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AR E ~RE·HISTORICA DO BRASIL .
Editora C/ARTE
Editor
Fernando Pedro da Silva
Coordenação Editorial
Fernando Pedro da Silva
Marília Andrés Ribeiro
Conselho Editorial
Eliana Regina de Freitas Outra
João Diniz
Lígia Maria Leite Pereira
Lucia Gouvêa Pimentel
Maria Auxiliadora de Faria
Marília Andrés Ribeiro
Marília Novais da Mata Machado
Otávio Soares Dulci

Orientações Pedagógicas
Lucia Gouvêa Pimentel
Assistente de Produção
Jacqueline Prado de Souza
Revisão
Roberto Arreguy Maia
Capa
Marcelo Belico
Projeto gráfico
Marcelo Belico
Poliana Perazzoli

Imagem de capa
Pinturas do abrigo Vão Grande/H), Foto: André Prous

Publicação referendada pelo Comitê Brasileiro de História da Arte - CBHA

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partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.

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Editora C/ Arte
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Pabx: (31) 3491-2001
com.arte@comartevirtual.com.br
www.comarte.com

P968a Prous, André, 1944-


Artes pré-históricas do Brasil / André Prous; Projeto pedagógico. Lucia Gouvêa
Pimentel. [Editor: Fernando Pedro da Silva] - Belo Horizonte: C / Arte, 2007.
128 p. : il. 16 x 24 cm - (Didática)

ISBN: 978-85-7654-033-5
1. Artes pré-históricas - Brasil. 2. Arte antiga I. Pirnentel, Lucia Gouvêa, 1947- 11.
Silva, Fernando Pedro da, 1965- 111.Título. IV. Série.

COO: 781.
COU: 7.031.1(81))
INTRODUÇÃO

A arte pré-histórica
Há centenas de milhares de anos, os distantes Homo erectus
recriam a natureza, colorindo objetos (pigmentos preparados são
datados em cerca de 300.000 anos) e dando a seus instrumentos de
pedra formas geométricas, por meio de técnicas complexas. Essas
formas proporcionavam um aspecto harmonioso aos objetos, inde-
pendentemente da sua eficiência; assim sendo, podemos considerar
que os bífaces de pedra do Acheulense final são verdadeiros objetos
de arte. Entre 60.000 e 40.000 anos atrás, com os últimos represen-
tantes do Homo neandertha/ensís e o desenvolvimento do Homo sa-
píens em todo o Velho Mundo, aparecem os primeiros adornos - co-
lares de conchas ou dentes perfurados. Logo depois surgem as
primeiras representações figurativas.

Bíface de pedra lascada, entre


300.000 e 200.000 anos. Acheu-
lense, França. Acervo do Museu
de História Natural da UFMG.
Foto: Adriano Carvalho.
Pinturas rupestres sobrepostas, representando peixes, entre 4.000 e 6.000 anos.
Ubirr. região do Kakadu. Austrália. Foto: André Prous.

As interpretações da arte pré-histórica


As artes da pré-história (grafismos e objetos aos quais atribuímos
um valor estético, elaborados por grupos humanos que não deixaram
textos escritos e sobre os quais não dispomos de documentação escri-
ta) são estudadas a partir da arqueologia, ou seja, a partir da interpreta-
ção dos vestígios materiais. Esses vestígios, por vezes milenares e que
consideramos de cunho artístico, podem ser mobiliares (objetos que po-
dem ser transportados: instrumentos decorados, pequenas esculturas)
ou ser fixados em suportes naturais. Por exemplo, as figuras representa-
das em árvores através da retirada de parte da casca (como as que fo-
ram vistas por K. von den Steinen no território 8akairi do Alto Xingu, no
final do século XIX ou, mais recentemente, por Darcy Ribeiro perto das
aldeias dos índios Urubu-Kaapor). Mais conhecidos do grande público
são os grafismos pintados ou gravados em paredões ou rochedos (fala-
se, então, de arte rupestre - do latim rupes, rupis, que significa "roche-
do"). N m tod arte pré-histórica, portanto, é rupestre; em compensa-
• r xi I r CJ 'lfi rn ru tr históricos até contemporâneos (por
exemplo, os murais grafitados e as propagandas políticas pintadas em
letras garrafais nos paredões de pedra ao longo das rodovias)!

As idéias dos pesquisadores sobre as imagens pré-históricas re-


fletem muitas vezes os conceitos vigentes em sua época e por isto as
interpretações da arte pré-histórica variaram bastante, desde que os
ocidentais modernos notaram suas manifestações.

Já no século XVI, um protótipo de "guia turístico" francês aponta-


va as pinturas rupestres de Niaux como curiosidades dignas de serem
visitadas. Nessa época, não se cogitava uma idade muito antiga para
elas, nem que merecessem admiração; por não se atarem às conven-
ções artísticas do século XVI, eram atribuídas a "pastores incultos".

No final do século XIX, os primeiros pré-historiadores surpreen-


deram-se com o achado de pequenas esculturas nas escavações de
camadas da Idade do gelo em sítios do sul da França. Consideravam-se
então os homens pré-históricos como miseráveis primitivos, dos quais
não se esperava que tivessem tempo nem capacidade para desenhar
tão bem, e os preconceituosos arqueólogos tiveram que reconsiderar
essa opinião. Mesmo assim, todos sabem que as magníficas pinturas
rupestres de Altamira, quando descobertas em 1878, foram inicialmen-
te consideradas uma falsificação, porque um pintor moderno tinha resi-
dido na região pouco antes. De qualquer forma, as obras mobiliares en-
contradas em escavações e de antiguidade inquestionável foram vistas
como sendo o produto de estetas pré-históricos e ninguém se preocupou
em saber se teriam um sentido simbólico ou uma utilização ritual.

