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A Estrada Perdida
Um romance inacabado

J. R. R. Tolkien

Nota da Tradutora: O texto abaixo foi traduzido da série HoME


(history of middle earth), publicada e editada por Cristopher Tolkien,
filho do professor Tolkien. Os contos desta série são, na verdade, um
grande apanhado de textos e histórias que Tolkien desenvolveu ao
longo dos anos, mas que nunca teve oportunidade (ou mesmo
vontade) de publicar. Algumas destas informações são arcaicas, e
podem entrar em conflito com as histórias publicadas em suas edições
oficiais.

Nota do webmaster: Tolkien tinha o costume de fundar e freqüentar


clubes, geralmente clubes literários. Esse hábito o acompanhou por
boa parte de sua vida adulta, e só perdeu força nos anos de sua
velhice. Foi em um destes clubes, chamado Inklings, que ele e seu amigo de longa data, C. W.
Lewis, fizeram uma curiosa aposta. Ambos iriam escrever um livro, e o melhor deles seria
escolhido pelos freqüentadores do clube... uma aposta de cavalheiros. Segundo o combinado,
Lewis escreveria sobre Viajem no Espaço, e Tolkien sobre Viajem no Tempo. O livro de Lewis foi
concluído e publicado, mas Tolkien nunca chegou a concluir o dele (aliás, o professor tinha esses
hábito de iniciar e não concluir suas obras literárias). Abaixo temos a tradução do pouco que
Tolkien chegou a escrever, ele pretendia fazer com que a lenda de Númenor fosse amplamente
aproveitada neste livro, e de fato, muitas informações curiosas a auto-biográficas surgem nestas
poucas páginas.

Capítulo I
Um passo adiante, jovem Alboin

- Alboin! Alboin!
Não houve nenhuma resposta. Não havia ninguém no quarto de brincar.
- Alboin, onde está você? – chamava a voz - Oswin Errol permaneceu à porta e chamou no
pequeno jardim na parte de trás de sua casa. Finalmente uma voz jovem respondeu, soando
distante e como a resposta de alguém adormecido ou há pouco despertado.
- Sim?
- Onde está você?
- Aqui!
- Onde é "aqui”?
- Aqui em cima do muro, pai.
Oswin saltou os degraus da porta até o jardim, e andou ao longo do caminho margeado por flores.
Este conduzia depois de uma volta a um muro baixo de pedra, separado da casa por uma cerca.
Além do muro de pedra havia um breve espaço de relva, e então uma borda de um precipício,
além do qual estendia-se, e agora tremeluzente em uma noite calma, o mar ocidental. No muro
Oswin encontrou seu filho, um menino por volta dos doze anos, que permanecia contemplando o
mar afora com o queixo apoiado nas mãos.
- Então aí está você - disse Errol – eu estava chamando há muito tempo. Você não me ouviu?
- Não antes da vez quando respondi - disse Alboin -
- Bem, você deve estar surdo ou sonhando, - disse seu pai - e me parece que estava mesmo
sonhando. Está ficando muito próximo da hora de ir pra cama; então, se você quiser qualquer
história hoje à noite, nós teremos que começar imediatamente.

A ESTRADA PERDIDA 1
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- Sinto muito, pai, mas estava pensando.


- Sobre o que?
- Oh, muitas coisas misturadas: o mar, o mundo, e Alboin.
- Alboin?
- Sim, eu queria saber por que Alboin? Por que eu sou chamado Alboin? Eles freqüentemente me
perguntam "por que Alboin?” na escola, e me chamam de All-bone. (todo-osso, em inglês).
- Mas eu não sou assim, sou?
- Você parece bastante ósseo, menino; mas você não é todo osso, me alegro em dizer. Eu fico
receoso de tê-lo chamado Alboin, e isso é porque você é chamado assim. Sinto muito, eu nunca
pretendi que isso fosse um estorvo para você.
- Mas é um nome real, não é? - perguntou Alboin ansiosamente - Quero dizer, ele significa algo, e
os homens já foram chamados assim? Não é um nome apenas inventado?
- Claro que não. É um nome tão real e tão bom quanto Oswin; e pertence à mesma família, você
poderia dizer isso na escola. Mas ninguém nunca me aborreceu a respeito de Oswin. Embora eu
fosse chamado freqüentemente de Oswald por engano. Lembro-me como isso incomodava,
entretanto não posso pensar por que. Eu era bastante escrupuloso com relação ao meu nome.

Eles permaneceram conversando no muro, contemplando o mar; e não voltaram para o jardim ou
para a casa até a hora de ir pra cama. A conversa, como freqüentemente acontecia, vagueou em
contar histórias; e Oswin contou ao seu filho o conto de Alboin filho de Audoin, o rei Lombardo; e
da grande batalha dos Lombardos e os Gepids, lembrada como terrível até mesmo no horrendo
sexto século; e dos reis Thurisind e Cunimund, e de Rosamunda.

- Essa não é uma boa história para perto da hora de ir a cama - ele disse - terminando de repente
com Alboin bebendo no crânio adornado com jóias de Cunimund.
- Eu não gosto muito desse Alboin - disse o menino - gosto mais dos Gepids, e o Rei Thurisind.
Quisera eu que tivessem vencido. Por que não me chamou Thurisind ou Thurismod?
- Bem, realmente sua mãe pretendia chamá-lo Rosamund - disse Errol, num sorriso melancólico -
só que você resultou num menino. E ela não viveu para me ajudar a escolher outro nome, você
sabe. Assim tirei um daquela história, porque parecia se ajustar. Quero dizer, o nome não pertence
só àquela história, é muito mais antigo. Você preferiria ter sido chamado de Amigo dos Elfos?
Porque isso é o que o nome significa.
- Não, acho que não - disse hesitantemente Alboin - eu gosto que nomes signifiquem alguma
coisa, mas não que digam algo.
- Bem, eu poderia tê-lo chamado AElfwine, é claro; esta é a velha forma inglesa de Amigo dos
Elfos. Eu poderia tê-lo chamado de tal maneira, não somente conforme AElfwine da Itália, mas
conforme todos os Amigos dos Elfos de tempos antigos; conforme AElfwine, o neto do Rei Alfred,
que tombou na grande vitória em 937, e AElfwine que sucumbiu na famosa derrota em Maldon, e
muitos outros ingleses e nortistas na longa linhagem dos Amigos dos Elfos. Mas lhe dei uma forma
latinizada. Eu acho que é melhor, os dias antigos do Norte se foram além da recordação, exceto na
medida em que foram trabalhados na forma das coisas como nós as conhecemos, na Cristandade.
- Assim eu escolhi Alboin - continuou Errol - porque não é Latin e nem vem diretamente das
línguas do antigo norte, e esse é o modo da maioria dos nomes no Oeste, e também dos homens
que lhes deram a vida. Eu poderia ter escolhido Albinus, pois esse é no que eles algumas vezes
transformaram seu nome; e não teria recordado seus amigos de ossos. Mas é muito Latim, e
significa algo em Latim. Além disso você não é branco ou belo, menino, mas escuro. Assim Alboin
você é. E isso é tudo que há, exceto a cama.

E eles entraram.

Mas Alboin olhou para fora de sua janela antes de ir pra cama; e pôde ver o mar além da borda do
penhasco. Era um pôr-do-sol tardio, porque estavam no verão. O sol afundava lentamente para o
mar, e imergia vermelho além do horizonte. A luz e a cor enfraqueceram rapidamente por causa da
água: um vento frio subiu do Oeste, e além da margem do pôr-do-sol grandes nuvens escuras
velejaram, estendendo enormes asas para o sul e em direção ao norte, ameaçando a terra.

A ESTRADA PERDIDA 2
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- Elas se parecem com as águias do Senhor do Oeste vindo sobre Númenor - disse Alboin disse
em voz alta - e desejou saber por que isso lhe ocorreu, embora não lhe parecesse muito estranho.
Naqueles dias freqüentemente inventava nomes. Olhando sobre uma colina familiar, ele veria
repentinamente erguendo-se em algum outro tempo e história. As costas verdes de Amon-ereb. -
ele diria, com ar sonhador - As ondas são altas nas orlas de Beleriand - disse ele certo dia -
quando a tempestade estava acumulando água ao pé do rochedo debaixo da casa.

Alguns destes nomes realmente foram inventados, para agradá-lo a si próprio com o seu som (ou
assim ele pensou); mas outros pareciam 'reais', como se não tivessem sido falados primeiro por
ele. Foi assim com Númenor. 'Eu gosto desse - disse a si mesmo – acho que poderia pensar em
uma longa história a respeito da terra de Númenor.

Mas enquanto dormia na cama, achou que a história não seria imaginada. Logo esqueceu do
nome; e outros pensamentos aglomeraram-se nele, em parte devido às palavras do seu pai, e em
parte aos seus próprios devaneios de antes.

- Alboin escuro - pensou - me pergunto se há algo Latino em mim. Não muito, acredito, amo as
orlas ocidentais e o mar real. Isto é bastante diferente do Mediterrâneo, até mesmo em histórias.
Eu queria que não houvesse nenhum outro lado para isto. Haveria pessoas de cabelo escuro que
não fossem Latinos. Os Portugueses são Latinos? O que é Latino? Eu me pergunto que tipo de
povo vivia em Portugal e Espanha e Irlanda e Inglaterra em dias antigos, dias muito antigos, antes
dos Romanos ou dos Cartagos. Antes de qualquer outro. Eu gostaria saber quem os homens
imaginavam que foi o primeiro a ver o mar ocidental.

Então ele dormiu, e sonhou. Mas quando despertou o sonho escapou além da recordação, e não
deixou nenhuma história ou nenhuma imagem para trás, só o sentimento que estas trouxeram: o
tipo de sentimento que Alboin relacionava com nomes há muito tempo estranhos. Ele se levantou.
O verão passou rapidamente, Alboin foi para a escola e continuou aprendendo Latim.

Este também aprendeu Grego. E depois, quando estava com aproximadamente quinze anos,
começou a aprender outros idiomas, especialmente aqueles do Norte: Inglês Antigo, Escandinavo,
Galês, Irlandês. Isto não foi muito encorajado - nem mesmo pelo seu pai que era um historiador.
Latim e Grego, parecia-se considerar, que eram o bastante para qualquer pessoa; e realmente
antiquados o bastante, quando havia tantos idiomas modernos prósperos (falados por milhões de
pessoas); para não mencionar matemática e todas as ciências.

Mas Alboin gostou do sabor dos idiomas mais antigos do norte, tanto quanto gostou de algumas
das coisas escritas neles. Ele conseguiu saber um pouco sobre história lingüística, naturalmente;
ele considerou que esta lhe era mais propriamente empurrada de qualquer maneira pelos
escritores de gramática de 'idiomas não clássicos'. Não que ele objetasse: as mudanças de som
eram um passatempo seu, na idade em que outros meninos estavam aprendendo sobre os
interiores de motores de carros. Mas, embora tivesse alguma idéia do que devia ser as relações de
idiomas Europeus, isto não lhe parecia realmente toda a história. Os idiomas dos quais gostava
tinham um sabor definido - e até certo ponto um sabor semelhante que os mesmos
compartilhavam. Esse sabor parecia, também, de algum modo relacionado à atmosfera das lendas
e mitos contados nos idiomas.

