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Francisco José Dutra Souto
Coordenador da Editora Universitária
Marinaldo Divino Ribeiro
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Bismarck Duarte Diniz
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Jorge do Santos
José Serafim Bertoloto
Karlin Saori Ishii
Marluce Aparecida Souza e Silva
Marly Augusta Lopes de Magalhães
Moacir Martins Figueiredo Junior
Taciana Mirna Sambrano
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Cuiabá, MT
2011
© FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes (Orgs.). Olhares sobre a Escravidão
Contemporânea: novas contribuições críticas. Cuiabá: EDUFMT, 2011.
ISBN: 978-85-327-0395-8
O45 Olhares sobre a escravidão contemporânea : novas contribuições
críticas / Ricardo Rezende Figueira, Adonia Antunes Prado (Orgs.).
– Cuiabá : EdUFMT, 2011.
442 p. : il. (algumas color.)
ISBN – 978-85-327-0395-8
Inclui bibliografia.
CDU – 326.3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Coordenação da EdUFMT:
Marinaldo Divino Ribeiro
Supervisão Técnica:
Janaina Januário da Silva
Revisão e Normalização Textual:
Giselle Marques Ramos de Oliveira
Vânia Siqueira de Lacerda
Capa, Editoração e Projeto Gráfico:
Candida Bitencourt Haesbaert
Foto da capa:
João Roberto Ripper
Impressão:
Gráfica Print
Filiada à
I . ABERTURA
Representações de trabalhadores, gatos, e empregadores sobre o trabalho escravo.... 23
José Damião de Lima Trindade
2 – A cabeça do libertador.....................................................................155
Jaqueline Gomes de Jesus
Os autores.........................................................................................441
Agradecimentos
Agradecemos à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro o apoio, na modalidade APQ2; à Fundação Ford e
à Universidade Federal do Mato Grosso pela publicação deste livro; à dire-
ção do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely
Souza de Almeida, à Escola de Serviço Social, à Faculdade de Educação e ao
Centro de Filosofia e Direitos Humanos, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, pelo poio à realização da I e II Reunião Científica Trabalho Escravo
Contemporâneo e Questões Correlatas.
Em especial, agradecemos à professora Gelba Cavalcante de Cerqueira,
por sua dedicação incansável ao Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Con-
temporâneo (GPTEC), e à doutora Denise Dourado Dora, pela disponibilidade
e solidariedade ao projeto do GPTEC.
Apresentação
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discutida neste livro. O trabalho tem como base uma pesquisa encomendada
pela Organização Internacional do Trabalho. Na pesquisa foram entrevista-
dos trabalhadores e empreiteiros no decorrer de operações do Grupo Espe-
cial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (GEFM) e,
posteriormente, em seus escritórios ou residências, alguns proprietários de
estabelecimentos presentes no “cadastro de empresas e pessoas autuadas
por exploração do trabalho escravo” publicado em página do Ministério
do Trabalho e Emprego. As informações recolhidas na pesquisa de campo
foram sistematizadas no relatório Perfil dos principais atores envolvidos no
Trabalho Escravo Rural, de 2007.
No Estudo de depoimentos de trabalhadores rurais escravizados por dívida
– 2007. Pará, Brasil, Adonia Antunes Prado, também cientista social, analisa
e comenta depoimentos prestados por trabalhadores evadidos do trabalho
cativo em fazendas do estado do Pará a agentes da Comissão Pastoral da Ter-
ra (CPT) em diversos municípios, e a agentes do Centro de Defesa da Vida e
Direitos Humanos de Açailândia, no Maranhão, dentre outros sujeitos sociais.
No processo de análise das fontes primárias são discutidos aspectos relativos
à presença de crianças no trabalho forçado, tempo de permanência dos traba-
lhadores nas fazendas, violência, atividade exercida pelo trabalhador, redes de
aliciamento, saúde e doença, endividamento, sentimento de humilhação etc.
Ricardo Rezende Figueira, Adriana da Silva Freitas, Andrea Kazuko
Murakami e Vera Lúcia Cavalieri, respectivamente, antropólogo, assistentes
sociais e jornalista, elaboram uma reflexão sobre as múltiplas relações –
parentesco, amizade, dominação, coerção - estabelecidas entre os atores
presentes na escravidão contemporânea no Pará a partir de 113 relatórios
de fiscalização do GEFM. Entre os imóveis fiscalizados, selecionaram um e
elaboraram um estudo de caso que auxilia a compreensão sobre o conjunto e,
assim, produzem o capítulo A escravidão contemporânea: relações existentes
e estudo de caso.
O texto de Alessandra Gomes Mendes, socióloga, intitulado Trabalho
Escravo Contemporâneo no Brasil: a denúncia como um dos caminhos na
resistência dos trabalhadores à dominação discute situações ocorridas nas
regiões Sul e Sudoeste no período de 1980-2000 e apresenta questões
a respeito da importância da denúncia como estratégia de combate ao
trabalho escravo e de busca da garantia de direitos humanos. Ao mesmo
tempo, a autora traz à discussão as ações que o estado e a sociedade civil
têm realizado no sentido da “construção e afirmação da resistência dos
trabalhadores escravizados”.
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Referências
CASTRO, Ferreira de. A Selva. 10. ed. Lisboa: Guimarães & Cia., 1945.
CUNHA, Euclides. À margem da história. São Paulo: Martins Claret, 2006.
DAVATZ, Thomaz. Memórias de um colono no Brasil: 1850. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1980.
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ABERTURA
Representações de trabalhadores, gatos, e
empregadores sobre o trabalho escravo
José Damião de Lima Trindade
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1 Gênesis, 9: Versículo 25: E disse: maldito seja Canaã, servo dos servos seja aos seus irmãos. Versículo 26:
Bendito seja o Senhor Deus de Sem, e seja-lhe Canaã por servo. Versículo 27: Alargue Deus a Jafé, e habite
nas tendas de Sem, e seja-lhe Canaã por servo.
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tes, nada fizeram para impedir que se restaurassem práticas francamente na-
zistas. Pesou, isto sim, um silêncio hipócrita e conivente face ao sequestro de
suspeitos, à tortura sistemática, humilhação, privação do direito de defesa e
assassinato de seres humanos de pele mais escura e idioma não-europeu.
Dando, talvez, por quase completado o “serviço sujo”, as potências im-
periais já cogitam da possível “desativação” desses centros. Mas o que conta
é isto: mantiveram/mantêm/manterão tais locais de barbarização de seres
humanos durante o tempo que considerarem “necessário”. O recado que nos
enviam é este: os direitos à vida, à integridade física e psicológica, o direito
a receber uma acusação formal num processo legal que assegure o direito
de defesa e o direito de ser assistido a todo tempo por um advogado, a ga-
rantia de não ser preso sem os procedimentos legais, e de não permanecer
preso além da pena, não são direitos universais, não importando quantos
tratados internacionais de direitos humanos tenham sido escritos, assinados
e festejados com brindes de champanhe em taças de cristal.
Eis, portanto, o cenário em que nos movemos neste momento: à crise
dos direitos econômicos, sociais e culturais aberta ao final do século XX,
sobrepôs-se, neste início do século XXI, uma crise dos direitos individuais. O
único direito individual que segue gozando de todas as garantias é o direito
de propriedade. Falamos, é claro, de realidade, não de declarações solenes,
nem compêndios de leis.
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I TRABALHO, IDENTIDADE E RESISTÊNCIA
1
1 O estudo foi realizado por pesquisadores e colaboradores do GEPTEC – Grupo de Pesquisa Trabalho Es-
cravo Contemporâneo - que faz parte do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. O objetivo da pesquisa foi traçar um perfil dos principais atores
envolvidos no processo de trabalho escravo rural no Brasil, em áreas de maior incidência com a finalidade
de subsidiar a formulação e reorientação de políticas públicas de combate ao trabalho escravo. A pesquisa
baseou-se em metodologia qualitativa e foi conduzida mediante a aplicação de entrevistas em profundidade
que permitissem captar as práticas, concepções, valores e expectativas dos diferentes atores, tendo como
foco principal o trabalho. Foram realizadas 121 entrevistas com trabalhadores, 7 com empreiteiros e 12 com
empregadores envolvidos em situação de Trabalho Escravo. As entrevistas com trabalhadores e gatos foram
realizadas em 7 viagens que acompanharam as operações dos grupos móveis de fiscalização do Ministério
o Trabalho e Emprego no segundo semestre de 2006 e primeiro semestre de 2007 nos estados do Pará,
Mato Grosso, Bahia e Goiás. As entrevistas com os empregadores, que foram flagrados pela fiscalização
com trabalho escravo em suas propriedades, foram realizadas no período de abril a agosto de 2008.
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Imagem social
Imagem social dos trabalhadores – trabalhador sem valor
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2 Esta representação coincide com o analisado por Neide Esterci quando se refere ao trabalho escravo como
uma categoria utilizada para designar a exacerbação da exploração e da desigualdade: “Determinadas
relações de exploração são de tal modo ultrajantes que escravidão passou a denunciar a desigualdade no
limite da desumanização” (ESTERCI, 1994, p. 44).
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Não poder sair, ter vigia armado, não sair porque está devendo
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ninguém. Montar uma oficina, ter meu próprio negócio e não ser mais
humilhado.Ter uma vida melhor e trabalhar só para mim.
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3 Foram entrevistados na pesquisa 12 empregadores que tiveram nas suas propriedades situações de trabalho
escravo, conforme fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego. Sobre a pesquisa ver nota 1.
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ponta. No entanto, parte deles pratica a pecuária extensiva com baixo grau
tecnológico. Todos contratam mão de obra permanente e temporária nas
suas fazendas. Vários recorriam aos gatos e “empreiteiros” para a contrata-
ção de mão de obra temporária, mas alegam que, por conta da fiscalização,
deixaram de utilizar estes serviços.
Representações sobre o trabalhador rural
As representações dos empregadores sobre os trabalhadores rurais se
orientam a partir de quatro principais supostos: a solidariedade entre empre-
gadores e empregados; a igualdade da racionalidade empresarial; a desquali-
ficação humilhante e, finalmente, a valorização do trabalho e da educação.
O suposto da solidariedade entre patrões e empregados
O discurso da solidariedade entre patrões e empregados é recorrente
e procura excluir a ideia de conflito. São argumentos que expressam uma
determinada visão de mundo que muito se aproxima da noção de autoridade
tradicional fundada na crença da tradição de regras de há muito estabelecidas
na qual a benevolência, a arbitrariedade e a fidelidade pessoal encontram-se
na base da obediência ao patrão e do arbítrio do empregador:
A legislação trabalhista acabou com a amizade entre patrão e em-
pregado
Jogaram uma classe contra a outra
Eles gostam de mim, como seu gosto dele, mas não sou manso para
eles.
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Referência
ESTERCI, Neide. Escravos da Desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da
força de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI, Koinonia, 1994.
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2
Introdução
Esta comunicação faz parte de um estudo mais amplo atualmente em
andamento no Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC)
do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Brasil e tem como objeto
privilegiado os conteúdos de declarações de trabalhadores submetidos, em
áreas rurais, à exploração servil de sua força de trabalho. Estes depoentes
prestaram as declarações a agentes de organizações da sociedade civil, como
a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Centro de Defesa da Vida de Açailância
(MA), do Estado, como é o caso dos auditores fiscais do Ministério do Tra-
balho e Emprego (MTE) e dos procuradores ligados ao Ministério Público
e, em um caso, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais da região.
O projeto, ora em desenvolvimento, objetiva o estudo de um corpus
documental relativo a quatro décadas, a saber, dos anos setenta até à pre-
sente data e por meio do levantamento, cruzamento e análise dos principais
elementos (variáveis) expressos pelos trabalhadores. Com isso, pretende-se
produzir novos conhecimentos a respeito do trabalho escravo no Brasil rural
de nossos dias, em especial, na região amazônica.
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1 Os primeiros estudos do tema foram feitos por e Almeida, 1988; Esterci,1994; Martins, 1994 e Figueira
2004.
2 No que se refere à presença do tema em estudos acadêmicos, ver Figueira e Prado, 2008.
3 Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID>. Acesso em: 30 jan. 2009.
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4 “Gato: empreiteiro contratado para desflorestamento, feitura e conservação de pastos e cercas ou outros
serviços para fazendeiros e empresas agropecuárias na Amazônia. Muitas vezes anda armado, trabalha
com parentes e com uma rede de ´fiscais`, e são acusados de diversos crimes, inclusive homicídios. Em
geral, os mais violentos gozam de prestígio, são considerados eficientes e podem prestar serviço por
anos consecutivos para as maiores empresas.” (FIGUEIRA, 2004, p. 17, 122 et seq.).
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Bales, que estudou o trabalho escravo contemporâneo, afirma que [...] não há
trabalhadores pagos que possam competir economicamente com o trabalhador
não pago – escravo (2001, p. 20). Sobretudo, há que se chamar atenção para
o fato de que, esta forma de extração e acumulação faz parte de uma cadeia
que sustenta o modo de produção dominante no mundo atual e não deve
ser interpretada como um “acidente de percurso”.
É necessário estudar este aspecto da divisão do trabalho na sociedade
contemporânea como expressão de uma realidade em que o trabalho não
está desaparecendo, como supõem alguns. O que está desaparecendo é o
trabalho protegido, são as conquistas laborais nascidas das lutas sociais do
século XX e o trabalho escravo é uma das mais radicais formas de expropria-
ção dos direitos trabalhistas e humanos dos trabalhadores. 5
Kevin Bales (2001, p. 19) afirma que no atual momento da história
mundial há mais pessoas escravizadas que “[...] todas as pessoas c aptura-
das na África na época do comércio transatlântico de escravos.”. Este autor
calcula que em todo o mundo atualmente existam em torno de 27 milhões
de pessoas. O italiano Walter Zanin (2007), que pesquisa a escravidão
contemporânea entre trabalhadores marítimos, cita estudo patrocinado
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), datado de 2005, onde se
estima em 12.300.000 o número mínimo de trabalhadores cativos em todo o
mundo. Bales (2001, p. 20) pondera que pode parecer pouco, se comparado
à população economicamente ativa mundial - cerca de 0,4 % desta -, mas
que se trata de pouco mais de um quinto da população da Itália e, mais que
isto, deve-se considerar que estas pessoas vivem a situação de escravidão
“sobre sua própria pele”, ou seja, que não deve ser nada fácil encontrar-se
nesta condição.
Em quase todos os países do mundo existe exploração de mão de obra
escrava, segundo Bales (2001) e, a exemplo do que acontece no Brasil, a
atividade econômica que congrega o maior contingente de trabalhadores
escravizados é a agricultura.
Dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE, processados pela
Comissão Pastoral da Terra, CPT (2008), indicam que de janeiro a outubro de
2008, 2.114 trabalhadores da agricultura canavieira haviam sido libertados
nas operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. No mesmo período,
o número de libertados na pecuária foi de 832. No ano anterior, a cultura da
cana participou com 3.060 libertados e a pecuária com 1.430. Entre os anos
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Caracterizando a situação
Este texto é produto da análise de 90 depoimentos de trabalhadores
fugidos ou resgatados do trabalho escravo no estado do Pará, tendo estes
sido colhidos, em sua grande maioria, por agentes da Comissão Pastoral
da Terra nas cidades de Marabá, Tucuruí, Xinguara, Alto Xingu, no Pará e
de Araguaina, no Tocantins. No Maranhão, os depoimentos foram dados a
agentes do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia
e, ainda no Pará, a funcionários do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Rondon do Pará. Todos, no ano de 2007, no estado do Pará.
Em geral, os depoimentos são individuais, têm apenas um depoente.
Porém, alguns são prestados por dois, três e até quatro pessoas, sendo raras
as mulheres entre os reclamantes.
Ainda, em relação ao conjunto das informações recolhidas, é impactante
observar que o número médio de pessoas envolvidas em cada declaração é de
17,5 sujeitos submetidos à condição de escravidão, ou seja, cada declaração
prestada e posteriormente encaminhada às autoridades envolve, em média,
mais de 17 trabalhadores (que permaneceram na unidade de produção, por
ocasião da reclamação). Dados retirados de documento de trabalho da CPT
mostram, entre 1996 e 2008, o envolvimento de 55.830 trabalhadores nas
denúncias feitas naquele período.
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Trabalho temporário
Anteriormente, foi feita menção à situação de proprietários rurais
modernos, detentores de fazendas altamente mecanizadas, possuidoras
de tecnologia de ponta, etc. quando se trata de caracterizar o empresário
que, majoritariamente emprega mão de obra escrava no Brasil rural. No
tocante à situação de vida e de trabalho daqueles que são vitimados, nem
todos os que exercem funções na propriedade em que se encontra a mão de
obra cativa são tratados da mesma forma. Quando o porta voz da empresa
mostra ao visitante alojamentos limpos e bem equipados, alimentação e
água de boa qualidade e respeito às obrigações trabalhistas, ele não está
faltando com a verdade. O que acontece é que tais condições são facultadas
aos trabalhadores permanentes, aos trabalhadores de escritório, aos técni-
cos e a outros trabalhadores que parecem “merecer” uma condição laboral
diferenciada daquela que é destinada ao trabalhador braçal e temporário.
Em outras palavras: equipamentos modernos, uso de tecnologia de última
geração, dentre outros, não significam relações de trabalho também moder-
nas naquelas propriedades.
Assim é que as informações colhidas nos depoimentos estudados neste
trabalho mostram que 44% dos trabalhadores que compõem este grupo
permaneceram de 45 dias a 5 meses na propriedade, sendo 30% deles entre
2 e 4 meses, 44% entre 45 dias e 5 meses e 20% de 6 a 12 meses. Como
se vê, é alta a frequência de mão de obra rotativa entre os trabalhadores.
Neste grupo, entretanto, há exceções, como um trabalhador que está há
seis anos na fazenda e outro há dezessete em situação de escravidão. Outra
observação a fazer é que, em relação ao tempo durante o qual o trabalhador
permanece escravizado: alguns deles, apesar da temporalidade de suas
atividades nas fazendas, permanecem longos anos longe de suas famílias
(SUTTON, 1994). Tal se dá, sobretudo, em razão do endividamento a que se
fez referência anteriormente, que leva o trabalhador a permanecer ligado
a um empreiteiro ou mesmo a um proprietário, trabalhando em troca de
“casa e comida”, às vezes passando de uma fazenda a outra, ou de um gato
a outro, por não conseguir receber o suficiente para saldar suas dívidas, na
maioria das vezes fictícias, improváveis e impagáveis.
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Atividades
A maioria dos trabalhadores vitimados pelo trabalho escravo presta
serviços temporários. A eles está reservado, não somente o trabalho sem
proteção legal, o trabalho superexplorado, mas também, as tarefas mais
árduas, que demandam maior esforço físico e que prescidem de níveis de
instrução mais elevados. A grande maioria desses trabalhadores é analfabeta
ou semialfabetizada7 restando-lhes, assim, o trabalho sem qualificação, o
trabalho temporário, o trabalho informal. Como Bales (2001) observou na
pesquisa que realizou em vários países do mundo, eles “[...] são usados no
trabalho simples, não tecnológico, tradicional”(p. 19).
Nos 90 depoimentos foram citadas 126 ocupações. Isto porque muito
trabalhadores exercem diferentes atividades nas unidades de produção. Do
rol de ocupações citadas, a grande maioria declarou trabalhar na atividade
de roço8 na fazenda onde foi submetido ao trabalho cativo (46%). Eles as-
sim denominavam o trabalho que faziam: roço, roço de mata virgem, roço
de juquira, roço de capoeirão, derrubada e roço de pasto. Os que cuidam de
cercas e de aceiros9 são em 10% e em seguida aparecem aqueles um pouco
mais capacitados, os operadores de motos serra, que derrubam árvores
operando uma máquina (9%). Em menor porcentagem, encontram-se, ainda,
as seguintes ocupações: aplicação de agrotóxico, carvoeiro ou carbonizador,
vaqueiro, carpinteiro, destocador, tratorista, plantador de milho, de capim
e extrator de palmito, dentre outras.
Endividamento
O mecanismo da dívida é especialmente perverso, pois justifica a imobi-
lização do trabalhador, na unidade de produção, o que faz com que a dívida
aumente e que mais e mais se justifique a sua falta de liberdade.
Vejamos o que faz com que o trabalhador seja cativo da dívida: a aquisi-
ção de bens e produtos no armazém que geralmente pertence ao proprietário
da fazenda, ao gerente ou ao gato. Os locais de trabalho geralmente ficam
distantes do povoamento, do comércio local e os trabalhadores não têm al-
ternativa senão comprar alimentos, cigarros, remédios e até equipamentos
de trabalho que os patrões são obrigados a fornecer, no chamado barracão
7 Pesquisa encomendada pela Organização Internacional do Trabalho, ainda não publicada, apresenta a
situação educacional de trabalhadores regatados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do MTE,
dentre outros aspectos. Ver, nesta obra, o artigo de Vieira e Bruno.
8 Pôr abaixo (vegetação), cortar, derrubar. Ferreira, (1999).
9 Vala construída entre a estrada e a cerca da propriedade, a fim de evitar o fogo, em caso de incêndio ou
queimada.
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Ameaças
As agressões e ameaças que os trabalhadores sofrem nas fazendas
contribuem para caracterizar o crime de trabalho escravo nos casos estu-
dados, ao mesmo tempo em que representam desrespeito flagrante contra
a condição humana dos trabalhadores e contra seus direitos fundamentais.
No conjunto de depoimentos estudados, encontramos entre as referências
a ameaças e agressões 59% de casos de conhecimento de existência de
armas, presença de gato armado e presença ostensiva de armas, 15% de
referências a ameaças de morte em caso de denúncia às autoridades e 10%
de referências a agressões verbais, violação moral e humilhação, sendo estes
itens considerados isoladamente. Essa observação supõe que nos casos an-
teriores estejam implícitas tais agressões. Foram mencionados, ainda, dois
casos de agressão com arma de fogo por cobrança de salário, sendo que em
um deles, o trabalhador teria sido assassinado. Há, ainda, casos de agressão
física a menor de idade, ameaça de morte ao trabalhador que adoece, maus
tratos e amedrontamento. Os trabalhadores contam que conheceram um
trabalhador que desapareceu depois de ter dado queixa da fazenda e de
um fazendeiro que contava casos em que teria assassinado pessoas, com a
finalidade de impor medo aos trabalhadores. 11
10 Encontram-se referência a esta “prisão da alma” em Figueira (2004) e na pesquisa realizada a pedido
da OIT, anteriormente referida.
11 A partir da observação de um conjunto de ações agressivas, violências, agravos e atos desrespeitosos,
a CPT classifica as denúncias em três tipos: Tipo 1: Trabalho escravo caracterizado; Tipo 2: Trabalho
escravo provável e Tipo 3: Super exploração grave. São considerados indicadores de prática de violência
contra a pessoa: ameaça de morte, acidente de trabalho, agressão, danos, humilhação e assassinato,
dentre outros aspectos. Ver CANUTO et al. (2008), p. 113-119.
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Reclamações
Uma forma elucidativa de estudar o trabalho escravo como questão so-
cial em nossos dias tem sido a de procurar entender como os envolvidos nas
situações – os trabalhadores, seus familiares, seus empregadores, gatos etc. –
representam estas mesmas situações. Como os diferentes atores se referem à
questão da saúde do trabalhador temporário, por exemplo, ou à questão dos
seus direitos legais, à alimentação, à situação dos alojamentos etc.12
No levantamento das reclamações dos trabalhadores representados nas
90 declarações estudadas observa-se que perpassa uma mescla de lesão ou
ferida corporal com lesão moral ou ferida moral, a presença da violência
material e da violência simbólica que forma ou deforma consciências e que,
muitas vezes leva a mais violência. A privação material não se esgota em
si mesma, nesses casos. Ela vai além, ela atinge a autoestima do ofendido,
“humilhado”, como é corrente no vocabulário desses trabalhadores. 13A re-
tenção do salário tem dimensões que ultrapassam o comprometimento do
poder de compra do trabalhador. A ausência de porta no recinto destinado
às necessidades fisiológicas significa muito mais que a falta de um pedaço de
madeira. Tudo isto tem uma dimensão moral que é preciso levar em conta.
Compõe o rosto de uma economia moral cujo alcance pode, acredita-se, ser
medido pelos riscos que os trabalhadores correm quando fogem, ou mentem
para sair da fazenda e denunciar o patrão, ou quando encobrem a saída de
algum companheiro.14
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
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Acidentes de trabalho
Dentre os 90 depoimentos aqui comentados, 22 deles mencionam
casos de acidente de trabalho. Além desses, um trabalhador afirmou ter
perdido um dedo e não ter recebido socorro; há referência a dois casos de
envenenamento por agrotóxico, sendo que um teria redundado na morte
do trabalhador e um caso de mordida de cobra.
Migrações
Um elemento importante para se entender a realidade do trabalho cativo
no Brasil contemporâneo - quiçá no mundo também – é a presença de pessoas
que migram de regiões empobrecidas em busca de melhores condições de
vida. Em alguns dos municípios mais pobres do Brasil, a população mas-
culina em idade produtiva praticamente se ausenta durante a maior parte
do ano. São esses chamados bolsões de pobreza os maiores “fornecedores”
da mão de obra carente de capacitação para atividades mais sofisticadas,
desprovida de educação formal e moradora em locais onde não existe oferta
de trabalho – nem mesmo o menos qualificado. No grupo de depoimentos
estudados esta tendência se vê confirmada.
A observação das informações constantes dos documentos analisados
nesta pesquisa mostra que naquele grupo, 42% migraram do estado do Ma-
ranhão. Este dado confirma informações da OIT, que apontam naquele estado
o maior contingente de pessoas escravizadas no Pará ao longo dos últimos
anos. O segundo estado brasileiro a “fornecer” mão de obra para a escravidão
66
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Considerações finais
A análise do conjunto de depoimentos 2007 parece trazer à luz uma parte
da questão do desrespeito aos direitos humanos e aos direitos trabalhistas de
um contingente da população brasileira. Este, por falta de educação formal,
de profissionalização e em razão da presença hegemônica de uma economia
que cada vez mais prescinde do trabalho humano (hipertrofia do exército
de reserva de mão-de-obra), se vê na contingência de trocar sua força de
trabalho por um prato de comida e é impelida a migrar em busca do sonho
de ter um emprego e receber algum dinheiro, mesmo que isto implique na
perda da liberdade e na sujeição a humilhações. Observe-se que apenas
recentemente este tema vem ganhando espaço e legitimidade, mesmo que
há décadas o problema é denunciado e estudado. Isto significa, parece-nos,
67
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
que muito ainda há que ser pesquisado e trazido à tona nos mais diversos
campos da produção intelectual brasileira.
O endividamento, a temporalidade do trabalho, as diversas formas de
violência, as ocupações a que se dedicam os trabalhadores, a presença re-
corrente de determinados tipo de queixas, etc. levam a crer que, no campo
das ciências sociais, da ciência do direito, da ciência econômica, da educação,
das ciências da saúde, dentre outras, muito se pode estudar e contribuir para
extinguir o crime do trabalho escravo.
