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DIÁLOGO E INTERAÇÃO

Volume 5 (2011) - ISSN 2175-3687


http://www.faccrei.edu.br/dialogoeinteracao/

ESTUDO DE GÊNEROS:
UMA PERSPECTIVA EVOLUTIVA
Prof. Dra. Mergenfel A. Vaz Ferreira (UFRJ)

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar uma revisão acerca dos estudos de
gêneros discursivos e textuais, discutindo a repercussão e o impacto desses estudos nas
áreas relacionadas ao processo de ensinar e aprender línguas estrangeiras, como, por
exemplo, a formação de professores, as diferentes abordagens de ensino, a elaboração de
materiais didáticos, entre outras.
PALAVRAS-CHAVE: Gêneros discursivos. Gêneros textuais. Ensino e aprendizagem de
línguas. Abordagens de ensino.

ABSTRACT: This article aims to present a revision about the studies of discursive and
textual genres, discussing the effect and impact of these studies over areas related to the
process of teaching and learning foreign and second languages, such as the teacher
qualification, the different approaches to the teaching foreign languages, the developing of
teaching materials, among others.
KEY-WORDS: Discursive genres. Textual genres. Teaching and learning of foreign
languages. Teaching approaches.

1. INTRODUÇÃO

O ensino de línguas é uma área extremamente complexa e igualmente apaixonante:


objeto de incontáveis pesquisas, com outros tantos enfoques diferentes, matéria para muitas
discussões e, por vezes, alguns confrontos. A cada nova teoria, uma nova bandeira é
hasteada – novas abordagens, métodos de ensino, materiais didáticos. Nem sempre assim
arrumadinho; na prática, sabemos que nem todos os professores têm acesso à teoria, usando
materiais "indicados" pela instituição ou selecionando-os de acordo com suas experiências
ou intuições. Com isso percebemos, muitas vezes, a convivência de diferentes abordagens
no ensino de línguas estrangeiras, além da sobreposição ou alternância entre elas.
Falando em evolução das abordagens de ensino de línguas, não podemos deixar de
destacar a evolução das teorias que tratam de seu objeto principal: a própria língua.
É importante que levemos em conta que o próprio conceito de evolução traz
implícito em si o mérito de todo o caminho percorrido, para que o patamar presente fosse
alcançado, havendo, sim, espaço para críticas, aperfeiçoamento e até negociação de
significados com estágios anteriores, mas nunca para o desprezo ou a desconsideração por
esse imenso legado, construído por meio de tanto estudo e pesquisa.
Em minha pesquisa de Mestrado, que trata do uso do gênero textual publicidade
como um recurso contextualizador da língua estrangeira (VAZ FERREIRA, 2005), parto da
concepção de língua como sistema semiótico social (HALLIDAY E HASAN, 1985),
portanto funcional. Passando também pela abordagem "foco-na-forma" (focus on form),
que considera igualmente relevantes para o ensino de línguas estrangeiras tanto o ensino
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das estruturas da língua, como de seus significados em diferentes situações de uso


(DOUGHTY E WILLIAMS, 1998; RICHTER, 2003), chego à teoria que pensa um ensino
centrado em gêneros textuais ou genre based approach (PALTRIDGE, 2001).
Revisarei, portanto, neste artigo, a literatura que trata do conceito gênero (em
diferentes ambientes) e a aplicabilidade desse estudo para o ensino de línguas, como vem
sendo abordado em pesquisas recentes.

2. O ESTUDO DE GÊNEROS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

No capítulo intitulado "A origem dos gêneros", TZVETZN TODOROV (1980) se


indaga sobre a pertinência dos estudos de gênero àquele momento:

Persistir em se ocupar dos gêneros pode parecer atualmente um passatempo ocioso, quiçá
anacrônico. Todos sabem que nos áureos tempos dos clássicos havia baladas, odes, sonetos,
tragédias e comédias – mas hoje?

