureza, apresentado pelo autor como motivo do bordado da quarta ninfa, como
“imagem na imagem”, como disse Alonso corretamente. A meu ver, o estilista de
veria persistir no estudo da moderação lingüística que corresponde à moderação
do conteúdo, e eu pessoalmente subordinaria todos os traços estilísticos particula
res a este princípio abrangente da arte poética classicista.
399
LUI Z COSTA LIMA
10. ... como também a uma feliz contraposição entre a descrição estática renascentista,
idílica e serena do Tejo em Toledo nas oitavas de Garcilaso e uma descrição
barroca, movimentada e apaixonada da mesma paisagem em duas passagens de
Góngora. A serenidade de Garcilaso corresponde, por assim dizer, ao dinamis
mo de Góngora, como, no ensaio de Th. Spoerri, a serenidade de Ariosto ao
dinamismo de Tasso. Por outro lado, a comparação de dois quadros de El Greco
em Toledo com as duas passagens de Góngora parece-me ser um exemplo infeliz
do método de explicação recíproca das artes: a visão de Toledo, num dos qua
dros (o do Metropolitan Museum) apresenta em verdade a idéia de movimento,
podendo talvez corresponder aos versos “Esa montaria que precipitante ha tan
tos siglos que se viene abajo”. Mas este movimento se deve ao céu estrelado, que
ilumina fantasmagoricamente uma parte da paisagem (não se trata da precipita
ção da montanha no rio). N o outro quadro (que se encontra na Casa dei Greco
em Toledo) temos uma visão emblemático-cartográfica, portanto estática, da ci
dade (um plano é apresentado ao espectador por uma figura de primeiro plano),
ela mesma um complexo de muralhas, em que se destaca claramente o hospital
(Hospital de Afuera) como figura central do quadro. Não há vestígio da “viva
realidade cotidiana” das ruas, noites e praças de Toledo, e sobretudo por parte
da cidade uma atitude receptiva em relação à Madona, como nos referidos ver
sos de Góngora (em que os velhos se preparam para receber no ar a rainha do
céu: de antigüedad salían coronados / por los campos dei aire a recibilla). No
quadro de El Greco a cidade é estática — dinâmicos são apenas os poderes so
brenaturais e o construtor (invisível) do plano e do hospital. O fato de duas pas
sagens em Góngora descreverem Toledo e dois quadros de El Greco retratarem
Toledo não é suficiente para uma explicação recíproca.
11. Foi esta a razão pela qual Alonso, ao rejeitar decididamente todo o simbolismo exage
rado, reabilitou na sua pátria o “pesado” mas preciso Góngora -— quase simultanea
mente com a reabilitação de Donne por T. S. Eliot nos países de língua inglesa. Os dois
acontecimentos podem até estar relacionados: o próprio Alonso menciona como a
leitura de Donne na Inglaterra facilitara para ele a reabilitação de Góngora. Os dois
poetas exigem esforço do leitor — para deleite dos filólogos acostumados a trabalhar!
12. P ex., em infame turba de nocturnas aves (com as duas sílabas — tur, e o acento nas 4.a
e 8.a sílabas) existe “matemático rigor”. O verso é realmente maravilhoso no seu sim
bolismo fonético que recria o ambiente do gigante Polifemo — mas será que um fazedor
de versos contemporâneo de quinta categoria não poderia ter feito o mesmo?
13. Não concordo com a observação ocasional de Alonso: “Nada é mais tolo e desne
cessário numa crítica do que a perfeita honestidade”, observação apropriada a in
telectuais espanhóis que trabalham num espaço limitado sob severas condições, e
que precisam preocupar-se especialmente com a harmonia entre si, mas desacon-
selhável para os estudiosos hispânicos internacionais, que devem trabalhar com
juízos objetivos.
4 0 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
14. Muitas vezes se trata apenas de modificações de detalhes; mesmo assim, não creio
que a consideração crítica de todos os detalhes seja supérflua porque só assim se
chega àquele ideal de meticulosidade nos estudos estilísticos que tanto admiramos
nas realizações dos filólogos mais antigos.
Segue o texto:
4 0 1
LUIZ COSTA L I M A
8. La lanza ya blandea
el árabe cruel y hiere el viento,
Mamando à la pelea;
innumerable cuento
de escuadras juntas veo en un momento.
40 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
15. Temos aqui um clima estilístico fundamentalmente diferente. Horácio apresenta fi
guras mitológicas originais, enquanto o poeta cita apenas elementos cristalizados ou
lexicalizados da mitologia: Marte (guerra), Eolo, Netuno, Hércules, o rei do Rio
Betis. Não há em Horácio constantes alusões ao conjunto da tradição mitológica
conhecida por seu público: mas Alonso se vê obrigado a vinte notas explicativas na
sua reprodução do poema latino nos Ensayos. Quanto à “frieza mitológica” do poe
ma antigo, creio que se deve levar em conta o que chamaria de “alusão ao conjunto
da mitologia”: poetas da Antigüidade podem-se satisfazer com alusões esparsas a
fatos mitológicos, uma vez que tanto o leitor como o ouvinte conhecem o conjunto
do corpus mitológico. Nas alusões de cada verso se escondem epopéias ou tragédias
inteiras, como, p. ex., toda a Iltada em expressões de aparência puramente onomástica
nos dois últimos versos da ode de Horácio: iracunda classis Achil lei — matronae
Phrygum — achaicus ignis-pergamenos domos. O poder sugestivo do conjunto do
mito beneficia, portanto, o detalhe mitológico individual.
16. Em oposição à serenidade do rei (folgaba, imperfeito) está a abrupta aparição do
deus Tejo (el pecho saco fuera, pretérito. Há uma inversão do objetivo: vemos surgir
o peito antes que saibamos do deus). Fray Luis imita Horácio na exortação da di
vindade guerreira, mas ele substitui conscientemente a sábia Pallas (rabies no verso
4 significa “tumulto de guerra” e não uma Pallas raivosa) pelo selvagem Marte que
urra descontroladamente. Esta alteração estratégica se reflete em todos os elementos
sensoriais e nas sinestesias, como salienta Alonso: trata-se de uma guerra elemen
tar e justa, provocada pela falta do rei dos visigodos e não desejada pelo destino.
40 3
LUI Z COSTA LIMA
17. O verso corresponde ao heu serusl do verso 19 em Horácio: aún retoma o elemento
temporal de serus; iya tristei reflete a interjeição heu, somado ao caráter pessoal do
adjetivo serus-. o adjetivo espanhol (tradicional nos romances de Rodrigo) se traduz
melhor por “desgraçado” — em que se combinam o significado de desgraça pessoal
e o de causador da desgraça. A diferença entre o poeta romano e o poeta cristão é
evidente: o primeiro fala ironicamente da vingança que chega demasiado tarde para
Páris; o segundo fala da desgraça do pecador, que já está suficientemente castigado
por seu sentimento de culpa; Fray Luis lamenta a Espanha e o criminoso — esta
compaixão inexistia em Horácio! Cf. minha observação posterior acerca de conde
na. Atenção especial deve ser dada à palavra regazo, que se refere ao desejo carnal de
forma acertada e realista, aliás muito diferente da expressão erótica abrangente e
convencional do romano thalamus (associada a nuptiae e adulter).
18. Este tipo de ironia referente à relação dos dois amantes não seria naturalmente ade
quado a Fray Luis, que entende o desejo como crime contra a pátria. Paradoxalmente,
o poeta da Antigüidade não menciona de modo expresso a beleza da Helena, enquan
to o monge cristão precisa salientar a beleza da Cava para exacerbar sua periculosidade.
19. Nosso poema, na sua abundância de proféticos ya, é uma ilustração excelente daquilo
que eu chamo de “apresentação do fait-accompli” na língua espanhola (Stilstudien i),
e que se refere à capacidade do espanhol em apresentar o futuro como “já realizado”.
20. Alonso fala em “interrupcióny\ “rotura para dar salida a la indignación represada”,
“brusca transición”. Certamente trata-se de um rompante de indignação, mas não
vejo aqui uma interrupção. A visão se desenrola “junto do leito”, acentuando niti
damente a trágica perda de tempo expressa pelo “folgar” do rei: este, já há tempo,
deveria ter “andado” (la espuela), “lutado” (... la mano... el hierro...).
21. Alonso chama atenção sobre a originalidade do relato da invasão, comparando-o
com a descrição dos acontecimentos feita por Horácio.
Se trata de una genial novedad de León. Esta visión actualizada, llena de movimiento,
de velocidad, de expresión rítmica, ocupa exactamente el centro de la oda. Nada
semejante en Horácio, o sólo el mínimo germen que senalábamos (os versos: jam
galeam Pallas et aegida / currusque et rabiem parat); qué de particular tiene que el
Latino haya sentido con frialdad e mito lo que el poeta castellano ha visto con ojos
de carne: iEse rasgar por el medio la oda de Horácio, para intercalar en unas cuantas
estrofas la visión rápida, turbulenta, arremolinada, de los ejércitos invasores, no sólo
introduce ese momento, que es una de las cimas de capacidad expresiva en poesia
espanola, sino que há sido lo que ha troquelado la estructura de la oda de Fray Luis!
Mas Alonso se esquece de dizer que Horácio só se ocupa com a repreensão feita a
Páris e não com o destino de Ilion, portanto, com uma tragédia nacional — as cha
mas de Ilion só flamejam dramaticamente apenas no final para castigar com grande
efeito a irresponsabilidade do pastor perfidus. Fray se preocupa sobretudo com a
40 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
4 0 5
LUI Z COSTA LIMA
22. A punição de Páris teria ainda mais efeito, se, como alguns comentaristas de Horácio
acreditam, os versos 13-20 (com o nequiquam, o heu serus, que acentuam a puni
ção pessoal como “há muito tempo necessária”) fossem posteriores ao verso 32: o
castigo do adúltero teria vindo antes do incêndio de Ilion: pois o mal que causa
não cessa com sua morte.
23. Observa-se que, apesar da limitação clara dos dois trechos: I (até estrofe 13) repreensão
de Rodrigo — a invasão; II (estrofe 14-16) Treno sobre a Espanha — a batalha decisi
va; há entre eles um leve traço-de-união no sentido da suavitas horaciana: na estrofe
13 está claro o pedido de não poupar as esporas (no perdones la espuela) nem de apazi
guar a mão armada (no des paz a la mano menea fulminando el hierro insano), e agora
persiste a idéia de não cessar a batalha (no perdones, no des paz) nas palavras fadiga,
sudor (e na estrofe 15 sangre) e a idéia da espuela em caballos e a da arma (hierro) em
loriga (e na estrofe 15 em yelmo). Temos portanto relações em que se unem o “brutal
contraste”t as “delicadas matizaciones y gradaciones” de que fala Alonso. Como tran
sição “brutal” sem moderação, só aceito iAy, triste! s’y aún te tiene? na estrofe 12, mas
também esta exclamação brusca é preparada pelo iay! e ya, que já se esboçam no rela
to precedente sobre a invasão. Esta erupção de sentimentos pode parecer brusca ao
leitor, mas ele já estava preparado para entender sua motivação psicológica.
24. Condena leva também a uma idéia paradoxal: não é o pecador Rodrigo que é condenado
ao castigo dos grilhões, mas a sua inocente pátria. Há uma união indissolúvel entre
culpa pessoal e destino nacional. Fray Luis não se importa com a punição do pecador.
25. Vossler acredita na possibilidade de influência do romance “Sueno dei rey Rodrigo”
(los Vientos eran contrários / la luna estaba crecida, / los peces (!) daban gemidos /
... cuando el buen rey don Rodrigo / junto a la Caba dormia) sobre o poema de
Fray Luis. Eu diria que especialmente seu início e seu fim lembram o romance: o
poema termina numa abreviação dramática como os romances — não há uma guerra
longa que, em Horácio, mesmo que tardia (heu serus!), traz a vingança do destino,
mas apenas uma batalha de seis dias (este último detalhe é, aliás, uma redução em
comparação com os oito dias de batalha do romance).
26. Este fato provoca, aliás, um deslocamento sintático: uma seqüência frasal que par
te do suor dos nobres cavaleiros, passando por cavalos e terminando com arma
mentos e cadáveres despedaçados.
Neste exemplo, do ponto de vista sintático todas as expressões com cuánto deve
riam ser sujeito do verbo está presente. Mas como a suavistas horaciana exigia a
introdução — quase de contrabando — do divino Betis, cuánto yelmo e cuánto
4 06
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
cuerpo precisavam se transformar em objetos (de y tú, Betis divino, darás), mas
mesmo assim a estrutura original (cf. o início desta nota) continua válida enquan
to cuánto yelmo e cuánto cuerpo continuam exclamações, embora sejam objetos
numa frase de construção diferente:
Em outras palavras: o poeta não hesitou em usar o anacoluto, que reflete o tom
exclamatório original (como nos modelos antigos: Ovídio, 1ristia, I, 4, 23: “dum
loquor... increpuit quantis viribus unda latus!). Podemos, sem precisar recorrer a
variantes, deduzir o procedimento poético a partir da própria formação da frase e
ter assim uma rápida visão da oficina poética de Fray Luis.
27. Creio que é essa a razão da inclusão da estrofe sobre o Guadalquivir e não o sen-
timentalismo de Alonso: “el dolor... se adulza en languidez como siempre que la
poesia se dirige a rios (porque los rios son hermanos de los poemas)”. Não creio que
o Betis seja “indiferente ante los dolores h u m a n o s pois ele se sente manchado
(amancillado) pelo sangue derramado.
28. Claro que não pretendo interpretar o poema renascentista a partir da Marseillaise.
Mas não custa lembrar que foi o Renascimento que introduziu a palavra romana
patria tanto no francês quanto no espanhol (a estilização, que assim se faz presen
te em nosso poema, pode ser contrastada com o popular iMadre Espana, ay de ti!
no romance de Rodrigo “En Ceupta está don Julian”).
29. ...parece que o seu coração não vibra com o nosso poema: ele acredita poder jul
gar o poema mais serenamente (“de modo más sereno”), porque não é “una [obra]
de esas prodigiosas conllevadoras de emoción, amplificadoras de espirito, como son
otras odas dei mismo poeta)”. Por que razão a transposição da natureza da Anti
güidade para a história moderna e a representação do elemento nacional e religio
so num indivíduo que vive as suas tensões não podem ser consideradas responsáveis
por um “crescimento do espírito e do sentimento”?
30. Este poema de Fray Luis, diferente dos demais, lhe parece estar subordinado à
lei geral do Século de Ouro espanhol, que consiste na união tipicamente espa
nhola de elementos medievais e modernos, uma característica “que liga en
unidad la cultura de Espana, quizá sin paralelo en Europa” (o quizá se justifica
■
— por que os nossos hispanistas espanhóis não se preocupam um pouco tam
bém com a Rússia?). Alonso parece pensar aqui apenas na escolha temática de
Fray Luis e não na criação do moderno sentimento nacionalista à maneira da
Antigüidade.
