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CAPÍTULO I

Introdução

deste Ensaio não é a liber


dade do querer, tão oposta
à doutrina mal denominada necessidade
e sim a liberdade civil ou a natu
reza e os limites do poder que a sociedade legitima
mente exerça sobre o indivíduo. Uma questão
raramente exposta, e quasi nunca discutida, em
tese, mas que influencia profundamente as
vérsias políticas da época, pela sua presença latente,
e na qual talvez se reconheça a questão vital do
futuro. Está tão longe de ser nova que, num
sentido, tem dividido a humanidade desde, quasi,
as mais remotas idades. Mas no estágio de pro
gresso em que as porções mais civilizadas ria es
pécie entraram agora, ela se apresenta sob novas
condições, e requer um tratamento diferente e
mais profundo.
A luta entre a Liberdade e a Autoridade é a
mais nítida das partes da história
com que mais cedo nos familiarizamos, particular
mente da história da Grécia, de Roma e da Ingla
terra. velhos tempos, porem, esse debate se
travou entre os súditos, ou algumas classes de sú
ditos, e o governo. Liberdade significava a pro
teção contra a tirania dos governantes políticos.
Os governantes eram concebidos (exceto em alguns
22 JOHN MILL

dos governos populares da Grécia) como


posição necessariamente antagônica ao povo por
eles governado. Consistiam ou numa única
que governava, ou numa tribu casta governante,
os quais derivavam a sua autoridade da herança
ou da conquista, jamais a exerceram de acordo com
a vontade dos e cuja supremacia os

jassem — nãocontestar,
se aventuravam talvez
fossem quais nemaso dese
fossem
cauções tomadas contra o seu exercício
deles era encarado como necessário, mas
como altamente como uma
arma que tentariam usar não menos contra os seus
súditos que contra os inimigos externos. Para
impedir que os membros mais fracos da
dade fossem pilhados por
fazia-se mister existisse um animal de presa mais
forte que os encarregados da guarda dos primeiros.
Como, porem, o rei dos abutres não seria menos
clinado a prear no rebanho que alguma das
menores, era manter-se numa per
pétua atitude de defesa contra o seu bico e as suas
garras. A finalidade, pois, dos patriotas consis
tia em pôr limites ao poder que ao governante se
toleraria exercesse sobre a comunidade. essa
limitação era o que entendiam por Foi
tentada de duas maneiras. Primeiro, pela obten
ção do reconhecimento de certas imunidades,
nhecidas por liberdades ou políticos, cuja
infração pelo governante se considerava quebra do
dever, tendo-se por justificada, então, uma resis
tência específica ou uma rebelião geral. Um se
gundo geralmente
no estabelecimento de freios pelos
quais o consentimento da comunidade, ou
algum
A 23

que se supunha representar os interesses da


mesma, se tornava para
alguns dos mais importantes poder domi
nante. Ao primeiro desses modos de limitação, o
poder dominante foi, na maioria dos paises da
Europa, mais ou menos compelido a se submeter.
mesmo não aconteceu com o segundo. E
guí-lo — ou, quando atingido em certo grau,
conseguí-lo mais completamente converteu-se,
por toda a no objetivo dos que amavam a li
berdade. Enquanto os homens se contentassem em
combater um inimigo por meio de outro, e em ser
governados por um senhor, comcondição de se
verem garantidos mais ou menos eficazmente contra
a sua opressão, não levariam as aspirações alem
desse ponto.
Um tempo chegou, contudo, no progresso dos
negócios humanos, em que os homens cessaram de
julgar uma necessidade da natureza que seus go
vernantes fossem um poder independente, de inte
resses opostos a eles. Pareceu-lhes muito melhor
que os vários magistrados do Estado fossem man
datários ou delegados seus, ao seu alve
drio. Só dessa parecia, poderiam ter uma
completa segurança de que os poderes governamen
tais não seriam objeto abusos em sua desvanta
gem. Paulatinamente, essa nova aspiração de
governantes eletivos e temporários se tornou a
matéria proeminente dos esforços do partido po
pular, onde este existisse, e invalidou, numa consi
extensão, os passos para limi
tar o poder dos governantes. Como prosseguisse a
luta por fazer o poder dirigente emanar da escolha
dos governados, algumas pessoas come
çaram a pensar que se havia uma importância
24 JOHN MILL

excessiva à limitação do poder em si.Isso (podia


parecer) um recurso contra governantes
interesses eram habitualmente opostos aos do
povo. que se fazia, agora, necessário era que os
governantes se identificassem com o povo, era que
o interesse a vontade deles o interesse e a
vontade da nação. A nação não carecia de se pro
teger contra a própria Não havia receio
da tirania dela sobre si mesma. Fossem os gover
nantes efetivamente perante ela, pron
tamente por ela, e a nação poderia ace
der em confiar-lhes um poder de que ela própria
ditaria o uso a ser poder era o próprio
poder da nação, concentrado, e numa conve
niente ao seu exercício. Esse modo de pensar, ou
melhor talvez — de sentir, tornou-se comum na
última geração do liberalismo europeu, na secção
continental qual ainda aparentemente predo
mina. Aqueles que admitem algum limite ao que
um governo legítimo faça (já a governos ilegítimos
não é extraordinário pleitear limites pois se quer
mais que isso — que não existam) constituem bri
lhantes exceções entre os pensadores políticos con
tinentais. Um tom análogo de sentimento poderia,
nessa época, dominar no nosso próprio país, se as
que, por um tempo, o
houvessem continuado inalteradas.
Mas, em matéria de teorias políticas e filosó
ficas, em matéria pessoas, o sucesso revela
defeitos e fraquezas que o insucesso poderia ter
ocultado à limitar
não observação. conceito
seu poder demesmo,
sobre si que o povo
podia
parecer axiomático quando o governo popular não
passava de um sonho, ou de algo que se lia ter exis
tido em algum do passado.
tal noção necessariamente perturbada por aber-
A 25

rações temporárias como as da Revolução Francesa,


as piores das quais foram obra de alguns usurpa
dores, e que, em todo caso, diziam respeito, não à
ação permanente de instituições populares, mas a
uma erupção súbita e convulsiva contra o despo
tismo monárquico e aristocrático. A tempo, con
tudo, uma república democrática a ocupar
uma grande porção da superfície do globo, e se
fez sentir como um dos mais poderosos membros da
comunidade das nações. governo eletivo e
tornou-se sujeito às
críticas que acompanham qualquer grande fato
existente. Percebia-se agora que frases como
e "o poder do povo sobre si pró
prio" não exprimiam o verdadeiro estado de coisas.
que exerce o poder não é mes
mo povo sobre quem o poder
não ê o governo de cada qual
por si mesmo, mas doo de cada qual por todo o resto.
praticamen
a vontade da mais numerosa e ativa
ou aqueles que logram êxito em se
aceitar como maioria. povo,
parte de si

A
pois, do poder do governo sobre os
víduos nada perde da sua importância quando os
detentores do poder são regularmente
perante a comunidade — isto é, perante o parti
do mais forte no seio desta. Tal visão das coisas,
que se recomenda tanto à inteligência dos pensado
res como à inclinação daquelas importantes
ses sociedade européia a cujos interesses, reais ou
a democracia tem não
26 JOHN STUART MILL

tem tido dificuldade em se estabelecer.


especulações políticas, a do maior
se inclue, hoje, entre os males
contra os a deve
Como outras tiran tirania do maior nú
mero foi, a princípio, e ainda é vulgarmente, en
carada com terror, principalmente quando opera
intermédio dos atos das autoridades públicas.
Mas pessoas refletidas perceberam que, no caso de
ser a própria sociedade o tirano — a sociedade co
letivamente ante os indivíduos separados que a
compõem seus processos de tirania não se res
tringem aos atos pelas mãos de seus
funcionários políticos. A sociedade pode executare
;.e, se ela
datos errôneos ao envés de certos, ou mandatos
relativos a coisas nas quais não deve intrometer-se,
tirania social que muitas
formas de desde que, embora não
ordinariamente nas mesmas penalidades
que deixa, entretanto, me
nos meios de fuga que elas, penetrando muito mais
profundamente nas particularidades da vida, e es
cravizando a própria alma. A proteção, portanto,
contra a tirania do magistrado não basta. Impor
ta ainda o amparo contra a tirania da opinião e
do sentimento contra a da
sociedade para impor, por outros meios alem das
penalidades civis, as próprias idéias e práticas como
regras de conduta, àqueles que delas divergem,
para refrear e, se prevenir a formação de
individualidade em com
seus rumos, e compelir todos os caracteres a se
plasmarem sobre o modelo dela própria. Há um
A LIBERDADE 27
limite à legítima interferência da opinião coletiva
com a independênci a individual. E achar esse li
mite, e contra as usurpações, é
tanto a uma boa condição dos negócios huma
nos à proteção contra o despotismo político.
Mas, apesar da de se contes
tar, em tese, essa proposição, a questão prática de
onde colocar esse limite — como fazer o ajusta
mento apropriado entre a independência
dual e o controle social, é matéria na qual quasi
nada está feito. Tudo que faz a existênciavaliosa
a está na dependência da força das restri
ções à atividade alheia. Algumas regras de con
duta, pois, devem ser impostas, pela lei em pri
meira plaina, e depois pela opinião quanto a mui
tas coisas inadequadas à regulamentação legal.
Quais devam ser essas regras é o principal proble
ma nos negócios humanos. Mas, se excetuamos
alguns poucos
que menos casos de apresentam
progressos maior evidência, é um dos
no encaminha
mento de sua solução. Não há duas épocas, e di
ficilmente haverá dois que o tenham re
solvido de maneira igual — a solução de uma épo
ca ou país espanta outra épocaou país. E o povo
de uma época dada ou de um dado país não sus
peita da existência de nenhuma dificuldade no as
sunto, se se tratasse de matéria sobre a qual
os homens sempre tivessem estado deacordo. As
regras em uso no seu meio parecem-lhe evidentes
e por si mesma. Essa ilusão quasi
universal é um dos exemplos da influência mági
ca do costume, o qual não é somente, como diz o
provérbio, uma segunda natureza, mas ainda é
continuamente pela primeira natureza.
28 JOHN STUART MILL

efeito do costume, de evitar qualquer dúvida sobre


as regras de conduta que os homens impõem à ati
vidade alheia, é o mais completo possivel por
tituir assunto no qual, geralmente, não se
sidera necessário apresentar razões, quer aos
outros, quer a si mesmo.
— e foi encorajado nessa
à qualidade de filósofos — que
assuntos dessa
que razões,
Q que conduz às
opiniões sobre a regulamentação da conduta hu-
de,
pessoa, de que todos seriam solicitados a
ela, e de que aqueles com quem ela simpatiza,
ao. agirem, tais opiniões.
na verdade, reconhece no que o seu crité
rio julgamento é a sua preferência. Entre
tanto, uma opinião em matéria de conduta que não
se alicerça em razões, só pode ser tida como uma
preferência pessoal. E se as razões, porventura
dadas, constituem um mero apelo a preferência
análoga sentida por outras pessoas, trata-se ain
da tão somente de preferência de muitos ao en
vés de preferência de um só. Para um homem co
mum, todavia, sua própria preferência, assim fun
damentada, é não apenas uma razão cabalmente
satisfatória, mas ainda a única que, em regra, ele
admite para quaisquer de suas noções de mora
lidade, consignadas
mente gosto e decoro, quecredo
no seu não estejam
religioso.expressa
E
ademais, seu principal guia na inter
pretação deste. Nessa as opiniões
dos homens sobre o e o são
afetadas por todas as múltiplas causas que
SOBRE A

os seus desejos relativos à conduta


numerosas como as que determinam
quaisquer outros desejos seus. Algumas vezes a
sua razão — em outros tempos os seus preconcei
tos, ou superstições, muitas vezes seus afetos
não poucas vezes os antissociais, a inveja ou
o a arrogância
mente os desejos ou
ou otemores
orgulho, porem
egoistas, mais
seus leco
ou ilegítimos interesses próprios. Onde
haja uma classe dominante, uma grande parte da
moralidade nacional emana dos seus interesses de
classe e dos seus sentimentos de superioridade de
As relações de moralidade entre espartanos
e ilotas, plantadores e negros, príncipes e súditos,
nobres e vilões, homens e mulheres, foram, na sua
maior parte, criação desses sentimentos e interes
ses de classe. E os sentimentos assim gerados re
agem sobre os sentimentos morais da classe domi
nante nas suas relaçõesinternas. Quando, de outro
lado, uma classe formalmente dominante perde a
ascendência, ou quando essa ascendência é
pular, os sentimentos morais que prevalecem, tra
zem um cunho de impaciente aversão à superiori
dade. Outro grande princípio determinante das
regras de conduta, positiva ou negativa, imposto
pela lei ou pela opinião, é o servilismo dos homens
para com. as supostas preferências ou aversões dos
seus senhores temporais ou dos seus deuses. Esse
servilismo, ainda que essencialmente
hipocrisia. Dá origem a sentimentos perfeita
mente de ódio. Levou à fogueira
gicos e heréticos. Em meio a tantas influências
importantes, os interesses gerais e óbvios da
sociedade representaram um papel — e um grande
30 JOHN MILL

papel — direção dos sentimentos morais. Me


nos, todavia, sob um aspecto e por sua
própria conta, do que sob a forma de simpatias ou
antipatias que deles brotam. E simpatias ou an
tipatias que pouco ou nada a ver com tais
interesses, se fizeram sentir com igual força no es
tabelecimento de regras morais.
As aversões da sociedade, ou de
alguma poderosa parte dela, constituem, assim, a
principal determinante das normas para
observância geral, sob as penalidades da lei ou da
opinião. E aqueles que se adiantaram, nos seus
pensamentos e sentimentos, sobre a sociedade, em
regra não se ergueram contra essa condição das
coisas em princípio, por mais que se tenham posto
em conflito com ela em algumas das suas minúcias.
Preocuparam-se
ciedade mais em
devia estimar indagar que
ou aborrecer, docoisas
que ema so
in
quirir se as preferências ou aversões dela deviam
lei para os indivíduos. Preferiram ten
tar a transformação dos sentimentos humanos
quanto às particularidades nas quais eles próprios
agiam heréticos, a fazer causa comum, em
defesa da liberdade, com os heréticos em geral.
único caso em que o mais alto baluarte foi con
quistado desde o princípio, e mantido com solidez,
não apenas por um ou outro indivíduo e
foi o da crença religiosa. Caso instrutivo sob mui
tos aspectos, dos quais não é o menos importante
o de oferecer um exemplo da falibilida
de do chamado senso moral. o
logicum", num devoto é um dos mais ine
quívocos casos de sentimentomoral. Os que pri
meiro quebraram o jugo da que se dizia Igreja
A LIBERDADE 31

Universal, inclinavam-se, em regra, tão pouco a


permitir divergências de opinião religiosa como
aquela mesma Igreja. Quando, entret anto, o ar
dor do conflito arrefeceu, sem vitória decisiva para
qualquer das partes, e cada igreja ou seita se achou
reduzida a limitar suas esperanças à posse do ter
reno já por ela ocupado, as minorias, verificando
que não tinham probabilidade de passar a maiorias,
se viram na necessidade de pleitear permissão para
divergir, junto àqueles que não tinham podido con
verter. Dessa maneira, foi quasi tão somente nes
se campo de luta que os direitos do indivíduo
contra a sociedade se assentaram em largas bases
de princípio, e que a pretensão desta de exercer
autoridade sobre os dissidentes se viu abertamen
te discutida. Os grandes escritores, a que o mun
do deve o que possue de liberdade religiosa,
maram, as mais das vezes, a liberdade de
cia como um direito e negaram termi
nantemente que um ser humano devesse prestar
contas aos outros, de sua crença religiosa. Toda
via, é tão natural na humanidade a intolerância
no que que realmente a preocupe, que a liber
dade religiosa tem sido, por toda a parte, dificil
mente realizada na prática, exceto onde a indife
rença que detesta ter sua paz perturba
da por disputas teológicas, lançou o seu peso no
prato da balança. espírito quasi todas as
pessoas
tes, religiosas,
o dever mesmo nos
da tolerancia mais com
é admitido toleran
tácitas
reservas. Uma pessoa pode suportar divergências
em assuntos de governo da igreja, mas nãodog
ma outra pode tolerar qualquer um, desde que não
se trate de papista ou uma terceira ad-
32 JOHN

os que creiam numa verdade al


guns poucos estendem sua benevolência alem, mas
param na crença em um Deus e numa vida futura.
Onde quer que o sentimento da maioria seja ainda
e intenso, verifica-se que pouco renunciou
da pretensão a ser obedecido.
Na Inglaterra, por circunstânciaspeculiares à
nossa história política, enquanto o jugo da opinião
talvez seja mais pesado, o da lei é mais leve, do
que em muitos outros da Europa. E há
hostilidade à interferência direta do
poder legislativo ou executivo na conduta privada.
Não tanto em virtude de uma justa preocupação
pela independência individual, quanto por força do
hábito, ainda subsistente, de encarar o governo co
mo representante de um interesse oposto ao
co. A maioria ainda não aprendeu asentir o
der governamental como o seu próprio poder, ou
as opiniões
opiniões. governamentais
Quando assim se der,como as suas
a liberdade próprias
indivi
dual verá provavelmente tão exposta às incur
sões do governo, como hoje ainda se vê às da opi
nião pública. Por enquanto, porem, há uma con
soma de sentimento pronto a se mobilizar
contra toda tentativa lei de controlar os indi
víduos naquilo em que não estavam acos
tumados a ser controlados por ela. E isso quasi
sem distinguir se se trata de assunto pertinente à
legítima esfera do controle da lei, ou não, de mo
do que o sentimento, altamente salutar em geral,
tem tanto fundamento nos casos próprios de sua
aplicação, quanto é muitas vezes desviado destes.
Não existe, de fato, um princípio aceito pelo qual
a propriedade ou impropriedade da interferência
SOBRE A LIBERDADE 33

governamental seja habitualmente julgada. po


vo decide por preferências pessoais. Alguns há
que, vendo um bem St SG faz er ou um mal a se
corrigir, espontaneamente, o gover
no a empreender a enquanto outros quasi
preferem arrostar qualquer soma de perigo social
a acrescentar mais uma às esferas de interesses
sociais sujeitas ao controle governamental. E os
homens se colocam, nos caos concretos, dum ou
doutro lado, conforme essa direção geral dos seus
sentimentos, ou segundo o grau de interesse que
sentem pela coisa particular que se propõe seja
feita pelo governo, ou de acordo com a crença por
eles nutrida de que o governo a fará, ou não, da
forma por eles preferida. Mas muito raramente
conformidade de uma opinião solidamente
aceita, relativa ao que constitue o objeto adequa
do da
no atividade
presente, emgovernamental. Efalta
virtude dessa parece-
demuma
e que,regra
ou princípio, um lado erra tanto quanto o outro.
A interferência do governo é, com frequência apro
ximadamente igual, impropriamente invocada e
impropriamente condenada.
objeto deste Ensaio é defender como indi
cado para orientar de forma absoluta as interven
ções da sociedade no individual, um princípio
muito simples, quer para o caso do uso da força
física sob a forma de penalidades legais, quer para
o da coerção moral
esse em queda opinião
a únicapública. Consiste
cativa interferência dos homens, individual e
na liberdade de ação de outrem,
a único propósito com o qual
se legitima o exercício do poder sobre algum
34 JOHN MILL

bro de uma comunidade civilizada contra a sua


vontade, é impedir dano a outrem. próprio bem
do individuo, seja material seja moral, não
tue justificação suficiente. Q indivíduo não pode
legitimamente ser compelido a fazer ou de
fazer alguma coisa, porque tal seja para
ele, porque tal
tal o faça maisoufeliz, porque,
sábio na boas
Essas são opinião
razões para o admoestar, para com ele discutir,
para o persuadir, para o aconselhar, mas não para
o coagir, ou para lhe infligir um mal caso aja de
outra forma. Para justificar a coação ou a pena
lidade, faz-se mister que a conduta de que se quer
desviá-lo, tenha em mira causar dano a outrem.
A única parte da conduta por que respon
de perante a sociedade, é a que concerne aos
outros. parte que diz respeito unicamente a
ele próprio, a sua independência é, de direito, ab
soluta. Sobre si mesmo, sobre o seu próprio cor
po e espírito, o indivíduo é soberano.
Talvez seja desnecessário dizer que essa
doutrina pretende aplicar-se somente aos seres
humanos faculdades maduras. Não nos referi
mos a crianças ou a jovens abaixo da idade fixada
pela lei para a emancipação masculina ou
Aqueles cuja condição requer ainda a assistência
alheia, ser protegidos contra as suas pró
prias ações da mesma forma que contra as in

júriasfora
xar alheias. Pelo mesmo aqueles
de consideração motivo, estados
podemos sociais
dei
atrasados nos quais o próprio grupo pode ser tido
como ainda na minoridade. São tão grandes as
dificuldades que surgem na via do progresso
espontâneo, que raramente se tem a possibilidade
A LIBERDADE 35
de escolher os meios para superá-las. E um go
vernante animado do espírito de aperfeiçoamen
to é justificado de usar quaisquer expedientes para
atingir um fim talvez de outra maneira
vel. despotismo é um modo legítimo de gover
no quando se lida com bárbaros, uma vez que se
vise o aperfeiçoamento destes, e os meios se jus
tifiquem pela sua eficiência atual na obtenção des
se resultado. princípio da liberdade não
aplicação a qualquer estado de coisas anterior ao
tempo em que a humanidade se tornou capaz de se
nutrir da discussão livre e igual. Até tal momen
to só lhe cabe a obediência cega a um Akbar ou
um Magno, se teve a fortuna de o encon
trar. Desde o instante, todavia, em que os ho
mens atingiram a capacidade de se orientarem
para o próprio aperfeiçoamento pela convicção ou
pela persuasão (instante já há bastante tempo al
cançado em todas as nações com que precisamos
preocupar-nos a coação, quer na forma di
reta, quer na de castigos ou penalidades por re
beldia, passou a ser como método de
consecução do próprio bem individual, sendo jus
apenas quando tem em mira a segurança
alheia.
firme eu que renuncio a qualquer
vantagem advinda para a minha argumentação da
idéia de direito abstrato, como algo independente
da utilidade. Eu encaro a utilidade como a úl
tima instância em tod questões éticas, mas
utilidade no seu mais largo sentido, a utilidade
baseada nos interesses permanentes do homem
ser progressivo. Esses interesses,
autorizam a sujeição da espontaneidade individual
36 JOHN

ao controle exterior somente quanto àquelas ações


de cada um que concernem ao interesse
Se pratica um ato lesivo a outrem, é
se, um caso para pela lei
ou, onde penalidades legais não sejam seguramen
te pela reprovação geral. Existem
muitos atos positivos em benefício alheio que
o indivíduo pode legitimamente ser compelido a
praticar — tais como depor num tribunal, supor
tar a sua parte na comum, ou em
qualquer outro trabalho coletivo necessário ao
teresse da sociedade cuja proteção goza; e execu
tar certos atos de beneficência individual, tais
como salvar a vida de um semelhante, ou inter
vir para proteger o indefeso contra o abuso —
coisas essas que, sempre que dever de um homem
seja patentemente fazê-las, pode ele legitimamen
te ser responsabilizado perante a sociedade por
não
não fazer. Uma
apenas pessoa
pelas suas pode causar
ações, masdano a outra,
ainda pela sua
inação, e em ambos os casos é justo responda para
com a outra pela injúria. segundo caso, é ver
dade, requer um exercício muito mais cauteloso
da coação que o primeiro. Eesponsabilizar
por lesar outrem, é a responsabilizá-lo por
não impedir a lesão é, comparativamente falan
do, a exceção. Há, contudo, m uitos casos de cla
reza e gravidade suficientes para justificar essa
Em. tudo que diz respeito às relações
externas do indivíduo, este é, "de respon
para com aqueles cujos interesses são inquie
tados, e, se necessário, perante a sociedade na
qualidade de protetora destes. Existem frequen
temente boas não o chamar à respon-
SOBRE A LIBERDADE 37

Mas elas devem das con


veniências específicas do ou porque o caso
é daqueles em que o indivíduo deixado à sua pró
pria age do que controlado de al
guma maneira pelo poder da ou por
que a tentativa de exercício do controle produzi
ria danos maiores que os que se deseja prevenir.
Quando razões tais impedem a responsabilização,
a do próprio autor deveria
~se ao julgamento ausente e amparar os interesses
alheios desprovidos de proteção externa, senten
ciando o mais rigidamente por isso mes
mo que o caso não tolera a responsabilidade ante
o julgamento dos semelhantes.
Há, porem, de ação qual so
enquanto distinta do indivíduo, se
interesse tem, tem-no unicamente indireto — e é
a que compreende toda essa parte da vida e
conduta de uma pessoa que afeta apenas a ela, ou,
se aos outros, somente com o livre, vo
luntário e esclarecido consentimento desses outros.
Quando digo — a quero dizer
diretamente e em primeira pois o que
quer que seja que afete uma pessoa, pode afe
tar os outros através dela. E a objeção que se
pode fundar nessa contingência, será apreciada
depois. Tal esfera é liber
dade humana.
íntimo da conciência, exigindo de

de e de sentir, liberdade de opi


sobre quaisquer assuntos,
práticos, especulativos, morais ou
A liberdade de exprimir e publicar
38 JOHN STUART

opiniões pode parecer que cai sob um princípio di


ferente, uma vez que pertence àquela parte da
conduta individual que concerne às outras pessoas.
Mas, sendo quasi de tanta importância como a
própria liberdade de pensamento, e repousando,
em grande parte, sobre as mesmas razões, é pratica
mente dela. Em segundo o
cípio.
vida para seguirmos
agir como
às consequências
sem da parte dos nossos semelhantes
enquanto o que. fazemos não. ainda
que a nossa conduta louca, perversa
ou errada. de.
cada dentro
mesmos de associação entre os

envolva unirem qualquer


que as pess
oas associa
sejam ,e. tenham cons

sociedade é livre, qualquer que seja


a suaforma.de governo, se não respeitam,
em essas E nenhuma
livre se
forem e sem A única liber
dade que merece o nome, é a de procurar o pró
prio bem pelo método próprio, enquanto não ten
tamos
dir seus esforçosos outros doCada
para que qual
é seu,
é oou impe
guar
dião conveniente da própria quer corporal,
quer mental e espiritual. Os homens mais
a ganhar suportando que os outros vivam como
7

LIBERDADE

parece do que os obrigando a viver


bem parece ao resto.
Embora essa doutrina não seja nova, e para
pessoas tenha o ar de um axioma, não
existe doutrina mais diretamente oposta à tendên
cia geral da opinião e da prática correntes. A
sociedade expendeu amplamente tanto esforço na
tentativa (conforme aos seus pontos de vista) de
compelir o povo a se adaptar às suas noções de ex
pessoal quanto às de excelência social.
repúblicas antigas julgaram-se autorizadas a pra
ticar, e os antigos filósofos apoiaram, a regula
mentação de todos os aspectos da conduta privada
pela autoridade pública, com o fundamento de que
o Estado tem profundo interesse em toda a dis
ciplina corpórea e mental cada um dos
Ess.e modo de pensar se podia admitir
em pequenas repúblicas rodeadas de inimigos po
derosos,
tidas por em
umperigo
ataqueconstante de uma
externo ou se verem subver
comoção in
testina. Ademais, para elas, um curto intervalo
de relaxamento de energia e de po
ser tão facilmente fatal que não lhes era pos-
esperar pelos salutares efeitos permanentes
da liberdade. No moderno, o maior tama
das comunidades políticas e, acima de tudo,
a separação entre a autoridade e a tem
poral (que colocou a direção em
mãos diferentes das que controlam os negócios
mundanos), muito obstaram uma interferência da
lei nas particularidades da vida privada. Os me
canismos da repressão moral sido, porem, ma
nejados contra a divergência da opinião dominan
te nas matérias pessoais com mais tenacidade que
40 JOHN MILL

nas matérias sociais. Tanto mais que a


o mais poderoso dos elementos formadores do sen
timento moral, tem sido, quasi sempre, governada
ou pela ambição de uma que procura
controlar todos os aspectos da conduta humana, ou
pelo espírito puritano. E alguns dos reformadores
modernos que se colocaram em mais forte oposi

às religiões
igrejas ou seitas do
na passado, não
afirmativa doficaram
direito atrás das
de domi
nação espiritual. Particularmente, cujo
sistema social, o desenvolveu no seu
de Politique Positive", visa estabelecer (ainda
que preferindo os meios morais aos legais) um des
potismo da sociedade sobre o indivíduo que ul
trapassa, qualquer coisa sonhada no ideal políti
co do mais rígido puritano entre os filósofos an
tigos.
Aparte os dogmas peculiares e pensadores iso
lados, existe ainda, no mundo, em geral, uma in-
crescente a extender indevidamente os po
deres sociais sobre o e pela da opi
nião e pela força da lei. E, como a tendência de
todas as transformações que se estão operando no
mundo, é a sociedade e diminuir o po
der do indivíduo, essa usurpação não é dos peri
gos que propendam espontaneamente a desapare
cer, e sim a crescer formidavelmente cada vez mais.
A disposição dos homens, governantes, quer
concidadãos, para impor as suas próprias opiniões
ou inclinações, regras de conduta, aos outros,
é tão energicamente sustentada por alguns dos
melhores e dos sentimentos encon
na natureza humana, que quasi nunca se
contém a si mesma, a não ser por falta de poder.
A LIBERDADE 41

E, este não está declinando, e sim ascenden


do, a menos que uma forte barreira de convicções
morais se levante contra o mal, o que devemos
aguardar, nas presentes circunstâncias do mundo,
vê-lo crescer.
à argumentação que, ao de
entrarmos de uma vez, na tese geral, nos confine
mos,
qual ono primeiro
princípio pormomento,
nósposto aé um aspecto
reconhecido,isolado,
se não no
inteiramente, pelo menos até certo ponto, pelas opi
niões correntes. Esse aspecto é a liberdade pen
samento, da qual são as liberdades
cognatas, defalar e escrever. Embora essas liber
dades, numa porção façam parte da
moralidade política de todos os que
sam tolerância religiosa e instituições livres, os
damentos, tanto o filosófico como o prático, sobre
que elas talvez não sejam familiares ao
espírito geral, nem apreciados por muita gente, mes
mo líderes da opinião, na medida em que se podia
esperar. Tais fundamentos, quando entendidos
com justeza, são muito alem deuma úni
ca divisão do assunto, e uma completa considera
ção dessa parte do problema a melhor
introdução ao resto. Espero, pois, que aqueles
para quem nada do que vou dizer será novo, me
perdoem se me aventuro em mais discussão,
num assunto tantas vezes discutido nos últimos três
séculos.
CAPÍTULO II

Da liberdade de pensamento e
discussão

de se esperar chegado o tempo em que


E
>

não se faz necessária defesa da


berdade de imprensa", como uma das
contra os governos tirânicos e corruptos.
supor seja qualquer argumento
a permissão de uma legislatura um executivo,
de interesses não identificados com os do povo,
prescrever opiniões a este, e determinar que doutri
nas ou que argumentos lhe será concedido
esse aspecto do problema foi objeto de
tantas e tão triunfantes demonstrações da parte
dos escritores precedentes, que não carece in
sistir-se nele. Embora a lei inglesasobre a impren
sa seja tão servil hoje como o era no tem
po dos Tudors, é pequeno o perigo de ser ela atual
mente utilizada contra a discussão política, salvo
no momento de algum pânico transitório, quando o
medo da insurreição leva ministros e juizes à perda
do decoro (1). E, de maneira geral, não

Estas palavras apenas tinham escritas quando, como


para lhes dar um enfático desmentido, surgiu o governo dos pro
cessos contra a imprensa de 1858. Essa mal apreciada interferên
cia na liberdade de discussão não me induziu, todavia, a
modificar uma única palavra no texto, nem, de forma alguma, aba-
A LIBERDADE 43
é de se temer, em paises que o
verno, quer seja plenamente ante o po-
quer não, tente controlar com a ex
pressão do pensamento, salvo se, assim fazendo, ele
age como da intolerância geral do público.
Suponhamos, pois, que o governo esteja em inteira
com o povo, e nunca pense em exercer
qualquer poder coercitivo senão de acordo com o
que lhe parece a voz deste. Eu nego, porem, o di
reito do povo exercer essa coerção, por si mes
mo ou pelo seu governo. Tal poder é ilegítimo em
si. governo não tem a
ao do pior. É tão ainda nocivo,
exercido de com a opinião pública,
do Se todos os homens me

lou a minha convicção de que, excetuados momentos de pânico, a


era dos castigos e penalidades por políticas passou no
nosso pais. Porque, em lugar, não se persistiu nos processos,
e, em eles foram, para falar com propriedade, proces
sos políticos. A ofensa não a de atacar as institui
ções, ou os atos ou as pessoas dos governantes, mas a de pôr em
circulação o que se uma doutrina imoral, a da legitimidade
do
Se os argumentos deste capítulo valem alguma coisa, deve
existir a mais ampla liberdade de professar e discutir, como
ria de convicção ética, qualquer doutrina, ainda que considerada
imoral. Seria, pois, irrelevante e deslocado examinar aquí se a
doutrina do tiranicidio merece esse Eu me conten
tarei com dizer o assunto foi, em todos os tempos, uma das
abertas de que o ato de um cidadão parti
cular abater um criminoso que, pondo-se acima da lei, se colocou
fora do alcance da punição ou do controle legal, tem sido julgado
por nações e por alguns dos melhores e mais sábios ho
mens, não um crime, mas um ato de elevada virtude; e que, certo
errado, ele não é da natureza do assassínio, mas da da guerra
Assim sendo, sustento que a instigação ao tiranicidio pode,
num caso específico, ser objeto de pena, mas só se um ato franco
a seguir, e se se possa estabelecer uma conecção, ao menos pro
entre o ato e a Ainda aí, não será um governo
estrangeiro, mas o próprio governo visado, o único que pode, no
exercício da sua auto-defesa, punir legitimamente os ataques diri
gidos contra a sua existência.
44 JOHN

nos um opinião, e um único da opi


nião contrária, a humanidade não teria mais direi
to a impor silêncio a esse um, que ele a ca
lar a humanidade, se tivesse esse poder.
uma um bem pessoal sem valor
se ser impedido no gozo desse bem
tuisse simplesmente injúria privada, faria di
ferença que o dano fosse infligido a poucos ou a
muitos. Mas o mal específico de
pressão em
a posteridade tanto quanto as gera
aqueles que dissentem da opinião
mais que os que a sustentam. Se a opinião
certa, aquele privado oportunidade tro
car o erro pela se errônea, perdeu o que
um bem de quasi tanto valor a per
cepção mais clara e a impressão mais viva da ver
produzidas pela sua colisão com o erro.
É necessário considerar separadamente essas
duas hipóteses, a cada uma das quais corresponde
um ramo distinto argumentação.
mos estar seguros de. opinião que.
seja estivéssemos seguros, su
seria ainda um mal.
Primeiramente, a opinião que se tenta
mir por meio da talvez seja verdadeira.
Os que desejam negam, sem dúvida, a
sua verdade, mas eles não são Não
autoridade para decidir a questão por toda
a humanidade, nem paraNegar
do julgamento. excluir os outros
ouvido a uma das
opinião porque se esteja certo de que é falsa, é
presumir que a certeza seja o mesmo que
certeza Impor silêncio a uma discussão
SOBRE A UBERDADE

é sempre arrogar-se Pode-se


a condenação dessa atitude repouse sobre
argumento vulgar, não o pior por ser vulgar.
Infelizmente para o bom senso do gênero hu
mano, o fato da sua falibilidade está longe de ter no
prático dos o peso sempre se lhe
concede em teoria. Pois que, embora cada um sai
ba bem, no seu íntimo, que é poucos acham
necessário tomar quaisquer precauções contra a
própria falibilidade, ou admitir que alguma opi
nião de que estejam certos, possa ser um exemplar
do erro a que se reconhecem expostos. Os prínci
pes absolutos, ou outras pessoas acostumadas a uma
deferência sem limites, sentem, em regra, essa
completa confiança em suas opiniões, em quasi to
dos os assuntos. Pessoas melhor colocadas para
verem a matéria, pessoas que algumas vezes
as suas opiniões discutidas, mas que não estão in
teiramente deshabituadas a se verem atribuir ra
zão quando se acham no erro, confiam da mesma
ilimitada naquelas de suas opiniões que são
partilhadas por todos ao seu redor, ou por todos
a que habitualmente prestam deferencia. Isso por
que um homem descansa, em regra, com tácita
na proporção da falta desta no próprio
zo isolado, na infalibilidade do em
E o mundo, para cada indivíduo, significa aquela
parte do mundo com a qual tem contacto —

seseu partido,
social. a sua
Quasi igreja,
se pode a sua seita, a sua clas
chamar,
de liberal ou de espírito largo àquele para quem
mundo significa algo tão compreensivo como o seu
país ou a sua época. E a sua fé na autoridade
letiva não se abala, em absoluto, por vir a saber
que outras seitas, classes e partidos
pensaram, e ainda boje pensam, o
contrário. Ele lança sobre o seu mundo a respon
sabilidade pela justeza de suas opiniões ante
outros mundos divergentes. E jamais o. perturba

que um mero
numerosos acidente
mundos seja tenha decidido
o objeto da suaqual desses
Como não o perturba que as mesmas que
fizeram anglicano em Londres, o poderiam ter fei
to budista ou em Contudo,
isso é tão por si mesmo quanto é certo que
as épocas não são mais infaliveis que os indivíduos
cada época tendo adotado muitas opiniões que
as époeas seguintes consideraram nãofalsas co
mo ainda e que muitas opiniões, agora
gerais, serão rejeitadas no futuro, como muitas,
outrora gerais, o foram no presente.
A esse argumento talvez se objetasse o que se
segue. Quando se a
não arroga maior infalibilidade do que em
ato pública
çado sob o seu exclusivo critério e
discernimento é dado aos homens para
o usem. Porque possa ser usado erroneamente, de
ve-se que não o usem em absolutoQuan
do, pois, eles o que consideram
não pretendem que sejam isentos de erro, mas ape
nas cumprem o dever, que lhes incumbe, dese
gundo suanossas
segundo criteriosa convicção.porque
convicções Se nunca
podem ser erra
das, deixaríamos os nossos interesses descurados
não executaríamos nenhuma das nossas obrigações.
objeção à conduta em geral, pode
não ser válida em algum caso Os go-
LIBERDADE 47

e os indivíduos devem formar as opiniões


mais verdadeiras formá-las cuidadosa
mente,e jamais as impor a outrem sem que este
jam inteiramente seguros da sua justeza. Mas,
quando se tem essa segurança (dirão os que nos
não é conciencioso,e sim covarde, re
cuar da ação conforme às próprias convicções, bem
tolerar a divulgação irrestrita de doutrinas
que honestamente se julgam perigosas à felicida
de humana nesta ou noutra vida, baseando-se em
que se perseguiram, em épocas menos sábias, pes
soas que professavam opiniões hoje tidas por ver
dadeiras. Tomemos cuidado, dir-se-á,em não co
meter o mesmo mas governos e nações
cometido erros outras coisas que não se nega
serem objetos adequados exercício da autori
dade teem lançado maus impostos e guerras
injustas.
nem anteDevem os, porprovocação,
qualquer isso, não lançar impostos
fazer
Homens e governos devem agir segundo o melhor
da sua capacidade. certeza absoluta,
mas existe suficiente para os propósi
da vida humana. Podemos e devemos presu-
da nossa opinião, para
mos a nossa conduta. Cabe a mesma presunção
quando proibimos os maus de perverter a
de pela propagação de opiniões que encaramos co-
e perniciosas.