A questão aqui levantada por Todorov está intimamente relacionada ao surgimento,


amadurecimento, sobreposição e/ ou aglutinação de ideias em um contínuo processo
evolutivo. Como mencionado pelo autor, o conceito de gêneros remonta à Antiguidade
Clássica, perpassando, através dos séculos, diferentes estágios do desenvolvimento do
pensamento teórico, em variadas áreas do conhecimento, até chegar à atualidade, quando
pesquisadores se incumbem da caracterização do chamado cibergênero (ARAÚJO, 2003).
O estudo de gêneros esteve, desde o início, ligado, de alguma forma, à tentativa de
classificação de diferentes aspectos da realidade, principalmente de fatos linguísticos.
Dessa forma, tanto o objeto de estudo em si (como a oratória, a literatura,...), quanto o
modo de classificar os diferentes gêneros, assim como a determinação dos fatores
predominantes nessa classificação, fizeram com que diferentes estudos, em diversos
campos do conhecimento, surgissem e se desenvolvessem. Veremos, então, a seguir,
algumas dessas perspectivas no estudo de gêneros.

3. GÊNEROS RETÓRICOS, LITERÁRIOS, DISCURSIVOS: AS VÁRIAS FACES


NO ESTUDO DE GÊNEROS

Muitos conceitos e termos estão relacionados à questão dos gêneros, variando de


acordo com o campo em que a conceituação genérica está sendo refletida. Assim, não só a
caracterização e definição do conceito de gênero podem variar – se utilizadas em estudos
folclóricos, literários, linguísticos ou retóricos -, mas também, claramente, os termos
envolvidos nesse estudo. Até dentro de uma mesma área de conhecimento, como a
Linguística, vemos que diferentes conceitos trazidos à discussão (como "comunidades de
discurso", "atos de fala'", "registro", "eventos comunicativos",...) se referem ao enfoque
dado pelo linguista àquilo que prioriza em sua pesquisa.
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Neste trabalho, verificarei três dessas vertentes dos estudos de gêneros, destacando
as coincidências e distinções entre elas, assim como a trajetória desse conceito desde seu
surgimento na Antiguidade, até os dias atuais.
É importante que esteja claro que não há necessariamente uma sequência
cronológica definida nessas categorias aqui descritas. Em algumas ocasiões, percebemos,
inclusive, que a distinção entre termos como gêneros discursivos e gêneros textuais revela-
se antes uma questão de nomenclatura do que de diferenças substanciais.

3.1 Gêneros Retóricos – A origem do conceito

A noção de gênero vem sendo uma matéria importante para vários campos do saber
desde a filosofia clássica. O termo gênero, do latim genus, já naquele tempo era usado no
sentido de classificação (BREURE, 2001: 37). Platão, envolvido com a questão da
realidade, desenvolveu sua doutrina a partir da divisão entre o mundo das formas e o mundo
das ideias. Para ele, os elementos do mundo visível seriam apenas aparições ou reflexos de
uma "ideia superior" (Idem).
Aristóteles, por sua vez, defendeu a ideia de que o mundo visual seria constituído ao
mesmo tempo por substância e forma. A forma seria o elemento que especifica um objeto
(ou indivíduo), podendo: (1) ser dele extraída através de um processo de percepção; (2) ser
captada pela mente humana, a partir do poder da razão. Por esse motivo, Aristóteles explica
que, em um sentido material, seria mais adequado usarmos o termo espécies, em vez do
termo indivíduos, uma vez que o conceito espécies caracterizaria grupos com propriedades
comuns. As espécies seriam definidas por suas diferenças, que, por sua vez, as agrupariam
dentro de um determinado gênero (como o humano).
Aristóteles também propôs, em sua Arte Retórica, a organização da oratória em três
gêneros – o deliberativo, o forense ou judiciário e o demonstrativo ou epidítico
(ARISTÓTELES, 1988). Esses discursos seriam definidos pelas circunstâncias em que são
pronunciados, determinando, do mesmo modo, a categoria dos seus ouvintes: o deliberativo
seria dirigido a um auditório que se tem a intenção de aconselhar ou dissuadir; o forense
seria o discurso pelo qual o orador acusa ou defende; e o epidítico, um discurso elogioso ou
de reprimenda ao cidadão. Dessa maneira, vemos que tal distinção já é proposta de acordo
com o objetivo da enunciação, uma das prerrogativas dos estudos de gêneros em diferentes
momentos do desenvolvimento da teoria.
A partir dessa visão clássica de discurso, uma abordagem bastante comum tem sido
a tentativa de construção de um sistema fechado de categorias (partindo de um
procedimento dedutivo). Um exemplo moderno seria a obra de KINNEAVY (1971), que
classifica o discurso em quatro tipos – expressivo, persuasivo, literário e referencial -, de
acordo com o elemento que, no processo comunicativo, receberia o foco principal no
discurso em questão. Em outras palavras, estando o foco no emissor, o discurso será
expressivo; se no receptor, persuasivo; se o foco estiver no código, será literário; e,
finalmente, quando o objeto principal do discurso for a representação de mundo, estará
prevalecendo o discurso referencial.
JOHN SWALES (1990: 42) adverte sobre o perigo de categorizações prematuras,
que podem derivar de uma má compreensão de determinados discursos, afirmando que,
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apesar de o artigo científico pertencer a uma instância clássica do discurso referencial,