Quando se reconheceu, enfim, a autoria dos grandes conjuntos


rupestres franceses e espanhóis, no início do século XX, os especialis-
tas procuraram interpretá-Ios à luz de exemplos etnográficos, pois se
considerava, na perspectiva cultural evolucionista da época, que os po-
vos aborígines fossem "primitivos" atrasados; assim, ofereceriam para
nós uma imagem do que tinha sido a vida e a psicologia do ser humano
realmente (cronologicamente) primitivo, milhares de anos atrás. Desta
forma, o Padre H. Breuil interpretava as pinturas das cavernas euro-
péias ou dos abrigos africanos - que incluem numerosas representações
de animais - como partes de rituais mágicos. Feiticeiros da pré-história
teriam representado na pedra os animais que pretendiam caçar no dia
seguinte, pintando eventualmente neles feridas ou dardos, provocan-
do a morte real dos animais na futura caçada. Ou então, facilitariam a
multiplicação da caça ao pintar fêmeas prenhes ... A cada vez que se
observava alguma nova utilização de representações numa arte tribal
em qualquer parte do mundo, tentava-se usá-Ia para interpretar as figu-

12 . ANDRÉ PROUS
ras paleolíticas; desenhos pré-históricos em forma de grade foram as-
sim interpretados como armadilhas para prender os espíritos a partir
de exemplos siberianos.

No fim dos anos 1950, os etnólogos tinham finalmente demons-


trado que as populações tribais não eram mentalmente atrasadas e que
apresentavam culturas muito diferenciadas, com aspectos por vezes
extremamente complexos. Desta forma, M. Raphael e, a seguir, os fran-
ceses Annette Laming-Emperaire e André Leroi-Gourhan criticaram o
comparativismo etnográfico ingênuo e evolucionista da primeira meta-
de do século XX: não era possível explicar símbolos pintados 30.000 anos
atrás no território da atual França por comparação com as atuais práti-
cas de pseudoprimitivos australianos ou sul-africanos. Na falta de tex-
tos explicativos, o significado da arte pré-histórica devia ser encon-
trado nos próprios vestígios, e não na projeção das nossas crenças e
dos nossos preconceitos sobre o que teriam sido nossos longínquos
predecessores. Mostraram que os seguidores de H. 8reuil ilustravam
suas teses sempre com os mesmos exemplos, que nem sempre eram
representativos, nem mesmo convincentes. Não havia representações
incontestáveis de fêmeas prenhes; interpretar sistematicamente con-
juntos de pontos como sangue, traços retos como dardos ou formas
circulares como feridas não passava de uma interpretação questioná-
vel. Enfim, a presa favorita dos homens pré-históricos (a rena, cujos
restos ósseos aparecem muito no refugo alimentar dos caçadores des-
sa época) era pouco representada na arte paleolítica, o que não se ex-
plica na hipótese de uma magia da caça.

Dentro de uma perspectiva estruturalista, Leroi-Gourhan e Laming-


Emperaire demonstraram que havia, na arte paleolítica franco-cantábri-
ca, ligações preferenciais entre certos temas, e também entre esses
temas e certas situações topográficas. Por exemplo, cavalos, bisontes
e cervídeos encontram-se geralmente associados uns aos outros, nos
amplos salões, enquanto linhas de pontos marcam a entrada dos corre-
dores e animais perigosos - feras e rinocerontes - costumam encontrar-
se no final das galerias. Desta forma, as pinturas rupestres projetariam
simbolicamente uma imagem mental nas paredes escuras das grutas
franco-cantábricas. Ao mesmo tempo, matemáticos como A. Marschack
e o casal Ouy procuravam encontrar marcas rítmicas nas incisões linea-
res deixadas em ossos ou formas geométricas construídas em pinturas
pleistocênicas e indicando o nascimento da matemática.

Arte Pré-Histórica do Brasil, 13


1r
Pinturas rupestres. datadas em cerca de 13.900 anos. Gruta de Niaux, França.
Foto: Jean Clottes.

No final do século XX, o Pós-Modernismo se traduz nos estudos


de arte pré-histórica pela crítica de algumas interpretações do período
estruturalista; por exemplo, A. Leroi-Gourhan e A. Laming-Emperaire
tinham extrapolado suas judiciosas observações sobre a organização
dos grafismos, para interpretar as figuras dentro de um esquema biná-
rio, dentro do qual, por exemplo, animais como os cavalos e os bovíde-
os, os "sinais" lineares e contornados eram carregados de um valor
masculino ou feminino - uma suposição altamente especulativa. Ou-
trossim, apontam-se as variações regionais na arte européia, discutin-
do-se a validade de se propor uma explicação única para manifestações
escalonadas durante cerca de 20,000 anos, que se estenderam desde o
Atlântico até os montes Urais.