A isso respondo que não se trata da mesma


presunção, masde outra muito mais ampla. Existe
a maior diferença entre a verdade de
uma opinião que não foi refutada apesar de existi
rem todas as oportunidades para a contestar, e
sumir a sua verdade com o propósito de não per-
48 JOHN" STUART MILL

refutação. A completa liberdade de


e refutar nossa opinião, é o que verda
deiramente nos justifica de presumir a sua ver
dade para os propósitos práticos, e só nesses ter
mos pode o com as faculdades que
possuir uma segurança racional de estar certo.
Quando consideramos quer a da opi
nião,
que sequer a conduta
deve atribuir ordinária
não seremda uma
vida ehumana,
outra ao
res do que será, sem dúvida, à força
inerente ao entendimento humano. Pois que, em
qualquer matéria não evidente por si, noventa e n'o-
ve pessoas em cem se revelam totalmente
de julgá-la. E mesmo a capacidade da cen
tésima pessoa é apenas comparativa. A maioria
dos homens eminentes de cada geração passada
esposaram m uitas opiniões hoje er
rôneas, e fizeram e aprovaram inúmeras coisas
que hoje jus
tificará. Gomo então pre
ponderam entre os homens, em geral, opiniões
cionais e uma conduta Se realmente
existe essa preponderância — e deve existir a
nos que os negócios humanos estejam, e sempre
tenham estado, numa condição desesperadais
so é devido a uma qualidade do espírito
fonte de tudo que é no homem, como
ser intelectual e como ser moral a saber, a
seus erros. Ele é capaz de reti
ficar os seus enganos pela discussão e pela ex
Não pela experiência apenas. Deve.
haver adiscussão,
pretar paraAs opiniões esepráticas
experiência. há de erra
inter
das se submetem gradualmente ao fato e ao argu
mento, mas fatos e para produzirem
A LIBERDADE 49

efeito no espírito, devem ser trazidos dian-


te dele. Muito poucos fatos são eloquentes
dispensando comentários que lhes revelem o
nificado. Nessas dependendo toda a
e todo o valor do entendimento humano des-
propriedade de poder ele, se se acha no erro,
atingir o certo, só se lhe pode dispensar confian
ça quando os meios de consecução da certeza são
mantidos em mão constância.
que o seu mereça realmente
fiança o espírito às
de opiniões e da sua conduta, atendendo
a tudo se em contrário,
essa medida sua justeza, e re
ante si mesmo, e ocasionalmente an-
a falácia do que era falacioso. E sen
que o único meio de um ser humano apro-
ximar-se do conhecimento completo de um assun-
to é ouvir o que sobre ele digam representantes de
cada variedade de opinião, e considerar todas as
formas por que cada classe de espíritos o possa
encarar. Jamais qualquer homem sábio adquiriu
a sabedoria por outro método que não esse,
nem está na natureza do intelecto humano chegar
sabedoria de outra maneira. hábito firme de
e completar a própria opinião pelo con-
fronto a outros, muito ao contrário de cau
sar dúvida e hesitação no levá-la à prática, consti
o único fundamento de uma justa con
fiança nela.
sa dizer, ao Porque, conhecendo tudo
menos obviamente, que sedepos
do ponto vista
oposto, e tendo tornado posição contra todos os ad
versários a de ter procurado
ções e dificuldades, ao envés de as evitar, e de não
50

ter interceptado nenhuma luz que de


quadrante pudesse ser lançada sobre o assunto, um
homem se acha no direito de considerar o seu
melhor que o de qualquer pessoa ou multidão que
não procedido da mesma forma.

Não é demais pleitear que essa coleção pro


míscua de alguns sábios e muitos
chamada o público, se deva submeter àquilo que
os mais sábios dentre os homens, os mais auto
rizados a confiar no próprio entendimento, acham
necessário para garantir essa confiança. A mais
intolerante das igrejas, a Igreja Católica Ro
mana, ainda na canonização de um santo permite,
ouve pacientemente, um do
Parece, assim, que os homens mais santos não
podem ser admitidos a honras póstumas sem que
conheça e pese tudo quanto o diabo possa dizer
contra eles. Se não se tivesse franqueado o de
bate mesmo sobre a filosofia a huma
nidade não poderia ter a completa certeza da sua
verdade que hoje tem. As crenças em que mais
confiamos, não repousam numa espécie de salva
guarda, e sim num convite constante a todo o
mundo para provar-lhes a improcedência. Se
não é aceito o desafio, ou se é mas a crença ad
mitida triunfa, ainda assim nos achamos bem
longe da certeza. Fizemos, contudo, omelhor que
o estado atual da razão humana permite. Não
negligenciamos nada que pudesse dar à verdade a
possibilidade de nos atingir. Se a liça se man
aberta, podemos esperar que, se houver uma
melhor verdade, a encontraremos quando a mente
humana for capaz de a receber. E, entrementes,
podemos fiar-nos em a aproxima-
A LIBERDADE

da verdade dias. Essa é a


soma de certeza que um ser pode conseguir,
e essa é a única via para chegar a ela.
É estranho que os homens admitissem a vali
dade dos argumentos a favor da livre discussão,
mas objetassem que eles são ao
não vendo que, se as razões não são boas num
caso extremo, não são boas em caso nenhum. Es
tranho, ainda, imaginassem que não se arrogam in
falibilidade quando reconhecem que deve haver
discussão sobre todos os assuntos que se
tem a mas não sobre algum princípio ou
doutrina especial que seja suficientemente
isto é, a respeito daqual eles estejam certosde que
é certa.
haja que, se fosse permitido,
mas a quem tal não se permite, é presumir
que e os que conosco concordam, somos
juizes da certeza, e juizes que dispensam
da outra parte.
Na época presente — que tem sido qualifica
da de de fé, mas aterrorizada ante o
na qual o povo se seguro,
não tanto de que suas opiniões são verdadeiras,
quanto de que sem elas não saberia o que fazer,
reclama-se o amparo de uma opinião contra o ata
público menos por sua verdade, do que pela
sua importância social. Alega-se que certas cren
ças bem-estar,
ao são tão que para não dizerdevem sustentá-las
os governos
da mesma que protegem outros interesses so
Afirma-se que é tal essa necessidade, que
se acha tão diretamente linha seu
52 JOHN STUART MILL

dever, que não se faz mister a infalibilidade para


justificar os governos de agirem, e mesmo obri
a fazerem-no, segundo a sua opinião, con
firmada pela opinião geral, e que eles mes
mo a obrigação deassim proceder. Argue-se, tam
com frequência, e mais ainda se pensa, que
salvo malignos, desejaria enfra
quecer crenças salutares. E julga-se
nas a homens nocivos, e
na proibição somente estes quereriam pra-
Esses argumentos tornam a justificação
das restrições em não uma questão da ver
dade das doutrinas, mas d a sua utilidade, e teem a
pretensão de esquivar a responsabilidade de
um juiz infalivel de opiniões. Aqueles, porem, que
se satisfazem com isso, não que a pre
sunção de infalibilidade apenas se deslocou de um

é ela para outro.


própria A utilidade
matéria de tão opinião
de opinião:
tão aberta a debate, exigindo tanto debate, como a
própria opinião. Falta um juiz infalivel de opi
niões para decidir se a opinião é nociva da mes
ma forma que para decidir se é falsa, a menos que
a opinião condenada tenha ampla oportunidade
se defender. E não é bastantedizer que se conce
derá aos heréticos defender a utilidade ou a ino
cência da sua opinião, embora se vejam proibidos
de defender-lhe a verdade. A verdade de uma opi
nião fazparte da sua utilidade. Se quiséssem
os sa
ber se crença numa assertiva é, ou não,
seria possivel excluir a consideração de ser ela, ou
não, Na opinião, não dos maus, mas
dos melhores, não ter crenças contrárias à
de pode ser realmente e podeis impedir a tais
SOBRE A LIBERDADE

homens essa defesa quando se vêem inculpados


negar alguma doutrina, de cuja utilidade se lhes
fala, mas que Os que estão do lado
das doutrinas aceitas jamais deixam de tirar to
da a vantagem possivel dessa defesa. Nãoos en
contrareis manejando o argumento da utilidade
como se esta pudesse ser completamente abstraida

da
sua verdade. Aoa contrário, éque
sobret
udo porque
reputam a
tão in
o conhecimento dela ou a crença nela.
Não pode haver discussão leal da questão da uti
se apenas se permite o emprego de tão vital
a uma das partes. E, de fato, quando
a lei ou o sentimento público interdizem a disputa
sobre a verdade de uma opinião, mostram precisa
mente a mesma intolerância para com a negativa
sua utilidade. mais que elas concedem é que
a opinião não seja de tão absoluta necessidade,
do sempre necessária, ou que se atenue a positiva
culpa que há em rejeitá-la.
Afim de ilustrar mais amplamente o mal que
existe em não darmos ouvido a opiniões as ter
nossa apreciação condenado, convirá limitar o
debate a um caso concreto. E eu escolho, de pre
os casos menos a mim, nos
quais o argumento contra a liberdade de opinião é
havido pelo mais forte, fundado que é, ao mesmo
tempo, na verdade e na utilidade. Suponhamos
que se impugna a crença em Deus ou numa condi
çãogeralmente
de ou aceit
algumas das doutrinas
as. Travar a batalha de
emtal ter
reno dá grande vantagem ao adversário
que lee poderá seguramente dizer (e muitos
54 JOHN STUART MILL

que não querem ser desleais, — são


essas as doutrinas que não considerais suficiente
mente certas para que a lei as tome sob a sua pro
É a crença em Deus uma das opiniões de
que estar convicto reputais arrogar-se
Deve-se permitir-me observar que não é sen
tir-se seguro de uma doutrina (seja isso o que for)
o que chamo arrogar-se infalibilidade. a ousadia
de decidir a questão pelosoutros,sem lhes conceder
ouçam o que possa ser dito em contrário. E eu de
nuncio e reprovo essa pretensão, mesmo em favor
das minhas mais solenes convicções. Ainda que a
persuasão absoluta de seja não só da falsi
dade, mas da nocividade, e não só da no
cividade, mas (admitindo expressões que
condeno inteiramente) da da impie
dade de uma se em virtude dessa vista pes
soal, mesmo que apoiada na apreciação pública do
seu país ou da sua época, esse impede a
opinião de fazer ouvir a sua defesa, ele se
infalibilidade. E, muito longe de ser essa assun
ção de infalibilidade menos ou
perigosa porque se chame a opinião de imoral ou
ímpia, precisamente aí é que é ela fatal. São es
sas, exatamente, as ocasiões em que uma geração
comete aqueles erros que provocam o es
panto e o horror da posteridade. Entre eles
paramos os exemplos históricos em que
o braço da lei foi empregado para extirpar os me
lhores homens e as pelo
sucesso mais que
nobres
diz doutrinas — com
respeito aos ho
mens, embora, quanto às doutrinas, delas
tenham sobrevivido ser invocadas (como um
escárneo) em defesa de uma conduta análoga para
-

A 55

com os antagonistasdelas ou da sua interpretação

será demais recordar à humanidade


houve,
tre quemuma vez,
e as um homem
autoridades chamado
legais, e maisSócrates en
a opinião-
do seu tempo, se verificou uma colisão
Nascido numa época e num país ricos em
indivíduos superiores, esse homem nos tem
apresentado pelos que melhor o conheceram, e à
sua época, como o homem mais virtuoso desta.
nós o sabemos o chefe e o protótipo de todos os
subsequentes de virtude, e a fonte igual
mente da inspiração de Platão e do
cioso utilitarismo de Aristóteles, "i di
lor ache
da sanno", as duasEsse
restante nascentes
mestreda ética e de to
reconhecido
de todos os pensadores que se lhe seguiram — es
se homem cuja fama, ainda vicejante mais de
mil anos passados, quasi que excede a de todos os
demais nomes que fazem ilustre a sua cidade na
tal, foi condenado à morte pelos seus concidadãos,
como desfecho de um processo judicial, sob a
sação de impiedade e imoralidade. Impiedade con
sistente em repudiar os deuses reconhecidos
na verdade, o seu acusador sustentou

ja a "Apologia")
nenhum. que ele
Imoralidade, nãoser,
visto acreditava
por suasem
doutri
nas e ensinamentos, um "corruptor da
Há todo o fundamento para crer que dessas acusa
ções o tribunal honestamente o reconheceu culpado.
E o homem que provavelmente de todos os seus con
temporâneos mais merecera da humanidade, o tri
bunal o condenou a ser morto como um
56 JOHN STUART MILL

Um único exemplo mais de


pode ser mencionado após o da condenação de
Sócrates sem constituir um anticlimax — o aconte
cimento que teve lugar no Calvário há pouco mais
de mil e oitocentos anos. homem que deixou na

memória dos palavras,


ram as suas que presenciaram
uma tal a sua vida de
impressão e ouvi
gran
deza moral que os dezoito séculos subsequentes o
cultuaram como o Onipotente em pessoa, foi igno
miniosamente executado, o blas
femador. Os homens que lhe fizeram isso, não se
enganaram meramente sobre o seu ainda
o tomaram pelo contrário exato do que era, e o tra
taram como aquele prodígio de iniquidade que hoje
se vê precisamente neles pelo tratamento que deram
à sua vítima. Os sentimentoscom que a humani
dade encara no presente esses sucessos, principal
mente o segundo, tornam extremamente injusta
na sua apreciação dos infelizes agentes dessas duas
execuções. Segundo parece, não eram eles maus
homens — não eram piores do que os homens são
comumente, ao homens que nu
ma ampla, ou mais que ampla medida, os senti
mentos religiosos, morais e patrióticos do seu tempo
e do seu povo a verdadeira espécie de homens
que, em todos os tempos, no nosso inclusive,
tam toda a probabilidade de passar através da vi
da livres de censura e cercados de respeito.su
mo sacerdoteasque
nunciaram rasgou que,
palavras as vestes quando
segundo se pro
todas as
idéias do seu país, a mais negra culpa,
com toda a probabilidade, sincero no seu
horror e indignação o comum dos homens
e piedosos o são hoje nos sentimentos
A 57
e religiosos que E a maioria dos
que tremem ante a sua conduta, se
vivido no. seu tempo, e nascido judeus, teriam
precisamente como ele. Os cristãos ortodoxos
que são tentados a pensar que os matadores a pe-
dradas dos primeiros mártires devem ter sido ho-
meus piores do que eles, devemrecordar-se de que
um dos perseguidores era São
Acrescentemos mais um exemplo, o mais su
gestivo de todos, se o impressionante de
erro se mede pela sabedoria e pela virtude do
que nele incorre. Se, em alguma época,
do poder, teve motivos para se julgar o
melhor e mais esclarecido dos homens do seu
tempo, esse foi o imperador Marco Aurélio. Mo
narca absoluto de todo o mundo civilizado, conser
vou através da vida não apenas a mais
da esperar
se justiça, da
como
sua formaçãoo que—era menoster
o mais de
no coração. As poucas que se lhe
foram todas do lado da indulgência. E os
seus escritos, a mais elevada produção ética do es
pírito antigo, pouco se percebe que difiram, al
go diferem, dos mais caraterísticos ensinamentos
de Esse homem, melhor cristão, quasi no
sentido dogmático corrente, que quasi todos os so
beranos ostensivamente cristãos que reinaram de
pois, perseguiuo cristianismo. Situado acima dos
maiores talentos da humanidade, dotado de uma
inteligência aberta, livre de peias, e de um
ter que o levou a incorporar, por si, nos seus es
critos morais o ideal cristão, não viu que o cris
tianismo, preconizando os deveres de que ele,
co Aurélio, era tão profundamente penetrado, te-
58 JOHN STUART MILL

ria de ser um bem e não um mal para o


A sociedade existente, ele a sabia numa condição
Mas viu, ou pensou que via, que, tal
como se apresentava, ela se conservava unida e
preservada de se tornar pior pela crença e a ve

neração
te, das divindades
ele julgou seu deveraceitas. Comosegovernan
não deixar desfizesse"
a sociedade em pedaços. E não viu como, se se
rompessem os vínculos existentes, se poderiam
formar outros que restaurassem a unidade. A no
va religião visava abertamente a dissolução des
ses laços. Parecia, pois, que seu dever, a
que consistisse em adotar essa religião seria
Considerando, então, que a Marco Aurélio
a teologia cristã não aparentou ser verdadeira ou
de srcem considerando quão pouco crivei
lhe era essa estranha história de um Deus cruci
ficado, e que ele não podia prever que um siste
ma alicerçado inteiramente sobre bases que lhe pa
reciam tão fosse esse fator de re
novação que, depois de todos os golpes, provou, de
e governantes mais ilustres
e mais sob a inspiração de um solene
senso do dever, tiveram por lícita a perseguição
de Marco Aurélio ao cristianismo. Para o meu es
pírito, aí está um dos mais trágicos fatos de toda
a história. É um pensamento amargo o quão
diferente poderia ter sido o cristianismo no mun
do, se a fé cristã houvesse sido adotada como a
ligião do império sob os auspícios de Marco Au
rélio em lugar de Constantino. Seria, porem, in
justo para com ele, e falso, dizer que não
aproveitassem a Marco Aurélio, para legitimar a
sua perseguição ao cristianismo, todas as excusas
A LIBERDADE 59

que se podem hoje para a punição da


propaganda cristão acredi
ta mais firmemente que o ateismo é falso e tende
à dissolução do que Marco Aurelio acredi
tava na falsidade e no dissolvente do cris
tianismo — ele que, de todos os homens então
vos, podia ser julgado o mais capaz de
Quem quer que seja que aprove a de pe
nas para a expressão pública de opiniões, a me
nos que se susperestime supondo-se mais sábio e
do que Marco Aurelio —
mente versado na sabedoria do seu tempo, mais
ma deste, pela inteligência, do que ele o foi em re
lação à sua época, mais fervoroso na investigação
da verdade ou mais sincero na devoção a ela quan
do encontrada que se abstenha presun
ção de — da própria e
da da multidão
correu com tão — em que
infeliz o grande Antonino in
resultado.
Cientes da impossibilidade de defender o uso
de penas repressivas de opiniões irreligiosas por
qualquer argumento que não justifique Marco
Antonino, os inimigos da liberdade religiosa, quan
do seriamente acuados, ocasionalmente a
justificação de Marco Aurélio, e dizem, com o
dr. Johnson, que os perseguidores do cristianismo
estavam no seu que a perseguição é uma
prova por que a verdade deve passar, e por que
passa com êxito, as penali
dades legais, afinal, impotentes contra a verdade,
embora, às vezes, beneficamente eficazes contra
erros perniciosos. Essa forma de argumentar em
prol da intolerância religiosa é suficientemente in
teressante para não ser passada em silêncio.
60 JOHN MILL

teoria que sustenta poder a verdade ser


justificadamente perseguida porque talvez a
não cause dano não pode ser acu
sada de hostilidade intencional à recepção de ver
dades novas. Não nos possivel, porem,
dir a generosidade da conduta para com aque
les a queaosomos reconhecidos
Revelar alguma coisapor
de tais
seu profundo
interesse que antes provar-lhe que se
enganava em algum ponto vital, de interesse tem
poral ou eis o mais importante
que um ser humano pode prestar aos seus
lhantes. E, em alguns casos, como nos dos pri
mitivos cristãos e dos reformadores, os que acom
panham o Johnson julgam serviço a dádi
va mais preciosa que se pode fazer aos
Que os autores desse esplêndido benefício devam
ser recompensados com o martírio, que o seu
mio deva ser o tratamento destinado aos mais vis
criminosos, não constitue, segundo essa teoria, um
erro e um infortúnio, pelos quais a hu
manidade deveria cingir o cilicio e cobrir-se de
cinzas. E sim o estado de coisas normal e justo.
Aquele que expõe uma verdade nova deveria, se
gundo essa doutrina, permanecer como o propo
nente de uma nova lei permanecia de acordo com
a legislação da — de corda no pescoço a
ser imediatamente puxada se a assembléia públi
ca, ouvidas as suas razões, não adotasse, mes
mo,
trataraos
proposta. Os não
benfeitores que podem
defendem
seresse
tidosmodo de
por gen
te que dê muito valor ao benefício. E eu creio
que essa vista do assunto é, em regra, própria da
queles que acham terem sido as verdades novas
A LIBERDADE 61
mas que delas já tivemos o
bastante.
porem, o dito de que a verdade
sempre triunfa da perseguição é uma dessas di
vertidas falsidades que uns repetem após outros,
até que se tornem lugares comuns, as quais, entre
tanto, toda a experiência refuta. A história está
repleta de derrotas da verdade pela
Ela pode
menos ser, por
repelida se séculos.
não suprimida
Para para sempre,
apenas de
a Reforma manifestou-se an
es de Lutero ao menos vinte vezes, e outras
foi abatida. Arnoldo de Brescia foi abatido. Era
foi abatido. Savonarola foi abatido.
albigense s foram abatidos. Os valdenses foram
abatidos. Os foram abatidos.
hussitas foram abatidos. Ainda depois da era
de Lutero, onde quer que se teimou na persegui
ela logrou êxito. Na Espanha, na Itália, na
no império da Áustria, o protestan
foi extirpado, e o mais é que o
tivesse sido na Inglater rainha
Maria tivesse vivido, ou a rainha Isabel morrido.
A perseguição foi sempre bem
quando os hereges um partido forte
demais para a perseguição ter eficácia. Nenhuma
pessoa duvidará de que o cristianismo po
ter sido extirpado do Império Romano. Ele
se estendeu e se tornou preponderante porque as
perseguições foram apenas ocasionais, por perío
dos curtos, separados por longos intervalos de
propaganda quasi
mentalismo não perturbada.
acreditar É vão senti
que a verdade, apenas
como verdade, tenha algum poder inerente, negado
ao erro, de prevalecer contra o cárcere e o pelouri-
JOHN STUART MILL

é maior o zelo dos homens pela verdade


do que o que com frequência sentem pelo erro, e
uma aplicação suficiente de penalidades legais,
mesmo de sociais, conseguirá, em regra, paralisar
a propagação de ambos. A vantagem real da ver
dade consiste em opinião verdadeira.
extinguir-se uma vez, duas muitas ve
zes, mas,
pessoas quenoa curso
tornamdas idades, surgem,
a descobrir, até que coincida
um desses reaparecimentos com época na
qual, por circunstâncias ela à
perseguição, de forma a assumir um tal vulto que
triunfa das posteriores tentativas de
Dir-se-á que nós não condenamos à morte
os introdutores de opiniões novas; não somos
os nossos avós matavam os nós
até lhes sepulcros. De fato nós não
executamos mais os hereges, e a soma de punição
penal o sentimento moderno toleraria mesmo
as opiniões mais mal vistas, não daria para
extirpar. Não nos gabemos, contudo, de que
já estejamos livres dessa mácula da perseguição
legal. Penas por opiniões, ao pelo fato de
as exprimir, ainda existem em lei, da
da sua imposição, ainda nestes tempos, mostram
que não é possam, um dia, ser revi
vidas em a sua força. No ano de 1857, no
juri de verão do condado de um homem
sem sorte (2), que diziam de conduta irrepreen
em todas as relações da vida, foi sentenciado
a 21 meses de
num prisão por
palavras ter proferido,
ofensivas e escrito
ao cristianismo.

(2) Thomas Pooley, juri de 31 de julho de Em


recebeu o indulto da Coroa.
A LIBERDADE 63

espaço dos 30 dias, que esse fato, duas


outras pessoas, em ocasiões diver
se viram rejeitadas como jurados, e uma
delas insultada pelo juiz e por um
conselheiro, porque haviam decla
rado que não nutriam E a um
terceiro, um estrangeiro (4), pelo mesmo motivo,
se denegou contra, um
reparar-lhe o dano por da doutrina legal de
pode ser admitido a depor em juizo
professar crença num Deus (qualquer deus
serve) e condição que equivale
a declarar pessoas fora da lei, da
proteção dos tribunais, sendo assaltá-las
se só elas, e de opiniões aná
logas, presentes, e ainda, ficar

impuneseo a assalto
pessoa e roubo
prova do contra do
fato depender qualquer outra
testemunho
de tal gente. A presunção em que isso funda
é a de que carece de valor o juramento de quem
crê numa condição futura, afirmativa indica
dora de muita de história que a
fazem, desde que ó historicamente verdadeiro te
rem sido infiéis de outras épocas, em grande pro
porção, homens de integridade e honra eminentes.
E não defenderia que tivesse a menor
idéia de quantas pessoas das de maior prestígio no
mundo, quer pelo talento quer pela virtude, são
conhecidas, ao menos na intimidade, como incré
dulas. Ademais, essa norma é suicida e derrue

(3) George 17 de agosto de 1857; Edward


de 1857.
(4) de Corte de da Marlborough,
•4 de agosto de 1857.
64 JOHN MILL

seus próprios alicerces. Sob o pretexto de que


ateus devem ser mentirosos, ela aceita o
nho de todos os ateus que estejam prontos a men
tir, e rejeita apenas o dos que afrontam a
de confessar publicamente um credo odiado de
preferência a afirmar uma falsidade. Uma norma
assim absurda por si mesma, absurda na medida
em que visa o objetivo que se lhe atribue, só pode
ser mantida em vigor, na verdade, como uma di
visa de ódio, relíquia da perseguição — persegui
ção com a peculiaridade de que a condi
ção para sofrer é estar claramente provado não a
merecer. Essa norma, c a teoria que implica, são
pouco menos insultuosas aos crentes que aos in
fiéis. Se aquele que não crê numa condição fu
tura necessariamente falta à verdade, segue-se que
apenas o medo do impede os que de
mentir, se impede. Não faremos aos autores e
inspiradores
tal concepçãodepor
tal eles
norma a injúria
formada de supor
da virtude que
cristã,
seja modelada pela sua
Trata-se, na realidade, de farrapos e restos
de perseguição, e pode-se pensar não sejam tanto
uma expressão do desejo de perseguir, quanto um
exemplo da debilidade muito frequente no espírito
dos ingleses, que os faz sentir um prazer absurdo
na asserção de mau princípio que eles já não
são bastante maus para desejarem efetivamente
levar à prática. Infelizmente, todavia, oestado do
espíritosuspensas,
nuem público não é deaconteceu
como molde a assegurar conti
pelo espaço de
uma geração, as piores formas de perseguição
legal. Na época presente, tanto agitam a quieta
superfície da rotina as de introduzir
A LIBERDADE 65
novos benefícios como as de ressuscitar velhos ma
les. que se gaba hoje como a revivescência da
religião, é em espíritos estreitos e incul
tos, sempre, a revivescência da carolice.
nos sentimentos populares o vigoroso e
que sempre houve
nas classes médias deste país, faz-se necessário
muito pouco para provocar a perseguição
daqueles que o povo nunca deixou de julgar obje
tos adequados perseguição (5). Porque é isto
são as opiniões que os homens entreteem e os
sentimentos que nutrem a respeito dos que negam
as crenças consideradas importantes, que torna
este país uma terra sem liberdade mental.