Um dia, quando Alboin estava quase com dezoito anos, estava sentado no estúdio com o seu pai.
Era outono, e o fim dos feriados de verão passados principalmente ao ar livre. O entusiasmo
estava voltando. Era o tempo em todo o ano quando a sabedoria dos livros é mais atraente (para
aqueles que realmente gostam disto de algum modo). Eles estavam falando sobre 'linguagem'.
Pois Errol encorajava seu menino a falar sobre qualquer coisa em que estivesse interessado;
embora secretamente tivesse estado se perguntando durante algum tempo se idiomas Do Norte e
lendas não estavam tomando mais tempo e energia do que o seu valor prático em um mundo difícil
justificava.

A ESTRADA PERDIDA 3
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- Mas é melhor que eu saiba o que está acontecendo, até onde qualquer pai possa saber - pensou
ele - Alboin continuará de qualquer maneira, se realmente tem uma inclinação - e é melhor não ser
inclinado para seu íntimo.

Alboin estava tentando explicar seu sentimento a respeito da atmosfera das linguagens: - Você
recebe ecos que sobrevivem, sabe, - ele tentava explicar - em palavras estranhas aqui e ali,
freqüentemente palavras muito comuns nos seus próprios idiomas, mas bastante inexplicadas
pelos etimólogos; e na forma geral e som de todas as palavras, de alguma maneira; como se
alguma coisa estivesse espreitando pelo fundo sob a superfície.

- Claro que não sou um filólogo - disse o seu pai - mas nunca poderia ver que houvesse muita
evidência a favor de designar mudanças de idiomas para um substrato. Embora eu suponha que
ingredientes subjacentes tenham uma influência, embora não seja fácil definir, na mistura final no
caso de povos tomados como um todo, diferentes talentos nacionais e temperamentos, e aquele
tipo de coisa. Mas raças e culturas são diferentes de idiomas.

- Isso é verdade - disse Alboin - mas raças, culturas e idiomas estão muito misturados, no mesmo
caldeirão por assim dizer, todos os três juntos. E afinal de contas, a linguagem regressa por uma
tradição contínua em direção ao passado, tanto quanto os outros dois. Eu penso com freqüência
que se conhecesse as faces vivas de quaisquer dos homens ancestrais, um longo caminho de
volta, poderia encontrar algumas coisas estranhas. Você poderia considerar que ele adquiriu o seu
nariz bastante claramente, digamos, do bisavô da sua mãe; e ainda que alguma coisa a cerca do
seu nariz, sua expressão ou sua forma ou seja lá de qual maneira goste de chamar a isso,
realmente descendeu de muito mais distante no passado, de, digamos, seu trisavô ou seu tetravô.
De qualquer maneira eu gosto de regressar - e não com a raça somente, ou cultura, ou linguagem;
mas com todos os três. Eu quisera poder regressar com os três que estão mesclados em nós, pai;
apenas os simples Errols, com uma pequena casa em Cornwall no verão. Eu me pergunto então: o
que veríamos.

- Depende de quão distante você iria regressar - disse o pai - se você regressou além das eras do
Gelo, eu imagino que não encontraria nada nestas partes; ainda se encontrasse alguma coisa,
seria uma raça muito bestial e feia imersa em uma cultura de unhas e dentes, e com um idioma
asqueroso e sem ecos.
- Regressar mesmo? - perguntou Alboin - Eu desejo saber, e regressar.
- De qualquer maneira você não pode regressar - disse seu pai - exceto dentro dos limites
prescritos para nós mortais. Você pode regressar de certo modo por estudo honesto, trabalho
longo e paciente. É melhor você dedicar-se a arqueologia como também filologia: elas devem
proceder bem o bastante juntas, embora não sejam unidas com muita freqüência.
- Essa é uma boa idéia - disse Alboin - mas você se lembra, há muito tempo, quando disse que eu
não era todo-osso. Bem, eu quero alguma mitologia, também. Eu quero mitos, não só ossos e
pedras.
- Bem, você pode tê-los! Assuma a porção completa - disse seu pai rindo - mas, entretanto você
tem um trabalho menor que deve ser terminado primeiro. Seu Latim precisa melhorar (ou assim me
foi dito), para propósitos escolares. E bolsas de estudos são úteis de muitas maneiras,
especialmente para gente como você e eu, que se dedicam a assuntos antiquados. Seu primeiro
teste da Latin é neste inverno, lembre-se.
- Quisera eu que a prosa em Latim não fosse uma matéria tão importante - suspirou Alboin - eu
sou realmente muito melhor em versos.
- Não vá colocar qualquer pedaço de seu Eressëano, ou Latim-élfico, ou como quer que seja a
maneira pela qual você chame isto em seus versos de Oxford. Eles poderiam passar por um
exame minucioso, mas não passariam pelo crivo da seriedade de nenhum de seus professores.
- Claro que não! - disse o menino, enrubescendo - O assunto era muito privado, e não costumava
ser objeto nem mesmo de piadas particulares.
- E não vá tagarelando a respeito de Eressëano fora da sociedade - Alboin implorou - ou vou
desejar ter mantido isto como um segredo apenas meu.

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- Bem, você fez agiu corretamente em manter isso em segredo - disse o pai - e suponho que nem
mesmo eu teria sabido desse seu hobby se você não tivesse esquecido seus cadernos em meu
estúdio. Mesmo assim não sei muito a este respeito. Mas, meu querido rapaz, eu não desejo
revelar seus idiomas inventados a ninguém, apenas não desperdice muito tempo neles. Receio
estar ansioso a respeito daquela bolsa de estudos, não apenas pelos motivos mais elevados.
Dinheiro vivo não é algo muito abundante.
- Oh, eu não fiz nada desse tipo por um longo tempo – disse Alboin – pelo menos, quase nada.
- As idéias não estão correndo bem, então?
- Ultimamente não - confessou Alboin - porém isso pode ser devido a meus estudos, há muito mais
tarefas para fazer do que eu tinha quando mais novo. Mas consegui uma porção de novas
palavras divertidas alguns dias atrás: Estou certo de que lomelindë significa rouxinol, por exemplo,
e certamente lomë significa noite (entretanto não escuridão). O verbo está ainda muito incompleto,
mas - ele hesitou, reticência (e consciência intranqüila) estavam em guerra com o seu hábito do
que chamava 'sociedade com o pai', e o desejo dele para confessar o segredo de qualquer
maneira - mas, a real dificuldade é que outro idioma está surgindo junto com o Eressëano. Parece
ser relacionado, mas bastante diferente. Por exemplo: descobri que Alda significa árvore; no
idioma novo é árvore é galadh, e orn. O Sol e Lua parecem ter nomes semelhantes em ambos:
Anar e Isil ao lado de Anor e Ithil. Eu gosto primeiro de um, então o outro, de modos diferentes.
Chamei essa língua de Beleriândico, e é na verdade muito atraente; mas complica as coisas.

- Meu bom Senhor - exclamou seu pai - isto é sério! Mas vou respeitar segredos solicitados. Então
aqui nos separamos - ele se levantou - vou ler um pouco e chamarei quando pensar que você
deve ir para cama.

De fato Errol não gostou do golpe da separação. O afeto nisto o aqueceu e entristeceu. Um
casamento recente deixara-o agora às vésperas da aposentadoria onde passaria de um pequeno
pagamento de professor para uma pensão ainda menor, justo quando Alboin estava chegando a
idade Universitária. E ele também era (começara a sentir, e este ano a admitir em seu coração) um
homem cansado. Nunca fora um homem forte, e teria gostado de acompanhar Alboin uma grande
parte mais adiante na estrada, como um pai mais jovem provavelmente teria feito; mas não pensou
de alguma maneira que iria muito longe.

- Mas que maldição - disse a si mesmo - um menino daquela idade não devia estar pensando em
tais coisas como línguas inventadas ou se preocupando se o seu pai está descansando o
bastante... e onde está o meu livro?

Alboin no velho quarto de brincar, transformado em estúdio júnior, contemplou a escuridão do lado
de fora. Por muito tempo ele não voltou aos livros. - Quisera eu que a vida não fosse tão pequena -
pensou - idiomas tomam tanto tempo, e assim também fazem todas as coisas sobre as quais se
queira saber. E o pai está parecendo cansado. Eu o quero durante anos, se ele vivesse para ter
cem anos eu deveria estar aproximadamente tão velho quanto ele é agora, e eu ainda deveria
querê-lo. Mas ele não viverá, quisera eu que nós pudéssemos deixar de envelhecer. O pai poderia
continuar trabalhando e terminar de escrever aquele livro no qual falava sobre Cornwall; e nós
poderíamos continuar conversando. Gostaria que ele não considerasse o Eressëano aborrecido,
queria que não tivesse mencionado isto. Eu seguramente sonharei hoje à noite; e é tão excitante, e
o Latim/Eressëano vai evoluir. Meu pai é muito decente a respeito disto, embora acredite que
estou inventando tudo. Se eu estivesse mesmo inventado pararia apenas para agradá-lo. Mas isto
surge, e eu não posso simplesmente ignorar os sonhos... e agora há o Beleriândico.

Longe, ao oeste, a lua flutuava em nuvens de margens irregulares. O mar brilhava pálidamente de
dentro da escuridão, amplo, monótono, seguindo para a extremidade do mundo. - Sonhos o
confundem! - disse Alboin para si mesmo - deixe-me em paz, e me deixe fazer um pouco de
trabalho paciente, pelo menos até dezembro. Uma bolsa de estudos daria suporte ao pai.

Alboin encontrou seu pai adormecido em sua cadeira às dez e meia. Eles subiram para a cama
juntos. Alboin deitou-se e dormiu sem nenhuma sombra de sonho. O modo Latim estava em

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completa explosão depois do café da manhã; e o clima aliou-se com virtude e enviou chuva
torrencial.

Capítulo II
Alboin e Audoin

Muito tempo depois Alboin se lembrou daquela noite, que marcara a estranha e súbita paralisação
dos sonhos. Ele conseguira uma bolsa de estudos (no ano seguinte) e 'dera suporte ao pai'.
Comportara-se moderadamente bem na universidade – sem envolver-se em muitos assuntos
secundários, pelo menos bem menos do que ele chamava de muitos - e embora nem o modo
Latim nem o Grego tivessem continuado a supri-lo de forma constante, eles voltaram, é claro,
assim que os exames estivessem terminados. Os sonhos sempre voltariam. Alboin trocara suas
promessas acadêmicas (independente do que fora dito) para história, e novamente 'dera apoio ao
pai' com uma menção de primeira classe. E o pai necessitara de apoio.

A aposentadoria evidenciou-se bastante diferente de um feriado: ele parecera apenas escapar


lentamente. Errol agüentara apenas o bastante para ver Alboin em seu primeiro trabalho: um
conferencista assistente em uma faculdade. Bastante desconcertantemente os Sonhos tinham
começado novamente, pouco antes da 'Escola', e estavam extraordinariamente fortes nas férias
seguintes, as últimas que ele e seu pai tinham passado juntos em Cornwall. Mas naquele tempo os
sonhos tinham tomado um novo rumo por algum tempo, e ele se lembrou de uma das últimas e
antigas conversas do tipo agradável que pudera ter com o velho homem. Voltou-lhe claramente
agora:

- Como é seu Eressëano, o Latim-Élfico, menino? - seu pai perguntou, sorrindo, claramente
pretendendo uma piada, como alguém pode jocosamente referir-se a jovens tolices há muito
reparadas.
- Bastante estranho - ele respondeu - isso não tem subsistido ultimamente. Tenho muito material
diferente. Algum está além de mim, contudo. Alguma parte poderia ser Céltico, de algum tipo.
Outras partes parecem uma forma muito antiga de Germânico; pré-rúnico, ou eu comerei meu
chapéu e minha beca.

