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TV POR ASSINATURA

2 0 ANOS DE EVOLUÇÃO
Samuel Possebon

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Tv pOr assinatura
EVOLUÇÃO
20 ANOS DE
Samuel Possebon

Tv pOr assinatura
20 ANOS DE EVOLUÇÃO
2009 © Direitos reservados à Save Produções Editoriais Ltda, à Associação Brasileira
de TV por Assinatura (ABTA) e ao Sindicato das Empresas de TV por Assinatura (SETA)

A reprodução para fins comerciais deste livro depende de autorização prévia do autor.
A reprodução para outros fins é livre, citada a fonte.

Texto e edição
Samuel Possebon
Preparação e revisão
Vera Caputo
Ilustração de capa
Carlos Edmur Cason
Editoração eletrônica
Halinni Garcia
Jornalista responsável
Samuel Possebon
Diretoria da ABTA (julho/2009):
PRESIDENTE EXECUTIVO: Alexandre Annenberg. VICE-PRESIDENTES: José AntonioFelix (cabo),
Carlos André Albuquerque (MMDS), Luiz Eduardo Baptista (DTH),André Borges (jurídico),
Antônio João Filho (tecnologia), Anthony EdwardDoyle (programação), Fernando Ramos
(marketing), Paulo Cézar Martins (administrativo-financeiro), Fernando Mousinho (relações
institucionais), Luis Carlos Balieiro (banda larga), Gustavo Leme e Lara Siqueira de Andrade.
CONSELHO FISCAL: Márcio Lúcio Pimenta e Neusa Maria Risette. EQUIPE : Eduardo Jardim ( ABTA/DF),
Marcia Valdujo (gerente executiva) e José Guilherme Mauger(assessor jurídico).
Diretoria do SETA (julho/2009):
PRESIDENTE EXECUTIVO: Alexandre Annenberg. DIRETORES: Fernando de Melo Mousinho (tesoureiro),
Sérgio de Andrade Ribeiro, Cássia Maria Cordaro, Roselí Parrella, Antonio Salles Teixeira Neto
e Odilon Antonio Silva. CONSELHO FISCAL: Laci Ricardo Buss e Antônio Roberto Salles Baptista.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Possebon, Samuel
TV por assinatura : 20 anos de evolução /
Samuel Possebon. — São Paulo : Save Produção, 2009.

1. Televisão por assinatura – Brasil – História


I. Título.

ISBN 978-85-909664-0-1

09–06969 CDD–384.550981

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Televisão por assinatura : História


384.550981

Save Produções Editoriais


Rua Min. Gastão Mesquita, 176/8
São Paulo/SP
CEP 05012-010
(11) 3871-2357

Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) Este livro foi composto


Sindicato
Rua Paes de
dasAraújo, 29 cj.de181/182
Empresas TV por Assinatura (SETA) na fonte EideticNeo
e impresso em ofsete pela
São Paulo/SP Geográfica Editora sobre papel
CEP 04531-090 Chamois Fine Dunas 80 g/m2
(11) 3078-9307 em agosto de 2009
sumário
Apresentação, 7
Agradecimentos, 11
prefácio, 13
CAPÍTULO 1
Vários começos,
CAPÍTULO 2 19

Abril e Globo
CAPÍTULO 3 chegam ao mercado, 38

OCAPÍTULO
amadurecimento
4 do mercado, 61

Lei do Cabo:
CAPÍTULO 5 uma longa história, 86

A variável
CAPÍTULO 6 convergência, 112

CAPÍTULO 7 os editais, 136


Finalmente,

A exuberância,
CAPÍTULO 8 os novatos e a queda, 159

Surgem os
CAPÍTULO 9 novos modelos, 184

A investida das teles, 206


CAPÍTULO 10
O começo11do futuro, 230
CAPÍTULO

20 anos de evolução, 248


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apresentação

Os profissionais que vivem o dia-a-dia do mercado de TV por assina


tura em funções específicas, com preocupações de momento e problemas
de curto prazo, muitas vezes correm o risco de perder a visão do todo e de
esquecer que o que foi construído ao longo das últimas duas décadas pela
indústria teve e tem importância para o país. Uma importância muitas
vezes maior do que a que percebemos.
Embebidos nas nossas atividades cotidianas de levar programação,
internet e telefonia a cada vez mais brasileiros, muitas vezes deixamos
para trás algumas histórias importantes, que nos ensinaram lições e nos
mostraram alternativas e soluções para problemas que se colocavam.
Entender a dinâmica do setor, observar suas idas e vindas, os seus
fatos e marcos é sempre uma oportunidade de voltar a aprender.
Mas, mais do que um conjunto de histórias de pessoas e empre
sas, um relato de estratégias e decisões, um registro de fracassos e su-
cessos, esse livro é uma homenagem. Uma homenagem aos milhares
de profissionais que ajudaram a criar um setor fascinante e relevante
para a sociedade.
Cada uma das histórias individuais, cada instalador que subiu em
um poste para esticar um cabo ou em um telhado para ajustar uma an
tena, cada atendente, cada investidor que assinou um cheque ou cada
programador que pensou em um canal contribuiu para esses 20 anos de
inovação. Nem todas as histórias estão contadas aqui, mas há uma histó
ria coletiva que fica registrada e que contempla a todos.
O que se vê ao passar os olhos por esses últimos 20 anos é que de
uma atividade quase caseira, em que muitas vezes o dono da operadora
era quem vendia, instalava, atendia o cliente, negociava programação e
fazia a cobrança, esse setor se tornou uma indústria relevante no cenário

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econômico e social de maneira geral, e no cenário da mídia e das teleco
municações de maneira específica.
Os operadores de MMDS, cabo e DTH no Brasil trouxeram para os
usuários inúmeras inovações, como a multiplicidade de programação, a
banda larga, a interatividade a TV digital e a convergência de tudo isso,
por exemplo. Às vezes, com mais de uma década de antecedência em re-
lação a outros setores. Hoje, pode-se dizer com segurança que as pessoas
que tiveram a oportunidade de viver em suas casas a experiência trazida
pela TV por assinatura passaram a ver o mundo com outros olhos.
Certamente há queixas, porque nenhum prestador de serviços é in
falível, ainda mais em uma atividade tão complexa como esta. Tampouco
se consegue oferecer um serviço que agrade a todos os usuários de ma
neira linear o tempo todo. Mas a TV por assinatura, sem dúvida, trouxe
algo que ninguém pode questionar: opção. E fez isso mesmo diante de
intempéries econômicas, de incompreensões regulatórias, de abusos tri
butários e de concorrência agressiva desde os seus primeiros dias.
Ao propor ao Samuel Possebon, autor desse livro, a ideia de regis
trar em uma obra os principais fatos desses últimos 20 anos, percebi
que havia uma convergência de interesses. Jornalista especializado
em comunicação e telecomunicações, Samuel acompanha a indústria
desde 1994, e também queria recontar o que viu e ouviu. Combina
mos que a melhor maneira de fazer isso seria com independência e
responsabilidade.
Cada um dos profissionais da indústria de TV por assinatura e das
pessoas que foram parte dela de alguma forma tem um ponto de vista e
uma história própria para contar. Seria impossível colocar tudo isso no
papel. Era preciso um olhar de fora, de alguém que estivesse suficiente
mente distante, mas que conhecesse os aspectos específicos, para sele-
cionar os fatos e recontá-los, e assim foi feito.
O resultado poderá ser visto nas próximas páginas. Aqui está um
pouco da história da indústria de TV por assinatura no Brasil como
um todo. Como ela começou, como se desenvolveu, como as coisas to
maram determinado rumo e não outro. Relembrar a história do setor
é uma boa maneira de mostrar a quem não foi parte dele sua riqueza e

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complexidade. E para quem é parte dessa indústria, é uma boa forma
de ver nosso dia-a-dia em perspectiva, aprender com o que já foi feito e
ter a certeza de que muita coisa ainda será conquistada e realizada nos
próximos 20 anos.

Alexandre Annenberg

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Agradecimentos

Serei um tanto injusto nos agradecimentos. Não tenho como citar


os nomes de todas as pessoas que entrevistei nesse setor de TV por assi
natura ao longo de todos esses anos e que me ensinaram um pouco sobre
como ele é e funciona. Foram fontes e amigos com os quais falei e com os
quais aprendi muito. Deles ouvi e registrei algumas histórias, que agora
se fazem presente nesse livro, mesmo que indiretamente. Gostaria de ter
podido ouvir todos eles novamente antes de escrever, o que seria impos
sível. A todos, muito obrigado.
Assim como agradeço imensamente àquelas pessoas com quem con
segui falar e entrevistar para esse projeto, especialmente as que me aju
daram com a coleta de documentos e materiais. Os entrevistados foram
Alexandre Annenberg, Roger Karman, Antônio Athayde, Hermano e Car
los André Lins de Albuquerque, Antônio Salles, Sávio Pinheiro, Rômulo
Villar Furtado, Moysés Pluciennik, Leila Loria, Luis Eduardo Baptista,
Antônio Barreto, Chris Torto, Ricardo Miranda, Walter Longo, Monsenhor
José Antônio de Lima, Alberto Pecegueiro, Elias Zeitune, Paulo Martins,
Neusa Risette e Wilson Martins, Dante Quinterno, Murilo César Ramos,
Olinto Santanna, Chico Araújo Lima, Antônio Carlos Menezes, Joe Walla-
ch, Walmor Bergesch, José Félix, Luis Gleiser, Álvaro Pacheco Jr., Roberto
Irineu Marinho e Roberto Civita. Com tantos outros, tive conversas pon
tuais. Acabei não entrevistando, por razões diversas, muitas pessoas que
gostaria ou deveria, como os amigos Paulo Saboya e Antônio João Filho.
Em nome dos dois, transmito meus agradecimentos aos ausentes nesse
livro, não por agora, mas por tudo.
Não posso deixar de agradecer à Associação Brasileira de TV por
Assinatura (ABTA) e ao Sindicato das Empresas de TV por Assinatura
(SETA) por terem viabilizado esse projeto. Nominalmente, agradeço ao

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Alexandre Annenberg pela ideia e apoio, ao Fernando Ramos pelo título e
à Márcia Valdujo por todo suporte e pelo esforço de pesquisa.
Rubens Glasberg merece um agradecimento único. Foi a pessoa que
me ensinou tudo o que eu sei como jornalista ao longo desses 15 anos de
profissão, e um bom tanto do que eu sou na pessoa física. Um amigo e
mestre que, como se tudo isso já não fosse suficiente, ainda registrou o
dia-a-dia dessa indústria desde seus primeiros momentos por meio das
publicações que criou e editou, sobretudo a revista PAY-TV.
Arevista e todos os que fizeram parte dela estão no DNA desse livro.
Eu teria que agradecer a todos os jornalistas que lá deixaram matérias,
análises, notas e entrevistas, que foram fundamentais para o que está
nas próximas páginas. Nominalmente, agradeço a dois deles: André Mer-
melstein e ao querido amigo Carlos Eduardo Zanatta, que a cada dia faz
mais falta. As editoras Edianez Parente e Sandra Regina da Silva tam
bém foram especiais nesses anos todos.
Por fim, agradeço à minha esposa Raquel, a pessoa que faz tudo
isso ter sentido.

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Prefácio

Poucas coisas refletem tão bem o progresso de uma sociedade quan


to o desenvolvimento de seus meios de comunicação. As formas como as
pessoas se informam, se divertem e se comunicam dizem muito sobre o
momento político e econômico e as condições de vida de uma determina
da época e lugar.
Este livro olha para uma pequena, mas riquíssima parcela dos meios
de comunicação no Brasil: a TV por assinatura. Pequena porque, se com
parada à importância diária da televisão aberta ou da telefonia, a TV por
assinatura é sem dúvida restrita e menos presente. Mas é muito rica por
que, a exemplo do que se passou em outros países, o segmento da TV por
assinatura foi o ambiente para o qual confluíram interesses de grupos de
mídia, empresas de telecomunicações, investidores e desenvolvedores de
tecnologias. E também de pequenos empresários, empreendedores locais
e, obviamente, alguns aventureiros. Em todo o mundo, e no Brasil não é
diferente, a TV por assinatura tem sido uma indústria aberta o bastante
ao ponto de permitir a participação simultânea de personagens de rele
vância local e conglomerados de atuação global.
Além disso, a TV por assinatura foi o laboratório onde a segmenta
ção, a interação e a personalização da informação, hoje tão em voga no
mundo da internet, foram testados. O surgimento dessa indústria mudou
a forma como as pessoas se relacionam com a TV, o que veem e como
veem. A TV paga trouxe novos personagens e novas variáveis para a di
nâmica do mercado de comunicações. Trouxe novas tecnologias e novas
opções de informação e entretenimento.
Este é um livro que trata de fatos, reconta histórias e organiza da
dos de modo a oferecer uma visão abrangente sobre o surgimento, o de
senvolvimento e a maturação do mercado de TV por assinatura em seus

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primeiros 20 anos de existência no Brasil. Não é um livro que defende te
ses específicas nem pretende dirimir polêmicas. É apenas a reapresenta-
ção de fatos que, ao longo desse período, se pulverizaram em diferentes
fontes de informação e documentos, foram contados de forma parcial
ou eram simplesmente desconhecidos, mas que hoje, resgatados e con
textualizados, ajudam a preencher um mosaico e dão uma visão mais
completa de como se deu a evolução deste segmento das comunicações
no Brasil.
Reconstituir estas primeiras duas décadas em um livro não é uma
tarefa simples. Primeiro, porque seria impossível contar essa história
sem eleger algumas prioridades, dando maior ou menor ênfase a deter
minados momentos, personagens ou fatos. Esse trabalho de seleção dos
fatos coube a este autor e às dezenas de fontes ouvidas que ajudaram,
com depoimentos e documentos, a recompor alguns deles. Os relatos de
estudos acadêmicos, de outros pesquisadores e da imprensa também fo
ram fundamentais para recuperar detalhes da história. Uma publicação
específica foi absolutamente imprescindível para esse trabalho. Trata-se
da PAY-TV, publicação especializada, criada pelo jornalista Rubens Glas-
berg em 1993, inicialmente como suplemento da revista TELA VIVA e de
pois, a partir de 1994, com vida autônoma, que retratou mês após mês,
até 2005, o que de mais importante acontecia no setor. PAY-TV foi quem
melhor documentou a história da TV por assinatura no Brasil, primeiro
em sua versão impressa e, após 1996, também em versão online diária,
ainda hoje existente e atuante. Boa parte do que se verá neste livro só
pôde ser reconstruída com riqueza de detalhes porque PAY-TV e seus jor
nalistas fizeram seu trabalho.
Outra grande dificuldade para se contar os 20 anos de história da
TV por assinatura é a própria definição do momento inicial da indústria
de TV paga, pois é possível encontrar relatos consistentes de operações
de TV distribuídas por cabo no Brasil desde os anos 1960, tentativas de
criação de modelos regulatórios na década de 1970 e um punhado de ope
rações embrionárias do que viria a ser a TV por assinatura em diferen
tes cidades brasileiras nos anos 1980. Assim, não seria incorreto dizer
que primórdios da TV por assinatura no Brasil já existiam há pelo menos

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50 anos, se quiséssemos levar ao extremo o exercício de estabelecer um
marco inicial.
Mas a análise histórica a que este livro se propõe exige um marco
consistente, que de fato signifique um momento de ruptura, uma mudan
ça de cenário, quando novos atores e novas iniciativas entraram em cena
com repercussão e reverberação amplas. Pode-se dizer que esse marco foi
1989, conforme ficará mais claro no capítulo que segue.
Foi nesse momento que, de forma independente, o Brasil ganhou as
primeiras operações de TV em que conteúdos até então indisponíveis ao
telespectador comum passaram a ser comercializados mediante paga
mento de um valor mensal. Isso é TV por assinatura, em essência: pagar
para receber, na televisão, um conteúdo que de outra forma não estaria
disponível. Há 20 anos, a TV por assinatura já ia além da mera retrans
missão de canais abertos de TV. Canais como CNN, ESPN, C-Span e canais
de filmes estiveram presentes na tela dos primeiros assinantes desde os
momentos iniciais da indústria. Outro marco é a institucionalização do
setor, com a criação de uma associação que congregasse as empresas, e
esse marco veio com a associação Abracom também em 1989, que depois
daria origem à associação ABTA. Por fim, o que define a data é um marco
regulatório relevante, que tenha de fato estabelecido um ponto de par
tida para alguma coisa. Arbitrariamente escolhemos a Portaria 250/89
do Ministério das Comunicações, que criou o serviço de distribuição de
sinais de TV (DISTV), o embrião do serviço de TV a cabo.
A história da TV por assinatura no Brasil envolve momentos bas
tante distintos, com características próprias. Os primeiros movimentos,
como em quase todos os setores da economia, foram marcados por ini
ciativas de empreendedores locais ou projetos familiares. Mas, ao mes
mo tempo em que essas iniciativas isoladas se desenvolviam, o grupo
Abril aportou no mercado. Dois anos depois, também os grupos Globo e
RBS entraram no negócio, e rapidamente a TV paga passou a ser reali
dade nas estratégias dos grupos de comunicação do país. Alguns anos
depois, também as estatais de telecomunicações passaram a flertar com
a TV paga, e em menos de cinco anos vieram os primeiros investidores
internacionais e empresas de tecnologia, além de conglomerados de co

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municação de atuação global e, bem mais tarde, as gigantes privadas de
telecomunicações.
Isso, contudo, não impediu que o mercado continuasse se desenvol
vendo de maneira independente fora dos grandes centros, o que marcou
a realidade da TV paga por pelo menos uma década de maneira bastan
te consistente e até hoje é a realidade de centenas de pequenos centros
isolados.
Ainda nos primeiros estágios de desenvolvimento da indústria, a
perspectiva de oferta de serviços interativos, sob demanda, e a trans
missão de dados já era uma realidade. Da mesma forma, nos primeiros
momentos do desenvolvimento do mercado de TV paga conviveram tec
nologias de transmissão por cabos coaxiais, fibras ópticas, satélites e
também plataformas de transmissão sem fio, como o UHF inicialmente
e, logo em seguida, o MMDS. No Brasil, todas as tecnologias de distri
buição de TV paga conviveram e disputaram o mercado, com maior ou
menor intensidade, e ainda o fazem.
A TV por assinatura também trouxe inovações importantes do pon
to de vista regulatório. Em um primeiro momento, rompeu o paradigma
da regulamentação de radiodifusão, colocando-se como uma alternativa
ao mercado de TV aberta. Em seguida, inovou na regulamentação de tele
comunicações, ganhando uma lei própria e inovadora (a Lei do Cabo, de
1995), e uma regulamentação específica que antecipou alguns dos aspec
tos de regramentos que só surgiriam para serviços de telecomunicações
nos anos 2000.
O processo de distribuição de outorgas das diferentes modalidades
de TV por assinatura também teve fases distintas. Se num primeiro mo
mento o licenciamento às operações de UHF, MMDS e cabo era gratuito
e sem regras rígidas, logo em seguida o conceito das licitações públicas
tornou-se a regra, ainda que os leilões públicos em si tenham demorado
mais de meia década para começar a acontecer.
A TV paga também trouxe, com vários anos de antecedência, algu
mas tecnologias novas que permitiram oferecer ao consumidor serviços
inovadores como a TV digital e a banda larga. E de outro lado, permitiu
a proliferação de canais públicos (tais como TV Câmara, TV Senado, TV

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Justiça e os canais das Assembléias Legislativas), canais locais, canais
comunitários, canais universitários e, é claro, canais de televisão seg
mentados, nacionais e estrangeiros.
A TV por assinatura, ao longo dos seus primeiros 20 anos de história
no Brasil, não conseguiu se massificar como outras tecnologias de comu
nicação ou telecomunicações. Foram duas décadas para se chegar à mar
ca de 6,5 milhões de lares que contratam o serviço neste ano de 2009. As
razões para isso são várias e acabarão evidenciadas ao longo deste livro.
Se existe uma razão preponderante, isso não tem como ser respondido.
Arranjos empresariais, cenário competitivo, capacidade de investimen
to, definição de produto e preços, qualidade da programação, restrições
regulatórias, crises econômicas, tudo isso teve, em momentos distintos
ou simultaneamente, o seu peso e a sua parcela de contribuição. Cada
leitor terá condições de extrair, dos relatos e fatos aqui apresentados, as
suas próprias conclusões.
Observando-se a história da indústria de TV paga será possível
perceber como funcionam as interações e divergências entre grupos de
comunicação locais, nacionais e internacionais, grupos de mídia e as
empresas de telecomunicações, quais são e serão os desafios da regu
lamentação em um mundo digital e convergente, e entender como tec
nologia e consumidores interagem e como se formam novos padrões de
consumo de entretenimento e informação. Mas, sobretudo, esse livro ofe
rece uma visão panorâmica de duas décadas de evolução do mercado de
TV por assinatura no Brasil, um setor fascinante para quem é do ramo, e
cada vez mais relevante no contexto das comunicações.

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CAPÍTULO 1

vários começos
Qualquer tentativa de apontar quem foi o primeiro operador de TV
por assinatura no Brasil estará errada. É virtualmente impossível dizer
com precisão quando tudo começou, já que existem relatos dispersos e
imprecisos de experiências de toda sorte que poderiam ser entendidas
como TV por assinatura, dependendo do grau de flexibilidade do concei
to adotado. Mas a percepção de que as coisas talvez tenham começado
na serra de Petrópolis, no final da década de 1950, é relativamente plau
sível. Mais precisamente em 1958, quando começaram a aparecer na
cidade antenas comunitárias que faziam a distribuição de sinais de TV
do Rio de Janeiro, captados do alto da serra e levados para as residên
cias de Petrópolis.
Note-se que isso aconteceu não mais que uma década depois que o
mesmo fenômeno deu início ao que hoje se conhece nos EUA como TV a
cabo. Eram os serviços de CATV (Community Antenna Television), ou an-
tenas comunitárias, em que os sinais da TV aberta eram levados por meio
de fios metálicos de uma antena principal a vários televisores.
No caso de Petrópolis, as operações de CATV serviam basicamen
te para auxiliar os telespectadores da cidade a receber os fracos sinais
de TV aberta que chegavam do Rio de Janeiro, em uma época em que o
Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), que estabeleceu as regras
para a radiodifusão no Brasil, sequer estava criado. O CBT só surgiria em
1962, mas antes disso uma série de pequenas empresas repartiu a cidade
para oferecer, por meio de fios, os sinais que eram captados pelas ante
nas coletivas e amplificados de maneira amadora.
O serviço tinha um preço, e o resultado era a possibilidade de assis
tir à TV com alguma qualidade de imagem. Isso pode ser considerado TV
por assinatura? Em certo sentido, sim. Quem relata a história pioneira é

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Elias Zeitune, ainda hoje operador de TV a cabo na cidade e que começou
a atuar no ramo em 1979. Não há muitos registros documentais dessa
época, mas de acordo com os relatos de Zeitune, as características geo
gráficas de Petrópolis tornaram necessário o serviço de antena coletiva
ao longo de todo esse tempo. Conversas com pessoas que frequentam ou
frequentaram Petrópolis confirmam que na década de 1970 já era possí
vel assistir à TV graças a essas antenas coletivas.
Apenas em 1995 os operadores da cidade (em um determinado mo
mento, eram mais 30 operadores fazendo antenas coletivas) passaram a
oferecer canais de TV por assinatura. E até que fossem abertas as licita
ções para outorgas em Petrópolis, em 1998, os operadores locais sempre
atuaram de maneira informal. Segundo relato de Zeitune, durante mui
tos anos, sobretudo nos anos 1980, era comum que técnicos do Dentel
(departamento na época responsável pela fiscalização dos serviços de
telecomunicações e radiodifusão) auxiliassem operadores de antenas co-
letivas a fazer ajustes nos sinais. No primeiro “modelo” de exploração do
mercado de TV paga, em Petrópolis, as áreas de atuação de cada operador
eram bem definidas e um não invadia o mercado do outro. Foi um modelo
que prevaleceu até meados dos anos 1990, quando um processo de con
solidação promovido por empresários argentinos reduziu o número de
operadores e criou uma grande operação não-oficial. Foi só no processo
de licitação iniciado em 1997 que Zeitune pôde se tornar o concessioná
rio legal do mercado de Petrópolis.
O exemplo de Petrópolis, contudo, não é único. Há muitos relatos
de outras operações que começaram de maneira informal no Brasil, no
modelo CATV. Alguns começaram e não foram adiante, como uma ope
ração em Manaus. Na verdade, a primeira emissora de TV da capital do
Amazonas foi uma operação de antena coletiva, criada em 1965 pela fa
mília Hauache, ainda hoje no mercado de radiodifusão local. Em 1965,
contudo, não havia sinal de TV aberta na cidade, e a operação de antena
coletiva distribuía os fracos sinais que podiam ser captados de emisso
ras venezuelanas. Era um serviço que atendia poucos quarteirões e que
durou cerca de cinco anos, quando deu lugar a uma emissora UHF aberta.
Manaus só voltou a ter TV por assinatura por meio de cabos em 2001.

20
Outro relato nos é dado por Rômulo Villar Furtado, secretário geral
do Ministério das Comunicações entre os anos de 1974 e 1985 e secretá
rio adjunto entre 1970 e 1972 (ver Capítulo 4). Ele relembra que, naquela
ocasião, havia uma série de operações de distribuição de sinais de TV
que utilizava redes de cabo, como a de um empresário uruguaio que ofe
recia o serviço a várias cidades do Paraná e Santa Catarina, na década
de 1970.
Qualquer trabalho de resgate da história das primeiras operações de
TV por assinatura do Brasil deve prestar o devido tributo a Daniel Herz,
jornalista, pesquisador e militante da causa da democratização das co-
municações, falecido em 2006. Até hoje, não existe trabalho mais rele
vante de documentação dos primórdios da TV por assinatura no Brasil
que a sua dissertação de mestrado “A Introdução de Novas Tecnologias
de Comunicação no Brasil: tentativas de implantação do serviço de ca-
bodifusão, um estudo de caso”, defendida em 1983 na Universidade de
Brasília, sob a orientação do professor Murilo César Ramos. Herz relata
não só uma fascinante história do embate regulatório para a criação da
chamada “cabodifusão” no Brasil na década de 1970 (assunto que será
tratado mais adiante) como, em um esforço incomum, oferece um vastís
simo acervo com reportagens, atas, documentos oficiais e transcrição de
depoimentos da época. Com base nas pesquisas de Daniel Herz é possível
garantir que, na década de 1970, havia dezenas de operações de sistemas
de CATV com cobertura mais ampla do que apenas um condomínio, tam
bém em cidades de maior porte como São José dos Campos, Santos, São
Bernardo do Campo, Campinas, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Nesse aspecto, até o maior grupo de comunicação do país, já naque
la época, o grupo Globo, estudava a tecnologia, criando em 1971 a TVC
- Televisão por Cabos Ltda, que tinha como objetivo justamente entender
e desenvolver as tecnologias de distribuição de TV por meio de redes de
cabo, um projeto encabeçado pelo coronel Wilson Britto. Ao se desligar
da Globo, em 1978, Britto assumiu o controle da TVC e instalou uma ope
ração piloto na Barra da Tijuca, para um conjunto de 80 prédios e 1.194
apartamentos, conforme declarações dadas na ocasião à revista Veja
(Edição 583, de 7 de novembro de 1979). O conteúdo viria do aluguel de

21
filmes e conteúdos da Globotec (a unidade da emissora que comercializa
va conteúdos da TV em locais onde não era possível a recepção dos sinais
abertos). Segundo relato de Daniel Herz, em seguida à publicação da re-
portagem, ele e mais dois colegas pediram explicações sobre a existência
daquela operação de cabo na Barra da Tijuca ao Dentel, que interpelou o
coronel Wilson Britto. Em resposta, ele alegou tratar-se de “serviço fe
chado” e que não infringia a regulamentação.
Um ano depois, Veja voltou a fazer uma reportagem sobre a experi
ência de cabo do coronel Wilson Britto (Edição 621, de 3 de setembro de
1980) e relatou que a operação estava de fato funcionando no condomí
nio Barramares, na Barra da Tijuca, como oferecia o “Jornal Nacional” no
horário das 10 da noite em um canal específico para programação dife
renciada que exibia também filmes e telejornais gravados das emissoras
comerciais. O custo de instalação daquele sistema no condomínio foi de
6 milhões de cruzeiros (US$ 107 mil, na cotação da época) e o custo men
sal de manutenção do sistema para o condomínio, 80 mil cruzeiros (US$
1,4 mil, à época).
É importante destacar que, naquela ocasião, não parecia haver, por
parte do grupo Globo, ao menos nas manifestações oficiais de seus prin
cipais executivos, nenhum interesse especial no negócio de TV por as-
sinatura. José Bonifácio (Boni) de Oliveira Sobrinho, então superinten
dente de produção e programação da TV Globo, havia declarado à revista
Veja (Edição 523, de 13 se setembro de 1978) que: “as pesquisas mostram
que os usuários de cabo continuam preferindo as estações comerciais”,
ao comentar a expansão da TV a cabo nos EUA. E finalizava: “a Globo não
teme a concorrência dessas inovações. No ano passado (1977), organiza
mos uma empresa paralela para investigar a viabilidade do cabo”. Possi
velmente, Boni se referia à TCV, criada originalmente em 1971, mas que
só passou a desenvolver projetos em 1977.
No ano seguinte, Roberto Irineu Marinho, então diretor da TV Globo
(e atual presidente do grupo) declarava à revista Veja (Edição 583, de 7 de
novembro de 1979): “Preocupamo-nos atualmente em investir na melho
ria do nosso produto. Não podemos fazer tudo ao mesmo tempo”. Essa
mesma reportagem traz uma declaração de Walter Clark, ex-diretor da

22
Globo, sobre o embate entre TV aberta e TV por assinatura: “O espectador
deixará de ser escravo do veículo para participar efetivamente da vida
cultural, porque passará a assinar os canais que lhe convêm”.
Não deixa de ser interessante observar como Veja, revista perten
cente ao grupo Abril, mantinha um tom crítico com relação às emissoras
abertas, notadamente Globo e Tupi, sempre que apresentava as tecno
logias que poderiam vir a competir com a TV comercial. Isso ainda na
década de 1970, muito antes de entrar, efetivamente, no mercado de te
levisão propriamente dito. Mas a rivalidade expressa nas palavras e no
tom utilizados pela revista talvez prenunciasse o que eclodiria no final
dos anos 1980.
Além dessas operações experimentais de antenas comunitárias que
começaram a surgir de maneira mais consistente na década de 1970,
houve também alguns projetos para a exploração acadêmica do serviço
de TV por assinatura. Em 1976, por exemplo, uma pequena operação de
distribuição de sinais de TV foi montada em São José dos Campos.
No Sul do país, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul desen
volveu um projeto em julho de 1974 para criar uma operação piloto de TV
a cabo na cidade gaúcha de Venâncio Aires, onde era precária a recepção
dos sinais das emissoras de TV aberta. A proposta da UFRGS era utili
zar a experiência para desenvolver tecnologia nacional de transmissão
por cabos (o principal fornecedor de CATV atuante no Brasil era a alemã
Bosch), além de análises econômicas e comportamentais referentes ao
serviço, visando, inclusive, subsidiar o trabalho de regulamentação da
TV a cabo que já se desenrolava na ocasião. A iniciativa, contudo, não foi
autorizada pelo Ministério das Comunicações.
O fato é que, sem uma institucionalização da TV por assinatura, es-
pecialmente da TV a cabo, o que havia nos anos 1970 eram operações de
CATV isoladas que cumpriam apenas o papel de distribuir os sinais da
TV aberta onde sua recepção era deficiente. E esse quadro só começaria a
mudar efetivamente no final dos anos 1980.
Naquela época, os embriões do que seria o mercado de TV por assina
tura no Brasil se desenvolviam de maneiras bastante distintas. De um lado,
o mercado de distribuição de CATV continuava avançando isoladamente,

23
com algumas iniciativas que se destacam. Uma delas é a do empresário
argentino Raul Melo Fajardo, que atuava na região de Presidente Pruden
te, interior de São Paulo. Melo, em 1987, foi talvez o primeiro empresário
a desenvolver a tecnologia de CATV já vislumbrando a possibilidade de
explorar o serviço em mais de uma cidade, no modelo de franquias. Ou
tra característica do esforço de Raul Melo é a parceria que se estabelecia
com um fabricante de equipamento, Marcos Huller. Em 20 de junho 1988,
a TVCabo de Presidente Prudente declarava ao “Jornal do Comércio” lo
cal que sua tecnologia estava vendida para 14 cidades de vários estados.
Entre elas, destacava-se uma operação do grupo Machline, controlador
da Sharp, de propriedade de Matias Machline. O empresário, a partir de
1989, desempenharia um papel fundamental no desenvolvimento da TV
por assinatura no Brasil. Segundo o relato do jornal, a operação de CATV
chamava-se TV Linha Direta e atendia o bairro dos Jardins, na cidade de
São Paulo. Não existem outros relatos dessa operação, mas se de fato ela
existiu, talvez tenha sido a primeira experiência de distribuição de sinais
de TV por meio de cabos a uma região da capital paulista.
A operação de Presidente Prudente deu origem a uma série de outras
operações na região. Uma delas foi a da vizinha Santo Anastácio, cidade
também no interior paulista. O pioneiro a explorar o sinal na cidade foi
o padre José Antônio de Lima (hoje Monsenhor), que montou a operação
de cabo local, em junho de 1988, com as antenas e os equipamentos de
transmissão instalados ao lado da Igreja Matriz de Santo Anastácio. O
que difere a operação do padre José Antônio de Lima das demais opera
ções de CATV que foram instaladas antes no Brasil é ter sido a primeira
de que se tem registro a oferecer conteúdo internacional, com a distribui
ção dos sinais da TVE espanhola, dos canais NBC e Bright Star ingleses
e a C-Span norte americana. Eram estes os únicos canais que podiam ser
captados abertamente nos satélites naquela época.
Logo depois que a TV de Santo Anastácio entrou no ar, o Ministério
das Comunicações editou a Portaria 143 de 21 de junho de 1988. Aprimei-
ra norma regulando o mercado de distribuição comunitária de TV (CATV)
permitia a exploração dos serviços, mas exigia a apresentação de um
projeto com a indicação do local de instalação, a autorização das emis

24
soras de TV cujos sinais no satélite seriam retransmitidos, a autorização
da Embratel para que os sinais fossem captados e, mais importante, a
proibição de recepção de sinais por meio de satélites estrangeiros.
Mas a principal norma que daria início ao mercado de TV a cabo no
Brasil só veio no final de 1989, por meio da Portaria 250 de 13 de dezem
bro daquele ano, que criava o chamado DISTV (Serviço de Distribuição
de Sinais de Televisão). A Portaria das DISTVs expandia o conceito da
Portaria 143 para além da distribuição de sinais recebidos por satélite e
permitia a transmissão dos sinais abertos das emissoras de TV em VHF
ou UHF. Além disso, a Portaria 250 flexibilizava a oferta dos serviços em
condomínios fechados, dispensando a autorização do Dentel. A Portaria
250 de 13 de dezembro de 1989 foi, portanto, o primeiro marco legal para
a TV a cabo no Brasil e deu origem à primeira onda de distribuição de
licenças relacionadas ao serviço.
Segundo relato feito a este livro por Rômulo Villar Furtado, ex-secre-
tário geral do Ministério das Comunicações e testemunha ocular e autor
dos principais atos regulatórios nas décadas de 1970 e 1980, desde 1973
havia uma pressão para que se regularizasse a situação das inúmeras
operações de CATV existentes no Brasil. Foi assim na tentativa de criar
um regulamento de TV a cabo nos anos 70, uma lei nos anos 80 e, como
efetivamente acabou acontecendo, com as regulamentações para CATV
expedidas em 1988 e 1989.
As operações de CATV descritas por Rômulo Villar Furtado como o
fator de pressão pela regulamentação dos serviços tiveram também ou
tro papel importante. Elas começaram a disseminar o conceito de TV a
cabo de uma maneira viral, cuja rede de conexões, 20 anos depois, pôde
ser redesenhada com alguma segurança.

SURGE A ABRACOM
Um bom exemplo vem das operações de Raul Melo Fajardo, pioneiro
na exploração de TV a cabo no estado de São Paulo. De um lado, a inicia
tiva de Melo levou à criação da TV Cabo Santo Anastácio, que ganhou
algum destaque na imprensa paulistana em 1988-89. Começou com uma
pequena reportagem no jornal O Estado de S. Paulo em 26 de julho de

25
1988 até ganhar uma grande reportagem de capa do caderno Ilustrada,
da Folha de S. Paulo, em 6 de agosto de 1989, assinada pelo jornalista
Eduardo Duó. Especialmente esta grande reportagem da Folha foi lida
por alguns empresários na época, um deles, Olinto Santanna, na ocasião
executivo do grupo de Matias Machline. Dois anos depois, já em conta-
to com o investidor carioca Antônio Dias Leite, Olinto usou a memória
daquela informação relatada pela Folha para ir atrás de operadores de
CATV espalhados pelo interior paulista, dando origem ao que seria a
operadora Multicanal. A reportagem do jornal dava um grande destaque
para a experiência de Santo Anastácio, mas o que mais chamou a aten
ção dos empresários na ocasião foi a declaração de Raul Melo ao jornal
informando que ao final daquele ano mais de 300 cidades estariam em
operação. O número profetizado pelo empresário argentino nunca se tor
nou realidade. Nem hoje, 20 anos depois, existem tantas operações de TV
a cabo no país.
No entanto, a intenção era justamente fazer barulho. Melo, junta
mente com um grupo de empresários, havia acabado de criar a Abracom
(Associação Brasileira de Antenas Comunitárias), que viria a se tornar a
Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) alguns anos depois.
Na ata de criação da Abracom, de 28 de julho de 1989, estão descritos
os objetivos da entidade naquela ocasião: desenvolver, implementar e
defender a atividade de instalação e operação de antenas comunitárias;
congregar as empresas do setor; colaborar com o Poder Público; promo
ver estudos sobre o mercado; investir na divulgação da atividade; patro
cinar treinamento e aperfeiçoamento de pessoal técnico... Enfim, a as-
sociação, naquele momento, dava um peso institucional para um setor
que até então existia em iniciativas quase informais e desorganizadas
de empresários locais.
Boa parte desses empresários assinou a ata de fundação da Abracom,
de modo que por aí é possível fazer um raio-X do que efetivamente existia
de operadores de CATV no Brasil naquele momento. O primeiro presidente
eleito da associação foi Hélio Estrella, advogado carioca, mas residente
em São Paulo. Raul Melo, de Presidente Prudente, e o padre José Antônio
de Lima, de Santo Anastácio, também aparecem como fundadores da asso

26
ciação. Da mesma forma estão Nelson Soares do Nascimento e Jofre Lei
te Brun, de Campo Grande/MS, outra cidade que já em 1989 tinha uma
operação de distribuição de sinais de TV por meio de cabos. E ainda o en-
genheiro Luciano Molteni, de Joinvile/SC; o economista Otto Nogami e o
administrador Eli dos Santos, de São Paulo; Alberto Labadessa, médico de
São Carlos/SP; Antônio Mazzucatto, administrador residente na cidade de
Franca/SP; Benedito Antônio Silva, industrial de Umuarama/PR; Coreola-
no Meirelles, engenheiro de São Carlos/SP; Yassuo Kitayama, farmacêu
tico de Presidente Venceslau/SP. Esses são os fundadores da Abracom e
estavam, portanto, envolvidos com uma indústria que começava a nascer.
Os relatos de imprensa da época são que 36 empresários estavam, naquele
momento, envolvidos com projetos de TV a cabo. Havia um projeto para a
implantação de operações no Condomínio de Tamboré (Grande São Paulo),
Araguari/MG, Tietê/SP, Santos/SP e Blumenau/SC, todas com inaugura
ção prevista para 1989. Antes disso, em 1986, uma operação experimental
de distribuição de sinais de TV no Condomínio Pró-Vida, de Sorocaba/SP,
também serviu de laboratório, com a presença de algumas pessoas que vi
riam a participar da indústria do cabo mais adiante.
Raul Melo tinha também uma pequena operação de cabo na cidade
de Londrina/PR. Nessa cidade, possivelmente no ano de 1990, houve uma
exposição agropecuária cujo organizador era Dante Quinterno, empresá
rio argentino que, dez anos antes, esteve envolvido com a instalação das
primeiras operações de cabo em Buenos Aires. Ele ficou hospedado em
um hotel de Londrina onde o serviço era oferecido, e isso chamou a sua
atenção, pois até então desconhecia a existência de TV a cabo no Bra
sil. Quinterno tornou-se personagem importante no começo da TV por
assinatura no país e pode ser apontado como um dos responsáveis pela
aproximação entre os pequenos operadores que existiam na ocasião e
os grandes grupos investidores e as empresas de mídia brasileiras e ar-
gentinas que exploraram o mercado nos anos seguintes. Ele é filho do
famoso cartunista e editor argentino Dante Quinterno, e por isso mesmo,
segundo seu próprio relato a este livro, sua família tinha contato com os
grupos de comunicação brasileiros (notadamente Abril e RBS) e argenti
nos (os grupos Clarin e Telefé). A família Quinterno tem mais um Dante,

27
filho do empresário e neto do cartunista, que hoje é o responsável pela
operação de TV a cabo na favela da Rocinha, no Rio.
Mas os focos de proliferação da TV por assinatura no Brasil não es-
tavam restritos aos associados da Abracom. No Sul do país, outro em
presário, Aloísio Nestor Knob, começava a prospectar o mercado, e já em
1988 espalhava a oportunidade entre empresários da região, incluindo a
família Sirotsky (proprietária da RBS). As operações no Sul começaram
a sair do papel apenas em 1990.
A RBS tampouco estava parada, e um dos seus executivos, Walmor
Bergesch, havia sido incumbido, desde 1983, de pesquisar o mercado de
TV por assinatura dos EUA como um possível novo negócio a ser explo
rado pelo grupo.
No Nordeste e no Centro-Oeste, o mercado começou a se desenvol
ver de maneira inusitada com o cearense Anselmo Mororó. Ao estudar
marketing nos EUA no começo dos anos 1980, Mororó teve contato com
o conceito de TV por assinatura em geral e com o conceito de MDS (Mul-
tipoint Distribution Service), para a distribuição de sinais de TV utili
zando a faixa do SHF (Super High Frequency), localizada no espectro
radioelétrico de 2,5 GHz. No Brasil, a faixa era utilizada pelo Serviço de
Televisão em Circuito Fechado com a Utilização de Radioenlace, definido
pela Portaria 86 de 7 de abril de 1986. Ao retornar ao Brasil, sentindo
falta de diversidade na programação, Mororó começou, de maneira ama
dora, a transmitir filmes em circuito fechado de TV para amigos a partir
de um videocassete. Aidéia ganhou corpo à medida em que mais pessoas
pediam para receber o sinal; por fim ele decidiu transformar a iniciativa
em um projeto empresarial.
Pela primeira vez, alguém no Brasil cogitava utilizar a faixa de SHF
para distribuir sinais de TV por assinatura. Até então a faixa era destina
da apenas a transmissões ponto-a-ponto ou pela TV Jóquei, que em 1986
começou a utilizá-la para transmitir sinais do Jóquei Clube de São Paulo
e do Rio para a casa de apostas, na modalidade de TV executiva.
Anselmo Mororó procurou o ex-senador cearense José Lins (senador
entre os anos de 1979 e 1987) para ter acesso ao Ministério das Comu
nicações e buscar uma licença para operar o MDS naquela faixa. Nessa

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ocasião, José Lins chamou a atenção de um dos seus filhos, Carlos André
Lins de Albuquerque, para aquela oportunidade. Assim como Mororó, ele
também apresentou um projeto técnico ao Ministério para ter direito de
uso do espectro, isso por volta de julho de 1989. Em setembro saíram as
autorizações. Com isso, Anselmo Mororó pôde criar a TV Show em 1991,
na cidade de Fortaleza, e a família Lins de Albuquerque iniciou a TV Fil
me no começo de 1990, em Brasília.
Apenas depois de liberada a licença de um único canal na faixa de SHF
(Super High Frequency), em 2,5 GHz, a família Lins de Albuquerque come
çou a pensar em como transformar o projeto em negócio. O capital original
foi um carro Parati vendido por Carlos André. A ideia: fazer uma TV para
exibir filmes, daí o nome original, TV Filme. Com um pequeno transmissor
e um tocador de fitas de vídeo magnéticas U-Matic, a TV Filme procurou
a distribuidora da Viacom, no Rio, e acertou um acordo para exibir 20 tí
tulos por mês entre uma lista de 1 mil títulos antigos que estavam no ar-
quivo morto da distribuidora. Aquela operação, quase amadora, perdurou
por um ano, com os dois irmãos, Carlos André e Hermano Lins de Albu
querque, revezando-se entre as funções de trocar as fitas de vídeo, fazer
as vendas e a instalação. Por fim, em 1990, a pequena operação começou
a distribuir os sinais da CNN recebidos do satélite. Foi o suficiente para
que a demanda pelos serviços aumentasse, sobretudo por encomendas das
embaixadas localizadas na Capital Federal. Demanda que logo se mostrou
muito superior à capacidade de instalação da empresa. A fila aumentava.
A situação ficou caótica a partir de agosto de 1990, com o a invasão
do Kuwait pelo Iraque, e mais ainda a partir de 17 de janeiro de 1991, com
o ataque norte-americano ao território iraquiano. Aquela era a guerra
da CNN, única emissora a ter correspondente e transmissão ao vivo na
capital iraquiana na noite da invasão. Imediatamente, as demandas da
TV Filme explodiram, com pedidos inclusive da Presidência da Repúbli
ca, que precisava do sinal nos gabinetes do presidente Collor. Sem ca-
pacidade para atender aos pedidos pela burocracia na importação dos
equipamentos necessários, a TV Filme ganhou uma ajuda do governo,
que determinou então à Receita Federal a agilização do processo de de
sembaraço dos equipamentos.

29
Foi o impulso que a TV Filme precisava. Em janeiro de 1991, a CNN
fechou o sinal aberto no satélite, o que tornou a relação entre ela e a ope
radora efetivamente comercial. Por outro lado, a partir daí a operadora
já tinha receita e massa crítica de assinantes para investir na expansão
do serviço, e aos poucos, com a ajuda do Ministério das Comunicações, o
número de canais disponíveis aumentou, permitindo a oferta de outros
conteúdos pagos, como a ESPN. Na época, o serviço custava em torno
de US$ 40 por mês e a instalação, US$ 400. Com o negócio em plena ex
pansão no final de 1991, a TV Filme precisava de investimentos, e nesse
momento a sua história se cruza com a do grupo Abril, como se verá nos
próximos capítulos.
O desenvolvimento da TV por assinatura no Brasil aconteceu em di
ferentes locais paralelamente, e uma das histórias centrais envolve o gru
po Abril, da família Civita, que desde a década de 1970 buscava uma saída
para o mercado de televisão. Em 1982, quando a Abril viu frustrada a sua
tentativa de conseguir as outorgas da extinta TV Tupi, houve uma decisão
estratégica de seu fundador, Victor Civita, e de seu filho e principal execu
tivo do grupo, Roberto Civita, de buscar alternativas para o que se chama
va de “nova TV”. Note-se que desde o final da década de 1970, como atestam
reportagens de Veja, o grupo Abril via a evolução das tecnologias de home-
video e TV por assinatura como uma alternativa ao modelo da TV aberta.
Por volta de 1982, o executivo Roger Karman é destacado para bus
car alternativas de negócios para o grupo na área de TV e logo se depara
com duas possibilidades. Um modelo era o da TV segmentada, nos mol
des da MTV, que havia estreado nos EUA em 1981 como um canal pago
distribuído por operadoras de cabo. Segundo relato de Karman a este
livro, quem apresentou esse conceito ao grupo Abril, na ocasião, foi o
hoje cineasta Walter Salles Jr. Posteriormente, houve conversas com a
Viacom, proprietária da marca, mas ainda sem a intenção de concretizar
qualquer tipo de parceria.
O outro modelo era o da TV a cabo, ainda que a Abril, na ocasião,
achasse que o modelo enfrentaria a resistência da Telebrás. Por isso, o
grupo começou a acreditar que uma alternativa seria o do Canal + fran
cês, que em 1984 tinha iniciado suas operações como canal pago, utili

30
zando um único canal de UHF, com conteúdos esportivos e filmes. A es-
tratégia era fazer, no Brasil, algo completamente diferente do que fazia
a TV Globo.
O grupo Abril tentou então explicar ao governo que esse seria seu mo
delo. Antes disso, a Abril chegou a desenvolver a produção de alguns pro
gramas com espaço alugado na TV Bandeirantes e TV Gazeta, com algum
sucesso, dando origem à Abril Vídeo, dedicada ao mercado de homevideo.
Finalmente, em 1985, conseguiu um canal UHF em São Paulo (ca
nal 32). Foi a primeira outorga desse tipo na cidade. Nos anos seguintes
houve mais uma leva de concessões de UHF, para o grupo Joven Pan, para
a Luqui Produções (do empresário Luciano do Valle) e Diário do Grande
ABC, em Santo André.
No entanto, a intenção da Abril de cobrar pela programação se viu
frustrada após uma análise mais cuidadosa do governo sobre a legisla
ção de radiodifusão. Constatado o erro estratégico, o ministro das Comu
nicações, na ocasião Antônio Carlos Magalhães, deu ao grupo a opção de
devolver o canal ou, alternativamente, mantê-lo e aguardar a elaboração
de um regulamento que permitisse o modelo de TV paga. A Abril optou
pelo segundo caminho.

TV PAGA EM SÃO PAULO


Durante dois anos, o Ministério trabalhou em uma alternativa regu-
latória em conjunto com a Abril para resolver o impasse. Essa alternativa
surgiu em 23 de fevereiro de 1988 com a edição do Decreto 95.744, que
cria o Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA). Era um serviço
que permitia à Abril fazer exatamente o que o Canal + francês fazia: a
transmissão de TV paga com possibilidade de transmissão aberta, não
codificada, em parte do tempo. A frequência utilizada era a de UHF.
O que a Abril não sabia é que ela não era a única que trabalhava no
desenvolvimento de uma licença que permitisse introduzir a TV por as-
sinatura no Brasil. Ao mesmo tempo em que o Ministério das Comunica
ções trabalhava no projeto, Álvaro Pacheco, amigo pessoal do presidente
José Sarney e que depois viria a se tornar senador, assumindo como su
plente de Hugo Napoleão, também trabalhava no mesmo sentido. Pache

31
co foi dos primeiros a ganhar a outorga no Rio de Janeiro, juntamente
com a família Marinho e com o empresário local Paulo César Areas Fer
reira, também na capital fluminense. A RBS ganhou a sua em Porto Ale
gre e Leonardo Petrelli, em Curitiba. Passaram-se alguns meses até que
a licença de UHF da Abril fosse publicada na cidade de São Paulo, tempo
suficiente para que o grupo da família Civita acertasse com Pacheco um
acordo verbal de compra da licença do Rio, caso fosse necessário.
Logo em seguida, a família Civita conseguiria a tão sonhada autori
zação para fazer transmissões de TV por assinatura no canal 24 de UHF
em São Paulo, mas para a frustração completa dos planos do grupo, o mes
mo tipo de autorização foi dado para mais três grupos, incluindo a maior
rival, a Globo, que ficou com o canal 19.
Os outros dois grupos que receberam licenças do Serviço Especial
de TV por Assinatura foram a Pira Som & Imagem, dos irmãos Walter
e Lauro Fontoura (que ficou com o canal 50 e havia recebido a outorga
um pouco antes da Abril); e o empresário André Dreyfuss, que naquele
momento estava envolvido no lançamento de uma operação de telefones
móveis para veículos (na época o serviço se chamava “trunking”), em São
Paulo. Dreyfuss ficou com o canal 29.
Decepcionada e apreensiva, a Abril mudou a sua estratégia e in
tensificou as conversas com a MTV norte-americana. Decepcionada
porque imaginava que, depois de tanto trabalho auxiliando o governo
a criar um conceito regulatório para a TV por assinatura, a Abril teria
a primazia de operar o serviço. E apreensiva porque via a Globo como
concorrente e temia que a outorga dada a Lauro Fontoura fosse, na ver
dade, mais uma licença para a Globo, de forma disfarçada (Walter Fon
toura, irmão de Lauro, era funcionário do grupo Globo). A Abril decide
então que lançaria a MTV no Brasil como um canal segmentado, mas
aberto, aproveitando o canal 32 conquistado em 1985 e o crescimento
do mercado de televisores com capacidade de recepção dos sinais UHF,
até então utilizados apenas por retransmissoras e repetidoras de TV
em cidades interioranas.
Como nunca havia sido feita nenhuma transmissão de TV de for
ma codificada no Brasil, os grupos que receberam as licenças de TVA,

32
provocadas pela Abril, iniciam discussões sobre o desenvolvimento e
uso de um decodificador único, de modo a criar um padrão para os teles
pectadores e reduzir custos e investimentos no desenvolvimento de tec
nologias. Mas André Dreyfuss decidiu ficar fora da discussão, e seguiu
caminho próprio.
Na verdade, Dreyfuss já havia se antecipado e preparava o lança
mento do mesmo modelo do Canal + francês que a Abril pretendia trazer
para o Brasil. Não só a inspiração era clara, como Dreyfuss também havia
registrado a marca do Canal + e o mesmo logotipo utilizado pela empre
sa francesa. Dreyfuss já tinha buscado investimentos e tecnologia para
iniciar os serviços. Entre os sócios estavam Ariovaldo Mônaco, Roberto
Carneiro Peixoto e a economista Zélia Cardoso de Melo.
Segundo relatos de pessoas que na época participaram da operação
de Dreyfuss, seu contato com TV por assinatura começou nos EUA, onde a
família de sua mulher tinha uma operação de MDS. O empresário resolveu
trazer o conceito para o Brasil, e para isso se valeu de uma relação de ami
zade com Matias Machline, dono da Sharp, que gozava de acesso e proxi
midade ao então presidente da República, José Sarney. Machiline, segundo
relatos da época, investiu inicialmente cerca de US$ 2 milhões no projeto
de Dreyfuss, com a condição de que permanecesse anônimo na sociedade.
A operação foi lançada oficialmente em 29 de março de 1989, utili
zando tecnologia de decodificadores trazida dos EUA (as primeiras cai
xas usadas eram da Zenith, que Dreyfuss representava com exclusividade
no Brasil) e distribuindo programação disponível no satélite PanAmSat,
o primeiro satélite estrangeiro a ter “landing rights” (ou seja, direito de
transmitir sinais e ser captado) no Brasil. A torre de transmissão ficava
no prédio da Sharp, na Avenida Paulista. A programação inicial incluía
apenas 16 horas diárias de retransmissão do canal ESPN, disponível no
PanAmSat. O serviço custava cerca de US$ 13 por mês, mais US$ 500 de
instalação. O plano de Dreyfuss era, aos poucos, introduzir outras pro
gramações, o que passaria pela sua capacidade de conseguir, junto ao
governo, mais canais.
Cercado de mistérios desde o seu lançamento, o Canal+ foi a primei
ra operação de TV por assinatura concebida como tal no Brasil. Trouxe

33
algumas inovações técnicas, como som estéreo, tecla SAP, transmissões
codificadas e a possibilidade de se assistir a todos os canais utilizando
um mesmo decodificador. Mas sua grande contribuição foi lançar o con
ceito de venda de programação na maior cidade brasileira.
No entanto, como qualquer grupo pioneiro, o Canal + viveu as agru
ras de começar a vender um serviço novo sem capacidade de instalação
e muito menos know-how para resolver os inúmeros problemas que viria
a enfrentar: problemas típicos de operações de TV paga, como a falta de
equipamentos, dificuldades de acesso a condomínios, e também proble
mas inusitados como a perda do sinal apenas na hora do almoço. Todos
os dias, por volta do meio-dia, o sinal do Canal + sofria uma brutal interfe
rência, cuja origem demorou a ser descoberta: era o forno de microondas
industrial da cozinha do Hotel Maksoud Plaza, que ficava a poucos me
tros da antena de transmissão. O cozinheiro operava o forno com a porta
aberta, permitindo que a irradiação do equipamento, de 600 Watts de
potência, vazasse para a vizinhança. As faixas de microondas dos fornos
eram as mesmas faixas de microondas utilizadas no serviço, já que o Ca
nal + se tornara um operador do que hoje se chama de MMDS (Multipoint
Multichannel Distribution Service) em 22 de janeiro de 1990, ao receber
três novos canais. Na época, essa frequência era chamada de SHF (Super
High Frequency). Eram, na verdade, licenças de um certo Serviço de Cir
cuito Fechado de Televisão com Utilização de Radioenlace, uma espécie
de serviço destinado a links de televisão regulamentados pela Portaria
86 de 7 de abril de 1986 editada pelo Ministério das Comunicações.
Com os novos canais, o Canal + passou a transmitir a CNN, a RAI
italiana e um canal de videoclipes, batizado de TVM. Dreyfuss também se
expandia territorialmente, conseguindo as licenças de SHF no Rio de Ja
neiro, Curitiba e Porto Alegre, chegando a 22 mil assinantes em novembro
de 1990, segundo dados declarados por ele em reportagens da época. Em
novembro daquele ano, André Dreyfuss vendeu sua parte na sociedade
para Matias Machline, que imediatamente acertou, por US$ 20 milhões,
a entrada do grupo Abril na empresa. Parecia um bom negócio, pois até
ali o Canal + já tinha custado cerca de US$ 10 milhões em investimentos.
Como se verá no próximo capítulo, mais do que uma simples parceria, a

34
sociedade entre Abril e Machiline marcava uma tentativa agressiva de
tomar o mercado de TV por assinatura, antes que a Globo o fizesse.
AAbril, no dia 20 de outubro de 1990, tinha finalmente colocado no
ar a MTV, no modelo de emissora aberta e segmentada. Foi uma iniciativa
inédita e marcou a entrada do grupo em uma operação de TV, um projeto
que vinha desde os anos 1970. Mas a sociedade com Machline indicava
que a Abril ainda não desistira da idéia de fazer TV por assinatura.
Dreyfuss, por sua vez, saiu da empresa, mas obteve com outros só
cios uma licença de DISTVna cidade de São Paulo, que depois foi vendida
para a Multicanal por US$ 300 mil. Ainda hoje há controvérsia sobre o
pagamento da parte dos sócios de Dreyfuss nessa licença.
Ao longo de 1989, a dinâmica do mercado de TV por assinatura no
Brasil começou a mudar radicalmente. Na cidade de São Paulo, a batalha
estava centrada no UHF aberto e nas licenças de um serviço especial de
TV por Assinatura. A Pira Som & Imagem planejava o lançamento de um
canal pago elitista, por meio do UHF 50, para assinantes de classe A, e
chegou a batizar o serviço de TV Alpha, que nunca entrou no ar. Também
apostando em programação aberta, mas segmentada, entrou no ar a TV
Jovem Pan, focada em jornalismo e esportes. A Globo apenas estudava
tecnicamente a questão, mas nunca chegou a falar abertamente sobre
seus planos.
No restante do Brasil, o jogo da TV paga começou a se definir com a
Portaria 250 de 13 de dezembro de 1989, que criou a figura das DISTVs.
Mas as licenças de DISTVs começaram a sair efetivamente no governo
Fernando Collor, mais precisamente em novembro de 1990. Foi uma en
xurrada de autorizações, o que estabeleceu o início, não só de diversas
operadoras de cabo, como também de uma intensa fase de compra e ven
da de licenças por parte de aventureiros.
Entre novembro de 1990 e junho de 1991 foram distribuídas 97 li
cenças de DISTVs, que somadas a mais quatro autorizações de Serviços
de Antenas Comunitárias existentes com base na Portaria 143 de 1988,
totalizavam 101 licenças, que rapidamente se tornaram importante moe
da de negociação, ainda sem referências claras de valores ou do poten
cial daquele serviço. Alguns empresários optavam por montar o serviço

35
de antenas comunitárias. Outros simplesmente não sabiam o que fazer
com aquilo, que muitas vezes era confundido como uma licença para se
fazer televisão.
As licenças de DISTV estavam espalhadas por 69 cidades. Em ape
nas dez capitais, havia a previsão para 26 operadores, o que mostrava a
preocupação dos interessados por mercados mais atraentes. Dos grandes
grupos de comunicação, apenas a RBS apressou-se em pedir licenças, e
conseguiu 16 no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No Rio Grande do
Sul, Nestor Knob também se tornou o licenciado de DISTV em nove mu
nicípios, sendo que a primeira a entrar em operação foi a de Capão Novo,
em 1990. Na ocasião, além dessas, Knob acertou sociedade com a família
de Paulo Cezar Martins para iniciar a operação na cidade de Pelotas. As
operações eram todas simples, baseadas nos canais disponíveis de for
ma aberta no satélite (CNN, ESPN e C-Span), mais os canais abertos das
emissoras de TV locais.
Martins relata que as primeiras importações de equipamentos eram
extremamente complicadas porque não havia sequer conhecimento por
parte dos técnicos da Receita Federal para autorizar a entrada, o que exi
gia um trabalho adicional de tradução dos manuais. Outro modelo de ope
rações praticado no Sul do país, descreve Paulo Martins, era a pré-venda.
Com o dinheiro dos assinantes financiava-se a compra de equipamentos
e a expansão das redes. Era uma época em que a operação de uma rede de
cabos se apresentava como relativamente rentável, pois a programação
era gratuita no satélite e a tributação, ineficiente.
No Estado de São Paulo, o empresário Bayard Umbuzeiro Filho, resi
dente em Santos, foi quem mais conseguiu, junto ao governo, licenças de
DISTVs. Além da licença para a sua cidade, Umbuzeiro conseguiu mais
sete outorgas no estado. Na região de Barueri/SP (Condomínio Alphavil-
le), quem começou a explorar o mercado foi o empresário e diretor do SBT
Guilherme Stoliar, em 1991, em uma operação que se caracterizaria por
ser uma das únicas com programação dos grupos Globo e Abril nos anos
seguintes, e também por ser uma das assinaturas mais caras, por volta
de US$ 40 por mês e R$ 580 de instalação. Na cidade de São Paulo havia
quatro licenças: uma concedida a uma família de coreanos para o bairro

36
do Paraíso; outra que foi conseguida por André Dreyfuss; outra, pelo ar-
gentino Dante Quinterno; e a do empresário José Eduardo Nicolau.
A empresa Canal Zero Vídeo e Antenas Comunitárias, criada em
maio de 1990, foi responsável pela operação de Goiânia/GO. Outra ope
ração que logo após a licença de DISTV entrou em funcionamento comer
cial foi a de Campo Grande/MS. Cidades como Ribeirão Preto e Franca,
no interior de São Paulo, e as capitais Belo Horizonte e Curitiba também
começaram a operar suas DISTVs no início de 1991, logo após serem au
torizadas. As operações de Curitiba e Belo Horizonte, até onde se tem
registro documental, foram as primeiras a ter o conteúdo do canal TNT,
o segundo trazido pela Turner para o Brasil, depois da CNN. No Rio de
Janeiro havia duas operações: uma na Barra da Tijuca, controlada pelo
empresário Paulo César Areas Ferreira, e outra em Jacarepaguá, que logo
foi adquirida por Quinterno.
Aqueles meses entre julho de 1989 e novembro de 1990 foram fun
damentais para a história da TV por assinatura no Brasil. Não só pela
criação da Abracom, representando os operadores de antenas comunitá
rias, mas pela edição da Portaria 250/89 criando as DISTVs e pelo início
da primeira operação de TV paga no Estado de São Paulo. Mas um fato
determinante para a história do setor foi a decisão estratégica das duas
famílias mais importantes na mídia brasileira. Naquela ocasião, os Civi-
ta e os Marinho tomariam rumos opostos na TV paga, marcando o futuro
da TV por assinatura no Brasil pelos próximos anos.

37
CAPÍTULO 2

Abril e Globo
chegam ao mercado
Desde que o governo outorgou licenças do serviço especial de TV
por assinatura em UHF (TVAs) à Globo e à Abril, após a edição do Decreto
95.744 de 23 de fevereiro de 1988, já se podia dizer que os dois maiores
grupos de comunicação do Brasil estavam com os pés no mercado de TV
por assinatura. Havia, por parte da Abril, uma estratégia que já se conso
lidava há alguns anos e que era uma clara tentativa de ocupar um espaço
que ela nunca tivera na TV aberta brasileira. Acreditava quem a TV paga
viraria o jogo a seu favor.
A estratégia do grupo Globo para o mercado de TV por assinatura era
um pouco menos objetiva, contudo. Na verdade, ela surgiu casualmente.
Começou em um encontro de cortesia entre o então vice-presidente do
grupo Globo, Roberto Irineu Marinho, em 1990, e o recém-empossado mi
nistro de Infra-Estrutura, Ozires Silva, que tinha sob a tutela de sua pas
ta a Secretaria Nacional de Comunicações, responsável pelo mercado de
radiodifusão. Na conversa, conforme descreve Roberto Irineu Marinho
a este livro, Ozires sugeriu que se criasse uma rede de distribuição dos
diversos conteúdos de caráter educativo que eram produzidos no Brasil,
incluindo os da Fundação Roberto Marinho, da Fundação Padre Anchie
ta, em São Paulo, do Ministério da Educação, entre outros.
Roberto Irineu, empolgado com a ideia, avisou o ministro que le
varia um projeto ao governo já no dia seguinte, e logo cogitou em fa
zer a distribuição daqueles canais por meio de uma infraestrutura de
satélites, usando a banda C. E lembra que a proposta original não era
exatamente um projeto de TV por assinatura, mas de distribuição de

38
canais especializados em educação por meio de parabólicas. O projeto
foi entregue como combinado, mas acabou sendo recusado pelo gover
no, que optou por seguir outros planos para a distribuição de seus con
teúdos educativos.
Com aquela ideia preparada, a Globo decide então tranformar o con
ceito da distribuição via satélite em um projeto comercial de distribui
ção de canais por assinatura, e concebe a estrutura de quatro canais vol
tados a esportes, filmes, shows e notícias, mas ainda sem detalhes e sem
os nomes. Nascia ali o conceito da Globosat. Roberto Marinho e Roberto
Irineu avaliaram que haveria espaço para um projeto de TV por assina
tura, mas ainda sem nenhuma ideia precisa de custos ou de como seria
a operação daquela nova área. Roberto Marinho convidou então para se-
rem seus sócios no projeto Joe Wallach, ex-diretor da Globo na década de
1960 e especialista em finanças e na administração da empresa, que por
ser norte-americano, tinha mais familiaridade com o modelo de TV paga
praticado por lá. Convidou também José Bonifácio de Oliveira Sobrinho,
o Boni, para participar da empresa.
“Hoje eu posso dizer que o verdadeiro pai da Globosat chama-se
Ozires Silva”, diz Roberto Irineu Marinho. Ele detalha um pouco mais a
estratégia original da empresa no último capítulo deste livro. Wallach e
Boni iriam, então, detalhar o projeto econômico e a proposta dos canais,
e conduziriam o projeto dali em diante.
Já a Abril acreditava em um sistema de transmissão por UHF e SHF,
inspirado ainda no modelo francês do Canal + e introduzido no país na
experiência de Matias Machline. Mas nenhum dos dois grupos via o cabo
como uma opção, e cada um seguiu o seu caminho.
Do lado da Abril, uma decisão importante foi a de abandonar o pro
jeto de um único canal e começar a pensar em uma TV por assinatura
mais diversificada, com múltiplos canais, até porque a Abril intuía que
era dessa forma que a Globo entraria no mercado. O grupo dos Civita já ti
nha a licença de TV por assinatura em UHF em São Paulo e acompanhava
a estratégia de Matias Machline com o Canal +, que àquela altura tinha
quatro canais com programação diferenciada: CNN, ESPN, um canal de
filmes e com conteúdo da RAI e um de videoclipes, o TVM, criado especi

39
ficamente para incomodar e ao mesmo tempo chamar a atenção da Abril,
que preparava o seu MTV.
Paralelamente, Machline expandia as operações do Canal + para o
Rio de Janeiro. Era exatamente o plano que a Abril ambicionava para si.
Parecia natural que fosse esse o caminho, e havia pressa. O receio de que
a Globo entrasse antes no mercado de TV por assinatura fez com que as
conversas entre a Abril e o Canal + ganhassem corpo e evoluíssem.
Em novembro de 1990 um acordo entre Abril e Machline foi fechado,
com a tumultuada saída de André Dreyfuss da sociedade do Canal +. Co
meçou então uma corrida contra o tempo para ver qual seria o primeiro
dos dois grupos a lançar a TV paga no Brasil. A Abril tinha a vantagem
de já contar com cerca de 17 mil assinantes comprados do Canal +, os
três canais de SHF e a licença e o canal de TV por assinatura em UHF
de Machline em São Paulo e no Rio. Contava também com uma pequena
experiência que o grupo Machline havia adquirido com os 20 meses de
operação do Canal + e com a rede de revendas da Sharp, que poderia ser
usada para comercializar o serviço de TV. A agressividade da Abril na
ocasião se explicitava no investimento feito para a associação com Ma
chline: US$ 20 milhões, quase a metade do que o grupo da família Civita
pretendia investir nos meses seguintes.
Os relatos de quem viveu essa época apontam para um elevado grau
de desinformação sobre qual seria a estratégia da Globo para TV paga e
qual seria o tamanho de seu poderio. Imaginava-se, dentro da Abril, que
houvesse uma operação sendo montada com tudo o que a Globo pudesse
oferecer, desde estrutura de produção até material de acervo e know-how
técnico. Talvez contribuísse para isso saber que do outro lado estavam,
como sócios no negócio, Joe Wallach, qualificado como um dos executi
vos que havia ajudado a formar a Globo em seus primeiros anos e que
depois, de volta aos EUA, ajudou a montar a Telemundo; e José Bonifácio
de Oliveira Sobrinho, o Boni, naquela ocasião nada menos do que o vice-
presidente de operações e o principal homem da TV. Segundo relato de
Joe Wallach a este livro, contudo, tudo acontecia em sentido completa
mente inverso. A Globo, ao ver a Abril montando sua estratégia para TV
por assinatura, decidiu reagir. A diferença é que ela acreditava, naquele

40
momento, que o satélite seria a melhor opção de distribuição, pela cober
tura nacional e porque permitia chegar mais rapidamente ao assinante.
O modelo que a Abril desenhou era baseado na marca TVAe em con
teúdos diferenciados, sobretudo filmes, muitos filmes. Em entrevista ao
jornal Meio & Mensagem de 15 de julho de 1991, Roberto Civita, presiden
te do grupo Abril, deixava claro que a sua estratégia era oferecer diversi
dade de programação.

No mundo desenvolvido, o telespectador tem acesso a trinta, cinquen


ta, setenta canais diferentes em qualquer momento. Aqui, até agora, ele
está limitado a um punhado de canais e é evidente que a próxima coisa que
vai acontecer é que nós vamos ter uma multiplicação de escolha e o início
de todo o mesmo processo de segmentação de novo. Dentro de dez, ou tal
vez cinco anos, o telespectador brasileiro já terá de vinte a trinta escolhas
em vez de seis ou sete.

Roberto Civita orgulhava-se de o grupo Abril estar, naquele mo


mento, assumindo uma posição pioneira na segmentação da TV bra
sileira. Mas a verdade é que, com tecnologias diferentes, Globo e Abril
seguiam um caminho parecido, e isso ficou claro no dia 9 de junho de
1991. Nesse dia, a TVA colocou no ar, em caráter experimental e de for
ma aberta para todos os espectadores com receptor de UHF na cidade
de São Paulo o canal 24, que continha uma combinação dos programas
que seriam veiculados nos cinco canais da operadora quando estreas
sem comercialmente, alguns meses depois. A operadora do grupo Abril
havia, finalmente, conseguido estrear seu serviço de TV por assinatu
ra antes da Globo.
Mas no mesmo dia a Globo respondeu com a primeira publicidade
de seu serviço Globosat de TV por assinatura por satélite. Era uma publi
cidade para minar a estratégia da adversária: “Globosat. Não assine nada
antes de ver”, em que a operadora do grupo Globo anunciava sua opera
ção via satélite que estava porvir, com quatro canais exclusivos.
Os planos da Globosat começaram a ganhar corpo em 1990, quando
a família Marinho, Boni e Joe Wallach acertaram a sociedade no novo

41
negócio, ficando a distribuição das ações na forma de 60% aos Marinho
e 20% para cada um dos dois sócios na nova empresa (Horizonte Co
municações). Era um projeto relativamente modesto. Acreditava-se, em
princípio, que com US$ 10 milhões de investimentos e a tecnologia de
distribuição de sinais por satélites em banda C seria possível angariar a
audiência que naquele momento não se interessava pela TV Globo, conta
Joe Wallach. Em março de 1991 a Globo consultava a Secretaria Nacional
de Comunicações sobre a legalidade do projeto e recebia o sinal verde, e
em abril de 1991 fechava a contratação do satélite que serviria ao serviço,
com dois transponders, no Brasilsat. Outros grupos, entre eles a Abril,
também correram para a Embratel na tentativa de assegurar espaço na
limitada capacidade do satélite, para, oportunamente, fazer a distribui
ção nacional de seus sinais.
O grupo Abril já vislumbrava a possibilidade de expandir a atuação
da TVApara outras cidades quando fechou o acordo com Matias Machli-
ne para comprar o Canal +, mas a expansão do grupo no mercado de TV
paga veio antes mesmo de a TVA entrar no ar. E veio por onde menos se
esperava: pela programação. No começo de 1991, a MTV, no ar há pouco
mais de seis meses, celebrou o seu primeiro contrato de venda de pro
gramação para a TV Cabo Caratinga, uma pequena DISTV do empresário
Alberto Umhof que estava em funcionamento desde 1990. Naquele mo
mento a MTV criava a sua diretoria de expansão sob a responsabilidade
de Neusa Risette, assistente de Roger Karman no grupo Abril desde a
primeira metade dos anos 1980.

OS PRIMEIROS CONCEITOS
A TVA montou sua estratégia para enfrentar a Globosat em cima
dos direitos exclusivos de retransmissão integral da rede de notícias
CNN e do canal de esportes ESPN. As demais emissoras só podiam
transmitir parte da programação destas duas redes internacionais. A
CNN, naquele momento, era sinônimo de canal de notícias e do poten
cial de “exclusividade” de informação que um usuário de TV por assina
tura poderia ter, sobretudo em razão do espaço que ganhara no desenro
lar da Guerra do Golfo, a partir de janeiro de 1991. Não havia cartão de

42
visita melhor do que esse para quem pensava em apresentar-se como a
nova TV na era da TV por assinatura.
A Globosat também anunciava, àquela altura, que teria um canal de
notícias com conteúdo da CNN, o que gerou declarações hostis por parte
da Abril, inclusive com ameaças públicas de uma guerra judicial. Outro
foco importante da operadora da família Civita era a compra de títulos de
filmes exclusivos diretamente dos principais estúdios.
A TVA entrou no ar comercialmente no dia 15 de setembro de 1991
com cinco canais: TVA Filmes (com os filmes mais recentes dos estúdios e
que mais tarde passaria a se chamar Showtime), TVA Esportes (conteúdo
da ESPN), TVA Supercanal (com documentários, programas de viagem,
moda e videoclipes), TVA Notícias (com a CNN) e TVA Clássicos (também
destinado a filmes). O pacote completo saía por algo equivalente a US$
35, e a taxa de instalação por US$ 650, na cotação da época. A tecnologia
adotada era a de transmissão híbrida, com um canal em UHF e quatro
canais em SHF (hoje chamado de MMDS), e exigia, necessariamente, a
instalação de uma antena receptora no telhado das casas e condomínios,
passando a fiação pelo duto de antena coletiva, ou utilizar a fiação da
antena já existente e instalar o aparelho receptor (decoder) na TV.
O canal TVA Supercanal merece uma observação especial. Era um
canal programado por brasileiros (o casal Orlando e Rosalina Vallone),
agregando conteúdos de diversas redes de TV abertas norte-americanas.
Em junho de 1991, quando foi criado, já era um canal produzido por um
grupo independente. Posteriormente, passou a se chamar The Supersta-
tion, e durante muitos anos agregou conteúdos dos canais estrangeiros.
Apesar de oferecer uma programação diferenciada, a TVA precisava
vencer a etapa da instalação. Era um processo lento, complicado, que ge-
rava dificuldades e um elevado índice de reclamações. Uma das formas
de tentar driblar o problema era negociar com os condomínios um acesso
facilitado, pois muitas vezes os síndicos ou as convenções condominiais,
sem conhecer o novo produto ou com medo de causar danos, impediam a
instalação dos equipamentos.
Foi o que a TVA teve que fazer ainda em outubro de 91, pouco antes
de sua principal concorrente entrar no ar, celebrando um acordo com a

43
associação de administradores de condomínios da cidade de São Paulo.
Segundo relato de Roger Karman, presidente da empresa naquele mo
mento, a TVA era ao mesmo tempo uma grande novidade, com forte pre
sença na imprensa, mas também um pesadelo do ponto de vista operacio
nal, e por isso justamente criticada em função do serviço prestado.
Na prática, o know-how adquirido com a compra do Canal + de Ma-
chline não servia para nada. Com um serviço caro, pelo qual as pessoas
não estavam acostumadas a pagar, as reclamações eram constantes e os
custos de operação, muito maiores do que os estimados inicialmente por
Roberto Civita. A estimativa inicial do serviço era chegar a 300 mil assi
nantes em cinco anos, apenas na cidade de São Paulo. Mas rapidamente a
TVA começou a planejar a sua expansão para outras cidades. Em outubro
de 1991 a operadora já oferecia o serviço no Rio (onde também herdara a
operação do Canal +) e logo em seguida em Curitiba.
A capital paranaense, contudo, era um desafio especialmente dife
rente para a TVA, por ser a cidade onde havia o maior número de li
cenças de DISTV, com as quais se podia operar TV a cabo. Eram sete ao
todo, o que indicava que era preciso tomar espaço rapidamente na ci
dade. Em julho de 1991 já havia duas operadoras prontas para começar
a funcionar e uma terceira anunciava em outdoors a possibilidade de
contratação do serviço “para breve”. Ainda assim, esse foi o primeiro
alvo do grupo Abril fora do eixo Rio-São Paulo, inaugurando um projeto
de franquias que a essa altura tinha ainda como alvos Belo Horizonte,
Brasília e Porto Alegre.
Do outro lado do tabuleiro, em 26 de outubro de 1991, Globosat ini
ciava suas operações, ainda em caráter experimental, o que colocou as
duas empresas em uma disputa de marketing ainda mais agressiva. A
Globosat tinha outra tecnologia, outro modelo de negócios e projeções de
alcançar entre 250 mil e 300 mil assinantes, em todo o Brasil, em cinco
anos de operação. A Globosat veio com quatro canais inteiramente novos,
uma postura competitiva em relação à Abril e uma visão bastante clara
do que era, para ela, aquele novo negócio.
A melhor definição do que pretendia a Globosat foi feita por José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em uma reunião com a equipe de

44
programação no dia 6 de novembro de 1991. A ata, cedida pela Globosat a
este livro, não poderia ser mais clara.

Os quatro canais iniciais da GLOBOSAT têm em comum as caracterís


ticas de seu público-alvo e seu conceito geral de narrativa.
O TARGET são os adultos das classes socioeconômicas A/B, sendo o
limite etário mínimo a faixa dos adolescentes acima de 12 anos de idade.
Daí decorre o tipo de televisão que devemos fazer - uma TV sem
compromisso com a audiência, em que se vende (...) informação. Uma
TV cujo ritmo é calmo, sem narrativa vertiginosa de ataque de venda de
BROADCASTING.
Mesmo porque, no caso, nós não estamos vendendo tempo, minuto,
segundo - estamos vendendo a própria TV. E, quando um assinante a com
pra, ele passa a ser nosso patrão.
Em resumo, a pergunta básica da PAY-TVé: o telespectador pagará para
ver? Importa, claro, o sucesso, mas não a audiência. Audiência é um concei
to massivo de BROADCASTING. No PAY, é a segmentação que interessa.
Mais adiante, daqui a uns dez anos talvez, lutaremos por audiência,
claro. Mas, neste início, nossa maior concorrência é com o HOMEVÍDEO, o
livro, o disco etc. Ou seja - temos é que investir na construção de um novo
público. E, para isso, não é a acelerada programação eclética que interes
sa, mas o conforto do telespectador. O uso dos critérios de FREE-TV é um
erro na PAY-TV.

Na reunião, Boni também descreveu como seria cada um dos qua


tro canais:

Quanto às prioridades entre os canais, em primeiro lugar vem o TELE-


CINE, o canal de filmes, que deve encarar e atropelar a única concorrência
específica já existente no Brasil.(...)
Em segundo lugar vem o TOP SPORTS, o canal de esportes, que chega
cercado de altas expectativas do público telespectador e no qual devemos
estabelecer de imediato um diferencial, através da programação de gran
des eventos esportivos, sempre que possível, ao vivo.(...)

45
O MULTISHOW é a terceira prioridade entre os canais. Aqui, évital evi
tar cuidadosamente toda e qualquer semelhança com a TV convencional. O
MS é o coringa, nele vale tudo que fuja dos caminhos do BROADCASTING.
Em quarto lugar vem o GNT, que é, por enquanto, o canal de persona
lidade menos definida (...). O GNT pode e deve experimentar novas formas
e novos formatos de fazer jornalismo.

Da mesma maneira que a Abril, Boni e Globosat olhavam para uma


televisão diferente, mas havia também uma forte estratégia competitiva
e um horizonte claro, pelo menos no que dizia respeito à programação,
conforme foi escrito no papel. Mais uma vez, quem explica é o próprio
Boni, no documento de definição dos canais:

Nossa meta principal é dar uma opção televisiva ao espectador que


não assiste televisão, neste processo construindo um novo tipo de público
e chegando, no limite, ao PAY PER VIEW, mercadologicamente a mais so-
fisticada forma de TV existente.
(...) Lembrem-se que, neste estágio de implementação da GLOBOSAT,
qualquer preocupação com audiência e concorrência com emissoras co-
muns de “BROADCASTING” é suicídio.
Dessa forma, do ponto de vista de programação, são as seguintes as
prioridades de todos os canais da GLOBOSAT:
1- Abastecimento contínuo e criativo de todos os canais, objetivando
a aquisição de produtos de melhor qualidade, mais recentes e em maior
quantidade que o outro serviço de TV por assinatura.
2 - Definição de uma personalidade distinta e forte para cada canal,
inclusive com estilos diferentes de promoção. Não será permitida a promo
ção de um canal em outro, salvo em caso de eventos ou filmes especialíssi
mos. Avenda em conjunto do serviço é, no entanto, recomendada.
3 - Fixação de hábito, através de rigoroso cumprimento de horário em
todos os canais, sem exceção.

Mas os relatos de quem acompanhou o lançamento da Globosat mos


tram que a coisa não foi tão perfeita como dá a entender o memorial de

46
Boni. Era uma operação precária, montada de improviso com bons pro
fissionais vindos da TV Globo, mas nenhum deles com experiência em TV
por assinatura. Os canais que estavam experimentalmente no ar também
estavam longe do modelo desenhado por Boni, nos relata Luiz Gleiser,
diretor de programação da Globosat na ocasião de seu lançamento.
Foi lançado o GNT dedicado a notícias e já sob a direção de Letícia
Muhana. A sigla significava Globosat News Television. O canal tinha con
teúdos da BBC, NBC e WNT, e abria mão dos conteúdos da CNN (ainda
exclusivos da TVA). O Telecine nasceu voltado para filmes (mas sem a
sociedade com os estúdios estabelecida posteriormente) e para enfrentar
o canal TVA Filmes. Já o Multishow buscava programas variados que não
existiam na TV aberta; e no quarto canal, chamado de Top Sports (depois
alterado para SporTV), modalidades como badminton, patinação no gelo,
hóquei e golfe, por exemplo, eram parte dominante da grade nos primei
ros meses. Logo as transmissões de futebol ganharam espaço, graças a
alguns acordos com a TV Globo.
O projeto da Globosat contemplava conteúdos nacionais, e antes do
final do ano de 1991, a programação dos canais começaria a ter alguns
conteúdos que ainda hoje estão presentes, como jogos de futebol nacio
nais e co-produções como o “Manhattan Connection”. A primeira trans
missão de um jogo entre times brasileiros foi uma partida pelas semifi-
nais do Campeonato Paulista de 1991, entre São Paulo e Palmeiras, no dia
1º de dezembro daquele ano. O São Paulo de Telê Santana se consagraria
campeão daquela temporada ao vencer o Corinthians nos dois finais de
semana seguintes. Essa também foi a data em que a operação da Globo
sat encerrou a fase de testes e começou a cobrar pelo serviço.
Em 1991, as transmissões esportivas ganharam papel especial na
TV brasileira. A TV Jovem Pan, em UHF, na cidade de São Paulo, trava
va uma disputa feroz com a Bandeirantes, que naquela ocasião tinha a
maior parte de sua programação dedicada aos esportes. Era o ano em
que, graças à ESPN, os jogos da liga profissional de basquete dos EUA,
a NBA, também se tornavam febre entre adolescentes e eram transmi
tidos pela TV aberta (Bandeirantes) e nas primeiras operações de TV
por assinatura. A Globo não era a detentora dos direitos exclusivos dos

47
principais campeonatos, mas detinha a geração do sinal para outras
praças. Não havia modelo específico de esportes para a TV paga, e a Glo-
bosat aproveitou a brecha para começar a explorar esse mercado, pois
na TV aberta havia, quase sempre, a limitação de transmissão dos jogos
da mesma praça.
A Globosat também tinha algumas apostas curiosas em relação a seus
planos de programação. Uma delas era a exibição de telenovelas latino-
americanas. “Cristal”, grande sucesso na época, teve seus direitos para o
Brasil adquiridos pela Globo, para evitar o fenômeno de outras como “Car
rossel” e “Rosa Selvagem”, que haviam dado aos concorrentes números
consideráveis de audiência. Sem saber o que fazer com a novela venezue
lana, a Globo decidiu utilizá-la para enriquecer a grade do recém-criado
Multishow. A novela chegou a ir ao ar, mas foi retirada da grade antes do
término. Como praticamente não havia assinantes, ninguém reclamou.
O modelo da Globosat era centrado na venda dos sinais para condo
mínios, que acrescentariam os canais à sua rede de antena coletiva. O pri
meiro passo foi mapear e organizar um catálogo dos principais prédios
das cidades de São Paulo e Rio, para que os representantes comerciais en
trassem em contato com os administradores e se fizessem as instalações
dos equipamentos. Era uma tecnologia cara que envolvia a instalação de
uma grande parabólica de três metros de diâmetro no topo dos edifícios
(os sinais eram transmitidos em meio transponder, o que prejudicava a
imagem, e o satélite operava em banda C e com menos potência). Havia a
instalação de um conjunto de equipamentos que fazia a distribuição dos
canais, pela antena coletiva, a todos os moradores. Assim, a programação
da Globosat passou a ocupar os canais livres do dial VHF. Em São Paulo,
6, 8, 10 e 12. No Rio, 5, 8, 10 e 12. O modelo tinha outro componente: exi
gia um grande investimento para preparar o condomínio para receber
os sinais do satélite e distribuí-lo na antena coletiva, e impunha a todos
os condôminos a contratação do serviço. A Globosat acreditava, contudo,
que a adesão de todos os moradores ao modelo aceleraria a sua expansão,
barrando o crescimento da TVA. Ao mesmo tempo, como os condôminos
rateariam os custos, ficaria mais barato para todos. Na verdade, esse mo
delo acabou funcionando de maneira inversa.

48
Quem primeiro chamou a atenção para o problema no modelo foi
Anthônio Athayde, em artigo escrito na Folha de S. Paulo em 18 de setem
bro de 1991 sob o título “A TV por assinatura e o entendimento nacional”.
Athayde, que viria a se tornar o presidente da Net Brasil e criador de um
novo modelo de TV por assinatura do grupo Globo nos anos seguintes,
era, naquela ocasião, um executivo com experiência de TV e passagem
pela própria Globo, mas que ocupava a diretoria de marketing do extinto
Crefisul. Athayde relata uma conversa que teve com um executivo do se-
tor de TV por assinatura, muito empolgado com o modelo de distribuição
de satélites em condomínio, para fazer uma analogia com as dificuldades
de entendimento entre os diferentes atores políticos do Brasil naquela
ocasião. No que concerne ao objeto deste livro, Athayde lembrava que, no
país, nada se resolve em reuniões de condomínio, e sentenciava: “quem
já foi a uma reunião de condomínio no Brasil tem a obrigação de duvidar
que seja rápida a expansão da TV por assinatura”.
O artigo não tinha o objetivo de discutir o futuro da indústria, e
sim a necessidade de entendimento entre os atores políticos do “imen
so condomínio chamado Brasil”. Mas a alegoria e a conversa com o tal
executivo (que Athayde revelou ser Joe Wallach, e Wallach diz não se re-
cordar) certamente tiveram um papel central na forma como Athayde,
um ano depois, redesenharia a estratégia da Globo para esse mercado.
Em dezembro de 1991, Athayde escrevia, em artigo à revista Imprensa,
que a chegada da Globosat e da TVA ao mercado era positivo para o te
lespectador e para o mercado de mídia, que finalmente deixava de viver
na dependência do anunciante (naquela ocasião, nem TVA nem Globosat
apostavam que a publicidade seria um filão próspero a ser explorado pela
TV por assinatura). Mas o mais importante era outro diagnóstico daque
le momento da indústria:

Aos trancos e barrancos, com todas as dificuldades de uma ativida-


de nova, desconhecida no país e pouco conhecida no mundo, a Globosat e
a TVA estão aí, embora concorrendo na distribuição do sinal, onde deve
riam se aliar.

49
A verdade é que a competição entre as duas empresas, aliada às
imensas dificuldades técnicas enfrentadas, estava drenando investimen
tos acima dos projetos originais. Segundo Wallach, o orçamento inicial
de US$ 10 milhões havia sido extrapolado em US$ 6 milhões, ao mesmo
tempo em que os Marinho perdiam entusiasmo com o negócio.
A TVA e a Globosat pagavam verdadeiras fortunas pelos direitos de
filmes exclusivos, fazendo a festa dos estúdios e distribuidoras de títu
los no Brasil. Era uma época em que o conceito de janelas de distribuição,
em que filmes são exibidos em uma sequência que começa no cinema até
chegar à TV aberta, não era ainda entendido pelos operadores, e o mais
comum era que, na mesma semana, as operações de TV paga anuncias
sem com exclusividade o mesmo filme que seria exibido logo em seguida
pela TV aberta.
Segundo relato de Roger Karman, estava evidente que o modelo da
TVA enfrentava dificuldades, e o volume de vendas que não eram insta
ladas (backlog) só crescia. Pesava nesse sentido o uso da revista Veja, no
caso da TVA, e da TV Globo, no caso da Globosat, como canais de propa
ganda, ao ponto de, em algumas ocasiões, as operadoras optarem pela
veiculação de publicidade sem o telefone de contratação, para evitar a
sobrecarga nas centrais de atendimento.

MODELOS EM CRISE
A TVA discutiu então a possibilidade de seguir um modelo similar ao
da Globosat, com o atendimento em bloco de condomínios. Segundo Kar
man, chegou-se até a discutir um plano de focar os esforços em apenas
500 condomínios da capital paulista, de forma a melhorar a qualidade do
serviço. Machline foi contra. Outra estratégia que a TVA começou a ado-
tar a partir de meados de 1992 consistia na distribuição de sua progra
mação por meio dos operadores de DISTV que iniciavam suas operações,
sobretudo os do interior de São Paulo ligados à Abracom, associação da
qual a TVA começava a participar informalmente.
O que a TVA não sabia é que o modelo da Globosat também não es-
tava dando certo, ao ponto de a operadora passar a adotar, em 1992, a es-
tratégia do Projeto Quarteirão, em que o sistema instalado em um condo

50
mínio atendia a condomínios vizinhos no mesmo quarteirão, com cabos
passando de portaria em portaria. Era uma forma de reduzir os custos de
instalação e possibilitar um atendimento mais rápido. Outra variação no
negócio da Globosat que surgiu naquele período, ainda que sem um obje-
tivo estratégico claramente definido, era a venda de programação. Na ver
dade, o único relato consistente de uma negociação entre a Globosat e um
operador de cabo é o da operadora VTV, de Curitiba, que no final de 1991
tinha um acordo de distribuição dos sinais da MTV e havia acertado tam
bém a comercialização dos quatro canais Globosat a seus assinantes.
Outra estratégia que a Globosat já adotara em abril de 1992 era esta
belecer parcerias locais de venda. Em abril daquele ano, havia um acordo
com a RBS no sul para a comercialização da Globosat e com a Rede Parana
ense de TV (afiliada da Globo) em Curitiba. Àquela altura, a Globosat decla
rava ter 85% de seus clientes em São Paulo e no Rio, conforme declarações
de Adalberto Vianna, diretor da empresa, à revista Tela Viva da época.
Antes de ser lançado comercialmente, o modelo da Globosat de dis
tribuição de sinais diretamente do satélite já havia despertado críticas,
da TVA inclusive, a respeito de sua legalidade, por não ter outorga nem
autorização prévia do governo.
O Projeto Quarteirão, por sua vez, era ainda mais controvertido, por
que, na prática, transformava uma operação de TV por assinatura via sa-
télite em uma DISTV. A questão era tão preocupante que os operadores
de DISTV agregados à associação Abracom chegaram a enviar carta ao
ministro das Comunicações Hugo Napoleão, em fevereiro de 1993, pedin
do providências contra a Globosat. Quem assinava a carta era Flávio Edu
ardo Lopes, então operador de DISTV na cidade de Campinas. A questão,
no entanto, logo seria resolvida com o abandono do modelo de distribui
ção por satélite por parte da Globosat e a aposta no desenvolvimento das
redes de distribuição de TV a cabo.
Entre 1990 e 1992, contudo, nem Globo nem Abril acreditavam que
a TV a cabo poderia ser uma forma efetiva de distribuição de TV por as-
sinatura. A despeito da existência dos primeiros operadores de antenas
comunitárias em algumas cidades brasileiras, e da distribuição de mais
de 90 licenças de DISTV entre o final de 1990 e o começo de 91, nenhu

51
ma das duas empresas se movimentou para explorar esse mercado. Aliás,
dos grandes grupos de comunicação brasileiros, apenas a RBS pediu ao
governo e conquistou 16 licenças de DISTV na curta janela de distribui
ção que se abriu depois da Portaria 250, que regulamentou o serviço em
dezembro de 1989.
A RBS tinha, desde meados dos anos 1980, um plano definido para
entrar no mercado de TV por assinatura, especialmente cabo, que já co-
nhecia da Argentina. Por isso, acompanhava todos os movimentos do go
verno nesse sentido, e não perdeu a chance de conseguir as DISTVs em
todas as cidades em que tinha emissoras de TV, conforme descreveu a
este livro Walmor Bergesch, à época executivo da RBS e responsável por
esta estratégia. Mas com o projeto Globosat se desenvolvendo e com a
proximidade entre os Sirotsky e os Marinho, o grupo decidiu diminuir a
ênfase no seu projeto de TV a cabo.
Isso não significa, contudo, que não houvesse investidores interes
sados no mercado de TV a cabo. Além dos primeiros desbravadores, que
desde o final dos anos 1980 já se envolviam com o mercado de CATV, ou
tros começaram a observar o potencial no setor de TV por assinatura. Foi
quando a história do argentino Dante Quinterno encontrou-se com a de
Alexandre Annenberg e Antônio Salles, dois empreendedores que tive
ram a intuição de que ali haveria, talvez, uma oportunidade. Recorde-se
que Quinterno teve o primeiro contato com a TV por assinatura no Bra
sil em 1989, ao se hospedar em um hotel atendido por uma operação de
CATV na cidade de Londrina (ver Capítulo 1).
Antônio Salles tinha montado, em 1986, ao lado do engenheiro Ti-
kara Kunitomo, então diretor de engenharia do fabricante de antenas e
amplificadores Amplimatic, o circuito privado de TV do clube de campo
Pró-Vida, em Sorocaba, uma espécie de condomínio aberto. Esse foi um
dos muitos embriões de uma operação de cabo que surgiram nos anos
1980 no Estado de São Paulo, muito próxima daquilo que se fazia em
outras cidades com serviços de CATV. Salles também trabalhara na mon
tagem de uma central pioneira de 36 canais no Hotel Maksoud, em São
Paulo, utilizando os sinais abertos disponíveis na cidade e nos satélites,
algo que ia muito além das experiências de CATV da época; e havia sido

52
empreiteiro contratado pela Globosat na instalação do sistema em con
domínios nos primeiros meses de operação na cidade de São Paulo.
Salles e Annenberg também haviam sido sócios em uma empresa
de montagem de redes de TV chamada Videotel, atuante na cidade de
São Paulo, que conseguiu algum resultado instalando sistemas priva
dos de TV em motéis para a distribuição de conteúdos adultos a partir
de videocassetes.
Ambos relatam que a Videotel, com o conhecimento acumulado na
instalação de operações de private cable, percebeu que havia uma oportu
nidade no mercado de cabo, especialmente depois que o governo distribu
íra as primeiras DISTVs, em novembro de 1990. Com alguns investidores
dispostos a buscar oportunidades nesse mercado, Annenberg largou o co-
mando da Dataprev, no Rio, e saiu em busca de detentores de licenças, espe
cialmente em São Paulo. Durante esse processo, conheceu Dante Quinter-
no, um dos proprietários de DISTV. Quinterno, que morava em Londrina,
aceitou uma sociedade cujo objetivo era efetivamente operar a licença na
cidade de São Paulo. Mas seria necessário muito investimento.
Forma-se, então, a DSTV — Distribuidora de Sinais de TV Ltda —, no
final de 1991. Essa seria a semente da operação de TV a cabo da Net em
São Paulo. Na ocasião, a DSTV tinha como sócios a Cabodinâmica (em
presa de Quinterno e detentora da outorga), a Videotel (de Alexandre An
nenberg e Antônio Salles), a Sobratel (que construía redes da Telesp) e a
Debraco, uma empresa de participações que ficou incumbida de buscar
capital. Entre os sócios da Debraco estava o ex-ministro Ozires Silva. A
gestão da companhia estava a cargo de Annenberg.
Naquela ocasião, a DSTV começou a construir um pequeno headend
para tornar a licença, ainda em caráter precário, em fato consumado.
Na busca por investidores, foram bater à porta da Globo, onde espera
vam ter sucesso. Annenberg e Joe Wallach, que na ocasião cuidava dos
interesses do grupo da família Marinho no mercado de TV paga, tiveram
uma reunião infrutífera. Wallach estava convencido de que o modelo de
distribuição pelo satélite era o mais eficiente e seria a aposta do grupo.
Aliás, não foi o único caso de recusa de uma operação de TV a cabo im
portante ocorrida em função da estratégia da Globo. Na mesma época, os

53
controladores da licença de DISTV em Campinas, os empresários locais
Flávio Lopes (dono de uma loja de material elétrico) e Otávio Lacerda (pu
blicitário) ofereceram a outorga da cidade ao dono da emissora de TV
afiliada da Globo local, a EPTV, de José Bonifácio Coutinho Nogueira Jr.,
o Boninho. O valor pedido era equivalente a um carro de luxo da época
(digamos, um Opala novo). A EPTV consultou a Globo, que desencorajou
o negócio. Alguns anos depois, a mesma EPTV, que já explorava cabo em
outras cidades, pagou US$ 75 milhões pela operação de Campinas. Em
São Paulo, a DSTV seguia em sua jornada atrás de um investidor e pro
curou o grupo Abril, onde conversaram com Roger Karman. O executivo
também dispensou a oferta, alegando que o planejamento estratégico da
TVA passava pelo uso das tecnologias de UHF e SHF.
No começo de 1992, Annenberg e Salles fizeram uma nova tentativa
de encontrar financiadores para o projeto. Desta vez com o grupo Ica-
tu, da família Almeida Braga. O Icatu tinha na ocasião, como principal
executivo responsável pela prospecção de mercado, Daniel Dantas, que
posteriormente fundaria o grupo Opportunity, e alguns anos depois vol
taria a aparecer no mercado de TV paga em outras negociações. O pró
prio grupo Icatu se tornaria pouco depois acionista da operação de cabo
no Rio de Janeiro. Mas, naquela ocasião, também recusou a proposta de
explorar TV a cabo em São Paulo. Os investidores da DSTV acreditavam
que para montar a operação precisariam de cerca de US$ 10 milhões,
mas sem investidores seria impossível ir além do pequeno headend que
havia sido construído.
A sorte do que viria a ser a primeira operação de cabo em São Pau
lo mudava para melhor na mesma medida em que o modelo original da
Globosat patinava. A cada semana de vendas da Globosat no modelo de
parabólicas condominiais ficava claro para a Globo que o modelo não
daria certo pelos altos custos operacionais e pelas dificuldades técnicas
constantes. No segundo semestre do ano, Joe Wallach e Boni, diluídos
na sociedade em função das constantes necessidades de investimento,
afastaram-se da Globosat, que então contratou Antônio Athayde para to
car a empresa e o novo ramo de negócios em TV paga do grupo Globo:
o mesmo Athayde que um ano antes criticara o modelo de instalações

54
condominiais e que chamara a atenção para o erro que era Abril e Globo
brigarem pelo mercado de distribuição.
Wallach conta que, ao sair, escreveu aos Marinho uma carta em que
recomendava não investir em TV a cabo. Acreditava que seria uma tecno
logia muito dispendiosa para a realidade brasileira e que a Globo deveria
apostar no satélite, sobretudo considerando a possibilidade de que, no
futuro, com novas tecnologias, essas operações se tornariam mais bara
tas, como de fato aconteceu.
Athayde, no entanto, já vinha analisando o mercado de TV paga no
Brasil desde 1991, quando ainda estava no Crefisul, e intuía que um dos
problemas era justamente a falta de separação clara entre a produção de
programação e a distribuição. Com base em um estudo da Booz Allen so-
bre o modelo de exploração do mercado de TV paga nos EUA, a Globo to
mou contato com o conceito de MSO (Multi-System Operator): uma única
empresa controladora e administradora de várias operações. Somava-se
àquele conceito a visão de produtora de programação que veio desde o
começo com a Globosat e que fazia sentido para um grupo cuja atividade
final era justamente a produção de conteúdos. O levantamento da Booz
Allen, na ocasião conduzido por Moysés Pluciennik, que viria a se tor
nar presidente das operações de TV paga do grupo Globo anos depois,
também apontava para uma tendência de concentração no mercado de
operadoras, que se consolidavam em torno de grandes grupos.
Em 20 de setembro de 1992, Athayde propôs à família Marinho di
vidir as atividades de programação e de distribuição, e criar uma nova
empresa como braço de distribuição para os canais Globosat. O plano foi
aprovado, mas faltava encontrar os distribuidores que fariam o papel que
o satélite, até aquele momento, não havia conseguido fazer. É nesse pon
to que o grupo Globo inicia a busca por operações de DISTV e abandona,
aos poucos, a estratégia de distribuição por satélite. Até aquele momen
to, com exatos 12 meses de operação, a Globosat não havia conquistado
mais de nove mil assinantes.
Uma das primeiras empresas procuradas foi justamente a empre
sa de Dante Quinterno, Alexandre Annenberg e Antônio Salles, anterior
mente descartadas. A Globo decide entrar na sociedade e montar uma

55
operação de TV a cabo em São Paulo, trazendo a RBS, já uma entusiasta
do modelo de DISTV, como sócia. Com a entrada da Globo, os demais acio-
nistas congregados na DSTV saíram do negócio, ficando a operação divi
dida entre Globo, Dante Quinterno e RBS. Segundo Quinterno, contudo,
quem trouxe a Globo para o negócio foi a RBS. Versões divergentes à par
te, o fato é que a RBS, ao que tudo indica, teve papel relevante no trabalho
de convencer a família Marinho sobre a importância da TV a cabo. Ao fi-
nal de 1992, por exemplo, a parceria com a RBS para a comercialização da
Globosat no Sul já mostrava papéis bem definidos: a Globosat cuidava da
produção de programação enquanto o grupo gaúcho da família Sirotsky
se focava na distribuição.
Não por acaso, o grupo gaúcho, ao longo de 1992, começou a explorar
TV a cabo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, iniciando as vendas
na cidade de Florianópolis, e associou-se à Globo na busca por uma DIS
TV na capital paulista. A RBS também estendia as suas redes utilizando
o modelo do Projeto Quarteirão, o que dava uma certa vantagem de tempo
de cabeamento em relação ao modelo tradicional, que dependia da nego
ciação de uso dos postes. A regra do Projeto Quarteirão era: o cabo só não
pode atravessar a rua.
Em janeiro de 1993 estava definitivamente selada a sociedade do gru
po Globo com a RBS e Dante Quinterno para explorar o mercado de TV a
cabo na cidade de São Paulo.
No Rio, Quinterno adquirira em 1993 a licença de DISTV e uma pe-
quena operação de cabo pertencente ao grupo editorial Record (sem rela
ção com a emissora de TV atual) na região de Jacarepaguá. Mas esta não
seria a primeira operação no Rio de Janeiro. O empresário Paulo César
Areas Ferreira lançava na Barra da Tijuca, em dezembro de 1991, a ope
ração da RPC-TV. A RPC, naquela ocasião, transmitia a programação da
TVA, mas logo também acertou uma parceria com o grupo Globo.
Começava a se desenhar, naquele período, o novo modelo de opera
ção do grupo Globo: a busca de parceiros para a distribuição local dos
canais Globosat. A preferência era dada aos afiliados da emissora da fa
mília Marinho. A RBS foi a primeira. A EPTV, no interior de São Paulo,
da família Coutinho Nogueira, também foi uma prioridade. Em função

56
disso formou-se a InterNet, empresa controlada pelos Coutinho Noguei
ra que, inicialmente, se dedicaria a vender a Globosat em cima do modelo
do Projeto Quarteirão, ao mesmo tempo em que prospectaria licenças de
DISTV onde fosse possível comprar. Àquela altura (30 de novembro de
1992), Flávio Lopes e Otávio Lacerda colocavam no ar a operadora de cabo
AC-TV (posteriormente chamada de VCTV Cabo), que funcionava graças
à licença de DISTV oferecida um ano antes (e recusada) à EPTV. A ope
radora de Campinas também se notabilizaria por ser um dos focos de
investimento do grupo Clarin no Brasil.
Em outros casos, a Globo buscava parceiros que tivessem como dis
tribuir seus canais, e uma dessas negociações foi com a TV Filme, em Bra
sília. Em função do peso estratégico da cidade, a família Marinho julgava
que precisava não apenas garantir o conteúdo na Capital Federal como
deveria ter uma outorga. A negociação com a família Lins de Albuquer
que era, então, para que a Globosat assumisse o controle da operação de
MMDS na cidade, mas isso não foi aceito e a TV Filme seguiu rumo a uma
parceria, e depois sociedade, com a TVA, que seguia caminho semelhante
nas investidas sobre possíveis parceiros na distribuição de seus canais.
Em dezembro de 1992, a TVA estava à frente da distribuição de sua
programação junto a operadores independentes, com 15 “clientes” nos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas
Gerais, Ceará e no Distrito Federal.