O estudo das ameaças impostas aos trabalhadores - quem ameaça, como
ameaça, as formas como estes recebem as ameaças e de que maneira reagem
às mesmas, as diversas manifestações de resistência - mais ou menos veladas
-, por exemplo, são elementos que, se bem entendidos, podem contribuir para
a criação de políticas públicas visando à resolução do problema. O mesmo
se pode afirmar em relação à questão da temporalidade e da rotatividade
do trabalho humano braçal em propriedades altamente mecanizadas e às
formas alternativas de resolução da questão, respeitando-se os direitos
dos trabalhadores. O mesmo raciocínio serve para o rol das reclamações
apresentas pelos trabalhadores etc.
Ao mesmo tempo, se observa que o mapa do trabalho escravo reproduz
a geografia do cultivo dos produtos primários mais cotados no mercado de
exportação brasileiro. As levas de trabalhadores rurais sem terra que migram
Brasil afora seguem a rota da monocultura de exportação, das commodities
que, das bolsas de valores dos grandes centros de negócios, jogam com a
vida de trabalhadores pobres brasileiros e também de outros países.
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68
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
69
3
A escravidão contemporânea:
relações existentes e estudo de caso
Ricardo Rezende Figueira
Adriana da Silva Freitas
Andrea Kazuko Murakami
Vera Lúcia Cavalieri
Introdução
Este artigo apresenta resultados parciais do estudo realizado em re-
latórios de fiscalização do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Minis-
tério do Trabalho e Emprego (GM/MTE), cujas cópias foram cedidas pela
Procuradoria Geral da República ao Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo
Contemporâneo (GPTEC). Inicialmente a equipe se propõs a refletir a res-
peito das relações de parentesco e amizade, do perfil dos diversos atores
envolvidos com situações de escravidão contemporânea1 e da conexão entre
tais relações e a resistência e a denúncia. Por diversas razões, a proposta
inicial encontrou limitações, como se verá ao longo do texto, e outros as-
pectos foram acentuados.
O recorte estabelecido na pesquisa abrangeu os relatórios das fisca-
lizações efetuadas no estado do Pará que constam no “Cadastro de Em-
pregadores” do MTE, previsto na Portaria n°. 540/2004, conhecido como
1 Crime previsto pelo no Art. 149 do Código Penal Brasileiro (CPB) de 1940 que trata das condições
análogas à de escravo; com nova redação. Ver nota 8.
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Lista Suja (LS).2 Ter o nome no cadastro significa que o governo brasileiro
considerou que naquele local houve trabalhadores mantidos em condições
análogas à de escravo.
A publicação do Cadastro se deu antes da Portaria, em novembro de
2003. O estudo abrangeu seis listas compreendidas entre esta data e de-
zembro de 2007: a 1ª lista e da 11ª (agosto de 2006) até a 15ª (dezembro
de 2007). O universo referido de pesquisa das LS abrange 113 relatórios de
fiscalizações realizadas entre 1996 e 2005.
O artigo parte de um dos casos da LS, o da fazenda São Roberto, verifican-
do as conexões do proprietário com outras unidades de produção e, a seguir,
faz diversas considerações sobre o estudo realizado nas respectivas LS.
O tema em questão
A escravidão por dívida começou a ser estudada mais intensamente a
partir dos anos 1970, especialmente em função das consequências do modelo
de desenvolvimento implementado na Amazônia pelo governo militar com
as chamadas frentes de “expansão” ou frentes de “pioneirismo” e o recru-
descimento daquilo que era identificado como o sistema de peonagem.3
Há diversos estudos publicados sobre a escravidão antiga e contemporâ-
nea ; além de livros como depoimento, ensaio, romance, biografia.5 Neste
4
estudo não revisaremos tais autores, o que foi realizado em outra ocasião
(FIGUEIRA e PRADO, 2008, p. 91-100).
Em documento do poder executivo é relevante a introdução da categoria
em 1986 no próprio título de um de seus relatórios: Trabalho Escravo, que
foi divulgado pela Coordenadoria dos Conflitos Agrários do MIRAD-INCRA
(ALMEIDA, 1988, p. 67). Alguns anos depois, em 1992, o Governo Federal
voltou a admitir oficialmente a existência do problema, através de uma
resposta do embaixador Celso Amorim, na Organização das Nações Unidas,
em Genebra, a uma denúncia da CPT.
Também em 1992, o Fórum Nacional de Combate à Violência no Campo,
promovido pela Câmara dos Deputados em Brasília, discutiu a escravidão,
2 A publicação, semestral, abrange o país, e, por ordem judicial, o nome da unidade de produção pode ser
retirado definitiva ou temporariamente da LS.
3 Veja (Martins, 1981, p. 112-113). O debate acadêmico para tentar melhor explicar esse processo e os
que o antecederam de entradas de gentes e ciclos econômicos sobre a região ainda são apresentados
como “devassamentos” ou “ondas”. Sobre isso, cf. Horácio A. de Sant´Ana Júnior (2004, p. 62-64).
4 Entre outros autores: Abbagnano, 2000, p. 347; Gorender, 1978, p. 60-61; Vilela, 1997, p. 100-101;
Martins, 1994, p. 13-14; 1999, p. 160-162; Bales, 2000, p. 19-22; Esterci, 1994; Esterci e Figueira,
2001; 2004; Castilho, 1999, p. 90.
5 Davatz, 1980; Cunha, 1922; Castro, 1945; Audrin, 1946; Élis, 1987; 1956.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
6 O Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF), criado para o “combate ao trabalho
escravo”, como acentuam a Secretária de Fiscalização do MTE e a Coordenadora do próprio GERTRAF
(Vilela e Cunha, 1999, 37).
7 Em vista a nova redação do art. 149, a categoria tem sido compreendida por Procuradores e Juízes do
Trabalho com um sentido amplo: basta haver condições degradantes de trabalho para ser tipificado como
crime de “trabalho análogo à de escravo”. A Lei n. 10.803/2003 altera o art. 149 do Decreto-Lei no 2.848
(dezembro de 1940), para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se
configura condição análoga à de escravo.
73
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(Orgs.)
Quem é o fazendeiro
Antonio Lucena de Barros, conhecido como Antônio Lucena ou Mara-
nhense, era proprietário da fazenda São Roberto, em Santana do Araguaia,
ou presidente do Conselho da Administração da empresa.8
Ele aparecia em diversos relatórios de fiscalização, também como
proprietário da Matão9 e da Vale do Rio Fresco10; como “integrante” da
Associação dos Fazendeiros do Vale do Rio Fresco11, que seria também o
nome de uma fazenda; e como administrador da fazenda Santa Ana.12 Todas
as cinco unidades de produção no Pará.
Acrescidas a tais informações, que às vezes parecem confusas, o Ma-
ranhense era personagem em outras histórias, como aquelas das fazendas
Garupa13 em 2002, São Roberto14 nos anos 1998, 2002 e 2004, e Vale do Rio
Fresco, em 2003 e 2006. Influente e rico, o fazendeiro estaria envolvido com
crimes financeiros, teria sido preso em 2003 por utilizar trabalho escravo, e
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
não estava só: seu pai, José Silva Barros, apareceu também como proprietário
de Vale do Rio Fresco, que constava em LS.15
Antônio Lucena também foi acusado de participar de um sistema de
lavagem de dinheiro com o banqueiro Daniel Dantas16 por meio do aluguel
de terras para criação de gado.17 E ainda foi apontado, em depoimento à
Procuradoria da República em 2001, como um dos “laranjas” do ex-deputado
federal, senador e governador Jader Barbalho18 na atividade de extração de
madeira.19
O problema
A relação de trabalho é acompanhada por um conjunto de práticas tipi-
ficadas, conforme a autoridade coatora, como crime – manter pessoas em
trabalho “análogo a de escravo”, cárcere privado, violência física, lesão cor-
poral, assassinato, danos ambientais e fraude contra o sistema financeiro - e
violações às leis trabalhistas – não assinar Carteira de Trabalho e Previdência
Social, não recolher os direitos previdenciários, não pagar salário e férias,
condições inadequadas de habitação, transporte, alimentação e segurança.
No intuito de apurar denúncias oferecidas pelo Sindicato dos Traba-
lhadores Rurais (STR) de Redenção e das CPT de Marabá e Xinguara20, o
Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GM), composto por agentes do MTE,
Polícia Federal e pela Procuradoria do Trabalho do Distrito Federal, realizou
uma fiscalização, entre 5 e 20 de abril de 2002, em oito fazendas, entre elas
a São Roberto e a Associação dos Fazendeiros do Vale do Rio Fresco.21 A
equipe localizou 197 trabalhadores22 na São Roberto em uma empreitada
que consistia em roço de juquira, desmatamento com motosserra e trator e
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(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
30 Constam como procuradores federais na ação: Mário Lúcio Avelar (Tocantins), Raquel Dodge, Ubiratan
Cazetta (Pará), pelo procurador do Ministério do Trabalho, Lóris Pereira Júnior e pela subprocuradora-
geral da República e procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Maria Eliane Menezes de Farias.
31 MPF/PGR 1472/2003-85, p. 25.
32 Idem, p. 211.
33 Ibidem, p. 118.
34 Ibidem, p. 121.
35 Ibidem, p. 139.
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(Orgs.)
Quem denuncia
Para que um crime seja punido é necessária uma investigação. Nos casos
de trabalho escravo, em geral existe a denúncia e pode ou não haver fiscali-
zação. A CPT, por exemplo, lamenta que o expressivo número de denúncias
que apresenta não é alvo de fiscalização. Mas também, há fiscalização que não
é fruto da denúncia. Pode ser resultado de uma ação regular, preventiva ou
acidental. E, às vezes em uma mesma operação, há a denúncia e o acaso.
A denúncia chega ao conhecimento do MTE, através da pessoa preju-
dicada ora por pessoas, ora por instituições que as obtiveram através de
trabalhadores que viveram o problema, presenciaram ou souberam por
terceiros. Em um levantamento nos arquivos do GPTEC, quanto ao período
compreendido entre 1972 a 2009 no Pará, se constata que o MTE acolheu
denúncias de diversas fontes. Os trabalhadores, em vez de irem direto ao
MTE, em muitos casos procuraram antes algum órgão público – IBAMA, Polí-
cia Civil e Federal, Ministério Público Federal, Cartório, Promotoria e Câmara
Municipal, Conselho Tutelar –, a sociedade civil – STR, Diocese e Centro de
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
39 “Fomos desestimulados (a prosseguir nas fiscalizações) pelo Sr. José Eustáquio Caetano Teixeira, res-
ponsável pela Associação, ele e alguns fazendeiros, afirmavam que ao saberem da nossa presença as
fazendas estavam sendo esvasiadas” (sic). De fato tiveram dificuldades em localizar os trabalhadores que
haviam sidos deslocados para outras áreas, pois havia árvores e troncos interditando propositalmente
a estrada, como revelam fotos do relatório (MPF/PGR 1472/2003-85: p. 17ss).
40 Localizada em Brejo Grande do Araguaia e propriedade de José Ribamar Oliveira (MPF/PGR 4655/2003-
52).
41 Da fazenda do Zucatelli, cf. depoimento concedido à CPT de Marabá.
42 MPF/PGR 7957/2003-82, p. 100-111.
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(Orgs.)
Rede de aliciamento
Há pessoas atraídas por promessas que emigram do local onde moram,
em companhia de amigos e parentes, para outras regiões do país ou do
exterior; outros, vão sós, sem relações de parentesco, compadrio, amizade
ou vizinhança anteriores estabelecidas. Nos casos estudados, elas foram
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
46 O aliciamento de trabalhadores de uma região para outra do território nacional é crime previsto pelo
CPB, art. 207, caput e § 2º.
47 Sobre o tema da carvoaria, cf. Elizabeth Dias, 2002, p. 272.
48 MPF/PGR 1472/2003-85, p. 20 e 127.
49 Idem, p. 25.
50 Os trabalhadores, em um grupo composto por 51 pessoas, foram arregimentados em Estreito e Impe-
ratriz, Maranhão, e levados pelo gato Altamira, para a Fazenda Matão. Com base nas declarações destes
trabalhadores, constata-se que a permanência na unidade de produção foi de cerca de três meses. De
acordo com um dos trabalhadores, não houve saldo, pois “a cantina comeu tudo”, e ainda ficou sem
receber por oito alqueires.
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Quem é o trabalhador
Financiados pela OIT, pesquisadores e colaboradores do GPTEC estu-
daram o perfil dos diversos atores envolvidos com o trabalho escravo. No
transcurso de operações do GM, ouviram 121 trabalhadores e 7 empreiteiros.
Posteriormente, 12 empregadores.
Entre os aspectos assinalados pelos pesquisadores, percebe-se que
geralmente vítimas são pessoas provenientes de localidades de acentuada
pobreza, desempregadas, 62% tinham filhos, 18% eram analfabetos e 45%
“analfabetos funcionais, ou seja, tiveram menos do que 4 anos de estudo”.
Quanto à distribuição etária: 3% tinham menos de 18 anos; 45% de 18 a 29
anos; 42% de 30 a 49 anos; 10% de 50 anos ou mais. As mulheres correspon-
diam a 4% do total de libertados. No que se refere à posse de documentos
pessoais, apenas um estava sem “identificação”. Entre os analfabetos, 32%
não tinham título de eleitor e CPF (BRUNO, 2007, p. 24-28). Predominavam
entre os trabalhadores as “atividades de limpeza e roço de pasto (59%), se-
guidos da derrubada (29%), catação de raiz (28%), lavoura de café (20%),
cana (19%) e algodão (19%)” e 10% já haviam sido libertados pelos grupos
móveis anteriormente” (Ibidem 2007, 51-59).
Naquilo que concerne ao aspecto profissional, não foi identificada
alteração entre as gerações. A maioria dos pais (78%) trabalhava em área
rural; sendo 69% destes, lavradores, e 8 %, vaqueiros e garimpeiros (ibidem,
2007, p. 37-39).
[...] o trabalho escravo atual é precedido pelo trabalho infantil. Pra-
ticamente a totalidade dos entrevistados (92%) iniciou sua vida de
trabalho antes dos 16 anos. A idade média em que começaram a tra-
balhar é de 11 anos, sendo que 40% iniciaram antes desta idade. Na
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Evandro Chuquia Mutran, Helena Chuquia Mutran – e não é o único que tem
parentes nesta situação.
C. Limites dos relatórios e mudanças de forma. Até pelo menos 2002, o
número cadastrado de libertos nem sempre coincidiu no próprio relatório
de fiscalização com o número anunciado na relação da LS. Faltou a relação
completa dos trabalhadores, distinguindo os libertos dos não libertos. Nem
sempre o relatório assinala a existência de trabalhador idoso na atividade.
Os primeiros relatórios têm forma irregular, há casos em que falta um
relato introdutório que sintetize a ação, não obedecem a critérios mais ho-
mogêneos, são imprecisos e dificultam a análise, ao contrário dos relatórios
dos anos seguintes. Aos poucos, foram sendo superadas tais limitações e as
equipes já elaboraram relatórios com um padrão informativo mais claro,
mesmo se a ordem das informações varia. Em geral, nos relatórios constam
os seguintes itens: composição das equipes; relatório de fiscalização71; fo-
tografias; comunicação de acidentes de trabalho; autos de infração; termo
de ajustamento de conduta; verificação física e termo de declaração do tra-
balhador; termo de rescisão de contrato; ata de assembléia72 e depoimento
do denunciante.
As categorias sofreram mudanças. Na primeira LS, em vez de uma relação
de trabalhadores libertos, há uma relação de trabalhadores “prejudicados”.
No caso da fazenda Primavera73, o relatório apresenta 248 trabalhadores
“prejudicados”; contudo há uma relação de apenas 166 trabalhadores e
destes, dez eram pessoal da unidade de produção, incluindo um gato.
Apesar da introdução de mudanças no artigo 149, dando um sentido
jurídico mais elástico e menos estrito ao conceito, os relatórios se tornaram
ainda mais cuidadosos e apresentam o sentido estrito de escravidão: dívida,
dificuldade de mobilidade etc.
D. Reincidências. De 171 gatos identificados parcial ou completamente,
quatro estão presentes em fazendas diferentes: 1. Alfredo Antônio Rosa,
em 2002, foi flagrado em duas unidades de produção de proprietários e
municípios distintos. 2. Edmilson Dantas de Santana foi flagrado em três
fazendas, em 2002, em municípios próximos, com proprietários diferentes.
3. Iron Martins Cardoso foi flagrado em duas unidades de produção, em anos,
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Conclusão
A pesquisa aponta para alguns aspectos do perfil dos trabalhadores e
das relações de parentesco entre os agentes sociais envolvidos de alguma
forma nas atividades produtivas denunciadas por organizações reconhecidas
pelo Estado como incursas na escravidão. Indica também que é necessário
efetuar alguns cruzamentos de dados que podem revelar aspectos ainda
não suficientemente conhecidos inclusive e principalmente sobre as for-
mas de resistência em função das relações anteriormente estabelecidas.
O estudo demonstra que, apesar de tantas operações nas quais o crime da
escravidão foi constatado e da indignação demonstrada pelos agentes do
Estado, somente nove pessoas foram presas em flagrante: um pistoleiro e
oito proprietários que também exerciam a função de gato.
Diversas formas de enfrentar o problema foram implementadas ao longo
dos últimos anos. Em 1995, foi criado o GM,74 nos anos seguintes, setores da
Justiça Federal atuaram com penalidades expressivas em ações por danos
morais coletivos nas relações de trabalho ou de crime previsto no art. 149.
Outras medidas foram tomadas, especialmente após 2003, como o I e
II Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo; o MTE instituiu a
Lista Suja; o Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo75 se organizou e
envolveu grandes empresas. Para os trabalhadores foram acionados o seguro
desemprego, a bolsa alimentação, a prioridade em assentamentos de reforma
agrária etc. Tem se destacado a Comissão Nacional Para a Erradicação do
Trabalho Escravo no monitoramento das medidas tomadas e na formulação
de propostas de novas ações, mas o problema está longe de ser superado
(Sakamoto, 2009, p. 19-22). Nenhum proprietário ou empreiteiro foi man-
tido preso, sequer aqueles que foram condenados, e a escravidão persistiu.
Outras medidas, para sanar o problema, terão de ser acionadas de forma
preventiva e curativa, como a geração de novos empregos, a distribuição
de renda, a perda da terra de quem utiliza mão de obra escrava, a reforma
agrária e um novo modelo de desenvolvimento.
74 De sua criação em 1995 até 2008, conforme o MTE, foram realizadas 2.169 fiscalizações, resgatados
32.563 trabalhadores e houve pagamento de indenizações aos trabalhadores de R$ 47.089.081,51. Cf.
Disponível em <http://www.mte.gov.br/fisca_trab/est_quadro_comparativo_1990_2008.pdf.> Acesso
em 14/set. 2009.
75 Cf. Disponível em: <http://www.reporterbrasil.org.br/pacto/conteudo/view/4>. Acesso em 14/set. 2009.
90
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
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92
4
Introdução
A escravização de trabalhadores como fenômeno persistente no Brasil
compõe situações-limite inseridas num quadro mais amplo caracterizado
pela precariedade nas relações de trabalho no conflito capital/trabalho e
pelas condições de superexploração da força de trabalho. Os estudos, os de-
bates e as ações de combate à escravização de trabalhadores são resultados
da ampliação do fenômeno social da escravidão contemporânea, no âmbito
nacional e internacional, visíveis nas denúncias apresentadas ao Ministério
do Trabalho e no Relatório Global da OIT (Organização Internacional do Tra-
balho) do ano de 2005 Uma aliança global contra o trabalho forçado sobre a
escravização de trabalhadores e imigrantes estrangeiros clandestinos, tanto
no espaço rural quanto no urbano.
Neste artigo, partimos da pesquisa que deu origem à dissertação apre-
sentada no mestrado em Extensão Rural da Universidade Federal de Viçosa,
sobre o trabalho escravo contemporâneo no Brasil (Mendes, 2002), onde
buscamos interpretar as estratégias de dominação e de resistência desen-
volvidas pelos diferentes atores sociais envolvidos no processo. Naquele
estudo, foram levantadas questões fundamentais para a compreensão da
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1 O Pró-Álcool ou Programa Nacional do Álcool, criado em 14 de novembro de 1975 pelo decreto 76 593
foi um programa de substituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados de petróleo por
álcool, financiado pelo governo do Brasil a partir de 1975 devido à crise do petróleo. Disponível em:
<http://wapedia.mobi/pt/Pr%C3%B3-%C3%A1lcool>. Acesso em: 21 mai. 2009.
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(Orgs.)
2 O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) foi criado pela Lei Complementar nº. 11, de
25/maio1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL). Em seu artigo
2º, o Programa previa a prestação dos seguintes benefícios: I - aposentadoria por velhice; II - aposenta-
doria por invalidez;III - pensão;IV - auxílio-funeral;V - serviço de saúde;VI - serviço social. (Disponível
em http://www.dji.com.br/leis_complementares/1971-000011-patr/000011-1971-patr.htm. Acesso
em 21 maio 2009.
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3 Coordenado pelo Ministério do Trabalho, é composto por representantes dos Ministérios do Meio Am-
biente, de Política Fundiária, da Justiça, da Agricultura, da Previdência e do Desenvolvimento.
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(CPI da violência..., 1991). A ação das entidades religiosas, como a CPT foi
mais efetiva no Rio de Janeiro e Minas Gerais, enquanto a participação das
representativas como os sindicatos e federações de trabalhadores na agri-
cultura (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG,
Central Única de Trabalhadores, CUT) foi maior no Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. No Paraná, além de representantes dos
trabalhadores, organizações representativas de fazendeiros e empresários
(União Democrática Ruralista - UDR e Federação da Agricultura do Estado
do Paraná – FAEP), se envolveram também na apuração das denúncias. Mas,
é preciso destacar que tanto as entidades quanto os órgãos fiscalizadores ti-
veram atuações diferenciadas, que seguiram orientações distintas conforme
as coordenações, frente às situações de escravização encontradas.
A dificuldade de implementação das políticas de combate ao trabalho
escravo, como na criação do GERTRAF, em 1995, pode ser visualizada, por
exemplo, nos casos em que os próprios funcionários dos órgãos fiscalizado-
res demonstraram desconhecimento da realidade na região onde atuavam.
O representante do Ministério Público do Trabalho, relatando uma operação
para apuração de uma denúncia de trabalho escravo, relatou:
Na manhã do dia seguinte, ou seja, menos de 24 horas da denúncia,
saímos em comboio para o referido município, somente encontrando
a propriedade por volta das 12 horas. Local de difícil acesso, aliado
ao total desconhecimento da região e infelizmente para a surpresa da
equipe, pois, o município em questão (Santa Teresa) é considerado
um dos mais evoluídos do estado (PROCURADORIA REGIONAL DO
TRABALHO, 1999).
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(Orgs.)
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Considerações finais
A escravidão contemporânea deixa-se conhecer a partir da denúncia. As
denúncias de escravidão e do uso repressivo da mão de obra buscam eviden-
ciar situações de profunda degradação humana e, desta maneira, sensibilizar
a sociedade e o Estado com o objetivo de exigir a punição dos responsáveis
e evitar que elas continuem ocorrendo. Desta forma, muitos segmentos
acreditam no poder do termo ‘escravidão’, como fonte de indignação moral,
utilizando-o para pressionar os governos para o reconhecimento de alguns
casos como tal. Segmentos da Igreja Católica como as Pastorais da Terra e
do Imigrante, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, políticos de partidos de
esquerda (PT, Partido Socialista Brasileiro - PSB, Partido Comunista do Brasil
- PC do B), Ministério Público do Trabalho e do Judiciário têm assumido a
posição de denunciantes, uma vez que, na maioria dos casos, os trabalha-
dores escravizados estão impedidos ou temem fazê-lo, ou, por vezes, não
se reconhecem como tal. Neste sentido, à medida que novos atores sociais
tematizam a questão e a organização sindical rural e as mobilizações no
campo e na cidade aumentam, criam-se mais possibilidades para a efetuação
das denúncias e combate ao trabalho escravo.
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Referências
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no Atlân-
tico Sul. Séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BRASS, Tom. Unfree Labour and Capitalist Restructuring in the Agrarian Sector:
Peru and Índia. The Journal of Peasant Studies, 1986.
CARVALHO, José Murilo. A política imperial: o rei contra o barão. In: Teatro de
sombras: a Política Imperial. São Paulo: Vértice – Editora Revista dos Tribunais,
Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. p. 50-83.
ESTERCI, Neide. Escravos da desigualdade: estudo sobre o uso repressivo da
força de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI: Koinonia, 1994.
FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: a escravidão
por dívida. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora Profa. Neide Esterci. Rio
de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGSA, 2003.
FONER, Eric. Nada além da liberdade: a emancipação e seu legado. Tradução
de Luiz Paulo Rouanet. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. 3a.
Edição. São Paulo: Kairós Livraria Ltda, 1983.
HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1984.
MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. São Paulo: Ciências Humanas,
1979.
MARTINS, José de Souza. Fronteira. A degradação do outro nos confins do
humano. São Paulo: Hucitec, 1997. P. 10-24, 79-111.
_______. As mudanças nas relações entre a sociedade e o Estado e a tendência à
anomia nos movimentos sociais e nas organizações populares. Revista Estudos
Avançados, Volume 14, no. 38. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados/USP,
janeiro/abril, 2000. P. 268-278.
MATTOS, Hebe Maria. Das cores ao silêncio – Os significados da liberdade no
sudeste escravista – Brasil, Século XIX. Coleção Histórias do Brasil, Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 1998.
MENDES, Alessandra Gomes, Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: in-
terpretando estratégias de dominação e de resistência. Dissertação de Mestrado
em Extensão Rural, Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2002.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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111
5
1 Granjeiro dos Rocha Klotz entrevistado pelo jornal “O Dia” a respeito de João Luiz da Rocha Klotz.
2 Para ler histórico da escravidão contemporânea no Brasil ver PEREIRA, Gladyson S. B. Disponível em:
<www.gptec.cfch.ufrj.br>
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
3 As dioceses da região estavam sob a jurisdição do bispo Dom Waldir Calheiros ligado à teologia da
libertação, corrente teológica baseada na luta contra os opressores (Matheos, 1996, p. 18).
4 Meeiro – Quem se submete a um contrato de meação, condição de repartir produto do trabalho sob
critérios variáveis. Em 1992, um grupo de meeiros da fazenda Barra I se desentendeu com o proprietário
Klotz, por esse ter mandado um trator arrasar suas plantações, prontas para a colheita e, em seguida,
semear braqueária. Os meeiros revoltados decidiram então tomar posse da terra.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
5 No período em questão, não havia sindicato de trabalhadores rurais em Resende. O sindicato de Barra
Mansa então, por ser o mais próximo, assumia todas as ocorrências de Resende.
6 João Luiz foi demonstrando progressivamente ser uma pessoa muito violenta. Chegou a contratar um
conhecido pistoleiro, Joaquim Neto, para dar fim a vida de Seu Bernardino. O pistoleiro primeiramente
tentou coagi-lo a abandonar os posseiros e diante da persistência do sindicalista decidiu assassiná-lo,
porém ele, um dia antes, foi morto por um marido ciumento em Resende.
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(Orgs.)