De fato, recentes descobertas como as da gruta Chauvet, mos-


tram que as pinturas do período aurinhacense - as mais antigas, data-
das de até mais de 30,000 anos - privilegiavam animais perigosos (le-
ões, ursos, mamutes e rinocerontes), distintos dos herbívoros,
característicos dos períodos posteriores. A riqueza da arte pré-histórica
nos diversos continentes está também se revelando desde os últimos
decênios do século XX, com a multiplicação das pesquisas em países
até então arqueologicamente desconhecidos, exigindo adaptação dos

14 . ANDRÉ PROUS
métodos aos novos campos e uma multiplicação das abordagens. Não
se pode mais estudar a arte pré-histórica apenas a partir das ocorrên-
cias européias, cujas características aparecem hoje como tendo cunho
apenas regional. A divulgação e o estudo das artes rupestres do Saara
(desde os anos 1950), da Austrália (desde os anos 1960) e do Brasil (a
partir dos anos 1970) tiveram um papel muito grande nesta renovação
dos olhares sobre as manifestações gráficas pré-históricas.

Mesmo assim, algumas grandes tendências se mantêm, em fun-


ção das origens dos pesquisadores: os europeus se dedicam principal-
mente ao registro sistemático das obras, a partir do qual esperam po-
der tentar descobrir esquemas significativos - na tradição estruturalista.
Para eles, a primeira tarefa dos arqueólogos consiste em fazer o censo
dos motivos artísticos (conteúdo temático) para visualizar os significan-
tes; apenas depois de completada esta fase pré-iconográfica (no concei-
to de Panofsky) se poderia iniciar a busca, com ajuda de métodos esta-
tísticos, de regularidades de composição, as associações preferenciais
e as "evitações" de temas entre si a partir das quais se pode esperar
reconhecer temas significativos para os artistas da pré-história (G. Sau-
vet). Quanto à interpretação desses temas, estamos ainda longe de
dispor de métodos para abordá-Ia.

Em contraste com essa posição, muitos pesquisadores anglo-sa-


xônicos pretendem descobrir o sentido dessa arte a partir das tradi-
ções orais e das práticas das populações tradicionais, numa perspecti-

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Fosfenos geométricos.
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Arte Pré-Histórica do Brasil, 15
va que, à primeira vista, lembra a do Pe. H. Breuil, mas que dela difere
bastante. Com efeito, não se trata mais de imaginar o que seria a arte
das tribos que pertenceriam a um determinado patamar de evolução,
com características válidas no mundo inteiro, mas de encontrar, na arte
de cada região, o que poderia ser explicado por populações nativas so-
breviventes, supostamente pouco aculturadas pelo mundo moderno.

A fixação atual das populações anglo-saxônicas no problema das


drogas se reflete bastante nas teorias dos últimos anos. Destacam-se
particularmente os seguidores do sul-africano Lewis-William e do fran-
cês Jean Clottes, segundo os quais a arte pré-histórica seria, antes de
tudo, xamanística. Os arqueólogos procuram, então, indícios de transes,
de utilização de alucinógenos etc. Os estados de alteração da mente pro-
vocam no sujeito o surgimento de figuras luminosas (os fosfenos) que
'g seriam reproduzidas na forma de grafismos geométricos, numerosos
& em muitos painéis rupestres e cuja interpretação foi sempre problemática.
8 Quanto às representações zoomorfas, elas evidenciariam as relações exis-
\1- tentes entre os xamãs e o mundo dos espíritos; algumas delas poderiam
representar os próprios xamãs transformando-se em animal, durante o
transe. De fato, essa interpretação, possivelmente acertada para algumas
manifestações rupestres, dificilmente poderia ser generalizada.

Independentemente dessas linhas interpretativas, novos campos


temáticos se desenvolvem, abordando o papel dos gêneros na arte
pré-histórica (refletiriam os desenhos uma visão masculina ou feminina
do mundo?), o registro de fenômenos astronômicos ocorridos no passa-
do (passagem de cometas), a reprodução nas pinturas de fenômenos
biológicos (mudança de tosa dos animais no inverno) ou comportamen-
tais (atitudes de fuga, dominação etc.), a possível associação dos painéis
rupestres com locais onde ocorrem fenômenos acústicos especiais.

o estudo da arte pré-histórica hoje


Os numerosos povos que elaboraram "obras de arte" durante mi-
lênios tiveram, cada um, preocupações específicas e criaram estilos in-
dependentes; acreditamos, portanto, ser inútil procurar uma única cha-
ve para todas as manifestações gráficas e plásticas pré-históricas.
Desta forma, e particularmente no Brasil, desenvolveram-se várias "es-
colas" que se dedicam à análise da arte pré-histórica, mas todos os
arqueólogos enfrentam os mesmos problemas básicos.

16 . ANDRE PROUS
o
I
20 em
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MOMENTO 1 (Oere) MOMENTO 2 (Vermelho) MOMENTO 3 (Amarelo)

Pinturas rupestres. Diferentes tradições representadas em um mesmo suporte. Painel


XI do Grande Abrigo de Santana do Riacho, Minas Gerais. Desenho: Marcos Brito.