(5) Ao par de uma ostentação generalizada dos piores lados


do nosso nacional, verificou-se, quando da insurreição dos
uma larga difusão das paixões da intolerância de que se
pode tirar um amplo ensinamento. Os delírios de fanáticos e
latães de
chefes do cima de púlpitos,
partido evangélicopodem ser indignos
anunciaram, de princípios
como nota. Mas seus,
os
para o governo de e maometanos, os de que escola nenhuma
na qual não se ensinasse a Bíblia, fosse sustentada pelo dinheiro
público, e, como consequência necessária, emprego público algum
fosse dado a quem não professasse, real ou supostamente o cristia
nismo. que um sub-secretário de Estado, em discurso
endereçado aos seus eleitores, a 12 de novembro de 1857, disse:
"A tolerância da sua fé" (a fé de 100 milhões de súditos britâni
"a tolerânc'a da por eles chamada religião, por
parte do governo produziria o efeito de retardar o pre
domínio do nome e de impedir a salutar extensão do cris
tianismo. A tolerância foi a grande pedra angular das liberdades
religiosas neste país; mas não deixemos que abusem dessa preciosa
palavra — Como este país a compreendeu, ela signi
ficava a completa liberdade de culto para todos, masentre cris
tãos com as mesmas bases de culto. Significava tolerância a todas
as seitas e denominações de cristãos que acreditavam na media
ção". Desejo assinalar o fato de que um homem julgado digno de
ocupar alto posto no governo deste país, por ocasião de um minis
tério liberal, defende a doutrina de que os descrentes na divindade
de Cristo estão fora do campo da tolerância. Quem, depois dessa
tirada imbecil, pode abandonar-se à ilusão de que as perseguições
religiosas passaram para nunca mais voltar?
66 JOHN MILL

principal das penalidades é que, como


o passado nos mostrou, elas fortalecem o estigma
social. É esse estigma que é de real e
de tanta eficiencia que professar opiniões social
mente estigmatizadas é na Inglaterra menos
comum do que em outros paises opiniões
com risco de punição legal. A opinião pública
nessa materia, tão eficaz a lei, quanto
les que não possuam condições para os
tornar independentes da boa vontade alheia.
Tanto vale aprisionar
meios de ganhar o seu pão. Os que o
assegurado, e não favores homens no
poder, ou de grupos sociais, ou do público, nada
teem a temer da confissão franca de quaisquer
opiniões senão que deles pensem e falem mal; e
para suportar isso não se requer um padrão muito
heróico. Não há motivo para qualquer apelo
emfavor de tais pessoas. Entre
tanto, embora não façamos hoje tanto mal aos que
pensam diferentemente de nós como era antiga
mente o nosso costume, a nós mesmos talvez ainda
façamos o mesmo mal. Sócrates foi morto, mas
a filosofia socrática ergueu-se como o sol no céu,
espalhando a sua luz por todo o firmamento inte
lectual. Os cristãos lançados aos leões, mas
a Igreja Cristã cresceu como árvore ampla e ma
jestosa, ultrapassando as outras mais velhas,

porem menos
sombra. vigorosas,
A nossa e
intolerância com social
meramente a sua
não mata não desarraiga opiniões, mas
induz gente a disfarçá-las ou a abster-se de esfor
ços ativos por difundir. No nosso meio, as
niões heréticas não apresentam ganhos percepti-
A 67
ou perdem terreno em cada década ou
geração. espalham o fogo ao longe e ao
mas a lavrar sob as nos cír
culos estreitos de pessoas estudiosas e pensantes
nos quais se srcinaram, sem jamais a
iluminar os negócios humanos gerais com qual
quer luz, verdadeira ou ilusória. E, assim, apenas
prolongam um estado de coisas, que para alguns
espíritos é muito satisfatório, visto que, sem o de-
sagradavel processo de aprisionar ou multar, con
segue manter livres de perturbações exteriores
todas as opiniões dominantes, enquanto não inter
diz de forma absoluta o da razão por
parte dos dissidentes afligidos da moléstia de pen
sar. Um plano conveniente para haver paz no
mundo intelectual, e para conservar todas as coisas
bem direitinho como estão. Mas o preço pago por
essa espécie de pacificação das inteligências é o
sacrifício
gem moral.completo,
Um estadono de
espírito
coisashumano,
em que osdainte
cora
lectos mais e investigadores julgam conve
niente guardar para si os princípios e fundamen
tos gerais das suas convicções, e procuram adaptar
as suas conclusões o quanto possam, naquilo que
ao público, a premissas que intima
mente repelem, não pode os caracteres
abertos e intrépidos, e as inteligências lógicas e
sólidas, que adornaram antigamente o mundo
pensante. A espécie de homens com que se pode

contar
com nessecomum,
o lugar regime,ou
é aa de
dos puros conformistas
oportunistas para com
a verdade, cujos argumentos, em todas as matérias
importantes, visam o público, não sendo os que a
eles convenceram. Aqueles que escapam a essa
68 JOHN STUART MILL

procedem, ainda assim, a uma limita


ção do seu pensamento e do seu interesse,
gindo-os a coisas de que se possa falar sem ser pre
ciso aventurar-se na região dos princípios — isto
a pequenos assuntos, de natureza prática, que, se
os espíritos se fortalecessem e ampliassem, viriam
por si mesmo à justa solução, mas que, até lá, ja
mais serão efetivamente regulados. Enquanto
isso, o que fortaleceria e ampliaria os espíritos
humanos, a especulação livre e audaz, é abando
nada.
Aqueles, a olhos essa atitude reticente dos
heréticos não é um mal, deveriam meter em conta,
em primeira plaina, que, em consequência disso,
não ha nenhuma discussão leal e completa de opi
niões heréticas, e que, dentre elas, as que não po
deriam resistir a uma tal discussão, não
cem apesar de terem sua divulgação proibida.
Hão. são os espíritos heréticos que mais corrom

que não finde por conclusões


maior os que não são heréticos,
aos quais se embaraça todo o
tal, e cuja razão se acovarda de medo da heresia.
Quem pode calcular o que se perde com a multi
dão de inteligências, a coexistirem com caracteres
tímidos, que não se aventuram a incorporar-se em
nenhuma corrente arrojada, vigorosa e indepen
dente,
algumadecoisa
opinião, com oser
que possa temor de que
taxada ela os leve
de irreligiosa oua
Entre essas pessoas podemos entrever,
ocasionalmente, um ou outro de profunda
ou de entendimento sutil refinado,
gasta a vida a sofisticar com um intelecto a
SOBRE A LIBERDADE 69

não pode impor silencio, que esgota os recur


da ingenuidade tentando conciliar as sugestões
<la conciencia e da razão comortodoxia, o que já
fim talvez não tenha mais êxito em realizar.
será grande sem reconhecer
o seu primeiro dever tal é seguir o seu
intelecto quaisquer conclusões a que ele conduza.
verdade ganha mais com os erros de
o devido estudo e preparo, pensa por si, do que
as opiniões verdadeiras daqueles que as pro-
apenas porque suportam a atividade
seu pensamento. Não que a liberdade
opinião seja requerida, unicamente, ou princi
para formar grandes pensadores. Ao
ela é tão, ou ainda mais
para habilitar os homens medianos a atingirem a

ealtura
podemental
voltardeaque sejamgrandes
haver, capazes. Tem havido,
pensadores
numa atmosfera de escravidão mental gene
Mas nunca houve, e haverá,
numa tal atmosfera, um povo intelectualmente
ativo. Onde um haja aproximado transi
toriamente desse por ter abandonado,
tempo, o pavor da especulação
Onde haja uma convenção tácita de que não se
deve discutir princípios, onde se tenha por
da a discussão das questões mais importantes que
podem ocupar a humanidade, não é de esperar se
esse elevado nivel médio de atividade
mental que tornou tão alguns períodos da
história. Sempre que a controvérsia evitou os
assuntos suficientemente importantes para excitar
entusiasmo, o espírito popular permaneceu estag
nado, e não se verificou o impulso que eleva
70 JOHN MILL

mesmo pessoas da vulgar a


da dignidade de seres pensantes. Tivemos
exemplo disso nas condições da Europa logo após
a Reforma. ainda que limitado ao conti
nente e a uma classe culta, no movimento
especulativo da última metade do século XVI I I .
E um terceiro, que durou ainda menos tempo, na
fermentação intelectual da Alemanha, no período
de Goethe e Esses períodos diferiram
grandemente nas opiniões particulares que
volveram. Mas foram semelhantes em nos
três se quebrou o jugo da autoridade. Em cada
um deles, um velho despotismo mental havia
derribado, e nenhum novo tomara o seu lugar.
impulso dado nesses três períodos fez da Europa o
que é hoje. Cada aperfeiçoamento concreto veri
ficado ou no espírito humano ou nas instituições,
pode
algum ser
remontado
houvea aparências
um ou outro
de de
les. Por
tempo, quasi
mento dos três impulsos. verdade, não pode
mos esperar nenhum ímpeto novo vigoroso en
quanto não afirmarmos, outra vez, a nossa liber
dade mental.
Passemos, agora, à segunda parte do argu
mento, abandonando a suposição da falsidade de
alguma das opiniões aceitas. ver
dadeiras. E investiguemos o mérito da maneira
própria para sustentá-las quando não se
livre e abertamente a sua verdade. Embora o
portador de admita de
boa a possibilidade de ser deve ele

doira que se não for ampla, frequente


A LIBERDADE 71
como
dogma e
Há lasse
c de pessoas (felizmente
pouco menos numerosas queantes) que se satisfa
com a aquiescência firme de ao
elas por verdadeiro, mesmo que esse
não conheça, de forma alguma, os fundamentos da
opinião, nem possa com tenacidade con
tra as mais superficiais objeções. Essas
se podem obter o ensino dos seus credos pela auto
ridade, naturalmente a pensar que nenhum
bem, antes algum mal, provirá da permissão
Quando a sua influência prevalece,
torna-se quasi repelir sábia e
damente a opinião aceita, embora ainda se possa
precipitada e ignorantemente. Pois cor
tar a discussão inteiramente é raras vezes possivel,
e, quando ela, porventura, logra introduzir
crenças não fundadas em convicções são
veis de abalo ante a mais ligeira sombra de
mento. Presumir, contudo, essa
possibilidade, que a opinião verdadeira habita
espírito, como preconceito porem, isto é,
opinião independente de argumento, e à prova
argumento, não constitue a maneira pela qual a
verdade deve ser apreendida por ser
Isso no é conhecer a verdade. A verdade assim
é apenas uma superstição a mais,

talmente ligada a palavras que enunciam uma ver


dade.
Se o intelecto e o humanos devem
cultivados, coisa que pelo menos os
não negam, sobre o que poderiam essas
des exercitar-se mais apropriadamente do
72 JOHN MILL

sobre aquelas coisas que interessam tanto que se


considera necessário formar opiniões a seu res
Se o exercício do entendimento consiste
mais numa coisa do que noutra, será seguramente
em aprender os fundamentos das opi
niões. Qualquer coisa que se creia naqueles as
suntos em que importa crer retamente, deve ser
defendida ao menos contra as objeções vulgares.
Mas talvez se diga: "Que se ensinem os funda
mentos das opiniões. Daí não se segue que pelo
fato de nunca se ter ouvido discuti-las, elas sejam,
necessariamente, apenas papagueadas . Os que
aprendem geometria, não se limitam a entregar
teoremas aos cuidados da memória, mas tam
compreendem e aprendem as
e seria absurdo dizer que permaneçam na igno
rância dos fundamentos verdades geométricas
porque nunca ouviram negá-las e tentar
provar o contrário". Seguramente. E tal ensino
basta num assunto como a matemática, no qual
nada há a ser dito, absolutamente, do lado errado
da questão. A peculiaridade da prova das
dades matemáticas é que a argumentação é
um lado só. Não há objeções nem respostas a
•objeções. Em todo assunto, porem, em que é pos
diferença de opiniões, a verdade depende de
um balanço a ser dado entre duas sériesrazões
opostas. Mesmo na filosofia natural, h á sempre
alguma outra explicação dos mesmos fa
tos, alguma teoria
algum flogístico em em lugar
lugar da helio e
do oxigênio,
se tem de mostrar porque essoutra teoria não pode
ser E, até que se mostre, e até que
saibamos como se mostra, não compreendemos os
A LIBERDADE 73
da nossa opinião. E, quando nos
voltamos para assuntos infinitamente mais com
plicados, como religião, política, relações sociais,
ocupações da três dos argumentos
em prol de cada opinião discutida, consistem em
destruir aparências a alguma opinião
diversa. ,0 segundo orador da antiguidade deixou
registrado que sempre estudava a posição do ad
versário com a mesma intensidade, se não maior,
a sua própria. que Cícero praticou como
método forense, requer imitação da parte de todos
que estudam qualquer assunto visando chegar
à verdade. conhece do caso apenas o seu
conhece dele. As suas razõ es podem ser
boas, e é que tenha conseguido
refutá-las. Todavia, se ele é igualmenteincapaz
de as razões do lado oposto, se me
nos não as conhece, falta-lhe fundamento para
uma das duas A sua atitude racional
seria a suspensão do A menos que se resigne
a essa atitude, ele ou se deixa guiar pela autori
dade, ou adota, a generalidade das pessoas,
o lado por que sente maior inclinação. Nem é bas-
ouvir dos professores, apresentados como estes
os estabelecem, os argumentos dos adversários,
acompanhados do que é oferecido como refutações.
Essa não é a maneira de fazer a esses argu
mentos, nem a de os trazer ao contacto real do espí

com se
riedade, dos que por eles fazem o melhor que
dem. conhecê-los na forma
e mais persuasiva, sentir toda a força da difi
culdade que a verdadeira vista assunto encontra
74 JOHN MEL

Aquela parte da verdade que en


frenta e remove esse obstáculo, jamais será apreen
dida de outra maneira. Noventa enove por cento
dos homens se acham
condição deficiente — mesmo os que podem argu
mentar com fluência em favor das suas opiniões.
ser mas
ria ser. falsa algo. que co
na dos que pensam dife
rentemente deles, nem jamais consideraram o
essas pessoas possam ter a consequentemen
conhecem, em próprio, a
conhecem aquelas
partes da doutrina que explicam as
as considerações mostram ser um
fato, que à primeira vista colide com con
com ou que, de razoes aparente
mente fortes, uma, e não a outra, deve ser preferi
São estranhos a essa parte da verdade
que serve de fiel da balança determinaa
de um espírito bem
realmente conhecida pelos que atenderam,
e aos dois lados,
à luz mais forte
zões de ambos. Essa disciplina tão essencial a
efetiva dos morais e
que, falta de i m-

se faz
buir-lhes os imaginá-los, e atri
mais fortes argumentos
advogado do diabo poderia maquinar.
supor que um inimigo da livre dis
cussão diga, para diminuir o vigor dessas conside
rações, que à em geral não é preciso
conhecer e compreender tudo que possa ser
A LIBERDADE 75
ou a favor das suas por filósofos
Que não é necessário aos comuns
poderem expor todas as adulterações e falácias de
antagonista engenhoso. Que basta haver sem
pre capaz de as responder, de modo a não
ficar sem refutação nada que possa desencaminhar
pessoas não instruidas. Esses espíritos
havendo aprendido os fundamentos óbvios das ver
dades a eles inculcadas, podem confiar na autori
dade quanto ao resto, e, cientes de que não pos
suem nem conhecimento nem talento para resolver
em todas as repousar na
segurança de que as que se apresentaram foram, ou
podem ser, respondidas pelos especialmente pre-
parados para a tarefa.
Concedendo a essa vista do assunto o máxi
mo que possa ser reivindicado pelos mais facil
mente satisfeitos com a soma de compreensão da
verdade que deve acompanhar a crença nela
ainda assim absolutamente não se enfraquece o ar
gumento em prol da liberdade de discussão. Por
que mesmo essa doutrina reconhece que a huma
nidade deve ter uma segurança racional de que
todas as foram satisfatoriamente res
pondidas. E como serão respondidas, se oque deve
ser respondido não é Ou como pode a res
posta ser tida por satisfatória, se não se dá aos
que objetam a oportunidade de mostrar que ela
não Se não o público, ao menos os filó
sofos e teólogos, a que cabe
des, devem com resolver
elas na as
suadificulda
mais embaraçosa. E isso não pode
sem que sejam livremente levantadas, e a luz
mais vantajosa que permitam. A Igreja Católica
76 JOHN STUART MILL

tem um método próprio para se haver com esse di


problema. Ela separa completamente aqueles
a que tolera receber as suas doutrinas por convic
ção, dos que devem aceitá-las em confiança. Nem
a uns nem a outros, na verdade, se permite qual
quer escolha
clero, enquantoa respeito
ao menosdo se
que mas plena
pode confiar ao
mente nele, se admite, e é considerado meritório,
que conheça os argumentos afim de os
responder, podendo, portanto, ler livros
— o que para os leigos demanda uma licença es
pecial, de obter. Essa doutrina reconhece
como benéfico aos mestres o conhecimento da
posição do inimigo, mas encontra meios,
veis comisso, denegá-loao resto domundo. Con
cede assim à mais cultura mental, embora
não mais liberdade mental, que à massa. Com
esse expediente, ela logra êxito na obtenção da
espécie de mental que os seus pro
pósitos exigem, pois que, embora cultura sem li
berdade mental jamais tenha produzido um espí
rito largo e livre, pode, entretanto, suscitar um ad
vogado uma causa, inteligente To
davia, em protestantes, se denega esse re
visto que os protestantes sustentam, ao
nos em teoria, que a responsabilidade pela escolha
de religião deve ser suportada inteiramente
conciência de cada um, não podendo ser lançada
sobre os mestres
mundo, não se. pode
Ademais , no presenteevitar
praticamente estadoque
do as
pessoas sem instrução venham a conhecer os es
critos que a gente culta lê. Se os mestres devem
estar bem ao par de tudo que é obrigação sua sa-
ber, então deve haverliberdade para escrever
A LIBERDADE 77
sobre todas as e para publicar sem
o que quer que seja.
Se, todavia, a perniciosa operação de supri
mir o livre debate, quando as opiniões aceitas
verdadeiras, se restringisse a deixar os homens
na ignorância
poder-se-ia dos que, se isso
pensar das ésuas
umopiniões,
dano inte
lectual, não o é moral, e não atinge o mérito das
opiniões quanto à sua influência sobre o
-
apenas se esquecem os fundamentos
mas ainda, muito o próprio signi
ficado As que
sam de sugerir idéias, ou sugerem só uma peque
na parte das que srcinariamente se destinavam
a. De uma concepção enérgica e de
crença viva, sobram apenas umas poucas
frases sabidas de cor, ou, se sobra mais, é a
o invólucro somente, do significado, que se
perdendo-se a essência mais pura. Jamais será
excessiva a seriedade com que se estude e medite
grande capítulo que esse fato ocupa e enche na
história humana. Ele é ilustrado pela experiên
cia de quasi todas as doutrinas éticas e de quasi
todos os credos religiosos.
Estes e aquelas são repletos de sentido e
vitalidade para os que lhes deram srcem e para
os diretos desses fundadores. seu
significado continua sentido com um vigor intac
to, e talvez atue em ainda mais inspi
radas dele, enquanto dura a luta por dar à
trina ou credo ascendência. Por ou a crença
que assim luta prevalece e se torna a opinião
geral, ou o seu progresso se ela
78 STUART MILL

da o terreno mas cessa de se


dir. Quando qualquer desses resultados se torna *
visivel, a amaina e gradualmente se
A doutrina tomou o seu lugar, se
como opinião dominante, então das seitas ou
divisões de opinião admitidas. Os que a sustentam,
geralmente a herdaram, não a adotaram. E ã
conversão
tuindo, agora, umdessas doutrinas a outra,
fato excepcional, ocupa consti
peque
no" lugar nos pensamentos dos que as
Ao envés de se conservarem, como no princípio, em
constante alerta, seja para se defenderem contra o
mundo, seja para o trazerem a si, acomodaram-se,
e nem prestam atenção aos argumentos contra o
seu credo deixando-o sem socorro, nem perturbam
os dissidentes (se os com argumentos favo
à opinião combatida. Desse momento da
ta, em regra, o declínio do poder vivo da doutrina.
Ouvimos, muitas vezes, os mestres de todos os
credos lamentarem a dificuldade de manter nos
espíritos crentes uma compreensão viva da ver
dade nominalmente reconhecida, de modo que
nos sentimentos e adquira um real domí
nio sobre a conduta. Essa lamentação não se ve
rifica enquanto o credo combate pela sua
cia. Ainda os mais fracos lutadores sabem e sen
tem, então, o que é que defendem, e qual a dife
rença entre a sua e as outras doutrinas. E nesse
período da existência de cada credo encontram-se
não poucas pessoas que tenham vivido os
pios fundamentais do credo em todas as formas
do pensamento, que os tenham pesado e considera
do em. todos os seus aspectos importantes, e expe
rimentado o efeito sobre o que a
A 79
doutrina deve produzir num espírito
dela. Mas quando ela se
um credo recebido passivamen
te, e não ativamente, quando o espírito não é mais
compelido, no grau primitivo, a exercitar os seus
poderes vitais no trato dos problemas que a cren
lhe suscita, tende-se, então, a esquecer tudo dela
exceto os formulários, ou a dar-lhe um assenti
mento néscio e entorpecido. se aceitá-la em
dispensasse a necessidade de vivê-la
amplamente na ou de submetê-la à
prova da experiência pessoal. E acaba por per
der quasi toda a ligação com a vida interior do
ser humano que a adota. Vêem-se, então, os casos,
tão frequentes ne sta época que quasi formam a
nos quais o credo permanece, por assim
dizer, exterior ao espírito, incrustando-o e petri-
contra todas as outras influências en
dereçadas às partes mais elevadas da nossa natu
reza, patenteando o seu poder pela intolerância ao
aparecimento de qualquer convicção nova e viva,
fazendo, porem, ele próprio, em favor do
espírito e do coração, salvo montar sentinela jun
to a eles para os manter vazios.
Até que ponto doutrinas intrinsecamente ade
quadas a produzir a mais profunda impressão no
espírito, podem permanecer neste crenças
mortas, sem se realizarem jamais na imaginação,
no sentimento ou na razão, exemplifica-se na ma
neira pela qual a maioria dos crentes apreende
doutrinas do cristianismo. cristianismo
quero significar o que tal é julgado por todas as
igrejas e seitas — as máximas e preceitos conti
dos no Novo Testamento. Essas máximas e
80 JOHN STUART MILL

são tidos por sagrados, e aceitos leis,


por todos os se declaram cristãos. Entretan
to, estará longe de exagero afirmar que nem um
único cristão em mil orienta a sua conduta in
dividual por essas leis, ou nela as põe à
padrão
ção, por classe
da sua se guia,
ou daé sua
o costume da religiosa.
confissão sua na
Ele tem, assim, de um lado, uma coleção de máxi
mas éticas que crê lhe de uma sabedoria
infalivel como normas para o seu de
outro, uma série de e práticas quotidianas,
que coincidem, até certo ponto, com algumas
quelas máximas, menos com outras,colocam em
oposição direta ainda a outras, e são, em conjun
to, um compromisso entre o credo cristão e as,
sugestões da vida mundana. Ao primeiro desses
padrões presta a sua homenagem, ao segundo a sua
efetiva obediência. Todos os cristãos acreditam
que os bem-aventurados são os pobres, os humildes
e os maltratados pelo que é mais a
um camelo passar pelo agulha que a
um rico entrar no reino dos que não devem
julgar, para não serem julgados; que não devem
jurar de forma alguma; que devem o seu
próximo como a si que, se levar
o seu manto, devem dar-lhe o casaco que
não devem fazer projetos para o dia
que, se fossem perfeitos, venderiam tudo quanto
possuem, e aos pobres. Eles não são
insinceros quando afirmam crer nisso tudo. Eles
ereem-no da forma por que o povo crê no que
sempre ouviu louvar e jamais discutir. Mas, no
sentido daquela crença viva que regula a condu
ta, nessas doutrinas precisamente apenas
A LIBERDADE 81

até o ponto em que é usual agir segundo elas.


doutrinas na sua integridade são para o ata
que aos e entende-se que elas devem
ser apresentadas (quando possivel) razões
para o que se julga dentre o que se faz.
Se todavia, lhes recordasse que essas má
ximas requerem um infinito de coisas que jamais
sequer pensaram em fazer, não ganharia senão
ver-se classificado entre aqueles caracteres
pularíssimos que afetam ser melhores do que os
outros. As doutrinas não influência sobre
os crentes vulgares são impotentes em relação
aos seus espíritos. Do hábito lhes proveiu o res
peito pelo som das doutrinas, mas nenhum senti
mento que se estenda das palavras às coisas signi
ficadas, e force o espírito a em si,
adapta pessoas às fórmulas. Todas as vezes
que
sr. Aa esua conduta
para o sr. Bestá em questão,
procurando olham para
orientar-se sobreo
o ponto a que devem levar a obediência a
Entretanto, podemos estar bem certos de que com
os cristãos primitivos a coisa não foi assim, mas
de bem diversa forma. Houvesse sido assim, e o
cristianismo nunca se teria alçado, de uma obscu
ra seita dos desprezados hebreus, à religião do Im
pério Romano. Quando os seus inimigos diziam—
como esses cristãos se amam uns aos outros"
(observação imprópria hoje para qualquer um),
os cristãos seguramente sentiam o significado da
sua crença com muito mais vida que os seus cor
religionários de qualquer época posterior. E, pro
vavelmente, é sobretudo a isso que se deve faça
hoje o cristianismo tão pequenos na
expansão do seu domínio, e esteja ainda, depois
82 JOHN MILL

de dezoito séculos, quasi aos


e descendentes de europeus. Ainda com os
tamente religiosos, que falam muito seriamente
suas doutrinas e lhes emprestam mais signi
ficado que o povo em geral, com frequência acon
tece que a parte assim relativamente ativa no seu
espírito, é a que procede de Calvino ou de
ou de alguma pessoa essas, de muito
mais próximo do deles. Os ditos de Cristo co
existem passivamente com os desses outros no
pírito de tais crentes, não produzindo quasi ne
nhum efeito alem do que é causado pela audição
de palavras tão e tão meigas. Há mui
tas razões, sem dúvida, para que as doutrinas ca-
de uma seita retenham mais da sua
vitalidade que as comuns a todas as seitas reco
nhecidas, e para os mestres se esforcem mais
por conservar vivo o sentido delas. Mas uma das

são as émais
certamente que ase doutrinas
questionadas, se particulares
de defender
mais vezes contra- adversários. Mestres e discí
pulos se põem a dormir no seu posto tão logo não
inimigo em campo.
Falando de uma maneira geral, isso é ainda
verdade a respeito de todas as doutrinas
nais — das de prudência e conhecimentovida
tantoquanto das de moral e religião. To
das as línguas e literaturas estão cheias de obser
vações gerais sobre a vida, sobre o que ela e
sobre como nela se conduzir — observações que
todos conhecem, que todos repetem, ou ouvem com
aquiescência, que são acolhidas corno e
de que, a mor parte das pessoas apreen
dem verdadeiramente o sentido, pela primeira vez,
A LIBERDADE 83
a geralmente de natureza
o torna realidade para elas. Quan
vezes, ao sofrer uma desgraça ou contrarieda
de imprevista, uma pessoa se lembra de algum
provérbio ou dito, familiar a ela toda a sua vi
da, cujo significado, se o houvesse sentido antes,
alguma vez, como
calamidade. o isso,
Há para sente de
agora,
fato, arazões
teria asalvo
mais da
da ausência de há muitas verdades cujo
pleno significado não pode ser vivamente perce
bido a experiência pessoal no-lo tenha
to presente. muito mais se compreenderia
dele, e essa compreensão se imprimiria muito
mais profundamente no espírito, se a houves
se precedido o costume do discutido, pró
e contra, por gente que o compreendia. A fatal
tendência humana para renunciar ao pensamen
to a respeito
a causa do dos
metade que seus
há muito
erros. não é duvidoso,
Foi feliz o é
tor contemporâneo que se referiu ao pro
fundo de uma opinião firmada".
Mas como pode-se perguntar — é a
cia de unanimidade uma condição imprecindivel
do conhecimento Faz-se mister que
uma parte dos homens persista no erro, para ha
a perceber vivamente a
Cessa uma crença de ser real e vital tão logo se
veja geralmente aceita, e jamais se compreende
e sente completamente uma proposição sem que
alguma a seu respeito Logo
que os homens hajam unanimemente aceito uma
verdade, perece ela dentro A finalidade
mais alta e o melhor resultado da inteligência aper-
84 JOHN STUART MILL

pensou-se até aquí, consiste na união cada


vez maior da no reconhecimento de
todas as verdades e só dura o
do enquanto não alcançado o seu Pere
cem os frutos da pelo perfeito acaba
mento da

Nãoseafirmo
nidade tal coisa.
aperfeiçoe, À medida
o número que
das a
doutrinas não
mais discutidas ou postas em dúvida crescerá, e
o bem-estar humano quasi pode ser medido pelo
número e peso das verdades que atingiram o pon
to de não ser mais contest adas. A cessação de
séria controvérsia, numa questão após outra, é
um dos necessários da consolidação da
opinião consolidação tão salutarno caso de opi
niões verdadeiras quanto nociva no de errôneas.
Mas, ainda que esse gradual desaparecimento dos

claros
rio em na uniformidade
ambos os sentidosda do
opinião,
termo,seja
isto é, a um
tempo e não somos obri
gados a concluir daí que todos os seus efeitos de
vam benéficos. A perda de tão importante
auxílio à apreensão viva e inteligente da verda
de, qual seja o proporcionado pela necessidade de
explaná-la aos antagonistas, ou de defendê-la
contra eles, embora insuficiente para pesar mais
que o do seu reconhecimento,
não é um insignificante. Confesso
gostaria de ver, onde não é mais tal van
tagem, os condutores dos homens esforçando-se por
encontrar um sucedâneo para ela — alguma in
venção que as dificuldades do problema tão
presentes à dos homens como seriam se
A LIBERDADE 85

pela pressão de um campeão antago


nista ansioso por os converter.
Mas, ao envés de procurarem invenções com
esse propósito, perderam as que anteriormente
possuiam. A dialética socrática, tão magnifica
mente
uma exemplificada
invenç nos
ão dessa espécie. diálogos platônicos,
Constituia, essencial foi
mente, uma discussão negativa das grandes ques
tões da e da vida, orientada com consuma
da perícia, no sentido de convencer que
se limitara a acolher os lugares comuns da opi
nião corrente, de que não compreendia o assun
to — não emprestava, até então,
do às doutrinas afim de que, tornan
do-o ciente da sua ignorância, o pôr no
de crença que repousasse
numa apreensão
doutrinas clara
da sua tantoAsdo
prova. significado
disputas a es- das
d
cola na Idade Média tinham um algo seme
lhante. Destinavam -se a assegurar que o discípu
lo compreendesse a própria opinião e, por correla
ção necessária, a opinião oposta, podendo demons
os fundamentos de e os da
outra. Essas últimas discussões tinham, na ver
dade, o defeito de serem as premissas
postas tiradas da autoridade, não da e, como
disciplina mental, eram, a todos os respeitos, in
ferioresdos
lectos à poderosa dialética
Masque formou mo
o espírito os inte
derno deve muito mais a ambas do que se quer
geralmente admitir, contando os modos atuais
de educação nada que supra, em toda a plenitude,
a falta uma ou de outra. Uma pessoa que de-
86 JOHN MILL

toda a sua instrução de professores ou


livros, ainda que escape à tentação habitual de se
contentar com o simples acúmulo de noções, não
é obrigada ouvir ambos os lados. E assim
se
cia está longe, mesmo das
no conhecimento entre pensadores,
duas faces de da frequên
uma ques
tão. E a parte mais fraca que cada um
em defesa uma opinião sua, é a que se preten
de réplica aos adversários. É feitio época
sente depreciar a lógica negativa — essa que apon
ta debilidades na teoria ou erros na prática, sem
estabelecer verdades positivas. Tal crítica negati
va seria, sem dúvida, bastante pobre como resulta
do Como processo, porem, de atingir
uma ou um conhecimento positivos, dig
nos do nome, nunca se dirá demais do seu valor.
E, enquanto não nos prepararmos
mente para o seu uso, haverá poucos grandes pen
sadores, e uma baixa média geral de inteligência,
em quaisquer ramos especulativos que não
a e a física. Em qualquer outra ma
téria, opinião alguma merece o nome de conheci
mento senão na medida em que aquele que a pro
fessa tenha atravessado, por si, ou por imposição
alheia, o mesmo processo mental que lhe seria exi
gido numa controvérsia ativa com antagonistas.
Isso, pois, que, ausente, se revela tão
vel, mas tão criar, como é absurdo,
mais do que absurdo, repelir quando espontanea
mente se Se existem pessoas que contes
tam uma opinião aceita, ou que o farão se a lei
ou a opinião permitirem, sejamos gratos a elas. te
nhamos os nossos espíritos abertos à compreensão
do que digam, e por haver quem
A 87

por nós o de outra forma devemos fa


zer com muito maior trabalho, se alguma estima
alimentamos pela certeza e pela vitalidade das nos
sas convicções.

Ainda resta falar de uma das cau


sas do vantajoso da diversidade de opi
niões, causa que continuará a atuar até que a hu
manidade chegue a um estado de adiantamento in
telectual que, no presente, parece a uma incalcu
distância. Consideramos até apenas,
duas que a opinião aceita seja fal
sa e, consequentemente, alguma outra opinião ver
ou que seja verdadeira a opinião aceita,
caso em que um conflito com o erro oposto é es
sencial a uma apreensão clara e a um sentimento

profundo
so mais da sua verdade. Existe,
ao envés de uma porem, um ca
das doutrinas
em conflito ser verdadeira e a outra falsa, par
tilham as duas entre si a verdade, e a opinião não-
conformista é necessitada para completar a ver
dade de que a doutrina aceita incorpora apenas
parte. As opiniões populares, sobre assuntos não
evidentes aos sentidos, são muitas vezes verdadei
ras, raras vezes, ou nunca, completamente
verdadeiras. São uma parte da verdade — às ve
zes parte maior, às vezes menor, mas sempre
exagerada, adulterada, e desligada das verdades
pelas quais se deve acompanhare limitar. As opi
niões heréticas, de outro lado, são, geralmente, al
gumas dessas verdades suprimidas ou negligencia
das, que quebram as cadeias que as prendem, e pro
curam reconciliar-se com a verdade contida na
88 JOHN STUART MILL

opinião comum, ou afrontá-la como inimiga apre


sentando-se, com análogo exclusivismo, como a ver
dade completa. último caso é, até o mais
frequente, da mesma forma que no espírito hu
mano o constituiu sempre a regra, é
o a exceção. Por isso, mesmo nas
revoluções
regra, decai,deenquanto
opinião, parte
a outra da verdade,
ascende. Mesmo emo
progresso que deveria somar uma parte à
parte das vezes apenas uma
parcial e incompleta outra verdade
e incompleta, consistindo o melhoramento
que o novo verdade é mais
pela época, é mais adaptado às suas
exigências, que o que ele desloca. Dado esse ca
parcial das opiniões dominantes, ainda quan
do repousam sobre uma base verdadeira, cada opi
nião que incorpora algo da parte da verdade omi
tida pela opinião corrente, deve ser considerada
preciosa, qualquer que seja a quantidade de erro e
confusão com que a verdade aí semescle. Nenhum
julgador prudente dos negócios humanos sentir-
-se-á obrigado a se indignar porque aqueles que
forçam a nossa atenção para verdades em que de
víamos ter reparado de outra maneira, passam por
alto sobre algumas das verdades que enxergamos.
Antes pensará que, na medida da unilateralidade
de uma verdade popular, é conte a ver
dade impopular defensores unilaterais,
pois esse é, em regra, o meio mais enérgico e pró
prio para compelir a atenção relutante a se voltar
para o fragmento de sabedoria que se proclama
a sabedoria inteira.
Assim, no século XVI I I , quando quasi todas
as pessoas e todas as não
SOBRE A LIBERDADE 89

que as primeiras conduziam, admiravam perdida


mente tudo a que se chama civilização, e as ma
ravilhas da moderna ciência, literatura e filoso
fia, e, exagerando muito o grau de entre
o homem moderno e o antigo, alimentavam a cren
ça
comdeque
quesalutar
toda essa diferença
abalo era em
explodiram em seu
seu favor
meio —
os
paradoxos de Foram granadas que des
locaram a massa de opinião e forçaram
os seus a se reajustarem em melhor for
ma e com ingredientes novos. As opiniões Corren
tes não estavam, em conjunto, mais longe da ver
dade que as de ao contrário, estavam
mais próximas: continham mais verdade positiva
e muito menos erro. Não obstante, na doutrina de
Rousseau repousa, e com ela desceu o rio da opi
nião, soma precisamente daquelas ver
dades de que a opinião popular carecia. E essas
o depósito que ficou ao baixarem as
águas. A dignidade superior da vida simples, o
efeito de e desmoralização produzi
do pelas peias e hipocrisias da sociedade artificial,
são idéias que jamais se ausentaram inteiramente
dos espíritos cultivados desde Rousseau. Elas
provocarão, com o tempo, as devidas consequên
cias, embora na atualidade demandem defesa tão
resoluta como outrora, e defesa por pois as
palavras esgotaram, no assunto, o seu poder.
Por outro lado, em política, é quasi um lugar
comum que
um ou são ambos

poder mental o necessário para se tornar um


90 JOHN STUART MI
LL

so, é
ser Cada
um desses modos de deriva a sua utilida
de das deficiências do outro. Mas é numa gran
de medida a oposição do outro que conserva cada
um dentro do
menos s limites da razão àe democracia
opiniões da sanidade. eAà
aristocracia, à propriedade e igualdade, à coo
peração e à competição, à luxúria e à abstinência,
à sociabilidade e à individualidade, à liberdade e
disciplina, e todos os outros permanentes anta
gonismos da vida prática, sejam exprimidos com
igual liberdade, e demonstrados e defendidos com
igual talento e energia, não haverá probabilidade
do ambos os elementos obterem o que lhe é
um prato da balança subirá na certa, e o outro

descerá.
cos A verdade,
da vida, é tanto no
s grandes
uma negócios
questão práti
de conciliar e
combinar contrastes que muito poucos o espí
rito suficientemente largo e imparcial para levar
a efeito esse ajustamento com correção apro
ximada. Torna-se preciso proceder a ele pelo
pero método de uma luta entre combatentes a pe
sob bandeiras hostis. Em qualquer das
grandes questões abertas há pouco enumeradas, se
uma das duas opiniões possue melhor título, não
meramente a ser tolerada, mas ainda a ser enco
rajada e protegida, é a que, no tempo e no lugar
dados, se acha eventualmente em minoria, Essa é
a opinião que, no minuto, representa os interes
ses negligenciados, a face do bem-estar humano que
se encontra em perigo de obter menos do que lhe
A LIBERDADE 91
compete. Eu sei que não existe, neste país,
ma intolerância de opiniões quanto a muitos
ses tópicos. Eles foram aduzidos para patentear,
por exemplos admitidos e variados, o uni
versal do fato de somente através da diversidade
de opiniões
humano, haver, no estado
probabilidade de jogopresente do todos
lícito para intelecto
os
aspectos da verdade. se acham pessoas que

tenham a dizer digno ser


e perdesse com o seu silêncio.
Pode-se dos princípios acei
tos, especialmente nos assuntos mais elevados e vi
tais, são mais do que meias verdades. A mora
lidade cristã, por exemplo, é a verdade completa no
assunto, e, se ensinar uma moralidade di
versa, estará inteiramente em Como este é
o mais importante na prática, de todos os casos,
nenhum é mais adequado para pôr à prova a má
xima geral. Antes, porem, de afirmar o que
ou deixe de ser, a moralidade cristã, seria
fixar-nos sobre o que se entenda pela expres
são. Se esta significa a moralidade do Novo
Testamento, eu me admiro de que possa
supor, conhecendo-a do próprio livro, que tenha
sido anunciada como doutrina completa de moral,
ou haja pretendido sê-lo. Evangelho sempre se
refere a uma moralidade preexistente, e restrin
ge os seus preceitos aos pontos particulares em que
essa moralidade deveria ser corrigida, ou ultrapas
sada por uma mais larga e mais Alem
92 JOHN STUART MILL

disso, ele se exprime nos termos mais gerais, mui


tas vezes de ser interpretados literal
mente, e possue antes o cunho de poesia ou elo
quência que o preciso de legislação. Extra
ir dele um corpo de doutrina ética nunca foi pos
sem lhe acrescentar o Testamento
isto é, sistema trabalhado realmente com es
mero, mas abárbaro.
a um povo muitos respeitos
São Paulo, bárbaro,
inimigoe franco
destinado
desse modo judaico de interpretar a doutrina ex
cedendo o esquema do seu Mestre, igualmente pre
sume uma moralidade preexistente — a saber, ao
dos gregos e romanos. E buscou, no seu ensino
aos cristãos, acomodar-se sistematicamente a esta,
ao ponto de aparentemente autorizar a escravidão.
que se denomina moralidade cristã, e melhor se
denominaria teológica, não foi a obra de Cristo ou
dos mas é de srcem muito posterior,
tendo sido gradualmente pela Igreja
Católica dos cinco primeiros séculos, e, embora não
implicitamente adotada pelos modernos e pelos
protestantes, tem sido muito menos por
eles do que se podia esperar. Pela maior
com efeito, eles se contentaram em suprimir as
adições que se lhe na Idade Média, cada
seita suprindo-as com adições novas adaptadas ao
próprio tendências. Que a humanidade
muito deve a essa moralidade e aos seus primiti
vos preconizador es, eu seria o último a negar. Mas
não tenho escrúpulo em dizer que, em muitos
pontos
que, se importantes, é incompleta
idéias e sentimentos, e unilateral,
não acolhidos e
por ela,
houvessem deixado de contribuir forma
ção da vida e do europeus, os negócios
A LIBERDADE 93

manos se encontrariam pior do que se encontram.