O velho homem sorriu, quase elevou uma risada: - Solo mais seguro, menino, solo mais seguro
para um historiador. Mas você entrará em dificuldade, se deixar seus gatos fora do saco entre os
filólogos - a menos que, é claro, eles apóiem as autoridades.
- De fato, eu penso mais propriamente que apóiam. - disse
- Fale-me um pouco em Eressëano, se puder, mas sem usar seus cadernos e anotações. - disse
seu pai astutamente
- Westra lage wegas rehtas, nu isti sa wraithas. - Alboin falou - e de forma inusitada percebeu que
não falara de propósito, não havia escolhido as palavras, elas haviam simplesmente surgido em
sua mente.

Claro que o mero sentido era bastante evidente: “uma estrada direta que levava ao oeste, agora
está desviada”. Ele se lembrou de despertar e sentir que isto era de alguma maneira muito
significante: - De fato eu estudei um pouco de Anglo-saxão ontem à noite - pensou consigo mesmo
– Alboin sabia que estudar Anglo-saxão agradaria seu pai; era um idioma histórico real do qual o
velho homem uma vez soubera uma quantia satisfatória. O fragmento também estava muito fresco
em sua cabeça, e era o mais longo e o mais relacionado que já tivera. Somente naquela mesma
manhã acordara tarde, depois de uma noite cheia de sonhos, e encontrou-se dizendo as palavras
de forma quase fluente. Anotou-as imediatamente, ou poderiam ter desaparecido (como sempre
acontecia) pela hora do café da manhã, embora estivessem em um idioma que conhecia.

Agora, porém, na memória desperta as palavras mantinham-se seguras.

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- Thus cwaeth AElfwine Widlast:


“Fela bith on Westwegum werum uncuthra
wundra and wihta, wlitescene land,
eardgeard elfa, and esa bliss.
Lyt aenig wat hwylc his longath sie
tham the eftsithes eldo getwaefeth.”

O pai observou e sorriu ao ouvir o nome AElfwine. Ele traduziu as frases para Alboin;
provavelmente não era necessário, mas o velho homem esquecera muitas outras coisas que uma
vez dominara mais eficientemente que o Anglo-saxão.

- Assim disse AElfwine o que viajou para longe:


“Há muitas coisas nas regiões do Oeste desconhecidas aos homens,
maravilhas e seres estranhos, uma terra bela e adorável,
a terra natal dos Elfos, e a glória dos Deuses.
Pouco sabe qualquer homem qual é o desejo dele
a quem a velha idade impede de retornar.”

Alboin lamentou as duas últimas linhas. Seu pai o observava com uma expressão estranha. - Ele
sabe - pensou Alboin - mas a idade não o impede de sonhar com novas terras. Maldição! É como
se eu compusesse materiais assim só para contar para o velho homem, praticamente em seu leito
de morte.

E de fato, o pai morrera durante o inverno seguinte.

Em geral ele fora mais afortunado que seu pai; de muitas formas, mas não em uma. Alcançara
uma disciplina em história bastante precoce; mas perdera sua esposa (como o pai também
perdera) e fora deixado um criando o único filho, um menino, desde os vinte e oito anos. Era,
talvez, um professor muito bom, mas lecionava em uma pequena universidade do Sul, e não supôs
que obteria uma grande mudança no rumo de sua vida. Mas de qualquer modo não estava
cansado de ser um acadêmico; a história e o ato de ensiná-la ainda pareciam interessantes (e
razoavelmente importantes). Ele cumpria com seus deveres de pai e também com os profissionais
(ou esperava que sim, pois via seus deveres com limites um tanto vagos). É claro que continuava
dedicando algum tempo a suas outras atividades: lendas e idiomas, hábitos bastante estranhos
para um professor de história.

E os Sonhos. Eles vieram e se foram. Mas ultimamente estiveram se tornando mais freqüentes, e
mais fascinantes. Mas ainda extremamente lingüísticos, de uma forma quase atormentadora.
Nenhum conto, nenhuma imagem recordada; só o sentimento de que vira e ouvira coisas que
queria ver, muito, e daria tudo para ver e ouvir novamente. Estes fragmentos de palavras, orações,
versos; Eressëano como ele o chamava quando menino... não obstante não pudesse se lembrar
por que sentira-se tão seguro de que aquele era o nome exato. Ele havia reunido muitos
fragmentos de Beleriândico, e estava começando a entendê-lo e sua relação com o Eressëano.
Claro que também existiam muitos fragmentos não classificáveis e significados que não conseguia
associar as palavras, geralmente por esquecer de anotá-los enquanto estavam frescos na
memória.

De qualquer maneira nada poderia ser feito a respeito desses idiomas: nem publicação, nem
qualquer coisa desse tipo. Mas Alboin tinha um estranho sentimento de que publicar o Eressëano
ou tornar de conhecimento público o Beleriândico não era essencial: afinal eram pouco mais do
que lapsos ocasionais de esquecimento que tomaram uma forma lingüística devido a alguma
peculiaridade da sua própria composição mental. A coisa real era o sentimento que os Sonhos
traziam, cada vez mais insistentemente, e tomando força de uma aliança com as ocupações
profissionais ordinárias em sua mente. Inspecionando os últimos trinta anos, sentia-se que poderia
dizer que sua disposição mais permanente, embora freqüentemente encoberta ou sufocada, fora
desde a infância o desejo de regressar. Caminhar no Tempo, talvez, como os homens caminham

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em estradas longas; ou inspecioná-lo, como os homens podem ver o mundo de uma montanha, ou
a terra como um mapa vivo em baixo de um aeróstato.

O que desejava era ver com os próprios olhos e ouvir com os próprios ouvidos: ver a disposição de
terras antigas e até mesmo esquecidas, observar os antigos homens caminhando, e ouvir seus
idiomas enquanto o falam, nos dias antes dos dias, quando as línguas das linhagens esquecidas
eram ouvidas em reinos há muito sucumbidos pelas orlas do Atlântico. Mas nada poderia ser feito
sobre aquele desejo. Ele costumava ser capaz de falar sobre isto, há muito tempo, não muito
seriamente, para o pai... e desde a morte dele não tivera ninguém para falar sobre aquele tipo de
coisa, mas agora havia seu filho, Audoin, ele estava crescendo.

Estava com dezesseis anos.

Alboin havia chamado seu filho de Audoin invertendo a ordem Lombarda. Parecia se ajustar bem a
ordem lingüística, e pertencia ao mesmo nome de família. E era um tributo à memória de seu pai,
outra razão para renunciar o Anglo-saxão Eadwine, ou até mesmo o comum Edwin. Audoin tinha
se mostrado notavelmente parecido com seu pai, parecia interessado nas mesmas coisas e fazia
as mesmas perguntas; entretanto com menor inclinação para palavras e nomes, e mais para
objetos, cenários e descrições. Ao contrário do seu pai, Audoin sabia desenhar bem, mas não era
talentoso em versos e poemas. É claro que, inevitavelmente, perguntou sobre seu nome e o que
significava, e pareceu muito contente de ter escapado de receber o nome Edwin. Mas a pergunta
do significado certamente não fora fácil de responder. Podia significar “Amigo da fortuna”, era isto,
ou do destino, sorte, riqueza, bem-aventurança? Qual deles?

- Eu gosto do som de Aud, no início de meu nome - disse Audoin, já com treze anos - se isto
significa tudo aquilo. É um bom começo para um nome. Eu queria saber como os Lombardos se
parecem. Todos eles tinham Barbas Longas?

Alboin foi um narrador de contos e lendas ao longo de toda a infância e juventude de Audoin, ele
era como alguém que deixa um rastro, embora não fosse claro que rastro tipo de rastro ou aonde
este levava. Audoin era um ouvinte voraz, como também (posteriormente) um leitor igualmente
voraz. Ele estava muito tentado a compartilhar seus próprios estranhos segredos lingüísticos com
o menino, com isso poderiam ter pelo menos um pouco de diversão particular e agradável. Mas ele
agora parecia concordar com o próprio pai e deixava cada coisa acontecer no seu devido tempo.
Meninos têm muito que fazer. De qualquer maneira era uma expectativa auspiciosa, Audoin estava
retornando da escola amanhã e os exames escritos estavam quase terminados por este ano para
ambos. O seu trabalho, o de examinador, era decididamente o mais difícil. Mas ele estava quase
desembaraçado. Eles estariam na costa em poucos dias, juntos.

Passados alguns dias Alboin dormia novamente em um quarto, em uma casa junto ao mar. Não a
mesma pequena casa de sua juventude, mas o mesmo mar. Era uma noite tranqüila, e a água
jazia como uma vasta planície de pederneira polida e cortada, petrificada debaixo da luz gélida da
Lua. O caminho do luar ficava da orla até o limite da visão. O sono não estava vindo com
facilidade, embora estivesse ansioso para dormir. Não queria propriamente descansar - não estava
cansado – mas sim tentar reviver o sonho da noite passada. Ele esperava completar um fragmento
que sobrevivia nitidamente aquela manhã, tinha este à mão, em um caderno de notas junto a sua
cama.

ar sauron tule nahamna... lantier turkildi


e? vieram? ... eles caíram?

unuhuine... tarkalion ohtakare valannar...


debaixo da Sombra...? guerra feita sobre Poderes...

herunumen ilu terhante ... iluvataren... eari


Senhor-do-Oeste mundo destruído... de-Ilúvatar... mares

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ullier kilyanna... numenore ataltane...


derramada em-fenda na terra... Númenor tombou

Então lá parecera ser uma abertura extensa.

malle tera lende numenna ilya si maller


rota plana foi Para o oeste agora todas as estradas

raikar..... turkildi romenna... nuruhuine mel-lumna


desviada.....? para o leste... Morte a sombra em nós é pesada

...vahaya sin atalante.


...muito distante agora?

Havia uma ou duas palavras novas aqui das quais ele tentou descobrir o significado: mas este lhe
escapara antes que pudesse escrevê-lo durante a manhã. Provavelmente eram nomes: tarkalion
era quase certamente o nome de um rei, pois ‘tar’ era comum em nomes reais. Era curiosa a
freqüência com que os pedaços lembrados voltaram periodicamente ao tema de uma 'rota' plana.
E o que era significava atalante? Parecia sugerir ruína ou queda, mas também ser um nome.
Alboin sentia-se inquieto, ele deixou a sua cama e foi para a janela. Ficou lá um longo tempo
olhando para o mar; e enquanto estava lá um vento frio se ergueu no Oeste. Lentamente acima da
borda escura do encontro do céu e da água nuvens erguiam cabeças enormes e assomavam
acima, estirando asas imensas, para o sul e para o norte.

- Elas se parecem com as águias do Senhor do Oeste sobre Númenor - disse em voz alta.

