Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica
2012
2
UFRJ
Rio de Janeiro
Fevereiro/2012
3
Aprovada por:
___________________________________
Profa. Dra. Marta Rezende Cardoso
___________________________________
Profa. Dra. Regina Herzog
___________________________________
Profa. Dra. Claudia Amorim Garcia
Rio de Janeiro
Fevereiro/2012
4
Dedicatória
Agradecimentos
Resumo
A violência do sexual e o impacto da pulsão de morte
Rio de Janeiro
Fevereiro/2012
9
Abstract
The violence of the sexual and the impact of the death drive
Drawing on Jean Laplanche and André Green, we discuss how to reconcile the
Freudian violent and disruptive aspects of human sexuality with the linking dimension
inherent to Eros.
Rio de Janeiro
February/2012
11
Sumário
Introdução ....................................................................................................................... 12
Capítulo I – A descoberta da sexualidade na teoria freudiana ....................................... 19
I.1 – Os fatores sexuais na etiologia da histeria ......................................................... 19
I.2 – A noção de defesa .............................................................................................. 22
I.3 – As neuroses atuais .............................................................................................. 24
I.4 – A teoria da sedução ............................................................................................ 27
I.5 – Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade ..................................................... 31
I.6 – A sexualidade perversa polimorfa ...................................................................... 32
I.7 – A pulsão sexual .................................................................................................. 34
I.8 – A pulsão parcial .................................................................................................. 35
I.9 – Apoio e autoerotismo ......................................................................................... 38
I.10 – O alvo sexual no autoerotismo ......................................................................... 40
I. 11 – O desenvolvimento da sexualidade ................................................................. 42
Capítulo II – As dimensões da pulsão sexual na teoria das pulsões: disruptiva,
organizadora e protetora ................................................................................................. 45
II.1 – A primeira teoria das pulsões ............................................................................ 45
II.2 – A “virada” do Narcisismo ................................................................................. 48
II.3 – A nova ação psíquica: a ação narcísica ............................................................. 51
II.4 – A crise da primeira teoria das pulsões .............................................................. 54
II.5 – A segunda teoria das pulsões ............................................................................ 56
II.6 – Além do princípio de prazer ............................................................................. 57
II.7 – Compulsão à repetição e princípio de prazer: proximidade e distância............ 59
II.8 – A redução das excitações ao nível zero ............................................................ 62
II. 9 – Reivindicação da libido ................................................................................... 63
II.10 – O Eros narcísico .............................................................................................. 67
II.11 – As dimensões da sexualidade na teoria das pulsões ....................................... 69
Capítulo III – Pulsão sexual: ligação e “desligamento” na vida psíquica ...................... 72
III. 1 – A problemática da sedução em Freud............................................................. 72
III. 2 – A teoria da sedução generalizada ................................................................... 77
III. 3 – A prioridade do outro na constituição da pulsão sexual ................................. 79
III. 4 – A pulsão sexual: a busca por mais excitação .................................................. 81
III. 5 – A fonte da pulsão sexual na teoria da sedução generalizada .......................... 83
III. 6 – Pulsão sexual de vida e pulsão sexual de morte ............................................. 87
III. 7 – As correntes de Eros em André Green ........................................................... 92
III. 8 – As noções de objetalização e desobjetalização............................................... 95
III. 9 – A pulsão de morte: desobjetalização ou fragmentação do objeto? ................. 97
Considerações finais ..................................................................................................... 103
Referências bibliográficas ............................................................................................ 113
Introdução
I. 2 – A noção de defesa
Ao abandonar o método catártico, Freud começou a solicitar de seus pacientes
em estado consciente lembranças que os remetessem ao fato traumático. Por mais que
eles se esforçassem para lembrar-se do acontecimento, parecia haver uma barreira que
impedia o acesso às lembranças relacionadas ao trauma.
“Por meio de meu trabalho (...) eu tinha de superar uma força psíquica nos
pacientes que se opunha a que as representações patogênicas se tornassem conscientes
(fossem lembradas)” – escreve ele (1895a/1969, op. cit., p. 283). Freud logo percebeu
que essa força era exatamente a mesma que desempenhara papel importante na geração
do sintoma neurótico, impedindo a representação patogênica de tornar-se consciente.
Não levou muito tempo para ele reconhecer as características predominantes
desse grupo de representações afastadas da consciência. “Eram todas de natureza
aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de autocensura e de dor psíquica, além
do sentimento de estar sendo prejudicado...” (Loc. cit.). Essas ideias ameaçadoras
geravam forte resistência por parte do ego, sendo responsáveis por grave conflito
interno. Mas de onde viriam essas ideias?
Em “As neuropsicoses de defesa”, Freud responde a essa pergunta: “é fácil
verificar que é precisamente a vida sexual que traz em si as mais numerosas
oportunidades para o surgimento de representações incompatíveis” (FREUD,
1894a/1969, p. 59). Segundo Strachey (Id., ibid., p. 56), apesar da forte influência de
Charcot e Breuer nos escritos freudianos dessa época, esse texto de 1894 já expõe os
elementos determinantes para a construção de uma nova teoria. Nesse sentido, a noção
de defesa, precursora da teoria do recalcamento, desempenha papel fundamental. Não
foi à toa que anos mais tarde Freud escreveu que a teoria do recalque é “a pedra angular
sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise” (FREUD, 1914a/1969, op. cit., p.
26).
A noção de defesa se baseia no conflito entre duas forças opostas no âmbito
psíquico – oposição que, ao atingir proporção extremada, seria o fator prioritário no
desencadeamento da psiconeurose.
(...) O ego do paciente teria sido abordado por uma representação que se mostrara
incompatível, o que provocara, por parte do ego, uma força de repulsão cuja finalidade
seria defender-se da representação incompatível. Essa defesa seria de fato bem-sucedida
(FREUD, 1895a/1969, op. cit., p. 284).
23
trata sempre aqui de uma comparação quantitativa, de uma luta entre forças
motivacionais de diferentes graus de vigor ou intensidade” (FREUD, 1895a/1969, op.
cit., p. 284).
Freud termina o seu importante texto de 1894 com a seguinte indicação –
imprescindível para o desenvolvimento ulterior de sua teoria:
(...) nas funções mentais, deve-se distinguir algo – uma carga de afeto ou soma de
excitação – que possui todas as características de uma quantidade (embora não tenhamos
meios de medi-la) passível de aumento, diminuição, deslocamento e descarga, e que se
espalha sobre os traços mnêmicos das representações como uma carga elétrica espalhada
pela superfície de um corpo (FREUD, 1894b/1969, op. cit., p. 66).
Estamos aqui diante do conceito de pulsão em sua fase embrionária. Com essa
indicação, podemos dizer que o aparelho psíquico é constituído não apenas por
representações, mas também por “quantidades” de excitação – que, ao se espalharem
pelos traços mnêmicos das representações, são responsáveis pela dinâmica da vida
psíquica. Essas “quantidades” de afeto – essas “somas” de excitação – estão na base dos
processos psíquicos, mas qual seria a origem dessas cargas de excitação?
I. 3 – As neuroses atuais
(...) uma vez que a excitação sexual somática atinja seu valor
limite, ela se converte continuamente em excitação psíquica (FREUD,
1895b/1969, p. 109).
esfera psíquica, do confronto dessa força sexual com o ego –, no campo das neuroses
atuais haveria insuficiência do processo de transposição da excitação sexual, ou seja, ela
não se transformaria em estímulo psíquico.
“Logo ficou claro para mim que a angústia de meus pacientes neuróticos tinha
muito a ver com a sexualidade” – escreve Freud (1894b/1969, op. cit., p. 235). Na
neurose de angústia, haveria acúmulo de excitação somática, de natureza sexual. Esse
acúmulo seria acompanhado de um “decréscimo da participação psíquica dos processos
sexuais” (FREUD, 1895b/1969, op. cit., p. 109). Mas, de que modo se daria essa
participação psíquica dos processos sexuais?
Ao descrever o processo de transposição da excitação somática em excitação
psíquica, Freud oferece as seguintes indicações, tomando a sexualidade masculina como
exemplo na primeira delas:
Essa excitação somática se manifesta como uma pressão nas paredes das vesículas
seminais, que são revestidas de terminações nervosas (...) essa excitação visceral se
desenvolve continuamente, mas tem que atingir certa altura para poder vencer a
resistência da via de condução intermediária até o córtex cerebral e expressar-se como
um estímulo psíquico (loc. cit.).
Apesar de não ter explorado a problemática das neuroses atuais nos anos
subsequentes de sua trajetória, Freud jamais abriu mão desse ponto de vista. Ele
priorizou as psiconeuroses em relação às neuroses atuais em suas abordagens teóricas e
clínicas pelo fato de as primeiras estarem inseridas num âmbito psíquico. Ao aprofundar
a sua investigação sobre as causas das psiconeuroses, chegou a uma nova concepção – a
teoria da sedução.