4 0 7
LUI Z COSTA LIMA
31. Entre os antigos empregos estilísticos latinizantes encontramos ainda, além dos
nomes mitológicos evidentes, o epitheton constans etc., e o adjetivo proléptico
(lat. Typus (...) inicere captivo bracchia caelo , Stolz-Schmalz, 5 § 199). Alonso apre
senta um exemplo nos Ensayos à p. 161: a toda la espaciosa y triste Espana é con
cebida pelos espanhóis, com a sensibilidade da “geração de 1898”, como uma
descrição eterna da essência da Espanha, mas Alonso explica, com toda a razão,
que wtriste ” apenas significa “triste por la invasión que espera”, ou seja, foi usado
à maneira latinizante-proléptica (suponho que o verso de Racine Dans VOriente
déserí quel ne fu t mon ennui, a que modernamente se dá uma outra interpretação,
contenha um adjetivo proléptico désert: = VOriente qui par mon ennui devint un
désert). Dois outros exemplos do nosso poema: estrofe 10: y encienden las mares
espumosas (o mar que fica espumoso pelo ato de remar); e estrofe 13: menea
fulminando el hierro insano (trabalhe o ferro para que se torne furioso).
32, Não tenho, portanto, a mesma opinião que Menéndez Pidal (Rodrigo el último
godo, II): “[Fray Luis] siguió poco a Horácio en los detalhes. Tomo de su modelo la
forma general de un vaticinio y algunas frases muy libremente recordadas. Una sóla
le cautivó fuertemente para la imitación” [Eheus quantus equis].
4 0 8
O FORMALISMO RUSSO
CAPÍTULO 12 Sobre a teoria formalista da
linguagem poética
WOLF-DIETER STEMPEL
4 1 3
LUIZ COSTA LIMA
4 14
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
il
4 15
LUI Z C O S T A ' LI M A
que mais tarde os formalistas iriam desenvolver, já tinha sido, de certo modo,
institucionalmente preparada. Além disso, é indicativo o fato de o primeiro
escrito de Chklovski, “Voskrechenie slova” (A ressurreição da palavra), em
1914, que fora interpretado como introdução ao formalismo,9 ainda se diri
gir nitidamente ao programa futurista e só raras vezes deixar perceber os
primeiros impulsos da corrente formalista. Também o ensaio seguinte de
Chklovski dedicado ao xaum \ à “transcendência”, um dos pontos do pro
grama futurista formulado por Krutchônikh,10 permanece ainda no plano dos
empreendimentos futuristas correspondentes, com sua tentativa de demons
trar o zaurri nas cantigas infantis, nas glossalalias, testemunhos da lingua
gem diária.11 Pois em Chklovski se mostra com freqüência a fascinação
futurista até mesmo na inconstância e na freqüente mudança de posição de
sua exposição.12
A revolução que o futurismo russo proclamava é, antes de tudo, muitas
vezes, em seus pontos básicos, uma ruidosa repetição daquilo que já tinha
sido trazido pela evolução da poesia moderna. A proclamada precedência da
forma sobre o conteúdo (“havendo uma nova forma, existirá também um
novo conteúdo; a forma condiciona desta maneira o conteúdo”)13 cor
responde, em princípio, aos procedimentos conhecidos principalmente atra
vés de Rimbaud e Mallarmé (formulação dos versos orientados a partir do
som ou por palavras rimadas previamente selecionadas entre outras). E a
conhecida sentença de Mallarmé de que não se faz poesia com idéias, mas
com palavras,14não deve ser compreendida apenas como uma boutade. Tam
bém a tão alegada emancipação da palavra, sua liberação das aplicações an
teriormente estipuladas ou da carga metafísica, alinha-se realmente, quanto
ao que ficou dito, contra o simbolismo russo, encontrando-se essa idéia,
entretanto, igualmente antecipada na concepção de Mallarmé sobre a libe
ração do m ot na poesia. E assim, através de manifestos futuristas poder-se-ia
comprovar, ponto por ponto, que as exigências em questão já haviam sido
antecipadas em outras oportunidades, em teorias anteriores ou até mesmo
realizadas na prática. Também dentro da Rússia, o futurismo repousa numa
tradição respeitável. O esforço para retirar a linguagem de seus automatismos,
o desejo de, por meio da ruptura das relações convencionais da forma sono
ra e do significado, produzir um estado original adâmico de criação da lin
guagem, tem, em última análise, sua origem no dogma do caráter poético da
criatividade lingüística. Esse dogma, arrematando assim certas idéias corres
pondentes do pré-romantismo e do romantismo, foi ensinado por Potebnia,
4 1 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
4 1 7
LUI Z COSTA LIMA
iil
4 1 9
LUI Z COSTA LIMA
(Texte der russiscben Formalisten II, p. 93): “Os modelos acima reunidos de
deformações semânticas e orais (...) são por assim dizer visíveis a olho nu,
mas, considerada em profundidade, cada palavra da linguagem poética em
comparação à linguagem prática encontra-se tanto oral como semanticamente
deformada.”
Está fora de dúvida qual das duas concepções, que se encontram neste
trabalho em contlgüidade imediata,29 é a mais disseminada e tradicional;
quando, inicialmente, se deixa de lado a colocação diacrônica do problema,
torna-se igualmente patente qual podemos considerar a mais interessante, e
a que conduz mais longe. Falando de modo bem geral, o dogma do “desvio”
da linguagem poética e de sua compreensão, como alteração material da lin
guagem comum, constituía não só o método mais iminente, para não dizer o
mais primitivo de sua avaliação, como também a forma mais exigente de criar
poesia. Quando Valéry (cujas opiniões teóricas sobre esse problema não são
aliás menos controvertidas) designa o poeta como um “a g en t d ’é ca rts”,30 o
faz porque lhe parece impossível que uma frase como ail p le u t” possa ser
poeticamente concebida.31 Em suma, essa atitude está na origem do conceito
de Chklovski de estranhamento (“Iskusstvo kak p rie m ”), no que se refere à
dificultação das formas de linguagem e à eliminação do “automatismo” da
linguagem falada32 (expressão de que também se serviu Valéry).33 Podemos
dizer, de modo geral, que a poética de Valéry em muitos pontos se aproxima
da teoria dos formalistas: “por artístico, no sentido restrito, queremos de
signar, portanto, as coisas que foram produzidas por métodos especiais, cuja
finalidade consistia em que, com a maior segurança possível, essas obras fos
sem percebidas como artísticas”.34 O que ocorre, segundo Chklovski, atra
vés dos fatores do desvio. Não cabe aqui ressaltar a base filosófica desse
dogma, que Chklovski relaciona à filosofia da arte (Philosophie der K u n st,
1909 — tradução russa em 1911) de Broder Christiansen (“qualidade de
divergência”, “impressões divergentes”).35 Talvez seja suficiente estabelecer
neste contexto que a concepção de Chklovski, pelo menos neste ponto, é
característica para o formalismo (e com isso se distingue da idéia da lingua
gem classificatoriamente orientada), pelo menos devido ao fato de aqui, como
no texto citado de Jakobson, serem os desvios vistos ao mesmo tempo em
seu sentido construtivo (“A linguagem poética é uma linguagem de constru
ção”).36 Quando, entretanto, nos trabalhos formalistas competentes, fala-se
com freqüência em “deformação” (deformada) com relação à linguagem
prática ou à prosa, então, em geral, esconde-se, por trás desse termo, o pen-
42 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
4 2 1
LUI Z COSTA UM A
42 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
425
LUIZ COSTA LIMA
4 2 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
Wilhelm Fink Verlag, p. 107 ss.), deve-se ainda assim considerar que, por
um lado, observado do ponto de vista da linguagem objetai, cada enunciado
lingüístico (livro, mesa, lima etc.), em si mesmo e Isolado da finalidade de
sua apresentação, não tem sentido,70 e que, por outro lado, só surge uma
compreensão adequada, também em sentido externo, quando o ouvinte ou
receptor se coloca em “sintonia” com o locutor ou o escritor. A conseqüên
cia que daí resulta para a recepção da linguagem poética não foi especial
mente formulada, nem talvez completamente compreendida pelo próprio
Iakubinski.71 Entretanto, ele criou aquilo que os sucessores inequivocamente
expressariam, como por exemplo W Nowottny: “We bring to poetry expec-
tations it has itself created and the aptitudes for understanding it that we have
developed in ourprevious encounters with it. The common reader, opening a
book ofpoem sy expects that the language used in the book will be fdifferent\
because in his experience the language used in poems usually is”.72
E claro que se está perfeitamente livre de analisar do outro lado da pers
pectiva da percepção, i. e., do ponto de vista da metalinguagem, os even
tuais atentados às regras estruturais da linguagem (por ex., “as crianças
dorme”). Mas com isso não se presta qualquer serviço à linguagem poética,73
pois essas operações podem ser empreendidas também com relação a textos
de telegramas, documentos de domínio incompleto da língua, ou outros. Por
outro lado, não se deve acentuar especialmente que o desvio dos cânones
apresentado pelos formalistas, i. e., dentro da “série”,74 apenas é reforçado
pelas ponderações, como as que se encontram na citação de W Nowottny.
Aqui, a “qualidade diferencial” é um dado inegável,75 “qualidade diferencial”
que está baseada na dialética do desenvolvimento da criação literária. Está
em conexão com a “perceptibilidade do procedimento” e com o caráter di
nâmico, duas características que na teoria formalista estão intimamente liga
das à qualidade da obra literária artística.
A qualidade diferencial torna-se agora importante ainda num outro con
texto, que aqui se conecta. Já se tem falado que os “dialetos” ou normas como
“sistema” específico podem se tornar estranhos pela integração de normas
ou partes constituintes de normas que sejam heterogêneas, processo que Bally
já analisara como “évocation du milieu” no seu Traité de stylistique. Este se
fundamenta no fato de os automatismos do discurso restringirem-se especi
ficamente às normas individuais (situações, estilo e outras), como se deduz
também da apresentação de Iakubinski, compreendida no sentido beha
viorista. Decorre daí, entretanto, no que se refere às declarações globais de
4 2 5
LUI Z COSTA LIMA
IV
4 2 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥01. 1
42 ?
LUIZ COSTA LIMA
4 2 8
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
4 2 9
LUI Z COSTA UMA
4 3 0
Jp -
43 1
LU I Z C O S T A L I M A
4 3 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL . 1
Vi
Já não cabe aqui apresentar em separado quais foram as noções úteis que os
formalistas desenvolveram para a estrutura do verso.125 Na medida em que
foram postos em primeiro plano, por ex., o ponto de partida fonológico em
métrica e prosódia, que Jakobson tornou válido,126 a comparação entre métri
ca e rima e entre métrica e ritmo por Tinianov127 e outras questões, esses resul
tados foram incontestáveis. Mas, no momento em que se considera novamente
o problema vital do formalismo, a delimitação entre linguagem prática e lin
guagem poética, os resultados já não têm o mesmo poder de convicção.
4 3 3
LUIZ COSTA LIMA
434
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM S U A S FONTES — VOL. 1
4 35
LUIZ C O f. T A L!MA
4 3 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS PONTES — VOL, 1
¥11
Os pesquisadores atuais que se ocupam da questão da diferenciação entre
poesia/não-poesia ou literatura/não-literatura observam com freqüência que
os limites são “flexíveis”. Certamente sua consideração não é desprezível,
tanto mais que reconhecem não se tratar aqui de um problema de substân
cia.152 Na realidade, ninguém mais hoje quer ou pode defender a concepção
de uma poeticidade temática ou ligada a elementos. Em conseqüência, não
se pode atribuir de antemão a característica 'poético5 a motivos determina
dos ou talvez a palavras determinadas, a encadeamentos de palavras etc.
Jakobson está certamente com a razão quando, em seu artigo “O que é a
poesia?”, não aceita tampouco as restrições históricas, pois, nas épocas em
que se realizavam essas rotulações, os elementos correspondentes teriam sido
utilizados em contextos também não-poéticos (por ex., retóricos).153 E evi
dente que com isso só se sublinhou a relativização histórica da linha de sepa
ração entre poesia e não-poesia.
A questão formalista a respeito da literatura tem, entretanto, também o
seu reverso sistemático, na medida em que “a perceptibilidade do procedi
mento” como condição para a qualidade da “obra de arte literária” tenha
sido justificada do ponto de vista histórico-dialético. O recurso a gêneros
não literários deve ser compreendido, em comparação com a renovação den
tro de uma mesma série do gênero literário, como o caso máximo de um
processo dialético dessa natureza. Pois, neste caso, o destaque não ocorreu
no quadro existente, mas foi transmitida uma concepção de certo modo nova
43 7
LU I Z C O S T A LIMA
43 8
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS F O N T E S — VOL. 1
43 9
LU IZ C O S I A LI MA
440
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
44 1
LUI Z COSTA LIMA
Tradução
L u iz a R ib e ir o e R e g in a S u n k o
Revisão
F e r n a n d o A u g u s t o R o d r ig u e s
*A introdução do prof. Stempel ainda contém , no original, um a últim a parte sobre o proble
m a da declam ação, que nos pareceu aqui dispensável. (N. do Org.)
44 2
Notas
1. Cf. H. Friedrich, Die Struktur der modernen Lyrik, nova edição ampliada, Ham
burgo, 1967, p. 23 ss., há tradução brasileira (.N. do Org.).
2. Cf. S. Vietta, Sprache und Sprachreflexion in der modernen Lyrik, Bad Homburg,
1970, cap. 1, “Novalis”, p. 33 ss.
3. “Les critiques ont été retardataires par rapport aux poètes”, observa L. Spitzer nos
apontamentos à análise de Poe sobre “The raven”, e o trabalho de Eikhenbaum
sobre O capote de Gogol (“Les études de style et les différents pays”, in Langue et
littérature, Anais do VIII Congresso da FILLM, Paris, 1961, p. 35). Cf. também as
observações de R. Barthes relativas a Mallarmé in Langages 12 (1968), p. 5.
4. Cf. “Syntax in dunkler Lyrik”, in Poetik und Hermeneutik 2 (1966), pp. 36, 39.
5. V Jirmunski, “As tarefas da poética”, ensaio incluído neste volume (N. do Org.);
id., “Formprobleme in der russischen Literaturwissenschaft”, in Zeitschrift für
slavische Philologie 1 (1924), pp. 119, 127; B. Eikhenbaum, “Die Theorie der
formalen Methode” (1925), traduzido para o alemão in B. E,,Aufsaetze zur Theorie
und Geschichte der Literatur, Frankfurt, 1965 (ed. Suhrkamp 119), p. 11; V Erlich,
Russian formalism. History — doctrine, 2.a edição adaptada (Slavistic printings
and reprintings IV), Haia, 1965, pp. 42 ss., 63 ss., 184; I. Ambrogio, Formalismo
e avanguardia in Russia, Roma, 1968; K. Pomorska, Russian formalist theory and
its poetic ambiance (Slavistic printings and reprintings 82), Haia, 1968; T. Todorov,
“Formalistes et futuristes”, in Tel quel 35 (1968), p. 42 ss.
6. L. Trotski, Literatura i revolucia, Moscou, 1924, segundo a trad. alemã: Literatur
und Révolution, Berlim, 1968, p. 112.