Não havia pretendido quaisquer palavras, e por um momento sentira a iminência de um grande
desastre há muito previsto. Agora a memória revolveu-se, mas não pôde ser alcançada. Alboin
arrepiou-se, regressou para cama e ficou imaginando. De repente o antigo desejo visitou-o
inesperadamente. Estivera crescendo por um longo tempo, mas não o sentira assim antes. Era um
sentimento tão vívido quanto a fome ou sede, por anos, não sentia isso desde que estava com a
idade de seu filho.

- Eu queria que existisse uma máquina do tempo - disse Alboin em voz alta - mas o tempo não é
para ser conquistado através de máquinas, e eu deveria regressar, não ir para adiante; penso que
para ir para trás seria possível.

As nuvens dominaram o céu e o vento se ergueu e soprou; e em seus ouvidos, quando finalmente
dormiu, havia o murmúrio das folhas de muitas árvores, e um bramido de longas ondas na costa: -
A tempestade está vindo sobre Númenor! - ele disse, e caiu num sono profundo.

Em um amplo lugar sombrio, Alboin ouviu uma voz:


- Elendil! – gritava a voz – Alboin se perguntou em que sonhos estava vagando.
- Quem é você - ele perguntou - e onde você está?
Uma figura alta apareceu, como se descendo de um degrau invisível em sua direção. Por um
momento lampejou em seu pensamento que a face, vista vagamente, o fazia lembrar do seu pai.
- Eu estou com você - disse o recém chegado - eu era de Númenor, o pai de muitos pais, antes de
você. Eu sou Elendil, que é em Eressëano Amigo dos elfos, muitos foram chamados assim desde
então. Venho dizer que você pode ter seu desejo.
- Que desejo?
- O há muito-escondido e meio-falado: voltar.
- Mas isso não pode ser, mesmo se eu desejá-lo. É contra a lei.
- É contra a regra, mas não contra a lei. Leis são comandos sobre o arbítrio dos homens, e ambos
estão ligados de forma inseparável. Regras são apenas condições; elas podem ter exceções.
- Mas sempre há alguma exceção?

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- Regras podem ser rígidas, contudo elas são os meios, não os fins do governo. Há exceções pois
aquele que governa está acima das regras. Observe, é pelas fendas na parede que a luz passa,
por meio das quais os homens tornaram-se conscientes da luz, e dessa maneira percebem a
parede e como esta fica de pé. O véu é tecido, e cada linha segue um curso designado traçando
um desígnio; todavia o tecido não é impenetrável, ou o desígnio não seria adivinhado; e se o
desígnio não fosse adivinhado, o véu não seria percebido, e todos viveriam na escuridão. Mas
estas são velhas parábolas, e não vim para falar tais coisas. O mundo não é uma máquina que faz
outras máquinas à maneira de Sauron. A cada um sob a regra algum destino sem igual é
determinado, e ele é excluído do que é uma regra para os outros. Eu pergunto se você anseia
realmente por seu desejo.
- Eu anseio.
- Você não deseja saber como será, ou em que condições?
- Eu suponho que não deva entender como, e não me parece necessário. Nós vamos adiante,
como uma regra, mas não sabemos como. Mas quais são as condições?
- Que a estrada e as paradas estão prescritas. Que você não pode retornar a seu desejo, mas
somente como puder ser ordenado. Pois você não estará como alguém lendo um livro ou olhando
em um espelho, mas como alguém entrando em perigo vivo. Além disso, você não irá sozinho.
- Então você não me aconselha a aceitar? Você deseja que eu me recuse por medo?
- Eu não aconselho, não digo sim ou não. Eu não sou um conselheiro. Eu sou um mensageiro,
uma voz permitida. Os atos de desejar e escolher são para você.
- Mas eu não entendo as condições, pelo menos não a última. Eu devia entendê-las todas
claramente.
- Você deve, pois se escolher voltar deve levar Herendil como companheiro, que em outra língua é
Audoin, seu filho; porque você é os ouvidos e ele é os olhos. Mas você não pode pedir que ele
deva ser protegido das conseqüências de sua escolha, salvo como sua própria vontade e coragem
possam protegê-lo.
- Mas eu posso perguntar-lhe, se está disposto?
- Ele diria sim, porque o ama e é corajoso; mas isso não solucionaria sua escolha.
- E quando eu, ou nós, podemos regressar?
- Quando você tiver feito sua escolha.

A figura ascendeu e retrocedeu. Havia um rugido como de mares caindo de uma grande altura.
Alboin ainda poderia ouvir o tumulto muito longe, mesmo depois que seus olhos despertos
vagassem em volta do quarto na luz cinzenta da manhã. Havia um forte vento ocidental soprando,
as cortinas da janela aberta foram encharcadas e o quarto estava cheio de vento. Ele sentou-se
silencioso à mesa do café da manhã. Os olhos desviavam continuamente para o face do filho,
estando atento às suas expressões. Ele se perguntou se Audoin alguma vez tivera qualquer
Sonho. Nada que deixasse qualquer memória, ao que pareceria. Audoin estava em um humor
alegre e a sua própria conversa foi-lhe o suficiente, durante algum tempo. Mas finalmente Audoin
notou o silêncio do seu pai, incomum mesmo no café da manhã.

- Você parece mal-humorado, pai - ele disse - há algum problema difícil de conduzir?
- Sim, bem não, não realmente - respondeu Alboin - eu acho que eu estava pensando, entre outras
coisas, que foi um dia sombrio e não um bom fim para os feriados. O que vai você fazer?
- Oh, eu digo! - exclamou Audoin - pensei que você amasse o vento, eu amo. Especialmente um
bom e velho vento do Oeste. Agora vou caminhar um pouco ao longo da costa.
- Algum motivo especial para seu desejo de caminhar na costa? - perguntou o pai.
- Não, nada especial... só o vento. - respondeu Audoin.

- Bem, e quanto ao vento bestial? - disse Alboin, inexplicavelmente irritado.


O menino percebeu a irritação do pai, e respondeu meio desconcertado:
- Eu não sei, mas gosto de estar entre o vento, especialmente o que vem do mar, Eu pensava que
você também gostasse.

Houve um silêncio, depois de um tempo Audoin começou novamente, bastante hesitantemente:

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- O senhor se lembra do outro dia nos penhascos perto de Predannack, quando aquelas nuvens
estranhas surgiram à noite, e o vento começou a soprar?
- Sim, eu me lembro - disse Alboin em um tom desencorajador.
- Bem, você disse quando nós chegamos em casa que pareciam recordá-lo de algo, e que o vento
parecia soprar através de você, como, como, uma lenda que você não podia alcançar. E você
sentiu, de volta na quietude, como se você tivesse escutado a um longo conto, que o deixou
excitado, entretanto, não deixou absolutamente nenhuma imagem.
- Eu disse que senti isso? – perguntou Alboin – Tudo que posso lembrar é de sentir muito frio e me
alegrar em voltar para perto fogo.

Ele lamentou imediatamente suas palavras, e sentiu-se envergonhado pois Audoin não disse mais
nada; embora se sentisse certo de que o menino estivera fazendo uma abertura para dizer algo
mais, alguma coisa que estava na mente dele. Mas não pôde evitar. Não podia falar de tais coisas
hoje. Ele sentiu frio, e quis paz, não vento.

Logo após o café da manhã Audoin saiu, anunciando que estava fora para uma boa e longa
caminhada, e não regressaria de qualquer modo antes da hora do chá. Alboin ficou para trás. Por
todo o dia a visão da noite anterior permaneceu consigo, algo diferente da ordem comum dos
sonhos. Também era (para ele) curiosamente não lingüístico - entretanto claramente relacionado,
pelo nome Númenor, aos seus sonhos de linguagem.

Alboin não podia dizer se conversara com Elendil em Eressëano ou Inglês.

Perambulou por perto da casa impacientemente. Livros não seriam lidos, cachimbos não seriam
fumados. O dia escapou das suas mãos, correndo para se dispersar sem propósito. Ele não viu
seu filho, que nem mesmo apareceu para o chá, como ele meio que prometera fazer. A escuridão
parecia chegar indevidamente cedo. Na última noite Alboin sentou-se em sua cadeira perto do
fogo: - Eu temo esta escolha - disse a si mesmo. E não teve nenhuma dúvida de que realmente
havia uma escolha a ser feita. Ele teria que escolher, um caminho ou outro, por mais que ele
representasse para si mesmo. Mesmo se repudiasse o sonho considerando-o de fantasia, isso
seria uma escolha, uma escolha equivalente a um não.

- Mas não posso me decidir a um não – pensou Alboin - estou quase certo, que Audoin diria sim. E
ele saberá da minha escolha cedo ou tarde. Está ficando mais e mais difícil esconder meus
pensamentos dele: nós somos muito intimamente semelhantes, em muitas formas além do
sangue, por segredos. O segredo tornar-se-ia insuportável se eu tentasse mantê-lo. Meu desejo
seria duplicado pelo sentimento que eu poderia ter, e ficaria intolerável. E Audoin provavelmente
sentiria que eu o roubara por medo. Mas é perigoso, perigoso ao extremo - ou assim estou sendo
prevenido - não me preocupo por mim, Mas por Audoin. Mas o perigo é maior do que a
paternidade admite? É perigoso vir ao mundo a qualquer ponto no Tempo. Contudo eu sinto a
sombra deste perigo mais pesadamente. Por que? Porque esta é uma exceção às regras? Ou eu
estou experimentando uma escolha de ordem inversa: o perigo da paternidade repetida? Ser duas
vezes um pai para a mesma pessoa faria alguém pensar. Talvez eu já esteja retrocedendo. Não
sei. Eu me pergunto. A paternidade é uma escolha, e, todavia não é completamente pela vontade
de um homem. Talvez este perigo seja minha escolha, e, contudo também alheia a minha vontade.
Eu não sei. Está escurecendo. Como o vento está ruidoso, há um temporal sobre Númenor.

Alboin adormeceu em sua cadeira.

Ele estava escalando degraus, para cima, sobre uma alta montanha. Sentiu e pensou que podia
ouvir Audoin seguindo-o, escalando atrás dele. Se deteve porque parecia de alguma maneira que
estava novamente no mesmo lugar como na noite anterior; entretanto nenhuma figura pôde ser
vista.
- Eu escolhi - ouviu-se dizendo - regressarei com Herendil.
Então deitou-se, como se para descansar. - Boa noite! – murmurou - Durma bem Herendil! Nós
começamos quando a convocação chegar.

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- Você escolheu - disse uma voz acima dele - a convocação está disponível.
Então Alboin pareceu entrar em uma escuridão e um silêncio, profundo e absoluto. Era como se
tivesse deixado o mundo completamente, onde todo o silêncio está na extremidade do som, e
preenchido com ecos, e onde todo descanso é, porém repousar em algum movimento maior. Ele
deixara o mundo e partira. Ele estava calado e em repouso, mas estava-lhe claro que só tinha que
querer, e se moveria.
- Para onde ir? - percebeu a questão, mas nem como uma voz de fora, nem como alguém de
dentro dele.
- Para qualquer lugar que seja designado. – respondeu a si mesmo - Onde está Herendil?
- Esperando. O gesto é seu.
- Movamo-nos então!

Audoin continuou caminhando, mantendo-se ao alcance da vista do mar o quanto pôde. Almoçou
em uma pousada e então continuou vagando novamente, mais distante do que pretendera. Estava
desfrutando o vento e a chuva, contudo estivesse ocupado com uma inquietação curiosa. Houvera
algo estranho a cerca do seu pai esta manhã.

