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ESTUDO DE GÊNEROS:
UMA PERSPECTIVA EVOLUTIVA
Prof. Dra. Mergenfel A. Vaz Ferreira (UFRJ)
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar uma revisão acerca dos estudos de
gêneros discursivos e textuais, discutindo a repercussão e o impacto desses estudos nas
áreas relacionadas ao processo de ensinar e aprender línguas estrangeiras, como, por
exemplo, a formação de professores, as diferentes abordagens de ensino, a elaboração de
materiais didáticos, entre outras.
PALAVRAS-CHAVE: Gêneros discursivos. Gêneros textuais. Ensino e aprendizagem de
línguas. Abordagens de ensino.
ABSTRACT: This article aims to present a revision about the studies of discursive and
textual genres, discussing the effect and impact of these studies over areas related to the
process of teaching and learning foreign and second languages, such as the teacher
qualification, the different approaches to the teaching foreign languages, the developing of
teaching materials, among others.
KEY-WORDS: Discursive genres. Textual genres. Teaching and learning of foreign
languages. Teaching approaches.
1. INTRODUÇÃO
Persistir em se ocupar dos gêneros pode parecer atualmente um passatempo ocioso, quiçá
anacrônico. Todos sabem que nos áureos tempos dos clássicos havia baladas, odes, sonetos,
tragédias e comédias – mas hoje?
Neste trabalho, verificarei três dessas vertentes dos estudos de gêneros, destacando
as coincidências e distinções entre elas, assim como a trajetória desse conceito desde seu
surgimento na Antiguidade, até os dias atuais.
É importante que esteja claro que não há necessariamente uma sequência
cronológica definida nessas categorias aqui descritas. Em algumas ocasiões, percebemos,
inclusive, que a distinção entre termos como gêneros discursivos e gêneros textuais revela-
se antes uma questão de nomenclatura do que de diferenças substanciais.
A noção de gênero vem sendo uma matéria importante para vários campos do saber
desde a filosofia clássica. O termo gênero, do latim genus, já naquele tempo era usado no
sentido de classificação (BREURE, 2001: 37). Platão, envolvido com a questão da
realidade, desenvolveu sua doutrina a partir da divisão entre o mundo das formas e o mundo
das ideias. Para ele, os elementos do mundo visível seriam apenas aparições ou reflexos de
uma "ideia superior" (Idem).
Aristóteles, por sua vez, defendeu a ideia de que o mundo visual seria constituído ao
mesmo tempo por substância e forma. A forma seria o elemento que especifica um objeto
(ou indivíduo), podendo: (1) ser dele extraída através de um processo de percepção; (2) ser
captada pela mente humana, a partir do poder da razão. Por esse motivo, Aristóteles explica
que, em um sentido material, seria mais adequado usarmos o termo espécies, em vez do
termo indivíduos, uma vez que o conceito espécies caracterizaria grupos com propriedades
comuns. As espécies seriam definidas por suas diferenças, que, por sua vez, as agrupariam
dentro de um determinado gênero (como o humano).
Aristóteles também propôs, em sua Arte Retórica, a organização da oratória em três
gêneros – o deliberativo, o forense ou judiciário e o demonstrativo ou epidítico
(ARISTÓTELES, 1988). Esses discursos seriam definidos pelas circunstâncias em que são
pronunciados, determinando, do mesmo modo, a categoria dos seus ouvintes: o deliberativo
seria dirigido a um auditório que se tem a intenção de aconselhar ou dissuadir; o forense
seria o discurso pelo qual o orador acusa ou defende; e o epidítico, um discurso elogioso ou
de reprimenda ao cidadão. Dessa maneira, vemos que tal distinção já é proposta de acordo
com o objetivo da enunciação, uma das prerrogativas dos estudos de gêneros em diferentes
momentos do desenvolvimento da teoria.
A partir dessa visão clássica de discurso, uma abordagem bastante comum tem sido
a tentativa de construção de um sistema fechado de categorias (partindo de um
procedimento dedutivo). Um exemplo moderno seria a obra de KINNEAVY (1971), que
classifica o discurso em quatro tipos – expressivo, persuasivo, literário e referencial -, de
acordo com o elemento que, no processo comunicativo, receberia o foco principal no
discurso em questão. Em outras palavras, estando o foco no emissor, o discurso será
expressivo; se no receptor, persuasivo; se o foco estiver no código, será literário; e,
finalmente, quando o objeto principal do discurso for a representação de mundo, estará
prevalecendo o discurso referencial.
JOHN SWALES (1990: 42) adverte sobre o perigo de categorizações prematuras,
que podem derivar de uma má compreensão de determinados discursos, afirmando que,
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Mas a que gêneros Todorov se refere quando menciona sua aparente dissipação?