7. Cf. V Markov, Russian futurism. A history, Berkeley, 1968, p. 129. Cf. também F.
Scholz, “Die Anfaenge des russischen Futurismus in sprachwissenschaftlicher Sicht”,
in Poética 2 (1968) p. 479 s.
8. Sobre o “poet-scholar” como manifestação característica da época na Rússia: K.
Pomorska, op. cit. p. 55; sobre a importância para o formalismo dos trabalhos
literário-científicos de Bieli: J. Striedter, “Transparenz und Verfremdung. Zur
Theorie des poetischen Bildes in der russischen Moderne”, in Poetik und Herme
neutik 2 (1966), p. 276 ss.
443
LUI Z COSTA LIMA
4 4 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O L 1
15. Cf. K. Pomorska, op. cit. p. 63. Sobre a tradição de Potebnia: Ambrogio, op. cit.
p. 91 ss.
16. O fato de a práxis lingüística futurista ter ficado atrás de sua teoria (ver F. Scholz,
art. cit. p. 482) é debatido em outro lugar.
17. Cf. “Die Auferweckung des Wortes” (in Texte der russischen Formalisten II, p. 2 ss.) e
“A arte como procedimento”. A influência de Bergson sobre Chklovski foi indicada
por Ambrogio (op. cit. p. 151 s.); cf. também R. Barilli, Poética e retórica, Milão, 1969,
p. 282. Ela é, além disso, confirmada por Jirmunski (“Formprobleme in der russischen
Literaturwissenschaft”, in Zeitschrift für slavische Philologie 1,1924, p. 125). Sobre a
influência de Bergson no simbolismo russo: K. Pomorska, op. cit. p. 56. Uma referên
cia direta ao filósofo francês também em L. Iakubinski, “Skoplenie odinakovikh
plavnikh v praktitcheskom i poétitcheskom iazikakh” (Sobre a freqüência de consoantes
semelhantes na linguagem prática e na linguagem poética), na segunda antologia
formalista (1917), e depois in Poétika, Praga, 1919, p. 52.
18. Cf. acima (nota 13) a conhecida citação de Krutchônikh em Jakobson.
19. Cf. Striedter, “Transparenz und Verfremdung” (ver nota 8), p. 276 s.
20. Introdução ao vol. I, p. XXIII, como também T. Todorov, “Note sur le langage
poétique”, in Semiótica 1 (1969), p. 326 e R. Lachmann, art. cit. p. 233 s.
21. Cf. também V Vinogradov, “O zadatchakh stilistiki” (Sobre as tarefas da estilística),
in Russkaia retch' I Praga, 1923, p. 288.
22. Cf. Erlich, op. cit. p. 60 ss.; Ambrogio, op. cit. pp. 23 ss., 164 ss.; Pomorska, op.
cit. p. 15 ss.
23. J. Baudouin de Courtenay, “Les lois phonétiques”, in Revue slavistique 3 (1910),
p. 70, trad. russa na coletânea de artigos Izbrannie trudi po obchetchemu iazi-
koznaniiu (Trabalhos escolhidos sobre a ciência geral da linguagem) II, Moscou,
1963, p. 199 s.
24. Cf. o ensaio de Iakubinski “Sobre o discurso dialógico”.
25. Cf. B. Croce, Estética come scienza delVespressione e linguistica generale, Milão,
1902, p. 159 s.; La poesia, Bari, 1966, p. 20 s. Também cabe dentro deste contex
to a posição negativa de Croce em relação aos gêneros literários.
26. V Vinogradov, “K postroeniiu teorii poetitcheskogo iazika” (Para a elaboração de
uma teoria da linguagem poética), in Poétika 3 (1927), p. 7 s., reprodução in Poétika
I —- V, Munique, 1970 (Slav. Propylaeen 104). Vinogradov critica sobretudo a
compreensão característica da criação verbal como poesia e cita (p. 7, nota 1) uma
colocação correspondente no Grundriss der /Esthetik (trad. alemã da Estética de
1913, p. 41), na qual também se ressalta a não diferenciação entre as formas lite
rárias e não-literárias.
27. Op. cit. p. 23 ss.
28. Cf. K. Baumgartner, “Der methodische Stand einer linguistischen Poetik”, in
Jahrbuch für Internationale Germanistik 1 (1969), p. 15 ss., sobretudo p. 24 ss.
44 5
LUI Z COSTA LIMA
29. A concepção de Jakobson não pode ser definida, portanto, com relação a este tex
to sem maiores considerações, como se ele estivesse caracterizando a linguagem
poética através do “conceito de desvio com relação às normas da linguagem pa
drão” (R. Koepfer, apud U. Oomen, “Zur Erforschung moderner Dichtung. Kritik
und Orientierung”, in Sprache in tecbniscben Zeitalter 34 (1970), p. 124).
30. P. Valéry, Oeuvres complètes (Pléiade) II, p. 1264.
31. Ibid. I, pp. 1293 s., 1372, bem como Cabiers VI, p. 469.
32. Sobre as duas aplicações divergentes da ostranenie, cf. nota 20.
33. Oeuvres complètes I, p. 658.
34. Vol. I, p. 7, bem como pp. 15, 33.
35. Cf. Erlich, op. cit. p. 178; Ambrogio, op cit. p. 146; Striedter, introdução ao vol.
I, p. XXX; Lachmann, art. cit. p. 235 ss.
36. Retch’-postroenie (A arte como procedimento).
37. Depois de Tinianov, Eikhenbaum expressou esse ponto claramente. Segundo ele, “a
palavra quando colocada no verso é de certo modo retirada do discurso habitual,
envolta numa nova aura de importância, e percebida, não contra o fundo do discur
so em si, mas contra o fundo do discurso versificado”. Veja B. E., “Die Theorie der
formalen Methode”, in B. E., Aufsàetze zur Theorie and Geschichte der Literatur
(edição Suhrkamp 119), Frankfurt, 1965, p. 39 s. (autocitação do estudo Anna
Akbmatova. Opyt analiza (A. A. Tentativa de análise), Petersburgo, 1923, p. 106 s.).
38. Iu. Tinianov, Problema stikbotvornogo iazika (O problema da linguagem poética),
Haia (reedição da edição de 1924), 1963, p. 41.
39. “Die Ode ais oratorisches Genre”, in Texte der russischen Formalisten II, p. 275.
40. Cf. O. Brik, “Rhythmus und Syntax” in Texte der russischen Formalisten II, p. 171.
41. V Vinogradov, “O zadatchakh stilistiki” (Sobre as tarefas da estilística), in Russkaia
retcb' I, Praga, 1923, p. 201; id., O poézii Anni Akhmatovoi (Stilistitcheskie
nabroski) (Sobre a poesia de Anna Akhmatova [Esboços estilísticos]), Leningrado,
1925, p. 5.
42. Cf. por ex., L. Iakubinski, “O dialogitcheskoi retchi”, in Russkaia retch' I, Praga, 1923,
p. 181; entretanto, a tomada de posição é inequívoca (cf., neste artigo, nota 71).
43. Erlich, op. cit. p. 234. Também J. Kristeva, “Pour une sémiologie des paragrammes”,
in Tel quel 29 (1967), p. 56 (reimpresso in J. K., Semeiotikè. Recherches pour une
sémanalyse, Paris, 1969, p. 177 ss.), critica este ponto; entretanto, atinge até mes
mo com seu conceito da “destruction (spécifique du texte poétique)” a própria
concepção formalista.
44. A concepção geral do formalismo (evoluído) encontra-se expressa muito antes no
julgamento de Tomachevski, segundo o qual, na obra literária, não se trata espe
cialmente de determinadas expressões que também surgem fora da literatura, mas
da construção artística do material verbal. Cf. Teoria literaturi (Teoria da literatu
ra), (1926) Moscou-Leningrado, 1928 (reedição 1967), p. 10.
446
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
447
LUI Z COSTA LIMA
55. Cf. por ex. S. R. Levin, “Poetry and grammaticalness”, in Proceedings ofthe nintb
international congress o f linguistics, ed. H. G. Lunt, Haia, 1964, p. 308 ss. Segun
do K. Baumgártner, através de uma explicação puramente lingüística, um texto só
pode ser considerado “semi-interpretado” (art. cit. p. 68); com essa explicação,
entretanto, não é o texto que seria atingido, mas apenas o desvio.
56. Essa é uma proposta de Bierwisch, “Poetik und Linguistik”, in Mathematik und
Dichtung, p. 61 s. Bierwisch pretende atribuir efeito poético a frases ou desvios
não-gramaticais, nos casos em que eles possuam sua própria regularidade. Segun
do o autor, trata-se, por um lado, de regras de desvio da gramática da língua e, por
outro lado, de regras de modificação que permitem o destaque de sistemas poéti
cos anteriores. Este último ponto merece toda a atenção. Encontra apoio na con
cepção do caráter sistêmico da evolução, que o formalismo tardio desenvolveu;
cf. Iu. Tinianov e R. Jakobson, “Probleme der Sprach- und Literaturforschung”, in
Texte der russischen Formalistem II, tese 4, p. 387 s.
Sobre a pesquisa de J. P. Thorne (“Stylistics and generative grammars”, in Journal
o f linguistics 1, 1965, p. 49 ss.) referente ao interpretar um texto poético como
exemplo de um “dialeto” específico para o qual se deveria construir uma gramáti
ca, cf. a crítica de W. O. Hendrick, “Three models of the description of poems”, na
mesma revista 5 (1969), p. 1 ss. Críticas a Bierwisch e Thorne também em K.
Baumgártner, Jahrbuch für Intern. Germanistik 1 (1969), pp. 25, 26 s.
57. R. Jakobson, “Die neueste russische Poesie”, in Texte der russischen Formalisten II,
pp. 31, 81.
58. “O zvukakh stikhotvornogo iazika” (Sobre os sons da linguagem dos versos), na
primeira antologia formalista (Sborniki po teorii poétitcbeskogo iazika, Praga, 1916),
reimpresso in Poétika, Praga, 1919, p. 37. Cf. também a caracterização por B.
Tomachevski, “La nouvelle école d’histoire littéraire en Russie”, in Revue des études
slaves 8 (1926), p. 230 s.
59. Sobre a oscilação da terminologia formalista “linguagem poética/prática”, “poe
sia/prosa” etc., cf. nota 144 neste artigo.
60. Em artigo posterior, “O dialogitcheskoi retchi” (Sobre o discurso dialógico), in
Russkaia retch’ I, Praga, 1923, pp. 101 ss., 112. Aí também sobre a necessidade de
uma abordagem funcional com relação ao conceito de “linguagem literária”(p. 111).
61. P. Valéry, Oeuvres complètes I, pp. 1329 ss. e 1370 ss. Aliás, também Valéry fala de
“emploi pratique du langage”, “langage utile”, e outros (ibid. I. pp. 1325 s., 1331,
1456 s. etc.).
62. É principalmente Jirmunski quem acentua esse ponto em “As Tarefas da Poética”
(incluído neste vol., N. do Org.). Cf. também R. Jakobson, “Randbemerkungen
zur Prosa des Dichters Pasternak”, in Slaviscbe Rundschau 7 (1935), p. 358 s. Uma
prova ‘negativa’ disso é proporcionada pelo favorecimento dos sons que, na sua
forma extrema, deixa perceber a capacidade lingüística da poesia (cf. O. Brik,
448
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
“Rhythmus und Syntax”, in Texte der russischen Formalisten II, p. 211 s.).
O ponto de partida fenomenológico foi transmitido ao formalismo pela obra de
G. Spets, que deu a conhecer na Rússia a teoria de Husserl. Cf. Erlich, op. cit. p.
61 s.; Ambrogio, op. cit. p. 166.
63. Cf. por ex. a diferenciação de G. Grõber entre linguagem “lógica” e “afetiva”
(Grundriss der romanischen Philologie, Estrasburgo, 2.a ed., 1904, vol. I, p. 217),
para a qual se orientava a primeira estilística (“psicológica”) de K. Vossler. Na teo
ria de Croce, não havia lugar para uma concepção psicológica desse tipo; cf. sua
crítica sobre Grõber em “Di alcuni principi di sintassi e stilistica psicologiche dei
Groeber”, in Problemi di estetica, Bari, 1949, p. 142 ss.
64. Cf. as observações de Ambrogio, op. cit. p. 181, nota 2.
65. Cf. acima nota 58. Na caracterização da “relação emocional com os sons”, Iakubinski
não cita, entretanto, de forma alguma, apenas exemplos tirados da poesia, mas
também biográficos, em parte testemunhos completamente distanciados. Além
disso, afastou-se mais tarde dessas “observações pouco convincentes” (“O dialo-
gitcheskoi retchi”, p. 98). Da mesma forma, o tema de Chklovski sobre a lingua
gem transracional, “O poèzii i zaumnon iazike” (cf. nota 10 acima), fundamenta a
concepção das mudanças imediatas das emoções sobre os sons.
66. R. Jakobson, “Die neueste russischen Poesie”, in Texte der russischen Formalisten
II, p. 31, como também, com maiores detalhes, in O tchechskom stikhe preimu-
chtchestvenno v sopostavlenii s russkim (Sobre o verso tcheco, principalmente em
comparação com o russo) (Sborniki po teorii poètitcheskogo iazika V), Berlim,
1923, p. 66 ss. Com efeito, falta determinar até que ponto se deve distinguir a
linguagem emocional do meio que lhe corresponde; de qualquer modo, eles não
podem ser identificados com a respectiva aplicação. Aproxima-se desse pensamento
a formulação de Jakobson de que “a poesia pode utilizar os métodos da linguagem
emocional, mas apenas para as suas finalidades” (in Texte der russischen Formalisten
II, p. 31); um exemplo disso encontra-se no trabalho de Tinianov sobre a ode rus
sa (in Texte der russischen Formalisten II, p. 273 ss.). Quanto ao tema da lingua
gem emocional, Jakobson o torna claro com o conceito de “emotive function” na
sua obra “Linguistics and poetics”. Cf. Ambrogio, op. cit. p. 182 s., onde também
se fala do desprezo de Tinianov pela igualdade entre ‘emocional’ e ‘poético’ (Pro
blema stikhotvornogo iazika, pp. 46, 81).
67. Cf. nota 60 deste artigo cit. ensaio sobre o discurso dialógico.
68. Iakubinski denomina a consideração da linguagem em dependência das condições
de compreensão como “a base da moderna ciência da linguagem” (p. 99), noção
que revela uma visão extraordinariamente ampla, levando-se em conta os fatos da
época, mesmo que do ponto de vista atual ela só proceda em relação a uma das
orientações lingüísticas.
449
LU S2 G O S T A U M A
6.9-. Este pensamento de que “para tudo que dizemos ê basicamente indispensável um
ouvinte que saiba do que se trata” já foi declarado por E. D. Polivanov num traba
lho para a primeira antologia dos formalistas (1916) (“Po povodu ‘zvukovikh jestov’
íaponskogo iazika” [Sobre os gestos orais da língua japonesa], in Poétika, Praga,
1919, p. 27 s.).