existem bons motivos "for not coming to quick conclusions about its predominantly
referencial nature"1. Por isso mesmo, estudiosos retóricos tenderam a levar em conta o
contexto e a dar ao estudo de gênero um lugar de destaque.
JAMIESON (1975) chama atenção para os gêneros retóricos, destacando, por
exemplo, a encíclica papal, como sendo um gênero ancestral de outros mais recentes. A
esse respeito, afirma TODOROV (1976: 161) que cronologicamente não haveria um
"before genres"2 e, citando Saussure, complementa: "the problem of the origen of the
language is none other than the problem of its transformations."3
Voltando à indagação de Todorov, citada na introdução deste trabalho, a respeito da
relevância dos estudos de gêneros contemporaneamente, o autor ressalta a dificuldade na
definição dos gêneros e, referindo-se especificamente aos literários, chega a afirmar que é
como se tivessem desaparecido. No entanto, conclui que na verdade o que ocorre é a
substituição dos gêneros, isto é, um gênero seria sempre a transformação de outro gênero
anteriormente existente, por inversão, deslocamento ou combinação.

3.2 Gêneros Literários

Mas a que gêneros Todorov se refere quando menciona sua aparente dissipação?
Muitas distinções e classificações vêm sendo feitas com relação aos diferentes
textos literários desde Platão e Aristóteles. Uma das classificações mais antigas é a que
distingue os gêneros lírico, épico e dramático (definidos por Diomedes no séc. IV, a partir
da sistematização de Platão) como as três formas fundamentais da literatura. Essa definição
associa os gêneros à representação do autor e dos personagens nas obras (PINHEIRO,
2002). Assim, as obras em que apenas o autor fala, pertenceriam ao gênero lírico; as em
que autores e personagens têm direito à voz, ao gênero épico; e, ao gênero dramático
estariam associadas as obras em que apenas os personagens falam. Essa divisão estava
então fundamentada no modo de enunciação dos textos.
Staiger (Apud BRANDÃO, 1999: 18) faz uma interpretação temporal desses
gêneros, relacionando o lírico ao tempo presente, que corresponderia à categoria
"recordação"; o épico, ao passado, correspondendo à categoria "apresentação"; e o
dramático, ao futuro, correspondendo à categoria "tensão".
No Capítulo IV da Arte Poética, intitulado "Origem da Poesia. Seus diferentes
gêneros", Aristóteles chama atenção para a separação do "gênero poético (...) em diversas
espécies, consoante o caráter moral de cada um" (1988: 291). Classifica, então, os gêneros
a partir das obras de Homero, considerando Margites a origem do gênero comédia e Ilíada
e Odisseia como obras que deram origem ao gênero tragédia.
Apesar de postular as formas fixas dos gêneros, Aristóteles também considerou sua
evolução quando afirmou:

1
"para não se chegar a conclusões precipitadas sobre a sua natureza predominantemente referencial de artigos
científicos” (Tradução da autora)
2
algo que antecedesse os gêneros
3
O problema da origem da linguagem não é outro senão o problema de suas transformações.
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A tragédia, digo, evoluiu sensivelmente, pelo desenvolvimento progressivo de quanto nela


se manifestava. De transformação em transformação o gênero fixou-se, logo que atingiu sua
forma natural. (1988: 292)