o principal deles é a datação dos grafismos ou dos objetos. A arte


mobiliar, encontrada em escavações, pode ser situada no tempo por
meio da sua associação com pisos de ocupação datados por métodos
físicos (radiocarbono); objetos de cerâmica podem até ser datados di-
retamente por termoluminescência; mas as pinturas e gravuras rupestres
raramente podem ser datadas desta forma. Algumas exceções ocor-
rem quando contêm materiais orgânicos; ou ainda, quando elas estão
recobertas por sedimentos arqueológicos ou por concreções naturais
cuja idade pode ser calculada; mas vários fatores de erro tornam algu-
mas dessas datações pouco confiáveis. Em compensação, pode-se veri-
ficar, em certos casos, quais os grafismos mais recentes e quais os mais
antigos (mesmo sem poder atribuir uma idade em número de anos)
entre os vários desenhos que ocupam um mesmo paredão: assim se
consegue uma datação relativa que permite estudar a evolução ou a
sucessão dos estilos gráficos e das temáticas que caracterizam tradi-
ções. Com efeito, em vários momentos do passado mudaram os temas
representados nos paredões, da mesma maneira que ocorreu durante
todo o período histórico. Por exemplo, em Portugal e na Espanha, os
romanos representaram cenas mitológicas em seus monumentos, en-
quanto os muçulmanos que invadiram o país passaram a usar a escri-

Arte Pré-Histórica do Brasil· 17


ta como elemento decorativo, sem representar formas humanas ou
animais - proibidas pelo Alcorão; mais tarde, os cristãos, ao reconquis-
tar a península, representaram a cruz, a Virgem e os santos em seus
livros, em suas igrejas e seus palácios. Dentro da mesma tradição cris-
tã houve também modificações menores - as personagens da Bíblia
continuaram sendo representadas, mas em estilos diferentes: uma Vir-
gem românica apresenta traços diferentes de outra, gótica, e ambas
são facilmente diferenciadas de uma Virgem barroca.

Desta forma, depois de separar a produção dos diversos


momentos de representação num determinado sítio, pode-se esta-
belecer uma cronoestilística e analisar a produção de cada uma das
populações que nele deixaram sua marca, tentando entender o que
cada geração quis significar ou expressar através das figuras que
podemos hoje contemplar.

ARTE PRÉ-HISTÓRICA BRASILEIRA


A arte dos primeiros moradores do território que chamamos hoje
"Brasil" é praticamente desconhecida do grande público. Mesmo as-
sim, sua pesquisa sistemática vem se desenvolvendo desde os anos
1970. Nossa participação nessas pesquisas teve início com um estudo
das esculturas zoomorfas do litoral meridional, logo depois, com a aná-
lise da arte rupestre do Brasil Central, no âmbito da Missão Franco-Bra-
sileira de Minas Gerais (Missão inicialmente chefiada por A. Laming-
Emperaire, e por nós depois do seu falecimento). Paralelamente,
importantes levantamentos estavam sendo feitos no Brasil Central por
outras equipes (Missão Franco-Brasileira do Piauí, Museu Nacional da
Quinta da Boa Vista, Instituto Anchietano de Pesquisas, Instituto de Ar-
queologia Brasileira, Faculdade Marechal Rondon), sem falar dos traba-
lhos individuais já realizados nos anos de 1960, pelo Pe. J. A Rohr e por
D. Aytai no Sul do País. A partir dos anos de 1980, os levantamentos se
multiplicaram em novas regiões do Brasil.

Verificamos na atualidade um interesse renovado dos pesquisa-


dores pelo aspecto artístico das cerâmicas indígenas, que tinham sido
negligenciadas após os estudos preliminares de F. Barata em meados
do século xx. A estética manifesta na fabricação de certos instrumen-
tos de pedra, por sua vez, ainda não recebeu a devida atenção.

Algumas publicações recentes e exposições realizadas em come-


moração aos 500 anos de "descobrimento" do Brasil pelos portugueses

18 . ANDAÉ PAOUS
começam, no entanto, a divulgar o interesse pela primeva arte brasileira
dentro de um público mais amplo.

Apresentaremos aqui apenas alguns exemplos do que foram as


manifestações artísticas dos indígenas pré-cabralinos. Ilustraremos su-
cessivamente a arte rupestre, as esculturas em pedra, as modelagens
e as pinturas em cerâmica.

= Sam3tém

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Principais concentrações de sítios rupestres mencionadas no texto: ~, Frontena entre Proto-Ium e Proto-Guaran

ill! Tradição Planalto

:.~. Tradição São Francisco

Tradição Nordeste

,/fP Gravuras meridionais e em lajedos


= Tradição Gosano-Amazônica
CAPíTULO 1 : A ARTE RUPESTRE BRASilEIRA

A maior parte da arte parietal concentra-se no Brasil Central e


Nordeste, onde os maciços calcários, quartzíticos ou de arenito pro-
porcionam amplos abrigos e grutas, com belos suportes adequados
a receber vistosos grafismos. Mas também o Sul do Brasil e a Amazô-
nia não deixam de apresentar arte rupestre, particularmente figuras
gravadas em matacões.

Os desenhos em paredões são freqüentemente pintados. Os pinto-


res preparavam tintas com óxidos de ferro, que fornecem o vermelho,
o amarelo e os tons ocre; o dióxido de manganês, por sua vez, propor-
ciona uma cor marrom muito escura, quase preta. Ambos os elementos
são facilmente encontrados nas crostas lateríticas e couraças ferrugino-
sas, comuns em ambientes tropicais. Raspados, os pigmentos podiam ser
peneirados e a fração fi~a concentrada por meio de flotação. O carvão
de madeira ou de osso, moído, foi também utilizado para obter pigmen-
tos pretos (eles têm a vantagem de poder ser datados por radiocarbono
a partir da técnica AMS). O branco era geralmente obtido com argilas de
tipo caulim, mas podia também ser conseguido com osso calcinado.
Pode-se acrescentar uma liga aos pigmentos, mas isto geralmente não é
necessário; o carbonato naturalmente solubilizado nas águas de regiões
ricas em calcário, por exemplo, é um ótimo fixador.