Muitas distinções e classificações vêm sendo feitas com relação aos diferentes
textos literários desde Platão e Aristóteles. Uma das classificações mais antigas é a que
distingue os gêneros lírico, épico e dramático (definidos por Diomedes no séc. IV, a partir
da sistematização de Platão) como as três formas fundamentais da literatura. Essa definição
associa os gêneros à representação do autor e dos personagens nas obras (PINHEIRO,
2002). Assim, as obras em que apenas o autor fala, pertenceriam ao gênero lírico; as em
que autores e personagens têm direito à voz, ao gênero épico; e, ao gênero dramático
estariam associadas as obras em que apenas os personagens falam. Essa divisão estava
então fundamentada no modo de enunciação dos textos.
Staiger (Apud BRANDÃO, 1999: 18) faz uma interpretação temporal desses
gêneros, relacionando o lírico ao tempo presente, que corresponderia à categoria
"recordação"; o épico, ao passado, correspondendo à categoria "apresentação"; e o
dramático, ao futuro, correspondendo à categoria "tensão".
No Capítulo IV da Arte Poética, intitulado "Origem da Poesia. Seus diferentes
gêneros", Aristóteles chama atenção para a separação do "gênero poético (...) em diversas
espécies, consoante o caráter moral de cada um" (1988: 291). Classifica, então, os gêneros
a partir das obras de Homero, considerando Margites a origem do gênero comédia e Ilíada
e Odisseia como obras que deram origem ao gênero tragédia.
Apesar de postular as formas fixas dos gêneros, Aristóteles também considerou sua
evolução quando afirmou:
1
"para não se chegar a conclusões precipitadas sobre a sua natureza predominantemente referencial de artigos
científicos” (Tradução da autora)
2
algo que antecedesse os gêneros
3
O problema da origem da linguagem não é outro senão o problema de suas transformações.
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história da literatura, sendo, nesse sentido, um objeto privilegiado ou "the principal subject
of literary studies"4 (Idem: 164), nas palavras do autor.
É fácil entendermos por que a questão dos gêneros foi primariamente uma
preocupação da poética e da retórica, percorrendo um longo caminho na literatura até
chegar aos estudos linguísticos: além de a Linguística ser uma ciência relativamente
recente, seu enfoque inicial foi em unidades menores que o texto (fonemas, palavras,
frases). Quando começa a se ocupar com o texto (em um avanço ainda maior, com textos
não literários), passa a considerar igualmente a questão de gêneros.
Aproximadamente na metade do século passado, um movimento liderado por
Mikhail Bakhtin (1895-1975) deu continuidade à discussão, fazendo com que,
efetivamente, ultrapassasse o âmbito dos estudos literários, ao focalizar a língua em "todas
as esferas da atividade humana" (BAKHTIN, 1992: 279). Bakhtin teoriza que a utilização
da língua é efetuada através de enunciados concretos e únicos que emanam de uma ou outra
dessas esferas. Esses enunciados refletiriam as condições específicas e as finalidades de
cada uma delas, através de seu conteúdo temático, da seleção lexical e gramatical e,
sobretudo, de sua construção composicional. O autor continua:
4
A questão principal dos estudos literários.
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simplistas a partir da forma. Para ela a classificação deve contribuir para uma compreensão
de como o discurso funciona (justamente por refletir a experiência das pessoas, que ao
mesmo tempo os produzem e os interpretam).
Pudemos perceber, através desse breve resumo da trajetória dos estudos
concernentes a gêneros, o emprego de diferentes termos e conceitos referentes a esses
estudos. MARCUSCHI (2003: 4), como outros autores brasileiros (MEURER, 2002;
DIONÍSIO ET AL, 2003), prefere a terminologia gêneros textuais, referindo-se a textos
(orais ou escritos) "materializados em situações comunicativas recorrentes". Citando como
exemplos, carta, telefonema, sermão, romance, bilhete, reportagem..., conclui que são
entidades empíricas, constituindo listagens abertas, além disso, formas textuais
"relativamente estáveis" (parafraseando Bakhtin), sócio-historicamente situadas.
Marcuschi (Idem) define também outros dois conceitos importantes no estudo dos
gêneros: os conceitos de tipo textual e domínio discursivo. Tipo textual, diferentemente de
gênero textual, designaria uma construção teórica, por sua vez definida pela natureza
linguística de sua composição. Ao contrário dos gêneros textuais, estaria restrito a apenas
cinco categorias conhecidas como narração, argumentação, exposição, descrição e
injunção. Já domínio discursivo estaria relacionado ao termo bakhtiniano "esfera de
atividade humana", como por exemplo, os discursos jornalísticos, jurídicos, religiosos,
entre outros. Segundo Marcuschi, são os domínios discursivos que dão origem aos gêneros,
uma vez que são institucionalmente marcados.
Toda a teoria acerca dos gêneros discursivos vem trazendo uma enorme
contribuição para a área do ensino de línguas, tanto maternas quanto estrangeiras. Esse fato
está relacionado às novas concepções de língua desenvolvidas dentro e fora do escopo do
problema dos gêneros e, igualmente, ao desenvolvimento de teorias como as dos atos de
fala, comunidades ou domínios discursivos, entre outras.