O que caracterizaria a comédia, segundo o filósofo, seriam as ações corriqueiras, a


imitação dos maus costumes, do ridículo; já a tragédia traria assuntos circunspectos,
apresentando personagens dignos e um final infeliz.
Por volta da Idade Média, teria surgido, segundo Barthes (Apud BRANDÃO, 1999),
a teoria dos três estilos, a saber: elevado, médio e humilde. Essa distinção considera tanto
aspectos linguísticos quanto aspectos sociais. Para exemplificar esses estilos, recorre-se,
geralmente, às obras de Virgílio: a Eneida representando o estilo elevado; as Geógicas, o
estilo médio; e as Bucólicas, o estilo humilde.
Durante o movimento romântico, principalmente na Alemanha dos séculos XVIII e
XIX, o conceito de gênero foi alvo de uma intensa reflexão filosófica. Passou-se a
questionar a divisão das obras literárias em gêneros estáticos, uma vez que esses não
dariam conta da evolução histórica a que estariam submetidos (BREURE, 2001).
Reconhecia-se, desse modo, o caráter histórico dos gêneros, os quais se alteram através do
tempo, estando talvez aí as raízes filosóficas das ideias que vinham sendo desenvolvidas
por Darwin em sua teoria da evolução das espécies, cuja obra Origin of Species surgiu em
1859.
A questão genérica, naquele momento vista como classificação a partir de um
esquema predeterminado de regras, ia de encontro aos ideais românticos de expressão
máxima e criativa do "eu". Friedrich Schlegel (1772-1829), importante autor e filósofo
romântico alemão, defendia, por exemplo, que cada poema seria “um gênero em si” (“eine
Gattung in sich”). Com isso, a própria aplicabilidade do conceito de gênero foi colocada
em dúvida, o que fez com que, de alguma forma, a classificação genérica se tornasse um
pouco mais abrangente e procurasse assimilar novos modos de trabalhos artísticos.
No início do século XX, por volta da segunda década, o Formalismo Russo – escola
de crítica literária liderada por Victor Shklovsky, influenciada pelos estudos linguísticos de
Saussure e pela noção simbolista de autonomia do texto – deu nova relevância ao estudo
dos gêneros. Como os românticos, os formalistas defendiam o caráter evolutivo dos
gêneros, considerando tanto o seu desenvolvimento quanto sua história literária como um
processo dinâmico. Para os formalistas, essa evolução ocorreria em ambos os aspectos
constitutivos do gênero, isto é, forma e função (uma nova forma surgiria uma vez que a
antiga teria esgotado suas possibilidades de exercer determinada função), ao mesmo tempo
em que seria uma resposta ao surgimento de novos gêneros e/ou ao desenvolvimento de
outros.
Todorov, em seu ensaio sobre os gêneros discursivos, destaca a dificuldade da
definição de gênero na literatura moderna, afirmando que não há nada que determine seu
lugar ou sua forma. Contudo, ressalta que as obras recentes não seriam "monstros
deformados, sem lei e sem rigor" (TODOROV, 1976: 160), e que a própria transgressão das
regras pressupõe que estas, de alguma forma, existam. Para Todorov, os gêneros existem
como uma instituição, revelando traços constitutivos da sociedade à qual pertencem,
funcionando como "horizontes de expectativa" para leitores e como "modelos de escritura
para autores" (Idem: 163). Gêneros seriam o ponto de interseção entre a poética geral e a
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história da literatura, sendo, nesse sentido, um objeto privilegiado ou "the principal subject
of literary studies"4 (Idem: 164), nas palavras do autor.

3.3 Gêneros Discursivos/ Textuais

É fácil entendermos por que a questão dos gêneros foi primariamente uma
preocupação da poética e da retórica, percorrendo um longo caminho na literatura até
chegar aos estudos linguísticos: além de a Linguística ser uma ciência relativamente
recente, seu enfoque inicial foi em unidades menores que o texto (fonemas, palavras,
frases). Quando começa a se ocupar com o texto (em um avanço ainda maior, com textos
não literários), passa a considerar igualmente a questão de gêneros.
Aproximadamente na metade do século passado, um movimento liderado por
Mikhail Bakhtin (1895-1975) deu continuidade à discussão, fazendo com que,
efetivamente, ultrapassasse o âmbito dos estudos literários, ao focalizar a língua em "todas
as esferas da atividade humana" (BAKHTIN, 1992: 279). Bakhtin teoriza que a utilização
da língua é efetuada através de enunciados concretos e únicos que emanam de uma ou outra
dessas esferas. Esses enunciados refletiriam as condições específicas e as finalidades de
cada uma delas, através de seu conteúdo temático, da seleção lexical e gramatical e,
sobretudo, de sua construção composicional. O autor continua:

Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se


indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de
uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro,
individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (Idem)

Segundo Bakhtin, a riqueza e a variedade dos gêneros discursivos seriam infinitas,


já que a diversidade das atividades humanas é praticamente inesgotável, e cada uma delas
apresenta um repertório próprio de gêneros, que por sua vez se amplia e se diferencia, de
acordo com o desenvolvimento da própria esfera. Ele atribui à diversidade funcional (que
tornaria os traços comuns aos gêneros abstratos e inoperantes), o fato de o problema geral
dos gêneros do discurso, a seu ver, nunca ter sido devidamente abordado. Para ele, o estudo
dos gêneros (retóricos, literários e cotidianos), até então, não havia considerado a questão
da linguística geral, isto é, da amplitude no conjunto de tipos de enunciados. Faz, desse
modo, uma crítica ao estudo de gêneros na linguística que segue uma filosofia
estruturalista.
No projeto estruturalista (BRANDÃO, 1999), havia uma busca por modelos
classificatórios abstratos com efeitos de normatividade, não havendo, portanto, lugar para o
heterogêneo, para o contexto, para a diversidade funcional da qual fala Bakhtin (1992:
282):
Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade
do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e à abstração,
desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida.

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A questão principal dos estudos literários.
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Por considerar a vasta heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos),