I. 4 – A teoria da sedução
Após atribuir etiologia sexual às psiconeuroses, Freud formulou a teoria da
sedução – a qual postulava a existência de uma origem traumática para esse grupo de
patologias, decorrente da sedução exercida pelo adulto sobre a criança. A teoria da
sedução – a exemplo do que aconteceu com a noção de defesa e a teoria das neuroses
atuais – distanciou Freud ainda mais dos pressupostos de Breuer e Charcot, trazendo à
tona a singularidade de seu pensamento.
No artigo “As psiconeuroses de defesa” (FREUD, 1894/1969, op. cit.), foi
postulada a noção de defesa ou “recalcamento”. Agora, em 1896, com “Observações
adicionais sobre as psiconeuroses de defesa” (Id., 1896a/1969), são esquematizados de
forma mais detalhada os fatores responsáveis pelo acionamento da defesa. Se, no artigo
anterior, Freud já sugeria que o ego se defendia predominantemente das representações
sexuais incompatíveis, nesse novo artigo explora com maior profundidade a origem
dessas representações e o seu caráter traumático. Nesse momento teórico a prioridade da
sexualidade na etiologia das psiconeuroses é fato incontestável. Trata-se de uma
experiência sexual de cunho traumático cujos traços mnêmicos, e o afeto a eles ligado
desempenham papel preponderante.
“Em publicações anteriores, Breuer e eu já expressávamos a opinião de que os
sintomas da histeria só poderiam ser compreendidos se remetidos a experiências de
28
(...) quando a experiência sexual ocorre durante o período de imaturidade sexual e sua
lembrança é despertada durante ou após a maturidade, a lembrança passa a ter um efeito
excitatório muito mais forte do que o da experiência na época em que ocorreu; e isso
porque, nesse ínterim, a puberdade aumentou imensamente a capacidade de reação do
aparelho sexual. (...) Os traumas da infância atuam de modo adiado, como se fossem
experiências novas, mas o fazem inconscientemente (Id., ibid., p. 167).
A relação entre experiência real e ativação posterior dos traços mnêmicos dessa
experiência carrega em si a pré-condição para o recalcamento. Este seria justamente
uma consequência do ingresso da excitação sexual na esfera psíquica. Com o aumento
da excitação e a consequente ativação de traços mnêmicos de experiências de cunho
sexual, presentes no psiquismo desde a infância, o efeito dessa vinculação entre afeto
sexual e representação seria aflitivo em demasia para o ego – que se defenderia desse
confronto com a sexualidade psíquica através do recalcamento.
Para Freud, apenas as representações de conteúdo sexual poderiam ser
recalcadas. Na segunda seção do “Projeto para uma psicologia científica”, manuscrito
de 1895 – que só veio a ser publicado em 1950 –, ele oferece preciosas indicações para
uma compreensão mais apurada da teoria da sedução. Deixa claro que “o recalcamento
é invariavelmente aplicado a ideias que despertam no ego um afeto penoso (de
desprazer) e segundo, a ideias provenientes da vida sexual” (FREUD, 1895c/1969, p.
404). Essa posição teórica foi reafirmada diversas vezes ao longo de seu percurso.
A inovação de Freud não reside em ter teorizado o conceito de Trieb, mas em tê-lo
inserido no arcabouço de uma teoria do conflito psíquico e, portanto, psicodinâmica.
Embora já empregasse o termo ocasionalmente, só a partir de 1905 (...) é que ele passa a
se servir mais sistematicamente da palavra Trieb (FREUD, 1915/2004, p. 139).
Segundo Strachey, apesar dos inúmeros acréscimos feitos aos “Três ensaios” em
edições posteriores, a essência dessa obra está presente desde a sua primeira publicação
(FREUD, 1905/1969, op. cit., p. 121). No prefácio da terceira edição, em 1915, Freud
32
pudemos dizer que a neurose é como que o negativo das perversões (FREUD,
1905/1969, op. cit., p. 218).
O que estaria na base das psiconeuroses seria justamente uma moção sexual
perversa, impedida em seu acesso à satisfação, afastada para longe do domínio da
consciência. Entretanto, através do sintoma neurótico, essa moção encontraria outra via
de satisfação – via muitas vezes penosa para o sujeito. Tratar-se-ia de uma moção
perversa por esta não estar subordinada ao primado da sexualidade genital, adulta e
“normal”. Essa moção seria a prova viva da sexualidade infantil, considerada perversa
e, portanto, patológica em muitas abordagens do panorama científico da época.
“(...) Os sintomas (...) representam a expressão convertida de pulsões que seriam
designadas de perversas (...) se pudessem expressar-se diretamente, sem desvio pela
consciência, em propósitos da fantasia e em ações” (FREUD, 1905/ 1969, op. cit., p.
157). Assim, Freud considera a neurose o negativo da perversão pelo fato de ser a
sexualidade perversa que está representada na sintomatologia neurótica. Trata-se de
uma sexualidade mais próxima de seu estado bruto e inicial.
Freud diz ser imprópria a “utilização reprobatória” (Id., ibid., p. 152) do termo
perversão, desafiando o caráter patológico atribuído a toda uma série de perversões por
outras teorias. A disposição perversa polimorfa é caracterizada por ele como algo
“universalmente humano e originário” (Id., ibid., p. 180).
Os rudimentos de atividades perversas estariam presentes nos processos sexuais
normais. Para exemplificar essa afirmação, Freud cita “certas relações intermediárias
com o objeto sexual (a caminho do coito), tais como apalpá-lo e contemplá-lo” – alvos
sexuais preliminares (Id., ibid., p. 141). Essas atividades não só promovem o prazer,
mas também intensificam a excitação até que o alvo sexual definitivo seja alcançado.
Entretanto, os argumentos freudianos referentes aos desvios em relação ao
objeto, ao alvo (processo que obtém prazer), e à fonte (uso de zonas corporais que não
são necessárias ao coito), “destroem no adulto a ideia de uma pré-formação, de uma
finalidade, pois o único objetivo atribuível a todos esses atos (...) não pode ser para um
34
I. 7 – A pulsão sexual
Freud recorreu ao termo pulsão (Trieb) para descrever a sexualidade humana – o
que já nos leva a questionar se as noções de pulsão e sexualidade não seriam, de fato,
indissociáveis em sua teoria. Ele definiu a pulsão como o conjunto de exigências
somáticas feitas ao psiquismo (FREUD, 1940 [1938]/1969). A ancoragem da pulsão no
corpo somático é uma constante em sua obra, desde os “Três ensaios” (1905/1969, op.
cit.) até o “Esboço de psicanálise” (1940 [1938]/1969).
A definição geral de pulsão foi acrescentada em 1915, na terceira edição dos
“Três ensaios”, e em sua essência permaneceu inalterada até o final do percurso
freudiano: por pulsão “deve-se entender provisoriamente o representante psíquico de
uma fonte endossomática e contínua de excitação em contraste com um “estímulo”,
estabelecido por excitações simples vindas de fora” (Id., 1905/1969, op. cit., p. 159).
Diferentemente dos estímulos exteriores que chegam ao organismo, as pulsões
são estímulos de origem interna. “Diante dos estímulos exteriores, o recurso pode ser a
fuga ou a ação muscular; mas e diante da fome, ou do desejo sexual? Estes estímulos
levam o psiquismo a desenvolver uma série complexa de operações psíquicas para obter
a descarga” (GURFINKEL, 1993, p. 159).
Para Joel Birman, a pulsão constitui o conceito fundamental da metapsicologia
freudiana, pois a partir dele a psicanálise encontrou um caminho de articulação entre as
ordens do corpo e do psiquismo, no que para o autor consiste em um processo de
transposição. A ordem psíquica, ao passar a existir no plano da representação, “seria a
única capaz de regular as excitações corporais que, de outro modo, seriam uma fonte
35
Talvez um dos maiores desafios de toda a teoria sexual de Freud tenha sido
entender como o funcionamento psíquico está, de alguma forma, atrelado ao organismo
biológico do individuo, influenciando e subvertendo o seu funcionamento.
A pulsão pode ser caracterizada como força propulsora, derivada do interior do
organismo, existente na fronteira entre as ordens do corpo e da representação. Ao
subverter o organismo biológico, a pulsão – em sua busca ininterrupta de satisfação –
seria o fator que impulsiona a atividade psíquica. A sexualidade, conceituada por Freud
através da ideia de pulsão sexual, pode ser apontada, portanto, como fator motivador do
funcionamento psíquico.