70. Cf. L. Iakubinski, “O dialogitcheskoi retchi”, p. 162 s., de onde foram retirados os
exemplos. Á mesma opinião encontra-se mais tarde em B. H avránek, “The
functional differentiation of the .standard language” (veja nota 50), p. 14 (“impos -
sibility o f evaluating individual words detached from their functional utilization”
— grifado no original). Quando, partindo daí, K. Baumgártner, não há muito tempo,
observou em relação a uma frase isolada e desviada que ela não poderia ser “dife
renciada quanto ao seu status poético” (Jahrbuch für íntern. Germ. 1, p. 25), pode-
se depreender que essa incapacidade de diferenciação é válida para todo enunciado
isolado, ‘correto* ou ‘sob desvio5, tanto para DerHund bellt, quanto para Colorless
green ideas sleep furiously*
71. Quando Iakubinski, sob a rubrica “percepção do discurso incomum” (§ 52), cita, como
caso n.° 5 entre outros, “a percepção da linguagem poética relativa à linguagem quo
tidiana”, não se consegue ver nisso perfeitamente se o que se quer é significar apenas
ustanovka como característica poética ou então o desvio como objeto de percepção.
72. W. Nowottny, The Language poets use, Londres, 1962, p. 41. Mais diferen-
ciadamente Iu. Lotman, Lektsii po strukturaVnoi poètike (1964), reedição Brown
University, 1968, pp. 110, 131.
73. Cf. Iu. Lotman, op. cit. p. 49, como também as observações gerais de Jakobson (in
E. C. Cherry, For Roman Jakobson, 1956, p. 61 s.) sobre o status do “observateur-
participant” dos lingüistas que trabalham descritivamente, in “Linguistique et
théorie de la communication”, ver R. J., Essais de linguistique générale, trad. e
prefácio de N. Ruwet, Paris, 1963, p. 92 s.
74. Cf. Ambrogio, op. cit. p. 213 ss.; Striedter, introdução ao volume I (passim).
75. Broder Christiansen também compreendeu diacronicamente a qualidade da dife
rença, mas, como se sabe, não de maneira exclusiva. Cf. Philosophie der Kunst
(1909), Berlim, 1912, p. 123.
76. Essa diferença, talvez Tinianov já a tivesse em vista quando se voltou contra a con
cepção de tomar a linguagem poética por um “dialeto” (Problema stikhotvornogo
iaika, p. 41). Jakobson já tinha de fato defendido essa opinião no seu escrito ante
rior “Die neueste russische Poesie” (in Texte der russischen Formalisten II, p. 23).
77. A oposição entre poesia e prosa nem sempre está terminologicamente clara em
Tinianov, já que ele queria significar ora a linguagem poética e a linguagem práti
ca, ora uma diferenciação formal segundo o critério do ritmo.
78. Cf. a descrição sobre a coloração léxica in Texte der russischen Formalisten II, p.
305 s., como também Problema stikhotvornogo iazika, p. 57.
450
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥OL, 1
79. Cf. vol. I, p. 7 Chklovski atribui interesse fundamental a essa colocação do proble
ma; depois de ter constatado que “o artístico (aquilo que se pode referir à poesia
de determinada coisa) é o resultado da natureza da nossa percepção”, acrescen
tou: “Por artístico queremos designar, portanto, as coisas que foram produzidas
por métodos especiais, cuja finalidade consistia em que, com a maior segurança
possível, essas obras fossem compreendidas como artísticas.”
80. Cf. vol I, p. 392 ss., como também Striedter, introdução ao vol. I, pp. XLI, LXI, ss.
81. Já era semelhante em Novalis a caracterização da linguagem poética como “ex
pressão entre outras por causa da expressão” (cf. S. Vietta, Spracbe und Sprachre*
flexion in der modernen Lyrik, Bad Homburg, 1970, p. 32 ss.).
82. Cf. a apresentação por Ambrogio, op. cit. p. 231 ss.
83. “The set to w ard the message as such, focus on the message for its own sake3 is the
poetic function of language” (“Linguistics and poetics”, in Style in language, ed.
Th. A. Sebeok, Cambridge (Mass.), 1920, p. 356).
84. De forma semelhante, in Oeuvres complètes I, p. 1317 (sobre a palavra na poesia).
85. “O zvukakh stikhotornogo iazika” (Sobre os sons da linguagem poética) (1916),
in Poétika, Praga, p. 38 ss.; sobre a relação com o conteúdo, pp. 45, 49.
86. Cf. os destaques teóricos sobre essa manifestação em Tinianov, Poblema stikbotvor*
nogo iazika, p. 107 s.
87. “A linguagem poética, sendo um caso limítrofe, tende à palavra oral, ou melhor
(na medida em que haja a orientação correspondente) à palavra eufônica, à lin
guagem transracional” (“Die neueste russische Poesie”, in Texte der russischen
Formalisten II, p. 133 s.).
88. “O zvukakh stikhotvornogo iazika”, p. 43.
89. A. Pagliaro, Ulisse. Ricerche semantiche sulla Divina Commedia, II, Messina
(ristampa), 1967, p. 584 s. (com referência à Escola de Praga); id., Le funzioni dei
linguaggio (corso accademico 1967/68), Roma, 1968, pp. 22, 61.
90. D. Alonso, Poesia espanola, Madri, 1962 (1951), p. 31 s.; G. Genette, “Langage
poétique, poétique du langage”, in Information sur les sciences sociales. VII, 2
(1968), p. 156 ss., republicado in G. G., Figures II, Paris, 1969, p. 145 ss.
91. “On dirait que le language poétique, tout en restant langage, cherche à rejoindre
le ‘cri originei’”, A. J. Greimas, “The relationship between structural linguistics
and poetics”, in Journal o f International Social Science 1 (1967), em francês in A.
J. G., Du sens, Paris, 1970, p. 278 s.
92. Cf. seu artigo “Lingua e poesia secondo G. B. Vico”, in Altri saggi di critica semantica,
Messina, 1961, p. 299 ss., onde se reconhecem uma “veracità essenziale” e
“sorpreendente modernità” à teoria de Vico sobre a revivescência dos signos
lingüísticos e com isso à experiência da realidade na linguagem poética (p. 350).
Cf. também aqui nota 96.
4 5 1
LUIZ COSTA LIMA
93. E. Coseriu, “Teses sobre o tema ‘Linguagem e Poesia’” (1968), in Beitraege zur
Textlinguistik, editado por W.-D Stempel, Munique, 1971, p. 185 ss.; J. Kristeva,
“Pour une sémiologie des paragrammes”, in Tel quel 29 (1967), p. 56, reproduzi
do em J. K., Semeiotikè. Recbercbes pour une sémanalyse, Paris, 1969, p. 178; J.
L. Houdebine, “Texte, structure, histoire”, in La nouvelle critique 11 (1968), p.
42 ss., reproduzido in Théorie d 5ensemble (Coll. Tel quel), Paris, 1968, p. 270 ss.
(ressaltado, entretanto, como segunda componente da ligação da linguagem dos
textos à práxis histórico-social). Sobre “langage complet” também fala Valéry
(Oeuvres complètes I, p. 1336). Coseriu ressaltou, especialmente, o fato de que
daí se segue obrigatoriamente não apenas a rejeição, mas também a inversão do
dogma do desvio. Cf. também as considerações por G. Genette, art. cit. p. 155 s.
(Figures II, p. 143 s.), como também H. Meschonnic, Pour la poétique, Paris, 1970,
p. 19 s.
As ênfases decisivas deveriam ser estudadas mais de perto. Como, por ex., a fun
ção comunicativa para Potebnia está perfeitamente ligada com sua noção da lin
guagem poética (cf. Iu. Tinianov, Problema stikhotvornogo iazika, p. 118), enquanto
Coseriu a considera “alguma coisa adicionada, prática”, “algo secundário” (op. cit.
p. 288).
94. Cf. K. Baumgártner, “Der methodische Stand einer linguistischen Poetik”, in
Jahrbuch für Intern. Germanistik 1 (1969), p. 16 ss. Ambrogio também fala criti
camente sobre a delimitação entre as funções comunicativa e poética, op. cit. p.
244 s., considerando-a um “astratto dualismo”, típico da lingüística pré-científi-
ca, idealístico-romântica. Sobre a questão do significado da linguagem versus co
municação, veja U. L. Figge, “Syntagmatik, Distríbution und Text”, in Beitràge zur
Textlinguistik, pp. 171 ss., 180 ss. e 269 ss.
95. Cf. Texte der russischen Formalisten II, p. 415 s. Em 1960, Jakobson moderou essa
concepção com a observação de que a ‘função poética’ “depeens the fundamental
dichotomy ofsigns and objects” (in Style in language, p. 356). T. Todorov chama a
atenção para a mencionada concordância dos primeiros escritos de Chklovski com
o artigo de Jakobson de 1933 (“Note sur le langage poétique”, in Semiótica 1,
1969, p. 326).
96. “Il linguaggio in funzione poética ristabilisce il tramite diretto con il reale, creando
una sintonia fra il ritmo vitale delle immagini e dei sentimenti e il ritmo verbale, e
riscoprendo, inoltre3 mediante il segno linguistico, il rapporto sensitivo e affettivo
con le cose come è proprio delia vita vissuta” (Le funzioni dei linguaggio, p. 22).
97. K. Baumgártner fala, tendo por base versos competentes de Brecht, sobre a
“dominância mutável” da expressão, apelo e apresentação, e crê que, em princí
pio, não se mantém a separação entre função poética e função comunicativa
(Jahrbuch f Intern. Germ. 1, p. 18). Mas uma poesia não se pode colocar a si mes
ma em dúvida, enquanto poesia.
4 5 2
TEORIA DA LI TE R ATU R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
98. Fica com isso resolvida a objeção de Ambrogio contra a dialética da expressão/
comunicação, que tornava impossível identificar ideologias, problemas éticos etc.
na poesia (op. cit. p. 249 s.). Toda arte pode também ser recebida “praticamente”,
mas, neste caso, não como manifestação estética.
99. Uma tradução alemã se encontra em preparo.
100. Cf. R. Jakobson, “Die neueste russische Poesie”, in Texte der russischen Formalisten
II, p. 33.
101. Do mesmo modo, Tomachevski, que, no entanto, conta com duas espécies de
prosa literária: uma, com orientação para a expressão, e outra, a que pertencia,
por ex., o romance de aventuras, onde ao leitor só importa o conteúdo (Teoria
literaturi, p. 71).
102. Cf. Iu. Tinianov, Problema stikhotvornogo iazika, p. 86, bem como as observações
de O. Brik, in Texte der russischen Formalisten II, pp. 185 s., 213.
103. Quanto a Sievers, cf. a característica de G. Ungeheuer, “Die Schallanalyse von
Sievers”, in Zeitschrift für Mundartforschung 31 (1964), p. 97 ss.
104. Isso também é documentado exteriormente pelo fato de todo o primeiro volu
me da antologia Sborniki po teorii poétitcbeskogo iazika I (1916) ter sido dedi
cado ao som.
105. Vladimir B. Chklovski, “O ritmiko-meloditcheskikh opitakh prof. Siversa” (Sobre
as pesquisas rítmico-melódicas de Sievers), in Sborniki po teorii poét. iazika II
(1917), pp. 87-94.
106. Cf. Erlich, op. cit. p. 217.
107. Cf. a avaliação crítica por Tinianov, Problema stikhotvornogo iazika, p. 28 ss.
108. L. Klages, Vom Wesen des Rhythmus, Zurique, 1944 (relativo ao aparecimento da
escrita, que sem dúvida está estreitamente relacionado com a Dialética-Espírito-
Alma de Klages e que já em 1913 se afirma nas suas etapas essenciais de pensa
mento, p. 8).
109. Cf. B. Tomachevski, “Vers und Rhythmus”, in Texte der russischen Formalisten II,
p. 223 s.
110. Cf. Iu. Tinianov, Problema stikhotvornogo iazika, p. 37.
111. B. Tomachevski, “Vers und Rhythmus”, in Texte der russischen Formalisten II,
p. 227.
112. ibid., p. 267.
113. “Perspektiva stikha prelomiaet siujetnuiu perspektiva” (Problema stikhotv. iaz.,
p. 120).
114. ibid., pp. 41, 44, como também “Das literarische Faktum”, vol. I, p. 409 e “Sulla
composizione delf Evgenij Onegin” (tradução italiana de um texto não publicado
de Tinianov), in Strumenti critici 1 (1967), p. 166 s.; B. Tomachevski, Teoria
literaturi, p. 71.
4 5 3
LUI Z COSTA LIMA
115. Tinianov, Problema stikhotvornogo iazika, pp. 41, 44; Tomachevski, “Vers und
Rhythmus”, in Texte der russischen Formalisten II, p. 249.
116. No início do segundo capítulo de seu livro (p. 48 ss.), Tinianov desenvolveu a análise
do significado da palavra. Cf. ainda pp. 85 s., 91 ss., como também “Die Ode ais
oratorisches Genre”, in Texte der russischen Formalisten II, p. 305 s. O conceito
de coloração léxica específica é pela primeira vez apresentado de forma conse
qüente por Ch. Bally no seu já citado Traité de stylistique (1909). Tinianov avalia
sua importância geral para a aplicação da linguagem no seu trabalho para o núme
ro dedicado a Lenin do L e f (1924) “Slovar* Lenina-polemista” (O dicionário de
Lenin polêmico), reproduzido, in Iu. T., Archaisti i novatori, Leningrado, 1929
(Ed. Munique, 1967), p. 463 ss. O conceito, naturalmente, tem pontos em co
mum com a teoria da aplicação de Iakubinski.
117. Tinianov analisa essa manifestação em “Die Ode ais oratorisches Genre”, com base
na ode de Lomonossov (in Texte der russischen Formalisten II, p. 301 s.).
118. Problema stikhotv, iaz., pp. 103 ss., 40.
1 1 9 . ibid., p p . 4 0 , 9 8 , 1 1 9 .
120. ibid., pp. 76, 119. Todavia, Tinianov argumenta no primeiro caso quantitati
vamente: um único verso já seria suficiente como texto poético (referência:
Karamzin e Briusov, cujos versos únicos Tomachevski cita in “Vers und Rhythmus”).
O exemplo de contraste para a prosa, o aforismo, foi, contudo, mal escolhido.
121. Citado por Tinianov, p. 79; veja edição em memória de Ártemis, vol. 24, Gespráche
mit Eckermann, p. 624.
122. Problema stikhotv, iaz., p. 83.
123. In Style in language, pp. 370, 358.
124. Tomachevski também lida com o conceito da substituição, porém, dentro do qua
dro das unidades métricas do verso (“Vers und Rhythmus”, in Texte der russischen
Formalisten II, p. 243, nota 3).
125. Cf. a apreciação por Erlich, op. cit. p. 212 ss.; Lotman, op. cit. p. 59; Ambrogio,
op. cit. p. 238 ss.; Meschonnic, op. cit. p. 73, nota 2.
126. Em seu escrito O tchechskom stikhe (Sobre o verso tcheco) (Berlim, 1923). Cf.
Erlich, op. cit. p. 219.
