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Padrões brasileiros
Até que esse hiato entre a elaboração de uma legislação que regulamentasse e
estabelecesse padrões de funcionamento no País e o efetivo cumprimento, o setor
elétrico brasileiro se desenvolveu e consolidou. Da criação da primeira hidrelétrica
brasileira, a usina de Ribeirão do Inferno, na cidade de Diamantina, em Minas Gerais,
no ano de 1883, até a década de 1970, quando efetivamente os padrões se tornaram
modelos institucionalizados, muito aconteceu. Até as décadas de 1960 e 1970, a
utilização de determinada frequência elétrica, por exemplo, era definida pelas máquinas
usadas em cada empreendimento e não por um padrão nacional.
Cada interessado adotava o utilizado pelos países que vendiam os equipamentos. Assim,
foram estabelecidos os primeiros padrões estaduais. Quem comprasse máquinas
motrizes dos Estados Unidos para instalar em uma pequena usina geradora, que, no
início, também era distribuidora e transmissora, teria padrões diferentes daqueles que
adquirissem produtos alemães. As principais frequências em questão e que eram usadas
no Brasil eram a de 50 Hz e a de 60 Hz. Sendo, de modo geral, 60 ciclos o adotado
pelos americanos e 50 pelos europeus.
Mas isso não só aconteceu com a frequência. As tensões elétricas utilizadas dependiam
mais da instalação, do fornecimento da empresa elétrica e dos equipamentos que
utilizariam a fonte elétrica. Ambas as questões foram uniformizadas no Brasil na
segunda metade do século XX, quase 100 anos após o início do setor no País.
Primórdios
Em seguida, em 1883, a cidade de Campos dos Goytacazes, litoral norte fluminense, foi
a primeira cidade sul-americana a receber iluminação elétrica pública. O imperador
inaugurou naquele município uma máquina térmica acionadora por três dínamos com
potência de 52 kW, que era capaz de fornecer energia para 39 lâmpadas de duas mil
velas cada. Considerando que a lâmpada elétrica foi inventada por Thomas Alva Edison
em 1879, podemos perceber como o Brasil, de fato, era pioneiro na aplicação dessa
tecnologia e seus experimentos eram contemporâneos aos dos demais países
desenvolvedores de técnicas, equipamentos e conceitos relativos à eletricidade.
Mas a definição de padrões se fez mais importante só depois que a energia passou a ser
gerada no País em usinas, que ampliavam a capacidade produtiva e potencializavam a
distribuição. A primeira usina de geração hidrelétrica para uso privado também é de
1883. Ela, a Usina do Ribeirão do Inferno, aproveitava as águas do afluente do rio
Jequitinhonha, localizado na cidade de Diamantina, em Minas Gerais.
Assim, as máquinas tinham que estar preparadas para receber a tensão exata de
fornecimento, caso contrário, poderiam não funcionar e, inclusive, oferecer risco aos
usuários e deveriam estar também de acordo com a frequência elétrica correta. Como o
Brasil tem dimensões territoriais, até que isso se tornasse uma verdade no País, muito
tempo e trabalho foram necessários.
Frequência elétrica
A frequência elétrica é uma grandeza física que indica quantos ciclos a corrente elétrica
completa em um segundo. Se ela não for a correta, os equipamentos elétricos não
funcionam ou funcionam de modo inadequado. Quando as empresas de
O engenheiro Duílio Leite explica a origem dessas diferenciações: “sempre houve duas
frequências para o sistema de potência, 50 Hz na Europa e 60 Hz na América do Norte
(Estados Unidos e Canadá)”. A origem, no primeiro caso, conta Duílio, é que “os
europeus sempre pensaram no sistema métrico, múltiplos e submúltiplos de 10 (como
no caso do metro, decímetro, centímetro, etc.). Por isso, pensaram que o segundo deve
ter 100 meios ciclos ou 50 ciclos”, surgindo aí a definição da frequência em 50 Hz,
porque ela é dependente de tempo em segundos.
Por sua vez, “os americanos pensaram que, como a frequência depende do tempo e o
sistema do tempo sexagesimal é universal, a hora tem 60 minutos, o minuto tem 60
segundos, portanto, o segundo deve ter 60 ciclos. Parece lógico, não?”, questiona o ex-
diretor da divisão de potência do IEE/USP.
