Resumo Crítico do Livro O Encontro Marcado com a Loucura
O Tema Ensino de Psicopatologia neste livro é tratado com uma
abordagem Psicanalítica, pois apresenta formas abrangentes de compreensão do ser humano, com a relação que se dá entre sujeito consciente e sujeito inconsciente, o critério de verdade repousando na possibilidade de análise das resistências do sujeito do inconsciente, que podem ser superadas pela análise da transferência. E com uma técnica chamada de Grupo de Reflexão, na qual, estudar os grupos e verificar suas propriedades terapêuticas torna-se essencial: seus problemas interpessoais podem ser transformados em objeto de estudo para aperfeiçoar sua eficiência, capacidade de cooperação, integração e os significados de suas experiências abordados. Ao mesmo tempo que ensina o grupo é terapêutico.
A autora nos remete há uma reflexão sobre a Loucura e todo seu
significado para os discentes. Esta reflexão tem os objetivos de desmistificar o conceito de doença mental, indo além da análise clínica, do diagnóstico, portanto, buscando o lado humano da prática; Ver a pessoa ali, o ser humano que está numa situação patológica; E resgatar a identidade através da relação social, relação esta livre de preconceitos e reservas para com o indivíduo.
A autora trabalha em cima desses aspectos a partir do trabalho com as
resistências e pré-concepções dos alunos, assim abrindo caminhos para o contato mais elaborado com o paciente, para isto ela adota a teoria “Bioniana”, para compreender os aspectos dos pensamentos. Bion (1994) afirma que o “pensar passa a existir para dar conta dos pensamentos”, considerando o pensar um desenvolvimento imposto à psique pela pressão dos pensamentos. De acordo com esse desenvolvimento, os pensamentos podem ser classificados com pré-concepções, pensamentos ou concepções e conceitos. Os conceitos têm nome e, são, portanto, concepções ou pensamentos firmados. A concepção se inicia através da conjunção de uma pré-concepção com uma realização, e o pensamento resulta de um pareamento de uma pré-concepção com uma frustração. A estratégia de trabalho para alcançar os objetivos consiste em propiciar aos alunos o contato direto com os pacientes e o fornecimento de substrato teórico, assim ela parte de um princípio na qual o estabelecimento de um vínculo entre professor e grupo, através das expectativas do grupo perante a prática e ao curso, como também, os alunos são permanentemente incentivados a pensarem no atendimento em saúde mental de uma perspectiva multidisciplinar. Aprendem que o uso de medicamentos, quando prescritos de maneira adequada, constitui-se como mais um recurso no tratamento, portanto, deixa-se claro que a psicopatologia, inegavelmente, é um estudo com interfaces também com o social, cultural, econômico e o político.
A autora acredita fazer-se necessário incluir no processo de ensino,
como fator de aprendizagem, a afetividade, inerente a qualquer relação. Em outras palavras, está também diante de um sofrimento psíquico vivido pelos alunos e que necessita ser compreendido, por isso usa termos e práticas que sistematizam-se através de grupo operativo e grupo de reflexão, nas quais, os alunos começam a compartilhar tais sentimentos, pois no campo grupal, segundo Bion, circulam ansiedades de diversificadas naturezas, refletir sobre eles, assim, integrando aspectos emocionais com uma prática comprometida com o paciente, levando em consideração os fatores subjetivos, olhando o ser humano como total, cujo, papel do coordenador do grupo, no caso o professor, é ter a capacidade para conter as angústias e necessidades dos outros, bem como as suas próprias.
Assim, a autora realiza uma pesquisa levando em conta, as pré-
concepções, ou seja, o estado inicial de mente com que os alunos começam o curso, o que corresponde à primeira etapa de coleta de dados; A realização, ou seja, a elaboração mental a partir da experiência emocional, o que corresponde ao transcorrer do curso; A concepção ou pensamento, como produto mental decorrente de toda essa atividade, o que corresponde à segundo etapa da coleta de dados, ao final do curso.