MULTICANAL CORRE POR FORA


Uma história que corria em paralelo à disputa entre os dois maiores
grupos de mídia do país, mas que teria papel central na consolidação do
mercado de TV paga no Brasil, é a da Multicanal. A empresa foi criada
por Antônio Dias Leite Neto, filho do ex-ministro de Minas e Energia de
1969 a 1974, Antônio Dias Leite Júnior. Dias Leite destacou-se por sua
atuação no mercado financeiro no final dos anos 1980, e no começo da
década seguinte envolveu-se diretamente com o mercado de mineração
brasileiro. Eram os anos em que o liberalismo varria a América Latina,
e países como Argentina e Chile promoviam intensos processos de de-
sestatização e reformas liberais. Antônio Dias Leite, ao lado da Andrade

57
Gutierrez, do grupo Icatu e da construtora OAS, estudavam, particular
mente, o processo de desestatização das empresas de telecomunicações.
Tinham interesse específico em uma quase licitação de venda de frequ
ências para telefonia celular no país, projeto que passava pela interme
diação de PC Farias, e que acabou não acontecendo em função da crise
do governo Collor e das dificuldades de se fazer a venda das outorgas
sem uma reforma Constitucional, o que só viria a acontecer em 1995, no
governo Fernando Henrique Cardoso.
Sem poder fazer negócios em telecomunicações no Brasil, e já ten
do perdido a onda da privatização na Argentina, Dias Leite, em conversa
com um executivo da GTE norte-americana, atina para a possibilidade
de explorar o mercado de TV a cabo. Este executivo era Craig Start, que
havia atuado na privatização das empresas argentinas de telecomuni
cações alguns anos antes. Naquela oportunidade, Start conhecera outro
brasileiro, Olinto Santanna, na ocasião representante do grupo Machline
na Argentina para o processo de desestatização (Matias Machline havia
desenhado planos de entrar em telecomunicações no país vizinho). Start
coloca, então, Dias Leite e Olinto Santanna em contato, e as conversas
chegam ao assunto das inúmeras operações de CATV no Brasil, objeto
de reportagens da Folha de S. Paulo em 1989, e depois da abertura das
DISTVs em 1990. Antônio Dias Leite contrata Olinto Santanna para pros
pectar o mercado e traz seus executivos das empresas de mineração para
gerir o negócio, entre eles Luis Carlos Alvez, que se tornaria o diretor
operacional da Multicanal, e Antônio Carlos Menezes, que cumpriria pa
pel importante na articulação institucional. A Multicanal iniciava uma
busca por estas pequenas e médias operações, de preferência as que já
estavam em funcionamento, com o intuito de comprá-las, esperar por
uma valorização que certamente viria, e depois vendê-las.
A primeira operação comprada pela Multicanal foi a de Campo Gran
de, em dezembro de 1991, por US$ 200 mil. Era uma operação pequena,
com pouco mais de 100 assinantes. Meses depois, ele adquire a operação
de Goiânia, esta com 2 mil assinantes, e em setembro de 1992 já estava
em Ribeirão Preto/SP. A operadora tinha ainda uma participação na TV
Alphaville, onde não adotava marca própria, e àquela altura já havia até

58
desfeito uma participação de 80% na sociedade com Paulo Areas, na RPC
do Rio de Janeiro, adquirida pouco depois da licença de Campo Grande.
Até então, o plano da empresa de Antônio Dias Leite, segundo Olinto San-
tanna, era evitar os grandes mercados onde Globo e Abril atuavam.
Mais tarde, a Multicanal reviu essa estratégia e não só entrou em
grandes cidades como focou a atuação em São Paulo, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte. Ao final daquele ano de 1992, a Multicanal tinha uma co-
bertura que incluía as cidades de Florianópolis, Goiânia, Campo Grande,
Ribeirão Preto e Caxias do Sul/RS. Mais, portanto, do que qualquer outra
operadora brasileira, e preparava-se para lançar serviços nas cidades de
Bauru, Santos, Sorocaba e outras sete cidades do Rio Grande do Sul. Dis
cretamente, como quem fazia uma aposta no futuro, a Multicanal com
prou também, no final de 1992, a licença de DISTV de André Dreyfuss, na
cidade de São Paulo, por US$ 300 mil. Era uma licença interessante por
que tinha um projeto técnico absolutamente impreciso, mas na prática
dava à Multicanal o direito de operar em toda a cidade, ao contrário dos
projetos de outras duas DISTVs que, apesar de serem mais bem acabados,
restringiam-se a poucos bairros da capital paulista.
Mas o que é mais importante sobre a presença da Multicanal no mer
cado naquele momento é ter se mantido neutra na disputa entre Abril e
Globo, e tampouco buscar produzir programação própria. A Multicanal
era um modelo puro de MSO americano. Antônio Dias Leite, que havia
trabalhado no Bradesco por muitos anos, tentou trazer o banco para den
tro do negócio de TV paga em 1992, como forma de capitalizar os pesa
dos investimentos que eram feitos. A isca era um sistema visionário de
home banking desenvolvido pela TV Alphaville, em 1991, com o banco
Nacional. A parceria com o Bradesco, contudo, não foi adiante. Dias Leite
acreditava que TV por assinatura poderia ser, no Brasil, um negócio tão
importante como era nos EUA.
Aliando-se essa visão de negócios à cobertura geográfica privilegia
da, a operadora era constantemente assediada pela Globo e pela Abril,
com vantagem para a TVA, que já era a fornecedora de programação.
Segundo relato de Walter Longo, que em 1993 assumia a presidência da
TVA, houve uma intensa negociação ao longo dos primeiros meses do ano

59
entre as duas empresas para que a Abril adquirisse as licenças de DISTV
e operações da Multicanal. Roberto Civita, contudo, mostrou receio em
fechar o negócio, já que Dias Leite tinha uma companhia de mineração,
a CMA (Companhia de Mineração do Amapá), cujo sócio era Eike Batis
ta, constantemente envolvido em polêmicas. Havia também, por parte da
Abril, outras negociações com parceiros estrangeiros, de modo que as
ofertas pela Multicanal não se converteram em negócio.
A Globo já havia procurado a Multicanal por meio da consultoria Booz
Allen, sem sucesso. Em uma segunda tentativa, esta feita diretamente por
Antônio Athayde, o negócio foi adiante, e em abril de 1993, a família Mari
nho adquiriu 30% das ações da Multicanal. Antônio Dias Leite tornava-se
personagem central no mercado de TV paga e inaugurava uma fase de ex
pansão da TV a cabo, tecnologia que ficaria no centro de grandes negócios
da TV por assinatura por muitos anos. Dias Leite ainda venderia participa
ções na Multicanal outras três vezes, sempre com resultados expressivos.
Ali se materializava o nascimento da Net Brasil, a maior MSO brasi
leira, que definiria o rumo da indústria daquele momento em diante.

60
CAPÍTULO 3

O amadurecimento
do mercado
A marca Net surgiu de uma brincadeira: “Não é televisão”. O autor
da brincadera foi Alberto Pecegueiro, ex-diretor da Abril, trazido por An
tonio Athayde para ser o diretor de marketing da nova empresa. Mas se
não era televisão, o que era? A questão que se colocava naquele momento
aos executivos do grupo Globo e a todo o mercado de TV por assinatura
era o que aconteceria com uma indústria até então pulverizada em deze
nas de operações quase amadoras de TV a cabo e duas outras tecnologias
que só existiam no Brasil naquela escala: o MMDS e a transmissão pelo
satélite em banda C.
As operações existentes enfrentavam grandes dificuldades para
viabilizar seus modelos. Vender televisão, fosse para assinantes indivi
duais, fosse para condomínios, mostrava-se muito mais caro e compli
cado do que se imaginava. Ampliar a escala das operações parecia ser o
caminho mais lógico mas, ao mesmo tempo, os recursos eram escassos.
Talvez pelo fato de ter como sócia a RBS, que já vinha estudando especi
ficamente TV a cabo desde meados da década de 1980 e apostava nesse
modelo desde a farta distribuição das licenças de DISTV em 1990-91, a
Globo direcionou seu barco para a TV a cabo como forma prioritária de
distribuir a sua programação.
A expressão usada, segundo Antônio Athayde, era “surfar na onda do
cabo”. A estratégia era clara também: ampliar o mercado de distribuição,
garantir acesso à sua programação e, um dia, sair do negócio. Os investi
mentos, como era possível perceber já naquela época com a experiência
em banda C, eram muito superiores aos inicialmente estimados.

61
O principal desafio para fazer as operações de TV a cabo efetivamen-
te saírem do papel era conseguir dinheiro. Dante Quinterno foi o primeiro
empresário argentino a sair em busca de capital e consegui-lo, associan-
do-se à Globo em São Paulo; mas outras operadoras que na época foram
em busca de recursos, encontraram, justamente, argentinos dispostos a
investir. Os controladores da DISTV em Campinas, Flávio Lopes e Otávio
Pacheco, conseguiram trazer o grupo argentino El Clarín para o Brasil.
Roger Karman, que havia montado e presidido a TVA em seus primeiros
anos, afastava-se do grupo Abril e também foi um dos primeiros a se aliar
a investidores estrangeiros para o mercado de TV por assinatura. Logo
que se desligou do grupo da família Civita, Karman associou-se a Alejan-
dro Massot, que havia fundado e dirigido o canal Telefé, na Argentina, e
ambos saíram em busca de licenças de DISTV. Nesse período, a comercia
lização de licenças ainda era mais importante que a operação em si dos
serviços, mas o grupo formado por Karman e Massot lançaria, a partir
do final de 1993, suas primeiras operações em Piracicaba, Uberlândia e,
posteriormente, em Brasília, onde teve papel central em uma importante
disputa com a empresa de telecomunicações local, a Telebrasília.
Mas quem efetivamente buscava um sócio estrangeiro no Brasil era
a TVA. Com a crise financeira no ano de 1993 e a forte retração do merca
do editorial, Roberto Civita precisou buscar alternativas para que a sua
maior aposta se desenvolvesse. Até aquele momento, a operadora já ha
via consumido quase US$ 50 milhões em investimentos e se via forçada
a fazer dívida para dar sustentação à operação.
Nessa época, Walter Longo, até então presidente da agência de publi
cidade Wunderman, que atendia a TVA, chegou para tocar a operação de
TV paga do grupo Abril. Longo relata que a primeira coisa que percebeu
ao assumir a TVA foi que a empresa não tinha mais fôlego para manter o
ritmo de crescimento e expansão dos anos de 1991-92, quando alançara a
marca de 13 mil assinantes. Era uma operação tão cara, relembra Longo,
que apenas os custos de programação já extrapolavam completamente as
receitas da TVA.
A operadora passou a buscar investidores, de um lado e, de outro,
diminuir os gastos com programação. Com sua experiência no mercado

62
publicitário, Walter Longo decidiu reforçar o marketing da TVA, o que, se-
gundo ele, permitia ampliar a base, mas gerava ainda mais pressão sobre
as equipes de instalação. Ligado ou não a esse fato, no começo de 1993 a
TVA associa-se a uma das empresas detentoras da licença de DISTV em
São Paulo, com direito a anúncio na revista Veja em página tripla. Era a
resposta à associação entre Globo e Cabodinâmica, de Dante Quinterno.
A Abril, então, daria início à sua primeira negociação para tentar
atrair um grupo investidor internacional. Os alvos eram os grupos Time
Warner, dos EUA, o Canal +, francês e o grupo Richemont, holandês. A
idéia era vender a cada um 25% do capital da TVA, o que aliviaria o caixa
da Abril, naquele momento endividada em US$ 115 milhões, o que repre
sentava metade de sua receita anual. As negociações se arrastaram e aca
baram atrapalhando a possibilidade de acerto entre Abril e Multicanal,
que também havia sido negociada. Isso porque a Multicanal precisava de
investimentos, e a Abril não tinha muito a oferecer.
Ainda assim, a TVA tentava responder à estratégia da Globo e criava
uma empresa que atuaria como franqueadora em operações de TV paga
onde a TVA não operasse com licença própria. O acordo com a Richemont
foi anunciado internamente pelo grupo Abril, no dia 13 de agosto de 1993;
seria o maior negócio da TV por assinatura brasileira até então, por volta
de US$ 80 milhões, para um investimento de 30% na operadora. Faltava,
contudo, fechar o negócio e pegar o dinheiro, algo que nunca aconteceria.
Em janeiro de 1994 a sociedade entre os dois grupos se desfez.
Também em agosto de 1993, a TVA inicia uma agressiva fase de ex
pansão territorial, desta vez não mais distribuindo sua programação,
mas entrando de sócia em diferentes mercados. Foi então que surgiu a
parceria com o empresário Bayard Umbuzeiro Filho, controlador de oito
outorgas no Estado de São Paulo, e com a Inbrac, do empresário Roberto
Ugolini Neto, que tinha 60% de participação em uma das DISTVs em São
Paulo e era sócio de Umbuzeiro.
Pouco depois, em outubro de 1993, a TVA adquire 45% do capital da
TV Filme, em Brasília, comprometendo-se a investir US$ 4 milhões no
negócio. A prova da importância que a TV Filme adquirira é que, pela pri
meira vez, uma negociação de venda de participação de TV paga atraía a

63
atenção de ministros de Estado. Na festa de comemoração do acordo para
mil convidados na Academia de Tênis, estavam presentes os ministros
Hugo Napoleão (Comunicações) e Jerônimo Moscardo (Cultura), além de
deputados e senadores, como registrou a revista PAY-TV na época. A TV
por assinatura passava a ocupar um espaço político.
Um episódio marcante e relevante da TV por assinatura no Brasil diz
respeito aos canais de filmes. Tanto Globosat quanto TVA, com seu canal
Showtime, gastavam verdadeiras fortunas com a compra de filmes dos
estúdios de Hollywood. Globo e Abril iniciavam, então, conversas para
tentar, em conjunto com os estúdios, fazer um canal único de filmes, re-
duzindo os custos para as duas empresas.
O primeiro impasse na negociação foi a questão do canal esportivo.
A Globo, em 1992, havia fechado uma parceria com a TV Bandeirantes
para criar o SporTV, que veio substituir o TopSports original. A estraté
gia da Globo era assegurar a maior quantidade de direitos esportivos, e
muitos deles estavam nas mãos da Band.
Quando Abril e Globo sentaram para negociar o canal de filmes, a
primeira pediu que a parceria fosse estendida também à área de espor
tes, o que foi prontamente recusado pela Globosat. Aprogramadora sabia,
desde seus primeiros dias, que a programação esportiva era estratégica
demais para ser compartilhada com um concorrente direto.
As portas para um acordo no canal de filmes, contudo, não se fecha
ram. Mas os dois grupos iniciaram conversas paralelas com os grandes
estúdios de Hollywood. A HBO era, na época, a grande marca de TV por
assinatura, e todos tinham interesse em trazê-la para o Brasil. No entan
to, a HBO garantiria apenas os títulos de um estúdio, a Warner. A Globo
priorizou, então, as conversas com um outro grupo de estúdios formado
pela Paramount, Fox, Universal e MGM. As conversas entre Abril e Globo
iam e vinham, conforme alguns interlocutores da época, mas o fato é que
nenhum dos dois grupos de mídia tinha todos os seus ovos depositados
apenas nessa parceria.
Isso ficou evidente na cinematográfica sequência de acontecimen
tos que marcou a abertura da BrasilLink 1994, o principal evento de TV
por assinatura da época, no dia 23 de abril. Na abertura do encontro, Ro

64
berto Civita, presidente do grupo Abril, surpreendeu a platéia ao anun
ciar a parceria com a HBO.
Mas Alberto Pecegueiro, diretor de marketing da Net Brasil, sou
bera algumas horas antes que a parceria seria anunciada. Atempo de
avisar, por telefone celular, Luiz Gleiser, diretor de programação da
Globosat, que estava no evento de televisão MIP, em Cannes, justamen
te para negociar com os estúdios. Gleiser conseguiu, então, finalizar
em alguns minutos um acordo que já vinha sendo costurado com os
estúdios Fox, MGM, Paramount e Universal, e aprovar a divulgação
de um release com a parceria. Por telefone, a equipe da Globosat na
BrasilLink é informada a tempo de Adalberto Vianna, diretor da Net
Brasil, que dividia a mesa com Roberto Civita, anunciar em seguida o
acordo da Globosat com os quatro estúdios. E dessa forma, em menos
de uma hora, os dois principais canais de filmes existentes até hoje
marcaram a sua chegada no mercado brasileiro, sacramentando uma
política de exclusividade de programação que só se acentuaria nos
anos seguintes.
O curioso é que, até então, a Globosat é quem tinha acesso ao acervo
da Warner e a TVA, ao acervo dos quatro estúdios. Essas posições se in
verteram depois daquela BrasilLink. Posteriormente, os estúdios Sony e
Disney, que estavam soltos, associaram-se à HBO no mercado brasileiro.
Na frente das redes de distribuição, a Cabodinâmica acelerava os
planos de expansão em São Paulo, e em agosto de 1993 dava início ao ca-
beamento da cidade, começando pelo bairro da Lapa, próximo a sua sede
e onde a recepção da TV aberta era péssima. Aliás, a operadora, àquela
altura, já se chamava Net São Paulo. A diferença tem um significado: a
marca Net trazia consigo um conceito de multioperadora (MSO) que não
existia no caso de operações de cabo locais. O presidente da Net São Pau
lo, Alexandre Annenberg, defendia, por exemplo, o uso da marca TVC São
Paulo, para caracterizar a operação localmente. Antônio Athayde, res
ponsável pela estratégia da Net Brasil, defendeu a marca nacional com a
alegação que em grandes cidades essa identidade local não faria sentido.
Além disso, fazia parte do plano estratégico da Net a adoção da marca
nacional quando fosse possível.

65
Naquela ocasião, o modelo de implantação de redes de cabos no Bra
sil seguia padrões técnicos e arquiteturas típicas das operadoras argen
tinas, do tipo ‘tree-and-branch’, o que mudaria dois meses depois, quan
do sócios norte-americanos entraram no negócio. Antônio Salles, então
diretor técnico e sócio da Net São Paulo, relatou a este livro que a opção
por uma tecnologia obsoleta se devia à falta de modelos no Brasil. Hoje,
olhando para o passado, é possível dizer que a opção por uma tecnologia
obsoleta era apenas uma questão cultural, pois os custos de uma rede
com fibras e cabos coaxiais (HFC) seriam cerca de 12% mais altos. Foram
os americanos que convenceram os engenheiros brasileiros de que inves
tir naquele momento em redes mais avançadas, ainda que um pouco mais
caras, permitiria fazer outros serviços no futuro. Esse foi o modelo ado-
tado pela Net São Paulo. A reconstrução da rede da Net São Paulo antes
mesmo de a operação começar a funcionar gerou custos, mas mostrou-se
acertada do ponto de vista estratégico. Os sócios norte-americanos que
entraram no negócio e fizeram a Net São Paulo tomar um novo rumo na
definição de sua tecnologia de rede eram a UIH.
Dante Quinterno estivera em Denver, a capital do Colorado, no co-
meço de 1993, para tentar convencer a TCI, de John Malone, a entrar no
Brasil. A TCI era a maior operadora de cabo dos EUA e só se interessa
ria pelo país anos depois, em sociedade com a News Corp, para explorar
o mercado de DTH. Quinterno não conseguiu despertar o interesse de
Malone, mas durante a conversa soube que a empresa UIH, sediada na
mesma cidade, talvez tivesse interesse em explorar o mercado brasilei
ro. Meses depois, Alexandre Annenberg foi a Denver e acertou a entrada
da UIH, que adquiriu 20% da operação em São Paulo. A UIH planejava
investir US$ 7 milhões, mas acabou colocando cerca de US$ 20 milhões
ao longo dos três anos que ficou. Foi o primeiro operador de TV por assi
natura estrangeiro a se interessar pelo país. Em 1997, seria o primeiro a
sair, recebendo de volta quatro vezes o que investiu. A Net Rio também
entrou em operação no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, com progra
mação Globosat, e no interior de São Paulo a EPTV preparava suas redes
nas cidades de Franca e São Carlos, com a marca Inter Net (que nada tem
a ver com a Internet como se conhece hoje).

66
ABRACOM VIRA ABTA
Ao mesmo tempo em que a Net São Paulo estendia a sua rede, a Mul-
ticanal (que também tinha a Globo como acionista) começava a construir
a rede na capital. Havia, entre elas, um acordo de divisão da cidade em
que cada uma ocupava alguns bairros. Mas a combinação parava por aí.
O empacotamento, a tecnologia e as políticas de vendas eram completa
mente diferentes, sendo a Multicanal muito mais agressiva.
Em outras cidades, uma onda de associações também se avoluma
va. A maior delas foi no Rio Grande do Sul, onde se deu em duas etapas.
APansat, do empresário Nestor Knob, tornara-se, em pequena escala, a
primeira multioperadora ao sul do país. Em Pelotas e Rio Grande opera
va em sociedade com Osmarino Martins e seu filho Paulo Martins; nas
demais cidades, se associou à Multicanal em 1992 e várias das suas sete
outorgas já estavam em funcionamento. Quando a Multicanal, Globo e
RBS se associaram para formar a Net Brasil, houve uma segunda leva de
negociações, e em setembro de 1993, Knob transferiu as outorgas para
a Net Sul, controlada pela RBS. Esse foi um momento importante para
as operadoras do Sul, pois dali em diante a família Sirotsky assumiria o
controle de quase todas as outorgas de TV a cabo no Rio Grande do Sul
e retomaria seu projeto de consolidar uma grande rede de distribuição
de TV paga, que havia sido deixada na gaveta enquanto a estratégia do
grupo Globo priorizava a distribuição por satélite.
Com o mercado em crescimento, a chegada dos grandes investidores
ea disposição de se discutir uma Lei de TV a Cabo no Congresso, confor
me se verá no próximo capítulo, os diferentes grupos que atuavam no
mercado resolveram que seria importante ter uma representação insti
tucionalizada, e em 17 de agosto de 1993 a pequena associação Abracom,
formada em 1989 para representar os operadores de CATV, passou a in
cluir os grandes grupos operadores. Naquela assembléia ficou consolida
da a entrada da Multicanal, da Net Brasil, do grupo RBS, e a presidência
da associação coube pela primeira vez à TVA, que já vinha participan
do informalmente do grupo desde o final de 1992. Na primeira gestão
da Abracom, já incluindo as grandes empresas, o presidente foi Walter
Longo, presidente da TVA, o vice, Fernando Villarinho, da Net Brasil, e

67
Antônio Dias Leite era o presidente do conselho. Pouco depois, em 23 de
dezembro de 1993, a Abracom mudou de nome e tornou-se a ABTA, Asso
ciação Brasileira de TV por Assinatura.
A fase de consolidações entre operadoras não atingiu apenas os
grandes grupos. Em Belo Horizonte, as duas operadoras de cabo locais
também se uniram: a TTC TV a Cabo e a TV Video Cabo formaram uma
só empresa. Essa foi uma manobra especialmente importante, porque a
disputa que se armava era contra a Telemig, operadora estatal de telefo
nia que se destacou entre as várias empresas do Sistema Telebrás como a
pioneira em ter alguma estratégia envolvendo TV por assinatura.
A união das empresas de telecomunicações com as empresas de TV
a cabo só se tornou uma realidade concreta nos anos 2000, mas no pe
ríodo entre 1993 e 1996 houve alguns movimentos significativos nesse
sentido que devem ser resgatados, até porque simbolizaram o último ato
das empresas do Sistema Telebrás no sentido de se modernizarem em
um cenário estatal. Na segunda metade da década de 1990 as empresas
foram privatizadas, o que mudou completamente o cenário.
O contexto daquele ano de 1993 ajuda a explicar o que acontecia. O
Brasil passaria por uma revisão Constitucional no segundo semestre
do ano, e com a onda de privatizações que varria o mundo, e especial
mente a América Latina, a discussão óbvia era se as empresas de telefo
nia no Brasil também seriam vendidas. A onda liberalizante acontecia
em ritmo mais lento aqui, em função das crises políticas sucessivas de
correntes da queda do governo Collor e do escândalo do orçamento no
Congresso, mas o fim do monopólio estatal era uma aposta segura para
aquele momento.
Fosse como reação a essa perspectiva por parte dos que defendiam
a Telebrás assim como estava, fosse como forma de melhorar a imagem
da empresa para possíveis investidores por parte de quem acreditava que
a privatização era o melhor caminho, o fato é que havia um ímpeto de
investimentos em novas tecnologias. O CPqD, então centro de pesquisas
da Telebrás, vinha há alguns anos se aprofundando na questão das redes
digitais para a oferta de multiplos serviços, como voz, transporte de da
dos e televisão.

68
A Telemig foi a primeira a levar a cabo este planejamento, e em ja
neiro de 1993 publicou um edital para a contratação de equipamentos
que permitiriam a contrução de uma rede de transporte de vídeos. A ope
radora levava adiante uma orientação da Telebrás, de outubro de 1992, de
que todas as operadoras buscassem investir nesse tipo de infraestrutu-
ra, o que gerou a revolta dos operadores de DISTV locais e, pela primeira
vez, expôs o conflito entre a visão privada de operação, das empresas de
TV por assinatura, e a visão estatal. Na capital mineira, o conflito chegou
às vias de fato, ao ponto de a Telemig cortar os cabos das operadoras de
DISTV, alegando que estavam colocando em risco outros sistemas essen
ciais, como telefonia e rede elétrica.
Em outubro de 1993, contudo, a operadora suspenderia a licitação
em função dos protestos dos operadores de cabo e do arrefecimento das
discussões sobre a reforma Constitucional, que ao final não saiu. Mas
logo em seguida a Telebrás editou uma nova resolução, lembrando da
conveniência “de utilização de um meio único e público de transmissão”,
conforme a proposta de legislação para a TV a cabo em tramitação no
Congresso. Os detalhes da tramitação da lei estão no capítulo seguinte,
mas o que ficava claro naquele momento é que a Telebrás não queria per
mitir o desenvolvimento de uma rede concorrente.
Na esteira dessa diretriz, a Telemig propôs à operadora de cabo de
Belo Horizonte um acordo para a “regularização das redes de cabo exis
tentes” em relação aos padrões técnicos e à utilização de uma infraes-
trutura de fibra óptica única, ficando apenas a rede de cabos coaxiais
a cargo das operadoras. No que diz respeito aos serviços, a proposta da
Telemig era que as operadoras de cabo fizessem a parte de TV e TV inte-
rativa (falava-se muito em TV interativa como uma oportunidade futura)
e a tele estatal operaria os demais serviços de transmissão de dados e
telefonia, com divisão de receitas. A Telemig faria a cobrança dos servi
ços e as lojas da estatal seriam utilizadas para comercializar também
os serviços de TV por assinatura. Era uma proposta de acordo, do ponto
de vista conceitual, muito avançada, e mostrava que a TV paga estava
forçando as empresas de telecomunicações a pensar em novos modelos
de negócio. Com alguns ajustes, o acordo acabou saindo, o que pode ser

69
caracterizado como a primeira parceria efetiva entre empresas de tele
comunicações e empresas de telefonia. Como parte do acordo, a Telemig
passou a receber 10% das receitas da operação de cabo.
Na mesma época, o governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury
Filho, lançava um projeto de criar uma rede semelhante em São Paulo,
batizada de Infovias. Era um projeto independente da Telesp e tinha forte
caracterização política, de modo que o plano não saiu do papel.
Outro projeto que estava avançando, este sim, era o da Telebrasília.
No primeiro trimestre de 1994 a tele anunciava os planos de construção
de uma sofisticada rede de acesso por fibra óptica, algo que nunca havia
sido cogitado no Brasil em função dos elevados custos. As duas operado
ras de TV por assinatura da cidade, a TV Filme e a Cabo Total, operada
por Roger Karman, negociaram com a Telebrasília. Como Brasília é uma
cidade quase sem postes, a distribuição de TV a cabo dependia do uso
de dutos subterrâneos e caixas de passagem de fiação, e os controlado
res desta infraestrutura eram as concessionárias estatais de energia e
telecomunicações. Para a Cabo Total operar, portanto, era fundamental
um acordo com a tele que já vinha sendo tentado desde o final de 1991. A
Telebrasília, por sua vez, dificultava as negociações na expectativa de ter
a sua própria rede. Segundo relato de Karman a este livro, a negociação
só parou de enfrentar problemas quando a operadora franqueou-se à Net
Brasil, em 1994.
Por pressão dos operadores de DISTV, contudo, o Ministério das Co
municações foi obrigado a dizer que as empresas de telecomunicações
só poderiam operar em parceria com quem tivesse licenças, e foi o que
aconteceu. A Telebrasília seguiu à risca a determinação e acertou uma
parceria com a TV Filme (que já era sócia da TVA) para explorar a rede,
com a oferta de pelo menos 22 canais pagos. No dia 14 de junho de 1994
foi celebrado o contrato, mas não sem uma violenta onda de protestos
dos operadores de cabo, que consideravam aquela manobra irregular,
pois a TV Filme tinha autorização apenas para o serviço de MMDS. A
Multicanal enviou carta ao ministro das Comunicações, Djalma Morais,
no dia da assinatura do contrato. O ministro participaria do acordo como
testemunha, assinando o contrato ao lado de Roberto Civita, mas diante

70
dos protestos da Multicanal, transferiu a tarefa para o então presidente
da Telebrás, Adyr Silva.
A crise não abalou os planos da Telebrás nem os da Telebrasília. A
holding estatal planejava, naquela ocasião, a primeira rede banda larga a
interligar todo o país, a Renav (Rede Nacional de Alta Velocidade), e che
gou a anunciar o projeto no início de agosto de 1994. A idéia era ter uma
capacidade de rede que pudesse ser oferecida a operadores de TV por assi
natura. Já a Telebrasília manteve os planos de fazer uma rede de fibra que
atendesse a todas as quadras de Brasília e alugaria a infraestrutura aos
operadores interessados. Na expectativa da abertura do mercado de TV a
cabo (a Lei do Cabo havia sido concluída no Congresso e aguardava ape
nas a sanção presidencial), outros dois grupos acertaram o contrato com
a estatal: um grupo de investidores, ex-sócios da Multicanal em Goiânia, e
uma empresa chamada Multiponto, que abrigava diversos investidores do
mercado financeiro e era controlada por Daniel Dantas, que havia acaba
do de criar o grupo Opportunity. Um detalhe curioso é que a Multiponto ti
nha como acionista a IVP, da qual participavam vários empresários, entre
eles Joe Wallach, ex-sócio da Globo na Globosat. Posteriormente, também
o jornal Correio Braziliense chegou a fechar acordo para a utilização da
infraestrutura da Telebrasília, mas o plano não foi adiante. A Videorede,
como era chamada, da Telebrasília nunca funcionou efetivamente, mas só
veio a ser desmontada cerca de dez anos depois.
A Telebrasília, entretanto, inaugurava uma série de outras iniciati
vas de empresas do sistema Telebrás de fazer redes semelhantes, sempre
sob orientação do CPqD. A Telebahia foi quem propôs o modelo mais am
bicioso, que chegava até a casa do assinante. No edital de seleção dos for
necedores, publicado no começo de 1995, pedia a possibilidade de um set
top para serviços integrados de voz, vídeo e dados, algo revolucionário
para a época. ATelegoiás e aTelepar foram pelo mesmo caminho, mas em
nenhum dos casos as parcerias se tornaram operações efetivas. Outras
operadoras do sistema Telebrás também tinham planos, e quem pensava
em aproveitar essas oportunidades era a TVA, que celebrou nada menos
do que sete contratos com diferentes empresas. As teles ainda tentaram,
em 1996, emendar a recém-criada Lei do Cabo para que estes contratos

71
fossem transformados em concessões do serviço, mas com a privatiza
ção da Telebrás se avizinhando, todas as iniciativas nesse sentido foram
suspensas. A verdade é que também as redes de TV a cabo estavam cami
nhando para a convergência de serviços, e em 1995 começaram a sair,
sobretudo nos EUA, os primeiros equipamentos para a transmissão de
Internet em redes de TV por assinatura.
Se o mercado de TV por assinatura era atraente para as empresas de
telecomunicações, e se as empresas de TV a cabo já tinham iniciado uma
intensa fase de instalação de redes, inclusive já ocorrendo consolidações
significativas, era natural que quem tivesse ficado de fora da primeira
onda de distribuição de licenças de DISTV e MMDS, entre 1990 e 91, tam
bém manifestasse interesse em entrar no mercado, e a janela para isso
acontecer era o MMDS.
Tratava-se de um serviço praticamente desregulado naquela oca
sião, e não havia, por parte de outros setores, demanda pelas frequências
do serviço. O MMDS daTVAem São Paulo e Rio também se mostrava uma
boa vitrine do que era possível fazer com aquela tecnologia, e a deman
da por ele crescia. Em meados de 1993, o Ministério das Comunicações,
derrotado dois anos antes na discussão sobre TV a cabo (como se verá
no próximo capítulo), decidiu regulamentar o MMDS. Com os pedidos
de autorização se avolumando (grande parte deles realizados por emis
soras afiliadas de redes de TV aberta, da Globo, inclusive), o Ministério
anunciou para o final daquele ano uma regulamentação própria para o
serviço, e foi o que aconteceu.
Com algum atraso, em 16 de março de 1994, o governo editou a pri
meira norma específica para o serviço, que até então era outorgado de
forma precária, com uma licença de uso de espectro. A principal novi
dade da Norma de MMDS foi abrir a possibilidade de se fazer produção
própria de programação, o que as operadoras de DISTV não podiam fazer.
Também previu a ampliação do número de canais por licenciada para até
31, o que aumentava significativamente o potencial do grupo Abril, que já
operava nas duas principais cidades brasileiras.
A Norma de MMDS fez com que dezenas de pedidos de outorga fos
sem feitos ao Ministério, o que abria possibilidades reais de licitação do

72
serviço. As afiliadas da Globo se movimentaram, mas poucas foram ao
Minicom pedir a autorização. Já a TVA entrou com nada menos do que 97
solicitações de outorga junto ao Ministério. Essas licenças nunca saíram
efetivamente, e os editais só apareceriam no final de 1997, mas a regu
lamentação do MMDS movimentou significativamente o mercado. Duas
consequências foram sentidas. A primeira foi a tentativa de elaborar, no
Congresso, uma lei específica para a tecnologia. A proposta veio do mes
mo grupo ligado ao Fórum Nacional de Democratização da Comunicação,
que propôs ao deputado Tilden Santiago a Lei do Cabo, em 1991. O projeto
não prosperou dentro da Câmara porque não despertava tanto interesse
quanto o de TV a cabo. Além disso, na ocasião, com o sinal analógico, o
MMDS tinha dificuldades de acomodar os canais de acesso público que
já vinham sendo discutidos para a TV a cabo. E, por fim, não havia inte
resse nem necessidade política de se criar uma lei como aquela. O fato é
que a proposta da deputada Irma Passoni teve o lixo como destino.
Outra consequência dessa onda do MMDS que varreu o final do ano
de 1994 foi o súbito aumento dos investidores estrangeiros que se dis
punham a entrar no mercado de TV por assinatura. O grupo Abril, que
ainda estava em busca de investidores, teve nessa aparente abertura do
mercado de MMDS uma possibilidade concreta de trazer novos sócios e
parceiros. O primeiro a chegar foi o grupo Chase, que adquiriu por US$ 35
milhões, no final de julho de 1994, uma parcela de 17% da TVA. A idéia da
entrada do Chase era que o banco ajudasse a empresa a encontrar mais
sócios. Ao mesmo tempo, o fundo Warburg, Pincus entrava como sócio
da família Lins de Albuquerque e da TVA na TV Filme, de Brasília, com
um investimento de US$ 5 milhões. Pouco depois, em outubro do mesmo
ano, a TVA acertaria ainda a sociedade com investidores canadenses nas
operações em que Bayard Umbuzeiro e a Inbrac eram sócias na grande
São Paulo e no litoral paulista.

GRANDES INVESTIDORES
Era uma época de grandes e importantes arranjos societários e fi-
nanceiros entre as empresas de TV por assinatura. AUIH, por exemplo,
expandia a sua participação na operação de TV a cabo da Net São Paulo

73
comprando as participações de Alexandre Annenberg e Antônio Salles,
que permaneciam como executivos. Outra operação importante, mas de
muito maior vulto, foi o aporte de US$ 125 milhões feito, naquele momen
to, pelo IFC na Globo Cabo, a holding então criada para gerir os investi
mentos da Globo na área de cabo. Ao mesmo tempo, e com muito mais
discrição, Antônio Dias Leite também buscava formas de financiar as
atividades de suas empresas. Em junho de 1994 acertou a criação de uma
holding para explorar o setor de telecomunicações com o grupo Garantia
(especificamente o fundo GP Capital), dos empresários Paulo Lemann e
Beto Sicupira. A Mcom era uma empresa que tinha cerca de 70% da Mul-
ticanal e na qual o Garantia tinha cerca de 50% de participação. Os valo
res nunca foram revelados na época, mas sabe-se hoje que o investimento
do GP, na ocasião, foi da ordem de US$ 50 milhões, e até o final do ano
houve mais dois investimentos que totalizaram US$ 67 milhões. No fim,
Antônio Dias Leite tinha conseguido vender um pedaço de sua participa
ção na Multicanal por mais de US$ 110 milhões sem avisar a Globo, que
era a outra acionista da empresa.
Do ponto de vista estratégico, a entrada do GP teve um grande valor
para Dias Leite. Aí começou a ser delineada a estratégia que permitiria,
um ano depois, a entrada do Multicanal na bolsa norte-americana. O GP,
do lado de Dias Leite, e o IFC, do ponto de vista da Globo, eram investido
res que olhavam a TV a cabo não como TV por assinatura, mas com uma
visão estratégica voltada para telefonia e banda larga.
Achegada do grupo Garantia também teve um outro significado: foi
quando foi plantada a semente de uma relação turbulenta e cercada de
desconfiança com o grupo Globo, principal parceiro no mercado de TV
paga e sócio na Multicanal. Esses atritos passavam por duas frentes: uma
delas era o fato de a Globosat ser a programadora preferencial da Multi
canal. Do ponto de vista dos sócios de Antônio Dias Leite, acreditava-se
que o contrato com um acionista dava à Globo uma vantagem financeira
muito grande. Outro fator é que, em meados de 1995, o grupo MCom real
mente acreditava que poderia liderar o mercado de TV por assinatura no
Brasil, mas a estratégia passava antes por uma expansão satelital e por
uma presença no mercado de programação. A primeira etapa foi tentar

74
fechar a contratação do satélite que poderia ser usado para uma plata
forma de distribuição.
As operações de TV paga via satélite (DTH) nos EUA já eram uma
realidade desde 1994, e a banda Ku se consolidava como uma tecnologia
a ser explorada. A Globo, em maio daquele ano, conversou com a Televisa
e a PanAmSat para uma parceria na operação do satélite PanAmsat, e
reativou, em outra frente, uma parceria com a Victori e o banco Bradesco
para um projeto de satélites próprios que já havia sido tentada na década
de 1980, o Projeto Class. Tinha também a NetSat, que operava TV por as-
sinatura em banda C, com a infraestrutura original da Globosat.
Em meados de 1995, a Multicanal procurou a Embratel para acertar a
compra de capacidade nos satélites da Intelsat, que já prometia capacida
de para a banda Ku. A Multicanal tinha em mente fazer uma operação de
distribuição de TV por assinatura via satélite. Segundo relatos de Olinto
Santanna, que na época negociava pela MCom a compra do espaço no saté
lite, estranhamente a negociação não evoluiu, apesar dos elevados valores
envolvidos (mais de US$ 70 milhões, diz ele). “Nós queríamos o satélite. Tí
nhamos 70% da distribuição por cabo e sabíamos que aquela posição é que
determinaria os custos de programação”, declarou Santanna a este livro. A
MCom foi então à Argentina e fechou um grande acordo com aNahuelpara
usar a capacidade de satélite, mas manteve esse plano em sigilo.
Paralelamente, a Multicanal começou a desenvolver o projeto de
programação. Primeiro com um canal de compras, o Shoptime, e depois
com a montagem de uma programadora batizada de Telecentro. Até o fi-
nal de 1995, a empresa de Antônio Dias Leite já havia adquirido um local
para instalar seus estúdios (um terreno em frente ao Projac, da Globo,
em Jacarepaguá), trouxe Luiz Gleiser, ex-diretor de programação da Glo
bosat nos primeiros quatro anos da operação, e preparava o lançamento
de mais três canais: um infantil, um de filmes de aventura e um canal
feminino, que eram os três nichos não atendidos nem por Globosat nem
pelos canais da TVA.
A estratégia de entrar em programação sem aviso prévio não agra
dava à Globo, que era sócia da Multicanal e tinha um modelo de negócios
baseado na distribuição de seus próprios conteúdos para as operadoras

75
franqueadas. Estava armada uma bomba que viria a explodir alguns me
ses depois, no começo de 1996.
Antônio Dias Leite e o grupo GP decidem, então, um lance ainda
mais ousado: buscar no mercado internacional US$ 125 milhões em dí
vida para novos investimentos e para a expansão da MCom na área de
TV por assinatura. Foi o estopim da maior crise entre as duas empre
sas desde que se tornaram sócias, em 1993. A Globo, descontente com a
estratégia da MCom, decide romper a parceria. Para isso, utiliza-se de
um dispositivo do contrato entre ambas, a chamada “cláusula chinesa”,
em que a Globo faria uma oferta para ou vender a sua participação na
Multicanal à MCom, ou comprar a outra parte. No dia 1º de fevereiro de
1996, a Globo informa, verbalmente, sua decisão a Antônio Dias Leite. Se
Dias Leite recusasse, a Globo teria o direito de comprar a participação
da MCom. Mas Dias Leite concorda e estabelece o preço de compra das
ações da Globo em US$ 122,6 milhões, e em março foi feito o primeiro pa
gamento. No entanto, nos movimentos finais para encerrar a parceria,
os executivos e acionistas de ambos os lados decidem conversar e ajus
tar os ponteiros; o rompimento foi revertido, mas com um grande acordo
de reestruturação da Multicanal.
Segundo o acordo, a Multicanal abria mão de produzir programação
própria e os três acionistas (Dias Leite, Globo e GP) passavam a ter par
ticipações idênticas na companhia, sem que houvesse o controle de um
grupo específico. AMulticanal também recuou de seu plano de lançar um
DTH e só manteve o Shoptime, canal que já estava no ar. A partir desse
ponto, com as relações pacificadas, a operadora começa a preparar a sua
abertura de capital em bolsa nos EUA.
Mas a Multicanal não era a única que trabalhava nesse sentido, e
uma empresa conseguiu fazer a operação um pouco antes: a TV Filme
de Brasília. Em entrevista à revista PAY-TV de fevereiro de 1997, Carlos
André Lins de Albuquerque, sócio e presidente da empresa, relata essa
parte da história da empresa:

A TV Filme era uma empresa pequena e lançar ações era um desafio,


mas isso abriria para nós um novo nicho de investimento. Quando você se

76
torna uma empresa de capital aberto ao público, você adquire respeito no
mercado, o que facilita a busca de outros tipos de investimentos. Passamos
por uma auditoria de quatro meses. Fomos a primeira empresa privada bra
sileira de telecomunicações a buscar a Security Exchange Comission, uma
espécie de Comissão de Valores Mobiliários americana, e fomos os primei
ros brasileiros da categoria a abrir o capital nos Estados Unidos. As duas
outras empresas brasileiras com o capital aberto nos EUA eram a Telebrás
e a Aracruz Celulose, que são duas gigantes. Vinte e cinco por cento das
ações da empresa foram lançados em capital a US$ 10 por ação. Fechamos
96 com as ações em torno de US$ 14, um resultado excelente. Com isso,
trouxemos mais US$ 26 milhões para a empresa. Em agosto do ano passa
do (1996), começamos imediatamente o processo de busca de empréstimo.
Fizemos o lançamento dos bônus por oito anos. Também fomos a primeira
a começar o processo, mas a Multicanal e a TVA conseguiram lançar os
seus bônus antes que nós. Pretendíamos lançar US$ 125 milhões em ‘bon-
ds’, mas como o número de pedidos foi superior conseguimos captar um
total de US$ 140 milhões.

Essa descrição dá uma idéia da euforia que tomava conta do mercado


financeiro à época, para as operações de TV por assinatura no Brasil. A
Multicanal, no começo de 1997, abriria seu capital na Bolsa de Nova York
avaliada em US$ 1,48 bilhão. Optou por vender apenas 10% de seu capital.
Vários outros negócios aconteciam nesse ambiente em ebulição. Nesse
momento, alguns dos investimentos pioneiros em TV por assinatura co-
meçaram a ser desfeitos. Em dezembro de 1995, a Net Brasil iniciava o
processo de aquisição do controle das operações de cabo em Brasília, Pira
cicaba e da Rio Cabo, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Em Brasília, o grupo
de Alejandro Massot vendia sua parte na operação por algo em torno de
US$ 25 milhões. Em Piracicaba, onde a operação era controlada pelo mes
mo grupo, quem comprou foi a Inter Net, da família Coutinho Nogueira.
Mas o maior de todos os negócios foi a saída da UIH da Net São Pau
lo por um valor estimado emUS$ 85 milhões, em 1996, contra um investi
mento, dois anos antes, de US$ 20 milhões. A relação entre a UIH e a Glo
bo se complicara desde que ambas divergiram sobre a codificação da rede

77
em São Paulo, em 1995. A UIH queria codificar, a Globo não. Também ha
via uma comparação inevitável com a Multicanal, que operava em outros
bairros de São Paulo usando diferentes critérios de venda e construção
de rede, e assim conseguia um crescimento mais expressivo em termos
de expansão de base. Quando entrou no Brasil, a UIH não planejava ser
apenas uma investidora para sair em três ou quatro anos. O rompimento
com a Globo foi precipitado por divergências de gestão nas companhias,
mas a UIH ainda tentaria permanecer no Brasil associando-se à TV Show
de Fortaleza em meados de 1995, e depois em 1997, preparando-se para
entrar no processo de licitação de novas concessões de cabo e licenças
deMMDS.
Quanto a Dante Quinterno, que vendeu a sua participação na Rio
Cabo (Net Rio) e na Net São Paulo, este seguiu um caminho único e ino
vador na história da TV por assinatura brasileira. Ele optou por iniciar
uma nova operação, desta vez na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Quinterno relatou a este livro que, desde os tempos em que era acionista
da Net São Paulo, acreditava na importância de atender a classes menos
abastadas, mas nunca conseguiu levar seu projeto adiante porque pre
cisava conciliá-lo com o interesse dos outros acionistas e investidores.
Assim, a Net São Paulo e a Net Rio foram, em seus primeiros anos, fo
cadas nas classes A e B, assim como todas as operações de TV paga que
surgiram na época ou depois.
Ao vender as suas participações, Quinterno decidiu subir o morro.
Para isso, fez um acordo com a operadora para, a partir da fibra que es-
tava disponível na frente da favela, desenvolver uma operação de baixo
custo utilizando a concessão da Net Rio e a oferta de canais, que eram
então reempacotados de forma simplificada para se chegar a um menor
custo (inicialmente, cerca de R$ 30). A TV Roc sempre operou com base
no acordo celebrado entre Quinterno e a Net Brasil. Na época em que a
experiência começou, a própria Net a via como um laboratório para en-
tender a complexidade de operação nas classes C e D, como comentou
Antônio Barreto, diretor geral da Net Brasil na ocasião do lançamento
da TV Roc. Mas sua vida não foi tranquila. Primeiro, porque o modelo
regulatório brasileiro não previa aquele tipo de “subconcessionário”. Ca

78
beria à Net Rio assumir todas as responsabilidades, como se a operadora
fosse sua, e por isso foram inevitáveis algumas disputas judiciais entre
Quinterno e a operadora. Além disso, sem o sinal codificado, a TV Roc
também sofreu muito com os “gatos” e os pontos clandestinos, mas nem
por isso a operação deixa de ser um modelo de atendimento a comunida
des carentes. Até hoje os Quinterno (pai e filho) permanecem sócios da
operação. Na década seguinte, seria tentado um modelo de legalização
das operadoras de cabo em localidades carentes, como as favelas, por ini
ciativa, sobretudo, de Fernando Mousinho, por parte dos empresários e
da associação ABTelmin, pelos operadores, mas o modelo não se viabili
zou economicamente.
Outra empresa que ao longo de 1995 e 1996 angariaria muitos só
cios é a TVA. A empresa conseguiu trazer, entre outubro e dezembro de
1995, três novos acionistas, que colocaram US$ 125 milhões no negócio:
aHearst, a ABC/Capital Cities e aFalcon Cable. Assim ficou a composição
acionária final da TVA naquele ano: Abril 57%; ABC/Capital Cities 10%;
Hearst 10%; Falcon 14%; e Chase 9%. Cada sócio tinha uma característi
ca. A Falcon era uma operadora de TV a cabo experiente nos EUA e com
algumas operações no exterior. Essa característica, em princípio tão va
lorizada, seria mais adiante um grande problema quando a TVA entrou
no mercado de DTH com a DirecTV. Naquela ocasião, contudo, a Falcon
agregava credibilidade no mercado de capitais e experiência de operação
de cabo, o que a TVAnão tinha. O grupo Hearst tinha contatos com a área
editorial da Abril há mais de duas décadas, e assim como a ABC, atuava
nos EUA como programador e distribuía programação no exterior. Am
bas eram sócias dos canais ESPN, LifeTime, Arts & Entertainment, ESPN
2 e History Channel. Esse perfil de acionistas fortes poderia, naquele mo
mento, ajudar a TVA. Meses depois, a TVA fecharia ainda outra socieda
de com a maior empresa de telecomunicações canadense, a Bell Canada,
para as operações de cabo na região metropolitana e no litoral paulista,
que formaria, em abril de 1996, a Canbrás.
No Sul, outro negócio importante se concretizava. A operadora de
cabo norte-aemricanaAdelphia, que aportou no Brasil num daqueles lan
ces de sorte, trazida por um broker que havia se encontrado casualmente

79
com Paulo Martins, dono das operações de cabo de Pelotas e Rio Grande,
no Rio Grande do Sul. Desde que a RBS havia comprado as operações de
Nestor Knob, em 1993, a STV (nome da empresa de Paulo Martins) era
a única operadora independente do estado, enfrentando a concorrência
direta do maior grupo de mídia gaúcho.
Em meados de 1994, já sem dinheiro e sem condições de enfrentar a
concorrência, a STV decide buscar um sócio. Em uma viagem às Jornadas
(evento de TV a cabo tradicional na Argentina), Martins relatou a história
de sua operação a um colega chamado Luiz Frega, que lhe apresentou o
corretor norte-americano John Pierce, que disse ter um operador de cabo
dos EUA interessado em entrar no Brasil. Em 1995, a Adelphia Cable, en
tão a quinta maior operadora dos EUA e que já tinha alguns investimen
tos na América Latina, enviou Claire Labrunerie ao Brasil. A executiva
entregou à STV uma lista de nada menos que 54 perguntas sobre os de
talhes da operação.
Martins relata que respondeu às perguntas, mas não via chance de
que o negócio prosperasse, afinal, a STV tinha pouco mais de 1 mil assi
nantes nas duas cidades e enfrentava uma concorrência feroz. Finalmen
te, em 4 de agosto de 1995, a Adelphia entrou no negócio pagando US$
1,5 milhão. Junto com a Falcon e com a UIH, a Adelphia era a prova do
interesse das grandes operadoras norte-americanas pelo Brasil.

A ONDA DA BANDA KU
Mas entre os anos de 1995 e 1996, o principal movimento da indús
tria de TV por assinatura foi mesmo o início das operações de DTH. Trata-
se de um fato importante por trazer ao Brasil grandes grupos de mídia
internacionais, alterar significativamente a estratégia dos operadores
existentes, introduzir a TV digital e a TV interativa e, principalmente,
levar a TV por assinatura a todo o território brasileiro.
É justo que se diga que o conceito de TV por assinatura via satélite
já vinha desde os tempos em que a Globosat foi ao ar na banda C do Bra-
silsat, ainda em 1991. Mas era uma operação complexa, em que se exigia
a instalação de grandes e custosos equipamentos, um modelo de vendas
por condomínios e com grande limitação no número de canais. Em 1992

80
e 1993 começam a surgir, nos EUA, os primeiros satélites comerciais que
operavam em outra frequência de satélite, a banda Ku, e com alta potên
cia. Essa tecnologia simplificava a recepção, porque exigia antenas muito
menores (de 60 centímetros a 1 metro, no máximo, contra antenas de até
5 metros de diâmetro utilizadas na banda C); o sinal era digital e compri
mido, o que significava mais canais em cada transponder do satélite, por
tanto, menor custo por canal; e a instalação podia ser individualizada.
Um dos primeiros empreendedores mundiais da TV por assinatura
via satélite foi Rupert Murdoch, fundador da News Corporation, um dos
maiores grupos de mídia do mundo. Na década de 1980, Murdoch criou a
Sky no Reino Unido, e já em 1990 a fusão com a British Satellite Broad-
casting deu origem à BSkyB.
Nos EUA, o fabricante de satélites Hughes (empresa da General Mo
tors) também decidia entrar no negócio de distribuição de TV por assina
tura via satélite em 1993, criando a DirecTV, que foi ao ar naquele país
no começo de 1994. Na mesma época, a operadora de satélites privados
PanAmSat, do empresário Rene Anselmo, também tinha planos de entrar
no mercado latino-americano de televisão. Ambas começaram a sondar o
mercado brasileiro.
No final de 1994, a Hughes, proprietária da DirecTV nos EUA, anun
ciou o lançamento, programado para setembro de 1995, do seu satélite
GalaxyIIIR. Algumas antenas do satélite estariam direcionadas espe
cialmente para o Brasil, com uma oferta de nada menos que 72 canais
digitais de TV em 12 transponders de banda Ku. Para se ter uma ideia do
que isso representava, a Globosat, que era a única operadora de TV por
assinatura via satélite, tinha apenas quatro canais analógicos.
Era natural que a operação chegasse ao país; só não se esperava que
fosse tão rápido. No segundo semestre de 1994, Michael Armstrong, CEO
da Hughes, vem ao Brasil em uma viagem de prospecção comercial e procu
ra a ABTA, presidida por Walter Longo. Conforme relembra Walter Longo
a este livro, Armstrong queria conversar com possíveis parceiros brasilei
ros, como a Globo. Longo aproveita o contato e faz a primeira aproximação
com a DirecTV, ideia que logo seria levada a Roberto Civita. A negociação
avança por recomendação do grupo venezuelano Cisneros, que já tinha

81
boa relação com o grupo Abril e àquela altura também negociava com a
Hughes. O acerto não demorou a sair. Em 10 de março de 1995 é anunciada
a sociedade entre a TVA, a MVS Multivision do México e o venezuelano
Cisneros Groups of Companies, além da Hughes Communications. A ideia
era operar a DirecTV no Brasil a partir do primeiro trimestre de 1996, uti
lizando o satélite GalaxyIIIR, que subiria em setembro daquele ano.
A Globo também estava muito atenta às possibilidades de operação
de TV por assinatura via satélite e conversou com a DirecTV durante a
visita de Armstrong. Mas as negociações não foram adiante porque a
Globo desconfiava que o modelo pronto da DirecTV nos EUA talvez não
funcionasse no Brasil, e porque o satélite que seria utilizado ficava mui
to próximo à linha do horizonte, o que dificultaria o posicionamento das
antenas de recepção e porque ela, Globo, não queria ser apenas represen
tante da DirecTV norte-americana no Brasil.
O grupo da família Marinho havia começado a negociar, em maio de
1994, com a PanAmSat a possibilidade de entrar de sócia na operação do
satélite. As negociações envolviam a Televisa, e os grupos chegaram mui
to perto de acertar o consórcio para a operação de um negócio de DTH
pelo PanAmSat 3, que seria lançado no final daquele ano. A operação te
ria 32 canais digitais. Havia algumas dificuldades, como a restrição co-
locada por René Ancelmo a que se transmitisse em seu satélite canais de
conteúdo adulto ou religioso. Ainda assim, a parceria quase saiu. Mas em
dezembro de 1994, contudo, quando o satélite foi lançado, uma falha no
foguete Ariane colocou o PanAmSat 3 no fundo do mar.
Nessa época, intensificaram-se as conversas com Rupert Murdoch,
da News Corp., sobre a possibilidade de trazer a Sky ao mercado brasi
leiro. As conversas com Murdoch já aconteciam há algum tempo, desde
que a Net Brasil trouxe o canal Fox para a operação da NetSat em ban
da C. Conversou-se também sobre investimentos em geral em TV por
assinatura, até mesmo sobre a possibilidade de a News se associar às
operações de cabo da Net no país (o que voltaria a acontecer em 2002).
Finalmente, em 30 de junho de 1995, a Globo e a News Corp. anuncia
ram uma sociedade para a operação de uma plataforma de DTH no país.
Em 10 de julho o “Jornal Nacional” exibiu uma reportagem de quatro

82
minutos destacando a importância da parceria. Mas faltava um deta
lhe: qual seria o satélite?
Pouco depois, o então vice-presidente executivo das organizações
Globo, Roberto Irineu Marinho, informava que a News Corp. tinha reser
vado quatro transponders, através da Comsat, no satélite Intelsat 707,
que seria lançado aquele ano. Além desses quatro transponders, a Glo
bo também tinha a promessa de mais quatro no mesmo satélite consig
nados à Embratel. Eram, justamente, os transponders que a Multicanal
tentava conseguir para fazer a sua operação. E ainda havia a opção para
mais dois transponders.
Do ponto de vista da capacidade satelital, o consórcio Globo/News
Corp. tinha quase a mesma capacidade da DirecTV com o GalaxyIIIR,
com a diferença que a Globo, naquele momento, tinha acesso a satélites
que poderiam operar legalmente no país. Já o Galaxy era uma incógnita,
por ser um satélite estrangeiro (como o Brasil era signatário do acordo
da Intelsat, seus satélites poderiam ser usados sem problema).
O acerto com Murdoch trazia também novidades em programação.
Pela primeira vez, uma operação do grupo Globo daria garantias de dis
tribuição dos canais da Fox, controlada pela News. Mas também haveria
a possibilidade de a Globosat criar mais canais para o DTH. A TV Globo
também faria a sua parte, cedendo o sinal da rede aberta como forma de
reforçar a operação.
Era uma época de muitos investimentos em redes de satélite no
mundo todo. No Brasil, a TVA já operava desde 1994 em banda C, mas
com sinal digital: a sua operação Digisat. O grupo Globo tinha o NetSat,
também em banda C, mas analógico. E na América Latina havia uma dis
puta pela construção de grandes redes de satélite para DTH: uma delas
era o projeto Amigo, do grupo SUR, e havia ainda os brasileiros Localsat e
Class. O Localsat era um projeto conjunto da fornecedora de equipamen
tos Splice e a Itatel, empresa de telecomunicações do grupo Itamarati,
do ex-rei da soja Olacyr de Moraes. O Class era um projeto que a Globo
tinha com o Bradesco e com a Victori. O projeto da Globo com a News
consolidou-se em novembro de 1995, com o anúncio da entrada dos de
mais sócios: a TCI, do empresário do setor de TV a cabo John Malone; a

83
Televisa, da família Azcarraga; e a News Corporation, de Rupert Murdo-
ch. A operação incluiria também o restante da América Latina.
A partir daí, era só esperar que subisse o satélite que seria utilizado
para a operação do serviço, mas em 14 de fevereiro de 1996, um grave
acidente durante o lançamento do foguete chinês Longa Marcha explode
o satélite Intelsat 708 e ainda mata uma dezena de pessoas e fere outras
cem no interior da China.
Para o caso de uma emergência, a Intelsat já havia garantido ao con
sórcio Globo/News/Televisa/TCI um segundo satélite que subiria 15 dias
depois. Horas antes do lançamento do Intelsat 707, em 2 de março, Globo,
News Corp. e Televisa mudam os rumos do projeto e abandonam o 707,
optando pelo PanAmSat 3R, já em órbita, para o Brasil. A avaliação é que
haveria muitos riscos se o Intelsat não tivesse sucesso no lançamento,
pois não havia um reserva.
O PAS3R era um satélite provisório e tinha uma cobertura inade
quada, apenas para a costa do Brasil e para a regiäo Sudeste. A espe
rança era que o substituto PanAmsat 6, que seria lançado no começo de
1997, resolvesse os problemas, já que o PAS6 havia sido projetado com
uma tecnologia mais avançada de compressão de sinais e com maior
potência. Com isso, a operação sairia com algo em torno de 40 canais,
contra os 56 anteriores. Em 1996, as operações de DTH em banda Ku dos
dois grupos entraram em operação. A primeira foi a DirecTV, da TVA,
que iniciou seus serviços no dia 15 de junho daquele ano, cobrando R$
990 pela antena e decodificador, R$ 150 de taxa de instalação e mensa
lidade de R$ 53. A oferta eram 48 canais digitais, sendo 12 em pay-per-
view. Era, por sinal, a primeira vez que o Brasil tinha essa modalidade
de venda de serviços de conteúdo.
Já a Sky (nome da operação resultante da joint-venture entre News,
Globo, Televisa e TCI) entrou em operação em novembro de 1996, com 40
canais digitais de vídeo. As operações entraram no ar com pelo menos
uma polêmica regulatória: foram autorizadas a funcionar sem nenhum
processo de licitação. Em abril daquele ano, o Ministério das Comunica
ções simplesmente autorizou, retroativamente, os dois grupos a operar
com seus parceiros e com os satélites que haviam contratado. Houve re

84
clamações, sobretudo porque o ministro Sérgio Motta, ao assumir o car
go, em 1995, iniciara uma política de concessões regulada por licitações
públicas. Prevaleceu, contudo, a visão de que os serviços de satélite não
tinham por que ser controlados.
Hoje, sabe-se que os grupos Globo e Abril chegaram a conversar, no
começo de 1995, para definir uma estratégia comum para a operação de
DTH via satélite que, obviamente, não prosperou. Os dois grupos tinham
a visão de que uma presença forte no DTH seria importante para garantir
o sucesso das estratégias em TV paga, e já naquela ocasião os modelos se
mostraram incompatíveis.
Com a concentração das operações de TV paga nas mãos dos gran
des operadores controlados por Globo e Abril, a presença de investidores
estrangeiros fortes, empresas abertas em bolsa, o DTH em pleno funcio
namento competindo com as operadoras de cabo, a Lei do Cabo concluída
e em fase de regulamentação com vistas à abertura do mercado por meio
de novas outorgas e, sobretudo, com o bom momento econômico naque
les anos de 1995 e 1996, a TV por assinatura entrou em um novo ciclo. Daí
para a frente, a indústria ganharia um vulto ainda maior, enfrentaria o
processo de privatização das empresas de telecomunicações e passaria a
se posicionar para competir em outras áreas, como internet e telefonia.

85
CAPÍTULO 4

Lei do Cabo:
uma longa história
Muito antes de a TV a cabo existir no Brasil nos modelos atuais, a
partir da década de 1990, já havia a um esboço de discussão sobre uma
legislação para o serviço. Na verdade, houve várias tentativas de imple
mentar uma regulamentação de TV por assinatura, sendo a primeira efe-
tivamente documentada no ano de 1973.
Já mencionamos que o trabalho de resgate dessa história se deve, de
um lado, ao jornalista Daniel Herz, cujo papel foi além do de pesquisador
e analista dos fatos, mas muitas vezes influenciou e determinou o pró
prio fluxo de acontecimentos. De outro lado, a um personagem central,
Rômulo Villar Furtado, que atuou no Ministério das Comunicações desde
o governo Médici, em 1970, tendo sido secretário geral do Ministério en-
tre 1974 e 1985, nos governos Geisel, Figueiredo e Sarney.
É Rômulo Villar Furtado quem revela, em Ofício 399/75 endereçado
à Associação de Promoção da Cultura de Porto Alegre, que em 1973, dian
te da manifestação de seis interessados em explorar o serviço de TV por
assinatura no Brasil, o Ministério das Comunicações julgou oportuno
elaborar uma proposta de regulamentação para o Serviço de Cabodifu-
são. Essa documentação faz parte do acervo deixado por Daniel Herz em
sua dissertação de mestrado de 1983. Em depoimento a este livro, Villar
Furtado relembra:

A questão da TV a cabo no Brasil surgiu espontaneamente já nos anos


de 1972 ou 73. Existiam já instalações de distribuição de televisão por ca
bos para zonas de sombra e cidades do interior. Isso não obedecia a ne

86
nhum tipo de regulamentação, licença ou requisito. Eu cheguei a defender
uma tese de que essa era uma atividade que, naquele nível, não ocupava o
espaço radioelétrico, era confinada ao cabo e podia ser feita em regime de
pura competição, e por isso não precisava ser regulamentada, na minha
opinião à época. O importante era apenas o Ministério estar informado.
Mas os advogados diziam que a Lei 4.117 diz que a distribuição de sinais
eletromagnéticos por qualquer meio deveria ser regulamentada. Por isso
propus que se fizesse um regulamento dizendo que o serviço independia
de licença prévia, desde que confinado ao cabo e que os sinais transmitidos
fossem autorizados.

Essa foi a proposta apresentada por Villar Furtado ainda em 1972,


quando era secretário-adjunto. Ele deixou o Ministério naquela ocasião
para assumir a presidência da Telest (Telecomunicações do Espírito San
to) e retornou em 1974, segundo seu relato, com o problema ainda pen
dente. Ele relembra que havia implantações de distribuição de TV por
meio de cabos, e que não eram poucas. Uma dessas implantações, segun
do Villar Furtado, pertencia a um uruguaio que tinha várias operações
no Paraná e em Santa Catarina. “Era basicamente uma antena coletiva”,
relembra Furtado.
Em 1974 o Ministério decide fazer o primeiro regulamento de radio
difusão, como parte do planejamento de trabalho do ministro Euclides
Quandt de Oliveira. O regulamento deveria ser editado por decreto pre
sidencial. O texto do regulamento foi de fato elaborado e tinha caracte
rísticas inovadoras, principalmente em se tratando de um documento
escrito e pensado em meados da década de 1970. Era uma proposta com
nada menos que 103 artigos, o que evidencia a intenção do Ministério
de ir mais longe do que se limitar a uma simples regulamentação. A pro
posta definia cabodifusão como um serviço de telecomunicações por
cabo “ou outro meio físico similar”, prestado mediante permissão, que
consistia na distribuição dos sinais das estações de radiodifusão ou si
nais gerados pela própria empresa de cabodifusão. Esse era um aspecto
importante, pois pela primeira vez se pensava na possibilidade de que
empresas que não fossem radiodifusoras produzissem e transmitissem

87
sinais de televisão. Vale lembrar que em meados da década de 1970 a co-
municação social do Brasil estava centrada na atividade das empresas
de rádio e TV e na imprensa escrita, em regime de forte censura e restri
ções de pensamento.
A proposta de cabodifusão exigia que somente brasileiros partici
passem como acionistas das empresas, e seria dada a prioridade para
aqueles interessados cujos sócios residissem na localidade. As empresas
de cabo deveriam utilizar, sempre que possível, os dutos e os meios das
concessionárias de telecomunicações, e teria prioridade quem utilizasse
mais equipamentos brasileiros para a construção da rede.
O Ministério também pretendia manter, sempre que possível, apenas
um operador de cabo por município e só abriria exceção para mais uma
permissão se houvesse viabilidade econômica e depois de ouvir o Conse
lho Nacional de Comunicações. Os canais gerados pela empresa de cabodi
fusão poderiam ter até três minutos por hora destinados à publicidade, e
cada canal deveria funcionar com uma autorização específica do Ministé
rio, mediante aprovação prévia da programação proposta. Havia a previsão
de um canal educativo a ser produzido pelo governo, e caberia à permissio-
nária do serviço de cabodifusão oferecer os meios para a reprodução das
fitas magnéticas e dos filmes. Uma inovação era a previsão de um canal
destinado exclusivamente à publicidade, como um canal de televendas.
Reportagens da época que fazem parte do acervo coletado por Da
niel Herz mostram que o Ministério das Comunicações tinha uma visão
que ia além do conceito de radiodifusão existente e válido ainda hoje. A
TV por cabos deveria ser interativa. Em reportagem do jornal Zero Hora,
de 26 de junho de 1975, o então secretário de radiodifusão do Ministério
das Comunicações, Jorge Pequeno Vieira, explica algumas das inovações
da proposta. Dizia a reportagem:

A cabodifusão, segundo Vieira, é por natureza um serviço mais res


trito, porque tarifado, como o telefone. Mas, para não inflacionar essas ta
rifas, que serão cobradas dos usuários, o regulamento prevê como fonte
de renda auxiliar a inserção de anúncios, só que em vez de 15 minutos por
hora do sistema atual, apenas 3 a 5 minutos. Nos Estados Unidos a tarifa

88
média atual é de US$ 6 por mês. A previsão para o Brasil é de Cr$ 50,00 a
Cr$ 100,00.

Esse valor, na cotação daquele mês, correspondia a cerca de US$ 6 a


US$ 12 da época. A estimativa do Ministério era que os sistemas por cabo
permitiriam até 41 canais de TV. A reportagem do Zero Hora mostrava
ainda que, na ocasião, a percepção era que a TV a cabo representaria um
universo tecnológico novo.

O sistema poderá ter também canais especiais: para esportes, noticio


so, Bolsa de Valores, temperatura e meteorologia e um canal publicitário.
Este, que será exclusivo em grandes centros, movimenta câmeras em lojas
e magazines, focalizando objetos numerados, que podem ser identificados
pelos possíveis compradores e adquiridos por telefone, sem sair de casa.
(...) Acabodifusão poderá ser só numa direção (one way): do estúdio central
para os usuários; ou nas duas direções (two way). (...) Por exemplo, o caso
em que um aumento de temperatura na casa do usuário aciona o estúdio, e
este, por sua vez, o corpo de bombeiros, através de computador, para acio-
nar o alarme de incêndio, sem a interferência de ninguém. Outra vantagem
do sistema é a pesquisa de audiência. O simples acionar de um dispositivo
no estúdio tem condições de saber se o receptor está ligado, em que canal e
a que horas, sem conhecimento do usuário.

“Estúdio”, naquela ocasião, era como o projeto de regulamento defi-


nia o que hoje se chama de headend, ou a central de operações. Futurolo
gia à parte, o que ficava claro é que havia uma preocupação muito mais
ampla sobre o serviço de TV por assinatura do que a mera regularização
dos serviços de CATV. Fica evidente, pela análise do conteúdo da pro
posta de regulamento encaminhada à Presidência da República, e pelas
declarações das autoridades à época, que havia a percepção de que este
seria um serviço novo e de grande potencial econômico.
E havia, isso é certo, uma pressão do mercado de fornecedores pelo
desenvolvimento dessa nova indústria. Um anúncio da Siemens publica
do na página 10 da revista Veja de 11 de junho de 1975 evidenciava isso.

89
No texto do anúncio podia-se ler:

Novos conceitos para o amanhã. Saldo bancário? Filme? A matemá


tica da sua filha? Surgem na sua tela. Hoje você precisa procurar alguns
lugares como bibliotecas, seu banco, escritórios públicos e particulares.
Amanhã, você poderá saber todas as informações na ponta da língua, na
sua própria casa. Seu saldo bancário? Disque para ele. Você quer ver aquele
filme do Chaplin novamente? Não tem problema. A situação científica da
física nuclear, da entomologia, da pesquisa do câncer? Pronto. Como isso
pode ser possível? Com o princípio do cabo de rádio e TV. Isto é de uma
via. Os pesquisadores da Siemens estão fazendo-o em duas vias - transfor
mando o assinante passivo em participante ativo numa ilimitada rede de
informações. Em comunicações, como em todos os outros campos da enge
nharia elétrica e eletrônica, o que nós pesquisamos ontem é realidade hoje.
E hoje estamos pesquisando o amanhã.

A regulamentação da TV a cabo proposta pelas autoridades da épo


ca só não avançou em decorrência de uma coincidência, que pode ser
apreendida na sequência de fatos apresentados por Daniel Herz em sua
pesquisa publicada em 1983. Segundo Herz, a Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1974, tinha um projeto piloto para uma
operação de TV a cabo na cidade de Venâncio Aires/RS, onde a recepção
de TV convencional (aberta) era difícil. A proposta do professor Homero
Carlos Simon, coordenador do projeto, era desenvolver estudos econô
micos e sociais envolvendo o serviço. Por alguma razão, as autoridades
da UFRGS resolveram encaminhar o projeto ao Ministério das Comuni
cações, solicitando autorização prévia, certos de que haveria, por parte
das autoridades em Brasília, todo o interesse em conhecer os resultados
da pesquisa.
Para surpresa dos acadêmicos, contudo, o Ministério das Comuni
cações recusou o pedido e não autorizou o experimento, revelando que o
serviço era objeto de regulamentação naquele momento e que a univer
sidade deveria esperar o resultado desses esforços, uma vez que havia
outras solicitações no mesmo sentido.

90
A resposta chamou a atenção dos pesquisadores, já que a universi
dade pública deveria ter prioridade sobre pedidos de entidades privadas
e, principalmente, deveria participar do processo de discussão de uma
regulamentação. Nenhuma das duas coisas estava acontecendo.
A Associação de Promoção da Cultura (APC), cujos organizadores
(incluindo Daniel Herz) eram ligados à universidade, passou a pressio
nar o secretário Rômulo Villar Furtado para revelar quem eram os inte
ressados no serviço. Alguns depoimentos colhidos pela APC, naquele mo
mento, mostravam indícios de que haveria interesses de ex-funcionários
do Ministério e, eventualmente, a própria Globo teria interesse no servi
ço. Mais tarde, Roberto Irineu Marinho revelaria que, de fato, a Globo já
iniciara estudos sobre o mercado de TV a cabo em meados da década de
1970, mas é impossível afirmar, à luz dos dados existentes, que a emisso
ra do Rio teria realmente planejado um serviço de TV a cabo e que, para
isso, precisaria de uma regulamentação.
O fato é que a APC e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
resolveram denunciar o que consideraram um caso de favorecimento de
entidades privadas. A regulamentação da cabodifusão proposta naquela
ocasião, segundo relato de Herz, estaria intimamente ligada aos interes
ses dos grupos de comunicação. De fato, em entrevista ao jornal Agora de
São José dos Campos, de 5 de outubro de 1975, o ex-secretário geral do Mi
nistério das Comunicações no governo Geisel, Jorge Marsiaj, relatava o
projeto que estava sob sua condução para a implementação da TV a cabo
em São José dos Campos e em Santos. Marsiaj dizia que a iniciativa tinha
como acionista principal a TV Globo. Rômulo Villar Furtado, em relato
a este livro, nega o fato, e assegura que o interesse na regulamentação
proposta era tão somente regularizar uma situação existente de fato e
possibilitar o surgimento de um novo mercado.
Quaisquer que tenham sido as causas, as denúncias da APC, divul
gadas sobretudo pelo Jornal do Brasil, tiveram considerável repercussão.
Dossiês foram encaminhados a autoridades e parlamentares, inclusive
ao presidente Emílio Garrastazu Médici. Villar Furtado não relata deta
lhes sobre aquela primeira e frustrada tentativa de regulamentar o ser
viço de cabo, mas é certo que havia uma tensão colocada no setor de ra

91
diodifusão. Em manifestação publicada no jornal O Globo de 28 de junho
de 1975, a Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert)
dizia o seguinte:

Nos EUA, a cabodifusão surgiu antes de sua regulamentação pelos ór


gãos federais de telecomunicações norte-americanos. Isso provocou enor
mes problemas, pois surgiram conflitos entre os empresários das estações
de televisão e as entidades executantes do serviço de cabodifusão. Convém
que o exemplo norte-americano seja analisado cuidadosamente para que
não sejam cometidos os mesmos erros e equívocos e para que não sejam
provocadas as mesmas controvérsias surgidas.

A manifestação da Agert mostra que havia, de fato, o apoio dos ra-


diodifusores à iniciativa de regulamentar o serviço, mas o motivador
aparente não era a exploração do serviço pelas empresas de comunica
ção, e sim impedir que os serviços de CATV entrassem em situação de
conflito com as emissoras de TV aberta. Por exemplo, transmitindo os
sinais das geradoras locais com alterações no conteúdo ou não respei
tando as inserções publicitárias. Talvez por isso o projeto de 1975 para
regulamentar a cabodifusão tivesse tantas garantias de que os sinais de
radiodifusão, apesar de poderem ser retransmitidos, não sofreriam qual
quer tipo de alteração pelo operador de cabo.
Outro aspecto importante de ser notado é que havia uma grande
preocupação de que as operações de cabo não se tornassem veículos de
disseminação de informações subversivas ou contrárias aos interesses
do regime militar da época. Entre os 103 artigos da proposta, havia um
específico (o Artigo 74) com uma lista de nada menos que 59 atos que o
operador de cabo não poderia praticar em nenhuma hipótese, entre eles
divulgar informações que visassem desestabilizar ou criticar o governo.
O detalhe irônico é que o Artigo 70 do projeto dizia que os programas
de informação e opinião daquela emissora de cabodifusão eram livres e
“sem sujeição a qualquer espécie de censura”.
Com a repercussão das reportagens e a manifestação de parlamen
tares da oposição (MDB), o general Geisel decidiu engavetar a proposta

92
que lhe havia sido encaminhada. Alegou o risco de aumentar as importa
ções. O texto ficou engavetado até 5 de junho de 1979, quando foi nova
mente encaminhado para a Presidência da República. Agora, o ministro
era Haroldo Corrêa de Mattos e o presidente, João Baptista Figueiredo. O
projeto de 1979 tinha poucas diferenças em relação ao de 1975. Na ver
dade, nenhuma característica nova o distinguia. O que diferia era a ex
posição de motivos, que desta vez falava explicitamente em interesses
dos fornecedores de telecomunicações: “Em consequência da redução de
encomendas em telefonia, a indústria vem solicitando a abertura deste
novo mercado, que tem grupos interessados em ativá-lo.”
E mais uma vez, um grupo de estudantes de mestrado da Universi
dade de Brasília, dos quais participava Daniel Herz, se mobilizou para
impedir o avanço do projeto sem que lhe fosse dado o devido tratamento
legal. Com denúncias publicadas pelo Jornal de Brasília, Herz chamou
a atenção da oposição, sobretudo da deputada Cristina Tavares (MDB/
PE), e a pressão sobre o Ministério das Comunicações criou constran
gimento à tramitação da proposta. No dia 24 de outubro de 1979, o mi
nistro Haroldo Mattos depõe à Comissão de Comunicação da Câmara
dos Deputados e revela mais alguns detalhes sobre as motivações do
projeto. Dizia que se tratava de uma tecnologia simples e conhecida,
e que seria desnecessário um volume maior de pesquisas por parte da
universidade sobre a tecnologia de cabo. Dizia ainda que, àquela altura,
o projeto não tratava da integração das redes de cabo com a “telemáti
ca” e tampouco falava de aplicações bidirecionais. Em seu depoimento,
Mattos afirmou:

Temos que começar por onde todos começaram: adquirindo experi


ência no sistema mais simples, que é a mera distribuição unidirecional
de sinais gerados pelas concessionárias em operação. (...) A telemática é
realmente o futuro, é o porvir. É levar aos domicílios a possibilidade de
ter ao seu alcance o preço de mercadorias de supermercados, os horários
dos aviões, um programa educacional, uma aula de termodinâmica ou de
sociologia. Isso é telemática. Não estamos ainda regulamentando a cabo-
difusão bidirecional.

93
O ministro, contudo, fazia questão de ressaltar que o serviço de TV a
cabo era para uma elite, pois para a população em geral havia a radiodifu
são. E as críticas feitas à universidade e ao desejo dos pesquisadores de
conhecerem uma tecnologia que, na visão do ministro, já estava consa
grada, acabaram prejudicando ainda mais o resultado da audiência para
os planos do governo.
O projeto de cabodifusão começou a ganhar críticos dentro do pró
prio governo e com isso o Minicom pediu ao presidente da República que
devolvesse a minuta. A partir daquele momento, e em vários outros ao
longo da década de 1980, autoridades das Comunicações ameaçaram re-
tomar a discussão, mas nunca o fizeram de maneira efetiva.

CONSTITUINTE
Ao longo dos anos 1980, porém, a partir desse grupo de militantes
que se opusera à regulamentação da cabodifusão na década anterior e
de outros mais, ligados aos debates promovidos pela Unesco sobre liber
dade de expressão, nova ordem da informação e políticas públicas de co-
municação, formou-se a Frente Nacional de Luta pela Democratização da
Comunicação. Uma das primeiras atividades da Frente foi a tentativa de
participar do programa de governo de Tancredo Neves. O grupo também
teve atuação destacada durante a preparação para a Assembléia Nacio
nal Constituinte. Foi aqui, nas discussões para a elaboração da Constitui
ção de 1988, que o tema TV a cabo voltou à tona.
Na ocasião, o relatório final da Subcomissão da Ciência e Tecnologia
e da Comunicação, sob a relatoria da deputada Cristina Tavares, que da
ria origem ao que é hoje o capítulo da Comunicação Social da Constitui
ção, trazia uma importante inovação regulatória com respeito a quais de
veriam ser as políticas democráticas de comunicação. Dizia o relatório:

O vídeo-texto, a tevê-por-cabo, o videocassete e outras modernas tec


nologias eletrônicas digitais de comunicação apontaram para a possibili
dade de o acesso aos meios ser facilitado e barateado, logo democratizado.
Entretanto, tais tecnologias tanto servem à comunicação ampla quanto
restrita, tanto atendem à comunicação social quanto a outras necessida

94
des de comunicação próprias de uma sociedade moderna e informatizada.
Por isso, são alvos também do interesse de instituições e empresas que,
por sua própria natureza, poderiam tratar a comunicação social conforme
outros critérios que não os de estrito serviço público.

O relatório da subcomissão, que não foi aprovado pela Assembléia


Nacional Constituinte (foi o único dentre os relatórios apresentados para
a formação da Constituição Federal que não se viu aprovado da forma
como foi discutido pelos parlamentares), prenunciava já uma liberaliza
ção regulatória com relação à questão das novas tecnologias. Mas o es-
pírito manifestado pela relatora não se concretizou na redação final da
Constituição de 1988, que tratou apenas dos meios impressos (jornais e
revista) e da radiodifusão (TV e rádio).
O fato de a Constituição não ter se aprofundado nas questões das
novas tecnologias era, de certa forma, um fator positivo para as iniciati
vas de regulamentação que se seguiriam. Naquela ocasião, como relata
do nos capítulos anteriores, havia o interesse do grupo Abril em operar
o serviço de TV por assinatura em UHF. E havia também a pressão de pe
quenos grupos operadores de serviços de antenas coletivas espalhados
pelo Brasil. Mas não havia, até onde se tem notícia, nenhuma operação
que pudesse ser caracterizada como TV por assinatura sendo oferecida
por nenhum grande grupo de comunicação.
Ainda assim, o Ministério das Comunicações, na ocasião comanda
do por Antônio Carlos Magalhães, guardava nos arquivos as tentativas
frustradas de regulamentar a TV a cabo em 1975 e 1979. Vale lembrar que,
naquela ocasião, Rômulo Villar Furtado ainda ocupava a secretaria geral
do Ministério.
Sob pressão do grupo Abril, que desejava entrar no mercado de
TV por assinatura, o Ministério das Comunicações encaminhou para o
presidente José Sarney uma proposta de decreto publicada no dia 23 de
fevereiro de 1988 (Decreto 95.744), que criou o Serviço Especial de TV
por Assinatura por UHF, algo que nunca havia sido cogitado no Brasil.
Criava-se também o primeiro serviço de comunicação pago. A definição
dada ao serviço de TVAera a seguinte:

95
O Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA) é o serviço de tele
comunicações, destinado a distribuir sons e imagens a assinantes, por sinais
codificados, mediante a utilização de canais do espectro radioelétrico, per
mitida, a critério do poder concedente, a utilização parcial sem codificação.

Mas as pressões sobre o Ministério das Comunicações não vinham


apenas da Abril. Villar Furtado relembra que a pressão das delegacias regio
nais e da área jurídica do Ministério continuava existindo, particularmen
te para que se regularizassem as situações existentes. E dessa forma sur
giu a Portaria 143, de 21 de junho de 1988, que regularizava a situação das
empresas que retransmitiam sinais do satélite por meio de redes de cabo,
bastando para isso a autorização da Embratel e da geradora dos sinais de
TV. Este foi o embrião da regulamentação de TV a cabo que estava sendo
preparada pelo Ministério e que ganharia forma definitiva só em 1991.
Antes disso, porém, o órgão resolveu editar a Portaria 250, de 13 de
dezembro de 1989. Foi com base nessa portaria que se criou o Serviço de
Distribuição de Sinais de TV (DISTV), dando origem ao mercado de TV
a cabo. A Portaria 250 surgiu da pressão direta de pequenos empresá
rios do ramo de CATV no Brasil, e os registros das reuniões de diretoria
da Abracom (Associação Brasileira de Antenas Comunitárias) de 1989 e
1990 mostram que efetivamente havia um trabalho de convencimento do
governo nesse sentido. Ainda assim, as DISTVs estavam longe de ter o
peso institucional da TV a cabo. A licença, entretanto, não permitia a ge-
ração de sinais próprios, não estabelecia regramentos para o processo de
outorgas nem o número de operadores em cada localidade, e não dava os
parâmetros técnicos da prestação do serviço.
No período de novembro de 1990 a 21 de março de 1991 foram libe
radas pouco menos de uma centena de licenças de DISTV, mas já estava
claro que esse não era o caminho que o governo pretendia seguir para
permitir a implantação do serviço de TV a cabo no Brasil. Mas estes ope
radores de DISTV, e outros de CATV, estavam insatisfeitos, pois não po
diam gerar a própria programação, encontravam grande dificuldade de
acesso aos postes e sofriam com a falta de autorização das redes abertas
para a retransmissão dos sinais.

96
Não está claro se as pressões feitas por esses empresários tiveram
algum efeito prático e concreto. O fato é que em 6 de junho de 1991 é pu
blicada a Portaria 51 da Secretaria Nacional de Comunicações, vinculada
ao Ministério da Infraestrutura (durante o governo Collor não havia Mi
nistério das Comunicações). Ali estavam as bases para o que se pretendia
que fosse a Norma do Serviço Especial de TV a Cabo. A portaria fazia
duas propostas ousadas. De um lado, estabelecia os termos de um serviço
novo e, em muitos aspectos, extremamente inovador em relação ao que
havia na época, no universo das telecomunicações em geral. De outro,
propunha uma consulta pública acompanhada de audiência que seria re-
alizada dentro de um mês para discutir a proposta, fato que nunca se vira
na esfera da regulamentação dos serviços de telecomunicações no país.
A idéia de fazer esta portaria é atribuída a dois técnicos da SNC: Ro
berto Blois, diretor de serviços privados da Secretaria, e Sávio Pinheiro,
coordenador de radiodifusão e correlatos. Segundo Pinheiro, em depoi
mento a este livro, foi uma iniciativa sem nenhuma relação com os plei
tos dos empresários do setor. A ideia surgiu, segundo ele, da constatação
de que não era possível manter a TV a cabo regulamentada apenas pela
Portaria 250/89.
A proposta de norma para a TV a cabo, colocada pela Secretaria Na
cional de Comunicações, criava um novo serviço de telecomunicações,
“geralmente unidirecional”, para a distribuição de sinais de TV, mas
cujas redes poderiam ser utilizadas para serviços de telefonia, dados e
outros, por entidades devidamente autorizadas.
Outro aspecto é que as propostas da SNC restringiam o mercado de
TV a cabo a empresas de capital nacional, e as permissões seriam dadas
mediante simples solicitação, segundo critérios de preferência que in
cluíam prioridade para as primeiras solicitações e a grupos que tivessem
maior participação de sócios locais. As outorgas seriam válidas por dez
anos e seriam, em princípio, exclusivas em cada localidade.
Com relação à Portaria 250/89, havia uma importante novidade:
estava previsto que operadores de TV a cabo poderiam produzir progra
mação própria, mas com algumas condições. Uma delas era que 13% dos
canais deveriam ser produzidos por grupos independentes que não tives

97
sem relação com a operadora. Exigia-se também um canal governamen
tal, um canal educativo, um canal comunitário e canais para a retrans
missão das emissoras de TV aberta na localidade.
A norma autorizava a geração e transmissão de sinais próprios e,
entre os itens mais inovadores e polêmicos havia uma proposta de limi
tes de outorgas por um mesmo grupo. Os operadores não poderiam ter
mais do que quatro permissões em cidades com mais de 1 milhão de habi
tantes, dez em cidades com mais de 300 mil habitantes e 30 em cidades
com menos de 300 mil habitantes.
A proposta não mobilizou a grande imprensa de maneira geral nem
atraiu a atenção dos grupos de comunicação. Mas alguns dos empresá
rios que naquela ocasião exploravam o mercado de DISTV tiveram inte
resse de participar, como a RBS, bem como alguns fornecedores.
A verdadeira mobilização para a audiência veio do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação (FNDC), formado a partir da rear-
ticulação da Frente Nacional de Luta pela Democratização da Comunica
ção, criada nos anos 1980. À frente do FNDC estava, mais uma vez, Daniel
Herz, que tomou conhecimento da convocação da audiência pública no
Diário Oficial e articulou uma resposta. A ideia do FNDC era impedir que
a regulamentação da TV a cabo viesse por ato do Executivo, exatamente
como as tentativas de 1975 e 1979. A articulação do Fórum queria que a
deliberação sobre o assunto viesse pelo Congresso Nacional.
Às vésperas da audiência pública, o FNDC publica, no Correio Bra-
ziliense, artigo manifestando forte oposição à proposta da Secretaria
Nacional de Comunicações. Eram muitos os pontos criticados pelo gru
po, a começar pela denominação do serviço, que para o FNDC deveria se
chamar cabodifusão. Mas a principal crítica era no sentido de que aquela
definição de um novo serviço deveria ser feita pelo Congresso Nacional,
e não pelo Executivo.
A audiência pública, segundo relato de Sávio Pinheiro, na ocasião
coordenador geral de radiodifusão e correlatos da Secretaria Nacional
de Comunicação e responsável pela consulta, tinha “gente saindo pelo
ladrão”, principalmente por conta da mobilização do Fórum pela Demo
cratização da Comunicação, com faixas de protesto e palavras de ordem.

98
Com receio de que a audiência pudesse se tornar uma sessão hostil ao tra
balho da SNC, o secretário de Comunicações, Joel Marciano Hauber, che
gou a cogitar a suspensão da audiência, o que acabou não acontecendo.
A primeira manifestação na sessão foi a de Daniel Herz, criticando
a condução do processo, e por aí a audiência se encaminhou, com fortes
críticas do FNDC e pouca manifestação dos empresários que eventual
mente teriam interesse naquele mercado. Um dos poucos registros vem
de Paulo Cesar Ferreira, proprietário de DISTV na cidade do Rio de Ja
neiro, que elogiava a iniciativa porque, segundo ele, era uma forma de
impedir o monopólio no controle das licenças. Estava presente também
na audiência Luiz Eduardo Borghert, diretor de relações institucionais
da Globo, mas apenas acompanhou, sem se manifestar.
Já o Fórum conseguiu, no dia seguinte, uma audiência com a con
sultoria jurídica do Ministério das Comunicações, para tentar encontrar
alguma espécie de convergência de discursos, o que acabou não frutifi-
cando. O Fórum, por sua vez, ameaçava ir à Justiça para impedir a conti
nuidade da tramitação da proposta da Portaria 51/91. Durante dois ou três
meses, com informações internas de fontes da Casa Civil, o FNDC acom
panhou o andamento do processo da consulta e pôde, assim, articular a
reação, caso ficasse claro que seria publicada alguma portaria. A preocu
pação é que nada acontecesse sem que o Congresso fosse envolvido.

