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INTRODUÇÃO
1
ARENDT, Hannah. On Revolution. New York: The Viking Press, 1963. p. 59.
cidadãos, significando antes as classes inferiores e necessitadas da população. Tal
acepção, eivada de forte carga emotiva, elevou a compaixão à condição da maior
das virtudes políticas, de tal sorte que “a legitimidade pessoal daqueles que
representavam o povo, e que estavam convencidos de que todo o poder legítimo
devia originar-se deles, só podia repousar naquele zèle compatissant, naquele
‘impulso imperioso que nos atrai para les hommes faibles’”2. Aflorou, portanto, pela
primeira vez na esfera pública, a chamada questão social, como o centro da
atividade política, isto é, a idéia de que a política deveria garantir a satisfação das
necessidades vitais dos homens. Foi justamente a introdução da necessidade, à
qual se seguiu à “virtude política” da compaixão, que destruiu o sentido realmente
político da Revolução Francesa: “a compaixão elimina a distância, o espaço material
entre os homens, onde se localizam os eventos políticos e todo o universo das
relações humanas”3, sendo responsável pela introdução da guerra contra a
hipocrisia, que transformou a ditadura de Robespierre no Reinado do Terror.
2
ARENDT, Hannah. On Revolution, p. 59.
3
Ibid., p. 68.
4
Ibid., p. 74.
5
Ibid., p. 171.
2
tenham sido preenchidas, é igualmente verdade que escapará àqueles que estão
inclinados por viver em função de suas próprias necessidades.”6
6
ARENDT, Hannah. On Revolution, p. 139.
7
Id. Men in Dark Times. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1968, p. viii.
D´ENTRÈVES, Maurizio Passerin. The Political Philosophy of Hannah Arendt. London: Routledge, 1994, p. 72.
9
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 191.
10
Id. A Condição Humana, p. 191.
3
início; e isto, naturalmente, é apenas outra maneira de dizer que o preceito da
liberdade foi criado ao mesmo tempo, e não antes, que o homem.”11.
Assim, a vida política não seria um meio para o alcance de fins determinados,
mas um fim em si mesmo: o próprio bem-estar não deve orientar a atuação
política, mas sim a realização de princípios da vida em comum, como justiça,
solidariedade, igualdade e liberdade. Arendt propõe, dessa forma, a reativação da
esfera pública na modernidade mediante o resgate do mundo comum, bem como a
criação de vários espaços públicos, nos quais os indivíduos possam revelar suas
identidades, estabelecendo entre si relações de solidariedade e reciprocidade.
11
ARENDT, Hannah. A Condição Humana, p. 190.
12
Cf. ARENDT, Hannah. On Revolution. New York: Viking Press, 1965, pp. 237-238.
13
Cf. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, p. 85.
14
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo, p. 330.
4
semelhante15. Assim, ao questionar a eficácia do discurso dos direitos humanos fora
do acesso à ação política, Arendt desvela a impotência da vida nua, tornando
manifesto o paradoxo do discurso de tais direitos: “O paradoxo da perda dos
direitos humanos é que essa perda coincide com o instante em que a pessoa se
torna um ser humano em geral – sem uma profissão, sem uma cidadania, sem uma
opinião, sem uma ação pela qual se identifique e se especifique.”16
15
Cf. ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 334.
16
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo, p. 336.
17
Hannah Arendt on Hannah Arendt. Apud. CANOVAN, Margaret. The Political Thought of Hannah Arendt. New York p.
56.
18
Cf. SCHMITT, Carl. Politische Theologie - Vier Kapitel zur Lehre von der Souveränität. München-Leipzig, 1922.
19
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 78.
20
SCHMITT, Carl. Politische Theologie, pp. 58.
5
paradoxo da soberania moderna, consistente na identificação do soberano como
aquele que está ao mesmo tempo dentro e fora do ordenamento jurídico21. A
soberania torna manifesta o ponto de indistinção entre política e direito, em que se
mesclam quaestio facti e quaestio juri. Nesse contexto, o estado de exceção
constitui o princípio de toda localização jurídica, formando o pano de fundo do
direito, ao exprimir sua estrutura originária.
21
SCHMITT, Carl. Politische Theologie, p. 62.
22
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer – O poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2004, p. 43.
23
SCHMITT, Carl. Politische Theologie, pp. 39-41.
24
Cf. AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer, p. 184.
6
vimos definir a estrutura política original: vida nua (povo) e existência política
(Povo), exclusão e inclusão, zoé e bíos.”25
25
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer, p. 184.
26
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer, p. 140.
27
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer, p. 140.
28
AGAMBEN, Giorgio. Beyond Human Rights. Trad. Cesare Casarino. In: VIRNO, Paolo; HARDT, Michael. (org.). Radical
Thought in Italy. Minneapolis: University of Minessota Press, 1996, p.19. Nesse sentido, Agamben é explícito: “Direitos são
atribuídos aos seres humanos até o ponto em que ele ou ela pressupõem a condição imediata de cidadão (ator político).”,
alertando igualmente para o fato de ser “tempo de parar de olhar para as declarações de direitos como proclamações de valores
eternos, metajurídicos”.