Dessa forma, as angústias iniciais, as expectativas, foram consideradas
como pré-concepções; o momento do encontro com o paciente, como realização e os pensamentos, como produções obtidas a partir do encontro. A autora encontra diversas expectativas inicias, ou melhor, pré- concepções, tais quais, angústia do desconhecido, mecanismos de defesas, como projeção; sentimentos de desamparo; a idéia de que o louco não pode ser contrariado; loucura como sinônimo de animalidade; a representação prisão/hospital como idéia de exclusão, assim como os primeiros aspectos descritos correspondendo a uma visão mítica do louco e abarca a pré-concepção da doença mental como algo da ordem da extrema violência, gerando angústias persecutórias; a visão mítica do louco como alguém sempre imprevisível, aspectos relacionados ao encontro com os pacientes, portanto, se fazendo necessário percorrer um longo caminho interior (intra-individual), confrontos internos, antes de compreender as psicopatologias, porque a compreensão surge do confronto da pré-concepção com a realização, ou da expectativa com o teste de realidade, entre o mundo interno e o mundo externo. Dando expressão a esses temores, e compartilhando essas angústias no grupo de supervisão, vai levando os alunos a refletirem sobre a doença mental e, assim, vão dando vozes a essas pré-concepções, na tentativa de integrá-las ao que está sendo vivido e para que possam construir, a parir da experiência, um vínculo entre aluno e paciente e teoria e prática que remeta à possibilidade de compreensão, implicando assim, de cada um com a subjetividade inerente a cada encontro e a busca de significado para que o outro produz no encontro, e ajuda terapêutica.
Este encontro também é uma despedida, segundo a autora, despedida
de pré-concepções do que seria ser terapeuta. A realidade árida da instituição quebra a organização asséptica dos “settings” trazidos pela formação acadêmica. A experiência próxima com o doente mental deixa a experiência do quanto é difícil lidar com essa situação. Na realização da experiência, o aluno se confronta, principalmente consigo próprio, neste momento ele pode ressignificar o que pensava desde “antes”. Na realização o que se evidencia é a possibilidade do aluno perder o controle. A ausência da confirmação de sua pré-concepção propicia o surgimento de outros questionamentos que ampliam a capacidade de pensar sobre si e sobre o outro, aprofundando as questões referentes à dupla terapêutica, assim, na realização. Foi necessária a experiência, o estar lançado no “caos”, para dar-se conta de que o suposto saber baseava-se em uma defesa diante do desconhecido. Caso se tolere a frustração, a união da concepção com as realizações, sejam elas negativas ou positivas, dá início aos procedimentos necessários ao aprender com a experiência.
Assim, o conhecimento constrói-se em um espaço de constante reflexão
entre teoria e prática, a partir do encontro com o paciente, Esse tipo de experiência possibilita, segundo os alunos, a integração entre ambos. Necessária e enriquecedora. Além da integração entre teoria e prática, vemos acontecer uma elaboração da experiência, com uma nova percepção da emoção, em si e no outro, possibilitando deixar cair as defesas que transformam uma pessoa em um caso clínico e mecânico, ao mesmo tempo que se refina a percepção psicopatológica.
A possibilidade de conhecer as psicoses e os critérios para examinar a
patologia surge da observação, dos estranhamentos produzidos no encontro e do reconhecimento da nomenclatura adotada para designar esses estados. Dessa maneira, o conhecimento adquire forma e peso.
Assim eu vejo o ensino de psicopatologia de forma integradora entre
objeto e sujeito, se podemos dizer assim. De forma subjetiva e objetiva, ampliando a vivência e demonstrando possibilidades de se fazer a prática mais humana dentro de um contexto sócio-histórico e cultural particular.
O desenvolvimento da escuta e da capacidade de espera até que venha
à tona um sentido a partir do encontro ressalta-se como uma possibilidade desenvolvida, e que ao meu ver, sólida e que traz maior segurança.
A experiência de reflexões em grupo trouxe um gama de possibilidade
de agir na prática, com suas pré-concepções confrontando com a realidade e abrindo um horizonte de significações para cada um, isto é aprender de forma elaborada, compartilhar essas experiências fazendo parte da aula é muito enriquecedor.
Além de proporcionar um crescimento pessoal, perante nossas
angústias presente no contato, pelo conhecimento de si e, principalmente, pela discriminação dos graus de sofrimento psíquico e social presente em cada indivíduo. Assim, vejo uma ótima forma de formar alunos conscientes das dificuldades e possibilidades existentes no atendimento em saúde mental, ou melhor, saúde.
Referências Bibliográficas COCIUFFO, Tânia. Encontro marcado com a loucura: ensinando e aprendendo psicopatologia. São Paulo: Editora LUC, 2008