Os pigmentos finos são a seguir aplicados secos (na forma de um


bastonete de pó aglomerado, como um lápis) ou em suspensão num
líquido (geralmente água); usa-se o dedo (traços espessos), um talo
vegetal, ou aplica-se um carimbo (pode ser um fruto seccionado, ou a
própria mão pintada) numa superfície rochosa bem plana.

Devemos sempre lembrar, ao olhar um painel pintado, que certos


pigmentos não se preservam bem e podem ter desaparecido; as
argilas brancas, por exemplo, desprendem-se facilmente do suporte
-----------

rochoso. Pigmentos vegetais (urucum, jenipapo) não duram muito


tempo. Desta forma, o que vemos é apenas o que não foi eliminado
pela erosão do suporte, pelas intempéries, pelos ninhos de insetos, pelos
líquens, pelos musgos e ... pelos vândalos e amadores de lembranças.

As gravuras também podem ser realizadas por meio de várias técni-


cas; o picoteado consiste em martelar o suporte com uma pedra, criando
figuras foscas de fundo rugoso que se destacam em claro no suporte pati-
nado pelo tempo - mais escuro, portanto. Podem-se acabar as figuras por
polimento (uma técnica mais demorada), que cria superfícies lisas e even-
tualmente brilhantes em depressões bem abertas. Formas incisas são ob-
tidas esfregando-se na rocha o gume agudo de uma lasca de pedra; ob-
têm-se então sulcos estreitos e profundos. As gravuras podiam ser pintadas
posteriormente, como se verifica em vários abrigos; em sítios a céu aberto,
a pintura pode ter desaparecido em razão do intemperismo, enquanto os
sulcos gravados permaneceram.

Existem milhares de sítios rupestres desde o estado do Rio Grande


do Sul até a fronteira com a Venezuela, a Colômbia e as Guianas, embo-
ra certas regiões (Brasil Central e Nordeste) caracterizem-se por uma
densidade de sítios muito maior que as outras. Em grandes porções do
território brasileiro não se tem notícias de arte rupestre, provavelmente
por falta de pesquisa ou de suportes naturais adequados, e não por falta
de atividades pictórias durante a pré-história.

Painel pintado da Lapa da Sucupira. O painel mostra pinturas ocupando


vários níveis de descamação. As pinturas residuais e muito patinadas, na
superfície mais escura (no alto), são as mais antigas. Localizado a 14 Km
de Cardeal Mata, Minas Gerais. Foto: André Prous.

22 . ANDRÉ PROUS
Incisões, provavelmente menos de 2.000 anos. Abrigo do Alvo, Analândia, São Paulo.
Acervo do Setor de Arqueologia da UFMG. Foto: G. Collet.

Figuras picoteadas. Missão Arqueológica Franco-Brasileira. Lapa de Posseidon, Com-


plexo Montalvânia, Minas Gerais. Acervo do Setor de Arqueologia da UFMG. Foto:
Sidney Picasso.

Arte Pré-Histórica do Brasil' 23


Arte rupestre no Sul do Brasil
A tradição Meridional de Pisadas
Nos estados meridionais, há, sobretudo, gravuras em abrigos ou
em matacões, onde foram picoteados pistas e rastos de aves (figuras
"tridátilas"), onças, veados, porcos-do-mato e seres humanos. há tam-
bém numerosas incisões e pequenas depressões circulares (cupules).
A maioria dos sítios alinha-se ao longo da serra que separa o planalto
do Rio Grande do Sul da planície onde corre o rio Jacuí. Essa tradição
Meridional, provavelmente bastante recente (menos de 2.000 anos?),
prolonga-se na Argentina, ao sul; ao longo dos rios Paraná e Paraguai,
até as terras baixas da Bolívia meridional (onde os grafismos "tridáti-
los" transformam-se, às vezes, em vulvas femininas), a oeste; pelo me-
nos até Serranópolis - no estado de Goiás - e provavelmente ao longo
do rio Araguaia, ao norte.

Incisões de estilo Pisadas.


Sítio Paredão, Serranópolis,
Goiás. Foto: André Prous.

24 . ANDRÉ PROUS
Incisões e cúpulas, provavelmente menos de 2.000 anos. Tradição Meridional. Pedra
Grande, Rio Grande do Sul. Foto: J. Brochado.

A tradição do Litoral
No estado de Santa Catarina, desde Porto Belo até o Farol Santa
Marta, encontram-se painéis verticais, orientados para o alto-mar nas
ilhas espalhadas ao longo do litoral, assim como em praias do conti-
nente, que foram decorados com figuras geométricas; compõem o
que chamamos tradição Litorânea. Apesar de todas as ocorrências
apresentarem características comuns e alguns temas repetidos, cada
sítio (ou pequeno grupo de sítio) parece ter um tema preferencial espe-
cífico, como se as populações que decoraram os paredões - separados
uns dos outros por cerca de uma dezena de quilômetros - os tivessem
utilizado para marcar sua individualidade, estabelecendo marcos fron-
teiriços com seus vizinhos. Desta forma, a Ilha do Arvoredo apresenta
séries de círculos e depressões elípticas, enquanto a Ilha das Aranhas
e a Praia do Santinho parecem caracterizadas por losangos e figuras
em forma de ampulheta. No município de Palhoça, são retângulos com
um apêndice que predominam, enquanto na Ilha do Campeche perfi-
lam-se alinhamentos de triângulos, ou de retângulos sem apêndice. Os
sítios da Barra da Lagoa e da Praia da Guarda do Embaú são, por sua
vez, caracterizados por desenhos reticulados.