O COMEÇO DA LEI
Em um determinado momento, tornou-se claro que se nada fosse fei
to, a norma seria publicada pela Secretaria Nacional de Comunicações.
O Fórum decidiu, então, elaborar um projeto de lei, e a articulação mais
importante nesse sentido foi feita por um pequeno grupo formado por
Daniel Herz, os professores da Universidade de Brasília Murilo César Ra
mos e Sérgio Euclides de Souza (que depois se afastou do processo), e o
assessor da bancada do PT na Câmara, Carlos Eduardo Zanatta. Em 30
de outubro de 1991 o então deputado Tilden Santiago (PT/MG) apresen
tou o Projeto de Lei 2.120, que criava o serviço de cabodifusão. Foi uma
manobra que efetivamente segurou a tramitação da consulta pública da
Secretaria de Comunicações. Segundo relato de Murilo César Ramos, es

99
tava absolutamente claro para os articuladores da proposta que era um
projeto “boi de piranha”, um texto cujo principal objetivo era marcar uma
posição e provocar o debate via Congresso, interrompendo a tramitação
da Portaria 51.
O projeto do deputado Tilden Santiago talvez tivesse tido o destino
de tantos outros, que ficam parados na burocracia da Câmara, não fosse
a combinação de fatores quase casuais. Um deles era o fato de a presidên
cia da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da
Câmara dos Deputados ficar, naquele ano de 1992, com a deputada do PT
de São Paulo, Irma Passoni. Ela era ligada às questões das comunicações
e tinha como seu assessor Carlos Zanatta, um dos relatores do projeto de
Tilden Santiago.
Outra casualidade que contribuiu para o andamento do projeto é
que, naquele ano, pelos menos três grupos estavam mobilizando quan
tidades significativas de recursos com TV por assinatura: Globo, Abril e
Multicanal, sendo que a Multicanal tinha interesse direto no mercado de
TV a cabo e a Globo começava a apontar a sua estratégia nesse sentido,
com o reposicionamento da Globosat e a criação da Net Brasil. Havia,
portanto, interesse de mercado para que o projeto de lei andasse.
A deputada Irma Passoni decidiu constituir um grupo informal com
posto pela universidade, o Fórum pela Democratização da Comunicação,
a TVA, a Abert, a Globo e a Abracom. O relator indicado pela Comissão de
Ciência e Tecnologia para o PL 2.120/91 foi o deputado Koyu Iha (PSDB/
SP), próximo a Irma Passoni, que concordou em não movimentar o pro
jeto enquanto não fosse fechado um acordo com os diferentes grupos en
volvidos. Estava então criado o ambiente para a discussão da proposta.
O projeto de Tilden Santiago podia ser apenas uma estratégia do
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação para forçar o de
bate, mas era também uma carta de afirmação das propostas dos setores
organizados em torno daquele grupo para o ambiente da TV por assina
tura. O que fica claro pela leitura do projeto é que ele tinha pontos de
divergências, mas também convergências, com a proposta do governo.
Entre os pontos de convergência entre a Portaria 51 da Secretaria
Nacional de Comunicações, e o PL 2120/91 de Tilden Santiago, estava o

100
fato de que ambas as propostas entendiam que a TV a cabo deveria ser
a porta para a oferta de canais de acesso público e para o transporte
de sinais não só de TV, mas também de dados e voz. Ambas também
vedavam a estrangeiros a participação no mercado de TV a cabo. Em
alguns aspectos, a proposta do PT era mais liberalizante do que a do
governo. Por exemplo, não restringia o número de operadoras em uma
mesma localidade.
A proposta do deputado Tilden Santiago tinha também um forte
componente participativo, com a criação de um Conselho Federal de
Cabodifusão, constituído por representantes de diversos segmentos da
sociedade e que atuaria na formulação de políticas e avaliaria a regula
mentação do serviço. Havia também a possibilidade de que os próprios
assinantes dos serviços, desde que em assembléia com 30% da base de
clientes, deliberassem sobre a instituição de um ombudsman da progra
mação de uma determinada operadora. Mas o espírito do projeto está
mesmo em suas justificativas. Diz o texto:

A rede de Cabodifusão possibilita inúmeros serviços, incluindo trans


missão de dados e telefonia. Através de um teclado mais sofisticado, da co-
nexão de um microcomputador à rede, o usuário passa a acessar diversas
fontes de informação e serviço. São exemplos dessas aplicações inovado
ras a “telemática” (fusão das facilidades de telecomunicações e informáti
ca); a videofonia (transmissão e recepção simultânea de som e imagem, a
exemplo da telefonia, em comunicação interpessoal); teleconvívio (com a
ligação simultânea de diversas pessoas através da rede); tele-alarme (...);
telediagnóstico (...); fac-símile de alta velocidade (...); comutação bancária
(...); automação de serviços públicos e privados (...); biblioteca eletrônica
(...); seleção individual de programas (...); trabalho à distância (...) e redes
de computadores.

Naquele ano de 1991, o senador norte-americano Al Gore Jr. levan


tava a bandeira das “supervias da informação” (information superhi-
ghways) e a percepção de que as redes de TV a cabo serviriam como canal
para essa nova era já estava consolidada desde os primeiros testes de

101
vídeo interativo nos EUA, nas décadas de 1970 e 80, e as experiências de
transmissão de dados do final dos anos 1980. A proposta de Tilden San
tiago refletia essa visão:

O futuro das atuais redes de telefonia é a sua substituição pelas Redes


Digitais de Serviços Integrados (RDSI). Nessas redes, os sinais de todos
os serviços serão digitalizados e transmitidos indiferenciadamente (voz,
fax, sinais de TV, rádio AM e FM, videovisão etc) através de uma rede de fi-
bra óptica de alta capacidade. O Brasil dispõe de tecnologia de ponta nessa
área e se prevê que, até o final da década, estas redes predominem no país
em relação às redes convencionais de telefonia. As RDSI são, na verdade,
redes de cabodifusão ainda mais sofisticadas. O conceito de Cabodifusão,
para ser mais preciso, antecipa o conceito de RDSI.

Outro aspecto importante contido no Projeto 2.120/91 era a percep


ção de que o controle público sobre o serviço não deveria, necessariamen
te, ser exercido por meio da ação do estado. Ao contrário, o projeto não
previa uma estatal para explorar o serviço, e dava margem a que enti
dades privadas entrassem no setor de cabo. O controle público viria do
Conselho Federal de Cabodifusão e dos mecanismos colocados na lei que
garantissem o acesso democrático aos canais e aos meios das operado
ras. O Fórum pela Democratização da Comunicação pregava, inclusive,
a desestatização da cabodifusão e a “reprivatização” das comunicações
em geral, entendida a expressão reprivatização como a possibilidade de
que os diferentes setores da sociedade partilhassem o uso dos meios de
comunicação de maneira democrática.
As palavras desestatização e reprivatização não foram incluídas na
exposição de motivos de Tilden Santiago, talvez para evitar conflitos in
ternos com setores do PT contrários, por princípio, às privatizações; mas
os conceitos estão lá, diluídos.
Essa discussão era particularmente importante porque haveria, em
1993, o processo de revisão Constitucional, e a questão das telecomuni
cações estava, então, centrada no debate sobre a manutenção ou não dos
monopólios estatais.

102
O grupo que assessorava o PT na discussão da Lei do Cabo procu
rou o CPqD para buscar mais informações sobre o estágio do desenvol
vimento das tecnologias de redes digitais, já que o centro de pesquisa
tinha um time dedicado ao serviço de CATV, do qual participavam alguns
personagens que, mais tarde, viriam a determinar algumas decisões tec
nológicas importantes. Entre esses personagens estavam Luiz Fernando
Baptistella e Fabiano Carneiro.
A partir daquele contato, segundo relato de Murilo César Ramos, a
Telebrás passou a participar do processo de discussão da Lei do Cabo mais
ativamente, mas logo surgiram divergências de posição. Enquanto o FNDC
entendia que as redes digitais não precisavam ter controle estatal para
que fosse assegurado o interesse público, a Telebrás via de maneira dife
rente, defendendo o controle do estado sobre esta nova infraestrutura.
Na prática, porém, a Telebrás já se movimentava sobre o mercado de
televisão paga. Naquele ano, empresas como Telemig, Telebrasília, Tele-
bahia e outras preparavam a montagem de redes de oferta de serviços de
vídeo, algumas já em estágio de licitação dos fornecedores. Já era final
de 1992, e os agentes que participavam do grupo de discussão da Lei do
Cabo eram Abert, Globosat, Abril, RBS, Multicanal, Abracom, Abercortel,
FNDC, UnB, Telebrás e Ministério das Comunicações.
Uma boa amostra das visões que se tinha em 1992 pode ser extraída
dos anais da reunião da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação
e Informática da Câmara, acontecida no dia 17 de fevereiro de 1993. Foi a
última reunião do grupo informal presidido por Irma Passoni. Areunião
tratou de ouvir os diferentes interessados no PL 2.120/91, e alguns pontos
importantes foram colocados, ficando desse registro um mapa bastante
preciso dos interesses à época.
A primeira exposição foi a de Sávio Pinheiro, do Ministério das Co
municações (naquela ocasião já recriado pelo presidente Itamar Franco),
que trouxe uma proposta com contribuições para o projeto. A preocupa
ção central do Ministério era garantir que os serviços prestados pelas
operadoras de TV a cabo não ferissem os limites Constitucionais, já que
existia uma previsão de monopólio estatal para os serviços de telecomu
nicações. Também havia a preocupação de regular a relação das operado

103
ras de cabo com os detentores de infraestrutura de dutos e postes, a fim
de evitar distorções.
Mas o aspecto mais importante trazido pelo Ministério das Comu
nicações, naquela ocasião, era a preocupação com o envolvimento das
empresas de telecomunicações no mercado de TV a cabo. O Ministério
defendia a possibilidade de que as teles estatais entrassem como prove
doras de infraestrutura que seriam utilizadas por empresas de cabo, até
para estimular os investimentos na renovação das redes. Mas aceitava
também que houvesse uma competição entre as redes de cabo e a rede
das teles. O ponto mais importante para o governo, segundo a manifes
tação de Sávio Pinheiro na ocasião, era que não houvesse monopólio da
rede de transportes, nem por parte das teles, nem por parte das operado
ras de TV a cabo.
A atuação das teles também poderia ser ampliada no sentido de que
pudessem oferecer serviços auxiliares, como faturamento e cobrança, para
as empresas de cabo. Aposição do Ministério ganhou o apoio dos represen
tantes da Telebrás no encontro, sobretudo de João Mello da Silva, que ma
nifestaram a disposição da estatal de atuar em parceria com os operadores
de cabo na oferta de rede e serviços, como faturamento e cobrança.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação também
começava a rever alguns conceitos, e também avaliava que seria possí
vel o conceito de uma rede única e pública, fosse de propriedade estatal
ou privada. Ou seja, as redes de telecomunicações deveriam se prestar,
em última instância, ao interesse público. Ainda que polêmica, essa foi
a parte com o menor índice de rejeição da proposta do FNDC. Além dela,
havia também uma consideração de que as redes deveriam ser de fibra
óptica, idéia que logo foi abandonada quando constatada a inviabilidade
técnica de sua execução. Mas, sobretudo, havia os conceitos de rede úni
ca e rede pública, assim simplificado pelo professor Murilo César Ramos
durante a reunião: “Em uma estrada pode passar uma BMW ou pode pas
sar um fusca. O que eu quero é que o meu fusca tenha o mesmo direito de
transitar que qualquer outro carro”.
AAbert, na figura de Luiz Eduardo Borgerth, também se manifestou
na reunião. A associação dos radiodifusores propunha a não regulamen

104
tação do serviço, pregando que, a exemplo do que havia acontecido com
a TV aberta, o serviço deveria se desenvolver primeiro, para depois ser
regulamentado. Era uma posição curiosa da Abert, pois naquela época
os operadores de DISTV sofriam com as constantes notificações feitas
por radiodifusores para que os sinais de TV aberta fossem retirados dos
serviços de distribuição por cabos.
A Multicanal, representada por Olinto Santanna, pediu o máximo
de simplicidade no processo de regulamentação. “Quanto mais simples e
democrática é a regulamentação de um serviço, mais ele atinge o interes
se da população”, disse. Santana chamava a atenção para o fato de haver,
naquele momento, empresas de telecomunicações publicando editais
para a construção de redes de vídeo, o que contrariava as discussões que
estavam sendo travadas no âmbito do projeto de Lei do Cabo. Referia-se à
Telemig, que publicara dias antes um edital para contratar o fornecedor
para uma rede de vídeo. “Não devemos deixar a Telebrás fazer distribui
ção de sinais de TV, alavancando o aperfeiçoamento da infraestrutura
telefônica, pois assim iremos matar a televisão por assinatura e não ire
mos resolver o problema da telefonia no Brasil”, disse o representante da
Multicanal na reunião.
A Multicanal também ponderou que seria importante garantir o
mercado reservado a apenas um único operador, no caso de cidades pe
quenas, mas permitir múltiplos operadores nos grandes centros. E que
deveria ser regulada a relação com as emissoras de televisão para a dis
tribuição dos sinais abertos.
O grupo Algar, que naquela ocasião ainda não participava como
acionista de operações de cabo, mas tinha interesse no mercado, mani-
festou-se contra a possibilidade de haver controle de preços, e também
pediu para que a lei não entrasse em detalhes sobre o tipo de tecnologia
que deveria ser utilizada na construção das redes, já que isso dependia
da relação de custos e receitas de cada operação.
A manifestação da Abracom ficou a cargo de Bayard Freitas Um
buzeiro, operador de DISTV no Estado de São Paulo. A manifestação da
associação havia sido combinada anteriormente com os associados em
reunião de conselho da entidade, conforme registro nas atas, de modo

105
que é possível assegurar que aquela era a visão dos operadores de DISTV
sobre o projeto de Tilden Santiago e como deveria ser regulamentada a
TV a cabo no Brasil.
Umbuzeiro destacou os seguintes pontos: 1) princípios simples de
regulamentação; 2) sem interferência nas decisões tecnológicas, ape
nas com limites técnicos mínimos; e 3) exclusão de estatais de teleco
municações do mercado de TV por assinatura. Sem entrar na questão da
participação ou não das teles estatais, Alexandre Annenberg, naquela
ocasião representando a DISTV Cabodinâmica, em São Paulo, também se
manifestou no sentido de pedir uma regulamentação leve e econômica.
“A questão dos preços e da tecnologia será decidida pelo usuário e pelo
operador de acordo com uma relação comercial a ser estabelecida entre
eles”, disse.
Mas o ponto quente da discussão estava em torno da rede e do mode
lo estatal de exploração. Nesse sentido, é emblemática a manifestação do
representante da Telebrás ao encontro, João Mello da Silva:

Nessa questão da evolução tecnológica, existe uma tecnologia cha


mada ADSL. Trata-se de algo que está quase pronto, está em processo de
teste final, que é você poder passar vídeo comprimido e chegar na casa do
usuário com velocidade de 1,5 Mbps. Essa é uma qualidade razoavelmente
boa para vídeo e é alguma coisa em que poderíamos pensar. (...) O Sistema
Telebrás vai simplesmente ignorar essa alternativa, porque não conversa
mos com as empresas de cabo, ou vamos conversar com as empresas de
cabo e ver se juntos podemos tocar isso em termos de parceria?

Houve um intenso debate entre os representantes do Ministério, da


Telebrás e operadores sobre o papel que seria dado às teles estatais no ce-
nário da TV a cabo. Sávio Pinheiro, do Ministério, concordou que em ne
nhum país do mundo a TV por assinatura se desenvolveu com a presença
estatal, postura que, de certa forma, diminuía a pressão do governo no
sentido de incluir a Telebrás no debate.
Aliás, a presença da holding Telebrás naquele momento não signifi-
cava muita coisa, pois as teles de cada estado tinham bastante autonomia

106
e tomavam decisões independentes no que diz respeito aos investimen
tos e planos estratégicos. Esse era um fator que assustava os operadores
de cabo, porque cada um, em seu estado, vivia uma situação diferente. A
situação mais crítica era a de Minas Gerais, onde a Telemig não só pla
nejava sua rede de vídeo como adotava práticas agressivas contra o ope
rador de cabo de Belo Horizonte, incluindo corte de cabos e proibição de
uso de dutos e caixas de passagem por parte dos operadores de TV por as-
sinatura. Essa postura da Telemig, naturalmente, tinha uma orientação
política, que ficaria explícita nos momentos finais da tramitação da Lei
do Cabo, no final de 1994, quando foi preciso uma manobra para impedir
que o projeto chegasse para a sanção presidencial do presidente (minei
ro) Itamar Franco, que estava disposto a vetar a lei. Recorde-se também
que um dos ministros das Comunicações de Itamar, Djalma Moraes, ha
via sido presidente da Telemig.
Em março de 1993, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunica
ção e Informática passa a ter como presidente o deputado do PFL de São
Paulo, Maluly Neto, o que tirou um pouco de combustível nas discussões
do grupo de TV a cabo.
Os trabalhos só foram retomados em novembro de 1993, desta vez
já com a presença da ABTA, àquela altura tendo como associados ativos
a Net Brasil e a Multicanal, além da TVA, que já participava ativamente
desde o final de 1992. Havia, por parte do empresariado, uma decisão de
concluir o quanto antes a tramitação da lei, já que as operações cresciam
e a busca de investidores e capital dependia de uma configuração insti
tucional definitiva.

EM BUSCA DE SEGURANÇA
Segundo depoimento de Antônio Athayde, ex-presidente da Net Bra
sil, “a negociação da lei era a única forma de fazer o que não valia nada se
tornar algo em que se pudesse investir com segurança”. Naquela ocasião,
a disposição da Net Brasil, por exemplo, era tamanha, que ela sequer
manifestou restrição à inclusão obrigatória de canais de acesso público
aos operadores. Existiam, é claro, interesses diferentes entre os empre
sários que participavam do processo. Os associados da Abracom tinham

107
interesse em que as licenças de DISTV pudessem ser convertidas em ou
torgas de TV a cabo assim que a lei fosse concluída. A Net Brasil, por
sua vez, insistia em que fosse colocado o limite de capital estrangeiro em
49%. A Multicanal era radicalmente contra a entrada das teles no setor
de TV por assinatura, mas a Abril considerava importante que pudessem
ser feitas parcerias com empresas de telecomunicações.
As posições começaram a se definir em maio de 1994, quando uma
reunião na sede da ABTA, em São Paulo, fechou os principais pontos de
consenso em torno da lei.
Os conceitos de rede única e rede pública, defendidos pelo FNDC,
foram pacificados entre os empresários, não antes de uma série de reu
niões com diferentes teles estatais. A discussão conceitual se deu em tor
no do argumento do "common carrier" norte-americano, praticado pela
maior empresa de telefonia dos EUA naquele momento, a AT&T, privada.
Basicamente, o conceito era permitir que todos tivessem acesso às re-
des e que as diferentes redes estivessem interconectadas. Esse debate
conceitual talvez não fosse o principal interesse do empresariado de TV
por assinatura, mas não houve resistência. O problema maior era com a
Telebrás, que receava perder o monopólio estatal.
Outro ponto exigido pelo FNDC era a inclusão do Conselho de Co
municação Social como instância participante do processo de regula
mentação da TV a cabo. Esse era um aspecto polêmico porque, desde que
havia sido criado pela Constituição, em 1988, e regulamentado em 1991,
o Conselho nunca havia sido instalado. Não se sabia como seria a sua di
nâmica de funcionamento, o que gerava certa apreensão entre os empre
sários. Por outro lado, como o conselho não existia e havia o mecanismo
de aprovação por decurso de prazo para a apreciação da regulamentação,
não houve maiores resistências.
Também havia consenso em torno da operação privada do serviço de
TV a cabo, mas com a possibilidade de usar as redes de empresas estatais
de telecomunicações, se fosse o caso. Nessas condições, até a Telebrás
aceitou entrar no acordo. Foi então fechado o substitutivo ao PL 2.120/91
do deputado Tilden Santiago. O autor do substitutivo, deputado Koyu
Iha, apresentou seu relatório no dia 23 de junho de 1994, que ganhou re

108
gime de urgência no dia 29 seguinte. O texto foi aprovado na Câmara no
dia 19 de outubro de 1994 e encaminhado ao Senado já com acordo para
a aprovação.
No Senado, a única ameaça ao texto foi a posição de Jutahy Maga
lhães (PSDB/BA). O senador queria incluir no projeto restrições à pro
priedade cruzada de meios de comunicações, o que excluiria as principais
operadoras do mercado, já que tinham como acionistas grandes empre
sas de mídia. Magalhães foi demovido desta intenção, curiosamente, por
pressão do PT, que mesmo tendo esta bandeira histórica, entendeu na
quele momento que era mais urgente a lei entrar em vigor do que alongar
o debate. Qualquer alteração poderia atrasar indefinidamente o projeto.
Na verdade, só não houve aprovação imediata no Senado porque ha
via o temor de que o projeto caísse para a sanção ainda no mandato do
presidente Itamar Franco, ligado historicamente à Telemig, que durante
muito tempo tinha se oposto aos termos do acordo e se colocado em dispu
ta aberta com os operadores de cabo. Um acordo com Humberto Lucena,
então presidente do Senado, garantiu que o projeto não fosse despachado
ao Planalto até o dia 26 de dezembro, quando se tinha certeza que Itamar
Franco não retornaria a Brasília até o fim de seu mandato, dia 31.
ALei do Cabo foi a primeira lei assinada por Fernando Henrique Car
doso, no dia 5 de janeiro de 1995, não sem antes uma rápida consulta tele
fônica do governo a alguns dos principais interessados, só para verificar
se aquela era, de fato, uma lei consensual.
Alei trouxe uma série de inovações importantes para o mercado de
TV por assinatura. Primeiro, assegurou a conversão das DISTVs existen
tes a concessões de TV a cabo, o que começou a ser feito em 1996, depois
da regulamentação do serviço. Também estabeleceu o limite de 49% ao
capital estrangeiro, criou os canais de acesso público (incluindo o espa
ço que permitiu a disseminação dos canais da Câmara e do Senado) e
introduziu na legislação de telecomunicações os conceitos de rede única
e rede pública. Trouxe ainda o conceito de compartilhamento da rede, ao
assegurar que 30% da capacidade ficaria disponível ao uso de terceiros.
Outro aspecto fundamental do novo marco legal criado pela Lei do
Cabo é que se passou a exigir licitação para o processo de outorgas, e im

109
pos regras para a participação de empresas estatais de telecomunicações
no mercado.
A Lei do Cabo, contudo, foi apenas o ponto de partida para uma série
de desafios a ser enfrentados, como a regulamentação específica dos di
ferentes serviços, que ficou a cargo do Ministério das Comunicações nos
anos seguintes, como se verá mais adiante. O MMDS, por exemplo, che
gou a ganhar um projeto de lei específico, de autoria da deputada Irma
Passoni, em março de 1994, mas o texto não foi adiante.
Muitas pessoas participaram ativamente da elaboração da Lei do
Cabo. Daniel Herz, que durante duas décadas lutou para que o mercado
não fosse regulamentado por decreto, foi o representante do Fórum Na
cional pela Democratização da Comunicação; assim como Carlos Eduar
do Zanatta, assessor da bancada do PT e principal interface de contato
entre os empresários e os parlamentares; e Murilo César Ramos, pela
UnB, que também atuou desde o início da discussão do projeto, em 1991,
e da elaboração dos principais conceitos.
Entre os representantes das empresas, vários foram os nomes que
participaram do processo, com destaque para André Mendes de Almeida
(Globo), Marco Antônio Campos (RBS) e Antônio Carlos Menezes (Multi-
canal). Além das pessoas que se empenharam diretamente pela discus
são do projeto, alguns fatores talvez tenham contribuído para que a Lei
do Cabo se tornasse realidade. Esta análise é feita por Murilo César Ra
mos, da UnB, que ressalta alguns pontos.
Primeiro, o projeto não contou com a oposição do governo em ne
nhum momento. Isso se deve ao fato de a tramitação ter acontecido em
meio ao final do governo Collor e durante o governo Itamar Franco, que
era um governo de transição. O Ministério das Comunicações, a partir do
começo de 1993, retirou-se das discussões e não interferiu mais, deixan
do a questão para a Telebrás.
No Congresso, uma reforma Constitucional que mexesse na questão
do monopólio estatal no ano de 1993, como a que estava prevista, poderia
ter dificultado as coisas, mas a reforma acabou não saindo em função da
crise de transição de governo e, logo em seguida, do escândalo do orça
mento e das empreiteiras que varreu Câmara e Senado entre 1993 e 1994.

110
E havia, ao longo da maior parte do ano de 1994, a expectativa de que
Luiz Inácio Lula da Silva fosse eleito presidente, o que colocava os inter
locutores do PT em posição confortável de negociação.
E assim, as negociações para a Lei do Cabo correram livres, impul
sionadas pelos interesses convergentes de empresários, partidos políti
cos e entidades, como o FNDC. Até hoje, é o único caso na área das co-
municações de um projeto de lei que não veio do governo e conseguiu
alcançar a aprovação.

111
CAPÍTULO 5

A variável
convergência
Se TV por assinatura é um mercado que existe há 20 anos no Brasil,
o da Internet via redes de TV por assinatura tem por volta de 15 anos. Há
uma década e meia os debates sobre a possibilidade de levar a Internet
em alta velocidade por meio das redes de TV paga, sobretudo TV a cabo, já
apareciam no horizonte das operadoras. Em 1995, por exemplo, as primei
ras operações comerciais de banda larga surgiam nos EUA e no Canadá.
Para se ter uma idéia do que isso significava, em 1995 o primeiro navega
dor de Internet gráfico desenvolvido, o Mosaic, tinha pouco mais de um
ano. Era uma época em que a empresa sensação da Internet chamava-se
Netscape, com seu revolucionário browser, e as conexões domésticas pre
cisavam ser feitas por meio de modems discados cujas velocidades não ti
nham como exceder 9,6 kbps ou 14,4 kbps. Naquele momento, já se falava
em conexões de 1 Mbps em caráter comercial para redes de cabo, e de fato
as primeiras operações começaram a surgir no começo de 1996.
Essa afinidade entre a Internet e as redes de TV por assinatura vem
da física: uma rede de cabo média opera com centenas de canais de 6
MHz sobre os quais são transmitidos os sinais de TV. O uso de apenas um
desses canais de 6 MHz é suficiente para que se transmita com facilidade
uma quantidade de bits gigantesca, coisa que em fio telefônico, um par
trançado, é muito mais complicado de se fazer em função das limitações
de espectro.
O fato de Internet e TV a cabo terem uma relação tão próxima e tão
íntima foi determinante para muitos dos acontecimentos que marcariam
a história da TV por assinatura nos anos de 1997 e 1998. Alianças estra

112
tégicas e posicionamento das empresas, novos serviços, conflitos regula-
tórios, tudo isso se deve ao fato de que a TV por assinatura, em essência,
era bem mais do que TV por assinatura.
Os primeiros sinais dessa realidade puderam ser sentidos nas ne
gociações para a Lei de TV a cabo, entre os anos de 1991 e 1994. Como
vimos, havia, juntamente com o desejo dos empresários de comunicação
de criar as suas próprias redes, uma pressão da academia e das entidades
voltadas para a democratização das comunicações, para que TV a cabo se
tornasse, no Brasil, a tão falada “information superhighway”. De outro
lado, havia uma pressão contrária da Telebrás, que queria evitar o sur
gimento de uma rede concorrente e com capacidade de oferecer serviços
que a ela só seria possível com a construção de uma nova rede, o que ex
plica o movimento de diversas teles estatais no sentido de criar as redes
banda larga baseadas em fibras ópticas.
Existem inúmeras evidências de que, do ponto de vista dos negócios,
havia uma visão de que as redes de TV por assinatura seriam mais do que
TV. Em 1995, quando o grupo Globo acertou o aporte de US$ 125 milhões
do braço de investimentos do Banco Mundial, o IFC, o prospecto já falava
em telefonia e novos serviços. O grupo Garantia, ao decidir entrar na so-
ciedade da Multicanal, via essa oportunidade, e a própria Multicanal, ao
preparar a abertura de seu capital em bolsa, em julho de 1996, escrevia
aos seus potenciais investidores:

A empresa acredita que a introdução de serviços bidirecionais de


transmissão de dados em alta velocidade traz uma oportunidade de ne
gócios importante dado o crescente número de computadores pessoais
residenciais no Brasil, a significativa demanda por acesso à Internet, a
incapacidade das empresas de telefonia de atenderem a esta demanda e à
capacidade tecnológica das redes da empresa para prover estes serviços de
dados em alta velocidade. A Multicanal estima em 1,5 milhão o número de
lares com computadores pessoais e 200 mil usuários regulares de Internet,
a maior parte concentrada em domicílios classe A, B e C localizados em
grandes centros urbanos. A empresa acredita que a demanda por dados em
alta velocidade vai crescer ainda mais no futuro.

113
Na prática, a Multicanal apenas fazia propaganda de um potencial
serviço a seus acionistas, mas naquele ano a empresa faria o primeiro
teste de bancada de um serviço de transmissão de dados, possivelmente
visando, justamente, comprovar esse discurso que estava sendo colocado
ao mercado financeiro. A primeira demonstração em território brasileiro
da tecnologia de Internet por meio de redes de cabo foi feita, na verdade,
pela empresa Tele Design, no evento Brasil Link, de abril de 1996.
A demonstração estabelecia uma conexão de 10 Mbps entre dois com
putadores, mas o acesso à Internet real era bem mais lento, de 64kbps, que
era a velocidade máxima ofertada pela Embratel no seu link IP comerciali
zado na época. Para obter maior velocidade, só adicionando vários links.
O curioso é que apenas no National Cable Show de maio de 1996
(o principal evento de TV por assinatura dos EUA, realizado pela as-
sociação local de operadores de cabo, a NCTA) seria feita a primeira
demonstração da transmissão de dados em banda larga por meio de
cable modems.
Em 1996, a discussão no Brasil era, evidentemente, restrita aos cír
culos de engenheiros e técnicos. Não havia muita clareza sobre como e
quando seriam feitos os serviços de transmissão de dados pelas redes de
cabo, mas sabia-se do potencial. José Felix, engenheiro responsável pela
montagem das redes da Net Sul, e tempos depois se tornaria o presidente
da Net Serviços (sucessora da Globo Cabo), relembra em relato a este livro
que, no começo da década de 1990 a discussão não era específica sobre
serviços, mas sobre capacidade. Durante muitos anos, os debates entre
os engenheiros eram fazer redes com sobra para permitir a inclusão de
mais canais de vídeo e possíveis serviços, mas não havia clareza sobre o
que fazer com a capacidade excedente. Tanto é que o grupo RBS preferiu,
antes de apostar no desenvolvimento de tecnologias de acesso à Internet
por redes de cabo, fazer o mesmo apostando naquele que era o modelo
que estava realmente se consagrando: o acesso discado à Internet. Basta
lembrar que a RBS comprou em 1996 o seu provedor de acesso (Nutecnet)
por US$ 10 milhões e investiu mais US$ 10 milhões para formar o portal
Zaz (que até 1999 foi o segundo maior serviço de conteúdo e acesso da
Internet no Brasil, depois do UOL).

114
Em 1995 surgiam também as primeiras tecnologias capazes de fa
zer a TV a cabo falar: eram as plataformas para serviços de telefonia que
funcionavam sobre redes de TV por assinatura. Uma delas consagrou-se
pelo pioneirismo e, por muitos anos, foi solução de telefonia no cabo. Era
o equipamento Cornerstone, da Nortel, que logo chegaria ao Brasil para
testes, primeiro por meio das redes banda larga que estavam sendo cons
truídas pela Telebahia e depois em testes da própria Net Sul realizados
em 1997. A primeira operação de telefonia em redes de TV a cabo, no Bra
sil, só surgiria no começo da década seguinte, mais precisamente em 30
de março de 2000, quando a operadora de TV a cabo em Uberlândia, Ima-
geTV, controlada pela operadora de telefonia CTBC, lançou seu serviço
de voz utilizando justamente a tecnologia Cornerstone, da Nortel.
José Felix lembra que os testes na Net Sul com a tecnologia de voz,
em 1997 e 1998, eram muito promissores e o modelo de negócio de voz era
muito mais conhecido do que o da banda larga. Ele relata que banda larga
era, naqueles anos, algo que existia como tecnologia, mas que ninguém co-
nhecia e, portanto, ninguém queria. Voz parecia ser uma coisa muito mais
promissora, porque todo mundo conhecia e todo mundo queria. Havia uma
oportunidade grande, maior do que a oferecida pela Internet. Um dos prin
cipais problemas da banda larga era a falta de padronização dos equipa
mentos e tecnologias, com cada fornecedor criando uma solução própria.
Outro operador que, naturalmente, começou a olhar para o potencial
da tecnologia de Internet em banda larga foi a Net Brasil (posteriormen
te, Globo Cabo). Em meados de 1996 a empresa criou uma diretoria vol
tada justamente para o desenvolvimento destas tecnologias, a cargo de
Arthur Steiner, e logo começaram os estudos sobre como adaptar a tec
nologia já existente à realidade brasileira, onde algumas características
eram únicas no mundo. A principal delas: as empresas de telefonia não
proviam o acesso; quem fazia isso eram os provedores como UOL, Zaz e
Mandic, na época. Não por acaso, a Net Brasil montaria um time tecnoló
gico oriundo do Sistema Telebrás para tocar o seu projeto de convergên
cia, e um dos personagens seria Luiz Fernando Baptistella, ex-CPqD, um
dos responsáveis, no começo dos anos 1990, pelos trabalhos que orienta
ram as empresas do Sistema Telebrás a construir suas redes de cabo.

115
Havia um complexo debate jurídico/regulatório sobre se as empre
sas de TV por assinatura poderiam ou não entrar no mercado de Internet.
Era uma discussão confusa, porque se dava justamente em um momen
to em que o governo preparava a privatização das empresas do Sistema
Telebrás. As teles, desde 1995, estavam proibidas de prestar serviço de
acesso, mas tampouco parecia interessante que o mercado de banda lar
ga começasse a ser tomado por outras empresas, sobretudo empresas
de TV por assinatura, sempre vistas como potenciais competidoras das
empresas de telecomunicações. Um dos argumentos que se colocava na
ocasião, em favor do provimento de acesso à Internet pelas empresas de
TV a cabo, é que havia limitação no número de linhas telefônicas para
atender à demanda dos provedores.
Tanto é que em agosto de 1996, o Comitê Gestor de Internet criou o
primeiro grupo de trabalho destinado a debater quais seriam as tecnolo
gias que poderiam dar acesso à rede, além das redes de telefonia tradicio
nal. A TV por assinatura foi, já naquela ocasião, apontada como uma das
mais relevantes.
Naquele mesmo ano começava a saga dos operadores para obter al
gum tipo de sinalização do governo no sentido de liberar empresas de TV
por assinatura a prestarem acesso à Internet em alta velocidade, com os
operadores pedindo as primeiras licenças de demonstração ou operação
em caráter experimental. Foi esse o caso da Multicanal e da Net Brasil,
por exemplo.
O que não se sabia era a saga que essa aprovação se tornaria. O que
parecia simples, um mero sinal verde para que os operadores pudessem
levar seus planos adiante e esperar pela resposta do mercado, acabou se
tornando algo muito mais complexo e cheio de polêmicas, tanto é que a
autorização para a prestação dos serviços de Internet por meio de redes
de cabo só veio em setembro de 1999. Antes disso, muita discussão foi
travada sobre a obrigatoriedade ou não de haver um provedor, se o servi
ço de acesso à Internet poderia ou não ser utilizado para oferecer serviço
de telefonia, se havia diferença entre um serviço unidirecional (só para
download) ou bidirecional (em que a informação navega nos dois senti
dos) e outras tecnicalidades do tipo.

116
O mercado de TV por assinatura, contudo, não parecia disposto a
esperar muito mais para mostrar que estava decidido a virar a página da
oferta pura e simples dos serviços de vídeo. Em todo o mundo discutiam-
se as possibilidades da convergência de tecnologia. Em abril de 1997,
por exemplo, a Microsoft adquiria por US$ 425 milhões uma empresa
chamada WebTV cuja tecnologia era, justamente, para convergir Inter
net e TV. Começava já naquela época a primeira grande onda da Internet
e da convergência.

CHEGA A BANDA LARGA


No Brasil, quem deu o primeiro passo, à revelia das discussões jurí
dicas e legais nesse sentido, foi a TV Filme. A empresa de Brasília, que
abrira capital em bolsa nos EUA em 1996, mas que em 1997 já enfrenta
va uma delicada situação financeira, resolveu lançar em 27 de novembro
de 1997 o serviço Link Express. A tecnologia utilizada era a da empresa
NextLevel, uma marca que a General Instruments (GI) adotou apenas na
quela época. A solução previa acesso banda larga por MMDS apenas no
download das informações. Para enviar ou fazer o upload, a solução era
usar a linha telefônica. Isso dava à TV Filme a certeza jurídica de que po
deria prestar o serviço. Nos anos seguintes, os operadores de MMDS plei
teariam (e conseguiriam) algum espectro adicional para fazer o upload
utilizando também o MMDS. Mas naquele primeiro momento, com um
serviço unidirecional, uma operadora de TV por assinatura oferecia pela
primeira vez a possibilidade de acesso em até 2,7 Mbps. Era um serviço
caro. O modem custava R$ 299,00 e o custo por 25 horas de acesso men
sais era de R$ 47,90.
O serviço de Internet pelo MMDS da TV Filme foi pioneiro em todos
os sentidos, e só ampliou a pressão dos operadores de cabo para que se
liberassem as autorizações de prestação do serviço em outras redes. O
primeiro a efetivamente oferecer o serviço em bases comerciais foi Net
Londrina, operador franqueado da Net Brasil que naquela ocasião tinha
como controlador a Inepar. No início de setembro de 1998, passou a co-
mercializar acesso à Internet pela rede de cabo, também com tecnolo
gia unidirecional. O download permitia velocidades de acesso de até 1,25

117
Mbps e o upload era feito por linha telefônica, o que viabilizava, legal
mente, a operação.
Havia, entretanto, outro problema que ia além da questão regulatória
e determinaria muitos movimentos das operadoras de TV a cabo em rela
ção à Internet: a capacidade da rede.
A maior parte das redes de TV a cabo no Brasil foi construída, na dé
cada de 1990, sem prever a possibilidade de um canal de retorno para a
transmissão de dados no sentido assinante/operadora. Ou seja, quando se
utilizava a rede para acesso à Internet, era possível fazer a informação
chegar ao assinante, mas não retornar, pela mesma rede, de volta à opera
dora. E o alto investimento necessário para refazer a rede e permitir o uso
do canal de retorno restringia a poucas operadoras as condições de fazer
tal investimento.
O que se fazia era buscar alternativas de baixo custo para melho
rar a rede e/ou oferecer o serviço com todos os problemas. A Net Brasil
encontrou, em 1997, uma tecnologia que prometia ser a solução para to
dos os problemas. A empresa israelense Terayon tinha desenvolvido uma
técnica de transmissão de dados pelas redes de cabo que parecia imune
aos ruídos e defeitos das redes de cabo e permitiria o lançamento dos ser
viços, mesmo em situações de redes mais precárias. Os primeiros testes
de transmissão de dados em alta velocidade mostravam que uma simples
batedeira ligada na cozinha era capaz de interromper o serviço em várias
casas, tamanha a vulnerabilidade às interferências das redes de TV por
assinatura existentes.
Mas a Globo apostava tão alto na tecnologia da Terayon que resolveu
entrar com uma pequena participação na empresa, tendo a opção de com
pra de um percentual maior no futuro e assento no conselho de desenvol
vimento da empresa, justamente para poder conhecer todos os detalhes da
tecnologia. A operação de testes da Net Brasil era em Sorocaba, em uma es-
pécie de operação-laboratório. Um dos responsáveis pelo projeto era Fabia-
no Carneiro, também ex-CPqD e homem que por muitos anos orientou as
empresas do Sistema Telebrás sobre como montar redes de banda larga.
Um ano depois, em setembro de 1998, ainda sem a autorização legal
para a oferta do serviço, a Globo Cabo (que naquele ano já havia assumi

118
do o papel de operador, deixando Net Brasil apenas como franqueador)
lançava o serviço Vírtua. Era uma forma de pressionar as autoridades e
mostrar que a tecnologia estava pronta para oferecer serviços de banda
larga. Mas a pressão não serviu para muita coisa. No final de 1998, a Ana
tel, publicou um regulamento sobre como poderiam ser os testes com a
tecnologia de banda larga por redes de cabo e determinou nada menos
que seis meses de experiências, que seriam acompanhadas pelos técnicos
da agência como forma de estabelecer um regulamento para o serviço.
Esse processo levou quase um ano, e apenas no final de novembro de
1999 saiu o regulamento permitindo a oferta de serviços de valor adicio
nado por redes de TV por assinatura (Resolução Nº 190, de 29 de novem
bro de 1999), válido até os dias de hoje.
Era uma época conturbada para que o governo tomasse essa decisão,
o que talvez explique a demora. No começo de 1997, quando os operado
res de TV paga efetivamente começaram a fazer pressão para que pudes
sem oferecer o serviço de banda larga, o Ministério das Comunicações
estava preocupado com a formatação da Lei Geral de Telecomunicações.
No setor de TV por assinatura, a prioridade era fechar a regulamentação
do cabo e do MMDS. No segundo semestre, a preocupação passou a ser
finalizar a transição do Ministério para a recém-criada Anatel, e a prepa
ração dos editais de TV por assinatura que sairiam em dezembro. O pri
meiro semestre de 1998 foi dedicado à formatação dos leilões de venda
da Telebrás e à disputa judicial para desatar o nó dos editais de TV por
assinatura, como se verá no próximo capítulo.
No segundo semestre de 1988, a Anatel estava entretida com os
ajustes necessários para viabilizar o mercado que havia surgido após a
privatização da Telebrás e com a edição de uma série de regulamentos
que seriam imprescindíveis à regulação do mercado. Banda larga, naque
le momento, era a última das prioridades.
No começo de 1999 a Anatel ainda esperava a venda das empresas-
espelho de telefonia que fariam concorrência às concessionárias priva
tizadas em 1998. Além disso, o país vinha sendo sacudido por crises eco
nômicas desde 1997, com a crise asiática, passando pela crise russa em
1998 e pela desvalorização do real em janeiro de 1999. Tudo isso talvez

119
explique por que só no final desse mesmo ano houve, finalmente, a libe
ração para que as empresas de TV por assinatura oferecessem acesso à
Internet em banda larga. E assim, operadoras como a Net lançaram os
seus serviços comercialmente na mesma época em que a Telefônica co-
meçava a vender o Speedy, por meio de ADSL, na cidade de São Paulo.
A história da banda larga nas operadoras de TV por assinatura não
está restrita, contudo, ao cable modem nem a experiências de sucesso.
Uma plataforma de banda larga sem fio foi, por muitos anos, discutida
no Brasil e acabou se mostrando um retumbante fracasso. Era uma tec
nologia chamada de LMDS, que utilizava o espectro de 26 a 28 GHz e
prometia, à época, a transmissão de TV por assinatura, dados e telefonia
com altíssima capacidade. As primeiras experiências com o LMDS che
garam ao país no final de 1994. Logo alguns grupos já estavam testando,
ou ao menos mostraram interesse em conhecer o potencial da nova pla
taforma. Em 1995, grupos como TVA, Andrade Gutierrez, Globosat e RBS
entraram com pedidos junto ao Ministério das Comunicações para testar
o tal “Local Multipoint Distribution Service”. Rapidamente, o Ministério
deu mais de 30 licenças experimentais para o novo serviço.
Esse sistema patenteado pela CellularVision Technology era basea
do em um esquema de células e antenas omnidirecionais com cobertura
de 5 km de raio por célula. As antenas de recepção eram quadradas, do
tamanho de um azulejo, e deveriam ficar presas às janelas, viradas para
a torre de transmissão. A AG Telecom, da Construtora Andrade Gutierrez,
era das empresas que mais apostavam na tecnologia. Outra que dedicou
boas horas de teste no LMDS foi a TVA, mas tinha um problema crônico
com a tecnologia: ela saía do ar sob chuva forte e exigia que as antenas
tivessem “visada” (enxergassem) da torre de transmissão.
Apesar de promissora, a tecnologia LMDS (ou LMCS, como mais tar
de passou a ser chamada) não decolou. Anos depois, já em 2000, a Anatel
cogitou editar uma regulamentação para o serviço, mas logo a marola
passou e nunca mais o assunto voltou à mesa de discussão.
Mas não era apenas nas tecnologias de banda larga que as opera
doras de TV por assinatura estavam inovando. Em 1996, as empresas
de TV por assinatura, àquela altura já com um número bastante sig

120
nificativo de canais e diante da entrada iminente das operadoras de
DTH no mercado, precisavam ampliar as receitas com a venda de TV
por assinatura.
Além disso, as agressivas estratégias de venda adotadas por algu
mas operadoras, sobretudo pela Multicanal, aumentavam significati
vamente o problema de inadimplência, e sem uma tecnologia que per
mitisse o controle remoto do assinante, a base ia se deteriorando com
assinantes que não conseguiam pagar a conta.
Naquele ano, as grandes operadoras começaram a discutir a codifi-
cação das redes. À luz do que se vê hoje, parece uma medida trivial, mas
o fato é que os investimentos eram pesados e a mudança no modelo de
negócios dos operadores e programadores seria significativa.
Para se ter uma idéia, a Multicanal, que em 1996 era a maior opera
dora do Brasil, tinha uma oferta de 40 canais, incluindo os canais pagos
e os abertos, e mais quatro no pacote avançado. Na ocasião, a separação
de pacotes era feita por meio da colocação de traps (uma espécie de filtro
que limita ou libera a passagem de determinada frequência) na maior
parte das operadoras. A TVA, que desde o começo operava com MMDS co-
dificado e depois seguiu a mesma linha com a rede de cabos, era a única
grande operadora que tinha uma rede endereçável.
Uma discussão que movimentou a indústria e criou polêmica entre
diferentes operadores foi a decisão da Net Brasil de codificar a sua rede.
A codificação permite a um operador de TV por assinatura criar pacotes
de canais e controlar remotamente quais assinantes terão acesso a que
programações, o que abre a possibilidade de novas formas de comerciali
zar os canais. Mas essa é a mudança visível. Na lógica do funcionamento
de uma operação de TV por assinatura, uma rede codificada e a oferta de
múltiplos canais criam novos desafios na negociação entre programado
res e operadores, uma vez que alguns canais passam a ser comercializa
dos em um determinado pacote, outros, em outro pacote, e há, para cada
um deles, condições diferentes de negociação.
Em um mercado que desde o começo da década de 1990 era dominado
pelos grandes fornecedores mundiais de tecnologia, como General Instru
ments e Scientific-Atlanta, a Net resolveu optar por uma nova alternativa

121
para a sua codificação. Era um contrato imenso para os padrões brasilei
ros, de mais de 500 mil caixas, com a empresa de Taiwan Eastern.
A opção por aquela solução, no final de 1997, foi alvo de críticas e co-
mentários, sobretudo dos demais franqueados da Net no Sul e no interior
de São Paulo, além da Multicanal, que havia optado por uma solução já
consagrada no mercado da GI.
A caixa da Eastern tinha uma vantagem: era a caixa mais barata do
mundo, conforme manifestado pela própria Globo Cabo na ocasião. De
fato, a caixa custaria para a operadora cerca de R$ 90, e os demais forne
cedores batiam a cabeça para tentar entender como é que uma empresa
pequena tinha conseguido chegar nesse preço e conquistar aquele que
seria o maior contrato de fornecimento de caixas de decodificação (set-
tops) da história da TV por assinatura brasileira. E o argumento trouxe à
tona um problema que a TV por assinatura estava começando a conviver:
a pirataria de sinais.
Pela primeira vez, um fornecedor alegava que a sua tecnologia era
melhor porque era menos suscetível à quebra da codificação. As caixas
dos fornecedores consagrados tinham, nos EUA, versões clandestinas
em que o sistema que impedia o acesso a determinados canais poderia
ser facilmente eliminado, liberando todo o conjunto de pacotes disponí
vel na rede.
Esse era um problema crítico na ocasião, já que as redes de TV a
cabo, sobretudo nas grandes cidades, haviam se espalhado por regiões de
poder aquisitivo menor e onde se registravam índices maiores de cone
xões clandestinas. Especialmente a Multicanal em São Paulo tinha uma
rede bastante extensa, parte da agressiva política da empresa para am
pliar a base de assinantes.
A discussão sobre a codificação da rede também foi usada, aparente
mente, como mais uma peça do jogo de forças entre Net e Multicanal, que
naquele momento queria se sobressair em uma negociação sobre a tec
nologia a ser adotada, talvez como forma de se fortalecer nessa relação
ou então de evitar os investimentos imediatos na codificação da rede.
Não era a primeira vez que a Net enfrentava uma discussão sobre
codificação. Anos antes, um dos pontos de atrito entre ela e a UIH na Net

122
São Paulo havia sido justamente a questão da codificação da rede, mas
nesse caso, a UIH queria codificar, porque entendia ser a melhor forma
de já acostumar o usuário a pacotes diferenciados; a Net Brasil não que
ria, porque entendia que para a massificação do produto era importante
que todos os assinantes tivessem todos os canais.
Havia, em 1997, entre operadores e programadores, o medo de que
o Brasil reproduzisse a experiência da Argentina, onde dez anos depois
do surgimento da TV a cabo chegou-se à impressionante marca de 5 mi
lhões de assinantes, mas todos recebendo todos os canais (65 ao todo),
pagando o mesmo preço (US$ 30 mensais). Com a ampliação da oferta de
canais seria inviável manter o esquema. Somente a codificação permiti
ria a mudança de modelo.
Na mesma época em que a Net Brasil discutia a compra do decoder
da Eastern (o que acabou se efetivando; o decoder chegou ao consumidor
com a marca Vision, do fabricante local), também surgiram as primeiras
discussões sobre a digitalização das redes de TV a cabo, motivadas prin
cipalmente pela Multicanal, que anunciara planos de fazer uma codifica
ção digital em 1998. Paralelamente, surgiam nos EUA as primeiras caixas
digitais para TV a cabo, sobretudo, por pressão dos operadores de banda
Ku que já tinham a tecnologia. Havia a expectativa crescente de serviços
interativos por meio da televisão, e algumas operadoras avaliavam que a
digitalização seria uma forma de queimar etapas. O investimento seria
mais alto, mas seria feito de uma vez. Além disso, ao transformar os ca-
nais transmitidos em canais digitais, o operador ganharia mais espaço
na rede para introduzir novos canais.
A Globo Cabo, entusiasmada com o potencial da digitalização, tor-
nou-se, em novembro de 1997, a primeira operadora de TV por assinatura,
fora dos Estados Unidos, a ingressar no consórcio CableLabs, dedicado
às pesquisas de tecnologias de TV a cabo. A grande discussão do con
sórcio na ocasião dava-se em torno justamente de padronizações para as
caixas digitais. As forças naquela disputa eram, de um lado, a Microsoft,
que tentava impor o seu sistema operacional Windows CE, e do outro os
fornecedores como Scientific-Atlanta, IBM e Oracle, que brigavam pelo
sistema aberto (o Open Cable, que acabou prevalecendo). A Net chegou

123
a abrir, pouco antes de entrar no CableLabs, uma chamada para forma
tar uma plataforma digital, projeto que duraria vários anos e só seria
implementado em 2004, com tecnologia européia, longe das discussões
norte-americanas.

MUITOS CANAIS
A corrida pela codificação ou digitalização das redes se dava es-
pecialmente por uma razão: a época era rica em oferta de programa
ção. O ano de 1997 talvez tenha marcado a transição entre uma fase de
ajustes da programação da TV por assinatura, com muitos canais sendo
simplesmente jogados nas redes, sem o cuidado de nacionalizá-los com
dublagem ou legendagem, e muitas vezes com áudio em espanhol. Glo
bo e Abril tinham procurado, desde o começo de suas atuações, criar
ou empacotar canais próprios ou em parcerias com qualidade. Do lado
da Globo, havia os quatro canais originais (Telecine, GNT, Multishow
e SporTV) e mais o Globo News, lançado em 1996, o Shoptime herdado
da Multicanal e, naquele momento, o USA Networks, um canal de sé
ries feito em parceria com a Universal (que depois passaria a dar nome
ao canal). Do lado da TVA, os canais produzidos ou empacotados por
ela eram CMT Brasil, ESPN Brasil, Eurochannel e Bravo Brasil, que se
somavam à sociedade com o canal HBO. A HBO, por sua vez, marcava
território como uma grande programadora, trazendo para o Brasil os
canais Mundo, E!, Warner, Sony e Cinemax, além do canal HBO2, mul-
tiplex do HBO original.
Chegavam também os canais infantis para rivalizar com o Cartoon,
como Fox Kids, Discovery Kid e Nickelodeon. Além disso, a perspectiva
de codificação das redes estimulava o surgimento de novos canais, como
os Telecine 2, Telecine 3, Telecine 4 e Telecine 5. Era uma época de grande
e intenso remanejamento de line-ups entre operadores e ajustes de con
tratos entre programadores e operadores. Os programadores ampliavam
sua oferta de canais na esperança de colocar alguns deles nos pacotes
básicos que estavam sendo criados. Os canais tradicionais, como a CNN,
pioneira na TV por assinatura brasileira, deixavam de ser canais de mas
sa para ganhar espaço em pacotes dedicados a conteúdos premium.

124
Ainda havia, é certo, algum conteúdo remanescente da época em que
os canais eram oferecidos apenas para preencher espaço. Algumas progra
mações sem nenhuma identidade com a audiência brasileira, como Canal
de las Estrellas, Telehit e Ritmo & Som eram encontrados em algumas
operações, mas logo dariam espaço a programações mais relevantes.
No campo esportivo, que em todo o mundo sempre foi parte funda
mental da venda de TV por assinatura, sobretudo em um ambiente de pa
cotes diferenciados como o que se desenhava, as mudanças que estavam
acontecendo em 1997 eram importantes. Até 1996, a TVA e a Globosat
disputavam de maneira acirrada os direitos de transmissão dos jogos
de futebol. Como Net Brasil e TVA tinham canais exclusivos (SporTV vs.
ESPN/ESPN Brasil), a briga pelos campeonatos estaduais e pelo Campe
onato Brasileiro era importante, como era grande a disposição, de parte
a parte, de bancar a compra dos direitos, que nem sempre eram exclusi
vos. Além disso, a programação esportiva na televisão aberta e na TV por
assinatura era sempre muito parecida, pois sem a codificação das redes
os operadores de cabo ficavam impossibilitados de organizar a venda de
pay-per-view, por exemplo.
Mas em 1997 o jogo mudou. Com a decisão das operadoras Net e
Multicanal de codificar seus sinais, a venda de pay-per-view tornou-se
um negócio e a disputa pelos direitos se acirrou. Em julho desse ano, al
guns meses antes do início do Campeonato Brasileiro, travou-se intensa
a batalha pela disputa do direito de transmissão dos jogos. Net e Multica
nal queriam exclusividade na transmissão dos jogos dos times grandes,
apostando que isso impulsionaria o pay-per-view. A TVA, contudo, trans
mitia os mesmos jogos aos seus assinantes, com base em uma liminar da
Justiça. Da venda do pay-per-view das operadoras Net e Multicanal viria
parte dos recursos para subsidiar a venda dos decoders e dos próprios
direitos, o que tornava ainda mais dramática a disputa.
Essa guerra elevou o preço dos direitos. Ao mesmo tempo, os clubes
passaram a negociar os direitos de TV paga em conjunto com os direitos
para canais pay-per-view e com a venda da TV aberta, o que colocou a
TVA em uma situação complicada, pois ela não tinha distribuição em TV
aberta e não explorava a tecnologia de pay-per-view. Em 1997, a operado

125
ra ainda fazia uma última tentativa de adquirir os direitos dos jogos dos
times do Clube dos Treze em conjunto com o SBT, mas a proposta foi der
rotada pelo consórcio Globo/Globosat/Bandeirantes, e os direitos, em TV
por assinatura, ficaram para a Globosat, de onde nunca mais saíram. A
TVA, naquele ano, fechou com o Clube dos Onze, que representava clubes
menores, mas aos poucos se afastou da disputa por direitos esportivos.
Era evidente que o universo dos canais esportivos se tornaria um
grande palco de disputas. Ainda em 1997, a Fox anunciava para o Brasil
a chegada do Fox Sports, que já fazia grande sucesso nos EUA. Mas a
Fox, controlada pela News Corp., e a Globo tinham um acordo na Sky que
envolvia certas regras de programação, em que os canais dos dois grupos
seriam distribuídos, mas não competiriam entre si. Havia ainda outra
questão: a Globo acertara com Rupert Murdoch que cederia a distribui
ção pela Sky dos sinais da TV Globo.
No entanto, na hora de implementar o acordo, surgiu um problema
para a emissora de TV brasileira: as suas afiliadas. Que canal seria colo
cado na distribuição da Sky? O canal nacional, sem as programações re-
gionais e locais? E os comerciais, quais seriam inseridos na programação
da TV Globo retransmitida pela Sky? A questão era muito complexa e foi
grande a discussão interna do grupo Globo para viabilizar um modelo.
Naturalmente, houve desgaste com a News Corp., que esperava o cumpri
mento daquele acordo. Várias soluções foram pensadas, mas prevaleceu
um modelo intermediário: a Sky colocaria diferentes sinais de diferentes
afiliadas da TV Globo disponíveis no satélite e só os assinantes da locali
dade atendida por aquela afiliada conseguiria assistir ao canal. Em 1997
subiram os primeiros sinais, primeiro para as praças de Belo Horizonte
e Rio de Janeiro; depois para o mercado de São Paulo e Porto Alegre. Era
uma solução muito mais cara para a Sky e não atendia a todos os seus
assinantes no Brasil inteiro, mas evitava o desgaste entre a TV Globo e
suas afiliadas.
Diante desse ambiente delicado, o canal Fox Sports acabou tendo a
sua estréia no Brasil adiada indefinidamente, com algumas tentativas
posteriores fracassadas. Mas a disputa entre TVA e Net Brasil no quesito
canais exclusivos começava a gerar alguns incidentes curiosos. Um deles

126
aconteceu em Campinas. AUnicabo havia adquirido, no meio do ano de
1997, a VC-TV Cabo, que operava na cidade desde 1992. A VC-TV, contudo,
tinha programação da TVA, e a mudança para a Unicabo implicava adotar
a programação Net. Esse seria, até então, o maior caso de mudança de
programação já registrado, afetando mais de 35 mil assinantes.
Para agravar ainda mais o cenário, a notícia da troca de canais vazou
em um jornal local e a DirecTV aproveitou o clima de incerteza para fazer
propaganda em toda a cidade com a frase “Cadê minha HBO”, lembrando
que, a partir daquele dia, só seus assinantes continuariam assistindo à
HBO, o que ampliava a tensão da troca de canais.
A estratégia da Unicabo foi substituir a HBO pelo Telecine e a HBO2
pela Fox. O GNT entrava no lugar do Superstation; o Multishow substi
tuiu o CMT; e o SporTV ocupou o espaço do ESPN Brasil. O assinante
recebeu ainda o CNN em espanhol, o canal BBC, o Globo News e o USANe-
twork. As vendas da DirecTV até aumentaram, segundo relatos da época,
mas o grau de reclamação foi menor do que o imaginado, e houve poucos
pedidos de cancelamento de assinatura em função daquela mudança. De
certa forma, isso foi um alívio para a empresa, que havia feito um inves
timento de US$ 75 milhões, segundo dados da época, na compra daquela
outorga. Vale lembrar que a operação de Campinas era a mesma que, em
1992, teve a licença de DISTV oferecida aos Coutinho Nogueira pelo preço
de um carro de luxo.
Mas ficou, naquele momento, a sensação entre os executivos da Uni
cabo de que talvez o estresse pudesse ter sido menor se simplesmente
não existisse a política de exclusividade de canais. Daquele momento
em diante se tornaram mais frequentes os questionamentos sobre essa
política, que já vinha desde os primórdios da TV por assinatura, com os
primeiros acordos de exclusividade da TVA com o canal CNN (depois alte
rado), ou com os canais exclusivos da Globosat e, principalmente, depois
que os canais de filmes HBO e Telecine se colocaram em campos opostos.
E naquele ano de 1997 ainda havia o agravante dos direitos esportivos
exclusivos que começavam a se tornar um elemento importante.
O ano de 1997 foi o primeiro em que a questão da exclusividade de
canais se tornou um problema aos olhos dos operadores que não se be

127
neficiavam daquela política. Também os programadores se perguntavam
se valeria a pena, em um mercado pequeno como o brasileiro, abrir mão
de parte da base para ter acesso exclusivo a outra. Naquele ano os novos
canais Telecine já seriam criados, pensando na possibilidade de distri
buição plena por qualquer operadora, independentemente de contratos
de franquia ou com outras programadoras. Foi uma mudança importante
porque, de certa forma, forçou a pressão para que a HBO fizesse o mes
mo. Em 1998, Net e HBO chegaram muito perto de um acordo para que a
programação, até então exclusiva da TVA, entrasse nas operadoras liga
das à Net Brasil. A data de entrada chegou a ser marcada: 1º de novem
bro de 1998; mas o contrato definitivo acabou não saindo. Esbarrou nas
delicadas condições de venda cruzada de pacotes e o pagamento por um
número mínimo de assinantes que despertaram a discordância da News
Corp., sócia da Fox e da Sky. Essa quebra de exclusividade só viria a acon
tecer efetivamente em 16 de março de 2005.
Outro fato importante que marcou as relações entre programadoras
e operadoras nessa época foi o fim do casamento entre o canal Supers-
tation, pioneiro no Brasil no gênero variedades e que esteve presente
desde os primeiros momentos da TV por assinatura, e a TVA. No dia 1º
de junho de 1997 o canal perdeu a distribuição exclusiva da TVA, sendo
substituído pelo canal Mundo, programado pela HBO Brasil. Acabava,
assim, uma relação de seis anos e começava uma briga jurídica entre as
duas empresas. Por outro lado, o Superstation ganhava a distribuição do
sistema Net/Multicanal, onde permaneceria até ser vendido para o canal
National Geographic e desaparecer.
Enquanto as grandes operadoras partiam para a estratégia de codi
ficação e venda de novos pacotes, o mercado de TV paga via uma movi
mentação importante de dois operadores pequenos.
Se de um lado a movimentação dos canais era intensa no perío
do de 1997 e 1998, do ponto de vista das operadoras o cenário era bem
mais incerto. Algumas foram especialmente castigadas com a crise asi
ática e russa, como a TV Filme. Com uma aposta alta no MMDS e na
expectativa de ver um crescimento de base em função do processo de
licitação, a operadora endividou-se no final de 1996 para poder bancar

128
a expansão projetada. Mas não contava com a crise asiática que afeta-
ria os mercados emergentes em 1997, nem com o atraso da licitação,
que só foi concluída em 1998, conforme será descrito no próximo capí
tulo. A empresa foi a primeira das operadoras brasileiras a viver uma
grave crise de solvência financeira. Em 1997, a operadora, que já vinha
perdendo valor em bolsa nos EUA, foi obrigada a fazer uma rolagem de
dívida, com uma troca de papéis no valor de US$ 130 milhões, aproxima
damente. Mas as dificuldades financeiras aumentariam em 1998, com
o agravamento da crise econômica no Brasil e com a crise russa, e não
só para a TV Filme.

CRISE DE IDENTIDADE
Todas as operadoras brasileiras começaram a perder base naquele
ano. Aretração econômica, aliada às políticas de venda extremamente
flexíveis praticadas nos anos anteriores, faziam todas as operadoras
perderem cerca de 5% da base por trimestre, e a situação só se agravava
ao longo do ano. A TV Filme, por exemplo, chegou a cortar 15% da base
no terceiro trimestre de 1998 e via suas ações se desvalorizarem conti
nuamente no mercado norte-americano. No final de 1998 a empresa não
conseguiu mais cumprir as condições para continuar a ser listada na
Bolsa Nasdaq, de Nova York, e em 6 de fevereiro de 1999 foi efetivamente
retirada da lista de empresas negociadas. Era o começo de uma lenta e
dolorosa renegociação financeira que acabou impedindo a empresa de se
reerguer pelos próximos dez anos.
Também a TVA teve que enfrentar, ao longo de 1998, uma crise de
identidade interna, com seus acionistas descontentes com o rumo es-
tratégico que o negócio havia tomado depois dos investimentos em pro
gramação e no serviço de DTH. Em junho daquele ano viriam à tona as
primeiras manifestações de insatisfação. A Falcon era uma operadora de
cabo e só tinha interesse nesse mercado, e não em DTH. A ABC/Disney
perdera o interesse desde que a Disney adquirira a ABC, e o investimento
em operação de TV paga fazia pouco sentido para ela. Os grupos Chase e
a Hearst também não estavam confortáveis, o que apressou, por parte da
TVA, a busca por uma saída para os sócios descontentes.

129
Houve negociações naquela época para a entrada de novos acionis-
tas. Um deles era o grupo argentino CEI, braço de investimentos em pri-
vate equity do Citibank na América Latina. O CEI foi apenas uma das
empresas com quem a TVA negociou, na verdade, mas conversas seme
lhantes aconteceram também com a Bell Canada e com o grupo argenti
no Clarin. O fato é que a saída para a TVA não saiu daquela renegociação,
e sim do DTH.
Como a maior insatisfação dos acionistas da TVA eram os investi
mentos feitos em TV por assinatura via satélite, ficou acertado em mea
dos de 1998 que eles sairiam da participação na Galaxy Brasil, empresa
responsável pela operação da DirecTV, em troca de US$ 300 milhões, pa
gos pela Hughes, que seriam reinvestidos na própria TVA. Mas aquela
negociação, na verdade, só sairia em 1999, e seria muito mais drástica
para o grupo Abril, uma vez que não só os sócios, mas o próprio grupo da
família Civita se desfaria da operação de DTH.
O momento era crítico para as operações de cabo da Multicanal, que
depois de ser vendida para a Globo Cabo sofria um agressivo processo de
limpeza na base de assinantes; para a TV Filme, que via suas ações der
reterem em bolsa; para a própria Globo Cabo, que sofria com a retração
econômica e com a dificuldade de integração da Multicanal; e para a TVA,
que lutava contra o desinteresse dos sócios. Mas tudo ia muito bem para
as operações de DTH.
Sky e DirecTV eram as responsáveis, naquele período de 1997 e 1998,
pelo grosso do crescimento da base de assinantes. A Sky logo tomou a de
cisão de incorporar os assinantes da operação analógica em banda C da
NetSat, processo que foi concluído em meados de 1998 e garantiu a ela
um forte crescimento. Pouco depois, em 1999, quando a Hughes comprou
a participação da Abril na DirecTV, a base da TVA Digisat, em banda C
digital, foi incorporada à operação em banda Ku.
A grande surpresa do mercado de DTH, porém, veio mesmo em 20 de
março de 1998, com a entrada da Tecsat. Era a primeira operação de TV
por assinatura independente, sem vínculos com grandes grupos nacio
nais ou estrangeiros, a se aventurar no segmento via satélite. A Tecsat
era uma marca da Tectelcom, empresa de São José dos Campos que du

130
rante a primeira metade da década de 1990 havia sido uma importante
fornecedora de antenas parabólicas e equipamentos para recepção de
satélite. Foi também a fabricante dos primeiros receptores da Globosat
para o serviço em banda C, mas em 1996, por não conseguir acertar um
contrato de fornecimento com a Sky ou com a DirecTV, resolveu concor
rer com elas e lançar a sua própria operação.
ATecsat tinha uma estratégia interessante para a época e que viria
a inspirar uma segunda onda de operadores de DTH a partir de 2006:
era uma operação de baixo custo, voltada para a classe C, e com um pro
duto que visava complementar a oferta de canais abertos disponível aos
usuários de satélite e que tinham parabólicas para a banda C. Foi uma
estratégia inovadora da Tecsat, que desenvolveu tecnologia própria de
codificação e acesso condicionado, um fato significativo em se tratan
do de uma empresa brasileira com experiência não em TV paga, mas na
fabricação de equipamentos. A Tecsat era, naquele momento, tão agres
siva que tinha inclusive apresentado propostas para os editais de cabo e
MMDS. E ainda investia na produção de alguns canais próprios de filme
e conteúdo adulto.
A segunda metade da década de 90 foi de fato movimentada para o
mercado de TV por assinatura, mas ainda era muito pouco se comparado
à movimentação do mercado em função da perspectiva de abertura do
mercado de telefonia.
E talvez toda a discussão sobre o potencial da banda larga das re-
des de TV por assinatura tenha estimulado alguns dos grupos operado
res a pensar com mais ou menos carinho na possibilidade de participar
do leilão de privatização da Telebrás. Alguns fatos nesse sentido mere
cem ser destacados, sobretudo por parte dos grupos Globo e Abril, que
realmente tinham projetos estratégicos de se tornarem empresas de
telecomunicações.
O grupo Globo, especialmente, há muitos anos flertava com essa
possibilidade. Na década de 1980, a NEC era a maior fornecedora da Em-
bratel, da qual a Globo era uma das maiores clientes. A família Marinho
entrou de sócia na empresa comprando, no final de 1986, 51% do capital
votante pelo valor de US$ 1 milhão. Na mesma época, a Globo se tornou

131
sócia, no Brasil, da empresa italiana Victori, ao lado do banco Bradesco,
para explorar serviços de satélite.
As empresas tinham incorporado, em outubro de 1985, a Vicom, uma
empresa de serviços de telecomunicações corporativas. Mas o principal
negócio da Victori era a distribuição de sinais de telecomunicações. Seus
planos no Brasil passavam pela criação de uma rede complementar à da
Embratel para a distribuição de sinais via satélite. Nessa época, contudo,
quebrar o monopólio da Embratel nos serviços de transmissão de dados
e, mais ainda, na prestação de serviços via satélite era um sonho muito
distante. No final dos anos 80 a Victori, a Globo e o Bradesco chegaram
a traçar as primeiras linhas do que viria ser o projeto Class, uma rede de
satélites que competiria com os Brasilsat, da Embratel. O projeto Class,
por manobras do Ministério das Comunicações (atendendo a interesses
específicos da Embratel) nunca se viabilizou, e a Victori só voltou a ter
papel relevante para a Globo nos anos 90, com a entrada no segmento de
transmissão de dados para empresa por meio da Vicom.
O grupo Globo vinha se preparando desde 1996 para ampliar sua
atuação na área de telecomunicações. No início daquele ano, o primeiro
passo nesse sentido foi dado com a colocação de Moysés Pluciennik, ex-
consultor da Booz-Allen e conselheiro da família Marinho na área de te
lecom, como presidente da Net Brasil, quando Antônio Athayde assumia
o comando da Globopar. Naquela época, o grupo desenhava um projeto
estratégico que previa, no longo prazo, a entrada de um grupo financeiro
no capital da empresa, de uma empresa de telecomunicações e, se possí
vel, de uma empresa de software.
Em maio de 1996, o grupo Globo formava, em conjunto com a ope
radora norte-americana AT&T e com o banco Bradesco, a empresa TT2
Telecomunicação Ltda, que tinha como objetivo participar do leilão da
banda B da telefonia celular, cuja licitação se aproximava. Mas foi em
agosto de 1997 que outro consórcio organizado pelo grupo Globo, forma
do pela Stet (controladora da Telecom Italia), pelo grupo Vicunha e pela
UGB (parceria da Globo com o Bradesco) levaria a primeira licença de ce-
lular para os estados da Bahia e Sergipe, consórcio que ainda ganharia o
leilão das celulares nas regiões do Paraná e Santa Catarina. O consórcio

132
TT2 tentaria, sem sucesso, conseguir uma licença de celular no Estado de
São Paulo e nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mas uma ofer
ta visando a aquisição de alguma operadora fixa na venda da Telebrás
acabou não se concretizando.
Vale lembrar que, naquele mesmo leilão de privatização da Telebrás
em 29 de julho de 1998, o grupo RBS, que participava de um consórcio
para disputar a região Centro-Sul juntamente com a Telefônica, também
se frustrava, não por ter conseguido nada, mas por ter perdido a Telesp, em
São Paulo, em um lance inesperado e, segundo interlocutores da RBS, des
leal, de Juan Villalonga, presidente da tele espanhola. A família Sirotsky
não queria entrar em São Paulo, e aquela estratégia desenvolvida na sur
dina por Villalonga abalou imediatamente a relação entre os dois grupos,
e só se aliviaria quase um ano depois, quando a Telefônica comprou por
cerca de US$ 200 milhões a participação da RBS no provedor Zaz.
O saldo positivo da participação das empresas de mídia brasileira
no leilão de venda da Telebrás é que, de alguma maneira, os resultados
não foram os esperados e tanto Globo quanto RBS se viram forçadas a se
focar na TV por assinatura.
Vale lembrar que no final de 1997 o grupo Globo, aproveitando um
momento em que a Multicanal estava desvalorizada em bolsa, decide
adquirir a participação de Antônio Dias Leite e do banco Garantia na
operação. A Multicanal, como se recorda, abrira o capital nos mercados
norte-americano e brasileiro no começo de 1997. E vendera cerca de 10%
do capital em troca de uma capitalização de US$ 150 milhões. Mas ao
longo de 1997, com a crise financeira asiática, com os primeiros resulta
dos operacionais ruins (o índice de desligamento de clientes, ou churn,
subia assustadoramente) e com a pouca liquidez dos papéis em bolsa em
função do pequeno volume disponível, a Multicanal se desvalorizou so-
bremaneira. Em dezembro de 1997, o grupo Globo, que já tinha 33% do
controle da operadora, decidiu adquirir a participação de Antônio Dias
Leite e do grupo Garantia por US$ 180 milhões cada um. Era um negócio
sem precedente na história da TV por assinatura brasileira, não só pelos
valores envolvidos, mas pelo que representava. A partir desse momento,
60% do mercado brasileiro de TV por assinatura passavam a ser contro

133
lados por uma única empresa. O valor pago por assinante naquela opera
ção era o equivalente a US$ 2,2 mil.
Mas outro lance importante ainda estava por vir. Duas semanas
depois de comprar as ações de Antônio Dias Leite e do grupo Garantia,
o Bradesco entraria no capital da Globo Cabo adquirindo, justamente, a
participação que era do GP. Pela primeira vez, um grande grupo financei
ro apostava suas fichas na TV por assinatura.
O plano estratégico original da Globo Cabo era ter ainda um acio-
nista da área de telecomunicações, e várias foram as conversas nesse
sentido. Depois da compra da Multicanal, a necessidade aumentou ain
da mais, em função da necessidade de capital para novos investimentos.
O parceiro natural era a AT&T, com quem a Globo já tinha se associado
para vender licenças de telefonia celular no consórcio TT2. Em agosto de
1998, contudo, a AT&T chegou muito próximo de se tornar uma acionista
da Globo Cabo. Um pré-acordo, como linhas gerais de preço, condições e
prazos, foi formalizado em Nova York. Seria a segunda investida da AT&T
no mercado de cabo, já que um pouco antes, em junho de 1998, a mesma
AT&T havia adquirido por US$ 48 bilhões a operadora de cabo norte-ame-
ricana TCI, naquela que foi a maior fusão da história entre uma empresa
de telecom e uma empresa de cabo.
A comemoração dos executivos da Globo Cabo, contudo, não durou
24 horas. Na manhã seguinte o acordo estava desfeito, depois que a dire
ção da AT&T se confrontou com a explosão da crise russa em função do
anúncio da moratória da dívida externa daquele país. A Globo Cabo ficou
sem seu operador de telecomunicações, o que colocava ainda mais pres
são sobre a empresa para que encontrasse um acionista de peso. Houve
algumas conversas ao longo de 1998 sobre uma parceria com a Telefôni
ca, que adquirira recentemente a Telesp no leilão de privatização, mas as
conversas iniciais não foram além. O principal foco era, naquele momen
to, trazer a Microsoft, empresa que nos EUA estava fazendo diversos in
vestimentos na área de TV por assinatura, não na compra de operações,
mas financiando a produção de set-tops que tivessem seu sistema ope
racional Windows CE embarcado. Moysés Pluciennik, responsável por
essa busca de parceiros, tinha uma relação antiga com a empresa de Bill

134
Gates, e o acordo acabou vindo em agosto de 1999, quando a Microsoft
entrou de sócia na Globo Cabo por US$ 126 milhões, o que colocou o mer
cado de TV por assinatura brasileiro dentro da grande bolha da Internet
que estava surgindo.

135
CAPÍTULO 6

Finalmente, os editais
Ao longo da história da TV por assinatura no Brasil, poucos fatos
foram tão esperados, e ao mesmo tempo tão raros, quanto as fases em
que foi possível a expansão do mercado por meio do licenciamento de
empresas. Realmente, este é um fato tão esporádico nos 20 anos de TV
por assinatura que só aconteceu em três momentos. A primeira onda
foi no final dos anos 1980, com as outorgas para o Serviço Especial
de TV por Assinatura (TVA), que beneficiaram apenas alguns poucos
grupos em 1988, justamente os que estavam suficientemente aten
tos ou tinham condições de acompanhar as ações do governo nesse
sentido. A segunda foi no final de 1990 e começo de 1991, quando são
outorgadas as primeiras licenças de DISTV, pouco mais de uma cente
na, igualmente beneficiando apenas um grupo limitado de empresas
atentas ao processo ou com bom nível de informação junto à autoridade
concedente.
A terceira onda foi a mais esperada de todas, e aconteceu a partir
do fim de 1997, em um processo de abertura de editais de licitação para
concessões de TV a cabo e licenças de MMDS, que perdurou até 2001. O
mercado de TV por assinatura é o que é hoje, com suas 265 concessões de
cabo e 82 licenças de MMDS, apenas em função desses três ciclos.
Mas a simples expectativa pela abertura de um processo de licen
ciamento teve uma relevância muito maior para a indústria. Foi essa ex
pectativa que, em diferentes ocasiões, ocasionou o processo de formação
dos regulamentos e normas que orientam a indústria e, principalmente,
a formação dos grupos empresariais que operaram ou ainda operam TV
por assinatura. Nas próximas páginas, exploraremos alguns fatos e his
tórias relacionados à mais importante das ondas de expansão do merca
do: o processo de licitações realizado após a Lei do Cabo.

136
Durante o processo de elaboração da lei, entre 1991 e 1994, mas so-
bretudo a partir de 1993, a expectativa dos grupos envolvidos economica
mente no mercado de TV por assinatura era exatamente a possibilidade
de encontrar a expansão do mercado por meio do licenciamento de outor
gas. Recorde-se que, com exceção do grupo gaúcho RBS, que participou
do processo de distribuições de DISTV em 1990 e 1991, todos os outros
grandes investidores como TVA, Globo ou Multicanal tinham perdido a
oportunidade e se viram forçados, nos anos seguintes, a sair à caça de
outorgas de TV a cabo, adquirindo ou se associando àqueles que tinham
conseguido. Foi o primeiro ciclo de concentração e formação do mercado.
Mas uma expansão mais consistente, que permitisse a chegada da
TV por assinatura na modalidade cabo a um número mais expressivo
de municípios, era algo que dependia de uma regulamentação bem de
finida, não só porque seriam essas regras que balizariam o processo de
outorgas, como dariam aos potenciais investidores a segurança neces
sária aos empreendimentos. E o processo de regulamentação começou
logo após a promulgação da Lei do Cabo, no começo de 1995, mas foi
uma longa e tortuosa novela que durou muito mais do que qualquer um
poderia imaginar.
A primeira dificuldade foi transformar as licenças de DISTV exis
tentes até então (101 no total) em concessões de TV a cabo, como previa
a lei. Não havia, no Ministério das Comunicações, nenhum registro efe-
tivo sobre quem fossem os licenciados de DISTV. Muitas dessas licenças
(a maioria) tinham sido transferidas para grandes grupos operadores,
mas também não havia registro dessas operações. E nem se conheciam
os acionistas das empresas ou o endereço dos responsáveis. O governo
assumia a inglória missão de criar regras para um mercado sobre o qual
ele não tinha nenhuma informação.
A Lei do Cabo pedia uma regulamentação para o serviço, algo que,
de certa forma, já existia desde 1994 para o MMDS, que havia sido re-
gulamentado em 10 de fevereiro daquele ano pela Portaria 43. A regu
lamentação do MMDS traz dois aspectos importantes. Primeiro, porque
ela foi criada bem depois que as principais licenças já tinham sido auto
rizadas em São Paulo, Rio, Brasília, Goiânia, Belém, Porto Alegre, Curi

137
tiba, Recife e Fortaleza. Até então, o Ministério das Comunicações ou a
Secretaria Nacional de Comunicações (dependendo do ano) simplesmen
te autorizava os serviços a quem pedisse. Houve uma série de portarias
intermediárias ao longo dos anos de 1990 e 1993 ajustando o número de
canais às necessidades dos operadores. Somente em 1994 o serviço foi
claramente definido, disparando uma onda de pedidos de licenças que
somavam mais de 1.100 em 420 cidades ao final de 1994, com cerca de
140 empresas pleiteantes.
Outro aspecto importante da regulamentação do MMDS é que foi a
primeira a contextualizar a TV por assinatura dentro do cenário das tele
comunicações. A definição dada pela norma ao MMDS dizia que era um
“serviço especial de telecomunicações” destinado à transmissão de “si
nais”, sem especificar sequer a obrigatoriedade de que tais sinais fossem
de vídeo. Aquela foi a primeira janela real para a abertura do mercado
de TV por assinatura desde que a janela das DISTVs se fechara, em 1991.
Mas como já havia a negociação da Lei do Cabo no Congresso, houve um
acordo tácito com o governo de que nenhuma outorga fosse dada enquan
to não houvesse também uma definição sobre o futuro da TV a cabo.
A primeira versão do regulamento de TV a Cabo só viria a surgir em
28 de novembro de 1995, com algumas novidades importantes. Pela pri
meira vez se estabeleciam as regras para uma eventual licitação, com cri
térios técnicos e de preços a serem seguidos pelos interessados. Havia a
exigência de um sócio local no quadro social da entidade proponente, um
cronograma de implantação do sistema de TV a cabo, tempo mínimo des
tinado à programação local e valor a ser cobrado pela assinatura básica.
Também foi esse regulamento que trouxe a figura de um canal obrigatório
para obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção inde
pendente, o que daria origem ao Canal Brasil muitos anos depois, e mais
tarde a outros canais da mesma natureza. Mas o regulamento de TV a cabo
era apenas o primeiro passo para a abertura de um processo de licitação.
Havia a necessidade de normas específicas e dos editais. Àquela altura, a
expectativa é que a licitação acontecesse no primeiro semestre de 1996.
Ao mesmo tempo em que baixava o primeiro regulamento de TV a
cabo, o governo estabelecia a sua primeira política de satélites, criando a

138
expectativa de uma regulamentação para os serviços de DTH que, naque
le momento, ainda estavam em fase de gestação. A idéia era exigir que as
operações de TV por assinatura via satélite só fossem operadas por saté
lites autorizados pelo Brasil, proibindo o uso de satélites estrangeiros.
Mas essa exigência acabou sendo revista antes mesmo de as operações
entrarem no ar, porque tanto Sky quanto DirecTV utilizavam-se de saté
lites estrangeiros em suas operações. A norma de DTH só sairia em maio
de 1997, bem depois do início de operação dos principais serviços.
Em setembro de 1996 foram finalmente publicadas as primeiras
versões das normas de cabo e MMDS, ou as regras que estabeleciam as
condições para a migração das licenças de DISTV para concessões de TV
a cabo. E havia pelo menos uma inovação. Todas as operadoras de cabo
deveriam colocar à disposição 30% de seus canais para quem apresentas
se interesse, desde que a pessoa ou entidade não tivesse ligação com a
operadora de TV a cabo. Foi a primeira vez que a regulamentação de tele
comunicações no Brasil utilizou um mecanismo como esse, que dez anos
depois se consagraria com o nome de “unbundling” e se tornaria um dos
mais polêmicos aspectos regulatórios do mercado de telecomunicações.
Mas quando tudo parecia definido, com a expectativa apenas do lan
çamento dos editais, começou o processo de preparação da privatização
do Sistema Telebrás, e com ele a edição de uma série de novos regula
mentos, incluindo-se a mudança nas regras de outorgas de serviços de
telecomunicações. E todo o trabalho de regulamentação do cabo precisou
ser refeito.
Apenas em abril de 1997, o Ministério das Comunicações conseguiu
harmonizar a regulamentação de TV a cabo com as novas regras para o
setor de telecomunicações, e finalmente saiu uma nova versão dos re-
gulamentos de cabo e o regulamento de Serviços Especiais, entre eles
o MMDS e o DTH. Algumas novidades importantes apareceram naque
les textos. No caso do MMDS e do DTH, ficou claro que os serviços não
teriam limitação de capital estrangeiro, ao contrário do cabo. Em todas
as modalidades de serviços de TV por assinatura foram eliminadas as
exigências de sócios locais, o que mudava sensivelmente a dinâmica da
montagem dos consórcios.

139
Com as normas e os regulamentos definitivos publicados, faltava o
mais importante: a publicação dos editais de TV por assinatura. E mais
uma vez, foram necessários alguns meses até que mais essa etapa pu
desse ser cumprida pelo governo. Em um período atribulado, em que o
Ministério das Comunicações lidava com uma complicada licitação de
venda de outorgas de telefonia celular na banda B, ao mesmo tempo se
discutia no Congresso a Lei Geral de Telecomunicações, com a possibi
lidade de alterações na Lei do Cabo em função dos ajustes de regras. O
grau de ansiedade do mercado só aumentava, mas paralelamente os dife
rentes grupos começavam a se organizar para a disputa da licitação.
Naquele momento, estava claro que seriam necessários vários ajus
tes da Lei do Cabo em função das inovações trazidas pela Lei Geral de
Telecomunicações. Era preciso, por exemplo, ajustar os conceitos de ser
viços públicos e concessões, colocar o serviço de TV a cabo sob a égide da
lei geral e ajustar os critérios de capital estrangeiro, que inexistiam na
telefonia, mas que estavam presentes na TV a cabo. Estava claro, enfim,
que a Lei do Cabo e a Lei Geral de Telecomunicações tinham inúmeros
pontos de incompatibilidade. Era brutal a pressão do mercado de TV por
assinatura para que nada fosse alterado, e isso se traduz bem em uma
declaração da época de Roger Karman, então presidente da ABTA:

Começam a surgir interpretações diversas sobre o impacto que a Lei


Geral de Telecomunicações terá sobre a TV paga, especialmente no cabo.
Alguns chegam a pedir a revogação da Lei do Cabo, que levou três anos de
negociação para ser feita. Outros modelos de fato seriam possíveis, mas
qualquer esforço neste sentido levaria mais três anos e nós não temos este
tempo. Enquanto discutimos interpretações, há uma verdadeira epidemia
de operações piratas. O mercado, portanto, não agüenta outro adiamento
do processo de licitação. Se não houver uma perspectiva concreta de aber
tura, a curto prazo a pirataria vai tomar conta do mercado.

Naquele momento, o dilema do setor era entre a atualização de todo


o seu marco regulatório para um novo ambiente que estava sendo criado
ou seguir adiante com a consagração do modelo estabelecido em 1995

140
por meio da Lei do Cabo. A pressão sobre o governo foi nesse segundo
sentido, e os editais acabaram publicados.

COMEÇA A LICITAÇÃO
A consulta pública com os textos dos editais aconteceu em julho de
1997, e trouxe uma desagradável surpresa para as empresas interessadas
em participar na licitação: uma severa regra de restrição à propriedade
cruzada, em que perdiam pontos empresas que tivessem outras outorgas
de telecomunicações ou TV por assinatura. Também havia, na proposta
de editais, metas agressivas de cobertura a serem cumpridas pelas em
presas, chegando ao limite de 100% de disponibilidade de atendimento
de uma determinada localidade ao final de dez anos de operação. Ain
da assim, as empresas pareciam dispostas a encarar o desafio, tudo em
nome da abertura de uma licitação que era aguardada desde 1995.
Em agosto é publicado o Plano de Mercado de TV por Assinatura,
um documento que indicava aos interessados quantas outorgas pode
riam ser abertas em cada município, e em 13 de outubro de 1997 são co-
nhecidos os primeiros editais de TV a cabo e MMDS, com a entrega das
propostas marcadas para os dias 8 a 12 de dezembro daquele ano. Foi um
dos momentos mais importantes dos últimos 20 anos do mercado de TV
paga, pois significava a possibilidade de expansão dos serviços, novos
investimentos, movimentação dos agentes de mercados e, finalmente, a
consagração da indústria.
Uma história em particular talvez ilustre melhor do que qualquer
outra esse momento vivido pela indústria. Trata-se da história iniciada
por Christopher Torto, um investidor norte-americano que decidiu explo
rar o mercado de TV por assinatura no Brasil justamente a partir desse
novo ambiente que se criou com a Lei do Cabo.
Em 1995, Torto, que já morava no Brasil e dirigia uma empresa na
área de tecnologia, recebe uma dica de investimento de um amigo que
tinha morado na Argentina e acompanhara a expansão do mercado de
TV por assinatura naquele país. Havia um rumor constante sobre a pos
sibilidade de abertura do mercado de TV a cabo no Brasil, que naquele
momento já era claramente definido em algumas grandes cidades, como

141
Rio de Janeiro e São Paulo, e tinha entre seus principais atores Net, TVA
e Multicanal, cada qual com seus parceiros locais.
A partir de uma simples dica de investimento e com alguns amigos
norte-americanos que conheciam o mercado de TV paga nos EUA, Chris
Torto resolve montar um grupo de investidores para entrar no mercado
de TV a cabo quando isso fosse possível, a partir apenas da expectativa
de que um processo de licitação viria a acontecer cedo ou tarde, conside
rando que a Lei do Cabo estava pronta, e era isso que se esperava dela.
O primeiro investidor que Chris Torto conseguiu trazer para o
negócio era um empresário do ramo de mineração, acionista da Com
panhia Paranapanema de Mineração, Fernando Norbert, que já havia
sondado a possibilidade de adquirir a parte da UIH na operação de TV
a cabo em Jundiaí. Ele tinha o que Chris necessitava: dinheiro e cre
dibilidade para trazer outros sócios. Pouco depois, o grupo conseguiu
congregar mais um conjunto de investidores importantes, porque nes
se grupo estavam operadores de TV a cabo norte-americanos. Eram os
antigos sócios da operadora Horizon, uma pequena operação local do
estado norte-americano de Michigan, que foram convencidos por Torto
sobre as possibilidades no Brasil. Com esse conjunto de investidores, o
consórcio começou a se planejar efetivamente para a licitação que vi
ria a acontecer.
A primeira providência foi trazer alguns dos especialistas em TV a
cabo da própria Horizon para dar ao grupo de empresários alguma visão
do negócio. A segunda providência foi conseguir informação onde ela es-
tivesse disponível. Sem equipe em Brasília ou amizades no setor de TV
paga, sem a interlocução com a ABTA e sem conhecer a história prévia
da indústria, Chris Torto foi aonde essa informação estava pública: na
imprensa. Chris Torto foi o segundo assinante a contratar o serviço do
noticiário PAY-TV Real Time News, um noticiário pela Internet criado
em maio de 1996 pela revista PAY-TV, do jornalista Rubens Glasberg, que
desde 1992 cobria o mercado de TV por assinatura. Chris Torto só não
foi o primeiro assinante do noticiário porque, algumas horas antes, o
advogado do grupo RBS, Isaac Newton Menda, havia estreado o serviço
tornando-se o primeiro assinante.

142
Quando ficou claro que aquele processo de abertura das licitações
era iminente, a Horizon, como era conhecido o consórcio, começou a pla
nejar em que áreas atuaria, e chega a uma conclusão: naquele momento,
seria impossível economicamente atuar onde os grandes grupos já atu-
avam. Ou seja, a Horizon fugiria dos grandes centros e se concentraria
em cidades com bom potencial econômico, mas que não despertavam a
cobiça dos grandes. E essa estratégia só poderia funcionar em um lugar:
o interior do Estado de São Paulo.
Foi nessa época que a Horizon chegou a conversar com alguns outros
interessados no mercado, e um deles era a Globo Cabo, holding de operado
ras do grupo Globo. E foi, segundo relato de Chris Torto a este livro, pron
tamente desencorajada pela multioperadora: a disputa seria intensa entre
os grandes operadores, disse a Globo Cabo à pequena Horizon. A Horizon,
contudo, tinha investidores e tinha um plano: ser uma multioperadora no
interior paulista. Só não imaginava que teria tanto sucesso nessa estra
tégia. Acabou beneficiada pelas crises asiática e russa, que entre 1997 e
1998 tiraram os grandes grupos do processo de licitação ao secar as fon
tes de investimentos externos para grupos brasileiros. Com esse golpe de
sorte, segundo a análise de Chris Torto, a Horizon ganhou duas vezes mais
licenças do que teria levado em situações normais. Por esta razão a Hori
zon precisou abrigar, depois do processo de licitação, mais uma série de
fundos de investimentos norte-americanos, o que não tornou o perfil da
empresa mais financeiro.
A Horizon, que mais tarde se tornaria Vivax, tinha como principal
projeto consolidar-se como uma operadora e ganhar dinheiro vendendo
assinaturas de TV paga. Era uma aposta quase cega, sem nenhum conhe
cimento prévio do mercado de TV por assinatura no Brasil, mas que se
tornaria uma das mais incríveis histórias de investimento e desenvol
vimento de mercados dos 20 anos da história da TV por assinatura no
Brasil, como se verá nos capítulos que seguem. Ironicamente, a opera
dora Horizon (nessa época já chamada de Vivax) deixou de ser uma boa
operação para se tornar um excelente investimento. A empresa saiu do
mercado ao ser comprada pela Net Serviços em 2007 (Net Serviços é a
nova denominação que teria a Globo Cabo anos depois), meses após abrir

143
capital em bolsa e ter uma das maiores valorizações já registradas entre
as empresas que buscaram recursos no mercado aberto.
A história da Horizon não foi a única a se iniciar nessa época. Na ver
dade, vários outros grupos começaram a ser formados assim que ficou cla
ro, após a Lei do Cabo, que haveria um processo de licenciamento de novas
outorgas. Uma das negociações mais complexas envolveu grandes grupos
de mídia que até aquele momento estavam afastados do processo de TV por
assinatura no Brasil. E por pouco não foi ali que se abriu o mercado brasi
leiro de TV por assinatura a novos operadores de cabo norte-americanos.
No começo de 1996 a Time Warner Cable, naquela ocasião a maior
operadora de cabo do mundo, veio ao Brasil. Sondava a possibilidade de
entrar no mercado, e foi trazida ao país pelo grupo Folha de S. Paulo, que
naquele momento, animada com o crescimento de seurecém-criado por
tal de Internet, o UOL, tinha planos de se aventurar no mercado de tele
comunicações, participando da licitação da banda B de celular e também
sondava o mercado de cabo. Àquela altura, a Folha tinha a construtora
Camargo Correia como sócia, e no celular a sua parceira era a Air Touch.
A parceria com a Time Warner nunca saiu. Quem teve a oportunida
de de conversar com a Time Warner conta que eles nunca tiveram, efeti-
vamente, um projeto para expandir suas operações fora dos EUA, mas as
conversas do grupo Folha foram intensas e envolveram vários parceiros,
em alguns momentos simultaneamente. Uma das negociações da Folha
de S. Paulo foi com o Banco Safra e com a Adelphia Cable, operadora que
já se associara à operação de cabo de Paulo Martins em Pelotas e Rio
Grande (no Rio Grande do Sul). Foi uma negociação longa que ao final
não deu certo. O grupo Folha segurou os investimentos, a essa altura já
preocupado com a quantidade de aportes que fazia no UOL e em toda a
estratégia internacional do portal. Pesava também o fato de ser sócio da
Abril no portal de Internet, e a Abril era das empresas que mais apostava
nos editais. Isso, contudo, não impediu a Folha de também flertar com
outro grupo de empresas que se preparava para entrar no mercado de TV
paga: o consórcio Cabo Brasil, formado por SBT, Bandeirantes e Jornal do
Brasil. Já na primeira formação do Cabo Brasil, divulgada no começo de
1997, lá estava o grupo Folha.

144
Mas se a Folha não levou adiante os planos de entrar no mercado de
TV por assinatura, SBT, Bandeirantes e Jornal do Brasil foram adiante
com o consórcio e construíram a base de uma outra operação importante
na fase pós-licitação: a TV Cidade. Aimportância do grupo, contudo, tam
bém está relacionada não apenas ao que foi feito, mas ao que tentou evi
tar que se fizesse. A TV Cidade teve papel decisivo em segurar o processo
de licitação de TV paga por alguns meses, salvando os grandes grupos
de comunicação, especialmente Globo e Abril, de investimentos com os
quais não teriam, com o agravamento da crise financeira, como arcar.
O grupo que resultaria no Cabo Brasil começou a se formar no iní
cio de 1997, tendo como um dos seus principais articuladores Guilherme
Stoliar, vice-presidente do grupo SBT e um dos pioneiros da TV por assi
natura no Brasil com a operação da TV Alphaville, que desde 1991 opera
va no condomínio homônimo. A decisão do SBT de investir no mercado
de TV por assinatura se dava em função dessa experiência em Alphaville
e também porque as afiliadas do grupo estavam interessadas em partici
par da licitação de TV a cabo, quando ela acontecesse.
O SBT já havia flertado com o mercado de TV por assinatura um ano
antes, em 1996, quando participou, junto com a Abril, da tentativa de
criar um novo canal de TV por assinatura dedicado a notícias. O projeto
surgiu como um contraponto à Globo, que em agosto de 1996 havia lan
çado o GloboNews e com isso ocupava o inédito mercado de programação
noticiosa em português. O GloboNews surgiu como um projeto que uti
lizava a infraestrutura de notícias da TV Globo, já que a avaliação era
de que os custos de produção de 100% de programação própria seriam
inviáveis, e que o modelo da Globo, baseado em material próprio, mais as
reportagens produzidas pelas afiliadas, garantiam um produto de quali
dade com custos reduzidos, dentro do que se pode chamar de custo redu
zido para um canal de notícias.
O canal da Abril tinha como nome de projeto a sigla CNA (Canal de
Notícias da Abril) e era parte de um projeto de US$ 35 milhões do grupo da
família Civita, no sentido de ampliar sua presença em programação. O SBT
entrava como parceiro operacional, fornecendo as notícias geradas por
suas afiliadas. O projeto CNA acabou não saindo do papel e o SBT ainda

145
tentou outras parcerias na área de programação de TV paga, como a feita
com o canal CBS Telenotícias, produzido em português a partir de Miami.
O SBT logo começou as articulações com os outros grupos que for
mariam os consórcios. Cada um deles já estudava, individualmente, sua
entrada no mercado. Um deles era o grupo Bandeirantes, que no come
ço de 1997 chegou a conversar com potenciais investidores estrangeiros
com esse objetivo. A Bandeirantes também tinha planos de participar do
mercado de TV por assinatura, do qual estava excluída até então, não só
como operadora, mas também como programadora. A terceira perna do
consórcio Cabo Brasil era o Jornal do Brasil que, na época, ainda tinha
alguma ambição de expandir sua atuação no setor de mídia para além da
atuação como jornal impresso.
Ao longo de 1997, o consórcio se consolidou e ganhou o comando de
Marcos Amazonas. Amazonas foi um dos criadores da TVA e da MTV, no
começo dos anos 1990, mas deixou o grupo antes do lançamento oficial
das redes. Foi também um dos responsáveis pela consolidação da TV Al-
phaville e, posteriormente, retornou para a TVA para cuidar da criação
dos novos canais do grupo Abril.
Uma vez formado, o consórcio Cabo Brasil iniciou a busca por inves
tidores e a planejar os lances que daria no processo de licitação. A ideia
original do grupo era entrar só em cidades com mais de 300 mil habi
tantes, o que posicionava o consórcio como um potencial concorrente de
peso para os grupos Globo e TVA, que a essa altura planejavam estraté
gias agressivas para a expansão do mercado de TV por assinatura.
Em meados de setembro de 1997, às vésperas da licitação, a crise
asiática já dava sinais de que afetaria significativamente a visão das em
presas investidoras no mercado de TV por assinatura. O consórcio Cabo
Brasil, com um planejamento agressivo, era apenas um dos que sentiam
diretamente o impacto da falta de capital para países emergentes como o
Brasil, ainda mais em investimentos de risco.
Mas não era só esse fator que pesava contra a participação de grupos
de comunicação nos editais de TV por assinatura. A própria regra da lici
tação retirava pontos importantes no processo de seleção daqueles gru
pos que tivessem presença em outras atividades na área de comunicação,

146
o que incluía outorgas de telefonia e radiodifusão. Para consórcios como
o Cabo Brasil, e também para grandes grupos como Globo e TVA, a restri
ção poderia reduzir drasticamente as chances de vitória na licitação.
O grupo Globo, àquela altura, era dos mais importantes grupos atu-
antes no mercado de TV por assinatura brasileiro. Entre os anos de 1995
e 1997, contudo, a estratégia do grupo não apontava necessariamente
para uma expansão em número de operações. Ao contrário, o modelo Net
Brasil, que havia sido desenhado em 1993 como forma de separar a pro
dução de conteúdo (na Globosat) e a distribuição (nos investimentos em
operações) previa que, em algum momento, a família Marinho deveria
sair das operações e se focar apenas em conteúdo. Por esta razão, não
havia grande ênfase na conquista de novas outorgas. A Globo, por meio
de suas diferentes operações de cabo, tinha uma posição confortável nos
principais mercados, e poderia crescer bem por meio de parceiros, estes
sim dispostos a investir em expansão territorial.
Os que estavam mais dispostos a partir para essa estratégia eram
as afiliadas da TV Globo nos diferentes estados. Além da RBS e do grupo
EPTV (família Coutinho Nogueira), que já atuavam no setor de TV por
assinatura, havia ainda a disposição da ORM, no Pará; da TV Gazeta, no
Espírito Santo; da TV Cabugi, no Rio Grande do Norte; e da TV Bahia.
Tudo indicava que a estratégia da Globo seria disputar novas outorgas
de TV por assinatura por meio de suas afiliadas ou parceiros locais, mas
não diretamente.
Já os parceiros da Globo tinham mais disposição pela disputa do
mercado de TV por assinatura. AMulticanal manifestava, claramente, a
intenção de entrar na disputa por uma boa quantidade de localidades em
cidades de médio e grande porte, principalmente nas regiões Sudeste e
Centro-Oeste. AUnicabo (do grupo EPTV) estava totalmente concentrada
no interior paulista, em uma estratégia que, depois se soube, era seme
lhante à da Horizon. E o grupo RBS apostava na expansão pelo Sul do
país, onde já ampliava a sua atuação comprando naquele ano de 1997,
juntamente com a Globo Cabo, a participação dos sócios locais da Net
nas operações do Paraná: a TV Paranaense e a Inepar. Era o primeiro pas
so de um movimento de consolidação que se intensificaria em 1998.