A chamada moralidade cristã possue todos os ca
racteres de é, em grande parte, um
protesto contra o paganismo. seu ideal é mais
negativo que que
cência mais positivo, antesAbstinência
Nobreza, passivo quedo
ativo,
MalIno
an
tes que enérgica Procura do Bem. Nos seus pre
ceitos, como já se disse com felicidade, não
deves" predomina indevidamente sobre de
ves". No seu horror da sensualidade, ela do as
cetismo um ídolo, que gradualmente se transfor
mou num ídolo de legalidade. Apresentou a es
perança do céu e o pavor do inferno os mo
tivos indicados e convenientes para uma
tuosa, com o que desceu muito abaixo dos melho
res
cou dentre os antigos.humana
à moralidade Esse fundamento
um comuni
essencial
mente desligando os sentimentos de cada
homem dos interesses dos seus semelhantes, salvo
na medida em que, para levar estes em conta, se
apresenta um estímulo de interesse próprio. É,
essencialmente, uma doutrina de obediência pas
inculca submissão a todas as autoridades es
tabelecidas, as quais, na verdade, não devem ser
ativamente obedecidas quando ordenam o que a
religião mas a que não se deve resistir,
quem
quer soma demenos ainda
injustiça se nos
que devefaçam.
rebelar,E,
poren
quanto na moralidade das melhores nações pagãs,
os deveres para com o Estado manteem ainda um
lugar desproporcionado, infringente da justa li
berdade do indivíduo, na ética puramente cristã
esse grande ramo do dever é escassamente trata-
94
e reconhecido. É no não no Novo
tamento, que se lê a máxima —governante que
designa um homem para função quando há nos
seus domínios outro mais qualificado para ela,
peça contra Deus e contra o Estado". que de

pequeno areconhecimento
moderna na com
idéia de obrigação para moralidade
o público,
deriva-se de fontes gregas e romanas, não de cris
tãs. Como na moral privada, o que quer
que exista de magnanimidade, de elevação de es
pírito, de dignidade pessoal, mesmo o senso
honra, é derivado da parte puramente humana,
não religiosa, da nossa educação, e jamais poderia
ter surgido de um tipo de ética em que o único va
lor cabalmente reconhecido é o da
está mais longe do que eu, de pre
tender que esses defeitos sejam necessariamente
inerentes à ética cristã qualquer que seja a forma
por que ela se possa conceber. Ou que não haja
conciliação entre ela e os muitos requi
sitos de uma completa doutrina moral a que não
satisfaz. Muito menos eu insinuaria isso das dou
trinas e preceitos propriamente de Cristo.
Creio que os ditos Cristo evidenciam, tanto
quanto eu possa vê-lo, o que pretendiam que
eles não são com coisa alguma re
querida por uma moralidade que
é
ética, sem juntar-lhes tudo o
maior violência que linguagem
à sua é excelenteque
ema
que lhe feito os que tentado deduzir
deles um sistema prático qualquer de
Mas é perfeitamente com isso julgar
que eles conteem, e pretenderam conter, apenas
A LIBERDADE 95

uma parte da verdade. Muitos dos elementos es


da moralidade mais elevada estão entre
coisas que deixaram de ser e não se
teve mesmo a intenção de atender, nas expansões
fundador do cristianismo que ficaram
das. E o sistema ético erigido pela Igreja Cristã,
sobre a base daqueles ensinamentos, pô-los intei
ramente de lado. Sendo assim , parece-me um
grande erro persistir na tentativa de encontrar na
doutrina cristã aquela norma completa para a
nossa orientação que o seu autor pretendeu
e fortalecer, mas só parcialmente den-
ciar. Creio que essa teoria estreita se
tornando, praticamente, um grave mal,
• judicando muito a instrução e treino morais que
tantas pessoas
p bem . intencionadas,
or promover já agora,
Temo muito que, pro se
curando formar o espírito e os sentimentos segun
do um tipo exclusivamente religioso, e afastando
os padrões seculares (falta-lhes denominação me
lhor) que até coexistiram com a ética cristã
e a completaram — recebendo algo do espírito
desta e a esta infundindo algo do seu espírito de
venha a resultar, e já está mesmo resul
tando, um tipo baixo, abjeto, servil, de
que, submetendo-se como possa ao que julga a
Suprema Vontade, seja incapaz de se elevar à
concepção da Suprema Bondade ou se simpa
tizar com ela. Creio que uma ética diversa de
qualquer que se tire de fontes exclusivamente
cristãs, deve existir ao lado da ética cristã, para
produzir a regeneração moral da humanidade. E
que o sistema cristão não foge à regra de que, num
estado imperfeito do espírito humano, os
96 JOHN STUART MILL

ses da verdade exigem que haja opiniões diversas.


Do conhecimento das verdades morais alheias ao
cristianismo não decorrerá os homens a neces
sária ignorância de alguma das que ele contem.
Se ocorrer a o preconceito ou a incompre
ensão de negar estas em virtude daquelas, isso será,
sem nenhuma um mal. Mas desse mal
podemos esperar
deve ele ser permanecer
encarado como o sempre
preço deisentos,
um e
É eé o
testo contra a pretensão exclusivista de uma parte
da verdade, de ser a verdade toda. E, se um im
pulso de reação tornar injustos, por seu turno, os
que protestam, essa como a outra,
pode ser lamentada, mas deve ser tolerada. Se
os cristãos querem ensinar os descrentes a serem
justos com o cristianismo, devem ser justos,
sua vez, com a descrença. Não se pode servir à
verdade esquivando-se ao fato, sabido de qual
quer um que possua a mais vulgar
com a história literária, de que grande parte dos
mais nobres e valiosos ensinamentos morais tem
sido obra de homens, não ignorantes da fé cristã,
mas que, depois de a terem conhecido, a rejei
taram.
Não pretendo que o mais ilimitado uso da
liberdade de enunciar todas as opiniões possiveis
poria fim aos males do sectarismo religioso ou
filosófico. É certo que verdade de que os
homens de capacidade estreita falam com fervor,
é afirmada, inculcada, e, ainda, de muitas formas
levada à prática, como se outra não existisse no
mundo, ou, em todo o caso, como se não existisse
nenhuma que pudesse limitar ou modificar a pri-
SOBRE A LIBERDADE 97

Reconheço que a tendência de todas as


opiniões para se tornarem sectárias, não se sana
com a mais discussão antes, fre-
por essa forma aumenta e se exa
cerba. A verdade que se devia ver e não se viu,
é, então, rejeitada modo mais violento, porque
proclamada por adversários. Mas não é no
dário apaixonado, e sim no mais calmo e desinte
ressado espectador, que essa colisão de opiniões
produz o seu salutar efeito. Não o violento con
flito entre partes verdade, mas a silenciosa
supressão da metade dela, eis o perigo.
Há sempre esperança quando as pessoas são for
a ouvir os dois lados. É quando atendem
apenas a um, que os erros se endurecem em precon
ceitos, e a verdade cessa de causar o efeito de ver
dade por se ter exagerado em falsidade. E desde
que há poucos atributos mentais mais raros que a
faculdade
numa que dois
decisão inteligente entre podelados
traduzir-se
de uma
disputa, dos quais apenas um é representado por
advogado, a verdade só tem probabilidades na
proporção em que cada face sua, cada opinião que
incorpora uma fração sua, não somente acha advo
gados, mas ainda é tão defendida quanto necessá
rio para ser escutada.

Reconhecemos, agora, a necessidade para o


bem-estar mental
humano de humano (de que depende),
outra natureza todo o da li
berdade de opinião, da liberdade de exprimir a
opinião. E isso com quatro fundamentos distin
tos, que recapitularemos brevemente neste passo.
98 JOHN STUART MILL

Primeiro, se uma opinião é compelida ao si


lêncio, é seja ela verdadeira, em
de algo que podemos vir a conhecer com certeza.
Negar isso é presumir a nossa infalibilidade.
Segundo, mesmo que a opinião a que se impôs
silêncio seja um erro, pode conter, e muito

que acontem , uma


opinião parteou
geral de dominante
verdade. E,sobre
uma vez
um as
é raramente, ou nunca, a verdade inteira,
só pela colisão das contrárias se faz pro
se complete a verdade com a parte
Terceiro, ainda que a opinião aceita não seja
apenas verdadeira, mas a verdade toda, só não será
assimilada como um preconceito, com pouca com
preensão ou pouco sentimento das suas bases ra
cionais, pela mor parte dos que a adotam, se acei
tar ser, e vigorosa e ardente
mente contestada.
E não somente isso, mas, quarto lugar, se tal
não se der, o significado mesmo da doutrina estará
em perigo de se perder, se debilitar, se
var do vital sobre o ea
o dogma se tornará uma mera profissão formal,
ineficaz para o bem, mas a estorvar o terreno e a
impedir o surgimento de qualquer convicção efe
tiva e profunda, vinda da razão ou da experiência
pessoal.
Antes de abandonar o assunto, é
considerar, um pouco, a assertiva dos que dizem
dever permitir-se a livre expressão de as
opiniões com a condição de ser a sua forma mode
rada, e de não se transporem os limites da discus
são leal. Muito se poderia dizer da
SOBRE A 99

de fixar devam ser colocados


supostos porque, se o critério a
àqueles cujas opiniões são atacadas, me parece que
a experiência testifica se dá a ofensa quando o
ataque é eficaz e e cada contraclitor que
atropela vigorosamente e a que acham
responder, se lhes afigura, se sobre o assunto ma
qualquer sentimento forte, um adversário
Mas isso, embora importante
ração de um ponto de vista prático, submerge
numa objeção mais fundamental . Não sofre dú
vida que a maneira de uma opinião, mesmo
uma opinião verdadeira, pode ser muito
e incorrer legitimante em severa censura. As
ofensas do gênero são tais, porem, que
é, as mais das
condenação, vezes,
a não determinar
ser por casual umaa si
infidelidade
mesmo. A mais grave delas é discutir
mente, suprimir fatos ou argumentos, falsear os
elementos do caso, adulterar a opinião contrária.
Mas tudo isso, ainda no mais alto grau, é feito tão
continuamente de boa-fé, por pessoas não conside
radas ignorantes e incompetentes, e que nem a
outros respeitos merecem ser consideradas tais, que
raras vezes se pode, com fundamentos adequados,
estigmatizar, em sã a deturpação como
moralmenteinterferir
pretender culposa. nessa
E ainda menosde
espécie poderia a lei
mau procedi
mento nas controvérsias. Quanto ao que
se entende por discussão imoderada a
saber, a invectiva, o sarcasmo, o personalismo, e
similares, a denúncia dessas armas seria de
maior simpatia se alguma vez se tivesse proposto
100 JOHN MILL

igualmente a ambos os lados. Dese


porem, restringir o seu uso somente contra
as opiniões dominantes. Contra as não dominan
tes, podem não apenas ser usadas sem a reprova
ção geral, mas ainda trarão ao que as usar o louvor
do zelo e da indignação honrada. Entre
tanto, qualquer que resulte do seu uso, é
maior quando empregadas contra os relativamente
e qualquer vantagem desleal possa
decorrer para uma opinião dessa maneira de dis
cutir, aproveita quasi exclusivamente às opiniões
aceitas. A pior falta desse gênero que se pode
cometer numa polêmica, é estigmatizar os defen
sores da opinião contrária como maus e imorais.
Os que sustentam uma opinião impopular estão
particularmente expostos a calúnias dessa espécie,
porque, em geral, são poucos e sem e
a não ser eles, se sente muito interessado
em que se lhes faça justiça. Aos que atacam uma
opinião -dominante, essa arma é, no entanto, pela
natureza do caso, eles não usá-la
com segurança própria, nem, se pudessem, ganha
riam senão provocar repugnância pela causa que
defendem. Em regra, as opiniões contrárias às
admitidas só podem conseguir atenção
por uma linguagem estudadamente moderada, e
pelo mais cauteloso de ofensas desne
cessárias. Sempre que deixaram, mesmo num leve
grau, de se desviar destas, perderam terreno, en
quanto que o vitupério desmesurado da parte da
opinião dominante realmente afasta o povo de
professar as opiniões contrárias e de dar ouvido
aos que as professam. interesse, pois, da ver
dade e da justiça, é muito mais importante
A LIBERDADE

este emprego da linguagem de vitupérios


do que o outro. Assim, por exemplo, se se tivesse
de escolher, os
desencorajar haveria muito
ataques mais ànecessidade
ofensivos de
descrença que
à religião. É, entretanto, óbvioque a lei e a auto
ridade não devem restringir nem uma nem outra.
E, à opinião cabe, em cada espécie concreta, deter
minar o seu veredicto segundo as circunstâncias
do caso individual, condenando todo aquele, seja
qual for o seu partido no debate, em cujo modo de
defesa se manifeste falta de candura, malignidade,
ouintolerância de sentimento. Mas
não deve esses do partido tomado,
ainda que seja o contrário do nosso. E é obriga
ção sua prestar homenagem, sem considerar a opi
nião defendida, ao que possue calma para ver e
honestidade para informar o que os antagonistas e
suas opiniões realmente são, nada exagerando em
seu descrédito, e não dando as costas nadaa que
deponha, ou se suponha depor, em favor deles.
Essa é a real moralidade da discussão pública.
Sou feliz em pensar que, se é muitas vezes violada,
há, contudo, muitos polemistas que a observam
cabalmente, e ainda um grande número que con-
cienciosamente se esforça por fazê-lo.
CAPÍTULO III

Da individualidade como um dos


elementos do bem-estar

essas as que tornam imperativo


tenham os homens liberdade de formar opi
niões e de exprimi-las sem e
funestas para a natureza
humana e, através desta, para a natureza moral,
se essa liberdade não for concedida ou, a
de examinemos, seguida,
se as mesmas razões não requerem a liberdade dos
para agir segundo as suas opiniões — para
levá-las
sico ou à pratica,
moral, da na suados
parte vida,
seussem obstáculo, fí
semelhantes, en
quanto o façam por sua, própria conta e
Esta última cláusula é, sem dúvida,
pretende que as ações devam tão
livres as opiniões. Pelo contrário, mesmo
as opiniões perdem a sua imunidade quando as
circunstâncias em que se exprimem são tais que
a sua expressão incitamento
a algum ato nocivo. A opinião de que os
ciantes de cereais matam à fome o pobre, ou a de
que a privada é um latrocínio,
devem quando simplesmente vei
culadas pela imprensa, podem incorrer em
pena justa quando expostas oralmente, ou
SOBRE A LIBERDADE

das sob a de cartaz, em meio a turba


reunida diante da casa de um
ciante de cereais. Atos de qualquer especie que,
causa produzem dano a outrem,
ser refreados pelos sentimentos
veis e, quando necessário,
da coletividade, pela interferência ativa
e, nos casos
mesmo tal. A liberdade do deve
ser, assim, em grande parte, limitada ele
deve tornar-se prejudicial aos Mas, se se
molestar os outros no que lhes concerne,
e meramente age segundo a própria inclinação e
julgamento, em assuntos que dizem respeito a ele
próprio, as mesmas razões que demonstram dever
a opinião ser livre, que se lhe
deve permitir, sem o importunar, leve à prática as

suas
são opiniões à própria
que as custa.
suas Que os hom
pelaens não
mor
parte, são meias que a unidade de
nião, a não ser quando resulta se compararem,
da mais ampla e livre, opiniões opostas, não
é nem a diversidade mal, e
sim um bem, até que a humanidade seja muito
mais do que no presente, de reconhecer todos
os aspectos da eis princípios
aos modos de ação dos homens não menos que às
suas opiniões. Assim é enquanto a hu
manidade seja imperfeita, que haja diferentes opi
niões, assim o é que haja diferentes expe
riências de maneiras de vida, que se
livremente, salvo a injúria a outrem, às
de e que o mérito dos diversos modos
de vida seja praticamente provado, quando al
se julgue em condições de
104 JOHN MILL

É em suma, que, nas coisas que


digam respeito primariamente aos outros, a indivi
dualidade se possa afirmar. Onde a norma de
conduta não é o próprio mas as
e costumes alheios, falta um dos principais ingre
dientes da humana, e, de modo completo,
o principal ingrediente do progresso individual e
social.
defesa desse princípio, a maior dificuldade
que se encontra não reside na apreciação dos meios
adequados a um fim reconhecido, mas na indife
rença geral ao próprio fim. Se fosse sentido que
o livre desenvolvimento da individualidade é um
dos elementos capitais da essência do bem-estar,
que ele não é apenas um elemento coordenado com
tudo que> se designa pelos termos — civilização,
instrução, educação, cultura, mas é, ele
parte e condição necessária de todas essas coisas,
não haveria perigo de que a liberdade fosse subes
timada, e a delimitação de fronteiras entre ela e
o social não apresentaria dificuldade fora
do comum. mal, porem, está em que a espon
taneidade individual quasi não é reconhecida,
pelos modos comuns pensamento, como tendo
um valor intrínseco, ou como merecedora, por si
mesma, de atenção. A maioria, achando-se satis
feita com os procedimentos atuais humanidade
(pois
preenderela que os
porque taisfazprocedimentos
o que são), não
não pode com
são sufi
cientemente bons para E, o que é mais,
a espontaneidade não participa do ideal da maio
ria reformadores sociais e morais, mas é antes
olhada com desconfiança, como fonte
de perturbações e de rebeldia, à acolhida geral do
SOBRE A LIBERDADE 105
que esses reformadores como o melhor para
a humanidade. Poucas pessoas fora da
nha sequer compreendem o sentido da doutrina de
q ue Guilherme de Humbol
dt, tanto como
quanto como político, fez a matéria de
dissertação
homem, — lhe
ou o que a doutrina de que
é prescrito fimeternos
pelos do e
ditames da razão, e não sugerido por
vagos e passageiros, é o mais elevado e har
monioso desenvolvimento dos seus poderes visando
constituir um todo acabado e de que,
portanto, o objeto o qual todo ser humano
deve incessantemente dirigir os seus esforços, e ao
qual especialmente aqueles que influen
ciar os seus semelhantes dar, sempre, a sua
atenção, é a individualidade de poder e desenvol
de que para isso há dois requisitos,
"liberdade, e variedade de situações", e da união
dos dois surge "o vigor individual e a múltipla
diversidade" que se combinam em "srcinali

Todavia, se o povo pouco se acostuma a uma


doutrina a de von Humboldt e se surpreende
de que seja atribuir tão alto valor à indi
vidualidade, deve-se não obstante, pensar que a
questão talvez seja apenas de grau.
tem, sobre o problema excelência na conduta,
a opinião de que as pessoas tão somente co
piar-se umas às outras. afirmaria que
não se deva pôr no próprio modo de na,
cão dos próprios interesses, nenhum cunho do

(6) "The sphere and duties of Government" do


Barão Guilherme de Humboldt, ps.
106 JOHN MILL

prio discernimento ou individual.


tro lado, seria absurdo pretender que os
devam viver como se nada tivesse conhecido
mundo antes que aí chegassem, como se a
cia nada ainda houvesse feito no sentido de mos
que um modo de existência ou de conduta
a outro. nega que os indiví
devam receber, na juventude, o ensino e
treino necessários para conhecerem os
verificados da experiência humana e deles se be
neficiarem. Mas constitue o privilégio e a
específica de um ser humano chegado à madu
reza das suas faculdades, usar e interpretar de
maneira própria a experiência. Cabe-lhe
descobrir que parte experiência registrada
aplica, com propriedade, às suas circunstâncias e
As e costumes alheios, em que
se manifestam certas normas, provam, até certo
ponto, a justeza destas, sendo o que a experiência
ensinou aos outros.Prova presuntivamente, e
teem elas, assim, direito à deferência de um
víduo. Mas, em lugar, a experiência alheia
pode ter sido muito estreita, ou não ter sido cor
retamente interpretada. Em lugar, embora
correta, a interpretação pode ser inconveniente ao
terceiro que a considera. Costumes se fizeram
para circunstâncias costumeiras e caracteres cos
tumeiros e as circunstâncias que rodeiam esse
ceiro, e o seu podem não ser costumeiros.
Em lugar, mesmo que os costumes sejam bons
como costumes, e ainda ao terceiro,
conformar-se ao costume meramente como costu
me não educa nem desenvolve no indivíduo ne
nhuma das qualidades que são o dom distintivo
A LIBERDADE 107

ser As faculdades humanas de


percepção, juizo, sentimento ati
vidade mental, mesmo preferência moral, só se
exercitam fazendo uma escolha. Quem faz algo
porque seja o costume, não escolhe. Não ganha
quer mentais
Os poderes de discernir quer como
e morais, de desejar
os o melhor.
só se aperfeiçoam pelo uso. As faculdades não
são postas em exercício quando se faz algo mera
mente porque os outros fazem, nem quando se crê
algo só porque os outros Se os fundamen
tos de uma opinião não são concludentes para a
razão do indivíduo, essa razão não pode ser robus-
mas antes se enfraquecerá adotando tal
crença. E se os motivos de um ato não são tais
que se coadunem com os sentimentos e o
da pessoa (quando não estejam em causa afeição
ou direitos alheios), esse ato torna os sentimentos
eo inertes e entorpecidos, ao envés de ati
vos e enérgicos.
Aquele que deixa o mundo, ou a parte do
mundo a que pertence, escolher o seu plano vida
em seu lugar, não necessita de nenhuma faculdade
a mais imitação Aquele que escolhe
por si o próprio plano, emprega todas as suas
dades. Deve usar a observação para ver, o racio
cínio e o juizo para prever, a atividade para colher
materiais de decisão, a descriminação para decidir,
e, quando há decidido, a firmeza e o
para se conservar fiel à decisão deliberada. E
essas qualidades, ele as requer e exercita na pro
porção exata em que é ampla a parte da sua con
duta determinada de acordo com o próprio juizo
e sentimento. Talvez sem qualquer dessas
108 JOHN STUART MILL

pudesse ele tomar por algum bom e


tar-se da estrada do mal. porem, seria, en
tão, o seu valor como ser humano Realmente,
importa não só o que é feito, mas quem
o faz. Entre as obras em cujo aperfeiçoamento
embelezamento o homem faz bom emprego da sua
vida, está, sem dúvida, o próprio homem.
pondo pudesse obter que máquinas autôma
tos com forma humana as casas,
cultivassem o trigo, pelejassem as batalhas, pro
cessassem as causas, erigissem as igrejas, fizessem
as orações, muito se perderia em trocar por
mesmo os homens e as mulheres que habitam, hoje,
as partes mais civilizadas do mundo, e que são, se
guramente, tão só espécimes do que a
natureza é capaz produzir e produzirá. A na
tureza humana não é uma máquina a ser cons
truida
tamentesegundo
a tarefamodelo, e destinada
a ela prescrita, a realizar
e sim exa
uma árvore
que necessita crescer e desenvolver-se de todos
lados, na da tendência das forças in
ternas que a tornam uma coisa viva.
Conceder-se-á, provavelmente, que seja dese
se exercite a razão, e que
observância ou mesmo, ocasionalmente, um
gente desvio do costume valha mais do que
adesão cega e simplesmente mecânica a ele. Admi
te-se, até certo ponto, a autonomia da nossa
mas não hádos
autonomia a mesma boa vontade
nossos desejos, paraaceitar
ou para admitirque
a
possuir impulsos autônomos, e de qualquer força,
não constitue um perigo e uma armadilha. Toda
via, desejos e impulsos são tanto uma parte
ser humano perfeito quanto crenças e e os
SÔBEE A 109
impulsos fortes são perigosos apenas não
convenientemente isto é.
uma série de intenções e inclinações se fortalecem
permanecendo fracas e inativas outras que com
aquelas deveriam coexistir. Não é porque sejam
fortes os desejos que os homens agem mal, e sim
porque as conciências são fracas. Não há
natural entre o impulso forte e a conciência
fraca, A conecção é outra. Dizer que
os desejos e sentimentos de uma pessoa são mais
e mais variados que os de outra, é simples
mente dizer que ela conta mais do material bruto
da natureza humana, e, portanto, é capaz, talvez,
de maior mal, mas seguramente de maior bem.
fortes são, apenas, um outro nome de
energia. A energia pode voltar-se para maus
pode-se sempre, contudo, praticar maior
bem uma natureza enérgica do que com uma
indolente e Sempre os que possuem
os sentimentos mais naturais são que, se os
cultivam, podem fazê-los os mais vigorosos.
susceptibilidades fortes que dão vida e poder aos
impulsos pessoais, são as mesmas que
a fonte do mais apaixonado amor à virtude e do
mais severo domínio de si mesmo. É pelo cultivo
disso a sociedade cumpre o seu dever e
os seus interesses, e não rejeitando o estofo de que
se fazem os heróis por não saber ela fazê-los.

pessoa cujosdadesejos
expressões própriae natureza
impulsos como
são autônomos —
a desenvol
veu e modificou a cultura — é dita de
Outra, cujos desejos e impulsos não possuem essa,
autonomia, não tem não o tem mais
que uma máquina a vapor. Se alem de
110 JOHN STUART MILL

os impulsos forem fortes, e governados por


vontade vigorosa, a pessoa é dotada de um
ter enérgico. Quem quer que julgue não
desenvolvimento da
que a

contar ias dotadas muito


e que um

Em alguns estágios primitivos da sociedade,


essas forças poderiam ir, e alem do
poder que a sociedade então de discipli
ná-las e controlá-las. Tempo houve em o ele
mento da espontaneidade e individualidade foi
excessivo, e o princípio social com ele travou pe
nosa luta. A dificuldade residiu, então, em indu
zir homens fortes de corpo e espírito a
a normas que lhes solicitavam
d
os impulsos. Para a vencerem, a lei e a
como os papas em luta com os impera
dores, afirmaram um poder sobre o homem todo,
reivindicando o controle de toda a sua vida afim
de lhe controlarem o para cujo domínio
não encontrara a sociedade outro meio. Agora,
porem, a vantagem cabe à sociedade sobre a
vidualidade. que ameaça a natureza
excesso, mas dos im
pulsos e preferências pessoais. Mudaram imenso
as coisas desde o tempo em que as paixões dos que
eram fortes pela posição ou por dotes pessoais, se
achavam em habitual revolta contra as leis e orde
nanças, e demandavam um refreiamento rigoroso
para permitirem às pessoas sob o seu poder uma
partícula de segurança. nosso tempo, da mais
SOBRE A LIBERDADE 111

alta à mais baixa classe social, todos vivem sob as


vistas de uma censura hostil e temida. Não so
mente no que concerne aos outros, mas ainda no
que só diz respeito a eles próprios, o indivíduo e
a família não se perguntam — que ou
que estaria conforme ao meu e à minha
ou que permitiria ao melhor e mais ele
vado em mim expandir-se, e o habilitaria a
e Eles se perguntam — que con
à minha que é usualmente feito por
pessoas da minha classe e das minhas condições
Não digo que escolham o costumeiro
de preferência ao que lhes dita a inclinação. A
eles não sucede ter inclinações, a não ser a incli
nação para o costumeiro. Dessa forma o espírito
se dobra ao mesmo no que se faz por prazer
o a primeira coisa em que se
as pessoas desejam em grupo; exercem a escolha
apenas entre de
peculiaridade coisas
gostocomumente fogem
e da excentricidade da
de con
duta de até que, à força de não se
guirem a própria natureza, não mais natu
reza a as suas capacidades humanas mir
ram e tornam-se incapazes de
fortes e de prazeres e não apresentam,
regra, opiniões e sentimentos brotados do ín
timo, propriamente seus. É essa, entretanto, a
condição da natureza humana?
Assim é, na teoria calvinista. Nesta, a gran
de
bemofensa humana
de que é a vontade
a humanidade autônom
é capaz, a. Todo
está o
compreen
dido na obediência. Não tendes assim
deve ser feito, e não de outra que quer
que não seja dever, é pecado". Sendo a

8
112 JOHN MILL

humana corrupta, não há redenção


para nenhuma pessoa enquanto mate
de si essa natureza. Para quem sustente ess a
teoria da vida, aniquilar alguma das faculdades,
capacidades e humanas não é
umabandonar
se o homem só de
à mercê necessita
Deus; edasecapacidade de
usa das suas
faculdades para outro propósito que não
eficazmente essa suposta vontade, melhor será pri
vado delas. Essa — a teoria do calvinismo. E
é sustentada, numa forma mitigada, por
que não se consideram calvinistas, consistindo a
mitigação em interpretar menos a
referida vontade de Deus, de modo que, segundo
esta, os homens devessem satisfazer algumas das
suas inclinações. É claro que não da maneira por
eles mas por via da obediência, isto
muna forma prescrita pela autoridade e, portanto,
pelas condições necessárias do caso, as mesmas
para todos.
Há, no presente, sob formas assim insidiosas.
da

humano ela Muitas pessoas, sem


dúvida, sinceramente pensam,
assim tolhidos e minguados são como o seu
Criador tencionou que fossem, precisamente
que.as árvores são algo muito
delicado aparadas, ou quando
animais, que a natureza as
é religião crer que o homem foi criado
com essa

que fossem cultivadas e


SOBRE A 113

e não desarraigadas e que ele


estima se as suas cada vez
piais, da ideal nelas incorporada,
aprova todo acréscimo das suas aptidões de
de de Há tipo de
excelência diferente do tipo calvinista —
uma concepção da humanidade pela qual a natu
reza a ela concedida tem finalidades outras que a
mera renúncia. auto-afirmação é um
dos elementos da dignidade humana tanto quanto
auto-negação cristã" (7). Há um ideal grego
de com que o ideal
nico e cristão do domínio de si próprio se mescla,
mas que este não invalida. Talvez valha mais ser
um John que um Alcebíades, mas ser um
Péricles vale mais que ser um ou outro, nem fal
taria a um Péricles dos nossos dias o que de bom
John Knox haja tido.
na uniformidade
tudo que existe de individual dentro de nós,
e dentro dos limites
e que
os seres humanos a ser umbelo e
de contemplação. como as obras participam
do seus autores, a vida humana se
torna, com isso, variada e excitante, fornecendo
maior cópia de alimento aos pensamentos sublimes
e aos sentimentos que elevam, e fortalecendo o laço
que une cada indivíduo à espécie, por fazê-la infi
nitamente mais digna de se lhe pertencer.
proporção em que desenvolve a