Arte Pré-Histórica do Brasil· 25


o Planalto Catarinense
Nos abrigos naturais que ocorrem no planalto interiorano do es-
tado de Santa Catarina ainda existem alguns sítios rupestres, mas cujas
gravuras são completamente diferentes das do litoral; um pouco pareci-
das com figuras da tradição Meridional, singularizam-se, no entanto,
pelas representações humanas (Morro do Avencal, perto de Urubici).

Arte rupestre no Brasil Central e Nordeste


o tempo e o espaço
A decoração de paredões naturais com pinturas e gravuras já era
praticada, há 9.000 ou 10.000 anos, nos estados de Minas Gerais, Per-
nambuco e Piauí, onde foram encontradas figuras enterradas sob ní-
veis arqueológicos; perdurou pelo menos até o início da nossa era.
Pigmentos minerais preparados aparecem nas escavações desde
11.000 a 12.000 anos atrás em Minas Gerais, mas não se pode ter cer-
teza de que serviram para pintar os paredões ... Os mais antigos grafis-
mos bem datados desse estado são gravuras incisas e picoteadas entre
7.000 e 9.000 anos, em bloco caído, na Lapa do Boquete (perto de Janu-
ária); grafismos pintados (animais ou figuras geométricas) foram data-

Grafismos enterrados, incisões e picoteados datados entre 9.000 e 7.000 anos. Lapa
do Boquete, Vale do Peruaçu, Minas Gerais. Foto: André Prous.

26 . ANDRÉ PROUS
dos pelo radiocarbono de vários momentos entre 2.800 e 4.400 anos
atrás em vários outros abrigos, no centro do estado. No Piauí, um gran-
de painel com representações de animais e uma plaqueta pintada com
figura humana estavam também recobertos por pisos milenares. Ao
longo de pelo menos oito milênios, uma grande quantidade de tradi-
ções e estilos sucederam-se no Brasil Central e Nordeste.

Em cada região percebe-se que os paredões naturais e a paisa-


gem foram utilizados de forma específica pelos moradores do local. Por
exemplo, na região de Arcos e de Pains (MG), mesmo havendo belos
suportes em abrigos de fácil acesso, os sítios com arte rupestre são
raros; e o número de figuras em cada um, muito reduzido. Em com-
pensação, dezenas ou centenas de grafismos aparecem nos painéis
pintados de Lagoa Santa (no centro do mesmo estado), e até milhares
de figuras surgem nos abrigos de Montalvânia, na região fronteiriça
entre Minas Gerais, Goiás e Bahia. No Vale do Rio Doce, os raros sítios
decorados encontram-se em altas serras e requerem grandes esforços
para serem visitados, enquanto os da região de Lagoa Santa costumam
ser facilmente alcançados.

Sítio da Serra do Cipó de Monta/vânia. Nota-se, à esquerda. o abrigo em meia en-


costa. Norte de Minas Gerais. Foto: André Prous.

Arte Pré-Histórica do Brasil· 27


As principais tradições do Brasil Central e Nordeste
A tradição Planalto
Encontramos essa tradição desde o norte do Paraná até o centro-
sul do estado de Tocantins, sendo que a região de maior ocorrência
corresponde aos cerrados e às regiões serranas do centro de Minas
Gerais (Lagoa Santa, Serra do Cipó, Alto Jequitinhonha, Serra do Ca-
bral, Montes Claros), onde suas figuras são sempre as mais antigas.

Caracteriza-se pela predominância visual (e muitas vezes quanti-


tativa) dos animais. Os cervídeos são as representações mais comuns,
mas, segundo as regiões e as épocas, há bastantes desenhos de peixes
e algumas figurações de onça, de tatu e de ave. Em certas regiões, os
cervídeos costumam estar cercados por pequenas figuras antropomor-
fas muito esquematizadas, eventualmente armadas com um dardo e que
parecem caçá-Ios: outros estão como presos dentro de uma grade. Em
casos excepcionais, há cenas de pesca ou peixes no meio de uma rede.
Associados ou não a essas representações figurativas, pode haver um
grande número de desenhos geométricos lineares em forma de grade,
de pente, ou ainda, conjuntos de pontos. Certos grafismos "geométri-
cos" podem ser, de fato, figurativos, tais como círculos com apêndice

Pinturas rupestres, realizadas em vários momentos entre 4.000 e 7.000 anos. Serra
do Cipó, t~in(]s Gerais. Foto: André Prous.

28 . ANDRt PROUS
Pinturas rupestres da tradição P/ana/to. Jaracussu, Minas Gerais. Foto: Acervo do
Setor de Arqueologia da UFMG.

superior, cheios de pontos - alguns dos quais parecem sair dele por
uma pequena abertura - que hoje acreditamos serem representações
de ninhos de abelhas ou marimbondos.

As figuras Planalto são normalmente monocrômicas e, segundo


os estilos, os animais apresentam o corpo chapado ou apenas contor-
nado e parcialmente preenchido por traços paralelos.

A tradição São Francisco


Esta tradição parece ter se dispersado ao longo do rio São Fran-
cisco, desde a região de Jequitaí-MG, penetrando os estados da Bahia,
de Goiás e Tocantins, alcançando talvez a Bolívia e influenciando par-
te do Piauí (Sete Cidades). Caracteriza-se por figuras geométricas ela-
boradas, muitas vezes bicrômicas ou policrômicas. Em certas regiões
e períodos, a temática inclui representações de armas (particularmen-
te propulsores e seus dardos) e objetos utilitários.