- Muito decepcionante - disse a si mesmo - eu particularmente queria ter uma longa caminhada
com meu pai hoje. Nós conversamos melhor caminhando, e eu realmente tenho que ter uma
chance de lhe falar sobre os sonhos. Posso falar sobre esse tipo de coisa com meu pai, se ambos
estivermos dispostos e juntos. Não que ele seja normalmente difícil de qualquer maneira...
raramente como hoje. Normalmente o leva como você pretende: brincando ou sério; não mistura
os dois, ou ri nos lugares errados. Eu nunca o conheci tão frio.

Audoin continuou vagando. – Sonhos estranhos - pensou - mas não o tipo habitual, bastante
diferentes, muito vívidos; e entretanto nunca totalmente repetidos, todos gradualmente se
encaixando em uma história. Mas um tipo de história de fantasma sem explicações. Apenas
imagens, mas nenhum som, nenhuma palavra. Navios vindo para a terra. Torres na orla. Batalhas,
com espadas reluzentes mas silenciosas. E há aquela imagem horripilante: o grande templo na
montanha, fumegante como um vulcão. E aquela terrível visão da fenda nos mares, uma terra
inteira deslizando obliquamente, montanhas deslizando; navios escuros fugindo para a escuridão.
Eu quero contar para alguém a respeito, e obter algum tipo de sentido nisto. Meu pai ajudaria: nós
poderíamos compor um bom conto juntos a partir disto. Se eu soubesse até mesmo o nome do
lugar, viraria um pesadelo em uma história.

A escuridão começou a cair muito tempo antes que voltasse.

- Eu espero que meu pai tenha tido bastante de si mesmo e esteja mais loquaz hoje a noite –
pensou - a lareira, após uma longa caminhada, é o melhor lugar para discutir sonhos.

Já era noite quando ele subiu o caminho, e viu uma luz na sala de estar.
Encontrou seu pai sentado junto ao fogo. A sala parecia muito silenciosa, quieta e muito quente
depois de um dia ao ar livre. Alboin estava sentado na poltrona, sua cabeça descansava em um
braço. Os olhos estavam fechados. Parecia adormecido.

Ele não fez nenhum sinal.

Audoin estava se arrastando para fora da sala, sentindo-se pesado com o desapontamento. Não
havia nada para ele aqui, exceto uma cama cedo e talvez melhor sorte amanhã. Quando alcançou
a porta, pensou ouvir a cadeira ranger, e então a voz do seu pai (muito longe e em tom bastante
estranho) murmurando algo: soou como herendil. Ele estava habituado a palavras estranhas e
nomes escapando em um murmúrio do pai dele. Às vezes o seu pai giraria um longo conto ao
redor deles. Ele retrocedeu esperançosamente.

- Boa noite! - disse Alboin - durma bem, Herendil! Nós começamos quando a convocação chegar.

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Então a cabeça dele cedeu contra a cadeira.

- Ele está sonhando - pensou Audoin - Boa noite!

Ele saiu e caminhou para dentro da escuridão de seu quarto.

Os capítulos de Numenoreanos

Comentários de Cristopher Tolkien: Meu pai disse em sua carta de 1964 sobre o assunto que “em
meu conto nós estávamos para chegar a Amandil e Elendil, líderes dos fiéis de Númenor, quando
esta tombou sob a dominação de Sauron”. Porém fica evidente que ele não alcançou esta
concepção até depois que a narrativa existente estivesse muito avançada, e posteriormente
abandonada. Ao término do Capítulo II a história Númenoriana está prestes a começar. Estes
capítulos foram numerados continuamente aos capítulos de abertura. Por outro lado a decisão
para adiar Númenor e torná-la a conclusão e clímax para o livro já fora tomada quando “The Lost
Road” foi para Allen e Unwin em Novembro de 1937.

Considerando que o episódio Númenoriano permaneceu inacabado, este é um ponto conveniente


para mencionar uma nota interessante que meu pai presumivelmente escreveu enquanto este
capítulo estava em desenvolvimento. Ela diz que quando a primeira 'aventura' (i.e. Númenor)
termina “Alboin ainda está sentado em sua cadeira e Audoin acabando de fechar a porta”. Com o
adiamento de Númenor os números dos capítulos foram modificados, mas isto não tem nenhuma
importância portanto continuo chamando esses novos capítulos de III e IV. Eles não têm nenhum
título (algo meio frustrante) e neste caso eu considerei mais conveniente comentar o texto através
de notas numeradas.

Capítulo III

Elendil estava entrando em seu jardim, mas não para olhar sua beleza à luz da noite. Estava
preocupado e sua mente voltada para dentro. Sua casa, com a torre branca e telhado dourado,
ardia atrás no pôr-do-sol, mas seus olhos estavam no caminho diante de seus pés. Ele estava
descendo para a orla, para se banhar nas lagoas azuis além do jardim, como era seu costume a
esta hora.

Olhou também para seu filho, Herendil. Havia chegado à hora quando devia falar-lhe. Chegou
afinal à grande sebe de lavaralda que cercava o jardim no seu lado mais baixo e ocidental. Era
uma visão familiar, embora os anos não pudessem escurecer sua beleza. Fazia sete dúzias de
anos ou mais desde que a plantara ele mesmo quando planejando o seu jardim antes do
matrimônio; e abençoara sua boa fortuna, pois as sementes tinham vindo de Eressëa, no oeste, de
onde, mesmo naqueles dias os navios vinham raramente, e agora não vinham mais.

Mas o espírito daquela terra abençoada e seu belo povo permanecia nas árvores que haviam
crescido das sementes: suas folhas longas e verdes eram douradas nos lados inferiores, e quando
uma brisa fora da água as revolvia elas sussurraram com um som de muitas vozes suaves, e
brilhavam como raios de sol em ondas agitadas. As flores eram pálidas com um rubor amarelo, e
se deitavam densamente nos ramos como uma neve iluminada pelo sol; e seu odor enchia o
jardim abaixo, lânguido, mas claro.

Os marinheiros nos dias antigos diziam que o odor de lavaralda podia ser sentido no ar muito
antes que a terra de Eressëa pudesse ser vista, e este trazia um desejo de repouso e grande

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contentamento. Ele vira as árvores em flor dia após dia, pois elas paravam de florescer somente
em raros intervalos. Mas agora, de repente, enquanto passava, o odor golpeou-o com uma
fragrância aguda, imediatamente conhecida e totalmente estranha. Ele pareceu por um momento
nunca tê-la sentido antes: esta penetrara as dificuldades da mente dele, desnorteando, não
trazendo nenhuma essência familiar, mas uma inquietação nova.

- Eressëa, Eressëa! - ele disse - quisera eu estar lá e não tivesse sido predestinado a morar em
Númenor, a meio caminho entre os mundos nestes dias de perplexidade!

Passou debaixo de um arco de folhas resplandecentes e desceu rapidamente degraus cortados na


pedra para a praia branca. Elendil olhou ao seu redor, mas não pôde ver o seu filho. Uma figura
veio à sua mente do corpo branco de Herendil, forte e bonito no limiar da precoce masculinidade,
penetrando a água, ou deitando-se na areia brilhando ao sol. Mas Herendil não estava lá, e a praia
parecia estranhamente vazia.

Elendil ficou parado e inspecionou a angra e suas paredes rochosas uma vez mais; e a medida em
que olhava seus olhos subiram por casualidade para sua própria casa entre árvores e flores nas
rampas sobre a orla, branca e dourada, brilhando no pôr-do-sol. E ele parou e contemplou: pois de
repente a casa estava lá, como uma coisa de outrora real e visionária, como uma coisa em algum
outro tempo e história, bonita, amada, mas estranha, despertando desejo como se fosse parte de
um mistério que estava ainda escondido. Ele não pôde interpretar o sentimento.

- Suponho que seja a ameaça de guerra – pensou suspirando - que me faz olhar sobre coisas
belas com tal inquietação. A sombra do medo está entre nós e o sol, todas as coisas parecem
como se já estivessem perdidas. Não obstante elas sejam estranhamente bonitas vistas assim. Eu
não sei. Eu desejaria saber. Espero que as árvores floresçam em suas colinas nos anos que estão
por vir como fazem agora; que suas torres permaneçam brancas na luz da Lua e amarelas ao Sol.
Quisera eu que isto não fosse esperança, mas convicção - aquela convicção que nós tínhamos
antes da Sombra. Mas onde está Herendil? Eu tenho que vê-lo e falar-lhe, mais claramente do que
nós já falamos. Antes que seja tarde demais. O tempo está ficando curto.

- Herendil! - ele chamou - e a sua voz ecoou ao longo da praia vazia sobre o som suave do
caimento das ondas banhadas pela luz. - Herendil! – tornou a chamar, e mesmo enquanto
chamava, parecia ouvir a sua própria voz, e notar que era forte e curiosamente melodiosa.
Finalmente houve um chamado de resposta: uma voz jovem muito clara veio de alguma distância -
como um sino a partir de uma caverna profunda.

- Man, atto, man-ie ?

Por um breve momento pareceu a Elendil que as palavras eram estranhas. 'Man-ie, atto? O que é
isto, pai? Então o sentimento passou, e tudo pareceu normal novamente.

- Onde tu estás?
- Aqui!
- Eu não posso ver-te.
- Eu estou sobre o muro, olhando para baixo sobre ti.
Elendil olhou para cima; e então rapidamente escalou outro lance de degraus de pedra no lado do
norte da enseada. Ele saiu em um espaço plano, macio e nivelado no topo da ponta projetada de
pedra. Aqui havia espaço para deitar-se ao sol, ou sentar em um largo assento de pedra com sua
parte de trás contra o precipício, abaixo à face do qual caía uma cascata troncos rasteiros ricos
com guirlandas de flores azuis e prateadas. Estirado na pedra com o queixo nas mãos estava um
jovem. Ele estava olhando para o mar afora, e não virou a sua cabeça enquanto seu pai subiu e
sentou-se a seu lado.
- Com o que tu estás sonhando, Herendil, que teus ouvidos não ouvem?
- Estou pensando; não estou sonhando. Não sou mais uma criança.