127. Problema stikhotvornogo iazika, pp. 35, 29 s.
128. In Texte der russischen Formalisten II, p. 227.
129. Do mesmo modo Brik, “Rhythmus und Syntax”, in Texte der russischen Formalisten
II, p. 193.
130. “Vers und Rhythmus”, in Texte der russischen Formalisten II, p. 239.
131. B. Tomachevski, cit. por B. Eikhenbaum, “Die Theorie der formalen Methode”,
trad. alemã in B. E., Aufsaetze zur Theorie und Geschichte der Literatur (ed.
Suhrkamp 119), p. 36 ( texto russo “Piatistopnii iamb Puchkina”, in B. T., O stikhe,
Leningrado, 1929, p. 182).
4 5 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥01. 1
132. O. Brik, “Rhythmus und Syntax”, in Texte der russischen Formalisten II, p. 193.
133. Problema stikhotvornogo iazika, p. 39 ss.
134. Tinianov, Problema stikhotv. iaz., p. 37.
135. Contudo, como de modo geral no que se refere à entoação da linha do verso,
Tinianov encontra-se aqui em desacordo com sua observação no artigo sobre a
ode, segundo a qual, como conseqüência do conceito de orientação, a nuance fi
nal do significado deveria ser eliminada (in Texte der russischen Formalisten II, p.
275). Cf. abaixo.
136. J. Cohen, La structure du langage poétique, Paris, 1966, p. 76 s.
137. Problema stikhotvornogo iazika, p. 126 (nota 21). Trata-se aí do segundo trecho
de “Ideen. Das Buch Le Grand”. Não está clara, contudo, a relação que isso tem
com a articulação das linhas (Tinianov cita uma “tarefa de 1843”); nas outras edi
ções, esse texto é sempre apresentado de forma corrida,
138. Iu. Lotman, op. cit. p. 113 s,
139. Tinianov, Problema stikhotv. iaz., p. 76.
140. “Rhythmus und Syntax”, in Texte der russischen Formalisten II, p. 171,
141. Problema stikhotv. iaz., pp. 37, 38.
142. ibid., pp. 119, 43, como também “Sulla composizione delPEvgenij Onegin”, in
Strumenti critici 1 (1967), p. 167.
143. B. Tomachevski, “Konstrukciia tezisov” (A construção das teses), tradução alemã
in Sprache und Stã Lenins, editado por E Mierau (Reihe Hanser 47), Munique,
1970, p. 163 s.
144. A terminologia certamente não foi homogênea, pelo menos em Chklovski, cf.
Striedter, introdução ao vol. I, p. XXI, bem como “A arte como procedimento”.
145. Tinianov, Problema stikhotvornogo iazika, p. 39.
146. Tinianov, “Sulla composizione delPEvgenij Onegin”, in Strumenti critici 1 (1967),
p. 163, nota 1 (cf. aí também p. 168, nota 2).
147. In Texte der russischen Formalisten II, p. 317, como também in Strumenti critici 1
(1967), p. 167.
148. Cf. por ex. C. F. P. Stutterheím, “Poetry and prose, their interrelations and
transitorial forms”, in Poetics, Poetyka, Poétika, Varsóvia, 1961, p. 225 ss.; J,
Hrabák, “Remarques sur les correlations entre le vers et la prose, surtout sur les
soi-disant formes de transítion”, ibid,, p. 239 ss. Sobre Lotman, cf. nota 150 deste
artigo.
149. No caso de não se excluir da consideração o vers libre e dar-se por satisfeito com as
condições simplificadas (cf. nas “ /Eusserungen” citadas por Lotman, op. cit. p. 56).
150. Essa visão serve de base principalmente às considerações de Lotman, que trabalha
com a sinalização das estruturas de espera, enquanto, por ex., o trabalho de
Stutterheím, por falta dessas considerações, se torna prejudicado,
455
LUIZ COSTA LIMA
4 5 6
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
163. V Chklovski, “Die Auferweckung des Wortes” (in Texte der russischen Formalisten
II, p. 15), “A arte como procedimento”; R. Jakobson, “Die neueste russische Poesie”
(in Texte der russischen Formalisten II, p. 67).
164. G. Morpurgo — Tagliabue, op. cit. p. 354 ss.
165. Tomachtvski situa, por ex., artigos políticos que têm por finalidade incitar à
ação, na prosa (isto é, literatura utilitária); entretanto, a “literatura de agita
ção”, que influi no “comportamento” do leitor, coloca-a na “poesia” (Teoria
literaturi, Moscou-Leningrado, 1928, p. 5). Cf. também o trabalho de Toma
chevski no número dedicado a Lenin da L e f (1924) “Die Konstruktion der
Thesen”, em alemão in Sprache und Stil Lenins, Munique, 1970, p. 164. N o
mesmo volume, reconhece B. Kazanski: “As fronteiras entre a poética e a retó
rica não são claras” (“Lenins Sprache. Versuch einer Analyse der Rhetorik”,
ibid., p. 158). Apesar da mencionada separação em “Was ist Poesie?”, a situa
ção não ficou de fato completamente esclarecida também no trabalho de
Jakobson de 1960, cf. observação acima sobre a “função poética”. Pouca con
tribuição deu a este problema R. Barilli, Poética e retórica, Milão, 1969, p. 285
(sobre o formalismo russo).
166. G. W R Hegel, yEsthetik, editado por R Bassenge, vol. II, Berlim, 1965, p. 355 s.
Cf. também p. 357 ss.
167. Cf., finalmente, E. Coseriu in Beitràge zur Textlinguistik, Munique, 1971, p. 284.
168. Segundo Jakobson, a “função referencial” se manifestaria com mais intensidade
na poesia épica (in Style in language, p. 357). Quando, incidentalmente, se contes
ta que o texto literário tenha de fato um referent (recentemente M. Arrivé, “Postulats
pour la description linguistique des textes littéraires”, in La langue française 3,
1969, p. 6 s.), ainda assim permanece a necessidade de designar a informação, que
é transmitida pela frase ou pelas linhas de frase. Cf. a nota 94, citação do artigo de
U. L. Figge.
169. Cf. J. Mukarovsky, Estetická funkce, norma a hodnota jaho sociální fakty (Praga,
1936), in J. M., Studie z estetiky, Praga, 1966, p. 18 s.; H. Meschonnic, Pour la
poétique, Paris, 1970 (com aguda crítica ao dogma do desvio), pp. 45, 59, nota 1;
W. O. Hendricks, “Three models of the description of poetry”, in Journal o f
Linguistics 5 (1969), p. 17; K. Baumgártner, “Der methodische Stand einer
linguistischen Poetik”, in Jahrbuch für Intern. Germanistik 1, pp. 29, 30.
170. Deve-se ressaltar o caráter funcional dessa acepção, pois quando, por ex., G. O.
Vinokur compreende sob o termo linguagem poética “a linguagem utilizada em
obras poéticas”, quer significar com isso um código especialmente seletivo ou “es
tilo de discurso”, portanto exatamente o contrário do que acima ficou dito. Cf.
“Poniatie poètitcheskogo iazika” (O conceito da linguagem poética) (1947), in G.
O. V, Izbrannie raboti po russkomu iaziku (Trabalhos escolhidos sobre a lingua
gem russa), Moscou, 1959, p. 388.
4 5 7
LUIZ COSTA LIMA
4 5 8
cap ítu lo 13 As tarefas da poética
VIKTO R JIR M U N S K I
O texto original deste ensaio foi publicado na revista Natchala (1921), depois, revisto, no livro
Zadatcbi i m eto di izutchenia iskussto (Tarefas e métodos da análise da arte), 1923. A presente
tradução é feita a partir da versão alemã, in Texte der russiscben Formalisten II, op. cit.
R eproduzido com a perm issão da Agência de D ireitos A utorais da URSS (VAAP).
4 5 9
A poética é a ciência que pesquisa a poesia como arte. Atendo-nos ao uso
há tanto tempo consagrado dessa palavra, podemos sem tem or afirmar
que a ciência da literatura, durante estes últimos anos, desenvolveu-se sob
o signo da poética. Hoje, o objeto de interesse científico mais vivo já não
é nem a evolução de uma Weltanschauung (visão de mundo) filosófica ou
de um “sentimento da vida” como ela se oferece com base nos m onum en
tos literários, nem o desenvolvimento histórico e a mudança da psicolo
gia social em sua interação com a psicologia individual do poeta criador,
mas sim a pesquisa da arte poética, a poética histórica e teórica. A histó
ria da poesia encontra-se, portanto, na mesma linha que as ciências de
outras artes. Participa dos mesmos métodos mas distingue-se das ciências
de outras artes pela peculiaridade do material pesquisado. Como ciência
da arte poética, tom a o seu lugar ao lado da história das belas-artes, da
música e do teatro.
Na Rússia, o erudito V N. Veselovski tratou das questões da “poética
histórica” nos seus trabalhos [cf. Sobranie sotchinenii (Obras completas),
Vol. I, São Petersburgo, 1913];1 seu grandioso projeto de realizar uma his
tória exaustiva da literatura do gênero poético permaneceu inacabado.
Embora, de acordo com o conteúdo geral do primeiro capítulo de sua poé
tica histórica, tivesse que se aprofundar especialmente na história da poesia
primitiva, seus artigos especiais (“Da história do epíteto”, “O pa- ralelismo
psicológico”, bem como o esboço inacabado “A poética do sujeito”) mos
traram que, também no seu sistema, as questões teóricas deveriam ocu
par um lugar decisivo. Os trabalhos de A. A. Potebnia tratavam do
problem a da Poética Teórica [em especial em seu livro Iz zapisok po teorii
slovesnosti (Notas para uma teoria da literatura), Cracóvia, 1905].2 E mes
mo que o seu sistema, em conjunto, provoque objeções fundamentais, o
m étodo que desenvolveu em seus trabalhos — aproximação da poética à
4 6 1
LUIZ COSTA LIMA
4 6 3
LUI Z COSTA LIMA
484
Cada arte serve-se de algum material que toma da natureza. Submete
esse material a uma elaboração especial com auxílio daqueles procedimen
tos que são característicos a cada uma. Como resultado dessa elaboração,
o fato que já existia na natureza (o material) é elevado à posição de fato
estético e se transforma numa “obra de arte”. Com parando a matéria-
prima da natureza e o material elaborado da arte estabelecemos o proce
dim ento de sua elaboração artística. É a tarefa da pesquisa literária
descrever histórica mas também comparativa e sistematicamente os p ro
cedimentos artísticos do trabalho em questão, de um poeta ou de uma
época inteira. O material da música, por exemplo, são os sons, que na
obra musical possuem uma determinada altura relativa ou absoluta, uma
determ inada duração e intensidade, que estão organizados numa ou nou
tra forma de contigüidade ou de continuidade, e dessa maneira elaboram
as formas artísticas do ritmo, da melodia e da harmonia. O material da
pintura consiste nas formas óticas organizadas num plano, como ligação
de linhas e manchas de cor das quais as formas da pintura são elaboradas.
A pesquisa da poesia, como a de qualquer outra arte, requer a determ ina
ção do material como também dos procedimentos utilizados para desse
material criar a obra de arte.
Durante muito tempo houve a convicção de que “as imagens” consti
tuíam o material da poesia, e até hoje não se está muito distanciado desse
conceito. A estética idealista alemã considerava a obra de arte como a
corporificação de uma idéia numa imagem sensível. Se as imagens óticas
predominam como material da pintura, as imagens sonoras como material
da música etc., então a poesia, como a mais alta forma de arte, conhece
além das cores, sons e odores, também imagens de experiências íntimas. O
valor de uma arte é determinado pelo aspecto concreto de sua apresenta
ção, sua “perceptibilidade” no sentido mais lato da palavra: esse conceito
aplica-se à figuração principalmente e não apenas à imagem ótica. Quanto
mais completamente uma idéia se corporifica numa imagem tanto mais
completa será a obra de arte. Essa teoria da “perceptibilidade” ou da “figu
ração” encontra hoje — dissociada de suas bases metafísicas originais —
sua continuação no ensinamento de Potebnia e de sua escola, que inconscien
temente identificam os conceitos de artístico e simbólico. Essa teoria já foi
submetida à crítica quanto ao problema especial da imagem ótica na poe
sia, no Laokoon de Lessing. Mas a crítica mais conseqüente desse en
sinamento encontra-se no livro de Theodor Meyer, Das Stilgesetz der Poesia
4 6 5
LUI Z COSTA LIMA
Com a leitura dessa poesia surge em nossa imaginação uma série de ima
gens mais ou menos concretas, isoladas em si mesmas ou detalhadas: a rua
bulhenta — a igreja e os fiéis — os jovens em festejos — o poeta solitário e
pensador. Conforme a qualidade da nossa capacidade de imaginação essas
imagens são mais claras ou mais vagas; os elementos óticos predominam; para
alguns leitores, talvez os acústicos (“ruas bulhentas” — o ruído das carrua
gens nos paralelepípedos, os gritos dos vendedores etc.); para outros ainda,
as representações verbais abstratas. Daí se compreende que essas imagens que
acompanham uma seqüência verbal são de certo modo subjetivas, indeter
minadas e completamente dependentes da psique do observador, de sua in
dividualidade, de sua disposição de espírito etc. Criar arte sobre a base dessas
imagens é impossível: a arte exige execução perfeita, exatidão e não pode,
portanto, ser abandonada à capacidade de imaginação ativa do leitor: não é
o leitor mas o poeta que cria a obra de arte. Nestas circunstâncias as imagens
do poeta não podem concorrer com a música e a pintura no que se refere à
perceptibilidade: na música e na pintura a imagem sensível está esteticamen
te assegurada; na poesia existe uma complementação do sentido das pala
vras absorvidas subjetivamente pelo leitor.
Consideremos com atenção o simbolismo poético da poesia de Puchkin
“perambulo pelas ruas bulhentas” — vemos o poeta solitário numa rua no
meio dos passantes. Mas que espécie de cidade é esta, russa ou uma cidade
do exterior? Que espécie de ruas, estreitas ou largas? Em que parte do dia
estamos, manhã ou tarde? Chove ou faz bom tempo? “Ruas bulhentas” — é
uma representação geral; a representação verbal é sempre geral. Na nossa
capacidade de imaginar pode-se formar uma representação concreta, um caso
individual, um exemplo, uma imagem — mas sempre na dependência das
particularidades subjetivas do receptor. O poeta ressalta apenas uma carac
terística: “ruas bulhentas”. Ele não precisa de imagem concreta ou de
“perceptibilidade” em grande dimensão, ela contradiria a essência do seu
4 6 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
pensamento; ele quer dizer: “por qualquer rua que perambule”, i. e., de tar
de ou de manhã, com chuva ou bom tempo. O mesmo é válido também para
as imagens dos versos seguintes: “igreja cheia de gente” (que igreja?), “jo
vens tolos” (quem são esses jovens?). Existem casos em que o pensamento
concreto figurado poderia até cair em contradição com as intenções do poe
ta. E assim que expressões metafóricas como “os anos voam”, “vamos descer
sob as abóbadas eternas”, “próxima está a hora”, nas quais, de modo geral,
se vê um “simbolismo” reforçado da linguagem (Potebnia e sua escola), têm
sobre nós efeito artístico apenas, porque, no decurso da evolução da lingua
gem, perderam seu sentido simbólico concreto, e já não despertam em nós
qualquer representação figurativa definida. “Todos desceremos sob as abó
badas eternas” significa “vamos todos morrer” e seria falso afigurar-se a “ima
gem”: uma longa procissão que sob as “eternas” abóbadas de pedra descesse.