7 “Estes (Orlando e João Luiz Klotz) alegam estarem falidos, apesar de funcionários da granja garantirem
ao jornal O Globo que havia mais de dez mil frangos destinados ao abate nas instalações.” O GLOBO
DENUNCIA ESCRAVIDÃO EM PENEDO. Itatiaia, 08 de Abril de 1993.
116
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
8 Os advogados que encaminharam o conflito para o âmbito penal o fizeram de forma a defender a vontade
das vítimas. Entretanto, muitos juristas afirmam que a lei visa proteger a ordem social e não a perso-
nalidade desses ou daqueles cidadãos e, portanto, a lei deveria ser aplicada independente da vontade
das vítimas.
9 O artigo 149 tem origem na “Lei de Plagium” parte da constituição do império e das ordenações filipinas
cuja origem se encontra no direito romano. Nesses casos a escravidão era legal, sendo a Lei de Plagium
aplicada a quem submetesse à condição escrava pessoas livres ou libertas. O artigo 149 é uma adaptação
as novas circunstâncias, sendo crime fazer passar por escravo a qualquer um, já que todos devem ser
livres. CUNHA S., 1995.
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(Orgs.)
10 “A maioria morava lá dentro, tava morando em condições subumanas, as casas eram totalmente des-
truídas e a cesta básica que eles recebiam era pobre demais não atendia nem as necessidades básicas
deles, não tinham luz, não tinham água! E estavam sem trabalhar porque alguns deles se revoltam com
aquela situação então estavam suspensos de trabalhar [...].” Ana Paula Horta Salvador, advogada do STR/
Barra Mansa. (Pereira, 2007, p. 172).
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(Orgs.)
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13 Informações veiculadas nos jornais: TRABALHO ESCRAVO EM PENEDO. A Voz da Cidade. Resende, 22
de Junho de 1993. FUNCIONÁRIOS DA GRANJA VIVEM EM REGIME DE SEMI-ESCRAVIDÃO. Tribuna
do Comércio. Resende, 24 de junho de 1993. ESCRAVIDÃO. Imprensa livre. Resende, Junho/Julho,
1993. DEPUTADOS COMPROVAM EXISTÊNCIA DE TRABALHO SEMI-ESCRAVO EM PENEDO. Momento.
Itatiaia, 26 de Junho de 1993.
14 DEPUTADOS COMPROVAM EXISTÊNCIA DE TRABALHO SEMI-ESCRAVO EM PENEDO. Momento. 26
jun.1993.
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(Orgs.)
15 Segundo me informou o senhor Álvaro Miguel, participavam desse movimento: Sindicato dos Químicos
e Farmacêuticos de Resende, Associação dos Aposentados, Federação das Associações de Moradores,
Sindicato dos Comerciários, Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, Associação dos Professores
Municipais, comunidades eclesiais de base, associações de moradores, partidos de esquerda (Partido dos
Trabalhadores - PT; Partido Socialista do Brasil - PSB e Partido Comunista do Brasil - PC do B).
16 Ver entrevistas com Álvaro Miguel e Valdo Duarte (Pereira, 2007, p.189-200).
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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(Orgs.)
Conclusão
Estudando o caso da granja Rocha Klotz, percebemos o nível dos conflitos
gerados por uma denúncia de escravização, envolvendo os seus sujeitos, que
vão criando táticas e estratégias para superar as dificuldades.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Referências
CUNHA, S. E. Atualidade do plagium: redução à condição análoga à de escravo.
Rio de Janeiro: EMERJ, Dezembro, 1995. Mimeo.
DINHEIRO FOI ABOLIDO EM ABRIL DE 1992. O Dia, 12 de Setembro 1993.
PEREIRA, Gladyson S. B. A escravização capitalista no Brasil contemporâneo:
A denúncia, os conflitos, as mediações e a lei- Resende/Itatiaia Rio de Janeiro,
1993-1994. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação
em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), 2007.
SUTTON, Alison. Trabalho escravo: um elo na cadeia de modernização no Brasil
de hoje. São Paulo: CPT/CÁRITAS/CEDI-KOINONIA/CONTAG/CUT-DNTR/ FASE/
IFAS/MNDH/MST/OAB. 1994
THOMPSON, E.P. Senhores e caçadores: A origem da lei negra. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987.
WEISSBRODT, D. et al. La abolición de esclavitud y sus formas contemporâ-
neas. Nova York e Genebra: ONU, 2002.
125
II
Introdução
A escravidão do homem para força de trabalho é talvez a mais antiga
forma de opressão imposta pelos detentores do poder em relação aos seus
semelhantes. São encontrados relatos de escravidão humana nas antigas
civilizações da África, da Ásia e mesmo da América do Sul e Central. No
Brasil, aconteceu inicialmente a tentativa de portugueses em escravizar os
índios, que foi em parte mal sucedida. A nação foi erguida sobre o trabalho
de escravos índios e africanos e posteriormente sobre a semi-escravidão dos
descendentes dos africanos miscigenados com índios e portugueses.
Em todo o mundo, e especialmente no Brasil, convivem lado a lado
trabalhadores que têm os seus direitos trabalhistas respeitados pelos em-
pregadores e outros que não os têm, trabalhando em condições análogas às
de escravo. Eles estão expostos a riscos ambientais elevados e sem proteção.
Alojados em barracos de lona preta, bebem água contaminada, trabalham
sem carteira de trabalho assinada, sem acesso a informações trabalhistas e
previdenciárias, às vezes contraem dívidas perpétuas com o patrão, o que os
colocam em situação de absoluta submissão em relação ao empregador.
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
A lógica difusa
Zadeh desenvolveu a Teoria de Conjuntos Difusos com o objetivo de for-
necer um ferramental matemático que considerasse os aspectos imprecisos
do raciocínio lógico dos seres humanos e, ainda, situações ambíguas, não
passíveis de processamento através da lógica computacional fundamentada
na lógica booleana que é um sistema de dedução matemática restrito aos
valores zero e um (falso e verdadeiro).
Para que a lógica humana seja implementada em soluções de engenha-
ria é preciso que se construa um modelo matemático compatível com este
raciocínio impreciso.
Portanto, a lógica difusa tem sido desenvolvida como um modelo ma-
temático que permite a representação das decisões humanas e processos
de avaliação em forma de algoritmo.
Por isso, o conceito da variável linguística é considerado tal como a
essência da técnica da modelagem difusa. Deste modo, ela pode ser conside-
rada assim como o nome dado a um conjunto difuso. E ainda representade
modo impreciso conceitos de variáveis de um dado problema, admitindo
como valores somente expressões linguísticas, também chamadas de termos
primários, tais como muito baixo, baixo, alto, muito alto, etc. Estes valores
contrastam com os valores precisos assumidos por variáveis numéricas.
A participação difusa de uma variável linguística é definida por quan-
to um dado elemento xi , do universo de discurso U , satisfaz o conceito
representado por um conjunto difuso à , definido pelo valor da função de
pertinência µ Ã ( xi ) , xi ∈ U .
São as propriedades sintáticas e semânticas que regem o comportamento
do sistema de conhecimento difuso. Elas definem a forma de utilização das
variáveis linguísticas.
As propriedades sintáticas definem a forma com que as informações
linguísticas difusas são armazenadas, proporcionando a criação de uma base
de conhecimento com sentenças devidamente estruturadas.
É da natureza humana trabalhar com características incertas, mas em
muitas situações existe a necessidade de um valor numérico que represente
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(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
O resultado das operações dos blocos de regras “se, e, ou, então” forne-
cem elementos indicadores de estado dos avaliadores temáticos. O resultado
final do indicador sistêmico localiza a avaliação do que foi observado em
campo, em um universo de discurso acordado, para verificação do grau de
confiança com que se pode contar para identificar o trabalho como análogo
ao de escravo.
As definições das variáveis e a estruturação do modelo ficaram a cargo
de um grupo interministerial de decisores. O grupo foi constituído de um
moderador do MTE e três decisores, sendo dois auditores fiscais do trabalho
e um Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT).
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Registro
Apesar de não ser uma prestação pecuniária ou utilitária, a variável regis-
tro está embutida no bloco remuneração por se constituir a base da relação de
emprego de onde todos os direitos trabalhistas derivam. Indicador que verifica
a formalização da relação de trabalho entre o trabalhador e o empregador.
Salário
Compreende-se salário como o conjunto de retribuições recebidas
habitualmente pelo trabalhador em troca dos serviços prestados, seja em
dinheiro ou em utilidades destinado a satisfazer as necessidades pessoais
do trabalhador e de sua família.
Contribuições previdenciárias
Este indicador expressa a conformidade legal das exigências previden-
ciárias a cargo do contratante em relação ao trabalhador.
Carga de trabalho
Este indicador visa comparar as exigências a que são submetidos os
trabalhadores frente às cargas máximas admitidas na legislação trabalhista
considerado o patamar superior não causador de patologias do trabalho.
Jornada
Indicador que avalia a exploração da capacidade de trabalho e representa
crime capitulado no art. 149 do Código Penal, quando excessiva.
Descanso semanal
Identifica se a pausa mínima semanal necessária para a reposição das
energias dos trabalhado está sendo concedida.
Férias
Este indicador verifica se as férias estão sendo concedidas de acordo
com a legislação trabalhista.
Desconformidade legal de segurança e saúde
Este indicador expressa o grau de desconformidade das condições de
segurança e da saúde do trabalhador em relação ao controle dos riscos físi-
cos, químicos, mecânicos e biológicos existentes no ambiente de trabalho.
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Condições sanitárias
Indicador temático que mede a qualidade dos fatores higiênicos do
trabalho.
Água e instalações sanitárias
Neste artigo, entende-se como instalações sanitárias o local destinado
ao asseio corporal e/ou ao atendimento das necessidades fisiológicas de
excreção.
Alojamento
Alojamento é local onde os trabalhadores moram, seja em caráter tem-
porário ou em definitivo, e devem ter condições de abrigar os trabalhadores
em perfeitas condições de higiene e segurança contra intempéries e animais
silvestres ou peçonhentos.
Este indicador qualitativo avalia as condições de segurança e higiene
dos alojamentos disponibilizados aos trabalhadores.
Saúde e segurança
Este indicador representa o conjunto de fatores que conformam a con-
dição de saúde dos trabalhadores.
Equipamento de proteção individual – EPI
EPI é todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo tra-
balhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança
e a saúde no trabalho.
Atestado de saúde ocupacional - ASO e primeiros socorros
Devido à peculiaridade de o trabalho rural proporcionar os mais varia-
dos tipos de acidentes e ser desenvolvido normalmente em locais de difícil
acesso, o que torna o transporte do acidentado até instalações hospitalares
mais próximas demorado, a NR-311 tornou obrigatório que todo estabele-
cimento rural deverá estar equipado com material necessário à prestação
de primeiros socorros, considerando-se as características da atividade
desenvolvida e realização de exames médicos a fim de monitorar a saúde
dos trabalhadores.
1 Norma que regulamenta a segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração
florestal e aquicultura.
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(Orgs.)
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MINISTÉRIO DO TRABALHO
CNPJ 00,999,000/11111-00
CNAE 1414
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Planilha 1-Situação real encontrada na empresa Fictícia Ltda na cidade de Sobral-CE 2006
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(Orgs.)
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(Orgs.)
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(Orgs.)
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(Orgs.)
Conclusões e recomendações
O modelo desenvolvido serve para auxiliar à identificação das condições
de trabalho mesmo em condições limítrofes de descumprimento de normas.
Estas últimas, às vezes, caracterizadoras de trabalho degradante que são em
última instância, trabalho análogo ao de escravo. O modelo procurou con-
templar o maior número possível de variáveis constantes no ordenamento
jurídico brasileiro e nas convenções internacionais da OIT ratificadas pelo
Brasil, a fim de ser o mais fiel as leis tuteladoras do trabalho.
A construção do modelo partiu inicialmente de uma revisão dos con-
ceitos de trabalho escravo ao longo da história e em especial da escravidão
brasileira do período colonial e contemporâneo.
Em seguida foi realizado um estudo do ordenamento jurídico brasileiro
pertinente ao assunto de forma a embasar a escolha das variáveis do modelo.
Ponto importante na construção do modelo foi a constituição de um grupo
interministerial de decisores com participação de auditores fiscais do MTE,
e de procurador do MPT para a escolha e valoração das variáveis presentes
no mesmo. O método utilizado para a pesquisa, onde as variáveis escolhidas
são fruto de decisões de consenso de especialistas revelou-se importante
para que o mesmo se mostrasse sensível e robusto durante a validação em
uma situação real de fiscalização do MTE, no município de Sobral-CE.
O Modelo desenvolvido ao ser aplicado para validação em uma fisca-
lização de combate ao trabalho análogo ao de escravo do GEFM do MTE,
respondeu de forma precisa, ao identificar como o trabalho com caracterís-
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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Limitações do modelo
Existem alguns fatores que representam limitações à sua aplicação, e
estão basicamente relacionadas à lógica Fuzzy, ao programa FuzzyTECH ®,
à apuração de indicadores e à interpretação dos resultados.
As limitações relacionadas à lógica Fuzzy se devem, principalmente, ao
hábito ocidental de raciocinar, baseado na lógica Cartesiana, muito embora
o homem pense, intuitivamente, de maneira fuzzy.
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Referências
CASTILHO, Ela Wiecko. Relatório Final da Subcomissão de Trabalho Escravo,
Brasília. Série ação parlamentar, 1994.
MARTINS, José de Souza. A escravidão nos dias de hoje e as ciladas da in-
terpretação (Reflexões sobre riscos da intervenção subinformada). São Paulo:
Edições Loyola, 1999.
MARTINS, José de Souza, O cativeiro da terra. São Paulo: Editora Ciências
Humanas, USP, 1979.
152
2
A cabeça do libertador 1
1 O texto se refere à primeira parte da dissertação de mestrado (JESUS, 2005), orientada pela professora
Maria das Graças Torres da Paz e co-orientada pela professora Ângela Maria de Oliveira Almeida, às quais
agradeço.
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Método
Participaram da pesquisa dez (n = 10) libertadores de escravos. Seis
sujeitos representando o governo brasileiro, três sujeitos representando
um organismo internacional e um sujeito representando uma organização
não-governamental, sete (n = 7) do sexo masculino e três (n = 3) do sexo
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Ricardo Rezende Figueira
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(Orgs.)
Resultados
Foram identificados 111 temas, os quais foram organizados em nove
categorias. A análise temática categorial das entrevistas indicou uma
categoria-síntese para cada conjunto de três categorias: (1) organização do
trabalho, (2) vivências de prazer e (3) vivências de sofrimento.
A categoria-síntese Organização do trabalho foi estruturada em torno
das categorias a) dinâmica do trabalho, b) impotência e c) sucesso.
Dinâmica do trabalho engloba temas emotivamente neutros, essencial-
mente descritivos da rotina de trabalho do libertador, tais como a distribui-
ção das tarefas, regras e normas e estrutura de subordinação. Foi indicada
por verbalizações como:
• “Desde noventa e sete, eu venho trabalhando, bastante ativamente,
na implementação final dos projetos, tanto na área tecnológica
quanto social”
• “A gente se encontrava semanalmente, e aí, surgiram os trabalhos
que são realmente, daí para frente, todos em grupo. Todo mundo
decide quase tudo”
• “Nós temos sete coordenações, ta? São esses coordenadores, coor-
denador. Como é que funciona? Nós recebemos denúncias”
Impotência engloba temas de vivência de sofrimento diretamente rela-
cionados à rotina de trabalho do libertador, voltadas para as próprias tarefas,
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(Orgs.)
32%
41%
27%
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(Orgs.)
A 02 00 03
B 23 51 41
C 17 06 03
D 02 00 28
E 57 52 75
F 41 19 26
G 07 00 06
H 58 36 40
I 12 21 05
J 03 11 05
34%
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novas contribuições críticas
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Então foi bom, porque a gente tem a nossa campanha. Foi bom
entre aspas, né? Precisou morrer, para darem a visibilidade, para o
governo dar mais atenção ao tema”
A Tabela 3 aponta as categorias presentes em cada entrevista, com o
total das verbalizações de cada uma.
Tabela 3: Quadro-resumo das categorias por entrevista – Vivência de Prazer
Entrevistas Liberto Libertador Sociedade que liberta
A 01 02 00
B 00 20 05
C 00 14 03
D 00 05 17
E 02 00 22
F 02 09 08
G 00 02 00
H 02 22 02
I 01 15 13
J 00 15 14
Total 08 104 84
Fonte: JESUS, 2005
A categoria de vivência de prazer relativa ao libertador ocupou 53% dos
conteúdos verbalizados, seguida de vivência de prazer relativa à sociedade
que liberta (43%), e vivência de prazer com relação à pessoa liberta (4%),
como apresenta a Figura 3.
4%
43%
53%
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
15%
34%
51%
Discussão
Paz (1999) afirma, no concernente à perspectiva de Justiça nas orga-
nizações, que:
[...] o conflito surge, dentre outras ocasiões, quando as pessoas come-
çam a preocupar-se com as recompensas resultantes do aumento de
produtividade decorrente de suas contribuições. Faz-se necessária,
então, a existência de um conjunto de regras que norteie e assegure
um acordo para distribuição correta de benefícios (p. 271).
Essa reflexão é fundamental para se pensar o papel dos escravizadores
na relação escravagista: para eles, a exploração é justa, em função de deter-
minados fatores sociais, e suas alegações, quando questionados, remetem a
uma alegada incapacidade dos oprimidos, manifesta como a impossibilidade
de encontrarem trabalho.
O escravagista e o escravo são socialmente representados pelo libertador
com imagens menos positivas do que aquelas com as quais o libertador se
representa. A Figura 5 apresenta, com base na Teoria das Representações
Sociais (TRS), a organização do campo representacional dos libertadores
de escravos.
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Caráter do Escravagista:
Causas e Explicações: *herança histórica *desigualdade
*ganância desmedida
Caráter do Escravo:
*isolamento *força
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Referências
ABRIC, J.C. La recherche du noyau central et de la zone muette des représen-
tations sociales. In: ______. (Org.). Méthodes d’etude des représentations
sociales. Paris: Éditions érès, 2003. p. 59-80.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995.
DAVIS, D. B. O problema da escravidão na cultura ocidental. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
FERNANDES, F. Anotações sobre o capitalismo agrário e a mudança social no
Brasil. In: SZMRECSÁNYI; QUEDA, O. (Orgs.). Vida rural e mudança social. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. p. 105-120.
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
170
3
Introdução
As reflexões aqui apresentadas estão pautadas em leituras bibliográ-
ficas, reportagens da mídia impressa e virtual, iconografias, relatórios do
Ministério do Trabalho e outros documentos, bem como em pesquisa de
campo e entrevistas com atores diversos da sociedade civil e governamental,
de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Distrito Federal, Paraíba, Maranhão e
Pará. Recorro também à contribuição de intelectuais orgânicos, acadêmi-
cos, juristas e militantes que estão envolvidos de forma direta ou indireta
nessa temática. Entre outros, vale destacar Fábio Konder Comparato, Jacó
Gorender, Ana de Souza Pinto, Ricardo Rezende Figueira 1, Xavier Plassat,
Flávia Piovesan e Binka Le Breton.
1 Ricardo Rezende Figueira trabalhou durante 20 anos na Diocese de Conceição do Araguaia e, nesse
período, foi membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT). É doutor em Ciências Humanas (com ênfase
em Antropologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qual também exerce o cargo de
professor. Coordena o Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC) e participa coorde-
nação do Movimento Humanos Direitos e da Rede Social Justiça e Direitos Humanos. Escreveu diversas
obras, entre elas: Pisando Fora da Própria Sombra: A Escravidão por Dívida no Brasil Contemporâneo, Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 2004.
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
2 O conceito trabalho escravo contemporâneo traz em si mesmo questões de diversas naturezas: ideoló-
gica, moral, jurídica, política, filosófica, entre outras. É importante ressaltar que não há consenso entre
os diferentes setores e atores da sociedade civil e governamental sobre esse conceito. Em relação à sua
materialização na prática ele é ainda mais dissensual. A partir das pesquisas que venho realizando, com
análises iconográficas da realidade encontrada na Amazônia e no estado de São Paulo, depoimentos
dos trabalhadores escravizados etc., entendo que o problema deva ser realmente compreendido como
trabalho escravo. Esta compreensão é fundamental e permitirá mais visibilidade à questão, nos planos
nacional e internacional, sensibilizando cada vez mais a sociedade para lutar pela erradicação dessa
chaga social em pleno século XXI. Para um entendimento mais aprofundado dessa temática, confira:
FIGUEIRA, 2004; Velloso e Fava (Org.). 2006.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
A organização da CPT
A Comissão Pastoral da Terra surgiu com uma missão bem definida. De
acordo com o padre Cláudio Perani, a CPT visava estar a serviço dos trabalha-
dores para ajudar na organização e no avanço da sua consciência; contribuir
para de fato serem sujeitos de uma transformação, de uma mudança, sem
dependerem da Igreja 4.
A sede com o secretariado nacional está localizada em Goiânia – GO.
Possui um colegiado nacional, constituído de um bispo-presidente, um bispo
vice-presidente e mais seis membros (católicos e protestantes), escolhidos
nas grandes regiões do Brasil. Assim, encontramos uma estrutura ecumênica
e capilar. A CPT está organizada em 22 estados brasileiros: Grande Região
Noroeste - Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia; Grande Região Norte - Pará,
Amapá, Maranhão e Tocantins; Grande Região Nordeste - Ceará, Piauí, Bahia e
Sergipe; Grande Região Sudeste - Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro;
Grande Região Sul - São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
Grande Região Centro-Oeste – Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Em cada estado que compõe essas grandes regiões, há um bispo – in-
dicado pela CNBB – responsável pelo acompanhamento dos trabalhos da
respectiva equipe de coordenação. Essa coordenação estadual normalmente
é composta, além do bispo, por padres, freiras, pastores protestantes e leigos,
estes últimos em menor número. Cabe a esta equipe de coordenação atuar
junto aos agentes de pastoral nas micro-regiões, verificar a realidade local,
apoiar as atividades, organizar encontros de formação, apoiar trabalhadores
(as), ribeirinhos, seringueiros, entidades como sindicatos, centrais sindicais,
movimentos sociais populares etc.
Como podemos observar, a CPT está presente em vários espaços do
país, especialmente “na base”. Seus membros a vêem como uma pastoral
de fronteira. Entendem que a sua missão é ir “aonde ninguém vai”, é traba-
lhar e atuar junto aos trabalhadores pobres, marginalizados e excluídos do
campo, e também da cidade. Ela atua, portanto, com um universo bastante
heterogêneo.
175
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
5 O movimento abolicionista foi composto por pessoas de condição social diversa, como intelectuais e
escravos, negros e mestiços, que lutaram pela erradicação da escravidão no Brasil.
6 A Lei Áurea foi assinada em 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel, que governava interinamente o
país na ausência de seu pai, extinguindo a escravidão no Brasil.
7 Conforme o Jornal Folha de S. Paulo, 09 jun.2002, A 18, “O Brasil e Cuba foram os últimos países a abolir
a escravidão. Foram apenas os últimos países não-africanos a fazê-lo. Em 1903 havia cerca de 1 milhão
de escravos na região do Sudão. Lá os ingleses só impuseram uma lei de ventre livre em 1901. Serra
Leoa aboliu a escravidão em 1928. A Etiópia, em 1942. Na Arábia Saudita, velha compradora de escravos
africanos, a escravidão acabou em 1962”.
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
8 Patrícia Audi possui formação acadêmica em Administração de Empresas com especialização em Polí-
ticas Públicas. Foi coordenadora nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil – OIT,
no período de 2002 a 2007.
9 Ao consultarmos o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, encontraremos para o verbete aliciar
os seguintes significados: 1.“Atrair a si; seduzir, atrair, ‘Em São Paulo, Luís Gama, Raul Pompéia e outros
aliciavam escravos para que se rebelassem e fugissem para o Rio, onde encontrariam guarida e liberdade´.
2. Peitar, subornar; atrair, angariar”
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
10 Gato: empreiteiro contratado para desflorestamento, feitura e conservação de pastos e cercas ou outros
serviços para fazendeiros e empresas agropecuárias na Amazônia. Muitas vezes anda armado, trabalha
com parentes e com uma rede de “fiscais”, e são acusados de diversos crimes, inclusive homicídios. Em
geral os mais violentos gozam de prestígio, são considerados eficientes e podem prestar serviço por anos
consecutivos para as maiores empresas. (FIGUEIRA, 2004, p.17). Na região Norte do Brasil a designação
“gato” é mais usual. Em minhas pesquisas no estado da Paraíba constatei com mais frequência o uso da
designação “atravessador”.
11 Ruth Beatriz de Vasconcelos Vilela, formada em Direito, chefiou o serviço de fiscalização do Ministério
do Trabalho e comandou o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF).
12 Entrevista concedida em 16 de janeiro de 2008.
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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novas contribuições críticas
13 A OIT-Brasil atua de várias formas para que os direitos humanos não sejam violados: promove campanhas
e elabora projetos de combate ao trabalho escravo no Brasil; estimula a igualdade de gênero e raça, a
erradicação da pobreza e geração de emprego; denuncia e luta contra o abuso e a exploração sexual de
crianças e adolescentes, entre outros.
14 A ONG Repórter Brasil denuncia os maus-tratos a que os trabalhadores escravizados são submetidos;
aponta os políticos e empresários que apoiam a escravidão contemporânea; divulga on-line as proprie-
dades onde trabalhadores escravizados foram libertados etc.
15 Ana de Souza Pinto. Entrevista concedida em 03 jul. 2008.
16 Entrevista concedida em 09 jul.2007.
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
17 Conforme Ana de S. Pinto, nos últimos três ou quatro anos, a OIT fez um estudo sobre isso. A porcentagem
de reportagens sobre o assunto aumentou mais de 1000%.. Entrevista concedida em 03 jul.2008.
18 Entrevista concedida em 08 ago. 2007
19 Adonia Antunes Prado, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do Grupo
de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC) da UFRJ. Participou de duas operações do Grupo
Móvel nos estados da Bahia e Goiás, como pesquisadora e membro de uma equipe de pesquisas da Or-
ganização Internacional do Trabalho (OIT) do Brasil. O objetivo era colher informações para traçar um
perfil dos sujeitos envolvidos com a prática de trabalho escravo e, naquele momento, particularmente,
no que se referia a trabalhadores e gatos.
20 Entrevista concedida em 07 jun. 2008.
21 “Na Amazônia, 72,7% dos peões são empregados no desmatamento da floresta virgem para posterior
formação de pastagens para o gado. Fora da Amazônia, apenas 26,2% dos peões são ocupados em
desmatamento ou reflorestamento. Ambas as atividades dizem respeito à formação da fazenda, isto é, à
transformação da natureza bruta em base de um empreendimento econômico lucrativo, processo que
na indústria nem é tão dramático nem tão demorado e nem tão extenso.” (MARTINS, 1997, p. 94-95).
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Adonia Antunes Prado
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25 Ana de Souza Pinto, formada em Ciências Sociais, atua na CPT desde a sua graduação, 1975. Atualmente
é membro da equipe de coordenação da CPT Regional Pará.