Com duração de vários milênios, apresenta uma série de fácies re-


gionais: em Minas, haveria uma no Médio Vale do Rio São Francisco (nor-
te de Minas Gerais e sudeste do estado da Bahia), outras no Alto Vale do

Arte Pré-Histórica do Brasil· 29


mesmo rio (região de Jequitaí) e outra, ainda, no Alto Rio Grande (Andre-
lândia), cada uma com uma evolução estilística própria. No Peruaçu, sur-
ge tardiamente o estilo Caboclo, cujas figuras complexas aparecem tam-
bém em certos sítios da Bahia; e os "cartuchos" (grandes figuras
elipsoidais bicrômicas); em Andrelândia são comuns as representações
de lagarto e os desenhos são mais lineares que no Peruaçu.

Pintura rupestre da tradição São Francisco. Estilo tardio (dito Caboclo).


Morro da Lapinha, Bahia. Foto: Loredana Ribeiro.

Pintura rupestre da tradição São Francisco. Estilo tardio (dito Caboclo).


Morro da Lapinha, Bahia. Foto: Loredana Ribeiro.

30 . ANDRÉ PROUS
Os grafismos "astronômicos"
No sul de Goiás (Serranópolis) e ao longo do curso alto-médio do
rio São Francisco (Montalvânia), no Alto Rio Grande (Andrelândia) e na
Bahia (Central), pinturas que parecem representar corpos celestes (sol,
lua, cometas, estrelas ...) associam-se a linhas em ziguezague, "grades",
pontos, representações de lagartos e, por vezes também, pássaros vo-
ando. Caracterizam uma unidade estilística reconhecida por M. Beltrão,
que a denominou sucessivamente "Astronômica" e "Cosmológica". Na
região de Montalvânia, os painéis mais típicos ocupam o topo de gran-
des elevações, decorando tetos que podem ser uma evocação do céu
- como já tinha notado P. Seda a respeito de sítios de Unaí. Algumas
dessas manifestações parecem corresponder mais a uma temática
que perpassa várias tradições (tal como a tradição São Francisco, no
Norte de Minas Gerais) que uma única tradição estilística, enquanto
outras (em Serranópolis, no Sul de Goiás, por exemplo), marcam real-
mente um momento preciso da decoração dos abrigos.

Grafismos astronômicos. Serra do Cipó de Montalvânia. Minas Gerais. Foto: Lo-


redana Ribeiro.

Arte Pré-Histórica do Brasil· 31


o Complexo Montalvãnia
Nas grutas de Montalvânia, conjuntos espetaculares de gravuras
e pinturas apresentam tanto temas eventualmente são-franciscanos
(propulsores e dardos) quanto figuras normalmente raras nessa tradi-
ção, e particularmente seres antropomorfos "agitados" - um tema que
lembra a tradição Nordeste, embora executado de forma muito dife-
rente. Esse fenômeno sugere uma síntese regional realizada a partir de
influências provenientes de várias tradições preexistentes.

Os temas mais numerosos, além das armas, são rastros humanos


(aos pares, ou alinhados), tartarugas, figuras biomorfas e antropomor-
fas contorsionadas, muitas vezes com longos membros ondulados e
interligados por traços retos e curtos, ou longe e divagantes ("ele-
mentos de ligação") característicos. Desta forma, essas manifesta-
ções foram agrupadas num Complexo Montalvânia por nossas cola-
boradoras L. Ribeiro e M. Silva.

Gravuras da Lapa de Posseidon. Complexo Montalvânia. Minas Gerais. Acervo Missão


Arqueológica Franco-Brasileira. Foto: Sidney Picasso.

32 . ANDRÉ PROUS
Pinturas da Lapa do Dragão. Complexo Montalvânia, Minas Gerais. Foto: Loredana Ribeiro.

A tradição Nordeste
Reconhecida inicialmente por N. Guidon na região de S. Raimundo
Nonato (Piauí), onde seria extremamente antiga, essa tradição é notável
pela quantidade de representações humanas. Encontram-se cenas de
sexo (cópula em várias posições, masturbação), de execução, de caça e
de rituais ao redor de uma árvore. Algumas dessas cenas estão sendo
interpretadas por alguns pesquisadores à luz dos rituais dos atuais índios
Fulnió: a árvore poderia ser a Jurema, que fornece uma substância alu-
cinógena; as cenas de "masturbação" seriam, na verdade, flagelação ri-
tual do pênis com uma planta urticante etc. As representações zoomor-
fas incluem um grande número de emas e de cervídeos, isolados ou
correndo em bando; em alguns abrigos aparecem porcos-do-mato, qua-
tis e até caranguejos de água doce.
A tradição Nordeste estendeu-se num vasto território que vai do
sul do Piauí até o Mato Grosso, passando por Goiás, infiltrando-se tar-
diamente em parte do território mineiro. A oeste, chega até o pé dos
Andes - na Bolívia, no Peru e na Colômbia Meridional.