147
Mas o grupo que realmente apostava na possibilidade de crescer com
as licitações era a TVA. A TVA Network, unidade voltada para a expansão
de mercado da operadora, tinha um projeto de US$ 400 milhões para a
aquisição de novas outorgas e construção de rede, o que era muito mais do
que todos os demais grupos planejavam investir. A TVA também entraria
com parceiros locais, e pretendia reproduzir o modelo de grande rede que a
Net Brasil implantara. A dificuldade era tomar a decisão de ir por um cami
nho diverso do modelo da Globo. Poderia ter optado pela segmentação de
seus conteúdos regionalmente e com o foco em operações locais, relembra
Alexandre Annenberg, responsável pela TVA Network naquela ocasião.
Em meados de 1997, a TVArecebeu o sinal verde dos seus acionistas
Falcon, Hearst, Chase e ABC/Disney para ir em frente com essa estra
tégia de criar um contraponto ao modelo da Net Brasil. Mesmo com a
crise asiática afetando as restrições de créditos, o grupo montou uma
verdadeira operação de guerra para participar da licitação, com salas for
temente protegidas em que se definiam os planos e os valores das propos
tas para cada um dos editais.
A TVA montou uma complexa engenharia societária para abrigar
os diferentes sócios locais que estavam na disputa de forma a perder o
mínimo de pontos no leilão pelas regras de propriedade cruzada, que pe
nalizavam empresas que já fossem operadoras de serviços de TV por as-
sinatura. Os principais sócios da Abril eram os canadenses da Canbrás,
a empresa do setor de equipamentos de telecomunicações Splice e a Ine-
par, do interior do Paraná. Eram empresas facilmente identificadas pelo
nome, pois tinham sempre nomes de pássaros ou de árvores: TV Jaca
randá, TV Mogno, TV Pintassilgo, TV Sabiá e mais uma dezena de outras
companhias de fachada...
Havia ainda outras empresas importantes interessadas, como o
consórcio UIAG, formado pela Construtora Andrade Gutierrez e pela
norte-americana UIH; o grupo Bozzano Simonsen e os argentinos do
grupo Clarin no consórcio Columbus; o grupo Alusa; a empresa de ener
gia do Espírito Santo, Escelsa; o grupo Opportunity, de Daniel Dantas; o
grupo O Dia do Rio de Janeiro; TV Alterosa/Diários Associados; Banco
Rural; Ceterp; Sercomtel; grupo Amauri; grupo Algar e mais dezenas de
pequenos pleiteantes.

148
E entre algumas empresas que se preparavam para a licitação havia
operadores de TV a cabo que não tinham concessão para o serviço. Fos
sem chamados por alguns de piratas ou por outros de não-licenciados,
o fato é que entre 1995 e 1997 o Brasil viu a proliferação de dezenas de
operações de TV por assinatura que funcionavam sem a autorização ofi-
cial. O movimento dessas empresas se devia, de um lado, à ausência de
possibilidade de legalização das mesmas, já que desde 1991 não havia
mais licenciamento de DISTV por parte do governo, mas existia, em mui
tos municípios, demanda pelo serviço de TV paga. De outro lado, muitas
eram operadoras de CATV (que deveriam fazer apenas a distribuição de
sinais abertos em condomínios fechados), mas diante da oferta de pro
gramação diferenciada, decidiram comercializar também canais pagos.
Essas empresas começaram a batalha em 1995. Em maio daquele
ano, criaram a Anota (Associação Nacional dos Operadores de TV a Cabo),
que congregava nada menos que 35 empreendimentos. Eram muitas ope
rações, mas em geral em cidades pequenas. Ainda assim, representavam
quase um terço das operações de TV paga regulares que existiam naquele
momento. Eram empresas em geral pequenas que tinham ficado de fora
da fase de regulamentação dos serviços, entre 1990 e 1995. Entre elas,
por exemplo, estavam os antenistas de Petrópolis, que na década de 1960
deram início às primeiras empresas de distribuição de sinais de TV por
meio de redes de cabo.
Em algumas localidades mais distantes do centro das atenções de
grandes empresas como Net e TVA, surgiam operações de TV por assina
tura de forte apelo popular, como em Lauro de Freitas (região metropoli
tana de Salvador) ou em Currais Novos, interior do Rio Grande do Norte.
Nesta última localidade estava a operadora que talvez tenha se tornado o
maior ícone de um mercado simples, de poucos recursos, mas onde havia
demanda por alternativas na televisão e, em função das amarras regula-
tórias, não podia sair da clandestinidade.
Ali em Currais Novos, a 180 quilômetros de Natal, com pouco mais
50
de mil habitantes, nasceu de maneira improvável uma empresa de TV
a cabo para suprir a falta que um cinema ou um teatro faziam à cidade.
A operação começou em 1992 pelas mãos de Siderley Menezes, que deu

149
o nome de Sidy’s Comunicações ao seu empreendimento. Ele inspirou-
se no modelo norte-americano de múltiplos canais, mesmo nas cidades
mais remotas. A Sidy’s, assim como tantas outras operadoras de CATV,
começou distribuindo com melhor qualidade os sinais das retransmisso-
ras locais de TV aberta, e logo descobriu que poderia, com sucesso, incluir
a transmissão de eventos locais, como as sessões da Câmara dos Verea
dores ou as festas na praça central para todos os seus assinantes. Com
base nesse modelo, a operação se tornou um sucesso na cidade. Com um
modelo de baixo custo, com assinatura básica a R$ 7, a Sidy’s era a prova
de que a TV por assinatura tinha demanda e mercado fora dos grandes
centros. Mas com a falta de opção para a regularização, a empresa, como
tantas outras, se desenvolveu na clandestinidade.
De 1995 a 1997, essas operações não-oficiais despertaram nos opera
dores e programadores de TV por assinatura sentimentos distintos. Por
um lado, era um mercado inegável, e a própria TVA distribuía seus canais
a alguns desses operadores. Mas, por outro lado, eram uma ameaça, por
que em algumas cidades importantes, como Vitória, os operadores sem
licença estavam tomando rapidamente o espaço daqueles que poderiam
entrar depois que fosse aberto o processo de licenciamento.
Às vésperas do processo de abertura de novas outorgas de TV por as-
sinatura, no final de 1997, nem todas as operadoras sem licença tinham
conseguido se consolidar. Mas pelo menos 25 tinham números conside
ráveis de assinantes. Em Minas, havia operações em Divinópolis, Gover
nador Valadares, Montes Claros e Juiz de Fora. Em São Paulo, em Limeira,
Rio Claro e Peruíbe; no Paraná, em Ponta Grossa, Cianorte e Cascavel;
No Rio de Janeiro, em Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Cabo Frio,
Campos e Angra dos Reis. E ainda em Currais Novos e Natal, no Rio Gran
de do Norte; Aracaju/SE; Maceió/AL; Lauro de Freitas/BA, Vitória e Vila
Velha no Espírito Santo; Cuiabá/MT e outras menos expressivas.

COMEÇA A BATALHA
O que ninguém esperava é que essas operações teriam tanta impor
tância no processo de licitação que aconteceria no final de 1997. Elas se
organizaram e se prepararam juridicamente para conseguir, na Justiça, o

150
reconhecimento como operadoras em suas respectivas cidades. Ao longo
do processo de elaboração dos editais, tentaram conseguir a impugnação
da licitação, sem sucesso. Mas uma delas, a Penedo Som e Imagem, que
operava em Lauro de Freitas, na Bahia, e em Vitória e Vila Velha, no Espí
rito Santo, foi particularmente determinante para a sorte de todo o pro
cesso de licitação. Foi ela quem conseguiu a primeira liminar na Justiça
impedindo o avanço do processo de licitação, que se iniciava no dia 12 de
dezembro de 1997. Ao todo, somando todos os operadores sem licença
que recorreram à Justiça, foram mais de 25 ações.
Mas os operadores sem licença, apesar da disposição beligerante e
da organização, não tinham fôlego para segurar todo o processo e con
seguir impedir o governo de levar adiante a licitação. Quem fez isso foi
o consórcio Cabo Brasil, formado por SBT, Bandeirantes e Jornal do Bra
sil. Àquela altura, o consórcio já aparecia com o nome de TV Cidade, que
foi responsável por levar a disputa para o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e, por meio de uma liminar, travar de vez o processo de licitação. A
TV Cidade argumentava com os pontos que considerava ilegais nos edi
tais, alguns deles colocados por muitos dos interessados durante a fase
de consulta pública como problemáticos, como as regras de limitação à
propriedade cruzada, e o conflito de competências entre a recém-criada
Agência Nacional de Telecomunicações e o Ministério das Comunica
ções. Aquele processo de licitação, de fato, marcava a primeira licitação
desde que a Anatel havia sido criada, o que certamente dificultou muito o
processo de entendimento da Justiça sobre o que estava acontecendo.
O sentimento entre os operadores naqueles dias era um misto de
preocupação e alívio. Boa parte deles gostaria que o processo ocorresse
tranquilamente, que as propostas pudessem ser conhecidas e que a lici
tação continuasse. Mas isso tinha um risco: com a disputa ainda sob a
sombra de uma batalha judicial por parte dos operadores não-oficiais ou
da TV Cidade, os resultados poderiam ser contestados. O que pouca gen
te comentava na ocasião, mas hoje se deixa transparecer com um pouco
mais de tranquilidade, era que o prosseguimento da licitação colocaria
os acionistas em uma complicada situação. De um lado, teriam que bus
car financiamento imediato para o pagamento das outorgas, o que era

151
cada vez mais difícil no momento econômico do país em geral, em função
da crise russa, e da indústria especificamente, em função dos primeiros
sinais de desgaste do modelo de venda de TV por assinatura da forma
como vinha sendo praticada. De outro, teriam que buscar recursos para
investir na construção de suas redes, porque os editais impunham crono
gramas apertados de implementação das operações.
Além disso, a Net estava consolidando a sua presença na Multica-
nal, o que tirava completamente o seu foco de atenção dos editais. A TVA
já via seus acionistas estrangeiros manifestarem certo receio de que o
sucesso na licitação pudesse significar investimentos acima das suas
capacidades. Grupo pequenos e médios, estes sim, aguardavam ansiosa
mente a conclusão do processo de licitação. Mas sem a pressão dos gran
des investidores, o governo decidiu tomar o caminho mais demorado:
aguardar que a Justiça decidisse o mérito das disputas judiciais, o que
poderia levar meses e até anos.
Quando foi feito o primeiro balanço da licitação, em janeiro de 1998,
o resultado foi bastante impressionante, mesmo considerando todas as
circunstâncias adversas que existiam. Assim registrou a revista PAY-TV
na ocasião:

Foram 829 propostas para os editais de TV a cabo e 152 propostas para


os de MMDS. Ou ainda, 86 empresas participando dos editais de cabo e 48
participando dos editais de MMDS. Isso sem contar os resultados dos edi
tais que ainda estavam suspensos no final de janeiro.

Daquelas empresas, apenas 15 eram operadoras já conhecidas. As


demais eram novatas que buscavam entrar no mercado de TV por assina
tura. Ainda segundo o relato da revista PAY-TV da época:

Os atuais grandes players já estão identificados: Globo Cabo (que en-


trou sempre com o nome de S-Cabo alguma coisa, variando em função do
sócio local), Abril/TVA (com uma lista de empresas com nomes de árvores
que, pelo que se sabe, têm em suas composições outra lista de empresas
com nomes de pássaros), a Multicanal (comenta-se com uma empresa cha

152
mada Capanema, outra chamada Itatinga e a Centro-Minas), Unicabo (Cen
tro Cabo e TV Sapucaí) e Net Sul (Empresa de TV por Assinatura do Sul). De
todas estas, a Abril é sem dúvida a que vem mais forte, estando em cada
uma das regiões com um sócio diferente (Splice, Canbrás para São Paulo
e Minas e Inepar para o Sul do país são os conhecidos). De qualquer ma
neira, o ‘jardim botânico’ da Abril está disputando concessões de cabo em
65 localidades (sem contar o edital 001, cujas propostas não haviam sido
entregues até o fechamento). A Globo Cabo com seus sócios (TV Gazeta em
Vitória, Bahiasat na Bahia, entre outros) disputa concessões de cabo em
mais 20 localidades. A Capanema/Multicanal vem em outros 20 locais, Net
Sul em mais dez, Centro Cabo (concentrada apenas nas localidades onde a
família Coutinho Nogueira, sócia da Unicabo, já tem operação de TV aber
ta) disputa em outras nove e aí por diante.
Há também os grupos que entraram pesado na licitação e, se 20%
das propostas se converterem em concessões, terão uma boa quantidade
de operações. A TV Cidade (SBT, Bandeirantes e Jornal do Brasil), estava
na disputa em 54 localidades de TV a cabo (claro, sem contar o edital não
entregue em janeiro). A Columbus (consórcio formado pelo grupo Bozzano
e pelo grupo argentino El Clarín) disputava em 59 localidades, o banco Op-
portunity em mais 46 e a SMC (ligada à Adelphia Cable) também disputava
em 46 localidades. Com menos de 40 propostas para TV a cabo destacavam-
se o grupo Latinvest (ligado à operação de TV a cabo de Fortaleza), com 29
propostas; o misterioso GTSS (que não é a americana EchoStar, nem a Es-
celsa e muito menos uma dissidência do Opportunity como se comentava),
com 36 propostas; o UIAG (formado pela AG Telecom e pela UIH), com 26
propostas; a JPO, com 23 propostas; a Horizon Cable, com 32; a Cia. Técnica
614 (ligada à Alusa), com 24; a Powerlice (construtora de redes de Pelotas),
com 24; Adatel (Sercomtel, de Londrina, e Daruma), com 21.

Mas, apesar de tantas propostas, a queda de braço entre a Anatel e


os grupos que contestavam as ações na Justiça era intensa. Em alguns
momentos, havia uma ameaça de negociação, com o governo e a TV Ci
dade se aproximando para que as contestações judiciais fossem negocia
das. Em outros momentos, a disputa verbal se intensificava, com a TV

153
Cidade argumentando com o direito de garantir, na Justiça, condições
que considerava mais justas de disputa pelos editais.
No final de março de 1998 o fundo texano Hicks, Muse, Tate & Furst
anuncia a entrada no consórcio TV Cidade, adquirindo 33% da empresa
por US$ 60 milhões. Esse foi um fator determinante para que se desa
tasse o nó jurídico criado em torno dos editais, pois, na pior das hipó
teses, a própria TV Cidade passava a ser pressionada por um acionista
importante no sentido de agilizar o processo de outorgas, ainda que a
empresa defendesse publicamente a sua posição de contestar na Justiça
a licitação. As ações só seriam retiradas definitivamente em setembro
daquele ano.
Com o atraso do processo de licenciamento de novas outorgas, os
diferentes grupos investidores tiveram tempo de refazer as contas em
função do cenário cada vez mais adverso que se colocava na economia.
Como as propostas dos editais ainda não tinham sido abertas e o leilão
não estava concluído, havia a possibilidade de que as empresas desis
tissem da disputa. O processo de derretimento da licitação começou em
março de 1998, quando a Latinvest saiu da disputa, mas intensificou-se
ao longo do primeiro semestre desse ano.
Em julho de 1998, com o atraso no processo, o consórcio Latinvest já
desistira da disputa em 17 localidades ou quase 50% de seu planejamen
to inicial. O grupo Opportunity, que àquela altura começava a se planejar
para a disputa do leilão de privatização da Telebrás, havia desistido de 11
localidades, o mesmo tanto que a TVA. Até algumas empresas que dispu
tavam em parceria com o grupo Globo estavam desacelerando seus proje-
tos, como foi o caso da TV Gazeta de Vitória. Desse momento em diante,
o problema só se intensificou, com a TVA desistindo de quase todas as
disputas (manteve-se com a Canbrás apenas em algumas cidades), a Glo
bo e seus sócios também caindo fora, inclusive os consórcios formados
com a família Coutinho Nogueira e com a RBS. A construtora Andrade
Gutierrez também desfez o consórcio com a UIH e partiu para a disputa
do leilão de privatização da Telebrás, que naquele momento era muito
mais relevante para as atenções do governo e dos investidores do que a
disputa pelo mercado de TV paga.

154
Um bom resumo do clima que se instalou naquela ocasião, em ra-
zão das desistências, foi feito por Roger Karman ao boletim PAY-TV Real
Time no dia 22 de julho:

Não considero que o maior problema tenha sido o crescimento de


quem já está operando, até porque algumas operações chegaram a perder
assinantes de um ano para cá. Do meu ponto de vista, um fator que acaba
determinando desistências dos grupos é o recuo de investidores externos,
que mostram muita preocupação com o atraso existente no processo, com
eventuais contratempos que ainda possam aparecer e com as notícias que
circulam no exterior sobre inadimplência e dificuldades de expansão. O
desempenho em bolsa de empresas como a TV Filme e a Multicanal reflete
esta preocupação dos investidores.

Com o fim das ações judiciais da TV Cidade, em setembro de 1998,


o processo de licitação pôde ser retomado, mas isso não amenizou os
problemas, sobretudo para os grandes grupos. A Globo Cabo, na ocasião,
chegou a desistir das licitações que tinha ganhado e foi obrigada a pagar
multas milionárias.
Para alguns grupos, como a TV Filme, o atraso no processo de lici
tação foi ainda mais dramático, pois toda a expectativa dos investidores
que compraram os papéis da empresa um ano antes, recaía, justamente,
na possibilidade de expansão por meio de novas outorgas. Mas a TV Fil
me também teve o privilégio de ser a primeira empresa a ter contratos de
outorgas de TV por assinatura assinados com a Anatel, depois de anos
sem que o mercado tivesse novas licenças. Em 4 de novembro de 1998, a
empresa assinou os cinco primeiros contratos de TV por assinatura re-
sultantes do processo de licitação iniciado em meados de 1997. E rece
beu autorização para explorar MMDS em Caruaru/PE, Campina Grande/
PB, Bauru/SP e Franca/SP. Nessa mesma data a TV a Cabo São Luiz (do
grupo Brasil Telecomunicações) garantiu a concessão de TV a cabo em
Uberlândia/MG.
A TV Filme, contudo, esperava as novas outorgas desde 1996. Duran
te esse período, contratou e treinou pessoal, gastando o dinheiro de um

155
financiamento levantado talvez com muito tempo de antecedência. Os ju
ros pagos sobre a dívida de US$ 140 milhões realizada em 1996, somados
às crises financeiras e à crescente inadimplência de 1998, só fizeram pio
rar os resultados financeiros da companhia. A TV Filme viu seus papéis
cotados ao menor valor desde que foram lançados no final daquele ano, e a
ADR, que valia cerca de US$ 15 no lançamento, chegou a US$ 1, com a sus
pensão das negociações logo em seguida. Naquele momento, a vitória na
licitação trazia pouco a ser comemorado pela empresa, pioneira no mer
cado de TV por assinatura no Brasil, e não mais conseguiria se reerguer
para disputar, em condições efetivas, o mercado de TV por assinatura.
Ao assinar os primeiros contratos de concessão, contudo, a Anatel
punha fim à discussão sobre a possibilidade de suspender o processo de
licitação, uma reivindicação de alguns operadores em dificuldades para
honrar os valores das propostas elaboradas há quase um ano, quando a
situação econômica era outra. O mercado de TV por assinatura finalmen
te ganhava novos personagens.
O grupo Horizon era a grande sensação daquele momento. Pratica
mente desconhecido até então, o grupo liderado por Christopher Torto
havia se consagrado vencedor em nada menos que 13 cidades do interior
paulista. Só em outorgas, tinha colocado mais de US$ 14,5 milhões, e es-
condia na manga um projeto de TV a cabo que incluía a interligação, por
fibra óptica, de diversas de suas operações. Era um projeto de US$ 120
milhões, o que colocava a Horizon como um personagem importante na
TV por assinatura dali em diante.
Outro grupo que se saiu bem na licitação foi o consórcio Brasil Tele
com, que nada tem a ver com a operadora de telecomunicações homôni
ma. O consórcio tinha dez concessões e entre seus investidores estavam
Alberico Souza Cruz, ex-diretor de jornalismo da Rede Globo, em socie
dade com Ellos Nolli, ligado ao Banco Rural e antigo sócio da operação de
TV a cabo em Belo Horizonte (no momento já adquirida pela Globo Cabo);
Jonas Barcelos, ligado ao grupo Brasif; e Régis Campos. Outro destaque
do consórcio era a atuação no canal local de Belo Horizonte (canal 23) e
um contrato com a Cemig, empresa de energia mineira que construiria a
rede e seria sócia da operação.

156
A TV Cidade, que até aquele momento era mais conhecida como a
empresa que havia segurado a licitação, lançava-se como o mais forte dos
novos grupos, com um projeto de US$ 250 milhões e planos de ser uma
grande operadora. Pesava em favor desse plano o fato de ter conseguido a
concessão em Salvador e Niterói. Ao final de 1998, o grupo Jornal do Bra
sil já tinha desistido de participar da operação, e em seu lugar entrara o
grupo Diários Associados, ao lado de Bandeirantes, SBT, o fundo texano
Hicks, Muse e o fundo AIG-GE. Os Diários traziam consigo a concessão
de TV a cabo em Recife. Marcos Amazonas também não era mais o pre
sidente da TV Cidade, dando lugar a Roger Karman. A TV Cidade, para
conseguir as suas licenças, investira US$ 24,5 milhões.
Também a pequena operadora de Pelotas e Rio Grande, agora com o
apoio financeiro da operadora norte-americana Adelphia Cable, ganhava
naquele momento mais 11 outorgas em diversas cidades pequenas e mé
dias em todo o Brasil. A Adelphia tinha investido nessa licitação quase
US$ 4 milhões e pretendia chegar a 200 mil assinantes com um investi
mento de US$ 120 milhões.
Outra empresa que conseguiu algumas cidades importantes foi a
Alusa, com outorgas em São José dos Campos e Guarulhos, por exemplo.
Algumas afiliadas da Globo, como ORM e TV Bahia, também ganharam
seu espaço na TV por assinatura, além de vários pequenos grupos locais
que entraram no mercado.
Ao todo, naquela primeira leva de editais de cabo lançados em de
zembro de 1997, a Anatel conseguiu abrir o mercado em pelo menos mais
90 cidades, apenas com TV a cabo, levantado US$ 160 milhões em venda
de outorgas e atraído mais 20 grupos diferentes para o mercado. Alguns
eram aventureiros, que logo acabaram vendendo suas operações. Outros
eram pequenos, mas decididos a operar. Quanto aos operadores não-ofi-
ciais, a maior parte acabou se legalizando naquele processo de licitação
ou vendendo seus assinantes e redes aos grupos vencedores.
No MMDS, foram por volta de 13 novas empresas com as 34 licenças,
naquela primeira onda. Muitas acabariam desistindo, mas o mercado de
MMDS ainda teria algumas licitações, o que garantiria certa expansão
à indústria.

157
Alguns grupos, como o Horizon, ainda se expandiriam mais com a
vitória em novas licitações realizadas ao longo de 1999 e 2000. Mas foi
aquele edital de dezembro de 1997 que de fato fez história.
Ao final do processo de outorgas, houve a frustração de ver os gran
des fora da disputa. Globo e RBS priorizaram o leilão da Telebrás; a Mul-
ticanal, comprada pela Globo Cabo, saiu do mercado; a TVA decidiu con
ter os ânimos e ficou fora da licitação. Ainda assim, depois de quase dois
anos de regulamentação e outros dois de licitação, com direito a longas
disputas judiciais, desistências, rearranjos societários e vitórias, o mer
cado de TV por assinatura ganhou uma nova cara.

158
CAPÍTULO 7

A exuberância, os
novatos e a queda
Fazer TV por assinatura foi, durante muitos anos, uma atividade em
que se comprava em dólares e se vendia em reais. Na primeira década de
desenvolvimento do mercado, nos anos 1990, os principais insumos da
atividade era importados, principalmente equipamentos e programação.
Além disso, durante a segunda metade dos anos 1990, as empresas de
TV por assinatura fizeram, basicamente, dívida para poder sustentar o
crescimento, já que a base de assinantes nunca foi maior que 3 milhões
de clientes. A maior parte desta dívida foi feita fora do Brasil pelas em
presas que atuavam aqui.
Esse quadro funcionava bem em um cenário de estabilidade cam
bial. Entre 1994 e 1999, a relação entre dólar e real era praticamente a
mesma. Mas isso estava mudando, e as bases econômicas da indústria
começaram a ser abaladas quando o governo acabou com a paridade cam
bial, em janeiro de 1999, e em um mês a moeda norte-americana foi de R$
1,20 para R$ 2,00. Esse foi o estopim de uma série de abalos estruturais
que determinariam o futuro da indústria nos próximos anos.
No momento, novos grupos preparavam a construção de novas ope
radoras, em função da licitação de outorgas realizada em 1998. Foi tam
bém nessa época que outros canais chegaram ao Brasil, animados pela
perspectiva de crescimento do mercado. Faziam-se investimentos na co-
dificação das redes, iniciados em 1997 pelos grandes operadores. E havia
também a preparação das redes de TV por assinatura já existentes para
receber a banda larga, que não deveria aguardar muito mais tempo para
uma definição regulatória.

159
Tudo isso significava gastos em dólares, que estavam bem mais caros
naquele começo de 1999. Um setor particularmente afetado foi o de DTH,
que tinha um componente de despesa que outras operadoras não tinham:
o aluguel do satélite, contratado no exterior. Além disso, os decodificado-
res das empresas de DTH, por serem digitais, pesavam ainda mais.
Leila Loria, então presidente da DirecTV, em depoimentos da época e
também em relato a esse livro, relembra que a crise cambial teve um papel
especialmente crítico para as empresas de TV por assinatura via satélite.
A DirecTV, especificamente, tinha cerca de 60% de seus custos em
dólar em razão do grande peso da programação estrangeira, satélite e
equipamento de recepção importados ou, se fabricados no Brasil, com a
maior parte dos componentes trazidos do exterior. Em operações de cabo
e MMDS os custos em dólar eram um pouco menores, por volta de 30%, e
ainda assim o endividamento das empresas era preocupante.
A Globo Cabo, por exemplo, ao mesmo tempo em que via o real se
desvalorizar em janeiro de 1999, se preparava para pagar até o meio do
ano US$ 240 milhões. O clima era de grande incerteza.
Havia entre os operadores a certeza de que uma negociação, pelo
menos no tocante aos custos de programação, deveria ser feita rapida
mente para evitar o comprometimento das receitas. Também existia a
ordem de suspender investimentos. Luiz Eduardo (Bap) Baptista, que du
rante o período da crise era diretor operacional da TVA, relata a este livro
que a crise cambial colocou uma pressão tão grande sobre operadores
naquele início de 1999 que as duas maiores empresas, Net e TVA, ficaram
praticamente oito meses sem pagar programação até a situação do dólar
se estabilizar e se chegar a um acordo sobre valores. Alguns pagamentos
eram inadiáveis, como o das licenças adquiridas no processo de licitação
de 1998, e nesse caso se davam bem algumas empresas que traziam di
nheiro de fora para pagar as outorgas. A Adelphia, por exemplo, chegou
a gastar US$ 1 milhão a menos do que previa no pagamento à Anatel em
razão da desvalorização cambial no intervalo de uma semana.
Mas esse era um caso pontual que em nada amenizava a crise que
se colocava para a indústria, e os investimentos começaram a ser repen
sados. Por exemplo, o lançamento de pacotes para a classe C, um projeto

160
que desde 1998 vinha sendo trabalhado por algumas operadoras e que
naquele primeiro trimestre de 1999 representava para as empresas um
risco que não poderiam correr.
O início de operação de algumas novas outorgas também teve que
ser adiado. A TV Filme, por exemplo, já tinha, em março daquele ano,
um headend pronto para iniciar as transmissões na cidade de Campina
Grande, na Paraíba. Seria sua primeira nova operação em dez anos de
existência, mas decidiu aguardar para ver como o mercado se compor
taria naquele cenário incerto. As outras seis operações que a TV Filme
colocaria no ar até agosto seriam construídas em março, o que acabou
não acontecendo em função da crise.
No início de 1999, além da crise, os operadores que se preparavam
para entrar no mercado viviam um dilema. Que programação adotar?
Eram dois os caminhos. Um, mais consagrado, era o da Net Brasil, que
abriria as portas para a programação Globosat. A TVA Networks, por sua
vez, que antes se colocava como uma alternativa no modelo de franquia
de programação, não era mais uma certeza nem mesmo para o grupo
Abril, que naquele momento buscava uma reestruturação financeira e já
tinha tomado a decisão de se afastar da produção de conteúdo para se
focar em suas próprias operações.
Para os independentes e para as dezenas de operações que surgiam,
não havia muitos caminhos a seguir. Foi então que alguns deles, lidera
dos principalmente por Cristina Mizumoto, da TV Alphaville, e Marcos
Amazonas, da TV Cidade, começaram a discutir a ideia de criar um grupo
independente para a compra de programação.
Em março de 1999 a proposta se consolidou e ganhou a simpatia
de alguns operadores médios, que somavam cerca de 330 mil assinan
tes. Em uma reunião realizada na TV Alphaville em 1º de março de 1999,
decidiu-se formalizar a existência e a situação do grupo por meio de uma
carta que seria enviada aos programadores. Buscava-se uma padroniza
ção das condições de negociação para os operadores independentes. Es
tes e novos players convergiam na análise de que ambos, sem o apoio das
franqueadoras, naturalmente tenderiam a encontrar mais dificuldades
na negociação. Naquela ocasião, praticamente todas as programadoras

161
já tinham aceitado congelar o câmbio no nível do início de janeiro ou,
em alguns casos, estabelecê-lo em um patamar apenas um pouco supe
rior a R$ 1,20. Mas ainda não se tinha clareza sobre a estrutura jurídica
do grupo, sobre o peso de cada um dentro da entidade ou sobre a parti
cipação, por exemplo, da TVA, que naquele momento ainda tinha uma
atuação como programadora, algo que dificultava sua presença, mas por
outro lado poderia adicionar uma base significativa de assinantes, o que
melhoraria as condições de negociação.
Em 21 de maio de 1999, contudo, o grupo foi criado oficialmente com
o nome de NeoTV, agregando operadores que totalizavam 551 mil assi
nantes, e vários outros operadores ainda em fase de instalação de suas
redes. A NeoTV, ao ser criada, tinha a expectativa de chegar a 2,5 milhões
de assinantes até 2003, número que nunca foi alcançado, não só pelas
contingências de mercado, mas porque alguns dos sócios originais aca
baram saindo do grupo. Como sócios fundadores da NeoTV apareciam, na
época, TVA, TV Filme, Canbrás, RTC, TV Show, Image TV, TV Alphaville e
a ACTV, entre os operadores com assinantes. Entre os novos operadores
estavam Adelphia (posteriormente chamada de Viacabo), Horizon (futura
Vivax), MMDSC, Ibituruna TV e Sunrise, além da Adatel (que controla a
concessão de Osasco) e da Alusa (concessionária em Guarulhos). Alguns
grupos demoraram um pouco mais para entrar, como foi o caso da Brasil
Telecomunicações, de Minas Gerais, ou não entraram, como a TV Cidade,
que apesar de ter participado das primeiras discussões, estava em con
versas com a Net naquele momento e preferiu não aderir ao grupo. As
operadoras de DTH Tecsat e a DirecTV não foram incluídas na formação
original da NeoTV. A Horizon, contudo, apesar de ter participado da equi
pe fundadora do grupo de compras, demoraria para efetivamente fazer
parte da agremiação, em função de negociações que mantinha com a Net
Brasil para a compra de programação.
A NeoTV surgia em um ambiente em que a discussão sobre a bus
ca de um pacote que permitisse massificar a TV por assinatura para a
classe C era um tema de crescente preocupação. Uma pesquisa realizada
pela TVA naquela ocasião, segundo documentos apresentados na época
aos jornalistas pela NeoTV, mostrava que cerca de 41% dos assinantes

162
estavam muito propensos a cancelar o serviço, número que subia a 51%
se confrontados com a necessidade de cortes em função da crise, e 48%
queriam um serviço mais barato. A NeoTV defendia um pacote básico de
R$ 30, um valor considerado razoável por 59% dos não assinantes. Se
gundo a pesquisa da TVA, cerca de 76% das pessoas sem TV por assina
tura não assinavam o serviço simplesmente porque não tinham dinheiro
para pagar o valor médio das mensalidades. Com estes argumentos em
mãos, a NeoTV sairia em busca de melhores preços por canal, cláusulas
de empacotamento mais flexíveis e sem a obrigação de pagamentos por
um número mínimo de clientes.
A batalha iniciada pela NeoTV naquela ocasião foi fundamental, so-
bretudo considerando que parte dos novos operadores não tinha nenhum
assinante, mas tinha limitações de financiamento. Seria uma batalha
complicada, em função do modelo de empacotamento criado no começo
de 1997 que, de alguma maneira, só funcionava para os programadores
enquadrados naquelas condições que estavam estabelecidas.
A TV Filme, que passara a usar a marca MaisTV, anuncia em maio um
primeiro pacote já negociado sobre os princípios da NeoTV. Havia um nível
de sub-básico obrigatório a todos os assinantes, com sete canais pagos, um
de cada programadora, por R$ 19,90. A partir daí, mais dois níveis podiam
ser combinados livremente em oito formas diferentes de empacotamento,
chegando a R$ 69. A MaisTV estava disposta a levar adiante a estratégia
de chegar à classe C e lançou naquele mês a operação de Campina Grande,
na Paraíba, com uma importante inovação do ponto de vista de marketing:
a venda pré-paga e com os equipamentos instalados pelo próprio usuário.
O modelo pré-pago nunca se tornou popular na TV por assinatura
como foi na telefonia celular. Primeiro, pela dificuldade de instalação do
equipamento. Depois, porque exigia um investimento no subsídio dos
equipamentos que acabava não se pagando com os gastos mensais que
o usuário teria. Mas aquela iniciativa da TV Filme foi importante por ser
a primeira estratégia mais agressiva de um operador no sentido de ten
tar massificar a TV paga para as classes menos favorecidas e, ao mesmo
tempo, evitar os riscos de criar uma base de assinantes suscetível a des
conexões e churn.

163
A Net Brasil, depois que o grupo Globo e a maior parte das empresas
parceiras caíram fora das licitações para novas outorgas de TV a cabo e
MMDS, tornou-se uma peça fundamental para o grupo da família Mari
nho manter a distribuição de seus conteúdos nas novas operações de TV
paga que surgiriam. Até aquele ano, a Net Brasil, apesar de definida cla
ramente como franqueadora de marca e conteúdos, muitas vezes tinha a
sua função confundida com a de operadora. Parte dessa confusão se de
via ao fato de que, muitas vezes, os papéis dos executivos se confundiam,
como foi o caso de Moysés Pluciennik, que até 1999 acumulava o posto de
presidente da Globo Cabo (operadora de cabo), da Net Brasil (franqueado
ra) e, durante um tempo, também presidente da Sky (operadora de DTH).
Em meados de 1999, essa confusão de papéis finalmente se resolve: a
Net Brasil rompe qualquer relação com as empresas operadoras do grupo
Globo e torna-se parte da estrutura de conteúdo do grupo, onde já estava
abrigada a Globosat.

QUEREMOS A TV GLOBO
O ano de 1999 também se inicia com uma disputa empresarial que
daria ao Cade e aos órgãos de defesa da concorrência um importante pa
pel na década seguinte, para a indústria de TV por assinatura. A Tevecap,
controladora da DirecTV, decidira entrar na disputa para ter acesso aos
conteúdos da TV Globo, que no DTH só estavam disponíveis para a Sky,
como parte do acordo com a News Corp., de Rupert Murdoch, celebrado
em 1996. O motivo da ação era o fato de a TV Globo não ter cedido a sua
programação para a empresa de DTH controlada pelos Civita. Só a Sky
tinha acesso a esses canais em algumas cidades, como São Paulo, Rio de
Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte.
Durante toda a história da TV por assinatura, a TV aberta sempre
foi um dos principais conteúdos. Seja porque a TV paga dava melhores
condições de recepção dos sinais das redes abertas, seja porque o conte
údo das emissoras de TV, sobretudo da Globo, sempre teve grande apelo
de audiência, o fato é que era complicado para qualquer operador falar
em TV por assinatura sem incluir, em sua programação, os canais dos
radiodifusores. Tanto é que na Lei do Cabo a obrigação de retransmissão

164
desses sinais das emissoras de TV (uma regra conhecida como “must car-
ry”) foi incluída por pressão dos operadores de TV paga, e depois, quando
foi celebrada a parceria para formar a Sky, uma das exigências da News
Corp era ter o sinal da TV Globo.
A DirecTV estava atrás na disputa com a Sky pela liderança no mer
cado de DTH, sobretudo depois que a Sky incorporou à sua base todos os
assinantes do serviço analógico NetSat, em banda C. A DirecTV atribuía
essa desvantagem competitiva ao sinal da TV Globo, e passou a pleitear
as mesmas condições comerciais para distribuir o seu sinal. A TV Globo
alegava que não cobrava pelo sinal, e sim pelo licenciamento de uso da
marca, um valor de R$ 0,50 por assinante. Sobre essa disputa, a DirecTV
escreveu em sua reclamação encaminhada ao Cade:

Estando a preferência, os gostos e sobretudo o hábito do telespectador


fortemente condicionados pela programação da rede aberta, em particular
pela programação da líder nacional de audiência, a dificuldade de acesso à
distribuição da programação dessa modalidade de serviço constitui-se em
expressiva barreira à entrada no submercado relevante de serviços de DTH
(...) como a Coca-Cola que, por sua popularidade e domínio de mercado, é
de presença imprescindível nos estoques do revendedor que não deseja ser
discriminado por seus clientes.

Em sua defesa, a TV Globo dizia ser seu direito autorizar ou proibir


a reprodução ou retransmissão das transmissões de seus sinais. E dizia
ainda que a legislação de defesa da concorrência não previa a possibili
dade de licença compulsória de direitos autorais, que havia uma abun
dância de oferta de programação e que nenhuma delas, Globo ou Direc
TV, poderia ser considerada essencial para efeito da concorrência.
A disputa iniciada em fevereiro de 1999 só seria resolvida em 2001,
num dos casos mais importantes de disputa concorrencial envolvendo
empresas de TV por assinatura. A Anatel, provocada pela Tevecap, lavou
as mãos e decidiu que não cabia a ela regular sobre conteúdo, e essa era
uma questão exclusiva de concorrência. Atestou, contudo, que não via
o conteúdo da TV Globo como um diferencial competitivo, analisando a

165
performance de vendas da DirecTV nas cidades em que a Sky tinha o si
nal da TV Globo e nas praças sem este sinal.
Longe do fim, a disputa ganhou proporções, inclusive, presidenciais.
Isso porque, no dia 8 de março de 2001, o conselheiro do Cade, João Bosco
Leopoldino, relator do caso, proferiu seu voto reconhecendo a causa da
DirecTV. Se prevalecesse a sua posição, a TV Globo seria obrigada a ce-
der seus sinais para a DirecTV. Pela primeira vez um caso como esse era
julgado pelo Cade, e pela primeira vez a TV por assinatura e a TV aberta
tornavam-se alvo de escrutínio concorrencial. Estavam em jogo naquela
decisão não só as condições de competição entre as empresas de DTH,
mas também o modelo econômico das emissoras de TV, as relações socie
tárias entre grupos de comunicação e empresas de TV por assinatura, e
até mesmo a questão do interesse nacional, que voltaria a ser colocada
em vários outros momentos da década de 2000.
Em 2001, a DirecTV já era uma empresa 100% estrangeira, e esse
fator foi determinante nos três meses que se sucederam entre a leitura
do relatório de Leopoldino e o término do julgamento. O argumento do
interesse nacional vinha à tona naquele momento, e a TV Globo, em sua
defesa, conseguiu movimentar algumas das mais relevantes forças polí
ticas no sentido de convencer o Cade a não votar da mesma maneira que
havia votado o conselheiro relator.
Diversos parlamentares e autoridades entraram na briga em favor
da TV Globo. O ministro das Comunicações na ocasião, Pimenta da Veiga,
foi um dos que levantaram a bandeira. Notícia publicada por PAY-TV Real
Time News em 22 de maio relata bem aquele momento:

O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, convocou nesta ter


ça, dia 22, uma coletiva de imprensa para anunciar que o governo vai iniciar
“uma defesa ampla do conteúdo nacional”. “Esta é uma posição do governo
e eu estou falando em nome do presidente da República”, disse o ministro.
Pimenta disse que não vai permitir que um descuido na legislação venha
a prejudicar a produção nacional. Apesar de afirmar que esta defesa não
será restrita ao conteúdo de televisão, mas também se estenderá a jornais,
revistas e rádios, Pimenta mencionou a briga da DirecTV para obter o sinal

166
da TV Globo. Ao falar sobre o processo da DirecTV contra a TV Globo no
Cade, Pimenta foi bastante duro em relação à operadora de DTH. “‘Este é
um caso específico onde devemos apoiar o conteúdo nacional. A DirecTV
quer ganhar dinheiro em cima do conteúdo nacional, transformando um
sinal aberto em um sinal de TV paga. Se querem bom conteúdo, que produ
zam bom conteúdo”, afirmou.

O caso alcançara uma proporção nunca imaginada pela DirecTV e


uma repercussão política sem precedentes na história das comunicações
brasileiras. No fim, em junho de 2001, a DirecTV acabou derrotada no
Cade, com voto contrário ao parecer do relator de todos os demais con
selheiros. Mas ali o setor abriu os olhos do Cade, que nos anos seguintes
teria um papel determinante, analisando casos de exclusividade de pro
gramação, fusão entre operadoras e aquisições importantes.
Curiosamente, em 2001 começaria um movimento de negociações
entre os acionistas, sobretudo por parte de Rupert Murdoch, nos EUA,
que anos depois levaria a uma fusão Sky e DirecTV.
Mas em 1999, a DirecTV ainda estava em uma fase de transição. De
uma empresa que tinha a Abril como principal acionista desde o início
de suas operações, em 1996, a DirecTV passaria, no ano de 1999, a ser
controlada pela norte-americana Hughes, empresa do grupo General Mo
tors. Na verdade, como relata a este livro Leila Loria, presidente da Direc
TV naquele período, o grupo Abril não tinha mais condições de manter os
investimentos necessários no negócio. O mercado de DTH mostrava-se,
não só para a Abril, mas aos poucos também para o grupo Globo, um ne-
gócio muito mais desgastante do ponto de vista de investimentos do que
outras tecnologias, sobretudo considerando-se os custos dos equipamen
tos na época. Além disso, segundo Leila Loria, o retorno do investimento
se tornava cada vez mais longo, o que só se agravou com a desvaloriza
ção cambial. Foi então que o grupo da família Civita decidiu reestruturar
completamente seu negócio de TV por assinatura: venderia a participa
ção do DTH, venderia a participação nas programadoras, daria saída aos
acionistas norte-americanos e, finalmente, sairia em busca de um novo
sócio para as operações.

167
Em janeiro de 1999 começaram as conversas com os controladores
da DirecTV nos EUA (a Hughes Electronics) para que a participação so-
cietária no Brasil fosse revista. A TVA tinha, até aquele momento, 75% da
operação brasileira e 10% da operação latino-americana, sendo que esta
última drenava uma quantidade significativa de recursos do grupo (o que
também acontecia para o grupo Globo em relação à Sky). Em 15 de maio
de 1999 as partes selaram o acordo e a Hughes Electronics, através da
Galaxy Latin America, adquiriu a totalidade das ações da empresa de TV
paga via satélite que estava sob o controle da TVA pelo valor de US$ 300
milhões e as dívidas da companhia.
Outro movimento importante foi o processo de desligamento da
Abril da atividade de programadora (exceto no caso da MTV). Em feverei
ro de 1999, o grupo afastou-se de sua participação no canal Bravo. Mais
adiante, em novembro de 1999, a Abril venderia para a Disney sua meta
de no canal ESPN Brasil, por R$ 5,7 milhões, que àquela altura dava um
prejuízo de R$ 21 milhões anuais. E em meados de julho de 2000 o grupo
ainda se desfaria de sua participação de 25% na HBO Brasil para os só
cios, pelo montante expressivo de US$ 43 milhões, colocando um ponto
final em uma parceria que havia definido a história da TV por assinatura
em 1994. O grupo saiu também, pouco depois, do canal Eurochannel (ven
dido à francesa Multitematicques por R$ 13,3 milhões).
Segundo declarações na época de José Augusto Pinto Moreira, pre
sidente da TVA e vice-presidente da Abril, a intenção, no médio e longo
prazo, era reposicionar o grupo para oferecer conteúdo a todas as mídias.
E a expansão da TVA no setor de telecomunicações (que viria com a Inter
net em banda larga naquele ano de 1999) era, na leitura dos executivos,
incompatível com a atuação na área de programação. Essa mudança de
estratégia tão radical foi comentada por Roberto Civita à revista PAY-TV,
em março de 2001.

Eu tenho na verdade uma frustração. Esta área exige quantidades de


investimentos que não estão disponíveis para empresas familiares ou de ca
pital fechado no Brasil. Isso é cada vez mais para empresas abertas, multi
nacionais, que buscam capital fora daqui, porque capital aqui é muito caro.

168
É frustração, é irritação por não termos um mercado de capitais, pelo fato
de o dinheiro aqui custar quatro vezes mais do que custa lá fora para nossos
concorrentes. É muito difícil jogar este jogo com uma empresa privada bra
sileira. Sinto-me frustrado por não termos como fazer. Os recursos gerados
por nós não são suficientes para bancar os investimentos necessários, e isso
é muito chato. Por isso precisamos de um parceiro. Agora, o que aconteceu
desde o momento em que entramos em TV por assinatura até agora foi uma
mudança total. De cinco anos para cá, a TV paga não é mais o mesmo negócio
em nenhum lugar. O que mudou foi que todo mundo que está nesse negócio,
não importa a plataforma, se deu conta de que é preciso aumentar o fluxo de
receitas, considerando os investimentos gigantes que são necessários para
se chegar à casa do assinante. Ter outros serviços virou quase um imperati
vo econômico. Se não acrescentarmos Internet, broadband, provavelmente
telefonia e mais, fica-se em uma posição economicamente indefensável.

A venda dos ativos dava à Abril um certo conforto para poder explo
rar a nova estratégia, e com a crise cambial digerida pelo mercado no
segundo semestre de 1999, as coisas começaram a mudar no mercado de
TV por assinatura e também para a Abril.
A estratégia da TVA no mercado de telecomunicações tinha duas
frentes: uma era o fortalecimento do seu provedor de acesso banda larga,
o Ajato. O serviço foi oficialmente lançado em 19 de julho de 1999. Mas
como ainda dependia de autorização da Anatel (que só viria em dezembro
daquele ano), era inicialmente um serviço de acesso unidirecional. Ainda
assim, foi o primeiro serviço de cable modem por redes de cabo lançado
comercialmente no Brasil.
Dias depois, a ImageTV, de Uberlândia, lançaria o seu serviço bidi-
recional, pois tinha como acionista uma empresa de telecomunicações
(a CTBC) e entendia, portanto, não ter restrições para lançar o serviço. A
ImageTV ainda se destacaria por ser a primeira operadora a lançar um
serviço de telefonia por redes de cabo, em março de 2000, utilizando a
tecnologia Cornerstone, da Nortel.
O diferencial do serviço de banda larga da TVA, na ocasião, era o
forte foco em conteúdos próprios para aquele tipo de conexão, especial

169
mente transmissão de vídeos e jogos. A Abril era acionista do provedor
de acesso UOL, e havia a intenção de explorar essa parceria na oferta de
conteúdos. Mas logo um problema se colocou: o conteúdo da Abril era ex
clusivo do UOL, o que significava que a TVAnão poderia explorá-lo para
o seu próprio serviço de acesso banda larga.
No final de 1999, com a regulamentação da Anatel, a TVA decidiu
separar o provedor de conteúdo da infraestrutura de acesso, abrindo uma
nova frente de negócio que tentaria aproveitar ao longo de 2000. Era o
ano da “exuberância irracional”, termo cunhado por Alan Greenspan,
ex-presidente do Federal Reserve dos EUA, em abril de 1999, para des
crever a febre das empresas de alta tecnologia nas bolsas. A onda das
“pontocom” inflava o mercado financeiro dos EUAe tudo o que estivesse
no contexto da Internet tinha, de imediato, um potencial de valorização
muito acima de qualquer... racionalidade. Alguns anos depois ficou claro
que era uma bolha especulativa, uma fase de valorização sem nenhum
vínculo com a realidade, mas o fato é que naqueles anos, mesmo opera
ções ainda sem nenhuma solidez financeira ou números palpáveis, como
base de assinantes ou receitas permanentes, como era o caso do Ajato,
eram avaliadas pelos especialistas em investimentos em valores estra-
tosféricos. No caso específico, quem fazia a avaliação dos ativos da TVA
era o banco Goldman Sachs, que em um determinado momento chegou a
estabelecer um valor futuro do Ajato superior ao da própria TVA. O grupo
Abril, que em vários momentos de sua história havia buscado sócios dis
postos a oferecer uma saída para a família Civita do negócio, viu, então,
não um, mas uma fila de proponentes.
Em março de 2000 havia pelo menos seis proponentes. As negocia
ções aconteceram com vários candidatos em vários momentos diferentes,
entre os quais, sabe-se hoje, estiveram Embratel, Telemar, Portugal Tele
com, Telefônica, AT&T, Bell Canada, UIH, entre outros. O valor mínimo pelo
qual a empresa havia sido avaliada era de cerca de US$ 1,7 mil por assinan
te (a empresa tinha 356 mil assinantes na ocasião), mas esperava-se no
mercado que o preço final chegasse a US$ 2,2 mil em função de uma venda
total ou parcial, do sucesso do acesso bidirecional à Internet, de uma au
torização para o canal de retorno do MMDS que estava sendo pleiteada na

170
ocasião, entre outras questões. Naquele primeiro semestre de 2000, a TVA
esteve muito próxima de ser vendida. Só não foi porque avaliava que, na
quele mercado em crescente valorização, seus ativos poderiam valer mais.
O resultado é que o grupo não conseguiu, naquele momento, encontrar o
parceiro que tanto buscava e disposto a pagar o que ela acreditava valer.
Observe-se que em 2000 a tecnologia de MMDS, onde estava boa
parte da base de assinantes da TVA, chegava a um ponto de inflexão im
portante. A tecnologia analógica estava praticamente condenada, pois a
General Instruments (GI, que naquela época foi vendida para a Motoro
la), fabricante da tecnologia de codificação Tocom (utilizada pelos opera
dores até então) decidiu interromper a fabricação do equipamento. Dali
em diante, os operadores teriam que contar apenas com estoques antigos
de caixas ou partir para alguma alternativa digital.

CONTEÚDO REI
Na mesma época em que crescia a onda de valorização de tudo o que
dissesse respeito à Internet, também se avolumava a onda de valoriza
ção de tudo o que dizia respeito a conteúdos. E um bom exemplo desse
movimento foi a HBO, que celebrou um acordo de exclusividade com a
DirecTV no final de 1999, em uma aposta arriscada numa época em que
já não se tinha tanta certeza se a exclusividade de uma marca fortemente
vinculada a conteúdos de filmes, e não a esportes, faria muita diferen
ça. Nos primeiros anos da TV por assinatura no Brasil, os filmes foram
determinantes e consumiram quantidades brutais de dinheiro por parte
das operadoras. Mas desde o final dos anos 1990, os conteúdos esporti
vos se tornaram mais relevantes.
De qualquer forma, em setembro de 1999 seria consolidada a pri
meira investida de peso em programação por parte da DirecTV no país,
após a saída do Grupo Abril. Segundo dados de mercado na época, era
um acordo de US$ 250 milhões em cinco anos, prazo em que vigoraria o
contrato de exclusividade dos canais HBO, HBO2 e Cinemax no mercado
de DTH. Era uma aposta pesada, de quase US$ 700 por assinante. A Di
recTV ainda celebraria em 2000 dois acordos de programação de grande
monta que seriam determinantes para a crise financeira enfrentada pelo

171
grupo a partir de 2002. Um deles foi o acordo de exclusividade da Copa
do Mundo de Futebol nos anos de 2002 e 2006 para a América Latina
(exceto Brasil) no valor de US$ 400 milhões. Outro era o direito de exclu
sividade sobre o canal Disney Channel por mais de US$ 600 milhões. Os
dois casos, entretanto, foram revistos no processo de reestruturação da
operadora nos anos seguintes, conforme se verá no próximo capítulo.
Naquele momento, entretanto, a HBO estava disposta a diminuir
sua presença no Brasil, e até o final do ano reestruturaria seu escritório
local, deixando no país apenas a área de comercialização e marketing.
O acordo entre HBO e DirecTV teria ainda um impacto dramático
para uma pequena operadora de TV paga via satélite que havia começado
as suas operações no começo de 1998: a Tecsat. Alguns meses antes de
se tornar exclusiva no DTH, a HBO havia cortado o sinal da Tecsat, ale
gando fragilidade no sistema de auditoria da empresa de São José dos
Campos. De uma hora para outra, a Tecsat perdia seus principais canais:
HBO, HBO2, Mundo, Sony, E! e Warner. Um pouco depois, já com o acor
do de exclusividade anunciado, ficou impossível à Tecsat recuperar essa
programação. Como o conteúdo Globosat também era exclusivo da Sky, a
empresa ficou limitada em suas opções e foi obrigada a financiar a pro
dução de canais próprios, mas pouco competitivos, com os canais das de
mais operadoras. Somando-se a isso as dificuldades de administrar um
negócio de custos tão elevados com uma escala pequena de assinantes, a
Tecsat entrou em concordata em 2000 com pouco menos de 60 mil assi
nantes conquistados. A empresa não conseguiria mais se recuperar, até
ter seu sinal tirado do ar em 26 de junho de 2007, ao fim do contrato com
o fornecedor de satélite Intelsat.
Se uma operação de TV por assinatura via satélite tombava, outras
surgiam. Em janeiro de 2000 a DTCom, controlada pelo empresário Leo
nardo Petrelli (um dos pioneiros na operação de TV por assinatura no Es
tado do Paraná) lançava o seu serviço, com uma inovação: era o primeiro
serviço de TV por assinatura corporativo.
Mas a HBO não foi a única a se beneficiar com a onda do conteúdo de
alto valor. O grupo Globo também teve o gosto de ver a sua marca avalia
da de maneira surpreendente. Depois de lançar o seu provedor de acesso

172
Globo.com em março de 2000, o grupo da família Marinho protagonizou
o maior negócio já realizado na Internet brasileira até os dias de hoje. A
Telecom Italia, que no Brasil já havia sido sócia da Globo nas operações de
celular adquiridas em 1997 e 1998, decidiu entrar de sócia no portal Globo.
com pagando a quantia de US$ 810 milhões por 30% das ações. Apostava
que teria, com isso, acesso privilegiado aos conteúdos da Globo em suas
aplicações para celular por meio do protocolo WAP (única forma de nave
gação possível nos celulares da época) e a expansão do Globo.com para
a América Latina e outros países em que a Telecom Italia atuava. Havia
ainda a perspectiva de que o portal, que não tinha nenhuma relação com a
atuação da Globo Cabo no mercado de banda larga, abrisse em bolsa.
Uma questão que chamava a atenção era o fato de a estratégia da
Globo para a Internet ter se desenvolvido de maneira independente
da operação de cabo. Segundo relato a este livro feito por Moysés Plu-
ciennik, presidente da Globo Cabo na época, houve de fato uma certa
surpresa na operadora pelo fato de o projeto ter sido desenvolvido sem
buscar sinergias com os esforços que foram desenvolvidos na criação
do Vírtua. E o surgimento do Globo.com também forçou uma revisão
da estratégia da Globo Cabo. O conceito original do Vírtua, segundo
Pluciennik, previa um modelo de “walled garden”, um “jardim cerca
do” em que haveria um portal de conteúdos restrito àqueles usuários
do serviço de banda larga. Era o modelo que a AOL praticava nos EUA e
que também os portais brasileiros tinham até então. Mas com a criação
do Globo.com, e com o próprio modelo regulatório definido pela Anatel,
essa estratégia teve que ser revista, e o Vírtua se tornou apenas uma
solução de acesso. Também não houve aproveitamento da parceria com
a Microsoft, que naquela época tinha o portal MSN e poderia ter parti
cipado do modelo do Globo.com.
Mas se a Globo Cabo não pôde aproveitar juntamente com a Globo a
onda da Internet, aproveitou aquele ciclo de outras maneiras. Havia em
todo o mundo uma verdadeira febre por operações de TV a cabo. A Mi
crosoft investia centenas de milhões de dólares em operadoras de cabo
mundo afora. Paul Allen, fundador da Microsoft e sócio minoritário da
empresa, também investia em TV a cabo. Os valores de negociação de em

173
presas chegavam a patamares inimagináveis anos antes, tudo graças à
onda da Internet e à promessa de que a TV a cabo seria a forma preferen
cial de entregar banda larga.
A operadora de cabo Adelphia Cable, nos EUA, tinha comprado a ope
radora Cablevision por US$ 1,5 bilhão (US$ 5 mil por assinante). A AT&T
vendeu à Comcast 750 mil assinantes por US$ 4,5 mil cada. Mas a vedete
era mesmo a AOL, que em janeiro de 2000 comprou o maior grupo de mí
dia dos EUA, o Time Warner, por US$ 160 bilhões em troca de ações.
Havia ainda o conceito de Internet na TV, ou WebTV. A AOL, por
exemplo, pagou US$ 1,5 bilhão à Hughes simplesmente para que fosse
desenvolvido um modelo de TV interativa pela DirecTV nos EUA, negócio
que também repercutia no Brasil, pois a AOL tinha como sócio, na Améri
ca Latina, o grupo Cisneros, que era acionista da DirecTV Latin America.
No Brasil, um grupo desconhecido lançou em abril de 2000 um serviço
chamado MyWeb, semelhante ao WebTV da Microsoft, e prometia inves
tir US$ 160 milhões no negócio.
As empresas de telecomunicações, notadamente a Telefônica, es-
tavam apostando alto no mercado de mídia. Em 1999, a empresa criava
a Telefônica Media, que atuava no mercado de TV por assinatura pelo
mundo e como investidora em negócios de conteúdos em diversos paí
ses, sobretudo na América Latina e Espanha. A empresa tinha contrata
do, em junho de 1999, Antônio Barreto, então diretor geral da Net Brasil.
O grupo Telefônica já levara o ex-presidente da DirecTV, Antônio Ríos,
e começava a despertar preocupações entre os grupos de comunicação
brasileiros. Durante um curto período, a Telefônica quase comprou a TVA
e o SBT. No caso da TVA, foi feita uma oferta de US$ 800 milhões, que
não se consumou porque a operadora estava negociando com outros pro
ponentes e tentou um preço maior. No caso do SBT, a operação não saiu
porque Silvio Santos, talvez sem interesse real em vender, não soube dar
um preço para sua emissora.
Um dos negócios que a Telefônica conseguiu fechar foi a compra da
Endemol, na Holanda, e ali tornou-se sócia indireta da Globo no Brasil,
quando a Endemol e a Globo acertaram uma sociedade para a produção dos
reality shows como o Big Brother. Mas o projeto da Telefônica Media, se

174
gundo relatos de quem acompanhou os movimentos, estava intimamente
ligado à onda de especulação da Internet e à perspectiva de uma abertura
de capital. Era, além de tudo, um projeto pessoal de Juan Villalonga, então
presidente do grupo Telefônica, que foi afastado por escândalos corpora
tivos. Sem Villalonga e com a janela de abertura de capital se fechando
com o fim da boa fase das bolsas, a Telefônica Media morreu. Isso não im
pediu, contudo, o grupo de anunciar no Brasil, em março de 2001, o plano
para um serviço de vídeo sobre sua rede de banda larga Speedy, que havia
sido lançado em 2000. A tecnologia que seria usada era a de uma empresa
chamada Pixstream, que também sumiu do mapa com o fim da onda de In
ternet em 2001, e o projeto de vídeo sobre a rede de xDSL da Telefônica foi
para a gaveta, para ser recuperado somente alguns anos depois.
Durante a fase de festa, contudo, era natural que a maior operado
ra de cabo do Brasil se beneficiasse daquela onda de entusiasmo com a
Internet e com as possibilidades da banda larga. A Globo Cabo tinha dí
vidas pesadas no começo de 1999 e passou por maus bocados assim que
a desvalorização cambial tornou-se realidade. Em março daquele ano os
papéis da operadora bateram no patamar mais baixo até então, chegando
a US$ 1 por ADR. Era um valor irrisório se comparado com os US$ 15 por
ADR, quando a Multicanal abriu o capital no mercado norte-americano
no fim de 1996, ou os US$ 11 pagos pela própria Globo Cabo pela Multica
nal no final de 1997. Mas, aos poucos, a crise cambial foi dando lugar ao
crescente entusiasmo que àquela altura era forte nos mercados desenvol
vidos, e a Globo Cabo vivenciou uma impressionante escalada no valor de
suas ações ao longo do ano.

FESTA NA NASDAQ
Se alguém tivesse investido US$ 1 milhão em ADRs da Globo Cabo
negociadas na Nasdaq, a bolsa de tecnologia de Nova York, no dia 29 de
março de 1999, quando o papel bateu no chão, e tivesse tido coragem de
esperar um ano, receberia de volta, em fevereiro de 2000, nada menos do
que US$ 25 milhões. A Globo Cabo tornou-se uma das operadoras de TV
por assinatura mais bem avaliadas do mundo, com o assinante avaliado
emUS$ 5 mil no auge de sua valorização. Tudo porque houve, ao longo de

175
1999, uma forte expectativa sobre a entrada de um grupo estratégico, o
que de fato aconteceu no segundo semestre com a entrada da Microsoft
e do Bradesco, e no final do ano o BNDES, como acionistas da empresa.
Com o lançamento comercial do Vírtua, no final de 1999, os papéis tive
ram uma nova onda de valorização e permaneceriam cotados em valores
elevados ao longo de todo o ano de 2000.
Foi então que a Globo Cabo decidiu consolidar sua posição como
maior operadora do país, adquirindo as participações dos sócios na Uni-
cabo, operadora do interior de São Paulo controlada pela família Couti
nho Nogueira, e daRBS naNet Sul. Aprimeira operação foi adaUnicabo,
adquirida no dia 16 de maio de 2000 por US$ 35 milhões, ou US$ 2,9 mil
o assinante, já computados aí o valor das ações e a dívida da empresa. O
que explicava o montante do negócio na ocasião era o fato de a Unicabo
ter uma rede bem ajustada para serviços de Internet e por ter suas ope
rações concentradas no interior de São Paulo, nas cidades de Campinas,
Jundiaí, São Carlos, Franca e Indaiatuba. Era um valor importante como
referência para o mercado após alguns anos sem negociações de grande
porte. Naquele momento, a Net Sul também estava à venda, a TVA busca
va parceiros, e o valor estabelecido pela Globo Cabo balizava as demais.
Foi o que aconteceu um mês depois, quando a Globo Cabo acertou a com
pra da Net Sul, controlada pela RBS.
A operação de incorporação da Net Sul foi avaliada em US$ 900
milhões, ou cerca de US$ 2,7 mil por assinante, incluindo-se a dívida da
operadora incorporada, equivalente a US$ 172 milhões. Mas a família
Sirotsky receberia, como forma de pagamento, ações da Globo Cabo, e
tornou-se acionista da empresa em 22,5% de seu capital.
O valor pago pela Globo Cabo pelos 372 mil assinantes da Net Sul foi
considerado, naquele momento, surpreendente para os padrões do mer
cado brasileiro, mas teve uma importância estratégica. Primeiro, porque
a Globo Cabo conseguia afastar o risco de ver a United Global (antiga
UIH) voltar a atuar no mercado brasileiro — a operadora norte-americana
flertava com diversos grupos naquela ocasião, incluindo a Net Sul e a
TVA. E depois porque a família Sirotsky e os Marinho tinham uma re-
lação histórica, e a entrada da RBS no capital da Globo Cabo não gera

176
ria desconforto; era mais fácil fazer uma aquisição por meio de troca de
ações do que em dinheiro vivo. Mas, sobretudo, a compra da Net Sul era
importante porque com a operação a Globo Cabo chegaria a 1,4 milhão
de clientes e controlaria 75% do mercado de TV a cabo no Brasil. Haveria
alguns desafios a serem enfrentados dali em diante, como a integração
da tecnologia de banda larga, que no caso da operadora gaúcha utiliza
va modems padrão DOCSIS, abertos, enquanto os da Globo Cabo eram
Terayon. Também a tecnologia de codificação era diferente (GI, contra
Eastern, da Globo Cabo). Ainda assim, a Net Sul era a peça que faltava no
quebra-cabeça da operadora.
Por um lado, a Globo Cabo se expandia adquirindo empresas já es-
tabelecidas. Por outro, o mercado começava a ganhar novas operadoras,
resultantes da licitação de 1998. Aprimeira nova operadora a lançar uma
operação de TV a cabo legalmente no Brasil, depois da fase das DISTVs,
no começo da década de 1990, foi a ESC90, uma subsidiária da Escelsa,
empresa de energia do Espírito Santo, que havia adquirido a concessão
de Vitória e a de Vila Velha. A ESC90 entrou em operação já em abril de
1999, porque tinha preparado o cabeamento dos condomínios mais im
portantes da cidade com dois anos de antecedência, temendo o avanço
das operações de cabo sem licença na cidade. Obviamente, a Escelsa não
tinha problemas para negociar postes, o que era um grande problema
para todas as demais operadoras.
A maior parte delas, que deveria entrar em operação em 1999, não
conseguiu. O prazo final estabelecido nas propostas técnicas apresenta
das durante o processo de licitação previa 18 meses após a assinatura
dos contratos para o início das operações. O prazo estouraria em 30 de
julho de 2000, mas poucas estavam em condições, e o grande vilão eram
os contratos de uso de poste. A relação entre as empresas de TV paga
e as concessionárias de energia é problemática desde os primórdios da
TV por assinatura no Brasil. Nunca, em nenhum momento da história,
houve registro de um período de satisfação de ambas as partes nessa re-
lação. Por parte das empresas de energia, há o desejo de cobrar um valor
elevado para o aluguel dos postes. Por parte das empresas de TV por assi
natura, há o entendimento de que o poste é um bem essencial à prestação

177
do serviço, e como há um monopólio virtual por parte das elétricas, os
preços acabam sendo injustos para operadores de TV por assinatura.
Naquele primeiro semestre de 2000 não foi diferente. Algumas em
presas, como a Horizon, aceitaram pagar os valores pedidos para não
ver atrasos no cronograma. A TV Cidade também, mas em muitos outros
casos as operadoras recorreram à Justiça para conseguir estabelecer va
lores razoáveis. Parte da confusão se devia à própria Anatel e à agência
do setor de energia, a Aneel, que demoraram para finalizar um regula
mento sobre o compartilhamento de infraestrutura, apesar da obrigação
prevista na lei geral de telecomunicações (por reivindicação, aliás, das
operadoras de TV a cabo, durante a elaboração da LGT, em 1997). Entre
maio e outubro, quando a Anatel começou a colocar mais pressão sobre
as empresas de energia para a resolução de conflitos na contratação de
postes, o mercado acelerou, e cerca de 50 operações entraram em funcio
namento naquele período.
Mas enquanto chegava o prazo final para aqueles que ganharam
suas concessões em 1998, o processo de licenciamento não parava, e no
vos editais foram abertos em 1999 e 2000, o que causou um fenômeno
interessante: a TV por assinatura voltava às suas origens dos tempos das
operações de CATVe, depois, DISTV, e pequenos grupos, muitasvezes em
presários locais, participavam e venciam a licitação. Em março de 2001
havia mais de 60 novas licenças de cabo e MMDS concedidas a empre
sários nessas condições. Empresas como Diário da Amazônia (grupo de
Rondônia, controlador do principal jornal local), Agência WW (um grupo
de Cascavel/PR), Nova Rádio Laranjal (empresários do ramo varejista de
Tietê/SP, também donos de uma rádio local), Rádio Bom Jardim (grupo
local da cidade de Pereira Barreto/SP), Martins & Cecchini (radiodifuso-
res de Orlândia/SP), Televigo (de empresários do ramo de marmorarias
em Cascavel/PR) e Jea Comunicações (empresa de propriedade da empre
sa de consultoria Free Channel)... Essas e outras começavam a aparecer
como novos e futuros operadores de TV por assinatura.
Entre 1999 e 2000, a construção de redes acontecia como só fora
registrado em 1994 e 1995, com a expansão da Net e da Multicanal. Eram
cerca de 100 km de cabos esticados por mês em todo o país, apesar de fal

178
tar mão-de-obra especializada em alguns lugares. Boa parte dos contra
tos de construção de rede naquela época eram na modalidade turn-key,
ou seja, o fornecedor contratado era responsável por toda a execução, do
projeto da rede à instalação, e empresas como a Furukawa e TeleDesign
se destacaram nesse período.
AHorizon, que operava no interior de São Paulo, registrava os índi
ces mais acelerados de crescimento e conseguia conquistar em poucas
semanas cerca de 15% dos lares que haviam sido cobertos pela rede, um
resultado que impressionava até os profissionais da operadora Horizon,
norte-americana, acionista da operadora brasileira. Nessas condições,
era natural que houvesse também conflitos entre os novos operadores
de cabo e as empresas de DTH que mantinham uma postura agressiva. A
Horizon, em alguns casos, chegava a comprar o equipamento que deter
minado assinante tivesse para a recepção via satélite, para incentivar a
troca pelo seu produto.

PROGRAMAÇÃO LOCAL
Com o desbravamento de pequenas cidades, alguns operadores
passaram a sentir aquilo que os primeiros operadores de DISTV tinham
sentido no começo da década de 1990. Diferenças socioculturais entre os
municípios impunham programações diferentes em cada cidade, muitas
vezes com estímulo a canais locais e comunitários. Foi o que fez a Adel-
phia (naquele momento, já batizada de Viacabo), por exemplo, que em
várias cidades tirou do ar a programação erótica durante a madrugada,
ou fez parcerias com faculdades e grupos comunitários para desenvolver
programação que desse ao cabo o caráter local, algo que a TV por assina
tura via satélite não tinha como oferecer.
A Canbrás também era uma operadora que dava forte ênfase à pro
gramação local, e desde 1998 vinha desenvolvendo um projeto pioneiro
no Brasil de programação localizada, o ABC3. Como característica, exis
tia o fato de ser produzido, em todas as suas etapas, pelos habitantes
da cidade. Foi um conceito trazido do Canadá por Manuel Floriano, um
canadense filho de açorianos. Os funcionários do canal eram sempre vo
luntários, que faziam fila para colaborar, e os programas buscavam foco

179
em esporte e em jornalismo locais. Como em todas as experiências de
programação local existentes no Brasil, muitas durante os anos 1990 e
algumas a partir de 2000, os canais exigiam investimentos dos operado
res e em geral não tinham retorno publicitário compatível com os custos.
Mas quase sempre os investimentos compensavam na concorrência com
o DTH ou como forma de criar vínculo com as comunidades. Outras ini
ciativas mais profissionalizadas surgiram, como a TVCom da RBS, um
projeto forte de programação local em Porto Alegre criado em 1995 e que
em 2000 chegava a Florianópolis; ou a Rede TV+, que seria lançada em
2002 em algumas cidades do interior paulista e na Baixada Santista.
Outro grupo que apostou em programação regional foi a TV Cidade,
que em 2000 se tornou afiliada da Net Brasil em algumas cidades, e mes
mo assim tinha autorização para desenvolver a programação regional, o
que aconteceu em cidades como Aracaju, por exemplo.
Em outubro de 2000 foi realizado o primeiro encontro nacional de
canais comunitários, onde pôde ser feito um primeiro balanço efetivo da
presença desses canais entre as mais diferentes operadoras brasileiras:
eram mais de 20, alguns poucos desvirtuados da proposta original colo
cada pela Lei do Cabo, por terem forte caráter comercial ou por serem
controlados por grupos fechados. Mas, em geral, o saldo foi positivo.
Outra inovação importante trazida pelos novos operadores que esta
vam iniciando suas atividades em 2000 era a digitalização, não das ope
rações de cabo, mas de MMDS. A empresa Teleserv, de Aracaju, e a Acom
foram duas operadoras que optaram por iniciar suas transmissões já em
caráter digital, em resposta à falta de equipamentos analógicos.
Com o surgimento das novas operadoras de MMDS e com a busca de
novas tecnologias de transmissão digital, as empresas que exploravam a
tecnologia decidem, em maio de 2001, criar uma associação própria. Era
uma associação com uma proposta diferente: pesquisar e ajudar as em
presas de MMDS a definir tecnologias que gerassem, para todos, ganhos
de escala e novas oportunidades de negócio. A Neotec acabou ganhando,
anos depois, um papel central, inclusive no âmbito internacional, na pro
moção junto ao mercado de MMDS de uma das grandes inovações do ponto
de vista de tecnologias de transmissão de dados banda larga que estavam

180
surgindo: o WiMAX, como se verá mais adiante. A Neotec, no seu nasci
mento, conseguiu congregar a maior parte dos operadores de MMDS.
Uma outra estratégia importante introduzida pelos novos operadores
foi agregar operações próximas em uma mesma estrutura operacional, se
possível também compartilhando rede. Foi o caso da Horizon, que por ter
muitas operações próximas no Estado de São Paulo, tomou o cuidado de
interligar as redes com fibra e criar estruturas administrativas mais enxu
tas. AHorizon começou suas operações em 2000 de maneira extremamen
te agressiva, lançando a primeira delas em Americana/SP em fevereiro e
depois colocando praticamente uma operação no ar a cada 15 dias.
Naquele período de crescimento das operações, houve um movi
mento razoável de surgimento de novos canais. Chegaram ao Brasil o
canal National Geographic, o AXN, Casa Club, o canal PSN, que tinha
como sócios o fundo Hicks, Muse, Tate & Furst e detinha, para o Brasil,
alguns direitos esportivos fortes, como Copa Libertadores. Também a
Globosat chegou a anunciar oficialmente, em junho de 1999, a criação
de um canal de futebol com o Clube dos Treze, como parte das negocia
ções de exclusividade dos direitos de transmissão dos jogos. O canal
nunca saiu do papel.
O que saiu do papel foi o projeto de programadora do grupo Bandei
rantes. Até então, apenas o grupo Globo investia na produção de canais
brasileiros. Mas com as políticas de exclusividade, havia uma lacuna a
ser preenchida, e a Bandeirantes não perdeu a chance. Em 19 de março
de 2001 entrava no ar o BandNews, o primeiro canal do tipo “headline
news” (manchetes), que surgiu como contraponto ao Globo News e que
conseguiu, de cara, uma distribuição de mais de 1 milhão de assinan
tes logo que entrou no ar, tamanha era a demanda de DirecTV, TVA e
operadores independentes por canais diferenciados. Posteriormente a
Band ainda lançaria o BandSports (que foi o primeiro canal de espor
tes a fazer uma transmissão em alta definição de um evento, a Copa de
2006) e o Terra Viva.
Em outubro de 2000, a Globosat voltaria a anunciar um novo canal
esportivo, desta vez em parceria com ESPN e Fox Sports, outro projeto
que não saiu do papel, da mesma maneira que não se viabilizou a entra

181
da da Globosat no capital da ESPN Brasil. Mas a ofensiva da Globosat
detonou, um ano depois, em outubro de 2001, um processo movido pela
NeoTV junto às autoridades concorrenciais pelo fim da exclusividade do
canal SporTV.
Em março de 2001, começaram a sair os primeiros resultados de
audiência medidos pelo Ibope. Entre os canais mais assistidos estavam
Cartoon, Fox Kids e Telecine Premium, mas ficava claro que o grosso da
audiência da TV por assinatura ainda era para os canais abertos. A par
ticipação na audiência dos canais pagos entre os dez mais assistidos era
inferior a 10%, e considerando-se os televisores com TV paga medidos
pelo Ibope (350 naquela ocasião), os canais pagos tinham cerca de 25%
da audiência total.
Aquele período também foi especialmente importante para as opera
doras de DTH, que haviam chegado à marca de 1 milhão de assinantes no
Brasil em outubro de 2000 e davam início às primeiras aplicações de in-
teratividade digital na televisão brasileira. A primeira operadora a ter um
serviço digital diferente de tudo o que já havia sido feito foi a Sky, ao trans
mitir os jogos das Olimpíadas de Sidney com um canal especial em que
a tela era dividida em quatro telas menores, nas quais o assinante podia
acompanhar ou escolher transmissões simultâneas e obter informações
adicionais sobre os eventos. Foi uma parceria com a SporTV e desde então
as transmissões esportivas de grandes eventos seguem esse padrão, mais
tarde com alguns aprimoramentos como câmeras exclusivas. Em janeiro
de 2001 a DirecTV colocou no ar algumas aplicações de home banking (em
parceria com o banco Itaú), jogos, previsão do tempo, serviços de atendi
mento e esclarecimento. Alguns desses serviços não deram certo, como
home banking, por que os usuários sentiam-se desconfortáveis com a pos
sibilidade de perder a privacidade dos dados. Mas outros serviços lança
dos posteriormente pela Sky, como interatividade com canais, como foi o
caso do GloboNews interativo, tiveram bastante repercussão.
No ano de 2001, a Globo Cabo finalmente levou adiante algum pro-
jeto que envolvia, efetivamente, a Microsoft ao testar set-tops com o sof
tware Microsoft TV Basic Digital. A operadora cogitava, desde 1998, tes
tar a plataforma digital, mas os planos foram adiados sucessivamente

182
em função das crises econômicas. Naquele momento, contudo, a Globo
Cabo deu início ao seu projeto no operador-laboratório de Sorocaba. Era
uma tecnologia simples, voltada para caixas digitais sem muitos recur
sos. O set-top box digital usado era produzido pela Samsung. Mas foi
apenas um teste, e desse momento em diante a Globo Cabo teria poucas
condições de se preocupar com inovações. A maior tempestade entre to
das as já enfrentadas pelas operadoras de TV por assinatura no Brasil
começava a se formar no horizonte.
O real, que desde o começo de 1999 estava solto, vinha se desvalori
zando progressivamente, processo que se agravou em 2001 com a crise
de energia, que por sua vez afetou de maneira significativa a possibilida
de de crescimento da economia.
Os serviços de banda larga também não cresciam a contento, e as
dívidas em dólares dos principais operadores davam saltos exponenciais
quando convertidas para o real, que não parava de derreter. No caso da
Globo Cabo, em meados de 2001 a dívida já era da ordem de R$ 1,6 bilhão.
A operadora cortou quase 20% de sua base de funcionários e anunciou
um plano de reestruturação de dívida que seria implementado em 2002.
Moysés Pluciennik, presidente da operadora, que enfrentava ali a tercei
ra crise no comando da empresa, já havia acertado a sua saída da compa
nhia meses antes, e o fez efetivamente em setembro de 2001.
A situação da holding Globopar não era muito melhor: com a dete
rioração do cenário econômico, a dívida bruta da Globopar em 2001 che
gava em US$ 1,77 bilhão. A família Marinho, àquela altura, se desfaria de
ativos para cumprir suas obrigações junto aos credores, e suspenderia
alguns aportes que deveria fazer como acionista na Sky. Em entrevista à
revista PAY-TV de outubro de 2001, para falar sobre os dez anos da Glo-
bosat, Roberto Irineu Marinho, presidente do grupo, disse pela primeira
vez que a Globo estava disposta a abrir mão dos ativos em distribuição.
Ou seja, aceitava vender a Globo Cabo e a Sky. Era o prenúncio do que
viria acontecer dali em diante.

183
CAPÍTULO 8

Surgem os
novos modelos
Desde 1989, quando a TV por assinatura do Canal+ entrou em ope
ração na cidade de São Paulo, até 2001, apesar de todas as crises que o
mercado tenha vivido, nunca, em nenhum momento, houve estagnação
no crescimento. O ano mais complicado até então havia sido 1998, quan
do o mercado cresceu graças ao avanço do DTH. Mas aquele, apesar de ter
sido um ano de crise, foi também um ano em que as operadoras passaram
por ajustes de base e aprenderam na própria pele a lidar com o problema
de churn e inadimplência.
Mas o ano de 2001 foi especialmente ruim. O mercado começara
o ano com 3,5 milhões de assinantes e fechava exatamente nesse mes
mo patamar. Aretração no consumo de eletrodomésticos foi brutal, em
função da crise energética, e teve impacto direto sobre a disposição das
pessoas para comprar, ou mesmo manter, seus serviços de TV paga. Não
houve crescimento simplesmente porque não havia movimento na econo
mia e as empresas de TV por assinatura não tinham fôlego para crescer.
Assim definia a situação Moysés Pluciennik, presidente da maior ope
radora do país, a Globo Cabo, em entrevista à revista PAY-TV de agosto
daquele ano:

A crise cambial nos pega nos custos. A crise geral nos pega nas ven
das e na fidelização. Temos que aprender a lidar com isso. O planejamento
de longo prazo é em essência o mesmo, mas o planejamento tático muda.
Temos que nos resguardar. O nosso setor cresce, em média, duas vezes o
PIB quando o crescimento é positivo. Mas o mesmo vale, no sentido inver

184
so, paraPIB negativo. Para nós, o número mágico é umPIB positivo de 2,5%
ou mais. Menos que isso é ruim.

Hoje, em depoimento a este livro, Pluciennik avalia a situação em


que a Globo Cabo, especificamente, se encontrava naquele momento.

Pouco depois de sair da Globo Cabo, um amigo que trabalha em um


grande banco me pediu para eu contar o que tinha acontecido. Eu disse
para ele que não havia nenhum grande mistério por trás da situação em
que a empresa havia chegado: a dívida havia sido contraída com o dólar a
R$ 0,80 e naquele momento o dólar valia R$ 2,70, com as receitas em real.
Não havia empresa que conseguisse aguentar aquela situação. Pode-se jus
tificar que a empresa não deveria ter contraído tanta dívida em dólares? É
verdade, mas o Brasil, como país, fazia aquilo. O país devia em dólar naque
la época. Todo mundo acreditava que aquele fosse o caminho, o dinheiro
vinha fácil.

Com a saída de Pluciennik, assumiu a empresa, em outubro de 2001,


um executivo com histórico de reorganização de empresas endividadas,
Luiz Antônio Viana, ex-diretor da BR Distribuidora e cujo grande cartão
de visitas era a reestruturação do grupo Pão de Açúcar feita na época do
governo Collor. Viana assumia também com um tom agressivo, ao ponto
de vir a público, em um comercial institucional da Globo Cabo, criticar a
prestação de serviços da própria empresa. Ele dizia que a operadora pre
cisava “baixar a bola” e se focar na prestação de serviços. Mas sabia que
o abacaxi era bem maior do que isso.
O fato é que a Globo Cabo logo foi obrigada a anunciar um plano de
reestruturação. Em 12 de março de 2002 viria o primeiro plano, no total
de R$ 1 bilhão. Pelo plano anunciado, o grupo Globo entraria com mais R$
540 milhões. Desse montante, R$ 305 milhões já haviam sido adiantados
em 2001, portanto não significavam dinheiro novo para a operadora. O
BNDES colocaria mais R$ 284 milhões; o Bradesco, mais R$ 95 milhões,
e a RBS, outros R$ 56 milhões. Mas o plano tinha um “porém”: boa par
te dos recursos entraria na compra de debêntures, papéis de dívida que

185
seriam emitidos pela Globo Cabo. O sucesso do plano dependia, então,
da emissão dessas debêntures. Na prática, estavam entrando no caixa
da companhia apenas R$ 445 milhões, o que aliviava apenas em parte a
dívida da empresa de R$ 1,5 bilhão, que crescia à medida em que o real se
desvalorizava, pois metade dela era em dólares. Para piorar ainda mais o
quadro, cerca de R$ 550 milhões venceriam naquele ano de 2002. A rees
truturação previa que a Globo Cabo seria mais aberta ao mercado de capi
tais, migrando para patamares mais elevados de padrões de governança
corporativa e transparência de mercado. Ela se tornaria uma companhia
“Nível 2” da Bovespa, o que era um fato ainda raro naquela ocasião.
O plano não escondia um componente gerencial também. O BNDES
exigia uma mudança no acordo de acionistas para ter assento no conse
lho da empresa e poder de voto e veto em algumas questões. O peso da
controladora (Globo) no conselho seria dividido com outros sócios. E al
guns assuntos deveriam ser, necessariamente, aprovados por pelo menos
três acionistas: a aprovação do orçamento anual (incluindo investimen
tos); eleição e demissão de diretores estatutários; e, mais importante, a
negociação dos custos de programação. Essa era uma peça-chave da re-
estruturação, já que boa parte dos custos da empresa estavam ligados à
programação, e o controlador também exercia esse papel pela Globosat.
O plano de capitalização da Globo Cabo não era perfeito, segundo
avaliação dos analistas na época, e não resolvia o problema por inteiro,
mas era o possível em um cenário de limitação brutal de crédito. Mesmo
assim, teve um terrível efeito colateral: o custo político de um acordo em
que o BNDES, proporcionalmente, era o acionista que mais dinheiro vivo
colocava na empresa.
As críticas foram imediatas na imprensa e no Congresso. A acusa
ção era que o governo estava dando dinheiro para salvar a Globo, que os
critérios não eram técnicos etc... O então ministro das Comunicações,
Pimenta da Veiga, também não escondeu o tom crítico com relação ao
plano, dizendo que, na sua avaliação pessoal, o BNDES só deveria colocar
dinheiro onde houvesse geração de riqueza.
Parlamentares se manifestaram criticamente contra a operação.
Alguns deles falavam contra. E os ânimos políticos estavam mais acir

186
rados em função da sucessão presidencial. O que era para ser uma sim
ples questão financeira não teve como escapar de um debate público, em
que o presidente do BNDES na ocasião, Eleazar de Carvalho, foi chamado
para dar explicações ao Congresso.
O grupo Globo como um todo também se movimentava para encontrar
um equacionamento financeiro mais condizente com aquele momento de
crise. No começo do ano, por exemplo, foi chamado para presidir a Globo-
par o ex-presidente da Petrobras, Henri Philippe Reichstul, cujo plano de
abrir o capital do grupo em bolsa dependia de uma mudança na Constitui
ção em seu artigo 222, e que já vinha sendo negociada no Congresso desde
2001 com forte apoio dos grupos de comunicação da época, sobretudo da
Globo. A mudança acabou saindo, efetivamente, em 28 de maio de 2002.
Em 18 de julho de 2002, foi tornado público o novo acordo de acionista que
regeria a relação entre os sócios da operadora. Aliás, naquele momento a
Globo Cabo passou a se chamar Net Serviços, nome que tem até hoje.
Era um acordo importante porque mexia em algumas bases de um
modelo que havia sido estabelecido quando o modelo da Net Brasil foi
criado. Entre outras mudanças, o acordo alterava o poder que o grupo
Globo tinha em relação às decisões de programação. A Net Brasil, a par
tir do acordo, manteria a exclusividade no fornecimento de conteúdos
à operadora, mas teria que abrir os contratos com os programadores
para a Net Serviços, e submeter ao conselho mudanças contratuais, re-
novações ou contratações, situações em que haveria voto qualificado
dos sócios financeiros (Bradesco e BNDES). A Net Brasil também ad
ministraria os contratos de programação existentes, “envidando todos
os melhores esforços comercialmente viáveis para renegociar preços e
condições desses contratos”, em benefício da operadora. Havia outros
itens, mas o mais importante era o voto qualificado dos acionistas fi-
nanceiros. Em manifestação ao Congresso naquele ano de 2002, o presi
dente do BNDES, Eleazar de Carvalho, classificava a compra de conteú
dos como uma questão estratégica para a operadora e, por isso, o banco
estatal havia dado ênfase a esta exigência.
Uma parte importante do plano da Net Serviços era conseguir com
seus credores um alongamento nos prazos para o pagamento das dívidas

187
que estavam vencendo naquele ano. E em algum sentido a operadora até
conseguiu melhores prazos. O problema era que, enquanto priorizava o
pagamento dos credores financeiros, o mercado de fornecedores de equi
pamentos, prestadores de serviço e programadores da Net deixava de re-
ceber, o que fazia a crise aguda da Net alastrar-se para toda a indústria,
gerando um efeito de pressão em cadeia: os programadores, pressiona
dos pelos pequenos e médios operadores a reduzir os preços em função
da desvalorização cambial, deixavam de receber do principal operador, a
Net Serviços, por isso tinham menos disposição de flexibilizar com aque
les operadores com menor poder de negociação. O mesmo acontecia com
fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços.
A Net chegou a anunciar um aumento de capital, em que lançaria
mais ações em bolsa em troca de mais recursos, além daqueles que se-
riam colocados pelos próprios acionistas. Anunciou também um plano
estratégico em julho de 2002, com algumas prioridades: fazer a digita
lização da rede, como forma de introduzir novos serviços e ampliar as
receitas por usuário; buscar formas de baratear os custos de programa
ção e adotar pacotes regionalizados; havia a possibilidade de que a rede
de cabos da Net fosse passada adiante em um processo de terceirização,
ficando a empresa apenas com os assinantes e com a administração do
produto; buscar mais sinergias com a TV Globo na oferta de programa
ção (de fato, naquele ano algumas minisséries que eram vendidas em
DVD começaram a ser comercializadas em pay-per-view); e terceirizar o
call center, entre outras medidas. Curiosamente, o plano não falava em
banda larga ou em serviços de voz, e a oferta de pacotes populares para
ampliar a presença da TV por assinatura em classes menos abastadas
estava descartada.
Mas a situação financeira do país se agravava com o avanço do ca-
lendário eleitoral e com a deterioração da situação financeira da Argen
tina. O dólar saltava de R$ 2,50 em junho de 2002 para quase R$ 3,96
em 22 de outubro daquele mesmo ano. E a Net Serviços continuava en
frentando, mês a mês, o pagamento de compromissos financeiros, sem
conseguir capital de giro para pagar os compromissos operacionais, e
vendo seus papéis derreterem até chegar ao patamar mais baixo de todos

188
os tempos, em setembro daquele ano. As ADRs valiam vinte vezes menos
do que em março de 1999, quando fora registrada a última grande baixa,
e 300 vezes menos do que chegaram a valer na maior alta, em fevereiro
de 2000. Era um papel tão barato e tão pouco negociado que em um único
dia chegava a ter variações de quase 90% em seu valor. Ainda assim, um
acerto da Net com os credores avançava.
No dia 28 de outubro, a Globopar anunciou a renegociação com seus
credores. Naquele momento, a Globo ainda sinalizava que poderia se des
fazer de ativos, e os vencimentos programados dali para a frente só se-
riam pagos depois de renegociação. Isso segurou o acerto do fechamento
dos acordos da Net Serviços.
No primeiro trimestre de 2002, com o dólar ainda inferior a R$ 3, a
dívida do grupo era de R$ 2,6 bilhões. Com a desvalorização ocorrida ao
longo do ano, cresceu mais R$ 1 bilhão. Mesmo com a venda de ativos e
aportes da família Marinho, a situação ainda era crítica. A suspensão do
pagamento das dívidas da Globopar e da Net Serviços viria logo em se-
guida, respectivamente nos dias 7 de novembro e 3 de dezembro. O grupo
Globo e a maior operadora de TV por assinatura do país estavam, formal
mente, em “default”.
Para o mercado de TV paga, contudo, era uma notícia positiva. A ago
nia da Net não trazia nada de positivo para a indústria, que também vivia
os mesmos problemas estruturais e via o mercado de capitais secar para
o setor. A sensação, na ocasião, era de que aquela decisão de suspender o
pagamento dos bancos havia, pelo menos, “socializado” o problema com
todos os elos da cadeia. E, a partir daquele ponto, a Net poderia construir
um novo modelo econômico do zero.
Nesse cenário de crise, a Globosat, programadora do grupo Globo,
também se viu obrigada a passar por ajustes, e algumas mudanças impor
tantes aconteceram. Como forma de racionalizar os custos de operação,
começaram os estudos para que a programação esportiva trabalhasse em
conjunto com a TV Globo, como já acontecia com o GloboNews. Também foi
cancelado o lançamento do canal Fox Sports no Brasil, que entraria no mer
cado em fevereiro de 2003, e seria um canal premium não-exclusivo que
estava sendo negociado com Neo TV, Sky, DirecTV e com a Net Serviços.

189
Outras operadoras enfrentaram aquele ano de 2001 em situações
um pouco menos adversas. A TVA tinha conseguido fazer uma reestrutu
ração de sua dívida em novembro. Como seu maior credor era o próprio
grupo Abril, houve uma conversão desse endividamento, no valor de R$
360 milhões, por participação acionária na empresa. Com isso, a Abril fi-
cou com 82,4% do capital da companhia, diluindo os demais acionistas.
A Sky também passou por uma reestruturação profunda em 2002,
quando a News Corp., de Rupert Murdoch, assumiu o controle da empre
sa em lugar do grupo Globo. A mudança foi negociada ao longo de todo o
primeiro semestre, pois a Globo já não conseguia acompanhar os aportes
de capital na empresa. No dia 31 de julho, a Globopar oficializou a mu
dança de participações na Sky, e a News assumiu o controle gerencial da
operadora. A Globo reduzia a sua participação de 54% para 49,9%, mas
perderia ainda mais espaço no futuro. De qualquer maneira, a mudança
aliviava a família Marinho de investimentos imediatos necessários da
ordem de US$ 50 milhões até 2003 e ainda conseguia de volta US$ 6 mi
lhões já investidos.
Essa foi a ponta conhecida da negociação. Hoje se sabe que as conver
sas foram muito além e envolveram lances importantes para a estratégia
global da News, lances esses que viriam a ter consequências definitivas
para o mercado de TV por assinatura brasileiro nos anos seguintes.
Isso porque Rupert Murdoch olhava para o continente americano e en
xergava os EUA, onde desejava de entrar na operação de TV por assinatura.
Tentava fazê-lo desde 2000, quando iniciou conversações para comprar a
DirecTV naquele país. As negociações avançaram em 2001, e em um deter
minado momento ganharam seriedade suficiente para que as cláusulas de
não concorrência dos sócios latino-americanos da Sky (Globo e Televisa)
fossem levadas em consideração pela News. Ou seja, Murdoch temia que
um acordo nos EUA para comprar a DirecTV pudesse sofrer resistências
no Brasil e no México. Mas o fato é que a negociação entre Murdoch e a
DirecTV nos EUA não se concretizou porque os acionistas da Hughes, con
troladora da DirecTV, preferiram a oferta da concorrente Echostar.
Murdoch, contudo, não desistiu do negócio e sabia que as autori
dades concorrenciais dos EUA poderiam vetar a fusão, que represen

190
tava uma concentração quase total do mercado de TV por assinatura
via satélite. No Brasil, no início de 2002, o grupo Globo já sabia disso
e se movimentava para, de alguma maneira, assegurar a distribuição
de seu conteúdo, no caso de Sky e DirecTV se fundirem algum dia. Foi
nesse contexto que se abriram as portas para uma negociação ampla
entre Murdoch e os Marinho. A negociação envolveu diversas possibi
lidades: desde a compra de parte do capital das afiliadas da TV Globo
pela News Corp., o que poderia acontecer com a reforma Constitucional
que estava sendo preparada, até a compra da Globo Cabo por Murdoch.
Todas as possibilidades foram analisadas, com maior ou menor grau de
profundidade. A troca de controle na Sky se deu nesse ambiente, com
a News ampliando sua participação e a Globo livrando-se do peso fi-
nanceiro dos investimentos necessários e garantindo bons acordos de
distribuição de seu conteúdo, o que sempre foi a sua prioridade estraté
gica. E foi o que aconteceu.
Em 10 de outubro de 2002, a FCC vetou a venda da DirecTV para a
Echostar. Naquele momento, já estava claro que Murdoch faria uma segun
da tentativa, que viria a se concretizar em abril de 2004.

NOVO MODELO
A discussão sobre um novo modelo para o setor de TV por assinatura
vinha ganhando corpo desde 2001, e ganhou mais força no ano seguin
te. Com a suscetibilidade da indústria às crescentes desvalorizações, as
dificuldades de crescimento na classe C e os desafios de investimentos
que enfrentavam todos os operadores, o ano de 2002 acabou sendo um
ano de reflexão coletiva, em que foram colocadas no papel e discutidas
abertamente várias propostas que poderiam levar a TV por assinatura a
enfrentar melhor momentos economicamente adversos.
O debate se dava em torno de como encontrar formas de crescer, e
também sobre quais eram os problemas que, invariavelmente, freavam o
crescimento toda vez que havia alguma instabilidade. Em março de 2002
a discussão se acirrou. Um dos maiores promotores do debate era José
Augusto Pinto Moreira, então presidente da TVA e presidente do conse
lho da ABTA. “A questão central para que se ache um novo modelo para

191
a TV por assinatura é todos terem o desejo de mudar o que está aí. Tudo
depende de uma disposição geral”, disse o executivo naquela ocasião.
AABTAhavia encomendado uma proposta de consultoria à Funda
ção Getúlio Vargas e à Accenture sobre as alternativas que poderiam ser
buscadas. Os pontos a ser analisados passavam, primeiro, pela questão
da programação, com políticas de empacotamento, condições de venda,
contratos em dólar, exclusividade de conteúdos etc. Buscava-se também
uma análise sobre a questão tributária e sobre o peso dos impostos no
setor de TV por assinatura; as necessidades de investimentos em tecno
logias; uma proposta de venda para a classe C e outros. Mas não havia,
naquele momento, a certeza de que todos os grupos aceitariam a ideia de
levar a discussão adiante, sobretudo o grupo Globo.
Havia, sim, uma convergência de interesses. A Globo Cabo tam
bém buscava algumas alterações estruturais no modelo da indústria
que, de um modo geral, convergiam com as idéias que estavam sendo
discutidas pela ABTA. Com isso, o debate sobre um novo modelo foi
adiante, e em 19 de julho uma primeira proposta foi apresentada pela
ABTA aos seus associados. Era não só um amplo diagnóstico daquilo
que, naquela ocasião, parecia ser a melhor saída para a situação de cri
se, como também um compêndio de ideias sobre como tornar o mercado
mais eficiente. A única dificuldade é que as ideias não tinham nenhum
poder de mudar contratos ou estabelecer novas bases em relações co-
merciais. De qualquer maneira, era uma proposta com o respaldo de
todo o setor.
O estudo tinha como premissa o fato de que a penetração da TV por
assinatura era baixa mesmo nas classes abastadas. Era de 35% nas clas
ses Ae B e apenas 5% na classe C, quando esses índices deveriam ser, pelo
menos, 56% e 11%, respectivamente, segundo a ABTA.
O número de assinantes que daria viabilidade à indústria, de acordo
com aquele levantamento, era de 6 milhões (número que foi atingido em
2008). Para se massificar, dizia a ABTA, a TV por assinatura deveria dis
por de pacotes básicos de R$ 30.
Algumas propostas foram feitas para que se chegasse a essa
situação:

192
1. ELIMINAÇÃO DO OVERBUILDING - Propunha-se que as empresas de TV paga
não mais tivessem redes redundantes em uma mesma cidade. Para evitar
esse tipo de problema, as operadoras poderiam trocar operações entre si
ou haver a coordenação das redes a partir de uma única entidade. Para
isso, era preciso eliminar as barreiras regulatórias, sobretudo as que im
punham modelos tecnológicos para a prestação de serviço. Tornava-se
necessário um serviço único de TV por assinatura.