26 Entrevista concedida em 03 jul. 2008.
27 “Às vezes, principalmente por alguns setores, o trabalhador escravo é visto como a vítima incapaz. Ele
não tem recurso, é absolutamente dependente, não pensa, não é um ator social. Eu acho que a coisa não
é assim. Pelo que tenho observado nas pesquisas, esse trabalhador tem problemas, dificuldades, mas ele
luta, enfrenta, tem as suas estratégias; ou seja, ele não é simplesmente uma vítima. Penso que o resgate
dessa condição é muito importante para nós pesquisadores porque senão podemos cair num discurso da
vitimização do trabalhador e deixar de considerá-lo como um ator social, um sujeito” (Maria Antonieta
da Costa Vieira. Entrevista concedida em 17 jul.2008).
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Para Adonia Prado, a CPT tem um papel fundamental pela sua combativi-
dade e denodo como tem coligido e recolhido informações sobre o trabalho
escravo. Então, hoje, as informações mais confiáveis que são publicadas por
ela, anualmente, no Caderno de Conflitos no Campo Brasil, servem de base
para diversas atividades como a pesquisa, denúncia... 31
A CPT possui um acúmulo histórico sobre os problemas cotidianos dos
trabalhadores rurais, com uma capilaridade em quase todos os estados do país.
Intervém em realidades nas quais o Estado brasileiro não pode ou não quer
intervir. Já são quase quatro décadas de lutas, denúncias, romarias, protestos,
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Adonia Antunes Prado
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Considerações finais
O que é, exatamente por ser tal como é,
não vai ficar tal como está (Bertolt Brecht)
Referências
ANTONIL, André João. Como se há de Haver o Senhor do Engenho com seus
Escravos. In: Com Palmos Medida: Terra, Trabalho e Conflito na Literatura Bra-
sileira. São Paulo: Boitempo, 1999.
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.
AUDI, Patrícia. A Escravidão não Abolida. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos
Neves (Orgs.). Trabalho Escravo Contemporâneo: O Desafio de Superar a
Negação. São Paulo: Ltr, 2006.
BALES, Kevin. Pósfácio. In: BRETON, Binka Le. Vidas Roubadas: A Escravidão
Moderna na Amazônia Brasileira. Tradução de Maysa Monte Assis. São Paulo:
Loyola, CPT, 2002.
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4 DEPOIMENTOS
4
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
jurídico de cidadão. Deveria estar protegido, deveria ter direitos tais como:
carteira assinada; alojamento digno; alimentação farta e sadia. Deveria ter
tudo isso e não tem. Por quê?
Porque um criminoso seja ele um usineiro da cana-de-açúcar ou um
fazendeiro criador de gado ou plantador de soja surrupiou tudo isso que a lei
garante ao cidadão trabalhador. Então a vítima foi desumanizada, enquanto
trabalhador com direitos trabalhistas, enquanto ser humano, sujeito dos
Direitos e Garantias Fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
A vítima perde na prática seus direitos, estando no cotidiano de suas
atividades laborais em situação tão ou mais desprotegida que o trabalha-
dor escravo clássico. Tal fato ocorrerá em atividades do roço de juquira, no
Maranhão e no Pará; no desmatamento no norte do Mato Grosso; nas usinas
de cana aqui no Rio de Janeiro, São Paulo ou Triângulo Mineiro; nos cafezais
lá no Espírito Santo ou no algodão no Mato Grosso. A esse trabalhador, as
condições dignas de trabalho são negadas.
E o que é oferecido para esses trabalhadores são condições de trabalho
análogas a do escravo na colônia e do império. Por que condições análogas?
Porque em muitas vezes elas até são piores. Isso porque, quem o explora
hoje não tem sequer a preocupação com o trabalhador enquanto mercadoria
como acontecia no passado.
A partir dessa observação é importante sabermos e percebermos essas
sutilezas, pois há muitas pessoas que mantêm a percepção de que quando
identificamos um trabalhador contemporâneo submetido a condições de su-
perexploração ele deve ser um negro amarrado ao tronco e sendo açoitado.
Essa é uma visão estereotipada e que não colabora para a solução do
grave problema. Esses escravos idealizados ninguém irá encontrar. O que
encontraremos serão seres humanos brancos, negros, morenos, pardos
sendo desumanizados e expropriados de seus direitos. E tudo isso tanto no
passado como hoje, tem como característica comum o fato de que as vítimas
são inseridas no processo produtivo.
Quem utiliza o trabalho escravo contemporâneo em suas diversas moda-
lidades não é um fazendeiro arcaico, atrasado, lá no interior do país e que não
sabe as obrigações que a lei lhe obriga cumprir. Ao contrário, quem explora
trabalhadores em condições análogas à de escravo são fazendeiros cujas fa-
zendas são apenas uma parte dos seus negócios. Eles moram aqui no Rio de
Janeiro, São Paulo, Brasília, Goiânia ou Belo Horizonte. Moram muito bem.
Sendo a fazenda apenas parte dos seus negócios, quem comanda a explora-
ção é o capataz e o “gato”, que possui a função de controlar e vigiar os trabalha-
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(Orgs.)
dores. Enquanto isso, essas vitímas produzem aquilo que consumimos em nosso
cotidiano. Produzem o álcool que enche o tanque do nosso automóvel; o açúcar
com o qual adoçamos as nossas delícias; o aço produzido com carvão vegetal
lá do Pará e do Maranhão que está nos carros e nas geladeiras; o cafezinho tão
gostoso de cada dia.
Todos esses produtos não circulam apenas no âmbito do agronegócio,
mas por toda a cadeia da indústria brasileira e podem, se não devidamente
fiscalizados, estar contaminados com formas contemporâneas de trabalho
escravo. Pois, como não há controle social e nem visibilidade no processo
produtivo, em tese, você pode estar comprando, se não estiver bem infor-
mado, produto que pode estar contaminado pelo trabalho explorado.
A partir dessa reflexão, passemos a análise daquilo que é o trabalho
escravo contemporâneo. No Código Penal, o artigo 149 foi atualizado re-
centemente prevendo quatro hipóteses, quatro formas de trabalho escravo
contemporâneo.
A primeira delas é o trabalho forçado que ocorre quando alguém com
uso da força, violência ou arma, ordene que o trabalhador faça alguma
atividade laboral.
A segunda é a jornada exaustiva que tanto pode ser uma jornada para
além daquela jornada limite de oito horas com duas horas extras ou uma
jornada extenuante dentro do limite previsto pela lei e que, entretanto,
provoque a exaustão do trabalhador, situação esta identificada em casos
ocorridos no setor sucroalcooleiro. Pode ocorrer de existir um trabalhador
cortando cana por seis horas, mas o ritmo do corte da cana e as condições
de trabalho ser tão extenuantes que ele não resista e tenha sua saúde gra-
vemente comprometida. A jornada exaustiva tem que ser vista não apenas
pela quantidade de horas, mas pela capacidade humana do trabalhador
dentro daquele contexto de trabalho.
E aí faço um parêntese para o setor sucroalcooleiro. Não há nada mais
fatigante nessas atividades do agronegócio do que aquelas desempenhadas
nas áreas de campo no setor sucroalcooleiro. Eu duvido que algum de nós
aqui, todos muito bem alimentados, bem hidratados, resistíssemos uma hora
sob o sol escaldante, com aquele facão cortando cana. Não resistiríamos
certamente. Isso porque o trabalho é exaustivo, o calor é muito grande e o
esforço físico empreendido pode se tornar quase desumano.
O quê que se esperaria? Que na frente de trabalho houvesse água
potável; que houvesse um local coberto prá comer a marmita na hora do
almoço, com uma sombra mínima. Que quando o trabalhador voltasse para
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1 Os dados apresentados neste capítulo foram atualizados pelo autor em janeiro de 2011.
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proporção caiu para 36,3%, ocupando assim o segundo lugar entre as diver-
sas categorias. Por outro lado, as populações tradicionais que ocupavam o
segundo lugar, em 2007, com 41% do total, passaram a ocupar o primeiro
lugar com 53% do total. É importante observar que, 65,4% das populações
tradicionais envolvidas em conflitos por terra estão na Amazônia Legal.
Os dados evidenciam claramente, por um lado, a gravidade da violência
no campo, pois os índices continuam altos, situação que persiste há décadas
e, por outro, a falência do processo oficial de democratização do acesso à
terra, através de um programa de Reforma Agrária. Essa bandeira, erguida
e defendida, pelos movimentos sociais do campo, continua fora da pauta de
prioridade dos sucessivos governantes, e o atual não constitui exceção. Em
2009, o Governo Federal, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) “assentou” apenas
55.498 mil famílias. Em 2010, a projeção é que o número de famílias assen-
tadas fique na faixa de 30.000. O pior desempenho de todos os anos da era
Lula. Os números expressam o grau de importância da política de Reforma
Agrária no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ou seja, importância quase
nenhuma.
Por outro lado, permanece a prática do trabalho escravo no campo. A
situação continua grave e sem grandes alterações em função das tímidas
ações governamentais. Em 2009, foram registrado 240 casos denunciados,
envolvendo 6.213 trabalhadores. 2008 foi o ano com maior número decasos
denunciados, desde que a pesquisa começou a ser feita, 280 no total. O maior
número anteriormente registrado foi em 2005, com 275 denúncias. O nú-
mero de pessoas libertadas alcançou, em 2008, seu segundo maior número
desde a criação, em 1995, dos Grupos Móveis de Fiscalização, do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE).3 O maior número de casos denunciados está
vinculado à pecuária. De 2003 a 2009 essa atividade concentrou 65% dos
casos fiscalizados. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2007), entre 2003 e 2006, a Amazônia concentrou 96% do crescimento
do rebanho bovino nacional (IBGE, 2007). O Pará é o estado com o maior
rebanho bovino. Não foi por acaso que 68,9% do total de casos registrados
de trabalho escravo no Brasil, em 2008, se localizava na Amazônia.
As políticas públicas, adotadas para a erradicação do trabalho escravo,
têm se mostrado notadamente ineficazes na medida em que são direcio-
nadas, principalmente, para combater os efeitos e não as causas geradoras
208
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desta prática criminosa. Além das ações de governo ter ficado mais no campo
repressivo, ainda assim, estão muito aquém do que a realidade exige. Das 240
denúncias registradas em 2009, envolvendo 6.231 trabalhadores, os Grupos
Móveis, fiscalizaram apenas 169, libertando somente 4.283 pessoas.
Em relação aos direitos das populações indígenas, conforme relatório
divulgado pelo CIMI4, em 2009, 53 povos indígenas sofreram alguma forma
de violência5e 60 indígenas foram assassinados, 45 sofreram tentativa de
assassinato, 17 sofreram ameaças de morte e 19 foram vítimas de suicídio.6
Ainda segundo este relatório,
Fica evidente que, mesmo com as garantias constitucionais, asse-
guradas a partir de muita mobilização e lutas dos povos indígenas
e da sociedade de modo geral, o poder público tem se negado, sis-
tematicamente, a garantir a proteção dos direitos indígenas, princi-
palmente, no que concerne à defesa de seus territórios. Constata-se
que, a maioria dos casos de violência praticados contra os indígenas,
advém da invasão de suas terras. Prova dessa omissão do Estado é
que mesmo diante das pressões, 324 terras indígenas ainda estão
sem qualquer tipo de providência para sua regularização. Em seus 8
anos de governo, Lula homologou apenas 78 terras indígenas, menos
que o governo FHC que homologou 146.
Com as comunidades remanescentes de Quilombos, a situação não tem
sido diferente. Até o ano de 2008, existiam no Brasil, 3.524 comunidades
quilombolas registradas pelo Governo Federal7. Mesmo o artigo 68 dos Atos
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988
estabelecendo que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitir-lhes os títulos respectivos, mais de 20 anos se passaram e o
que se percebe, nos últimos anos, é um crescente retrocesso na atuação do
poder público.
De acordo com o último relatório da Rede Social de Justiça e Direitos
Humanos,
“recentes dados divulgados pelo INCRA revelam que o governo Lula
chegou ao seu último ano de mandato emitindo apenas 11 rítulos
às comunidades quilombolas, o que vem denunciar que o próprio
órgão tem cada vez mais descumprido sua meta, haja vista que até o
4 Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil. Brasília, 2009.
5 Invasão de suas terras, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio.
6 18 dos 192 indígenas vitimas de suicídio faziam parte povo Guarani Kaiowá.
7 Secretaria Especial de Políticas Promoção da Igualdade Racial. Disponível em <www.presidencia.gov.br.
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10 Dados da CPT do Pará informam que foram mais de 800 assassinados nos últimos 40 anos.
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11 De acordo com os dados do Caderno de Conflitos no Campo da CPT, são mais de 400 assassinatos nos
últimos 10 anos e mais de 4.000 famílias expulsas por ação violenta de pistoleiros e milícias entre os
anos de 2006 a 2008.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
12 Em menos de 3 anos o grupo comprou mais de 50 fazendas nas regiões sul e sudeste do Estado, acumu-
lando uma área, aproximada, de 600 mil hectares de terra.
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(Orgs.)
13 Parágrafo 6º do Artigo 2º da Lei 8.629/93: “O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de
esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não será
vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse
prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa e quem
concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.”
216
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
14 “Movimento popular visando implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio.
Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Consti-
tuição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático...” (STJ, 6ª Turma,
HC 5.574/SP, Rel. Min. Juiz Vicente Cernicchiaro, DJU 18 ago.1997, in RT 747/608).
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(Orgs.)
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(Orgs.)
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novas contribuições críticas
15 Comunidade de Acauã, município de Poço Branco (RN); comunidade Machadinho, Paracatu (MG); co-
munidade São Francisco do Paraguassu, Cachoeira (BA).
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
16 O partido Democratas ajuizou uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADIN), em junho de 2004,
contra o Decreto 4.887/03 que regulamenta a demarcação de terras Quilombolas; Desde 1991/92
tramitam na Câmara dos Deputados proposições legislativas que visam dispor sobre uma nova legisla-
ção indigenista, superando o atual Estatuto do Índio e a Lei nº6.001/73; o STF impôs 19 condições no
processo que julgou a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, que impactará os territórios
indígenas. Um conjunto de outros projetos tramita no congresso e Ações no STF refletem a ofensiva
contra a demarcação de terras indígenas.
222
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Referências
ALFONSIN, Jacques Távora. A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2000.
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Violência contra os povos indígenas
no Brasil. Brasília, 2008.
CPT, Conflitos no Campo, no Brasil, 2007. Relatório da Rede Social de Justiça
e Direitos Humanos. São Paulo: Rede Social de Justiça e Direitos Humanos,
2007.
224
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
225
III PERSPECTIVA DE TRABALHO E DIREITO
Atuação do ministério público federal no
combate ao crime de trabalho escravo no
meio rural e políticas públicas para erradicar
a escravidão contemporânea
Neide M. C. Cardoso de Oliveira
Introdução
O Brasil assiste nos últimos anos à crescente mobilização da sociedade
civil na luta pelos direitos das mais diversas minorias. Não obstante, há um
universo de cidadãos carentes que continua ao desamparo e que estão, neste
momento, submetidos ao regime de escravidão em nosso País. E é verdade
que, com maior ou menor intensidade, o problema está em todos os Estados
da Federação. Após o advento da Constituição de 1988, a par da atuação
como fiscal da lei, o Ministério Público passou a atuar de forma mais efetiva
como órgão agente. Diversas denúncias sobre crimes de trabalho escravo e
crimes correlatos foram ou estão sendo propostas pelo Ministério Público
Federal em todo o território nacional.
As dificuldades no combate ao crime de trabalho escravo são imensas,
seja pela morosidade do processo penal; seja pela até então recente indefini-
ção sobre o juízo competente para o julgamento de tais crimes; pelas penas
reduzidas; pelos entraves legislativos; seja, principalmente, pela ausência
de uma política pública de reinserção dos trabalhadores, que libertos do
trabalho escravo, a este retornam por falta de outra opção.
A existência do trabalho escravo, independentemente de seu vulto
estatístico, fere a consciência pública do País, por violar direitos humanos
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
1 O trabalho escravo é de difícil mensuração estatística, entre outros motivos por se apresentar, frequen-
temente, como fato transitório (empreitada para desmatamento, limpeza de terras, colheita etc). A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) (2005) no relatório Uma aliança global contra o Trabalho
Forçado estima a existência de 25 mil trabalhadores nessa condição, concentrados preliminarmente na
agricultura (80%) e na pecuária (17%).
2 Hungria (1958, p. 200) afirma, que: “Entre o agente e o sujeito passivo se estabelece uma relação tal,
que o primeiro se apodera totalmente da liberdade pessoal do segundo, ficando este reduzido, de fato,
a um estado de passividade idêntica à do antigo cativeiro.”
230
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
3 Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 66, de 1965, ratificada pelo Brasil em 6 de junho de 1966 e pro-
mulgada pelo Decreto n. 58.563, de 1 de junho de 1966, com as emendas introduzidas pelo Protocolo
de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956. Foi ratificada em 12 de
setembro de 1958 pelo Decreto Legislativo n. 6, de 11 de junho de 1958. (Decreto de Promulgação n.
49.981, de 8 de setembro de 1959.
4 Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 24, de 29 de maio de 1956, ratificada em 25 de abril de 1957 e
promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25 de junho de 1957.
5 Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 20, de 30 de abril de 1965, ratificada em 18 de julho de 1965 e
promulgada pelo Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966.
231
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
6 Art. 203: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Pena
– detenção, de 1 (um) ano a 2 (dois) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”
232
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
7 “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: V – os crimes previstos em tratado ou conven-
ção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
8 “Art.109. Aos juízes federais compete processar e julgar: VI – os crimes contra a organização do trabalho
e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira” (Cons-
tituição da República Federativa do Brasil, 1988).
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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Ricardo Rezende Figueira
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(Orgs.)
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(Orgs.)
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Ricardo Rezende Figueira
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(Orgs.)
14 As metas do Plano e sua análise constam do Anexo ao Relatório Trabalho Escravo no Brasil do Século
XXI, da OIT, no site http://www.ilo.org/declaration.
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(Orgs.)
Considerações finais
A impunidade ainda é a principal mancha da política de combate ao tra-
balho escravo, apesar do crescimento das operações de repressão realizadas
pelo Governo. A responsabilidade pela impunidade é, em parte, do Judiciário,
que demorou cerca de 8 (oito) anos para decidir qual de suas jurisdições
seria competente para o processo e julgamento do crime de trabalho escra-
vo. Urge que os escravagistas sejam punidos com os rigores da lei, desde
o pagamento de multas trabalhistas, prisões exemplares, expropriação. A
atuação judiciária é sempre associada à impunidade, que se deve também
às legislações penal e processual penal brasileiras, que preveem penas pe-
quenas, a prescrição da pena e uma infinidade de recursos. Os criminosos
mais abastados obtêm nas leis processuais instrumentos suficientes para
impedir que qualquer processo chegue ao fim em menos de dez ou vinte
anos, quando muitos crimes já prescreveram.
A sociedade não tem sido educada em direitos humanos e, por isso, ig-
nora a realidade de trabalho escravo, nega e protege-a sob o argumento de
se tratar de costume, ou da melhor alternativa possível. Chega-se a afirmar
que é melhor o trabalho sob qualquer condição do que a falta dele.
A inclusão no mercado de trabalho do trabalhador proveniente da
escravidão é urgente, bem como é necessário reconhecê-lo como cidadão,
garantir-lhe os direitos básicos, por meio da alfabetização, da qualificação
profissional, instituir políticas públicas de geração de renda com a fixação
desse homem ao campo, proporcionando-lhe, e à família, assistência mé-
dica, odontológica, psicológica, escola adequada e digna para seus filhos,
terra, transporte, crédito, assistência técnica, enfim, uma reforma agrária
competente e real.
Referências
COSTA E SILVA, A. J. da. Plágio. In: Justitia, (Órgão da Procuradoria Geral de Jus-
tiça/Associação Paulista do Ministério Público), São Paulo, n. 39, p.10, 1962.
EMPRESAS ainda lucram com trabalho escravo. O Globo, Rio de Janeiro, 13
maio 2007b. p. 12.
FAZENDA de cana tinha 1.108 com escravos. O Globo, Rio de Janeiro, 3 jul.
2007 a. p.12.
FISCAIS denunciam pressões de senadores. O Globo, Rio de Janeiro, 22 de Jul.
2007. p. 10
242
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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243
Tratados e convenções internacionais
e seus reflexos (e inconsistências)
no tratamento da escravidão
pós-abolição
Nanci Valadares de Carvalho
1 Carta escrita por quatro escravos e, encabeçada por Peter Bestes, dirigida ao Presidente da Assembléia
de Boston nos Estados Unidos da América em 20 de abril de 1773, com o pedido de libertação para
voltarem à África.
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
2 Embora a noção de trabalho livre seja teoricamente controvertida, sua utilização aqui atende ao senso
comum da interpretação histórica. Cabe notar a presença de traços mercantis na escravidão do Islã
(CHEBEL, 2007).
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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(Orgs.)
3 Ver Introduction UN LDN. Historical Information Index Full-text search chapter XVIII.
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(Orgs.)
4 Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado, Informe Global em prosseguimento à declaração da OIT
relativa aos princípios e direitos fundamentais do trabalho. OIT, 93ª. reunião, 2005. Ver também: OIT.
Conferência Internacional do Trabalho, 89ª. Reunião, Genebra, 2001. Observar o informe de especialistas
convocado pela União Européia sobre o trabalho forçado em 2003.
250
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
5 Mine Labour Protection Campaign: bonded labour in small scale mining, Jodhpur, Rajastan, India, citado
no Informe I (B), nota 53. O governo da Índia por sugestão de uma comissão especialmente dedicada ao
tema da discriminação, chamada Mandal Comission, instituiu em 1980 um “sistema de discriminação
positiva” para os harijans (dalits ou intocáveis) e outros grupos atrasados enlistados – scheduled - de modo
a preencher cotas de 50% nas instituições educacionais e nos empregos públicos. Além dos intocáveis,
incluem-se no sistema de cotas na Índia também as tribos remanescentes e outros grupos em atraso
relativo em proporção à população por eles representada na sociedade. Para o conjunto desses grupos
mais indefinidos, a Suprema Corte estabeleceu uma cota total de 27%. Na Índia clássica,os dalits tinham
as seguintes ocupações: os cándala, cremavam e carregam os cadáveres e eram algozes de criminosos
condenados à morte. Somente poder-se-iam vestir com as roupas deixadas por esses mortos, ornarem-se
apenas com apetrechos de ferro e comer em vasilhas quebradas. Depois havia os nisadas, que eram os
caçadores—portanto, matavam. E os pescadores, chamados kaivartas e aqueles que trabalham curtume,
tirando o couro de diferentes animais. Todos estavam supostos a viverem em colônias mal cheirosas e
sujas em decorrência de sua própria ocupação. Os pukkusa são os limpadores de privadas e de chão. Ver
(AL BASHAUM, 2004). Também os que fazem os cestos e as charretes pertencem a essas castas. Cantores,
dançarinos e apresentadores de teatro de bonecos são também intocáveis e além do mais são nômades.
Nunca recebem diretamente o dinheiro do seu pagamento, pois devem sempre cobrir a parte da mão que
recebe o dinheiro ganho. Assim como recuam ao encontrar pessoas e não entram nas partes principais
das casas onde prestam serviços. Todos são considerados almas poluídas pela poluição do que fazem, e
sua presença carrega um sinal de má sorte, quebrando a corrente de qualquer rito que se celebre. Nos
tempos antigos antes de entrarem nas vilas tinham que se anunciar batendo claquete.
251
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
2. Inconsistências paradigmáticas
O trabalho forçado segundo a OIT engloba a escravidão contemporânea.
Ao se constituir em abuso contra a pessoa humana, requerendo sua aboli-
ção e, embora sejam quase duzentas as resoluções da OIT que o restrinjam,
ainda caracteriza a vida de muitas formas e em muitas partes, atingindo
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(Orgs.)
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novas contribuições críticas
Sr. Kofi Annan em 1997, DUDH se distingue pelo atributo da criação de uma
base comum para a compreensão dos direitos do homem (UN, 1998).
Por esta magna declaração todos possuem o direito à vida, à liberdade
e à segurança de sua pessoa. Ninguém deve ser mantido em escravidão
ou servidão, formas que devem ficar para sempre abolidas. A tortura e o
tratamento cruel, desumano e degradante ficam abolidos e estigmatizados,
pois em qualquer parte cada um deve ser reconhecido como uma pessoa
em plena posse dos seus direitos.
Estas prerrogativas sendo indivisíveis estabelecem a soma dos direitos
políticos, econômicos, sociais e culturais. A escassez de riqueza, educação,
informação e participação excluem a pessoa humana dos atributos do mundo
contemporâneo. Os direitos humanos são também universais e representam
uma síntese dos valores budistas, hinduístas, cristãos e judaicos, a definir
o bem e a solidariedade na família humana e aplicam-se a qualquer pessoa,
em qualquer parte.
Ainda que Mary Robinson chame a atenção para o fato de que a DUDH se
propõe como um farol iluminando o futuro de nossa espécie, distintamente
das práticas de desigualdade e violência presentes na vida dos povos; fica
impossível negar nesse mesmo mundo a indivisibilidade negativa da servidão
com a discriminação; da escravidão com o crime ambiental e da exploração
com a vulnerabilidade econômica.
Este enfoque propugna uma mudança conceitual que supera as defini-
ções paradigmáticas contidas nos tratados sobre o trabalho forçado.
Nem todos os países do mundo estão aptos a aceitar ainda hoje essa nova
matriz de definição dos direitos humanos com as suas formalizações técnicas
de aplicação concreta de reparações para uns e punições para outros.
Ao compreender as especificações associadas aos pactos concernentes à
DUDH que conjugam direitos e sistematizam punições para a efetiva aplica-
bilidade dos princípios gerais nela contidos, o Primeiro Ministro da Malásia,
secundado por outros representantes presentes ao 30º Encontro da ASEAN
(Associação de Nações do Sudeste Asiático) em Kuala Lampur, em 24 a 29 de
julho de 1997, conclamou a necessidade da revisão daquela Magna Declaração.
A base para tal o argumento foi de que a maioria dos países que compõe o Con-
certo Internacional permanecia sob o jugo colonial de alguns dos cinquenta e
oito países presentes em Paris em 1948. Deixou o triste alerta para o fato de que
os valores relativos à pessoa e à razão, cunhados em longos séculos pela história
do Ocidente, não se coadunariam com a realidade comunitária e religiosa de
muitos dos povos ora constituídos em estadosnação (BRANDÃO,1998,).
257
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Considerações finais
O Pacto de Westphalia ao ter iniciado a convivência regulada da vida
dos povos, ao atribuir consistência a todos os atos bilaterais e multilaterais
estabeleceu, desde sempre, que o sujeito de demandas seriam os gover-
nantes dos estados nacionais. Por todos esses séculos, a pessoa portadora
ou não de uma cidadania, ou as organizações civis que são os porta-vozes
de indivíduos e grupos na esfera internacional não teriam jurisdicidade
própria, concedida somente àquela que se derivasse da nacionalidade e da
representação internacional do estado de origem.