7
A partir desta cisão entre vida (homem) e política (cidadão), desenvolve o
autor a noção de campo – terminologia que se reporta à figura do “campo de
concentração” - como uma das características patológicas da política moderna. O
campo mostra-se um espaço velado de desativação de garantias fundamentais,
uma zona de anomia situada no espaço de não interseção entre vida nua e vida
política. Esferas de exclusão como estas encontram-se difusamente presentes no
Estado moderno, ora sendo institucionalmente reconhecidos, como é o caso das
zones d´attente dos territórios de alguns países, ora se situando no âmbito oculto
da informalidade, como ocorre com os habitantes da periferia, com os presidiários,
dentre outros. Ante a impossibilidade de articulação política de reivindicações de
direitos próprios, o campo afigura-se, portanto, um espaço de atuação direta do
Estado sobre a vida nua.
29
AGAMBEN, Giorgio. La comunità che viene. Torino: Bollati Boringhieri, 2001. p. 10.
30
Ibid., p. 39.
31
Ibid.,, p. 68.
32
Ibid.
33
O problema é devidamente colocado por Adeodato nos seguintes termos: “nossa autora não só afasta os problemas econômicos
como irrelevantes como até os coloca como um dos maiores obstáculos à fundação da liberdade. Será então, já que a liberação
das necessidades é um pré-requisito da liberdade política, que uma revolução é fadada ao insucesso se a questão social não
8
A questão social é, ingenuamente, reduzida a um problema de ordem
tecnológica: para a autora, todos os problemas econômicos devem ser solucionados
no terreno tecnológico e científico, fora de considerações políticas34. Em “On
Revolution”, chega até mesmo a tachar de obsoleta as tentativas de liberar a
humanidade da pobreza em massa por meios políticos35. A solução de questões
econômicas fora do domínio político é, entretanto, de viabilidade duvidosa. De fato,
Arendt não compreende a natureza da decisão no campo da necessidade,
olvidando-se do fato de que nem especialistas nem administradores econômicos
são aptos a encontrar uma resposta para problemas como segurança versus
aumento de produção, proteção ambiental versus mais produção, dentre outros36.
estiver de antemão resolvida de forma ‘natural’, isto é, abundância de recursos, relativa segurança e outras, como nas colônias
britânicas? Por que não é legítimo que os revolucionários se preocupem antes em dominar a necessidade para só depois cuidarem
da instauração da liberdade no sentido arendtiano, ou seja, de que adianta garantir o espaço político quando há tantos que não
podem desfrutá-lo?” (ADEODATO, João Maurício. O Problema da Legitimidade – No rastro do pensamento de Hannah
Arendt. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 182.)
34
ARENDT, Hannah. The Cold War and the West (symposium). Partisan Review XXIX, n. 1, Inverno 1963. p. 17.
35
A propósito, em um debate ocorrido em 1972, ao ser inquirida por Albrecht Wellmer acerca da existência de um problema
puramente social que não constituísse simultaneamente uma questão política, Arendt respondeu que os problemas econômicos
têm uma dupla face, não se sujeitando uma delas a debate. Na ocasião, o exemplo oferecido pela autora foi a questão de quantos
metros quadrados cada ser humano precisaria para respirar e ter uma vida decente. Esqueceu-se, porém, de que o termo
“decente” tem uma conotação eminentemente política (Cf. SITTON, John F. Hannah Arendt´s Argument for Council
Democracy. Polity, v. XX. n. 1. Outono de 1987, p. 95.)
36
Cf. SITTON, John F. Hannah Arendt´s Argument for Council Democracy, p. 98-99. Deve-se atentar, igualmente, para o fato de
que se a solução econômica é pré-condição para o exercício de uma vida política plena, não a garante necessariamente. A esse
respeito, o caso americano mostra-se notório: apesar do desenvolvimento econômico, os Estados Unidos perderam o tesouro
revolucionário, não superando as patologias políticas de uma sociedade de consumo.
37
A esse respeito, observa Habermas que “entre o direito positivo e o poder político, trata-se de um processo circular que se
estabelece e estabiliza-se por si mesmo.” (HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des
Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. 3. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1992, p. 180.) Outrossim, “O
exercício do poder político obedece às leis que os cidadãos conferem-se a si mesmo no meio de uma formação da opinião e de
vontade estruturada pelo discurso, e se legitima em função dessas leis.” (HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung, p. 58)
A ambivalência intrínseca à validade jurídica reflete, portanto, a necessidade de organizar, sob a forma de direito legítimo, o
poder político. A legitimidade do direito e do poder político são, portanto, faces de uma mesma moeda, espelhando a própria
noção de Estado de Direito: “À exigência de transformar a força pressuposta pelo próprio direito, em função deste direito,
corresponde a idéia de Estado de Direito”, na medida em que “A idéia de Estado de Direito coloca em marcha uma espiral de
aplicação a si do direito, chamada para colocar em valor a suposição, inevitável de um ponto de vista interno, da autonomia
política ao encontro da factualidade, introduzida a partir do exterior do direito, de um poder não domesticado pelo direito.”
(HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung, p. 58) O Estado Democrático de Direito absorve, portanto, as referidas tensões,
zelando pela legitimidade do poder político que decorre da concepção do direito enquanto autolegislação.
9
democracia moderna, em Agamben, afigura-se a positividade de uma nova forma
de poder, em cujo cerne se evidencia a vida individual submetida a tecnologias de
poder38.
38
Cf. RANCIÈRE, Jacques. Who is the subject of the rights of man? Disponível em:
<http://www.16beavergroup.org/mtarchive/archives/001879.php>. Acesso em: 19 out. 2006 às 14h35min.
39
' Nesse sentido, observa Foucault: “Por milênios, o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e, além
disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser vivente.”
(Cf. FOUCAULT, Michel. La volonté de savoir. Paris, 1976.)
40
Esse estado de indiferenciação e de amorfia originária entre vida e direito é expressa na citação de Savigny que inaugura a obra
“Homo sacer”: “O direito não tem existência por si mesmo, seu ser é antes a própria vida do homem contemplada sob uma
determinada perspectiva.” (“Das Recht hat kein Dasein für sich, sein Wesen vielmehr ist das Leben der Menschen selbst, von
einer besonderen Seite angesehen.“) (p. 7.)
41
Nesse ponto, mostra-se instigante o diálogo travado por Agamben com Jacques Derrida. Em contraposição à postura
agambeniana, Derrida enxerga a positividade do direito uma autêntica abertura para a justiça. Para o autor, a justiça só pode ser
tematizada obliquamente, na medida em que se afigura uma possibilidade infinita e prospectiva de abertura para o outro,
enquanto um ideal voltado para uma alteridade absoluta e irrepresentável, estando sempre a vir (à venir) (DERRIDA, Jacques.
Force de Loi – Le “fondement mystique de l’autorité”. Paris: Galilée, 2005, pp. 60-61.). Nesse sentido, observa: “O direito
não é justiça. O direto é o elemento de cálculo, e é certo que haja o direito, mas a justiça é incalculável, ela exige que se calcule
com o incalculável; e as experiências aporéticas são experiências tento improváveis quanto necessárias à justiça, ou seja,
momentos em que a decisão entre o justo e o injusto nunca de assegura por uma regra.” (DERRIDA, Jacques. Force de Loi, p.
38.) O direito construído é um instrumento para o exercício da justiça que se materializa na desconstrução: “o direito é
essencialmente desconstruível (déconstructible), seja porque é fundado, isto é, construído sobre camadas textuais interpretáveis e
transformáveis [...], seja porque seu último fundamento por definição não está fundado. Talvez porque o direito [...] seja
41
construível [...] é que torne possível a desconstrução”( Cf. DERRIDA, Jacques. Force de Loi, p. 35.) . Nesse sentido, a
calculabilidade do direito afigura-se uma porta de entrada para a justiça, incalculável e indecidível, contrapondo-se àquela porta
de inspiração kafkaniana que tudo inclui e exclui.
10
enquanto estado de natureza) como aquilo que com o qual se
mantém em potencial no estado de exceção.42
4 CONCLUSÃO
42
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. p. 28.
43
Cf. AGAMBEN, Giorgio. La communità che viene. p. 13.
44
Cf. AGAMBEN, Giorgio. Homo sace., p. 32.
11
possibilidade de construção de um corpo político voltado para a pluralidade. Embora
divergentes, ambas perspectivas contribuem para o debate constitucional sobre a
proposta emancipatória dos direitos fundamentais, assim como para os riscos e
possibilidades de concretização da democracia sem o exercício da cidadania.
6 REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.
______. Homo sacer – O poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo
Horizonte: UFMG, 2004.
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2004.
______. As Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
______. Men in Dark Times. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1968.
______. The Cold War and the West (symposium). Partisan Review XXIX, n. 1, Inverno
1963.
CANOVAN, Margaret. The Political Thought of Hannah Arendt. New York p. 56.
HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts
und des demokratischen Rechtsstaats. 3. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag,
1992.
SCHMITT, Carl. Politische Theologie - Vier Kapitel zur Lehre von der Souveränität.
München-Leipzig, 1922.
SITTON, John F. Hannah Arenzdt´s Argument for Council Democracy. Polity, v. XX. n. 1.
Outono de 1987.
VIRNO, Paolo; HARDT, Michael. (org.). Radical Thought in Italy. Minneapolis: University of
Minessota Press, 1996.
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