Portanto, no que se refere à perceptibilidade e à figuração, a poesia não
pode concorrer com a pintura nem com a música. As imagens poéticas são
complementações subjetivas e mutáveis das representações verbais. Se, por
um lado, a palavra e a poesia, no que se refere à perceptibilidade da repre
sentação, são mais pobres do que as artes plásticas, por outro lado, são mais
ricas no seu domínio próprio.
Cabe aqui, em primeiro lugar, o grande grupo das ligações e das relações
lógico-formais que encontra sua expressão na palavra, mas que fica excluído
das outras artes. “Todas as vezes que eu perambulo pelas ruas”, “sozinho na
rua, na igreja, no meio dos amigos em festejos” ■— esse pensamento pode ser
o elemento essencial de uma obra poética mas não pode ser reproduzido num
quadro. O poeta pergunta: “já perambulaste pelas ruas?”; nega: “eu não an
dei pelas ruas”. Indica a duração de uma ação, sua repetição etc., “eles se
entretêm ”, “ele se nega”, “ele disse”, “ele começou a leitura”*9 Tudo isso
pertence ao domínio das palavras, mas está fora do alcance da representação
evidente, no quadro. Além disso, cabem aqui também os diversos fatos da
coloração emocional da palavra, da avaliação articulada pelo pensamento e
pela vontade etc. A expressão “jovens tolos” (cf. “A animação dos anos tolos
que se apagou”) contém uma valorização que o poeta expressa juntamente
com a imagem em questão. As expressões “os anos voam”, “as abóbadas eter
nas”, “a hora está próxima”, que indicam a morte inevitável e próxima, es
tão sempre para nós ligadas a uma certa coloração emocional.
O domínio da poesia é, portanto, simultaneamente mais amplo e mais
restrito do que o domínio das representações e imagens evidentes. Como
4 6 7
I U 1Z C O S T A LIMA
4 6 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
469
LU I Z C O S T A L I M A
4 7 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
Tradução
L u iz a L e it e R ib e ir o
Revisão
F e r n a n d o A u g u s t o R o d r ig u e s
4 7 1
Notas
4 7 2
cap ítu lo 14 O ritmo como fator construtivo
do verso
IURI T IN IA N O V
“Ritm, kak konstruktivnii faktor stikha”, capítulo de Problema stikhotvornogo iazika (O proble
m a da linguagem poética) 1924. Traduzimos m ediante o cotejo da versão norte-am ericana, in
Readings in Russian poetics (organizado por L. Matejka e K. Pormorska), The M IT Press, Mass»
1971, com a versão italiana (II problema dei linguaggio poético, II Saggiatore, M ilão, 1968).
R eproduzido com a permissão da Agência de D ireitos Autorais da URSS (VAAP).
47 3
i
O estudo da arte verbal com porta duas dificuldades. A prim eira procede
do próprio material usado, rotulado de modo mais simples oe conven
cional como fala, palavra; a segunda advém do princípio construtivo des
ta arte.
No primeiro caso, o objeto de nosso estudo é algo intim am ente rela
cionado com nossa atenção cotidiana, e algumas vezes chega a depender
da intimidade desta conexão. M uito facilmente deixamos de considerar
a natureza desta ligação, e, trazendo arbitrariamente para o objeto de nosso
estudo todas as relações que se tornaram usuais em nossa existência coti
diana, as transformamos nos pontos de partida para nosso estudo de lite
ratura.1Ao fazê-lo, perdemos de vista a natureza heterogênea e polivalente
que o material pode assumir por seu papel e por sua destinação. Não le
vamos em conta o fato de que as palavras têm propriedades desiguais,
que dependem dessas funções. Uma propriedade pode ser acentuada em
detrim ento de outras, que sofrem por isso uma deformação e às vezes se
reduzem a um nível de acessório neutro. A grandiosa tentativa ensaiada
por Potebnia de constituir uma teoria de literatura partindo da palavra
cE9v (o uno), até o complexo da obra literária (o todo), estava previa
mente destinada ao fracasso, pois a essência da relação de cE’v com n<^v
repousa na heterogeneidade e no significado funcional variado deste “E V \
O conceito de “m aterial’ não ultrapassa as fronteiras da forma, sendo em
si mesmo formal. E um erro confundi-lo com momentos estranhos à cons
trução.
A segunda dificuldade está em considerar a natureza da construção, o
princípio formativo, como um fator estático. Um exemplo servirá como
esclarecimento. Só recentemente ultrapassamos aquele tipo de crítica con
47 5
LUI Z COSTA LIMA
47 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
sinal de unidade que legitime os casos mais extremos de sua violação real,
obrigando-nos a considerar tais casos como equivalentes da unidade?
Já se tornou óbvio, entretanto, que uma tal unidade não é ingenuamente
reconhecida na unidade estática do personagem; é marcada não pelo signo
de um todo estático, mas pelo de integração dinâmica, da integridade. Não
existe personagem estático, há apenas um personagem dinâmico. É suficien
te ter o signo do personagem ou seu nome para que, em cada situação, não
observemos o personagem em si mesmo.4
O exemplo do personagem revela a força e a estabilidade dos hábitos
estáticos da percepção. O mesmo se verifica no problema da “forma” de uma
obra literária. Apenas recentemente superamos a conhecida analogia: a for
ma está para o conteúdo assim como o copo está para o vinho. Mas todas as
analogias espaciais aplicadas à noção de forma valem apenas enquanto tais:
na realidade, na noção de forma infalivelmente se insinua uma nota de
estaticidade, estreitamente ligada à idéia de espaço (em vez disso, devería
mos conceber as formas espaciais como formas dinâmicas sui generis). O
mesmo é verdadeiro em relação à terminologia. Aventurar-me-ia a afirmar
que em nove dentre dez casos a palavra “composição” subentende implicita
mente um tratamento da forma como um dado estático. O conceito de “ver
so” ou de “estrofe” é removido imperceptivelmente da sucessão dinâmica. A
repetição deixa de ser considerada um fator de intensidade diversa segundo
as várias condições de freqüência e de quantidade. Surge a perigosa noção
de “simetria dos fatos composionais”, perigosa pois não podemos de modo
algum falar de simetria onde nos deparamos com a intensificação.
A unidade da obra não é um todo simétrico e fechado, mas sim uma in
tegridade dinâmica, com um desenvolvimento próprio; entre seus elemen
tos se coloca não o signo estático da adição e da igualdade, mas sempre o
signo dinâmico da correlação e da integração.
A forma de uma obra literária deve ser entendida como uma entidade
dinâmica.
Este dinamismo se revela, em primeiro lugar, no conceito de princípio
construtivo. Nem todos os aspectos de uma palavra se eqüivalem; a forma
dinâmica não resulta da união e da fusão de tais aspectos (cf. a noção muito
usada de “correspondência”), mas sim da sua interação, e, daí, do realce de
um grupo de fatores em detrimento de outro. Durante este processo, o fator
acentuado deforma os que se lhe subordinam. Em segundo lugar, a sensação
da forma numa tal situação é sempre a sensação de fluxo (e portanto de
4 7 7
IU !Z COSTA LIMA
478
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
ruptura neste caso tenha sido desempenhado exatamente pela oitava que,
nas obras de Apollon Maíkov5 aparece como o modelo da Éíharmonia do
verso”.5
Nos anos imediatamente posteriores a 1830, a tetrapodia lâmblca se
automatizara: “o iambo de quatro pés acabou me enfadando”, escrevia
Puschkin no poema “A Casinha em Kolomna”.
Em 18315Chevirev publicou na revista Teleskop sua dissertação “sobre a
possibilidade de Introduzir a oitava italiana na versificação russa”, com a tra
dução do sétimo canto da Gerusalemme liberata. Um fragmento foi publica
do em 1835 na revista O Observador de Moscou^ com a seguinte advertência:
“Este experimento (...) teve (...) a má sorte de aparecer no tempo daquela
harmoniosa monotonia que então era conhecida no mundo da poesia russa
e ainda agradava os ouvidos de todos, embora já começasse a aborrecer. Es
tas oitavas que infringiam todas as convenções de nossa prosódia, onde se
proclamava um nítido divórcio entre as rimas masculinas e as femininas, onde
o troqueu se misturava com o iambo e onde duas vogais formavam uma síla
ba apenas; estas oitavas, em suma, que desconcertavam a todos com a sua
violência inovadora, poderiam ser aceitas em um tempo em que o nosso ou
vido continuava indulgente ao afago de certos sons monótonos e o pensamento
dormitava sob a melodia e a língua reduzia as palavras a meros sons? (...)”.
Esta passagem define bastante bem o automatismo resultante da coin
cidência habitual do metro com as palavras; era preciso infringir “todas as
convenções” para renovar-se a dinâmica do verso. Estas oitavas suscitaram
uma verdadeira tempestade literária. Dmitrizev escreveu ao conde Viazem-
ski:* “O professor Chevirev e o ex-estudante Bielinski há muito sepultaram
não apenas a geração de nossos velhos mas, não se zangue, a você e a
Batiuchkov e até mesmo a Puchkin. O professor mostrou que nosso metro
amaneirado (expressão muito em voga, então) e nossa linguagem poética
amaneirada de nada servem, e são monótonas (também uma palavra da moda).
A título demonstrativo, publicou no Moskovskii nabliudatei (O Observador
de Moscou) uma tradução em oitavas do sétimo canto da Gerusalemme
liberata.6 Gostaria que você a comparasse à tradução de Raitch e então me
dissesse se encontra nos metros e na linguagem poética de Chevirev a
musicalidade, a força e a expressividade que, em suas próprias palavras, faltam
*Toda a passagem en tre parênteses falta na versão n o rte-am erican a. Cf. op. c it., p. 126.
(N. do O rg.)
4 7 9
LUI Z COSTA LIMA
li
4 8 0
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS F O N T E S — VOL. 1
zando-os como seu material ou instrum ento. Toda obra de arte é uma
interação complexa de muitos fatores; conseqüentemente, o objetivo de uma
investigação é definir a natureza específica desta interação. Ao mesmo tem
po, sendo o material limitado e sendo impossível aplicar uma metodologia
experimental, pode-se facilmente presumir que certas propriedades secun
dárias dos vários fatores, resultantes de sua ocorrência em um determinado
caso, são suas propriedades básicas. Daí as conclusões errôneas, muito di
fundidas, que são depois aplicadas a situações nas quais certos fatores de
sempenham um papel decididamente subordínante.
Deste ponto de vista, o material mais complexo e frustrante para estudo
é o que, à primeira vista, pareceria o mais fácil e mais simples: refiro-me ao
campo da arte motivada. Por motivação na arte se entende a justificação de
um fator por meio de todos os outros, a concordância deste fator com os
demais (Chklovski, Eikhenbaum). Cada fator é motivado por meio de suas
conexões com os fatores restantes.9
A deformação dos fatores ocorre, portanto, de modo uniforme. A moti
vação interna que se dá no nível construtivo da obra atenua, por assim dizer,
as peculiaridades dos fatores, tornando a obra de arte “leve” e aceitável. A
arte motivada é enganadora; Karamzin propunha que “se desse um novo sig
nificado às velhas palavras, apresentando-as sob nova forma, mas com habi
lidade bastante para enganar o leitor e ocultar-lhe a novidade da expressão”.10
Mas exatamente por isso, o estudo da função é mais difícil de ser empre
endido sobre esta arte “leve”. A investigação dessas funções não se refere a
um momento quantitativamente típico, mas sim a um momento qualitativa
mente característico e, nos elementos comuns a outros campos da atividade
intelectual, ela vê o plus específico da arte. Por isso, nas obras de arte moti
vadas, o elemento característico é a própria motivação (= dissimulação do
plus), como a sua característica peculiar negativa (Chklovski), e não o inver
so. Em outras palavras, as funções dissimuladoras dos fatores não podem ser
os critérios de um estudo literário geral.
O fenômeno encontra uma explicação ainda no decurso da história lite
rária russa. A arte motivada, “exata” e “leve” da escola de Karamzin consti
tuía uma espécie de oposição dialética aos princípios de Lomonossov, ao culto
da palavra independente na ode “sonora”, “sem significado”. Suscitou uma
tempestade literária, já que os aspectos suaves e motivados foram evidente
mente encarados como aspectos negativos.11 Assim nasceu o conceito de “le
veza difícil”. Batiuchkov, contrapondo ao verso deliberadamente “difícil” da
4 8 1
I U iZ COSTA LIMA
ode o verso “leve” da poésie fugitive, afirmava que “os versos leves são os
mais difíceis”. (Em seguida, dirá ao invés: “Quem não escreve versos leves
nos dias que correm?”)
Para se apreciar com equilíbrio, é preciso conhecer, portanto, as funções
dos fatores que se equilibram uns aos outros. E, neste estudo, a maior aten
ção será reservada à indagação dos fenômenos em que um dado fator é
enfatizado (não motivado).
Referimo-nos aqui àqueles fenômenos que são as combinações, as mistu
ras de fatores de uma certa série (internamente motivada) com os fatores de
uma outra série estranha (mas também internamente motivada) — i. e., a fe
nômenos de série mista. O exemplo mais simples de uma tal combinação é
uma Paródia poética, na qual, por exemplo, se estabelece a interação do metro
e da sintaxe de uma certa série (particularizada) com o léxico e a semântica de
outra. Se estivermos familiarizados com uma destas séries, se ela já se deu pre
viamente em alguma obra literária, no estudo da paródia em questão, nos en
contramos como na presença de uma experiência na qual algumas condições
foram alteradas, enquanto outras permaneceram inalteradas. Distinguindo as
condições e observando os fatores alterados, podemos tirar algumas conclu
sões com respeito à relação e dependência existentes entre os dois fatores (suas
funções combinatórias). Também a história da poesia, evidentemente, justifica
esta escolha. As revoluções na poesia se revelam habitualmente, ante o exame
mais escrupuloso, como misturas, combinações entre uma série e outra (pen
se-se na atenção dispensada por Chklovski a certos “ramos menores”, como
os aspectos cômicos). Por exemplo, os românticos tomaram o chamado trimètre,
que era empregado no verso cômico da poesia francesa do século XVIII, e lhe
concederam o vocabulário, a semântica etc., do estilo elevado, de modo que
ele se tornou a “forma do verso heróico” (Grammont). Um exemplo menos
remoto: Nekrassov combinou um metro geralmente usado na lírica elevada (o
metro da balada) com os elementos léxicos e semânticos (em sentido amplo)
de uma série diferente.12Em nossos dias, Maiakovski misturou a forma do verso
cômico com um sistema de imagens grandiosas (comparem-se suas formas de
verso com as de P. Potemkin e outros membros do grupo Satirikon).