“A pulsão sexual, diferente do instinto sexual, não se reduz às simples atividades
sexuais que costumam ser repertoriadas com seus objetivos e objetos, mas é um impulso
do qual a libido constitui a energia” (ROUDINESCO & PLON, 1998, op. cit., p. 629). É
este aspecto de irredutibilidade, tanto em relação à satisfação de uma necessidade
quanto em relação aos objetos de satisfação, que melhor caracteriza a pulsão.
I. 8 – A pulsão parcial
O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades
específicas é sua relação com suas fontes somáticas e seus alvos
(FREUD, 1905/1969, op. cit., p. 159).
Contudo, devemos admitir que também a vida sexual infantil, apesar da dominação
preponderante das zonas erógenas, exibe componentes que desde o inicio envolvem
outras pessoas como objetos sexuais. Dessa natureza são as pulsões do prazer de olhar e
de exibir, bem como a de crueldade, que aparecem com certa independência das zonas
erógenas e só mais tarde entram em relações estreitas com a vida genital, mas que já na
infância se fazem notar como aspirações autônomas, inicialmente separadas da atividade
sexual erógena (Id., ibid., p. 180-181).
38
I. 9 – Apoio e autoerotismo
Na teoria do desenvolvimento psicossexual, o primeiro objeto erótico de uma
criança é o seio da mãe que a alimenta. A criança, em um primeiro momento, ao sugar o
seio da mãe, obtém prazer ao ser satisfeita em sua necessidade de nutrição. “A atividade
sexual apoia-se primeiramente numa das funções que servem à preservação da vida, e só
depois torna-se independente delas” (Id., ibid., p. 171). Através desse processo de apoio
em uma função vital, os lábios transformam-se em uma zona erógena, origem da pulsão
parcial.
Esta pulsão, por sua vez, separa-se de seu objeto de apoio, torna-se autônoma e
passa a funcionar de maneira autoerótica. “A necessidade de repetir a satisfação sexual
dissocia-se então da necessidade de absorção de alimento” (loc. cit.). Assim, a pulsão
parcial, precursora da pulsão sexual, emerge das “necessidades”, em um momento
mítico da história do sujeito, estruturando o funcionamento fantasístico (BIRMAN,
1984).
39
Assim, o alvo sexual nessa primeira fase, a incorporação do objeto, serve como modelo
para aquilo que posteriormente desempenhará um papel psíquico fundamental, a
identificação.
“Como resíduo dessa hipotética fase de organização (...) podemos ver o chuchar,
no qual a atividade, desligada da atividade de alimentação, renunciou ao objeto alheio
em troca de um objeto situado no próprio corpo” (loc. cit.). Mas o alvo sexual, antes
descrito como a incorporação do objeto, após essa primeira fase, passa a ser uma mera
descarga da tensão sexual no próprio corpo?
Vejamos como Laplanche tenta elucidar essa questão:
experiência com o objeto – a de sucção do leite no seio materno, por exemplo. Por mais
que, no autoerotismo, o objeto externo esteja “perdido”, os efeitos desse encontro com o
objeto no espaço intrapsíquico devem ser levados em conta numa análise mais
aprofundada da questão.
I. 11 – O desenvolvimento da sexualidade
Para Freud (1905/1969, op. cit., p. 172), através do chuchar, exemplo de uma
primeira experiência autoerótica, observa-se as três características principais da
sexualidade infantil: “esta nasce apoiando-se numa das funções somáticas vitais, ainda
não conhece nenhum objeto sexual, sendo autoerótica, e seu alvo sexual acha-se sob o
domínio de uma zona erógena”.
Como foi visto anteriormente, a organização pré-genital oral corresponde à
primeira fase da vida sexual infantil. A segunda fase é denominada organização sádico-
anal, na qual “a divisão em opostos que perpassa a vida sexual já se constituiu, mas eles
ainda não podem ser chamados de masculino e feminino, e sim ativo e passivo” (Id.,
ibid., p. 187). Essas duas organizações, oral e anal só foram adicionadas na terceira
edição dos “Três ensaios”, em 1915. Uma terceira organização pré-genital, a fálica,
aparece apenas na sexta edição, de 1925.
Através da organização pré-genital anal, Freud apresentou um esquema mais
sofisticado da sexualidade infantil. A pulsão de domínio é designada como a pulsão
parcial responsável pelo polo ativo dessa organização.
Com essa segunda fase, Freud mostra também que o autoerotismo não abarca a
totalidade da sexualidade infantil. “Nessa fase (...) já é possível demonstrar a polaridade
sexual e o objeto alheio, faltando ainda a organização e a subordinação à função
reprodutora” (loc. cit.). Então, esses dois fatores, a polaridade sexual e o objeto fora do
próprio corpo, já estão atuando nesse momento. A polaridade sexual se refere a um
modo de relação de objeto no qual o sujeito pode assumir psiquicamente uma posição
ativa ou passiva. Esse modo pode atrair boa parcela da atividade sexual, conservando-se
43
por toda a vida e até mesmo predominando sobre outros modos de relação. A
ambivalência afetiva e o sadismo são exemplos de manifestações psíquicas relacionadas
à fase anal.
A terceira organização pré-genital, denominada fálica, “exibe objeto sexual e
certo grau de convergência das aspirações sexuais para esse objeto” (FREUD,
1905/1969, op. cit., p. 188). Trata-se do período correspondente aos complexos de
Édipo e de castração, momento no qual a relação libidinal da criança com os pais atinge
o seu ápice e o seu declínio, e suas consequências para a vida psíquica têm importância
ímpar. Nessa terceira fase, a contribuição das zonas genitais para a atividade sexual já é
bastante intensa; entretanto, essa fase não se confunde com a organização genital – que
é definitiva na maturidade. Esse fato se dá porque na fase fálica apenas a genitália
masculina assume papel preponderante no âmbito psíquico. A polaridade sexual, antes
situada entre os polos ativo e passivo, dá lugar ao par de opostos fálico e castrado.
Com a chegada da puberdade, após o período de latência, ocorrem as mudanças
que desembocam na configuração definitiva da sexualidade. Atinge-se finalmente “a
concentração das pulsões parciais e sua subordinação ao primado da genitália”, “assim,
o estabelecimento desse primado a serviço da reprodução é a última fase por que passa a
organização sexual” (Id., ibid., p. 188). As perversões seriam o resultado de inibições ou
dissociações do desenvolvimento normal da vida sexual. A hipótese principal de Freud
consiste no fato de que a pulsão sexual do adulto “nasce mediante a conjugação de
diversas moções da vida infantil numa unidade, numa aspiração com um alvo único”
(Id., ibid., p. 218).
Se, nos dois primeiros ensaios sobre a teoria sexual – “As aberrações sexuais” e
“A sexualidade infantil” –, Freud insistiu no caráter perverso, menos regulado e
unificado da sexualidade – ou seja, em tudo aquilo que distancia a pulsão do instinto –,
no terceiro ensaio – “As transformações da puberdade” –, ele volta a aproximar a ordem
pulsional da ordem instintiva. “Quanto ao terceiro capítulo (...) pode-se dizer que é uma
volta ao instinto, ou a alguma coisa semelhante: uma volta, por um lado, à genitalidade,
e por outro a um objeto sexual, ‘a pessoa do sexo oposto’ (...) logo uma volta aparente
aos trilhos do instinto” – escreve Laplanche (1993/1997, op. cit., p. 24).
Até a puberdade, a vida sexual “atuava partindo de pulsões e zonas erógenas
distintas que, independendo umas das outras, buscavam certo tipo de prazer como alvo
44
sexual” (FREUD, 1905/1969, op. cit., p. 196). Assim, a essência do conceito de pulsão
não residiria apenas nas inúmeras possibilidades de satisfação através de diferentes
zonas erógenas, mas também nas inúmeras repercussões psíquicas derivadas (ou
associadas) desse amplo espectro de possibilidades.
A ordem psíquica, tendo a força pulsional como motor para o seu
funcionamento, seria um território aberto, enquanto a pulsão, por sua vez, seria uma
espécie de instinto perdido, sem pré-determinações e objetos fixos para alcançar a
satisfação. Essa ausência de fixidez de objetos, essa indeterminação em seus destinos,
permitiu ao fundador da psicanálise recorrer aos distúrbios no campo da libido para
explicar os estados patológicos do psiquismo.
A energia da pulsão sexual não apenas forneceria a força que sustenta os
sintomas neuróticos, mas seria a única fonte energética constante da neurose e a mais
importante de todas. Os sintomas são descritos como a atividade sexual dos doentes.