(7) de Sterling.
114 MILL

si mesma,
fi,
Há uma maior plenitude vida na sua
e, quando mais vida nas unidades,
há mais vida no todo que delas se compõe. Não
se pode passar sem a necessária compressão, se se

visa impedir
reza hum os usurpar
ana de espécimes mais vigorosos
os direitos alheios. da
Masnatu
isso, ainda do ponto de vista do desenvolvimento
humano, encontra plena compensação. Os meios
de desenvolvimento que o indivíduo perde com o
se lhe impedir satisfaça as inclinações a prejudi
car os outros, são obtidos sobretudo à custa
desenvolvimento dos demais indivíduos. E mesmo
para ele próprio há uma completa compensação no
melhor desenvolvimento da parte social da sua
natureza, possibilitado pela restrição à parte egoís-
tica. Ser às rígidas normas da
respeito aos outros, desenvolve os sentimentos e
capacidades que por objeto o bem
Mas ser coarctado no que não afeta esse bem
alheio, e apenas é aos outros, nada
desenvolve de valioso, a não ser o vigor de
que a resistência à coerção revele. A aquiescên
cia a esta embota e entorpece toda a natureza.
Para a livre expansão da natureza de cada um, é
essencial que se permita a pessoas diferentes vive
rem vidas diferentes. Cada época fez-se digna
de nota para a posteridade na proporção em que
essa largueza de vistas nela se exercitou.
não produz seus ores tos
sob ele persiste a individualidade. E o
que quer individualidade é despo
tismo, qual o nome que se lhe dê, e ainda
A LI
BERDADE 115

proteste estar impondo vontade de Deus


homens.
Tendo dito que a individualidade é a coisa mais
o seu desenvolvimento, e que somente o cultivo da
individualidade é que produz ou pode produzir
seres humanos bem desenvolvidos, poderia eu en
cerrar a argumentação — que mais e melhor
se pode dizer de qualquer condição dos negócios
humanos do que afirmar leva ela os homens para
mais do melhor que podem Ou que
de pior se pode sustentar de qualquer obstáculo ao
bem do que impedir ele essa To
davia não sofre dúvida que essas considerações
não bastarão para convencer os que mais necessi
tam ser convencidos. E é preciso, ademais, eviden
ciar que esses seres humanos desenvolvidos
alguma utilidade para os não desenvolvidos — é
necessário mostrar aos que não aspiram liberdade,
e dela não se aproveitariam, que lhes pode advir
proveito inteligível do de permitirem a outrem
o uso sem entraves da liberdade.
Assim, eu sugeriria, em lugar, que os
desenvolvidos talvez aprendessem algo dos desen
volvidos. ser a originalidade
um elemento valioso nos negócios humanos. Há
necessidade de pessoas que não só des
novas e indiquem quando o que
foi verdade deixou de o ser, como ainda iniciem
novas práticas e o exemplo de um melhor
gosto e senso na vida humana. Isso, não o pode
desconhecer quem não acredite tenhao mundo
atingido a perfeição em todos os seus métodos e
práticas. É verdade que não é qualquer um que
pode prestar esse benefício: há apenas alguns
116 JOHN MILL

poucos, da cujos experi


mentos, se adotados pelos outros, constituiriam um
aperfeiçoamento da prática estabelecida. Mas
esses poucos são o sal do sem eles a
humana se tornaria uma lagoa estagnada.
somente introduzem as boas coisas anteriormente
inexistentes,
já existem. como
Se nadaainda
de conservam a vida
novo houvesse a nas que
deixaria o intelecto humano de ser
Seria isso uma razão para que os que fazem velhas
coisas, esquecessem o por que se fazem, e as fizes
sem como se fossem gado, e não seres
Nas melhores crenças e verifica-se uma
tendência, e muito grande, para degenerarem em
maquinais. E, sem uma de pessoas de
srcinalidade sempre recorrente a impedir os fun
damentos dessas crenças e práticas de se tornarem
meramente tradicionais, essa matéria morta não
ao menor choque de qualquer coisa real
mente viva, e razão não haveria para que a civili
zação não se extinguisse como no Império Bisan-
tino. É verdade que os indivíduos de gênio são,
por natureza, uma pequena mas,
tê-los, faz-se mister preservar o solo em que
cem. gênio só pode respirar livremente numa
atmosferade Os gênios caraterizam-se,
ex-vi por maior individualidade do
que os outros são menos capazes, consequente-
mente, de se adaptar, sem uma prejudicial
pressão, a qualquer dos padrões pouco numerosos
que a sociedade erige para poupar aos seus
bros a pena de formarem o próprio Se,
por timidez, se deixarem plasmar por um
moldes, e não derem livre curso a toda
A LIBERDADE 117
parte da sua personalidade que se não pode ex
pandir sob pressão, o social será impróprio
para o seu gênio. Se patenteiam um forte
e quebram as cadeias que os restringem, a socie
dade, que não logrou êxito em reduzi-los ao -
- comum, os aponta, numa atitude
como de solene adver
"excêntricos", e
coisas análogas, — qual que se queixasse
do rio por não fluir docemente entre as
suas margens como um canal
Insisto assim, enfaticamente, sobre a impor
tância do gênio, e a necessidade de deixá-lo de
senvolver-se livremente, no pensamento e na ação,
certo de que não serei contraditado em teoria, mas
lambem de que quasi todos são, na realidade, com
pletamente indiferentes a isso. povo julga o
gênio uma
escrever umcoisa preciosa
poema se
emocionante, um
ou homem
a pintara um
Contudo, no seu verdadeiro sentido, isso
srcinalidade de pensamento e de ação, embora
diga que não seja de admirar, quasi todos
pensam, no íntimo, que é coisa bem
Isso, infelizmente, é tão natural que não
pasmo. A originalidade não pode ter a sua utili
dade percebida pelos espíritos não originais. Não
podem ver que proveito ela lhes traz — como o
Se pudessem vê-lo, não se trataria de
originalidade. Esta, primeiro, tem de lhes abrir
os olhos. Só depois disso plenamente feito, sur-
a oportunidade de se tornarem, por sua
vez, originais. Entrementes, recordando-se de que
nada jamais se fez sem um primeiro a fazê-lo, e
de que tudo que de bom existe é fruto da srcina
lidade, sejam eles suficientemente modestos para
118 JOHN STUART MILL

crerem haja ainda coisas novas a se fazerem!


certifiquem-se de que tanto mais necessária lhes
a srcinalidade quanto menos lhe sentem a
Para dizer sobriamente a verdade, assinale-se
que, qualquer que seja a homenagem que se tenha
por devida, ou efetivamente se preste, à superiori
dade mental, real ou suposta, a tendência geral das
coisas, por todo o mundo, é atribuir à mediocridade
poder dominante entre os homens. Na Anti
guidade e na Idade Média e, num grau decrescente,
através da longa transição do feudalismo para a
época presente, o indivíduo foi uma força, em si
mesmo. E quando grandes talentos ou
uma alta posição, ele era uma força
Hoje os indivíduos estão perdidos na multidão.
Em é quasi trivial dizer que a opinião
pública rege o mundo. A única força que merece
o nome
se fazemé ao das massas, e a dos governos
das tendências enquanto
e instintos das
massas. Isso é verdade, e nas relações morais
sociais da vida privada, e nos negócios
Aqueles cujas opiniões se conhecem pelo nome de
opinião pública, não são sempre o mesmo
na América, são o conjunto da população branca,
na Inglaterra, principalmente a classe média.
Entretanto, são sempre uma massa, isto é, medio
cridade coletiva. E, o que constitue ainda maior
novidade, a massa não toma, hoje, as suas opiniões,
de dignitários da Igreja ou do Estado, de líderes
ostensivos ou de livros. seu pensamento lhes
provem de homens muito semelhantes a ela, que
ela se dirigem, ou que em nome dela falam, sob a
espora do momento, através dos jornais. Não me
estou queixando dessas coisas. Não afirmo que
A LI BER DADE

algo melhor se coadunasse, norma geral, com


o baixo estado hodierno do espírito
Isso não impede, todavia, que o governo da
seja um governo medíocre (8).
mais governo algum, fosse de uma democracia,
fosse de uma numerosa aristocracia, seja nos seus
políticos, seja nas opiniões, qualidades e
de espírito por ele alimentados, se elevou acima
da mediocridade, salvo quanto ao poder.
se deixaram guiar (o que, nos seus melhores
pos, os governos sempre fizeram) pelos
e influência de Um ou Alguns mais altamente
colocados e A iniciativa de todas as
coisas sábias ou nobres vem, e deve vir, de indiví
duos, geralmente, a princípio, de um certo indiví
duo. A honra e a gloria do homem mediano resi-
na capacidade de seguir essa iniciativa, em

(8) Nota tradutor: mais obstinado problema de


sofia política, problema sempre recorrente, é o de como governarem
os melhores. Em certo sentido, não há tendência de
político que não aceite que, devendo haver governo, deva ele caber
aos melhores. As versam, na realidade, sobre cri
tério do melhor, e sobre quem deva julgar do melhor — sobre a
lei e o juiz do melhor.
Preliminarmente se assinale que, sendo o governo um órgão
da coletividade destinado a promover interesses coletivos, a sua
reção se deve nortear por estes, e, pois, o melhor receberá o go
verno, não como prêmio ao seu mérito individual, mas porque o
interesse coletivo reside no aproveitamento do melhor para o go
verno como quem melhor servirá a coletividade. Não trata
justiça ao indivíduo, mas do bem coletivo.
Ora, a escolha do melhor será feita por uns poucos, e teremos
Um eoligarquia; por muitos
outro sistema ou mediocridades
elevaram todos, e teremos uma democracia.
e genialidades ao po
der, mais mediocridades. Todavia, enquanto no sistema
o erro da escolha é suportado antes por quem não escolheu, no de
mocrático o erro da escolha onera os que escolhem, o que é de pre
sumir leve os mandantes a melhorar as suas escolhas de manda
tários.
Uma coisa é certa: afirmar que o governo deve competir aos
melhores não é fazer uma afirmação antidemocrática em si.
120 JOHN" STUART MILL

poderem repercutir no seu íntimo as coisas nobres


e sábias, em se orientar para elas de abertos.
Não estou dando apoio a essa espécie de do
que aplaude o vigoroso homem de gênio ao
se apoderar, pela violência, do governo, e ao fazer
os outros
suas executarem, a despeito de
ordens. de sigênio
próprios,
podeas
reivindicar liberdade para o caminho.
pader.de compelir os outros a tomarem esse
é liberdade
mas ainda
Todavia, no
momento em que as opiniões das massas de homens
simplesmente medianos se tornaram, ou se estão
tornando, por toda a parte, a força dominante,
parece que o contrapeso e o corretivo a essa ten
dência seria a individualidade cada vez mais

defensores da democraci a sustentarão que esse método


de escolha e controle dos governos é que terá permitido se hajam
escolhido mais vezes os melhores, sem infelizmente se ter impedido
de maus, mesmo de péssimos, mais comum, todavia,
do sistema democrático.
De outro lado, note-se que a escolha dos melhores não é
num sentido unilinear — não há melhores para o povo
conjunto, pois o povo raramente é uma unidade interesses (toda
cidade, já ensinava Platão, encerra em si duas cidades). me
lhor está relacionado com os fins em vista, fins em função dos
quais se constituem grupos sociais diversos, espontâneos ou
tários — o melhor no exato de um partido, é o melhor
para ps outros partidos. Hitler deve ser mesmo o melhor
fascismo
Esse obstinado problema não ademais, o de maior impor
tância da filosofia antes de decidir quais serão os
res expoentes interesses de classes, de partidos, de grupos vários
em que se divide a sociedade, existe o problema do entre
esses interesses coletivos que se degladiam e de que as grandes in
dividualidades são, apenas, os representantes mais vigorosos, vigor
cujo grau lhes determina a srcinalidade. E a decisão desse pro
blema, ao invés de ser trazida abstratos, fixos e
cendentes, a realidade histórica, que é uma realidade
creta de desenvolvimento através de contrastes.
A LIBERDADE

das mais altas do pensamento.


sobretudo em tais circunstancias que os indivi
duos excepcionais devem ser e
a agir diferentemente da massa. Em
outras épocas não havia vantagem em que assim
fizessem, salvo se se não tratasse de agir apenas
diferentemente, mas ainda melhor. Hoje, o mero
exemplo de a mera negativa a
dobrar o joelho ao costume, já constitue um ser
viço. Precisamente porque a da é
que faz da excentricidade um opróbrio, é
para vencê-la, que as pessoas sejam excên
tricas. A excentricidade sempre abundou quando
e onde muita energia de existiu, e a soma
excentricidade num meio social esteve, em re
gra, na proporção da soma de gênio, de vigor
e de coragem aí contidos. Essa pe
quena ousadia hodierna para a excentricidade as
sinala o perigo capital da época.
da importância que há em dar às coisas
não costumeiras a mais livre expansão
afim de que se possa verificar, oportunamente,
quais dentre elas se revelam próprias para se
em costumes. Mas a independência da
ação e o desprezo pelo costume não merecem en
corajamento só pela possibilidade que proporcio
de se criarem formas melhores de ação e cos
tumes mais dignos de acolhimento. Nem apenas
as pessoas de decidida superioridade mental pos
suem justo título a orientarem a vida de uma
maneira autônoma. Não há razão para que toda
a existência humana se construa por um só mo
delo, oupor um pequeno número de modelos. Se
se possue soma de senso comum e
122 JOHN

o modo próprio de dispor a existência


o melhor, não porque seja o melhor si,
é o próprio. Os homens não são como
carneiros, e mesmo os carneiros não são
tamente iguais. Um homem não
um casaco ou um par de botas que lhe sirvam sem
que se tenham feito à sua medida, ou sem que
escolha dentre um completo sortimento — e
porventura, mais provê-lo de vida
que de um casaco? Ou serão as criaturas
nas mais semelhantes entre pelo conjunto da
formação física e espiritual, do que pelo feitio
dos pés? indivíduos só apresentassem di
versidades de. gosto, já haveria nisso razão sufi
ciente para não se talhá-los por um
Mas, alem disso, pessoas diferentes re
querem condições
a identidade de atmosfera de
e clima pode não
lhes convir mais do que à generalidade
das plantas a identidade de
o clima Aquilo que auxilia o cultivo
natureza elevada de um, impede-o a
Para modo vida é estímulo sadio,
mantendo na melhor ordem as suas faculdades
ação e de para outro, carga pesada que -

diversidade das fontes de prazer, das


para a dor, dos efeitos íntimos das várias
físicas e é tal nos seres humanos que eles
não obteem o seu justo quinhão de felicidade,
se elevam à estatura mental, moral e estética
que a sua naturezaé capaz, sem que exista
correspondente diversidade nos seus
vida. Porque, então, se limitará a tolerância, na
A LIBERDADE 123
em que o sentimento público está em causa,
gostos e modos de vida a que é em virtude da
massa dos seus aderentes que se Em
parte alguma, salvo em certas instituições
ticas, se deixa completamente de reconhecer a di
versidade de gostos. pessoa pode, sem repro
che, preferir, ou não, remo, fumo, música, exercí
cios atléticos, xadrez, baralho, estudo,
tanto os que gostam dessas coisas, como os que não
as estimam, são bastante numerosos para se lhes
poder impor a renúncia aos seus gostos. Mas o
homem, e ainda mais a mulher, a que se acuse de
fazer que faz", ou de não fazer que
todos fazem", sujeita-se a observações
como se tivesse incorrido em algum grave de
lito moral. Faz-se mister a posse de um título, ou
algum outro signo de posição ou de apreço das
pessoas de posição, para poder entregar-se, um
pouco, ao luxo de aquilo de que se gosta sem
detrimento da estima
pouco, repito, porquealheia.
quem Para
quer entregar-se um
que se permita
muito dessa liberdade, corre o risco de algo pior
recriminações — ficam em perigo de serem
tidos por e de se verem
seus bens em proveito dos parentes

Existe algo de de espantoso,


espécie de prova que se tem requerido ultimamente para a decla
ração judicial da incapacidade de gerir os próprios negócios. À
disposição de bens que, para depois da morte, faça a pessoa objeto
dessa declaração, pode ser posta de lado desde que haja o sufi
para pagar as despesas do processo — que recai sobre
bens em causa.
ticulosamente Todas as eminúcias
investigadas, da vida
tudo que, visto quotidiana sãofaculda
através das me
des de percepção e descrição do mais mesquinho entre os mesqui
nhos, se aparente diverso do lugar-comum absoluto, é apresentado
ao como prova de insanidade. E com frequente sucesso,
vez que os jurados, quando não são tão vulgares e ignorantes como
124 STUART MILL

Há na presente orientação da opinião


uma particularmente adequada
torná-la intolerante para com qualquer manifesta
ção mais viva de individualidade. Os
em geral, não são moderados só de
mas ainda deinclinações. Não possuemgostos nem
desejos suficientemente fortes para incliná-los a
zer o inusitado, e, em não compreen
dem os os possuem, aos quais classificam em
os extravagantes e imoderados a que costumam
carar com desprezo. Basta supor, agora, emadi
ção a esse fato geral, que se tenha assentado um
forte movimento no sentido de os
tumes, para não termos dúvida sobre o que
mos aguardar. Tal movimento inicia-se nos dias
de hoje. Muito há sido, de fato, realizado em prol
da crescente regularidade da conduta, e do desen
corajamento dos excessos. manifesta-se um es
pírito filantrópico para cujo nenhum
terreno é mais convidativo do que o do melhora-

as testemunhas, o são pouco e que os juizes, com essa ex


traordinária de conhecimento da natureza e da vida
que nos surpreende nos legistas ingleses, muitas vezes auxiliam
obra de mal orientar os jurados. Esses julgamentos valem
volumes que se escrevessem sobre o estado do sentimento e da
nião, no seiodo vulgo, relati
vamente à liberdade hum ana. Ao con
trário de algum valor à individualidade — de respei
tarem o direito de cada qual a agir, nas coisas indiferentes, como
bem lhe pareça ao e à inclinação juizes e jura
dos não podem conceber que em estado de sanidade, possa
querer uma tal liberdade. dias anteriores, quando se propôs
queimaraoosenateus,
pícios, vés de pessoas caridosas
os queimar. sugeriram
Não seria colocá-los hos
de surpreender
a ver isso nos nossos dias, bem os aplausos dos autores
da medida a si mesmos, por terem adotado, era lugar da persegui
ção por motivos religiosos, um modo tão e tão cristão
tratar esses Aplausos que se somariam à muda satisfa
ção por haverem os ateus obtido, dessa forma, o
A LIBERDADE 125
mento moral e dos nossos
tes. Essas tendências daépoca cansam uma dis
do público maior que em tempos anterio
res, para normas gerais de conduta e
esforçar-se pela conformidade de todos ao padrão
adotado. E esse padrão, expressoou tácito, con
siste em nada desejar fortemente. seu ideal de
é não ter um é muti
lar, por compressão, como se faz aos pés das chi
nesas, qualquer parte da natureza humana que se
saliente muito tenda a imprimir ao indivíduo
uma fisionomia acentuadamente diversa da da
humanidade vulgar.
Como habitualmente acontece com os
que excluem metade do esse padrão de
conduta produz apenas uma imitação inferior da
metade acolhida. Ao envés de grandes energias
orientadas por uma razão poderosa, e de fortes
sentimentos fortemente controlados por uma von
tade dele resultam fracos sentimen
tos e fracas energias, se manteem numa con
formidade puramente exterior à norma, sem se
acompanharem de qualquer vigor da razão ou da
vontade. Caracteres enérgicos numa es
cala pertencem, hoje, cada vez mais, à
apenas. Qualquermovimento de energia constitue,
hoje, coisa rara neste país, salvo em negócios. A
energia dispendida nestes ainda pode ser tida por
pouco que foge desse objetivo, é
gasto em alguma mania, a qual pode ser ma
nia mesmo filantrópica, mas sempre é uma
única coisa, e geralmente coisa de pequenas di
mensões. A grandeza da Inglaterra é, agora, toda
126 JOHN

individualmente pequenos, só parecemos


•capazes de algo grande pelo nosso hábito de asso
e com isso os nossos filantropos morais
religiosos se satisfazem perfeitamente. Todavia
foram homens de outra estampa que fizeram
Inglaterra o que ela tem sido, e homens de outra
se fazem necessários para impedir o seu
despotismo do costume é por
o obstáculo constante ao avanço da humanidade-,
pela incessante à tendência para visar
superior ao costumeiro, tendência chamada,
segundo circunstâncias, espírito de liberdade
ou aperfeiçoamento.
de aperfeiçoamento nem sempre é um
liberdade, pois pode aspirar impor
a um e o li
berdade, em tanto que
transitoriamente,aos
progresso. A única fonte e
constante, porem, aperfeiçoamento é a
de, desde que com ela há tantos centros indepen
dentes de aperfeiçoamento quantos indi
víduos. princípio do progresso, contudo, numa
ou noutra forma, como amor da liberdade, ou
amor do aperfeiçoamento, opõe-se ao
nio do Costume, implicando, ao menos, a emanci
pação desse jugo. E o debate entre os dois
o principal interesse da história da
nidade. Propriamente falando, a maior parte do
mundo não tem história, por ser completo o des
potismo do Costume. É o que se verifica por todo
o Oriente. costume aí , em todas as coisas, a
SÔBEE A 127

instância justiça e direito significara con-


f ao ao argumento do costume
salvo algum tirano intoxicado pelo po-
der, pensa em resistir. E nós vemos o resultado.
Essas nações outrora devem ter tido srcinalida
de. Elas não surgiram do solo populosas, letradas,
versadas em muitas artes da vida. Fizeram-se tudo
isso, e então foram as e mais poderosas
nações do mundo. Que são, Vassalas ou
dependentes de tribus cujos antepassados erravam
pelas florestas quando os delas possuiam palácios
magnificentes e templos suntuosos — po-
sobre as quais o costume exercia apenas um
domínio com a liberdade e o progresso.
Parece que um povo possa ser progressista por
um certo espaço de tempo após o qual por
que Para quando cessa de possuir indivi
dualidade. Se uma transformação análoga su
cedesse às nações da Europa, não seria exatamen
te do mesmo o despotismo do costume que
ameaça não consiste precisamente em imobili
dade. Proscreve a singularidade, mas não exclue
a transformação desde que tudo se transforme jun
to. dos costumes dos nos-
cada qual deve vestir-se como os
outros, mas isso não impede que a moda uma
ou duas vezes por ano. Quando há mudança, cui
damos de que a sua finalidade seja apenas mu
dar, e não provenha de idéia alguma de beleza ou
pois uma mesma idéia de beleza ou
de conveniência não ocorreria a todos no mesmo
momento, nem seria abandonada por todos num
mesmo outro momento. Somos tão progressistas

9
128 JOHN" MILL

quão continuamente realizamos


ções novas em coisas mecânicas e conservamo-las.
até que melhores as ansiamos por
educação, mesmo
embora, na última, a nossa idéia de
consista, sobretudo, em persuadir
outrosque
ao progresso a nos tão bons ao contrário,
opomos: Não é
bamo-nos de ser a gente mais progressista que ja
mais viveu. É contra individualidade que ba
julgaríamos ter feito maravilhas se nos
houvéssemos tornado semelhantes, todos, uns
outros, olvidando que a dissemelhança das
é geralmente o que mais fixa a atenção de
uma na do próprio tipo e na supe
rioridade de outro — ou na possibilidade de, com
binando as vantagens de ambos, produzir algo

lhortemo-lo
te, que qualquer dos dois.
na China — Um exempltalento
de muito o frisan-
ademais, a certos respeitos, de muita
devido à rara sorte de contar, desde cedo, com um
conjunto particularmente feliz de costumes,
até de homens a que mesmo os euro
peus mais esclarecidos de conceder, com
tas restrições embora, o título de sábios e
fos. Ela é ainda, pela excelência do seu
aparelhamento para infundir, o quanto
em espírito da comunidade a melhor

ria que possua,


assimilaram e para de
os postos assegurar
honra eaos quepovo
poder. melhor a
que tal fez, certamente descobriu o segredo do pro
gresso humano, e deveria ter-se mantido, com
meza, à frente domundo em marcha. Entretanto,
SOBRE A LIBERDADE 129

ao tornou-se — assim tem


permanecido por milhares de e, se em al
gum momento avançar, por de estran
geiros. Logrou êxito, alem de toda esperança, na
quilo por que tão laboriosamente se esforçam os
filantropos ingleses — na criação de um povo uni
forme, em que todos orientam os seus pensamen
tos e a sua conduta pelas mesmas máximas e nor
mas. E tais são os moderno
da opinião pública é, numa forma desorganizada,
o que os sistemas políticos e educacionais chine
ses são numa forma organizada. E, a menos que
a individualidade seja capaz de se afirmar, com
sucesso, ante esse jugo, a Europa, não obstante os
seus nobres antecedentes e o seu cristianismo, ten
derá a se tornar uma outra China.
Que é que há preservado a Europa, até o mo
mento, de tal Que é que fez da família das
nações européias uma porção progressista, e não
estacionária, da Não foi nenhuma
superior peculiar a elas, a qual, quan
do existe, existe como efeito, e como
e sim a sua variedade de e
Indivíduos, classes, nações, sido
mamente dissemelhantes entre traçaram cami
muito diversos, cada qual levandoalgo va
e, embora em cada período os que tomaram
por um desses caminhos hajam sido intolerantes
para com os que palmilhavam outros, e cada qual
pensasse na excelência de se coagirem os outros
a virem para a rota dele, as tentativas de contra
riar o desenvolvimento alheio raramente logra
ram sucesso duradouro, e cada qual teve de supor-
JOHN MILL

a seu tempo, o benefício advindo dos


A Europa deve inteiramente, ao meu ver, o seu
desenvolvimento progressivo e variado a essa plu
ralidade de caminhos. Já começa, porem, a uso-
fruir esse benefício num grau
menor. Ela está decididamente avançando para
ideal chinês da uniformidade. M. de
na sua última obra, assinala quão mais se pa
recem entre si os franceses da presente época, do
que os da última geração. mesmo se poderia di
zer dos ingleses num grau muito maior. Guilher
me de numa passagem já citada, apon
ta duas coisas como condições necessárias do
senvolvimento humano, porque necessárias à dis-
semelhança das pessoas, a saber, e va
riedade de situações. A segunda dessas
está diariamente
mente as diminuindo neste das
em derredor país. -
classes e individuos, formadoras dos seus
se fazem mais semelhantes. Antigamente,
classes diversas, vizinhanças várias, profissões e
ofícios diferentes, viviam no que se podia chamar
de mundos no presente, vivem, numa
grande no mesmo mundo.
mente falando, agora ouvem e vêem as mes
mas coisas, vão aos mesmos lugares, dirigem as
suas esperanças e os seus temores para os mes

mos objetos,os mesmos


liberdades, os mesmos direitos,
processos de as
os mesmas
afirmar.
Por grandes que sejam as diferenças de
que nada são ante as que
E a assimilação continua a se operar. Todas as
transformações políticas da época a
uma vez que todas tendem a erguer o baixo e
A LIBERDADE 131

o alto (10). Cada extensão da educação


a promove, pois a educação submete o povo às
influências comuns e lhe dá acesso à provisão ge
ral de fatos e sentimentos. progresso dos meios

(10) Nota do tradutor: conjunto das idéias deste ensaio


não autoriza compreensões antidemocráticas do pensamento de
Põe ele todo o cuidado em esclarecer que o desenvolvimento
de indivíduo não pode ser feito à custa dos outros indivíduos.
não está sustentando o direito e a conveniência de
indivíduos cultivarem e expandirem livremente a própria persona
lidade, mas defende o de "todos" o fazerem. Revolta-se contra o
fato de a opinião pública tiranizar o indivíduo, mas evidentemente
não advoga o inverso — que ao indivíduo seja permitido tiranizar
o público. Todo o capítulo deste ensaio assesta poderosos gol
pes em quaisquer pretensões de atribuir autoridade arbitrária, re
gida pelo critério pessoal, a um ou alguns indivíduos sobre os de
mais — ele nega essa autoridade mesmo a Marco Aurelio. "Tudo
que o homem de gênio pode disse Mill poucas pági
nas atrás, "é liberdade para indicar o caminho. poder com
pelir os outros a tomarem esse caminho não só é com
a liberdade e o desenvolvimento das outr as pessoas, mas ainda
corrompe o próprio homem forte". Se no texto desta página, ele
fala na uniformidade produzida pelos progressos da educação, o
conjunto que
sibilitam do ensaio, e a história
se entenda pessoalelee contra
e se coloque a obra a de não pos
expansão educa
cional, mas sim contra métodos apassivadores,
domesticadores. Nem a história pessoal e a obra de Mill autori
zam se julgue fosse porta-voz da reação contra o progresso
material — é contra certos efeitos deste que Mill procura acau
telar a cultura, aspirando fórmulas de neutralização desses efei
tos, e não a eliminação do progresso.
em certas páginas deste livro, sobretudo para fren
te, o individualismo reivindicado pelo autor, exprimindo, aliás, as
pirações pelo momento em que se escreveu o
livro, reveste-se do aspecto de individualismo econômico. Desco
nhece, então, que este redunda no individualismo apenas de uns
poucos em detrimento da individualidade da grande maioria, e, de
outro, que é sobretudo para os valores espirituais que se reclama
e se prova a excelência, e tal individualismo
não só não implica o econômico, como antes parece que precisa
mente o contraria.
Na verdade, as tendências igualitárias modernas, que tendem
ao reforço social na economia, sido classificadas por autores,
como o jurista filósofo alemão Gustavo Radbruch, entre formas do
individualismo. Nelas, paga-se o preço de uma maior socialização
de aspecto da vida pelo bem de um maior individualismo dos
132 JOHN STUART MILL

de a promove, pondo em contacto pes


soal os de lugares distantes, e manten
do um rápido fluxo de mudanças de residência
um lugar para outro. incremento do comércio

demais. Dentro, afinal, do princí pio formulado por Stuart


no capítulo "à individualidade deve pertencer a parte
da vida na qual o indivíduo é o principal interessado, à sociedade
a que à sociedade primacial mente interessa". E nada mais social
que o econômico.
A consideração de que a liberdade na desigualdade econômica
pode acabar exprimir unicamente a reivindicação dos
gios" (Anatole ou por ser mais ou menos o mes
mo que era nas antigas repúblicas gregas, sto i é, liberdade
os donos de escravos" a seu respeito podendo indagar-se
o que Cogliolo indaga a respeito da liberdade dos colonos cla pro
mada pela legislação de Constantino e seus sucessores —
que poderia servir uma formal e oca liberdade, quando as condi
ções econômicas eram tão precárias que o colono morreria de fe
bres e de fome se, usando da sua liberdade, deixasse o campo e
o a consideração de que Voltaire exprimiu algo justo
sobre o condici onamento material da liberdade ao dizer — o
dinheiro porque amo a a de que exerce o
das condições econômicas da liberdade, controla a própria liberda
de" Macdonald) levaram pensadores, nos quais a aspi
ração da liberdade se aproveita da observação da realidade, a es
tudar a conciliação do individualismo com uma socialização cres
cente da economia, como, aliás, os tempos modernos impondo
(embora haja, na prática, certos experimentos con
temporâneos, muito aniquilame nto da liberdade, epouca socializa
ção da Entre os ingleses, um artista — Oscar Wilde,
um político — Ramsay Macdonald, se preocuparam em
que, em nome da individualidade, é quepodia e se devia reivin
dicar o abrandamentoda desigualdade econômic a; que o individua
lismo em bases de tal desigualdade acentuada resulta no indivi
dualismo possibilitado a pouquíssimos, e negado, de forma quasi
absoluta, à grande massa; que menos individualismo na economia
necessário precisamente à generalização de uma individuali
dade de gostos, de sentimentos, de idéias, que a grande maioria
das pessoas
namento encon
tra terminantemente proibida a si pelo condicio
econômico.
A tendência socializadora dos nossos dias não implica, pois,
por si, a eliminação do individualismo. Ao contrário, a síntese qu
e
como antítese, prepara, conservará os bons elementos da tese,
e mesmo A individualidade ganhará base
larga e terá um desenvolvimento mais livre. Procura-se um a fór
mula superior de organização que restaure o individua
lismo, dando a uma fórmula superior.
A LIBERDADE 133

e das a promove, difundindo mais


amplamente vantagens das circunstân-
cias, e abrindo à competição geral todos os obje
tos de ambição, ainda os mais elevados, por onde
o desejo de subir se torna, não mais o de
uma classe particular, mas de todas as classes.Um

agente
lização mais poderosoentre
da similitude que os
todos esses, da genera-
é o estabe
lecimento completo, neste e noutros paises livres,
da ascendência da opinião pública Estado.
Como as várias superioridades sociais, que habi-
as pessoas, acasteladas nelas, a desrespei-
a opinião da multidão, cedem ante o nivela-
mento, e como a resolução de resistir à vontade do
público, quando se sabe ter este positivamente uma
vontade, cada vez mais desaparece do espírito dos
políticos militantes, cessa de existir qualquer pon~

to deforça
quer apoiopor
social para o não-conf
si subsistente que, porormismo
si oposta—à qual-
do número, se interesse por tomar sob
a sua proteção opiniões e tendências em
com as do público.
A associação de todas essas causas
tão grande volume de influência hostisindi
vidualidade, que não se vê facilmente como possa
esta manter o terreno. A dificuldade crescerá, a
menos que se possa fazer sentir à parte inteligen-
te do povo o valor da individualidade — fazê-la
ver
para como é bom
melhor, mesmohajaque
diferenças mesmo
lhe pareçam paraque não
pior.
Se em qualquer tempo devem afirmar os direi-
tos da individualidade, devemos fazê-lo agora, eu-
quanto muito falta para se completar a
134 JOHN

forçada. É nos primeiros momentos


combate à usurpação pode lograr êxito. A
cia de que todas as outras pessoas se façam
a cresce com o que a alimenta.
resistência
tipo aguarda
uniforme, se
todos os desvios a vida
desse tipoa virão
um a
ser considerados ímpios, imorais, mesmo monstruo
sos e contrários à natureza. A se
na rapidamente incapaz de conceber a diversidade
se por muito tempo se desacostumou de vê-la.
IV

Dos limites da autoridade da


sociedade sobre o indivíduo

QUAL, então, o justo limite à soberania do


víduo sobre si Onde começaa auto
ridade da Quanto da vida
deve atribuir à individualidade, quanto à socieda