2. NOVO MODELO DE PROGRAMAÇÃO - A preocupação da ABTA era resolver as


questões de relacionamento entre programadores e operadores, ajustar o
produto da TV paga diante da TV aberta nacional e permitir maior competi
tividade aos operadores. Para isso, seria necessário trabalhar na criação
de um “pacote básico nacional”, ao custo de R$ 30, que estaria disponível a
todos os operadores, sem exclusividade. Também era preciso renegociar as
obrigações de carregamento de alguns canais (“must carry”) e, sobretudo,
acabar com os contratos em dólar. Os pacotes mais caros também deveri
am ser flexibilizados, com a retirada dos canais sem interesse.
Um aspecto polêmico da proposta era a busca de parcerias com a TV
aberta para a oferta de conteúdos consagrados, e a revisão dos papéis das
empacotadoras Net Brasil e NeoTV, como uma entidade única responsá
vel pelo gerenciamento técnico dos canais e pelo pagamento aos progra
madores, evitando, assim, o risco de inadimplências pontuais.

3. SINERGIA ENTRE TV PAGA E TV DIGITAL - Naquele momento, o Brasil ainda dis


cutia como seria o modelo de TV digital, e a proposta dos operadores de
TV por assinatura era que a TV digital aberta começasse pela TV por as-
sinatura, de maneira subsidiada.

4. PADRONIZAÇÃO DIGITAL -A proposta era criar uma empresa que fosse res
ponsável pela padronização tecnológica das redes de TV por assinatu
ra, incentivando a adoção de tecnologias não-proprietárias. Também se
buscava uma forma de trabalhar em conjunto com fornecedores, emis
soras de TV e governo no desenvolvimento de uma caixa digital (set-top
box) única para TV a cabo, MMDS, TV aberta e satélite. Haveria também

193
uma única central de controle de acesso e desenvolvimento da tecnolo
gias de smart cards para as caixas digitais, para a compra de eventos
especiais e pay-per-view na forma pré-paga, em qualquer ponto de dis
tribuição. Aproposta era que, com a caixa única, os usuários pudessem,
em uma banca de jornais, por exemplo, comprar um cartão para ter
acesso a um determinado jogo de futebol na modalidade pay-per-view
ou contratar um pacote de filmes, independentemente da operadora a
que estivessem ligados.

5. NOVO FOCO DE DISTRIBUIÇÃO E VENDA – Aqui, a proposta era criar, entre opera
dores e programadores, uma relação voltada para uma outra percepção do
produto e para o novo modelo. Seria elaborado o conceito de “prateleiras”,
em que o usuário teria plena liberdade de escolher a programação que qui
sesse, montando sua programação além do básico de maneira flexível.

6. OBTENÇÃO DE GANHOS DE ESCALA - Havendo uma padronização tecnológica,


seria possível definir um tamanho ótimo de operação para controle téc
nico e administrativo, e assim tornar mais eficiente o atendimento. Seria
possível também qualificar empresas externas para fazer instalação e
manutenção de maneira mais funcional e barata, e viabilizar a cobrança
compartilhada com outros operadores e prestadores de serviço. A ABTA
imaginava ser possível desenvolver um guia eletrônico único de progra
mação (EPG) e dar aos equipamentos um selo de qualidade.

7. VALORIZAÇÃO DO PRODUTO – Também se buscava na época corrigir a percep


ção geral das pessoas sobre o que era TV por assinatura, e para isso o
modelo proposto pela ABTA trazia a ideia de uma ampla campanha de
marketing nacional, afastando a ênfase apenas no entretenimento e res
saltando a importância da TV paga como serviço e informação.

8. REVISÃO DO MODELO TRIBUTÁRIO E REGULATÓRIO - Como não poderia deixar de


ser, uma das propostas da ABTA incluía também algumas revisões de con
ceitos que precisariam ser feitas pelo governo. As empresas tentariam
junto ao Confaz e as Secretarias de Fazenda evitar aumentos nas alíquo

194
tas de ICMS. E também descaracterizar os serviços de TV paga como ser
viços de comunicação, o que implicaria a redução nas alíquotas.

Desde o advento da Lei do Cabo, o setor de TV por assinatura tem


como obrigação levar uma série de canais de interesse público. A ideia
da ABTA era conseguir compensações tributárias para essas obrigações.
Reivindicava-se também, já naquela ocasião, mudanças nas regras do
Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) de modo que os
recursos pudessem ser utilizados por empresas do setor de TV por assi
natura. E propunha-se ainda sugerir à Anatel evitar o excesso de presta
dores de serviço em uma mesma localidade.
As propostas da ABTA foram refinadas ao longo do ano e chegaram
a ser apresentadas formalmente ao mercado e aos demais interessados
durante a ABTA 2002, evento setorial que teve, naquela ocasião, justa
mente o mote da busca por um novo modelo. Realizado no dia 15 de ou
tubro daquele ano, o congresso da associação teve o papel de sinalizar
para autoridades e investidores que havia, da parte da indústria, a von
tade de reformar as bases da TV por assinatura onde os ajustes fossem
necessários. Foi um evento tenso pela situação da indústria, e triste pela
dificuldade de se encontrar uma saída. Mas foi também um momento
em que os desafios a ser enfrentados tornaram-se públicos e foram dis
cutidos abertamente.
Vistas à luz dos dias de hoje, algumas propostas soariam inviáveis,
mas é preciso colocá-las em perspectiva. Naquela época, o mercado de TV
por assinatura vivia uma situação de impasse e aquela era uma coleção
de propostas feitas por diferentes agentes. De alguma maneira, alguns
aspectos acabaram prosperando. O primeiro foi a questão dos contratos
de programação. Praticamente todos os principais contratos foram re-
feitos, e assim permanecem até hoje. Houve de fato alguma flexibiliza
ção nas políticas de empacotamento dos canais, ainda que esse continue
sendo um ponto de negociações às vezes duras entre programadores e
operadores. A política de exclusividade seria alterada alguns anos de
pois, em função de uma série de questões concorrenciais, como se verá
no próximo capítulo.

195
Os pacotes de baixo custo também foram introduzidos pelas
operadoras de cabo e DTH alguns anos depois, com relativo sucesso,
e acrescidos muitas vezes de serviços de banda larga e voz, dando à
TV por assinatura uma imagem mais ampla de serviços, e não só de
entretenimento, como pregava o novo modelo da ABTA. Do ponto de
vista tecnológico, as operadoras de cabo adotariam, em 2004, padrões
similares de caixas digitais, ainda que isso não represente especial
mente ganhos de escala. Em 2004, Net e TVA anunciariam a adoção do
padrão DVB para suas redes, mas não se levou adiante o plano de uma
caixa única, muito menos com a TV aberta, que anos depois definiu
seu padrão de digitalização pelo sistema japonês ISDB-T, ajustado com
algumas inovações técnicas.
No que diz respeito à TV digital aberta começar pelos assinantes de
TV paga, o fato é que as transmissões em alta definição não só começaram
na TV a cabo já no ano de 2006, como os operadores passaram a dar mais
ênfase ao conteúdo HD do que as próprias emissoras abertas, pelo menos
até este momento. Também não prosperaram as ideias de se criar um or-
ganismo único para gerenciar redes e o acesso condicional das operado
ras, ou uma única entidade responsável pelos acordos de programação.
As questões tributárias e regulatórias continuam pendentes e são,
constantemente, focos de debates, mas não houve alterações sensíveis
desde então. O Fust continua não sendo aplicado, e se fosse, as empresas
de TV por assinatura ainda não teriam como usufruir dos programas por
conta de barreiras legais.
As discussões sobre o novo modelo talvez tenham provocado outro
efeito importante no mercado: a visão de que programadores não são me
ros fornecedores de conteúdo que abusam dos preços e das condições.
Depois daquele período de crise, ainda que as negociações entre canais e
operadores continuem sendo invariavelmente tensas e regidas por inte
resses divergentes, passou a vigorar o sentimento de que estavam ambos
no mesmo barco.
Corroborou para esse sentimento uma batalha comum: como o setor
se posicionaria frente a uma nova agência que estava surgindo, a Agên
cia Nacional do Cinema. Foi uma época em que, pela primeira vez na his

196
tória da TV por assinatura, programadores e operadores se uniram em
uma mesma causa regulatória.

CANAIS VS. CINEMA


Tudo começou, quando o governo Fernando Henrique Cardoso
criou o Grupo de Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Ge-
dic), que tinha como função discutir a criação de uma Agência Nacional
de Cinema e políticas de incentivo audiovisual. Os debates do grupo,
que começaram ainda em 2000, aconteceram ao longo do primeiro se-
mestre de 2001 sem repercussão pública, às vezes interrompidos pela
crise de energia, cujo gestor era o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro
Parente, também responsável pela coordenação do Gedic. Em meados
de 2001, os grandes estúdios internacionais de cinema, que não por
acaso tinham vínculos diretos com a maior parte dos programadores
internacionais de TV por assinatura, perceberam que entre as políticas
que estavam sendo elaboradas, havia uma série de medidas restritivas
que visavam dar mais espaço ao audiovisual nacional em detrimento
dos conteúdos estrangeiros.
Conforme escreveram na ocasião a ministros e diplomatas do
Brasil e dos EUA, receava-se a “criação de contribuições obrigatórias
para os setores de programação estrangeira de TV por assinatura e de
publicidade, bem como a instituição de quotas mínimas de programa
ção local para os operadores de TV a cabo”. Se isso acontecesse sem
que os estúdios e programadoras fossem ouvidos, ameaçavam, aquelas
empresas poderiam desistir do mercado brasileiro, suspender a venda
de programação e, mais grave, recorrer à Organização Mundial do Co
mércio (OMC).
Era uma crise séria que teria impactos grandes sobre o setor de TV
paga. Quando a primeira minuta da política do governo vazou, no dia 25
de agosto de 2001, percebeu-se o tamanho do problema: estava sendo
proposta uma agência ampla, para o setor de cinema e para o setor au
diovisual (inclusive com o nome sugerido de Ancinav), com políticas de
taxação sobre todos os conteúdos audiovisuais, inclusive uma taxa de
4% sobre o faturamento das TVs abertas.

197
Dois dias depois os principais radiodifusores estavam em Brasília,
pressionando o governo para excluir qualquer tipo de interferência no
setor de TV. O nome da agência foi simplificado para Agência Nacio
nal de Cinema (Ancine), para evitar polêmicas, ainda que ela tratasse
de aspectos que influenciavam todo o setor audiovisual. Mas a pressão
dos grupos de TV por assinatura não foi suficiente, e quando a Medida
Provisória 2.228/01 saiu, em 5 de setembro de 2001, o setor de TV por
assinatura foi fortemente afetado. A expectativa era que os custos de
programação subissem de 25% a 30% para fazer frente às obrigações de
contribuição que estavam sendo criadas. Surgia a figura da Condecine, a
contribuição para o desenvolvimento do cinema que recaía sobre a toda
a indústria audiovisual.
“Os programadores estão conosco há dez anos. Os operadores preci
sam estar atentos à gravidade do problema. Os programadores não podem
ser considerados vilões”, disse a então presidente da TVA, Leila Loria, em
entrevista à revista PAY-TV. Era uma declaração de trégua em um momen
to em que operadores e programadores tentavam acertar um acordo sobre
a cotação do dólar a ser usada em suas transações entre as partes.
Do ponto de vista dos programadores internacionais, o personagem
central naquele momento foi Abel Puig, ex-diretor geral dos canais Fox
no Brasil, que conduziu diretamente as negociações com o governo. Hou
ve uma série de ajustes até a instalação definitiva da Ancine, em 2002,
e algumas contrapartidas importantes foram acertadas entre governo e
o setor de TV paga. A mais importante foi a regra para a atenuação da
Condecine em caso de produção nacional. Em lugar de pagar 11% sobre
o valor de suas remessas ao exterior para a contribuição ao cinema, os
programadores estrangeiros poderiam optar por aplicar 3% desse fatura-
mento em co-produções locais, e com isso ficariam isentos da Condecine.
Essa regra ficou consagrada como o Artigo 39 e teve um aspecto positivo
para a indústria. De fato, programadores internacionais passaram a pro
duzir mais no Brasil e, nos anos seguintes, o volume de conteúdo brasi
leiro em canais estrangeiros aumentou significativamente.
O episódio da Ancinav em 2001, no entanto, seria o início de uma
constante onda de políticas que criavam regras diferenciadas para pro

198
gramadores internacionais e grupos de comunicação estrangeiros. Jun
tamente com a disputa entre a TV Globo e a DirecTV no Cade, como se viu
no capítulo anterior, a oposição entre nacional e estrangeiro no que diz
respeito a conteúdos e controle de capitais passaria a se fazer presente
nas discussões regulatórias.
Na verdade, era uma discussão que já estava colocada em outro de
bate importante que acontecia naquele princípio de 2002: a abertura do
mercado de radiodifusão e também do mercado de TV a cabo ao capital
estrangeiro. As duas propostas começaram a ser discutidas no Congresso
ainda em 2001. No caso da TV a cabo, a proposta foi feita no projeto de lei
175/01 do então senador Ney Suassuna. O projeto visava alterar a Lei do
Cabo para permitir que as empresas estrangeiras controlassem até 100%
do capital das empresas de TV a cabo, contra os 49% previstos na lei.
Acontece que o projeto visava o interesse de pequenos e médios grupos de
TV por assinatura. Os grandes grupos de comunicação do país ou não ma
nifestavam apoio explícito, como era o caso da Globo, ou eram contrários,
como foi o caso do grupo Bandeirantes, e com isso o senador Suassuna de
sistiu de brigar pelo projeto nos anos seguintes. A discussão sobre capital
estrangeiro na TV por assinatura só voltaria anos depois, no âmbito das
discussões do PL 29, já em 2007, como se verá no próximo capítulo.
No caso do capital estrangeiro em radiodifusão, era necessário alterar
a Constituição em seu Artigo 222. A proposta havia sido colocada em 2001.
O princípio era permitir o controle das empresas por pessoas jurídicas e a
entrada de capital estrangeiro até o limite de 30%. A proposta prosperou,
e a Constituição foi alterada em 28 de maio de 2002 e regulamentada em
outubro, quando a situação econômica tinha inviabilizado a entrada de
grupos estrangeiros em qualquer empresa de mídia brasileira.
Naquele começo de 2002, havia outro movimento importante do pon
to de vista regulatório. Acabava a restrição para que as concessionárias
de telefonia fixa atuassem em outros setores das telecomunicações. Are-
cíproca também era verdadeira, ou seja, as empresas de TV paga também
podiam entrar no setor de telefonia se desejassem. Durante uma parte do
ano de 2001, essa foi uma discussão concreta, com as empresas de TV por
assinatura se articulando para entrar no leilão das chamadas empresas

199
espelho e espelhinho. Mas em 2002, depois do sinal verde regulatório,
nenhuma empresa de TV por assinatura estava em condições de buscar
uma atuação mais forte no setor de telefonia.
Em outubro de 2002 a empresa de telefonia Brasil Telecom chamou
os operadores e programadores de TV por assinatura para fazer uma
demonstração da tecnologia de transmissão de vídeo sobre ADSL. Era o
serviço Turbo Vídeo, que funcionava sobre uma plataforma Fujitsu/Sie
mens, cujo set-top box era chamado de StellaOne. Era uma caixa conec
tada ao modem ADSL que reproduzia no televisor o conteúdo recebido,
usando o software Windows Media 9.
Em 2001, a Telefônica já aventara a possibilidade de fazer o serviço,
mas não levou adiante, até porque perdera o seu principal parceiro tec
nológico, a Pixstream, adquirida pela Cisco e depois encerrada. Mas a
Brasil Telecom mostrou-se mais disposta a levar o projeto adiante, e o fez
exatamente durante o congresso ABTA2002, o mesmo em que o novo mo
delo de TV por assinatura foi discutido. Naquela ocasião, levantaram-se
algumas questões sobre até que ponto aquela seria uma oportunidade de
negócio, e até que ponto era um competidor com condições financeiras
muito mais sólidas que estaria entrando justamente em um momento
de fragilidade do setor. Também se colocavam dúvidas jurídicas, sobre
tudo porque a regulamentação do Serviço de Comunicação Multimídia
utilizado pela Brasil Telecom em seu serviço de banda larga estabelecia
que os únicos serviços de vídeo que poderiam ser prestados eram os de
modalidade pay-per-view e video-sob-demanda,
A Brasil Telecom estava especialmente agressiva em sua estratégia
de Internet, e o seu portal BrTurbo passava a contar com o conteúdo ex
clusivo do programa “Big Brother”, da TV Globo, e com conteúdos dos ca-
nais do grupo Bandeirantes. ABand programadora, aliás, foi pioneira em
adotar esse tipo de estratégia. Seu primeiro canal, o BandNews, lançado
em março de 2001, logo passou a figurar entre os conteúdos de outras
plataformas de distribuição, como Internet e celular.
Em setembro de 2003 foi lançado no Brasil o primeiro serviço de
conteúdos audiovisuais no celular, o serviço Spicy TV, da Vivo, através do
qual conteúdos adultos podiam ser baixados para o telefone e assistidos

200
na tela do celular. A Vivo chamou o produto de “video-on-demand”, um
termo até então típico da TV por assinatura.
É fato que as operadoras de TV a cabo e MMDS já estavam no mer
cado de banda larga e tinham chegado bem antes das empresas de tele
comunicações, mas naquele momento, com a complicada situação das
empresas operadoras de TV por assinatura, a disputa entre o ADSL e os
cable modems como tecnologia de acesso à Internet pendia amplamente
em favor das teles.
Para piorar, as empresas de TV por assinatura pouco ou nada fala
vam de telecomunicações. Era prioridade, naquele momento, equacionar
a questão dos contratos de programação e evitar que o ano de 2002 fosse
perdido. A “boa notícia” é que esses problemas não eram exclusivos do Bra
sil. Nos EUA, grandes operadoras também enfrentavam momentos muito
mais complicados. Uma delas era a Adelphia, que àquela altura já dava
pouca atenção à operação de que era sócia no Brasil, a Viacabo, e nos EUA
enfrentava um grave processo de reestruturação financeira em função de
fraudes cometidas por seus fundadores, a família Rigas. E não era a única.
Charter e Cablevision, que estavam entre as seis maiores operadoras de
TV a cabo dos EUA, também iam à bancarrota. Começava naquele país um
forte processo de concentração do mercado de TV por assinatura.
No Brasil, aos poucos, as coisas começaram a se mexer. Em 13 de
dezembro de 2002 a TVA recebia a sua licença de telefonia nas áreas de
numeração 11 (São Paulo), 21 (Rio de Janeiro), 41 (Paraná) e 51 (Rio Grande
do Sul), localidades em que estava presente com redes de MMDS ou cabo.
Foi a primeira empresa de TV paga a ganhar uma autorização para o ser
viço de voz, depois da flexibilização das regras no início de 2002, descon
siderada a Image Telecom, de Uberlândia, que tinha o direito de prestar
o serviço por meio da CTBC, sua acionista e controladora. O foco estraté
gico da TVA naquele momento era concentrar seus esforços, sobretudo,
na operação da cidade de São Paulo, aproveitando uma certa identidade
do paulistano com o grupo Abril. Mas para isso teria que se desfazer de
alguns ativos, e foi o que aconteceu.
No dia 8 de outubro de 2003 a operadora Horizon anunciou a com
pra da Canbrás, que havia sido colocada à venda pelos sócios canadenses

201
no começo de 2002. Essa operação representou um momento de alívio
para a indústria. Indicava que as coisas começavam a andar depois de
quase dois anos de estagnação. A operação mostrou que os valores es-
tavam muito distantes daqueles pagos anos antes pela Globo Cabo ao
comprar a Net Sul e a Unicabo. A Horizon pagava US$ 24,5 milhões pela
parte dos canadenses, mais uns US$ 5,2 milhões para a TVA, o que dava
US$ 270 por assinante com a dívida, ou US$ 150 se descontado o endi
vidamento. Era uma verdadeira pechincha, que somente a Horizon, em
presa com praticamente nenhuma dívida e que no começo de 2002 tinha
conseguido um bom empréstimo do BNDES, poderia cobrir. Desde então,
a Horizon começou a se tornar um player de peso no mercado de TV por
assinatura, pois passava de 100 mil para 270 mil assinantes por um in
vestimento equivalente ao que fora pago só pelas licenças, três anos an
tes. De quebra, tornava-se a segunda maior operadora de cabo do país, já
que a TVA, ainda que tivesse mais assinantes, tinha boa parte da base no
serviço de MMDS.
A Alusa, controladora da BigTV, também se beneficiou com a opera
ção, pois como sócia da Canbrás em Guarulhos e São José dos Campos,
acertou assumir o controle total da cidade de Guarulhos em troca de São
José dos Campos. Ficou também com as operações no Paraná controla
das pela Canbrás (Cascavel, Guarapuava, Cianorte e Ponta Grossa). Para
a TVA foi um movimento de venda importante, ainda que o valor tenha
sido muito abaixo do que a empresa imaginara conseguir em outros tem
pos. Segundo relato de Leila Loria a este livro, era o que podia ser feito
naquele momento.
A compra da Canbrás foi a ponta visível de uma movimentação da
Horizon que se iniciara no final de 2002, no auge da crise. Naquela oca
sião, a Net chegou a propor uma fusão à Horizon. Chris Torto, presidente
e acionista da Horizon naquele momento, relata que não aceitou porque
o futuro da Net era muito incerto, enquanto a sua operação, com alguns
ajustes ao longo de 2002, estava com boa rentabilidade e pretendia com
prar operações.
Outra negociação protagonizada pela Horizon foi com a TVA, mas
pesava contra o fato de que não havia, por parte da operadora do interior

202
de São Paulo, o desejo de competir na cidade de São Paulo. Após a fusão
com a Canbrás, a Horizon mudaria seu nome para Vivax e se tornaria
peça-chave no cenário competitivo que se abriria a partir de 2005 entre
empresas de TV por assinatura e empresas de telecomunicações.
Mas esse não seria o único movimento de concentração do mercado
de TV por assinatura que se verificaria naquele momento em que a indús
tria saía da fase mais aguda da crise de 2002. O maior de todos os negó
cios estava no céu, mais especificamente nas duas operações de DTH.
Quando a crise cambial atingiu os mercados latino-americanos em
2002, uma das empresas que mais sentiu o tranco foi a DirecTV Latin
America, que nos anos anteriores pagara quantias colossais por direitos
de conteúdos: US$ 250 milhões pela exclusividade da HBO, US$ 400 mi
lhões pelos direitos das Copas de 2002 e 2006, US$ 600 milhões para a
Disney... No dia 18 de março de 2003 a empresa não suportou a pressão
dos contratos de programação e foi obrigada a entrar em Chapter 11, um
instrumento da legislação norte-americana para a reestruturação finan
ceira de empresas insolventes. Na prática, equivale dizer que a DirecTV
Latin America, controladora da DirecTV no Brasil, estava no mesmo bar
co da Net Serviços ou do grupo Globo.
A situação era um pouco menos dramática porque envolvia apenas
contratos de programação, mas logo também se estendeu para a nego
ciação de contratos de satélite, e teve, ao contrário dos planos iniciais,
impacto sobre a operação no Brasil. A empresa vinha tentando acertar a
vida com seus fornecedores desde janeiro de 2003, sem sucesso. Os pro
blemas eram exatamente os mesmos que foram diagnosticados pela Net
e pela ABTA: receitas em moeda local, custos em dólar, inflexibilidade de
empacotamento e outros.
No dia 9 de abril, a News Corp. formalizou a oferta para comprar,
nos EUA, a DirecTV, que foi prontamente aceita pela General Motors. Com
isso, Murdoch concretizava o plano de entrar no mercado norte-america-
no e abria caminho para a fusão entre Sky e DirecTV no Brasil, mas ainda
dependia do fim da reestruturação financeira da DirecTV Latin America.
Alguns comentários correntes no mercado à época davam conta de
que a reestruturação dos contratos de programação da DirecTV haviam

203
sido provocados como uma forma de preparar a empresa para a entrada
da News Corp.
Luiz Eduardo (Bap) Baptista, que assumiu a direção geral da Direc-
TV no Brasil na época do Chapter 11, relata a este livro que naquele mo
mento não estava muito claro quais eram os planos da News Corp. para
a América Latina. Sabia-se que existia uma forte disposição de Murdoch
de entrar no mercado norte-americano, e se para isso tivesse que levar a
operação na América Latina, ele o faria.
De qualquer maneira, com a oferta feita, a News comprou os 19,9%
que a GM tinha na Hughes (controladora da DirecTV) e mais 14,1% da
Hughes disponíveis no mercado. A operação envolveu US$ 6,6 bilhões,
em dinheiro e ações.
Na prática, a Hughes, que controlava a DirecTV Latin America, se-
ria uma empresa controlada pela mesma empresa controladora da Sky
no Brasil e na América Latina. Nos EUA, a News Corp. se comprometia
a manter todo o conteúdo disponível a todas as plataformas de distri
buição de TV paga em condições e preços iguais, e a expectativa era de
que a fusão fosse aprovada até o primeiro trimestre de 2004, no máximo.
Começava a correr o relógio para a consolidação das duas empresas de
DTH no Brasil.
Antes disso, a DirecTV teria que concluir a reestruturação de sua
operadora latino-americana. Em dezembro de 2003, a empresa anunciou
a conclusão de sua renegociação com os programadores, e ainda decla
rou que pretendia ampliar sua base de assinantes em 100% até 2008.
Pelo plano de reestruturação, as participações acionárias da Hughes e do
grupo Cisneros na DLA e nas operadoras seriam reorganizadas em fun
ção das dívidas e dos aportes de financiamento. Mas o plano de reestru
turação não incluía a possibilidade de fusão com a Sky.
Um mês depois, contudo, acendeu-se a luz amarela nos planos de
reestruturação das operações de DTH no Brasil, que se não existiam for
malmente, eram discutidos nos bastidores como uma possibilidade real.
O grupo Cisneros, naquela ocasião ainda acionista da DirecTV e com
certos direitos, conseguiu na negociação uma garantia de que teria parti
cipação de 7% na empresa, resultante de eventual consolidação ou venda

204
entre DirecTV e Sky na América Latina, e citava especificamente a Net-
Sat (Sky no Brasil) e a Innova (Sky no México). Caso uma eventual fusão
entre DirecTV e Sky não envolvesse as subsidiárias da Sky no Brasil e
no México, o grupo Cisneros teria direito a 10% da empresa resultante,
conforme o acerto com a Hughes.
Ali estava sinalizado que a possibilidade de fusão entre DirecTV e
Sky era real. O acordo com o grupo Cisneros ia mais além. A contratação
de programação da Globo ou do grupo mexicano Televisa, pela DirecTV
Latin America deveria passar pelo aval do grupo Cisneros. A quantida
de de cláusulas do acordo entre a Hughes e o grupo Cisneros que fazia
referência a uma eventual fusão DirecTV/Sky mostrava uma complexa
manobra de posicionamento do grupo de mídia venezuelano em relação
aos seus pares na América Latina. Apenas em 2007, depois de uma longa
batalha judicial recheada de acusações contra a News Corp., o grupo Cis
neros foi retirado da sociedade com a DirecTV, tendo a sua participação
adquirida pelo valor de US$ 325 milhões.
A DirecTV Latin America saiu do Chapter 11 em 25 de fevereiro e
abriu as portas para a fusão entre Sky e DirecTV. Seria apenas uma das
muitas movimentações que aconteceriam no mercado após os anos som
brios vividos até então.

205
CAPÍTULO 9

A investida das teles


A tempestade que se abateu sobre a indústria de TV por assinatura
no ano de 2002 parecia ficar para trás. Ao longo do ano de 2003, aos pou
cos, as operadoras começavam a vender, os resultados das empresas vol
tavam a ser positivos, até mesmo lucros recordes eram anunciados, como
foi o caso da Sky no segundo trimestre daquele ano, que marcava quase
US$ 60 milhões, em grande parte por ganhos financeiros com a volta do
dólar a patamares mais realistas. As renegociações entre Net Serviços e
seus credores estavam apenas começando, ao passo que o acerto de con
tas da Globopar teria ainda uma longa jornada pela frente. Mas a etapa
mais importante do processo de ajustes, do ponto de vista da indústria
em geral, fora vencida: ficou acertada, em novas bases, uma regra de re-
lacionamento entre programadores e operadores, com o objetivo comum
de fazer o mercado voltar a crescer. Havia uma luz no fim do túnel, e não
era o farol do trem.
A indústria chegava ao segundo semestre de 2003 com o dever do
pacto cumprido: de um lado as condições contratuais eram mais adequa
das ao cenário sempre turbulento da economia brasileira; de outro, havia
o forte compromisso dos operadores de buscar a todo custo o crescimen
to que algumas vezes havia sido trocado por planos estratégicos de longo
prazo com sofisticados modelos de negócio, mas sem atenção ao básico,
ao que move a TV por assinatura em qualquer lugar do mundo: a venda
de assinaturas.
Faltava, é claro, o principal combustível, que era o próprio cresci
mento do país, mas os entraves que existiam tinham sido, aparentemen
te, removidos. Estaria a TV por assinatura preparada para entrar em uma
nova era? Hoje, observando aquele período à luz do que se sucedeu nos
meses seguintes, é possível dizer com grandes chances de acerto que
aquele foi o momento da grande virada do setor.

206
Em primeiro lugar, porque a maior operadora do país, a Net Serviços,
conseguira fechar com seus credores e também internamente um plano
estratégico que seria seguido dali em diante. Na ocasião, a empresa já es-
tava sendo comandada por Francisco Valim, juntamente com um time de
executivos responsáveis pelo desenvolvimento das operações da Net no
sul do país, entre eles José Felix, que mais tarde se tornaria presidente da
operadora. Os “gaúchos”, como o mercado se referia àquele grupo de exe
cutivos, tinham acertado um plano que apontava para a necessidade de a
empresa voltar a crescer e ter receita com todos os serviços que pudesse
oferecer, sobretudo com banda larga e telefonia, sem deixar, contudo, de
vender o principal produto de uma operação de TV por assinatura que é
o serviço de televisão.
Duas coisas, porém, aconteceriam a partir de 2004: a TV por assi
natura entraria no mapa do mercado das telecomunicações, ainda que
já estivesse com os pés dentro dele desde o final dos anos 1990, com as
primeiras operações de banda larga. Desse momento em diante, a TV por
assinatura se tornaria também um negócio de banda larga, não só para
os grandes operadores, mas para dezenas de pequenos e médios opera
dores de TV a cabo e MMDS. A indústria se tornaria competidora efetiva
em serviços de telefonia e Internet. E também ficaria mais concentrada,
e ao mesmo tempo mais sólida, para enfrentar as empresas de telefonia
quando fosse o caso, ou associar-se a elas se necessário. Além disso, es-
tavam para cair alguns pilares existentes desde os primeiros anos da TV
paga no Brasil, quando um canal de notícias estrangeiro como a CNN
tinha seus direitos exclusivos disputados por Globosat e TVA, desde o
evento da ABTAem que modelos próprios para canais de filmes foram es-
tabelecidos como se fossem cercas divisórias dos modelos de operação. A
questão da exclusividade deixaria de fazer sentido alguns anos depois.
Os dois fatos que marcaram 2004 e foram diretamente responsáveis
por todas estas grandes mudanças que aconteceriam nos anos seguintes
foram a entrada da Telmex como acionista da Net Serviços, e a fusão en-
tre Sky e DirecTV.
A Telmex é a maior empresa do México. A operadora de telefonia fixa
e móvel controlada pelo empresário Carlos Slim Helú não estava presente

207
no processo de privatização dos anos 1990. Ao contrário, naquela época
Slim trabalhava para construir, no México, seu império de telecomunica
ções. Mas nos anos 2000 ele começou a olhar para os mercados norte-ame-
ricano e latino-americano. Sua chegada ao Brasil só aconteceu em 2004,
mais precisamente no dia 28 de abril. E se deu de maneira absolutamente
diferente da chegada de outras empresas de telecomunicações ao país.
A Telmex não foi saudada pelo governo nem foi estrela em nenhum
processo de licitação. Ela entrou no Brasil graças a uma disputa travada
na Justiça norte-americana, e lutava, justamente, contra as concessioná
rias de telefonia no Brasil. Em 2003, a MCI, empresa que ganhara a con
cessão da Embratel no leilão de privatização da Telebrás, foi à lona, como
tantas outras, envolvida em escândalos financeiros. Com isso, a Justiça
dos EUA, que administrava o processo de Chapter 11 (reestruturação) dos
ativos da MCI, colocou a Embratel à venda.
As concessionárias de telefonia fixa que operavam no Brasil, incluí
das aí Telefônica, Brasil Telecom e Telemar, juntaram-se, com o apoio do
governo, através do BNDES, em um consórcio batizado de Calais. As con
cessionárias de telefonia pretendiam comprar a Embratel e estavam dis
postas a pagar caro por isso. O negócio era da ordem de US$ 400 milhões.
Mas para a desgraça dos planos das concessionárias, Carlos Slim estava
decidido a investir muito para entrar no Brasil, e em uma incrível batalha
de lances financeiros e argumentos concorrenciais convenceu a Justiça
norte-americana a permitir a venda da Embratel para a Telmex. Parecia
um lance definitivo, considerando-se que o empresário havia desembol
sado uma quantia igualmente alta (US$ 625 milhões) pouco antes, para
comprar a operadora de telefonia celular BCP, que operava na cidade de
São Paulo. Poucos acreditavam que a operadora mexicana fosse fazer no
vas apostas no Brasil tão cedo, muito menos em cabo.
A Net Serviços, ainda na época em que era chamada de Globo Cabo,
chegou a negociar a possibilidade de uma sociedade com a Embratel
anos antes, no final de 2000, começo de 2001, antes do crash nas bol
sas e antes da crise enfrentada pela MCI. O episódio é relatado a este
livro por Moysés Pluciennik e José Felix, na ocasião presidente da Globo
Cabo e diretor de operações da empresa, respectivamente. Felix é hoje

208
presidente da Net Serviços. AEmbratel, de fato, foi a única empresa que
verdadeiramente mostrou interesse em formar uma parceria com a Glo
bo Cabo, e poderia ter concretizado o seu plano estratégico de ter entre
seus acionistas um banco (Bradesco e BNDES), uma empresa de software
(Microsoft) e uma empresa de telecomunicações (que nunca veio). Mas
o negócio acabou não saindo por algumas razões, entre elas a crise da
própria MCI, controladora da Embratel. Daquela época restam ainda os
registros históricos de alguns testes de telefonia sobre a rede de banda
larga da Net que eram exibidos com orgulho pelos diretores da empresa,
na sede da companhia.
Talvez aí tenha ficado a semente para um possível acordo, mas o
fato é que naquele ano de 2004 ninguém apostava muitas fichas que a
Telmex fosse se tornar acionista da Net Serviços, pelo menos no curto
prazo. Em sua primeira visita ao Brasil em maio, depois de comprar a
Embratel, Slim havia colocado ao presidente Lula a possibilidade de com
prar a Net. Não se sabe se o governo, preocupado naquele momento com
a situação do grupo Globo, influenciou ou não na aproximação entre os
grupos. Também não se sabe se isso estava nos planos de Slim desde que
a Embratel foi adquirida, mas o fato é que nem mesmo a diretoria da Net
havia participado de qualquer aproximação com os mexicanos, muito
menos de uma negociação. Na verdade, só quem conhecia os termos em
que o negócio se desenrolava eram um seleto grupo de profissionais das
organizações Globo, Roberto Irineu Marinho (que foi quem negociou pes
soalmente o acordo) e Carlos Slim.
Poucos negócios são feitos nos dias de hoje sem a ajuda de bancos,
“advisors” financeiros, longos e complicados processos de avaliação fi-
nanceira, e negociações intermináveis com advogados; mas a Telmex re-
solveu comprar a Net Serviços sem nada disso. Comprou com base apenas
em um acordo entre os principais acionistas das duas empresas, fechado
em prazo recorde. Tanto é que, se o principal lance da entrada da Telmex
no Brasil foi a compra da Embratel, em 28 de abril, exatamente três meses
depois, em 27 de junho, um domingo, ela anunciava a compra de uma par
ticipação significativa na maior operadora de TV a cabo brasileira. Os di
retores da empresa só foram avisados horas antes do anúncio do negócio.

209
Prova de que a negociação não havia sido orquestrada dentro do processo
de reestruturação financeira da operadora de cabo é que em nenhum mo
mento, em dezenas de conversas com os credores da Net realizadas nas
semanas anteriores, o acordo foi mencionado como uma possibilidade.
E era um acordo positivo para a Net. Era um negócio de valor variável,
que dependeria de uma complexa operação de emissão de ações a ser re-
alizada, mas que poderia significar um investimento de US$ 250 milhões
a US$ 370 milhões, dependendo da quantidade de papéis que a Telmex
tivesse que adquirir. O certo é que o grupo ficaria com 49% das ações de
controle da operadora, contra 51% do grupo Globo. A intenção, já naquele
momento anunciada, era que a tele mexicana assumisse o controle da em
presa tão logo a legislação permitisse. Lembrando-se que, ainda hoje, vale
a regra da Lei do Cabo, que impede empresas estrangeiras de controlarem
mais de 49% das ações de uma operadora deste serviço.
A entrada da Telmex deu-se em condições muito favoráveis. Se no
passado o assinante de TV por assinatura havia sido avaliado, em opera
ções de compra e venda de operadoras, em patamares de até US$ 2,8 mil,
como foi o caso do valor pago pela Globo Cabo pelos assinantes da Net
Sul em 2000, naquele momento os preços eram outros. Dependendo dos
critérios usados para se fazer essa conta, a Telmex estava pagando algo
entre US$ 440 e US$ 595, fora a dívida, por cada assinante da Net. Com
a dívida, o valor dobrava. Ainda assim era muito menos do que já havia
se discutido, mas muito mais que os US$ 150 que a Vivax havia pago pela
Canbrás, em outubro de 2003.
O valor do negócio para a Telmex, contudo, era outro, o que logo ficou
claro. O projeto era ter uma rede capaz de dar à empresa acesso local para
serviços de telefonia. A Embratel era uma empresa de longa distância,
que tinha adquirido anos antes a Vésper, uma empresa de telefonia com
petitiva, mas que usava uma tecnologia limitada e nem sempre eficiente
para serviços de telefonia, o WLL. A Net tinha uma rede capaz, e a tecnolo
gia existia. Poderiam ser as tecnologias de voz sobre Internet já conheci
das, ou a tecnologia padronizada pelo CableLabs nos EUA, a tecnologia de
PacketCable. Além disso, a Net tinha acesso à Internet em alta velocidade,
o que poderia complementar a oferta de serviços da Embratel.

210
Discutia-se muito, na época, se aquele acordo abriria ou não as por
tas do conteúdo Globo às empresas da Telmex, notadamente à empresas
de telefonia celular, setor em que cada vez mais o conteúdo audiovisual
se tornava relevante. Hoje, olhando em perspectiva histórica, percebe-se
que a discussão era irrelevante frente à estratégia de ofertas de serviços
de telefonia e Internet. Concretamente, a Globo nunca facilitou o acesso
a nenhum dos conteúdos do grupo às empresas de Carlos Slim, e nem
existem parcerias fortes nesse sentido. Mas na ocasião em que o acordo
foi fechado, a Telmex foi hábil em deixar claro que não pretendia, com
aquele negócio, abrir a porta para uma enxurrada de conteúdos mexica
nos no Brasil, muito menos fazer frente aos produtos que a Globo desen
volvia. A Telmex, e posteriormente a Embratel (que foi a empresa utiliza
da efetivamente como veículo de Carlos Slim para o investimento feito
na Net Serviços) nunca foram especialmente preocupadas com a questão
dos conteúdos.

BANDA LARGA É O CAMINHO


O acordo com a Telmex acontecia em um momento em que a Net Ser
viços já avançara bastante na discussão interna sobre um modelo para o
serviço de telefonia que seria oferecido. Nas propostas de reestruturação
da empresa feitas junto aos credores e no plano de crescimento da Net,
a oferta de banda larga e de voz era o elemento relevante. Até mesmo um
acordo entre a Net e a empresa de telefonia na Internet, Skype, chegou a
ser cogitado, mas a chegada dos mexicanos mudou o rumo das coisas. No
princípio, houve a sensação de que a Telmex é quem deveria dizer o que
fazer, mas logo ficou claro que os mexicanos pensavam mais ou menos
da mesma forma. A proposta da Net, naquele momento, era claramente
se colocar como uma operadora que tinha os três serviços a oferecer, e
talvez tivesse feito isso antes, se não fosse necessário conciliar as estra
tégias com a Telmex/Embratel. Assim José Felix relatou a este livro sobre
o encontro entre os mexicanos e os profissionais da operadora de cabo:

A gente já tinha a visão de que teria que ser uma operadora ‘triple
play’ para alavancar o nosso crescimento, mas para fazer isso era preci

211
so muito know how de coisas que a gente não sabia e teria que aprender.
A Embratel trouxe isso. Então, as primeiras reuniões foram muito menos
para decidir o que fazer ou como fazer, mas muito mais para decidir quem
faria o quê.

Paralelamente, a TVA também tinha o seu plano de ser uma opera


dora de múltiplos serviços, e em outubro de 2004 anunciou comercial
mente a oferta de seu serviço de voz sobre IP (VoIP) em parceria com a
operadora competitiva Primeira Escolha. Era a primeira vez que uma
operadora de TV por assinatura utilizava sua rede de banda larga para
oferecer serviços de telefonia. O modelo praticado naquela ocasião já era
consagrado nos EUA pela operadora de VoIP Vonage, e pela Net2Phone,
de quem a TVA era, inclusive, parceira nessa operação. Basicamente, o
modelo consistia em instalar um adaptador à conexão banda larga (ATA)
por meio do qual era feita a conexão do telefone. Não é possível precisar
se a TVA foi a primeira operadora a oferecer o serviço de VoIP no Brasil
porque, na mesma época, a operadora de telefonia GVT também lançava o
serviço, e outras operadoras pequenas também tinham a solução.
O que se pode dizer com a segurança do distanciamento histórico é
que naquele momento a TVA se apressava para oferecer, antes da Net, as
inovações tecnológicas que estavam sendo trazidas pela TV por assina
tura ao Brasil. A outra inovação era a TV a cabo com tecnologia digital.
Nos anos anteriores, diferentes empresas tinham testado diferentes
tecnologias para transformar a TV a cabo e o MMDS, analógicos até en
tão, em serviços que funcionassem digitalmente. O DTH foi pioneiro com
larga margem, já trazendo a tecnologia digital no serviço TVADigisat em
banda C, em 1995, e depois com as operações em banda Ku da Sky e da
DirecTV, em 1996. Em seguida, veio o MMDS, com as operações da Acom
e da Teleserv, no começo dos anos 2000. Mas a digitalização das redes de
TV a cabo, ainda que fosse discutida como possibilidade desde 1997 pela
Multicanal, e depois testada pela Globo Cabo em vários momentos, só
viria a se tornar realidade em 2004.
Nesse mesmo ano, e mais ou menos ao mesmo tempo, animadas
pela retomada ensaiada pela indústria após o tenebroso inverno dos

212
anos anteriores, as três maiores operadoras de cabo, Net Serviços, Vi-
vax e TVA, iniciaram as buscas por tecnologias e modelos de negócio
que impulsionassem suas digitalizações. Uma etapa decisiva desse
processo aconteceu nos EUA, em New Orleans, durante a NCTA Cable
2004, o evento setorial de TV paga do mercado norte-americano. Na
quele evento, Net e TVA anunciaram, simultaneamente, planos muito
parecidos para a digitalização de suas redes, pelo menos do ponto de
vista das tecnologias. Ambas haviam escolhido o padrão europeu DVB,
aberto, e ambas optaram pelo o sistema de acesso condicional da Nagra
para iniciar seus serviços de cabo digital. Foi um momento importan
te, porque marcou a consagração de um padrão aberto, conhecido e co-
mercializado por diferentes fornecedores. Anos antes, a Net Serviços
já havia estudado a digitalização com a mesma tecnologia, mas com
software da Microsoft.
A Vivax decidiu, então, esperar o que fariam as duas outras opera
doras para então tomar uma decisão sobre o caminho a seguir, e de fato,
com a falta de espaço que havia sido deixado no Brasil para os “padrões
proprietários”, a Vivax conseguiu um ótimo acordo de digitalização com
a tecnologia da Motorola, pelo menos para os primeiros testes em Ma
naus. A Motorola era uma das fabricantes de set-tops com tecnologia
digital proprietária, ainda que a sua tecnologia seja praticamente um
padrão no mercado norte-americano.
A corrida entre Net e TVA pelo desenvolvimento do produto era in
tensa, e a TVA conseguiu colocar as suas primeiras caixas digitais na rua
um pouco antes da Net, em outubro. No mesmo mês, a TVA anunciaria o
serviço de voz. Em novembro foi a vez de a Net Serviços lançar sua TV por
assinatura digital. Independentemente de quem foi a primeira a trazer a
inovação, contudo, a estratégia tinha um significado muito maior: abria
as portas para a oferta de mais canais no Brasil, o que passou a acontecer
em ritmo bastante intenso a partir daquele ano.
Se Net e TVA inovavam na digitalização, as operadoras de DTH es-
tavam um pouco à frente. Em novembro de 2003, a operadora Sky ha
via lançado o que nos EUA virara febre: o digital video recorder (DVR).
Era considerado o produto mais inovador do ponto de vista conceitual

213
desde o advento do videocassete. Os primeiros modelos começaram a ser
comercializados nos EUA em 2000, principalmente por uma empresa
chamada de TiVo (que virou sinônimo do produto, pelo menos naquele
país). Consistia de uma caixa extremamente avançada para a recepção
dos sinais de TV que funcionava como um computador, processando e
armazenando em um disco rígido os conteúdos de alguns canais. A revo
lução do conceito do DVR era permitir que os programas fossem assisti
dos, posteriormente, não na sequência predeterminada pelo canal, mas
de acordo com a vontade do usuário, de maneira não linear. Além disso,
a possibilidade de avançar, retroceder e pausar a programação que esta
va sendo exibida naquele instante ou que tivesse sido gravada dava ao
telespectador um poder de escolha e de interação que nunca haviam sido
oferecidos por nenhuma ferramenta de TV.
A Sky foi a primeira operadora a trazer o produto para o Brasil, em
novembro de 2003, mas estimou errado a demanda: pensava em vender
80 mil caixas nos primeiros meses, mesmo em se tratando de um equipa
mento caro, da ordem de R$ 1,5 mil. Esse número não foi alcançado por vá
rias razões, entre elas as dificuldades técnicas para aprimorar o produto,
o início do processo de fusão com a DirecTV nos EUA (o que mudava com
pletamente a matriz tecnológica que a Sky seguiria no Brasil), a falta de
equipamento para importação e outras. Mas o fato é que o conceito estava
colocado e disponível comercialmente já a partir de novembro de 2003.
Outra grande movimentação do mercado de TV por assinatura na
quele ano de 2004 era a perspectiva de fusão entre Sky e DirecTV. Desde
o momento em que a News Corp., controladora da Sky, fizera a oferta para
comprar a participação da Hughes na DirecTV norte-americana, contro
ladora da DirecTV no Brasil, desenhava-se como inevitável que o mesmo
acontecesse na América Latina e no Brasil. A lógica por trás de uma even
tual consolidação das duas empresas era a lógica econômica. Isso já se
sabia desde os primeiros momentos em que se cogitou trazer ao Brasil
as plataformas de TV por assinatura via satélite usando a tecnologia de
banda Ku, ainda em 1995. Houve conversas para uma plataforma única
naquele princípio, cogitou-se novamente uma fusão em 2001, no auge da
crise, a perspectiva ganhou corpo depois que a News Corp. efetivamente

214
fez uma oferta para a compra da parte da Hughes nos EUA, ainda em 2003,
mas só no final de 2004 é que todos os fatores confluíram totalmente.
No dia 11 de outubro de 2004, por fim, as duas empresas anunciaram
oficialmente a intenção de fundir suas operações na América Latina, o
Brasil aí incluído. As mudanças seriam significativas. Passadas as etapas
de aprovações regulatórias, as duas operadoras se fundiriam sob a plata
forma Sky, marca que seria utilizada definitivamente. A DirecTV Group
(sob o controle de Murdoch) teria 72% da nova companhia e a gestão do
negócio. O grupo Globo ficaria com 28%. Mais importante, manteria a
posição de principal fornecedora de conteúdo para a plataforma de DTH
no país. Juntas, as duas empresas tinham no Brasil, naquela data, 1,229
milhão de assinantes, o que representava 34% do mercado de TV por as-
sinatura e quase a totalidade do mercado de DTH. A fusão significava um
ajuste de todas as operações da Sky e da DirecTV na América Latina.
Rupert Murdoch já havia aprendido, em junho de 2002, que operar
na região não era coisa simples, por ter sido forçado a fechar a operação
da Sky na Argentina com 52 mil clientes em função de dificuldades de
planejamento e seguidas crises econômicas. Após a fusão, a operação da
DirecTV no México sairia do ar e os assinantes seriam repassados à Sky.
Lá, ao contrário do Brasil, o grupo controlador da operação seria a Tele-
visa, com 57% da nova companhia. A aliança entre Globo, Televisa, Liber
ty e News que havia vigorado desde 1996 para as operações da América
Latina também deixaria de existir, ou seja, o grupo Globo se desligaria
totalmente das operações internacionais. Mas havia algumas compensa
ções. A avaliação dos assinantes da Sky e da DirecTV em função daquela
operação batia em US$ 860 a US$ 900, segundo dados da DirecTV Group
Inc. divulgados na época.
A Net Brasil continuaria sendo a principal negociadora de conteúdos
da operação, sobretudo para conteúdos nacionais. Essa posição se man
teria enquanto a Globo tivesse 5% do negócio. A Globo também ganhou
acesso aos meios de distribuição da News em outros países, mas até hoje
não foram desenvolvidos conteúdos para aproveitar essa prerrogativa.
O anúncio da fusão colocou lenha em algumas discussões no âmbito
concorrencial que viriam a se tornar determinantes e levariam a uma re

215
visão profunda no modelo de compra e venda de programação, sobretudo
por parte do grupo Globo e o modelo praticado pela Globosat. Esse era um
assunto que se fazia presente há vários anos. Do ponto de vista de uma
disputa concorrencial propriamente dita, o tema estava colocado desde
que em junho de 2001 a NeoTV decidiu questionar a política de exclusi
vidade do canal SporTV junto às autoridades de defesa da concorrência.
O processo passou por vários momentos importantes. Em 30 de abril de
2002 a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fa
zenda manifestou-se contra a política de exclusividade no processo em
que era avaliada a compra da ESPN Brasil pela Globosat. Faria o mesmo
em relação ao pedido de quebra de exclusividade feito pela NeoTV.
Ao saber que a News Corp. pretendia adquirir o controle da DirecTV
nos EUA, em abril de 2003, a NeoTV voltou a reforçar o pedido de quebra
de exclusividade do SporTV, com um pedido de cautelar que provocou,
por parte da News Corp., um acordo de reversibilidade da operação com
o Cade: a empresa se comprometia a não retirar nenhuma programação
da Sky ou da DirecTV e manter os contratos de programação vigentes
nas bases em que estavam estabelecidos naquele momento. Era uma
medida especialmente importante para o grupo Bandeirantes e seus ca
nais BandNews e BandSports, que haviam sido viabilizados pela base
da DirecTV em 2001 e 2002, e eram os que mais corriam riscos de per
der com a fusão. Também existia o compromisso de que nem Sky nem
DirecTV viriam a adquirir novos conteúdos exclusivos enquanto o caso
não fosse julgado.
Mas o anúncio de que Sky e DirecTV efetivamente planejavam a fu
são, em outubro de 2004, alimentou ainda mais o debate sobre exclusi
vidade de programação. E, de fato, esse foi o tema que permeou toda a
discussão em relação à fusão.
Entretanto, naquele momento as vendas de pay-per-view do Campe
onato Brasileiro batiam recordes e o SporTV, aos poucos, deixaria de se
tornar central como diferencial concorrencial. O que realmente fazia a
diferença era o futebol, e a exemplo do que acontecia em todos os demais
países, o futebol tornava-se cada vez mais um produto premium. A dife
rença é que no Brasil esse produto não poderia ser comprado por quem

216
quisesse; era necessário ser parte do modelo Net Brasil. O sinal de que o
modelo estava de fato enfrentando uma forte pressão veio da Anatel, em
novembro de 2005, quando deu a anuência para que a DirecTV e a Sky se
fundissem. Normalmente, a Anatel julgava os pedidos de consolidação
entre empresas apenas do ponto de vista regulatório, sem se manifestar,
naquele momento, sobre questões concorrenciais, mas no caso do pedido
de fusão entre Sky e DirecTV a agência inovou e já encaminhou a sua
anuência com uma série de recomendações ao Cade.
Eram cinco as restrições colocadas pela Anatel: a operação, após a
fusão, teria que abrir mão de conteúdos exclusivos; conteúdos de tercei
ros seriam veiculados pela operação de DTH após a fusão, medida que
foi tomada para que não houvesse reserva de mercado apenas a conteú
dos do grupo Globo ou do grupo News Corp.; também havia restrições a
que canais que já estivessem no line-up das operações não fossem reti
rados arbitrariamente da grade; e por último era recomendado que não
houvesse práticas de preço diferentes em diferentes regiões do país.
Se aquelas recomendações fossem acatadas pelo Cade, Anatel poderia
acompanhar o dia-a-dia da operação em relação ao conteúdo, fato inédi
to na história da agência.
Globo e News Corp. sabiam que as restrições viriam daquela forma,
porque em casos semelhantes, na Europa, era essa a jurisprudência con
correncial. E ainda havia a pressão do processo da NeoTV pela quebra
de exclusividade do SporTV. Em outubro de 2005 começavam, por par
te dos dois grupos de mídia, as articulações em busca de uma solução
que não fosse traumática para o modelo vigente até então. As negocia
ções se deram no âmbito da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do
Ministério da Justiça, com participação do próprio Cade. O objetivo era
flexibilizar a distribuição dos conteúdos produzidos pela Globosat sem,
contudo, criar um problema com a Net Serviços e outros franqueados da
Net Brasil, que tinham a política de exclusividade estabelecida em con
trato. Foi uma queda de braço entre o Ministério e os grupos envolvidos,
de onde saíram pareceres bastante desfavoráveis à política de exclusivi
dade, emitidos primeiro pela SDE, em janeiro, depois pela procuradoria
do Cade, no começo de maio.

217
A batalha só terminou no dia 25 de maio de 2006, quando o Cade
aprovou por unanimidade o ato de concentração entre Sky e DirecTV no
Brasil. Houve, como era esperado, algumas restrições, principalmente
na questão da programação. A partir daquela data, as empresas da News
Corp., incluindo subsidiárias, coligadas, afiliadas e associadas, não po-
deriam, durante cinco anos, agir de forma discriminatória contra os con
correntes no fornecimento de conteúdos; fornecer conteúdos em caráter
exclusivo; e exercer direitos de exclusividade sobre os cinco maiores
campeonatos de futebol de interesse dos brasileiros (Brasileirão, Liber
tadores e Copa do Brasil, Paulista e Carioca).
A medida atingia a Fox, o canal Fox Sports, o canal FX e qualquer
outro canal vinculado ao grupo de Rupert Murdoch. Atingia também a
própria Sky, que não poderia produzir conteúdos exclusivos. Mas deixa
va de fora a Net Brasil e a Globosat. Também foi imposto à Sky que não
praticasse ofertas discriminatórias em diferentes regiões do país, e por
três anos mantivesse todos os canais pagos de conteúdo brasileiro dispo
níveis na DirecTV, garantindo a eles receitas equivalentes durante o pe-
ríodo. O Cade também eliminou os contratos entre News e Globo que des
sem ao grupo Globo poder de veto ou decisão unilateral na contratação
de conteúdo nacional na Sky, mas não impediu que o grupo participasse
e votasse em decisões de programação, nem proibiu que a Net Brasil atu-
asse como intermediária na compra de conteúdos nacionais.

FIM DA EXCLUSIVIDADE
Outro lance decisivo catalisado pelo Cade no que diz respeito a ques
tões de contratos de exclusividade e conteúdo veio uma semana depois
da aprovação da fusão dos DTHs. Era o julgamento do processo adminis
trativo aberto em decorrência da reclamação da NeoTV, feita em 2001,
para ter acesso ao canal SporTV. Havia uma grande expectativa sobre o
resultado desse julgamento, que poderia mudar completamente a estru
tura do mercado de TV por assinatura.
Mas o julgamento propriamente dito não aconteceu. O que ocorreu
foi a celebração de um acordo entre o Cade e a Globosat, um Termo de
Cessação de Conduta (TCC). Pelo acerto entre a programadora e o tribu

218
nal concorrencial, acabava a exclusividade da venda dos canais SporTV
e do pay-per-view esportivo apenas para associadas da Net Brasil. Era,
sem dúvida, uma mudança de paradigma significativa. Mas ao contrá
rio do que pediam os operadores de TV paga associados à NeoTV, não
foi quebrada a política de empacotamento. Ou seja, quem quisesse ad
quirir os canais, teria que fazê-lo nas mesmas condições das empresas
Net Serviços e Sky, o que significava dizer que quem quisesse levar os
canais de esportes deveria, necessariamente, levar os outros canais da
Globosat, pois nos contratos existentes até então, a Globosat não vendia
um sem outro, e essa venda deveria ocorrer no pacote básico, no caso
dos novos assinantes.
Ali ficava claro para o mercado de operadores que o modelo da Glo
bosat não era baseado apenas na exclusividade dos canais, mas em uma
modelagem de empacotamento, em que os canais eram comercializados
de forma conjunta, e que aquele era o modelo que a programadora de
sejava oferecer ao restante do mercado, ainda que aceitasse conviver, a
partir dali, com line-ups que incluíssem canais com os quais até então
não competia.
O acerto entre Globosat e Cade também causou protestos de grupos
concorrentes, como a Bandeirantes, que esperavam que houvesse, por
parte da autoridade concorrencial, medidas que impusessem a diversi
dade de provedores de conteúdo aos associados da Net Brasil, para evitar
que estas operadoras ficassem restritas apenas aos canais Globosat em
termos de conteúdo nacional. E esse sentimento seria decisivo dois anos
depois, em uma discussão importante iniciada no Congresso sobre a re-
visão do marco regulatório do setor de TV por assinatura.
Mas se o fim da exclusividade não deu aos operadores independentes
a satisfação de conseguir os canais da Globosat na forma como desejavam,
abriu as portas para algumas mudanças importantes. A Net Brasil deixa
ria de ser responsável pela negociação de conteúdos estrangeiros para as
operadoras associadas, por exemplo, mas seguiria como negociadora para
os canais nacionais. Da mesma forma, seria a Net Brasil quem negociaria
a distribuição dos canais Globosat com as operadoras interessadas, como
de fato aconteceu em outubro de 2007, quando finalmente, depois de mais

219
de 15 anos de modelo, os canais Globosat se tornaram disponíveis à tota
lidade de operadores do país, diante de um acordo entre a NeoTV e a Net
Brasil. Vale lembrar que o outro marco da exclusividade havia caído já em
março de 2005, quando os canais da HBO, já sem o vínculo de exclusivida
de com a DirecTV, entraram nas operações ligadas à Net Brasil.
O processo de fusão da Sky e da DirecTV não foi importante apenas
em função das mudanças que trouxe na forma dos acordos de programa
ção vigentes. Foi também a maior operação de consolidação entre duas
empresas de TV por assinatura já realizada no Brasil, e um período rico
de compreensão sobre como culturas e dinâmicas empresariais diferen
tes podem ser combinadas.
Luis Eduardo (Bap) Baptista, que presidia a DirecTV até o início do
processo, e depois veio a se tornar o presidente da empresa consolidada,
relata que o mais difícil daquele processo foi desfazer o clima de compe
tição que havia entre as duas equipes. Sky e DirecTV sempre competiram
palmo a palmo pelo mercado de DTH desde 1996, sempre buscando uma
superar a outra do ponto de vista da inovação de serviços e da programa
ção. Tudo isso diante da complexidade de uma operação de TV por assina
tura via satélite, que atingiria todas as cidades do país. Quando DirecTV
iniciou a sua reestruturação financeira via Chapter 11, houve um certo
sentimento de derrota entre a equipe da operadora que se ampliou quan
do ficou claro que a News Corp., dona da Sky, compraria a operação.
Mas esse sentimento e a expectativa sobre qual das duas empresas
prevaleceria depois da fusão fizeram com que ambas trabalhassem para
conquistar espaço em um clima beligerante. No final, o resultado foi in
teressante, pois ficou a marca Sky, considerada mais forte e com a maior
base de assinantes, mas a operação dos EUA passou a ser o modelo, ao
contrário dos anos anteriores, em que a Sky do Reino Unido era o grande
modelo de operação. Também a empresa controladora passou a ser a Di
recTV nos EUA. Em 2008, após um ajuste societário realizado nos EUA
entre a News Corp. e a Liberty Media, Rupert Murdoch passaria o contro
le da DirecTV para John Malone (dono da Liberty), desfazendo-se de suas
participações nas operações de DTH nas Américas. Hoje, Murdoch não é
mais o acionista controlador da Sky no Brasil.

220
O período entre 2004 e 2006 é, na história da TV por assinatura, a
época em que a convergência de serviços de Internet, telefonia e TV por
assinatura efetivamente aconteceu. As operadoras saíram da crise com
acordos e contratos mais saudáveis com fornecedores e credores. Mas
saíram, sobretudo, com planos de negócio que tinham como premissa o
crescimento na base de usuários de banda larga. Em 2005, as vendas do
serviço de TV por assinatura, que já se recuperavam em 2004, faziam
o mercado crescer 10%. E a banda larga crescia 100%, chegando a qua
se 800 mil clientes. Mesmo pequenos e médios operadores de TV a cabo
passaram a investir em plataformas de banda larga, levando a realidade
do serviço para fora dos grandes centros, ao mesmo tempo em que as em
presas de telefonia também expandiam suas redes de ADSL.
Tudo indicava que 2006 seria um ano muito mais forte para a indús
tria de TV paga. A TVA havia anunciado seu serviço de telefonia no final
de 2004, colocando-o na rua em 2005. A Net e a Embratel, por sua vez,
passaram todo o ano de 2005 estimulando o crescimento da base de ban
da larga, que seria a base do serviço de telefonia anunciado em novembro
de 2005 e lançado comercialmente em março de 2006, em nada menos
que nove cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Santos, Porto Ale
gre, Florianópolis, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília. A Net e a Embratel
dividiram tarefas: a Net vendia e operava o serviço, e a Embratel cuidava
da parte de interconexão com a rede de telefonia e da cobrança. Era um
serviço agressivo em relação aos serviços de telefonia oferecidos pelas
empresas de telecomunicações, porque não tinha assinatura mensal e
era gratuito entre assinantes do Net Fone da mesma cidade. Com o tem
po, o serviço foi se combinando com outros produtos da Net, e em pouco
tempo as vendas combinadas de telefonia, banda larga e TV por assinatu
ra já representavam a maior parte das vendas da Net.
A Telefônica vinha, na Europa, apostando há vários anos em servi
ços TV por assinatura sobre redes de banda larga, com a tecnologia IPTV
(o serviço Imagenio), e colocava a TV paga em seu radar também para
a América Latina. Brasil Telecom e Telemar também intensificavam a
busca por tecnologias que permitissem ofertar serviços de TV por assi
natura, como forma de obter uma resposta ao avanço das empresas de

221
TV paga, ou começavam a sondar empresas de TV por assinatura para
eventuais parcerias ou sociedades.
Outro fato que merece ser mencionado ainda nesse período foi o
lançamento, em março de 2004, de mais uma operação de DTH. Depois
das grandes operações da década de 1990 entre Sky e DirecTV, e das pe-
quenas operações da Tecsat e da DTCom, mais uma entrava no jogo, a
Astralsat, uma pequena operadora cujo plano estratégico era oferecer TV
por assinatura com foco nos usuários das parabólicas de banda C que
pegavam os sinais abertos e poderiam querer, naquele serviço, um com
plemento com alguns canais pagos. A Astralsat foi lançada, mas jamais
conseguiu um crescimento mais significativo.
Posteriormente, na segunda metade de 2006, a operadora seria
fundamental à estratégia da Telefônica para o mercado de TV por assina
tura. Era uma estratégia que começava a se desenhar na mesma medida
em que a Net Serviços deixava seus dias de aperto para trás e avançava
sobre o mercado de telecomunicações, e a TVA, sem problemas finan
ceiros imediatos, mas impossibilitada de buscar um crescimento mais
agressivo, seguia em busca de um parceiro estratégico ou de uma forma
de reinventar o seu negócio.

AONDA DO WIMAX
A solução veio de onde menos se esperava: do MMDS. Os operado
res e entusiastas da tecnologia sempre souberam que ela tinha grande
potencial para transmissão de dados, por estar em uma faixa do espectro
pouco congestionada (na casa dos 2,5 GHz), por ser restrita a operadores
de MMDS no Brasil e por ter nada menos que 190 MHz de largura de
espectro, o que em termos de tecnologia de transmissão sem fio é uma
enormidade. Em 2004, mais especificamente em outubro, a Intel, a maior
fabricante de processadores para computadores do mundo, entusiasma
da com o sucesso das tecnologias de transmissão WiFi, faz uma aposta
ousada: investir para viabilizar o desenvolvimento de uma tecnologia de
transmissão de dados que começava a sair das pranchetas para a faixa
do MMDS. Era o WiMAX, tecnologia baseada na modulação OFDM, uma
inovação que já vinha sendo estudada pelos operadores de MMDS desde

222
o começo de 2003, por meio da associação Neotec, com alguns testes con
duzidos pela TV Filme em Belo Horizonte.
Em 2004, os operadores de MMDS brasileiros passaram a discutir
seriamente o potencial do WiMAX como alternativa para ampliar as pos
sibilidades de serviços de suas redes. Combinado com a digitalização dos
canais de TV por assinatura, o WiMAX colocava as operadoras na briga
pela banda larga em condições de igualdade com as empresas de cabo.
Como o Brasil tinha a faixa de 2,5 GHz ocupada exclusivamente pelo ser
viço de TV por assinatura desde o começo dos anos 1990, pelo menos nas
principais cidades, os testes e as pesquisas sempre se conduziram de for
ma a manter os dois serviços coexistentes. O WiMAX ainda trazia, no lon
go prazo, a perspectiva da mobilidade, que naquele momento era a aposta
da Clearwire e da Sprint/Nextel nos EUA, empresas que tinham a faixa de
2,5 GHz e queriam utilizá-la para uma grande rede de banda larga móvel.
Em 2005, quando ficou claro que a tecnologia de WiMAX se desen
volveria precisamente em cima da faixa de 2,5 GHz, as operadoras de
MMDS perceberam que haviam marcado território em um terreno com
imenso potencial. O casamento entre o WiMAX e o MMDS estava celebra
do. O problema é que, paralelamente, passou-se a discutir se aqueles 190
MHz do espectro que os operadores de MMDS tinham conquistado ao
longo dos anos, alguns nas primeiras levas de licenciamento entre 1989
e 1993, outros no processo de licitações entre 1998 e 2001, seriam manti
dos integralmente para o serviço de TV por assinatura.
A Anatel, naquele ano de 2005, promovera a primeira rediscussão
sobre o uso da faixa de MMDS em mais de uma década, até por pressão
das empresas operadoras na tecnologia, que queriam ter a possibilidade
de explorar banda larga naquela faixa.
A Anatel acreditava também que, se fossem digitalizados, os opera
dores de MMDS não teriam necessidade dos 190 MHz. De fato, com as
transmissões analógicas, os operadores de MMDS não podiam ter mais
que 31 canais, mas com a digitalização, eles teriam pelo menos quatro
vezes mais.
O problema é que os grandes operadores de MMDS não tinham con
dições de investir em peso na digitalização e ainda assim preparar as

223
suas redes para a tecnologia WiMAX, que era uma realidade, mas ainda
não estava comercialmente pronta. A TV Filme, desde 1999, enfrentava
severas limitações financeiras, e a TVA tinha que fazer investimentos
selecionados. Optou pela digitalização, em um projeto de US$ 10 milhões
para converter todos os seus assinantes de MMDS na cidade de São Pau
lo para a tecnologia e liberando espectro para outras aplicações. Os ou
tros operadores de MMDS estavam iniciando suas operações e também
não tinham a banda larga como prioridade.
Mas enquanto a Anatel fazia a consulta para a alteração da faixa,
iniciou-se no âmbito dos organismos internacionais de gerenciamento
do espectro um debate sobre o uso da faixa de 2,5 GHz para serviços de
telefonia móvel. Ou seja, o espectro de 2,5 GHz, que até então nunca ti
nha tido nenhum outro interessado no Brasil, a não ser as empresas de
MMDS, poderia ganhar pleiteantes de peso.
A alteração das regras (Resolução 492/06) foi publicada pela Anatel
em fevereiro de 2006, garantindo aos operadores de MMDS o uso inte
gral da faixa, com direito ao Serviço de Comunicação Multimídia (para a
prestação de banda larga), mobilidade restrita e também a promessa de
que a renovação das licenças mais antigas, que aconteceria em 2009, se
daria dentro daquelas regras, com uma possibilidade de redução da faixa
em apenas 40 MHz para a telefonia celular. Era tudo o que os operadores
de MMDS queriam.
Esse foi um dos ingredientes que certamente temperou um dos
maiores e mais importantes negócios de compra e venda de uma opera
dora de TV por assinatura já realizado no Brasil, e certamente o maior
envolvendo uma empresa de telefonia: a compra da TVA pela Telefônica.
A TVA, ao mesmo tempo em que iniciava testes com a tecnologia
WiMAX em suas redes de MMDS em São Paulo e Curitiba, e concluía a
digitalização de todos os seus assinantes, voltava a buscar parceiros ou
formas de conseguir investimentos. O processo começou em 2005, em
um trabalho conduzido pelo banco JP Morgan.
Com a Net e a Embratel ocupando um espaço mais relevante no mer
cado de telecomunicações, as empresas de telefonia também estavam de
olho no mercado de TV por assinatura e começaram a fazer seus movi

224
mentos. A primeira manifestação pública desse novo momento que se
iniciava foi uma incrível disputa pela operadora WayTV, que atuava em
algumas cidades mineiras, como Belo Horizonte, Uberlândia e Poços de
Caldas. Eram operações que haviam surgido a partir das licitações de
1999 e, portanto, eram redes novas, mais ainda naquele caso em que a
sócia e operadora da rede era a empresa de energia Cemig, por meio da
Infovias. No primeiro semestre de 2006, a Infovias resolve colocar a rede
à venda, os outros sócios na operação vendem juntos, e em um leilão em
bolsa realizado no dia 27 de julho, a operadora de telefonia Telemar (Oi)
adquire a WayTV por US$ 60 milhões. Isso significava um valor por assi
nante de TV paga da Way de US$ 1,45 mil, sem a dívida. Contados todos
os clientes da empresa, incluindo os de Internet, o valor por assinante foi
de US$ 1 mil. O curioso é que a Telemar tinha disputado a operadora com
a Net Serviços, que saiu do leilão um dia antes. Mas isso não significa
que a Net aceitaria sem questionamentos a entrada de uma empresa de
telefonia fixa no mercado de TV por assinatura.
A Telemar também chegou muito perto de adquirir a TVA em uma
negociação que não saiu por pouco. E por pouco a TVA também não abriu,
juntamente com o grupo Abril, em maio de 2006, suas ações na bolsa (o
que só não aconteceu porque o grupo Naspers entrou no capital da em
presa da família Civita).
Mas o destino da TVA seria mesmo a Telefônica. Em 29 de outubro
de 2006 a tele espanhola dá um lance e concretiza a compra da empresa
de TV por assinatura da família Civita por um valor estimado em cerca de
R$ 1 bilhão, ouUS$ 470 milhões, em valores da época. Ainda hoje é difícil
dizer qual o valor pago por assinante, porque os 320 mil clientes da TVA,
na época, estavam dispersos em redes com condições técnicas muito di
ferentes, alguns em tecnologia de cabo e outros em MMDS.
O acordo se daria em etapas por conta de limitações regulatórias,
razão pela qual a tele compraria apenas 19,9% da operação de cabo em
São Paulo. A Telefônica, uma empresa estrangeira, não pôde assumir o
controle de uma operação de cabo com a atual redação da lei, situação
semelhante à da Embratel/Telmex na Net. Por outro lado, podia adquirir,
como o fez, as outorgas e operações de MMDS, que naquele momento já

225
tinham um significado especial por conta do WiMAX. A TVA tinha a co-
bertura do serviço de MMDS mais abrangente do país, com operações em
São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, o que significava estar
em alguns dos principais mercados caso o WiMAX desse certo. A venda
deu saída aos sócios estrangeiros da TVA que ainda não haviam sido dilu
ídos, e ao grupo Abril, um novo ânimo para a produção de conteúdos.
Isso porque o acerto entre Telefônica e Abril previa que a operação
de TV por assinatura daria vazão aos conteúdos que fossem produzidos
pela Abril. Naquele momento, existia a MTV, mas logo a recém-criada di
visão da Abril responsável pelo desenvolvimento de canais anuncia mais
dois produtos: os canais FizTV e o Ideal, com uma referência especial ao
FizTV: o canal lançado em julho de 2007 que inovava ao trazer para a sua
grade o conceito de conteúdos gerados pelo usuário.
A estratégia da Telefônica, contudo, não passava apenas pela TVA.
A operadora já vinha desde meados de 2006 se preparando para entrar
no mercado de DTH no Brasil, dando continuidade a uma estratégia pan-
-regional iniciada no Chile que se estendia para Peru, Argentina e, obvia
mente, Brasil. A base dessas operações de DTH era a operação de cabo
que a Telefônica tinha no Peru.
O primeiro passo da Telefônica foi pedir sua licença à Anatel, o que
aconteceu por volta de maio de 2006. Quando o plano de lançar DTH veio
a público, em agosto, a Telefônica começou a sofrer as primeiras críticas
dos operadores de TV por assinatura que viam aquilo uma possível amea
ça à competição, a exemplo do que havia acontecido na compra da WayTV
pela Oi, onde havia (e há até hoje) um debate sobre a interpretação da Lei
do Cabo acerca da possibilidade de uma empresa de telecomunicações
poder ou não controlar uma operadora de TV a cabo.
A Telefônica foi em frente com seu plano, e em setembro, pouco an
tes de fechar negócio com a TVA, anunciou uma parceria estratégica com
a Astralsat, operadora de DTH controlada pela empresa DTHi, que seria
uma espécie de operação de testes da Telefônica. A Astralsat já existia
desde 2004, mas com baixíssimo número de usuários. A operação com
binada entre as duas empresas começou em 23 de novembro, marcando
oficialmente a entrada da Telefônica no mercado brasileiro de TV por

226
assinatura, e em pouco tempo já batia a marca dos 120 mil assinantes.
Entretanto, a aquisição da TVA colocou em oposição a ABTA e seus dois
maiores associados (Net e Sky) de um lado, e a TVA (também associada à
ABTA) e a Telefônica de outro. A disputa foi parar na Justiça, onde ainda
aguarda julgamento de mérito.
Na mesa de argumentos estavam uma complexa discussão sobre a
possibilidade jurídica de a Telefônica entrar no mercado de TV por as-
sinatura por meio das tecnologias MMDS e DTH, e uma polêmica sobre
os impactos concorrenciais de uma eventual concentração de redes na
cidade de São Paulo, já que a Telefônica, além de sua rede de telefonia
fixa, adquiria com a compra da TVA uma rede de TV a cabo e a rede de
MMDS na cidade. A questão concorrencial é algo que ainda está para ser
resolvida, como se verá no próximo capítulo.
Já a presença da Telefônica como controladora de licenças de DTH
e MMDS está, aparentemente, resolvida. A Anatel concedeu em março
de 2007 a licença de DTH própria da Telefônica, e em abril estava em
operação. Mas o que talvez tenha definitivamente consagrado a entrada
da Telefônica no mercado de TV por assinatura foi o acordo celebrado
com a Globosat e com a TV Globo no dia 18 de agosto de 2007. Foi um
contrato histórico para a Globosat, pois pela primeira vez o seu sinal
entraria na TVA. E mais histórico ainda para a TV Globo, que pela pri
meira vez aceitava negociar o seu sinal com uma operadora de DTH da
qual não era sócia. Recorde-se que a Globo havia brigado violentamente,
em 2001, contra uma situação semelhante em que a DirecTV tentou a
mesma coisa.
Do lado da Net, as movimentações também foram extremamente in
tensas e importantes durante esse período. Não só a Net, mas também a
Vivax, que em 2005 despontava como uma das grandes operadoras de TV
a cabo do Brasil e se preparava para saltos ainda maiores. Os grandes pla
nos da operadora começaram no final de 2005, quando percebeu que ha
via uma grande oportunidade para abertura de capital em bolsa. A Vivax
era uma empresa geograficamente bem posicionada, com uma rede mo
derna, um elevado percentual de penetração dos serviços de banda larga
e tinha, no interior de São Paulo, tudo para conquistar uma parcela sig

227
nificativa dos assinantes da Telefônica. Em janeiro de 2006, como forma
de se capitalizar para a competição que teria que enfrentar, a Vivax abriu
capital embolsa.
Quando anunciou a intenção de fazer a oferta de ações, a operadora
estimava que poderia levantar até R$ 375 milhões entre os investidores.
Quando abriu em bolsa efetivamente, levantou mais de R$ 520 milhões,
ficando a maior parte para os seus acionistas. O preço por assinante era
da ordem de US$ 1,36 mil. Mas quando todos pensavam que a Vivax seria
um contrapeso na disputa entre Net e Telefônica, vem o anúncio surpre
endente: a empresa seria adquirida pela Net Serviços, que fez a oferta de
compra meses depois do lançamento das ações em bolsa.
O comunicado da operação é feito no dia 12 de outubro de 2006. Era
um negócio de um tamanho que só se vira no final dos anos 1990 e come
ço de 2000. A Net se tornaria, então, uma operadora com 1,974 milhão de
assinantes de TV paga, 638,4 mil assinantes de banda larga e 8,4 milhões
de domicílios cabeados. Teria quase 50% do mercado de TV paga no Bra
sil e voltaria a ter 75% do mercado de TV a cabo, percentual só registrado
quando comprou a Net Sul e a Unicabo, em 2000.
Com a Vivax, somaria mais 31 cidades à sua área de cobertura e che
garia a 78 mercados ao todo. Mas a fusão tinha um risco: apesar de boas,
as redes ainda não eram codificadas, muito menos digitalizadas, o que
impunha a necessidade de investimentos. Naquela operação, a Vivax foi
avaliada por algo em torno de R$ 1,330 bilhão, mais uma dívida de R$
120 milhões. Isso representava R$ 4,26 mil por assinante da Vivax sem a
dívida, ou R$ 4,64 mil com a dívida. Ou, em moeda norte-americana, US$
2,16 mil por assinante. Era uma tremenda valorização para uma opera
ção que acontecia apenas nove meses depois da abertura de capital em
bolsa, quando a Vivax valia R$ 980 milhões e seu assinante valia cerca
de R$ 3 mil, ou US$ 1,36 mil. A valorização por assinante foi de 58%. E a
avaliação total da companhia saltou 35%.
A fusão tinha um significado maior, porque a Vivax era uma empre
sa associada da NeoTV e agregava muitos assinantes à mesa de negocia
ção com programadores. Mas o mais importante era colocar a Net no pé
da Telefônica em todo o Estado de São Paulo.

228
Depois dessa operação, a Net manteria a toada de adquirir uma opera
dora por ano, sempre na mesma época. Cerca de um ano depois de levar
a Vivax, em 21 de dezembro de 2007, a Net comprou a operadora BigTV,
que operava em capitais do Nordeste e algumas cidades do interior de São
Paulo. Por essa operação, que incluía 12 cidades e 55 mil assinantes, a Net
propôs pagar entre R$ 285,6 milhões a R$ 204,8 milhões, o que daria um
máximo de cerca de R$ 2,6 mil e um mínimo de cerca de R$ 1,9 mil por assi
nante. E no ano seguinte, em 28 de agosto de 2008, comprou a operadora
ESC 90, atuante nas cidades de Vitória e Vila Velha, numa operação estipu
lada em R$ 94 milhões, que dava, sem contar eventuais dívidas, cerca de
R$ 3 mil por assinante. A ESC 90 agregou à Net 31 mil assinantes de TV por
assinatura e 24 mil de banda larga.
Nessa nova onda de fusões entre operadoras de TV por assinatura, tal
vez a mais surpreendente tenha sido a compra da ITSA (antiga TV Filme)
pela Sky, em junho de 2008. Trata-se de uma operação que traz um peso
importante por ter sido a primeira vez que uma operadora de DTH decidiu
apostar em outra tecnologia de distribuição. Além do aspecto simbólico de
a ITSA ser uma das primeiras operadoras do Brasil, a entrada da Sky no
universo do MMDS introduziu-a no jogo da banda larga, o que não é pouca
coisa. Anos antes, a DirecTV, nos EUA, já havia flertado com a compra de
frequências para banda larga, e havia dois anos também participara da
tentativa de compra da TVAem uma disputa apertada. Mas com a ITSA re-
cuperou a chance de testar a convergência entre WiMAX e satélite, abrin
do uma nova frente no mercado. Mais uma de muitas.

229
CAPÍTULO 10

O começo do futuro
Para onde caminha a TV por assinatura? O que é possível dizer sobre
o que acontecerá com as redes de cabo, MMDS e DTH, com as centenas
de canais hoje disponíveis para distribuição na TV paga? O que será da
oferta de serviços de banda larga, ou do serviço de telefonia por meio das
empresas de TV? E o marco regulatório, consolidado desde o final dos
anos 1990, passará por alterações?
Um exercício de futurologia é, ao mesmo tempo, tentador e arriscado
quando se observa a evolução da indústria de TV por assinatura ao longo
das últimas duas décadas. Por isso, deixemos a bola de cristal de lado.
Em lugar disso, e mesmo em nome da prudência, pois o palpite gra
tuito teria uma considerável margem de erro, o caminho aqui será outro.
Vamos relatar alguns fatos recentes da indústria, todos ainda em fase
de desenvolvimento, e que apontam para possíveis caminhos que pode
rão ser percorridos nos próximos anos pelo setor de TV paga, seus ope
radores e programadores. Todas são alternativas que certamente terão
impacto sobre assinantes e usuários e que poderão mudar significativa
mente, ou não, a dinâmica do mercado e o papel de pequenos, médios e
grandes operadores.
O primeiro fato que merece destaque é personagem recorrente no
dia a dia da indústria, pelo menos desde 2005: a convergência, seja de
serviços ou de empresas. No momento em que os serviços de telecomuni
cações como banda larga e telefonia entraram no portfólio das empresas
de TV paga, e que as empresas de telecomunicações assumiram o contro
le de redes e operadoras de TV por assinatura, definiu-se o nome do jogo
nos próximos anos entre os dois setores.
Os fatos históricos mostram que desde 1993, pelo menos, os setores
de telefonia e de TV paga têm uma relação de confronto, de um lado, e

230
convergência de interesses de outro. Em 1993, a operadora Telemig, en-
tão estatal, assumiu uma postura agressiva e decidiu construir uma rede
convergente para a oferta de serviços de transmissão de dados e televi
são. Operadores de TV por assinatura prontamente reagiram, alegando
que seria uma interferência indevida em um negócio ainda incipiente,
em um setor onde a livre iniciativa tinha campo fértil para prosperar. De
fato, com a negociação da Lei do Cabo e depois com o estabelecimento de
políticas de governo, a estratégia da Telemig e de outras teles, entre as
quais a Telebrasília, a Telebahia e outras, não foi adiante. Mas naquele
confronto entre Telemig e o setor de TV paga surgiu o primeiro acordo de
compartilhamento de infraestrutura entre o setor de cabo e uma empre
sa de telecomunicações. Quando TTC Video Cabo (depois adquirida pela
Multicanal) e Telemig aceitaram usar a mesma rede de fibra, estabele-
ceu-se um modelo de convergência de redes. A parceria não foi adiante
porque tanto Telemig quanto Multicanal seguiram caminhos diferentes.
Esta última foi consolidada pela Globo Cabo, ajudando a compor a maior
rede de acesso privada até a privatização da Telebrás, e até hoje a maior
rede de acesso não vinculada à prestação exclusiva dos serviços de te
lefonia. A Telemig, por sua vez, foi privatizada e tornou-se parte do que
viria a ser a Telemar e depois a Oi.
Por ironia do destino, Belo Horizonte acabou sendo alvo da primeira
investida da Oi no mercado de TV a cabo, ao adquirir em 2006 a opera
dora WayTV, que por sua vez havia sido concebida a partir do processo
de licitação de novas outorgas de cabo e MMDS em 1998, portanto, após
a privatização da Telebrás, e que teve como característica marcante um
modelo de rede terceirizada em que o detentor da infraestrutura era a
Infovias, empresa de telecomunicações da estatal de energia Cemig.
AOitem, no momento em que este livro está sendo escrito, em 2009,
a operação da antiga WayTV, hoje chamada de OiTV, como um laborató
rio para o que pretende fazer na área de TV por assinatura, em uma inves
tida que parece inevitável. A Oi é uma empresa de grande porte, a maior
empresa de telecomunicações do Brasil, e não tem contra si a limitação
de capital estrangeiro. Por ser uma empresa cujo controle é indiscutivel
mente nacional, a operadora está liberada para prestar qualquer serviço.

231
Sua única limitação é a barreira da Lei do Cabo, que estabeleceu em 1995
que empresas de telecomunicações só poderiam explorar o serviço de TV
a cabo se empresas privadas não tivessem interesse. Ainda que em 1995
empresas privadas se contrapusessem a empresas estatais de telecomu
nicações, essa redação da lei continuou válida após a Lei Geral de Tele
comunicações e após a privatização da Telebrás, estendendo a limitação
até os dias de hoje. Este é o foco principal de uma intensa batalha para
a alteração da Lei do Cabo que se iniciou em 2007 e ainda está em anda
mento, e que logo analisaremos.
De qualquer forma, o modelo que havia se insinuado na década de
1990, na parceria entre a TTC e a Telemig, voltou a ser testado no momento
em que a Telefônica adquiriu a TVA, também no final de 2006. Nesse caso,
porém, com algumas variações. A Telefônica, que surgiu como operador
no Brasil ao adquirir a Telesp no leilão de privatização de 1998, passou a
controlar integralmente a operação de MMDS da TVAe apenas a parte le
galmente permitida da operação de cabo, sendo que nesse caso o controle
da tele é estrangeiro. Mas nada impede que todas as operações da TVA e
da Telefônica trabalhem em conjunto na oferta de serviços combinados.
Nesse sentido, 2009 marcou o lançamento comercial das operações de
IPTV da Telefônica utilizando a rede de acesso por fibra óptica construída
pela tele em alguns bairros da cidade de São Paulo. É um modelo muito
parecido com o da operadora Verizon, nos EUA, com o serviço FiOS.
A Verizon iniciou em 2005 a oferta de vídeo sobre uma nova rede de
fibras que passou a ser construída no lugar da antiga rede de fios de cobre
que servia ao serviço de telefonia e determinou, assim, uma virada das em
presas de telecomunicações dos EUA frente à convergência de serviços.
O serviço da TVA/Telefônica foi batizado de TVA Xtreme e vendido
em conjunto com o acesso à Internet em alta velocidade, com velocidades
de no mínimo 8 Mbps mas podendo chegar a 30 Mbps, além de serviço
de telefonia com ligações ilimitadas. A proposta da Telefônica é quase a
de um carro-conceito, muito mais para mostrar o potencial da tecnologia
do que para ganhar participação de mercado, pois a rede em que oferece
tudo isso é limitada. Outra proposta do serviço é oferecer conteúdos em
alta definição, algo que a TVA fez pela primeira vez na Copa do Mundo

232
de 2006, mas, naquela época, sem disposição financeira para tornar o
produto um sucesso comercial. A TVA XTream também marca o início
de uma operação comercial de video-on-demand combinada com o servi
ço de TV por assinatura, com um catálogo de mais de 600 títulos entre
filmes, séries, músicas, conteúdos infantil e adulto. A Telefônica lançou
todos esses serviços apostando no conceito de lar digital.
O projeto de levar fibra óptica até a casa dos usuários da Telefônica
começou ainda em 2007 para 40 mil residências na região dos Jardins.
No encerramento deste livro, era um projeto presente em 26 bairros da
capital paulista e em mais oito cidades do estado, totalizando 370 mil re-
sidências cobertas. O modelo da Telefônica de IPTV sobre redes de fibras
no Brasil é, portanto, restrito a poucos assinantes potenciais, mas repre
senta uma estratégia inovadora da empresa, que não pretende reprodu
zir no país o modelo da Telefônica na Espanha, onde a oferta de IPTV se
dá por meio da rede xDSL.
A oferta de banda larga sobre redes xDSL, como se recorda, chegou a
ser cogitada pela Telefônica no começo de 2001, mas foi logo descartada.
Quem levou adiante o projeto de vídeo sobre ADSL foi a Brasil Telecom,
com o serviço Videon, lançado em setembro de 2007 com apenas alguns
canais de pay-per-view e de vídeo sob demanda. A Brasil Telecom havia
iniciado seu flerte com o mercado de TV paga desde 2002 mas preferiu
não fazer nada que pudesse, de alguma maneira, sofrer contestações le
gais, como fizeram a Oi ao comprar a WayTV e a Telefônica ao adquirir o
controle da TVA.
O serviço Videon foi, por essa razão, limitado a poucos usuários,
mais como uma forma de a empresa conhecer a dinâmica do mercado de
TV por assinatura até que estivesse claro, do ponto de vista regulatório,
o que empresas de telecomunicações poderiam e não poderiam fazer. Ao
ser adquirida pela Oi, no começo de 2009, a Brasil Telecom pôs o desen
volvimento do serviço Videon na geladeira, aguardando uma diretriz da
nova controladora.
Mas a estratégia das empresas de telecomunicações para a área de
TV por assinatura parece estar centrada, mesmo, na oferta de serviços de
DTH. Sem a limitação de capital estrangeiro e sem nenhuma limitação

233
regulatória, o DTH virou o caminho de entrada escolhido pela Telefônica,
pela Embratel (que apesar da sociedade com a Net lançou seu próprio ser
viço no final de 2008) e pela Oi, cujo lançamento do serviço via satélite é
aguardado para um momento próximo, durante a finalização deste livro.
O ponto comum entre as três teles foi a estratégia inicial, sempre com
alternativas de menor custo.
ATelefônica, quando entrouno mercado de TVpagavia satélite atra
vés da parceria feita com a DTHi, em novembro de 2006, tinha um pacote
barato e agressivo, com preço inicial de R$ 39,90 incluindo conteúdo da
HBO. O pacote máximo dessa operação não custava mais que R$ 79,90, o
que garantiu um crescimento vigoroso por alguns meses. Com o tempo, a
Telefônica mudou a estratégia: primeiro, unificou seus pacotes e alinhou
os preços com os que eram cobrados pela TVA. Depois, iniciou a oferta de
seus serviços de DTH com a licença própria; e, por fim, adotou um empa
cotamento que permitisse a inclusão dos canais Globosat. Tudo isso fez
com que a tele saísse do modelo de baixo custo.
Nada disso impediu outra operadora de telecomunicações, a Embra
tel, de buscar uma forma de atingir as camadas menos abastadas da po
pulação. Apesar de ser sócia da Net Serviços, a Embratel quis, com uma
operação de DTH própria, expandir o serviço de TV por assinatura para
além da área coberta pela rede de cabos. Mas a estratégia também in
cluía a oferta de um produto com preço mais acessível. Originalmente, a
proposta da Embratel era chegar a um modelo parecido com o que a Te
lefônica conseguira com sua primeira parceria com a DTHi, pelo menos
quanto a valores. Posteriormente, ao ajustar sua estratégia aos contratos
de programação, o pacote inicial acabou não saindo tão barato como se
imaginava. Com um produto de entrada na casa dos R$ 59,90, a Embratel
estreou uma operação própria de DTH em dezembro de 2008, trazendo
na bagagem pelo menos uma inovação: era a primeira operadora de TV
por assinatura via satélite a utilizar a tecnologia DVB-S2, baseada na
compressão M-PEG4, o que lhe dava a possibilidade de empacotar mais
canais, com melhor qualidade e custos reduzidos de transponder. Outra
inovação foi a introdução do receptor híbrido para banda Ku e para si
nais de banda C, permitindo à empresa colocar em prática uma proposta

234
que a Tecsat já pensara introduzir em 1999, mas não teve condições de
manter-se competitiva no mercado.

DTH E CLASSE C
A entrada da Embratel no mercado de TV paga sem a sociedade com
a Globo existente na Net também mostrou que a estratégia da tele, con
trolada pelo grupo de Carlos Slim, não era só manter-se sócia da Globo,
como se chegou a comentar quando a compra da Net Serviços foi fechada
em 2004. A Embratel realmente acredita que TV por assinatura pode ser
um diferencial competitivo em sua disputa com as concessionárias lo
cais de telefonia. Por essa razão, sua estratégia é relevante porque marca
de maneira bem clara que as empresas de telecomunicações devem ter a
TV por assinatura em seu leque de ofertas para competição.
Essa é, também, a expectativa que se coloca diante da entrada da Oi
no mercado de TV paga via satélite. A empresa adotou, a partir de 2006,
quando adquiriu a WayTV, uma postura crítica em relação aos operado
res de TV por assinatura existentes, no que se refere à oferta de serviços
para camadas menos abastadas. Em todos os momentos, a Oi fundamen
tou seus argumentos na ideia de que a TV por assinatura no Brasil pode
ser mais barata e mais popular.
Esse discurso ajudou a ganhar o apoio de parlamentares e autorida
des para a polêmica proposta de fusão com a Brasil Telecom, anunciada
no começo de 2008 e concretizada nas primeiras semanas de 2009. A
Oi chegou a dizer que o mercado brasileiro de TV por assinatura tinha
potencial para 20 milhões de assinantes. Não foi a primeira vez que um
número dessa magnitude surgiu no horizonte. Em 1997, às vésperas de
fazer a privatização do Sistema Telebrás, o próprio governo chegou a
projetar uma base de 16,5 milhões de assinantes em 2005. Obviamente,
era um número irreal, 12 milhões acima da realidade registrada naquele
ano, mas que sempre serviu de parâmetro para que outros setores, so-
bretudo o setor de telecomunicações, apontassem a suposta ineficiência
do setor de TV por assinatura. Analisando-se os dados sob a perspectiva
histórica, percebe-se que o mercado de TV paga teve apenas duas ondas
de expansão do ponto de vista das licenças: uma em 1991 e outra entre

235
1998 e 2001. Ainda assim, o serviço de DTH é hoje acessível em pratica
mente qualquer ponto do Brasil, o que torna a sua cobertura tão eficiente
quanto a de telefonia fixa; e a banda larga por rede de TV por assinatura,
embora não esteja presente em todos os municípios, compete de forma
agressiva com os operadores de telecomunicações.
Parte importante desse esforço competitivo deve-se à Net Serviços,
sobretudo depois que a Embratel passou a figurar entre suas controlado
ras. O primeiro ataque efetivo da Net ao domínio das empresas de telefo
nia foi o serviço de voz, mas o que realmente fez a diferença foi a oferta do
produto Mega Flash de acesso à Internet em banda larga. Foi um produto
lançado em novembro de 2005 que inovou a relação velocidade/preço de
produtos banda larga. Pela primeira vez ofereciam-se produtos com mais
de 2 Mbps a menos de R$ 90,00. Além disso, a Net colocou uma opção
de 8 Mbps, até então inexistente para usuários residenciais. A estraté
gia da operadora iniciou uma fase de rápido crescimento nas vendas e
forçou as empresas de telecomunicações a buscar soluções tecnológicas
que ampliassem a capacidade do ADSL. Um mês depois, a Vivax ofereceu
o que era, naquele momento, a maior velocidade nominal de um serviço
de banda larga, um produto de 10 Mbps.
Exatamente três anos depois do lançamento do Mega Flash, a Net
passou a oferecer, ainda em caráter experimental no bairro do Leblon, no
Rio de Janeiro, e depois na capital paulista, um produto com velocidade
de 60 Mbps por meio da tecnologia DOCSIS 3.0, que trouxe ainda outra
inovação: a oferta de conteúdos sob demanda pela Internet.
De 2005 para cá, a Net não só ganhou um espaço cada vez mais re-
levante na disputa pelo mercado de banda larga, como a banda larga tor-
nou-se seu principal produto de novas vendas, impulsionando as vendas
de TV paga e telefonia em pacotes combinados.
Mas, se de um lado a Net criou modalidades de acesso com velocida
des de megabits por segundo, por outro abriu uma nova frente de ataque
ao brigar pelo segmento de baixa renda com um pacote de Internet, TV e
voz combinados. O produto foi o Net Fone.com, lançado em fevereiro de
2008 a R$ 39,90, oferecendo um acesso à Internet de 100 kbps, serviço
de telefonia sem assinatura básica e um pacote de TV que incluía apenas

236
canais abertos e obrigatórios, mas ainda assim ampliava a quantidade de
opções do usuário. Pela primeira vez, a maior operadora de TV por assina
tura do país apostava no segmento de baixa renda de forma não contro
lada, em uma cidade-laboratório. Foi uma estratégia agressiva da Net que
resultou em 2008, segundo avaliação da própria empresa, no “melhor ano
da história” em termos de resultados financeiros e operacionais. Essa po
lítica deve trazer à empresa um crescimento significativo nos próximos
anos, a depender da disposição de manter a oferta diante de eventuais
retrações de mercado e da perda de poder aquisitivo do público-alvo.
Os recentes anos da história da TV paga também marcaram o início
efetivo da era da alta definição na TV por assinatura. É fato que a pri
meira transmissão em alta definição em caráter comercial aconteceu na
Copa do Mundo de 2006, em uma operação conjunta da TVA e do canal
BandSports, que inovou, não apenas por ser a primeira transmissão em
HD, mas por utilizar o MMDS para esse fim, algo inédito em todo o mun
do. A operadora, contudo, não levou o produto adiante, aguardando uma
nova geração de equipamentos e opções de programação.
Em novembro de 2007, a Globosat lançou seu primeiro canal em alta
definição, o Globosat HD, cerca de um mês antes do início das transmis
sões abertas da TV digital na cidade de São Paulo, no dia 2 de dezembro.
A Net Serviços lançou o seu serviço em alta definição (HD) dia 30 de no
vembro, antes, portanto, do início das transmissões em alta definição,
ainda que os decoders HD só fossem distribuídos duas semanas depois.
A surpresa da Net, contudo, foi lançar um equipamento para a re-
cepção dos canais em alta definição mais barato do que o set-top HD dis
ponível para TV aberta e com a inovação do DVR HD (gravador digital
com capacidade de armazenar conteúdos em alta definição). Ao longo do
ano de 2008, a TVA também relançou seu serviço em alta definição, apro
veitando as transmissões em HD pelo canal SporTV das Olimpíadas de
Pequim. A TVA também foi a primeira a distribuir os canais da HBO em
alta definição.
Nos EUA, a DirecTV havia adotado, a partir de 2005, principalmen
te, uma estratégia muito agressiva contra as operadoras de cabo ao colo
car uma grande quantidade de canais em alta definição, aproveitando-se

237
da maior flexibilidade do satélite para esse tipo de serviço. Era natural
que se esperasse o mesmo no Brasil. A Sky demorou para anunciar seu
produto, mas quando o fez optou por uma estratégia grandiosa. De uma
só vez, lançou em maio de 2009, dez canais em alta definição, alguns
inéditos no mercado brasileiro, e um set-top altamente sofisticado, com
gravador digital e recursos de interação até então inéditos no mercado
brasileiro. Foi o maior investimento em marketing para um lançamento
de produto da história da TV paga, o que reforça a agressividade que os
operadores de TV por assinatura devem adotar no quesito conteúdos em
alta definição, daqui em diante.
Mas a estratégia da Sky trouxe uma surpresa que, a depender dos seus
desdobramentos, pode ter marcado ainda mais profundamente a história
da TV por assinatura: pela primeira vez, a operadora adotou uma estraté
gia de programação completamente diferente da Net Serviços. Recorde-se
que, originalmente, as duas operadoras eram controladas pelo grupo Glo
bo e durante vários anos não se diferenciaram em termos de programação.
A diferença entre os dois produtos estava na área de cobertura e em even
tuais recursos tecnológicos de uma ou de outra, como uma caixa digital e
interativa da Sky contra uma oferta de banda larga da Net. Mas ao lançar
seu produto HD, a Sky colocou uma quantidade muito maior de canais HD
e, mais importante, prescindiu, pelo menos em um primeiro momento, do
canal Globosat HD, presente na Net Serviços em seu pacote básico.
Não foi a única surpresa recente em termos de programação que
poderá ter implicações importantes no futuro. Em dezembro de 2008,
a Globosat adquiriu, pela primeira vez, os direitos de um grande evento
esportivo não disponível na TV Globo. Trata-se dos direitos para a trans
missão das Olimpíadas de Londres, em 2012, e das Olimpíadas de Inverno
de Vancouver, em 2010. A Globosat, na verdade, diante do fato de a TV
Record ter sido a compradora dos direitos para os dois eventos em lugar
da Globo, apressou-se para não ficar de fora. A estratégia é aproveitar
o fato de que em 2012 a TV por assinatura deverá ter uma penetração
maior, e a audiência aberta ser menor pela ausência do esforço da Globo
em promover o evento. Se a estratégia estiver correta, e se de fato a TV
Globo não transmitir as Olimpíadas de Londres, será um momento de

238
ruptura importante na relação entre as duas empresas. O valor pago pela
Globosat à Record para ter os jogos foi elevado para os padrões da TV
paga brasileira, entre US$ 14 milhões e US$ 22 milhões.
Por trás de todas essas apostas está a expectativa de que a TV por
assinatura terá um crescimento significativo nos próximos anos, e que
conteúdos premium e em alta definição, como são os jogos olímpicos, te
rão papel preponderante para as operadoras.
Mas, se de um lado, os canais e operadoras de TV por assinatura se es-
forçam para oferecer conteúdos em alta definição, de outro, as telas ainda
pequenas dos serviços de vídeo pela Internet vão representando, aos pou
cos, um concorrente cada dia mais importante para o mercado de TV paga.
A onda da Internet vem crescendo. No Brasil, começou ainda na
década de 1990 com algumas operações quase experimentais, como TV
UOL e TV Terra, e aos poucos foi adquirindo magnitude. Impulsionados
pelo avanço da banda larga, sobretudo a partir de 2005, e pelo crescen
te hábito dos usuários de Internet de consumir vídeo (fenômeno que se
deve em grande parte ao YouTube), os portais se tornaram mais e mais
presentes no mundo dos conteúdos audiovisuais, abertos ou por assina
tura, profissionais ou gerados por usuários.
Um importante marco nessa realidade estabeleceu-se em abril de
2006, quando a gigante do conteúdo Disney decidiu colocar as suas prin
cipais séries de TV aberta e gratuita para serem assistidas em seus sites
na Internet. Na ocasião, a Disney não tinha a exata dimensão do que esta
va fazendo. Buscava apenas entender um novo mundo que se desenhava.
Em 2009, o presidente do grupo Disney, Bob Iger, em palestra a empresá
rios de cabo norte-americanos avaliou sua estratégia:

Quando colocamos nosso conteúdo na web, fizemos isso para manter


o crescimento e a importância de nosso conteúdo, ampliar nossas opções
de receita e buscar novos modelos. Acreditamos ser uma importante forma
de combater a pirataria. Tínhamos que desafiar o status quo.