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- Eu sei que tu não és mais uma criança - disse Elendil - e por isso quis encontrar-te e falar
contigo. Estás tão freqüentemente fora e distante, e tão raramente em casa estes dias.
Elendil olhou para baixo, sobre o corpo branco diante dele. Era querido para si, e bonito. Herendil
estava desnudo, porque estivera mergulhando do ponto alto, sendo um mergulhador ousado e
orgulhoso da sua habilidade. Subitamente pareceu a Elendil que o rapaz tinha crescido durante a
noite, quase sem conhecimento.
- Como tu cresceste! - ele disse - Tens os atos de um homem poderoso, e aproximadamente sua
forma.
- Por que me escarneces? – perguntou o menino - Tu sabes que eu sou escuro, e menor que a
maioria dos outros de minha idade. E isso é um problema para mim. O topo de minha cabeça mal
chega aos ombros de Almariel, cujo cabelo é de ouro reluzente, e ela é uma moça da minha
própria idade. Nós consideramos que somos do sangue de reis, mas eu te digo que os filhos de
teus amigos fazem gracejo de mim e chamam-me Terendul (esbelto e escuro) e dizem que eu
tenho sangue Eressëano, ou que eu sou meio-Noldo. Isso não é dito com amor nestes dias. Está,
porém há um passo de ser chamado um meio Gnomo para ser chamado Godfearing (temente a
deus); e isso é perigoso.
- Então deve ter ficado perigoso - disse Elendil suspirando - ser o filho que é chamado elendil; pois
isso te conduz a Valandil, God-friend (amigo-de-deus), que era o pai de teu pai.
Houve um momento de silêncio, e afinal Elendil falou novamente:
- De quem tu dizes que nosso rei, Tarkalion, é descendente?
- De Ëarendel, o marinheiro, filho de Tuor o poderoso, que se perdeu nestes mares. – respondeu
Herendil.
- E por que então o rei não poderia fazer tal como Ëarendel, de quem ele veio? Dizem que deveria
segui-lo, e completar o seu trabalho.
- O que tu pensas que querem dizer? Onde ele deveria ir, e cumprir qual trabalho?
- Tu sabes. Ëarendel não navegou para o extremo Oeste, e pôs os pés naquela terra que é
proibida para nós? Ele não morreu, ou assim as canções dizem.
- O que tu chamas de Morte? Ele não retornou, e também abandonou todos a quem amava antes
de pisar naquelas praias. Tuor salvou a sua família perdendo-os.
- Os Deuses estavam enfurecidos com ele?
- Quem sabe? Porque ele não voltou. Mas ele não ousou esse feito para servir a Melko, mas para
derrotá-lo; para libertar os homens de Melko, não dos Senhores do Oeste; para conquistar-nos a
terra, não a terra dos Valar. E os Senhores do Oeste ouviram sua prece e opuseram-se contra
Melko. E esta terra é nossa.
- Dizem agora que o conto foi alterado pelos Eressëanos, que são escravos dos Senhores: que na
verdade Ëarendel era um aventureiro, e mostrou-nos o caminho, e que os Senhores o levaram
cativo por essa razão; e o trabalho dele está inacabado. Por essa razão o filho de Ëarendel, nosso
rei, deveria completá-lo. Eles desejam fazer o que permaneceu por muito tempo inacabado. O que
é isso?
- Tu sabes... colocar os pés no Oeste distante e não retirar-se dele. Conquistar reinos novos para
nossa raça e aliviar a pressão desta ilha povoada, onde toda estrada é trilhada duramente, toda
árvore e lâmina de relva é contada. Para ser livres e mestres do mundo desejamos escapar da
sombra da mesmice, e do fim que a todos nós aguarda. Nós faríamos nosso rei o Senhor do
Oeste: Nuaran Numenoren. A Morte chega aqui lenta e raramente; contudo esta vem. A terra é só
uma gaiola dourada que se parece com o Paraíso.
- Sim, assim eu ouvi outros dizerem - disse Elendil - mas o que tu sabes do Paraíso? Veja, nossas
palavras errantes chegaram desgovernadas ao ponto de meu propósito. Mas eu estou preocupado
de encontrar teu humor deste tipo, entretanto temia que pudesse ser assim. Tu és meu único filho,
e minha criança mais querida, e eu ter-nos-ia em um em todas nossas escolhas. Mas escolher nós
devemos, tu como eu também, pois em teu último aniversário te tornaste sujeito a armas e o
serviço do rei. Nós temos que escolher entre Sauron e os Senhores do Oeste, e tu sabes,
suponho, que nem todos os corações em Númenor são atraídos para Sauron.
- Sim, há tolos até mesmo em Númenor - disse Herendil, em uma voz reduzida - mas por que fala
de tais coisas neste lugar aberto? Você deseja trazer o mal sobre mim?
- Eu não trago nenhum mal - disse Elendil - esse é impelido sobre nós: a escolha entre males: os
primeiros frutos da guerra. Mas olhe, Herendil, a nossa casa é de sabedoria e saber protegido; e

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foi muito venerada por isto. Eu segui meu pai como fui capaz. Você não me seguirá? O que tu
sabes da história do mundo ou de Númenor?
- Tu tens somente quatro dúzias de anos - continuou Elendil - e eras apenas uma criança pequena
quando Sauron veio. Tu não entendes como eram os dias de então. Tu não podes escolher em
ignorância. Outros de maior idade e maior conhecimento do que o meu ou o teu escolheram -
disse Herendil – eles dizem que a história os confirmou, e que Sauron lançou uma nova luz sobre
a história. Sauron conhece a história, toda a história.
- Sauron conhece, certamente, mas ele distorceu o conhecimento. Sauron é um mentiroso! - A
raiva crescente motivou Elendil a elevar a sua voz enquanto falava, as palavras soaram como um
desafio.
- Tu estás louco - disse o seu filho - voltando-se finalmente para o lado dele e enfrentando Elendil,
com medo e temor em seus olhos. - Não digas tais coisas para mim! Eles podem, eles podem...
- Quem são eles, e o que poderiam fazer? – perguntou Elendil - mas um medo frio passou dos
olhos do filho ao seu próprio coração.
- Não perguntes, e não fale tão alto! - Herendil se virou, e ficou estirado com a face enterrada nas
mãos.
- Tu sabes que ele é perigoso – continuou Elendil - para todos nós. O que quer que seja ele,
Sauron é poderoso e tem ouvidos. Eu temo as torres de vigia e te amo, eu te amo. Atarinya tye-
melane.
- Atarinya tye-melane, meu pai, eu te amo – repetiu Herendil – e as palavras soaram estranhas
mas doces, e golpearam o coração de Elendil.
- A yonia inye tye mela, e eu também, meu filho, te amo. - disse Elendil, sentindo cada sílaba
estranha, mas vívida enquanto falava - mas vamos para dentro! É muito tarde para banhar-se, o
sol se foi de todo. Está claro lá no oeste nos jardins dos Deuses. Mas o crepúsculo e a escuridão
estão chegando aqui, e a escuridão não é mais benfazeja nesta terra. Vamos para casa. Eu tenho
que te dizer e perguntar-te muito hoje à noite, atrás de portas fechadas onde talvez sentir-te-ás
mais seguro.
Então Elendil olhou para o mar, que amava, desejando banhar seu corpo nele como se para lavar
para longe o cansaço e a preocupação. Mas a noite estava chegando. O sol imergira e estava
afundando no mar rapidamente. Havia fogo sobre as ondas distantes, mas desvanecia quase
como foi inflamado. Um vento frio veio repentinamente do Oeste agitando a água amarela da
costa. Acima da beira do mar iluminada pela luz de fogo nuvens escuras erguiam-se; elas
estenderam grandes asas, para o sul e para o norte, e pareciam ameaçar a terra. Elendil
estremeceu.
- Veja, as águias dos Senhores do Oeste estão vindo sobre Númenor. - murmurou.
- O que tu dissestes? – espantou-se Herendil - não é decretado que o rei de Númenor será o único
a ser chamado de Senhor do Oeste?
- Assim foi o decreto do Rei, todavia ele não é o Senhor do Oeste. - respondeu Elendil - Mas eu
não pretendia falar em voz alta o pressentimento do meu coração. Vamos!

A luz estava enfraquecendo rapidamente enquanto atravessaram os caminhos do jardim entre


flores pálidas e luminosas no crepúsculo. As árvores exalavam doces aromas noturnos. Um
lómelindë (rouxinol) começou seu canto de pássaro em um lago. Sobre eles erguia-se a casa.
Suas paredes brancas cintilavam como se o luar fosse aprisionado em sua matéria; mas não havia
lua ainda, só uma luz fria, difusa e sem sombras. Pelo céu claro como que pequenas estrelas
frágeis de vidro apunhalavam as suas chamas brancas. Uma voz de uma janela alta veio
descendo como prata no lago do crepúsculo onde caminhavam. Elendil conheceu a voz: era a voz
de Firiel, uma donzela de sua casa, filha de Orontor. Seu coração sucumbiu, pois Firiel estava
morando em sua própria casa porque Orontor partira. Os homens disseram que este estava em
uma viagem muito longa, outros disseram que fugira do desgosto do rei. Elendil sabia que aquele
estava em uma missão da qual nunca poderia voltar, ou retornar muito tarde. Ele amava Orontor, e
Firiel era bela.

Agora a voz de Firiel cantava uma canção na língua Eressëana, mas feita pelos homens, há muito
tempo. O rouxinol parou. Elendil ficou parado para escutar; e as palavras alcançaram-lhe, distantes

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e estranhas, como alguma melodia em linguagem arcaica cantada tristemente em um entardecer


esquecido no começo da jornada do homem no mundo.

- Illu Iluvatar en kare eldain a firimoin


- ar antarota mannar Valion: numessier...

- O Pai fez o Mundo para elfos e mortais


- e o entregou nas mãos dos Senhores, que estão no Oeste...

Assim cantou Firiel, no alto, até que a sua voz recaiu tristemente para a questão com a qual essa
canção termina:

- man tare antava nin Iluvatar, Iluvatar, enyare tar i tyel ire Anarinya qeluva ?
- o que Ilúvatar, O Ilúvatar, conceder-me-á naquele dia além do fim, quando meu Sol me
abandonar ?

- E man antavaro? O que dará ele realmente? - disse Elendil - e permaneceu em pensamento
sombrio.
- Ela não deveria cantar aquela canção de uma janela - disse Herendil, quebrando o silêncio - eles
a cantam de outra forma agora. Melko regressou, eles dizem, e o rei nos dará o Sol para sempre.
- Eu sei o que dizem - respondeu Elendil – e não digas isso a teu pai, nem na casa dele. E passou
por uma porta escura, e Herendil, encolhendo seus ombros, o seguiu.

Capítulo IV

Herendil deitou-se no chão, estirou-se aos pés do pai em um tapete com o desenho de pássaros
dourados e plantas entrelaçadas com flores azuis. A cabeça foi apoiada nas mãos, seu pai sentou-
se em sua cadeira entalhada, as mãos se deitaram imóveis em ambos os braços da cadeira, seus
olhos olhando para dentro do fogo que queimava radiante na lareira. Não estava frio, mas o fogo
que era chamado 'o coração da casa' e sempre queimava naquela sala. Era, ademais, uma
proteção contra a noite, que os homens já tinham começado a temer.

Mas o ar fresco entrou pela janela, doce e com essência de flores. Por esta poderia ser visto, além
dos pináculos escuros de árvores imóveis, o oceano ocidental, prateado sob a Lua que estava
agora seguindo o Sol velozmente para os jardins dos Deuses. No silêncio da noite as palavras de
Elendil caíram suavemente. Enquanto este falava, escutava, como se contasse uma história há
muito esquecida.

- Há Ilúvatar, o único, e há os Poderes do Oeste, de quem o primogênito no pensamento de


Ilúvatar foi Alkar, o Radiante; e há os Primogênitos da Terra, os Eldar, que não perecem enquanto
o Mundo durar; há também os Sucessores, Homens mortais, que são os filhos de Ilúvatar, e,
todavia sob a regra dos Senhores. Ilúvatar projetou o Mundo, e revelou o seu desígnio para os
Poderes; e destes alguns ele estabeleceu para serem Valar, Senhores do Mundo e governantes
das coisas que estão dentro dele. Mas Alkar, que viajara sozinho no Vazio antes do Mundo,
buscando ser livre, desejou que o Mundo fosse um reino para si. Conseqüentemente ele desceu
neste como um fogo cadente; e fez guerra sobre os Valar, seus irmãos. Mas eles estabeleceram
as suas mansões no Oeste, em Valinor, e deixaram-no do lado de fora; e conferiram-lhe batalha no
Norte, o prenderam, e o Mundo teve paz e veio a ser extremamente belo.