incluindo diálogos cotidianos, cartas (de variadas formas), ordens militares, documentos
oficiais, declarações públicas, entre outros, propõe a distinção entre gêneros de discurso
primários (simples), como a comunicação verbal espontânea; e gêneros de discurso
secundários (complexos), por exemplo, o romance, o teatro, artigos científicos.
Essa nova forma de conceituar gêneros serviu de parâmetro para todos os estudos
linguísticos de gêneros que a sucederam. SWALES (1990: 38), um dos autores
influenciados pela teoria bakhtiniana, afirma que os gêneros mudam como resultado de
pressões internas e que, consequentemente, esquemas classificatórios são, na melhor das
hipóteses, um produto secundário de análise. Segundo o autor, Todorov rejeita a ideia de
gêneros como agrupamentos de textos mais ou menos parecidos. Muito diferente disso:
seriam conjuntos codificados dentro de processos sociocomunicativos. Por essa razão,
Swales ressalta que o termo gênero seria mais encontrado entre linguistas de características
etnográficas ou sistêmicas. Cita, então, o etnógrafo HYMES (1974), para o qual gêneros
frequentemente coincidem com “eventos de fala” (“speech events”), mas que precisam ser
tratados de forma analiticamente independente daqueles.
A teoria moderna de gêneros vem sendo, nas últimas décadas, muito influenciada
pelos estudos norte-americanos (Swales é um bom exemplo) e, paralelamente, pelos
estudos desenvolvidos na chamada Escola de Sydney. Ambas reconhecem a importância de
fatores sociais e do papel exercido pelo contexto na compreensão dos gêneros, porém
manifestam algumas divergências quanto a aspectos a serem enfocados e/ou enfatizados.
Os chamados linguistas sistêmicos ou hallidayanos consideram como um dos
conceitos mais pertinentes ao estudo de gêneros o de registro, desenvolvido por Michail
Halliday. HALLIDAY (1994) definiu registro como a configuração de recursos semânticos
que um membro da cultura associa com um determinado tipo de situação. O potencial de
significado, segundo essa teoria, seria dado pelo contexto social. Resumindo, registro é um
termo que define as características individuais de um texto determinadas pelo contexto,
também podendo ser conceituado como a variação funcional da linguagem.
SWALES (1990: 178) destaca o fato de muitos linguistas se referirem a gêneros
discursivos como sinônimo de registro. Porém, trata-se de conceitos com diferentes
implicações. J. R. MARTIN (2000: 45) faz a seguinte distinção: gêneros seriam realizados
através de registros, e registros, por sua vez, realizados através da linguagem. O registro
estaria em um nível linguístico mais relacionado a vocabulário e sintaxe, enquanto o gênero
operaria no nível da estrutura do discurso.
Martin também afirma que o modo funcional de interpretação de gêneros estaria
baseado em uma perspectiva semântica, na qual seriam interpretados como “padrões de
significado” (“patterns of meaning”), ou processos sociais, com objetivos bem definidos.
Para ele, culturas podem ser interpretadas como sistemas de gêneros, não havendo
significado fora dos gêneros do discurso.
Grande parte do interesse de linguistas americanos contemporâneos advém da
chamada Nova Retórica, que engloba os trabalhos de Burke, Searle e Austin sobre os “atos
de fala” (“speech acts”). O artigo "Gênero como ação social" de Carolyn MILLER (1984)
é um bom exemplo dessa corrente que também destaca o enfoque contextual no estudo de
gêneros, centrando sua abordagem em situações retóricas repetitivas. Como a maior parte
dos linguistas mencionados, a autora rejeita a noção de gêneros baseada em classificações
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simplistas a partir da forma. Para ela a classificação deve contribuir para uma compreensão
de como o discurso funciona (justamente por refletir a experiência das pessoas, que ao
mesmo tempo os produzem e os interpretam).
Pudemos perceber, através desse breve resumo da trajetória dos estudos
concernentes a gêneros, o emprego de diferentes termos e conceitos referentes a esses
estudos. MARCUSCHI (2003: 4), como outros autores brasileiros (MEURER, 2002;
DIONÍSIO ET AL, 2003), prefere a terminologia gêneros textuais, referindo-se a textos
(orais ou escritos) "materializados em situações comunicativas recorrentes". Citando como
exemplos, carta, telefonema, sermão, romance, bilhete, reportagem..., conclui que são
entidades empíricas, constituindo listagens abertas, além disso, formas textuais
"relativamente estáveis" (parafraseando Bakhtin), sócio-historicamente situadas.
Marcuschi (Idem) define também outros dois conceitos importantes no estudo dos
gêneros: os conceitos de tipo textual e domínio discursivo. Tipo textual, diferentemente de
gênero textual, designaria uma construção teórica, por sua vez definida pela natureza
linguística de sua composição. Ao contrário dos gêneros textuais, estaria restrito a apenas
cinco categorias conhecidas como narração, argumentação, exposição, descrição e
injunção. Já domínio discursivo estaria relacionado ao termo bakhtiniano "esfera de
atividade humana", como por exemplo, os discursos jornalísticos, jurídicos, religiosos,
entre outros. Segundo Marcuschi, são os domínios discursivos que dão origem aos gêneros,
uma vez que são institucionalmente marcados.