Mas não só dessas duas faixas de frequência vivia o mundo e, em especial, o Brasil. A
adoção de uma frequência para o intercâmbio energético dentro de um mesmo país era
imprescindível, mas como o Brasil é territorialmente muito grande, as faixas de
frequência adotadas até a metade do século XX eram diversas, como apresenta o livro
Energia elétrica no Brasil. Além da divisão entre 60 Hz e 50 Hz, havia cidades como
Curitiba, no Estado do Paraná, que adotava a frequência de 42 Hz. Outros exemplos da
pluralidade brasileira eram as cidades de Jundiaí, em São Paulo, e de Petrópolis, no Rio
de Janeiro, que utilizavam 40 Hz e 125 Hz, respectivamente.
A padronização
Essa necessidade de padronização de frequência ficou ainda mais clara quando o Grupo
Light decidiu interligar as usinas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Acontece que uma
parte estava em 50 Hz e a outra em 60 Hz. A solução provisória adotada foi a criação da
estação inversora de frequência de Aparecida, no Estado de São Paulo, mas próxima ao
Rio de Janeiro, para fazer a mudança da frequência de um estado para o outro. Ela
dispunha de um conversor de frequência com potência de 50 MW.
Dessa forma, é possível perceber que definitivamente não havia uma frequência
unificada no País. “A interligação dos diversos sistemas para um aproveitamento mais
racional de energia gerada exigiu uma solução definitiva para este problema da
unificação da frequência. Esta situação já trazia preocupações ao governo, desde 1954,
quando instituiu o Plano Nacional de Eletrificação”, relembra Brito.
O fato é que a frequência de 60 Hz tinha uma predominância cada vez mais acentuada
no País, notadamente em áreas de grande desenvolvimento industrial e econômico,
como São Paulo e outras cidades da região Centro-Sul. Este fator, entre outros, levou o
governo federal a adotar esta frequência como padrão. Foi então com a publicação, pelo
presidente Castelo Branco, da Lei nº 4.454, de 6 de novembro de 1964, que a frequência
de 60 ciclos por segundo foi adotada. A lei dispôs sobre a unificação de frequência da
corrente elétrica no País e dizia que o emprego de frequência seria progressivo, definido
pelo MME.
Influências
O engenheiro Duílio Leite lembra que, nesse período, “a escolha de padrão 60 Hz para o
Brasil foi pela predominância dos equipamentos industriais nessa frequência em todo o
país. Havia poucos aparelhos eletrodomésticos que usavam motores e o custo para os
usuários de energia era pequeno. Muitos funcionavam não tão bem em outra frequência,
mas o usuário não percebia”.
Quando foi estabelecida a lei que determinava a frequência brasileira tal como é hoje,
em 1964, o País vinha de um período de industrialização acentuada, do governo de
Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961, e acabaria por entrar em período conhecido
como Milagre Econômico, entre 1969 e 1973, durante o regime militar, quando o Brasil
experimentaria um período de grande crescimento econômico, puxado, mais uma vez,
pelas indústrias e pelo crescimento populacional.
Tensão
Em São Paulo, por exemplo, existiam três faixas de tensão: 208 V/120 V, na região
central da cidade, onde há uma instalação subterrânea; 230 V/115 V, o chamado sistema
híbrido; e 220 V/ 127 V. Nas regiões em que havia consumidores residenciais e
industriais na mesma área, a São Paulo Light adotava um sistema híbrido que fornecia
energia trifásica em 230 V e monofásica em 115 V ou 230 V. Nesse ponto, Duílio relata
que “os transformadores trifásicos ou bancos de transformadores monofásicos tinham
um ponto central em um dos secundários que não era o neutro. Deste enrolamento ou
deste transformador com ponto central saíam as alimentações para as residências e do
conjunto de transformadores (ou de um transformador trifásico) saíam as tensões
trifásicas para as oficinas e fábricas”.