- Depois de um grande período de tempo - continuou Elendil - veio a ocorrer que Alkar implorou
por perdão; e fez submissão sob Manwë, senhor dos Poderes, e foi libertado. Mas conspirou
contra os seus irmãos, e enganou os Filhos Mais Velhos que viviam em Valinor, de modo que
muitos se rebelaram e foram exilados do Reino Santificado. E Alkar destruiu as luzes de Valinor e

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fugiu na noite; e tornou-se um espírito escuro e terrível, e foi chamado Morgoth, e estabeleceu o
seu domínio na Terra-média. Mas os Valar fizeram a Lua para os Primogênitos e o Sol para os
Homens, para confundir a Escuridão do Inimigo. E naquele tempo ao nascimento do Sol os
Sucessores, que são os Homens, entraram adiante no Leste do mundo; mas tombaram sob a
sombra do Inimigo. Nestes dias os exilados dos Primogênitos fizeram guerra sob Morgoth; e três
casas dos Pais dos Homens foram unidas aos Primogênitos: a casa de Bëor, e a casa de Haleth, e
a casa de Hador. Pois estas três casas não eram subordinadas a Morgoth. Mas Morgoth teve sua
vitória, e conduziu muitos a ruína.

- Earendel era o filho de Tuor - Elendil continuava falando - filho de Huor, filho de Gumlin, filho de
Hador; e sua mãe era dos Primogênitos, filha de Turgon, último rei dos Exilados. Ele partiu para o
Grande Mar, e chegou afinal até o reino dos Senhores, e as montanhas do Oeste. E lá renunciou
todos a quem amava, a esposa, o filho, e toda sua família, quer fossem dos Primogênitos ou dos
Homens. Ele rendeu-se a Manwë, Senhor do Oeste; levando a súplica dos homens e elfos da
Terra-média, e nunca veio novamente entre os Homens. Mas os Senhores do Oeste tiveram
piedade, enviaram seu poder e a guerra foi renovada no Norte, tão poderosa foi o conflito que
todas as terras de Beleriand ficaram arruinadas; mas Morgoth foi subvertido e os Senhores
colocaram-no no Vazio. E Manwë convocou os Exilados dos primogênitos e perdoaram-nos; e
como tal retornaram a morar desde então na glória em Eressëa, a Ilha Solitária, que é Avallónë,
porque está dentro do alcance da vista de Valinor e a luz do Reino Abençoado. E para os homens
das Três Casas fizeram Vinya, a Nova Terra, ao oeste da Terra-média no meio do Grande Mar, e
chamou-a Andor, a Terra da Dádiva; e dotaram a terra e tudo aquilo que vivia nela com um bem
além de outras terras dos mortais. Mas na Terra-média viviam homens que não conheciam os
Senhores nem os Primogênitos salvo por rumores; e entre estes estavam alguns que tinham
servido a Morgoth no passado, e foram amaldiçoados. E também havia coisas más na terra, feitas
por Morgoth nos dias do seu domínio, demônios e dragões e escárnios das criaturas de Ilúvatar. E
lá também permaneciam escondidos muitos dos servos dele, espíritos do mal, a quem a vontade
de Morgoth ainda governava. E destes Sauron era o mestre, e o poder dele crescia. Portanto a
porção de homens na Terra-média era má, pois os Primogênitos que permaneceram entre eles
enfraqueceram ou partiram para o Oeste, e seus parentes, os homens, de Númenor, estavam
longe e só chegaram às suas costas em navios que cruzaram o Grande Mar. Mas Sauron soube
dos navios de Andor, e temeu-os, com receio de que os homens livres se tornassem senhores da
Terra-média e libertassem a sua família; e movido pela vontade de Morgoth ele conspirou para
destruir Andor, e arruinar (se pudesse) Avallónë e Valinor.

- Mas por que nós deveríamos ser enganados – perguntou Elendil, meio para si mesmo - e
tornarmo-nos instrumentos de sua vontade? Não foi ele, mas Manwë, o justo, Senhor do Oeste,
que dotou-nos com nossas riquezas. Nossa sabedoria vem dos Senhores e dos Primogênitos que
os vêem face a face; e nós temos crescido para sermos mais altos e maiores que outros de nossa
raça - aqueles que serviram Morgoth no passado. Nós temos conhecimento, poder, e vida mais
fortes que eles. Nós ainda não sucumbimos. Por conseguinte o domínio do mundo é nosso, ou
será, de Eressëa para Leste. Mais que isso nenhum mortal pode ter.

- Salvo para escapar da Morte - disse Herendil, erguendo a face para seu pai - e da monotonia.
Eles dizem que Valinor, onde os Senhores moram, não tem fronteiras.
- Eles não dizem a verdade - respondeu Elendil - pois todas as coisas no mundo têm um fim, uma
vez que o próprio mundo é limitado. Mas a Morte não é decretada pelos Senhores: é a dádiva do
Um, e uma dádiva que no desgaste do tempo mesmo os Senhores do Oeste devem invejar. Assim
os sábios dos antigos disseram, e embora não possamos entender aquela palavra, pelo menos
temos sabedoria o bastante para saber que não podemos escapar, senão para um destino pior.
- Mas o decreto de que nós, de Númenor, não colocaremos os pés nas praias dos Imortais -
perguntou Herendil - ou caminharemos na terra deles... isso é somente um decreto de Manwë e os
seus irmãos. Por que nós não deveríamos? O ar de lá concede vida duradoura, eles dizem.
- Talvez conceda - disse Elendil - e talvez seja, todavia o ar que aqueles necessitam que já
possuam vida duradoura. Para nós talvez seja morte, ou loucura.

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- Mas por que nós não deveríamos prová-lo? – contestou Herendil - Os Eressëanos vão para lá, e
ainda nossos marinheiros nos dias antigos costumavam permanecer por pouco tempo em Eressëa
sem lesão.
- Os Eressëanos não são como nós - respondeu Elendil - eles não têm a dádiva da morte. Mas o
que se ganha ao discutir a o governo do mundo? Toda a certeza está perdida. Não se celebra em
versos que a terra foi feita para nós, mas nós não podemos desfazê-la. E se nós não gostamos
dela podemos nos lembrar que a deixaremos. Os Primogênitos não nos chamam de Convidados?
Veja o que este espírito de desassossego já tem forjado. Aqui, em Númenor, quando eu era jovem
não havia nenhum mal de mente. A Morte chegava tarde e sem outra dor que não cansaço. Dos
Eressëanos nós obtivemos tantas coisas de beleza que nossa terra ficou bem próxima de ser tão
bela quanto a deles; e talvez mais bela para corações mortais. É dito que no passado os próprios
Senhores andassem às vezes nos jardins que nós criamos em sua homenagem. Lá fixamos as
suas imagens, modeladas pelos Eressëanos que os haviam visto, como quadros de amigos
amados. Tampouco existe um templo nesta terra, mas na Montanha nós falávamos para o Um,
que não tem imagem. Era um lugar santo, intocado por arte mortal. Então Sauron veio. Nós
tínhamos ouvido há muito tempo rumores dele de marinheiros que retornavam do Leste. Os contos
diferiam: alguns diziam que era um rei maior que o rei de Númenor; alguns que era um dos
Poderes, ou descendente deles estabelecido para governar a Terra-média. Alguns informaram que
ele era um espírito mau, possivelmente Morgoth retornado; mas destes nós rimos.

- Parece que rumores também chegaram a ele de nós - continuou Elendil - não são muitos anos,
três vezes doze e mais oito, mas parecem muitos, desde que ele chegou aqui. Tu eras uma
criança pequena, e não soube então o que estava acontecendo no leste desta terra, longe de
nossa casa ocidental. Tarkalion, o rei, foi movido por rumores sobre o poder de Sauron, e enviou
adiante uma missão para descobrir que verdade havia nos contos dos marinheiros. Muitos
conselheiros o dissuadiram. Meu pai me falou, e ele era um deles, que aqueles que eram mais
sábios e tinham mais conhecimento do Oeste tinham mensagens dos Senhores advertindo-os para
se precaverem, pois os Senhores do Oeste disseram que Sauron executaria o mal; mas ele não
poderia chegar mais perto a menos que fosse chamado. Mas então Tarkalion tinha ficado
orgulhoso e não tolerava nenhum poder na Terra-média maior que o seu próprio, os navios foram
enviados, e Sauron foi chamado para render homenagem ao Rei.

- Os guardas foram posicionados no porto de Morionde, no leste da Terra-média, onde as rochas


são escuras, vigiando ao comando do rei sem cessar pelo retorno dos navios. Era noite, mas havia
uma Lua luminosa. Eles enxergaram navios ao longe, e pareciam estar navegando para o oeste a
uma velocidade maior que a tempestade, entretanto havia pouco vento. De repente o mar tornou-
se agitado; subiu até ficar como uma montanha, e escrespou-se sobre a terra. Os navios foram
levantados, e lançados ao longe terra adentro, e jazeram nos campos. No navio que foi lançado
mais alto e ficou seco em uma colina havia um homem, porém maior do que qualquer um, mesmo
da raça de Númenor.

- Ele ficou de pé sobre a rocha e disse: - Este é um sinal de poder, porque sou Sauron, o
poderoso, servo do forte. Eu cheguei. Alegrai-vos, homens de Númenor, porque tomarei o teu rei
para ser meu rei, e o mundo ser-lhe-á dado em sua mão.

- E pareceu aos homens que Sauron era grande; embora temessem a luz dos seus olhos. A muitos
ele aparecia belo, para outros, terrível; mas para alguns, era o mal. Mas eles o conduziram ao rei,
e ele foi humilde diante de Tarkalion. E observe o que tem acontecido desde então, passo por
passo, no princípio Sauron revelou apenas segredos de navegação, e ensinou a fabricação de
muitas coisas poderosas e maravilhosas; e elas pareciam boas. Nossos navios viajam agora sem
o vento, e muitos são feitos de metal que cortam rochas escondidas e não afundam em calmaria
ou tempestade; mas não são mais belos de se olhar. Nossas torres sempre ficam mais fortes e
sobem mais alto, mas a beleza elas deixam para trás sobre a terra. Nós que não temos nenhum
inimigo somos preparados para o combate com inconquistáveis fortalezas, principalmente no
Oeste. Nossas armas são multiplicadas como se para uma guerra eterna, e os homens estão
deixando de dar amor ou esmero para a fabricação outras belas ou de deleite. Mas nossos

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escudos são impenetráveis, nossas espadas não podem ser resistidas, nossos dardos são como
trovão e atravessam madeira ou aço. Onde estão nossos inimigos? Nós começamos a matar um
ao outro pois Númenor agora parece estreita, e era tão grande. Então, homens desejam as terras
que outras famílias possuíram por muito tempo. Eles se irritam com facilidade e lutam entre si por
motivos fúteis.