4. GÊNEROS DISCURSIVOS E ENSINO DE LÍNGUAS

Toda a teoria acerca dos gêneros discursivos vem trazendo uma enorme
contribuição para a área do ensino de línguas, tanto maternas quanto estrangeiras. Esse fato
está relacionado às novas concepções de língua desenvolvidas dentro e fora do escopo do
problema dos gêneros e, igualmente, ao desenvolvimento de teorias como as dos atos de
fala, comunidades ou domínios discursivos, entre outras.
Não é por acaso que o campo lexical selecionado (quando da discussão do emprego
da teoria sobre gêneros textuais para o ensino de línguas) envolve vocábulos como juntar,
agrupar, articular... PALTRIDGE (2001: 6) afirma que uma abordagem centrada nos
gêneros, para o desenvolvimento de um programa de ensino, objetiva incorporar aspectos
discursivos e contextuais do uso da língua que são quase sempre negligenciados em
programas baseados apenas em unidades menores de organização linguística, como
estruturas ou vocabulário. Não quer dizer com isso que um programa baseado no estudo de
gêneros deva ignorar tais aspectos, pelo contrário, considera que também são fundamentais
nessa abordagem. O diferencial é que tal perspectiva foca esses aspectos da língua dentro
de seu contexto cultural e social de produção e interpretação de determinados gêneros.
Desse modo, os gêneros precisam ser vistos como fenômenos flexíveis (isto é, não
estáticos); não como padrões de textos isolados, mas em relação ao contexto e aos objetivos
e pressupostos de determinadas comunidades discursivas. Paltridge ressalta que, uma vez
que os alunos estejam conscientes dessa perspectiva, eles estarão mais bem capacitados a
escolher por si próprios as estratégias que desejam empregar para conseguirem os objetivos
que almejam.
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A partir, então, dessa sala de aula que centra seu foco em um ensino baseado em
gêneros textuais, o aluno desenvolveria o que Vijay BHATIA (1993) chama de
competência genérica, ou seja, a habilidade de se integrar e de interagir com gêneros
recorrentes ou novos. Estão incluídas aí as habilidades de construir, usar e explorar
convenções genéricas para alcançar os mais variados propósitos comunicativos. A ideia que
permeia essa abordagem, como dito, é a contemplação de todos os aspectos que envolvem a
questão linguística, como o vocabulário, a gramática, as estruturas, funções, a situação em
que é produzido o enunciado, o contexto social, entre outros aspectos. Enfim, um ensino
focado no gênero possibilitaria um "programa misto" – "a mixed syllabus" (PALTRIDGE,
2001: 9), isto é, a união de propriedades de diferentes abordagens, de uma forma coerente.
No entanto, BRANDÃO (1999: 38) adverte sobre o equívoco que cometem algumas
abordagens pedagógicas centradas na questão genérica:

(...) um gênero não é uma forma fixa, cristalizada, de uma vez por todas (...) E é esse o
equívoco que cometem algumas das abordagens pedagógicas. O professor não pode perder
de vista a dimensão heterogênea que a noção de gênero implica. Há toda uma dimensão
intergenérica, dialogal que um gênero estabelece com outro no espaço do texto.

Outra questão a ser considerada, segundo a autora, é que, embora o gênero seja
relativamente estável (pelos seus traços de regularidade e repetibilidade), essa estabilidade
está em constante ameaça por forças que atuam sobre os gêneros, como, por exemplo, as
forças de concentração, que agem pela estabilidade do texto; e as forças de expansão, que
possibilitam a variabilidade dos gêneros. Para Brandão, o gênero deve ser trabalhado numa
perspectiva discursiva, enquanto forma codificada sócio-historicamente em uma
determinada cultura, ou seja, posição semelhante à de outros autores, como, por exemplo,
Marcuschi. Considerando o fato de que todos os textos se manifestam "sempre num ou
noutro gênero textual" (MARCUSCHI, 2003: 32), o autor enfatiza a importância de um
maior conhecimento sobre o funcionamento dos gêneros textuais para uma melhor
produção e compreensão de textos em geral. É nesse sentido que a questão genérica se faz
presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), os quais sugerem que o
trabalho com textos deva ser feito com base na teoria dos gêneros.

5. CONCLUSÃO

O caráter evolutivo, não só das teorias que tratam especificamente sobre o estudo
das línguas em suas estruturas e mecanismos internos, mas também de todos os demais
aspectos que as envolvem, como o contexto, a situação interacional e a cultura, evidencia a
complexidade do tema com o qual estamos lidando, quando abordamos a matéria ensino de
línguas estrangeiras.
Entendendo a língua como um fenômeno no qual as intenções discursivas entre os
participantes de um evento comunicativo desempenham um papel fundamental, o estudo
sobre as propriedades, regularidades e especificidades desse evento, contextualizado
situacional e culturalmente, mostra-se de suma importância.
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Vimos assim, nesta breve revisão teórica, que os estudos e pesquisas que se
concentram em gêneros textuais têm muito a contribuir para as pesquisas que visam
desenvolver e aprimorar tanto as abordagens de ensino de línguas estrangeiras, como
também a elaboração de novos programas e materiais de ensino.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, José Paulo de. Caracterização do Cibergênero: Home Page Corporativa ou


Institucional. Revista Linguagem em (Dis)curso. VOLUME 3, NÚMERO 2. Tubarão, SC,
2003.

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Edições de Ouro, Coleção Universidade,


1988.

BAKHTIN, M. "Os gêneros do Discurso" In: Estética da Criação Verbal. Martins Fontes,
SP, 1992.

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 3ª ed., 1974.

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