Não é por acaso que o campo lexical selecionado (quando da discussão do emprego
da teoria sobre gêneros textuais para o ensino de línguas) envolve vocábulos como juntar,
agrupar, articular... PALTRIDGE (2001: 6) afirma que uma abordagem centrada nos
gêneros, para o desenvolvimento de um programa de ensino, objetiva incorporar aspectos
discursivos e contextuais do uso da língua que são quase sempre negligenciados em
programas baseados apenas em unidades menores de organização linguística, como
estruturas ou vocabulário. Não quer dizer com isso que um programa baseado no estudo de
gêneros deva ignorar tais aspectos, pelo contrário, considera que também são fundamentais
nessa abordagem. O diferencial é que tal perspectiva foca esses aspectos da língua dentro
de seu contexto cultural e social de produção e interpretação de determinados gêneros.
Desse modo, os gêneros precisam ser vistos como fenômenos flexíveis (isto é, não
estáticos); não como padrões de textos isolados, mas em relação ao contexto e aos objetivos
e pressupostos de determinadas comunidades discursivas. Paltridge ressalta que, uma vez
que os alunos estejam conscientes dessa perspectiva, eles estarão mais bem capacitados a
escolher por si próprios as estratégias que desejam empregar para conseguirem os objetivos
que almejam.
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A partir, então, dessa sala de aula que centra seu foco em um ensino baseado em
gêneros textuais, o aluno desenvolveria o que Vijay BHATIA (1993) chama de
competência genérica, ou seja, a habilidade de se integrar e de interagir com gêneros
recorrentes ou novos. Estão incluídas aí as habilidades de construir, usar e explorar
convenções genéricas para alcançar os mais variados propósitos comunicativos. A ideia que
permeia essa abordagem, como dito, é a contemplação de todos os aspectos que envolvem a
questão linguística, como o vocabulário, a gramática, as estruturas, funções, a situação em
que é produzido o enunciado, o contexto social, entre outros aspectos. Enfim, um ensino
focado no gênero possibilitaria um "programa misto" – "a mixed syllabus" (PALTRIDGE,
2001: 9), isto é, a união de propriedades de diferentes abordagens, de uma forma coerente.
No entanto, BRANDÃO (1999: 38) adverte sobre o equívoco que cometem algumas
abordagens pedagógicas centradas na questão genérica:
(...) um gênero não é uma forma fixa, cristalizada, de uma vez por todas (...) E é esse o
equívoco que cometem algumas das abordagens pedagógicas. O professor não pode perder
de vista a dimensão heterogênea que a noção de gênero implica. Há toda uma dimensão
intergenérica, dialogal que um gênero estabelece com outro no espaço do texto.
Outra questão a ser considerada, segundo a autora, é que, embora o gênero seja
relativamente estável (pelos seus traços de regularidade e repetibilidade), essa estabilidade
está em constante ameaça por forças que atuam sobre os gêneros, como, por exemplo, as
forças de concentração, que agem pela estabilidade do texto; e as forças de expansão, que
possibilitam a variabilidade dos gêneros. Para Brandão, o gênero deve ser trabalhado numa
perspectiva discursiva, enquanto forma codificada sócio-historicamente em uma
determinada cultura, ou seja, posição semelhante à de outros autores, como, por exemplo,
Marcuschi. Considerando o fato de que todos os textos se manifestam "sempre num ou
noutro gênero textual" (MARCUSCHI, 2003: 32), o autor enfatiza a importância de um
maior conhecimento sobre o funcionamento dos gêneros textuais para uma melhor
produção e compreensão de textos em geral. É nesse sentido que a questão genérica se faz
presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), os quais sugerem que o
trabalho com textos deva ser feito com base na teoria dos gêneros.
5. CONCLUSÃO
O caráter evolutivo, não só das teorias que tratam especificamente sobre o estudo
das línguas em suas estruturas e mecanismos internos, mas também de todos os demais
aspectos que as envolvem, como o contexto, a situação interacional e a cultura, evidencia a
complexidade do tema com o qual estamos lidando, quando abordamos a matéria ensino de
línguas estrangeiras.
Entendendo a língua como um fenômeno no qual as intenções discursivas entre os
participantes de um evento comunicativo desempenham um papel fundamental, o estudo
sobre as propriedades, regularidades e especificidades desse evento, contextualizado
situacional e culturalmente, mostra-se de suma importância.
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Vimos assim, nesta breve revisão teórica, que os estudos e pesquisas que se
concentram em gêneros textuais têm muito a contribuir para as pesquisas que visam
desenvolver e aprimorar tanto as abordagens de ensino de línguas estrangeiras, como
também a elaboração de novos programas e materiais de ensino.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M. "Os gêneros do Discurso" In: Estética da Criação Verbal. Martins Fontes,
SP, 1992.
PINHEIRO, N. F. "A noção de gênero para análise de textos midiáticos. In: MEURER, J. L. e
MOTTA-ROTH, D. Gêneros textuais e práticas discursivas. Ed. EDUSC, SP, 2002.
TYNYANOV, Y. "The literary fact". In: Duff. Modern Genre Theory. Ed. Longman, New
York. p. 29-49, 1924, 2000.