Algumas fábricas recebiam, então, os dois sistemas: 230 V/115 V, para iluminação, e
230 V, trifásico, para as máquinas. Essas diversas faixas de distribuição, entretanto,
geravam confusão e alguns choques aconteciam. Especialmente quando uma pessoa
pegava um fio direto do trifásico (em 230 V) e um terra e aplicava a um novo circuito,
com cerca de 180 V entre fase e neutro. Isso gerava a queima de lâmpadas e de
pequenos aparelhos monofásicos.
Por conta disso, em muitas cidades, por escolha da distribuidora local, foram usadas as
soluções 220 V/110 V ou 220 V monofásico, 220 V/127 V ou ainda 208 V/120 V. Essas
diferentes faixas geravam para o consumidor comum residencial uma diferença na
duração e no rendimento das lâmpadas, além de redução da vida útil de funcionamento
dos eletrodomésticos. Só que alguns desses problemas não são percebidos pelas pessoas
leigas, não conhecedoras dos processos elétricos.
De acordo com o texto legal, ficou estabelecido que, para transmissão e subtransmissão
em corrente alternada, as tensões poderiam ser de 750 kV, 500 kV, 230 kV, 138 kV, 69
kV, 34,5 kV e 13,8 kV. Já para distribuição primária de corrente alternada em redes
públicas, as tensões padrões deveriam ser de 34,5 kV ou 13,8 kV; e, por fim, para
distribuição secundária de corrente alternada em redes públicas, poderiam ser 380 V/
220 V, 220 V/ 127 V, em redes trifásicas a quatro fios, três fases e um neutro, e 230 V/
115 V, em redes monofásicas a três fios.
A solução mais econômica encontrada pela Eletrobrás, de 380 V/ 220 V, era adotada na
Europa e foi adotada em muitos estados, “mas não se pode, de uma hora para outra,
trocar a tensão onde havia um número muito maior de consumidores, em São Paulo,
principalmente”, opina o engenheiro eletricista Duílio Moreira Leite.
energia elétrica, a alimentação depende da carga a ser atendida. Na maior parte do País,
nas residências, a ligação monofásica prevalece, na tensão de 127 V, como é o caso do
Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Belo Horizonte, Corumbá, Cuiabá, Curitiba, Foz do
Iguaçu, Porto Alegre, Salvador e Santarém. A tensão de 220 V é usada em Brasília,
Florianópolis, Fortaleza, Recife e São Luís”, pontua o ex-presidente da Light, José Brito
de Carvalho.
Isso porque, para ele, em lugares que há mais influência europeia e que, por isso,
antigamente adquiria-se mais equipamentos fabricados naquele continente, encontra-se
mais facilmente instalações de 220 V, já que é o modelo adotado em alguns países do
outro lado do Atlântico. Por outro lado, a instalação em 220 V é, em teoria, mais
econômica, por isso, é possível que esse tipo de sistema tenha sobressaído em regiões
em que há um percentual de pessoas mais pobres.
Por fim, hoje a Eletropaulo, concessionária que atende à cidade de São Paulo, vem
procurando substituir os sistemas 230 V/115 V por 220 V/127 V e em outras cidades do
Estado de São Paulo as companhias distribuidoras padronizaram aos poucos o 220
V/127 V.
As correntes elétricas
As primeiras experiências de
geração de energia elétrica foram
feitas por meio de corrente
contínua. Antes da instalação de
usinas geradoras, a fonte de
fornecimento da eletricidade
provinha de baterias e dínamos
elétricos. Estes são aparelhos que
geram corrente contínua
convertendo energia mecânica
em elétrica, através de indução
eletromagnética, enquanto
aqueles são dispositivos que
armazenam energia química e a
disponibiliza em forma de
energia elétrica.
“O Brasil tem a linha de mais alta tensão em corrente contínua – existe só mais uma no
mundo (em 600 kV) e certamente a de maior potência (metade da potência de Itaipu – a
que coube ao Paraguai). Está prevista outra linha também em 600 kV para mandar para
o sudeste a energia das usinas em construção no rio Madeira”, pontua o engenheiro
eletricista e ex-diretor da Divisão de Potência do Instituto de Energia e Eletrotécnica da
Universidade de São Paulo (IEE/USP) Duílio Moreira Leite.