Arte Pré-Histórica do Brasil, 33


Vários estilos e variantes foram definidos; no estilo (ou subtra-
dição) Seridó (RN), por exemplo, encontram-se cenas "familiares",
com um adulto parecendo entregar uma criança a outro, ou uma
ama chocando seus ovos no ninho, e as personagens apresentam
um bico parecido com o de uma ave. O estilo Serra Branca caracteri-
za-se pelo preenchimento geométrico dos corpos animais ou huma-
nos (que poderia até representar pinturas corporais). O complexo
Serra Talhada pode ser encontrado em S. Raimundo, no Peruaçu
(onde é muito recente) e, provavelmente, em Caiapônia (GO) e no
Mato Grosso; é caracterizado, nessas regiões, pela miniaturização
das figuras. As preocupações com a sexualidade e a reprodução
parecem fortes em certos estilos dessa tradição; na região de Lagoa
Santa (MG), os painéis do estilo Ballet (posterior à tradição Planalto
e aparentado ao Seridó) apresentam figuras humanas filiformes com
sexo bem marcado; no sítio epônimo, nota-se uma procissão de
mulheres, acima de um alinhamento de homens; ambas as filas diri-
gem-se para uma cena de parto. Enquanto as figuras costumam ser
pintadas em preto ou até em branco no estado de Minas Gerais, fo-
ram feitas em vermelho nas demais regiões. Talvez os conjuntos
reunidos sob a denominação geral de tradição Nordeste mereces-
sem ser divididos em várias tradições. Seria particularmente justifi-
cado para o estilo Seridó, que apresenta temas e técnicas muito ori-
ginais e ao qual se atribui uma idade bem mais recente que as
demais unidades estilísticas deste complexo gráfico.

Pinturas rupestres da tradição Nordeste. Cena de combate. Abrigo do


Cacique, Bahia. Foto: Loredana Ribeiro.

34 . ANDRÉ PROUS
Pinturas rupestres da tradição Nordeste. Representação de uma aldeia. Abrigo do
Cacique, 8ahia. Foto: Loredana Ribeiro.

A tradição Agreste
Típica do sertão nordestino, a tradição Agreste, particularmente
estudada por A. Aguiar e G. Martins, é caracterizada por figuras antro-
pomorfas e zoomorfas bastante toscas. São características do período
pós-Nordeste no Piauí e em Pernambuco - embora ambas pareçam ter
coexistido algum tempo. Alguns conjuntos dessa tradição ocorrem no
Norte e Centro de Minas Gerais, e no Sul de Goiás, onde são posteriores
às tradições Planalto e São Francisco.
As manifestações Agreste são bastante variadas e parecem res-
surgir em vários momentos. De fato, a definição dessa unidade estilística
é ainda muito imprecisa. Na sua versão mais característica, as figuras
Agreste aparecem isoladas ou formando pequenos conjuntos dominados
por uma ou duas grandes figuras antropomorfas (ditas "bonecões"),
eventualmente rodeadas por poucos grafismos zoomorfos ou pinturas ca-
rimbadas na parede - inclusive impressões de mãos - e conjuntos de
pontos. Homens e animais são geralmente desenhados toscamente, mas

Arte Pré-Histórica do Brasil, 35


apresentam detalhes característicos, como a cabeça radiada e pés repre-
sentados de maneira bastante naturalista (figuras humanas), sendo as
articulações do cotovelo e do joelho marcadas por círculos. As figuras
são monocrômicas (vermelhas no Sertão nordestino, geralmente brancas
na região de Montalvânia ou Serranópolis). Os grafismos Agreste costu-
mam inserir-se no meio de manifestações de outras tradições, sendo por
vezes difícil separá-Ios dos demais.

Procissão de mulheres (detalhe). Estilo Ballet da tradição Nordeste (posterior à tradição


Planalto). Lapa do Ballet, Minas Gerais. Foto: Acervo do Setor de Arqueologia da UFMG.

Figuras antropomorfas da tradição Agreste. Abrigo da Sucupi-


ra. Serra do Cipó, Minas Gerais. Foto: André Prous.

36 . ANDRÉ PROUS
Os leigos costumam acreditar que a arte pré-histórica existiu ape-
nas na Europa Ocidental; muitos livros didáticos reforçam essa crença
ao mencionar somente as grutas pintadas de Altamira, na Espanha, ou
de Lascaux, na França. No entanto, essa opinião é completamente er-
rada. É verdade que as representações figurativas mais antigas conhe-
cidas atualmente (mais de 30.000 anos) encontram-se na França, mas
isto decorre da maior intensidade das pesquisas nesse país. Vestígios
de arte paleolítica foram também encontrados na África do Sul (na
Namíbia, há pinturas datadas de cerca de 28.000 anos); ocorrências
possivelmente muito antigas estão sendo analisadas também na América
do Sul e na Austrália.

Outrossim, precisamos entender que as imagens que considera-


mos atualmente "obra de arte" foram geralmente, para seus criadores e
seus contemporâneos, formas ou objetos utilitários: contemplamos
uma Virgem barroca num museu como um objeto artístico; mas quem
a talhou elaborava um objeto de culto e não pensava fazer uma "obra-
prima"; quem a comprava a cultuava como suporte para sua fé e, muitas
vezes, como talismã para protegê-Ia durante as situações difíceis.

Obviamente, os homens da pré-história tinham também música,


dançavam, contavam histórias, porém essas formas artísticas não dei-
xaram vestígios para nós, da mesma forma que as pinturas realizadas em
suportes perecíveis.

Pinturas rupestres com mais de 30.000 anos. Gruta Chauvet. França. Foto: Jean Clottes.

10 . ANDRÉ PROUS

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