Cada uma delas receberá o próprio quinhão,


se cada uma tiver aquilo que mais particularmen
te lhe diz individualidade deve perten
cer a parte da vida na qual o indivíduo é o
cipal interessado, à sociedade a que à sociedade
primacialmente interessa.
Embora a sociedade não se funde num
t o, e embora nenhum proveito se tire da
de um contrato de que se deduzam as
sociais, cada beneficiário da proteção da
de deve uma paga pelo benefício, e o fato de vi
v e r em sociedade torna cada
linha de conduta
Essa conduta consiste,
interesses de outro, ou
te s
legal certos
ou porinteresses, que, ou por
expressa
tácito entendimento,
devem sercláusula
consi
e, segundo, em cada um
136 JOHN MILL

su
a parte (a se fixar segundo algum
equitativo) nos labores e que se
defesa da sociedade ou dos seus membros
danos e Justifica-se que a
ciedade essas condições a todo o
que tentam furtar-se ao seu
to. Nem isso constitue tudo que à sociedade é
mitido fazer. Os atos de um indivíduo podem
a outro, ou faltar com a devida considera
ção ao bem-estar deste, sem irem ao ponto de
lar algum dos seus direitos estabelecidos. Nesse
caso, o ofensor pode ser punido pela
aindaque não pela lei. Desde que algum
setor da conduta de uma pessoa afete de maneira
nociva alheios, a jurisdição da
dade o alcança, e a questão de a interferência nes
se setor promover, ou não, o bem-estar geral, tor
na-se aberta à controvérsia. Tal problema, po
rem, não tem lugar quando a conduta de um indi
víduo não afeta interesses de outros ao seu lado,
não necessite a não ser que esses outros
o queiram (todos os interessad
os maiores e
da ordinária soma de Em todos es
ses casos, deve haver perfeita liberdade, e so
de praticar a ação e suportar as consequên
cias.
incompreensão dessa doutrina have
ria em supô-la uma doutrina de egoís
tica, que pretendesse nada terem os seres huma
nos com a conduta alheia, e não deverem interes
pelas boas ações e pelo bem-estar dos outros
salvo estando o próprio interesse envolvido.
esforço desinteressado por promover o bem alheio
necessita ser grandemente incrementado, e não por
A LIBERDADE 137

qualquer forma Mas a


cia desinteressada pode encontrar instrumentos de
persuasão das pessoas ao seu próprio bem, diver
sos de açoites e azorragues, no sentido literal ou
metafórico. Serei o último a depreciar as
des em
das paraimportância,
consigo apenas
se tais, as asjulgo
ante segun
virtudes para
com os outros. tarefa da educação cultivar
estas e aquelas. Mas mesmo a educação oper a
convencendo e persuadindo tanto quanto constran
gendo, e, passado o período educativo, é só pelo
primeiro método que se deve inculcar as virtudes
consigo próprio. Os seres devem
mutuamente ajudar-se a distinguir o melhor do
pior e à escolha do primeiro e à recusa
do segundo. Devem sempre achar-se entregues a
um mútuo estímulo do exercício crescente das mais
altas e da crescente orientação dos sen
timentos e desígnios para objetos e contemplações
sábios, e não tolos, que elevem, e não que degra
dem. assiste, porem, a uma pessoa, ou a qual
quer de autoridade alguma para
dizer a outra, de idade madura, que não deve fa
zer da sua em seu próprio benefício, o que
fazer. Ela é a maior interessadano pró
prio
casos de possa ter neste, é
frívolo comparado com o
ela enquanto no
diz respeito à sua conduta para com os
é De outro
lado, o homem a mulher mais vulgar
em relação aos próprios sentimentos e às próprias
meios de conhecimento que ultra-
138 JOHN STUART MILL

sem medida, os que possam ser


dos por quaisquer outras pessoas.
da sociedade para impor a sua e os seus
propósitos apenas diz respeito
tem de basear em presunções
podem ser inteiramente
podem ser, nãoe, ser bem
aos casos individuais, por pessoas tão
pouco ao par das circunstâncias de tais casos
quanto o deve estar os puramente
Esse pois, dos assuntos humanos cons-
o ação da
Na conduta de uns para com os outros,
necessário que normas gerais sejam observadas
sua maior parte, para que as pessoas possam sa
ber o que esperar, mas, no que concerne propria
mente a cada um, cabe à espontaneidade indivi
dual livre exercício. Pode-se fazer
mesmo indivíduo,
que auxi
liem a sua apreciação, ou exortações que fortale
çam a sua vontade, mas, afinal, é ele quem
erros é cometa mau
conselhos prejudicam
do que permitir aos ao que jul
gam
Eu não pretendo que os sentimentos com que
se encare pessoa, não sejam, de nenhuma ma
neira, afetados pelas qualidades e defeitos no ter
reno édapossível
nem sua conduta
nem para consigo
Tantomesma. Isso
quanto se
ja eminente em alguma das qualidades que con
duzem ao próprio bem, faz-se digna de
ção. Tanto mais se aproxima da perfeição ideal
da natureza humana. E, se carece
A LI BE RD AD E 139

de tais qualidades, disso se seguirá um senti


mento inverso do de admiração. Há um grau de
extravagância e um grau do que se pode chamar
o nome não seja de obje-
baixeza ou depravação de gosto, que, apesar
de não poder justificar se qualquer mal a
quem o torna, necessariamente e ade
quadamente,
sos extremos,objeto
de de desgosto, oupoderia
mesmo,pos
nos ca
suir com o devido vigor as qualidades opostas sem
entreter esses sentimentos. Embora sem fazer in
justiça a uma pessoa pode agir de modo
a nos obrigar a julgá-la — e a dar-lhe a perce
ber isso — uma insensata, ou um ser de ordem in
ferior. E, desde que esse e essa percepção
constituem fato que ela preferiria evitar, é pres
tar-lhe um serviço disso de antemão,
bem como de qualquer outra circunstância desa
a que se expõe. Bom seria, naverdade,
que esse serviço fosse bem mais livremente pres
tado do que as noções comuns de polidez o permi
tem hoje, e que pudesse honestamente ob
servar a outrem que o julga em falta, sem ti
do por indelicado ou presunçoso. nos as
siste, de diversas formas, o direito de agir segun
do a nossa opinião de não
para oprimir a sua individualidade, mas no exer
cício da nossa. Não somos obrigados, por
plo, a lhe procurar a temos o direito de
evitá-lo (embora não de ostentar esse evitamento),
porque temos direito de escolher a compania que
nos é mais Temos o direito, e pode ca-
ber-nos o dever, de acautelar os outros contra ele,
se lhe julgamos o exemplo ou a conversa capazes
140 JOHN MILL

de efeito nocivo sobre os que dele se


Podemos preferir prestar a outros, e não a
o obséquio que nos é fazer, salvo se
está em causa o seu Dessas
rias pode pessoa sofrer penalidades
dos outros, por faltas
diretamente só a ela, mas as sofre apenas
e, por dizer,
das próprias faltas, que lhe se
propositadamente infligidas com o intuito
punição. Aquele que manifesta leviandade, teimo
sia, presunção, que não pode viver de uma manei
ra moderada, que não pode esquivar-se a excessos
danosos, que busca prazeres animais às expensas
dos do sentimento e do intelecto, deve esperar
na opinião alheia, e contar menos com as disposi
ções direito a dos
rem, outros. aNão
se queixar, lhe assiste,
menos po feito
que tenha
jus ao favor alheio por uma especial superiorida
de nas suas relações sociais, e haja, assim,
rido um título aos obséquios dos outros, ao qual
não os deméritos dele para consigo próprio.
que é que as inconveniências estri
tamente da apreciação
alheia sejam as a que se sujeite
sua conduta e pelo seu naquelas coisas que,
concernentes ao seu próprio bem, não afetem, con
tudo, os interesses dos outros nas relações com ele.
Já os atos ofensivos aos outros exigem um trata
mento completamente diverso. A usurpação dos
seus infligir-lhes lesão ou dano que os
direitos do que lesa ou prejudica não
a falsidade ou duplicidade no trato com
SÔBEE A LIBERDADE 141

uso ilícito ou de vantagens que sobre


eles se mesmo a abstenção de
defender contra injúria — tudo isso são
de reprovação moral e, nos casos
ves, de retribuição e punição morais. E não so
mente esses atos, mas as disposições que a eles con
duzem, são imorais no sentido próprio, dignas de
reprovação, a qual pode ir à aversão.
má índole e má fé; a mais antissocial
odiosa de todas as paixões — a
ção e sem su
e ressentimento desproporcional à
o gosto de mandar nos o desejo de
mais vantagens do que compete a cada
(a — — dos a
que tira do amesquinhamento dos
o egotismo, que se supõe a si e aos próprios interes
ses mais importantes que quaisquer outras coisas,
e que decide
duvidosas — aesses são
de sivícios
mesmo todase as
morais questões
formam um
moral mau e odioso. como as faltas
contra si mesmo anteriormente mencionadas, as
quais não são propriamente e, a
qualquer ponto que sejam levadas, não constituem
perversidade. Estas podem ser provas de certo
grau de estultícia ou de carência de dignidade
soal e de auto-respeito. Só se tornam, porem, ob-
de reprovação quando involvem uma in
fração do dever para com os outros, em caso
estes se achem interessados na obrigação do
indivíduo de cuidar de si. Os chamados deveres
para conosco não são socialmente obrigatórios, a
não ser que as circunstâncias os façam, ao
tempo, deveres para com os outros. A
142 JOHN

— dever para quando significa algo mais


que prudência, significa respeito por si mesmo ou
e por nada disso -
perante os seus semelhantes, pois que,
nada disso, o bem da humanidade implica
responsabilidade.
A distinção entre a perda de estima em que
se pode legitimamente incorrer por falta de pru
dência ou de dignidade pessoal, e a reprovação
•devida por uma ofensa aos direitos alheios, não é
meramente nominal. É muito diferente, tanto
para os nossos sentimentos como para a nossa
conduta para com uma pessoa, que nos desagra
de ela no em que nos julgamos com o direito de
controlá-la e no em que sabemos não ter esse
direito. Se ela nos desagrada, é-nos permitido
exprimir o nosso desgosto, e conservar-nos
tados de uma pessoa — como de uma coisa que
nos desagrada, mas não nos sentiremos solicita
dos a tornar-lhe, por isso, a vida
Devemos refletir que ela já suporta, ou suportará,
o castigo completo do seu erro. Se ela a
vida pela má orientação, não devemos desejar,
por esse motivo, estragá-lamais ainda. Ao en
vés de querer devemos esforçar-nos por
lhe mitigar a pena, evitar ou
remediar os males que a sua conduta tende a
Ela pode ser para nós um objeto de pie
dade, talvez de antipatia, mas não de cólera ou
ressentimento. a trataremos como inimiga
da sociedade. pior que será justo fazer, é aban
doná-la a si mesma, se não queremos intervir
benevolamente mostrando-lhe interesse ou
tude. diverso será o caso,
A LIBERDADE 143

normas proteção dos seme


lhantes As más
recaem,
mas sobre os outros, e
de tem direito à
deve pela o

expresso
com severidade. cuidando
se apresenta, de agir
então,
uma acusada ante o nosso tribunal, e pede-se a nós
não apenas julgá-la, mas ainda, de uma forma ou
outra, executar a nossa sentença. outro caso,
não nos cabe nenhum sofrimento, sal
vo o que incidentalmente se siga do uso por nós
da mesma liberdade de condução dos nossos negó
cios que a ela concedemos nos seus.
Muitos recusarão admitir a distinção que
apontamos entre a parte da vida de que

moa ele concerne,


pode, e a que concerne
perguntar-se-á, aos outros.
ser alguma parte da
conduta de um membro da sociedade assunto in
diferente aos demais é com
pletamente um ser isolado, e é a um
indivíduo praticar permanentemente e
algo prejudicial a si próprio sem acabar o mal
por atingir as suas relações próximas, e sem ir
mesmo, frequentemente, muito alem destas. Se o
indivíduo os próprios bens, causa dano àque
les que, direta ao indiretamente, se apoiam neles,
e, em regra, numa maior ou menor exten
são, os recursos gerais da comunidade. Se desgas
ta as próprias faculdades corporais ou mentais, não
apenas prejudica aqueles cuja felicidade, em par
to, dele depende, mas ainda se desqualifica para os
serviços que deve aos seus semelhantes em

10
144 JOHN STUART MILL

talvez se um fardo para a afeição ou


lência e, se tal conduta muito
dificilmente se cometeria falta que desfal
casse mais a soma geral de vantagens. Finalmen
te, seus vícios não causa
dano a —
nocivo pelo exemplo, — deve
controlar-se, em benefício daqueles que a vista
0 conhecimento de tal conduta poderia
desencaminhar.
E mesmo, se as consequências
da má conduta pudessem ficar confinadas ao indi
víduo vicioso ou irrefletido, deveria a sociedade
abandonar à própria orientação os que são mani
festamente incapazes de se guiarem a si
Se se reconhece que às crianças e aos menores se
deve auxílio contra a sua própria falta de crité
rio, está a sociedade igualmente na obrigação
de concedê-la às pessoas de idade madura igual
mente incapazes de se Se o vício do
jogo, ou a embriaguês, a incontinência, a ociosida
de, a falta de higiene, são tão nocivos à felicida
de, e obstáculos tão grandes ao aperfeiçoamento,
quanto, ou mais que os atos proibidos pela lei, por
que (pode-se perguntar) não deve a lei, quanto
ja com a praticabilidade e a conveniên
cia social, reprimi-los E não deve a
nião, como um suplemento às
feições desses
polícia da lei,vícios,
ao menos organizar
e aplicar rígidasuma poderosa
penalidades
sociais àqueles que se sabe Aí não se
trata, pode-se dizer, de restringir a individualida
de, ou de impedir o ensaio de novas e srcinais prá
ticas de vida. Ai o que se procura tolhersão coisas
A
í

experimentadas e condenadas desde o começo do


A
mundo, coisas que a prática mostrou não serem
ou convenientes à individualidade de nin
É preciso que decorra certo espaço de tem
po e se acumule certa soma de experiência para
que uma verdade moral ou prudencial possa ser
olhada como e aí se deseja meramen
te
no impedir que geração
mesmo abismo que jáapós geração
foi fatal se precipite
às que as prece
deram.
Admito cabalmente que o mal por
a si mesmo possa seriamente afetar, através das
simpatias e interesses que tenham, aqueles que de
perto com ele se relacionam, e, num grau menor,
a sociedade em geral. Quando, por uma conduta
desse gênero, é levado a violar uma obri-
gação clara e determinada para com outra pessoa
ou outras pessoas, o caso refoge à classe dos estri
tamente individuais,
vação moral, e próprio
no sentido torna-sedosujeito
termo.à Se,
desapro
por
exemplo, um homem, por intemperança ouextra-
vagância, se faz incapaz de pagar as suas
ou, havendo assumido a responsabilidade de uma
família, incapaz de sustentá-la ou educá-la, ele
merece reprovação e é justo que seja punido. Mas
porque o dever para com os credores ou
para com a família, não por ser extravagante. Se
os recursos que se deveriam destinar-lhes, tives-
sem sido desviados para a mais prudente aplica-
a culpabilidade seria a mesma. George
assassinou o tio afim de obter dinheiro para
a mas, se o houvesse para se estabe-
comercialmente, teria sido igualmente or-
cado. Por outro lado, no caso frequente de um fe*^
146 JOHN MILL

que prejudica a família por se entregar a


maus merece ele, por sua malvadez ou
gratidão, um reproche que, entretanto, lhe cabe
ria se cultivasse hábitos em si não vicio
sos, mas de dor para aqueles que partilham
a sua vida ou cujo conforto dele depende em vir
tude de pessoais. Quem quer que falte à con
sideração geralmente devida aos interesses e sen
timentos alheios, não sendo a isso obrigado por al
gum dever mais imperioso, ou autorizado por uma
preferência pessoal lícita, faz-se objeto de desapro
vação moral pela falta, não, porem, pelo que
sa a falta, ou pelos erros de natureza
pessoal que podem remotamente tê-lo levado a ela.
De maneira análoga, se se incapacita, por
conduta que diga respeito meramente a ele pró
prio, para
nado que. olhedesempenho de com
incumba para algumo dever
público, incor
re em culpa por falta de natureza social.
se deve punir simplesmente por ter. bebi
mas um soldado ou um policial que bebeu
serviço, deve sofrer Em suma, quando
verifica um definido, ou existe um
definido de a um indivíduo, ou ao públi
co, o caso sai do setor da liberdade, e recai no da
moralidade ou no da lei.
Mas, em relação à injúria meramente contin
gente,pessoa
uma que sepode
poderia chamar
causar — interpretativa,
à sociedade por que
que não viola qualquer dever específico para com
o público, nem ocasiona dano a deter
minado indivíduo, a inconveniência é de
tal que a sociedade pode consentir sofrê-la em
nefício da liberdade humana. Se se tem de
A

adultos por não convenientemente de si,


eu preferia que tal se fizesse em deles
mesmos, e não sob o pretexto de os impedir de pre
judicar a sua capacidade de prestar à sociedade
serviços que esta não pretende o direito de
exigir. Mas não posso em debater o as
sunto como se a sociedade não contasse, para ele
var os seus membros mais fracos até o seu padrão
ordinário de conduta racional, com meios outros
que aguardar pratiquem algo irracional, para ela,
então, os punir por isso, legal ou moralmente. A
sociedade teve um poder absoluto sobre eles duran
te todo o primeiro período da sua existência — teve
o período inteiro da infância e da menoridade para
procurar torná-los capazes de conduta recional na
A geração existente é senhora da educação e
de todas as circunstâncias da geração seguinte.
pode, na verdade, fazê-la perfeitamente sábia e
boa, tão lamentavelmente falha é ela própria em
bondade e sabedoria. Os seus melhores não
são, sempre, nos casos individuais, os mais bem su
cedidos. Mas pode, muito bem, fazer a geração,
que surge, tão boa, no conjunto, como ela
e até um pouco melhor. Se a sociedade deixa uma
quantidade de seus membros cresce
rem crianças incapazes de atos
dados na consideração racional de motivos
tes, a si mesma censurar-se pelas consequên
cias. Armada
educação, mas não apenas
ainda da de todos os
quepoderes da
dade de uma opinião aceita sempre exerce sobre
espíritos menos aptos para
coadjuvada pelas penalidades naturaisque inevita
velmente recaem sobre os que incorrem no desagra-
148 JOHN STUART MILL

do ou no desprezo dos
pretender que necessite, ao lado de
poder de expedir ordens e impor obediência
nos assuntos pessoal dos
nos segundo todos os princípios
justiça e política, a decisão deve caber a quem
suportaráas consequências. Seria recorrer ao pior
meio, o que tenderia, mais que qualquer outra coisa,
a desacreditar e frustrar os melhores processos de
influenciar a conduta. Se naqueles que se
coagir à prudência ou à temperança houver do
terial de que se fazem os caracteres vigorosos
independentes, eles, infalivelmente, se rebelarão
contra o jugo. pessoa dessa espécie
rá jamais que os outros possuam o direito de a
trolar no que lhe concerne, como o de impe-
de ofendê-los no que concerne aeles. E
mente se vem
de coragem a considerar
desacatar umautoridade
uma tal sinal de espírito
fruto
usurpação, e fazer ostensivamente o contrário
to do que ela prescreve. Foi o caso do tipo
grosseria que sucedeu, na época de Carlos II, à fa
nática intolerância moral dos puritanos. Quanto ao
que se disse da necessidade de proteger a socieda
de contra o mau exemplo dado pelos viciosos ou le
vianos, é que o mau exemplo pode ter um
efeito pernicioso, sobretudo o mau exemplo de fa
zer impunemente injustiça aos outros. Estamos,
porem, falando da conduta que, sem fazer injusti
aos outros, se supõe causar grande dano ao pró
prio e eu não vejo como os que nesse
dano, possam julgar que o exemplo não tenha
ser, afinal, mais salutar que nocivo, desde que, se
exibe a má conduta, exibe, outrossim, as penosas e
A LIBERDADE 149

degradantes que, se é justa a censu


ra que se faz à conduta, se deve supor, necessaria
mente, acompanharem o mau exemplo, em todos
os casos, ou na maioria deles.
mais forte, contudo, dos argumentos contra
a interferência do público conduta puramente
pessoal, é que, quando ele se pode apostar

que
Nas interfere
questões de
de modo errado,
moralidade e emde
social, lugar errado.
dever para
com os outros, a opinião do público, isto é, de uma
maioria dominante, embora muitas vezes errada,
é natural que seja, ainda mais frequentemente, cer
ta, pois que, em tais questões, ele é solicitado a
gar apenas dos próprios interesses, da maneira por
que algum modo de conduta, se se lhe permitisse a
prática, o afetaria. Mas a opinião de semelhante
maioria, imposta como lei à minoria, em questões
de conduta estritamente individual, tanto pode ser
certa errada. Nesses casos, a opinião públi
ca, na melhor hipótese significa a opinião de algu
mas pessoas sobre o que é bom ou mau para outras
pessoas. Muito frequentemente, porem, nem mesmo
isso significa, pois o público passa com a
feita indiferença sobre o prazer ou a conveniência
daqueles cuja conduta censura, para só considerar
a preferência dele próprio. Muitos há que consi
deram uma injúria a si qualquer conduta de que
não gostem, e que com ela se magoam como se fos
se um ultrage aos seus sentimentos, da mesma for
ma por que se visto carolas que, acusados de
desrespeito
retrucam queaos sentimentos
estes religiosos dos
é que desrespeitam outros,
os sentimen
tos deles por persistirem no culto ou
credo que professam. Mas não há paridade entre o
150 JOHN MILL

que sente uma pessoa pela sua opinião, e


que sente outra que é ofendida no fato de
a opinião — não mais que entre o desejo de um
teador de arrebatar bolsa, e o do seu
dono de a conservar. E o gosto de uma pessoa
tanto
ou a suado seu peculiar interesse
bolsa. como
a qualquer uma sua
um público ideal que deixe imperturbadas a
dade e a escolha indivíduos em todas as maté
rias incertas, e só exija deles a abstenção dos modos
de conduta condenados pela experiência univer
sal. Mas onde se viu um público que tal limite
pusesse à sua Ou quando se preocupa
público a experiência universal? Nas
interferências na conduta pessoal, raras vezes
sa em coisa diversa da enormidade de agir ou
tir diferentemente dele. E este de aprecia
ção, ligeiramente disfarçado, é defendido ante a
humanidade, por nove décimos dos escritores mo
ralistas e especulativos, como preceito da religião
e da filosofia. Esses escritores nos ensinam que
as coisas retas o são porque são, porque as
mos assim. Dizem-nos que procuremos nos
prios espíritos e nos próprios corações as leis
conduta que obrigam a nós e a todos os outros. Que
resta ao pobre público senão aplicar essas
ções, e fazer dos seus sentimentos pessoais do bem
e do mal, se ele uma unanimida
de
o na matéria, sentimentos obrigatórios para todo
mal apontado não é mal que exista
apenas em teoria. E talvez se espere que eu
pecifique exemplos nos quais o público desta épo
ca e deste país atribua às suas preferências o ca-
A LIBERDADE

de leis morais. Não estou escrevendo um


ensaio sobre as aberrações do sentimento moral
existente. Isso é assunto por demais grave para
ser discutido incidentemente, e por via de
ção. Contudo, faz -se mister dar exemplos que
mostrem ser o princípio por mim im
portância séria e prática, e não me estar
do por
rios. elevar
E não é uma patentear,
barreira contra males imaginá
por exemplos abun
dantes, que alargar os limites que se pode cha
polícia moral, até a usurpação da mais in
questionavelmente legítima liberdade do indivíduo,
é uma mais universais inclinações humanas.
Como primeiro exemplo, considerem-se as an
tipatias nutridas sem melhor fundamento do que
o fato de os de opiniões religiosas di
não praticarem as religiosas
do sujeito, especialmente as abstinências. Para ci
tar um dos
prática exemplo algoacirra
cristãos, trivial, nada,
mais no credo
o ódio ou na
dos maome
do comerem carne de porco.
Poucos fatos os cristãos e os europeus com
desgosto mais sincero do que o que os muçul
manos sentem por esse modo particular de satis
fazer a fome. Trata-se, em primeiro lugar, uma
ofensa à sua religião. Essa circunstância, porem,
de modo explica o grau ou o gênero da sua
pois beber vinho, coisa proi
bida pela sua religião, todos os muçulmanos jul
gam mal feito, mas não repulsivo. A aversão de
les à carne da imunda" é, ao contrário, des
se peculiar análogo a uma antipatia instin
tiva, que a idéia de porcaria uma vez infiltrada nos
sentimentos, parece sempre suscitar, mesmo naque-
JOHN MILL

cujos hábitos pessoais são algo diverso do


e de que o sentimento de
impureza religiosa, tão intenso nos indús, é um
exemplo. agora, que, num povo
cuja maioria fosse muçulmana, esta teimasse
que não se permitisse comer carne de porco dentro
das fronteiras do país. Isso não constituiria nada
de novo em muçulmanos (11). Tratar-se-ia
de um exercício legítimo da autoridade moral da
opinião E, se não, porque A
tica, proibida na hipótese, é realmente
para tal público. Ele pensa, ademais, sinceram en
te, que ela é proibida e abominada pela
de. Nem poderia a interdição ser censurada como
perseguição religiosa. Seria religiosa na sua ori
gem, mas não perseguição por religião, desde que
a religião de faz do comer porco um de
ver. único fundamento da recusa ao
pleiteado, estaria em que o público não tem
reito a interferir nos gostos pessoais e nos inte
resses estritamente particulares dos indivíduos.
Para nos aproximarmos mais de os es
panhóis, na sua maioria, consideram grave

(11) caso dos parses de Bombaim é um curioso exemplo


deste Quando essa industriosa e audaz tribu, descendente
dos adoradores do fogo persas, chegou, fugindo do país natal ante
os Califas, à Ocidental, os soberanos indús consentiram em
ser tolerantes para com ela, sob a condição de os seus
não comerem carne de vaca. Quando aquelas regiõ es, mais tarde,
sob o domínio dos conquistadores maometanos, os parses
obtiveram destes a continuação da tolerância, sob a condição de se
absterem de carne de porco. que, a princípio, foi à
autoridade, tornou-se natureza, e os parses, hoje em
dia, absteem-sequer da carne de vaca, quer da ed porco. Embora
não requerida pela sua a dupla abstinência teve tempo
para se desenvolver em costume da tribu, e costume no Oriente é
religião.
A 153

piedade, ofensiva, no alto grau, ao Ser Su


premo, cultuá-lo de forma diversa da católica ro
e outro culto público é legal em
solo espanhol. povo de toda a Europa Meridio
nal encara um clero casado não só como irreli-
oso, mas como impudico, indecente, gros
seiro, repugnante. Que pensam os protestantes
desses sentimentos perfeitamente sinceros, e da ten
tativa de os impor aos Contudo, se
é legítimo interfira a humanidade na liberdade de
cada um relativa ao que não concerne a interesses
alheios, segundo que princípio é coerente
mente, afastar esses casos Ou quem pode censu
rar as pessoas que suprimir o que pa
rece um escândalo aos olhos de Deus e dos homens1

Não se pode encontrar caso mais eloquente para


proibição do que se tenha por imoralidade pes
soal, do que o aos olhos dos que enca
rem essas práticas como pela sua su
pressão. E, a menos que sintamos boa vontade
para acolher a lógica dos perseguidores, e para di
zer que podemos perseguir os outros não
estão certos, e que eles não devem perseguir-nos
porque estão errados, devemos precatar-nos da ad
missão de um princípio cuja aplicação a nós nos
doeria como rude injustiça.
Pode-se objetar aos exemplos precedentes,
embora irrazoavelmente, que as contingências
tornam entre a opinião neste país
não se adapta a impor a abstinência de alimentos,
ou a na maneira por que o povo, de acor
do com o seu credo ou inclinação, pratique o cul
to, e prefira o casamento ou o celibato. seguin-
154 JOHN STUART MILL

te entretanto, será tirado de


na liberdade cujo perigo de for
ma passou para nós. Onde quer que os puritanos
tenham sido bastante fortes, como na Nova Ingla
terra, e na Grã-Bretanha ao tempo de

eles setodos
primir esforçaram, com bastante
os divertimentos sucesso,
públicos, por su
e quasi
dos os especialmente a música, a dansa,
os jogos públicos, ou outras reuniões com propó
sitos e o teatro. Existem ainda neste
país grupos grandes de pessoas cujas noções mo
e religiosas condenam essas recreações.
como essas pessoas pertençam principalmente à
classe média, que é o poder dominante na
sente condição social e política do reino, é de
nenhum modo que pessoas desses sen
timentos venham, em algum momento, a dominar
uma maioria no
manescente da Legislativo.
comunidadeEstimará a porção re mo
que os sentimentos
rais e religiosos dos mais estritos calvinisi as e me
todistas regulem que diversões lhe serão permiti
Não desejaria, de um modo muito decisivo
que esses membros da sociedade,
piedosos, se ocupassem com os negócios
isso precisamente que se tem a dizer a todo gover
no e a todo público que pretendam não dever nin
gozar de prazeres que julgam ilícitos. Mas
se o princípio que funda essa pretensão for admi
tido, pode razoavelmente opor-se a que
seja levado à prática no sentido da maioria ou
outro poder preponderante no país. E todos de
vem estar prontos a se conformarem à idéia
república cristã, do tipo da dos
lonos da Nova Inglaterra, se uma profissão religio
sa semelhante à deles lograr êxito, algum dia,
A LIBERDADE 155

recuperar o como se viu acontecer,


vezes, com religiões supostas declinantes.
Imaginemos outra contingência, mais própria,
para se realizar que a última
uma forte tendência, no
mundo moderno, para uma constituição democrá
tica da sociedade, acompanhada, ou não, de insti-
políticas
onde essa populares
tendência . Afirma-se
se realiza formaque no país
mais com
pleta — onde tanto a sociedade como o governo são
muito democráticos, nos Estados Unidos, o senti
mento da maioria, ao qual desagrada qualquer
aparência de um estilo de vida mais pomposo ou
opulento do que pode ela esperar atingir, opera
como uma lei e
que muitas partes da União é realmente
cil, para quem possua uma renda muito grande,
achar um modo de a gastar que não incorra na

desaprovaçãosem
ses sejam, do povo. Embora
dúvida, muitorelatos como es
exagerados como
representação dos fatos existentes, o estado de coi
sas que descrevem é um. resultado, não somente
e mas ainda sen
timento democrático (12), combinado com a noção
de possuir o público um direito de veto a respeito
da por que os indivíduos gastam as suas ren
das. Ademais, basta supor uma difusão conside
de opiniões socialistas para poder tornar-se
degradante, aos olhos da maioria, possuir algo mais
que uma propriedade muito pequena, ou alguma

(12) Nota do tradutor: Não é o gozo em si, como para os


puritanos, mas a desigualdade nas possibilidades desse gozo, o que
pode, para espíritos democráticos, ser chocante na
opulência e na pompa.
156 JOHN STUART MILL

não proveniente do labor manual Opi


niões em princípio semelhantes a essas já preva
lecem, amplamente, na classe dos artesãos, e
sam, de uma maneira opressiva sobre os que
perante a opinião dessa classe antes de
qualquer outra — a saber, os seus próprios mem
bros. É sabido que os maus trabalhadores, que
mam a maioria dos operários em muitos ramos da
indústria, são decididamente da opinião de que eles
devem receber os mesmos salários que os bons
e que a se deve permitir adquira, por meio
do salário por peças ou de outra forma, e em
tude de perícia ou destreza superior, mais que aos
outros é sem essas qualidades. E eles em
pregam uma polícia moral, que ocasionalmente se
torna física, para impedir os trabalhadores
tos de receber, e os empregadores de pagar, uma
maior por
os assuntos privados um sob
caem serviço mais do públi
a alçada
co, eu não posso ver como estejam essas
em falta, ou como qualquer público especial
ser condenado por afirmar sobre a conduta pes
soal de um indivíduo a ele pertencente, a

(13) Nota do tradutor: Charles observa que, na reali


dade, o antes combate a riqueza-poder que a
Esta é, hoje, signo daquela. Mas a corrente socialista concebe que,
nivelamento da distribuição, se dissociem as duas, isto é, que
a igualdade na riqueza, e na miséria, e certamente numa
queza média, possa dar ò gozo sem dar o poder.
(14) Nota do tradutor: Não íoi, porem, só visando a situa
ção entre os trabalhadores, só levando em conta o mas
pouco sucesso desta reivindicação dos maus trabalhado
res, e sim a distribuição geral de bens, que Stuart fez esta
observação: recompensa, em lugar de ser proporcionada
labor e à do está, em regra geral, na razão
inversa aqueles que percebem menos são os que
e se absteem 1879, p.
SOBRE A LIBERDADE 157

autoridade que o público geral afirma sobre o con


junto das pessoas.
Sem nos estendermos, porem, sobre casos
potéticos, encontramos, nos nossos próprios dias,
grosseiros esbulhos da liberdade da vida privada
efetivamente praticados, e ainda maiores amea
çados com certa de sucesso, e opiniões
propostas que afirmam um direito ilimitado do
público, não só de proibir por lei tudo que julgue
mal mas o fim de atingir o mal
feito, de proibir uma quantidade de coisas que ele
admite serem inocentes.
A título de prevenir a intemperança, o povo
de uma colônia inglesa, e de quasi metade dos Es
tados Unidos, sofreu a interdição legal de fazer
qualquer uso, exceto para propósitos médicos, de
bebidas pois a proibição da sua ven
da é de fato, e pretende ser, proibição do seu uso.
E embora a da execução da lei
a tenha feito revogar em vários dos Estados que a
adotaram, muitos filantropos professos inicia
ram, não obstante, uma tentativa, e nela prosse
guem com zelo, de agitar país
em prol de uma lei semelhante. A associação, ou
como ela a si mesma se denomina, que
se formou com esse propósito, adquiriu alguma
notoriedade com o ser a público uma cor
respondência entre o seu secretário e um dos mui
to poucos homens públicos igleses que compreen
dem deverem as opiniões de um político fundar-se

em princípios. é Aprópria
respondência parte depara
Lord fortalecer
Stanley nessa
as cor
espe
ranças nele pelos que sabem quão raro, in
felizmente, figuram na vida política qualidades
158 JOHN MILL

como as que se manifestam em alguns aspectos


blicos da sua da
que profundamente o
de qualquer princípio que se pudesse forçar a
a carolice e a perseguição", empreende in
dicar "a larga e barreira" que se
para princípios dessa espécie dos do seu grêmio.
as matérias relativas ao pensamento, à
opinião, à conciência, parecem-me", diz ele, "estar
fora da esfera todas as pertinentes ao
ato, ao hábito e à relação sociais,
te a poder discricionário assumido pelo pró-,
Estado, e não pelo indivíduo,
estar dentrodela". Nenhuma menção se faz de
terceira categoria, diversa de qualquer dessas duas
a saber, atos e hábitos não sociais, mas
ainda que seja, seguramente, a essa

goria queVender
pertença. o ato bebidas
de ingerir bebidas
fermentadas é, fermentadas
todo
o caso, comerciar, e comerciar é um ato social.
Mas a infração que se lamenta, não é da
dade do vendedor, mas da do comprador e
desde que tanto faz o Estado
de beber vinho tornar-lhe, propositadamen
te, secretário, todavia, diz:
como cidadão, o direito de legislar
de os meus direitos sociais sejam invadidos pelo
ato social de outrem". E, agora, paraa definição
desses "direitos "Se existe algo que
vada os
co de bebidas direitosEle
fortes. sociais,
destróiesse algo
o meu é opri
direito tráfi
mário de segurança, por criar e estimular
temente a desordemsocial. Invade o meu direito
de igualdade, tirando proveito da criação de uma
miséria que sou taxado a suportar. o meu
SOBRE A LIBERDADE 159

direito ao livre desenvolvimento moral e intelec


tual, por cercar o meu caminho de perigos, e por
e desmoralizar a sociedade, da qual
tenho direito a reclamar ajuda mútua e intercâm
Uma teoria de sociais" cujas si
milares nunca, provavelmente, falaram antes lin
guagem nada menos que isso — que cons-
direito absoluto de todo indivíduo que cada
outro a todos os respeitos, exata
mente como é dever quem quer que falte a
este na menor particularidade, viola o meu direito
social e autoriza-me a pedir à legislação que re
mova o agravo. Tão monstruoso princípio é mui
to mais perigoso que qualquer interferência espe
cial na não há violação da liberdade
que isso não pudesse esse princípio não
reconhece direito
exceto, talvez, à dea sustentar
qualquer opiniões
liberdadeem
que seja,
segredo,
sem jamais as porque, no momento em que
opinião nociva ao meu ver passa pelos lábios
de ela invade todos os "direitos sociais"
a mim pela Aliança. A doutrina inves
te todos os homens de um direito perfeição moral,
intelectual, e mesmo física, de cada outro indiví
duo, perfeição que cada titular do direito defi
nirá em função do modelo que adote.
Outro importante exemplo de ilegítima inter
ferência
cia não na justa liberdade
simplesmente individual,
ameaçada, masinterferên
há muito
efetivamente triunfante, é o da legislação
Sem dúvida, abster-se da usual ocupação quoti
diana, em um dia semana, tanto quanto as
exigências da vida o permitam, embora a nenhum
respeito religiosamente obrigatório para
160 JOHN STUART MILL

que não seja judeu, constitue costume altamente


benéfico. E, como esse costume não pode ser
observado sem um acordo geral nesse sentido entre
as classes laboriosas, segue-se daí que, em tanto
que algumas pessoas podem impor,

a mesma necessidade
ser e reto quedea trabalhar a outras,
lei garanta pode
a cada um
a observância do costume pelos outros, suspen
dendo as mais importantes operações industriais
num dia especial. Mas essa justificação, fundada
no interesse direto que os demais em que
cada um observe a prática, não se aplica às
ções de própria escolha, em que uma pessoa possa
julgar adequado empregar o seu lazer. Nem vale,
no menor grau que seja, para as restrições legais
às diversões. É verdade que a diversão de alguns
importa no trabalho de mas o prazer, para
não dizer a recreação de muitos vale o
lho de uns poucos, desde que a ocupação
seja livremente escolhida e possa ser livremente
renunciada. Os operários teem toda a razão em
pensar que, se todos trabalhassem no domingo,
trabalho de sete dias teria de ser dado pelos salá
rios de seis mas já, se a grande massa das
atividades se suspende, o pequeno número que, em
bem da diversão alheia, deve ainda trabalhar,
um aumento proporcional dos
ademais, estes não são obrigados a entregar-se a
tais ocupações
se quer se preferem
um remédio,o poder-se-ia
ócio ao lucro, E, seno
achá-lo
estabelecimento, pelo costume, de um feriado em
outro dia da semana para essas classes
de pessoas. único fundamento, pois, com que é
defender as restrições às diversões
A LIBERDADE 161