A tipificação de qualquer abuso como a tortura, a posse de uma pessoa
por outra e a exploração de seres vulneráveis no sistema internacional
assumia-se como violação dos direitos individuais tratados caso a caso nos
tribunais nacionais competentes.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos concebe que o indivíduo
de qualquer país se assuma na arena internacional como parte, e que tenha
voz, direito a juízo, sentença e opinião.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Referências
AL BASHAM. The wonder that was India. Oxford: Picador, 2004.
AUDI, Patricia. A escravidão não abolida. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos
Neves (Orgs.). Trabalho escravo contemporâneo, o desafio de superar a
negação. São Paulo: LTr, 2006.
BALES, Kevin; ROBBINS, Peter T. No one shall be held in slavery or servitude: a
critical analysis of international slavery. Human Rights Review, Netherlands,
v.2, n.2, p. 18-5, jan. 2001.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Campus, 1992.
BRANDÃO, Marco Antônio Diniz. A Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos – Monumento Permanente. In: Cinquenta Anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos. São Paulo: Konrad –Adenauer - Stiftung, 1998. (Série
Pesquisas, n. 8)
BORJA, Celio. Incorporação de Normas Internacionais ao Direito Brasileiro.
Rio de Janeiro: Dossiê, 2006. (CEBRI, v.1).
CASTILHO, E. W. Considerações sobre a interpretação jurídico-penal em ma-
téria de escravidão. Estudos Avançados, São Paulo, v.14, n.38, p.81-100, jan.
abr. 2000.
CAMARGO DE MELO, Luis Antônio. Premissas para um eficaz combate ao traba-
lho escravo. Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo, p.11-34,
set. 2003.
CHAKRABARTY, Dipesh. Habitations of modernity: essays in the Wake of
Subaltern Studies. Chicago: University of Chicago Press, 2000.
CHEBEL, M. L´ Esclavage em Terre d´ Islam. Paris: Fayard, 2007.
COMPARATO, Fábio Konder. Ética, São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO, 93., 2005. Genebra. Uma
aliança global contra o trabalho forçado: informe global em prosseguimento à
declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais do trabalho.
OIT: Genebra, 2005.
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO, 89., 2005. Genebra. Alto ao
trabajo forzoso: informe global em prosseguimento à declaração da OIT relativa
aos princípios e direitos fundamentais do trabalho. I (B). OIT: Genebra, 2001.
CONVENTION CONCERNING FORCE OR COMPULSORY LABOUR. Consolidated
Treaty Series. v. 320, local de publicação:UN, 1930.
261
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
262
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
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Tráfico de pessoas: cenário, atores e crime.
Em busca do respeito à dignidade humana
Waldimeiry Corrêa da Silva
Introdução
Quando falamos de Direitos Humanos tecnicamente estamos fazendo
referência à condição natural do homem (CANÇADO TRINDADE, 2006a, p.
15-36)1, ou de seu poder ou da sua faculdade de atuar, ou, em alguns casos,
da sua manobra para exigir determinada conduta de outro sujeito. A tipifi-
cação humana vem do fato de pertencer à raça humana, ou seja, o homem é
o único destinatário de direitos, que são inerentes à pessoa, caracterizados
como inalienáveis e imprescindíveis. Assim, pode-se reclamar seu reconhe-
cimento, respeito, tutela e promoção da parte de todos, e especialmente da
autoridade nacional, o Estado (CARBONARI, [19]).
Para que estes direitos humanos possam se realizar e serem reconhe-
cidos dentro de um âmbito real, devemos ter em conta a democracia como
forma de governo de um Estado. Nesse contexto, podemos dizer que o Estado
cumpre um papel fundamental, visto que as autoridades devem, além de
reconhecê-los - para que possa ser defendido -, colocá-los em prática, para
que possam desenvolver-se em um ambiente próspero. E também, respei-
tados para que possam efetivamente proteger a dignidade humana.
Por serem direitos universais, já que pertencem a todos os homens e
mulheres, independentemente de seu tempo ou lugar2, garante-se a possibili-
dade de que diante de situações similares a solução seja sempre a mesma. Sua
1 Nesta obra, o autor traça uma linha de reflexões sobre o despertar da consciência social para os impe-
rativos de proteção da pessoa humana e de reparação dos agravos contra esta perpetrados. Refere-se à
tríade responsabilidade-perdão-justiça, como manifestação da consciência jurídica universal, esta última
como fonte material de todo direito. Para uma melhor compreensão do tema de expansão dos regimes
de proteção jurídica direitos humanos, ver também CANÇADO TRINDADE, 2006b.
2 Ver Declaração de Viena de 1993. Conferência Mundial de Direitos Humanos. A/CONF.157/23.
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
3 Deste modo, a condição de escravo significa não dispor livremente de sua pessoa, com privação de seus
movimentos, visto que este era considerado uma “coisa”, uma mercadoria, objeto e propriedade. Ver
Finley, 1991; Saco, 1974. e Nabuco, 1998.
4 Conforme estabelecido pelo Estatuto de Roma de 1998 Parte II Art. 7.
5 DECRETO Lei N. 6.347/2008 - Aprova o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – PNETP.
266
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
6 Por motivos que estão vinculados ao seu reconhecimento histórico, os direitos humanos podem ser clas-
sificados em diferentes formas, mas a classificação mais comum os separa em três gerações: 1ª - direitos.
civis e políticos; 2ª - direitos. econômicos sociais e culturais; e, 3ª – direitos. da solidariedade. N.A.
7 A tipificação da escravidão internacionalmente aceita veio com a Convenção sobre a Escravidão de
1926, que foi considerada controvertida por parte da sociedade internacional por não especificar quais
as práticas que podem ser consideradas escravidão, bem como estar em desacordo sobre as estratégias
mais apropriadas para erradicá-la. O Convênio para Repressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração
da Prostituição Alheia, de 1949, inseriu a questão do tráfico de pessoas e exploração sexual no marco da
escravidão na Convenção Suplementaria sobre a Abolição da Escravidão, de 1956, o que vem a evidenciar
a necessidade de ampliar a definição de escravidão existente.
8 Art. 9 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: “$ 1… ninguém poderá ser privado de sua liberdade
salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.”
267
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
9 “Para o antropólogo americano K. Bales (2000: 19-22), na escravidão contemporânea a pessoa é tratada
como mercadoria, mesmo não havendo recibo, sendo ilegal e disfarçada”. Apud Figueira, 2004. p.41.
268
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
10 “Estos instrumentos eran el Acuerdo Internacional para asegurar una protección eficaz contra el tráfico
criminal denom)inado trata de blancas, de 18 de mayo de 1904, entró en vigor en 18/07/1905, League of
Nations Trety Series, vol. 1, pág. 83; o Convenio internacional para la represión de la Trata de brancas, de 4
de mayo de 1910, United Nations Treaty Series, vol. 98,p. 101; el Convenio internacional para la represión
de la trata de mujeres y niños, de 30 de septiembre de 1921, League of Nations Treaty Series, vol. 9, p.415
(entró en vigor para cada país en la fecha de su ratificación o adhesión); y el Convenio Internacional para la
represión de la trata de mujeres mayores de edad, de 11 de octubre de 1933. La Sociedad de las Naciones
elaboró en 1937 un nuevo proyecto de convenio, pero no fue aprobado.” HR/PUB/02/4, op. cit. p. 20.
269
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
11 “todo ato de captura, aquisição ou disposição de uma pessoa com intenção de submetê-la à escravidão;
(...) cessão por venda ou troca de uma pessoa, adquirida com intenção de vendê-la ou trocá-la, e em geral,
todo ato de comércio ou de transporte de escravo”. Convenção sobre a Escravidão de 1926, parágrafo 2
do artigo Primeiro.
12 A versão consultada para o presente foi a versão em espanhol: Convenio para la represión de la trata de
personas y de la explotación de la prostitución ajena, 1949. Adotado pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, em sua resolução 317 (IV), de 2 de dezembro de 1949. Entrada em vigor: 25 de julho de 1951.
Este foi ratificado pelo Governo brasileiro em 05/10/1951 e promulgada pelo decreto nº 46.981, de
08/10/1959.
13 “Las Partes en el presente Convenio se comprometen a castigar a toda persona que, para satisfacer las
pasiones de otra: 1) Concertare la prostitución de otra persona, aun con el consentimiento de tal per-
sona; 2) Explotare la prostitución de otra persona, aun con el consentimiento de tal persona.” Art. 1. 1.
do Convenio para la Represión de la trata de 1949.
14 Art. 17
15 DOC-NU: E/CN.4/2000/68 (2000), parágrafo 13 – Informe da Sra. COOMARASWAMY, Radhika (Relatório
especial sobre a violência contra a mulher, com inclusão de suas causas e consequências, sobre a trata
de mulheres, a migração de mulheres e a violência contra a mulher, apresentado conforme a resolução
1997/44 da Comissão de Direitos Humanos).
16 Do original em Español: Convención Suplementaria sobre la Abolición de la Esclavitud, la Trata de esclavos
y las instituciones y prácticas Análogas a la Esclavitud. Adotada por una Conferencia de Plenipotenciários
convocada pelo Conselho Econômico e Social na sua resolução 608 (XXI), de 30/04/1956. Em Genebra
07/09/1956, com entrada em vigor: 30/04/1957. Ratificada pelo Brasil, mediante o Decreto Nº 58.563,
de 01/06/1966.
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22 Para este assunto, Sandro Calvani, representante da Oficina de las Naciones Unidas Contra la Droga
y el Delito (UNODC), Bogotá Colombia, faz um comentário pormenorizado sobre a Convención de las
Naciones Unidas Contra la Delincuencia Organizada Transnacional. http://www.sandrocalvani.com/
speech/Conv.%20Palermo.pdf)
23 A partir deste Protocolo definiu-se trafficking como tráfico com fins de exploração seja para fins sexuais,
laborais ou trabalhos forçados e smuggling para tráfico ilegal de pessoas, tal como se pode observar no
art. 3 do Protocolo de Palermo. Para maiores comentários, ver Gallagher, 2001, p. 25-27.
24 Cf. Art. 3
25 Art. 2, 4, 5, 7 e 8
26 Art. 6
27 Art. 9
28 Art. 10
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(Orgs.)
32 “Do ponto de vista jurídico, a pessoa traficada para fins de exploração sexual é vítima, ou seja, sujeito
passivo do ilícito penal e/ou pessoa contra quem se comete o crime ou contravenção. A dimensão social,
por seu lado, tenta desgarrar esta percepção vitimizadora, a fim de não reforçar a ideia de submissão e
de ênfases no lado apenas subjetivo e moralista da questão” (PESTRAF, 2002, p. 46).
33 Neste ponto incide que é necessário voltar a incluir a prostituição nas agendas políticas e combater a
tendência a legalizar/regular a prostituição como trabalho.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Para essa autora trata-se de uma definição ampla que não leva em
consideração a idade e o sexo. Segundo seu posicionamento, para um incre-
mento da tipificação do tráfico seria necessário definir a exploração sexual
comercial como:
“... uma violência sexual que se realiza nas relações de produção e
mercado (consumo, oferta e excedente) através da venda dos serviços
sexuais das crianças e adolescentes pelas redes de comercialização
do sexo, por pais ou similares, ou por via do trabalho autônomo. Esta
prática é determinada não apenas pela violência estrutural (plano de
fundo), como pela violência social e interpessoal. É o resultado, tam-
bém, das transformações ocorridas nos sistemas de valores arbitrados
nas relações sociais, especialmente o patriarcalismo, o racismo, e a
separação social, antíteses da ideia de emancipação das liberdades
econômico/culturais e das sexualidades humanas”
De acordo com o Informe da Guarda Civil Espanhola, de 2003/2004, a
complexidade do fenômeno do tráfico de pessoas se deve ao fato de referir-
se a condutas criminais heterogêneas que têm como objetivo comum a
exploração de pessoas em suas distintas formas se destacam: prostituição,
34 Esses possíveis abusos sofridos pelas vítimas também se encontram destacados em: OIT, Trafico de
pessoas para fins de exploração sexual, Brasília, 2006, p. 61.
35 Adotada pela AG/NU em 20/11/1989, ratificada pelo Brasil em 21/11/1991.
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36 A OIT assinala como padrões mínimos de proteção e tratamento das vitimas: principio da não-
discriminação; segurança e tratamento justo; acesso à justiça – observar os direitos das vítimas que
são violados; direito à propositura de ações civis, indenizações; estatuto de residente e, saúde e outros
serviços. Organização Internacional do Trabalho, 2006. p 41.
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37 Foi Promulgado no Brasil, através do Decreto nº 5.017, de 12 de Março de 2004. Sobre a incorporação
de normas jurídicas internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, ver PIOVESAN, 2002 e CANÇADO
TRINDADE, 1996.
38 O Tráfico Internacional encontra-se tipificado no ordenamento jurídico brasileiro desde a edição do
Código Penal Republicano, de 1890, em seu art. 278, como a seguir: Induzir mulheres, seja abusando
de sua debilidade ou miséria, seja provocando-lhe o constrangimento por intimidações ou ameaças a
se utilizar no tráfico da prostituição. Do CP de 1890 ao de 1940, podemos observar que a legislação
brasileira continuou a restringir a tutela penal ao sexo feminino. Com a modificação do art. 231 do CP
de 1930, mediante a Lei n. 11. 106, de 28 de março de 2005, o tráfico deixa de ser restrito às mulheres,
alcançando qualquer pessoa, seguindo as orientações do Protocolo de Palermo.
39 O CP brasileiro utiliza o termo tráfico para fazer referencia a qualquer tipo de translado de pessoas.
Somente a partir de maiores debates e discussões de políticas públicas em 2006 começou a utilizar
tráfico para fazer referência à exploração sexual.
40 Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005 que altera os arts. 231 (entre outros) e acrescenta o art. 231-A
(do tráfico interno de pessoas).
41 “Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição
ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro”. LEI Nº 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005 Altera os
arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 – Código Penal e dá outras providências.
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42 “Promover: significa causar, diligenciar para que se realize. Enquanto Facilitar: tornar mais fácil, auxi-
liando, ajudando ou desenvolvendo”. JESUS, 2003, p. 89.
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43 Ver Anteprojeto de 1992 de Reforma da Parte Especial do Código Penal. A proposta classificava como
crimes contra a dignidade da pessoa humana os crimes relativos ao estado de escravidão; os crimes em
matéria de prostituição; os crimes de comércio do corpo humano de pessoa viva, entre outros. Do mesmo
modo aponta Leal (2002) sobre a necessidade do mudar o sentido que o restringe a prostituição, para o
de exploração sexual, e do conceito restritivo de coação ou ameaça para o conceito mais amplo de abuso,
que gera a situação de vulnerabilidade da pessoa traficada, cabendo aos estados a proteção das vítimas.
PESTRAF, 2002, p 187.
44 As penas na Itália variam de 8 a 20 anos, e também está prevista a multa. Na Bélgica também o período
vária de 5 – 15 anos. Já na Áustria, pode ir até 10 anos (nos casos de tráfico com fins de exploração).
(DOC-ONU: HR/PUB/02 - Op. cit. p. 90 –93). Na Espanha são estabelecidas penas de 2 a 4 anos (Cf. Art.
188, CP Español).
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45 Conforme o Decreto Lei 5.948 de 26/10/2006: “Art. 3o O Grupo de Trabalho será integrado por um
representante, titular e suplente, de cada órgão a seguir indicado: I - Secretaria Especial dos Direitos Hu-
manos da Presidência da República; II - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência
da República; III - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da
República; IV - Casa Civil da Presidência da República; V - Ministério da Justiça; VI - Ministério do Desen-
volvimento Social e Combate à Fome; VII - Ministério da Saúde; VIII - Ministério do Trabalho e Emprego;
IX - Ministério do Desenvolvimento Agrário; X - Ministério da Educação; XI - Ministério das Relações
Exteriores; XII - Ministério do Turismo; XIII - Ministério da Cultura; e XIV - Advocacia-Geral da União.”
46 Art. 1º do Decreto n. 5948 de 26 de outubro de 2006.
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Considerações finais
A partir da Convenção sobre a Escravidão de 1926, a comunidade inter-
nacional se organizou para elaborar normas que viessem garantir inicial-
mente a proteção às vítimas de exploração do trabalho, e posteriormente,
em 1949, salvaguardar os direitos das vítimas do Tráfico. Em sequência,
no ano de 2000 foi elaborado no seio das Nações Unidas o Protocolo de
Palermo que é parte do Convênio contra o crime organizado, que veio a
proporcionar a primeira tipificação internacionalmente reconhecida para
o Tráfico de Pessoas.
Cada Estado do sistema das Nações Unidas assumiu o compromisso
de garantir em seu domínio a defesa dos direitos e da dignidade do ser
humano.
55 Para a especialista Marina de Oliveira em tráfico de pessoas do UNODC, o PNETP é um avanço impor-
tante, pois “embora o Brasil ainda não tenha uma adaptação completa legislativa do Protocolo da ONU
contra o tráfico de pessoas, o plano permite o trabalho integrado em prevenção, repressão e proteção
às vítimas, ainda que algumas questões não sejam respaldadas na legislação”. Para Marina Oliveira, “o
plano também facilita a integração dos projetos do governo com organizações internacionais dentro do
marco estratégico do plano, o que permite ações integradas e mai efetivas”. Disponível em: (http://www.
unodc.org/brazil/pt/ungift_portuguese_plano.html)
56 Desenvolvido pelo Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(PRONASCI) marca uma iniciativa inédita no enfrentamento à criminalidade no país. O projeto articula
políticas de segurança com ações sociais; prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à
violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e segurança pública. (www.mj.gov.br).
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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(Orgs.)
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IV MIGRAÇÃO E TRABALHO
Mecanização do corte de cana crua e políticas
públicas compensatórias: indo direto ao ponto
Francisco Alves
Introdução
É digno e não é verdade
cortar cana e quebrar
é uma barbaridade
trabalho que o homem faz
por pura necessidade....” 1
A discussão sobre a mecanização do corte de cana tende a ocorrer, com
maior ênfase, em dois momentos: quando o Complexo Agroindustrial Cana-
vieiro – CAI - Brasileiro entra numa fase expansiva, ou quando a sociedade
exige ações contra os danos sociais e ambientais causados pela atividade.
Neste momento, em que o Complexo Agroindustrial Canavieiro atravessa
mais uma de suas muitas fases expansivas, a discussão sobre a mecanização
completa do corte de cana voltou à agenda. Há dois fatores novos e articu-
lados nesta discussão, neste momento, além, é claro, do grande aumento
da produção de cana, de açúcar e de álcool. O primeiro, é a repercussão na
imprensa nacional e internacional das péssimas condições de trabalho dos
cortadores de cana; o segundo, é a possibilidade do álcool vir a tornar-se uma
nova commodity do complexo, com isto, os países, potenciais importadores de
1 Pedro Costa, repentista e poeta popular do Piauí, citado por Novaes, J.R.; Alves, F. (2007).
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(Orgs.)
2 Na última visita da Chanceler Alemã ao Brasil, em junho de 2008, ela deixou claro, falando não apenas em
nome da Alemanha, mas da Comunidade Européia, que a inclusão do álcool brasileiro à matriz energética
alemã e européia, depende dos produtores demonstrarem que não há exploração de trabalho escravo e
infantil e que não há plantação de cana na Amazônia.
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3 Biocombustível está com aspas porque é necessário datar este termo. Este termo passa a ser usado no
Brasil após a visita do Presidente dos EUA, em março de 2007. A partir desta data o álcool passa a ser
etanol e combustíveis renováveis passam a ser chamados de biocombustíveis. Esta nova denominação
tem um forte apelo de marketing, pois une bio, que significa vida, com combustível, energia, opondo este
aos chamados combustíveis fósseis, que derivam de matéria orgânica morta.
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(Orgs.)
4 A principal fonte de recursos do BNDES e a que tem mais baixo custo de captação é o Fundo de Amparo
aos Trabalhadores (FAT), que tem como fonte principal os recursos do PIS e do PASEP, portanto, perten-
cem, em última instância, aos trabalhadores. O que não se entende é o seguinte: se os recursos são do
BNDES e se pertencem aos trabalhadores; pois são oriundos de um fundo pertencente aos trabalhadores,
por que o banco não impõe rígidas normas sociais e ambientais que reduzam o enorme passivo social
e ambiental do CAI canavieiro?
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2 A modernização perversa
A denominação desta fase como Modernização Perversa se deve ao fato
dela modificar a base técnica de produção sem alterar o essencial das relações
de trabalho. A forma de contratação de trabalhadores por tempo determinado,
a prevalência de pagamento por produção, elevada informalidade, a terceiri-
zação são a herança das relações de trabalho do período anterior. A forma de
contratação dos trabalhadores combinada com o pagamento por produção,
que levam, como veremos a seguir, ao aumento de horas de trabalho, com
consequência para a saúde culminando em mortes por excesso de trabalho.
As inovações tecnológicas no processamento agroindustrial se deram
na direção da automação total com a introdução dos Sistemas Digitais de
Controle Distribuídos (SDCD). Isto provocou o aumento da produtividade
do trabalho industrial e o aumento da integração dos processos gerenciais e
logísticos (ASSUMPÇÃO, 2001). Na área agrícola, as mudanças tecnológicas
e organizacionais mais nítidas são marcadas pelas seguintes características:
aumento da intensidade do trabalho, maior rigor na seleção de trabalhado-
res, logística de integração agricultura/indústria; mecanização do plantio e
do corte de cana e terceirização de atividades.
2.1 A mecanização do corte a passos lentos
Após o ciclo de greves, iniciado em Guariba em 1984, as usinas implemen-
taram um vigoroso processo de mecanização do corte de cana queimada (AL-
VES, 1991). Este processo introduziu máquinas colheitadeiras, operadas por
um pequeno conjunto de homens, substituíram, a um só tempo, o trabalho dos
cortadores de cana e de operadores de máquinas carregadeiras (guinchos).
A mecanização da colheita de cana, que inicialmente se deu com cana
queimada e em decorrência do crescimento do poder de barganha dos tra-
balhadores, com as greves, foi empregada pelos empresários, no final dos
anos 80 e início da década de 1990, com canas queimadas.
A luta contra a queima de cana mobilizou, e ainda mobiliza, um amplo
conjunto de organizações da sociedade civil (ONGs ambientalistas, pro-
motores públicos, vereadores e outras organizações sociais). Mesmo com
esta ampla mobilização não logrou o fim das queimadas de cana. Porém,
provocou a celebração de um pacto, em 1998, chamado Acordo dos Bandei-
rantes5. Este acordo (protocolo de intenções de adesão voluntária), firmado
5 Acordo dos Bandeirantes foi o nome dado ao acordo selado entre o Governador do Estado de São Paulo,
Mário Covas, Representantes das usinas do Estado, Representantes dos fornecedores de cana e repre-
sentantes dos trabalhadores, em 1988, no Palácio dos Bandeirantes, que acordava o fim da queima de
cana em todo o Estado de São Paulo para 2006.
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(Orgs.)
6 É interessante perceber, que tanto o acordo de 1998, quanto o de 2007 estabeleceram 8 anos como prazo
para a mecanização e fim da queima para as áreas mecanizáveis.
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3 Processo de trabalho
O Quadro 1 mostra que, ao longo da década de 1990, embora tenha ha-
vido redução do número de trabalhadores empregados, o trabalho manual
do corte de cana não apenas não foi plenamente substituído pelas máquinas,
como houve um forte aumento da produtividade do trabalho no corte e uma
gritante piora na qualidade de trabalho (o que será mostrado a seguir).
TOTAL
ANOS PNAD RAIS CNAE 1.139
PNAD
Com Carteira Sem Carteira Formais (31/12) Total *
1995 625,16 396,05 229,11 146,91 380,29
1996 645,78 409,98 235,80 134,14 329,10
1997 451,08 294,36 156,72 144,83 360,21
1998 455,44 302,06 153,38 159,23 378,79
1999 450,13 342,99 107,14 - -
2000 - 147,44 356,99
2001 415,09 270,20 144,89 144,94 400,32
2002 451,36 310,94 140,42 133,29 367,62
2003 448,88 309,00 139,88 147,34 382,68
2004 494,08 343,67 150,41 149,79 388,14
2005 519,52 378,38 141,14 155,24 414,67
Quadro 1 - Cana-de-açúcar: evolução do nº de empregados formais e informais no
Brasil (mil)
Fonte: DELGADO; SANTANA (2008).
302
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9 Talhão é a área onde é plantada a cana e esta é delimitada pelos carreadores, ou vias, onde trafegam os
caminhões e as máquinas agrícolas. Em geral os talhões são retangulares, porque esta forma possibilita
o melhor tráfego das máquinas e caminhões, mas dependendo das condições do terreno estes podem
ser trapézios, losangos ou um outro polígono qualquer.
10 Pagamento por metro quadrado é fartamente utilizado em setores de produção que trabalham com
área, tais como construção civil, nestas, a medida do trabalho é a área construída e os trabalhadores são
remunerados pelo valor do metro quadrado. Na agricultura, inclusive, o metro quadrado é utilizado para
vários pagamentos, tais como: pagamento para atividades mecanizadas; pagamento de arrendamento
de terra. Portanto não há justificativas plausíveis para a não utilização do metro quadrado como medida
da produção no corte de cana..
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11 No Estado de São Paulo desde a Greve de Leme de 1986 ficou convencionado o pagamento dos traba-
lhadores por preço da tonelada de cana convertido em preço do metro de cana. Esta conversão é feita
através de um método de amostragem utilizando-se um caminhão de carregamento de cana, que é
chamado de campeão. Este caminhão depois de enchido com cana de três pontos do talhão é pesado na
usina e a partir desta pesagem converte-se o valor da tonelada em valor do metro.
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(Orgs.)
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13 Não há números precisos sobre a quantidade de trabalhadores na atividade de corte de cana. Para isto seria
necessário que as empresas fornecessem tais dados, porque a captação de informações sobre trabalhadores
temporários e migrantes é imprecisa pelos instrumentos de pesquisas existentes. Do lado dos empresários só
há a divulgação de dados sobre o número de trabalhadores formais, como existe uma elevada terceirização
e uma elevada informalidade na contratação destes trabalhadores, estes dados são parciais.
14 A quantidade de migrantes e, dentre estes os pendulares, isto é, aqueles que vêem para safra e retornam
na entre-safra, é calculada em 70% pelo Serviço da Pastoral do Migrante de Guariba.
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(Orgs.)
15 Este cálculo se baseia em jornada de trabalho de 6 horas diárias como determina a Constituição de
1988, para empresas que operam diuturnamente, e na necessidade de trabalhadores adicionais para
suprir as pausas e afastamento de trabalhadores com isto cria-se a necessidade de:: 20 operadores de
colheitadeiras; 20 mecânicos e auxiliares; 10 operadores de caminhões comboios; 10 operadores de
caminhões pipa e 6 operadores de trator esteira, além de operadores que operam veículos leves, que
transportam peças e material sobressalente às máquinas operadoras de cada frente de corte.
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16 PAS - Programa de Ação Social, existente em lei desde 1937, que determina a aplicação de 1% do fatu-
ramento em cana e açúcar e 2% do álcool.
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(Orgs.)