Assim, a fim de evitarmos tirar conclusões teóricas incorretas, devemos
trabalhar sobre materiais que sejam perceptíveis na forma. A tarefa da histó
ria literária é precisamente revelar a forma. Deste ponto de vista, a história
da literatura, que evidencia o caráter de uma obra literária e de seus fatores,
é uma espécie de arqueologia dinâmica.
482
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL, 1
Por outro lado, o exame de em fator não se propõe a declarar sua fun
ção, mas tem por objeto o fator em si; esta pesquisa isolada, que prescinda
da definição da propriedade construtiva, pode ser, portanto, realizada sobre
em material bastante vasto. Mesmo aí, entretanto, há limites, como aqueles
que tacitamente supõe uma série rica de signo construtivo. O estudo do metro
como tal, por exemplo, não pode ser empreendido com os mesmos critérios
sobre o material do verso e sobre o de um artigo de jornal
E mais fácil esclarecer-se a função construtiva de algum fator empregan
do-se um material literário de série (não motivada) evidenciada ou deslocada.
As situações motivadas, por terem uma característica negativa, são menos
adequadas, exatamente como é mais difícil observar as funções de elementos
formais de uma palavra, quando esta tem uma característica formal negativa.13
Outra obervação faz-se necessária: o princípio construtivo pode ser soli
damente relacionado ao sistema típico de sua aplicação, mesmo se o concei
to de princípio construtivo não coincide com o conceito dos sistemas no
âmbito dos quais se aplica. Temos diante de nós Infinitos exemplos em lite
ratura onde subsistem múltiplos sistemas de fatores em interação; mas nes
tes sistemas há linhas generalizadoras, repartições que abrangem uma ampla
quantidade de manifestações,
E este fator, esta condição, que se observa nos exemplos extremos de uma
certa série, e sem o qual o fenômeno passa para outra série, o que constitui
a condição necessária e suficiente para o princípio construtivo de uma série
dada.
E se não levarmos em conta esses fenômenos extremos, no limite da sé
rie, poderíamos facilmente confundir o princípio construtivo com o sistema
em que vem aplicado.
Entretanto, neste sistema, nem tudo é igualmente necessário ou igual
mente suficiente para atribuir um fenômeno particular a esta ou aquela série
da construção.
O princípio construtivo é reconhecido não nas condições máximas em que
é previsto, mas sim nas mínimas, pois evidentemente estas condições míni
mas se ligam mais estreitamente a uma dada construção, e, portanto, nelas
devemos procurar as respostas relativas ao caráter específico da construção,
Tradução
L u iz a L o b o
483
Notas
1. Ao colocar o problema deste modo, é claro, não tenho objeções quanto à “relação
da literatura com a vida”. Simplesmente duvido que a questão tenha sido proposta
adequadamente. Podemos falar de “vida e arte” quando a arte já é “vida”? Precisa
mos buscar alguma utilidade particular da “arte” se não nos preocupamos em pro
curar a utilidade da “vida”? Coisa diversa é falar de peculiaridade ou de coerência
interna do fato artístico face à vida cotidiana, à ciência etc. Quantos enganos sus
citaram certos historiadores da cultura por tomarem um “objeto de arte” como
um “objeto da vida cotidiana”! Quantos “fatos” históricos foram estabelecidos os
quais, quando examinados de perto, se mostraram ser fatos literários tradicionais
sobre os quais a lenda apenas inserira nomes históricos! Sempre que a vida cotidiana
penetra na literatura, ela se torna literatura, e como tal deveria ser considerada. E
interessante observar a importância da vida dos artistas nos períodos de crise, de
revolução literária, quando a tendência literária dominante, aclamada por todos,
cai por terra e se exaure, e a nova direção ainda não foi reconhecida. Em tais pe
ríodos, a própria vida dos artistas se transforma em literatura, tomando o seu lu
gar. Quando as tradições grandiosas de Lomonossov entraram em colapso, com
Karamzin as minúcias da vida literária cotidiana — correspondência com amigos e
gracejos efêmeros —- tornaram-se fatos literários. E é este justamente o ponto: a
vida cotidiana foi promovida ao status de fato literário. Em uma época em que os
gêneros majestosos dominavam, esta mesma correspondência doméstica consti
tuía apenas um elemento da existência cotidiana, sem qualquer relação direta com
a literatura.
2. J. P. Eckermann, Gespraecbe mit Goethe 3 (Leipzig, 1885), pp. 108-111. Também
em J. W von Goethe, Conversações com Eckermann.
3. Em “O nariz”, de Gogol, toda a sua essência reside no gracejo com os equivalen
tes do personagem. O nariz do major Kovalev torna-se de vez em quando “o
Nariz”, que passeia pela Nevski Prospekt etc. “Nariz” decide fugir para Riga,
mas é capturado por um guarda que está entrando numa carruagem de correio.
Ele (!) então é devolvido, envolto em um trapo, a seu dono. O aspecto notável
desta situação grotesca é a equivalência do personagem, a igualdade entre o na
riz e o “Nariz”, que não se interrompe por nenhum momento. Apenas o gracejo
4 8 4
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — V O u .^ r
4 8 5
LUI Z COSTA LIMA
12. Ver meu artigo: “Stikhovaia forma Nekrasova”, in Letopis doma literatorov, 1921,
n.° 4.
13. Podemos ver a importância da última exigência no clássico estudo de Grammont:
Le vers français, ses moyens d ’expression, son harmonie. Ele aqui se esforça por
explicar a função expressiva do verso. Partindo exclusivamente do material moti
vado, chegou a conclusões cuja própria essência é discutível.
As conclusões dizem principalmente respeito ao papel ilustrativo do ritmo e da
harmonia. O ritmo e a harmonia são meios expressivos quando, e apenas quando,
enfatizam o sentido do texto poético, isto é, quando são motivados. Contudo, é
claro que aqui a expressividade do ritmo coincide completamente com a expres
sividade do texto, de modo que é impossível observá-la. Assim, essencialmente, o
que se está estudando não é a questão da expressividade rítmica, mas a extensão
em que o ritmo é semanticamente justificado (e até mesmo, se me permitem dizê-
lo, a extensão em que um certo tipo de semântica exige um certo ritmo: cf. a aná
lise da ode de Hugo: “Napoleão I”). Tomando uma situação motivada como típica,
Grammont a elege como norma; e, em conseqüência, declara ilegítimos, errôneos,
todos os casos de ritmo não motivado. Por esta razão considera todo vers libre
moderno, por exemplo, um erro, já que as mudanças em grupos rítmicos não coin
cidem com as mudanças semânticas. E natural, quando se coloca a questão desta
maneira, que se dê, de antemão, ao ritmo poético as funções que ele tem apenas
no plano comum da fala (emocionalidade e comunicatividade).
4 8 6
c ap ítu lo 15 A tipologia do discurso na prosa
M IK H A IL BA KH TIN
48 9
LUI Z COSTA LIMA
49 0
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
4 9 1
LU 11 C O S T A LIMA
49 2
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL- 1
4 9 3
LUI Z COSTA LIMA
4 94
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
em uma forma convencional, pois que leva a sério aquilo que imita, tornan-
do-o seu, apropriando-se diretamente da palavra do outro. Neste caso, as
vozes se fundem por completo. Se ouvimos a outra voz, então ouvimos algo
que não constava do plano do imitador.
Embora uma linha divisória absoluta separe a estilização da imitação,
conforme acabamos de mostrar, do ponto de vista histórico, existe entre elas
um conjunto de transições extremamente sutil e por vezes inapreensível.
Quanto mais fraca se torna a seriedade original de um estilo nas mãos de
seus epígonos-imitadores, mais particularmente seus recursos se tornam
convencionalizados e a imitação assim se torna semi-estilização. A estilização
pode, por sua vez, tornar-se imitação, se o ardor do estilizador em seguir seu
modelo destruir a distância entre eles e enfraquecer a possibilidade delibera
da de sentir o estilo, reproduzido como o estilo do outro. Pois é precisamen
te a distância que cria a convencionalidade.
O relato de um narrador, que substitui composicionalmente o discurso
autoral, é análogo à estilização. Tal relato pode tomar a forma da língua es
crita padrão (o Belkin de Puschkin ou os cronistas-narradores de Dostoievski)
ou a forma da linguagem oral (skaz, no sentido direto da palavra). Aqui, tam
bém, o modo verbal de outro emissor é empregado pelo autor como um ponto
de vista, como uma posição de que o autor necessita para conduzir seu rela
to. Mas aqui o teor de objetivação que pesa sobre a palavra do narrador é
muito mais forte que na estilização, e a convencionalidade muito mais fraca.
E desnecessário dizer que os graus de uma e de outra variam substancialmente.
Contudo, o discurso do narrador nunca se pode tornar um discurso pura
mente objetivado, mesmo se ele é um personagem entre os personagens, e
assume apenas uma parte do relato. Afinal de contas, sua importância para o
autor não é apenas sua maneira típica ou individual de pensar, de sentir, de
falar, mas, acima de tudo, sua maneira de ver e representar, pois nisto con
siste sua função direta como narrador, substituto do autor. Assim, a atitude
do autor, exatamente como na estilização, penetra nos enunciados do
narrador, tornando-os, em um grau maior ou menor, convencionais. O au
tor não nos mostra a fala do narrador (como é o caso no enunciado objetivo
dos personagens), manipula-a, sim, para seus próprios fins, forçando-nos a
perceber nitidamente a distância entre ele e esta palavra de um outro.
O elemento do skaz no sentido direto (orientação para a fala oral) é um
fator necessariamente inerente a qualquer história. Mesmo se o narrador é
representado como escrevendo a sua história e lhe dando um certo polimento
49 5
LU I Z COSTA LIMA
49 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — ¥01. 1
Nossa concepção do skaz nos parece muito mais substancial para o trata
mento do problema em suas dimensões histórico-literárias. Cremos que, na
maioria dos casos, o skaz é empregado precisamente em função de uma voz
diferente, socialmente distinta e condutora de um conjunto de pontos de vista
e de avaliações que são exatamente as de que o autor necessita. De fato, é
um narrador que é introduzido, e não é um letrado; em geral, pertence às
camadas sociais mais baixas, faz parte do posto (precisamente a qualidade
que o autor nele valoriza) e traz consigo a fala oral.
O discurso autoral direto não é possível em todos os períodos literários;
nem todo período determina um estilo, já que esse pressupõe a presença de
pontos de vista institucionalizados e valorações sociais institucionalizadas e
duráveis. Estes períodos sem estilo ou enveredam para a estilização, ou re
vertem a formas extraliterárias de narração que determinam um modo par
ticular de observar e descrever o mundo. Quando não há forma alguma
adequada para a expressão não mediatizada das intenções de um autor, tor
na-se necessário refratá-las através da fala de um outro. Além disso, os en
cargos com que se depara a literatura são por vezes tais, que não há outra
maneira viável para realizá-los, senão por meio de um discurso de dupla voz.
Foi este, exatamente, o caso de Dostoievski.
Acreditamos que Leskov recorreu a um narrador, em primeiro lugar, em
busca de uma fala e de uma percepção de mundo socialmente diferentes, e,
apenas de modo secundário, em busca da qualidade oral do skaz (dado que
se interessava pela fala popular). Inversamente, Turgueniev lançou mão de
um narrador precisamente em busca de uma forma oral de narração que
expressasse diretamente suas próprias intenções. Orientar-se para a fala oral
e não para a fala de um outro era efetivamente uma de suas características.
Turgueniev não podia refratar suas intenções através desta outra fala, nem
gostava de fazê-lo. Manejava o discurso de voz dupla com dificuldade (por
exemplo, nas passagens satíricas e de paródia do Fumaça). Por este motivo,
escolheu um narrador de seu próprio círculo social. Desde que o narrador
tinha inevitavelmente de falar numa linguagem literária, não podia manter a
qualidade oral da narrativa, do princípio ao fim; para Turgueniev era impor
tante apenas animar sua fala literária com entoações orais. Por contraste, a
atração pelo skaz na literatura contemporânea é, como vemos, uma atração
por outro ato de fala. A fala autoral direta sofre, atualmente, uma crise, que
é socialmente condicionada.
497
LUI Z COSTA LIMA
4 9 8
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
voz, depois de se ter alojado na outra fala, entra em antagonismo com a voz
original que a recebeu, forçando-a a servir a fins diretamente opostos. A fala
transforma-se num campo de batalha para intenções contrárias. Assim, a fusão
de vozes, que é possível na estilização ou no relato do narrador (em Tur
gueniev, por exemplo) não é possível na paródia; as vozes na paródia não
são apenas distintas e emitidas de uma para outra, mas se colocam, igual
mente, antagonisticamente. E por esse motivo que a fala do outro na paró
dia deve ser marcada com tanta clareza e agudeza. Pela mesma razão, os
projetos do autor devem ser mais individualizados e mais ricos de conteúdo.
E possível parodiar o estilo de um outro em direções diversas, aí introduzin
do acentos novos, embora só se possa estilizá-lo, de fato, em uma única dire
ção — a que ele próprio se propusera.
A paródia permite uma variedade considerável. Pode-se parodiar o estilo
do outro como estilo; pode-se parodiar o modo característico de observar,
pensar e falar típico, social ou individualmente. Além disso, a paródia pode
ser mais ou menos profunda: pode-se limitar a parodiar as formas que cons
tituem a superfície verbal, mas também pode-se parodiar até os princípios
mais profundos da palavra do outro. Ademais, a paródia em si mesma pode
ser empregada de várias maneiras pelo autor: pode ser um fim em si mesma
(por exemplo, a paródia literária como gênero), ou pode servir à realização
de outros fins positivos (como o estilo parodístico de Ariosto ou de Puschkin).
Mas, em todas as variedades de discurso parodístico possíveis, a relação en
tre o projeto do autor e o da outra fala permanece a mesma: os dois projetos
estão em disputa, são multidirecionais, ao contrário, pois, da orientação
unidirecional de projetos na estilização, no relato do narrador e formas aná
logas.
Deste modo, a diferença entre o skaz simples e o skaz parodístico é
fundamental. A luta entre dois projetos no skaz parodístico dá lugar ao
aparecimento dos fenômenos lingüísticos extremamente característicos de
que falamos atrás. Se ignorarmos a orientação para a fala do outro no
skaz e, conseqüentemente, sua natureza de voz dupla, nos interditarem os
de com preender as inter-relações complexas em que podem entrar estas
vozes no discurso skaz, quando elas assumem direções diversas. Na lite
ratura contemporânea, o skaz possui geralmente uma nuance parodística.
O skaz de Zochchenko, por exemplo, é do tipo parodístico. Nas histórias
de Dostoievski, elementos parodísticos de um tipo especial estão sempre
presentes.
4 9 9
L UI Z C O S T A LI MA
5 0 0
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES _ ,„ V . Y '
uma nova significação, exerce sua ação e, de uma maneira ou de outra, de
termina a palavra do autor, permanecendo fora de suas fronteiras. E esta a
natureza do discurso em uma polêmica secreta e, igualmente, como regra
geral, na réplica de um diálogo.