tem de ser o de que essas diversões cons


tituem um mal do ponto de vista —
contra um tal motivo de legislação jamais será
excessivo o ardor com que se proteste.
Resta provar que a
dade, ou algum dos seus funcionários, tenha rece
bido doaoalto
ofensa a missãoque
Onipotente de não
vingar
sejaqualquer
ao mesmosuposta
tem
po uma injúria aos nossos semelhantes. A noção
de que um homem responde por que outro seja
religioso, foi o fundamento de todas as persegui
ções religiosas em qualquer tempo levadas a efeito,
o, se admitida, as justificaria por completo. Em
bora, o sentimento manifestado nas repetidas ten
tativas de paralisar as viagens ferroviárias no
domingo, na oposição à abertura dos museus, e
noutras coisas análogas, não tenha a crueldade dos
antigos perseguidores, o estado de espírito por ele
velado é, essencialmente, o mesmo. uma de
terminação de não tolerar os outros a
religião deles permite, mas não a do perseguidor.
uma crença de que Deus não só abomina o ato
do descrente, mas ainda não nos julgará inocentes
se o deixarmos em paz.
Não posso abster-me de acrescentar a esses
exemplos da pequena conta em que comumente se
a liberdade humana, a linguagem de
perseguição usada pela imprensa deste país quan
do chamada a noticiar o fenômeno do
Muito se poderia dizer do inesperado
instrutivo fato de que uma pretensa nova revela
ção, sobre a qual uma religião se fundou,
de impostura, que nem mesmo o
de extraordinárias qualidades do fundador
162 JOHN MILL

pode amparar, seja crida por centenas de


lhares, e tenha chegado a ser o alicerce de
sociedade, na época dos jornais, das ferrovias e
do telégrafo. que nos importa, porem, é
que essa religião, como outras e melhores,
os seus que o seu profeta e fundador
em virtude do seu ensino, condenado à morte
por uma que outros dos seus aderentes
perderam a vida pela mesma violência ilegal;
que eles em bloco, expulsos à do
país em que primitivamente medraram; en
quanto, agora que foram acossados para um
cesso isolado meio de um deserto, muitos, neste
país, abertamente declaram que seria justo (ape
nas não é conveniente) enviar uma expedição con
tra eles, e compeli-los pela força a se conformarem
às opiniões
nica alheias.
que mais artigoprovoca,
antipatia da doutrina
antipatia
transpõe, da maneira referida, os limites ordiná
rios da tolerância religiosa, é a da poli
gamia, a qual, embora autorizada aos maometanos,
indús e chineses, parece excitar uma
quando praticada por pessoas que
lam e se proclamam um ramo dos cristãos.
desaprova mais profundamente do que
eu essa instituição mormônica. Por muitas ra
zões, uma das quais consiste em que, longe de se
amparar, de qualquer forma, no princípio da liber
dade, é uma direta infração dele, pois que
consolidação das cadeias que prendem a metade
comunidade, uma emancipação da outra da reci
procidade de obrigações para com a primeira.
Deve-se, contudo, recordar que essa relação é tão
voluntária da parte das mulheres a que concerne
A LIBERDADE 163
e que podem ser consideradas as suas
em qualquer outra modalidade da institui
ção do casamento. por mais surpreendente
que tal fato possa parecer, tem ele a sua explica
ção nas idéias e costumes correntes, os quais, ensi
nando as mulheres a olharem o casamento como
a única coisa necessária, tornam
que muitas
esposas mulheres
a não prefiram
ser esposa de ser uma de
maneira várias
nenhuma.
Outros não se viram solicitados a reconhe
cer essas uniões nem a dispensar da observância
das suas leis, por motivo de opiniões mormônicas,
qualquerporção dos seus habitantes. Mas quando
os dissidentes tiverem concedido aos sentimentos
hostis alheios muito mais do que estes teriam di
a reivindicar, e houverem deixado os paises
que consideram as suas doutrinas,
para se estabelecerem num remoto esconso do globo

que eles tenham


a habitar, sido os primeiros
será, então, ver por seres humanos
que princí
pios, que não os da tirania, se pode impedi-los de
aí viverem sob as leis do seu agrado, desde que não
agridam as outras nações, e toda a
de se irem embora àqueles que não estiverem satis
feitos com os seus métodos. escritor recente,
a certos respeitos de mérito, propõe,
para usar as suas próprias palavras, não uma cru
zada, uma contra essa comuni
dade poligâmica, afim de pôr termo ao que lhe
parece um passo atrás na civilização. Para mim
se trata de um passo atrás na
eu não penso que assista a qualquer comuni
dade o direito de forçar outra a ser civilizada.
Enquanto as vítimas das más leis não invocarem a
164 JOHN" STUART MILL

assistência de outras não posso admi


que gente inteiramente sem relações com elas
intervenha, e exija que se ponha fim a um estado
de coisas com qual todos os interessados diretos
porque seja ele um escândalo
para pessoas, distantes de alguns milhares de mi
lhas, que nele não parte nem interesse.
Mandem missionários, se lhes agrada, pregar
contra o estado de coisas, e oponham-se, por qual
quer meio lícito (e fazer calar osmestres do
credo nãoé meio ao progresso de tais dou
trinas em meio ao seu próprio povo. Se a
zação triunfou sobre
o mundo, a barbárie
é demais quando
recear que aa barbárie
barbá
rie, depois de tão facilmente derrotada, reviva e
domine a civilização. civilização
pode sucumbir ante o inimigo vencido, deve
ter-se tornado tão degenerada, que nenhum
dos seus padres e pregadores, nem mais,
tem capacidades, ou assumirá o penoso
de se erguer por ela. Se assim for, mais
cedo tal civilização se vir notificada a despejar,
tanto melhor. Só poderá ir de mal a pior, até
e regenerada, como o Império do Oci
dente, por bárbaros enérgicos.
Aplicações
s princípios afirmados nestas páginas
mais generalizada
como base da discussão de minúcias, antes de se
tentar, com perspectiva de sucesso, uma aplicação
coerente sua a todos os diversos setores do governo
e da moral. As poucas observações que me pro
a fazer sobre questões de detalhe visam
os princípios, antes que os acompanhar
às suas consequências. Ofereço não tanto aplica
ções, como exemplos de aplicação, os quais podem
servir para trazer maior clareza sobre o signifi
cado e os limites dos dois preceitos que, conjun
tamente, formam a doutrina deste ensaio, e para
auxiliar o entendimento a decidir entre eles, nos
casos em que pareça duvidoso qual o
primeiro de tais preceitos é que o indivíduo
não responde perante a sociedade pelas ações que
não digam respeito aos interesses de a
não ser ele. Conselho, persuasão,
vança da parte das outras pessoas se para o bem
próprio a julgam necessária, são as únicas medi
das pelas quais a sociedade pode ligitimamente
exprimir o desagrado ou a desaprovação da con
duta do indivíduo. segundo preceito consiste
em que, por aquelas ações prejudiciais aos interes-
166 JOHN STUART MILL

ses alheios, o indivíduo é e pode


sujeito à punição, tanto social como legal, a
sociedade julga que a sua defesa requer uma
outra.
Em primeiro lugar, não se deve, de
modo,
dano, aossupor que, sealheios,
interesses dano, ou
pode,probabilidade
sem mais nada,
justificar a interferência da sociedade, isso
justifique tal interferência. Em muitos casos,
um indivíduo, visando um legitimo, causa,
necessariamente, e, portanto,
ou lesão a outros, ou intercepta um bem que eles
tinham esperançade obter. Tais
de interesses entre indivíduos surgem, muitas ve
zes, de más instituições sociais, mas são
enquanto instituições duram, e alguns seriam
com quaisquer instituições. Quem
quer que logre êxito numa profissão superlotada,
ou num concurso, quem quer que preferido a
outrem numa disputa por um objeto que
desejem, colhe benefício do do outro,
seu desperdiçado e da sua desilusão. Mas,
para o interesse comumdos homens, é melhor, por
consenso geral, que as pessoas procurem os
objetivos sem se desviarem por esse tipo de conse
quências. Em outras palavras, a sociedade
admite o direito, legal ou moral, dos competidores
decepcionados à imunidade desse de sofri
mento. os
E sen te-sede
meios solicitada
sucessoa empregados
interferir somnão
ente
permitidos, por contrários ao interesse geral, como
a fraude ou a deslealdade, e a violência.
Assim, o comércio é um ato social.
quer que empreenda vender ao público uma
A LIBERDADE 167
cie qualquer de bens, faz coisa que afeta os interes
ses das outras pessoas e da sociedade em geral, e,
dessa maneira, a sua conduta, em princípio, recai
sob alçada da sociedade. Em consequência, consi
derou-se, outrora, obrigação dos governos, nos
casos tidos por importantes, fixar preços e regular
os processos de manufatura. porem, se reco
não sem se ter travado uma longa luta, que
a barateza e a boa qualidade das mercadorias são
mais eficientemente atendidas deixando-se os pro
dutores e vendedores perfeitamente livres, sob a
única restrição de igual liberdade para os compra
dores se suprirem em outra parte. É a doutrina
chamada do que repousa sobre fun
damentos diversos do princípio da liberdade indi
vidual afirmado neste ensaio, embora igualmente
sólidos. ao ou à produção de
fins são,
e tudo que é coagido, coagido, é um mal.
Mas as coações apreço afetam, apenas, aquela
parte da conduta que a sociedade é competente
para coagir (15), e são injustos unicamente porque,
de fato, não produzem os resultados almejados.
como o princípio da liberdade individual
não é envolvido na doutrina do livre-câmbio, as
sim não o é na maior parte das questões
que surgem a respeito dos limites dessa
como, por exemplo, sobre que soma de controle
público é para prevenir a fraude por
adulteração; até onde precauções sanitárias, ou

disposições para proteger os trabalhadores


(15) Nota do Segundo o próprio Stuart pois,
não é do da liberdade que decorrerá o individualismo
econômico.
168 JOHN

gados em ocupações perigosas, devem ser impos


tas aos empregadores. Tais questões envolvem
considerações de liberdade somente em tanto que
deixar o povo entregue a si mesmo é sempre •me
lhor, do que o controlar. Mas
que ele pode ser controlado em
de tais
lado, háfins, é umrelativas
questões princípioà interferência
De no co
mércio que constituem, essencialmente, questões de
liberdade, tais como a lei do Estado do Maine já
referida, a proibição da importação de ópio na
China, a restrição da venda de venenos, casos,
todos, em suma, nos quais a finalidade da interfe
rência é impossibilitar ou dificultar que se obte
nha uma certa mercadoria. Essas
são como infrações, não da liberdade
do produtor ou do vendedor, mas da liberdade
comprador.
Um o da venda de venenos,
abre uma questão nova — os limites convenientes
daquilo que se pode chamar de
que ponto a liberdade pode ser legitimamente in
vadida para fins de prevenção do crime ou de aci
dentes. Uma das funções governamentaiscon
trovertidas é tomar precauções contra o crime
antes da sua prática, tanto quanto a de
e depois. A função preventiva do gover
no, entretanto, presta-se muito mais a abusos, em
da liberdade, que a função repressiva,
pois que dificilmente se encontra aspecto da
tima liberdade de ação de um ser humano que não
possa ser concebido, até demais, como
tador de facilidades para uma ou outra forma de
delinquência. se uma autoridade
A 169
ou um particular, vê
temente preparando-se para cometer um crime,
nem um nem outro são obrigados a conservar-se
inativos até que ele seja cometido, mas podem in
terferir para o obstar. Se nunca se trouxessem
ou usassem venenos para propósitos outros que o
de assassinar, justificar-se-ia proibir a sua fabri
caçãonão
rios e venda.
só paraElesinocentes,
podem, contudo,
como ser necessá
para
fins e não é possivel impor restrições num
caso sem operarem no outro. De outro lado, é
função própria da autoridade pública a prevenção
de acidentes. Se foi visto, por um agente
da autoridade ou outra qualquer pessoa, tentando
atravessar uma ponte verificada perigosa, e não
tempo de do perigo, essas pessoas
podiam agarrá-lo e para trás sem in
fringir realmente a liberdade: pois a liberdade
consiste em fazer o que se deseja, e ele não deseja
cair no rio. obstante, quando não há certeza,
mas apenas perigo de um mal, a não ser
a própria pessoa, pode julgar da suficiência do
motivo que pode levá-la a correr o risco. Nesse
caso, portanto, a menos que se trate de
ou de um tresvariado, ou de num estado
de excitação ou de absorção com o
pleno uso da faculdade reflexiva, deve-se apenas,
penso, do perigo, não à força
de expor a ele. Considerações análogas, apli
cadas a questão a venda de venenos,
podem habilitar-nos a decidir quais, entre os mo
dos de regulamentação, contrariam, ou
não, o princípio. Uma cautela, por exemplo, como
a de marcar a droga com alguma palavra que ex-
170 JOHN STUART MILL

prima o seu perigoso, pode ser imposta


sem da não é que o
comprador queira ignorar ter a coisa por ele
suida propriedades venenosas. Mas exigir,
todos os casos, o certificado de um profissional da
tornaria algumas vezes sem
pre dispendioso, obter o artigo para usos legíti
mos. Parece-me que o único modo pelo qual
pode pôr dificuldades ao crime que se cometa com
esses meios, sem qualquer infração, que mereça
levada em conta, à liberdade dos que desejem
substancia para outros fins, consiste em
providenciar o que, na linguagem adequada
se preconstituida" ("pre-
Essa cautela é a
todos no caso de contratos. É usual e justo que a *
lei, quando um contrato é assentado, exija, como
condição
cia da obrigação
de certas de otais
formalidades, cumprir,
como aassinaturas,
atestação de e análogas, afim de
no caso de disputa subsequente, possa haver prova
de que realmente se convencionou o contrato e nas
circunstâncias nada houve que o invalidasse ante
a lei. efeito disso é suscitar grandes obstáculos
aos contratos fictícios, ou aos contratos em
circunstâncias que, se conhecidas, destruiriam a
sua validez. Precauções natureza similar po
deriam ser impostas à venda de artigos próprios
para servirem de instrumentos de crimes.
dedor, por exemplo, poderia ser solicitado a lançar
num registro a época exata transação, o
e o endereço do comprador, a precisa qualidade e
quantidade a perguntar o fim para que
o artigo é necessitado, e registrar a resposta
A 171

bida. Quando não prescrição médica, a


presença de alguma terceira pessoa poderia ser
exigida, para recordar o fato ao comprador, no
caso de mais tarde haver razão para acreditar ter
sido o artigo aplicado a propósitos criminosos.
Tal regulamentação não seria, em regra, impedi
mento material a obter o artigo, mas um obstáculo
muito a se fazer dele um uso impró
prio que não fosse descoberto.
direito inerente à sociedade de opor precau
ções prévias aos crimes contra ela, sugere as limi
tações óbvias à máxima de que não se pode, com
propriedade, em matéria de prevenção ou repres
são, visar a má conduta relativa puramente a si
próprio. embriaguez, por exemplo, nos casos
ordinários, não é assunto adequado à interferência
mas eu julgaria perfeitamente legíti
mo que uma pessoa já uma vez condenada por um
ato de violência contra outrem sob a influência
da bebida, fosse colocada sob uma restrição espe
cífica da lei, pessoal a e que se, depois disso,
Eosse encontrada ébria, se visse sujeita a uma
pena, e se, nesse estado, houvesse outro
delito, a punição deste se tornasse mais severa.
Embebedar-se, para que a bebida excita
fazer mal aos semelhantes, é um crime contra os
outros. Assim a ociosidade, salvo em
quem receba do público o sustento, ou quando ela
constitua
tirania, uma infração
tornar-se de punição
objeto de contrato,legal
não pode,mas
sem

(16) Nota do tradutor: A punição do ocioso, numa organi


zação raciona] da sociedade, viria de si segundo a máxima de São
"si quis non operari, nec manducet" III,
172 JOHN STUART MILL

se por ociosidade, como por qualquer outra


causa falta à de deveres
legais para com outrem, por exemplo ao sustento
dos não é tirania forçá-lo, pelo
compulsório se nenhum outro meio é eficaz, a
prir essa obrigação.
Há, ainda, muitos atos que, sendo diretamente
injuriosos apenas aos próprios agentes, a não
deve interdizer, mas, se feitos publicamente, vio
lam as boas maneiras, e, entrando assim na
goria das ofensas aos outros, podem ser
mente proibidos. Desse são os agravos à
decência. Sobre isso é desnecessário
tanto mais que apenas indiretamente se liga
nosso assunto, a condenação da publicidade pos
suindo a mesma força no caso de muitas ações
em si mesmas, nem tidas por tal.
Há uma outra questão para a qual se
achar uma resposta com os princípios
firmados. Em casos de conduta pessoal
mas que o respeito à liberdade
pede a sociedade de previnir ou reprimir,
o mal diretamente resultante cai todo sobre o au
o que o autor é livre de fazer, podem
ser igualmente livres de aconselhar ou
Essa questão apresenta dificuldade. caso
uma pessoa que solicita outra a praticar um ato,
não é estritamente um caso de conduta relativa
si
atomesmo.
social Dar conseportanto,
e pode, lhos ou incitar é
como, em geral,
ações que afetam os outros, ser socialmente
trolado. Se se reflete um pouco, contudo,
ge-se a primeira impressão, vendo-se que, se o caso
não está estritamente dentro da definição da
A LIBERDADE 178.

dade individual, entretanto as razões sobre


quais se funda o princípio da liberdade, se lhe
cam. Se se deve conceder às pessoas que ajam,
no que quer que respeite somente a elas,
pareça sob o seu próprio risco,
se deve liberdade para consultarem
trem sobre o que seja próprio para ser assim feito,
para trocarem
berem opiniões,
sugestões. que para
quer oferecerem
que seja e rece
fazer, deve ser permitido aconselhar que se faça.
A questão torna-se duvidosa somente quando
instigador tira um proveito pessoal do
quando, para fins de subsistência ou de
pecuniário, faz promover o que a sociedade e
Estado consideram um mal a sua ocupação. Aí,
de fato, se introduz um novo elemento que
a coisa, a saber, a existência de classes de
pessoas de interesse oposto ao que é considerado o
bem público, e cujo modo de viver se basea na con
tradição a ele. Deve-se, ou não, interferir
Deve-se, por exemplo, tolerar a luxúria, e assim
o jogo; mas deve ter liberdade
para ser um rufião ou para explorar uma
caso é dos que se manteem na
exata linha divisória entre dois princípios, e
desde logo a qual dos dois pertence com
propriedade. Há argumentos a favor de ambos
os lados. Do lado da tolerância pode-se dizer que
o fato de se entregar a algo como ocupação, e
viver e se aproveitar, não pode tornar
aquilo
se vive,que, se não
seria que oa ato
ocupação do coe
deve ser que
rentemente permitido ou coerentemente
que, se os princípios até sustentados são
174

dadeiros, à sociedade compete, comosociedade,


se algo, que concerne somente ao indiví
duo, é que ela não pode ir alem da dis
suasão, e que, se uma pessoa é livre para
dissuadir, outra deve ser igualmente livre para
persuadir. Em contrário pode-se afirmar: que,
embora não se justifique o público ou o Estado
decidam, autoritariamente, para fins de repressão
ou punição, que tal ou tal conduta, que ape
nas interesses individuais, é boa ou má, é plena
mente legítimo presumam, se a olham como
que a questão é, afinal, que, suposto isso,
eles não podem estar agindo erradamente quando
se esforçam excluir a influência de solicita
ções que não são desinteressadas, de
que talvez não possam ser imparciais — que toem
um direto
mente interesse
aquele que opessoal
Estadonum
crê dos lados,
errado, queprecisa
fessadamente o promovem por puros objetivos pes
soais. É ainda, insistir-se em que segu
ramente nada se pode perder, o bem não é sacri
ficado, com o se regularem assim matérias, de
modo que as pessoas façam a sua escolha, sábia ou
estupidamente, segundo a própria persuasão,
vres, o quanto de artifícios de outros que,
propósitos interessados, lhes estimulem as
inclinações. Assim (pode-se dizer), embora os re

gulamentos respeitantes —
totalmente aosembora
jogos ilícitos
todos devam
ter a liberdade de jogar na sua casa ou na
outrem, ou em algum lugar de reunião estabele
cido por suas e aberto apenas aos
sócios e suas visitas já as casas de tavolagem
públicas não devem permitidas. É verdade
A LIBERDADE 175

que a proibição jamais é efetiva e que, qualquer


que seja a soma de poder tirânico atribuida à
polícia, as casas de tavolagem podem manter-se
sob outros pretextos. Mas pode-se a
conduzirem as suas atividades com certo grau de
segredo e mistério, de maneira que, salvo os que
as procurem, saiba nada sobre e a
sociedade não deve visar mais do que isso. Há
força nesses argumentos. me
aventurarei a decidir se são suficientes para justi
ficarem a anomalia moral de punir o accessório
o principal, é (e deve ser) concedido, de
multar e aprisionar o rufião, mas não o impudico,
o dono da casa de jogo, mas não o jogador. Ainda
menos se deve interferir nas operações comuns de
comprar e vender com semelhantes fundamentos.
tudo que se compra e vende, pode ser usado
em excesso, e os vendedores interesse pecuniá
rio em estimular o exagero. Mas não se pode ba
sear nisso argumentação nenhuma em favor, por
exemplo, da lei do Maine, pois que o uso legítimo
das bebidas fortes torna a classe dos
comerciantes dessas bebidas, embora se interessem
por que se abuse delas. Contudo, tal em
promover a intemperança é um mal efetivo, e jus-
• que o Estado imponha restrições e exija ga
rantias que, sem essa justificação, infringiriam a
liberdade legítima.
XTma nova questão consiste em dever, ou não,
o Estado desencorajar indiretamente uma conduta

que eleaos
trária permite, mas interesses
melhores que, não obstante,
agente; julga
saber,con
por exemplo, se deveria tomar medidas que tor
nassem mais custosos os meios da embriaguez, ou
aumentar a dificuldade de os procurar limitando

12
176 JOHN MILL

os locais da venda. Nisso, como em muitas outras


questões práticas, se requerem muitas distinções.
Taxar estimulantes com o único propósito de
a sua obtenção dificil, é uma medida que
nas em grau difere da completa proibição, e só se
justificaria se esta se justificasse. Cada
de custo é uma proibição para aqueles cujos
não vão até o preço encarecido. E para
cujos meios lá, é uma penalidade que se
impõe pela satisfação de um gosto
A sua escolha de prazeres, o seu modo de
dinheiro, uma vez satisfeitas as obrigações legais
morais para com o Estado e para com
são assuntos particulares deles, e devem assentar
sobre a sua própria apreciação. Essas
ções podem parecer, à primeira vista, condenar
escolha de estimulantes como objetos de
taxação para fins de É preciso, porem,
lembrar que á taxação com fiscais é
absolutamente que na maior parte dos
é necessário que parte dessa
taxação que o Estado não pode,
tanto, abster-se de lançar impostos, que para al
gumas pessoas podem ser proibitórios, sobre o
de alguns artigos de consumo. Donde o dever
Estado de considerar, na imposição de taxas, que
mercadorias são mais para os consu
midores, e, de selecionar, de

aquelas
rada lhe cujo uso
parece alem de te
positivamenquantidade
nocivo. Amuito
pois, de estimulantes, até o ponto que produza
a
soma de renda (supondo que o Estado ca
reça de toda a renda que ela produza), não só é
como ainda merece ser aprovada.
A

A questão de fazer da venda dessas mercado


rias um mais ou menos exclusivo deve
ser solucionada diferentemente segundo as finali
dades de que se tenciona tornar dependente a res
trição. Todos os lugares de reunião pública exi

gem
gêneroa presença
em apreçodapeculiarmente,
coação policial, e lugares
visto do
que propí
cios, de modo especial, ao surgimento de ofensas
à sociedade. É, portanto, adequado confinar
venda de tais mercadorias (pelo menos, con
sumo no lugar) a pessoas de conhecida e garan
tida regular o horário de aber
tura e fechamento do modo conveniente à
pública, e cassar a licença se perturbações
da paz se verificam repetidamente com a conivên
cia ou pela incapacidade do dono, ou.se a casa se
torna ponto de reunião para se tramarem e pre
pararem atentados contra a lei. Não concebo que
se em princípio, qualquer outra restri
ção. Limitar, por exemplo, o número das casas de
cerveja e bebidas espirituosas, com o fim expresso
de torná-las de mais acesso, e de diminuir
as ocasiões de tentação, não apenas expõe todos a
uma inconveniência pelo fato de haver que
abusariam da facilidade, como ainda só é apro
priado a um estado social em que as classes tra
balhadoras são francamente tratadas como
ças ou selvagens, postas sob uma coerção
tiva para as adaptar à futura admissão aos
da liberdade. Não é por esse princípio
se governam as classes trabalhadoras em qualquer
país livre, e que dê à o
devido assentirá em que sejam elas assim
nadas, a não ser depois que se tenham esgotado
178 JOHN MILL

todos os no sentido de as educar a


liberdade e de as governar como a homens livres,
e que se tenha definitivamente provado só ser pos-
governá-lascomo a crianças. Basta pôr essa
alternativa para que se evidencie o absurdo de su
por
que tenham sido tais
se necessite esforços Éem
considerar somalgum caso
ente por
serem as instituições deste país um amontoado de.
incoerências, que encontram acolhida nossa
prática coisas que pertencem ao sistema de go
verno despótico, chamado paternal, en
quanto o liberalismo geral das nossas instituições
impede a soma de controle necessária para dar à
repressão uma eficácia positiva de educação moral.
Já se disse, numa das primeiras partes deste
ensaio, que a liberdade do indivíduo, em
quais só
dente ele é interessado,
liberdade em qualquerimplica
númerouma correspon
de indivíduos
para se acordarem mutuamente em regular coisas
que digam respeito a eles em conjunto, e só a eles
e a mais problema é
a vontade desses indivíduos permanece inalterada.
Mas, desde que ela pode mudar, é necessário, mui
tas vezes, mesmo em coisas em que são os únicos
interessados, que esses indivíduos assumam obriga
ções recíprocas; e, quando o fazem, a regra ade
quada é que lhes cabe manter os compromissos.
Todavia, nas leis, provavelmente de todos os
essa regra geral conta algumas exceções. Não so
mente as pessoas não estão adstritas a obrigações
que violam direitos de terceiros, mas ainda, algu
mas vezes, se considera razão suficiente para
liberar de uma obrigação o ser prejudicial a
próprias. Neste e na maior parte dos paises
A LIBERDADE 179

lizados por exemplo, convenção pela qual


se venda, ou se dê para ser vendido, como
escravo, seria nula e sem — nem a lei nem
a opinião atribuiriam validade. fundamen
to para assim limitar o poder de voluntariamente
dispor da própria sorte na vida, é visivel, e muito
claramente
razão para se
nãopatentea nesse
interferir noscaso
atos extr
emo. A
voluntários
a não ser tendo em vista os outros, é a
sideração pela sua liberdade. A sua escolha
luntária é prova de que o assim escolhido lhe é
ou ao menos e atende-se
melhor ao seu bem, em conjunto, permitindo-lhe
que utilize os seus próprios meios de o buscar.
Mas, vendendo-se a si mesmo como escravo, ele
abdica da liberdade, renuncia a qualquer uso fu
turo dela para lá desse único ato. Portanto,
anula, no próprio caso, a verdadeira finalidade
que justifica dispor de si. Já não
é mais livre, mas está, daí por diante, numa posi
ção que não mais se presume surja da sua von
tade de permanecer nela. princípio da liber
dade não pode implicar que ele tenha a
de não ter liberdade. é liberdade ser auto
rizado a alienar a liberdade. Essas razões, de
tão conspícua força nesse caso particular, são, evi
dentemente, de muito mais larga aplicabilidade.
Contudo, um limite é, por toda a parte, posto a
elas pelas necessidades da vida, que continuamente
exigem,
mas quenão, é claro, que
consintamos renunciemos
nesta ou noutraà liberdade,
limitação

(17) Nota tradutor: fala apenas na "maior parte"


dos paises civilizados, porque, na época em que escreveu o ensaio,
os Estados Unidos e o Brasil, por exemplo, ainda acolhiam a
escravidão.
176 JOHN STUART MILL

os locais da venda. em muitas outras


questões práticas, se requerem muitas
Taxar estimulantes com o único propósito de
a sua obtenção é uma medida que ape
nas em grau da completa proibição, e se
justificaria se esta se justificasse. Cada
de custo é uma proibição para aqueles cujos
não vão até o preço encarecido. E para
cujos meios chegam lá, é uma penalidade que se
lhes impõe pela satisfação de um gosto
A sua escolha de prazeres, o seu modo de
dinheiro, vez satisfeitas as obrigações legais
morais para com o Estado e para com
são assuntos particulares deles, e devem assentar
sobre a sua própria apreciação. Essas
ções podem parecer, à primeira vista, condenar a
escolha de
taxação paraestimulantes como Éobjetos
fins de renda. especiais de
preciso,
lembrar que á taxação com propósitos fiscais
absolutamente que na maior parte
é necessário que parte
taxação que o Estado não pode,
tanto, abster-se de lançar impostos, para al
gumas pessoas podem ser proibitórios, o
de alguns artigos de consumo. Donde o
Estado de considerar, na imposição de taxas, que
mercadorias são mais para os consu
midores, e, de selecionar, de
aquelas cujo uso alem de quantidade muito mode
rada lhe parece nocivo.
pois, de estimulantes, até o ponto que produza a
maior soma de renda (supondo que o Estado ca
reça de toda a renda que ela produza), não só
como ainda merece ser aprovada.
177

A questão de fazer da vencia dessas mercado


rias um privilégio mais ou menos exclusivo deve
ser solucionada diferentemente segundo as finali
dades de se tenciona tornar dependente a res
trição. Todos os lugares de reunião pública exi

gem
gêneroa presença
em da coação policial,
peculiarmente, visto eque
lugares
propído
cios, de modo especial, ao surgimento de ofensas
à sociedade. É, portanto, adequado confinar
venda de tais mercadorias (pelo menos, con
sumo no lugar) a pessoas de conhecida egaran
tida regular o horário de aber
tura e fechamento do modo conveniente à vigi-
pública, e cassar a licença se perturbações
da paz se verificam repetidamente com a conivên
cia ou pela incapacidade do dono, ou se a casa se
torna ponto de reunião para se tramarem e pre
pararem atentados contra a lei. Não concebo que
se justifique, em princípio, qualquer outra restri
ção. Limitar, por exemplo, o número das casas de
cerveja e bebidas espirituosas, com o fim expresso
de torná-las de mais acesso, e de diminuir
as ocasiões de tentação, não apenas expõe
uma inconveniência pelo fato de haver alguns que
abusariam da facilidade, como ainda só é apro
priado a um estado social em que as classes tra
balhadoras são francamente tratadas crian
ças ou selvagens, postas sob uma coerção educa
tiva para as adaptar à futura admissão aos privi
légios da liberdade. Não é por esse princípio que
se governam as classes trabalhadoras em qualquer
país livre, e que dê à liberdade o valor
devido assentirá em que sejam elas assim
nadas, a não ser depois que se tenham esgotado
178 JOHN MILL

todos os esforços no sentido de as educar para a


liberdade e de as governar como a homens
e que se tenha definitivamente provado só ser
governá-las como a crianças. Basta pôr
alternativa para que se evidencie o absurdo de su
por tenham sido tais em algum caso
que se necessite considerar É somente por
serem as instituições deste país um amontoado
que encontram acolhida na nossa
prática coisas que pertencem ao sistema de go
verno despótico, chamado paternal, en
quanto o liberalismo geral das nossas instituições
impede a soma de controle necessária para dar à
repressão uma eficácia positiva de educação moral.
Já se disse, numa das primeiras partes deste
ensaio, que a liberdade do indivíduo, em coisas nas
quais só
dente ele é interessado,
liberdade em qualquerimplica
númerouma correspon
de indivíduos
para se acordarem mutuamente em regular coisas
digam respeito a eles em conjunto, e só a eles
e a mais problema é
a vontade desses indivíduos permanece inalterada.
Mas, desde que ela pode mudar, é necessário, mui
tas vezes, mesmo em coisas em que são os únicos
interessados, que esses indivíduos assumam
ções e, quando o fazem, a regra
quada é que lhes cabe manter os compromissos.
Todavia, nas leis, provavelmente de todos os
essa regra geral conta algumas exceções. Não so
mente as pessoas não estão adstritas a obrigações
que violam direitos terceiros, mas ainda, algu
mas vezes, se considera razão suficiente para as
liberar de uma obrigação o ser prejudicial a elas
próprias. Neste e na maior parte dos paises
A LIBERDADE 179
lizados (17), por exemplo, uma convenção pela qual
se venda, ou se dê para ser vendido, como
escravo, seria nula e sem efeito — nem a lei nem
a opinião atribuiriam validade. fundamen
to para assim limitar o poder de voluntariamente
dispor da própria sorte na vida, é visivel, e muito
claramente se patentea nesse caso extremo. A
razão para
a nãonão
ser interferir
tendo em nos
vistaatos voluntários
os outros, de
é a con
sideração pela sua liberdade. A sua escolha vo
luntária é prova de que o assim escolhido lhe é
ou ao menos e atende-se
melhor ao seu bem, em conjunto, permitindo-lhe
que utilize os seus próprios meios de o buscar.
Mas, vendendo-se a si mesmo como escravo, ele
abdica da liberdade, renuncia a qualquer uso fu
turo dela para lá desse único ato. Portanto,
anula, no próprio caso, a verdadeira finalidade
que justifica dispor de si. Já não
é mais livre, mas está, daí por diante, numa posi
ção que não mais se presume surja da sua von
tade de permanecer nela. princípio da liber
dade não pode implicar que ele tenha a
de não ter liberdade. é liberdade ser auto
rizado a alienar a liberdade. Essas de
tão conspícua força nesse caso particular, são, evi
dentemente, de muito mais larga aplicabilidade.
Contudo, um limiteé, por toda a parte, posto a
elas pelas necessidades da vida, que continuamente
exigem, não, é claro, que renunciemos à liberdade,
mas que consintamos nesta ou noutra limitação

(17) Nota do fala apenas na "maior parte"


dos civilizados, porque, na época em que escreveu o ensaio,
os Estados Unidos e o Brasil, por exemplo, ainda acolhiam a
escravidão.
180 JOHN STUART MILL

dela. princípio, porem, que demanda liberdade


incontrolada em tudo o que diz respeito apenas aos
agentes, requer que os que se tornaram reciproca
mente obrigados em coisas que não concernem
terceiro, possam liberar, um ao outro, da obri
gação. talvez,
não E, mesmo sem essa
contratos liberação exceto
ou obrigações,
lativos a ou ao que tem valor de dinheiro,
a respeito de que se possa ousar dizer que não
haja nenhuma liberdade de retratação. Guilher
me de no excelente ensaio já citado por
mim, estabelece como convicção sua, que obriga
ções que envolvam relações pessoais ou serviços
nunca deveriam ter efeitos legais alem de uma
duração limitada e que o mais
desses compromissos, o casamento, possuindo a
culariedade de se frustrarem os seus objetivos se
os sentimentos
gam mais a ele,dedeve
ambas
ter as partes
a sua já não se
dissolução depen
dente apenas da vontade declarada de ambas as
partes nesse sentido (19). assunto é muito