As palavras do presidente da Disney são apenas parte de uma dis


puta complexa. Assim como a TV a cabo contribuiu enormemente para

239
a disseminação da banda larga onde atua, e assim como os operadores
de TV paga em geral ajudaram a elevar a qualidade da programação com
conteúdos em alta definição, ambos também contribuíram para que a In
ternet se tornasse mais presente na vida das pessoas e, principalmente,
de seus próprios usuários. Mais Internet significa mais acesso a conteú
dos. Mais acesso banda larga significa mais acesso a conteúdos de vídeo.
E tudo isso pode significar menos tempo fazendo outras coisas, como
assistir à televisão, por exemplo.

RESPOSTA PARA A INTERNET


A TV por assinatura ainda está em busca de uma resposta, de uma
forma de dar ao seu assinante a comodidade oferecida pela Internet ao
ofertar conteúdos independentemente do local e da rede em que se este
ja conectado. A Internet também reforçou o conceito de conteúdos sob
demanda, que ainda hoje não é a regra geral na TV por assinatura. E,
sobretudo, a Internet trouxe o complicado conceito de conteúdo a custo
zero, ou quase zero. Tudo isso age em sentido oposto ao modelo da TV
por assinatura tradicional, não só no Brasil, mas em todo o mundo. E
existe uma percepção clara de que a publicidade não será suficiente para
sustentar toda a cadeia, por isso há um grande ponto de interrogação em
relação aos modelos que prevalecerão no futuro da TV por assinatura e
da própria Internet, que hoje depende em grande parte desses conteúdos
pagos e dos conteúdos premium que foram originalmente produzidos
para as mídias “tradicionais”, como a TV aberta ou a TV por assinatura.
Nos EUA, por exemplo, desenham-se modelos como o “TV Everywhere”,
proposto pela operadora Time Warner, em que o assinante de cabo ou
DTH, uma vez contratante de algum serviço pago, passa a ter acesso aos
conteúdos, via Internet, em qualquer local que esteja.
É um modelo em que o operador de TV por assinatura ainda tem um
papel, em contraposição ao modelo Sling Media, lançado em 2006, com
seu dispositivo Slingbox, que “convertia” os sinais de TV paga do usuário e
jogava o conteúdo para a Internet, tornando-o acessível em qualquer lugar
do mundo por meio de um software específico. A TVA chegou a lançar esse
serviço no Brasil em 2006, sem grande esforço comercial. Outra fronteira

240
que se abre nos EUA, mas que ainda parece distante do cenário brasileiro,
é a revisão do modelo de publicidade. Em função de estratégias de publici
dade altamente segmentadas e diferenciadas de usuário a usuário, como a
oferecida pelo Google, operadores de cabo congregados no Projeto Canoe,
nos EUA, buscam formas de fazer a mesma coisa, ou seja, de transformar
seu modelo de publicidade em algo customizado e segmentado.
Outro desafio que se coloca aos operadores de TV por assinatura em
todo o mundo é a mobilidade. Nenhuma tecnologia de telecomunicações
teve um crescimento tão vertiginoso nos últimos dez anos quanto a tele
fonia celular. Mesmo em mercados como o brasileiro, a telefonia celular
está presente de maneira absolutamente incontestável, e isso tem mu
dado o comportamento das pessoas em relação às suas expectativas de
conectividade e comunicação. A Internet, por meio do celular, torna-se
presente a qualquer momento. E com a tendência de que essas redes de
telefonia celular tragam cada vez mais conteúdos multimídia, sobretudo
conteúdos audiovisuais, a convergência entre TV por assinatura e redes
de celular é um objetivo buscado no mundo todo, no Brasil inclusive. Nos
EUA, os cinco maiores operadores de cabo se aliaram às empresas Cle-
arwire e Sprint para oferecer serviços de banda larga em cima de redes
WiMAX na faixa dos 2,5 GHz. No Brasil, a aproximação entre Sky e TV
Filme (detentora da licença de MMDS na faixa de 2,5 GHz) ou Telefônica
e TVA (também operadora de MMDS, na faixa de 2,5 GHz) pode indicar
caminho semelhante. E mesmo a Net Serviços, que desde o começo dos
anos 1990 tem licenças de MMDS e para as quais nunca deu muita im
portância, pode começar a olhar para esse mercado com outros olhos. O
sonho dos serviços “quadruplo-play” (voz, TV por assinatura, Internet e
mobilidade), uma evolução dos serviços “triple play” (voz, Internet e TV
por assinatura) já existentes, é uma realidade que não parece muito dis
tante, e pequenos exemplos, como a possibilidade de programar o DVR
por meio do celular ou adquirir pacotes de TV paga por SMS parecem ser
os primeiros passos do que poderá acontecer.
Mas o grande desafio dos operadores de TV por assinatura e progra
madores na realidade do mundo da Internet em banda larga é encontrar
um modelo em que todos participem, pois o papel do operador como in

241
termediário na venda do conteúdo é cada vez mais desafiado pelos hábi
tos dos usuários.
Essa disputa já vinha sendo sentida no Brasil desde pelo menos
2003, quando os primeiros contratos entre programadores de TV por
assinatura foram firmados com empresas de Internet e provedores de
conteúdo em celular. Um caso emblemático foi o lançamento do servi
ço de conteúdos por celular TIM TV Access, em 22 de outubro de 2004,
quando a operadora de celular passou a distribuir os canais BandNews,
BandSports, Bloomberg, Clima Tempo, TV Câmara e TV Senado aos
seus assinantes. Naquela ocasião, a TVA foi usada como intermediária
nos contratos, já que os programadores não sabiam ao certo como cele
brar aquele tipo de contrato com uma empresa de celular. Imediatamen
te, NeoTV e Net Brasil, que contratavam programação dos canais para
operadores de TV paga, protestaram contra o fato de os programado
res estarem utilizando empacotamentos mais flexíveis para as novas
mídias do que o faziam para os parceiros tradicionais de TV a cabo,
MMDSouDTH.
O problema, contudo, tornou-se ainda mais visível a partir de 2008,
quando o portal Terra (controlado pela Telefônica) decidiu entrar na dis
puta por direitos esportivos e adquiriu, com exclusividade, os direitos de
transmissão das Olimpíadas de Pequim pela Internet. Logo em seguida,
o Terra adotaria uma estratégia ainda mais ousada ao fechar, em outubro
de 2008, com a Disney, o direito de transmissão de algumas das séries de
maior audiência na TV por assinatura brasileira como Lost, Grey’s Ana-
tomy, Desperate Housewives, entre outras, inclusive com a autorização
para a exibição dos conteúdos no mesmo dia em que fossem ao ar na TV
paga. Os operadores de TV por assinatura alegaram que a exibição des
ses conteúdos de forma gratuita, como fazia o Terra, configurava-se, de
alguma maneira, como uma forma de concorrência desleal contra os ope
radores de TV paga.
É uma disputa que está longe de solução, já que as empresas de In
ternet, a cada dia, se colocam mais como provedoras de conteúdos audio
visuais com crescente qualidade e, a cada momento, mais próximas do
televisor do usuário, como a possibilidade de conectar o computador às

242
telas de LCD, de dispositivos como AppleTV e outra formas de convergên
cia de serviços e tecnologias.
O primeiro operador a levantar a voz foi a Net Serviços, que conse
guiu garantir que os canais evitassem, pelo menos, a distribuição dos
conteúdos da TV paga em seus próprios sites de Internet. Mas isso ain
da não mudou a realidade de que os estúdios produtores comercializem
seus conteúdos em outras plataformas, criando nova forma de pressão
sobre o modelo da TV por assinatura.
O contra-ataque das empresas de TV paga, ao que tudo indica, será
com os conteúdos em alta definição e outras formas de empacotar con
teúdo, mas espera-se também que o modelo da Internet, com muitos con
ceitos novos mas ainda poucas receitas, acabe sucumbindo a propostas
de negócio mais estabelecidas como os modelos de TV por assinatura e
TV aberta. Tudo isso depende, é claro, da vontade dos usuários.
Esse cenário de convergência tem aumentado, em todo o mundo, a
pressão por mudanças no ambiente regulatório. Como vimos ao longo
dos capítulos anteriores, uma série de pontos de desconforto se estabele
ceu nos últimos anos em relação à regulamentação existente. Questões
como limite de capital estrangeiro, assimetrias regulatórias entre cabo,
MMDS e DTH, possibilidade de controle das empresas de TV por assina
tura pelas empresas de telecomunicações e, agora, a questão da Internet.
Com isso, o setor de TV por assinatura vive, desde 2007, um intenso mo
mento de discussão e revisão dos marcos regulatórios, e o maior respon
sável por esse debate é o projeto de lei PL 29/2007, em debate na Câmara
dos Deputados.
Mas para entender a dinâmica desta discussão é preciso retroce
der doze anos, a 1997, quando foi discutida e aprovada a Lei Geral de
Telecomunicações. Naquele ano, mais precisamente no dia 26 de maio,
Mário Leonel Netto, então secretário de serviços de comunicação do
Ministério das Comunicações, confirmou ao jornalista Carlos Eduardo
Zanatta a informação apurada e publicada uma semana antes pelo bo
letim online PAY-TV Real Time News que a Lei do Cabo teria que ser mu
dada, no futuro, de modo que o serviço pudesse se enquadrar nas regras
dos serviços prestados em regime privado, propostas pela Lei Geral de

243
Telecomunicações. Também naquela ocasião, Leonel disse que essas al
terações viriam em uma Lei de Comunicação de Massa, que englobaria,
inclusive, os serviços de radiodifusão.
A estratégia do governo para aprovar rapidamente a Lei Geral de
Telecomunicações, que era fundamental para a privatização, foi deixar
a sempre polêmica radiodifusão de fora dos debates e focar apenas em
telecom. Como a TV a cabo tinha uma legislação recente, editada apenas
dois anos antes, alterar as regras do setor poderia significar adiar ainda
mais o processo de licitação, que aconteceria naquele ano de 1997.
O fato é que a LGT foi publicada e não se mexeu na Lei do Cabo, mas
isso criou uma série de distorções e incongruências: “concessão” passou
a ser um termo designado apenas para serviços públicos, passíveis de
universalização e com continuidade de prestação de serviço garantido
pelo estado, algo muito diferente das concessões de TV a cabo; o capital
estrangeiro deixou de ter limite para todos os demais serviços, exceto
para a TV a cabo; as empresas de telecomunicações foram autorizadas a
entrar em todos os mercados a partir de 2002, exceto TV a cabo; outras
modalidades de TV paga não tinham obrigações de canais obrigatórios e
de acesso público, mas a TV a cabo sim. E mais uma série de pequenas in
compatibilidades que teriam sido resolvidas com uma legislação única.
Não faltaram discussões sobre isso entre 1999 e 2002, inclusive com um
projeto de Lei de Comunicação esboçado pelo ministro das Comunica
ções Juarez Quadros e deixado como contribuição para o primeiro minis
tro das Comunicações que assumisse no governo do PT, em 2003, o que
nunca frutificou.
A partir de 2005, a pressão aumentou, mas no sentido contrário:
empresas de radiodifusão queriam levar a outras mídias eletrônicas, in
cluindo TV paga e Internet, as suas restrições Constitucionais de controle
de capital estrangeiro e gestão por profissionais brasileiros. Em 2007, as
empresas de telecomunicações assumiram a dianteira do debate quando
o deputado Paulo Bornhausen (DEM/SC) apresentou o PL 29/2007, cuja
proposta era alterar a Lei do Cabo em seus aspectos mais polêmicos: a
questão do capital estrangeiro e a presença das empresas de telecomuni
cações. A proposta de Bornhausen era altamente liberalizante e acabava

244
com qualquer restrição. Mas a discussão ganhou corpo e outros projetos
de lei sobre o mesmo assunto foram apresentados e apensados (anexa
dos) ao PL 29. Com isso, o projeto de Bornhausen tornou-se uma proposta
muito mais complexa, e sua tramitação na Câmara dos Deputados ainda
estava aberta no momento em que este livro foi encerrado.
Alguns pontos, intensamente discutidos ao longo de 2008 com o de
putado Jorge Bittar (relator da proposta na ocasião) e outros parlamenta
res, parecia que prevaleceriam ao final dos debates. Uma das propostas
previa que empresas de telecomunicações fossem excluídas do mercado
de produção de conteúdos ou a compra de direitos sobre eventos ou obras
de interesse nacional, o que inclui a compra de eventos esportivos. Da
mesma forma, as empresas de radiodifusão estavam impedidas de ex
plorar, de modo geral, o mercado de telecomunicações. Outra proposta
era acabar com o limite de capital estrangeiro em empresas de TV paga.
Também não haveria mais qualquer limite à presença das teles no capital
de empresas de TV por assinatura.
Uma proposta importante que chegou a contar com algum grau de
consenso, ainda que esteja pouco clara qual será a abrangência dessa
medida, é criar cotas de produção de conteúdo nacional e de produção
e programação independentes nos canais pagos. Fundamentalmente, a
ideia, fomentada por produtores audiovisuais e com o apoio da Ancine,
era colocar em canais estrangeiros um percentual de conteúdos nacio
nais, de preferência independentes, isto é, sem vínculos com grandes
grupos de mídia. E também um percentual de programação independen
te, ou seja, cujo produtor não tenha vínculos com a operadora, como já
acontece nos conteúdos da Globosat na Net Serviços e na Sky, da qual a
Globo é sócia. Essa medida foi discutida para ampliar a presença de gru
pos como a Bandeirantes, Abril e Record no segmento de TV por assina
tura. No meio das discussões, em junho de 2009, contudo, o grupo Abril
sofreu uma importante baixa e deixou de produzir os seus dois canais de
TV por assinatura, FizTV e Ideal.
A discussão do PL 29/07 resvalou, em alguns momentos, também
para a regulação da Internet aberta, o que acrescentaria um elemento im
portante ao cenário das comunicações, já que hoje essa é uma atividade

245
completamente desregulada. Mas a Internet fechada, ou seja, os serviços
vendidos por assinatura, mas que utilizam o protocolo IP, da Internet, deve
estar incluída no escopo da nova legislação. Esta é, pelo menos, a proposta
consensual entre os diferentes atores que participam do debate, o que sig
nifica que serviços de IPTV e mesmo canais que são distribuídos pela web
teriam que se submeter às regras da nova lei, caso seja aprovada.
A tramitação, contudo, não é nem um pouco simples, passa por jo
gos de interesse e lobby de todos os lados, e tentar prever, em meados de
2009, qual seria o resultado do debate é algo tão arriscado quanto prever
o próprio futuro do setor.
Outra questão que se coloca para o setor de TV por assinatura nos
próximos anos é o seu papel diante de eventuais políticas de fomento à
banda larga que venham a ser estabelecidas pelo governo. Até recente
mente, a TV paga era vista como um serviço supérfluo e com pouco im
pacto social. Mas o crescimento da indústria, sobretudo a partir de 2006,
e sua crescente importância no mercado de banda larga colocam os ope
radores de TV paga em posição central para o debate que começa a se
esboçar entre reguladores e formuladores de políticas. Afinal, a Internet
terá um tratamento regulatório diferenciado?
Com variações de empresa para empresa, com visões mais ou menos
consensuais manifestadas pelos diferentes players, o que a TV por assi
natura tem colocado de maneira relativamente uniforme ao longo desses
anos é o discurso da opção: os operadores de TV por assinatura são uma
clara opção aos serviços de telecomunicações, uma opção de multiplici
dade de fontes de informação e uma opção aos serviços de telefonia?
Essa realidade, que começou nos grandes centros e nas grandes ope
radoras, avança lentamente para as pequenas e médias cidades e opera
dores de porte menos representativo, ainda que esse processo leve tempo.
As empresas de TV por assinatura, dessa forma, ampliam a pressão para
que haja uma nova onda de expansão territorial do mercado por meio de
novas licitações, o que só não aconteceu até agora porque a Anatel tem
dúvidas sobre que modelo implementar: se um modelo aberto a qualquer
empresa, incluindo empresas de telecomunicações, ou se mantém a in
terpretação restritiva da Lei do Cabo.

246
A agência, que desde 1999 discute a possibilidade de unificar os
serviços de TV por assinatura, também observa o desenrolar dos mo
vimentos de atualização do marco regulatório no Congresso Nacional.
Conforme o andar da carruagem, a idéia de um serviço único de TV por
assinatura, que no passado já se chamou SCEMa (Serviço de Comunica
ção Eletrônica de Massa por Assinatura), pode ganhar respaldo legal e se
viabilizar, mas essa é uma discussão também aberta.
Assim, apontar qual será o futuro da TV por assinatura no Brasil
é tarefa complexa. Mas algumas variáveis devem determinar o que vai
acontecer. Internet é a principal delas, com a crescente ampliação das
velocidades de acesso e a disponibilidade de conteúdos, além de novas
aplicações que imporão novos padrões de uso e comportamento aos usu
ários. Outra variável é a alta definição, que terá papel preponderante na
manutenção dos modelos atuais de exploração dos conteúdos, assim
como a mobilidade, que está revolucionando o mundo da Internet e, na
turalmente, será sentida no universo da TV paga.
A questão regulatória também terá papel fundamental, ao determi
nar, por exemplo, se a presença das empresas de telecomunicações no
mercado de TV paga será mais ou menos relevante. As próprias empresas
de telecomunicações, com seus serviços de DTH e estratégias para atin
gir os segmentos de menor renda, também ajudarão a dar o tom da indús
tria nos próximos anos. O movimento de concentração dos operadores
grandes e pequenos também é importante, mas pode ser alterado em fun
ção da abertura do mercado com novas licitações de TV por assinatura e
das regras de capital estabelecidas na legislação. Tanto Net quanto TVA
têm sócios que já anunciaram que assumirão o controle das operações
tão logo a legislação permita.
A constante que se percebe ao olhar para os últimos de 20 anos de
TV por assinatura no Brasil, seja sob a ótica dos pequenos ou dos gran
des operadores, ou sob a perspectiva das empresas de distribuição ou dos
programadores, é que essa foi uma indústria que ganhou relevância no
cenário das comunicações baseada na inovação de serviços e no pionei
rismo. É de se supor que essas sejam as duas características que continu
arão existindo nas próximas décadas.

247
CAPÍTULO 11

20 anos de evolução
Este último capítulo não é um relato único dos fatos, utilizando
diferentes fontes de informação e depoimentos, mas dá oportunidade
para que dois personagens centrais na história da TV por assinatura dis
corram com suas próprias palavras, através de questionamentos feitos
por este autor: Roberto Civita, presidente do conselho do grupo Abril, e
Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo. Foram as
duas últimas entrevistas colhidas para o livro, e de alguma maneira, as
conversas que serviram para fazer uma análise final do que foram estes
20 anos do mercado, na visão de ambos os grupos.
Porque, ao se observar os fatos importantes que marcaram a evolu
ção da TV por assinatura no Brasil ao longo de duas décadas, é impossí
vel não perceber que a atuação dos grupos Globo e Abril foi determinante
para a trajetória da indústria. A história começou com pequenos grupos,
com pequenos e médios empreendedores, muitos deles ainda presentes
Brasil adentro com operações locais tão inovadoras quanto as operações
que se veem nos grandes centros, mas que foram, e são, muito afetadas
pelas estratégias dos grandes grupos.
Mais precisamente, existem 37 operações de MMDS e 67 operações
de cabo que não pertencem a nenhum grande grupo ou a empresas de
telecomunicações, evidência de que a característica inicial do mercado,
com os cerca de 30 operadores de DISTV que ao final de 1990 estavam em
operação, ainda está presente.
Mas, inegavelmente, o mercado se concentra nas mãos dos grandes.
E é evidente que o setor de TV por assinatura só ganhou dimensões de
uma indústria de porte quando os gigantes da mídia brasileira decidiram
que esse era um mercado a ser explorado por eles.
Das estratégias desses dois grupos surgiram as operações de DTH,

248
os principais acordos de programação, os modelos de empacotamento e
venda de canais, as novas tecnologias ganharam corpo e a porta se abriu
para que entrassem os grupos de telecomunicações.
A TV por assinatura é hoje um mercado maduro, ao ponto de não ser
mais descrito pelo número de assinantes como em outros tempos. Hoje,
pesam muito mais os novos serviços e o faturamento publicitário no que
significa a TV paga como setor econômico e na dinâmica do mercado de
telecomunicações e mídia no Brasil.
No encerramento deste livro, eram 6,4 milhões de clientes do serviço
de TV, 2,8 milhões de assinantes do serviço de Internet em alta velocidade
e cerca de 2 milhões de usuários dos serviços de telefonia. Além de 17 mil
profissionais que atuam diretamente no dia-a-dia das operações e progra
madoras. O faturamento da indústria é da ordem de R$ 10 bilhões ao ano,
dos quais cerca de R$ 800 milhões vêm do mercado publicitário para os
mais de 100 canais pagos disponíveis hoje ao mercado brasileiro.
Já é uma indústria de peso relevante se comparada a outros setores
da mídia, e ainda que pequena diante do mercado de telecomunicações,
vem conquistando um espaço importante justamente onde as empresas
de telecomunicações mais podem crescer que é no setor de banda larga.
Um levantamento feito pelo Atlas Brasileiro de Telecomunicações mos
trou que nos mercados em que operadoras de TV a cabo ou MMDS compe
tem com operadoras de telecomunicações, elas já conquistaram índices
de penetração equivalentes a mais de 50% em relação à penetração das
empresas de telecomunicações. O que equivale dizer que, mesmo com re-
des muito menos extensas, as empresas de TV a cabo já conquistaram
a metade do número de clientes das empresas de telefonia por meio das
tecnologias de ADSL. As empresas de TV por cabo ou MMDS chegam a
municípios que representam 71,5% do potencial de consumo brasileiro,
cobrem 30,65 milhões de domicílios, sendo 11,6 milhões deles nas clas
ses A e B, ou seja, 77% de domicílios com alto poder aquisitivo, segundo
dados do Atlas Brasileiro de Telecomunicações 2009.
Para chegar a esses números, foram determinantes as estratégias
dos pequenos e médios empresários. E, é claro, a atuação dos dois maio
res grupos de mídia brasileiros. Entender como eles atuaram, como ava

249
liam suas estratégias e o que enxergam pela frente ajudará a entender as
próximas décadas do mercado de TV paga.

ENTREVISTA COM ROBERTO CIVITA


O presidente do conselho do grupo Abril concedeu esta entrevista na
sede da empresa, em São Paulo, no dia 25 de junho de 2009. Estava acom
panhado de Cleide Rovai Castellan, sua assessora executiva.

como surgiu o interesse do grupo abril pelo mercado de tv por assinatura?


ROBERTO CIVITA - A história começa em 1982, quando o governo mili
tar dividiu o espólio da antiga Rede Tupi em dois pedaços e "abriu uma
licitação" (ressalto as aspas) para que os interessados se habilitassem
para assumir cada uma das metades. Como todos sabem, os ganhadores
foram o Grupo Silvio Santos e o Adolpho Bloch, que apoiavam aberta
mente a ditadura. E a Abril foi preterida.
Três anos depois, com a TV Manchete em apuros e o Adolpho Bloch
querendo sair, o então Presidente José Sarney nos consultou se tínha
mos interesse em assumir a rede. Pedi tempo para cálculos e reflexão.
Voltei duas semanas depois e disse que agradecia muito, mas não tinha
interesse. Mas acrescentei que não gostaria de ser o último em broad-
cast, e gostaria de ser o primeiro em TV por assinatura. O presidente
perguntou: "TV por assinatura? O que é isso?". Depois da minha expli
cação ele recomendou falar com o Antônio Carlos (Magalhães), então
ministro das Comunicações. Ele ligou para o Antônio Carlos na minha
frente, explicou a situação e eu segui direto para o gabinete do minis
tro. Quando ele (ACM) abriu a porta me disse, com o dedo na cara: "Você
é um idiota! Os governos passam e as redes ficam. Você não entende o
que está fazendo". Eu respondi que entendia sim, e que preferia fazer
TV por assinatura. E ali começava uma longa história.

Então vocês já conheciam o conceito de TV por assinatura, viam aquilo como


algo importante?
R.C.: Sim, eu havia estado em Nova York pouco tempo antes e um co-
nhecido me disse que a gente tinha que entrar nesse mercado. Eu disse

250
que não entendia nada de TV, e ele me chamou a atenção para o fato de
que TV por assinatura não era TV, era vender assinatura, coisa que a gen
te sabia fazer. E que era segmentar o conteúdo, o que a gente também
sabia fazer. Aquilo ficou na minha cabeça, e quando o presidente Sarney
me perguntou o que eu queria, aquilo saiu. To make a long story short,
isso resultou em uma concessão para fazer TV por assinatura pelo ar, em
UHF. Outros ganharam também, não só a gente. Tempos depois surgiram
as ideias do MMDS e do cabo.

Antes disso, vocês se associaram ao Matias Machline...


R.C.: Sim, ele havia ganho uma das frequências. Eu fui procurá-lo por
que não fazia sentido um monte de gente competir entre si. “Por que a
gente não junta os trapos para fazermos em conjunto?” Ele disse sim e
ficamos muito amigos depois disso. Foi melhor a amizade do que a asso
ciação em si, mas nunca tivemos uma única discussão em que não esti
véssemos de acordo, isso eu me lembro claramente. Foi mais amizade do
que sociedade porque a gente se gostava. Ele não estava muito interes
sado em detalhes, estava mais interessado na big picture. Enfim, nunca
tivemos problemas nessa sociedade.

E qual era a estratégia naquele momento?


R.C.: Bom, alguns anos depois, já tínhamos o MMDS, o cabo e por al
guma razão eu decidi que a gente tinha também que entrar em satélite.
Corta e abre parênteses. Quase 20 anos depois, o Maurizio Mauro, que
foi presidente aqui do grupo, comentou comigo que, quando ele estava na
Booz Allen, ficava se perguntando o que é que a gente estava fazendo, por
que nunca em nenhum outro lugar do mundo alguém tinha operado todas
as tecnologias ao mesmo tempo, cabo, satélite, MMDS. “Ou eles sabem
algo que nós não sabemos, ou eles vão quebrar”, pensava ele. Fecha parên
teses. Ou seja, o pessoal de fora que entendia do assunto, e eram poucos
naquela ocasião, estava intrigado sobre a razão de fazermos as três coisas
ao mesmo tempo. Mas nós estávamos fazendo, sem nos darmos conta que
as exigências de capital, know how e management eram gigantescas. E
a gente não tinha nenhuma ideia, mas absolutamente nenhuma ideia. É

251
como fazer três coisas ao mesmo tempo como se fosse uma coisa só, só
uma questão de tecnologia, quando na verdade é tudo diferente.

Mesmo assim vocês faziam.


R.C.: Sim. Agente tinha uma programação e colocava no ar, por cabo
onde tinha cabo, por MMDS onde tinha MMDS, por satélite... Era só
uma questão de tecnologia. Essa era a visão, a minha visão. Mas era
uma visão errada. E também ninguém quantificou. Tinha business
plans para cada coisa, e eu me lembro deles, mas faltou uma projeção
sobre o que significaria no tempo. Na DirecTV o business plan era ma
ravilhoso, estupendo. Foi feito pelo pessoal da Hughes, que era da Gene
ral Motors, que tinha na época o melhor departamento financeiro dos
EUA. Era considerado "o" departamento financeiro. Ironia, né? Mas na
quele momento, se um cara dizia que tinha saído das finanças da GM,
você tinha que ajoelhar.

Mas vocês já tinham alguma experiência com o MMDS e com o cabo quando mon
taram a DirecTV...
R.C: Mas qual foi o erro básico? Foi não ter olhado o conjunto, não ter
projetado um cenário pessimista. Aprojeção era um hockey stick (bastão
de hóquei), em que ia ficar uns dez anos uma linha lá em baixo e depois
daria um salto. No fim, teriam 10 milhões de assinantes no Brasil no final
da década, segundo os dados de mercado, segundo nossas contas com os
sócios estrangeiros e segundo as contas da DirecTV. Era essa a projeção.
O que não houve no fim dos dez anos foram os 10 milhões de assinantes.
Chegamos no fim do século com um terço da projeção. Portanto, todos os
números e planos de todo mundo estavam errados.
Isso pesou como na estratégia de vocês?
R.C.: Um dia o presidente da DirecTV americana, o Kevin McGrath,
veio ao Brasil. Eu disse a ele: não temos mais dinheiro para colocar nes
se negócio. Ele me disse que havia refeito todos os números, trouxe as
novas projeções: “Você coloca US$ 300 milhões este ano, US$ 200 mi
lhões no ano que vem, US$ 100 milhões no ano seguinte e estaremos
no break-even no fim do terceiro ano”. Ou seja, ele queria que eu colo

252
casse mais US$ 600 milhões além do que já tinha colocado. Eu disse:
“Kevin, primeiro eu não tenho. Não tenho a mamãe General Motors para
me mandar esse dinheiro assim. Segundo, ninguém vai me emprestar.
Terceiro, se me emprestarem, eu vou quebrar, porque eu não vou conse
guir pagar os juros e devolver o dinheiro. Estou fora desse negócio”. Ele
disse: “Não, vocês são sócios ótimos, adoramos ter vocês como parceiros
no Brasil”. Eu disse: “Kevin, você vai comprar. Eu não vou colocar mais
uma lira nesse negócio. Nem um tostão a partir de agora”. Bom, seis me
ses depois eles compraram, colocaram mais US$ 1 bilhão, e não US$ 600
milhões, e depois quebraram. Ou seja, eles fizeram novas projeções que
ainda estavam erradas, porque ele colocou quase o dobro do que havia
me pedido e depois quebrou.

Quando eles ofereceram o negócio da DirecTV para vocês, lá por 1995, aquele
seria um negócio deles, em que vocês seriam apenas representantes, ou era um negó
cio em que a Abril mandaria?
R.C.: A estrutura que nos foi apresentada era a mesma para todos
os países. Sócios locais que seriam donos do negócio nos seus respecti
vos países e todos seriam sócios da empresa-mãe que estava nos EUA.
A tecnologia seria comandada por eles, fazendo o uplink da Califórnia.
Conteúdo também não era o problema, nós poderíamos fazer quantos ca-
nais quiséssemos, e eles tinham os canais deles que eles colocavam no
pacote. Isso nunca foi um problema.

Essa discussão de brasileiros versus estrangeiros nunca foi uma questão


para vocês?
R.C.: Não, isso nunca foi uma preocupação. Aliás, isso não era o pro
blema. O problema era vender e instalar. Que a gente achava que ia ser
simples e não era. Custava, dava trabalho... No fim, se alguém me pergun
tar hoje o que eu aprendi, eu diria que vender e instalar e continuar rece
bendo é muito mais complicado do que a programação. As questões que
as pessoas veem não são as questões que interessam. O problema nunca
foi a programação. O problema é como conseguir um assinante, manter
um assinante e, principalmente, a instalação.

253
Quando vocês começaram a TVA, tinham alguma ideia de que esse seria o
problema?
R.C.: Não. Quando eu fui buscar sócios nos EUA, fui procurar gente
que entendia do assunto de cabo. Falamos com todo mundo, e no fim deu
Falcon, Hearst, Chase e a ABC/Capital. Pensei: “Aí tem know-how para
qualquer coisa. Temos sócios que entendem do assunto”. Era só mandar
gente para lá para aprender, e eles mandarem gente para cá. Eu sempre
pedia para me contarem a história do mercado de TV paga, não como é
agora, mas como tinha sido no começo. Queria falar com os old timers,
que haviam montado aquele negócio. Não iríamos aprender nada com o
state ofthe art da década de 90 nos EUA. Era preciso aprender como era
quando eles não tinham nenhum único assinante.

O fato de vocês não terem essa experiência contribuiu para a decisão de


priorizar o MMDS em um determinado momento, ou entrar em muitas tecnologias
ao mesmo tempo?
R.C.: A visão estratégica naquela época, que pode parecer maluca,
era a seguinte: faríamos uma opção menos rica, com menos opções,
pelo MMDS, e venderíamos aquilo para as classes B e C, e faríamos uma
programação mais sofisticada e com mais escolhas para a classe A. E o
satélite cobriria o país inteiro. Simples assim. Era um plano lógico. O
pequeno detalhe era: quanto custava isso? Quanta gente iria pagar para
ter isso? Os problemas eram o investimento necessário, brutal, e do outro
lado a disposição da população para pagar uma assinatura para ter essas
coisas novas que ela não precisava. Estavam bem servidos e não precisa
vam. Junta isso à desvalorização de 1999, que triplicou a nossa dívida e a
dívida de todo mundo de um dia para o outro. Imagine o que é isso: você
vai dormir com uma dívida grande e acorda com ela triplicada. Depois os
juros também triplicam em porcentagem. Aí você acorda morto. You are
dead. Foi isso o que nos aconteceu.

E o mercado de TV por assinatura era uma sangria?


R.C.: Não era essa a preocupação. A preocupação era a capacidade de
investir. O dia em que acordei com a dívida triplicada e com os juros tri

254
plicados, eu pensei: “Como é que eu saio dessa?” Não era mais o problema
da sangria de dinheiro. Era uma questão impossível, para nós, manter os
investimentos. Não tínhamos acesso ao mercado de capitais. Isso não é
coisa para empresa familiar. Pense na Telefônica: ela fala, manda mais
US$ 1 bilhão aí, e eles mandam. Manda mais US$ 4 bilhões, e eles man
dam. Agora, como eles arrumam? Eles se endividam nos mercados inter
nacionais. Nós não podíamos fazer isso. Nós não tínhamos capacidade fi-
nanceira para bancar esse jogo. E há mais um detalhe para quem estiver
lendo esta entrevista e considerando a possibilidade de se meter nesse
negócio: não importa qual seja a sua capacidade de geração de caixa, a
sua necessidade de investimento será o dobro daquilo no ano seguinte.
Se gera 50, no ano seguinte vai precisar de 100. Se gera 70, vai precisar
de 140. Isso todo ano. Não é um jogo para uma empresa familiar de qual
quer tamanho. Você não arruma este dinheiro.

Mesmo sendo um grupo do tamanho da Abril?


R.C.: De qualquer tamanho. Uma empresa familiar não consegue isso
aqui. Aí ficou óbvio que nós tínhamos que sair, e como a Telefônica preci
sava fazer o triplo play, foi o casamento mais simples da história.

Foientão uma negociação rápida?


R.C.: Rápida e simples. Nós precisávamos e eles precisavam. Nego
ciamos tudo aqui. Eu e o Fernando (Fernando Xavier, ex-presidente da
Telefônica). Nós precisávamos vender, eles precisavam comprar.

Vocês tentaram vender a TVA anteriormente e não tinham conseguido...


R.C.: Isso foi um pouco antes. Houve negociações, tentativas, quase
vendemos em outras ocasiões, mas finalmente casamos com a mulher
certa, com o preço certo, no momento certo.

O senhor já declarou em outras entrevistas que a vocação da Abril era ser


uma empresa de conteúdos. Onde ficou isso nessa estratégia?
R.C.: Essa era a ideia. O meu raciocínio simplista era: eu sei vender
assinatura como ninguém. Temos a melhor operação de venda de assi

255
natura das Américas e uma das melhores do mundo. Sabemos segmen
tação e sabemos produzir conteúdo. Sabemos comprar conteúdos: qual é
a grande dificuldade? Gestão e finanças. Eu não sabia gerir e não tinha
dinheiro suficiente. É simples assim.

Por um tempo, a Abril apostou em parcerias com grupos internacionais de con


teúdo. Como foi, por exemplo, a negociação para trazer a HBO para o Brasil?
R.C.: A gente decidiu que precisava de um canal de cinema, que era
uma das bases da coisa. Fizemos uma sociedade com a HBO em que nós
investíamos junto com o pessoal da Venezuela, mais os estúdios. No fim,
quem mandava lá eram os estúdios, que eram os donos dos direitos. Nós
e os venezuelanos éramos meio que os estranhos no ninho, e era muita
gente para vender um canal só para a TVA. Nós éramos sócios, e aquilo
não era para produzir nada aqui, era só reempacotar. Depois é que pensa
mos em fazer os nossos próprios canais.

Vocês também recuaram nessa estratégia. Pensaram até em fazer um canal de


notícias em 1996, 97, e depois desistiram...
R.C.: A ideia era certa, a não ser por um pequeno detalhe: o tamanho
do mercado era insuficiente para sustentar o canal. Quantos assinantes
são necessários para sustentar um canal novo com os custos de fazer um
canal 24 horas? Muito mais do que tínhamos. A Globo aguentou muito
mais tempo porque eles tinham a estrutura de produção, mas devem ter
perdido muito dinheiro no começo, enquanto o mercado crescia. Nós per
cebemos que essa história de ter 500 mil assinantes e um canal é inviá
vel. Não sustenta nem um, imagine cinco.

Depois de vender para a Telefônica, vocês tentaram essa estratégia de novo,


voltaram a criar canais próprios.
R.C.: Fazia parte do acordo, nós teríamos o direito de distribuir até
cinco canais. Resolvemos fazer dois canais mais simples, e que seriam
colocados em todas as operadoras. Mas uma das operadoras importantes
não quis saber de carregar a nossa programação, e aí o mercado ficou no
vamente inviável pelo tamanho. É sempre a mesma história: subestimar

256
a dificuldade de ter a base de assinantes necessária para viabilizar seja
lá o que for. O que foi feito de errado? Não calcular corretamente a base.
Esse é sempre o problema.

Vocês nunca viram TV por assinatura como uma porta para a convergência,
para a banda larga, para telecomunicações, por exemplo?
R.C.: A primeira coisa que me disseram é que com cabo eu poderia
fazer banda larga sem muito investimento adicional. E de fato isso não
foi uma grande complicação. Mas o que ficou claro é que dá para fazer
e é fácil falar, mas depois precisa de gente que entende de broadband,
precisa cobrar do assinante, precisa dar a manutenção... Moral da his
tória: é melhor não ser o primeiro. É melhor ser a próxima geração, com
a coisa construída, montada. Ser o pioneiro sem experiência e sem co-
nhecimento é complicado.

Eu pergunto isso porque na mesma época em que se começou a falar em banda


larga, vocês investiam no UOL, e parecia que a estratégia da Abril ia pelo caminho
da Internet...
R.C.: Essa é uma outra história. Não vamos falar disso neste livro.

Certo, não vamos falar sobre Internet então...


R.C.: O que eu posso te dizer é que outro dia eu mandei fazer o cál
culo — mas eu não vou te dar o cálculo — sobre quanto investimos nesse
projeto de TV por assinatura desde o primeiro até o último dia. Quanto
investimos e quanto recuperamos depois das diferentes vendas. Tenho
a felicidade de reportar, para a minha satisfação e para a satisfação
dos meus filhos, dos meus herdeiros e dos teus leitores, que mais ou
menos saímos empatados, incluindo os juros. O que eu considero um
feito extraordinário.

Pelo menos ficou a experiência.


R.C.: É que eu me pergunto o que eu poderia ter feito nesses mesmos
20 anos, com esse mesmo dinheiro, com um mesmo investimento de es-
forço... Talvez ter empatado não seja muito bom.

257
E se algumas coisas tivessem sido feitas de forma diferente?
R.C.: É uma história interessante. Quando os Marinho lançaram seu
satélite, um deles explodiu e depois outro caiu na China. Nesse dia, eu
peguei o telefone, liguei para o João Roberto (Marinho) e disse para ele:
“João, acho que alguém lá em cima está querendo mandar um recado.
Acho que alguém está querendo sugerir que a gente se junte”. Já tínha
mos tentado antes juntar as operações de cabo, e eu decidi propor de
novo. Ele agradeceu, ficou de falar com os irmãos e me ligar. Mas nunca
mais ligou. Essa foi uma ocasião.
Anos antes disso, não lembro o ano, quando ganhamos a concessão
de TVA em UHF, que eles também tinham ganhado, tivemos um encontro
secreto, com o Roberto Irineu, e naquela ocasião também falamos sobre
a possibilidade de juntar. Eles aceitaram, mas queriam o controle, 51%.
Eu recusei porque não queria ser minoritário. E aí eu agradeci e cada um
seguiu seu caminho.

Essa história me foi relatada por uma testemunha que presenciou o encontro.
Teria acontecido no começo de 1990, no hotel Caesar Park, na Rua Augusta, em São
Paulo. Mas a Roberto Irineu recorda-se apenas da negociação para uma operação de
DTH conjunta e para um canal de filmes único.
R.C.: Eu me lembro do encontro. Lembro do hotel, lembro do que dis
cutimos e lembro o rumo que as cosias tomaram. Mas de fato faz muito
tempo. A negociação do DTH nunca avançou, e da negociação dos canais
de filmes eu não participei. Mas o encontro secreto houve, foi curto e cor
dial. Quando ele pediu o controle, eu falei não, obrigado. Hoje, pensando
bem, fazia sentido, ele tinha razão. Eu deveria ter começado a negociar,
mas eu tinha 20 anos menos.

Se vocês, Globo e Abril, tivessem entrado juntas, teriam chegado a um outro


resultado?
R.C.: Certamente. Tanto no satélite como no cabo. Faltou competência
minha e deles de negociar um acordo mútuo. Não esqueça do pequeno
detalhe que tanto nós como eles saímos desse negócio. Não totalmente,

258
mas eles também tiveram que vender a distribuição. Ficaram com a Glo-
bosat, mas venderam a distribuição, assim como nós.

Que futuro o senhor vê para esse mercado? Que papel o senhor vê para a Abril
daquipara frente?
R.C.: Uma coisa eu aprendi: distribuição, não. Conteúdo, certamente
estamos interessados, e estamos olhando para a Internet. Mas distribui
ção é para empresas gigantes, com muito capital, é outra coisa.

259
ENTREVISTA COM ROBERTO IRINEU MARINHO
Esta entrevista foi realizada no dia 18 de junho de 2009, na sede
do grupo Globo, no Rio de Janeiro. Roberto Irineu Marinho, presidente
do grupo, estava acompanhado de Alberto Pecegueiro, diretor geral da
Globosat, que chegou à Net Brasil em 1993 e desde então participa ativa-
mente da atuação do grupo no mercado de TV paga.

Como começou o interesse da Globo em TV por assinatura? Há registros de uma


empresa na década de 70 que se destinava a pesquisar inclusive esse mercado.
ROBERTO IRINEU MARINHO: Pesquisar, sim. É evidente que TV por assina
tura sempre esteve na cabeça de todo mundo que pensa e vive televisão.
Agente acompanhava o que estava acontecendo nos EUA. Mas a decisão
de fazer uma empresa de TV por assinatura começou muito depois. A
primeira ideia de fazer a Globosat começou da seguinte maneira: o Ozi-
res Silva, em 1990, havia assumido o Ministério da Infraestrutura do
governo Collor. Umas semanas depois de ele assumir, eu fui fazer uma
visita de cortesia, já que a Secretaria Nacional de Comunicações esta
va debaixo do Ministério dele. Naquela ocasião ele me fez um desafio:
“Por que vocês não tentam desenhar um sistema de educação usando
todo o potencial da televisão para distribuir para o Brasil inteiro?” Eu
lembrei que a gente tinha a programação da Fundação Roberto Marinho
que ia ao ar todo dia de manhã pela TV Globo, mas ele queria uma coisa
continuada, 24 horas por dia. Eu perguntei se podia levar o projeto no
dia seguinte. Voltei para casa, liguei para o Joaquim Falcão, que era o se-
cretário geral da Fundação Roberto Marinho, e desenhamos um sistema
em que o governo instalaria antenas de banda C nos centros comunitá
rios, em escolas pertencentes ao governo federal, igrejas... Os governos
estaduais se ocupariam das escolas locais, e a programação seria da
Fundação Roberto Marinho, mais a Fundação Padre Anchieta e outras,
e com isso a gente montaria uma rede para a educação. Levei o projeto e
entreguei ao ministro como prometido. Dois meses depois, ele me liga,
pesaroso, e diz que o projeto havia sido recusado pelo governo. Fiquei
com aquilo na mão e sem saber o que fazer, pensamos na Globosat. Mu
damos a programação para quatro canais, sem business plan, só a ideia.

260
Apresentei ao papai, que leu, achou interessante, chamou o Boni e o Joe
Wallach, entregou o projeto para eles criticarem e fazerem o orçamento
em cima daquilo. Eles fizeram isso, detalharam o projeto e ali a coisa
começou. O nome dos canais quem deu foi o Boni. Mas o verdadeiro pai
da Globosat é o Ozires Silva. Não pensando em fazer TV por assinatura,
mas estimulou que se fizesse o projeto.

E em relação à opção pela banda C? O fato de a Abril já estar se mexendo nesse


sentido não chamava a atenção de vocês?
R.I.M.: Tecnologia é uma coisa que eu sempre gostei, conhecia um
pouco, então descrevi como aquela tecnologia funcionaria em 20 ou 30
páginas. A Abril já estava se movimentando, acho que com o MMDS, e
nós avaliávamos que era uma tecnologia muito mais fácil e barata de ins
talar, mas que teria muito menos qualidade do que a banda C, e por isso
ficamos no satélite.

Mas o grupo via naquilo uma oportunidade de negócio ou apenas a possibilida


de de estar presente para ver no que ia dar?
R.I.M.: Uma oportunidade de negócio e uma proteção à TV aberta no
sentido de que você pudesse programar e contraprogramar. Se eu fizesse
novelas dentro da TV fechada, seria concorrência com a TV aberta, mas
certamente haveria pouco mercado para a TV paga. O interessante era
complementar a TV aberta, com esportes, jornalismo. E achávamos que
podia dar dinheiro, sim. Não tão fácil como o pessoal dizia, com 10 mi
lhões de assinantes. Em 1995 eu dizia que a gente chegaria no ano 2000
aos 3 milhões de assinantes, não aos 10 milhões.

Então vocês e Abril seguiram estratégias separadas, sem tentar um negócio


único?
R.I.M.: Sim, estratégias separadas. Agente conversou em duas opor
tunidades: uma sobre satélite, porque achávamos que era bobagem ter
duas estruturas separadas; mas por alguma razão não deu certo. Outra
tentativa era fazer os canais de filmes.

261
Aparentemente, nessa ocasião os dois lados tinham um pé atrás, tanto é que
vocês já tinham um acordo engatilhado que pôde ser anunciado quase que simulta-
neamenteà parceria entre AbrileHBO?
R.I.M: Não tinha pé atrás nenhum, tanto é que tínhamos um acordo
standstill assinado, em que um não competiria com o outro e durante seis
meses todas as nossas negociações com os estúdios foram acompanhadas
pela Abril. O ponto aí é sempre balancear em fazer a melhor qualidade e a
melhor infraestrutura com a maior velocidade. Para fazer a melhor quali
dade com a melhor infraestrutura, tem que ser mais lento. A nossa opção
foi mais lenta, com o cabo, e a deles era o MMDS, mais rápida e mais limi
tada. A opção da Abril foi conseguir os melhores contratos de programa
ção com programadores estrangeiros. A nossa foi fazer canais próprios.

Não era muito arriscado fazer isso sem ter nenhum assinante?
R.I.M.: Nós somos uma empresa de conteúdo. O centro das Organiza
ções Globo sempre foi a administração de talentos e produção de conteú
do brasileiro. Foi assim na história do jornal O Globo. Meu avô tinha um
jornal, o jornal A Noite, junto com um sócio, e certa vez, ao viajar para
a Europa, o sócio tomou o controle do jornal, enganando o meu avô na
distribuição de dividendos, que eram registrados como venda de ações.
Quando ele voltou ao Brasil não tinha nada, nenhuma ação do jornal.
Ele vendeu a casa e resolveu fundar O Globo com um grupo de amigos
talentosos, alguns do A Noite e de outros jornais. Eles arrumaram uma
impressora velha, da Primeira Guerra Mundial, usada pelo Exército bra
sileiro, e em duas salas do Liceu de Artes e Ofício começaram a rodar O
Globo. Era o talento do velho Irineu Marinho e daquela redação, e mais
nada. Aquilo levou anos para crescer. Papai ganhou dinheiro mesmo com
imóveis, comprando e vendendo imóveis, não foi com o jornal. Depois a
Rádio Globo e a Rio Gráfica, hoje Editora Globo, deram algum dinheiro,
mas ele perdeu tudo de novo para começar a TV. O resumo é que toda a
nossa história sempre foi em cima dos talentos.

Como foi a primeira conversa com a News, quando vocês trouxeram um sócio
estrangeiro para o negócio?
R.I.M.: O Rupert é um jornalista, vê mídia como a gente vê mídia e

262
acha que o satélite é um meio, não um fim. A primeira conversa com
ele foi talvez a mais fácil que eu tive na minha vida. Fui para lá prepa
rado para ter uma conversa dificílima. Estávamos eu e o Athayde (An
tônio Athayde, presidente da Net Brasil em 1995), em Londres, na sede
do Times. Surpreendentemente foi uma das conversas mais fáceis que
eu tive em toda a minha vida. Propusemos um acordo, a ideia geral, ele
disse que estava interessado e logo marcamos um segundo encontro,
em Nova York, onde fomos eu e João Roberto (Marinho). Era uma con
versa para fechar princípios e depois ia começar a discutir dinheiro, o
que levou mais uns seis meses. Mas essa conversa de Nova York com o
Rupert mais uma vez foi muito simples. Aliás, que se diga: tivemos uma
relação muito longa com eles, que passou por vários momentos, alguns
bem complicados, mas a relação sempre foi fácil. A visão deles sempre
foi muito focada em conteúdo.

O que não quer dizer que eles abrissem mão dos interesses deles...
R.I.M.: Rupert é muito competitivo. Tem uma história curiosa sobre
isso. Certa vez tivemos uma reunião em Nova York que se estendeu até
um pouco mais tarde. Já era quase hora do jantar, e perguntei se ele es-
tava sozinho na cidade. Ele disse que sim, então o convidei para jantar
com a minha família, com quem me encontraria meia hora depois no
La Grenouille. Estavam a minha mulher, minha filha com o marido,
meu filho e a Cristina Reis, amiga e funcionária nossa em Nova York.
Ele levou o filho, o Lachlan. Jantar maravilhoso, simpaticíssimo, mi
nha família encantada com a simpatia deles, até que em um determi
nado momento eu pergunto para ele: “Rupert, tem uma coisa no nosso
contrato que eu nunca entendi. Na parte que fala em deadlock (instru
mento contratual para resolução de impasses), tem uma cláusula que
diz que antes de chegar nesse ponto, o Rupert Murdoch e o Roberto
Irineu, nossos nomes, devem ser trancados em uma sala por 24 horas
para chegar a um acordo”. Ele disse: “O que você não entendeu dessa
cláusula?”. E eu respondi: “Não entendi, porque sou muito mais jovem
e mais forte”. E ele: “Mais jovem, é, mais forte, não”. E então ele me de
safiou para uma queda-de-braço no meio do La Grenouille, aquele res
taurante típico francês, tradicional... Bom, fizemos a queda-de-braço, e

263
se eu estou contando é porque eu ganhei. Ganhei com um braço, com o
outro, ganhei do filho dele, que resolveu tomar as dores do pai. Depois
disso voltamos para a sobremesa, mas a cláusula continua lá até hoje.
Foi a única vez que ele ficou insatisfeito comigo.

O John Malone, dono da TCI, que também entrou de sócio na Sky, participou das
negociações nessa fase inicial?
R.I.M.: Só fomos conversar com ele uma vez, em Denver, no Colorado.
Dessa vez estavam o Athayde, o Pecegueiro (Alberto Pecegueiro, diretor
geral da Globosat), o Fiuza (Herbert Fiuza). O Malone estava em uma ne-
gociação enorme de outras coisas, então a nossa conversa era mais com o
Fred Vierra (presidente da TCI). Houve algumas conversas para eles entra
rem em cabo no Brasil, mas nunca foram para a frente. Eles vieram para
o DTH meio que por acidente, por uma aposta do Fred Vierra. Hoje o Ma
lone se tornou controlador da Sky por uma troca de ações entre ele e o Ru-
pert, um ajuste de posições da Liberty Media na News. Os contratos que
existiam com a News continuam valendo, então quase não temos contato.
Mas desse contato em 1995 ficou uma experiência interessante: saímos de
lá e fomos visitar a operação-modelo de TV a cabo da TCI em Denver. Eles
começaram a nos mostrar conectores de cabos, parafusos, e diziam que a
indústria de cabos era muito mais sobre aqueles detalhes, sobre os peque
nos custos, do que qualquer outra coisa.

Foi uma lição importante...


R.I.M.: É, mas eu estava louco para conhecer a operação-piloto de
video-on-demand deles, a tecnologia que eles usavam para os primeiros
testes. Fomos para uma sala, eles nos colocaram na frente do computa
dor, escolhi um filme de uma lista de 5 mil opções. Marquei “Casablan
ca” e um minuto depois estava passando na TV. Fantástico! Depois fo
mos para a sala ao lado para ver como é que aquilo funcionava. Era uma
sala grande, com uma coleção extraordinária de videotapes e, do outro
lado, 120 videocassetes, cada um correspondendo a uma casa que estava
ligada nos testes. No meio, uma tela de computador e uma senhora, bem
gorda, daquelas do Sul dos EUA, que ficava olhando a tela: “Fita número
332 no videotape 43”. E ela ia lá e colocava a fita. Aquilo não era um teste

264
de tecnologia. Era um teste de marketing só para entender o comporta
mento das pessoas. Um sistema daquele só se justificaria se as pessoas
assistissem a sete filmes por mês. No primeiro mês as pessoas assistiam
dez, 15 filmes, mas no terceiro mês já não tinham essa paciência. Isso
provou que o camarada às vezes prefere que alguém escolha por ele. Tan
to que essas experiências de VOD são de 93, 94, e até hoje a coisa ainda
está meio mal resolvida.

Em 1997 e 1998, o grupo Globo foi muito agressivo no processo de privatização


das empresas de telecomunicações. A TV a cabo era parte disso?
R.I.M.: Era claramente parte dessa estratégia. Desde o começo sabía
mos que TV a cabo era para o triple-play, e que a rede seria digitalizada
em algum momento. O Koji Kobayashi, CEO da NEC, já dizia que no final
do século teríamos um sistema que conectaria todas as pessoas entre si,
sem respeitar fronteiras, sem respeitar continentes, por meio das tecno
logias de C&C (computação e comunicação). Esse pensamento é de 1947!
Eu conheci ele quando ainda era chairman da NEC no Japão, e eu era o
presidente da NEC no Brasil. Seguia ele em palestras onde ele estivesse.
Então, Internet era algo sobre o que conversávamos aqui já em 1992, e
que o cabo seria uma via. Ainda que em telecomunicações a gente tenha
se focado mais em celular.

E em telefonia fixa, por que vocês chegaram a montar um consórcio para dispu
tar a Telesp? Só não deu certo porque a Telefônica não fez o combinado com a RBS...
R.I.M.: Aquilo foi a maior sucessão de traições da história. Todos os
estrangeiros traíram os brasileiros. A Telefônica traía o Nelson (Nelson
Sirotsky) entrando em São Paulo, a Telecom Italia traía a Globo fazendo
outro consórcio com o Daniel Dantas... Era uma festa.

Mas logo vocês recuaram e saíram de telecom. Por quê?


R.I.M.: Saímos logo depois, vendendo nossas participações e as licen
ças em telefonia celular principalmente porque a demanda financeira ia
ser muito grande e porque as relações entre os players estavam complica
das, as licenças estavam em áreas ruins para a gente, não havia sentido
estratégico naquele momento.

265
Por outro lado, mantiveram os ativos em cabo.
R.I.M.: Porque acreditávamos que o cabo seria o verdadeiro espelho
das empresas de telecomunicações. O que acabou acontecendo. Demorou
uma década a mais do que o planejado, mas aconteceu.

No plano original da Net Brasil, aquele era o momento de vender a participação


nadistribuição,não?
R.I.M.: O Antônio Athayde (primeiro presidente da net Brasil) achava
isso. Eu não achava. Eu achava que ainda não era hora de vender. Porque
ainda não estávamos consolidados como produtores de conteúdo. Em
1998 começou a codificação analógica, mas a digitalização e os novos
serviços já eram pensados desde 1995.

Quando diz que o mercado de conteúdo não estava consolidado, refere-se a


quê? Em 1998, o mercado de programação, de conteúdos, estava mudando com a in
trodução do pay-per-view. Foi algo incômodo para a Globo lidar com essa realidade,
por mudar radicalmente o modelo praticado até então?
R.I.M.: O mercado de conteúdos tem alguns marcos. O GloboNews, para
nós, foi um marco importante, em 1996. O pay-per-view foi outro, em 1998,
junto com a codificação das redes. Mas nunca houve nenhuma preocupa
ção com o fato de o pay-per-view não ter grade de programação, não ter tri
lho de audiência. Isso nunca pesou na nossa estratégia. Era mais um pro
duto para ser vendido, ainda que não tivesse muita referência em outros
países. O driver era atender o cliente com o que ele quisesse. Desde o pri
meiro desenho da Globosat a gente já tinha a visão de que conteúdo espor
tivo era fundamental para o sucesso do negócio

No final da década de 1990, começo de 2000, veio a montanha-russa da Internet,


aquela bolha financeira. Como foi isso para vocês?
R.I.M.: O momento bom da bolha não mudou nada. Não vendemos ne
nhuma ação. A Net chegou a uma avaliação de US$ 7 bilhões, o que ajudava
muito a gente a captar recursos e rolar a dívida que a gente tinha, mas não
vendemos nada. Já tínhamos consciência de que aquilo ia dar problema,
porque a dívida era grande, e mesmo com a valorização da Net a coisa não
era confortável. Devíamos ter vendido um bom negócio e pagado a dívida.

266
Naquele momento, entraram de sócios a Microsoft, o Bradesco, mas não entrou
nenhum sócio de telecomunicações. Por quê?
R.I.M.: Não sei. O Bradesco entrou, e três meses depois estava me co-
brando porque a ação estava caindo. A Microsoft entrou sem nunca ter
entrado. O pessoal aqui do Brasil sabia que era importante ter partici
pado daquele negócio, tinha a visão que a Microsoft não poderia experi
mentar seus softwares aplicados a conteúdo sem aquela sociedade. Eles
tinham essa visão, mas a Microsoft de lá nunca comprou o projeto, não
mandou um time pesado para entrar.

Parece que os parceiros entravam de sócios achando que estavam se tornando


sócios na TV Globo. Foi um pouco assim com a Microsoft, depois com a Telecom Italia
no Globo.com...
R.I.M.: A Telecom Italia foi uma coisa diferente, fui eu que negociei
aquele acordo. Eles foram comprados e vendidos várias vezes ao longo
da história em acordos financeiros. Então, um bom acordo, em que eles
pudessem ter acesso a algum nome, levantava bastante a empresa, me
lhorava a ação na bolsa e aquilo funcionava bem para eles. Com isso, eles
ganharam mais dinheiro do que pagaram aqui. Teve gente na imprensa
italiana que saiu dizendo que a gente pagou alguém por aquele acordo.
Fizemos uma auditoria para mostrar que não tinha nada de errado. A Te
lecom Italia é uma empresa excepcional, de altíssima tecnologia, e tem
um papel muito importante na bolsa italiana.

Não faria mais sentido para a Telecom Italia ter entrado, naquela ocasião,
como sócia da Globo Cabo, e não do Globo.com?
R.I.M.: Eles não estavam interessados no negócio em si. Eles estavam
mais interessados no charme, em dizer que estavam com a Globo nesse
negócio de Internet. Mas uma das coisas que eu nunca entendi na vida é
que no dia seguinte do acordo eu estava aqui esperando chegar um time
de especialistas em rede, em tecnologia, em conteúdos, em billing, para
transformar aquele meu negócio pelo qual eles haviam pago uma fortu
na, em algo extraordinário. Mas eles nunca apareceram. Uma vez o Cola-
ninno (Roberto Colaninno, CEO da Telecom Italia na ocasião) veio aqui
para ter uma reunião sobre o Globo.com. Eu pensei que eles queriam sa

267
ber da estratégia, do business plan, fiz uma apresentação completíssima
sobre aquilo, fui lá ao encontro dele no Copacabana Palace... No segundo
slide ele se desinteressou, só queria saber se estava tudo bem e pronto.
Eu não entendo muito as coisas na Itália. Tive um curso intensivo na épo
ca da Tele Monte Carlo, mas não consigo entender.

Ainda assim, aqueles US$ 810 milhões que eles pagaram pelo Globo.com salva
ram o grupo em 2001.
R.I.M.: Salvaram o ano de 2001, mas ainda assim não deu para segu
rar. Em dezembro de 2001, tivemos uma reunião em casa com a Marlu-
ce (Marluce Dias da Silva, ex-superintendente executiva da TV Globo),
com o Jorge (Jorge Nóbrega, diretor de gestão corporativa do grupo) e
meus irmãos, e lá chegamos à conclusão que precisávamos partir para
uma reestruturação. Eu me tornei presidente provisório da Globopar até
achar alguém de fora. O Jorge Nóbrega vai aos EUA em janeiro de 2002
para encontrar um banco para coordenar a reestruturação. Ele consulta
os três bancos e escolhe o que tinha uma equipe de primeira linha livre
naquele momento, o Houlihan Lokey. Eles vieram ao Brasil em seguida,
ficam hospedados secretamente no Hotel Everest e começam a trabalhar.
No final de fevereiro, o Phillipe entra como presidente (Henri Philippe
Reichstul, ex-presidente da Petrobras, que assumiu a presidência da
Globopar por alguns meses em 2002). Ele achava que ia dar para passar
aquela crise sem reestruturar, eu achava que não, tanto é que não contei
para ele sobre a equipe de reestruturação. Resumo: se tivéssemos feito a
reestruturação naquele momento, em março e não em dezembro daquele
ano de 2002, teríamos poupado uns US$ 500 milhões e muito patrimônio
da família. Mudaria para os credores? Acho que teria sido melhor, porque
a reestruturação teria sido feita com caixa na empresa, e não com R$
10 milhões em caixa, que pagavam três dias de operação, como acabou
acontecendo. Mas uma das razões pelas quais a gente decidiu postergar
é porque era ano de eleição e achávamos que aquilo poderia ter um peso,
podia ser usado politicamente contra nós...

O problema ali foi a desvalorização do real ou o excesso de dívida em dólar?


R.I.M.: Os dois. Vamos colocar em números redondos. Nós devíamos, en-

268
tre dívida e garantias de satélite no caso da Sky, devíamos US$ 1,8 bilhão.
Quando era um por um, era R$ 1,8 bilhão de dívida e uma geração de caixa
de R$ 500 milhões. Com o dólar a R$ 2, a dívida foi para R$ 3,6 bilhões.
Ainda era administrável com a nossa geração de caixa. Quando pulou para
R$ 3 o dólar, a dívida pulou para R$ 5,4 bilhões. Era dez vezes o nosso
EBITDA. Era muito difícil administrar. E em outubro de 2002 o dólar bateu
em R$ 4. Aí eram R$ 7,2 bilhões de dívida, totalmente inadministrável.

A solução foi então vender os ativos. Vocês venderam a Sky primeiro.


R.I.M.: Foi um pouco depois. Saímos do controle em 2003, mas ao lon
go de 2002 a News já começou a colocar dinheiro na Sky sem a gente
fazer o investimento em contrapartida. Não conseguíamos acompanhar.
Eles chegaram a colocar US$ 200 milhões na operação sem a nossa co-
bertura. Aí, obviamente, eles nos chamaram e perguntaram como ia ficar
aquilo. Foi quando eu disse a eles que íamos diluir, não tinha outra solu
ção. Foi uma solução sem briga, tranquila.

Nessa época, ou um pouco antes, o Murdoch tentou comprar a DirecTV nos EUA.
Mas vocês tinham veto nessa operação. Esse veto foi usado nesse momento?
R.I.M.: Não, já estava tudo acertado: o Murdoch ia comprar a DirecTV,
nós havíamos concordado, mas aí a GM traiu o News Corp. e aceitou a
proposta da Echostar. Mas não criamos nenhum problema, só negocia
mos as contrapartidas normais, sem briga. E depois, na diluição também
foi sem problema.

Houve a possibilidade, naquele período, de a News se tornar sócia das opera


ções de cabo, não é isso?
R.I.M.: Sim, eles chegaram a estudar essa possibilidade, mas acabou
não acontecendo, não lembro a razão. Teria sido muito bom para eles.

E na TV Globo, eles não tentaram ficar sócios? Estava mudando a Constituição


justamente para permitir a entrada de capital estrangeiro.
R.I.M.: Eles até queriam, mas a gente não queria vender. Tem muita
gente querendo comprar até hoje. A grande luta depois, na época da re-
estruturação, era justamente que todo mundo queria tomar ações da TV

269
Globo, e a gente não queria dar. Foi o que aconteceu nas afiliadas, que fo
ram vendidas muito barato para cobrir as dívidas. Mas vender qualquer
coisa é o seguinte: vale o que te pagam, não o que você acha que vale.

Outra negociação importante que veio um pouco depois, em 2004, foi a da Tel-
mex na Net Serviços. Como foi essa negociação, que surpreendeu até os executivos
da empresa?
R.I.M.: Fulminante! Tem um camarada ali dentro, chamado Jaime Chico
Pardo (CEO da Telmex no México na ocasião e hoje ligado a Carlos Slim),
que é extremamente inteligente. Ele era muito ligado em tudo o que aconte
cia e ao mesmo tempo tinha muito poder para tomar decisões rápidas. Ele
veio aqui em uma sexta-feira, meio-dia, em uma visita de cortesia, porque
eles haviam acabado de comprar a Embratel, e nós somos grandes clientes
da Embratel. Conversa vai, muito simpática, e lá adiante eu pergunto: “Só
não entendi por que é que até hoje vocês não tentaram comprar a Net”. Ele
disse: “Eu não sabia que podia”. E eu respondi: “Pois eu estou vendendo”.

Mas a Net e a Embratel não tinham negociado antes?


R.I.M.: Não. Quem realmente conversou para comprar a Net naquela
época foi a Portugal Telecom e a Telefônica. Ah, e o pessoal do GP, que
ficava fazendo proposta, mas eles gostam de comprar xepa. A Portugal
Telecom e a Telefônica é que foram mais a fundo, mas não saiu, e acho
que eles até se arrependem. Mas o Chico Pardo, da Telmex, me disse en
tão que não sabia da possibilidade de comprar. Ele me disse que sabia
o que era a Net, que tinha estudado o panorama das telecomunicações
no Brasil e que, se eu estava vendendo, ele queria comprar se pudesse.
“Quanto é que você quer pela Net?”, ele perguntou. Eu respondi: “Para
ser exato, eu tenho que pagar, na próxima sexta, US$ 200 milhões e não
tenho dinheiro. Não sei quanto é que vale, deve ser bem mais que isso,
mas eu quero vender por US$ 200 milhões desde que seja pago antes de
sexta”. Eram os US$ 200 milhões que fechavam a reestruturação, que fe
chava o acordo com os credores. Ele disse: “Feito, como é que eu faço?”
Chamei o Jorge Nóbrega, que ficou branco, porque estava tentando fechar
aquilo com a Portugal Telecom, que queria pagar US$ 130 milhões, e não

270
resolvia. O Chico Pardo foi almoçar, durante o almoço ligou para o Slim,
ligou para o genro do Slim, voltou, disse que estava tudo ok. Não tinha
muita condição, não teve nem due dilligence. Na segunda, foi uma equipe
nossa para Nova York, eles escreveram o contrato de compra, fecharam
na quarta, na quinta entrou o dinheiro e na sexta estava tudo certo. Foi
fulminante, e acho que foi uma compra excepcional para o Slim. A Net
vale muito mais que a Embratel. Para mim, o importante eram os US$
200 milhões naquela sexta. Valia mais do que US$ 300 milhões duas ou
três semanas depois. Eram os US$ 200 milhões que naquele momento
me encerravam toda a reestruturação. Isso tinha um valor incrível.

Olhando a estratégia da Globo ao longo de todos esses anos em TV por assina-


tura, do ponto de vista da distribuição, valeu a pena?
R.I.M.: Acho que valeu, porque a estratégia estava certinha. A gente
não errou em estratégia de negócios, errou em estratégia financeira.
Erramos porque acreditamos demais no país, e o país é muito mais vul
nerável do que a gente achava que era. Acreditávamos que com o Plano
Real a coisa ficaria bem mais estável do que ficou. Fizemos uma má ava
liação financeira, uma má avaliação de risco, mas a estratégia nossa es-
tava absolutamente correta. Acho que só conseguiríamos a situação que
temos hoje no conteúdo se tivéssemos feito o investimento inicial em
distribuição. Ao contrário dos EUA, onde as empresas de conteúdo e de
distribuição se desenvolveram juntas, no Brasil, se deixássemos que os
nossos concorrentes montassem redes de distribuição, eles não teriam
nos deixado entrar com conteúdo no sistema deles. Isso foi formalmente
anunciado por eles, como estratégia de bloqueio ao conteúdo Globo. O
fato de termos feito nosso sistema de distribuição e investido em conteú
do mostrou que o conteúdo é a chave do jogo, e que o sistema de distribui
ção, embora tenha me custado esta barriga e todo o investimento que foi
feito, foi o que viabilizou a estratégia dos canais.

Hoje há outros personagens entrando nesse mercado, especialmente as empre


sas de telecomunicações. Vocês veem eles como players?
R.I.M.: Vejo eles com vontade de ser players, e acho que serão. Para

271
uma empresa de telecom é muito fácil fazer distribuição. Muito mais di
fícil é fazer conteúdo, e a maior prova é que não tem nenhuma empresa
de telecomunicações fazendo isso em nenhum lugar do mundo. Acho que
vai ter ainda muita gente perdendo dinheiro no negócio de distribuição.
Acho que tem muita gente vendendo promessas para acionista muito aci
ma do que é capaz de entregar, mas o tempo vai mostrar.

Quando vocês fizeram a Globosat, eram quatro canais em cima de zero assinan
te. Se vocês tivessem que fazer isso de novo, para alguma outra tecnologia, toma
riam a mesma decisão?
R.I.M.: Sim, faria com o maior prazer. E não é condicional. Teremos
que fazer.

Pela primeira vez nas entrevistas que já tivemos não vejo uma contraposição
entre TV aberta e TV por assinatura. Mudou a postura?
R.I.M.: A história do grupo é muito curiosa. Começou com o papai, que
centralizava tudo. Ele negociava muito com base nas informações que ti
nha. Não queria uma aliança no grupo em que ele não estivesse no meio.
Ele chegava no jornal e falava: “Aqueles malucos da TV Globo são uns
gastadores de dinheiro”. Depois, vinha para a TV e dizia: “Aqueles caras
do jornal são uns sem criatividade, não sabem criar coisas novas”. E as-
sim estimulava a divisão entre as empresas. Culturalmente, não era um
processo ruim, porque estimulou a criação de tudo isso com muito suces
so. Mas os tempos mudaram e a chave do negócio passou a ser trabalhar
juntos. Mas quando colocava as pessoas para trabalhar juntas, sempre
sobravam arestas e atritos dessa competitividade. Acho que hoje conse
guimos colocar todo mundo para trabalhar junto, o que não é simples.
Talento é complicado. E em 20 anos, muita coisa mudou. TV por assinatu
ra mudou de status, e as empresas descobriram que têm sinergias enor
mes entre elas. Internet é e será um desafio enorme para todo mundo. As
oportunidades que existem precisam ser muito bem trabalhadas.

272
TVPORHSSINHTURH
2 0 UNOS DE EVOLUÇÃO
Samuel Possebon
Samuel Possebon

Tv pOr assinatura
20 ANOS DE EVOLUÇÃO
2009 © Direitos reservados à Save Produções Editoriais Ltda, à Associação Brasileira
de TV por Assinatura (ABTA) e ao Sindicato das Empresas de TV por Assinatura (SETA)

A reprodução para fins comerciais deste livro depende de autorização prévia do autor.
A reprodução para outros fins é livre, citada a fonte.

Texto e edição
Samuel Possebon
Preparação e revisão
Vera Caputo
Ilustração de capa
Carlos Edmur Cason
Editoração eletrônica
Halinni Garcia
Jornalista responsável
Samuel Possebon
Diretoria da ABTA (julho/2009):
PRESIDENTE EXECUTIVO: Alexandre Annenberg. VICE-PRESIDENTES: José AntonioFelix (cabo),
Carlos André Albuquerque (MMDS), Luiz Eduardo Baptista (DTH),André Borges (jurídico),
Antônio João Filho (tecnologia), Anthony EdwardDoyle (programação), Fernando Ramos
(marketing), Paulo Cézar Martins (administrativo-financeiro), Fernando Mousinho (relações
institucionais), Luis Carlos Balieiro (banda larga), Gustavo Leme e Lara Siqueira de Andrade.
CONSELHO FISCAL: Márcio Lúcio Pimenta e Neusa Maria Risette. EQUIPE : Eduardo Jardim ( ABTA/DF),
Marcia Valdujo (gerente executiva) e José Guilherme Mauger(assessor jurídico).
Diretoria do SETA (julho/2009):
PRESIDENTE EXECUTIVO: Alexandre Annenberg. DIRETORES: Fernando de Melo Mousinho (tesoureiro),
Sérgio de Andrade Ribeiro, Cássia Maria Cordaro, Roselí Parrella, Antonio Salles Teixeira Neto
e Odilon Antonio Silva. CONSELHO FISCAL: Laci Ricardo Buss e Antônio Roberto Salles Baptista.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Possebon, Samuel
TV por assinatura : 20 anos de evolução /
Samuel Possebon. — São Paulo : Save Produção, 2009.

1. Televisão por assinatura – Brasil – História


I. Título.

ISBN 978-85-909664-0-1

09–06969 CDD–384.550981

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Televisão por assinatura : História


384.550981

Save Produções Editoriais


Rua Min. Gastão Mesquita, 176/8
São Paulo/SP
CEP 05012-010
(11) 3871-2357

Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) Este livro foi composto


Sindicato
Rua Paes de
dasAraújo, 29 cj.de181/182
Empresas TV por Assinatura (SETA) na fonte EideticNeo
e impresso em ofsete pela
São Paulo/SP Geográfica Editora sobre papel
CEP 04531-090 Chamois Fine Dunas 80 g/m2
(11) 3078-9307 em agosto de 2009
sumário
Apresentação, 7
Agradecimentos, 11
prefácio, 13
CAPÍTULO 1
Vários começos,
CAPÍTULO 2 19

Abril e Globo
CAPÍTULO 3 chegam ao mercado, 38

OCAPÍTULO
amadurecimento
4 do mercado, 61

Lei do Cabo:
CAPÍTULO 5 uma longa história, 86

A variável
CAPÍTULO 6 convergência, 112

CAPÍTULO 7 os editais, 136


Finalmente,

A exuberância,
CAPÍTULO 8 os novatos e a queda, 159

Surgem os
CAPÍTULO 9 novos modelos, 184

A investida das teles, 206


CAPÍTULO 10
O começo11do futuro, 230
CAPÍTULO

20 anos de evolução, 248


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apresentação

Os profissionais que vivem o dia-a-dia do mercado de TV por assina


tura em funções específicas, com preocupações de momento e problemas
de curto prazo, muitas vezes correm o risco de perder a visão do todo e de
esquecer que o que foi construído ao longo das últimas duas décadas pela
indústria teve e tem importância para o país. Uma importância muitas
vezes maior do que a que percebemos.
Embebidos nas nossas atividades cotidianas de levar programação,
internet e telefonia a cada vez mais brasileiros, muitas vezes deixamos
para trás algumas histórias importantes, que nos ensinaram lições e nos
mostraram alternativas e soluções para problemas que se colocavam.
Entender a dinâmica do setor, observar suas idas e vindas, os seus
fatos e marcos é sempre uma oportunidade de voltar a aprender.
Mas, mais do que um conjunto de histórias de pessoas e empre
sas, um relato de estratégias e decisões, um registro de fracassos e su-
cessos, esse livro é uma homenagem. Uma homenagem aos milhares
de profissionais que ajudaram a criar um setor fascinante e relevante
para a sociedade.
Cada uma das histórias individuais, cada instalador que subiu em
um poste para esticar um cabo ou em um telhado para ajustar uma an
tena, cada atendente, cada investidor que assinou um cheque ou cada
programador que pensou em um canal contribuiu para esses 20 anos de
inovação. Nem todas as histórias estão contadas aqui, mas há uma histó
ria coletiva que fica registrada e que contempla a todos.
O que se vê ao passar os olhos por esses últimos 20 anos é que de
uma atividade quase caseira, em que muitas vezes o dono da operadora
era quem vendia, instalava, atendia o cliente, negociava programação e
fazia a cobrança, esse setor se tornou uma indústria relevante no cenário

7
econômico e social de maneira geral, e no cenário da mídia e das teleco
municações de maneira específica.
Os operadores de MMDS, cabo e DTH no Brasil trouxeram para os
usuários inúmeras inovações, como a multiplicidade de programação, a
banda larga, a interatividade a TV digital e a convergência de tudo isso,
por exemplo. Às vezes, com mais de uma década de antecedência em re-
lação a outros setores. Hoje, pode-se dizer com segurança que as pessoas
que tiveram a oportunidade de viver em suas casas a experiência trazida
pela TV por assinatura passaram a ver o mundo com outros olhos.
Certamente há queixas, porque nenhum prestador de serviços é in
falível, ainda mais em uma atividade tão complexa como esta. Tampouco
se consegue oferecer um serviço que agrade a todos os usuários de ma
neira linear o tempo todo. Mas a TV por assinatura, sem dúvida, trouxe
algo que ninguém pode questionar: opção. E fez isso mesmo diante de
intempéries econômicas, de incompreensões regulatórias, de abusos tri
butários e de concorrência agressiva desde os seus primeiros dias.
Ao propor ao Samuel Possebon, autor desse livro, a ideia de regis
trar em uma obra os principais fatos desses últimos 20 anos, percebi
que havia uma convergência de interesses. Jornalista especializado
em comunicação e telecomunicações, Samuel acompanha a indústria
desde 1994, e também queria recontar o que viu e ouviu. Combina
mos que a melhor maneira de fazer isso seria com independência e
responsabilidade.
Cada um dos profissionais da indústria de TV por assinatura e das
pessoas que foram parte dela de alguma forma tem um ponto de vista e
uma história própria para contar. Seria impossível colocar tudo isso no
papel. Era preciso um olhar de fora, de alguém que estivesse suficiente
mente distante, mas que conhecesse os aspectos específicos, para sele-
cionar os fatos e recontá-los, e assim foi feito.
O resultado poderá ser visto nas próximas páginas. Aqui está um
pouco da história da indústria de TV por assinatura no Brasil como
um todo. Como ela começou, como se desenvolveu, como as coisas to
maram determinado rumo e não outro. Relembrar a história do setor
é uma boa maneira de mostrar a quem não foi parte dele sua riqueza e

8
complexidade. E para quem é parte dessa indústria, é uma boa forma
de ver nosso dia-a-dia em perspectiva, aprender com o que já foi feito e
ter a certeza de que muita coisa ainda será conquistada e realizada nos
próximos 20 anos.

Alexandre Annenberg

9
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Agradecimentos

Serei um tanto injusto nos agradecimentos. Não tenho como citar


os nomes de todas as pessoas que entrevistei nesse setor de TV por assi
natura ao longo de todos esses anos e que me ensinaram um pouco sobre
como ele é e funciona. Foram fontes e amigos com os quais falei e com os
quais aprendi muito. Deles ouvi e registrei algumas histórias, que agora
se fazem presente nesse livro, mesmo que indiretamente. Gostaria de ter
podido ouvir todos eles novamente antes de escrever, o que seria impos
sível. A todos, muito obrigado.
Assim como agradeço imensamente àquelas pessoas com quem con
segui falar e entrevistar para esse projeto, especialmente as que me aju
daram com a coleta de documentos e materiais. Os entrevistados foram
Alexandre Annenberg, Roger Karman, Antônio Athayde, Hermano e Car
los André Lins de Albuquerque, Antônio Salles, Sávio Pinheiro, Rômulo
Villar Furtado, Moysés Pluciennik, Leila Loria, Luis Eduardo Baptista,
Antônio Barreto, Chris Torto, Ricardo Miranda, Walter Longo, Monsenhor
José Antônio de Lima, Alberto Pecegueiro, Elias Zeitune, Paulo Martins,
Neusa Risette e Wilson Martins, Dante Quinterno, Murilo César Ramos,
Olinto Santanna, Chico Araújo Lima, Antônio Carlos Menezes, Joe Walla-
ch, Walmor Bergesch, José Félix, Luis Gleiser, Álvaro Pacheco Jr., Roberto
Irineu Marinho e Roberto Civita. Com tantos outros, tive conversas pon
tuais. Acabei não entrevistando, por razões diversas, muitas pessoas que
gostaria ou deveria, como os amigos Paulo Saboya e Antônio João Filho.
Em nome dos dois, transmito meus agradecimentos aos ausentes nesse
livro, não por agora, mas por tudo.
Não posso deixar de agradecer à Associação Brasileira de TV por
Assinatura (ABTA) e ao Sindicato das Empresas de TV por Assinatura
(SETA) por terem viabilizado esse projeto. Nominalmente, agradeço ao

11
Alexandre Annenberg pela ideia e apoio, ao Fernando Ramos pelo título e
à Márcia Valdujo por todo suporte e pelo esforço de pesquisa.
Rubens Glasberg merece um agradecimento único. Foi a pessoa que
me ensinou tudo o que eu sei como jornalista ao longo desses 15 anos de
profissão, e um bom tanto do que eu sou na pessoa física. Um amigo e
mestre que, como se tudo isso já não fosse suficiente, ainda registrou o
dia-a-dia dessa indústria desde seus primeiros momentos por meio das
publicações que criou e editou, sobretudo a revista PAY-TV.
Arevista e todos os que fizeram parte dela estão no DNA desse livro.
Eu teria que agradecer a todos os jornalistas que lá deixaram matérias,
análises, notas e entrevistas, que foram fundamentais para o que está
nas próximas páginas. Nominalmente, agradeço a dois deles: André Mer-
melstein e ao querido amigo Carlos Eduardo Zanatta, que a cada dia faz
mais falta. As editoras Edianez Parente e Sandra Regina da Silva tam
bém foram especiais nesses anos todos.
Por fim, agradeço à minha esposa Raquel, a pessoa que faz tudo
isso ter sentido.

12
Prefácio

Poucas coisas refletem tão bem o progresso de uma sociedade quan


to o desenvolvimento de seus meios de comunicação. As formas como as
pessoas se informam, se divertem e se comunicam dizem muito sobre o
momento político e econômico e as condições de vida de uma determina
da época e lugar.
Este livro olha para uma pequena, mas riquíssima parcela dos meios
de comunicação no Brasil: a TV por assinatura. Pequena porque, se com
parada à importância diária da televisão aberta ou da telefonia, a TV por
assinatura é sem dúvida restrita e menos presente. Mas é muito rica por
que, a exemplo do que se passou em outros países, o segmento da TV por
assinatura foi o ambiente para o qual confluíram interesses de grupos de
mídia, empresas de telecomunicações, investidores e desenvolvedores de
tecnologias. E também de pequenos empresários, empreendedores locais
e, obviamente, alguns aventureiros. Em todo o mundo, e no Brasil não é
diferente, a TV por assinatura tem sido uma indústria aberta o bastante
ao ponto de permitir a participação simultânea de personagens de rele
vância local e conglomerados de atuação global.
Além disso, a TV por assinatura foi o laboratório onde a segmenta
ção, a interação e a personalização da informação, hoje tão em voga no
mundo da internet, foram testados. O surgimento dessa indústria mudou
a forma como as pessoas se relacionam com a TV, o que veem e como
veem. A TV paga trouxe novos personagens e novas variáveis para a di
nâmica do mercado de comunicações. Trouxe novas tecnologias e novas
opções de informação e entretenimento.
Este é um livro que trata de fatos, reconta histórias e organiza da
dos de modo a oferecer uma visão abrangente sobre o surgimento, o de
senvolvimento e a maturação do mercado de TV por assinatura em seus

13
primeiros 20 anos de existência no Brasil. Não é um livro que defende te
ses específicas nem pretende dirimir polêmicas. É apenas a reapresenta-
ção de fatos que, ao longo desse período, se pulverizaram em diferentes
fontes de informação e documentos, foram contados de forma parcial
ou eram simplesmente desconhecidos, mas que hoje, resgatados e con
textualizados, ajudam a preencher um mosaico e dão uma visão mais
completa de como se deu a evolução deste segmento das comunicações
no Brasil.
Reconstituir estas primeiras duas décadas em um livro não é uma
tarefa simples. Primeiro, porque seria impossível contar essa história
sem eleger algumas prioridades, dando maior ou menor ênfase a deter
minados momentos, personagens ou fatos. Esse trabalho de seleção dos
fatos coube a este autor e às dezenas de fontes ouvidas que ajudaram,
com depoimentos e documentos, a recompor alguns deles. Os relatos de
estudos acadêmicos, de outros pesquisadores e da imprensa também fo
ram fundamentais para recuperar detalhes da história. Uma publicação
específica foi absolutamente imprescindível para esse trabalho. Trata-se
da PAY-TV, publicação especializada, criada pelo jornalista Rubens Glas-
berg em 1993, inicialmente como suplemento da revista TELA VIVA e de
pois, a partir de 1994, com vida autônoma, que retratou mês após mês,
até 2005, o que de mais importante acontecia no setor. PAY-TV foi quem
melhor documentou a história da TV por assinatura no Brasil, primeiro
em sua versão impressa e, após 1996, também em versão online diária,
ainda hoje existente e atuante. Boa parte do que se verá neste livro só
pôde ser reconstruída com riqueza de detalhes porque PAY-TV e seus jor
nalistas fizeram seu trabalho.
Outra grande dificuldade para se contar os 20 anos de história da
TV por assinatura é a própria definição do momento inicial da indústria
de TV paga, pois é possível encontrar relatos consistentes de operações
de TV distribuídas por cabo no Brasil desde os anos 1960, tentativas de
criação de modelos regulatórios na década de 1970 e um punhado de ope
rações embrionárias do que viria a ser a TV por assinatura em diferen
tes cidades brasileiras nos anos 1980. Assim, não seria incorreto dizer
que primórdios da TV por assinatura no Brasil já existiam há pelo menos

14
50 anos, se quiséssemos levar ao extremo o exercício de estabelecer um
marco inicial.
Mas a análise histórica a que este livro se propõe exige um marco
consistente, que de fato signifique um momento de ruptura, uma mudan
ça de cenário, quando novos atores e novas iniciativas entraram em cena
com repercussão e reverberação amplas. Pode-se dizer que esse marco foi
1989, conforme ficará mais claro no capítulo que segue.
Foi nesse momento que, de forma independente, o Brasil ganhou as
primeiras operações de TV em que conteúdos até então indisponíveis ao
telespectador comum passaram a ser comercializados mediante paga
mento de um valor mensal. Isso é TV por assinatura, em essência: pagar
para receber, na televisão, um conteúdo que de outra forma não estaria
disponível. Há 20 anos, a TV por assinatura já ia além da mera retrans
missão de canais abertos de TV. Canais como CNN, ESPN, C-Span e canais
de filmes estiveram presentes na tela dos primeiros assinantes desde os
momentos iniciais da indústria. Outro marco é a institucionalização do
setor, com a criação de uma associação que congregasse as empresas, e
esse marco veio com a associação Abracom também em 1989, que depois
daria origem à associação ABTA. Por fim, o que define a data é um marco
regulatório relevante, que tenha de fato estabelecido um ponto de par
tida para alguma coisa. Arbitrariamente escolhemos a Portaria 250/89
do Ministério das Comunicações, que criou o serviço de distribuição de
sinais de TV (DISTV), o embrião do serviço de TV a cabo.
A história da TV por assinatura no Brasil envolve momentos bas
tante distintos, com características próprias. Os primeiros movimentos,
como em quase todos os setores da economia, foram marcados por ini
ciativas de empreendedores locais ou projetos familiares. Mas, ao mes
mo tempo em que essas iniciativas isoladas se desenvolviam, o grupo
Abril aportou no mercado. Dois anos depois, também os grupos Globo e
RBS entraram no negócio, e rapidamente a TV paga passou a ser reali
dade nas estratégias dos grupos de comunicação do país. Alguns anos
depois, também as estatais de telecomunicações passaram a flertar com
a TV paga, e em menos de cinco anos vieram os primeiros investidores
internacionais e empresas de tecnologia, além de conglomerados de co

15
municação de atuação global e, bem mais tarde, as gigantes privadas de
telecomunicações.
Isso, contudo, não impediu que o mercado continuasse se desenvol
vendo de maneira independente fora dos grandes centros, o que marcou
a realidade da TV paga por pelo menos uma década de maneira bastan
te consistente e até hoje é a realidade de centenas de pequenos centros
isolados.
Ainda nos primeiros estágios de desenvolvimento da indústria, a
perspectiva de oferta de serviços interativos, sob demanda, e a trans
missão de dados já era uma realidade. Da mesma forma, nos primeiros
momentos do desenvolvimento do mercado de TV paga conviveram tec
nologias de transmissão por cabos coaxiais, fibras ópticas, satélites e
também plataformas de transmissão sem fio, como o UHF inicialmente
e, logo em seguida, o MMDS. No Brasil, todas as tecnologias de distri
buição de TV paga conviveram e disputaram o mercado, com maior ou
menor intensidade, e ainda o fazem.
A TV por assinatura também trouxe inovações importantes do pon
to de vista regulatório. Em um primeiro momento, rompeu o paradigma
da regulamentação de radiodifusão, colocando-se como uma alternativa
ao mercado de TV aberta. Em seguida, inovou na regulamentação de tele
comunicações, ganhando uma lei própria e inovadora (a Lei do Cabo, de
1995), e uma regulamentação específica que antecipou alguns dos aspec
tos de regramentos que só surgiriam para serviços de telecomunicações
nos anos 2000.
O processo de distribuição de outorgas das diferentes modalidades
de TV por assinatura também teve fases distintas. Se num primeiro mo
mento o licenciamento às operações de UHF, MMDS e cabo era gratuito
e sem regras rígidas, logo em seguida o conceito das licitações públicas
tornou-se a regra, ainda que os leilões públicos em si tenham demorado
mais de meia década para começar a acontecer.
A TV paga também trouxe, com vários anos de antecedência, algu
mas tecnologias novas que permitiram oferecer ao consumidor serviços
inovadores como a TV digital e a banda larga. E de outro lado, permitiu
a proliferação de canais públicos (tais como TV Câmara, TV Senado, TV

16
Justiça e os canais das Assembléias Legislativas), canais locais, canais
comunitários, canais universitários e, é claro, canais de televisão seg
mentados, nacionais e estrangeiros.
A TV por assinatura, ao longo dos seus primeiros 20 anos de história
no Brasil, não conseguiu se massificar como outras tecnologias de comu
nicação ou telecomunicações. Foram duas décadas para se chegar à mar
ca de 6,5 milhões de lares que contratam o serviço neste ano de 2009. As
razões para isso são várias e acabarão evidenciadas ao longo deste livro.
Se existe uma razão preponderante, isso não tem como ser respondido.
Arranjos empresariais, cenário competitivo, capacidade de investimen
to, definição de produto e preços, qualidade da programação, restrições
regulatórias, crises econômicas, tudo isso teve, em momentos distintos
ou simultaneamente, o seu peso e a sua parcela de contribuição. Cada
leitor terá condições de extrair, dos relatos e fatos aqui apresentados, as
suas próprias conclusões.
Observando-se a história da indústria de TV paga será possível
perceber como funcionam as interações e divergências entre grupos de
comunicação locais, nacionais e internacionais, grupos de mídia e as
empresas de telecomunicações, quais são e serão os desafios da regu
lamentação em um mundo digital e convergente, e entender como tec
nologia e consumidores interagem e como se formam novos padrões de
consumo de entretenimento e informação. Mas, sobretudo, esse livro ofe
rece uma visão panorâmica de duas décadas de evolução do mercado de
TV por assinatura no Brasil, um setor fascinante para quem é do ramo, e
cada vez mais relevante no contexto das comunicações.

17
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CAPÍTULO 1

vários começos
Qualquer tentativa de apontar quem foi o primeiro operador de TV
por assinatura no Brasil estará errada. É virtualmente impossível dizer
com precisão quando tudo começou, já que existem relatos dispersos e
imprecisos de experiências de toda sorte que poderiam ser entendidas
como TV por assinatura, dependendo do grau de flexibilidade do concei
to adotado. Mas a percepção de que as coisas talvez tenham começado
na serra de Petrópolis, no final da década de 1950, é relativamente plau
sível. Mais precisamente em 1958, quando começaram a aparecer na
cidade antenas comunitárias que faziam a distribuição de sinais de TV
do Rio de Janeiro, captados do alto da serra e levados para as residên
cias de Petrópolis.
Note-se que isso aconteceu não mais que uma década depois que o
mesmo fenômeno deu início ao que hoje se conhece nos EUA como TV a
cabo. Eram os serviços de CATV (Community Antenna Television), ou an-
tenas comunitárias, em que os sinais da TV aberta eram levados por meio
de fios metálicos de uma antena principal a vários televisores.
No caso de Petrópolis, as operações de CATV serviam basicamen
te para auxiliar os telespectadores da cidade a receber os fracos sinais
de TV aberta que chegavam do Rio de Janeiro, em uma época em que o
Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), que estabeleceu as regras
para a radiodifusão no Brasil, sequer estava criado. O CBT só surgiria em
1962, mas antes disso uma série de pequenas empresas repartiu a cidade
para oferecer, por meio de fios, os sinais que eram captados pelas ante
nas coletivas e amplificados de maneira amadora.
O serviço tinha um preço, e o resultado era a possibilidade de assis
tir à TV com alguma qualidade de imagem. Isso pode ser considerado TV
por assinatura? Em certo sentido, sim. Quem relata a história pioneira é

19
Elias Zeitune, ainda hoje operador de TV a cabo na cidade e que começou
a atuar no ramo em 1979. Não há muitos registros documentais dessa
época, mas de acordo com os relatos de Zeitune, as características geo
gráficas de Petrópolis tornaram necessário o serviço de antena coletiva
ao longo de todo esse tempo. Conversas com pessoas que frequentam ou
frequentaram Petrópolis confirmam que na década de 1970 já era possí
vel assistir à TV graças a essas antenas coletivas.
Apenas em 1995 os operadores da cidade (em um determinado mo
mento, eram mais 30 operadores fazendo antenas coletivas) passaram a
oferecer canais de TV por assinatura. E até que fossem abertas as licita
ções para outorgas em Petrópolis, em 1998, os operadores locais sempre
atuaram de maneira informal. Segundo relato de Zeitune, durante mui
tos anos, sobretudo nos anos 1980, era comum que técnicos do Dentel
(departamento na época responsável pela fiscalização dos serviços de
telecomunicações e radiodifusão) auxiliassem operadores de antenas co-
letivas a fazer ajustes nos sinais. No primeiro “modelo” de exploração do
mercado de TV paga, em Petrópolis, as áreas de atuação de cada operador
eram bem definidas e um não invadia o mercado do outro. Foi um modelo
que prevaleceu até meados dos anos 1990, quando um processo de con
solidação promovido por empresários argentinos reduziu o número de
operadores e criou uma grande operação não-oficial. Foi só no processo
de licitação iniciado em 1997 que Zeitune pôde se tornar o concessioná
rio legal do mercado de Petrópolis.
O exemplo de Petrópolis, contudo, não é único. Há muitos relatos
de outras operações que começaram de maneira informal no Brasil, no
modelo CATV. Alguns começaram e não foram adiante, como uma ope
ração em Manaus. Na verdade, a primeira emissora de TV da capital do
Amazonas foi uma operação de antena coletiva, criada em 1965 pela fa
mília Hauache, ainda hoje no mercado de radiodifusão local. Em 1965,
contudo, não havia sinal de TV aberta na cidade, e a operação de antena
coletiva distribuía os fracos sinais que podiam ser captados de emisso
ras venezuelanas. Era um serviço que atendia poucos quarteirões e que
durou cerca de cinco anos, quando deu lugar a uma emissora UHF aberta.
Manaus só voltou a ter TV por assinatura por meio de cabos em 2001.