17 Para o corte mecanizado é necessário, além de baixa declividade e eliminação de acidentes pedológicos,
que os talhões sejam longos e retangulares, para evitar excesso de manobras das máquinas, o que eleva
o gasto com combustível e necessidade de manutenção.
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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4.2 Adoção de medidas imediatas para mudança das relações de trabalho em regiões
canavieiras
O fim da queima com a total mecanização do corte só ocorrerá se usinei-
ros e fornecedores de cana aderirem ao protocolo de intenções do Governo
estadual. Neste, o fim da queima e a mecanização se dará em 2014, nas áreas
mecanizáveis, e em 2020, nas não mecanizáveis. Dado este intervalo de
tempo, propomos que se iniciem as políticas propostas em 1 e 2 e, se adote
de imediato o que se segue, visando a introdução de uma nova Política de
Relação de Trabalho:
I – Fim das terceirizações com o contrato direto de trabalho, sem
intermediários, entre usinas/fornecedores de cana com os traba-
lhadores;
II - Introdução do controle da produção com base na quadra fechada,
sob controle dos trabalhadores;
III – Fim do pagamento por produção, com a introdução do pagamento de
salário fixo, baseado em horas trabalhadas para todas as atividades
agrícolas e não agrícolas do Complexo Agroindustrial Canavieiro.
Conclusão
Acreditamos que é crucial que a sociedade aproveite esta fase expansiva
do Complexo para apresentar suas propostas na direção do desenvolvimento
sustentável. Nos momentos de expansão, em que está havendo crescimento
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
dos lucros, a obtenção de conquistas são mais frequentes do que nos períodos
de recessão. Desta forma, a sociedade não pode deixar que a expansão da
canavicultura seja decidida apenas pelos empresários, é necessário que as
demandas sociais sejam apresentadas e sejam implementadas, porque senão
teremos um novo ciclo de expansão igual aos anteriores, que provocaram
aumento dos passivos sociais e ambientais.
Referências
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cortadores de cana da região de Araraquara. São Paulo: Fundacentro, 1996.
314
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
315
Acre, desenvolvimentismo
e reservas extrativistas
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior
Introdução
O Estado do Acre localiza-se no extremo ocidental da Amazônia brasi-
leira e faz fronteira com a Bolívia e o Peru. Na segunda metade do séc. XIX,
foi ocupado por brasileiros e, na primeira década do séc. XX, incorporado
definitivamente ao território nacional do Brasil. A Região Amazônica é cada
vez mais representada como internacionalmente estratégica, pois abriga a
maior floresta tropical do mundo e é alvo de interesses relativos, por um
lado, à exploração de seus recursos naturais, incluindo a extraordinária bio-
diversidade, e, por outro, à manutenção do ameaçado equilíbrio ambiental
do planeta.
Do final do século XIX até meados do século XX, a principal forma de
ocupação econômica da Amazônia brasileira foi a empresa seringalista,
destinada à produção de borracha natural, a partir da extração do látex da
Havea brasilienses (popularmente conhecida como seringueira). A empresa
seringalista, ao mesmo tempo em que propiciou um modo de apropriação
de riquezas florestais de baixo impacto ambiental, pois pressupunha a ma-
nutenção da floresta em pé para extração do látex, afirmou-se a partir de
um modo de exploração da mão-de-obra que pode ser percebido como uma
das modalidades contemporâneas de trabalho escravo1.
1 A manutenção no mundo contemporâneo de formas de exploração da mão-de-obra que podem ser in-
terpretadas como trabalho escravo, em suas várias modalidades e diferentes denominações (escravidão,
servidão, trabalho escravo, redução de pessoas a condições análogas à de escravo, trabalho escravo por
dívida, semi-servidão, trabalho forçado) é estudada por uma série de estudiosos. No Brasil, podemos
destacar Esterci (1994), Martins (1994), Figueira (2004), dentre outros.
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gem alemã, foi mantida uma linha pastoral que, nos confrontos internos da
Igreja Católica, passou a ser reconhecida como conservadora. Já no Vale do
Rio Acre, na Prelazia de Rio Branco, constatava-se a crescente influência
de uma orientação pastoral identificada com o que viria a ser chamada de
corrente progressista da Igreja, associada à, então em formação, Teologia
da Libertação.
1.1 O Vale do Rio Acre
A Igreja no Vale do Rio Acre, na década de 1970, se caracteriza pelo
estímulo à formação de Comunidades Eclesiais de Base, com forte ênfase na
organização e atuação partidária e sindical de seus membros. Desta forma,
há uma nítida aproximação de padres, freiras e agentes pastorais com os
núcleos de resistência de seringueiros à exploração da mão-de-obra no sis-
tema de aviamento2 e, principalmente, às ameaças de expulsão da floresta
advindas com a nascente perspectiva de pecuarização do Acre (PAULA, 1991;
ALMEIDA, 1992; SANT’ANA JÚNIOR, 2004).
É também no Vale do Rio Acre que se inicia a expansão das Rodovias,
marca típica dos Planos de Integração Nacional (PIN), implementados a
partir do final dos anos 1960, pelo regime ditatorial. A BR 317, que liga o
Brasil ao Peru, segue paralela ao Rio Acre, ligando as sedes dos municípios
de Rio Branco, Senador Guiomard, Capixaba, Xapuri, Epitaciolândia, Brasiléia
e Assis Brasil. Já a BR 364, cujo trajeto final liga as cidades de Rio Branco e
Cruzeiro do Sul, é marcada por dificuldades operacionais decorrentes do
grande número de rios que deve atravessar e da ausência de pedras no en-
torno de seu trajeto para confecção do asfalto e de sua base. Tem boa parte
de seu percurso ainda sem asfaltamento, tornando-se trafegável somente
no período das secas.
Desta forma, as estradas que efetivamente ligam o Acre ao restante do
país e que, desde a sua construção lograram produzir um grande interesse
em empreendimentos pecuários, chegaram primeiro ao Vale do Rio Acre e,
nesta região, provocaram processos de desmatamento, com consequentes
expulsão de seringueiros da floresta e conflitos sociais daí resultantes.
Os desmatamentos e expulsão de seringueiros estavam diretamente
relacionados com o projeto do Governo Federal, encampado pelo Governo
2 Como a empresa seringalista, desde o final da Segunda Grande Guerra (1939), gradativamente, perdia sua
importância econômica, no Vale do Rio Acre, principalmente, o controle sobre a mão-de-obra seringueira
passou por processos relaxamento, o que permitiu uma autonomização crescente dos seringueiros e
o estabelecimento de um modo de vida próprio, ampliando a resistência ao sistema de aviamento
(SANT’ANA JÚNIOR, 2004).
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Foi o Wilson Pinheiro quem surgiu com a ideia do empate... O quê que
era o empate? Empatar significa: nós, para sobreviver aqui na floresta, nós
não precisamos desmatar, nos não precisamos fazer o desmatamento. Mas,
também, se eles desmatarem nós não temos como ficar aqui, porque o que
nós sabemos fazer é cortar seringa, quebrar castanha, trabalhar no extrati-
vismo. Ninguém está adaptado à agricultura. Então, vamos empatar: nem nós
derrubamos nem eles derrubam, então está empate. Nós não derrubamos,
mas eles também não derrubam. Só que para nós era uma vitória, porque se
a floresta ficasse em pé, nós sobrevivíamos (Entrevista realizada pelo autor
do artigo em 05 ago. 1999).
Nos conflitos resultantes da resistência à expulsão e contra a derrubada
da floresta, os seringueiros contaram com o apoio da Igreja Católica e com
a presença da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG), através de seu delegado sindical, João Maia, que foi deslocado
para o Acre com a missão de contribuir para a organização de sindicatos de
trabalhadores rurais e, posteriormente, da Federação dos Trabalhadores na
Agricultura do Acre – FETACRE.
Entre 1975 e 1977 foram fundados sindicatos nos sete municípios que,
então, existiam no Acre (PAULA, 1991; SANT’ANA JÚNIOR, 2004). Conco-
mitantemente à constituição do movimento sindical e das Comunidades
Eclesiais de Base (CEB), aconteceu a discussão sobre a criação do que viria
a ser o Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo Osmarino Amâncio, “tanto
fazia o cara ser da Igreja, como ser do PT, como ser do sindicato, na hora de
discutir estavam ali as mesmas pessoas. Então, quando fazia uma reunião,
para não perder tempo, fazia logo as reuniões do sindicato, do partido e da
Igreja” (Entrevista realizada em 4 ago. 1999).
No PT, além dos militantes ligados à Igreja Católica, podemos destacar a
presença de militantes vinculados a grupos e partidos clandestinos, que se
abrigavam sob sua legenda. Dentre estes, no Acre, o Partido Revolucionário
Comunista (PRC) teve bastante influência e contou entre seus membros com
Chico Mendes e Marina Silva, por exemplo. Toda esta mobilização política e
social era mais expressiva no Vale do Rio Acre, tendo os municípios de Bra-
siléia e Xapuri, que estavam na rota de expansão da BR 317, como principais
centros das lutas dos seringueiros.
O movimento de seringueiros, ao insurgir-se contra os desmatamentos
demandados para implantação da pecuária extensiva, buscava garantir a
manutenção das condições da reprodução social e econômica da categoria. A
luta contra os desmatamentos, mesmo que inicialmente de forma não inten-
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4 Especializado em abrir estradas de seringas (trilhas abertas na floresta ligando várias seringueiras) e
distribuí-las para os seringueiros.
5 Cada seringueiro explora, em média, três estradas de seringa. Normalmente, no verão, período de poucas
chuvas, cada estrada de seringa é percorrida de três em três dias, para o corte e colheita do látex. A renda
era cobrada anualmente e correspondia a aproximadamente um terço da produção.
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6 Chico Ginu se refere ao período em que foi eleito Delegado Sindical no Sindicato de Trabalhadores Rurais
de Cruzeiro do Sul.
7 Mauro Almeida é acreano e professor e pesquisador da UNICAMP. Sua tese de doutorado foi sobre os
seringueiros do Alto Juruá e vem atuando como assessor do Conselho Nacional de Seringueiros, desde
sua criação, com especial atenção ao movimento de seringueiros no Alto Juruá.
8 Antonio Luiz Batista de Macedo, atuou como indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e par-
ticipou do processo de implantação do Conselho Nacional dos Seringueiros no Vale do Rio Juruá, tendo
sido o primeiro Coordenador daquela regional.
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um dia por dentro dos rios alagados para poder encontrar. Daí nós
começamos os trabalhos com as comunidades (Entrevista realizada
pelo autor do artigo em 9 nov. 2006).
Com a presença de Antonio Macedo e o envolvimento de Chico Ginu, foi
criado o Conselho Nacional dos Seringueiros/Vale do Juruá (CNS/VJ), que
era uma regional do Conselho Nacional. Esta regional buscou articular o
que havia de resistência dos seringueiros e, em 1989, foi criada a primeira
associação de seringueiros, a Associação dos Seringueiros e Agricultores da
Bacia do Rio Tejo. Esta Associação conseguiu articular um financiamento do
BNDES para criação de micro-cooperativa, que pudesse garantir o forneci-
mento de mercadorias para os seringueiros no interior da floresta e, desta
forma, criar alternativas ao controle que os “patrões” ainda exerciam sobre
os seringueiros9. A criação da Cooperativa era um passo rumo ao objetivo
assumido pelo Conselho Nacional dos Seringueiros, que era a criação das
Reservas Extrativistas. Segundo Chico Ginu, “nesse período de 89, nós já tra-
balhávamos totalmente com o propósito de criação da Reserva Extrativista”
(Entrevista realizada pelo autor do artigo em 9 nov. 2006).
1.3 O processo de criação das Resex Chico Mendes e Alto Juruá
Enfrentamentos constantes, conflitos, “empates”, mortes e perseguições
intensas, levaram os seringueiros à re-significar sua identidade, então liga-
da ao empreendimento seringalista decadente e, portanto, desvalorizada.
Procuram, então, relacioná-la, cada vez mais, com a defesa da floresta,
apresentando-se como “guardiões da floresta” (ESTEVES, 1999, p. 231-238),
de forma que permitiu uma rápida articulação com movimentos ambienta-
listas e sociais locais, nacionais e internacionais.
A crescente ambientalização dos conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004)
provocou a emergência de novas práticas e conceitos nestes mesmos mo-
vimentos, permitindo o surgimento do que hoje vem sendo chamado de
socioambientalismo.
Os movimentos sociais no Estado do Acre assumiram um forte papel na
consolidação do socioambientalismo, como movimento, e atuaram como
protagonistas na construção de uma modalidade de Unidade de Conservação
que se constituiu em uma novidade jurídica, que é a Reserva Extrativista.
9 Para uma análise detalhada do processo de criação desta cooperativa, dos passos dados e dos problemas
surgidos, ver Franco (1994).
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10 Apesar de ser denominado de Encontro Nacional dos Seringueiros, participaram do evento outras
categorias de extrativistas como quebradeiras de coco do babaçu, pescadores artesanais, ribeirinhos.
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Conclusão
A discussão atual sobre as Reservas Extrativistas não pode passar ao
largo de uma discussão sobre o papel do Estado na consolidação destas
reservas enquanto espaço de garantia da convivência entre produção e
conservação ambiental. Tanto na fiscalização das práticas produtivas e das
ações de agentes sociais externos às reservas, quanto no incentivo e supor-
te a práticas produtivas não degradantes e na remuneração por serviços
ambientais, o Estado não pode se ausentar, sob pena de colocar em risco
a viabilização das Reservas Extrativistas. Estes territórios não podem ser
submetidos às leis do mercado, pois o mercado moderno, centrado no lucro
individual e imediato, não é e, por esta característica, não pode ser uma
instância a ser acionada para garantia da conservação.
Por outro lado, a simples culpabilização das populações extrativistas não
corresponde a uma leitura sociológica séria dos processos sociais nos quais
estão inseridas. A monetarização da vida, o crescente apelo a novas formas
de consumo, a ampliação das necessidades relativas à educação e à saúde,
aliados à expansão da demanda por recursos naturais e de incorporação de
novos territórios às práticas produtivas necessárias à ampliação do consumo
pressionam fortemente estas populações a alterarem sua forma de viver e
produzir, ameaçando formas tradicionais de organização da produção e,
consequentemente, a conservação ambiental
Referências
ALMEIDA, Mauro William Barbosa de. Rubber Tappers of the Upper Jurua River,
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força de trabalho hoje. Rio de Janeiro: CEDI/Koinonia, 1994.
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Introdução
Os estados do Nordeste têm sido os grandes fornecedores de mão de obra
sazonal para o Mato Grosso, sendo o corte de cana a atividade básica nessa
modalidade de migração. São oito áreas com nove unidades produzindo
520.989 toneladas de açúcar e 770.584m3 de álcool (anidro e hidratado).
As rodovias federais abertas na Amazônia funcionam como corredores
migratórios, estimulando a busca dessas áreas e, também do trabalho dito
não qualificado do peão no desmate, formação e roço de pastos, construção
de cercas entre outras atividades.
Esses trabalhadores, como já está fartamente demonstrado pela litera-
tura, vivem em situação de pobreza, ou com renda de dois dólares ou menos
por dia, situação que atinge boa parte da população trabalhadora do atual
mundo globalizado segundo dados da Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (CEPAL), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi-
mento (PNUD) e Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Em levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Piauí
demonstrou-se que: 71% dos trabalhadores daquele estado tinham renda
familiar de menos de 1 salário mínimo; 93% dos que migram são homens;
51,7% são analfabetos ou possuem o primeiro nível do ensino fundamental;
90,8% migram para o trabalho temporário e apenas 23% declararam ter
migrado para trabalhar uma única vez, entre 1999 e 2004.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Pode ser de difícil compreensão que uma pessoa que tenha uma vida
organizada, mesmo que marcada pela necessidade econômica, abra mão
disso por orgulho, mas essa explicação aparece com frequência entre esses
trabalhadores. Uma vez migrados, eles relutam em voltar para suas casas
e para o convívio de seus familiares, quando a viagem não deu o resultado
esperado, mesmo que a responsabilidade pelo insucesso não lhe caiba. Se
o endividamento na empreita consumiu seu salário, se a fatalidade de uma
malária o atingiu e o obrigou a gastos maiores, qualquer que seja a razão,
é frequente ouvir em seus relatos que sem o dinheiro buscado, não voltam.
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Preferem rumar para outra empreita na expectativa de que dessa vez con-
sigam juntar algum recurso.
Bastante lúcida é sua percepção sobre os locais nos quais terão chan-
ces de trabalho. Sabem que nas áreas já abertas, mecanizadas, os espaços
profissionais estão tomados. Sabem que, mesmo enfrentando as situações
descritas acima, a fronteira é o lugar aonde ainda têm espaço:
No Sul hoje, com o que eu sei fazê, eu não me arriscava. Eu não trabalho
mais lá. Não tenho mais mercado de trabalho. E aqui eu tenho. [...] Aqui
o meu trabalho eu já não posso mais fazê isso, mas no Pará eu posso, no
Amazonas eu posso, no Acre, prá lá, prá qualquer lugar aonde tá difícil.
Onde tá a malária, aonde tá o pistolêro, onde tá o gato, onde tá o povo
é aonde o peão vai achá o serviço, porque o que é especializado não vai
querê tá nesse meio. Então vai essas pessoas menos capacitada. Por
isso que o pessoal diz: - mas vem do Maranhão. Aquilo tudo é gente
de coragem. Que o que não tem coragem de estabilizá não vem. Vem
aquele que tá com problema lá no Piauí, no Maranhão, no Tocantins,
então êle vem pra cá prá enfrentá a vida e a maioria não volta. Por
algum motivo uns morre. Outros fica com vergonha de voltá, que êle
acha que veio prá ganhá um dinherão, acaba não ganhando nada e
cada vez vai tocando a cara mais prá frente que nunca mais volta. E
nunca ninguém sabe dele. Nunca mais dá notícia.2
íntese da situação dos trabalhadores migrantes nessas áreas de fron-
teira mostra que estão ali não por opção, mas por imposição. Os estudos
da CPT do Piauí demonstram claramente que a maioria (95,5%), dos que
viajam assim fazem por falta de alternativa financeira e destes, 56% viajam
com grupos de trabalhadores contratados por empresas ou aliciados por
empreiteiros. Muitos caem nesse círculo das migrações, outros migram para
cidades maiores em busca de trabalho e há ainda os que retornam para seus
Estados para migrar no próximo ano.
A grande Cuiabá possui um grande cinturão de pobreza à sua volta
a saber que 41% da população de Várzea Grande (MT), município desta
região com pouco mais de 200 mil habitantes, está na condição de miséria,
25% da população do Estado vive com R$ 80,00 por mês ou menos. (MATO
GROSSO TEM..., 2002).
As taxas de abandono do ensino fundamental chegam a 29%, famílias
desestruturadas vivem em barracos feitos com pedaços de madeira. Alguns
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tos e outros crimes contra a pessoa. No Brasil, entre 1985 e 2001 morreram
no campo 1.237 pessoas.3 Somente em 2006 foram registradas 207 ameaças
de morte, 72 tentativas e 36 assassinatos (ALMEIDA, 2006)
Em relação ao trabalho escravo, os números oficiais do Ministério do
Trabalho Emprego relativos a 2006 indicam que do total de 3.075 traba-
lhadores libertados no Brasil, 376 estavam em Mato Grosso. Em 2008, a
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) do Mato Grosso/
MT registrou 154 trabalhadores resgatados até julho.
Nessas áreas o processo de tornar natural a violência e o desconheci-
mento ou descrença no poder do estado, se fazem presentes. A isto soma-
se o fato de que os poucos representantes do poder público nesses locais,
com honrosas exceções, ou sentem-se impotentes para fazerem frente às
situações que se lhes apresentam ou assumem a função de reafirmadores
dessa conduta.
Uma senhora que havia sido dona de um bordel, quando procurada
para conversar sobre um fato particular com o qual havíamos tido contato
em outros depoimentos, responde-nos com narrativa de cotidiano de vida
familiar e de muito trabalho. Se houve tráfico humano, se ela esteve envol-
vida, por mais que as evidências exteriores nos permitam constatá-las, em
sua memória, sua vida aparece marcada por outras cores. O mesmo ocorre
quando o assunto é exploração do trabalho dos peões. Hoje os discursos
sobre direitos trabalhistas, a legalidade, estão incorporados e fluem com
facilidade em qualquer conversa com empreiteiros ou proprietários rurais,
mesmo que as operações do Grupo Móvel continuem a encontrar todos os
problemas trabalhistas aqui tratados.
No Brasil, Os principais traços encontrados na relação trabalhista de
exploração de trabalho são: predominância de uso pelo setor privado, no
setor primário; endividamento induzido como método de coação; preca-
riedade da situação jurídica de milhões de pessoas expressa no Brasil pela
falta de certidão de nascimento; ausência de leis mais eficientes para coibir
e punir tais crimes.
Nessas áreas de fronteira, são outras as estruturas de poder que se arti-
culam, outras as redes de solidariedade, que muitas vezes fazem um trabalho
extremamente importante, pois representam o fio de esperança para milha-
res de pessoas marginalizadas, mas estão constituídas em uma fragilidade
3 472 pessoas no Pará (38,15%), 107 no Maranhão (8,64%), 89 na Bahia (7,19%), 86 no Mato Grosso
(6,95%), 68 em Minas Gerais (5,49%). Os dados são da Comissão Pastoral da Terra.
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fizer cara feia ainda leva uns tabefes [...] diz que o bicho comeu meia dúzia
de limão [gargalhada] e ia pro curral e ficava lá ajoelhado [rindo bastante]
aqui tem um cara, não vou nem falar o nome dele [risos] é um cara aqui que
acharam que ele tinha cara de cantor. Então perto do curral tinha uma árvore
bem alta, diz que passaram a mão numa metralhadora, “sobe lá na árvore”
[gritando] “mas como eu vou subir lá?” “Sobe seu desgraçado!” e “pá!” [som
de tiro] e o cara subiu na árvore, virou um macaco e subiu lá. “e agora você
não me para de cantar, se parar leva bala” diz que o cara cantou Fuscão Preto
lá um bom tempo. Até uma hora a polícia deu uma bobeira e ele enfiou o pé no
mato [...] descalço, diz que ele ficou sumido mais de semana no meio da mata,
parece que ele ficou meio alterado [...] tudo machucado, tudo desgraçado e
meio tantan, mas hoje ele já melhorou um pouco.4
O entrevistado, um representante do poder local narra em tom de “bate-
papo” um episódio permeado de irregularidades. Em sua fala as surras, o
curral, a tortura, aparecem como naturalizadas. A violência policial aparece
banalizada. Aos torturados nada além da constatação do merecido castigo.
Ele, médico da cidade, atendeu pessoalmente a algumas das vítimas daquela
ação. Foi testemunha ocular dos seus efeitos. O padre não contou com a
complacência dos seus algozes. Foi surrado duramente. A expressão “quase
morreu” utilizada no depoimento não é simplesmente um artifício retórico,
mas remete à pequena distância entre deixar viver ou não quem quer que
se coloque entre aquela elite local e seu projeto de ocupação.
Essas redes de conivência são também compostas por pequenos comer-
ciantes, donos de pensões que fornecem a alimentação para os trabalhadores,
donos de hotéis que os alojam mesmo durante o período de desemprego,
donos de bordéis, donos de empresas clandestinas de transporte que trazem
os trabalhadores dos estados do nordeste para o Mato Grosso, disfarçadas
de empresas de turismo ou de fretamento, cooperativas de trabalhadores.
Estivemos em uma dessas empresas clandestinas na cidade de Sorriso.
Nesse caso, o transporte se dava entre cidades do Maranhão e aquele local.
Os proprietários cobravam pela viagem a metade do preço praticado pelas
empresas de transporte rodoviário credenciadas. O prédio do terminal clan-
destino não tem nada de discreto. Um grande salão com fachada amarela e
um enorme letreiro Maranhão-Sorriso a cem metros da BR-163 que corta
a cidade. Segundo os entrevistados houve tempos de trazerem duzentos
trabalhadores por semana e não atenderem a demanda.
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Referências
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PIMENTEL, Carla. Desrespeito à lei são comuns no Brasil. A Gazeta,
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tação. São Paulo: Hucitec/ANPUR, 1998.
346
Depoimento
Uma situação vivida por um imigrante de 1931
Mitiko Yanaga Une
Vinte e três anos depois, quando o meu pai, Takeki Yanaga, então com 18
anos de idade, veio como imigrante trabalhar em uma fazenda de café, ele
passou e também presenciou várias situações constrangedoras.Antes disso,
gostaria de expor a real situação dele.
Meu pai descende de uma família de produtores rurais na zona rural da
cidade de Kurume, na Província de Fukuoka na ilha de Kyushu. Era o segundo
filho varão. Na época, todo primogênito ficava com a herança das terras. Ao
segundo filho homem cabia receber educação além do curso primário para
seguir uma carreira profissional intelectual. Ao terceiro e quarto filhos do sexo
masculino cabiam um dote para procurar uma profissão na cidade, geralmente
no comércio ou ingressar na carreira militar.
Meu pai concluiu o curso ginasial em 1930 em um famoso colégio de
Kurume. Enquanto estudante pretendia seguir carreira universitária. Como
não havia universidade em Kurume, teria então que ir para Tokyo.
Enquanto alimentava este sonho, certa vez viu que seu pai estava pagando
o ginásio com arroz e não com moeda corrente. Percebendo então que a famí-
lia era pobre, candidatou-se a uma bolsa de estudos em Tókio. Não ganhou.
Então, tentou a carreira militar na marinha. Não foi aceito. Decidiu então,
desanimado, que viria para o Brasil. A família foi contra. Ele prometeu que
voltaria rico e ajudaria os pais. Jurou. Era a propaganda veiculada no Japão.
Seus amigos de colégio foram contra. Um deles foi a favor. Era o Imamura-
san, o amigo aventureiro. Imamura-san decidiu acompanhar Yanaga. E foram
juntos para a primeira parte da grande aventura.
Ambos saíram pela primeira vez da modesta Kurume para a principal ilha
do arquipélago nipônico: a de Honshu, onde está situada a capital, Tokyo, rumo
ao porto de Kobe. Chegaram antes à Osaka, onde Imamura-san tinha uma tia e
ali pernoitaram gratuitamente. A última noite de todos juntos foi uma imensa
despedida. Imamura-san pediu uma garrafa de sake ao tio e juntos ingeriram
álcool pela primeira vez.
No Japão, menores de vinte anos de idade não podem ingerir álcool.
Alcoolizados se puseram a cantar e com os braços no ombro um do outro.
Cantaram músicas infantis, o hino do famoso Colégio Meizen e o Miyotookai,
hino que enaltece as conquistas militares japonesas pelas ruas de Osaka.
Yanaga se despediu ali do amigo dizendo que ele voltaria do Brasil vencedor
com uma imensa fortuna e ajudaria o amigo.
Seus pais deram uma ajuda financeira para os primeiros tempos no Brasil
e ele embarcou rumo ao Brasil no navio La Plata Maru com 18 anos. Chegou
a Santos no dia 29 de agosto de 1931 sendo responsável por ele mesmo. A
primeira aventura em terras santistas foi comprar banana. A banana era
fruta extremamente cara no Japão. Comprou uma porção. Comeu até enjoar.