“(...) Tais sintomas são um substituto – uma transcrição, por assim dizer – de uma série
de processos, desejos e aspirações investidas de afeto, aos quais, mediante um processo
psíquico universal (o recalcamento), nega-se a descarga” (FREUD, 1905/1969, op. cit.,
p. 155).
A sexualidade perversa polimorfa, essencialmente infantil, está na base desses
sintomas. Essa é a grande diferença dos “Três ensaios” para os escritos freudianos da
década de 1890. A sexualidade perversa, constitutiva do psiquismo humano, se
desenvolve através de diferentes etapas, até chegar a uma configuração definitiva na
puberdade. São os percalços nesse caminho da pulsão sexual que estão implicados na
formação dos sintomas psiconeuróticos. Com a conceituação da pulsão em seus “Três
ensaios”, Freud inaugurou um dos eixos fundamentais de seu pensamento e de sua nova
visão sobre a sexualidade humana: a teoria das pulsões.
Capítulo II
A construção da teoria das pulsões foi caracterizada por Freud (1930/1969) como
um processo tortuoso. Se a primeira teoria pulsional opôs a pulsão sexual à pulsão do
ego, essa oposição não vigorou absoluta, pois a noção de narcisismo veio redirecionar o
rumo do pensamento freudiano.
Green (1988, op. cit.) assinala que as duas fontes dos conceitos psicanalíticos
são, de um lado, a experiência clínica e, de outro, o horizonte epistemológico. Os
obstáculos enfrentados em sua prática clínica, assim como as críticas feitas pelos seus
opositores, levaram Freud a conceituar o narcisismo.
Na década de 1910, o reconhecimento do valor clínico e epistemológico da
psicanálise em diversos países, especialmente europeus, já era consideravelmente maior
que na década anterior. A extensão do movimento psicanalítico promoveu novas
teorizações e propostas clínicas por parte de outros médicos – que, em diferentes graus,
problematizaram, enriqueceram ou refutaram os pressupostos freudianos. Carl Jung,
cujo interesse estava voltado especialmente para as patologias psicóticas, questionou a
aplicabilidade da teoria da sexualidade para esse campo em particular.
Em seus comentários de editor da Standard Edition, Strachey diz que dentro
desse contexto, um dos motivos mais fortes que levaram Freud a escrever “Introdução
ao Narcisismo” (FREUD, 1914c/1969, p. 78) foi demonstrar, através do conceito de
narcisismo, uma alternativa à “libido” não sexual de Jung e ao “protesto masculino” de
Alfred Adler. Contudo, a noção de narcisismo esteve presente na teoria freudiana antes
mesmo de ser “introduzida” no ensaio de 1914.
O termo narcisismo – utilizado no panorama científico da época para designar
uma perversão na qual o sujeito tomava o próprio corpo como objeto sexual – apareceu
nos escritos de Freud pela primeira vez numa nota de rodapé da segunda edição dos
“Três ensaios”, em 1910. No texto “Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua
infância” (FREUD, 1910b/1969), o termo narcisismo foi evocado para designar a
49
escolha de objeto própria da homossexualidade. “O menino reprime seu amor pela mãe;
coloca-se em seu lugar, identifica-se com ela, e toma a si próprio como um modelo a
que devem assemelhar-se os novos objetos de seu amor (...) encontra seus objetos de
amor segundo o modelo do narcisismo” (Id., ibid., p. 106).
No caso Schreber (1911), Freud aprofunda consideravelmente a sua investigação
sobre o narcisismo, situando-o como uma fase intermediária da vida sexual entre o
autoerotismo e o amor objetal. A etapa do narcisismo é concebida como uma “reunião”
das pulsões sexuais.
(...) Chega uma ocasião, no desenvolvimento do indivíduo, em que ele reúne seus
instintos sexuais (que até aqui estavam empenhados em atividades autoeróticas), a fim
de conseguir um objeto amoroso; e começa a tomar a si próprio, seu próprio corpo,
como objeto amoroso, sendo apenas subsequentemente que passa daí para a escolha de
alguma outra pessoa que não ele mesmo, como objeto (FREUD, 1911a/1969, op. cit., p.
68).
Essa unificação das pulsões parciais via narcisismo não anulou a hipótese
anterior da não subordinação das pulsões parciais ao primado da genitalidade. Essas
pulsões sucumbiriam a esse primado apenas no momento em que o indivíduo atingisse a
puberdade – período no qual se alcançaria a configuração definitiva da sexualidade.
Entretanto, assim como a concentração das pulsões parciais sobre a genitalidade, essas
pulsões não estariam reunidas em um investimento maciço no ego desde o inicio. O ego
necessitaria de uma ação fundante, de um tempo de constituição.
“É uma suposição necessária a de que uma unidade comparável ao Eu não esteja
presente no indivíduo desde o inicio; o Eu precisa antes ser desenvolvido” (FREUD,
1914b/2004, op. cit., p. 99). Anteriormente à constituição do ego, as pulsões
autoeróticas, espalhadas pelo corpo, alcançariam a satisfação independentes umas das
outras – não convergindo para um alvo sexual em comum.
O autoerotismo, apesar de não apresentar objeto externo – como indica o prefixo
auto –, dificilmente pode ser pensado sem objeto interno – isto é, sem objeto
“fantasístico”. “Como prova disto, temos o fato de que diante de todo comportamento
dito autoerótico de um analisado o psicanalista não deixa de procurar e encontrar a
fantasia subjacente” (LAPLANCHE, 1987/1992, op. cit., p. 74).
No protótipo oral do autoerotismo, a sucção é determinada pela busca de um
prazer já vivido – a ser rememorado. Então, os traços de memória estariam
definitivamente em jogo na atividade autoerótica, mesmo nas mais primitivas. Esses
traços, contudo, apesar de subjacentes às excitações de diferentes partes do corpo, não
estariam coordenados, mas dispersos no espaço intrapsíquico – da mesma maneira que
as excitações corporais estão dispersas nas zonas erógenas. O ego, então, seria o agente
organizador desses traços, circunscrevendo as excitações psíquicas.
“O Eu é ligante; ele liga, ele é por definição total; para ele, trata-se de manter
juntas, de reunir todas as suas pulsões autoeróticas, e ao mesmo tempo contê-las, de
conter o autoerótico; conter o erótico, eventualmente englobando-o, totalizando-o”
(LAPLANCHE, 1993/1997, op. cit., p. 76). Essa tarefa de circunscrever a excitação só
seria possível através do narcisismo primário – que, em 1914, coincide com os
momentos formadores do ego.
53
“(...) É necessário supor que algo tem que ser acrescentado ao autoerotismo, uma
nova ação psíquica, para que se constitua o narcisismo” (FREUD, 1914b/2004, op. cit.,
p. 99). Como entender essa ação constitutiva?
Essa questão é fundamental, pois a resposta nos remete à importância do objeto
externo na gênese do narcisismo. O narcisismo primário não estaria presente desde o
inicio, mas seria um dos efeitos decorrentes da relação da criança com o adulto – como
Freud indica com a expressão “His majesty, the baby” no texto de 1914. “Ao
repararmos na atitude de pais afetuosos para com seus filhos, seremos forçados a
reconhecer que se trata de uma revivescência e de uma reprodução de seu próprio
narcisismo, há muito abandonado” (Id., ibid., p. 110).
O investimento libidinal dos pais sobre a criança estaria na base do narcisismo
primário – que não surgiria automaticamente. A criança apenas reproduziria
internamente esse modo de relação, esse investimento intenso e imprescindível dos pais
sobre ela – investimento que, por sua vez, refletiria o inconsciente parental. O ego,
então, seria desenvolvido a partir desse investimento – a princípio externo, e depois
reflexo. Essa nova ação psíquica, então, corresponderia à “unificação do autoerotismo
(...) sobre um objeto único: mas sobre um objeto que é ele mesmo “auto”, um objeto
que é sempre interno, “reflexo”, e é justamente por isso que foi batizado com o nome
desse herói do espelho, Narciso” (LAPLANCHE, 1987/1992, op. cit., p. 76).
O ego – objeto refletido – compreenderia a convergência das pulsões parciais
para a representação de uma imagem unificada do corpo. O narcisismo seria “uma
colocação em forma do autoerotismo, acarretando uma profunda mutação da
sexualidade, pelo fato de que a ação narcísica, a precipitação ou coagulação narcísica,
liga essa sexualidade” (LAPLANCHE, 1993/1997, op. cit., p. 80). Em quadros
psicóticos severos – como a esquizofrenia ou demência precoce – a regressão ao
autoerotismo denunciaria justamente a ausência dessa ligação “narcísica” da
sexualidade.