20
Outro relato nos é dado por Rômulo Villar Furtado, secretário geral
do Ministério das Comunicações entre os anos de 1974 e 1985 e secretá
rio adjunto entre 1970 e 1972 (ver Capítulo 4). Ele relembra que, naquela
ocasião, havia uma série de operações de distribuição de sinais de TV
que utilizava redes de cabo, como a de um empresário uruguaio que ofe
recia o serviço a várias cidades do Paraná e Santa Catarina, na década
de 1970.
Qualquer trabalho de resgate da história das primeiras operações de
TV por assinatura do Brasil deve prestar o devido tributo a Daniel Herz,
jornalista, pesquisador e militante da causa da democratização das co-
municações, falecido em 2006. Até hoje, não existe trabalho mais rele
vante de documentação dos primórdios da TV por assinatura no Brasil
que a sua dissertação de mestrado “A Introdução de Novas Tecnologias
de Comunicação no Brasil: tentativas de implantação do serviço de ca-
bodifusão, um estudo de caso”, defendida em 1983 na Universidade de
Brasília, sob a orientação do professor Murilo César Ramos. Herz relata
não só uma fascinante história do embate regulatório para a criação da
chamada “cabodifusão” no Brasil na década de 1970 (assunto que será
tratado mais adiante) como, em um esforço incomum, oferece um vastís
simo acervo com reportagens, atas, documentos oficiais e transcrição de
depoimentos da época. Com base nas pesquisas de Daniel Herz é possível
garantir que, na década de 1970, havia dezenas de operações de sistemas
de CATV com cobertura mais ampla do que apenas um condomínio, tam
bém em cidades de maior porte como São José dos Campos, Santos, São
Bernardo do Campo, Campinas, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Nesse aspecto, até o maior grupo de comunicação do país, já naque
la época, o grupo Globo, estudava a tecnologia, criando em 1971 a TVC
- Televisão por Cabos Ltda, que tinha como objetivo justamente entender
e desenvolver as tecnologias de distribuição de TV por meio de redes de
cabo, um projeto encabeçado pelo coronel Wilson Britto. Ao se desligar
da Globo, em 1978, Britto assumiu o controle da TVC e instalou uma ope
ração piloto na Barra da Tijuca, para um conjunto de 80 prédios e 1.194
apartamentos, conforme declarações dadas na ocasião à revista Veja
(Edição 583, de 7 de novembro de 1979). O conteúdo viria do aluguel de

21
filmes e conteúdos da Globotec (a unidade da emissora que comercializa
va conteúdos da TV em locais onde não era possível a recepção dos sinais
abertos). Segundo relato de Daniel Herz, em seguida à publicação da re-
portagem, ele e mais dois colegas pediram explicações sobre a existência
daquela operação de cabo na Barra da Tijuca ao Dentel, que interpelou o
coronel Wilson Britto. Em resposta, ele alegou tratar-se de “serviço fe
chado” e que não infringia a regulamentação.
Um ano depois, Veja voltou a fazer uma reportagem sobre a experi
ência de cabo do coronel Wilson Britto (Edição 621, de 3 de setembro de
1980) e relatou que a operação estava de fato funcionando no condomí
nio Barramares, na Barra da Tijuca, como oferecia o “Jornal Nacional” no
horário das 10 da noite em um canal específico para programação dife
renciada que exibia também filmes e telejornais gravados das emissoras
comerciais. O custo de instalação daquele sistema no condomínio foi de
6 milhões de cruzeiros (US$ 107 mil, na cotação da época) e o custo men
sal de manutenção do sistema para o condomínio, 80 mil cruzeiros (US$
1,4 mil, à época).
É importante destacar que, naquela ocasião, não parecia haver, por
parte do grupo Globo, ao menos nas manifestações oficiais de seus prin
cipais executivos, nenhum interesse especial no negócio de TV por as-
sinatura. José Bonifácio (Boni) de Oliveira Sobrinho, então superinten
dente de produção e programação da TV Globo, havia declarado à revista
Veja (Edição 523, de 13 se setembro de 1978) que: “as pesquisas mostram
que os usuários de cabo continuam preferindo as estações comerciais”,
ao comentar a expansão da TV a cabo nos EUA. E finalizava: “a Globo não
teme a concorrência dessas inovações. No ano passado (1977), organiza
mos uma empresa paralela para investigar a viabilidade do cabo”. Possi
velmente, Boni se referia à TCV, criada originalmente em 1971, mas que
só passou a desenvolver projetos em 1977.
No ano seguinte, Roberto Irineu Marinho, então diretor da TV Globo
(e atual presidente do grupo) declarava à revista Veja (Edição 583, de 7 de
novembro de 1979): “Preocupamo-nos atualmente em investir na melho
ria do nosso produto. Não podemos fazer tudo ao mesmo tempo”. Essa
mesma reportagem traz uma declaração de Walter Clark, ex-diretor da

22
Globo, sobre o embate entre TV aberta e TV por assinatura: “O espectador
deixará de ser escravo do veículo para participar efetivamente da vida
cultural, porque passará a assinar os canais que lhe convêm”.
Não deixa de ser interessante observar como Veja, revista perten
cente ao grupo Abril, mantinha um tom crítico com relação às emissoras
abertas, notadamente Globo e Tupi, sempre que apresentava as tecno
logias que poderiam vir a competir com a TV comercial. Isso ainda na
década de 1970, muito antes de entrar, efetivamente, no mercado de te
levisão propriamente dito. Mas a rivalidade expressa nas palavras e no
tom utilizados pela revista talvez prenunciasse o que eclodiria no final
dos anos 1980.
Além dessas operações experimentais de antenas comunitárias que
começaram a surgir de maneira mais consistente na década de 1970,
houve também alguns projetos para a exploração acadêmica do serviço
de TV por assinatura. Em 1976, por exemplo, uma pequena operação de
distribuição de sinais de TV foi montada em São José dos Campos.
No Sul do país, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul desen
volveu um projeto em julho de 1974 para criar uma operação piloto de TV
a cabo na cidade gaúcha de Venâncio Aires, onde era precária a recepção
dos sinais das emissoras de TV aberta. A proposta da UFRGS era utili
zar a experiência para desenvolver tecnologia nacional de transmissão
por cabos (o principal fornecedor de CATV atuante no Brasil era a alemã
Bosch), além de análises econômicas e comportamentais referentes ao
serviço, visando, inclusive, subsidiar o trabalho de regulamentação da
TV a cabo que já se desenrolava na ocasião. A iniciativa, contudo, não foi
autorizada pelo Ministério das Comunicações.
O fato é que, sem uma institucionalização da TV por assinatura, es-
pecialmente da TV a cabo, o que havia nos anos 1970 eram operações de
CATV isoladas que cumpriam apenas o papel de distribuir os sinais da
TV aberta onde sua recepção era deficiente. E esse quadro só começaria a
mudar efetivamente no final dos anos 1980.
Naquela época, os embriões do que seria o mercado de TV por assina
tura no Brasil se desenvolviam de maneiras bastante distintas. De um lado,
o mercado de distribuição de CATV continuava avançando isoladamente,

23
com algumas iniciativas que se destacam. Uma delas é a do empresário
argentino Raul Melo Fajardo, que atuava na região de Presidente Pruden
te, interior de São Paulo. Melo, em 1987, foi talvez o primeiro empresário
a desenvolver a tecnologia de CATV já vislumbrando a possibilidade de
explorar o serviço em mais de uma cidade, no modelo de franquias. Ou
tra característica do esforço de Raul Melo é a parceria que se estabelecia
com um fabricante de equipamento, Marcos Huller. Em 20 de junho 1988,
a TVCabo de Presidente Prudente declarava ao “Jornal do Comércio” lo
cal que sua tecnologia estava vendida para 14 cidades de vários estados.
Entre elas, destacava-se uma operação do grupo Machline, controlador
da Sharp, de propriedade de Matias Machline. O empresário, a partir de
1989, desempenharia um papel fundamental no desenvolvimento da TV
por assinatura no Brasil. Segundo o relato do jornal, a operação de CATV
chamava-se TV Linha Direta e atendia o bairro dos Jardins, na cidade de
São Paulo. Não existem outros relatos dessa operação, mas se de fato ela
existiu, talvez tenha sido a primeira experiência de distribuição de sinais
de TV por meio de cabos a uma região da capital paulista.
A operação de Presidente Prudente deu origem a uma série de outras
operações na região. Uma delas foi a da vizinha Santo Anastácio, cidade
também no interior paulista. O pioneiro a explorar o sinal na cidade foi
o padre José Antônio de Lima (hoje Monsenhor), que montou a operação
de cabo local, em junho de 1988, com as antenas e os equipamentos de
transmissão instalados ao lado da Igreja Matriz de Santo Anastácio. O
que difere a operação do padre José Antônio de Lima das demais opera
ções de CATV que foram instaladas antes no Brasil é ter sido a primeira
de que se tem registro a oferecer conteúdo internacional, com a distribui
ção dos sinais da TVE espanhola, dos canais NBC e Bright Star ingleses
e a C-Span norte americana. Eram estes os únicos canais que podiam ser
captados abertamente nos satélites naquela época.
Logo depois que a TV de Santo Anastácio entrou no ar, o Ministério
das Comunicações editou a Portaria 143 de 21 de junho de 1988. Aprimei-
ra norma regulando o mercado de distribuição comunitária de TV (CATV)
permitia a exploração dos serviços, mas exigia a apresentação de um
projeto com a indicação do local de instalação, a autorização das emis

24
soras de TV cujos sinais no satélite seriam retransmitidos, a autorização
da Embratel para que os sinais fossem captados e, mais importante, a
proibição de recepção de sinais por meio de satélites estrangeiros.
Mas a principal norma que daria início ao mercado de TV a cabo no
Brasil só veio no final de 1989, por meio da Portaria 250 de 13 de dezem
bro daquele ano, que criava o chamado DISTV (Serviço de Distribuição
de Sinais de Televisão). A Portaria das DISTVs expandia o conceito da
Portaria 143 para além da distribuição de sinais recebidos por satélite e
permitia a transmissão dos sinais abertos das emissoras de TV em VHF
ou UHF. Além disso, a Portaria 250 flexibilizava a oferta dos serviços em
condomínios fechados, dispensando a autorização do Dentel. A Portaria
250 de 13 de dezembro de 1989 foi, portanto, o primeiro marco legal para
a TV a cabo no Brasil e deu origem à primeira onda de distribuição de
licenças relacionadas ao serviço.
Segundo relato feito a este livro por Rômulo Villar Furtado, ex-secre-
tário geral do Ministério das Comunicações e testemunha ocular e autor
dos principais atos regulatórios nas décadas de 1970 e 1980, desde 1973
havia uma pressão para que se regularizasse a situação das inúmeras
operações de CATV existentes no Brasil. Foi assim na tentativa de criar
um regulamento de TV a cabo nos anos 70, uma lei nos anos 80 e, como
efetivamente acabou acontecendo, com as regulamentações para CATV
expedidas em 1988 e 1989.
As operações de CATV descritas por Rômulo Villar Furtado como o
fator de pressão pela regulamentação dos serviços tiveram também ou
tro papel importante. Elas começaram a disseminar o conceito de TV a
cabo de uma maneira viral, cuja rede de conexões, 20 anos depois, pôde
ser redesenhada com alguma segurança.

SURGE A ABRACOM
Um bom exemplo vem das operações de Raul Melo Fajardo, pioneiro
na exploração de TV a cabo no estado de São Paulo. De um lado, a inicia
tiva de Melo levou à criação da TV Cabo Santo Anastácio, que ganhou
algum destaque na imprensa paulistana em 1988-89. Começou com uma
pequena reportagem no jornal O Estado de S. Paulo em 26 de julho de

25
1988 até ganhar uma grande reportagem de capa do caderno Ilustrada,
da Folha de S. Paulo, em 6 de agosto de 1989, assinada pelo jornalista
Eduardo Duó. Especialmente esta grande reportagem da Folha foi lida
por alguns empresários na época, um deles, Olinto Santanna, na ocasião
executivo do grupo de Matias Machline. Dois anos depois, já em conta-
to com o investidor carioca Antônio Dias Leite, Olinto usou a memória
daquela informação relatada pela Folha para ir atrás de operadores de
CATV espalhados pelo interior paulista, dando origem ao que seria a
operadora Multicanal. A reportagem do jornal dava um grande destaque
para a experiência de Santo Anastácio, mas o que mais chamou a aten
ção dos empresários na ocasião foi a declaração de Raul Melo ao jornal
informando que ao final daquele ano mais de 300 cidades estariam em
operação. O número profetizado pelo empresário argentino nunca se tor
nou realidade. Nem hoje, 20 anos depois, existem tantas operações de TV
a cabo no país.
No entanto, a intenção era justamente fazer barulho. Melo, junta
mente com um grupo de empresários, havia acabado de criar a Abracom
(Associação Brasileira de Antenas Comunitárias), que viria a se tornar a
Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) alguns anos depois.
Na ata de criação da Abracom, de 28 de julho de 1989, estão descritos
os objetivos da entidade naquela ocasião: desenvolver, implementar e
defender a atividade de instalação e operação de antenas comunitárias;
congregar as empresas do setor; colaborar com o Poder Público; promo
ver estudos sobre o mercado; investir na divulgação da atividade; patro
cinar treinamento e aperfeiçoamento de pessoal técnico... Enfim, a as-
sociação, naquele momento, dava um peso institucional para um setor
que até então existia em iniciativas quase informais e desorganizadas
de empresários locais.
Boa parte desses empresários assinou a ata de fundação da Abracom,
de modo que por aí é possível fazer um raio-X do que efetivamente existia
de operadores de CATV no Brasil naquele momento. O primeiro presidente
eleito da associação foi Hélio Estrella, advogado carioca, mas residente
em São Paulo. Raul Melo, de Presidente Prudente, e o padre José Antônio
de Lima, de Santo Anastácio, também aparecem como fundadores da asso

26
ciação. Da mesma forma estão Nelson Soares do Nascimento e Jofre Lei
te Brun, de Campo Grande/MS, outra cidade que já em 1989 tinha uma
operação de distribuição de sinais de TV por meio de cabos. E ainda o en-
genheiro Luciano Molteni, de Joinvile/SC; o economista Otto Nogami e o
administrador Eli dos Santos, de São Paulo; Alberto Labadessa, médico de
São Carlos/SP; Antônio Mazzucatto, administrador residente na cidade de
Franca/SP; Benedito Antônio Silva, industrial de Umuarama/PR; Coreola-
no Meirelles, engenheiro de São Carlos/SP; Yassuo Kitayama, farmacêu
tico de Presidente Venceslau/SP. Esses são os fundadores da Abracom e
estavam, portanto, envolvidos com uma indústria que começava a nascer.
Os relatos de imprensa da época são que 36 empresários estavam, naquele
momento, envolvidos com projetos de TV a cabo. Havia um projeto para a
implantação de operações no Condomínio de Tamboré (Grande São Paulo),
Araguari/MG, Tietê/SP, Santos/SP e Blumenau/SC, todas com inaugura
ção prevista para 1989. Antes disso, em 1986, uma operação experimental
de distribuição de sinais de TV no Condomínio Pró-Vida, de Sorocaba/SP,
também serviu de laboratório, com a presença de algumas pessoas que vi
riam a participar da indústria do cabo mais adiante.
Raul Melo tinha também uma pequena operação de cabo na cidade
de Londrina/PR. Nessa cidade, possivelmente no ano de 1990, houve uma
exposição agropecuária cujo organizador era Dante Quinterno, empresá
rio argentino que, dez anos antes, esteve envolvido com a instalação das
primeiras operações de cabo em Buenos Aires. Ele ficou hospedado em
um hotel de Londrina onde o serviço era oferecido, e isso chamou a sua
atenção, pois até então desconhecia a existência de TV a cabo no Bra
sil. Quinterno tornou-se personagem importante no começo da TV por
assinatura no país e pode ser apontado como um dos responsáveis pela
aproximação entre os pequenos operadores que existiam na ocasião e
os grandes grupos investidores e as empresas de mídia brasileiras e ar-
gentinas que exploraram o mercado nos anos seguintes. Ele é filho do
famoso cartunista e editor argentino Dante Quinterno, e por isso mesmo,
segundo seu próprio relato a este livro, sua família tinha contato com os
grupos de comunicação brasileiros (notadamente Abril e RBS) e argenti
nos (os grupos Clarin e Telefé). A família Quinterno tem mais um Dante,

27
filho do empresário e neto do cartunista, que hoje é o responsável pela
operação de TV a cabo na favela da Rocinha, no Rio.
Mas os focos de proliferação da TV por assinatura no Brasil não es-
tavam restritos aos associados da Abracom. No Sul do país, outro em
presário, Aloísio Nestor Knob, começava a prospectar o mercado, e já em
1988 espalhava a oportunidade entre empresários da região, incluindo a
família Sirotsky (proprietária da RBS). As operações no Sul começaram
a sair do papel apenas em 1990.
A RBS tampouco estava parada, e um dos seus executivos, Walmor
Bergesch, havia sido incumbido, desde 1983, de pesquisar o mercado de
TV por assinatura dos EUA como um possível novo negócio a ser explo
rado pelo grupo.
No Nordeste e no Centro-Oeste, o mercado começou a se desenvol
ver de maneira inusitada com o cearense Anselmo Mororó. Ao estudar
marketing nos EUA no começo dos anos 1980, Mororó teve contato com
o conceito de TV por assinatura em geral e com o conceito de MDS (Mul-
tipoint Distribution Service), para a distribuição de sinais de TV utili
zando a faixa do SHF (Super High Frequency), localizada no espectro
radioelétrico de 2,5 GHz. No Brasil, a faixa era utilizada pelo Serviço de
Televisão em Circuito Fechado com a Utilização de Radioenlace, definido
pela Portaria 86 de 7 de abril de 1986. Ao retornar ao Brasil, sentindo
falta de diversidade na programação, Mororó começou, de maneira ama
dora, a transmitir filmes em circuito fechado de TV para amigos a partir
de um videocassete. Aidéia ganhou corpo à medida em que mais pessoas
pediam para receber o sinal; por fim ele decidiu transformar a iniciativa
em um projeto empresarial.
Pela primeira vez, alguém no Brasil cogitava utilizar a faixa de SHF
para distribuir sinais de TV por assinatura. Até então a faixa era destina
da apenas a transmissões ponto-a-ponto ou pela TV Jóquei, que em 1986
começou a utilizá-la para transmitir sinais do Jóquei Clube de São Paulo
e do Rio para a casa de apostas, na modalidade de TV executiva.
Anselmo Mororó procurou o ex-senador cearense José Lins (senador
entre os anos de 1979 e 1987) para ter acesso ao Ministério das Comu
nicações e buscar uma licença para operar o MDS naquela faixa. Nessa

28
ocasião, José Lins chamou a atenção de um dos seus filhos, Carlos André
Lins de Albuquerque, para aquela oportunidade. Assim como Mororó, ele
também apresentou um projeto técnico ao Ministério para ter direito de
uso do espectro, isso por volta de julho de 1989. Em setembro saíram as
autorizações. Com isso, Anselmo Mororó pôde criar a TV Show em 1991,
na cidade de Fortaleza, e a família Lins de Albuquerque iniciou a TV Fil
me no começo de 1990, em Brasília.
Apenas depois de liberada a licença de um único canal na faixa de SHF
(Super High Frequency), em 2,5 GHz, a família Lins de Albuquerque come
çou a pensar em como transformar o projeto em negócio. O capital original
foi um carro Parati vendido por Carlos André. A ideia: fazer uma TV para
exibir filmes, daí o nome original, TV Filme. Com um pequeno transmissor
e um tocador de fitas de vídeo magnéticas U-Matic, a TV Filme procurou
a distribuidora da Viacom, no Rio, e acertou um acordo para exibir 20 tí
tulos por mês entre uma lista de 1 mil títulos antigos que estavam no ar-
quivo morto da distribuidora. Aquela operação, quase amadora, perdurou
por um ano, com os dois irmãos, Carlos André e Hermano Lins de Albu
querque, revezando-se entre as funções de trocar as fitas de vídeo, fazer
as vendas e a instalação. Por fim, em 1990, a pequena operação começou
a distribuir os sinais da CNN recebidos do satélite. Foi o suficiente para
que a demanda pelos serviços aumentasse, sobretudo por encomendas das
embaixadas localizadas na Capital Federal. Demanda que logo se mostrou
muito superior à capacidade de instalação da empresa. A fila aumentava.
A situação ficou caótica a partir de agosto de 1990, com o a invasão
do Kuwait pelo Iraque, e mais ainda a partir de 17 de janeiro de 1991, com
o ataque norte-americano ao território iraquiano. Aquela era a guerra
da CNN, única emissora a ter correspondente e transmissão ao vivo na
capital iraquiana na noite da invasão. Imediatamente, as demandas da
TV Filme explodiram, com pedidos inclusive da Presidência da Repúbli
ca, que precisava do sinal nos gabinetes do presidente Collor. Sem ca-
pacidade para atender aos pedidos pela burocracia na importação dos
equipamentos necessários, a TV Filme ganhou uma ajuda do governo,
que determinou então à Receita Federal a agilização do processo de de
sembaraço dos equipamentos.

29
Foi o impulso que a TV Filme precisava. Em janeiro de 1991, a CNN
fechou o sinal aberto no satélite, o que tornou a relação entre ela e a ope
radora efetivamente comercial. Por outro lado, a partir daí a operadora
já tinha receita e massa crítica de assinantes para investir na expansão
do serviço, e aos poucos, com a ajuda do Ministério das Comunicações, o
número de canais disponíveis aumentou, permitindo a oferta de outros
conteúdos pagos, como a ESPN. Na época, o serviço custava em torno
de US$ 40 por mês e a instalação, US$ 400. Com o negócio em plena ex
pansão no final de 1991, a TV Filme precisava de investimentos, e nesse
momento a sua história se cruza com a do grupo Abril, como se verá nos
próximos capítulos.
O desenvolvimento da TV por assinatura no Brasil aconteceu em di
ferentes locais paralelamente, e uma das histórias centrais envolve o gru
po Abril, da família Civita, que desde a década de 1970 buscava uma saída
para o mercado de televisão. Em 1982, quando a Abril viu frustrada a sua
tentativa de conseguir as outorgas da extinta TV Tupi, houve uma decisão
estratégica de seu fundador, Victor Civita, e de seu filho e principal execu
tivo do grupo, Roberto Civita, de buscar alternativas para o que se chama
va de “nova TV”. Note-se que desde o final da década de 1970, como atestam
reportagens de Veja, o grupo Abril via a evolução das tecnologias de home-
video e TV por assinatura como uma alternativa ao modelo da TV aberta.
Por volta de 1982, o executivo Roger Karman é destacado para bus
car alternativas de negócios para o grupo na área de TV e logo se depara
com duas possibilidades. Um modelo era o da TV segmentada, nos mol
des da MTV, que havia estreado nos EUA em 1981 como um canal pago
distribuído por operadoras de cabo. Segundo relato de Karman a este
livro, quem apresentou esse conceito ao grupo Abril, na ocasião, foi o
hoje cineasta Walter Salles Jr. Posteriormente, houve conversas com a
Viacom, proprietária da marca, mas ainda sem a intenção de concretizar
qualquer tipo de parceria.
O outro modelo era o da TV a cabo, ainda que a Abril, na ocasião,
achasse que o modelo enfrentaria a resistência da Telebrás. Por isso, o
grupo começou a acreditar que uma alternativa seria o do Canal + fran
cês, que em 1984 tinha iniciado suas operações como canal pago, utili

30
zando um único canal de UHF, com conteúdos esportivos e filmes. A es-
tratégia era fazer, no Brasil, algo completamente diferente do que fazia
a TV Globo.
O grupo Abril tentou então explicar ao governo que esse seria seu mo
delo. Antes disso, a Abril chegou a desenvolver a produção de alguns pro
gramas com espaço alugado na TV Bandeirantes e TV Gazeta, com algum
sucesso, dando origem à Abril Vídeo, dedicada ao mercado de homevideo.
Finalmente, em 1985, conseguiu um canal UHF em São Paulo (ca
nal 32). Foi a primeira outorga desse tipo na cidade. Nos anos seguintes
houve mais uma leva de concessões de UHF, para o grupo Joven Pan, para
a Luqui Produções (do empresário Luciano do Valle) e Diário do Grande
ABC, em Santo André.
No entanto, a intenção da Abril de cobrar pela programação se viu
frustrada após uma análise mais cuidadosa do governo sobre a legisla
ção de radiodifusão. Constatado o erro estratégico, o ministro das Comu
nicações, na ocasião Antônio Carlos Magalhães, deu ao grupo a opção de
devolver o canal ou, alternativamente, mantê-lo e aguardar a elaboração
de um regulamento que permitisse o modelo de TV paga. A Abril optou
pelo segundo caminho.

TV PAGA EM SÃO PAULO


Durante dois anos, o Ministério trabalhou em uma alternativa regu-
latória em conjunto com a Abril para resolver o impasse. Essa alternativa
surgiu em 23 de fevereiro de 1988 com a edição do Decreto 95.744, que
cria o Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA). Era um serviço
que permitia à Abril fazer exatamente o que o Canal + francês fazia: a
transmissão de TV paga com possibilidade de transmissão aberta, não
codificada, em parte do tempo. A frequência utilizada era a de UHF.
O que a Abril não sabia é que ela não era a única que trabalhava no
desenvolvimento de uma licença que permitisse introduzir a TV por as-
sinatura no Brasil. Ao mesmo tempo em que o Ministério das Comunica
ções trabalhava no projeto, Álvaro Pacheco, amigo pessoal do presidente
José Sarney e que depois viria a se tornar senador, assumindo como su
plente de Hugo Napoleão, também trabalhava no mesmo sentido. Pache

31
co foi dos primeiros a ganhar a outorga no Rio de Janeiro, juntamente
com a família Marinho e com o empresário local Paulo César Areas Fer
reira, também na capital fluminense. A RBS ganhou a sua em Porto Ale
gre e Leonardo Petrelli, em Curitiba. Passaram-se alguns meses até que
a licença de UHF da Abril fosse publicada na cidade de São Paulo, tempo
suficiente para que o grupo da família Civita acertasse com Pacheco um
acordo verbal de compra da licença do Rio, caso fosse necessário.
Logo em seguida, a família Civita conseguiria a tão sonhada autori
zação para fazer transmissões de TV por assinatura no canal 24 de UHF
em São Paulo, mas para a frustração completa dos planos do grupo, o mes
mo tipo de autorização foi dado para mais três grupos, incluindo a maior
rival, a Globo, que ficou com o canal 19.
Os outros dois grupos que receberam licenças do Serviço Especial
de TV por Assinatura foram a Pira Som & Imagem, dos irmãos Walter
e Lauro Fontoura (que ficou com o canal 50 e havia recebido a outorga
um pouco antes da Abril); e o empresário André Dreyfuss, que naquele
momento estava envolvido no lançamento de uma operação de telefones
móveis para veículos (na época o serviço se chamava “trunking”), em São
Paulo. Dreyfuss ficou com o canal 29.
Decepcionada e apreensiva, a Abril mudou a sua estratégia e in
tensificou as conversas com a MTV norte-americana. Decepcionada
porque imaginava que, depois de tanto trabalho auxiliando o governo
a criar um conceito regulatório para a TV por assinatura, a Abril teria
a primazia de operar o serviço. E apreensiva porque via a Globo como
concorrente e temia que a outorga dada a Lauro Fontoura fosse, na ver
dade, mais uma licença para a Globo, de forma disfarçada (Walter Fon
toura, irmão de Lauro, era funcionário do grupo Globo). A Abril decide
então que lançaria a MTV no Brasil como um canal segmentado, mas
aberto, aproveitando o canal 32 conquistado em 1985 e o crescimento
do mercado de televisores com capacidade de recepção dos sinais UHF,
até então utilizados apenas por retransmissoras e repetidoras de TV
em cidades interioranas.
Como nunca havia sido feita nenhuma transmissão de TV de for
ma codificada no Brasil, os grupos que receberam as licenças de TVA,

32
provocadas pela Abril, iniciam discussões sobre o desenvolvimento e
uso de um decodificador único, de modo a criar um padrão para os teles
pectadores e reduzir custos e investimentos no desenvolvimento de tec
nologias. Mas André Dreyfuss decidiu ficar fora da discussão, e seguiu
caminho próprio.
Na verdade, Dreyfuss já havia se antecipado e preparava o lança
mento do mesmo modelo do Canal + francês que a Abril pretendia trazer
para o Brasil. Não só a inspiração era clara, como Dreyfuss também havia
registrado a marca do Canal + e o mesmo logotipo utilizado pela empre
sa francesa. Dreyfuss já tinha buscado investimentos e tecnologia para
iniciar os serviços. Entre os sócios estavam Ariovaldo Mônaco, Roberto
Carneiro Peixoto e a economista Zélia Cardoso de Melo.
Segundo relatos de pessoas que na época participaram da operação
de Dreyfuss, seu contato com TV por assinatura começou nos EUA, onde a
família de sua mulher tinha uma operação de MDS. O empresário resolveu
trazer o conceito para o Brasil, e para isso se valeu de uma relação de ami
zade com Matias Machline, dono da Sharp, que gozava de acesso e proxi
midade ao então presidente da República, José Sarney. Machiline, segundo
relatos da época, investiu inicialmente cerca de US$ 2 milhões no projeto
de Dreyfuss, com a condição de que permanecesse anônimo na sociedade.
A operação foi lançada oficialmente em 29 de março de 1989, utili
zando tecnologia de decodificadores trazida dos EUA (as primeiras cai
xas usadas eram da Zenith, que Dreyfuss representava com exclusividade
no Brasil) e distribuindo programação disponível no satélite PanAmSat,
o primeiro satélite estrangeiro a ter “landing rights” (ou seja, direito de
transmitir sinais e ser captado) no Brasil. A torre de transmissão ficava
no prédio da Sharp, na Avenida Paulista. A programação inicial incluía
apenas 16 horas diárias de retransmissão do canal ESPN, disponível no
PanAmSat. O serviço custava cerca de US$ 13 por mês, mais US$ 500 de
instalação. O plano de Dreyfuss era, aos poucos, introduzir outras pro
gramações, o que passaria pela sua capacidade de conseguir, junto ao
governo, mais canais.
Cercado de mistérios desde o seu lançamento, o Canal+ foi a primei
ra operação de TV por assinatura concebida como tal no Brasil. Trouxe

33
algumas inovações técnicas, como som estéreo, tecla SAP, transmissões
codificadas e a possibilidade de se assistir a todos os canais utilizando
um mesmo decodificador. Mas sua grande contribuição foi lançar o con
ceito de venda de programação na maior cidade brasileira.
No entanto, como qualquer grupo pioneiro, o Canal + viveu as agru
ras de começar a vender um serviço novo sem capacidade de instalação
e muito menos know-how para resolver os inúmeros problemas que viria
a enfrentar: problemas típicos de operações de TV paga, como a falta de
equipamentos, dificuldades de acesso a condomínios, e também proble
mas inusitados como a perda do sinal apenas na hora do almoço. Todos
os dias, por volta do meio-dia, o sinal do Canal + sofria uma brutal interfe
rência, cuja origem demorou a ser descoberta: era o forno de microondas
industrial da cozinha do Hotel Maksoud Plaza, que ficava a poucos me
tros da antena de transmissão. O cozinheiro operava o forno com a porta
aberta, permitindo que a irradiação do equipamento, de 600 Watts de
potência, vazasse para a vizinhança. As faixas de microondas dos fornos
eram as mesmas faixas de microondas utilizadas no serviço, já que o Ca
nal + se tornara um operador do que hoje se chama de MMDS (Multipoint
Multichannel Distribution Service) em 22 de janeiro de 1990, ao receber
três novos canais. Na época, essa frequência era chamada de SHF (Super
High Frequency). Eram, na verdade, licenças de um certo Serviço de Cir
cuito Fechado de Televisão com Utilização de Radioenlace, uma espécie
de serviço destinado a links de televisão regulamentados pela Portaria
86 de 7 de abril de 1986 editada pelo Ministério das Comunicações.
Com os novos canais, o Canal + passou a transmitir a CNN, a RAI
italiana e um canal de videoclipes, batizado de TVM. Dreyfuss também se
expandia territorialmente, conseguindo as licenças de SHF no Rio de Ja
neiro, Curitiba e Porto Alegre, chegando a 22 mil assinantes em novembro
de 1990, segundo dados declarados por ele em reportagens da época. Em
novembro daquele ano, André Dreyfuss vendeu sua parte na sociedade
para Matias Machline, que imediatamente acertou, por US$ 20 milhões,
a entrada do grupo Abril na empresa. Parecia um bom negócio, pois até
ali o Canal + já tinha custado cerca de US$ 10 milhões em investimentos.
Como se verá no próximo capítulo, mais do que uma simples parceria, a

34
sociedade entre Abril e Machiline marcava uma tentativa agressiva de
tomar o mercado de TV por assinatura, antes que a Globo o fizesse.
AAbril, no dia 20 de outubro de 1990, tinha finalmente colocado no
ar a MTV, no modelo de emissora aberta e segmentada. Foi uma iniciativa
inédita e marcou a entrada do grupo em uma operação de TV, um projeto
que vinha desde os anos 1970. Mas a sociedade com Machline indicava
que a Abril ainda não desistira da idéia de fazer TV por assinatura.
Dreyfuss, por sua vez, saiu da empresa, mas obteve com outros só
cios uma licença de DISTVna cidade de São Paulo, que depois foi vendida
para a Multicanal por US$ 300 mil. Ainda hoje há controvérsia sobre o
pagamento da parte dos sócios de Dreyfuss nessa licença.
Ao longo de 1989, a dinâmica do mercado de TV por assinatura no
Brasil começou a mudar radicalmente. Na cidade de São Paulo, a batalha
estava centrada no UHF aberto e nas licenças de um serviço especial de
TV por Assinatura. A Pira Som & Imagem planejava o lançamento de um
canal pago elitista, por meio do UHF 50, para assinantes de classe A, e
chegou a batizar o serviço de TV Alpha, que nunca entrou no ar. Também
apostando em programação aberta, mas segmentada, entrou no ar a TV
Jovem Pan, focada em jornalismo e esportes. A Globo apenas estudava
tecnicamente a questão, mas nunca chegou a falar abertamente sobre
seus planos.
No restante do Brasil, o jogo da TV paga começou a se definir com a
Portaria 250 de 13 de dezembro de 1989, que criou a figura das DISTVs.
Mas as licenças de DISTVs começaram a sair efetivamente no governo
Fernando Collor, mais precisamente em novembro de 1990. Foi uma en
xurrada de autorizações, o que estabeleceu o início, não só de diversas
operadoras de cabo, como também de uma intensa fase de compra e ven
da de licenças por parte de aventureiros.
Entre novembro de 1990 e junho de 1991 foram distribuídas 97 li
cenças de DISTVs, que somadas a mais quatro autorizações de Serviços
de Antenas Comunitárias existentes com base na Portaria 143 de 1988,
totalizavam 101 licenças, que rapidamente se tornaram importante moe
da de negociação, ainda sem referências claras de valores ou do poten
cial daquele serviço. Alguns empresários optavam por montar o serviço

35
de antenas comunitárias. Outros simplesmente não sabiam o que fazer
com aquilo, que muitas vezes era confundido como uma licença para se
fazer televisão.
As licenças de DISTV estavam espalhadas por 69 cidades. Em ape
nas dez capitais, havia a previsão para 26 operadores, o que mostrava a
preocupação dos interessados por mercados mais atraentes. Dos grandes
grupos de comunicação, apenas a RBS apressou-se em pedir licenças, e
conseguiu 16 no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No Rio Grande do
Sul, Nestor Knob também se tornou o licenciado de DISTV em nove mu
nicípios, sendo que a primeira a entrar em operação foi a de Capão Novo,
em 1990. Na ocasião, além dessas, Knob acertou sociedade com a família
de Paulo Cezar Martins para iniciar a operação na cidade de Pelotas. As
operações eram todas simples, baseadas nos canais disponíveis de for
ma aberta no satélite (CNN, ESPN e C-Span), mais os canais abertos das
emissoras de TV locais.
Martins relata que as primeiras importações de equipamentos eram
extremamente complicadas porque não havia sequer conhecimento por
parte dos técnicos da Receita Federal para autorizar a entrada, o que exi
gia um trabalho adicional de tradução dos manuais. Outro modelo de ope
rações praticado no Sul do país, descreve Paulo Martins, era a pré-venda.
Com o dinheiro dos assinantes financiava-se a compra de equipamentos
e a expansão das redes. Era uma época em que a operação de uma rede de
cabos se apresentava como relativamente rentável, pois a programação
era gratuita no satélite e a tributação, ineficiente.
No Estado de São Paulo, o empresário Bayard Umbuzeiro Filho, resi
dente em Santos, foi quem mais conseguiu, junto ao governo, licenças de
DISTVs. Além da licença para a sua cidade, Umbuzeiro conseguiu mais
sete outorgas no estado. Na região de Barueri/SP (Condomínio Alphavil-
le), quem começou a explorar o mercado foi o empresário e diretor do SBT
Guilherme Stoliar, em 1991, em uma operação que se caracterizaria por
ser uma das únicas com programação dos grupos Globo e Abril nos anos
seguintes, e também por ser uma das assinaturas mais caras, por volta
de US$ 40 por mês e R$ 580 de instalação. Na cidade de São Paulo havia
quatro licenças: uma concedida a uma família de coreanos para o bairro

36
do Paraíso; outra que foi conseguida por André Dreyfuss; outra, pelo ar-
gentino Dante Quinterno; e a do empresário José Eduardo Nicolau.
A empresa Canal Zero Vídeo e Antenas Comunitárias, criada em
maio de 1990, foi responsável pela operação de Goiânia/GO. Outra ope
ração que logo após a licença de DISTV entrou em funcionamento comer
cial foi a de Campo Grande/MS. Cidades como Ribeirão Preto e Franca,
no interior de São Paulo, e as capitais Belo Horizonte e Curitiba também
começaram a operar suas DISTVs no início de 1991, logo após serem au
torizadas. As operações de Curitiba e Belo Horizonte, até onde se tem
registro documental, foram as primeiras a ter o conteúdo do canal TNT,
o segundo trazido pela Turner para o Brasil, depois da CNN. No Rio de
Janeiro havia duas operações: uma na Barra da Tijuca, controlada pelo
empresário Paulo César Areas Ferreira, e outra em Jacarepaguá, que logo
foi adquirida por Quinterno.
Aqueles meses entre julho de 1989 e novembro de 1990 foram fun
damentais para a história da TV por assinatura no Brasil. Não só pela
criação da Abracom, representando os operadores de antenas comunitá
rias, mas pela edição da Portaria 250/89 criando as DISTVs e pelo início
da primeira operação de TV paga no Estado de São Paulo. Mas um fato
determinante para a história do setor foi a decisão estratégica das duas
famílias mais importantes na mídia brasileira. Naquela ocasião, os Civi-
ta e os Marinho tomariam rumos opostos na TV paga, marcando o futuro
da TV por assinatura no Brasil pelos próximos anos.

37
CAPÍTULO 2

Abril e Globo
chegam ao mercado
Desde que o governo outorgou licenças do serviço especial de TV
por assinatura em UHF (TVAs) à Globo e à Abril, após a edição do Decreto
95.744 de 23 de fevereiro de 1988, já se podia dizer que os dois maiores
grupos de comunicação do Brasil estavam com os pés no mercado de TV
por assinatura. Havia, por parte da Abril, uma estratégia que já se conso
lidava há alguns anos e que era uma clara tentativa de ocupar um espaço
que ela nunca tivera na TV aberta brasileira. Acreditava quem a TV paga
viraria o jogo a seu favor.
A estratégia do grupo Globo para o mercado de TV por assinatura era
um pouco menos objetiva, contudo. Na verdade, ela surgiu casualmente.
Começou em um encontro de cortesia entre o então vice-presidente do
grupo Globo, Roberto Irineu Marinho, em 1990, e o recém-empossado mi
nistro de Infra-Estrutura, Ozires Silva, que tinha sob a tutela de sua pas
ta a Secretaria Nacional de Comunicações, responsável pelo mercado de
radiodifusão. Na conversa, conforme descreve Roberto Irineu Marinho
a este livro, Ozires sugeriu que se criasse uma rede de distribuição dos
diversos conteúdos de caráter educativo que eram produzidos no Brasil,
incluindo os da Fundação Roberto Marinho, da Fundação Padre Anchie
ta, em São Paulo, do Ministério da Educação, entre outros.
Roberto Irineu, empolgado com a ideia, avisou o ministro que le
varia um projeto ao governo já no dia seguinte, e logo cogitou em fa
zer a distribuição daqueles canais por meio de uma infraestrutura de
satélites, usando a banda C. E lembra que a proposta original não era
exatamente um projeto de TV por assinatura, mas de distribuição de

38
canais especializados em educação por meio de parabólicas. O projeto
foi entregue como combinado, mas acabou sendo recusado pelo gover
no, que optou por seguir outros planos para a distribuição de seus con
teúdos educativos.
Com aquela ideia preparada, a Globo decide então tranformar o con
ceito da distribuição via satélite em um projeto comercial de distribui
ção de canais por assinatura, e concebe a estrutura de quatro canais vol
tados a esportes, filmes, shows e notícias, mas ainda sem detalhes e sem
os nomes. Nascia ali o conceito da Globosat. Roberto Marinho e Roberto
Irineu avaliaram que haveria espaço para um projeto de TV por assina
tura, mas ainda sem nenhuma ideia precisa de custos ou de como seria
a operação daquela nova área. Roberto Marinho convidou então para se-
rem seus sócios no projeto Joe Wallach, ex-diretor da Globo na década de
1960 e especialista em finanças e na administração da empresa, que por
ser norte-americano, tinha mais familiaridade com o modelo de TV paga
praticado por lá. Convidou também José Bonifácio de Oliveira Sobrinho,
o Boni, para participar da empresa.
“Hoje eu posso dizer que o verdadeiro pai da Globosat chama-se
Ozires Silva”, diz Roberto Irineu Marinho. Ele detalha um pouco mais a
estratégia original da empresa no último capítulo deste livro. Wallach e
Boni iriam, então, detalhar o projeto econômico e a proposta dos canais,
e conduziriam o projeto dali em diante.
Já a Abril acreditava em um sistema de transmissão por UHF e SHF,
inspirado ainda no modelo francês do Canal + e introduzido no país na
experiência de Matias Machline. Mas nenhum dos dois grupos via o cabo
como uma opção, e cada um seguiu o seu caminho.
Do lado da Abril, uma decisão importante foi a de abandonar o pro
jeto de um único canal e começar a pensar em uma TV por assinatura
mais diversificada, com múltiplos canais, até porque a Abril intuía que
era dessa forma que a Globo entraria no mercado. O grupo dos Civita já ti
nha a licença de TV por assinatura em UHF em São Paulo e acompanhava
a estratégia de Matias Machline com o Canal +, que àquela altura tinha
quatro canais com programação diferenciada: CNN, ESPN, um canal de
filmes e com conteúdo da RAI e um de videoclipes, o TVM, criado especi

39
ficamente para incomodar e ao mesmo tempo chamar a atenção da Abril,
que preparava o seu MTV.
Paralelamente, Machline expandia as operações do Canal + para o
Rio de Janeiro. Era exatamente o plano que a Abril ambicionava para si.
Parecia natural que fosse esse o caminho, e havia pressa. O receio de que
a Globo entrasse antes no mercado de TV por assinatura fez com que as
conversas entre a Abril e o Canal + ganhassem corpo e evoluíssem.
Em novembro de 1990 um acordo entre Abril e Machline foi fechado,
com a tumultuada saída de André Dreyfuss da sociedade do Canal +. Co
meçou então uma corrida contra o tempo para ver qual seria o primeiro
dos dois grupos a lançar a TV paga no Brasil. A Abril tinha a vantagem
de já contar com cerca de 17 mil assinantes comprados do Canal +, os
três canais de SHF e a licença e o canal de TV por assinatura em UHF
de Machline em São Paulo e no Rio. Contava também com uma pequena
experiência que o grupo Machline havia adquirido com os 20 meses de
operação do Canal + e com a rede de revendas da Sharp, que poderia ser
usada para comercializar o serviço de TV. A agressividade da Abril na
ocasião se explicitava no investimento feito para a associação com Ma
chline: US$ 20 milhões, quase a metade do que o grupo da família Civita
pretendia investir nos meses seguintes.
Os relatos de quem viveu essa época apontam para um elevado grau
de desinformação sobre qual seria a estratégia da Globo para TV paga e
qual seria o tamanho de seu poderio. Imaginava-se, dentro da Abril, que
houvesse uma operação sendo montada com tudo o que a Globo pudesse
oferecer, desde estrutura de produção até material de acervo e know-how
técnico. Talvez contribuísse para isso saber que do outro lado estavam,
como sócios no negócio, Joe Wallach, qualificado como um dos executi
vos que havia ajudado a formar a Globo em seus primeiros anos e que
depois, de volta aos EUA, ajudou a montar a Telemundo; e José Bonifácio
de Oliveira Sobrinho, o Boni, naquela ocasião nada menos do que o vice-
presidente de operações e o principal homem da TV. Segundo relato de
Joe Wallach a este livro, contudo, tudo acontecia em sentido completa
mente inverso. A Globo, ao ver a Abril montando sua estratégia para TV
por assinatura, decidiu reagir. A diferença é que ela acreditava, naquele

40
momento, que o satélite seria a melhor opção de distribuição, pela cober
tura nacional e porque permitia chegar mais rapidamente ao assinante.
O modelo que a Abril desenhou era baseado na marca TVAe em con
teúdos diferenciados, sobretudo filmes, muitos filmes. Em entrevista ao
jornal Meio & Mensagem de 15 de julho de 1991, Roberto Civita, presiden
te do grupo Abril, deixava claro que a sua estratégia era oferecer diversi
dade de programação.

No mundo desenvolvido, o telespectador tem acesso a trinta, cinquen


ta, setenta canais diferentes em qualquer momento. Aqui, até agora, ele
está limitado a um punhado de canais e é evidente que a próxima coisa que
vai acontecer é que nós vamos ter uma multiplicação de escolha e o início
de todo o mesmo processo de segmentação de novo. Dentro de dez, ou tal
vez cinco anos, o telespectador brasileiro já terá de vinte a trinta escolhas
em vez de seis ou sete.

Roberto Civita orgulhava-se de o grupo Abril estar, naquele mo


mento, assumindo uma posição pioneira na segmentação da TV bra
sileira. Mas a verdade é que, com tecnologias diferentes, Globo e Abril
seguiam um caminho parecido, e isso ficou claro no dia 9 de junho de
1991. Nesse dia, a TVA colocou no ar, em caráter experimental e de for
ma aberta para todos os espectadores com receptor de UHF na cidade
de São Paulo o canal 24, que continha uma combinação dos programas
que seriam veiculados nos cinco canais da operadora quando estreas
sem comercialmente, alguns meses depois. A operadora do grupo Abril
havia, finalmente, conseguido estrear seu serviço de TV por assinatu
ra antes da Globo.
Mas no mesmo dia a Globo respondeu com a primeira publicidade
de seu serviço Globosat de TV por assinatura por satélite. Era uma publi
cidade para minar a estratégia da adversária: “Globosat. Não assine nada
antes de ver”, em que a operadora do grupo Globo anunciava sua opera
ção via satélite que estava porvir, com quatro canais exclusivos.
Os planos da Globosat começaram a ganhar corpo em 1990, quando
a família Marinho, Boni e Joe Wallach acertaram a sociedade no novo

41
negócio, ficando a distribuição das ações na forma de 60% aos Marinho
e 20% para cada um dos dois sócios na nova empresa (Horizonte Co
municações). Era um projeto relativamente modesto. Acreditava-se, em
princípio, que com US$ 10 milhões de investimentos e a tecnologia de
distribuição de sinais por satélites em banda C seria possível angariar a
audiência que naquele momento não se interessava pela TV Globo, conta
Joe Wallach. Em março de 1991 a Globo consultava a Secretaria Nacional
de Comunicações sobre a legalidade do projeto e recebia o sinal verde, e
em abril de 1991 fechava a contratação do satélite que serviria ao serviço,
com dois transponders, no Brasilsat. Outros grupos, entre eles a Abril,
também correram para a Embratel na tentativa de assegurar espaço na
limitada capacidade do satélite, para, oportunamente, fazer a distribui
ção nacional de seus sinais.
O grupo Abril já vislumbrava a possibilidade de expandir a atuação
da TVApara outras cidades quando fechou o acordo com Matias Machli-
ne para comprar o Canal +, mas a expansão do grupo no mercado de TV
paga veio antes mesmo de a TVA entrar no ar. E veio por onde menos se
esperava: pela programação. No começo de 1991, a MTV, no ar há pouco
mais de seis meses, celebrou o seu primeiro contrato de venda de pro
gramação para a TV Cabo Caratinga, uma pequena DISTV do empresário
Alberto Umhof que estava em funcionamento desde 1990. Naquele mo
mento a MTV criava a sua diretoria de expansão sob a responsabilidade
de Neusa Risette, assistente de Roger Karman no grupo Abril desde a
primeira metade dos anos 1980.

OS PRIMEIROS CONCEITOS
A TVA montou sua estratégia para enfrentar a Globosat em cima
dos direitos exclusivos de retransmissão integral da rede de notícias
CNN e do canal de esportes ESPN. As demais emissoras só podiam
transmitir parte da programação destas duas redes internacionais. A
CNN, naquele momento, era sinônimo de canal de notícias e do poten
cial de “exclusividade” de informação que um usuário de TV por assina
tura poderia ter, sobretudo em razão do espaço que ganhara no desenro
lar da Guerra do Golfo, a partir de janeiro de 1991. Não havia cartão de

42
visita melhor do que esse para quem pensava em apresentar-se como a
nova TV na era da TV por assinatura.
A Globosat também anunciava, àquela altura, que teria um canal de
notícias com conteúdo da CNN, o que gerou declarações hostis por parte
da Abril, inclusive com ameaças públicas de uma guerra judicial. Outro
foco importante da operadora da família Civita era a compra de títulos de
filmes exclusivos diretamente dos principais estúdios.
A TVA entrou no ar comercialmente no dia 15 de setembro de 1991
com cinco canais: TVA Filmes (com os filmes mais recentes dos estúdios e
que mais tarde passaria a se chamar Showtime), TVA Esportes (conteúdo
da ESPN), TVA Supercanal (com documentários, programas de viagem,
moda e videoclipes), TVA Notícias (com a CNN) e TVA Clássicos (também
destinado a filmes). O pacote completo saía por algo equivalente a US$
35, e a taxa de instalação por US$ 650, na cotação da época. A tecnologia
adotada era a de transmissão híbrida, com um canal em UHF e quatro
canais em SHF (hoje chamado de MMDS), e exigia, necessariamente, a
instalação de uma antena receptora no telhado das casas e condomínios,
passando a fiação pelo duto de antena coletiva, ou utilizar a fiação da
antena já existente e instalar o aparelho receptor (decoder) na TV.
O canal TVA Supercanal merece uma observação especial. Era um
canal programado por brasileiros (o casal Orlando e Rosalina Vallone),
agregando conteúdos de diversas redes de TV abertas norte-americanas.
Em junho de 1991, quando foi criado, já era um canal produzido por um
grupo independente. Posteriormente, passou a se chamar The Supersta-
tion, e durante muitos anos agregou conteúdos dos canais estrangeiros.
Apesar de oferecer uma programação diferenciada, a TVA precisava
vencer a etapa da instalação. Era um processo lento, complicado, que ge-
rava dificuldades e um elevado índice de reclamações. Uma das formas
de tentar driblar o problema era negociar com os condomínios um acesso
facilitado, pois muitas vezes os síndicos ou as convenções condominiais,
sem conhecer o novo produto ou com medo de causar danos, impediam a
instalação dos equipamentos.
Foi o que a TVA teve que fazer ainda em outubro de 91, pouco antes
de sua principal concorrente entrar no ar, celebrando um acordo com a

43
associação de administradores de condomínios da cidade de São Paulo.
Segundo relato de Roger Karman, presidente da empresa naquele mo
mento, a TVA era ao mesmo tempo uma grande novidade, com forte pre
sença na imprensa, mas também um pesadelo do ponto de vista operacio
nal, e por isso justamente criticada em função do serviço prestado.
Na prática, o know-how adquirido com a compra do Canal + de Ma-
chline não servia para nada. Com um serviço caro, pelo qual as pessoas
não estavam acostumadas a pagar, as reclamações eram constantes e os
custos de operação, muito maiores do que os estimados inicialmente por
Roberto Civita. A estimativa inicial do serviço era chegar a 300 mil assi
nantes em cinco anos, apenas na cidade de São Paulo. Mas rapidamente a
TVA começou a planejar a sua expansão para outras cidades. Em outubro
de 1991 a operadora já oferecia o serviço no Rio (onde também herdara a
operação do Canal +) e logo em seguida em Curitiba.
A capital paranaense, contudo, era um desafio especialmente dife
rente para a TVA, por ser a cidade onde havia o maior número de li
cenças de DISTV, com as quais se podia operar TV a cabo. Eram sete ao
todo, o que indicava que era preciso tomar espaço rapidamente na ci
dade. Em julho de 1991 já havia duas operadoras prontas para começar
a funcionar e uma terceira anunciava em outdoors a possibilidade de
contratação do serviço “para breve”. Ainda assim, esse foi o primeiro
alvo do grupo Abril fora do eixo Rio-São Paulo, inaugurando um projeto
de franquias que a essa altura tinha ainda como alvos Belo Horizonte,
Brasília e Porto Alegre.
Do outro lado do tabuleiro, em 26 de outubro de 1991, Globosat ini
ciava suas operações, ainda em caráter experimental, o que colocou as
duas empresas em uma disputa de marketing ainda mais agressiva. A
Globosat tinha outra tecnologia, outro modelo de negócios e projeções de
alcançar entre 250 mil e 300 mil assinantes, em todo o Brasil, em cinco
anos de operação. A Globosat veio com quatro canais inteiramente novos,
uma postura competitiva em relação à Abril e uma visão bastante clara
do que era, para ela, aquele novo negócio.
A melhor definição do que pretendia a Globosat foi feita por José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em uma reunião com a equipe de

44
programação no dia 6 de novembro de 1991. A ata, cedida pela Globosat a
este livro, não poderia ser mais clara.

Os quatro canais iniciais da GLOBOSAT têm em comum as caracterís


ticas de seu público-alvo e seu conceito geral de narrativa.
O TARGET são os adultos das classes socioeconômicas A/B, sendo o
limite etário mínimo a faixa dos adolescentes acima de 12 anos de idade.
Daí decorre o tipo de televisão que devemos fazer - uma TV sem
compromisso com a audiência, em que se vende (...) informação. Uma
TV cujo ritmo é calmo, sem narrativa vertiginosa de ataque de venda de
BROADCASTING.
Mesmo porque, no caso, nós não estamos vendendo tempo, minuto,
segundo - estamos vendendo a própria TV. E, quando um assinante a com
pra, ele passa a ser nosso patrão.
Em resumo, a pergunta básica da PAY-TVé: o telespectador pagará para
ver? Importa, claro, o sucesso, mas não a audiência. Audiência é um concei
to massivo de BROADCASTING. No PAY, é a segmentação que interessa.
Mais adiante, daqui a uns dez anos talvez, lutaremos por audiência,
claro. Mas, neste início, nossa maior concorrência é com o HOMEVÍDEO, o
livro, o disco etc. Ou seja - temos é que investir na construção de um novo
público. E, para isso, não é a acelerada programação eclética que interes
sa, mas o conforto do telespectador. O uso dos critérios de FREE-TV é um
erro na PAY-TV.

Na reunião, Boni também descreveu como seria cada um dos qua


tro canais:

Quanto às prioridades entre os canais, em primeiro lugar vem o TELE-


CINE, o canal de filmes, que deve encarar e atropelar a única concorrência
específica já existente no Brasil.(...)
Em segundo lugar vem o TOP SPORTS, o canal de esportes, que chega
cercado de altas expectativas do público telespectador e no qual devemos
estabelecer de imediato um diferencial, através da programação de gran
des eventos esportivos, sempre que possível, ao vivo.(...)

45
O MULTISHOW é a terceira prioridade entre os canais. Aqui, évital evi
tar cuidadosamente toda e qualquer semelhança com a TV convencional. O
MS é o coringa, nele vale tudo que fuja dos caminhos do BROADCASTING.
Em quarto lugar vem o GNT, que é, por enquanto, o canal de persona
lidade menos definida (...). O GNT pode e deve experimentar novas formas
e novos formatos de fazer jornalismo.

Da mesma maneira que a Abril, Boni e Globosat olhavam para uma


televisão diferente, mas havia também uma forte estratégia competitiva
e um horizonte claro, pelo menos no que dizia respeito à programação,
conforme foi escrito no papel. Mais uma vez, quem explica é o próprio
Boni, no documento de definição dos canais:

Nossa meta principal é dar uma opção televisiva ao espectador que


não assiste televisão, neste processo construindo um novo tipo de público
e chegando, no limite, ao PAY PER VIEW, mercadologicamente a mais so-
fisticada forma de TV existente.
(...) Lembrem-se que, neste estágio de implementação da GLOBOSAT,
qualquer preocupação com audiência e concorrência com emissoras co-
muns de “BROADCASTING” é suicídio.
Dessa forma, do ponto de vista de programação, são as seguintes as
prioridades de todos os canais da GLOBOSAT:
1- Abastecimento contínuo e criativo de todos os canais, objetivando
a aquisição de produtos de melhor qualidade, mais recentes e em maior
quantidade que o outro serviço de TV por assinatura.
2 - Definição de uma personalidade distinta e forte para cada canal,
inclusive com estilos diferentes de promoção. Não será permitida a promo
ção de um canal em outro, salvo em caso de eventos ou filmes especialíssi
mos. Avenda em conjunto do serviço é, no entanto, recomendada.
3 - Fixação de hábito, através de rigoroso cumprimento de horário em
todos os canais, sem exceção.

Mas os relatos de quem acompanhou o lançamento da Globosat mos


tram que a coisa não foi tão perfeita como dá a entender o memorial de

46
Boni. Era uma operação precária, montada de improviso com bons pro
fissionais vindos da TV Globo, mas nenhum deles com experiência em TV
por assinatura. Os canais que estavam experimentalmente no ar também
estavam longe do modelo desenhado por Boni, nos relata Luiz Gleiser,
diretor de programação da Globosat na ocasião de seu lançamento.
Foi lançado o GNT dedicado a notícias e já sob a direção de Letícia
Muhana. A sigla significava Globosat News Television. O canal tinha con
teúdos da BBC, NBC e WNT, e abria mão dos conteúdos da CNN (ainda
exclusivos da TVA). O Telecine nasceu voltado para filmes (mas sem a
sociedade com os estúdios estabelecida posteriormente) e para enfrentar
o canal TVA Filmes. Já o Multishow buscava programas variados que não
existiam na TV aberta; e no quarto canal, chamado de Top Sports (depois
alterado para SporTV), modalidades como badminton, patinação no gelo,
hóquei e golfe, por exemplo, eram parte dominante da grade nos primei
ros meses. Logo as transmissões de futebol ganharam espaço, graças a
alguns acordos com a TV Globo.
O projeto da Globosat contemplava conteúdos nacionais, e antes do
final do ano de 1991, a programação dos canais começaria a ter alguns
conteúdos que ainda hoje estão presentes, como jogos de futebol nacio
nais e co-produções como o “Manhattan Connection”. A primeira trans
missão de um jogo entre times brasileiros foi uma partida pelas semifi-
nais do Campeonato Paulista de 1991, entre São Paulo e Palmeiras, no dia
1º de dezembro daquele ano. O São Paulo de Telê Santana se consagraria
campeão daquela temporada ao vencer o Corinthians nos dois finais de
semana seguintes. Essa também foi a data em que a operação da Globo
sat encerrou a fase de testes e começou a cobrar pelo serviço.
Em 1991, as transmissões esportivas ganharam papel especial na
TV brasileira. A TV Jovem Pan, em UHF, na cidade de São Paulo, trava
va uma disputa feroz com a Bandeirantes, que naquela ocasião tinha a
maior parte de sua programação dedicada aos esportes. Era o ano em
que, graças à ESPN, os jogos da liga profissional de basquete dos EUA,
a NBA, também se tornavam febre entre adolescentes e eram transmi
tidos pela TV aberta (Bandeirantes) e nas primeiras operações de TV
por assinatura. A Globo não era a detentora dos direitos exclusivos dos

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principais campeonatos, mas detinha a geração do sinal para outras
praças. Não havia modelo específico de esportes para a TV paga, e a Glo-
bosat aproveitou a brecha para começar a explorar esse mercado, pois
na TV aberta havia, quase sempre, a limitação de transmissão dos jogos
da mesma praça.
A Globosat também tinha algumas apostas curiosas em relação a seus
planos de programação. Uma delas era a exibição de telenovelas latino-
americanas. “Cristal”, grande sucesso na época, teve seus direitos para o
Brasil adquiridos pela Globo, para evitar o fenômeno de outras como “Car
rossel” e “Rosa Selvagem”, que haviam dado aos concorrentes números
consideráveis de audiência. Sem saber o que fazer com a novela venezue
lana, a Globo decidiu utilizá-la para enriquecer a grade do recém-criado
Multishow. A novela chegou a ir ao ar, mas foi retirada da grade antes do
término. Como praticamente não havia assinantes, ninguém reclamou.
O modelo da Globosat era centrado na venda dos sinais para condo
mínios, que acrescentariam os canais à sua rede de antena coletiva. O pri
meiro passo foi mapear e organizar um catálogo dos principais prédios
das cidades de São Paulo e Rio, para que os representantes comerciais en
trassem em contato com os administradores e se fizessem as instalações
dos equipamentos. Era uma tecnologia cara que envolvia a instalação de
uma grande parabólica de três metros de diâmetro no topo dos edifícios
(os sinais eram transmitidos em meio transponder, o que prejudicava a
imagem, e o satélite operava em banda C e com menos potência). Havia a
instalação de um conjunto de equipamentos que fazia a distribuição dos
canais, pela antena coletiva, a todos os moradores. Assim, a programação
da Globosat passou a ocupar os canais livres do dial VHF. Em São Paulo,
6, 8, 10 e 12. No Rio, 5, 8, 10 e 12. O modelo tinha outro componente: exi
gia um grande investimento para preparar o condomínio para receber
os sinais do satélite e distribuí-lo na antena coletiva, e impunha a todos
os condôminos a contratação do serviço. A Globosat acreditava, contudo,
que a adesão de todos os moradores ao modelo aceleraria a sua expansão,
barrando o crescimento da TVA. Ao mesmo tempo, como os condôminos
rateariam os custos, ficaria mais barato para todos. Na verdade, esse mo
delo acabou funcionando de maneira inversa.

48
Quem primeiro chamou a atenção para o problema no modelo foi
Anthônio Athayde, em artigo escrito na Folha de S. Paulo em 18 de setem
bro de 1991 sob o título “A TV por assinatura e o entendimento nacional”.
Athayde, que viria a se tornar o presidente da Net Brasil e criador de um
novo modelo de TV por assinatura do grupo Globo nos anos seguintes,
era, naquela ocasião, um executivo com experiência de TV e passagem
pela própria Globo, mas que ocupava a diretoria de marketing do extinto
Crefisul. Athayde relata uma conversa que teve com um executivo do se-
tor de TV por assinatura, muito empolgado com o modelo de distribuição
de satélites em condomínio, para fazer uma analogia com as dificuldades
de entendimento entre os diferentes atores políticos do Brasil naquela
ocasião. No que concerne ao objeto deste livro, Athayde lembrava que, no
país, nada se resolve em reuniões de condomínio, e sentenciava: “quem
já foi a uma reunião de condomínio no Brasil tem a obrigação de duvidar
que seja rápida a expansão da TV por assinatura”.
O artigo não tinha o objetivo de discutir o futuro da indústria, e
sim a necessidade de entendimento entre os atores políticos do “imen
so condomínio chamado Brasil”. Mas a alegoria e a conversa com o tal
executivo (que Athayde revelou ser Joe Wallach, e Wallach diz não se re-
cordar) certamente tiveram um papel central na forma como Athayde,
um ano depois, redesenharia a estratégia da Globo para esse mercado.
Em dezembro de 1991, Athayde escrevia, em artigo à revista Imprensa,
que a chegada da Globosat e da TVA ao mercado era positivo para o te
lespectador e para o mercado de mídia, que finalmente deixava de viver
na dependência do anunciante (naquela ocasião, nem TVA nem Globosat
apostavam que a publicidade seria um filão próspero a ser explorado pela
TV por assinatura). Mas o mais importante era outro diagnóstico daque
le momento da indústria:

Aos trancos e barrancos, com todas as dificuldades de uma ativida-


de nova, desconhecida no país e pouco conhecida no mundo, a Globosat e
a TVA estão aí, embora concorrendo na distribuição do sinal, onde deve
riam se aliar.

49
A verdade é que a competição entre as duas empresas, aliada às
imensas dificuldades técnicas enfrentadas, estava drenando investimen
tos acima dos projetos originais. Segundo Wallach, o orçamento inicial
de US$ 10 milhões havia sido extrapolado em US$ 6 milhões, ao mesmo
tempo em que os Marinho perdiam entusiasmo com o negócio.
A TVA e a Globosat pagavam verdadeiras fortunas pelos direitos de
filmes exclusivos, fazendo a festa dos estúdios e distribuidoras de títu
los no Brasil. Era uma época em que o conceito de janelas de distribuição,
em que filmes são exibidos em uma sequência que começa no cinema até
chegar à TV aberta, não era ainda entendido pelos operadores, e o mais
comum era que, na mesma semana, as operações de TV paga anuncias
sem com exclusividade o mesmo filme que seria exibido logo em seguida
pela TV aberta.
Segundo relato de Roger Karman, estava evidente que o modelo da
TVA enfrentava dificuldades, e o volume de vendas que não eram insta
ladas (backlog) só crescia. Pesava nesse sentido o uso da revista Veja, no
caso da TVA, e da TV Globo, no caso da Globosat, como canais de propa
ganda, ao ponto de, em algumas ocasiões, as operadoras optarem pela
veiculação de publicidade sem o telefone de contratação, para evitar a
sobrecarga nas centrais de atendimento.

MODELOS EM CRISE
A TVA discutiu então a possibilidade de seguir um modelo similar ao
da Globosat, com o atendimento em bloco de condomínios. Segundo Kar
man, chegou-se até a discutir um plano de focar os esforços em apenas
500 condomínios da capital paulista, de forma a melhorar a qualidade do
serviço. Machline foi contra. Outra estratégia que a TVA começou a ado-
tar a partir de meados de 1992 consistia na distribuição de sua progra
mação por meio dos operadores de DISTV que iniciavam suas operações,
sobretudo os do interior de São Paulo ligados à Abracom, associação da
qual a TVA começava a participar informalmente.
O que a TVA não sabia é que o modelo da Globosat também não es-
tava dando certo, ao ponto de a operadora passar a adotar, em 1992, a es-
tratégia do Projeto Quarteirão, em que o sistema instalado em um condo

50
mínio atendia a condomínios vizinhos no mesmo quarteirão, com cabos
passando de portaria em portaria. Era uma forma de reduzir os custos de
instalação e possibilitar um atendimento mais rápido. Outra variação no
negócio da Globosat que surgiu naquele período, ainda que sem um obje-
tivo estratégico claramente definido, era a venda de programação. Na ver
dade, o único relato consistente de uma negociação entre a Globosat e um
operador de cabo é o da operadora VTV, de Curitiba, que no final de 1991
tinha um acordo de distribuição dos sinais da MTV e havia acertado tam
bém a comercialização dos quatro canais Globosat a seus assinantes.
Outra estratégia que a Globosat já adotara em abril de 1992 era esta
belecer parcerias locais de venda. Em abril daquele ano, havia um acordo
com a RBS no sul para a comercialização da Globosat e com a Rede Parana
ense de TV (afiliada da Globo) em Curitiba. Àquela altura, a Globosat decla
rava ter 85% de seus clientes em São Paulo e no Rio, conforme declarações
de Adalberto Vianna, diretor da empresa, à revista Tela Viva da época.
Antes de ser lançado comercialmente, o modelo da Globosat de dis
tribuição de sinais diretamente do satélite já havia despertado críticas,
da TVA inclusive, a respeito de sua legalidade, por não ter outorga nem
autorização prévia do governo.
O Projeto Quarteirão, por sua vez, era ainda mais controvertido, por
que, na prática, transformava uma operação de TV por assinatura via sa-
télite em uma DISTV. A questão era tão preocupante que os operadores
de DISTV agregados à associação Abracom chegaram a enviar carta ao
ministro das Comunicações Hugo Napoleão, em fevereiro de 1993, pedin
do providências contra a Globosat. Quem assinava a carta era Flávio Edu
ardo Lopes, então operador de DISTV na cidade de Campinas. A questão,
no entanto, logo seria resolvida com o abandono do modelo de distribui
ção por satélite por parte da Globosat e a aposta no desenvolvimento das
redes de distribuição de TV a cabo.
Entre 1990 e 1992, contudo, nem Globo nem Abril acreditavam que
a TV a cabo poderia ser uma forma efetiva de distribuição de TV por as-
sinatura. A despeito da existência dos primeiros operadores de antenas
comunitárias em algumas cidades brasileiras, e da distribuição de mais
de 90 licenças de DISTV entre o final de 1990 e o começo de 91, nenhu

51
ma das duas empresas se movimentou para explorar esse mercado. Aliás,
dos grandes grupos de comunicação brasileiros, apenas a RBS pediu ao
governo e conquistou 16 licenças de DISTV na curta janela de distribui
ção que se abriu depois da Portaria 250, que regulamentou o serviço em
dezembro de 1989.
A RBS tinha, desde meados dos anos 1980, um plano definido para
entrar no mercado de TV por assinatura, especialmente cabo, que já co-
nhecia da Argentina. Por isso, acompanhava todos os movimentos do go
verno nesse sentido, e não perdeu a chance de conseguir as DISTVs em
todas as cidades em que tinha emissoras de TV, conforme descreveu a
este livro Walmor Bergesch, à época executivo da RBS e responsável por
esta estratégia. Mas com o projeto Globosat se desenvolvendo e com a
proximidade entre os Sirotsky e os Marinho, o grupo decidiu diminuir a
ênfase no seu projeto de TV a cabo.
Isso não significa, contudo, que não houvesse investidores interes
sados no mercado de TV a cabo. Além dos primeiros desbravadores, que
desde o final dos anos 1980 já se envolviam com o mercado de CATV, ou
tros começaram a observar o potencial no setor de TV por assinatura. Foi
quando a história do argentino Dante Quinterno encontrou-se com a de
Alexandre Annenberg e Antônio Salles, dois empreendedores que tive
ram a intuição de que ali haveria, talvez, uma oportunidade. Recorde-se
que Quinterno teve o primeiro contato com a TV por assinatura no Bra
sil em 1989, ao se hospedar em um hotel atendido por uma operação de
CATV na cidade de Londrina (ver Capítulo 1).
Antônio Salles tinha montado, em 1986, ao lado do engenheiro Ti-
kara Kunitomo, então diretor de engenharia do fabricante de antenas e
amplificadores Amplimatic, o circuito privado de TV do clube de campo
Pró-Vida, em Sorocaba, uma espécie de condomínio aberto. Esse foi um
dos muitos embriões de uma operação de cabo que surgiram nos anos
1980 no Estado de São Paulo, muito próxima daquilo que se fazia em
outras cidades com serviços de CATV. Salles também trabalhara na mon
tagem de uma central pioneira de 36 canais no Hotel Maksoud, em São
Paulo, utilizando os sinais abertos disponíveis na cidade e nos satélites,
algo que ia muito além das experiências de CATV da época; e havia sido

52
empreiteiro contratado pela Globosat na instalação do sistema em con
domínios nos primeiros meses de operação na cidade de São Paulo.
Salles e Annenberg também haviam sido sócios em uma empresa
de montagem de redes de TV chamada Videotel, atuante na cidade de
São Paulo, que conseguiu algum resultado instalando sistemas priva
dos de TV em motéis para a distribuição de conteúdos adultos a partir
de videocassetes.
Ambos relatam que a Videotel, com o conhecimento acumulado na
instalação de operações de private cable, percebeu que havia uma oportu
nidade no mercado de cabo, especialmente depois que o governo distribu
íra as primeiras DISTVs, em novembro de 1990. Com alguns investidores
dispostos a buscar oportunidades nesse mercado, Annenberg largou o co-
mando da Dataprev, no Rio, e saiu em busca de detentores de licenças, espe
cialmente em São Paulo. Durante esse processo, conheceu Dante Quinter-
no, um dos proprietários de DISTV. Quinterno, que morava em Londrina,
aceitou uma sociedade cujo objetivo era efetivamente operar a licença na
cidade de São Paulo. Mas seria necessário muito investimento.
Forma-se, então, a DSTV — Distribuidora de Sinais de TV Ltda —, no
final de 1991. Essa seria a semente da operação de TV a cabo da Net em
São Paulo. Na ocasião, a DSTV tinha como sócios a Cabodinâmica (em
presa de Quinterno e detentora da outorga), a Videotel (de Alexandre An
nenberg e Antônio Salles), a Sobratel (que construía redes da Telesp) e a
Debraco, uma empresa de participações que ficou incumbida de buscar
capital. Entre os sócios da Debraco estava o ex-ministro Ozires Silva. A
gestão da companhia estava a cargo de Annenberg.
Naquela ocasião, a DSTV começou a construir um pequeno headend
para tornar a licença, ainda em caráter precário, em fato consumado.
Na busca por investidores, foram bater à porta da Globo, onde espera
vam ter sucesso. Annenberg e Joe Wallach, que na ocasião cuidava dos
interesses do grupo da família Marinho no mercado de TV paga, tiveram
uma reunião infrutífera. Wallach estava convencido de que o modelo de
distribuição pelo satélite era o mais eficiente e seria a aposta do grupo.
Aliás, não foi o único caso de recusa de uma operação de TV a cabo im
portante ocorrida em função da estratégia da Globo. Na mesma época, os

53
controladores da licença de DISTV em Campinas, os empresários locais
Flávio Lopes (dono de uma loja de material elétrico) e Otávio Lacerda (pu
blicitário) ofereceram a outorga da cidade ao dono da emissora de TV
afiliada da Globo local, a EPTV, de José Bonifácio Coutinho Nogueira Jr.,
o Boninho. O valor pedido era equivalente a um carro de luxo da época
(digamos, um Opala novo). A EPTV consultou a Globo, que desencorajou
o negócio. Alguns anos depois, a mesma EPTV, que já explorava cabo em
outras cidades, pagou US$ 75 milhões pela operação de Campinas. Em
São Paulo, a DSTV seguia em sua jornada atrás de um investidor e pro
curou o grupo Abril, onde conversaram com Roger Karman. O executivo
também dispensou a oferta, alegando que o planejamento estratégico da
TVA passava pelo uso das tecnologias de UHF e SHF.
No começo de 1992, Annenberg e Salles fizeram uma nova tentativa
de encontrar financiadores para o projeto. Desta vez com o grupo Ica-
tu, da família Almeida Braga. O Icatu tinha na ocasião, como principal
executivo responsável pela prospecção de mercado, Daniel Dantas, que
posteriormente fundaria o grupo Opportunity, e alguns anos depois vol
taria a aparecer no mercado de TV paga em outras negociações. O pró
prio grupo Icatu se tornaria pouco depois acionista da operação de cabo
no Rio de Janeiro. Mas, naquela ocasião, também recusou a proposta de
explorar TV a cabo em São Paulo. Os investidores da DSTV acreditavam
que para montar a operação precisariam de cerca de US$ 10 milhões,
mas sem investidores seria impossível ir além do pequeno headend que
havia sido construído.
A sorte do que viria a ser a primeira operação de cabo em São Pau
lo mudava para melhor na mesma medida em que o modelo original da
Globosat patinava. A cada semana de vendas da Globosat no modelo de
parabólicas condominiais ficava claro para a Globo que o modelo não
daria certo pelos altos custos operacionais e pelas dificuldades técnicas
constantes. No segundo semestre do ano, Joe Wallach e Boni, diluídos
na sociedade em função das constantes necessidades de investimento,
afastaram-se da Globosat, que então contratou Antônio Athayde para to
car a empresa e o novo ramo de negócios em TV paga do grupo Globo:
o mesmo Athayde que um ano antes criticara o modelo de instalações

54
condominiais e que chamara a atenção para o erro que era Abril e Globo
brigarem pelo mercado de distribuição.
Wallach conta que, ao sair, escreveu aos Marinho uma carta em que
recomendava não investir em TV a cabo. Acreditava que seria uma tecno
logia muito dispendiosa para a realidade brasileira e que a Globo deveria
apostar no satélite, sobretudo considerando a possibilidade de que, no
futuro, com novas tecnologias, essas operações se tornariam mais bara
tas, como de fato aconteceu.
Athayde, no entanto, já vinha analisando o mercado de TV paga no
Brasil desde 1991, quando ainda estava no Crefisul, e intuía que um dos
problemas era justamente a falta de separação clara entre a produção de
programação e a distribuição. Com base em um estudo da Booz Allen so-
bre o modelo de exploração do mercado de TV paga nos EUA, a Globo to
mou contato com o conceito de MSO (Multi-System Operator): uma única
empresa controladora e administradora de várias operações. Somava-se
àquele conceito a visão de produtora de programação que veio desde o
começo com a Globosat e que fazia sentido para um grupo cuja atividade
final era justamente a produção de conteúdos. O levantamento da Booz
Allen, na ocasião conduzido por Moysés Pluciennik, que viria a se tor
nar presidente das operações de TV paga do grupo Globo anos depois,
também apontava para uma tendência de concentração no mercado de
operadoras, que se consolidavam em torno de grandes grupos.
Em 20 de setembro de 1992, Athayde propôs à família Marinho di
vidir as atividades de programação e de distribuição, e criar uma nova
empresa como braço de distribuição para os canais Globosat. O plano foi
aprovado, mas faltava encontrar os distribuidores que fariam o papel que
o satélite, até aquele momento, não havia conseguido fazer. É nesse pon
to que o grupo Globo inicia a busca por operações de DISTV e abandona,
aos poucos, a estratégia de distribuição por satélite. Até aquele momen
to, com exatos 12 meses de operação, a Globosat não havia conquistado
mais de nove mil assinantes.
Uma das primeiras empresas procuradas foi justamente a empre
sa de Dante Quinterno, Alexandre Annenberg e Antônio Salles, anterior
mente descartadas. A Globo decide entrar na sociedade e montar uma

55
operação de TV a cabo em São Paulo, trazendo a RBS, já uma entusiasta
do modelo de DISTV, como sócia. Com a entrada da Globo, os demais acio-
nistas congregados na DSTV saíram do negócio, ficando a operação divi
dida entre Globo, Dante Quinterno e RBS. Segundo Quinterno, contudo,
quem trouxe a Globo para o negócio foi a RBS. Versões divergentes à par
te, o fato é que a RBS, ao que tudo indica, teve papel relevante no trabalho
de convencer a família Marinho sobre a importância da TV a cabo. Ao fi-
nal de 1992, por exemplo, a parceria com a RBS para a comercialização da
Globosat no Sul já mostrava papéis bem definidos: a Globosat cuidava da
produção de programação enquanto o grupo gaúcho da família Sirotsky
se focava na distribuição.
Não por acaso, o grupo gaúcho, ao longo de 1992, começou a explorar
TV a cabo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, iniciando as vendas
na cidade de Florianópolis, e associou-se à Globo na busca por uma DIS
TV na capital paulista. A RBS também estendia as suas redes utilizando
o modelo do Projeto Quarteirão, o que dava uma certa vantagem de tempo
de cabeamento em relação ao modelo tradicional, que dependia da nego
ciação de uso dos postes. A regra do Projeto Quarteirão era: o cabo só não
pode atravessar a rua.
Em janeiro de 1993 estava definitivamente selada a sociedade do gru
po Globo com a RBS e Dante Quinterno para explorar o mercado de TV a
cabo na cidade de São Paulo.
No Rio, Quinterno adquirira em 1993 a licença de DISTV e uma pe-
quena operação de cabo pertencente ao grupo editorial Record (sem rela
ção com a emissora de TV atual) na região de Jacarepaguá. Mas esta não
seria a primeira operação no Rio de Janeiro. O empresário Paulo César
Areas Ferreira lançava na Barra da Tijuca, em dezembro de 1991, a ope
ração da RPC-TV. A RPC, naquela ocasião, transmitia a programação da
TVA, mas logo também acertou uma parceria com o grupo Globo.
Começava a se desenhar, naquele período, o novo modelo de opera
ção do grupo Globo: a busca de parceiros para a distribuição local dos
canais Globosat. A preferência era dada aos afiliados da emissora da fa
mília Marinho. A RBS foi a primeira. A EPTV, no interior de São Paulo,
da família Coutinho Nogueira, também foi uma prioridade. Em função

56
disso formou-se a InterNet, empresa controlada pelos Coutinho Noguei
ra que, inicialmente, se dedicaria a vender a Globosat em cima do modelo
do Projeto Quarteirão, ao mesmo tempo em que prospectaria licenças de
DISTV onde fosse possível comprar. Àquela altura (30 de novembro de
1992), Flávio Lopes e Otávio Lacerda colocavam no ar a operadora de cabo
AC-TV (posteriormente chamada de VCTV Cabo), que funcionava graças
à licença de DISTV oferecida um ano antes (e recusada) à EPTV. A ope
radora de Campinas também se notabilizaria por ser um dos focos de
investimento do grupo Clarin no Brasil.
Em outros casos, a Globo buscava parceiros que tivessem como dis
tribuir seus canais, e uma dessas negociações foi com a TV Filme, em Bra
sília. Em função do peso estratégico da cidade, a família Marinho julgava
que precisava não apenas garantir o conteúdo na Capital Federal como
deveria ter uma outorga. A negociação com a família Lins de Albuquer
que era, então, para que a Globosat assumisse o controle da operação de
MMDS na cidade, mas isso não foi aceito e a TV Filme seguiu rumo a uma
parceria, e depois sociedade, com a TVA, que seguia caminho semelhante
nas investidas sobre possíveis parceiros na distribuição de seus canais.
Em dezembro de 1992, a TVA estava à frente da distribuição de sua
programação junto a operadores independentes, com 15 “clientes” nos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas
Gerais, Ceará e no Distrito Federal.

MULTICANAL CORRE POR FORA


Uma história que corria em paralelo à disputa entre os dois maiores
grupos de mídia do país, mas que teria papel central na consolidação do
mercado de TV paga no Brasil, é a da Multicanal. A empresa foi criada
por Antônio Dias Leite Neto, filho do ex-ministro de Minas e Energia de
1969 a 1974, Antônio Dias Leite Júnior. Dias Leite destacou-se por sua
atuação no mercado financeiro no final dos anos 1980, e no começo da
década seguinte envolveu-se diretamente com o mercado de mineração
brasileiro. Eram os anos em que o liberalismo varria a América Latina,
e países como Argentina e Chile promoviam intensos processos de de-
sestatização e reformas liberais. Antônio Dias Leite, ao lado da Andrade

57
Gutierrez, do grupo Icatu e da construtora OAS, estudavam, particular
mente, o processo de desestatização das empresas de telecomunicações.
Tinham interesse específico em uma quase licitação de venda de frequ
ências para telefonia celular no país, projeto que passava pela interme
diação de PC Farias, e que acabou não acontecendo em função da crise
do governo Collor e das dificuldades de se fazer a venda das outorgas
sem uma reforma Constitucional, o que só viria a acontecer em 1995, no
governo Fernando Henrique Cardoso.
Sem poder fazer negócios em telecomunicações no Brasil, e já ten
do perdido a onda da privatização na Argentina, Dias Leite, em conversa
com um executivo da GTE norte-americana, atina para a possibilidade
de explorar o mercado de TV a cabo. Este executivo era Craig Start, que
havia atuado na privatização das empresas argentinas de telecomuni
cações alguns anos antes. Naquela oportunidade, Start conhecera outro
brasileiro, Olinto Santanna, na ocasião representante do grupo Machline
na Argentina para o processo de desestatização (Matias Machline havia
desenhado planos de entrar em telecomunicações no país vizinho). Start
coloca, então, Dias Leite e Olinto Santanna em contato, e as conversas
chegam ao assunto das inúmeras operações de CATV no Brasil, objeto
de reportagens da Folha de S. Paulo em 1989, e depois da abertura das
DISTVs em 1990. Antônio Dias Leite contrata Olinto Santanna para pros
pectar o mercado e traz seus executivos das empresas de mineração para
gerir o negócio, entre eles Luis Carlos Alvez, que se tornaria o diretor
operacional da Multicanal, e Antônio Carlos Menezes, que cumpriria pa
pel importante na articulação institucional. A Multicanal iniciava uma
busca por estas pequenas e médias operações, de preferência as que já
estavam em funcionamento, com o intuito de comprá-las, esperar por
uma valorização que certamente viria, e depois vendê-las.
A primeira operação comprada pela Multicanal foi a de Campo Gran
de, em dezembro de 1991, por US$ 200 mil. Era uma operação pequena,
com pouco mais de 100 assinantes. Meses depois, ele adquire a operação
de Goiânia, esta com 2 mil assinantes, e em setembro de 1992 já estava
em Ribeirão Preto/SP. A operadora tinha ainda uma participação na TV
Alphaville, onde não adotava marca própria, e àquela altura já havia até

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desfeito uma participação de 80% na sociedade com Paulo Areas, na RPC
do Rio de Janeiro, adquirida pouco depois da licença de Campo Grande.
Até então, o plano da empresa de Antônio Dias Leite, segundo Olinto San-
tanna, era evitar os grandes mercados onde Globo e Abril atuavam.
Mais tarde, a Multicanal reviu essa estratégia e não só entrou em
grandes cidades como focou a atuação em São Paulo, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte. Ao final daquele ano de 1992, a Multicanal tinha uma co-
bertura que incluía as cidades de Florianópolis, Goiânia, Campo Grande,
Ribeirão Preto e Caxias do Sul/RS. Mais, portanto, do que qualquer outra
operadora brasileira, e preparava-se para lançar serviços nas cidades de
Bauru, Santos, Sorocaba e outras sete cidades do Rio Grande do Sul. Dis
cretamente, como quem fazia uma aposta no futuro, a Multicanal com
prou também, no final de 1992, a licença de DISTV de André Dreyfuss, na
cidade de São Paulo, por US$ 300 mil. Era uma licença interessante por
que tinha um projeto técnico absolutamente impreciso, mas na prática
dava à Multicanal o direito de operar em toda a cidade, ao contrário dos
projetos de outras duas DISTVs que, apesar de serem mais bem acabados,
restringiam-se a poucos bairros da capital paulista.
Mas o que é mais importante sobre a presença da Multicanal no mer
cado naquele momento é ter se mantido neutra na disputa entre Abril e
Globo, e tampouco buscar produzir programação própria. A Multicanal
era um modelo puro de MSO americano. Antônio Dias Leite, que havia
trabalhado no Bradesco por muitos anos, tentou trazer o banco para den
tro do negócio de TV paga em 1992, como forma de capitalizar os pesa
dos investimentos que eram feitos. A isca era um sistema visionário de
home banking desenvolvido pela TV Alphaville, em 1991, com o banco
Nacional. A parceria com o Bradesco, contudo, não foi adiante. Dias Leite
acreditava que TV por assinatura poderia ser, no Brasil, um negócio tão
importante como era nos EUA.
Aliando-se essa visão de negócios à cobertura geográfica privilegia
da, a operadora era constantemente assediada pela Globo e pela Abril,
com vantagem para a TVA, que já era a fornecedora de programação.
Segundo relato de Walter Longo, que em 1993 assumia a presidência da
TVA, houve uma intensa negociação ao longo dos primeiros meses do ano

59
entre as duas empresas para que a Abril adquirisse as licenças de DISTV
e operações da Multicanal. Roberto Civita, contudo, mostrou receio em
fechar o negócio, já que Dias Leite tinha uma companhia de mineração,
a CMA (Companhia de Mineração do Amapá), cujo sócio era Eike Batis
ta, constantemente envolvido em polêmicas. Havia também, por parte da
Abril, outras negociações com parceiros estrangeiros, de modo que as
ofertas pela Multicanal não se converteram em negócio.
A Globo já havia procurado a Multicanal por meio da consultoria Booz
Allen, sem sucesso. Em uma segunda tentativa, esta feita diretamente por
Antônio Athayde, o negócio foi adiante, e em abril de 1993, a família Mari
nho adquiriu 30% das ações da Multicanal. Antônio Dias Leite tornava-se
personagem central no mercado de TV paga e inaugurava uma fase de ex
pansão da TV a cabo, tecnologia que ficaria no centro de grandes negócios
da TV por assinatura por muitos anos. Dias Leite ainda venderia participa
ções na Multicanal outras três vezes, sempre com resultados expressivos.
Ali se materializava o nascimento da Net Brasil, a maior MSO brasi
leira, que definiria o rumo da indústria daquele momento em diante.

60
CAPÍTULO 3

O amadurecimento
do mercado
A marca Net surgiu de uma brincadeira: “Não é televisão”. O autor
da brincadera foi Alberto Pecegueiro, ex-diretor da Abril, trazido por An
tonio Athayde para ser o diretor de marketing da nova empresa. Mas se
não era televisão, o que era? A questão que se colocava naquele momento
aos executivos do grupo Globo e a todo o mercado de TV por assinatura
era o que aconteceria com uma indústria até então pulverizada em deze
nas de operações quase amadoras de TV a cabo e duas outras tecnologias
que só existiam no Brasil naquela escala: o MMDS e a transmissão pelo
satélite em banda C.
As operações existentes enfrentavam grandes dificuldades para
viabilizar seus modelos. Vender televisão, fosse para assinantes indivi
duais, fosse para condomínios, mostrava-se muito mais caro e compli
cado do que se imaginava. Ampliar a escala das operações parecia ser o
caminho mais lógico mas, ao mesmo tempo, os recursos eram escassos.
Talvez pelo fato de ter como sócia a RBS, que já vinha estudando especi
ficamente TV a cabo desde meados da década de 1980 e apostava nesse
modelo desde a farta distribuição das licenças de DISTV em 1990-91, a
Globo direcionou seu barco para a TV a cabo como forma prioritária de
distribuir a sua programação.
A expressão usada, segundo Antônio Athayde, era “surfar na onda do
cabo”. A estratégia era clara também: ampliar o mercado de distribuição,
garantir acesso à sua programação e, um dia, sair do negócio. Os investi
mentos, como era possível perceber já naquela época com a experiência
em banda C, eram muito superiores aos inicialmente estimados.

61
O principal desafio para fazer as operações de TV a cabo efetivamen-
te saírem do papel era conseguir dinheiro. Dante Quinterno foi o primeiro
empresário argentino a sair em busca de capital e consegui-lo, associan-
do-se à Globo em São Paulo; mas outras operadoras que na época foram
em busca de recursos, encontraram, justamente, argentinos dispostos a
investir. Os controladores da DISTV em Campinas, Flávio Lopes e Otávio
Pacheco, conseguiram trazer o grupo argentino El Clarín para o Brasil.
Roger Karman, que havia montado e presidido a TVA em seus primeiros
anos, afastava-se do grupo Abril e também foi um dos primeiros a se aliar
a investidores estrangeiros para o mercado de TV por assinatura. Logo
que se desligou do grupo da família Civita, Karman associou-se a Alejan-
dro Massot, que havia fundado e dirigido o canal Telefé, na Argentina, e
ambos saíram em busca de licenças de DISTV. Nesse período, a comercia
lização de licenças ainda era mais importante que a operação em si dos
serviços, mas o grupo formado por Karman e Massot lançaria, a partir
do final de 1993, suas primeiras operações em Piracicaba, Uberlândia e,
posteriormente, em Brasília, onde teve papel central em uma importante
disputa com a empresa de telecomunicações local, a Telebrasília.
Mas quem efetivamente buscava um sócio estrangeiro no Brasil era
a TVA. Com a crise financeira no ano de 1993 e a forte retração do merca
do editorial, Roberto Civita precisou buscar alternativas para que a sua
maior aposta se desenvolvesse. Até aquele momento, a operadora já ha
via consumido quase US$ 50 milhões em investimentos e se via forçada
a fazer dívida para dar sustentação à operação.
Nessa época, Walter Longo, até então presidente da agência de publi
cidade Wunderman, que atendia a TVA, chegou para tocar a operação de
TV paga do grupo Abril. Longo relata que a primeira coisa que percebeu
ao assumir a TVA foi que a empresa não tinha mais fôlego para manter o
ritmo de crescimento e expansão dos anos de 1991-92, quando alançara a
marca de 13 mil assinantes. Era uma operação tão cara, relembra Longo,
que apenas os custos de programação já extrapolavam completamente as
receitas da TVA.
A operadora passou a buscar investidores, de um lado e, de outro,
diminuir os gastos com programação. Com sua experiência no mercado

62
publicitário, Walter Longo decidiu reforçar o marketing da TVA, o que, se-
gundo ele, permitia ampliar a base, mas gerava ainda mais pressão sobre
as equipes de instalação. Ligado ou não a esse fato, no começo de 1993 a
TVA associa-se a uma das empresas detentoras da licença de DISTV em
São Paulo, com direito a anúncio na revista Veja em página tripla. Era a
resposta à associação entre Globo e Cabodinâmica, de Dante Quinterno.
A Abril, então, daria início à sua primeira negociação para tentar
atrair um grupo investidor internacional. Os alvos eram os grupos Time
Warner, dos EUA, o Canal +, francês e o grupo Richemont, holandês. A
idéia era vender a cada um 25% do capital da TVA, o que aliviaria o caixa
da Abril, naquele momento endividada em US$ 115 milhões, o que repre
sentava metade de sua receita anual. As negociações se arrastaram e aca
baram atrapalhando a possibilidade de acerto entre Abril e Multicanal,
que também havia sido negociada. Isso porque a Multicanal precisava de
investimentos, e a Abril não tinha muito a oferecer.
Ainda assim, a TVA tentava responder à estratégia da Globo e criava
uma empresa que atuaria como franqueadora em operações de TV paga
onde a TVA não operasse com licença própria. O acordo com a Richemont
foi anunciado internamente pelo grupo Abril, no dia 13 de agosto de 1993;
seria o maior negócio da TV por assinatura brasileira até então, por volta
de US$ 80 milhões, para um investimento de 30% na operadora. Faltava,
contudo, fechar o negócio e pegar o dinheiro, algo que nunca aconteceria.
Em janeiro de 1994 a sociedade entre os dois grupos se desfez.
Também em agosto de 1993, a TVA inicia uma agressiva fase de ex
pansão territorial, desta vez não mais distribuindo sua programação,
mas entrando de sócia em diferentes mercados. Foi então que surgiu a
parceria com o empresário Bayard Umbuzeiro Filho, controlador de oito
outorgas no Estado de São Paulo, e com a Inbrac, do empresário Roberto
Ugolini Neto, que tinha 60% de participação em uma das DISTVs em São
Paulo e era sócio de Umbuzeiro.
Pouco depois, em outubro de 1993, a TVA adquire 45% do capital da
TV Filme, em Brasília, comprometendo-se a investir US$ 4 milhões no
negócio. A prova da importância que a TV Filme adquirira é que, pela pri
meira vez, uma negociação de venda de participação de TV paga atraía a

63
atenção de ministros de Estado. Na festa de comemoração do acordo para
mil convidados na Academia de Tênis, estavam presentes os ministros
Hugo Napoleão (Comunicações) e Jerônimo Moscardo (Cultura), além de
deputados e senadores, como registrou a revista PAY-TV na época. A TV
por assinatura passava a ocupar um espaço político.
Um episódio marcante e relevante da TV por assinatura no Brasil diz
respeito aos canais de filmes. Tanto Globosat quanto TVA, com seu canal
Showtime, gastavam verdadeiras fortunas com a compra de filmes dos
estúdios de Hollywood. Globo e Abril iniciavam, então, conversas para
tentar, em conjunto com os estúdios, fazer um canal único de filmes, re-
duzindo os custos para as duas empresas.
O primeiro impasse na negociação foi a questão do canal esportivo.
A Globo, em 1992, havia fechado uma parceria com a TV Bandeirantes
para criar o SporTV, que veio substituir o TopSports original. A estraté
gia da Globo era assegurar a maior quantidade de direitos esportivos, e
muitos deles estavam nas mãos da Band.
Quando Abril e Globo sentaram para negociar o canal de filmes, a
primeira pediu que a parceria fosse estendida também à área de espor
tes, o que foi prontamente recusado pela Globosat. Aprogramadora sabia,
desde seus primeiros dias, que a programação esportiva era estratégica
demais para ser compartilhada com um concorrente direto.
As portas para um acordo no canal de filmes, contudo, não se fecha
ram. Mas os dois grupos iniciaram conversas paralelas com os grandes
estúdios de Hollywood. A HBO era, na época, a grande marca de TV por
assinatura, e todos tinham interesse em trazê-la para o Brasil. No entan
to, a HBO garantiria apenas os títulos de um estúdio, a Warner. A Globo
priorizou, então, as conversas com um outro grupo de estúdios formado
pela Paramount, Fox, Universal e MGM. As conversas entre Abril e Globo
iam e vinham, conforme alguns interlocutores da época, mas o fato é que
nenhum dos dois grupos de mídia tinha todos os seus ovos depositados
apenas nessa parceria.
Isso ficou evidente na cinematográfica sequência de acontecimen
tos que marcou a abertura da BrasilLink 1994, o principal evento de TV
por assinatura da época, no dia 23 de abril. Na abertura do encontro, Ro

64
berto Civita, presidente do grupo Abril, surpreendeu a platéia ao anun
ciar a parceria com a HBO.
Mas Alberto Pecegueiro, diretor de marketing da Net Brasil, sou
bera algumas horas antes que a parceria seria anunciada. Atempo de
avisar, por telefone celular, Luiz Gleiser, diretor de programação da
Globosat, que estava no evento de televisão MIP, em Cannes, justamen
te para negociar com os estúdios. Gleiser conseguiu, então, finalizar
em alguns minutos um acordo que já vinha sendo costurado com os
estúdios Fox, MGM, Paramount e Universal, e aprovar a divulgação
de um release com a parceria. Por telefone, a equipe da Globosat na
BrasilLink é informada a tempo de Adalberto Vianna, diretor da Net
Brasil, que dividia a mesa com Roberto Civita, anunciar em seguida o
acordo da Globosat com os quatro estúdios. E dessa forma, em menos
de uma hora, os dois principais canais de filmes existentes até hoje
marcaram a sua chegada no mercado brasileiro, sacramentando uma
política de exclusividade de programação que só se acentuaria nos
anos seguintes.
O curioso é que, até então, a Globosat é quem tinha acesso ao acervo
da Warner e a TVA, ao acervo dos quatro estúdios. Essas posições se in
verteram depois daquela BrasilLink. Posteriormente, os estúdios Sony e
Disney, que estavam soltos, associaram-se à HBO no mercado brasileiro.
Na frente das redes de distribuição, a Cabodinâmica acelerava os
planos de expansão em São Paulo, e em agosto de 1993 dava início ao ca-
beamento da cidade, começando pelo bairro da Lapa, próximo a sua sede
e onde a recepção da TV aberta era péssima. Aliás, a operadora, àquela
altura, já se chamava Net São Paulo. A diferença tem um significado: a
marca Net trazia consigo um conceito de multioperadora (MSO) que não
existia no caso de operações de cabo locais. O presidente da Net São Pau
lo, Alexandre Annenberg, defendia, por exemplo, o uso da marca TVC São
Paulo, para caracterizar a operação localmente. Antônio Athayde, res
ponsável pela estratégia da Net Brasil, defendeu a marca nacional com a
alegação que em grandes cidades essa identidade local não faria sentido.
Além disso, fazia parte do plano estratégico da Net a adoção da marca
nacional quando fosse possível.

65
Naquela ocasião, o modelo de implantação de redes de cabos no Bra
sil seguia padrões técnicos e arquiteturas típicas das operadoras argen
tinas, do tipo ‘tree-and-branch’, o que mudaria dois meses depois, quan
do sócios norte-americanos entraram no negócio. Antônio Salles, então
diretor técnico e sócio da Net São Paulo, relatou a este livro que a opção
por uma tecnologia obsoleta se devia à falta de modelos no Brasil. Hoje,
olhando para o passado, é possível dizer que a opção por uma tecnologia
obsoleta era apenas uma questão cultural, pois os custos de uma rede
com fibras e cabos coaxiais (HFC) seriam cerca de 12% mais altos. Foram
os americanos que convenceram os engenheiros brasileiros de que inves
tir naquele momento em redes mais avançadas, ainda que um pouco mais
caras, permitiria fazer outros serviços no futuro. Esse foi o modelo ado-
tado pela Net São Paulo. A reconstrução da rede da Net São Paulo antes
mesmo de a operação começar a funcionar gerou custos, mas mostrou-se
acertada do ponto de vista estratégico. Os sócios norte-americanos que
entraram no negócio e fizeram a Net São Paulo tomar um novo rumo na
definição de sua tecnologia de rede eram a UIH.
Dante Quinterno estivera em Denver, a capital do Colorado, no co-
meço de 1993, para tentar convencer a TCI, de John Malone, a entrar no
Brasil. A TCI era a maior operadora de cabo dos EUA e só se interessa
ria pelo país anos depois, em sociedade com a News Corp, para explorar
o mercado de DTH. Quinterno não conseguiu despertar o interesse de
Malone, mas durante a conversa soube que a empresa UIH, sediada na
mesma cidade, talvez tivesse interesse em explorar o mercado brasilei
ro. Meses depois, Alexandre Annenberg foi a Denver e acertou a entrada
da UIH, que adquiriu 20% da operação em São Paulo. A UIH planejava
investir US$ 7 milhões, mas acabou colocando cerca de US$ 20 milhões
ao longo dos três anos que ficou. Foi o primeiro operador de TV por assi
natura estrangeiro a se interessar pelo país. Em 1997, seria o primeiro a
sair, recebendo de volta quatro vezes o que investiu. A Net Rio também
entrou em operação no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, com progra
mação Globosat, e no interior de São Paulo a EPTV preparava suas redes
nas cidades de Franca e São Carlos, com a marca Inter Net (que nada tem
a ver com a Internet como se conhece hoje).