(18) Nota do tradutor: Tese passou à


legal, nos civilizados, do contrato de locação de serviços de
duração determinada: pelo direito brasileiro, tais contratos não
podem ter prazo superior a quatro anos (Código Civil, art.
(19) Nota do tradutor: Embora o divórcio seja, em escala
mundial, um instituto há muito triunfante, não tem sido en
tretanto, a aceitação do distrato puramente consensual do casa
embora há muito se aplique a este a rescisão por culpa de
um dos contratantes. Não vamos traçar a história do instituto
divórcio
universo nesta nota,o mas,
que não sendo oserá
acolheram, Brasil um dos poucos
interessante dizer algo
o que tem havido e alhures, na matéria.
A aspiração de liberdade campo, em que se tem
cado, sobretudo, uma incursão de preconceitos religiosos, e de uma
determinada a Romana, tem ido, contudo, tão longe,
ao Parlamento francês dois célebres escritores apresentaram
memorial pleiteando o do divórcio pela vontade de
um só. Esclareciam que não se tratava do antigo instituto
A LI BE RDA DE 181

portante e muito complicado para ser discutido


parêntesis, e eu só o toco em tanto que é
necessário para fins ilustrativos. Se o laconismo
e a generalidade da dissertação de von Humboldt
não o tivessem forçado, nesse exemplo, a conten
tar-se com enunciar a conclusão sem discutir as
premissas, ele teria indubitavelmente reconhecido
que a questão não se pode debater com fundamen
tos tão simples como aqueles a que se confina.
Quando ou por explícita promessa, ou
pela maneira de se conduzir, levou outrem a con
tar com a continuidade sua em certa forma de
agir — a construir esperanças, a fazer cálculos e
a apoiar uma parte qualquer do plano vida
sobre a suposição dessa continuidade — uma série

pois este era privilégio do homem, e no caso, seria di


reito
com recíproco.
intervençãoNem da de
lei, que, livre", mas odeprincípio
"casamento livre",
da inalie
liberdade, lhe fixe as necessárias restrições, para fazer faca
à eventualidade do capricho injusto". A lei regularia prazos mí
nimos, perdas e danos condições de maturidade da inten
ção de divórcio, destino dos filhos, etc.
memorial dos irmãos que contou com o apoio
de Emílio entre muitos outros, não obteve êxito sua rei
vindicação extrema, mas contribuiu para o na
França, do divórcio por consentimento mútuo.
Quando publicou um estudo de legislação com
parada sobre o divórcio e a separação de corpos, há mais de trinta
anos, não adotavam o divórcio, entre mais de 50 estes ca
torze: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Espanha, Itália, Malta,
México, Paraguai, Peru, (província russa), Portugal, Uru
guai e Venezuela. A simples enumeraç ão mostra a origem reli
giosa da ausência do instituto.
De então para cá, essa lista perdeu Portugal, quatro provín
cias do Canadá, Uruguai, Venezuela, México, Argentina.
e reconquistou, após Franco, a Espanha. Não podemos ve
rificar, no minuto, qual a atitude da Polônia após a independên
cia, e a do Chile, Paraguai e Costa Rica, nos últimos anos em que,
tanto se modificou a legislação matrimonial da América Latina.
No Brasil, após um projeto de Érico Coelho, que este e, entre
outros, Medeiros e Albuquerque defenderam brilhantemente na tri-
182 JOHN MILL

nova de obrigações morais para com


essa outra sobre as quais ele pode passar,
mas que não pode ignorar. E, ainda uma vez, se
à relação entre as duas partes contratantes se
guiram consequências para outrem, se essa
ção
comocolocou
no casoterceiros numa posição
do matrimônio, chamouespecial ou,
vida, para ambas as partes contratantes surgem
obrigações ante esses terceiros, cujo
ou, em todo o caso, cujo modo de
tem de ser grandemente afetado pela continuação
ou pela ruptura do laço entre os
srcinários. se daí, nem eu posso
admitir, que essas obrigações cheguem ao ponto de
se exigir o cumprimento do contrato à custa, de
qualquer forma, da facilidade da parte relutante,
mas são um elemento que se não pode desprezar

parlamentar, houve, em 1900, um projeto de Marti


nho que em 1932 seria referido na Argentina como a
ma palavra sobre o assunto. jurista e senador sergipano levou
o projeto a uma aprovação no Senado Federal, por 22 votos
tra 16, apesar da oposição de Rui Barbosa. A liderança do com
bate ao projeto não esteve, contudo, nas mãos deste, e sim nas do
senador pelo Paraná — Alberto Gonçalves, o atual bispo de
rão Preto.
Congresso Jurídico Brasileiro, em 1908, adotou
sões de Virgílio Sá Pereira ao divórcio, com um aditivo
de Bento de Faria. Bento de Faria e Eduardo Espín ola, este atual,
aquele anterior presidente do Supremo Tribunal Federal,
entre os trinta juristas que, contra vinte e cinco, se definiram pelo
divórcio naquele congresso.

sentandoInstituto dos de
proj
eto Advogados
lei nesse do Rio, em
sentido, em 1907,
19 em 1908
29, pleiteou e, apre
a ins
tituição do divórcio no Brasil.
Das grandes potências, o divórcio a Inglaterra,
Estados Unidos, a União Soviética, a França, a Alemanha e
Japão; não o tem só a Itália, precisamentemenos adiantada das
sete. E só a Itália, a Espanha de Franco e o Brasil ó
Chile, o Paraguai e Costa Rica permanecem sem o instituto,
todo o mundo civilizado.
SOBRE A LIBERDADE 183

no problema. E mesmo que não devam influir na


liberdade legal das partes de se desobrigarem do
von defende (e eu
penso que não devem influir
necessariamente elas influem na liberdade moral.
pessoa é obrigada a ponderar todas essas
circunstâncias antes de se decidir a um passo que
pode tão importantes interesses
se não concede a atenção conveniente a. esses inte
resses, é moralmente pelo mal resul
tante. Eiz observações óbvias para melhor
ilustrar o princípio geral da liberdade, e não por
que se careça inteiramente delas nesta questão
particular, que, ao contrário, habitualmente
cutida como se o interesse dos filhos fosse tudo,
e dos adultos nada.
Eu já assinalei que, devido à ausência de
quaisquer princípios
dade é, muitas vezes,gerais reconhecidos,
concedida a liber
onde devia ser re
cusada e recusada onde devia ser concedida. E
num dos casos em que, no mundo europeu moder
no, o sentimento de liberdade é mais forte, ele está,
a meu ver, completamente deslocado. Deve
liberdade para se fazer aquilo de que se gosta no
que é estritamente de interesse individual. Mas
não deve haver liberdade para agir por outro, sob
o pretexto de que os negócios do outro são os nos
sos próprios negócios. Estado, ao mesmo tempo
que respeita
mente a liberdade
individual, de cada
é obrigado um no
a manter umestrita
con
trole vigilante sobre o exercício de qualquer poder
sobre os outros que conceda a Ele quasi
inteiramente desatende obrigação no capí
tulo das relações de família — caso mais impor-
184 STUART MILL

tante, pela sua direta influência sobre a felicidade


que todos os outros tomados
mente. precisamos estender-nos sobre
quasi despótico poder dos maridos sobre as
lheres. Nada é mais necessário para o

dos mesmos do mal do


direitos, e que gozarem
receberas a
ção da lei da mesma maneira, que todas as
alem de que, nesse assunto, os
da injustiça não se valem da reivindi
cação de liberdade, mas se apresentam,
mente, como da força. É no caso dos
filhos que noções de liberdade mal aplicadas
tituem obstáculo real ao cumprimento dos deveres
pelo Estado (20). Poder-se-ia quasi pensar que
os filhos de um homem são considerados, literal
mente, e não metaforicamente, uma parte dele, tão
ciosa é a opinião da menor interferência da lei
absoluto e exclusivo controle dos pais sobre os fi
lhos — mais ciosa dessa do que de qualquer outra
interferência na liberdade de ação de um indiví
tanto menor valor dão os homens à liber
dade que ao poder. Consideremos, por
o caso da educação. Não constitue quasi um
ma, evidente por si mesmo, que o Estado so
licitar e obrigar a educação, a um certo
tipo, de todo ser humano que é seu nacional En-

(20) Nota grande jurista espanhol Gimenez


de Asúa, que, ainda agora, em Buenos-Aires, se entrega, entre
outros trabalhos, a um estudo ao exame de um
de relações da criminologia — as com a psicanálise — de tão
importância, autor do projeto da Constituição Republicana Es
panha que vigorou até o domínio nesse país, sustenta
que o direito de família deve tender à restrição do seu setor
jugal, para em troca, alargar à área jurídica da paternidade e da
filiação.
A LI BE RDA DE 185

quem não receia reconhecer


essa sem dúvida, ne
gará ser dos mais sagrados deveres dospais (ou,
como a lei e o uso agora estabelecem, do pai), de
pois de terem trazido um ser humano ao mundo,

sempenhar, na educação quepapel


vida, o seu o adapte
para acom
bemosde
ou
e para consigo. Mas, enquantounanimemente
se declara isso dever paterno, raramente
neste país, suportará que se fale em obrigar o pai
a cumprir esse dever. Ao invés de se lhe recla
mar algum esforço ou sacrifício para assegurar
educação ao filho, deixa-se à sua escolha aceitar,
ou não, que ela seja gratuitamente Não
se reconhece, ainda, que trazer à existência um
filho sem uma justa perspectiva de poder dar-lhe
não só alimento ao corpo, como instru
ção e treino ao espírito, é um crime moral, tanto
contra o infeliz rebento como contra a
e que, se o progenitor não satisfaz a essa obriga
ção, o Estado deve velar pelo seu cumprimento, à
custa daquele, tanto quanto
Uma vez admitido o dever de impor a
ção universal, teriam fim as dificuldades a respei
to do que o Estado deve ensinar, e como deve ensi
nar, que ora convertem o assunto num campo
batalha para seitas e partidos, consumindo, em
querelas sobre a educação, tempo e trabalho que
deveriam ser gastos em educar. Se o governo se
resolvesse a exigir para cada criança uma boa edu
cação, poderia poupar-se ao incômodo de a provi
denciar. Poderia deixar aos pais o obter a educa
ção onde e como lhes agradasse, e contentar-se com
auxiliar o pagamento das despesas de escola
186 JOHN

crianças mais custeandoas despesas totais


das que não tenham quem por elas pague.
fundadas objeções que se fazem à educação pelo
Estado, não se aplicam à imposição pelo Estado
da obrigação de educar, mas ao fato de
Estado a direção dessa educação — o que é coisa
inteiramente diversa. Eu estou tão longe
qualquer outro, de pleitear fique a do
povo, no todo ou em grande parte, nas mãos do
Estado. Tudo o que se disse da importância
individualidade de e da diversidade de
opiniões e de modos de conduta, envolve, como
sendo da mesma importância, a
dade de educação. educação geral pelo
tado é puro plano para moldar as pessoas
exatamente semelhant e. E, como o molde em que
são plasmadas é o que agrada a força dominante
no governo, quer seja esta um monarca, um clero,
uma aristocracia, quera maioria da geração
tente, a educação pelo Estado, na medida em
eficaz e bem sucedida, estabelece um
o espírito, que, por uma tendência natural,
conduza um despotismo sobre o corpo. Uma
cação estabelecida e controlada pelo Estado só
veria existir,se devesse,como um dentre
experimentos em competição, com o
de exemplo e estímulo, para manter os outros em
harmonia um certo padrão de
Eeahnente,
em apenassituação
geral, numa quando adesociedade se encontra,
tal atraso, que
poderia providenciar ou não providenciaria, por
si mesma, quaisquer instituições convenientes
educação salvo empreendendo o governo a tarefa,
só então, na verdade, pode o governo, como o me-
SOBRE A 187

nor de dois grandes males, tomar sobre si o cuida


do das escolas e das universidades, como pode
assumir o sociedades anônimas quando o em
preendimento privado, numa forma adequada à
realização das grandes obras da indústria, não
existe no país. Mas, em regra, se o país conta
um número suficiente de pessoas qualificadas para
atender à tarefa da educação sob os auspícios do
governo, as mesmas pessoas teriam capacidade e
boa vontade para fornecer uma educação gual
i
mente boa dentro do princípio da voluntariedade,
vez garantida a sua paga pela existência de
uma lei que tornasse compulsória a educação, com
com ajuda do Estado incapazes de
custear as despesas.
meio por que se executaria a lei poderia não
ser outro senão exames públicos extensivos a todas
as crianças, desde tenros anos. Poder-se-ia fixar
uma idade na qual toda criança devesse
a exame que averiguasse se ele, ou ela, sabe ler.
Se uma criança demonstra não o saber, o pai, a
menos que fundamento bastante para a ex-
cusa, poderia sofrer uma multa moderada, a ser
satisfeita, se necessário, por trabalho e a
ser posta em escola às suas expensas. vez
por ano, o exame seria renovado, com uma série
de matérias ampliada, de modo a
tornar virtualmente compulsória a aquisição uni
versal e, o que é mais, a universal retenção de um
certo
desse mínimo
mínimo,dehaveria
conhecimento geral.
exames Para lásobre
facultativos
todos os assuntos, em que poderiam pleitear um
certificado todos os que atingissem um certo pa
drão de proficiência. Para impedir o Estado de
188 JOHN MILL

influencias de modo inconveniente, através dessas


medidas, a opinião, o requerido para
passar um exame (alem das partes meramente
instrumentais do conhecimento, como as o j
o seu se limitaria, mesmo nas mais altas cato- * |
gorias de exame, a fatos e à ciência positiva.
exames sobre religião, política, ou outros tópicos
controvertidos, não versariam sobre a verdade ou
a falsidade das opiniões, mas sobre a matéria de
fato de que tal opinião é sustentada, com tais fun-
damentos, por tais autores, escolas ou
Sob esse sistema, a geração nascente não
pior, em relação a todas as verdades controverti-
das, do que se está no presente. Os seus membros
seriam educados como anglicanos ou dissidentes
tal como hoje, cuidando o Estado meramente de
que fossem anglicanos ou
os impediria de obterem o
sino de religião, se os pais o quisessem, nas
mas escolas em que se lhes ensinam outras coisas.
Todas as tentativas do Estado para influir nas
conclusões dos cidadãos sobre matérias
tidas, são um mal. Mas ele pode, com muita 4
priedade, oferecer-se para averiguar e
que possue o conhecimento preciso para
tornar as suas conclusões, sobre qualquer assunto
dado, dignas de atenção. Um estudante de
estaria nas melhores condições para sofrer
um exame sobre e sobre quer siga
quer siga outro, quer não siga nenhum 4
não há objeção a que se examine ateu
sobre as provas do cristianismo, desde que se
exija dele que nelas acredite. Penso, contudo,
os exames nos mais altos ramos
A LIBERDADE 189

deviam ser inteiramente Dar-sé-i a


um poder muito perigoso aos governos permitin
do-se a eles de profissões, mes
mo da profissão de mestre, em virtude de uma
alegada deficiência de qualidades. E eu penso,
com Guilherme de que graus, ou outros
certificados públicos
profissionais, deveriamde ser
aquisições
dados a científicas
todos que ou
se
apresentem a exame e resistam prova, mas não
deveriam conferir vantagens sobre os competido
res a mais do que a opinião pública atribua
ao seu testemunho.
é apenas na matéria da educação que no
ções de liberdade descolocadas impedem se reco
nheçam obrigações morais da parte dos progeni
tores, bem se imponham a eles obrigações
legais, em casos nos quais se patenteam as mais
vigorosas
pre, e pararazões para aquelemuitas
esta imposição, reconhecimento, sem
vezes. fato,
em si, de dar existência a um ser humano, é uma
das ações de maior responsabilidade na sequência
da vida. Assumir responsabilidade — con
ceder uma vida que pode ser uma ou
benção — sem que o ser vindo à luz conte,
menos, com as probabilidades ordinárias de
uma existência é um crime contra esse
ser. E num país superpovoado, ou ameaçado disso,
procriar filhos para lá um número muito pe
queno,
pela suacom o efeito deconstitue
reduzir aum
paga do trabalho
sério agravo
todos os que vivem da remuneração do seu
As leis que, em muitos do Continente,
bem o matrimônio se as partes não podem
190 JOHN" MILL

trar que possuem os meios de sustentar uma


lia, não excedem os poderes legítimos do
(21) ;,e, quer tais leis sejam convenientes, quer
(problema esse que depende, sobretudo, das
e sentimentos locais), elas não
violações da liberdade.
leis são do Estado proibir
ato pernicioso um ato danoso aos outros, que
ser socialmente reprovado e estigmatizado,
mesmo quando não se julgue oportuno acrescentar
a punição legal. Contudo, as idéias correntes deli
berdade, que se curvam tão ante reais
infrações da liberdade do indivíduo em coisas
só a ele concernem, repeliriam atentativa de
freio às inclinações dele, quando a
tal indulgência é uma vida (ou de miséria
e de depravação para a prole, com inúmeras más

consequênciasao alcance
cientemente aqueles
paraqueserem,
estiverem
de alguma
maneira, afetados pelas ações dos novos
Quando comparamos estranho respeito cr- -
mens pela liberdade com a sua estranha falta de

(21) Nota tradutor: Mas a organização social


impedir se o fenômeno de massas de
nessas condições. Se, entretanto, existem, enão se ataca a
é preciso ter a honestidade e a coragem de aceitar a tese de sobre
a inconveniência da proliferação nessas condições. Apenas, talvez
seja ingênuo, de uma ingenuidade mais adequada à época
escrevia, na qual a moral sexual não apresentava as
que hoje oferece,
importante para o ver
mal. naDe
proibição
um lado,doproibir
casamento um
o casamento tão
proibir a reprodução; de. outro lado, permitir o casamento não é
cessariamente incrementar filhos. Interessante é que essas duas
observações são efetivas principalmente a respeito da
classes ricas, da sua conduta para com os pobres, no no
seu próprio seio, no E exatamente a elas é que assistem
razões para evitar ou abandonar a prole.
SÔBEE A LIBERDADE 191

respeito pela mesma liberdade, poderíamos imagi


nar que uma pessoa tem um direito
a fazer mal aos outros, e absolutamentenenhum
direito a se conceder um prazer sem causar sofri
mento a
para o último lugar uma grande

classe de
rência questões relativas
governamental, aos embora
as quais, limites da
ligadas de
perto com o assunto deste ensaio, não pertencem
estritamente a ele. Há casos em que as razões
contra a interferência não versam sobre o princí
pio de a questão não é de restringir as
ações dos indivíduos, mas de pergun
ta-se se o governo deve fazer, ou provocar que se
faça, algo em benefício dos indivíduos, ao envés de
deixar que eles próprios o façam, individualmente
ou em associação voluntária.
As objeções à interferência governamental,
quando ela não envolve desrespeito à liberdade,
podem ser de três gêneros.
primeiro gênero é relativo a coisas mais
adequadas a serem feitas pelos indivíduos do que
pelo governo. Em geral, está mais em
condições de conduzir um negócio, ou de determi
nar como e por quem deva ser conduzido, do
os pessoalmente interessadosnele. Esse princípio
condena as interferências, outrora tão comuns, da
Legislatura, ou dos funcionários governamentais,
nos processos ordinários da indústria. Essa parte
do assunto, porem, foi suficientemente explanada
por autores de economia política, e não se rela
ciona particularmente com os princípios deste
ensaio.
A segunda objeção é ligada mais de perto com
o nosso assunto. Há muitos casos nos quais,
192

bora os em regra, não possam fazer a


coisa em apreço tão bem como os funcionários
governamentais, é, entretanto, que seja
feita por eles, que pelo governo, como
meio para a sua educação mental — um modo de
robustecer as suas faculdades ativas, exercitando
o seu discernimento, e fami
liaridade com os assuntos cujo trato é assim
deixado. Esta é, não a única, mas uma das prin-
cipais razões que recomendam o julgamento
(em casos não políticos), as instituições lo
cais de livre e popular, a condução
empreendimentos industriais e filantrópicos
associações voluntárias. Essas questões não
de liberdade, e só por remotas se ligam
ao mas são questões de desenvolvimento.

Esta não
como é a ocasião
aspectos de se nacional,
da edueação demorar nessas coisas
como consti
tuindo, na verdade, o treinamento peculiar de
cidadão, a parte prática da educação de
um povo livre, que o tira para fora do círculo es
treito do pessoal e familiar, e o
à compreensão dos coletivos, à -
de interesses coletivos — a
agir por motivos públicos e ea
a conduta por alvos que unem as pessoas, ao
de as isolarem umas das outras. Sem esses
tos e poderes, constituição livre não pode ser
preservada, como se exemplifica
pela natureza muito transitória
da liberdade política em nos quais ela
repousa sobre uma base suficiente de liberdades
locais. A administração dos negócios
locais pelas e dos grandes
A LIBERDADE 193

pela união daqueles que vo


luntariamente fornecem os meios pecuniários, é,
ademais, recomendada por todas as vantagens
atribuidas neste ensaio à individualidade de desen
volvimento e à diversidade dos modos de ação.
As operações governamentais tendem a ser, por
toda a parte, semelhantes. Com os indivíduos e

as associações
diversos, e uma voluntárias, ao contrário,
infinda variedade há ensaios
de experiência.
que o Estado pode utilmente fazer é tornar-se
um depósito central da resultante dos
muitos ensaios, e um ativo fator da sua circulação
e difusão. que lhe compete é habilitar cada
experimentador a se beneficiar das experiências
alheias, ao invés de não tolerar outras experiências
senão as próprias.
A terceira e mais eficaz razão para limitar a
interferência do governo é o grande perigo de lhe

aum
ção entar
que desnecessariame
se acrescente nte
às ojápoder. Todapelo
exercidas fun go
verno, difunde mais largamente a influência
sobre as esperanças e os temores, e converte, cada
vez mais, a parte mais ativa e do pú
blico em pingentes do governo, ou de algum par
tido que visa tornar-se governo. Se as estradas,
as ferrovias, os bancos, os escritórios de seguros,
as grandes sociedades anônimas, fossem ramos do
se, ademais, as corporações municipais e
os conselhos locais, com tudo que hoje recai sob a
sua alçada, se tornassem departamentos da admi
nistração se os empregados de todos esses
diversos empreendimentos fossem nomeados e pa
gos pelo governo, e deste dependessem para cada
ascensão na nem toda a liberdade de
194 JOHN STUART MILL

prensa e toda a popular da legisla


tura poderiam fazer deste, ou de outro país,
livres senão de nome (22). E o mal seria tanto
maior quanto mais eficientemente e
mente se a máquina administrativa
quantoqualificadas
mais mais fosse
mãos o eplano paraseobter
cabeças que
pusessem a
fazê-la funcionar. Inglaterra se propôs re
centemente que todos os funcionários civis do
verno fossem selecionados por concurso, afim de
trazer para tais empregos as pessoas mais inteli
gentes e que se pudessem encontrar, e
muito se tem escrito e dito pró e essa pro
posta. Um dos argumentos em que os adversários
da medida mais insistido, é o de que a ocupa
ção de funcionário efetivo do Estado não abre
suficientes perspectivas de ganho e de importância

(22) Nota do tradutor: Nesta época de tantos experimentos


de economia dirigida, de tantas estradas de ferro em mãos do poder
público, de tantas autarquias, em liberais e em auto
ritários, soam essas palavras de Stuart No,
tempo de Stuart Mill prosseguia na Inglaterra uma luta pela
ferência do poder das de uma aristocracia fundiária para as.
dos capitães de uma indústria progressista. Progressistas
- as reivindicações de uma máxima limitação de um poder governa
mental que poderia pôr entraves aos desenvolvimentos econômico
geral da nação que se vinha processando, há tanto tempo sobre
bases novas. E Mill não viu que, numa etapa ulterior do pro
gresso resultante dessas bases novas, poderia surgir a
de opor ao imenso poder econômico de alguns, sobre
esse progresso, restrições crescentes do individualismo econômico,
precisamente para salvar
E essas a maioria
restrições de uma
só poderiam novadoaniquilação
provir poder
tico, na medida em que se libertasse daquele poder econômico,
ou em que o poder econômico se transferisse para
mais numerosas. Daí o fenômeno da socialização crescente do di-
reito e do Estado que, visando essencialmente, o
parece ser a necessária para a plena expansão da
dade individual em outros campos, como os que fazem objeto do
capítulo II e, em parte, do capítulo III deste ensaio.
SOBRE A LIBERDADE 195

para atrair os mais altos talentos, os quais sempre


poderão carreira mais convidativa nas
profissões, ou no serviço das companhias ou de
outros corpos públicos. Não é de surpreender
que esse argumento haja sido usado pelos partidá
rios da proposta, como resposta à principal difi
culdade por ela apresentada. dos adversá
rios, ele é bastante estranho. que se apresenta
como objeção, constitue a válvula de segurança
do sistema proposto. Se, na verdade, todos os
altos talentos do país ser arrastados
para o serviço do governo, uma proposta tendente
a esse resultado bem poderia inspirar desassos
sego. Se cada aspecto dos interesses sociais que
requeresse concerto organizado, ou vistas largas e
compreensivas, estivesse nas mãos do governo, e
se se preenchessem as repartições governamentais
com os homens mais capazes, toda a cultura adqui
rida e toda a inteligência experimentada do país,
salvo a puramente especulativa, se concentrariam
numa numerosa, a quem somente o
resto da comunidade procuraria para todas as
a multidão para se orientar e or
dens em tudo que tivesse a os capazes e am
biciosos para o seu progresso pessoal. Ser admi
tido nas fileiras dessa burocracia e, quando ad
mitido, progredir lá dentro, seriam os únicos
objetos de ambição. Sob esse não só
o público exterior fica mal qualificado, por falta
de experiência prática, para julgar e censurar o
modo de ação da burocracia, mas ainda, se os aci
dentes de um funcionamento despótico, ou do fun
cionamento natural de instituições populares, oca
sionalmente elevarem ao cume um governante, ou
196

governantes, de tendências reformadoras, nenhu


ma reforma contrária aos interesses da burocra
cia poderá efetuar-se. Tal é a melancólica
tuação do Império Russo, como a mostram os
relatos dos que suficiente
de observação. próprio Csar é sem poder con
tra o corpo ele pode mandar
dos burocratas Sibéria, mas não pode go
vernar sem os burocratas ou contra a vontade dos
burocratas. Em paises de civilização mais avan
çada e de um espírito mais revolucionário, o pú
blico, acostumado a esperar que o Estado faça
algo por ele, ou, ao menos, a não fazer nada por si
sem indagar do Estado, não apenas se lhe permite
fazê-lo, mas ainda como deve fazê-lo, naturalmente
responsabiliza o Estado por todo o mal que
acontece, e, quando o mal se excede a soma de pa
ciência, se levanta contra o governo, e faz o
se chama uma revolução; à vista do que
outro, com ou sem legítima autoridade
da nação, salta no posto, expede ordens à burocra
cia, e tudo se põe a marchar como dantes, sem
ter mudado a burocracia, e sem ser capaz
de tomar-lhe o lugar.
Espetáculo muito diferente, exibe-o o povo"
habituado a despachar os próprios negócios. Na
Erança, grande número de pessoas tendo
pelo serviço militar, havendo muitos alcançado
ao menos o posto de oficiais inferiores, em
insurreição popular existem vários indivíduos
competentes para lhe tomarem a direção, e
visarem um plano a ser levado à
que os franceses nos assuntos militares,
os americanos em todo gênero de negócios
A 197

se ficarem sem cada grupo deles é capaz


de improvisar um, e de conduzir este ou aquele ne
gócio público, qualquer que seja, com
soma de inteligência, ordem e decisão. Isso é o
que todo povo livre deve ser. E é certo que um
povo capaz disso é livre. se deixará escra
vizar por um ou por um grupo de
porque eles sejam capazes de colher e manejar as
rédeas da administração central. bu
rocracia pode nutrir a esperança de levar um povo
como esse a fazer ou a tolerar algo de que não
goste. Mas onde tudo se faça por intermédio da
burocracia, nada a que a burocracia realmente se
oponha, pode de qualquer modo ser feito. A cons
tituição desses paises burocráticos é uma organiza
ção da experiência e da capacidade prática da
nação sob a forma de corpo disciplinado des
tinado a governar em
essa organização o si, quanto
e, quanto
maismais perfeita
sucesso colha
em atrair para si e em educar por si as pessoas de
maior aptidão de todas as fileiras da comunidade,
mais completa é a escravidão de todos, inclusive
dos membros da burocracia. Porque os governan
tes são tanto os escravos da sua e dis
ciplina, quanto os governados o são dos governan
tes. mandarim chinês é tanto o instrumento
e a criatura de um despotismo quanto o mais hu
milde lavrador. Um jesuita é, no mais alto grau
de aviltamento, o escravo da sua ordem, embora
a própria ordem exista para o poder coletivo e
para a importância dos seus membros.
Não se deve esquecer, que a absor
ção de toda a melhor capacidade do país pelo cor
po governante, cedo ou tarde se torna fatal para
198 JOHN MILL

a atividade de mente e para o progresso desse pró-,


prio corpo. Com uma estreita ligação interna,
executando um sistema como todos os siste
mas, procede por normas fixas, o corpo oficial está
sob a constante tentação de submergir numa
lente rotina, ou se, de quando em quando, deserta
círculo do cavalo de moinho, de se lançar em
alguma empresa imatura, que
feriu a fantasia de algum membro dirigente
corpo. E o único obstáculo a essas
ligadas, ainda que
opostas, o único estímulo capaz de conservar
capacidade do corpo em harmonia com um padrão
elevado, é a responsabilidade ante a crítica vigi
lante de uma igual capacidade exterior ao
É portanto, que possam in
dependentemente do governo, meios de formar
capacidade,
experiência de lhe fornecer
necessárias as oportunidades
a uma e a
correta apreciação
dos grandes assuntos práticos. Se possuíssemos
permanentemente um e eficiente corpo
funcionários — acima de tudo, capaz de dar ori
gem ou de querer adotar
não quiséssemos a nossa burocracia
numa esse corpo não deveria
nopolizar todas as ocupações que formam e
vam as faculdades requeridas para o governo dos
homens.

Determinar o ponto em que começam tão


males para a liberdade e progresso hu
manos, ou antes em que eles começam a
nar sobre os benefícios que acompanhara a
aplicação coletiva da força da sociedade,
direção dos seus chefes reconhecidos, à remoção
SOBRE A LIBERDADE 199

dos obstáculos entulham a estrada do


assegurar tantas das vantagens do poder
e da inteligência centralizados, quantas se possa
ter sem transformar uma muito grande
da atividade comum em leito por que flua a cor

rente — eis uma


dificeis e mais complicadas dadas
artequestões mais
de governar.
Trata-se, numa grande medida, de uma questão de
minúcias, na qual não devem ser perdidas de vista
muitas e variadas considerações, e regras absolu
tas não podem ser fixadas. Creio, porem, que o
princípio prático em que reside a salvação, o
a ter em vista, o padrão por que aferir todas as
medidas intentadas para vencer a dificuldade, se
pode exprimir nestas a maior dissemi
nação de poder com a eficiência, mas
a maior centralização de informação, e a
maior difusão dela a partir do centro. Assim, na
administração municipal, haveria, como nos Es
tados da Nova Inglaterra, uma distribuição muito
minuciosa entre funcionários isolados, escolhidos
pelas localidades, de todas as funções que não é
deixar com as pessoas diretamente in
mas, ao lado disso, em cada setor de
negócios locais, uma superintendência central,
ramo do governo geral. dessa superin
tendência concentraria, como num a
ção e experiência vária derivada da condução
desse ramo de negócios públicos em todas as loca
lidades, e derivada, ainda, de tudo análogo feito
nos estrangeiros, e dos princípios gerais
da ciência política. Esse central o
direito de saber tudo que se faz, e o seu dever
específico seria esse de tornar o conhecimento
200 JOHN STUART MILL

adquirido aquí proveitoso


pela sua elevada dignidade e pela sua compreen
siva esfera de observação, dos preconceitos mes
quinhos e das vistas estreitas de localidade,
a sua opinião naturalmente, muito
mas o seu poder efetivo, como instituição
permanente, seria, concebo, limitada a
os a obedecer às leis estabele
cidas para os guiar. todas as coisas pre
vistas normas gerais, ditos
deixados ao seu próprio critério,
ante os seus eleitores. Pela desobediênciaàs nor-
mas responderiam legalmente, e tais normas,
o Legislativo. A
central velaria somente pela usa execu
ção, e, não executadas elas de modo
apelaria, de acordo com a natureza do caso,
os tribunais que imporiam a lei, ou para os
tores que poderiam substituir os funcionários
não a houvessem executado de acordo com o
dela. Tal é, sua concepção geral, a su
perintendência que se pretende exerça, central-
mente, o Conselho da Lei dos Pobres sobre os
da dos pobres em todo o país.
Quaisquer poderes que o Conselho exerça alem
desse limite, são justos e necessários no
para a cura de hábitos arraigados de má
em matérias que afetam '*<•
damente, não as localidades, mas a comunidade
desde que a. nenhuma localidade assiste
um direito a tornar-se, por desgoverno, um
ninho pauperismo, necessariamente transbor-
dando sobre outras localidades, e prejudicando
a
condição moral e física de toda a comunidade tra-
A 201
Os poderes de coerção administrativa
e de legislação subalterna possuidos pelo
da Lei dos Pobres (mas que, devido ao estado da
opinião sobre a matéria, sido mui parcamente
exercidos por ele), embora perfeitamente justifi
num caso de interesse nacional de
ordem, estariam completamente deslocados na
superintendência de interesses puramente locais.
Contudo, um central de e instru
ção para todas as localidades, seria igualmente
valioso em todos os setores da administração.
Nunca é demasiado esse gênero de atividade go
que não impede, antes auxilia e
estimula, o esforço e o desenvolvimento dos indi
víduos. mal começa quando, ao invés de excitar
atividade e as energias dos indivíduos e grupos,
o governo troca a sua atividade pela quando,
ao invés de informar, aconselhar, e, na oportuni
dade, censurar, ele os faz trabalhar sob grilhões,
ou lhes
deles fiquem
em seu lugar. de de
valor lado
ume Estado,
o trabalho
afinal
de contas, é o valor dos indivíduos que o consti
tuem. E um Estado que pospõe os interesses da
expansão e elevação mentais destes a
mais de perícia administrativa nas particularida
des dos ou à aparência disso que a prá
tica um Estado que os seus ho
mens, afim de que sejam instrumentos mais
nas suas mãos, ainda que para propósitos benéfi
cos — descobrirá que com homens pequenos nada
grande se pode fazer e que a
do a que sacrificou tudo, não lhe
veitará, no fim, nada, por carência da força vital
que, para a máquina poder trabalhar mais suave
mente, ele preferiu proscrever.

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