O autoerotismo, então, seria a expressão da sexualidade não ligada pelo ego
“sintetizante” e “totalizador”, e por esse motivo promoveria efeitos perturbadores no
psiquismo. As excitações psíquicas – os traços de memória subjacentes às diferentes
zonas erógenas –, quando não circunscritas, não teriam como ingressar plenamente no
circuito representativo. A elaboração da força sexual estaria assim fortemente
54
geral. Ele responde a essa indagação da seguinte forma: “... nossa concepção, desde o
inicio sempre foi dualista, e hoje, quando os termos opostos não são mais designados
como pulsões do Eu e pulsões sexuais, mas como pulsões de vida e pulsões de morte,
ela é ainda mais rigorosamente dualista do que antes” (FREUD, 1920/2006, op. cit., p.
174). Como entender essa nova concepção dualista?
O objetivo de Eros é estabelecer unidades cada vez maiores, preservando-as –
em suma, unir, atar, ligar. Já o objetivo da pulsão de morte é desfazer conexões, destruir
coisas – levar o que é vivo a um estado inorgânico. As duas pulsões operam uma contra
a outra ou combinam-se mutuamente. “(...) O ato de comer é uma destruição do objeto
com o objetivo básico de incorporá-lo, e o ato sexual é um ato de regressão com o
intuito da mais íntima união” (FREUD, 1940 [1938]/1969, op. cit., p. 162). A ação
conjunta e mutuamente oposta das duas pulsões está base dos fenômenos da vida.
Ao lançar mão de exemplos para ilustrar a oposição entre Eros e pulsão de
morte, Freud recorre frequentemente às funções biológicas para esclarecer o seu
pensamento. Esse é um dos pontos mais marcantes da segunda teoria das pulsões: a
clareza na qual ele concebe os fenômenos psíquicos como repercussões daquilo que
ocorre no plano biológico. Todavia, vale ressaltar que esse apelo à biologia sempre foi
utilizado por ele. A sua teoria pulsional, em leitura estrita, é incompreensível sem o
recurso ao biológico. O próprio Freud reconheceu esse fato inúmeras vezes. “Tenho me
esforçado em manter afastado da psicologia tudo o que é de outra ordem (...) mas devo
admitir aqui que a suposição de uma separação entre pulsões (...) se apoia
primordialmente na biologia, embora em pequena parcela esteja também assentada
sobre bases psicológicas” (FREUD, 1914b/2004, op. cit., p. 101).
Outro ponto fundamental desse novo dualismo é a introdução do conceito de
pulsão de morte – a pulsão não sexual que estaria contraposta ao campo da sexualidade.
Como entender essa pulsão sem a dimensão sexual das outras?
(...) Os fatos que nos levaram a crer na hegemonia do princípio de prazer na vida
psíquica (...) remontam à suposição de que o aparelho psíquico teria uma tendência a
manter a quantidade de excitação nele presente tão baixa quanto possível, ou pelo menos
constante (FREUD, 1920/2006, op. cit., p. 136).
A função original do sonho, então, não seria afastar as causas que poderiam
interromper o sono, através da realização alucinatória do desejo. O sonho só assumiria
essa função posteriormente, depois que o domínio do princípio de prazer estivesse
instaurado no conjunto da vida psíquica. Haveria um “além” do princípio de prazer –
período anterior a esse propósito da realização de desejo. Com a ruptura da tendência
dominante ao prazer, os sonhos operariam a favor de uma “captura e fixação psíquica”
das impressões traumáticas, obedecendo ao processo de compulsão à repetição.
61
(...) No curso do desenvolvimento dos seres vivos, houve uma modificação que
transformou o princípio de Nirvana, associado à pulsão de morte, no princípio de prazer
(...) A partir de agora não consideramos (...) como a mesma coisa (FREUD, 1924/2007,
p. 106).
adivinhar de que força partiu essa modificação do princípio de Nirvana: só pode ter sido
da pulsão de vida, da libido, que impôs sua coparticipação na regulação dos processos
de vida, colocando-se lado a lado com a pulsão de morte” (FREUD, 1924/2007, op. cit.,
p. 106). Contudo, estranhamente ele não postula uma energia própria para a pulsão de
morte.
O princípio de Nirvana expressaria a tendência da pulsão de morte – a redução
quantitativa da carga de excitação. O princípio de prazer relacionar-se-ia com as
características qualitativas dessa redução, sinalizando o trabalho de Eros – que é
designado como “reivindicação da libido”, ou seja, a imposição feita pelas pulsões
sexuais no curso dos processos psíquicos e vitais. O princípio de realidade expressaria
as exigências da realidade externa, garantindo a possibilidade de adiamento da descarga
das excitações e a aceitação temporária da tensão gerada pelo desprazer. Apesar de seus
propósitos diferentes, nenhum desses três princípios destituiria o outro do poder (Id.,
ibid.).
Vale ressaltar que o princípio de prazer está relacionado com as exigências da
sexualidade desde a postulação do primeiro modelo do aparelho psíquico, na segunda
metade da década de 1890. No texto de 1924, Freud não contradiz exatamente a sua
hipótese inicial: as pulsões sexuais buscariam a descarga de forma impetuosa,
desconsiderando as exigências da realidade externa. O processo primário seria uma
modalidade de funcionamento psíquico no qual a energia circularia mais livremente, se
deslocando de uma representação para outra – ou promovendo a condensação das
representações. Tratar-se-ia de uma série de ligações “instáveis” da força pulsional, que
antecederia o processo secundário, no qual as ligações já seriam mais consistentes.
A hipótese contida em “Além do princípio de prazer” (1920) – de uma situação
psíquica na qual o trabalho de ligação da força pulsional estivesse seriamente
comprometido, a ponto de a descarga pulsional apresentar um caráter mais extremo e
radical do que aquele atribuído à busca por descarga das pulsões sexuais no processo
primário –, nos leva a seguinte questão: por que a redução total da carga de excitação –
o princípio de Nirvana do funcionamento psíquico – não teria em si uma dimensão
sexual? Por que a sexualidade estaria restringida ao trabalho de ligação – mesmo que
instável, como no caso do processo primário – da força pulsional?
66
O narcisismo se torna um estádio biológico de início, o que nos reconduz (...) à tentativa
de descrever uma gênese endógena do ser humano. O narcisismo é (...) levado para trás,
para o biológico puro – como estado real do início. Além disso (...) o que era designado
outrora como autoerotismo é doravante subordinado a esse narcisismo de início (Id.,
ibid., p. 88).
estaria vigorando desde o inicio – na tendência das células somáticas a aderirem umas
às outras, neutralizando as tendências destrutivas da pulsão de morte.
(...) Podemos imaginar um estado inicial como sendo o estado em que a energia total
disponível de Eros, a qual, doravante, mencionaremos como “libido”, acha-se presente
no ego-id indiferenciado e serve para neutralizar as tendências destrutivas que estão
simultaneamente presentes (FREUD, 1940[1938]/1969, p. 162).
Freud jamais anulou um desses três eixos em sua teoria – o que não quer dizer
que essas três dimensões da pulsão sexual “convivam” bem e não promovam
contradições e dificuldades para a compreensão de sua teoria como um todo.
No conflito entre pulsão do ego e pulsão sexual, a pulsão sexual “era a força
submetida exclusivamente ao princípio de prazer, dificilmente educável, funcionando
70
psíquico. Esse distúrbio ocorreria uma vez que não houvesse simbolização das cenas de
sedução, mas o seu recalque.
A teoria da sedução corresponde à primeira teoria do trauma no pensamento de
Freud. Ao cair no limbo após o abandono dessa teoria em 1897, a dimensão de trauma
volta a nele ocupar lugar de destaque apenas duas décadas depois, com o interesse de
Freud pelas neuroses traumáticas. Não por acaso Jean Laplanche ressalta a forte
semelhança que existiria entre trauma da sedução e neurose traumática. Em ambas as
situações, o trauma resultaria essencialmente do despreparo do sujeito frente à
experiência traumática.
Sua força reside na trama cerrada que liga a teoria aos dados da experiência analítica: é
uma teoria estreitamente intrincada com a experiência. Reside em pôr em jogo, já de
forma rigorosa e doravante insuperável, três fatores da racionalidade analítica: a
temporalidade do a posteriori, a tópica do sujeito e os laços tradutivos ou interpretativos
entre os roteiros ou as cenas (Id., ibid., p. 122).
concedido à sedução fica bem delimitado em diversas passagens dos “Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade” (1905), entre elas, ressaltemos uma particularmente
significativa:
(...) O trato da criança com a pessoa que a assiste é, para ela, uma fonte incessante de
excitação e satisfação sexuais vindas das zonas erógenas, ainda mais que essa pessoa –
usualmente, a mãe – contempla a criança com os sentimentos derivados de sua própria
vida sexual: ela a acaricia, beija e embala, e é perfeitamente claro que a trata como o
substituto de um objeto sexual plenamente legítimo (FREUD, 1905/1969, op. cit., p.