- Portanto Sauron tem pregado a libertação; ele tem ordenado a nosso rei estender sua mão
adiante para o Império. Ontem o Leste teve fim, amanhã o Oeste terá fim. Não tínhamos nenhum
templo, mas agora a Montanha está despojada e suas árvores derrubadas. E há um Templo, é de
mármore e de ouro, de vidro e aço, e é maravilhoso, mas terrível e nenhum homem ora lá. Por
muito tempo Sauron não mencionou seu mestre pelo nome no qual fora amaldiçoado aqui. Ele
falou no princípio do Forte, do Poder Primogênito, do Mestre. Mas agora fala abertamente de
Alkar, de Morgoth. Ele tem profetizado seu retorno. O Templo será sua casa e Númenor será o
assento de seu domínio do mundo.

- Enquanto isso Sauron vive em seu templo - disse Elendil - ele inspeciona nossa terra da
Montanha, e está elevado acima do rei, até mesmo o orgulhoso Tarkalion, da linhagem escolhida
pelos Senhores, a semente de Earendel. Morgoth ainda não veio. Mas a sombra chegou; esta
permanece nos corações e mentes dos homens. Está entre estes e o Sol, e tudo aquilo que está
em baixo deste.
- Há uma sombra? - perguntou Herendil - Eu não a vi. Mas eu tenho ouvido outros falarem dela; e
dizem que é a sombra da Morte. Mas Sauron não a trouxe; ele promete que nos salvará dela.
- Há uma sombra, mas ela é a sombra do medo da Morte – respondeu Elendil - e a sombra da
cobiça. Mas também há uma sombra de um mal mais escuro. Nós já não vemos nosso rei. O
desgosto cai sobre os homens, e eles partem; eles estão à noite e de manhã já não estão. O ar
livre é inseguro; paredes são perigosas. Até mesmo no coração das casas espiões podem estar
situados. E existem prisões, e câmaras no subsolo. Há tormentos; e há ritos maus. Os bosques à
noite que outrora eram belos (os homens vagavam e dormiam lá por deleite, quando tu eras um
bebê) estão agora cheios de horror. Até mesmo nossos jardins não estão limpos, depois que o sol
caiu. E agora até mesmo de dia ascende fumaça do templo: as flores e a grama estão murchas
onde ela caí. As velhas canções são esquecidas ou alteradas; distorcidas em outros significados.
- Sim, para as que se aprende dia a dia - disse Herendil - mas algumas das novas canções são
fortes e encorajadoras. Todavia agora eu ouço que alguns aconselham-nos a abandonar a língua
antiga. Dizem que nós deveríamos deixar o Eressëano, e reavivar a fala ancestral dos Homens.
Sauron a ensina. Pelo menos nisto penso eu que ele não faz bem.
- Sauron engana-nos duplamente – respondeu Elendil - pois os homens aprenderam a fala dos
Primogênitos, e conseqüentemente se nós verdadeiramente regressássemos ao começo
deveríamos encontrar não os dialetos violados dos homens selvagens, nem a fala simples de
nossos pais, mas a língua dos Primogênitos. Mas o Eressëano é de todas as línguas dos
Primogênitos a mais bela, e eles a utilizam em conversas com os Senhores, e esta vincula os seus
variados clãs uns aos outros, e eles a nós. Se nós a abandonarmos, nós seríamos separados, e
seríamos empobrecidos Indubitavelmente isso é o que ele pretende. Mas não há nenhum fim para
a malícia de Sauron. Escute agora, Herendil, e note bem: o tempo está próximo quando todo esse
mal produzirá fruta amarga, se não for reduzido. Nós devemos esperar até que a fruta esteja
madura, ou cortar a árvore e lançá-la no fogo?

Herendil ficou de repente aos pés dele, e foi para a janela.

- Está frio, pai - ele disse - e a Lua se foi. Eu creio que o jardim esteja vazio. As árvores crescem
muito perto da casa. Ele puxou um pesado pano bordado pela janela, e então retornou, abaixando-
se junto ao fogo, como se golpeado por um frio súbito.

Elendil encostou-se adiante da sua cadeira, e continuou em uma voz baixa. - O rei e a rainha
ficaram velhos, entretanto nem todos sabem disto, pois os mesmos raramente são vistos. Eles
perguntam onde está a vida eterna que Sauron prometeu-lhes se construíssem o Templo para
Morgoth. O Templo está construído, mas eles estão velhos. Mas Sauron pressentiu isto, e eu ouço

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(o sussurro já prosseguiu adiante) que ele declara que a generosidade de Morgoth é contida pelos
Senhores, e não pode ser cumprida enquanto eles barrarem o caminho. Para ganhar vida
Tarkalion tem que ganhar o Oeste. Nós vemos agora o propósito das torres e armas. Já está se
falando da guerra - embora eles não mencionem o inimigo. Mas eu te digo: é conhecido de muitos
que a guerra irá para o oeste, para Eressëa e mais além. Tu não percebes a extremidade de nosso
perigo e da loucura do rei? Porém esta destruição aproxima-se velozmente. Nossos navios são
chamados de volta dos cantos da terra. Tu não tens notado e não imaginas que muitos estão
ausentes, especialmente do povo mais jovem, e no Sul e Oeste de nossa terra ambos trabalhos e
passatempos são abandonados? Em um porto secreto ao Norte há uma construção e forja que me
foram informadas por mensageiros fiéis.
- Informaram-te? O que tu queres dizer, pai? - perguntou Herendil, sentindo medo.
- É exatamente como te digo. Por que tu me olhas tão estranhamente? Tu pensavas que o filho de
Valandil, chefe dos homens sábios de Númenor, seria enganado pelas mentiras de um servo de
Morgoth? Eu não romperia a fé com o rei, nem eu pretendo qualquer coisa para ofendê-lo. A casa
de Earendel tem minha submissão enquanto eu viver. Mas se tiver que escolher entre Sauron e
Manwë, então todos os outros devem vir depois. Eu não me curvarei diante de Sauron ou de seu
mestre.
- Mas tu falaste como se fosses um líder neste assunto – disse aflito Herendil – estou assustado
porque te amo; e embora tu jures submissão, esta não te salvará do perigo da traição. Até mesmo
criticar Sauron é considerado rebeldia.
- Eu sou um líder, meu filho. E trouxe o perigo para mim e para ti, e todos a quem amo. Eu faço o
que é certo e o meu certo para fazer, mas não posso mais esconder isto de ti. Tu deves escolher
entre o teu pai e Sauron. Mas dou-te liberdade de escolha e não deposito em ti nenhuma
obediência como para um pai, se eu não convenci a tua mente e coração. Tu serás livre para ficar
ou ir, sim até mesmo para relatar como pode parecer-te bom tudo aquilo que eu disse. Mas se tu
ficasses e soubesses mais, o que envolverá deliberações fechadas e outros nomes além do meu,
então tu serás obrigado em honra a celebrar a tua paz, aconteça o que acontecer. Tu ficarás?
- Atarinya tye-melane - disse Herendil repentinamente e apertando os joelhos de seu pai deitou a
cabeça em seu colo, e lamentou. - É uma má hora essa, para colocar tal escolha sobre ti - disse
seu pai pousando uma mão em sua cabeça - mas o destino convoca alguns para serem homens
logo. O que tu dizes?
- Eu fico, pai.

A narrativa termina aqui. Não há nenhuma razão para pensar que algo mais fosse alguma vez
escrito. O manuscrito que se torna crescentemente rápido e voltado para o abrupto fim, esgota-se
em um rabisco que parece indicar desagrado com os resultados, ou pressa em terminar o que já
havia sido imaginado.

Os capítulos não escritos


Comentários de Cristopher Tolkien

Não pode ser demonstrado se meu pai (o professor Tolkien) decidiu alterar a estrutura do livro
adiando a história Númenoriana para o fim antes que abandonasse o quarto capítulo às palavras
de Herendil 'eu fico, pai'; mas parece perfeitamente possível que a decisão conduzisse de fato ao
abandono. De qualquer modo, em uma folha separada ele escreveu: 'Trabalhar de volta ao
passado para Númenor e fazer aquele por último', adicionando uma proposta que em cada conto
um homem deveria articular as palavras a respeito das Águias do Senhor do Oeste, mas somente
no fim seria descoberto o que eles queriam dizer. Isto é seguido por uma rápida anotação de idéias
para os contos que deveriam intervir entre Alboin e Audoin do século vinte e Elendil e Herendil em
Númenor, mas estas notas são atormentadoramente breves: história lombarda, uma história
escandinava de funeral em um navio (Vinland), uma história Inglesa - do homem que chegou a
Estrada Direta; uma história Tuatha-de-Danaan, ou Tir-nan-Og; uma história que concerne

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cavernas pintadas; a Idade do Gelo - grandes figuras em gelo, e Antes da Idade do Gelo: a história
de Galdor, pós-Beleriand e a história de Elendil e Gil-galad do ataque em Thu; e finalmente a
história de Númenor.

Para um destes, a 'História inglesa do homem que chegou a Rota Plana', é anexada uma nota
mais estendida, escrita a grande velocidade: Mas isto serviria melhor de todos para introdução aos
Contos Perdidos: Como Aelfwine navegou para a Rota Plana. Eles continuaram navegando
através do mar; e ficou muito claro e muito tranqüilo, - sem nuvens, sem vento. A água parecia
transparente e branca abaixo. Olhando para baixo Aelfwine subitamente viu terras e montanhas
abaixo na água brilhando ao sol. As dificuldades de respirar levem os companheiros Aelfwine a
mergulhar no mar, um a um. Aelfwine cai insensível quando percebe uma fragrância maravilhosa
como de terra e flores. Ele desperta para encontrar o navio sendo puxado por pessoas entrando na
água. Contam-lhe que muito poucos homens lá em mil anos podem respirar o ar de Eressëa (que
é Avallónë), mas nenhum além desta. Assim ele chega a Eressëa e lhe são contados os Contos
Inacabados.

Anotado depois oposto a isto está 'A História de Sceaf ou Scyld'; e isto estava somente aqui, eu
penso, que a idéia do episódio Anglo-saxão surgiu (e esta foi a única de todas estas projeções que
chegaram a decolar).
Esta nota é de interesse particular, pois combina a velha história da viagem de Aelfwine para Tol-
Eressëa e a narração dos Contos Perdidos com a idéia do Mundo Feito Redondo e o Caminho
Direto, que entrou neste momento. Com as palavras sobre a dificuldade de respirar, onde é dito
que o Caminho Direto 'cortava o ar de respiração e vôo [Wilwa, Vista], e atravessava Ilmen (a
região de puros e mais altos ares, acima das nuvens) na qual nenhuma carne mortal pode
sobreviver.

Meu pai então (como julgo) esboçou um rascunho para a estrutura do livro como ele agora o
previa. O Capítulo III seria chamado Um Passo Para trás: AElfwine e Eadzvine* - a encarnação
Anglo-Saxã de pai e filho, e incorporando a lenda do Rei Sheave; Capítulo IV - a lenda Irlandesa
de Tuatha-de-Danaan - e o homem mais velho no mundo; Capítulo V - Norte Pré-histórico: antigos
reis achados enterrados no gelo: Capítulo VI - Beleriand; Capítulo VIII (presumivelmente um
deslize para VII) - Elendil e Herendil em Númenor'. É interessante ver que não existe agora
nenhuma menção da lenda Lombarda como um ingrediente. Esta estrutura de esboço foi enviada
a Allen e Unwin com o manuscrito e foi incorporado na cópia datilografada feita lá.

(* Eu acho quase certo que os títulos dos Capítulos I e II foram postos nesta época: enquanto o
manuscrito era escrito eles não tiveram nenhum título).

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