Realizou um sonho. No momento seguinte não precisou ser escolhido como
gado. Tinha destino certo: Ourinhos. Era uma fazenda de café. Foi de trem
com outros companheiros que ele conheceu no navio. Ao chegar na fazenda,
inicia sua vida de colono.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
Como solteiro, tem de preparar sua própria refeição e lavar suas roupas.
O sino toca anunciando a hora de início do trabalho no cafezal. Logo depois
vinha o capataz fazer a inspeção em cada casa para ver se todos haviam saído
para as lides.
Os colonos eram chamados pelos prenomes. Prenome? TAKEKI! Que abuso!
Que desconsideração! No Japão sempre foi falta de respeito alguém chamar
outra pessoa pelo prenome. Usa-se o sobrenome. E ainda o termo “san” equi-
valente ao “senhor” ou “senhora”. Para as crianças se usa pospor ao nome os
termos diminutivos “chan” ou “kun”, este ultimo é exclusivo para meninos. Ser
chamado pelo prenome ainda é uma honraria dada aos muito íntimos seguido
naturalmente pelo respeitoso “san”. Amigos de família, primos, irmãos e pais
estão neste rol. Para os demais ainda constitui uma ofensa.
Foi o primeiro grande choque cultural. Observou-se, ao longo dos dias,
que os dorminhocos, os doentes ou as mães com filhos menores eram os re-
tardatários. Para estes, havia a ameaça do chicote. Muitos homens com pena
das suas esposas se colocavam na frente e apanhavam no lugar das esposas.
As ordens eram passadas na demonstração e na mímica. Nem sempre era fácil
entender. Também nem sempre havia interprete.
No trabalho rural, havia a competição com os italianos. Estes eram ágeis
e pareciam adaptados à rotina. A alimentação era vendida no barracão. Eram
itens estranhos para os japoneses como feijão, fubá, banha, carne seca e baca-
lhau entre outros. Os colonos não tinham noção de preço pois desconheciam
os artigos. As ordens eram para adquirir no barracão. Além disso, eles não
tinham liberdade para irem ao comércio local.
O fazendeiro, ou o capataz, tinham a favor deles o fato de esses colonos
não entenderem o português e com isso não se arriscarem nas saídas. Meses
mais tarde inicia o verão brasileiro. O calor tropical era insuportável. Era um
verão extremamente longo e chuvoso. Todos os dias pareciam iguais. Sempre
muito quentes. Não houve cerimônia de ano novo e nem comidas típicas. Um
shoogatsu (ano novo) quente! Quente e sem neve e sem roupas típicas! Foi
uma entrada do ano de 1932 bastante dolorosa.
Havia trabalho o ano inteiro. As estações do ano, excetuados os meses de
junho a setembro que variavam de frescos a frios, todos os demais eram iguais.
O jovem Yanaga observou que não havia perspectivas de mudança. Não haveria
como enriquecer e voltar vitorioso para gabar junto aos seus pais e amigos.
Seria sempre pobre. Era preciso encarar a realidade. A realidade era ser colono
pobre e acatar as ordens do capataz e a ameaça do chicote. Escrevia para os
pais e amigos falando de um Brasil ideal enaltecendo o país para não deixar
os pais preocupados. A verdade era dita apenas para Imamura-san.
Acostumou-se lentamente com as comidas. A carne seca era suportável,
mas o bacalhau, não. Verduras? Não havia. Observando os arredores passou a
comer folhas de algumas árvores. A grande felicidade era poder comer arroz.
Alguns colonos provenientes de províncias mais pobres tinham, no Japão, a
batata doce como alimento principal. Um companheiro de viagem, também
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solteiro, trabalhava feliz e dizia todo orgulhoso que podia comer arroz todos
os dias e ainda duas vezes ao dia. E, não só em dias de festa. Ele provinha da
ilha de Shikoku. Shikoku é a menor das quatro ilhas do arquipélago nipônico
e se localiza a leste da de Honshu onde fica a capital, Tokyo. Esse companheiro
dizia: O Brasil é um país fabuloso. Sinto-me feliz por poder comer arroz.
Enquanto estava feliz elogiando o Brasil, chegaram ambos capinando no
sol a pino embaixo de uma árvore onde havia um tronco seco caído. O com-
panheiro, enxugando o suor foi se refrescar ao abrigo da árvore e sentou-se
no dito tronco. Uma cobra também havia tido a mesma ideia e sem cerimônia,
picou o rapaz. Yanaga levou um susto e gritou. Vieram outros colonos. Eles
não sabiam o que fazer. Desconheciam os animais perigosos do Brasil. Veio o
capataz. E nada foi feito. Eles perderam um companheiro no vigor da saúde e
com vinte e três anos de idade. E, principalmente elogiando o Brasil. Yanaga
se questionou se haveria razão para tamanho elogio após a morte do compa-
nheiro picado pela cobra. O Brasil era um país perigoso, foi a sua conclusão.
A grande lição do fato foi a de nunca deve se sentar em tronco de árvore
e de sempre olhar cuidadosamente o chão até mesmo o lugar em que se está
capinando. As cobras podem surgir de lugares em que menos se espera. A par-
tir de então todos passam a fazer vigilância nas casas, a verificar onde andam
as crianças. Cuidado com a cobra! Era o alerta. Junto com o alerta, surgem nos
corações dos imigrantes as primeiras grandes decepções. E passam a avaliar
como estavam vivendo o dia-a-dia. E o que haviam deixado para trás lá no
longínquo Japão que pertencia a um passado muito distante.
Yanaga passou lentamente a gostar de comer carne. Sua mãe, budista,
jamais admitiu, em casa, o consumo de carne bem como de peixe. Proteína
animal para ela, era o ovo.
Certa vez, enquanto preparavam a terra viram um pequeno animal que
sumiu num buraco na terra. Eles ficaram com medo. Depois do incidente com
a cobra, qualquer bicho metia medo. O capataz explicou, através de gestos,
que era um tatu. O tatu podia ser comido. Os rapazes se puseram, depois do
expediente a caçar o tatu. Era um animal pequeno, mas era carne. E nada. No
outro dia, enquanto trabalhavam a terra pegaram o tatu. Não podiam matá-
-lo naquele momento pois tinham de trabalhar. Então pegaram um tambor
e cobriram o tatu. De tarde, depois do trabalho, já antegozando a comida da
nova carne foram pegar o tatu. Embaixo do tambor havia apenas um buraco.
Foram ludibriados pelo tatu. Eles desconheciam que o tatu cavava túneis com
a maior facilidade. E lá se foi a comida e veio uma nova lição: O tatu é hábil em
cavar túneis. Estes foram os primeiros contatos com a fauna brasileira. Foram
experiências frustrantes que se tornaram lendas entre os colonos. Mais um
ano se foi sem perspectivas de ascensão econômica e junto com ela a ascensão
social. Ter estudado no famoso colégio Meizen, que era o seu grande diferen-
cial, não dizia nada mesmo entre os patrícios pois eles não haviam estado em
Kurume e muito menos ainda para a autoridade de todos os dias: o capataz.
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Que alívio na hora que o trem partiu! A primeira parte da viagem termi-
nava na Estação da Luz. Ambos os fujões desconheciam como baldear. Falar
em japonês era gritar no vazio da multidão. Yanaga, por falar inglês se pôs a
gritar: Help me, please. Help me, please. Help me, please. E o tempo passava. E
ninguém oferecia ajuda. E eles não falavam português. Já estava quase na hora
de tomar o outro trem. E eles não podiam perdê-lo. Se perdessem a passagem,
não teriam recursos financeiros para comprar novo bilhete. Suavam frio. E
Yanaga gritava e gritava.
Depois de uns trinta berros finalmente apareceu alguém oferecendo ajuda.
E eles conseguiram tomar o trem e chegaram a Tupã. Daí, numa jardineira
por uma estrada de terra poeirenta rumaram para Bastos. Da sede de Bastos
não foi difícil encontrar o sítio de Shimoide-san. Foram recebidos com muitos
sorrisos, canecas de água tiradas de um poço e palavras de boas vindas. Fatos
estes que deram a eles a certeza de que estavam finalmente em liberdade e
ali começava a vida de imigrante no Brasil.
Muitos anos depois, Yanaga gostava de relembrar a façanha da fuga e
sempre colocou o mérito do sucesso da viagem à confiança ilimitada que
o companheiro depositou nele. Tamanha confiança só poderia gerar nele a
necessidade de não falhar. Era o mês de maio de 1934.
Referência
OKUBARO, Jorge. J. O súdito: Banzai Massateru! São Paulo: Terceiro Nome,
2006.
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V ECONOMIA E RELAÇÕES DE TRABALHO
Nuevos estándares internacionales,
flexibilidad laboral y elementos de
trabajo esclavo en la horticultura de
exportación en México
Boris Marañón-Pimentel
Introducción
Este documento tiene por finalidad animar el debate sobre el carácter
cada vez más complejo que van asumiendo las relaciones laborales en esta
etapa de desregulación creciente del trabajo y destrucción de la ciudadanía,
a partir del análisis de los mercados de trabajo en la agricultura mexicana
de exportación en México, en los que coexisten relaciones laborales entre
trabajo y capital que se diferencian entre sí por el grado en que se cumplen los
derechos humanos y laborales básicos. Desde este punto de vista es posible
distinguir varios segmentos de empresas por la forma en que se estructu-
ran los aspectos medulares de las relaciones laborales, destacando uno de
los agrupamientos por asemejarse al trabajo forzado, entendido según la
Organización Internacional del Trabajo - OIT (2005) como toda forma de
trabajo no voluntario impuesto bajo la amenaza de una sanción.
Para este fin, es importante recuperar la noción de nueva heterogeneidad
histórico-estructural, planteada por Quijano (1999), según la cual el movi-
miento de las sociedades latinoamericanas no sigue una pauta unilineal
acorde a lo registrado en la experiencia histórica europea de modo que no
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1 Existen diferentes factores de tipo político, económico, social y cultural, internacionales y nacionales,
que han contribuido a esta nueva modalidad de flujos agrícolas internacionales. Al respecto puede verse
Teubal (2001); Thrupp (1995; 1999; Marañón (2004).
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2 Para una discusión amplia sobre la estructuración de los mercados de trabajo puede verse Marañón, 2004.
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Por esta razón, es importante tener claridad sobre cómo calificar situa-
ciones laborales indignas, de sobreexplotación incuestionable, pues puede,
como se hace en el periodismo de investigación, plantearse la denominación
de esclavitud moderna, hacia prácticas laborales de extrema precariedad,
degradantes, con fuertes presiones para incrementar la productividad, pero
que no significan la conculcación de la libertad del trabajador.
Sin embargo, también se utiliza la categoría de trabajo esclavo para
señalar situaciones de explotación sin límites y ausencia de humanidad,
pues determinadas relações de exploração son de tal modo ultrajantes que
la escravidão passou a denunciar a desigualdad no limite da desumanização;
especie de metáfora do inaceitável, expressão de un sentimento de indig-
nação que, afortunadamente, sob esta forma afeta segmentos mais amplos
do que obviamente envolvidos en luta pelos direitos. (ESTERCI, 1994, p.
44-45, apud REZENDE FIGUEIRA, 2004), o en Argentina donde existen
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3 Ver http://www.lafogata.org/06arg/arg5/arg_21-7.htm
4 Río de Janeiro. Más de 200.000 bolivianos trabajan ilegalmente y en condiciones de semi-esclavitud en
talleres clandestinos de São Paulo, a pesar de la posibilidad de regularización ofrecida hace dos años,
Según el presidente de la Asociación Nacional de Extranjeros e Inmigrantes de Brasil (ANEIB), “tan sólo
18.000” bolivianos “aprovecharon la oportunidad” de legalizar su situación en los últimos dos años.
Este número “dobla” al de trabajadores bolivianos en situación regular reconocidos por el gobierno del
estado de Sao Paulo, explicó a Efe el presidente de la (ANEIB), Grover Calderón. Calderón afirmó que
estos inmigrantes trabajan hasta 18 horas diarias para recibir, “en los mejores casos”, un salario “menor
al mínimo vital” y, en los peores, tan sólo un lugar donde dormir y algo de comida. El representante de la
asociación de inmigrantes subrayó que estos talleres están controlados por brasileños, coreanos y otros
bolivianos que, con la explotación de estas personas, consiguen ropa a precios “muy baratos” por lo que,
con sus ventas, se lucran a costa de los derechos de sus trabajadores (30/01/2008). http://www.soitu.
es/soitu/2008/01/30/info/1201732990_556015.html
5 En Brasil hay un conjunto de agrupaciones dedicadas al estudio de este problema, destacando el Grupo
de Pesquisa del Trabajo Esclavo Contemporáneo (GPTEC), en la Universidad Federal de Río de Janeiro,
al mismo tiempo que se ha aprobado una legislación para criminalizar este tipo de prácticas laborales.
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6 Ver Lara, 2008, para una discusión sobre el trabajo decente en la agricultura moderno-empresarial
mexicana.
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7 Sobre esta problemática también puede verse Avendaño y Schwentesius, 2005 y Grammont, 1999.
8 El universo de jornaleros agrícolas en los valles hortícolas sinaloenses en impreciso, por la dificultad
para realizar estimaciones cuantitativas dadas su gran movilidad geográfica. El Programa Atención a los
Jornaleros Agrícolas (PAJA) sostenía que en 2000 existían unos 200,000 jornaleros migrantes. Cuatro
años después, a partir de los diagnósticos situacionales de los jornaleros agrícolas, tenía una estimación
mucho menor, de 112,000 trabajadores. En 2008 la mencionada institución sostuvo que la población
trabajadora ascendía a 190,000 personas.
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y evaluada sólo por sectores empresariales sin que estén representados los
trabajadores ni las organizaciones no gubernamentales; b) una orientación
filantrópica, pues sus acciones se caracterizan por no enfocarse en aspectos
centrales de su relación con sus trabajadores; c) el distintivo ESR se otorga
a partir de la evaluación de los documentos que las empresas presentan a
CEMEFI, sin que éste realice visitas de monitoreo in situ y recabe los puntos
de vista de los trabajadores (MARAÑÓN, 2006, 2009).
Por su parte, la Inocuidad Alimentaria es un estándar que ha tomado
importancia en el flujo internacional de productos alimentarios, ya que se
exige los alimentos estén libres de riesgos de contaminación física, química
y biológica. Los antecedentes de remontan a fines de los setenta, cuando en
el marco de las negociaciones comerciales multilaterales se firmó el acuerdo
sobre Barreras Técnicas al Comercio (BTC). Luego se estableció un acuerdo
sanitario y fitosanitario que sienta las reglas básicas y estándares para la
inocuidad alimentaria y la salud animal y vegetal, y permite a los países esta-
blecer sus estándares propios, pero establece que las regulaciones deben te-
ner bases científicas11. Tradicionalmente, eran las agencias gubernamentales
las responsables por el monitoreo los estándares de inocuidad alimentaria
y los atributos de calidad de los alimentos. Sin embargo, la conformación
del sistema global alimentario, la consolidación de la etapa minorista y el
crecimiento de estándares minoristas, la gestión de esta actividad está siendo
encargada a certificadores de tercera parte. De este modo, la Certificación
de Tercera Parte (CTP) es un mecanismo regulatorio tanto en la esfera
pública como privada de las cadenas alimentarias, ya que los minoristas
exigen que sus proveedores sean certificados a través de criterios de acceso,
evaluación de la sanidad y calidad basados en conjuntos particulares de
estándares y de métodos de cumplimiento. La certificación provee certeza
de un producto a las partes interesadas al suministrar información acerca
de la fruta u hortaliza y de su proceso de producción. La especificidad de la
CTP es su proclamada independencia de los otros participantes, entre ellos,
los productores y los minoristas; así como su tecnocientificidad, objetividad
y transparencia, con el objetivo de incrementar la confianza y legitimidad
entre sus clientes. (HANAKATA et al, 2005).
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12 Para mayores detalles sobre aplicación de la inocuidad alimentaria en México ver Avendaño et al (2004)
y en relación a su impacto en las relaciones laborales ver Marañón 2006 y 2009.
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a 1.68 sm. Misma que se renovó en enero de 2007 con vigencia hasta enero
de 2010, junto con otros beneficios administrativos (presentación mensual
de altas y bajas y de movimientos salariales). No obstante, para los empre-
sarios la contribución actual sigue siendo muy costosa, pues se ha elevado
de 2.59 pesos en 1996 hasta 20 pesos actualmente. Lo óptimo para ellos,
sería pagar 10 pesos y otros 4 pesos más por el INFONAVIT. En Sinaloa, la
práctica común es que las empresas no registren a sus trabajadores en el
Seguro Social, sin embargo, las empresas reconocidas como socialmente
responsables sí lo hacen. Tomando en cuenta el universo de trabajadores en
las empresas socialmente responsables, sólo el 30% del total de jornaleros
tendría acceso a la seguridad social y a sus múltiples beneficios.
Otro aspecto que diferencia a los dos conjuntos de empresas el problema
del trabajo infantil, situación de primer orden en la agricultura mexicana13
habiéndose hecho poco para evitar que, cada año, los niños jornaleros re-
alicen labores pesadas, para ayudar al magro ingreso familiar, dejando de
lado su pequeño mundo y la escuela. En Sinaloa, según la UNICEF, en 2005
la población infantil trabajadora llegaba a 5,000 personas, pero esta canti-
dad parece muy conservadora, pues de acuerdo a la Dirección de Trabajo y
Previsión Social del gobierno del estado, en 2007 se registró una población
de 12,00014, mientras que desde el lado académico se estima que la cantidad
real es de 20,000 niños15. En 2007, comenzó el programa Monarca, destinado
a estimular, a través del otorgamiento de una despensa, el alejamiento de
los niños de los campos de cultivo y su asistencia a la escuela. Sin embar-
go, el programa no ha tenido el impacto esperado porque, por un lado, los
padres de los niños jornaleros, como parte de una racionalidad que trata
de alcanzar en cada temporada los mayores ingresos monetarios posibles
para ahorrar dinero y financiar el retorno a los lugares de origen y también
la producción agrícola de subsistencia, prefieren que los niños trabajen, ya
que, además, los niveles salariales, para el tipo de labor que realizan, son
muy reducidos. Por otro lado, las empresa, con algunas excepciones, entre
ellas las calificadas como socialmente responsables, dado lo intensivo en
13 El Instituto Nacional de Geografía e Informática (INEGI), estimó en 2002 que anualmente trabajaban en
el país 3.3 millones de niños, menores de 14 años, estableciendo que cerca de un tercio de ellos recibía
algún pago por su desempeño. Esta significativa cantidad de niños en el trabajo tiene su explicación en
el alto nivel de pobreza y desigualdad en el país. En el ramo agrícola, se estimó que habían 300,000 niños
jornaleros asalariados. Ver Inegi (2004).
14 Ver La Jornada, 17 de julio de 2007.
15 Entrevista con la especialista en empleo agrícola, Dra. Maria Teresa Guerra Ochoa, investigadora de la
Universidad Autónoma de Sinaloa, 15/01/09, en Culiacán.
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16 Ver “Contratan a miles de menores en campos agrícolas de Sinaloa”, Boletín de Prensa N° 68/20052005
México, D.F a 12 de julio de 2005 http://www.cdhdf.org.mx/index.php?id=bol6805.
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17 El PAJA es una iniciativa de la Secretaría de Desarrollo Social que tiene por objetivo contribuir al mejora-
miento de las condiciones de vida y trabajo de los jornaleros agrícolas a través de procesos de promoción
y de coordinación entre diferentes niveles de gobierno y de concertación social con productores y orga-
nizaciones sociales. Al mismo tiempo, el Paja reúne aportes financieros de los gobiernos federal y estatal
y de los propios productores para realizar obras de infraestructura social. Este programa ha contribuido,
en los últimos años, a mejorar las condiciones de vida de los jornaleros en Sinaloa, al promover la cons-
trucción de viviendas y la introducción de servicios de agua potable, salud, educación y recreación. No
obstante, a partir de la actual administración federal su importancia ha ido en franco descenso, ya que
el gobierno actual tiene un enfoque diferente, centrado en el modelo de activos, respecto de la atención
a los grupos pobres y vulnerables.
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18 Ver Convenio de colaboración entre las Comisiones de Derechos Humanos de los estados de Sinaloa y
Oaxaca, http://www.cedhsinaloa.org.mx/CEDH/pdfConvenios/Oaxaca.pdf
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19 http://www.comfia.info/noticias/43889.html
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Conclusiones
- En esta ponencia se planteó la necesidad de abrir la mirada sobre
la mayor complejidad que va tomando la configuración de las relaciones
laborales en la agricultura de exportación, para poder describir y calificar
prácticas laborales que van más allá de lo que se conoce como trabajo pre-
cario, degradante y pueden dibujar los contornos del trabajo esclavo.
- En este sentido, puede ser pertinente una mirada desde el enfoque de
la estructuración de los mercados de trabajo que establezca puentes y cortes
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Os acionistas da casa grande:
A reinvenção capitalista do trabalho escravo
no Brasil contemporâneo20
Leonardo Sakamoto
Introdução
Como o trabalho escravo contemporâneo insere-se no capitalismo, uma
vez que as formas não-contratuais de trabalho parecem negar elementos
fundamentais para o desenvolvimento do capital? Além disso, como é pos-
sível uma forma de exploração baseada em modos de produção exteriores
ao capitalismo manifestar-se em um contexto em que opera a acumulação
capitalista, através da reprodução ampliada?
O capitalismo redefine formas pré-capitalistas, englobando-as. Nesse
sentido, o trabalho escravo contemporâneo não é simplesmente um resquício
de práticas anacrônicas que sobrevivem dentro de um contexto moderno,
mas uma reinvenção destas, a forma mais degradante de exploração da força
de trabalho e negação de direitos que opera nos locais e momentos em que
o modo de produção se expande.
Para analisar como ocorre esse processo, primeiro é preciso compre-
ender as variáveis que influenciam na formação do lucro do produtor rural,
como o aumento da produtividade do trabalho gerado pela acumulação
capitalista e sua consequente tendência de redução de preços. Em seguida,
20 Este artigo contém parte da tese de doutorado em Ciência Política do autor, defendida na Universidade
de São Paulo em junho de 2007.
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1 Consideram-se commodities como produtos agropecuários que não possuem diferenciação, ou sejam
que passaram por um processo de padronização para facilitar a sua comercialização mundial. Algodão,
arroz, boi gordo, cacau, café, açúcar, milho, soja, suco de laranja são alguns exemplos de commodities
comercializados em bolsas de mercadorias.
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2 Informação retirada da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), em fevereiro de 2007.
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3 Os autores indicam um esquema que mostra a formação de preços na fazenda: Chicago+- prêmio = FOB
estivado – custos de internalização – custos de armazenamento – frete interno – quebra de peso – risco,
juros etc. – benefícios de arbitragem financeira ou venda de performance de exportação +- outras vari-
áveis (poder da indústria na região, condições locais de oferta e demanda) = preço local na fazenda.
4 Os itens mais vendidos nas exportações são: soja em grãos (56%), farelo de soja (30%), óleo de soja em
bruto (11%) e óleo de soja refinado (3%).
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Evolução histórica do preço do boi gordo em São Paulo (jan 1977-jan 2007)
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Gráfico 1 - Evolução histórica do preço do boi gordo em São Paulo em jan. 1977 - jan. 2007
Fonte: Instituto FNP); Instituto de Economia Agrícola (IEA).
Evolução histórica do preço da saca de 60kg de soja em São Paulo (jan 1976-jan 2007)
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Tempo
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Evolução histórica do preço do algodão em caroço em São Paulo (jan 1976-jan 2007)
90
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Valor atualizado (R$)
60
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Mas, por outro lado, aquela mais-valia extra desaparece tão logo se
generaliza o novo processo de produção, pois com isso a diferença
entre o valor individual das mercadorias produzidas mais baratas e
seu valor social se desvanece. A mesma lei da determinação do valor
pelo tempo de trabalho, que se fez sentir ao capitalista com o novo
método na forma de ter que vender sua mercadoria abaixo de seu valor
social, impele seus competidores, como lei coercitiva da concorrência,
a aplicar o novo modo de produção.” (MARX,1988, v. 1, p. 241).
400
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8 Agradeço a contribuição do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP), que sugeriu o uso dessa
relação.
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9 Como não é o objetivo principal deste texto, preferiu-se não trazer à discussão as fórmulas da reprodução
ampliada de Marx e as provenientes da crítica de Luxemburg. Mas elas podem ser encontradas ao final do livro
segundo em O Capital (O Processo de Circulação do Capital), quanto em A Acumulação do Capital, de 11.
402
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10 Ibidem, p. 23.
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(Orgs.)
11 Há uma discussão recente apontando que esse colapso ocorreria através da escassez de matéria-prima
ou da reação do meio ambiente ao processo de desenvolvimento capitalista.
12 Inclui, por exemplo, as condições como são feitos os empréstimos e financiamentos a produtores dessas
regiões, a política de ocupação de fronteiras agrícolas e o apoio ou envolvimento em conflitos armados
pelo controle de recursos naturais.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
13 Este texto não irá entrar na discussão dos limites que podem atingir o capital constante e variável. Antunes
(1999, p. 119-120) faz um longa discussão sobre a articulação do trabalho vivo com o trabalho morto
como condição para que o processo produtivo do capital se mantenha “Exatamente porque o capital
não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores, ele deve aumentar a utilização e
a produtividade do trabalho de modo a intensificar as formas de extração de sobretrabalho em tempo
cada vez mais reduzido. A diminuição do tempo físico de trabalho, bem como a redução do trabalho
manual direto, articulado com a ampliação do trabalho qualificado, multifuncional, dotado de maior
dimensão intelectual, permite constatar que a tese segundo a qual o capital não tem mais interesse em
explorar o trabalho abstrato acaba por converter a tendência pela redução do trabalho vivo e amplia-
ção do trabalho morto na extinção do primeiro, o que é algo completamente diferente. E, ao mesmo
tempo em que desenvolve as tendências acima, o capital recorre cada vez mais às formas precarizadas
e intensificadas de exploração do trabalho, que se torna ainda mais fundamental para a realização de
seu ciclo reprodutivo num mundo onde a competitividade é a garantia de sobrevivência das empresas
capitalistas”. (ANTUNES, 1999 p. 119-120).
14 O custo desse investimento varia de acordo com países e regiões. A importação e a adaptação de téc-
nicas e equipamentos é um custo a mais dos países periféricos em comparação aos países centrais. No
Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem garantido o desenvolvimento do
conhecimento agrário para o país, reduzindo os custos de investimento na produção.
15 Em entrevista, Sílvio Crestana, diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), discutiu a expansão agropecuária do ponto de vista ambiental. Como formas não contratuais
de trabalho são, muitas vezes, utilizados para essa expansão: “O grande jogo é aproveitar os 50 milhões
de hectares de pastagens pouco produtivas que temos. Nos próximos 30 anos, para atender toda a
demanda – e será necessária a produção de 100 bilhões de litros de biodiesel -, precisaremos de 40
milhões de hectares. Temos tecnologia para esse salto sem problemas. A questão pega no investimento.