210-211).
Para o adulto que exerce os cuidados maternos, essa sedução não seria
intencional ou deliberada. “A mãe provavelmente se horrorizaria se lhe fosse
esclarecido que, com todas as suas expressões de ternura, ela está despertando a pulsão
sexual de seu filho e preparando a intensidade posterior desta” (Id., ibid., p. 211). É
interessante notar que nessa afirmação Freud situa a sedução materna como o fator que
despertaria a pulsão sexual infantil. Todavia, no conjunto de seu pensamento, a pulsão
sexual não seria despertada pela sedução, mas sim pelas excitações das diversas zonas
erógenas do corpo somático. Segundo Freud, a pulsão sexual, em última instância,
emergiria espontaneamente, independendo dessa experiência de sedução “primária”.
Laplanche (1987/1992, op. cit., p. 116) assinala que os “Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade” (1905) têm o grande mérito de ressignificar a noção de perversão,
demonstrando que o conjunto da sexualidade se desenvolveria “sob o signo da ausência
de meta e de objeto preestabelecidos, ou seja, numa errância que só no fim encontrará a
chamada sexualidade genital”. Todavia, apesar dessa ressignificação da noção de
perversão, o adulto perverso da teoria da sedução não se “beneficia” dessa nova
perspectiva, que poderia situá-lo na generalidade do desenvolvimento sexual humano.
Em outras palavras, Freud deixa de estender a sedução precoce à origem da sexualidade
infantil, não vindo a explorar, de forma mais clara, a possibilidade de essa sedução ser o
fator que desperta a “erogeneidade” do corpo infantil.
Apesar de continuar a levar em conta os efeitos da sedução exercida pelo adulto
sobre a criança após o abandono da teoria da sedução, para essa sedução Freud não
atribui de forma efetivamente explícita ou elaborada um papel constitucional, mas
mobilizador. Em contrapartida – como detalharemos a seguir – na visão de Laplanche, a
sedução do adulto não seria apenas um aspecto mobilizador da pulsão sexual, mas sim
77
montagens reguladoras. Esse bebê precisaria de “ajuda externa” para sobreviver (Id.,
ibid., p. 102-103).
Laplanche, então, explora a situação originária na qual a criança necessitaria da
ajuda do adulto para manter-se viva. Essa relação originária se estabelece em um duplo
registro: no primeiro, há uma relação interativa, no segundo, não há interação possível
pelo fato de haver extrema defasagem entre o psiquismo adulto – fundamentalmente
marcado pelos conteúdos sexuais e inconscientes – e o corpo-psiquismo infantil –
extremamente elementar. A balança é profundamente desigual.
“No ser humano, nem sempre há ação e reação iguais entre si, como quer a
física; nele, há um sedutor e um seduzido, um desviador e um desviado, conduzido para
longe das vias naturais” (LAPLANCHE, 1987/1992, op. cit., p. 111). Do lado da
criança, a princípio, há apenas um organismo com suas montagens biológicas, pré-
formadas, e do lado do adulto, há a implantação de mensagens nesse organismo infantil
– “mensagens antes de tudo somáticas, inseparáveis dos significantes gestuais, mímicos
ou sonoros, que as transportam” (Id., 1993/1997, p. 14-15).
O adulto propõe à criança significantes impregnados de significação sexual
inconsciente, significantes verbais, não verbais e até mesmo comportamentais. Trata-se
de elementos inconscientes que impregnam os gestos, os dizeres, as ações dos adultos.
Este mundo sexual adulto não se caracteriza por um mundo objetivo que a criança tenha
que descobrir e aprender. Caracteriza-se “por mensagens no sentido mais amplo do
termo (linguísticas ou simplesmente linguageiras: pré ou paralinguísticas), que
interrogam a criança antes que ela as compreenda e às quais deve dar sentido e resposta,
o que é uma só e mesma coisa” (LAPLANCHE, 1987/1992, op. cit., p. 133). Nesse
contexto de disparidade, de desigualdade entre dois polos, Laplanche identifica a
origem da pulsão sexual no ser humano.
Ao criar um vínculo de ternura e apego com a criança, o adulto introduz nesta os
elementos que fazem emergir a pulsão. “É na interação da ternura que desliza, que se
insinua a ação inconsciente do outro, a face sexual inconsciente da mensagem do outro”
(LAPLANCHE, 1993/1997, op. cit., p. 60). A abertura perceptiva e motora da criança à
autoconservação permite a introdução desses elementos sexuais. Esse é o sentido que a
noção de apoio vem a adquirir na teoria de Laplanche.
79
(...) A relação de cuidados oferece, propõe lugares de implantação para aquilo que os
gestos adultos vão veicular como fantasias (...) utilizo esse termo em um sentido pouco
metafórico, pois a rigor não vejo por que a fantasia e a mensagem, a mensagem
veiculando uma fantasia inconsciente, não seriam tão bem implantadas em uma parte do
corpo – quanto no cérebro (LAPLANCHE, 1993/1997, op. cit, p. 61).
mais biológico que o outro. A pulsão não seria menos biológica que o instinto, mas não
“nasceria” com o homem – não corresponderia a algo “pré-estabelecido”.
A pulsão não é mais psíquica do que o instinto. A diferença não passa então entre
somático e psíquico, mas sim entre aquilo que é por um lado inato, atávico e endógeno e
aquilo que, por outro lado, é adquirido e epigenético (porém não menos ancorado no
corpo) (LAPLANCHE, 2000/2001, op. cit., p. 17).
O sexual infantil é a grande descoberta de Freud. É o “sexual” alargado além dos limites
da diferença sexual, além do sexuado. É o sexual parcial, ligado às zonas erógenas,
82
aparece em estado puro, mas em transações incertas com o sexual infantil que reina no
inconsciente” (Id., ibid., p. 28).
Enfim, a analogia que Laplanche estabelece entre os prazeres preliminares
(prazeres de “acréscimo de tensão”) e a pulsão sexual infantil é particularmente
significativa para a compreensão do “pulsional”, pois expressa claramente o fato de que
as excitações sexuais na infância – que perduram até o final da vida do homem – são
fruto de uma “erogeneidade” que não estaria instalada a priori no corpo humano. Essas
excitações, totalmente indissociáveis dos objetos fantasísticos, exprimem o caráter
subjetivo da sexualidade. O instinto sexual, esse sim pré-determinado e constitutivo do
homem, quando aflorado, estaria sempre confrontado pela pulsão sexual,
irremediavelmente infantil, fantasística, e inesgotável.
Não é, como muitas vezes quer Freud, uma energia X que se engancharia, não se sabe
como, em representações. A pulsão é realmente a força própria das representações
quando estas se encontram colocadas num certo estatuto isolado, separado, que é o
estatuto do recalcado e do inconsciente originário (LAPLANCHE, 1987/1992, op. cit.,
p. 150-151).
Se há uma “exigência de trabalho”, ela deve ser concebida como aquela exercida
pelo id – o conjunto de objetos-fontes de pulsão, resultantes do recalcamento originário,
ou seja, da separação entre pré-consciente/consciente e inconsciente no espaço
intrapsíquico. Em relação à definição do termo “objeto-fonte”, escreve Laplanche
(1981/1992, p. 239): trata-se do “impacto sobre o indivíduo e sobre o eu da estimulação
constante exercida, desde o interior, pelas representações-coisas recalcadas”.
A impossibilidade de a criança metabolizar inteiramente os conteúdos que lhe
chegam promove uma separação entre o que consegue simbolizar e o que não consegue.
Neste último caso, a excitação provocada pela mensagem não é controlada ou inibida. A
problemática do recalque originário insere-se nessa impossibilidade de metabolização
interna de tudo que vem do exterior. Trata-se de um processo em dois tempos.
O primeiro tempo é aquele no qual o corpo-psiquismo infantil recebe as
mensagens enigmáticas. A mensagem é simplesmente implantada ou inscrita. No
segundo tempo, aquilo que foi implantado no corpo-psiquismo infantil passa a operar
violentamente no mundo interno. A mensagem revivificada – atuando como um corpo
estranho interno (objeto-fonte de pulsão) – exige medidas de controle e integração da
excitação que desencadeia (LAPLANCHE, 2007, op. cit.; CARDOSO, 2002).
Os códigos inatos ou adquiridos que a criança dispõe são insuficientes para fazer
frente à mensagem enigmática. “A criança deve apelar a um novo código, improvisado
por ela, e recorrer aos esquemas fornecidos pelo ambiente cultural” (LAPLANCHE,
2007, op. cit., p. 199 – Tradução nossa). Essa “exigência de tradução” corresponde à
fundação do aparelho psíquico em nível pré-consciente, ou seja, à fundação do ego.