Na polêmica secreta, o discurso do autor se orienta para seu objeto
referencial, como em qualquer outro discurso, mas, ao mesmo tempo, cada
afirmativa sobre este objeto é construída de modo que, além de seu signifi
cado referencial, o discurso do autor traga um ataque polêmico contra a fala
de um outro, contra outra afirmativa, referente ao mesmo tópico. Orientada
para seu objeto referencial, a palavra choca-se aqui com a palavra do outro,
no próprio referente. Este segundo enunciado não é reproduzido; é apenas
subentendido, mas toda a estrutura do discurso seria completamente diversa
não fosse esta reação à fala subentendida do outro. Na estilização, o modelo
real produzido, i. e., o estilo do outro, também permanece fora do contexto
do autor, subentendido. Da mesma maneira, na paródia, a fala real, deter
minada, aquela que é parodiada, é apenas subentendida. Nestes exemplos,
no entanto, a própria fala do autor ou se coloca como a fala do outro
(estilização), ou reivindica a fala do outro como sua (paródia). Em qualquer
dos casos, opera diretamente por meio da fala do outro e o modelo implícito
(a fala real do outro) apenas fornece o material, e funciona como um do
cumento confirmando que o autor efetivamente reproduz uma fala determi
nada do outro. Na polêmica secreta, ao contrário, há uma reação à fala do
outro e tal reação não é menos relevante que o próprio objeto de que se fala
para definir a palavra do autor. Isto muda radicalmente a semântica do dis
curso: ao lado de seu significado referencial, aparece um segundo significa
do: a orientação para a palavra do outro. Não se pode compreender total e
perfeitamente esta palavra, se tão-somente consideramos sua significação
referencial direta. A coloração polêmica do discurso também se manifesta
por outros aspectos puramente lingüísticos, como a entoação e a construção
sintática.
Traçar uma nítida linha divisória entre a polêmica secreta e a declarada,
em um caso concreto, é tarefa por vezes bastante difícil. Nem por isso, en
tretanto, as diferenças de sentido entre as mesmas são menos consideráveis.
A polêmica declarada é simplesmente orientada para a fala refutada do ou
tro, tomando-a como seu próprio objeto referencial. A polêmica secreta, ao
contrário, orienta-se para um objeto referencial qualquer, que nomeia, re
presenta, exprime, e é desta maneira apenas indiretamente que atinge a fala
50 1
LUI Z COSTA LIMA
50 3
LUI Z COSTA LIMA
5 0 4
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM S U A S F O N T E S — VOL. 1
1. Variantes unidirecionais
a. Estilização.
b. Relato do narrador.
No caso de diminuição da obje
c. Fala não objetivada de um
tivação, essas variantes tendem à
personagem que realiza,
fusão de vozes, i. e., tendem ao
em parte, os projetos do
primeiro tipo de discurso.
autor.
d. Icb-Erzãhlung.
50 5
LUI Z COSTA LIMA
2, Variantes multidirecionais
a. Paródia em todas as suas
graduações.
b. Narração parodística. No caso de diminuição da objeti
c. Ick-Erzãhlung parodístico. vação e da ativação do pensamen-
d. Fala de um personagem / to do autor, essas variantes en
representado parodistica- tram em diálogo interior e ten
mente. dem a se dividir em duas palavras
e. Qualquer relato de outra (duas vozes) do primeiro tipo.
pessoa com um acento al %
terado.
50 6
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
5 0?
LUI Z COSTA LIMA
5 0 8
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
pode se libertar, completamente, do poder que têm sobre ela os contextos con
cretos em que entrou. De maneira alguma ocorre que cada membro da comuni
dade de falantes aprenda a palavra como um elemento neutro da língua, livre
das intenções e desabitada das vozes de seus usuários anteriores. Pelo contrário,
ele recebe a palavra de um outro e conduzida pela voz do outro. A palavra entra
no seu contexto a partir de outro contexto, permeada pelas intenções de outros
falantes. Seu próprio pensamento já encontra a palavra ocupada.
Deste modo, a orientação da palavra entre as palavras, a sensação diver
sa provocada pela palavra do outro e pelos diferentes meios de reagir a ela,
talvez constituam os problemas mais cruciais da sociologia do uso da lingua
gem, de qualquer tipo de uso da linguagem, inclusive o artístico. Cada grupo
social, em cada período histórico, tem sua própria percepção individual da
palavra, seu próprio diapasão de possibilidades verbais. De nenhum modo a
instância de significação do artista pode ser sempre expressa em uma fala
direta, a escapar de toda refração, de toda convenção. Quando não se tem
sua própria “palavra definitiva”, qualquer projeto criador, qualquer pensa
mento, sentimento ou experiência deve-se refratar através do meio consti
tuído pela palavra do outro, pelo estilo do outro, pela outra maneira, com o
qual é impossível fundir-se diretamente e sem reservas, sem distância e refra
ção. Se um dado grupo social tem à sua disposição um meio de refração dotado
de autoridade e decantado, dominará o discurso convencionalizado em uma
de suas variedades. Se um tal meio não existe, preponderará então o discur
so multidirecional, de voz dupla: a fala parodística em todas as suas varieda
des ou um tipo especial de fala semiconvencionalizada, semi-irônica (a do
final do classicismo). Nestes períodos, especialmente, quando o discurso
convencionalizado é o preponderante, a fala direta, sem reservas e não re-
fratada, aparece como uma palavra bárbara, rude e selvagem. A fala culta é a
fala refratada através do meio canônico e dotado de autoridade.
Qual o tipo de discurso que domina em um certo período, em uma certa
situação social, quais são as formas de refração da fala e o que serve como
meio de refração — todas essas questões têm a maior importância para a
sociologia da palavra artística.
Tradução
L u iz a L o b o
5 0 9
Notas
5 l 0
cap ítu lo 16 O dominante
R O M A N JA KO BSO N
5 1 1
Os três prim eiros estágios da pesquisa formalista foram sumariamente
caracterizados do seguinte modo: (1) análise dos aspectos fônicos do tra
balho literário; (2) os problemas de significado no interior da tram a da
poética; e (3) integração de som e sentido num todo inseparável. Neste
último estágio, a idéia de dominante revelou-se muito útil; foi uma das
mais centrais e profícuas noções dentre as elaboradas pela teoria formalista
russa. Pode-se definir o dominante como sendo o centro de enfoque de
um trabalho artístico: ele regulamenta, determina e transform a os seus
outros componentes. O dominante garante a integridade da estrutura. E
ele que torna específico o trabalho. O traço típico da linguagem “conti
da” é obviamente seu padrão prosódico, a escrita em verso. Poderia pare
cer que isto é uma simples tautologia: o verso é o verso. No entanto,
devemos nos lembrar constantemente de que o elemento que torna espe
cífica uma determinada variedade de linguagem domina a estrutura toda
e assim sendo atua como seu constituinte obrigatório e inescapável, do
minando todos os elementos e exercendo influência direta sobre cada um
deles. Por sua vez, o verso não é apenas um conceito simples nem uma
unidade indivisível. Ele é em si um sistema de valores; e como em todo
sistema de valores ele detém uma hierarquia própria na qual existem va
lores superiores e inferiores e um valor primeiro entre todos, o dom inan
te, sem o qual (no interior da trama de um dado período literário e uma
determinada vertente artística) o verso nem pode ser concebido nem ava
liado como verso. Na poesia tcheca do século XIV, por exemplo, a carac
terística maior do verso não era o esquema silábico, mas a rima, pois havia
poemas com números diferentes de sílabas por versos (os chamados ver
sos “desmedidos”) que eram, apesar disto, aceitos como versos, ao mes
mo tempo em que os versos não rimados não eram tolerados. Em con
trapartida, na poesia tcheca realista da segunda metade do século XIX, a
5 13
LUI Z COSTA LIMA
5 14
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VOL. 1
5 1 5
LUI Z COSTA LIMA
conexão interna mínima com o objeto designado, pelo que o signo como tal
se reveste de importância mínima; por seu turno, a função expressiva exige
uma relação mais íntima e direta entre signo e objeto e, portanto, requer maior
atenção para com a estrutura interna do signo» Em comparação com a lin
guagem referencial, a linguagem emotiva — que desempenha primariamen
te uma função expressiva — costuma estar mais próxima da linguagem poética
(que visa precisamente ao signo como tal). As linguagens poética e emotiva
freqüentemente se superpõem, razão pela qual são também freqüentemente
tomadas uma pela outra. Se numa mensagem verbal a função dominante é a
estética, tal mensagem pode, com certeza, utilizar muitos instrumentos da
linguagem expressiva; mas todos estarão submissos à função decisiva do tra
balho, isto é: deixam-se transformar pelo dominante.
As pesquisas referentes ao dominante tiveram resultados importantes para
a visão formalista da evolução da literatura. No caso da evolução da forma
poética, não se trata apenas do aparecimento e da extinção de determinados
elementos, mas também de desvios nas relações mútuas entre os diversos
componentes do sistema; em outras palavras, desvios do dominante. Consi
derada uma série de normas poéticas •— ou, mais especificamente, uma série
de normas poéticas válidas para determinado gênero poético —■,vemos que
elementos que inicialmente apareciam como secundários passam a essenciais
e primários. Por outro lado, elementos que apareciam como dominantes
passam a subsidiários e opcionais. Nos primeiros trabalhos de Chklovski,
definia-se o trabalho poético como simples soma de recursos artísticos e o
evoluir do poético aparecia como sendo apenas a substituição de alguns des
ses recursos. Com o ulterior desenvolvimento do formalismo, surgiu a con
cepção precisa do trabalho poético como sistema estruturado, uma série
regular e hierarquicamente ordenada de recursos artísticos. A evolução poé
tica é um desvio nesta hierarquia. A hierarquia dos recursos artísticos se
modifica dentro da trama de um gênero poético determinado; mais: a modi
ficação altera a hierarquia dos gêneros poéticos e simultaneamente a distribui
ção dos recursos artísticos entre gêneros. Gêneros que apareciam inicialmente
como vias secundárias, variantes subsidiárias, aparecem agora na linha de
frente, enquanto gêneros tidos como canônicos passam para a retaguarda.
Vários trabalhos da escola formalista tratam períodos da história da literatu
ra russa sob este ponto de vista. Gukovski analisa a evolução da poesia no
século XVIII; Tinianov e Eikhenbaum, juntamente com alguns discípulos
estudam a evolução da prosa e da poesia russas na primeira metade do sécu
5 16
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOL. 1
5 17
LUIZ COSTA LIMA
cidos como um passo inicial na direção de uma nova forma poética. O filólogo
tcheco J. Král rejeitou os versos de Erben e Celakovski, considerando-os
errados e ultrapassados — segundo o ponto de vista da escola realista —
enquanto a modernidade exalta esses mesmos versos precisamente por cau
sa daquelas características em nome das quais haviam sido condenados pelo
cânone realista. O trabalho do grande compositor russo Mussorgski não
correspondia às exigências da instrumentalidade musical vigente no final do
século XIX e Rimski-Korsakov, mestre contemporâneo da técnica de com
posição, remodelou-os segundo o gosto que à época prevalecia; a nova gera
ção, no entanto, recuperou os valores rebeldes decorrentes da ausência de
sofisticação de Mussorgski suprimindo os retoques de Rimski-Korsakov de
composições como o “Boris Godunov”, por exemplo.
O desvio e a transformação das relações entre componentes artísticos
individuais passaram a ocupar um lugar central nas investigações formalistas.
N o campo da linguagem poética essas investigações dem onstraram uma
importância que se estendeu à pesquisa lingüística em geral por haver in
troduzido maneiras de superar e resolver os hiatos entre o método histórico
diacrônico e a sincronia do corte transversal no tempo. A pesquisa formalis
ta demonstrou claramente que o desvio e as modificações não são meramen
te dados históricos (primeiro havia A, depois A l apareceu em seu lugar), mas
sim que o desvio é também um fenômeno sincrônico de experiência direta,
um valor artístico altamente relevante. O leitor de um poema ou quem
contempla um quadro tem vividamente em seu espírito a presença de duas
ordens: o cânone tradicional e a novidade artística que é um desvio em re
lação a ele. E contra a base de tal tradição que se concebe a renovação. Os
estudos formalistas trouxeram à luz o fato de que este simultâneo manter a
tradição e fugir dela compõem a essência de todo novo trabalho artístico.
Tradução
J o r g e W anderley
5 1 8
índice de nomes
Abrams, M. H., 194, 262, 273, 290 Auerbach, E., 379-380, 385
Abusch, A., 190 Auerbach, S., 196
Adorno, Th. W, 171, 182
Agostinho, sto., 65, 213 Baader, R X. v, 158, 192
Akhmatova, A., 446 Bach, E., 314
Alighieri, v. Dante Bachelard, G., 279
Alonso, D., 317,337-338,340,379-388, Bacon, R, 120, 132
390, 393-396, 397-400, 403-405, Baeumler, A., 194
408,428,451 Baggesen, 194
Ambrogio, L, 269, 290, 443, 445-446, Bakhtin, M. M., 271-273,283,290,487
449, 450-454 Bally, CL, 379,382,418,422,425,454
Amoretti, G. V, 195 Balzac, H. de., 47
Antoine, G., 44, 54 Banville, Th., 44
Apel, K.-O., 95 Barbier, 506
Apollinaire, G., 51, 57-58 Barck, K., 193
Aragon, L., 48, 53, 56 Barilli, R., 445, 457
Ariosto, 386, 400, 499 Barrère, J.-B., 182
Aristóteles, 4 0 ,1 0 5 ,1 6 6 ,2 0 1 ,2 5 5 -2 6 0 , Barthes, R., 8 6 ,2 1 8 ,2 2 6 ,2 7 6 ,2 9 0 ,4 4 3
288, 290, 439-440 Basch, V, 263, 290
Arrivé, M., 457 Bassenge, R, 171, 457
Artaud, A., 52, 240, 243, 245 Batiuchkov, 479, 481
Assézat-Tourneux, 183 Batteux, 116-119, 157-158, 183
Assis, M. de, 93, 287 Baudelaire, CL, 44, 49, 55, 414, 436
Ast, A., 70 Bauer, G., 193-194
Asturias, M. A., 57 Baumgártner, K., 166, 4 45, 4 4 7 -4 4 8 ,
Aubin, 187 450, 452, 456-457
Auer, A., 196 Báumler, A., 111, 181-182
5 19
LUIZ COSTA LIMA
520
TEORIA DA LITERATURA EM SUAS FONTES — VO L, 1
52 1
LUI Z COSTA LIMA
5 2 2
TEORIA DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — VOl. 1
5 2 3
LUI Z COSTA LIMA
52 4
TEORI A DA L I T E R A T U R A EM SUAS FONTES — V OL . 1
5 2 5
LUI Z COSTA LIMA
5 2 6
TEORSA DA LITERATURA EP SUAS FONTES — VOL. 1
52 9
LUI Z COSTA LIMA
530