Para recuperar 20 milhões de hectares pouco produtivos são necessários R$ 40 bilhões. Ainda é mais
barato derrubar floresta”. (GERAQUE, 2006).
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(Orgs.)
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(Orgs.)
17 Considerando que a composição orgânica do capital tende a ficar mais alta com o tempo, Martins
afirma que ela impõe um limite social ao uso de formas contratuais de força de trabalho. Dessa forma,
nem todas as atividades econômicas e nem todos os momentos do processo de produção poderiam ser
desempenhados dentro de relações contratuais de trabalho. Martins,2002, p.159.
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18 De acordo com a atualização da lista suja de 12 de março de 2007, 12 das 167 propriedades rurais
relacionadas estavam nessa situação.
19 Vale ressaltar que boa parte desse carvão vegetal produzido é ilegal, com corte de áreas de floresta que,
por lei, deveriam ser preservadas. “De acordo com estudos realizados pelo historiador Maurílio de Abreu
Monteiro, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA),
o desmatamento não-autorizado fornece 57,5% da madeira que alimenta os fornos das carvoarias.
Monteiro pesquisa a produção carvoeira desde o final da década de 80, quando as primeiras indústrias
se instalaram nessa região sob a influência do projeto Grande Carajás. Ele afirma que o aumento da
demanda pelo ferro-gusa e a competição entre os fornecedores de carvão favorecem a exploração do
trabalho escravo nas carvoarias. Segundo o professor da UFPA, a produção de 3,5 milhões de toneladas
de carvão vegetal, consumida pelo setor siderúrgico brasileiro, requer um volume de 22,2 milhões de
metros cúbicos (m³) em toras de madeira. Esse valor é muito superior ao volume autorizado (9,4 milhões
de m³) pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a
extração no Maranhão e Pará. Esses estados são produtores de carvão contam com usinas siderúrgicas
abastecidas com o minério de ferro da Serra dos Carajás. Ou seja, os mais de 12 milhões restantes são
fruto da exploração ilegal.” Camargo (2006, http://reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=622).
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(Orgs.)
20 A pesquisa de campo do autor constatou casos em que os preços de venda aplicados pelos empreendi-
mentos que utilizaram trabalho escravo contemporâneo eram menores que os de mercado, mas apenas
no caso da cana-de-açúcar e do carvão vegetal que não estão inseridos em mercado de commodities
como os outros produtos analisados. Um exemplo é a Destilaria Gameleira, produtora de etanol, flagrada
pela equipe de fiscalização do governo federal empregando esse tipo de mão-de-obra em sua lavoura
de cana-de-açúcar no município de Confresa, Nordeste do Estado do Mato Grosso. Em entrevista ao
autor, um diretor (cujo nome foi resguardado) de uma importante distribuidora nacional de combustí-
veis identificada na rede de comercialização da usina, o preço cobrado pela destilaria era vantajoso se
comparado ao de seus concorrentes. Situações semelhantes ocorrem com a comercialização do carvão
vegetal obtido através do trabalho análogo ao escravo e do desrespeito à legislação ambiental em car-
voarias no Maranhão e Pará. No início de 2007, cerca de 300 carvoarias estavam descredenciadas pela
Associação das Siderúrgicas dos Carajás (Asica) devido à utilização de mão-de-obra análoga à escrava.
De acordo com o diretor do Instituto Carvão Cidadão, braço social da Asica, André Câncio, carvoarias
descredenciadas estavam revendendo o material para outras terceiros credenciados que juntavam a
ele sua própria produção e revendiam as siderúrgicas. Isso, é claro, mostra que o carvão estava sendo
comercializado pelas carvoarias descredenciadas a um valor menor ainda que o preço já abaixo de
mercado que costumavam cobrar – o que significa mais exploração do trabalhador e do meio ambiente.
21 Em 2004, foi fundado o Instituto Carvão Cidadão, ligado à Associação das Siderúrgicas dos Carajás (Asi-
ca), com o objetivo de desenvolver práticas de responsabilidade social na área trabalhista. As indústrias
localizadas no Maranhão, devido à sua antiguidade, estão à frente das similares no lado paraense. Estas,
de acordo com os relatórios de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, têm mais carvoarias
irregulares como fornecedores. Vale ressaltar que o Pará Oriental ainda possui uma grande quantidade
de mata nativa a ser derrubada, enquanto o Maranhão não. A situação das usinas pode ser lida nos
relatórios do Instituto Carvão Cidadão no site www.carvaociadadao.org.br
22 De acordo com Maurílio Monteiro: “O preço do gusa é regulado pelo preço da sucata nos EUA. A oscila-
ção é grande e desaconselha-se o investimento a longo prazo, como é o caso da silvicultura. O melhor é
mudar a base energética, substituindo o carvão vegetal por gás natural. A tecnologia já é usada, é mais
eficiente e mais barata. Ou melhor, o carvão hoje é mais barato porque existe transferência dos recursos,
mas se fosse feito como deveria ser, com silvicultura e tudo regulamentado, os gastos com gás natural
seriam menores. Se hoje o carvão é mais barato para as siderúrgicas, para a sociedade fica mais caro
porque está destruindo parcelas da floresta. Essa opção não tem contribuído para desenvolver de forma
economicamente sustentável a região. Os empresários deveriam tomar essa atitude e discutir alternativas
para as fontes de energia.” (Camargo, 2006, http://reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=622).
23 Segundo a Asica, as suas 14 empresas associadas respondem atualmente por mais de 60% da exportação
brasileira de ferro-gusa, correspondente a cerca de 3,6 milhões de toneladas anuais, e a US$ 2 bilhões
em divisas.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
26 Velho afirma que: “Um dos aspectos principais de uma ‘transição’ ao capitalismo é a chamada acumulação
primitiva. Historicamente a sua principal fonte tem sido o campo e as áreas sujeitas a um ‘colonialismo
interno’. Para os países que não têm possibilidades propriamente colonialistas são essas fontes pratica-
mente as únicas. Se a ‘transição’ tende a cristalizar-se, então deveríamos esperar que o mesmo aconteça
com a acumulação primitiva. Aparentemente, esse foi o caso no Brasil e (...) o campesinato e a fronteira
parecem estar ganhando um papel novo e crescente nesse processo contínuo de acumulação primitiva.”
(VELHO,1979, p.173).
27 “No Brasil, a fronteira não é uma linha ou um limite, ou um avanço da civilização, ou um processo uni-
lateral ou unilinear. Devemos na verdade falar não de uma fronteira, mas de experiências, transações e
mutações de fronteira múltiplas e complexas (...) A ocupação ocorreu e ainda ocorre em um padrão de
arquipélago.” (MORSE, 1967 apud VELHO 1979, p. 114).
28 Duas usinas do município entraram na lista suja devido a trabalho escravo contemporâneo encontrado
em suas lavouras de cana-de-açúcar: a Companhia Açucareira Usina Barcelo (com 35 trabalhadores
libertados) e a Companhia Açucareira Usina Cupin (com 73).
29 A Rezil Comércio e Exportação Ltda., em Iaras (SP), entrou na “lista suja” devido a 76 trabalhadores
encontrados em condições análogas à de escravo na extração de resina de pinus em sua propriedade
Estação Experimental de Águas de Santa Bárbara.
30 Entrevista com Marinalva Dantas, coordenadora de grupo móvel de fiscalização.
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(Orgs.)
31 E nem poderia ser diferente, caso contrário colocaria em risco o próprio sistema, dependente da acu-
mulação de capital através da força de trabalho, e da realização da mais-valia pelos trabalhadores.
32 O aço e o ferro-gusa são commodities. O carvão vegetal não.
33 Ianni, ao analisar a expansão capitalista sobre Amazônia na ditadura militar, afirma: “Está em curso
o desenvolvimento das relações capitalistas de produção no campo, juntamente com a acumulação
primitiva, como processo estrutural. Enquanto isso, expandem-se as propriedades e os negócios de
grileitos, latifundiários e empresários nacionais e estrangeiros. A Amazônia é reintegrada no subsistema
econômico brasileiro, amplamente determinado pelo imperialismo.” (IANNI,1986, p. 248).
34 “Pessoas e instituições envolvidas nessas providências humanitárias, urgente e necessárias, atuam ge-
ralmente na suposição de que a prática da escravidão nos dias de hoje resulta de um desvio de conduta
em relação aos princípios que a lei e a moral estabelecem. Essa interpretação seria compreensível se o
recurso ao trabalho escravo fosse apenas uma exceção ocasional no funcionamento deste ou daquele
estabelecimento agrícola ou industrial. No entanto, são claras as evidências de que o revigoramento e
a manutenção do trabalho escravo estão integrados na própria lógica essencial de funcionamento do
sistema econômico moderno e atual”. (MARTINS, 2002, p.154).
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
35 Há também financiamento da produção pelo próprio mercado, ou seja, por atores financeiros e produtivos do
capital nacional e internacional. Isso extrapola o tema deste artigo, mas é importante essa observação uma
vez que, nesses casos, a expansão agrava, através do endividamento, a dependência do produtor ao capital.
36 Os proprietários rurais que são relacionados no cadastro de empregadores que utilizaram mão-de-obra
escrava, a “lista suja”, não têm acesso a novos créditos e financiamentos públicos do Banco do Brasil,
Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco da Amazônia (BASA), Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), de acordo com a portaria nº 1150, de 18 de novembro de 2003 do Mi-
nistério da Integração Nacional (que vedou o acesso aos fundos constitucionais de financiamento), do
Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, assinado por parte dessas instituições e por outras
orientações do governo federal. Porém, os empreendimentos que foram encontrados com irregularidades
mas ainda estão fora dessa relação, obtém o crédito.
37 “Sua estratégia de preços baixos, que se tornou dominante a ponto de forçar outras lojas a seguirem seu
exemplo mesmo que não concorram diretamente com ele, desempenha papel fundamental em manter baixa
a inflação do país; a pressão incansável por preços cada vez mais baixos que o grupo [Wal-Mart] exerce sobre
seus fornecedores se tornou um dos principais propulsores para a exportação de empregos industriais dos
EUA a China ou a outros locais.” (MEYER, 2006, p. 7). O original foi publicado na New Statesman.
417
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Conclusão
Ao longo deste artigo, procurou-se demonstrar como a utilização de
formas não-contratuais de mão-de-obra, especialmente de trabalho escravo
contemporâneo, não é resquício de modos de produção pré-capitalistas
que sobreviveram provisòriamente à introdução do capitalismo, mas sim
um instrumento utilizado pelo próprio modo de produção para facilitar a
acumulação em seu processo de expansão. Esse mecanismo garante compe-
titividade aos produtores rurais de regiões e situações de expansão agrícola,
o que contribui para o aumento da oferta de mercadorias e, portanto, a
redução de sua cotação no mercado internacional – favorecendo comércio
e indústria.
Considerando que a produtividade do trabalho é alta e tende a aumentar
constantemente, elevando a composição orgânica do capital e, consequen-
temente, a mais-valia relativa, as propriedades rurais mais atrasadas do
ponto de vista tecnológico tendem a compensar essa diferença através da
redução da participação do capital variável no capital total, emulando uma
taxa alta de composição orgânica. Outras se aproveitam dessa alternativa
não para gerar capacidade de concorrência, mas para capitalizar-se durante
um período de tempo ou aumentar sua margem de lucro.
Não é um desvio, portanto, e sim mais uma aparente contradição do
capital que utiliza formas que parecem negar a sua própria natureza, ig-
norando assalariamento e o contrato social estabelecido entre tomadores
e vendedores de força de trabalho. Essa aparente contradição não afeta o
sistema devido à forma de sua incidência.
É fundamental entender que há uma gradação da exploração do tra-
balhador. A escravidão contemporânea, a faceta mais degradante dessa
exploração, é utilizada por uma pequena parcela de produtores, enquanto
a incidência quantitativa de outras formas não-contratuais cresce à medida
que se aproximam das características das formas contratuais de trabalho. É
claro que se a agricultura brasileira fosse baseada em mão-de-obra cativa
haveria sérias consequências para o próprio sistema, pois não haveria classe
418
Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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novas contribuições críticas
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421
Trabalho escravo - uma realidade na cadeia
produtiva de corporações com a chamada
“responsabilidade social”1
Marcela Soares Silva
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo discutir brevemente o aparente
paradoxo da existência de unidades de produção2, ou mesmo, empresas que
estão ligadas direta ou indiretamente em sua cadeia produtiva com o “tra-
balho escravo”, e são também consideradas empresas socialmente respon-
sáveis. Toma-se aqui a análise, a partir da totalidade social de um momento
histórico do capitalismo, configurado num contexto de “crise do capital em
crise”3, no qual se objetiva retomar as taxas de lucros do pós-guerra, pela
via do projeto neoliberal, trazendo como alternativa a reestruturação pro-
dutiva, a financeirização do capital e a contra-reforma do Estado, por meio
de reformas liberalizantes, orientadas para o mercado.
1 Este trabalho refere-se à minha Dissertação de Mestrado, intitulada: O fetiche da ‘Responsabilidade Social’: a
falácia de uma ‘nova consciência’, defendida em março de 2008, no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSS/ESS/UFRJ).
2 O termo “unidade de produção” é o utilizado pelo banco de dados do grupo de pesquisa (GPTEC - Grupo de
Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo) do qual fiz parte, para a identificação destes empreendi-
mentos que utilizam o trabalho “escravo”, pois nem sempre são fazendas, podem ser carvoarias, usinas, etc.
3 Mészáros (2009) identifica, de “crise do capital em crise”, o atual contexto com a eclosão da “bolha” fi-
nanceira nos EUA, em setembro de 2008, com a quebra da Lehman Brothers. É importante entendermos
essa nomeação que o filósofo húngaro concede a situação atual da ordem burguesa, devido ao já existente
contexto de crise hegemônica do capital - deflagrada no início dos anos 1970. E afirma que “(...) essa grave
crise é estrutural precisamente porque não pode ser superada nem com os muitos trilhões das operações de
resgate dos Estados capitalistas. Ao contrário, aprofunda-se de maneira combinada ao fracasso comprovado
de medidas paliativas sob a forma de aventureirismo militar em escala inimaginável e faz com que o perigo
de autodestruição da humanidade seja ainda maior do que antes. Perigo esse que se multiplica conforme
as formas e instrumentos tradicionais de controle à disposição do status quo fracassam em sua missão”.
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
4 Pesquisa realizada no período da graduação em Serviço Social para o Trabalho de Conclusão de Curso,
sob o título O trabalho sob a ótica burguesa: do trabalho escravo a reestruturação produtiva, 2005.
5 É importante ressaltar que não são todos os setores produtivos que sofreram as modificações da rees-
truturação produtiva, como a siderurgia, a prospecção e refino de petróleo, cimenteiras, construção civil,
aqueles que não podem expandir territorialmente o processo produtivo.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
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6 Rezende Figueira (2004, p. 18) identifica o peão, como “trabalhador rural em atividade braçal, levado
para empreendimentos agropecuários na Amazônia, onde deve executar trabalhos pesados, de baixa
qualificação profissional, em geral sob coerção. O termo é também utilizado para identificar as pessoas
em atividades de desflorestamento, feitura e conservação de pastos e cercas, aliciadas pelo fazendeiro,
empreiteiro ou por um seu preposto”.
7 Trabalhador fora de seu lugar de origem, desligado das antigas relações familiares sem construir novas,
trabalha sucessivamente em fazendas atrelado a um ou diversos empreiteiros. Entre uma empreita e outra
cria débitos em pensões e cabarés, mantendo-se preso à rede de endividamento e ao trabalho coercitivo.
Em geral é analfabeto, sem qualificação profissional e tem problemas de alcoolismo. É também chamado
de peão rodado. (REZENDE FIGUEIRA, 2004, p. 18).
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
8 Trinta anos depois do início do PROÁLCOOL, o Brasil vive agora uma nova expansão dos canaviais com
o objetivo de oferecer, em grande escala, o combustível alternativo. O plantio avança além das áreas
tradicionais, do interior paulista e do Nordeste, e espalha-se pelos cerrados. A nova escalada não é
um movimento comandado pelo governo, como a ocorrida no final da década de 70, quando o Brasil
encontrou no álcool a solução para enfrentar o aumento abrupto dos preços do petróleo que importava.
A corrida para ampliar unidades e construir novas usinas é movida por decisões da iniciativa privada,
convicta de que o álcool terá, a partir de agora, um papel cada vez mais importante como combustível,
no Brasil e no mundo.
9 Este tipo de trabalho é utilizado também nos setores de serviços, como o caso da Telemar (Campos/RJ)
e de bolivianos “escravizados” por confecções terceiras da C&A (São Paulo).
10 Porisso constata-se a maior incidência de “trabalho escravo” no Sul do Pará.
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Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
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Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
(Orgs.)
Alguns autores como Pfeiffer (2001) sugerem que tais ações traduzem
uma nova forma de filantropia empresarial - uma filantropia que não se
baseia em doações sem expectativa de retorno, mas em programas que
buscam colaborar concretamente para a solução de prementes problemas
sociais, pelo fato das empresas considerarem que o bem-estar dos negócios
depende de tal solução.
Sabemos que essas são estratégias de marketing institucional das empre-
sas, ou seja, em estratégias para preservar e/ou melhorar a sua imagem, na
sociedade que vem questionando a sua utilidade social, a sua contribuição
para o bem comum. E que esse novo “paradigma” empresarial é parte do
projeto neoliberal, que caminha na direção de indicar a possibilidade das
ações empresariais resultarem de inovação no âmbito da política social. Essa
inovação consistiria no estabelecimento de novas relações entre o Governo,
o “setor privado lucrativo” e o “setor privado não-lucrativo” na produção e
distribuição de bens e serviços sociais.
Associam ainda que essas ações empresariais são importantes na
busca de soluções para o agravamento da violência nas cidades, que vem
ameaçando a liberdade de ir e vir dos empresários bem como o sucesso de
investimentos econômicos.
Esse novo comportamento empresarial é condição básica para mantê-las
no mercado globalizado, aumentando sua competitividade, que contribui no
alcance de um sucesso econômico sustentável em longo prazo. Em poucas
palavras, para os empresários, a “Responsabilidade Social” é o fator dife-
rencial que ajuda a construir e a consolidar a marca.
“Com certeza, as empresas, com atitudes responsáveis se tornam mais
lucrativas, porque conquistam a fidelidade do consumidor e maior motivação
dos colaboradores.” (GRAJEW apud PEREIRA, 2001, p.57).
Por trás desse novo “paradigma empresarial”, está o que nos referimos
anteriormente, a reforma neoliberal do Estado, que desresponsabiliza esse
do trato das sequelas da “questão social”12, passando para o mercado as po-
líticas que possam ser mercantilizadas e aquelas que não, são direcionadas
para o “Terceiro Setor”.
12 Entende-se por “questão social”, como problemas sócio-econômicos, culturais, políticos advindos da
relação de exploração do trabalho pelo capital, no momento em que a classe trabalhadora deixa de
ser “classe em si” para se tornar “classe para si”, havendo embate político entre as classes antagônicas.
(NETTO, 1999).
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
13 O Estado Keynesiano, de caráter interventor, foi um modo de regulação do sistema, que “decorre primaria-
mente, (...), da demanda que o capitalismo monopolista tem de um vetor extra-econômico para assegurar
seus objetivos estritamente econômicos. O eixo da idade do monopólio é direcionado para garantir os
superlucros dos monopólios – e, para tanto como poder político e econômico, o Estado desempenha
uma multiplicidade de funções” (NETTO, 2005, p. 25). No entanto, prevalecem alguns mecanismos de
regulação necessários para a acumulação capitalista (para os ciclos do movimento de rotação do capital),
mecanismos que não impedem suas crises cíclicas, mas reduzem os seus impactos. Tais como a inter-
venção seletiva e sistemática do Estado, que teve início na fase monopólica do capital; o protecionismo
de alguns mercados, créditos a serviços dos monopólios, subsídios diretos e indiretos; planejamento e
investimentos estatais diretos na garantia das altas taxas de lucro; e por sua vez, a indústria bélica.
14 Basta-nos, para se ter uma percepção profunda dos riscos que isso representa, que toda e qualquer
forma de proteção ambiental (quando existem) são desrespeitadas, lembremos que o imperialismo
norte-americano não é sequer signatário do tratado de Quioto (que também não representa alteração
da relação destrutiva que o atual sistema metabólico tem com a natureza).
15 Muitos movimentos sociais, atualmente atrelados a Oganizações Não Governamentais - ONG e financiados
por grandes corporações acreditam na possibilidade da construção de um capitalismo mais humano, o
que sabemos ser inviável, ainda mais neste momento histórico de rearticulação do capital.
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Olhares Sobre a Escravidão Contemporânea:
novas contribuições críticas
18 A Proposta de Emenda Constitucional 438/2001 estabelece nova redação ao art. 243 da Constituição
Federal “pena de perdimento de gleba onde for constatada a exploração de trabalho escravo, revertendo
a área a projetos de reforma agrária” (REZENDE FIGUEIRA, 2004, p. 47).
19 Verifique em Mészaros (1993, p. 204-206).
20 No Rio de Janeiro, por exemplo, o presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro - ALERJ, Jorge
Sayed Picciani, está em processo de julgamento porque, em junho de 2003, uma ação de um grupo móvel
de fiscalização libertou 39 trabalhadores de sua fazenda, no estado do Mato Grosso. Outro exemplo foi
o senador João Ribeiro (PFL-TO), condenado pela Vara do Trabalho do município de Redenção, sul do
Pará, por aliciar 38 trabalhadores rurais e sujeitá-los à condição de escravos em sua fazenda, chamada
Ouro Verde, localizada no município de Piçarra, no mesmo estado.
21 O Instituto Ethos, OIT e o Governo Brasileiro deram inicio ao Pacto Nacional pela Erradicação do Traba-
lho Escravo, que para os empresários distingue-se das ações governamentais por representar o esforço
voluntário das empresas e demais entidades signatárias para dignificar, formalizar e modernizar as
relações de trabalho em todos os segmentos econômicos no Brasil.
22 Última atualização da lista das empresas que compõe o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho
Escravo foi em 26 de maio de 2006.
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(Orgs.)
Considerações finais
Partimos da premissa de que essa aparente contradição do nosso objeto
de estudo, ou seja, esse “título” de “responsabilidade social” com a cadeia
produtiva de diversas empresas simultâneo com a superexploração da força
de trabalho, seja consequente dessa nova configuração da flexibilização como
um todo do processo produtivo e também é claro, decorre das particularida-
des do capitalismo brasileiro como esse se desenvolveu e se configurou, o que
permite entendermos essa incorporação de relações sociais arcaicas23 com
a inovação tecnológica. Esses capitalistas ignoram os direitos trabalhistas
para embolsar posições nesse cenário de grande concorrência.
É um contexto, que favorece integralmente o capital, uma intervenção
estatal que financia a reprodução do capital, mas não financia a reprodução
da força de trabalho – ou como afirma Netto (1999): um Estado máximo para
o capital e mínimo para o social, favorecidos com a desregulamentação tra-
balhista e social. A contemporaneidade está revestida em contra-reformas,
desregulamentações, como foi remetido anteriormente é a reversão conserva-
dora e a regressão neoliberal que subjuga cada vez mais o trabalho ao capital.
O processo dessa pesquisa nos permitiu uma análise da temática a par-
tir dos fundamentos da crítica da economia política e do método marxista.
Observamos algumas dificuldades quanto ao desvelamento do objeto de
estudo, devido às densas mediações que engendram a realidade social para
ultrapassar a aparência do real e apreender em sua concretude o objeto de
nossa pesquisa, a partir de diversas abstrações.
Assim, afirmamos que a “Responsabilidade Social” aparece como uma
estratégia24 para encobrir irregularidades que são necessárias e inerentes
à lógica da acumulação capitalista, com funcionalidade econômica, político-
-ideológica, cultural e social no atual contexto de restauração do capital.
Destarte, conferimos que o capital, em sua relação de exploração, degrada
o sujeito real da produção, fazendo com que o trabalhador reconheça outro
sujeito acima de si mesmo. Para obter a submissão do trabalhador no processo
produtivo, o capital necessita de suas personificações, com a finalidade de im-
por e mediar seus imperativos objetivos, a partir de sua (ir)racionalidade.
23 E podemos verificar que as relações sociais são atravessadas pelo compadrio, pelo favor e pelo clien-
telismo. E o que verificamos é que a assistência social vem se apresentando como espaço propício à
ocorrência de práticas assistencialistas e clientelistas, servindo também ao fisiologismo e à formação de
redutos eleitorais. Assim personalizam-se as relações com os subalternos, não reconhecendo o direito
desses e ainda esperando a lealdade pelos serviços recebidos.
24 Na conclusão da nossa pesquisa de Mestrado identificamos a funcionalidade político-ideológica e
econômica do mote “Responsabilidade Social” das empresas, em que se tenta consensualizar que é
possível uma “reforma ético-moral” do capitalismo deixando intocada a sua estrutura econômica, além
de amenizar o impacto social das irregularidades dessas empresas com “Responsabilidade Social”.
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Referências
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direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
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dança cultural. 13. Ed. São Paulo: Loyola, 2004.
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MARX, K. O Capital. São Paulo: Abril, 1984.
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sofia, Ideologia e Ciência Social. Ensaios de negação e afirmação. São Paulo:
Ed. Ensaios, 1993.
MONTAÑO, C. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de
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NETTO, J. P. A construção do projeto ético-político contemporâneo. IN: Capa-
citação em Serviço Social e Política Social. Brasília: Cead/ABEPSS/CFESS,
1999. (Módulo 1)
PEREIRA, C. F. de J. Captação de recursos. Fund raiting. Conhecendo melhor
porque as pessoas contribuem. São Paulo: Mackenzie, 2001.
PFEIFFER,C. Por que as empresas privadas investem em projetos sociais e
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REZENDE FIGUEIRA, R. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por
dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
Os autores
Adonia Antunes Prado: professora da Faculdade de Educação e pesquisadora
do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo do Núcleo de Políticas
Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Alessandra Gomes Mendes: socióloga, mestre em Extensão Rural e Professora
Assistente da Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte/MG.
Antonio Alves de Almeida: professor universitário; doutorando em História
pela PUC/SP e pesquisador das questões agrárias, especialmente movimentos
populares, trabalho escravo e direitos humanos no Brasil contemporâneo.
Benedito Lima: auditor Fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego e mestre
em Ergonomia.
Boris Marañon: professor pesquisador do Instituto de Investigaciones Econó-
micas (IIEc)-UNAM-México.
Francisco Alves: professor Associado do Departamento de Engenharia de
Produção da UFSCar.
Gladyson S. B. Pereira: mestre em História pela Universidade Federal Fluminen-
se (UFF) e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
Horácio Antunes de Sant´Anna Júnior: professor do Departamento de Socio-
logia e Antropologia (DESOC) e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências
Sociais (PPGCS) e Sustentabilidade de Ecossistemas (PGCSE) e Coordenador do
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDM-
MA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e pesquisador vinculado
ao GPTEC.
Jaqueline Gomes de Jesus: mestre e doutorando em Psicologia Social, do Tra-
balho e das Organizações pela Universidade de Brasília e militante em direitos
humanos e psicólogo atuando no Serviço Público Federal.
Ricardo Rezende Figueira
Adonia Antunes Prado
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