A sexualidade ligada a um objeto total, aquela que se torna amor, quer seja amor pelo
outro, quer seja, de maneira correlativa e fundamental, amor por si mesmo, isto é,
narcisismo. É a descoberta do amor por um objeto total (o outro total, ou si mesmo
como ego, como objeto total) que é a novidade (Id., ibid., p. 154).
A pulsão sexual, não sendo uma força inerente ao organismo, também não sendo
simplesmente o resultado de uma transposição psíquica da excitação sexual somática,
seria a força subsequente ao trauma vivenciado pela criança através do fenômeno da
sedução.
(...) é preciso admitir que o recalcamento originário faz nascer a pulsão de morte e a
situa no próprio núcleo do id, como núcleo da pulsão sexual (...) A pulsão de morte só
pode ser o ataque interno por objetos ao mesmo tempo estimulantes e perigosos para o
ego (LAPLANCHE, 1988, op. cit., p. 103).
(...) é o mesmo objeto-fonte que é simultaneamente (...) fonte tanto dos aspectos
mortíferos quanto dos aspectos sintetizantes da pulsão, segundo o aspecto – fragmentado
e parcial, ou total – de que se reveste. O mesmo objeto-fonte é simultaneamente índice e
objeto, objeto parcial e objeto total (LAPLANCHE, 1987/1992, op. cit., p. 156-57).
(...) abrasar o conceito freudiano (...) de pulsão esvaziando a ideia de sua ancoragem no
corporal, ou seja, remover sua dimensão “psicossexual”: a pulsão como elo eletivo entre
o corporal e o psíquico, como agente impulsionador do desenvolvimento e como agente
que tem poder de transformação psíquica (BOKANOWSKI, 1997, op. cit., p. 1353 –
Tradução nossa).
De acordo com Green, ao refutar a hipótese de uma origem somática das pulsões,
Laplanche estaria descaracterizando a proposta fundamental de Freud, assim como
promovendo uma ruptura entre o psiquismo e o resto do ser vivo. “Isto que Laplanche
defende é uma concepção semântica, psicológica e fundamentalmente intersubjetiva do
sexual (...) o soma está relegado às camadas ‘arqueológicas’ do sujeito” (GREEN,
1997/2003, op. cit., p. 137 – Tradução nossa).
Acrescenta o autor que, além disso, no pensamento de Laplanche, construído em
torno do “puro e enigmático significante”, tornar-se-ia extremamente difícil “distinguir
o alvo [da pulsão] que desperta o desejo de sua ancoragem subjetiva, tornando a sua
relação com o prazer extremamente problemática” (GREEN, 1997/2003, op. cit., p. 111
– Tradução nossa). Green questiona, assim, como ficaria a estreita relação entre prazer
somático e pulsão sexual no pensamento de Laplanche, relação esta que, em sua leitura,
estaria supostamente obscurecida.
93
(...) a sexualidade, hoje considerada como uma função com o seu respectivo sinal, a
libido, é o que é perceptível dos fenômenos de Eros (...), embora presente desde o início,
no entanto, tem uma evolução, um desenvolvimento, e também sofre um declínio, com o
envelhecimento. Por seu lado, Eros é atemporal. (...) Os traços de experiências eróticas
(...) estão inscritos na psique para sempre e indelevelmente (GREEN, 1997/2003, op.
cit., p. 114-15 – Tradução nossa).
Apesar de a teoria das pulsões não poder ser totalmente provada pela
experiência, os conceitos trabalhados não podem ser dela dissociados, pois têm por
finalidade esclarecê-la. Assim, Green (1986a/1988, op. cit.) menciona o trabalho de luto
como exemplo dos processos de transformação característicos da função objetalizante,
em oposição à melancolia – que se opõe a esse trabalho e expressa outra função, na qual
os esforços da libido perdem a sua força. Mas, que outra função seria essa?
Trata-se da função desobjetalizante, expressão da pulsão de morte na vida
psíquica. A desobjetalização é o propósito da pulsão de morte que, por meio do
desligamento, ataca não somente os vínculos objetais estabelecidos por Eros, mas
também tudo o que poderia fazer as vezes de objeto, como o próprio ego, e o próprio
fato do investimento (SCARFONE, 2005, op. cit.). Ou seja, em sua expressão mais
radical, a função desobjetalizante, após desinvestir os demais objetos e desinvestir o
ego, desinveste o próprio processo de investimento.
Se, por um lado, a pulsão de morte faz referência à destruição – destruição do objeto,
destruição do vínculo com o objeto e destruição do próprio funcionamento psíquico –,
ela nomeia um aspecto que seria próprio da constituição psíquica e pulsional do homem
(GURFINKEL, 1993, op. cit., p. 170-171).
97
externo estimula o funcionamento psíquico a criar objetos por meio dos processos de
representação e simbolização, por meio daquilo que Green denomina função
objetalizante. Em contrapartida, a pulsão sexual não é a única a vigorar no
funcionamento psíquico, pois há uma tendência à destruição dos investimentos objetais
por conta de uma aspiração ao nível zero de excitação, tendência expressa pela pulsão
de morte pela função desobjetalizante.
Mas por que a destruição dos vínculos objetais, assim como a descarga completa
da excitação, não teria em si uma dimensão sexual?
Ao tentar dar conta desta questão, Green traz à tona uma importante referência à
teoria de Laplanche: a pulsão sexual de morte.
sim, entre o que seria metabolizável e o que não o seria nas mensagens sexuais advindas
do adulto.
Se a disparidade entre o universo sexual adulto e as possibilidades de integração
desse universo pela criança está na gênese da pulsão, isto quer dizer que nem tudo que
advém dessa primeira relação com o objeto, desse encontro de corpos, dessa veiculação
de mensagens, é passível de ser “simbolizado”. Em outras palavras, nem tudo que é
sexual – ou que advém do objeto – é passível de ser ligado, conectado.
Se, no pensamento de Green, não se pode pensar a sexualidade sem se pensar em
sua relação com o objeto, como restringir essa relação apenas ao plano da ligação,
objetalização e simbolização?
Então, onde e como situar o “sexual” não ligado, não passível de ligação? Como
conciliar o “sexual” não ligado com a função sexual – objetalizante – de Green e com a
noção de Eros em Freud? Não haveria um “sexual” situado além do princípio de prazer,
mais voltado para o princípio de Nirvana?
O campo da sexualidade não nos parece estar restrito ao campo da ligação, ao
campo do investimento pulsional, ao que é simbolizado no espaço psíquico. De outro
modo, permaneceria obscuro, na teoria, o estatuto e lugar dessa outra face, tão
fundamental, da sexualidade.
Considerações finais
das cenas de sedução no psiquismo, mas a ressonância associativa entre duas cenas
separadas pelo tempo. Ou seja, uma experiência atual remeteria a outra mais antiga,
promovendo a sua revivescência.
Apesar da sofisticação e complexidade de seus postulados, a teoria da sedução
torna-se problemática a partir de duas grandes descobertas freudianas: o papel da
sexualidade infantil e o da fantasia na vida psíquica. Segundo a nova concepção, a
criança não é desprovida de sexualidade e, portanto, não é desprovida de fantasias
inconscientes ligadas a esse mundo sexual. A fantasia é uma consequência da
transposição psíquica da sexualidade, um recurso representativo capaz de amortecer o
impacto das excitações sexuais na esfera psíquica.
As excitações sexuais não emergem apenas dos órgãos genitais, mas de
diferentes zonas corporais. A pele da criança, revestimento de seu corpo, seria a zona
erógena por excelência. Ao desconstruir a restrição da sexualidade normal e constitutiva
ao domínio das zonas genitais e aos propósitos da reprodução, Freud vê-se obrigado a
reavaliar a problemática das perversões sexuais. Vem, então, a postular a natureza
perverso-polimorfa da sexualidade humana. Nesse contexto, ele formula o conceito de
pulsão sexual nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), que vem
justamente aprofundar as suas descobertas anteriores. A pulsão é definida como a
medida da exigência de trabalho imposta ao psiquismo pelas excitações somáticas.
A sexualidade infantil, fundamentalmente perversa, é apontada por Freud como o
fator que estaria por trás dos sintomas psiconeuróticos. Os desejos, as fantasias, os
impulsos derivados de moções sexuais infantis, quando afastados do domínio da
consciência, refugiados no inconsciente, buscam a satisfação negada através de outras
vias, expressando o desejo infantil barrado. O conflito entre o ego e os impulsos
recalcados da vida sexual, quando extremado, promove intensa disfunção no
funcionamento psíquico, resultando em sintomas psicopatológicos. Com a finalidade de
fundamentar a oposição entre ego e sexualidade, Freud postulou a primeira teoria das
pulsões.
Na segunda parte de nosso trabalho, buscamos problematizar esta primeira
teoria, assim como as mudanças que sofreu após a descoberta do narcisismo e a
subsequente emergência de uma segunda teoria pulsional. Se inicialmente o nosso foco
foi delimitar as condições teóricas e clínicas que viabilizaram a conceituação da pulsão
105
sexual, agora o nosso olhar vem a se dirigir às diferentes dimensões que o conceito de
pulsão sexual assumirá ao longo da teoria das pulsões.
O primeiro dualismo pulsional entre pulsão de autoconservação e pulsão sexual
tinha como argumento de base o fato de a vida sexual gerar impulsos desestabilizadores
para o ego. Este, concebido por Freud desde a década de 1890 como instância psíquica
dessexualizada, aciona defesas contra impulsos, desejos e representações ligados à vida
sexual. A força do inconsciente corresponderia, portanto, à força desses impulsos
“detidos” – mas não extinguidos – pelo recalcamento.
Com a consideração de outras psicopatologias, como a esquizofrenia e a
paranoia, Freud foi desafiado a reavaliar a sua teoria da sexualidade. Chegou à
conclusão de que o ego também era objeto de investimento libidinal e que esse
investimento, quando bem estruturado, servia como fator organizador das pulsões
sexuais na esfera psíquica. O corpo infantil, inicialmente devassado por pulsões parciais
autoeróticas – isto é, pulsões sexuais fragmentadas, não investidas ainda em um objeto
externo – necessitaria de um agente organizador para a sua dispersão pulsional. A
descoberta do narcisismo, ou seja, a descoberta de um investimento da libido no ego,
objeto interno por excelência, acabou por delimitar qual seria esse agente organizador
da fragmentação pulsional: o próprio ego.
Se, na primeira teoria das pulsões, a força das pulsões de autoconservação era
dessexualizada, com a emergência do narcisismo, esta proposta teórica mostrou-se
inapropriada. A força libidinal empregada no ego seria indispensável para a sua
constituição, o que, evidentemente, veio a inserir a questão da constituição egoica numa
problemática eminentemente sexual. O ego é situado no rol dos objetos sexuais e assim
nasce a oposição entre libido do ego e libido dos objetos. A sexualidade, nesse
momento teórico, está claramente implicada em todo o registro pulsional.
Todavia, uma das preocupações fundamentais e permanentes de Freud foi
tematizar o fator que estaria contraposto à sexualidade. “A argumentação é
primeiramente clínica: o conflito psíquico exige que algo se oponha à sexualidade, que
seja posto em perigo por ela” (LAPLANCHE, 1993/1997, op. cit., p. 83-84). Não sendo
o ego o fator antissexual almejado, a teoria das pulsões corre o risco de perder a
dualidade essencial entre duas forças opostas.
106
As pulsões de vida e de morte são tematizadas por Freud como duas forças
inerentes ao organismo, uma tendendo à manutenção e renovação da vida (Eros), a outra
visando levar o organismo a um estado supostamente anterior ao surgimento da vida, o
estado inorgânico. As repercussões psíquicas dessas duas forças orgânicas, Eros e
pulsão de morte, equivaleriam ao registro pulsional. Entretanto, essas duas forças
atuariam na matéria viva desde o mais remoto inicio da vida orgânica, como algo
inerente à constituição do sujeito.
O endogenismo da pulsão é fato incontestável dentro de uma leitura estrita de
sua teoria. E é justamente sobre a questão do endogenismo da pulsão que vem a incidir
a crítica feita por Jean Laplanche, ponto fundamental de nossa pesquisa, e que foi
explorado no terceiro capítulo de nossa dissertação.
107
Ao avaliarmos esses três pontos propostos por Laplanche, podemos dizer que,
em sua visão, a pulsão de morte vem a reafirmar o ataque da pulsão sexual não ligada à
esfera do ego – que, por sua vez, serve como instância organizadora da dispersão
pulsional, constituindo o principal expoente das forças de ligação da sexualidade.
Ao situar a sexualidade no fundamento da pulsão, Laplanche é obrigado a
reavaliar a problemática da gênese do “pulsional” no homem. E, mais do que isso, é
obrigado a reavaliar o que seria a pulsão no homem. Para ele, a sexualidade infantil,
longe de ser fator constitucional do sujeito, resulta dos fenômenos sexuais e
inconscientes da sedução exercida pelo adulto sobre a criança. Trata-se aqui da sedução
109
Pode-se também dizer que essa força é sexual, segundo Laplanche, porque
carrega em si a marca da ação do outro, de uma alteridade, sobre o corpo-psiquismo
infantil. A ação do adulto sobre a criança é indissociável dos efeitos que a sexualidade
inconsciente do primeiro tem sobre a sua comunicação com a última. Esta ação é
indissociável do mundo representativo, das significações sexuais inconscientes –
daquilo que não pôde ser adequadamente simbolizado pelo próprio adulto. As
excitações corporais, pelas quais podemos alcançar a sexualidade humana, dificilmente
podem ser isoladas de seus traços de fantasia, de suas marcas subjetivas.
Enfim, na teoria da sedução generalizada de Laplanche, o “pulsional” advém do
contato humano, da comunicação intersubjetiva, das mensagens que são veiculadas
nessa comunicação. Dessa forma, pulsão e sexualidade são noções indissociáveis, pois
se a pulsão é o que advém do contato humano – e os conteúdos humanos estão
permeados de sexualidade – como pensar a pulsão sem pensar a sexualidade?
A leitura de Laplanche não corresponde ao “parecer final” de Freud sobre o
assunto. Ao associar o “erótico” da pulsão à ligação e à manutenção de unidades, Freud
indica, após a introdução do conceito de pulsão de morte, que os aspectos mais
violentos da vida psíquica sinalizariam a presença de uma pulsão de morte
dessexualizada. E, em relação à gênese da pulsão, indica que ambas as pulsões, erótica e
de morte, resultariam de forças inatas, atuantes no corpo independentemente de
qualquer contato da criança com o outro dos cuidados ou o adulto sedutor.
Procuramos mostrar igualmente que, em consonância com a perspectiva de
Freud, a leitura de André Green sobre a teoria das pulsões e o papel da pulsão sexual na
vida psíquica parece-nos priorizar os fatores endógenos no que concerne ao movimento
de constituição da pulsão. Em seu pensamento, a transformação da excitação somática
na esfera psíquica seria prioritária em relação aos efeitos do contato com o outro no
espaço intrapsíquico. A libido, representante psíquico de Eros, ou seja, a força que
representa a sexualidade somática no psiquismo, corresponderia a uma força de ligação
cujos efeitos seriam noticiados através de uma função objetalizante. Função esta que
tende ao investimento pulsional, a ligação ou vinculação da força pulsional aos objetos
e, na ausência do objeto stricto-sensu, garante a possibilidade de criação destes,
viabilizando o dinamismo próprio à vida psíquica.
111
definida por Freud como perversa polimorfa – dentro de uma fórmula que a restrinja aos
propósitos da ligação, da unificação e, até mesmo, da adaptação – como Freud parece
vir a sustentar a partir de sua conceituação de Eros.
Ao atribuir à libido uma função fundamentalmente adaptativa, vinculando-a a
um princípio homeostático que visa proteger não somente a vida psíquica, mas a vida
orgânica (FREUD, 1924/2007, op. cit.), não tenderia Freud a neutralizar a dimensão não
ligada da sexualidade, aquela desestabilizadora e agressora para o ego, para o psiquismo
e até mesmo para a adaptação do homem? Paradoxalmente, é Freud quem vem
inaugurar e fornecer as bases de uma concepção ampliada e revolucionária da
sexualidade humana na qual o “sexual” é entendido como força cuja repercussão
psíquica é tão vital quanto mortífera, tão estruturante quanto desestruturante, força
constitutiva e absolutamente subversiva, no homem, à ordem natural.
Referências bibliográficas
BIRMAN, J. (1993) Ensaios de teoria psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
________ (1997) The chains of Eros: the sexual in psychoanalysis. London: Karnac
Books, 2003.
________ (1981) Problemáticas IV: o inconsciente e o id. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
________ (1987) Novos fundamentos para a psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
________ (1988) Teoria da sedução generalizada e outros ensaios. Porto Alegre: Artes
Médicas.
________ (1997) “La prégénital freudien: à la trappe. À propos du livre d’André Green:
Les chaînes d’Éros. Actualité du sexuel”. Rev. Franç. Psychanalyse, nº 4, Paris, 1997,
p. 1359-1369.
________ & PONTALIS, J.-B. (1967) Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1982.