66
ABRACOM VIRA ABTA
Ao mesmo tempo em que a Net São Paulo estendia a sua rede, a Mul-
ticanal (que também tinha a Globo como acionista) começava a construir
a rede na capital. Havia, entre elas, um acordo de divisão da cidade em
que cada uma ocupava alguns bairros. Mas a combinação parava por aí.
O empacotamento, a tecnologia e as políticas de vendas eram completa
mente diferentes, sendo a Multicanal muito mais agressiva.
Em outras cidades, uma onda de associações também se avoluma
va. A maior delas foi no Rio Grande do Sul, onde se deu em duas etapas.
APansat, do empresário Nestor Knob, tornara-se, em pequena escala, a
primeira multioperadora ao sul do país. Em Pelotas e Rio Grande opera
va em sociedade com Osmarino Martins e seu filho Paulo Martins; nas
demais cidades, se associou à Multicanal em 1992 e várias das suas sete
outorgas já estavam em funcionamento. Quando a Multicanal, Globo e
RBS se associaram para formar a Net Brasil, houve uma segunda leva de
negociações, e em setembro de 1993, Knob transferiu as outorgas para
a Net Sul, controlada pela RBS. Esse foi um momento importante para
as operadoras do Sul, pois dali em diante a família Sirotsky assumiria o
controle de quase todas as outorgas de TV a cabo no Rio Grande do Sul
e retomaria seu projeto de consolidar uma grande rede de distribuição
de TV paga, que havia sido deixada na gaveta enquanto a estratégia do
grupo Globo priorizava a distribuição por satélite.
Com o mercado em crescimento, a chegada dos grandes investidores
ea disposição de se discutir uma Lei de TV a Cabo no Congresso, confor
me se verá no próximo capítulo, os diferentes grupos que atuavam no
mercado resolveram que seria importante ter uma representação insti
tucionalizada, e em 17 de agosto de 1993 a pequena associação Abracom,
formada em 1989 para representar os operadores de CATV, passou a in
cluir os grandes grupos operadores. Naquela assembléia ficou consolida
da a entrada da Multicanal, da Net Brasil, do grupo RBS, e a presidência
da associação coube pela primeira vez à TVA, que já vinha participan
do informalmente do grupo desde o final de 1992. Na primeira gestão
da Abracom, já incluindo as grandes empresas, o presidente foi Walter
Longo, presidente da TVA, o vice, Fernando Villarinho, da Net Brasil, e

67
Antônio Dias Leite era o presidente do conselho. Pouco depois, em 23 de
dezembro de 1993, a Abracom mudou de nome e tornou-se a ABTA, Asso
ciação Brasileira de TV por Assinatura.
A fase de consolidações entre operadoras não atingiu apenas os
grandes grupos. Em Belo Horizonte, as duas operadoras de cabo locais
também se uniram: a TTC TV a Cabo e a TV Video Cabo formaram uma
só empresa. Essa foi uma manobra especialmente importante, porque a
disputa que se armava era contra a Telemig, operadora estatal de telefo
nia que se destacou entre as várias empresas do Sistema Telebrás como a
pioneira em ter alguma estratégia envolvendo TV por assinatura.
A união das empresas de telecomunicações com as empresas de TV
a cabo só se tornou uma realidade concreta nos anos 2000, mas no pe
ríodo entre 1993 e 1996 houve alguns movimentos significativos nesse
sentido que devem ser resgatados, até porque simbolizaram o último ato
das empresas do Sistema Telebrás no sentido de se modernizarem em
um cenário estatal. Na segunda metade da década de 1990 as empresas
foram privatizadas, o que mudou completamente o cenário.
O contexto daquele ano de 1993 ajuda a explicar o que acontecia. O
Brasil passaria por uma revisão Constitucional no segundo semestre
do ano, e com a onda de privatizações que varria o mundo, e especial
mente a América Latina, a discussão óbvia era se as empresas de telefo
nia no Brasil também seriam vendidas. A onda liberalizante acontecia
em ritmo mais lento aqui, em função das crises políticas sucessivas de
correntes da queda do governo Collor e do escândalo do orçamento no
Congresso, mas o fim do monopólio estatal era uma aposta segura para
aquele momento.
Fosse como reação a essa perspectiva por parte dos que defendiam
a Telebrás assim como estava, fosse como forma de melhorar a imagem
da empresa para possíveis investidores por parte de quem acreditava que
a privatização era o melhor caminho, o fato é que havia um ímpeto de
investimentos em novas tecnologias. O CPqD, então centro de pesquisas
da Telebrás, vinha há alguns anos se aprofundando na questão das redes
digitais para a oferta de multiplos serviços, como voz, transporte de da
dos e televisão.

68
A Telemig foi a primeira a levar a cabo este planejamento, e em ja
neiro de 1993 publicou um edital para a contratação de equipamentos
que permitiriam a contrução de uma rede de transporte de vídeos. A ope
radora levava adiante uma orientação da Telebrás, de outubro de 1992, de
que todas as operadoras buscassem investir nesse tipo de infraestrutu-
ra, o que gerou a revolta dos operadores de DISTV locais e, pela primeira
vez, expôs o conflito entre a visão privada de operação, das empresas de
TV por assinatura, e a visão estatal. Na capital mineira, o conflito chegou
às vias de fato, ao ponto de a Telemig cortar os cabos das operadoras de
DISTV, alegando que estavam colocando em risco outros sistemas essen
ciais, como telefonia e rede elétrica.
Em outubro de 1993, contudo, a operadora suspenderia a licitação
em função dos protestos dos operadores de cabo e do arrefecimento das
discussões sobre a reforma Constitucional, que ao final não saiu. Mas
logo em seguida a Telebrás editou uma nova resolução, lembrando da
conveniência “de utilização de um meio único e público de transmissão”,
conforme a proposta de legislação para a TV a cabo em tramitação no
Congresso. Os detalhes da tramitação da lei estão no capítulo seguinte,
mas o que ficava claro naquele momento é que a Telebrás não queria per
mitir o desenvolvimento de uma rede concorrente.
Na esteira dessa diretriz, a Telemig propôs à operadora de cabo de
Belo Horizonte um acordo para a “regularização das redes de cabo exis
tentes” em relação aos padrões técnicos e à utilização de uma infraes-
trutura de fibra óptica única, ficando apenas a rede de cabos coaxiais
a cargo das operadoras. No que diz respeito aos serviços, a proposta da
Telemig era que as operadoras de cabo fizessem a parte de TV e TV inte-
rativa (falava-se muito em TV interativa como uma oportunidade futura)
e a tele estatal operaria os demais serviços de transmissão de dados e
telefonia, com divisão de receitas. A Telemig faria a cobrança dos servi
ços e as lojas da estatal seriam utilizadas para comercializar também
os serviços de TV por assinatura. Era uma proposta de acordo, do ponto
de vista conceitual, muito avançada, e mostrava que a TV paga estava
forçando as empresas de telecomunicações a pensar em novos modelos
de negócio. Com alguns ajustes, o acordo acabou saindo, o que pode ser

69
caracterizado como a primeira parceria efetiva entre empresas de tele
comunicações e empresas de telefonia. Como parte do acordo, a Telemig
passou a receber 10% das receitas da operação de cabo.
Na mesma época, o governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury
Filho, lançava um projeto de criar uma rede semelhante em São Paulo,
batizada de Infovias. Era um projeto independente da Telesp e tinha forte
caracterização política, de modo que o plano não saiu do papel.
Outro projeto que estava avançando, este sim, era o da Telebrasília.
No primeiro trimestre de 1994 a tele anunciava os planos de construção
de uma sofisticada rede de acesso por fibra óptica, algo que nunca havia
sido cogitado no Brasil em função dos elevados custos. As duas operado
ras de TV por assinatura da cidade, a TV Filme e a Cabo Total, operada
por Roger Karman, negociaram com a Telebrasília. Como Brasília é uma
cidade quase sem postes, a distribuição de TV a cabo dependia do uso
de dutos subterrâneos e caixas de passagem de fiação, e os controlado
res desta infraestrutura eram as concessionárias estatais de energia e
telecomunicações. Para a Cabo Total operar, portanto, era fundamental
um acordo com a tele que já vinha sendo tentado desde o final de 1991. A
Telebrasília, por sua vez, dificultava as negociações na expectativa de ter
a sua própria rede. Segundo relato de Karman a este livro, a negociação
só parou de enfrentar problemas quando a operadora franqueou-se à Net
Brasil, em 1994.
Por pressão dos operadores de DISTV, contudo, o Ministério das Co
municações foi obrigado a dizer que as empresas de telecomunicações
só poderiam operar em parceria com quem tivesse licenças, e foi o que
aconteceu. A Telebrasília seguiu à risca a determinação e acertou uma
parceria com a TV Filme (que já era sócia da TVA) para explorar a rede,
com a oferta de pelo menos 22 canais pagos. No dia 14 de junho de 1994
foi celebrado o contrato, mas não sem uma violenta onda de protestos
dos operadores de cabo, que consideravam aquela manobra irregular,
pois a TV Filme tinha autorização apenas para o serviço de MMDS. A
Multicanal enviou carta ao ministro das Comunicações, Djalma Morais,
no dia da assinatura do contrato. O ministro participaria do acordo como
testemunha, assinando o contrato ao lado de Roberto Civita, mas diante

70
dos protestos da Multicanal, transferiu a tarefa para o então presidente
da Telebrás, Adyr Silva.
A crise não abalou os planos da Telebrás nem os da Telebrasília. A
holding estatal planejava, naquela ocasião, a primeira rede banda larga a
interligar todo o país, a Renav (Rede Nacional de Alta Velocidade), e che
gou a anunciar o projeto no início de agosto de 1994. A idéia era ter uma
capacidade de rede que pudesse ser oferecida a operadores de TV por assi
natura. Já a Telebrasília manteve os planos de fazer uma rede de fibra que
atendesse a todas as quadras de Brasília e alugaria a infraestrutura aos
operadores interessados. Na expectativa da abertura do mercado de TV a
cabo (a Lei do Cabo havia sido concluída no Congresso e aguardava ape
nas a sanção presidencial), outros dois grupos acertaram o contrato com
a estatal: um grupo de investidores, ex-sócios da Multicanal em Goiânia, e
uma empresa chamada Multiponto, que abrigava diversos investidores do
mercado financeiro e era controlada por Daniel Dantas, que havia acaba
do de criar o grupo Opportunity. Um detalhe curioso é que a Multiponto ti
nha como acionista a IVP, da qual participavam vários empresários, entre
eles Joe Wallach, ex-sócio da Globo na Globosat. Posteriormente, também
o jornal Correio Braziliense chegou a fechar acordo para a utilização da
infraestrutura da Telebrasília, mas o plano não foi adiante. A Videorede,
como era chamada, da Telebrasília nunca funcionou efetivamente, mas só
veio a ser desmontada cerca de dez anos depois.
A Telebrasília, entretanto, inaugurava uma série de outras iniciati
vas de empresas do sistema Telebrás de fazer redes semelhantes, sempre
sob orientação do CPqD. A Telebahia foi quem propôs o modelo mais am
bicioso, que chegava até a casa do assinante. No edital de seleção dos for
necedores, publicado no começo de 1995, pedia a possibilidade de um set
top para serviços integrados de voz, vídeo e dados, algo revolucionário
para a época. ATelegoiás e aTelepar foram pelo mesmo caminho, mas em
nenhum dos casos as parcerias se tornaram operações efetivas. Outras
operadoras do sistema Telebrás também tinham planos, e quem pensava
em aproveitar essas oportunidades era a TVA, que celebrou nada menos
do que sete contratos com diferentes empresas. As teles ainda tentaram,
em 1996, emendar a recém-criada Lei do Cabo para que estes contratos

71
fossem transformados em concessões do serviço, mas com a privatiza
ção da Telebrás se avizinhando, todas as iniciativas nesse sentido foram
suspensas. A verdade é que também as redes de TV a cabo estavam cami
nhando para a convergência de serviços, e em 1995 começaram a sair,
sobretudo nos EUA, os primeiros equipamentos para a transmissão de
Internet em redes de TV por assinatura.
Se o mercado de TV por assinatura era atraente para as empresas de
telecomunicações, e se as empresas de TV a cabo já tinham iniciado uma
intensa fase de instalação de redes, inclusive já ocorrendo consolidações
significativas, era natural que quem tivesse ficado de fora da primeira
onda de distribuição de licenças de DISTV e MMDS, entre 1990 e 91, tam
bém manifestasse interesse em entrar no mercado, e a janela para isso
acontecer era o MMDS.
Tratava-se de um serviço praticamente desregulado naquela oca
sião, e não havia, por parte de outros setores, demanda pelas frequências
do serviço. O MMDS daTVAem São Paulo e Rio também se mostrava uma
boa vitrine do que era possível fazer com aquela tecnologia, e a deman
da por ele crescia. Em meados de 1993, o Ministério das Comunicações,
derrotado dois anos antes na discussão sobre TV a cabo (como se verá
no próximo capítulo), decidiu regulamentar o MMDS. Com os pedidos
de autorização se avolumando (grande parte deles realizados por emis
soras afiliadas de redes de TV aberta, da Globo, inclusive), o Ministério
anunciou para o final daquele ano uma regulamentação própria para o
serviço, e foi o que aconteceu.
Com algum atraso, em 16 de março de 1994, o governo editou a pri
meira norma específica para o serviço, que até então era outorgado de
forma precária, com uma licença de uso de espectro. A principal novi
dade da Norma de MMDS foi abrir a possibilidade de se fazer produção
própria de programação, o que as operadoras de DISTV não podiam fazer.
Também previu a ampliação do número de canais por licenciada para até
31, o que aumentava significativamente o potencial do grupo Abril, que já
operava nas duas principais cidades brasileiras.
A Norma de MMDS fez com que dezenas de pedidos de outorga fos
sem feitos ao Ministério, o que abria possibilidades reais de licitação do

72
serviço. As afiliadas da Globo se movimentaram, mas poucas foram ao
Minicom pedir a autorização. Já a TVA entrou com nada menos do que 97
solicitações de outorga junto ao Ministério. Essas licenças nunca saíram
efetivamente, e os editais só apareceriam no final de 1997, mas a regu
lamentação do MMDS movimentou significativamente o mercado. Duas
consequências foram sentidas. A primeira foi a tentativa de elaborar, no
Congresso, uma lei específica para a tecnologia. A proposta veio do mes
mo grupo ligado ao Fórum Nacional de Democratização da Comunicação,
que propôs ao deputado Tilden Santiago a Lei do Cabo, em 1991. O projeto
não prosperou dentro da Câmara porque não despertava tanto interesse
quanto o de TV a cabo. Além disso, na ocasião, com o sinal analógico, o
MMDS tinha dificuldades de acomodar os canais de acesso público que
já vinham sendo discutidos para a TV a cabo. E, por fim, não havia inte
resse nem necessidade política de se criar uma lei como aquela. O fato é
que a proposta da deputada Irma Passoni teve o lixo como destino.
Outra consequência dessa onda do MMDS que varreu o final do ano
de 1994 foi o súbito aumento dos investidores estrangeiros que se dis
punham a entrar no mercado de TV por assinatura. O grupo Abril, que
ainda estava em busca de investidores, teve nessa aparente abertura do
mercado de MMDS uma possibilidade concreta de trazer novos sócios e
parceiros. O primeiro a chegar foi o grupo Chase, que adquiriu por US$ 35
milhões, no final de julho de 1994, uma parcela de 17% da TVA. A idéia da
entrada do Chase era que o banco ajudasse a empresa a encontrar mais
sócios. Ao mesmo tempo, o fundo Warburg, Pincus entrava como sócio
da família Lins de Albuquerque e da TVA na TV Filme, de Brasília, com
um investimento de US$ 5 milhões. Pouco depois, em outubro do mesmo
ano, a TVA acertaria ainda a sociedade com investidores canadenses nas
operações em que Bayard Umbuzeiro e a Inbrac eram sócias na grande
São Paulo e no litoral paulista.

GRANDES INVESTIDORES
Era uma época de grandes e importantes arranjos societários e fi-
nanceiros entre as empresas de TV por assinatura. AUIH, por exemplo,
expandia a sua participação na operação de TV a cabo da Net São Paulo

73
comprando as participações de Alexandre Annenberg e Antônio Salles,
que permaneciam como executivos. Outra operação importante, mas de
muito maior vulto, foi o aporte de US$ 125 milhões feito, naquele momen
to, pelo IFC na Globo Cabo, a holding então criada para gerir os investi
mentos da Globo na área de cabo. Ao mesmo tempo, e com muito mais
discrição, Antônio Dias Leite também buscava formas de financiar as
atividades de suas empresas. Em junho de 1994 acertou a criação de uma
holding para explorar o setor de telecomunicações com o grupo Garantia
(especificamente o fundo GP Capital), dos empresários Paulo Lemann e
Beto Sicupira. A Mcom era uma empresa que tinha cerca de 70% da Mul-
ticanal e na qual o Garantia tinha cerca de 50% de participação. Os valo
res nunca foram revelados na época, mas sabe-se hoje que o investimento
do GP, na ocasião, foi da ordem de US$ 50 milhões, e até o final do ano
houve mais dois investimentos que totalizaram US$ 67 milhões. No fim,
Antônio Dias Leite tinha conseguido vender um pedaço de sua participa
ção na Multicanal por mais de US$ 110 milhões sem avisar a Globo, que
era a outra acionista da empresa.
Do ponto de vista estratégico, a entrada do GP teve um grande valor
para Dias Leite. Aí começou a ser delineada a estratégia que permitiria,
um ano depois, a entrada do Multicanal na bolsa norte-americana. O GP,
do lado de Dias Leite, e o IFC, do ponto de vista da Globo, eram investido
res que olhavam a TV a cabo não como TV por assinatura, mas com uma
visão estratégica voltada para telefonia e banda larga.
Achegada do grupo Garantia também teve um outro significado: foi
quando foi plantada a semente de uma relação turbulenta e cercada de
desconfiança com o grupo Globo, principal parceiro no mercado de TV
paga e sócio na Multicanal. Esses atritos passavam por duas frentes: uma
delas era o fato de a Globosat ser a programadora preferencial da Multi
canal. Do ponto de vista dos sócios de Antônio Dias Leite, acreditava-se
que o contrato com um acionista dava à Globo uma vantagem financeira
muito grande. Outro fator é que, em meados de 1995, o grupo MCom real
mente acreditava que poderia liderar o mercado de TV por assinatura no
Brasil, mas a estratégia passava antes por uma expansão satelital e por
uma presença no mercado de programação. A primeira etapa foi tentar

74
fechar a contratação do satélite que poderia ser usado para uma plata
forma de distribuição.
As operações de TV paga via satélite (DTH) nos EUA já eram uma
realidade desde 1994, e a banda Ku se consolidava como uma tecnologia
a ser explorada. A Globo, em maio daquele ano, conversou com a Televisa
e a PanAmSat para uma parceria na operação do satélite PanAmsat, e
reativou, em outra frente, uma parceria com a Victori e o banco Bradesco
para um projeto de satélites próprios que já havia sido tentada na década
de 1980, o Projeto Class. Tinha também a NetSat, que operava TV por as-
sinatura em banda C, com a infraestrutura original da Globosat.
Em meados de 1995, a Multicanal procurou a Embratel para acertar a
compra de capacidade nos satélites da Intelsat, que já prometia capacida
de para a banda Ku. A Multicanal tinha em mente fazer uma operação de
distribuição de TV por assinatura via satélite. Segundo relatos de Olinto
Santanna, que na época negociava pela MCom a compra do espaço no saté
lite, estranhamente a negociação não evoluiu, apesar dos elevados valores
envolvidos (mais de US$ 70 milhões, diz ele). “Nós queríamos o satélite. Tí
nhamos 70% da distribuição por cabo e sabíamos que aquela posição é que
determinaria os custos de programação”, declarou Santanna a este livro. A
MCom foi então à Argentina e fechou um grande acordo com aNahuelpara
usar a capacidade de satélite, mas manteve esse plano em sigilo.
Paralelamente, a Multicanal começou a desenvolver o projeto de
programação. Primeiro com um canal de compras, o Shoptime, e depois
com a montagem de uma programadora batizada de Telecentro. Até o fi-
nal de 1995, a empresa de Antônio Dias Leite já havia adquirido um local
para instalar seus estúdios (um terreno em frente ao Projac, da Globo,
em Jacarepaguá), trouxe Luiz Gleiser, ex-diretor de programação da Glo
bosat nos primeiros quatro anos da operação, e preparava o lançamento
de mais três canais: um infantil, um de filmes de aventura e um canal
feminino, que eram os três nichos não atendidos nem por Globosat nem
pelos canais da TVA.
A estratégia de entrar em programação sem aviso prévio não agra
dava à Globo, que era sócia da Multicanal e tinha um modelo de negócios
baseado na distribuição de seus próprios conteúdos para as operadoras

75
franqueadas. Estava armada uma bomba que viria a explodir alguns me
ses depois, no começo de 1996.
Antônio Dias Leite e o grupo GP decidem, então, um lance ainda
mais ousado: buscar no mercado internacional US$ 125 milhões em dí
vida para novos investimentos e para a expansão da MCom na área de
TV por assinatura. Foi o estopim da maior crise entre as duas empre
sas desde que se tornaram sócias, em 1993. A Globo, descontente com a
estratégia da MCom, decide romper a parceria. Para isso, utiliza-se de
um dispositivo do contrato entre ambas, a chamada “cláusula chinesa”,
em que a Globo faria uma oferta para ou vender a sua participação na
Multicanal à MCom, ou comprar a outra parte. No dia 1º de fevereiro de
1996, a Globo informa, verbalmente, sua decisão a Antônio Dias Leite. Se
Dias Leite recusasse, a Globo teria o direito de comprar a participação
da MCom. Mas Dias Leite concorda e estabelece o preço de compra das
ações da Globo em US$ 122,6 milhões, e em março foi feito o primeiro pa
gamento. No entanto, nos movimentos finais para encerrar a parceria,
os executivos e acionistas de ambos os lados decidem conversar e ajus
tar os ponteiros; o rompimento foi revertido, mas com um grande acordo
de reestruturação da Multicanal.
Segundo o acordo, a Multicanal abria mão de produzir programação
própria e os três acionistas (Dias Leite, Globo e GP) passavam a ter par
ticipações idênticas na companhia, sem que houvesse o controle de um
grupo específico. AMulticanal também recuou de seu plano de lançar um
DTH e só manteve o Shoptime, canal que já estava no ar. A partir desse
ponto, com as relações pacificadas, a operadora começa a preparar a sua
abertura de capital em bolsa nos EUA.
Mas a Multicanal não era a única que trabalhava nesse sentido, e
uma empresa conseguiu fazer a operação um pouco antes: a TV Filme
de Brasília. Em entrevista à revista PAY-TV de fevereiro de 1997, Carlos
André Lins de Albuquerque, sócio e presidente da empresa, relata essa
parte da história da empresa:

A TV Filme era uma empresa pequena e lançar ações era um desafio,


mas isso abriria para nós um novo nicho de investimento. Quando você se

76
torna uma empresa de capital aberto ao público, você adquire respeito no
mercado, o que facilita a busca de outros tipos de investimentos. Passamos
por uma auditoria de quatro meses. Fomos a primeira empresa privada bra
sileira de telecomunicações a buscar a Security Exchange Comission, uma
espécie de Comissão de Valores Mobiliários americana, e fomos os primei
ros brasileiros da categoria a abrir o capital nos Estados Unidos. As duas
outras empresas brasileiras com o capital aberto nos EUA eram a Telebrás
e a Aracruz Celulose, que são duas gigantes. Vinte e cinco por cento das
ações da empresa foram lançados em capital a US$ 10 por ação. Fechamos
96 com as ações em torno de US$ 14, um resultado excelente. Com isso,
trouxemos mais US$ 26 milhões para a empresa. Em agosto do ano passa
do (1996), começamos imediatamente o processo de busca de empréstimo.
Fizemos o lançamento dos bônus por oito anos. Também fomos a primeira
a começar o processo, mas a Multicanal e a TVA conseguiram lançar os
seus bônus antes que nós. Pretendíamos lançar US$ 125 milhões em ‘bon-
ds’, mas como o número de pedidos foi superior conseguimos captar um
total de US$ 140 milhões.

Essa descrição dá uma idéia da euforia que tomava conta do mercado


financeiro à época, para as operações de TV por assinatura no Brasil. A
Multicanal, no começo de 1997, abriria seu capital na Bolsa de Nova York
avaliada em US$ 1,48 bilhão. Optou por vender apenas 10% de seu capital.
Vários outros negócios aconteciam nesse ambiente em ebulição. Nesse
momento, alguns dos investimentos pioneiros em TV por assinatura co-
meçaram a ser desfeitos. Em dezembro de 1995, a Net Brasil iniciava o
processo de aquisição do controle das operações de cabo em Brasília, Pira
cicaba e da Rio Cabo, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Em Brasília, o grupo
de Alejandro Massot vendia sua parte na operação por algo em torno de
US$ 25 milhões. Em Piracicaba, onde a operação era controlada pelo mes
mo grupo, quem comprou foi a Inter Net, da família Coutinho Nogueira.
Mas o maior de todos os negócios foi a saída da UIH da Net São Pau
lo por um valor estimado emUS$ 85 milhões, em 1996, contra um investi
mento, dois anos antes, de US$ 20 milhões. A relação entre a UIH e a Glo
bo se complicara desde que ambas divergiram sobre a codificação da rede

77
em São Paulo, em 1995. A UIH queria codificar, a Globo não. Também ha
via uma comparação inevitável com a Multicanal, que operava em outros
bairros de São Paulo usando diferentes critérios de venda e construção
de rede, e assim conseguia um crescimento mais expressivo em termos
de expansão de base. Quando entrou no Brasil, a UIH não planejava ser
apenas uma investidora para sair em três ou quatro anos. O rompimento
com a Globo foi precipitado por divergências de gestão nas companhias,
mas a UIH ainda tentaria permanecer no Brasil associando-se à TV Show
de Fortaleza em meados de 1995, e depois em 1997, preparando-se para
entrar no processo de licitação de novas concessões de cabo e licenças
deMMDS.
Quanto a Dante Quinterno, que vendeu a sua participação na Rio
Cabo (Net Rio) e na Net São Paulo, este seguiu um caminho único e ino
vador na história da TV por assinatura brasileira. Ele optou por iniciar
uma nova operação, desta vez na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Quinterno relatou a este livro que, desde os tempos em que era acionista
da Net São Paulo, acreditava na importância de atender a classes menos
abastadas, mas nunca conseguiu levar seu projeto adiante porque pre
cisava conciliá-lo com o interesse dos outros acionistas e investidores.
Assim, a Net São Paulo e a Net Rio foram, em seus primeiros anos, fo
cadas nas classes A e B, assim como todas as operações de TV paga que
surgiram na época ou depois.
Ao vender as suas participações, Quinterno decidiu subir o morro.
Para isso, fez um acordo com a operadora para, a partir da fibra que es-
tava disponível na frente da favela, desenvolver uma operação de baixo
custo utilizando a concessão da Net Rio e a oferta de canais, que eram
então reempacotados de forma simplificada para se chegar a um menor
custo (inicialmente, cerca de R$ 30). A TV Roc sempre operou com base
no acordo celebrado entre Quinterno e a Net Brasil. Na época em que a
experiência começou, a própria Net a via como um laboratório para en-
tender a complexidade de operação nas classes C e D, como comentou
Antônio Barreto, diretor geral da Net Brasil na ocasião do lançamento
da TV Roc. Mas sua vida não foi tranquila. Primeiro, porque o modelo
regulatório brasileiro não previa aquele tipo de “subconcessionário”. Ca

78
beria à Net Rio assumir todas as responsabilidades, como se a operadora
fosse sua, e por isso foram inevitáveis algumas disputas judiciais entre
Quinterno e a operadora. Além disso, sem o sinal codificado, a TV Roc
também sofreu muito com os “gatos” e os pontos clandestinos, mas nem
por isso a operação deixa de ser um modelo de atendimento a comunida
des carentes. Até hoje os Quinterno (pai e filho) permanecem sócios da
operação. Na década seguinte, seria tentado um modelo de legalização
das operadoras de cabo em localidades carentes, como as favelas, por ini
ciativa, sobretudo, de Fernando Mousinho, por parte dos empresários e
da associação ABTelmin, pelos operadores, mas o modelo não se viabili
zou economicamente.
Outra empresa que ao longo de 1995 e 1996 angariaria muitos só
cios é a TVA. A empresa conseguiu trazer, entre outubro e dezembro de
1995, três novos acionistas, que colocaram US$ 125 milhões no negócio:
aHearst, a ABC/Capital Cities e aFalcon Cable. Assim ficou a composição
acionária final da TVA naquele ano: Abril 57%; ABC/Capital Cities 10%;
Hearst 10%; Falcon 14%; e Chase 9%. Cada sócio tinha uma característi
ca. A Falcon era uma operadora de TV a cabo experiente nos EUA e com
algumas operações no exterior. Essa característica, em princípio tão va
lorizada, seria mais adiante um grande problema quando a TVA entrou
no mercado de DTH com a DirecTV. Naquela ocasião, contudo, a Falcon
agregava credibilidade no mercado de capitais e experiência de operação
de cabo, o que a TVAnão tinha. O grupo Hearst tinha contatos com a área
editorial da Abril há mais de duas décadas, e assim como a ABC, atuava
nos EUA como programador e distribuía programação no exterior. Am
bas eram sócias dos canais ESPN, LifeTime, Arts & Entertainment, ESPN
2 e History Channel. Esse perfil de acionistas fortes poderia, naquele mo
mento, ajudar a TVA. Meses depois, a TVA fecharia ainda outra socieda
de com a maior empresa de telecomunicações canadense, a Bell Canada,
para as operações de cabo na região metropolitana e no litoral paulista,
que formaria, em abril de 1996, a Canbrás.
No Sul, outro negócio importante se concretizava. A operadora de
cabo norte-aemricanaAdelphia, que aportou no Brasil num daqueles lan
ces de sorte, trazida por um broker que havia se encontrado casualmente

79
com Paulo Martins, dono das operações de cabo de Pelotas e Rio Grande,
no Rio Grande do Sul. Desde que a RBS havia comprado as operações de
Nestor Knob, em 1993, a STV (nome da empresa de Paulo Martins) era
a única operadora independente do estado, enfrentando a concorrência
direta do maior grupo de mídia gaúcho.
Em meados de 1994, já sem dinheiro e sem condições de enfrentar a
concorrência, a STV decide buscar um sócio. Em uma viagem às Jornadas
(evento de TV a cabo tradicional na Argentina), Martins relatou a história
de sua operação a um colega chamado Luiz Frega, que lhe apresentou o
corretor norte-americano John Pierce, que disse ter um operador de cabo
dos EUA interessado em entrar no Brasil. Em 1995, a Adelphia Cable, en
tão a quinta maior operadora dos EUA e que já tinha alguns investimen
tos na América Latina, enviou Claire Labrunerie ao Brasil. A executiva
entregou à STV uma lista de nada menos que 54 perguntas sobre os de
talhes da operação.
Martins relata que respondeu às perguntas, mas não via chance de
que o negócio prosperasse, afinal, a STV tinha pouco mais de 1 mil assi
nantes nas duas cidades e enfrentava uma concorrência feroz. Finalmen
te, em 4 de agosto de 1995, a Adelphia entrou no negócio pagando US$
1,5 milhão. Junto com a Falcon e com a UIH, a Adelphia era a prova do
interesse das grandes operadoras norte-americanas pelo Brasil.

A ONDA DA BANDA KU
Mas entre os anos de 1995 e 1996, o principal movimento da indús
tria de TV por assinatura foi mesmo o início das operações de DTH. Trata-
se de um fato importante por trazer ao Brasil grandes grupos de mídia
internacionais, alterar significativamente a estratégia dos operadores
existentes, introduzir a TV digital e a TV interativa e, principalmente,
levar a TV por assinatura a todo o território brasileiro.
É justo que se diga que o conceito de TV por assinatura via satélite
já vinha desde os tempos em que a Globosat foi ao ar na banda C do Bra-
silsat, ainda em 1991. Mas era uma operação complexa, em que se exigia
a instalação de grandes e custosos equipamentos, um modelo de vendas
por condomínios e com grande limitação no número de canais. Em 1992

80
e 1993 começam a surgir, nos EUA, os primeiros satélites comerciais que
operavam em outra frequência de satélite, a banda Ku, e com alta potên
cia. Essa tecnologia simplificava a recepção, porque exigia antenas muito
menores (de 60 centímetros a 1 metro, no máximo, contra antenas de até
5 metros de diâmetro utilizadas na banda C); o sinal era digital e compri
mido, o que significava mais canais em cada transponder do satélite, por
tanto, menor custo por canal; e a instalação podia ser individualizada.
Um dos primeiros empreendedores mundiais da TV por assinatura
via satélite foi Rupert Murdoch, fundador da News Corporation, um dos
maiores grupos de mídia do mundo. Na década de 1980, Murdoch criou a
Sky no Reino Unido, e já em 1990 a fusão com a British Satellite Broad-
casting deu origem à BSkyB.
Nos EUA, o fabricante de satélites Hughes (empresa da General Mo
tors) também decidia entrar no negócio de distribuição de TV por assina
tura via satélite em 1993, criando a DirecTV, que foi ao ar naquele país
no começo de 1994. Na mesma época, a operadora de satélites privados
PanAmSat, do empresário Rene Anselmo, também tinha planos de entrar
no mercado latino-americano de televisão. Ambas começaram a sondar o
mercado brasileiro.
No final de 1994, a Hughes, proprietária da DirecTV nos EUA, anun
ciou o lançamento, programado para setembro de 1995, do seu satélite
GalaxyIIIR. Algumas antenas do satélite estariam direcionadas espe
cialmente para o Brasil, com uma oferta de nada menos que 72 canais
digitais de TV em 12 transponders de banda Ku. Para se ter uma ideia do
que isso representava, a Globosat, que era a única operadora de TV por
assinatura via satélite, tinha apenas quatro canais analógicos.
Era natural que a operação chegasse ao país; só não se esperava que
fosse tão rápido. No segundo semestre de 1994, Michael Armstrong, CEO
da Hughes, vem ao Brasil em uma viagem de prospecção comercial e procu
ra a ABTA, presidida por Walter Longo. Conforme relembra Walter Longo
a este livro, Armstrong queria conversar com possíveis parceiros brasilei
ros, como a Globo. Longo aproveita o contato e faz a primeira aproximação
com a DirecTV, ideia que logo seria levada a Roberto Civita. A negociação
avança por recomendação do grupo venezuelano Cisneros, que já tinha

81
boa relação com o grupo Abril e àquela altura também negociava com a
Hughes. O acerto não demorou a sair. Em 10 de março de 1995 é anunciada
a sociedade entre a TVA, a MVS Multivision do México e o venezuelano
Cisneros Groups of Companies, além da Hughes Communications. A ideia
era operar a DirecTV no Brasil a partir do primeiro trimestre de 1996, uti
lizando o satélite GalaxyIIIR, que subiria em setembro daquele ano.
A Globo também estava muito atenta às possibilidades de operação
de TV por assinatura via satélite e conversou com a DirecTV durante a
visita de Armstrong. Mas as negociações não foram adiante porque a
Globo desconfiava que o modelo pronto da DirecTV nos EUA talvez não
funcionasse no Brasil, e porque o satélite que seria utilizado ficava mui
to próximo à linha do horizonte, o que dificultaria o posicionamento das
antenas de recepção e porque ela, Globo, não queria ser apenas represen
tante da DirecTV norte-americana no Brasil.
O grupo da família Marinho havia começado a negociar, em maio de
1994, com a PanAmSat a possibilidade de entrar de sócia na operação do
satélite. As negociações envolviam a Televisa, e os grupos chegaram mui
to perto de acertar o consórcio para a operação de um negócio de DTH
pelo PanAmSat 3, que seria lançado no final daquele ano. A operação te
ria 32 canais digitais. Havia algumas dificuldades, como a restrição co-
locada por René Ancelmo a que se transmitisse em seu satélite canais de
conteúdo adulto ou religioso. Ainda assim, a parceria quase saiu. Mas em
dezembro de 1994, contudo, quando o satélite foi lançado, uma falha no
foguete Ariane colocou o PanAmSat 3 no fundo do mar.
Nessa época, intensificaram-se as conversas com Rupert Murdoch,
da News Corp., sobre a possibilidade de trazer a Sky ao mercado brasi
leiro. As conversas com Murdoch já aconteciam há algum tempo, desde
que a Net Brasil trouxe o canal Fox para a operação da NetSat em ban
da C. Conversou-se também sobre investimentos em geral em TV por
assinatura, até mesmo sobre a possibilidade de a News se associar às
operações de cabo da Net no país (o que voltaria a acontecer em 2002).
Finalmente, em 30 de junho de 1995, a Globo e a News Corp. anuncia
ram uma sociedade para a operação de uma plataforma de DTH no país.
Em 10 de julho o “Jornal Nacional” exibiu uma reportagem de quatro

82
minutos destacando a importância da parceria. Mas faltava um deta
lhe: qual seria o satélite?
Pouco depois, o então vice-presidente executivo das organizações
Globo, Roberto Irineu Marinho, informava que a News Corp. tinha reser
vado quatro transponders, através da Comsat, no satélite Intelsat 707,
que seria lançado aquele ano. Além desses quatro transponders, a Glo
bo também tinha a promessa de mais quatro no mesmo satélite consig
nados à Embratel. Eram, justamente, os transponders que a Multicanal
tentava conseguir para fazer a sua operação. E ainda havia a opção para
mais dois transponders.
Do ponto de vista da capacidade satelital, o consórcio Globo/News
Corp. tinha quase a mesma capacidade da DirecTV com o GalaxyIIIR,
com a diferença que a Globo, naquele momento, tinha acesso a satélites
que poderiam operar legalmente no país. Já o Galaxy era uma incógnita,
por ser um satélite estrangeiro (como o Brasil era signatário do acordo
da Intelsat, seus satélites poderiam ser usados sem problema).
O acerto com Murdoch trazia também novidades em programação.
Pela primeira vez, uma operação do grupo Globo daria garantias de dis
tribuição dos canais da Fox, controlada pela News. Mas também haveria
a possibilidade de a Globosat criar mais canais para o DTH. A TV Globo
também faria a sua parte, cedendo o sinal da rede aberta como forma de
reforçar a operação.
Era uma época de muitos investimentos em redes de satélite no
mundo todo. No Brasil, a TVA já operava desde 1994 em banda C, mas
com sinal digital: a sua operação Digisat. O grupo Globo tinha o NetSat,
também em banda C, mas analógico. E na América Latina havia uma dis
puta pela construção de grandes redes de satélite para DTH: uma delas
era o projeto Amigo, do grupo SUR, e havia ainda os brasileiros Localsat e
Class. O Localsat era um projeto conjunto da fornecedora de equipamen
tos Splice e a Itatel, empresa de telecomunicações do grupo Itamarati,
do ex-rei da soja Olacyr de Moraes. O Class era um projeto que a Globo
tinha com o Bradesco e com a Victori. O projeto da Globo com a News
consolidou-se em novembro de 1995, com o anúncio da entrada dos de
mais sócios: a TCI, do empresário do setor de TV a cabo John Malone; a

83
Televisa, da família Azcarraga; e a News Corporation, de Rupert Murdo-
ch. A operação incluiria também o restante da América Latina.
A partir daí, era só esperar que subisse o satélite que seria utilizado
para a operação do serviço, mas em 14 de fevereiro de 1996, um grave
acidente durante o lançamento do foguete chinês Longa Marcha explode
o satélite Intelsat 708 e ainda mata uma dezena de pessoas e fere outras
cem no interior da China.
Para o caso de uma emergência, a Intelsat já havia garantido ao con
sórcio Globo/News/Televisa/TCI um segundo satélite que subiria 15 dias
depois. Horas antes do lançamento do Intelsat 707, em 2 de março, Globo,
News Corp. e Televisa mudam os rumos do projeto e abandonam o 707,
optando pelo PanAmSat 3R, já em órbita, para o Brasil. A avaliação é que
haveria muitos riscos se o Intelsat não tivesse sucesso no lançamento,
pois não havia um reserva.
O PAS3R era um satélite provisório e tinha uma cobertura inade
quada, apenas para a costa do Brasil e para a regiäo Sudeste. A espe
rança era que o substituto PanAmsat 6, que seria lançado no começo de
1997, resolvesse os problemas, já que o PAS6 havia sido projetado com
uma tecnologia mais avançada de compressão de sinais e com maior
potência. Com isso, a operação sairia com algo em torno de 40 canais,
contra os 56 anteriores. Em 1996, as operações de DTH em banda Ku dos
dois grupos entraram em operação. A primeira foi a DirecTV, da TVA,
que iniciou seus serviços no dia 15 de junho daquele ano, cobrando R$
990 pela antena e decodificador, R$ 150 de taxa de instalação e mensa
lidade de R$ 53. A oferta eram 48 canais digitais, sendo 12 em pay-per-
view. Era, por sinal, a primeira vez que o Brasil tinha essa modalidade
de venda de serviços de conteúdo.
Já a Sky (nome da operação resultante da joint-venture entre News,
Globo, Televisa e TCI) entrou em operação em novembro de 1996, com 40
canais digitais de vídeo. As operações entraram no ar com pelo menos
uma polêmica regulatória: foram autorizadas a funcionar sem nenhum
processo de licitação. Em abril daquele ano, o Ministério das Comunica
ções simplesmente autorizou, retroativamente, os dois grupos a operar
com seus parceiros e com os satélites que haviam contratado. Houve re

84
clamações, sobretudo porque o ministro Sérgio Motta, ao assumir o car
go, em 1995, iniciara uma política de concessões regulada por licitações
públicas. Prevaleceu, contudo, a visão de que os serviços de satélite não
tinham por que ser controlados.
Hoje, sabe-se que os grupos Globo e Abril chegaram a conversar, no
começo de 1995, para definir uma estratégia comum para a operação de
DTH via satélite que, obviamente, não prosperou. Os dois grupos tinham
a visão de que uma presença forte no DTH seria importante para garantir
o sucesso das estratégias em TV paga, e já naquela ocasião os modelos se
mostraram incompatíveis.
Com a concentração das operações de TV paga nas mãos dos gran
des operadores controlados por Globo e Abril, a presença de investidores
estrangeiros fortes, empresas abertas em bolsa, o DTH em pleno funcio
namento competindo com as operadoras de cabo, a Lei do Cabo concluída
e em fase de regulamentação com vistas à abertura do mercado por meio
de novas outorgas e, sobretudo, com o bom momento econômico naque
les anos de 1995 e 1996, a TV por assinatura entrou em um novo ciclo. Daí
para a frente, a indústria ganharia um vulto ainda maior, enfrentaria o
processo de privatização das empresas de telecomunicações e passaria a
se posicionar para competir em outras áreas, como internet e telefonia.

85
CAPÍTULO 4

Lei do Cabo:
uma longa história
Muito antes de a TV a cabo existir no Brasil nos modelos atuais, a
partir da década de 1990, já havia a um esboço de discussão sobre uma
legislação para o serviço. Na verdade, houve várias tentativas de imple
mentar uma regulamentação de TV por assinatura, sendo a primeira efe-
tivamente documentada no ano de 1973.
Já mencionamos que o trabalho de resgate dessa história se deve, de
um lado, ao jornalista Daniel Herz, cujo papel foi além do de pesquisador
e analista dos fatos, mas muitas vezes influenciou e determinou o pró
prio fluxo de acontecimentos. De outro lado, a um personagem central,
Rômulo Villar Furtado, que atuou no Ministério das Comunicações desde
o governo Médici, em 1970, tendo sido secretário geral do Ministério en-
tre 1974 e 1985, nos governos Geisel, Figueiredo e Sarney.
É Rômulo Villar Furtado quem revela, em Ofício 399/75 endereçado
à Associação de Promoção da Cultura de Porto Alegre, que em 1973, dian
te da manifestação de seis interessados em explorar o serviço de TV por
assinatura no Brasil, o Ministério das Comunicações julgou oportuno
elaborar uma proposta de regulamentação para o Serviço de Cabodifu-
são. Essa documentação faz parte do acervo deixado por Daniel Herz em
sua dissertação de mestrado de 1983. Em depoimento a este livro, Villar
Furtado relembra:

A questão da TV a cabo no Brasil surgiu espontaneamente já nos anos


de 1972 ou 73. Existiam já instalações de distribuição de televisão por ca
bos para zonas de sombra e cidades do interior. Isso não obedecia a ne

86
nhum tipo de regulamentação, licença ou requisito. Eu cheguei a defender
uma tese de que essa era uma atividade que, naquele nível, não ocupava o
espaço radioelétrico, era confinada ao cabo e podia ser feita em regime de
pura competição, e por isso não precisava ser regulamentada, na minha
opinião à época. O importante era apenas o Ministério estar informado.
Mas os advogados diziam que a Lei 4.117 diz que a distribuição de sinais
eletromagnéticos por qualquer meio deveria ser regulamentada. Por isso
propus que se fizesse um regulamento dizendo que o serviço independia
de licença prévia, desde que confinado ao cabo e que os sinais transmitidos
fossem autorizados.

Essa foi a proposta apresentada por Villar Furtado ainda em 1972,


quando era secretário-adjunto. Ele deixou o Ministério naquela ocasião
para assumir a presidência da Telest (Telecomunicações do Espírito San
to) e retornou em 1974, segundo seu relato, com o problema ainda pen
dente. Ele relembra que havia implantações de distribuição de TV por
meio de cabos, e que não eram poucas. Uma dessas implantações, segun
do Villar Furtado, pertencia a um uruguaio que tinha várias operações
no Paraná e em Santa Catarina. “Era basicamente uma antena coletiva”,
relembra Furtado.
Em 1974 o Ministério decide fazer o primeiro regulamento de radio
difusão, como parte do planejamento de trabalho do ministro Euclides
Quandt de Oliveira. O regulamento deveria ser editado por decreto pre
sidencial. O texto do regulamento foi de fato elaborado e tinha caracte
rísticas inovadoras, principalmente em se tratando de um documento
escrito e pensado em meados da década de 1970. Era uma proposta com
nada menos que 103 artigos, o que evidencia a intenção do Ministério
de ir mais longe do que se limitar a uma simples regulamentação. A pro
posta definia cabodifusão como um serviço de telecomunicações por
cabo “ou outro meio físico similar”, prestado mediante permissão, que
consistia na distribuição dos sinais das estações de radiodifusão ou si
nais gerados pela própria empresa de cabodifusão. Esse era um aspecto
importante, pois pela primeira vez se pensava na possibilidade de que
empresas que não fossem radiodifusoras produzissem e transmitissem

87
sinais de televisão. Vale lembrar que em meados da década de 1970 a co-
municação social do Brasil estava centrada na atividade das empresas
de rádio e TV e na imprensa escrita, em regime de forte censura e restri
ções de pensamento.
A proposta de cabodifusão exigia que somente brasileiros partici
passem como acionistas das empresas, e seria dada a prioridade para
aqueles interessados cujos sócios residissem na localidade. As empresas
de cabo deveriam utilizar, sempre que possível, os dutos e os meios das
concessionárias de telecomunicações, e teria prioridade quem utilizasse
mais equipamentos brasileiros para a construção da rede.
O Ministério também pretendia manter, sempre que possível, apenas
um operador de cabo por município e só abriria exceção para mais uma
permissão se houvesse viabilidade econômica e depois de ouvir o Conse
lho Nacional de Comunicações. Os canais gerados pela empresa de cabodi
fusão poderiam ter até três minutos por hora destinados à publicidade, e
cada canal deveria funcionar com uma autorização específica do Ministé
rio, mediante aprovação prévia da programação proposta. Havia a previsão
de um canal educativo a ser produzido pelo governo, e caberia à permissio-
nária do serviço de cabodifusão oferecer os meios para a reprodução das
fitas magnéticas e dos filmes. Uma inovação era a previsão de um canal
destinado exclusivamente à publicidade, como um canal de televendas.
Reportagens da época que fazem parte do acervo coletado por Da
niel Herz mostram que o Ministério das Comunicações tinha uma visão
que ia além do conceito de radiodifusão existente e válido ainda hoje. A
TV por cabos deveria ser interativa. Em reportagem do jornal Zero Hora,
de 26 de junho de 1975, o então secretário de radiodifusão do Ministério
das Comunicações, Jorge Pequeno Vieira, explica algumas das inovações
da proposta. Dizia a reportagem:

A cabodifusão, segundo Vieira, é por natureza um serviço mais res


trito, porque tarifado, como o telefone. Mas, para não inflacionar essas ta
rifas, que serão cobradas dos usuários, o regulamento prevê como fonte
de renda auxiliar a inserção de anúncios, só que em vez de 15 minutos por
hora do sistema atual, apenas 3 a 5 minutos. Nos Estados Unidos a tarifa

88
média atual é de US$ 6 por mês. A previsão para o Brasil é de Cr$ 50,00 a
Cr$ 100,00.

Esse valor, na cotação daquele mês, correspondia a cerca de US$ 6 a


US$ 12 da época. A estimativa do Ministério era que os sistemas por cabo
permitiriam até 41 canais de TV. A reportagem do Zero Hora mostrava
ainda que, na ocasião, a percepção era que a TV a cabo representaria um
universo tecnológico novo.

O sistema poderá ter também canais especiais: para esportes, noticio


so, Bolsa de Valores, temperatura e meteorologia e um canal publicitário.
Este, que será exclusivo em grandes centros, movimenta câmeras em lojas
e magazines, focalizando objetos numerados, que podem ser identificados
pelos possíveis compradores e adquiridos por telefone, sem sair de casa.
(...) Acabodifusão poderá ser só numa direção (one way): do estúdio central
para os usuários; ou nas duas direções (two way). (...) Por exemplo, o caso
em que um aumento de temperatura na casa do usuário aciona o estúdio, e
este, por sua vez, o corpo de bombeiros, através de computador, para acio-
nar o alarme de incêndio, sem a interferência de ninguém. Outra vantagem
do sistema é a pesquisa de audiência. O simples acionar de um dispositivo
no estúdio tem condições de saber se o receptor está ligado, em que canal e
a que horas, sem conhecimento do usuário.

“Estúdio”, naquela ocasião, era como o projeto de regulamento defi-


nia o que hoje se chama de headend, ou a central de operações. Futurolo
gia à parte, o que ficava claro é que havia uma preocupação muito mais
ampla sobre o serviço de TV por assinatura do que a mera regularização
dos serviços de CATV. Fica evidente, pela análise do conteúdo da pro
posta de regulamento encaminhada à Presidência da República, e pelas
declarações das autoridades à época, que havia a percepção de que este
seria um serviço novo e de grande potencial econômico.
E havia, isso é certo, uma pressão do mercado de fornecedores pelo
desenvolvimento dessa nova indústria. Um anúncio da Siemens publica
do na página 10 da revista Veja de 11 de junho de 1975 evidenciava isso.

89
No texto do anúncio podia-se ler:

Novos conceitos para o amanhã. Saldo bancário? Filme? A matemá


tica da sua filha? Surgem na sua tela. Hoje você precisa procurar alguns
lugares como bibliotecas, seu banco, escritórios públicos e particulares.
Amanhã, você poderá saber todas as informações na ponta da língua, na
sua própria casa. Seu saldo bancário? Disque para ele. Você quer ver aquele
filme do Chaplin novamente? Não tem problema. A situação científica da
física nuclear, da entomologia, da pesquisa do câncer? Pronto. Como isso
pode ser possível? Com o princípio do cabo de rádio e TV. Isto é de uma
via. Os pesquisadores da Siemens estão fazendo-o em duas vias - transfor
mando o assinante passivo em participante ativo numa ilimitada rede de
informações. Em comunicações, como em todos os outros campos da enge
nharia elétrica e eletrônica, o que nós pesquisamos ontem é realidade hoje.
E hoje estamos pesquisando o amanhã.

A regulamentação da TV a cabo proposta pelas autoridades da épo


ca só não avançou em decorrência de uma coincidência, que pode ser
apreendida na sequência de fatos apresentados por Daniel Herz em sua
pesquisa publicada em 1983. Segundo Herz, a Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1974, tinha um projeto piloto para uma
operação de TV a cabo na cidade de Venâncio Aires/RS, onde a recepção
de TV convencional (aberta) era difícil. A proposta do professor Homero
Carlos Simon, coordenador do projeto, era desenvolver estudos econô
micos e sociais envolvendo o serviço. Por alguma razão, as autoridades
da UFRGS resolveram encaminhar o projeto ao Ministério das Comuni
cações, solicitando autorização prévia, certos de que haveria, por parte
das autoridades em Brasília, todo o interesse em conhecer os resultados
da pesquisa.
Para surpresa dos acadêmicos, contudo, o Ministério das Comuni
cações recusou o pedido e não autorizou o experimento, revelando que o
serviço era objeto de regulamentação naquele momento e que a univer
sidade deveria esperar o resultado desses esforços, uma vez que havia
outras solicitações no mesmo sentido.

90
A resposta chamou a atenção dos pesquisadores, já que a universi
dade pública deveria ter prioridade sobre pedidos de entidades privadas
e, principalmente, deveria participar do processo de discussão de uma
regulamentação. Nenhuma das duas coisas estava acontecendo.
A Associação de Promoção da Cultura (APC), cujos organizadores
(incluindo Daniel Herz) eram ligados à universidade, passou a pressio
nar o secretário Rômulo Villar Furtado para revelar quem eram os inte
ressados no serviço. Alguns depoimentos colhidos pela APC, naquele mo
mento, mostravam indícios de que haveria interesses de ex-funcionários
do Ministério e, eventualmente, a própria Globo teria interesse no servi
ço. Mais tarde, Roberto Irineu Marinho revelaria que, de fato, a Globo já
iniciara estudos sobre o mercado de TV a cabo em meados da década de
1970, mas é impossível afirmar, à luz dos dados existentes, que a emisso
ra do Rio teria realmente planejado um serviço de TV a cabo e que, para
isso, precisaria de uma regulamentação.
O fato é que a APC e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
resolveram denunciar o que consideraram um caso de favorecimento de
entidades privadas. A regulamentação da cabodifusão proposta naquela
ocasião, segundo relato de Herz, estaria intimamente ligada aos interes
ses dos grupos de comunicação. De fato, em entrevista ao jornal Agora de
São José dos Campos, de 5 de outubro de 1975, o ex-secretário geral do Mi
nistério das Comunicações no governo Geisel, Jorge Marsiaj, relatava o
projeto que estava sob sua condução para a implementação da TV a cabo
em São José dos Campos e em Santos. Marsiaj dizia que a iniciativa tinha
como acionista principal a TV Globo. Rômulo Villar Furtado, em relato
a este livro, nega o fato, e assegura que o interesse na regulamentação
proposta era tão somente regularizar uma situação existente de fato e
possibilitar o surgimento de um novo mercado.
Quaisquer que tenham sido as causas, as denúncias da APC, divul
gadas sobretudo pelo Jornal do Brasil, tiveram considerável repercussão.
Dossiês foram encaminhados a autoridades e parlamentares, inclusive
ao presidente Emílio Garrastazu Médici. Villar Furtado não relata deta
lhes sobre aquela primeira e frustrada tentativa de regulamentar o ser
viço de cabo, mas é certo que havia uma tensão colocada no setor de ra

91
diodifusão. Em manifestação publicada no jornal O Globo de 28 de junho
de 1975, a Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert)
dizia o seguinte:

Nos EUA, a cabodifusão surgiu antes de sua regulamentação pelos ór


gãos federais de telecomunicações norte-americanos. Isso provocou enor
mes problemas, pois surgiram conflitos entre os empresários das estações
de televisão e as entidades executantes do serviço de cabodifusão. Convém
que o exemplo norte-americano seja analisado cuidadosamente para que
não sejam cometidos os mesmos erros e equívocos e para que não sejam
provocadas as mesmas controvérsias surgidas.

A manifestação da Agert mostra que havia, de fato, o apoio dos ra-


diodifusores à iniciativa de regulamentar o serviço, mas o motivador
aparente não era a exploração do serviço pelas empresas de comunica
ção, e sim impedir que os serviços de CATV entrassem em situação de
conflito com as emissoras de TV aberta. Por exemplo, transmitindo os
sinais das geradoras locais com alterações no conteúdo ou não respei
tando as inserções publicitárias. Talvez por isso o projeto de 1975 para
regulamentar a cabodifusão tivesse tantas garantias de que os sinais de
radiodifusão, apesar de poderem ser retransmitidos, não sofreriam qual
quer tipo de alteração pelo operador de cabo.
Outro aspecto importante de ser notado é que havia uma grande
preocupação de que as operações de cabo não se tornassem veículos de
disseminação de informações subversivas ou contrárias aos interesses
do regime militar da época. Entre os 103 artigos da proposta, havia um
específico (o Artigo 74) com uma lista de nada menos que 59 atos que o
operador de cabo não poderia praticar em nenhuma hipótese, entre eles
divulgar informações que visassem desestabilizar ou criticar o governo.
O detalhe irônico é que o Artigo 70 do projeto dizia que os programas
de informação e opinião daquela emissora de cabodifusão eram livres e
“sem sujeição a qualquer espécie de censura”.
Com a repercussão das reportagens e a manifestação de parlamen
tares da oposição (MDB), o general Geisel decidiu engavetar a proposta

92
que lhe havia sido encaminhada. Alegou o risco de aumentar as importa
ções. O texto ficou engavetado até 5 de junho de 1979, quando foi nova
mente encaminhado para a Presidência da República. Agora, o ministro
era Haroldo Corrêa de Mattos e o presidente, João Baptista Figueiredo. O
projeto de 1979 tinha poucas diferenças em relação ao de 1975. Na ver
dade, nenhuma característica nova o distinguia. O que diferia era a ex
posição de motivos, que desta vez falava explicitamente em interesses
dos fornecedores de telecomunicações: “Em consequência da redução de
encomendas em telefonia, a indústria vem solicitando a abertura deste
novo mercado, que tem grupos interessados em ativá-lo.”
E mais uma vez, um grupo de estudantes de mestrado da Universi
dade de Brasília, dos quais participava Daniel Herz, se mobilizou para
impedir o avanço do projeto sem que lhe fosse dado o devido tratamento
legal. Com denúncias publicadas pelo Jornal de Brasília, Herz chamou
a atenção da oposição, sobretudo da deputada Cristina Tavares (MDB/
PE), e a pressão sobre o Ministério das Comunicações criou constran
gimento à tramitação da proposta. No dia 24 de outubro de 1979, o mi
nistro Haroldo Mattos depõe à Comissão de Comunicação da Câmara
dos Deputados e revela mais alguns detalhes sobre as motivações do
projeto. Dizia que se tratava de uma tecnologia simples e conhecida,
e que seria desnecessário um volume maior de pesquisas por parte da
universidade sobre a tecnologia de cabo. Dizia ainda que, àquela altura,
o projeto não tratava da integração das redes de cabo com a “telemáti
ca” e tampouco falava de aplicações bidirecionais. Em seu depoimento,
Mattos afirmou:

Temos que começar por onde todos começaram: adquirindo experi


ência no sistema mais simples, que é a mera distribuição unidirecional
de sinais gerados pelas concessionárias em operação. (...) A telemática é
realmente o futuro, é o porvir. É levar aos domicílios a possibilidade de
ter ao seu alcance o preço de mercadorias de supermercados, os horários
dos aviões, um programa educacional, uma aula de termodinâmica ou de
sociologia. Isso é telemática. Não estamos ainda regulamentando a cabo-
difusão bidirecional.

93
O ministro, contudo, fazia questão de ressaltar que o serviço de TV a
cabo era para uma elite, pois para a população em geral havia a radiodifu
são. E as críticas feitas à universidade e ao desejo dos pesquisadores de
conhecerem uma tecnologia que, na visão do ministro, já estava consa
grada, acabaram prejudicando ainda mais o resultado da audiência para
os planos do governo.
O projeto de cabodifusão começou a ganhar críticos dentro do pró
prio governo e com isso o Minicom pediu ao presidente da República que
devolvesse a minuta. A partir daquele momento, e em vários outros ao
longo da década de 1980, autoridades das Comunicações ameaçaram re-
tomar a discussão, mas nunca o fizeram de maneira efetiva.

CONSTITUINTE
Ao longo dos anos 1980, porém, a partir desse grupo de militantes
que se opusera à regulamentação da cabodifusão na década anterior e
de outros mais, ligados aos debates promovidos pela Unesco sobre liber
dade de expressão, nova ordem da informação e políticas públicas de co-
municação, formou-se a Frente Nacional de Luta pela Democratização da
Comunicação. Uma das primeiras atividades da Frente foi a tentativa de
participar do programa de governo de Tancredo Neves. O grupo também
teve atuação destacada durante a preparação para a Assembléia Nacio
nal Constituinte. Foi aqui, nas discussões para a elaboração da Constitui
ção de 1988, que o tema TV a cabo voltou à tona.
Na ocasião, o relatório final da Subcomissão da Ciência e Tecnologia
e da Comunicação, sob a relatoria da deputada Cristina Tavares, que da
ria origem ao que é hoje o capítulo da Comunicação Social da Constitui
ção, trazia uma importante inovação regulatória com respeito a quais de
veriam ser as políticas democráticas de comunicação. Dizia o relatório:

O vídeo-texto, a tevê-por-cabo, o videocassete e outras modernas tec


nologias eletrônicas digitais de comunicação apontaram para a possibili
dade de o acesso aos meios ser facilitado e barateado, logo democratizado.
Entretanto, tais tecnologias tanto servem à comunicação ampla quanto
restrita, tanto atendem à comunicação social quanto a outras necessida

94
des de comunicação próprias de uma sociedade moderna e informatizada.
Por isso, são alvos também do interesse de instituições e empresas que,
por sua própria natureza, poderiam tratar a comunicação social conforme
outros critérios que não os de estrito serviço público.

O relatório da subcomissão, que não foi aprovado pela Assembléia


Nacional Constituinte (foi o único dentre os relatórios apresentados para
a formação da Constituição Federal que não se viu aprovado da forma
como foi discutido pelos parlamentares), prenunciava já uma liberaliza
ção regulatória com relação à questão das novas tecnologias. Mas o es-
pírito manifestado pela relatora não se concretizou na redação final da
Constituição de 1988, que tratou apenas dos meios impressos (jornais e
revista) e da radiodifusão (TV e rádio).
O fato de a Constituição não ter se aprofundado nas questões das
novas tecnologias era, de certa forma, um fator positivo para as iniciati
vas de regulamentação que se seguiriam. Naquela ocasião, como relata
do nos capítulos anteriores, havia o interesse do grupo Abril em operar
o serviço de TV por assinatura em UHF. E havia também a pressão de pe
quenos grupos operadores de serviços de antenas coletivas espalhados
pelo Brasil. Mas não havia, até onde se tem notícia, nenhuma operação
que pudesse ser caracterizada como TV por assinatura sendo oferecida
por nenhum grande grupo de comunicação.
Ainda assim, o Ministério das Comunicações, na ocasião comanda
do por Antônio Carlos Magalhães, guardava nos arquivos as tentativas
frustradas de regulamentar a TV a cabo em 1975 e 1979. Vale lembrar que,
naquela ocasião, Rômulo Villar Furtado ainda ocupava a secretaria geral
do Ministério.
Sob pressão do grupo Abril, que desejava entrar no mercado de
TV por assinatura, o Ministério das Comunicações encaminhou para o
presidente José Sarney uma proposta de decreto publicada no dia 23 de
fevereiro de 1988 (Decreto 95.744), que criou o Serviço Especial de TV
por Assinatura por UHF, algo que nunca havia sido cogitado no Brasil.
Criava-se também o primeiro serviço de comunicação pago. A definição
dada ao serviço de TVAera a seguinte:

95
O Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA) é o serviço de tele
comunicações, destinado a distribuir sons e imagens a assinantes, por sinais
codificados, mediante a utilização de canais do espectro radioelétrico, per
mitida, a critério do poder concedente, a utilização parcial sem codificação.

Mas as pressões sobre o Ministério das Comunicações não vinham


apenas da Abril. Villar Furtado relembra que a pressão das delegacias regio
nais e da área jurídica do Ministério continuava existindo, particularmen
te para que se regularizassem as situações existentes. E dessa forma sur
giu a Portaria 143, de 21 de junho de 1988, que regularizava a situação das
empresas que retransmitiam sinais do satélite por meio de redes de cabo,
bastando para isso a autorização da Embratel e da geradora dos sinais de
TV. Este foi o embrião da regulamentação de TV a cabo que estava sendo
preparada pelo Ministério e que ganharia forma definitiva só em 1991.
Antes disso, porém, o órgão resolveu editar a Portaria 250, de 13 de
dezembro de 1989. Foi com base nessa portaria que se criou o Serviço de
Distribuição de Sinais de TV (DISTV), dando origem ao mercado de TV
a cabo. A Portaria 250 surgiu da pressão direta de pequenos empresá
rios do ramo de CATV no Brasil, e os registros das reuniões de diretoria
da Abracom (Associação Brasileira de Antenas Comunitárias) de 1989 e
1990 mostram que efetivamente havia um trabalho de convencimento do
governo nesse sentido. Ainda assim, as DISTVs estavam longe de ter o
peso institucional da TV a cabo. A licença, entretanto, não permitia a ge-
ração de sinais próprios, não estabelecia regramentos para o processo de
outorgas nem o número de operadores em cada localidade, e não dava os
parâmetros técnicos da prestação do serviço.
No período de novembro de 1990 a 21 de março de 1991 foram libe
radas pouco menos de uma centena de licenças de DISTV, mas já estava
claro que esse não era o caminho que o governo pretendia seguir para
permitir a implantação do serviço de TV a cabo no Brasil. Mas estes ope
radores de DISTV, e outros de CATV, estavam insatisfeitos, pois não po
diam gerar a própria programação, encontravam grande dificuldade de
acesso aos postes e sofriam com a falta de autorização das redes abertas
para a retransmissão dos sinais.

96
Não está claro se as pressões feitas por esses empresários tiveram
algum efeito prático e concreto. O fato é que em 6 de junho de 1991 é pu
blicada a Portaria 51 da Secretaria Nacional de Comunicações, vinculada
ao Ministério da Infraestrutura (durante o governo Collor não havia Mi
nistério das Comunicações). Ali estavam as bases para o que se pretendia
que fosse a Norma do Serviço Especial de TV a Cabo. A portaria fazia
duas propostas ousadas. De um lado, estabelecia os termos de um serviço
novo e, em muitos aspectos, extremamente inovador em relação ao que
havia na época, no universo das telecomunicações em geral. De outro,
propunha uma consulta pública acompanhada de audiência que seria re-
alizada dentro de um mês para discutir a proposta, fato que nunca se vira
na esfera da regulamentação dos serviços de telecomunicações no país.
A idéia de fazer esta portaria é atribuída a dois técnicos da SNC: Ro
berto Blois, diretor de serviços privados da Secretaria, e Sávio Pinheiro,
coordenador de radiodifusão e correlatos. Segundo Pinheiro, em depoi
mento a este livro, foi uma iniciativa sem nenhuma relação com os plei
tos dos empresários do setor. A ideia surgiu, segundo ele, da constatação
de que não era possível manter a TV a cabo regulamentada apenas pela
Portaria 250/89.
A proposta de norma para a TV a cabo, colocada pela Secretaria Na
cional de Comunicações, criava um novo serviço de telecomunicações,
“geralmente unidirecional”, para a distribuição de sinais de TV, mas
cujas redes poderiam ser utilizadas para serviços de telefonia, dados e
outros, por entidades devidamente autorizadas.
Outro aspecto é que as propostas da SNC restringiam o mercado de
TV a cabo a empresas de capital nacional, e as permissões seriam dadas
mediante simples solicitação, segundo critérios de preferência que in
cluíam prioridade para as primeiras solicitações e a grupos que tivessem
maior participação de sócios locais. As outorgas seriam válidas por dez
anos e seriam, em princípio, exclusivas em cada localidade.
Com relação à Portaria 250/89, havia uma importante novidade:
estava previsto que operadores de TV a cabo poderiam produzir progra
mação própria, mas com algumas condições. Uma delas era que 13% dos
canais deveriam ser produzidos por grupos independentes que não tives

97
sem relação com a operadora. Exigia-se também um canal governamen
tal, um canal educativo, um canal comunitário e canais para a retrans
missão das emissoras de TV aberta na localidade.
A norma autorizava a geração e transmissão de sinais próprios e,
entre os itens mais inovadores e polêmicos havia uma proposta de limi
tes de outorgas por um mesmo grupo. Os operadores não poderiam ter
mais do que quatro permissões em cidades com mais de 1 milhão de habi
tantes, dez em cidades com mais de 300 mil habitantes e 30 em cidades
com menos de 300 mil habitantes.
A proposta não mobilizou a grande imprensa de maneira geral nem
atraiu a atenção dos grupos de comunicação. Mas alguns dos empresá
rios que naquela ocasião exploravam o mercado de DISTV tiveram inte
resse de participar, como a RBS, bem como alguns fornecedores.
A verdadeira mobilização para a audiência veio do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação (FNDC), formado a partir da rear-
ticulação da Frente Nacional de Luta pela Democratização da Comunica
ção, criada nos anos 1980. À frente do FNDC estava, mais uma vez, Daniel
Herz, que tomou conhecimento da convocação da audiência pública no
Diário Oficial e articulou uma resposta. A ideia do FNDC era impedir que
a regulamentação da TV a cabo viesse por ato do Executivo, exatamente
como as tentativas de 1975 e 1979. A articulação do Fórum queria que a
deliberação sobre o assunto viesse pelo Congresso Nacional.
Às vésperas da audiência pública, o FNDC publica, no Correio Bra-
ziliense, artigo manifestando forte oposição à proposta da Secretaria
Nacional de Comunicações. Eram muitos os pontos criticados pelo gru
po, a começar pela denominação do serviço, que para o FNDC deveria se
chamar cabodifusão. Mas a principal crítica era no sentido de que aquela
definição de um novo serviço deveria ser feita pelo Congresso Nacional,
e não pelo Executivo.
A audiência pública, segundo relato de Sávio Pinheiro, na ocasião
coordenador geral de radiodifusão e correlatos da Secretaria Nacional
de Comunicação e responsável pela consulta, tinha “gente saindo pelo
ladrão”, principalmente por conta da mobilização do Fórum pela Demo
cratização da Comunicação, com faixas de protesto e palavras de ordem.

98
Com receio de que a audiência pudesse se tornar uma sessão hostil ao tra
balho da SNC, o secretário de Comunicações, Joel Marciano Hauber, che
gou a cogitar a suspensão da audiência, o que acabou não acontecendo.
A primeira manifestação na sessão foi a de Daniel Herz, criticando
a condução do processo, e por aí a audiência se encaminhou, com fortes
críticas do FNDC e pouca manifestação dos empresários que eventual
mente teriam interesse naquele mercado. Um dos poucos registros vem
de Paulo Cesar Ferreira, proprietário de DISTV na cidade do Rio de Ja
neiro, que elogiava a iniciativa porque, segundo ele, era uma forma de
impedir o monopólio no controle das licenças. Estava presente também
na audiência Luiz Eduardo Borghert, diretor de relações institucionais
da Globo, mas apenas acompanhou, sem se manifestar.
Já o Fórum conseguiu, no dia seguinte, uma audiência com a con
sultoria jurídica do Ministério das Comunicações, para tentar encontrar
alguma espécie de convergência de discursos, o que acabou não frutifi-
cando. O Fórum, por sua vez, ameaçava ir à Justiça para impedir a conti
nuidade da tramitação da proposta da Portaria 51/91. Durante dois ou três
meses, com informações internas de fontes da Casa Civil, o FNDC acom
panhou o andamento do processo da consulta e pôde, assim, articular a
reação, caso ficasse claro que seria publicada alguma portaria. A preocu
pação é que nada acontecesse sem que o Congresso fosse envolvido.

O COMEÇO DA LEI
Em um determinado momento, tornou-se claro que se nada fosse fei
to, a norma seria publicada pela Secretaria Nacional de Comunicações.
O Fórum decidiu, então, elaborar um projeto de lei, e a articulação mais
importante nesse sentido foi feita por um pequeno grupo formado por
Daniel Herz, os professores da Universidade de Brasília Murilo César Ra
mos e Sérgio Euclides de Souza (que depois se afastou do processo), e o
assessor da bancada do PT na Câmara, Carlos Eduardo Zanatta. Em 30
de outubro de 1991 o então deputado Tilden Santiago (PT/MG) apresen
tou o Projeto de Lei 2.120, que criava o serviço de cabodifusão. Foi uma
manobra que efetivamente segurou a tramitação da consulta pública da
Secretaria de Comunicações. Segundo relato de Murilo César Ramos, es

99
tava absolutamente claro para os articuladores da proposta que era um
projeto “boi de piranha”, um texto cujo principal objetivo era marcar uma
posição e provocar o debate via Congresso, interrompendo a tramitação
da Portaria 51.
O projeto do deputado Tilden Santiago talvez tivesse tido o destino
de tantos outros, que ficam parados na burocracia da Câmara, não fosse
a combinação de fatores quase casuais. Um deles era o fato de a presidên
cia da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da
Câmara dos Deputados ficar, naquele ano de 1992, com a deputada do PT
de São Paulo, Irma Passoni. Ela era ligada às questões das comunicações
e tinha como seu assessor Carlos Zanatta, um dos relatores do projeto de
Tilden Santiago.
Outra casualidade que contribuiu para o andamento do projeto é
que, naquele ano, pelos menos três grupos estavam mobilizando quan
tidades significativas de recursos com TV por assinatura: Globo, Abril e
Multicanal, sendo que a Multicanal tinha interesse direto no mercado de
TV a cabo e a Globo começava a apontar a sua estratégia nesse sentido,
com o reposicionamento da Globosat e a criação da Net Brasil. Havia,
portanto, interesse de mercado para que o projeto de lei andasse.
A deputada Irma Passoni decidiu constituir um grupo informal com
posto pela universidade, o Fórum pela Democratização da Comunicação,
a TVA, a Abert, a Globo e a Abracom. O relator indicado pela Comissão de
Ciência e Tecnologia para o PL 2.120/91 foi o deputado Koyu Iha (PSDB/
SP), próximo a Irma Passoni, que concordou em não movimentar o pro
jeto enquanto não fosse fechado um acordo com os diferentes grupos en
volvidos. Estava então criado o ambiente para a discussão da proposta.
O projeto de Tilden Santiago podia ser apenas uma estratégia do
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação para forçar o de
bate, mas era também uma carta de afirmação das propostas dos setores
organizados em torno daquele grupo para o ambiente da TV por assina
tura. O que fica claro pela leitura do projeto é que ele tinha pontos de
divergências, mas também convergências, com a proposta do governo.
Entre os pontos de convergência entre a Portaria 51 da Secretaria
Nacional de Comunicações, e o PL 2120/91 de Tilden Santiago, estava o

100
fato de que ambas as propostas entendiam que a TV a cabo deveria ser
a porta para a oferta de canais de acesso público e para o transporte
de sinais não só de TV, mas também de dados e voz. Ambas também
vedavam a estrangeiros a participação no mercado de TV a cabo. Em
alguns aspectos, a proposta do PT era mais liberalizante do que a do
governo. Por exemplo, não restringia o número de operadoras em uma
mesma localidade.
A proposta do deputado Tilden Santiago tinha também um forte
componente participativo, com a criação de um Conselho Federal de
Cabodifusão, constituído por representantes de diversos segmentos da
sociedade e que atuaria na formulação de políticas e avaliaria a regula
mentação do serviço. Havia também a possibilidade de que os próprios
assinantes dos serviços, desde que em assembléia com 30% da base de
clientes, deliberassem sobre a instituição de um ombudsman da progra
mação de uma determinada operadora. Mas o espírito do projeto está
mesmo em suas justificativas. Diz o texto:

A rede de Cabodifusão possibilita inúmeros serviços, incluindo trans


missão de dados e telefonia. Através de um teclado mais sofisticado, da co-
nexão de um microcomputador à rede, o usuário passa a acessar diversas
fontes de informação e serviço. São exemplos dessas aplicações inovado
ras a “telemática” (fusão das facilidades de telecomunicações e informáti
ca); a videofonia (transmissão e recepção simultânea de som e imagem, a
exemplo da telefonia, em comunicação interpessoal); teleconvívio (com a
ligação simultânea de diversas pessoas através da rede); tele-alarme (...);
telediagnóstico (...); fac-símile de alta velocidade (...); comutação bancária
(...); automação de serviços públicos e privados (...); biblioteca eletrônica
(...); seleção individual de programas (...); trabalho à distância (...) e redes
de computadores.

Naquele ano de 1991, o senador norte-americano Al Gore Jr. levan


tava a bandeira das “supervias da informação” (information superhi-
ghways) e a percepção de que as redes de TV a cabo serviriam como canal
para essa nova era já estava consolidada desde os primeiros testes de

101
vídeo interativo nos EUA, nas décadas de 1970 e 80, e as experiências de
transmissão de dados do final dos anos 1980. A proposta de Tilden San
tiago refletia essa visão:

O futuro das atuais redes de telefonia é a sua substituição pelas Redes


Digitais de Serviços Integrados (RDSI). Nessas redes, os sinais de todos
os serviços serão digitalizados e transmitidos indiferenciadamente (voz,
fax, sinais de TV, rádio AM e FM, videovisão etc) através de uma rede de fi-
bra óptica de alta capacidade. O Brasil dispõe de tecnologia de ponta nessa
área e se prevê que, até o final da década, estas redes predominem no país
em relação às redes convencionais de telefonia. As RDSI são, na verdade,
redes de cabodifusão ainda mais sofisticadas. O conceito de Cabodifusão,
para ser mais preciso, antecipa o conceito de RDSI.

Outro aspecto importante contido no Projeto 2.120/91 era a percep


ção de que o controle público sobre o serviço não deveria, necessariamen
te, ser exercido por meio da ação do estado. Ao contrário, o projeto não
previa uma estatal para explorar o serviço, e dava margem a que enti
dades privadas entrassem no setor de cabo. O controle público viria do
Conselho Federal de Cabodifusão e dos mecanismos colocados na lei que
garantissem o acesso democrático aos canais e aos meios das operado
ras. O Fórum pela Democratização da Comunicação pregava, inclusive,
a desestatização da cabodifusão e a “reprivatização” das comunicações
em geral, entendida a expressão reprivatização como a possibilidade de
que os diferentes setores da sociedade partilhassem o uso dos meios de
comunicação de maneira democrática.
As palavras desestatização e reprivatização não foram incluídas na
exposição de motivos de Tilden Santiago, talvez para evitar conflitos in
ternos com setores do PT contrários, por princípio, às privatizações; mas
os conceitos estão lá, diluídos.
Essa discussão era particularmente importante porque haveria, em
1993, o processo de revisão Constitucional, e a questão das telecomuni
cações estava, então, centrada no debate sobre a manutenção ou não dos
monopólios estatais.

102
O grupo que assessorava o PT na discussão da Lei do Cabo procu
rou o CPqD para buscar mais informações sobre o estágio do desenvol
vimento das tecnologias de redes digitais, já que o centro de pesquisa
tinha um time dedicado ao serviço de CATV, do qual participavam alguns
personagens que, mais tarde, viriam a determinar algumas decisões tec
nológicas importantes. Entre esses personagens estavam Luiz Fernando
Baptistella e Fabiano Carneiro.
A partir daquele contato, segundo relato de Murilo César Ramos, a
Telebrás passou a participar do processo de discussão da Lei do Cabo mais
ativamente, mas logo surgiram divergências de posição. Enquanto o FNDC
entendia que as redes digitais não precisavam ter controle estatal para
que fosse assegurado o interesse público, a Telebrás via de maneira dife
rente, defendendo o controle do estado sobre esta nova infraestrutura.
Na prática, porém, a Telebrás já se movimentava sobre o mercado de
televisão paga. Naquele ano, empresas como Telemig, Telebrasília, Tele-
bahia e outras preparavam a montagem de redes de oferta de serviços de
vídeo, algumas já em estágio de licitação dos fornecedores. Já era final
de 1992, e os agentes que participavam do grupo de discussão da Lei do
Cabo eram Abert, Globosat, Abril, RBS, Multicanal, Abracom, Abercortel,
FNDC, UnB, Telebrás e Ministério das Comunicações.
Uma boa amostra das visões que se tinha em 1992 pode ser extraída
dos anais da reunião da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação
e Informática da Câmara, acontecida no dia 17 de fevereiro de 1993. Foi a
última reunião do grupo informal presidido por Irma Passoni. Areunião
tratou de ouvir os diferentes interessados no PL 2.120/91, e alguns pontos
importantes foram colocados, ficando desse registro um mapa bastante
preciso dos interesses à época.
A primeira exposição foi a de Sávio Pinheiro, do Ministério das Co
municações (naquela ocasião já recriado pelo presidente Itamar Franco),
que trouxe uma proposta com contribuições para o projeto. A preocupa
ção central do Ministério era garantir que os serviços prestados pelas
operadoras de TV a cabo não ferissem os limites Constitucionais, já que
existia uma previsão de monopólio estatal para os serviços de telecomu
nicações. Também havia a preocupação de regular a relação das operado

103
ras de cabo com os detentores de infraestrutura de dutos e postes, a fim
de evitar distorções.
Mas o aspecto mais importante trazido pelo Ministério das Comu
nicações, naquela ocasião, era a preocupação com o envolvimento das
empresas de telecomunicações no mercado de TV a cabo. O Ministério
defendia a possibilidade de que as teles estatais entrassem como prove
doras de infraestrutura que seriam utilizadas por empresas de cabo, até
para estimular os investimentos na renovação das redes. Mas aceitava
também que houvesse uma competição entre as redes de cabo e a rede
das teles. O ponto mais importante para o governo, segundo a manifes
tação de Sávio Pinheiro na ocasião, era que não houvesse monopólio da
rede de transportes, nem por parte das teles, nem por parte das operado
ras de TV a cabo.
A atuação das teles também poderia ser ampliada no sentido de que
pudessem oferecer serviços auxiliares, como faturamento e cobrança, para
as empresas de cabo. Aposição do Ministério ganhou o apoio dos represen
tantes da Telebrás no encontro, sobretudo de João Mello da Silva, que ma
nifestaram a disposição da estatal de atuar em parceria com os operadores
de cabo na oferta de rede e serviços, como faturamento e cobrança.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação também
começava a rever alguns conceitos, e também avaliava que seria possí
vel o conceito de uma rede única e pública, fosse de propriedade estatal
ou privada. Ou seja, as redes de telecomunicações deveriam se prestar,
em última instância, ao interesse público. Ainda que polêmica, essa foi
a parte com o menor índice de rejeição da proposta do FNDC. Além dela,
havia também uma consideração de que as redes deveriam ser de fibra
óptica, idéia que logo foi abandonada quando constatada a inviabilidade
técnica de sua execução. Mas, sobretudo, havia os conceitos de rede úni
ca e rede pública, assim simplificado pelo professor Murilo César Ramos
durante a reunião: “Em uma estrada pode passar uma BMW ou pode pas
sar um fusca. O que eu quero é que o meu fusca tenha o mesmo direito de
transitar que qualquer outro carro”.
AAbert, na figura de Luiz Eduardo Borgerth, também se manifestou
na reunião. A associação dos radiodifusores propunha a não regulamen

104
tação do serviço, pregando que, a exemplo do que havia acontecido com
a TV aberta, o serviço deveria se desenvolver primeiro, para depois ser
regulamentado. Era uma posição curiosa da Abert, pois naquela época
os operadores de DISTV sofriam com as constantes notificações feitas
por radiodifusores para que os sinais de TV aberta fossem retirados dos
serviços de distribuição por cabos.
A Multicanal, representada por Olinto Santanna, pediu o máximo
de simplicidade no processo de regulamentação. “Quanto mais simples e
democrática é a regulamentação de um serviço, mais ele atinge o interes
se da população”, disse. Santana chamava a atenção para o fato de haver,
naquele momento, empresas de telecomunicações publicando editais
para a construção de redes de vídeo, o que contrariava as discussões que
estavam sendo travadas no âmbito do projeto de Lei do Cabo. Referia-se à
Telemig, que publicara dias antes um edital para contratar o fornecedor
para uma rede de vídeo. “Não devemos deixar a Telebrás fazer distribui
ção de sinais de TV, alavancando o aperfeiçoamento da infraestrutura
telefônica, pois assim iremos matar a televisão por assinatura e não ire
mos resolver o problema da telefonia no Brasil”, disse o representante da
Multicanal na reunião.
A Multicanal também ponderou que seria importante garantir o
mercado reservado a apenas um único operador, no caso de cidades pe
quenas, mas permitir múltiplos operadores nos grandes centros. E que
deveria ser regulada a relação com as emissoras de televisão para a dis
tribuição dos sinais abertos.
O grupo Algar, que naquela ocasião ainda não participava como
acionista de operações de cabo, mas tinha interesse no mercado, mani-
festou-se contra a possibilidade de haver controle de preços, e também
pediu para que a lei não entrasse em detalhes sobre o tipo de tecnologia
que deveria ser utilizada na construção das redes, já que isso dependia
da relação de custos e receitas de cada operação.
A manifestação da Abracom ficou a cargo de Bayard Freitas Um
buzeiro, operador de DISTV no Estado de São Paulo. A manifestação da
associação havia sido combinada anteriormente com os associados em
reunião de conselho da entidade, conforme registro nas atas, de modo

105
que é possível assegurar que aquela era a visão dos operadores de DISTV
sobre o projeto de Tilden Santiago e como deveria ser regulamentada a
TV a cabo no Brasil.
Umbuzeiro destacou os seguintes pontos: 1) princípios simples de
regulamentação; 2) sem interferência nas decisões tecnológicas, ape
nas com limites técnicos mínimos; e 3) exclusão de estatais de teleco
municações do mercado de TV por assinatura. Sem entrar na questão da
participação ou não das teles estatais, Alexandre Annenberg, naquela
ocasião representando a DISTV Cabodinâmica, em São Paulo, também se
manifestou no sentido de pedir uma regulamentação leve e econômica.
“A questão dos preços e da tecnologia será decidida pelo usuário e pelo
operador de acordo com uma relação comercial a ser estabelecida entre
eles”, disse.
Mas o ponto quente da discussão estava em torno da rede e do mode
lo estatal de exploração. Nesse sentido, é emblemática a manifestação do
representante da Telebrás ao encontro, João Mello da Silva:

Nessa questão da evolução tecnológica, existe uma tecnologia cha


mada ADSL. Trata-se de algo que está quase pronto, está em processo de
teste final, que é você poder passar vídeo comprimido e chegar na casa do
usuário com velocidade de 1,5 Mbps. Essa é uma qualidade razoavelmente
boa para vídeo e é alguma coisa em que poderíamos pensar. (...) O Sistema
Telebrás vai simplesmente ignorar essa alternativa, porque não conversa
mos com as empresas de cabo, ou vamos conversar com as empresas de
cabo e ver se juntos podemos tocar isso em termos de parceria?

Houve um intenso debate entre os representantes do Ministério, da


Telebrás e operadores sobre o papel que seria dado às teles estatais no ce-
nário da TV a cabo. Sávio Pinheiro, do Ministério, concordou que em ne
nhum país do mundo a TV por assinatura se desenvolveu com a presença
estatal, postura que, de certa forma, diminuía a pressão do governo no
sentido de incluir a Telebrás no debate.
Aliás, a presença da holding Telebrás naquele momento não signifi-
cava muita coisa, pois as teles de cada estado tinham bastante autonomia

106
e tomavam decisões independentes no que diz respeito aos investimen
tos e planos estratégicos. Esse era um fator que assustava os operadores
de cabo, porque cada um, em seu estado, vivia uma situação diferente. A
situação mais crítica era a de Minas Gerais, onde a Telemig não só pla
nejava sua rede de vídeo como adotava práticas agressivas contra o ope
rador de cabo de Belo Horizonte, incluindo corte de cabos e proibição de
uso de dutos e caixas de passagem por parte dos operadores de TV por as-
sinatura. Essa postura da Telemig, naturalmente, tinha uma orientação
política, que ficaria explícita nos momentos finais da tramitação da Lei
do Cabo, no final de 1994, quando foi preciso uma manobra para impedir
que o projeto chegasse para a sanção presidencial do presidente (minei
ro) Itamar Franco, que estava disposto a vetar a lei. Recorde-se também
que um dos ministros das Comunicações de Itamar, Djalma Moraes, ha
via sido presidente da Telemig.
Em março de 1993, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunica
ção e Informática passa a ter como presidente o deputado do PFL de São
Paulo, Maluly Neto, o que tirou um pouco de combustível nas discussões
do grupo de TV a cabo.
Os trabalhos só foram retomados em novembro de 1993, desta vez
já com a presença da ABTA, àquela altura tendo como associados ativos
a Net Brasil e a Multicanal, além da TVA, que já participava ativamente
desde o final de 1992. Havia, por parte do empresariado, uma decisão de
concluir o quanto antes a tramitação da lei, já que as operações cresciam
e a busca de investidores e capital dependia de uma configuração insti
tucional definitiva.

EM BUSCA DE SEGURANÇA
Segundo depoimento de Antônio Athayde, ex-presidente da Net Bra
sil, “a negociação da lei era a única forma de fazer o que não valia nada se
tornar algo em que se pudesse investir com segurança”. Naquela ocasião,
a disposição da Net Brasil, por exemplo, era tamanha, que ela sequer
manifestou restrição à inclusão obrigatória de canais de acesso público
aos operadores. Existiam, é claro, interesses diferentes entre os empre
sários que participavam do processo. Os associados da Abracom tinham

107
interesse em que as licenças de DISTV pudessem ser convertidas em ou
torgas de TV a cabo assim que a lei fosse concluída. A Net Brasil, por
sua vez, insistia em que fosse colocado o limite de capital estrangeiro em
49%. A Multicanal era radicalmente contra a entrada das teles no setor
de TV por assinatura, mas a Abril considerava importante que pudessem
ser feitas parcerias com empresas de telecomunicações.
As posições começaram a se definir em maio de 1994, quando uma
reunião na sede da ABTA, em São Paulo, fechou os principais pontos de
consenso em torno da lei.
Os conceitos de rede única e rede pública, defendidos pelo FNDC,
foram pacificados entre os empresários, não antes de uma série de reu
niões com diferentes teles estatais. A discussão conceitual se deu em tor
no do argumento do "common carrier" norte-americano, praticado pela
maior empresa de telefonia dos EUA naquele momento, a AT&T, privada.
Basicamente, o conceito era permitir que todos tivessem acesso às re-
des e que as diferentes redes estivessem interconectadas. Esse debate
conceitual talvez não fosse o principal interesse do empresariado de TV
por assinatura, mas não houve resistência. O problema maior era com a
Telebrás, que receava perder o monopólio estatal.
Outro ponto exigido pelo FNDC era a inclusão do Conselho de Co
municação Social como instância participante do processo de regula
mentação da TV a cabo. Esse era um aspecto polêmico porque, desde que
havia sido criado pela Constituição, em 1988, e regulamentado em 1991,
o Conselho nunca havia sido instalado. Não se sabia como seria a sua di
nâmica de funcionamento, o que gerava certa apreensão entre os empre
sários. Por outro lado, como o conselho não existia e havia o mecanismo
de aprovação por decurso de prazo para a apreciação da regulamentação,
não houve maiores resistências.
Também havia consenso em torno da operação privada do serviço de
TV a cabo, mas com a possibilidade de usar as redes de empresas estatais
de telecomunicações, se fosse o caso. Nessas condições, até a Telebrás
aceitou entrar no acordo. Foi então fechado o substitutivo ao PL 2.120/91
do deputado Tilden Santiago. O autor do substitutivo, deputado Koyu
Iha, apresentou seu relatório no dia 23 de junho de 1994, que ganhou re

108
gime de urgência no dia 29 seguinte. O texto foi aprovado na Câmara no
dia 19 de outubro de 1994 e encaminhado ao Senado já com acordo para
a aprovação.
No Senado, a única ameaça ao texto foi a posição de Jutahy Maga
lhães (PSDB/BA). O senador queria incluir no projeto restrições à pro
priedade cruzada de meios de comunicações, o que excluiria as principais
operadoras do mercado, já que tinham como acionistas grandes empre
sas de mídia. Magalhães foi demovido desta intenção, curiosamente, por
pressão do PT, que mesmo tendo esta bandeira histórica, entendeu na
quele momento que era mais urgente a lei entrar em vigor do que alongar
o debate. Qualquer alteração poderia atrasar indefinidamente o projeto.
Na verdade, só não houve aprovação imediata no Senado porque ha
via o temor de que o projeto caísse para a sanção ainda no mandato do
presidente Itamar Franco, ligado historicamente à Telemig, que durante
muito tempo tinha se oposto aos termos do acordo e se colocado em dispu
ta aberta com os operadores de cabo. Um acordo com Humberto Lucena,
então presidente do Senado, garantiu que o projeto não fosse despachado
ao Planalto até o dia 26 de dezembro, quando se tinha certeza que Itamar
Franco não retornaria a Brasília até o fim de seu mandato, dia 31.
ALei do Cabo foi a primeira lei assinada por Fernando Henrique Car
doso, no dia 5 de janeiro de 1995, não sem antes uma rápida consulta tele
fônica do governo a alguns dos principais interessados, só para verificar
se aquela era, de fato, uma lei consensual.
Alei trouxe uma série de inovações importantes para o mercado de
TV por assinatura. Primeiro, assegurou a conversão das DISTVs existen
tes a concessões de TV a cabo, o que começou a ser feito em 1996, depois
da regulamentação do serviço. Também estabeleceu o limite de 49% ao
capital estrangeiro, criou os canais de acesso público (incluindo o espa
ço que permitiu a disseminação dos canais da Câmara e do Senado) e
introduziu na legislação de telecomunicações os conceitos de rede única
e rede pública. Trouxe ainda o conceito de compartilhamento da rede, ao
assegurar que 30% da capacidade ficaria disponível ao uso de terceiros.
Outro aspecto fundamental do novo marco legal criado pela Lei do
Cabo é que se passou a exigir licitação para o processo de outorgas, e im

109
pos regras para a participação de empresas estatais de telecomunicações
no mercado.
A Lei do Cabo, contudo, foi apenas o ponto de partida para uma série
de desafios a ser enfrentados, como a regulamentação específica dos di
ferentes serviços, que ficou a cargo do Ministério das Comunicações nos
anos seguintes, como se verá mais adiante. O MMDS, por exemplo, che
gou a ganhar um projeto de lei específico, de autoria da deputada Irma
Passoni, em março de 1994, mas o texto não foi adiante.
Muitas pessoas participaram ativamente da elaboração da Lei do
Cabo. Daniel Herz, que durante duas décadas lutou para que o mercado
não fosse regulamentado por decreto, foi o representante do Fórum Na
cional pela Democratização da Comunicação; assim como Carlos Eduar
do Zanatta, assessor da bancada do PT e principal interface de contato
entre os empresários e os parlamentares; e Murilo César Ramos, pela
UnB, que também atuou desde o início da discussão do projeto, em 1991,
e da elaboração dos principais conceitos.
Entre os representantes das empresas, vários foram os nomes que
participaram do processo, com destaque para André Mendes de Almeida
(Globo), Marco Antônio Campos (RBS) e Antônio Carlos Menezes (Multi-
canal). Além das pessoas que se empenharam diretamente pela discus
são do projeto, alguns fatores talvez tenham contribuído para que a Lei
do Cabo se tornasse realidade. Esta análise é feita por Murilo César Ra
mos, da UnB, que ressalta alguns pontos.
Primeiro, o projeto não contou com a oposição do governo em ne
nhum momento. Isso se deve ao fato de a tramitação ter acontecido em
meio ao final do governo Collor e durante o governo Itamar Franco, que
era um governo de transição. O Ministério das Comunicações, a partir do
começo de 1993, retirou-se das discussões e não interferiu mais, deixan
do a questão para a Telebrás.
No Congresso, uma reforma Constitucional que mexesse na questão
do monopólio estatal no ano de 1993, como a que estava prevista, poderia
ter dificultado as coisas, mas a reforma acabou não saindo em função da
crise de transição de governo e, logo em seguida, do escândalo do orça
mento e das empreiteiras que varreu Câmara e Senado entre 1993 e 1994.

110
E havia, ao longo da maior parte do ano de 1994, a expectativa de que
Luiz Inácio Lula da Silva fosse eleito presidente, o que colocava os inter
locutores do PT em posição confortável de negociação.
E assim, as negociações para a Lei do Cabo correram livres, impul
sionadas pelos interesses convergentes de empresários, partidos políti
cos e entidades, como o FNDC. Até hoje, é o único caso na área das co-
municações de um projeto de lei que não veio do governo e conseguiu
alcançar a aprovação.

111
CAPÍTULO 5

A variável
convergência
Se TV por assinatura é um mercado que existe há 20 anos no Brasil,
o da Internet via redes de TV por assinatura tem por volta de 15 anos. Há
uma década e meia os debates sobre a possibilidade de levar a Internet
em alta velocidade por meio das redes de TV paga, sobretudo TV a cabo, já
apareciam no horizonte das operadoras. Em 1995, por exemplo, as primei
ras operações comerciais de banda larga surgiam nos EUA e no Canadá.
Para se ter uma idéia do que isso significava, em 1995 o primeiro navega
dor de Internet gráfico desenvolvido, o Mosaic, tinha pouco mais de um
ano. Era uma época em que a empresa sensação da Internet chamava-se
Netscape, com seu revolucionário browser, e as conexões domésticas pre
cisavam ser feitas por meio de modems discados cujas velocidades não ti
nham como exceder 9,6 kbps ou 14,4 kbps. Naquele momento, já se falava
em conexões de 1 Mbps em caráter comercial para redes de cabo, e de fato
as primeiras operações começaram a surgir no começo de 1996.
Essa afinidade entre a Internet e as redes de TV por assinatura vem
da física: uma rede de cabo média opera com centenas de canais de 6
MHz sobre os quais são transmitidos os sinais de TV. O uso de apenas um
desses canais de 6 MHz é suficiente para que se transmita com facilidade
uma quantidade de bits gigantesca, coisa que em fio telefônico, um par
trançado, é muito mais complicado de se fazer em função das limitações
de espectro.
O fato de Internet e TV a cabo terem uma relação tão próxima e tão
íntima foi determinante para muitos dos acontecimentos que marcariam
a história da TV por assinatura nos anos de 1997 e 1998. Alianças estra

112
tégicas e posicionamento das empresas, novos serviços, conflitos regula-
tórios, tudo isso se deve ao fato de que a TV por assinatura, em essência,
era bem mais do que TV por assinatura.
Os primeiros sinais dessa realidade puderam ser sentidos nas ne
gociações para a Lei de TV a cabo, entre os anos de 1991 e 1994. Como
vimos, havia, juntamente com o desejo dos empresários de comunicação
de criar as suas próprias redes, uma pressão da academia e das entidades
voltadas para a democratização das comunicações, para que TV a cabo se
tornasse, no Brasil, a tão falada “information superhighway”. De outro
lado, havia uma pressão contrária da Telebrás, que queria evitar o sur
gimento de uma rede concorrente e com capacidade de oferecer serviços
que a ela só seria possível com a construção de uma nova rede, o que ex
plica o movimento de diversas teles estatais no sentido de criar as redes
banda larga baseadas em fibras ópticas.
Existem inúmeras evidências de que, do ponto de vista dos negócios,
havia uma visão de que as redes de TV por assinatura seriam mais do que
TV. Em 1995, quando o grupo Globo acertou o aporte de US$ 125 milhões
do braço de investimentos do Banco Mundial, o IFC, o prospecto já falava
em telefonia e novos serviços. O grupo Garantia, ao decidir entrar na so-
ciedade da Multicanal, via essa oportunidade, e a própria Multicanal, ao
preparar a abertura de seu capital em bolsa, em julho de 1996, escrevia
aos seus potenciais investidores:

A empresa acredita que a introdução de serviços bidirecionais de


transmissão de dados em alta velocidade traz uma oportunidade de ne
gócios importante dado o crescente número de computadores pessoais
residenciais no Brasil, a significativa demanda por acesso à Internet, a
incapacidade das empresas de telefonia de atenderem a esta demanda e à
capacidade tecnológica das redes da empresa para prover estes serviços de
dados em alta velocidade. A Multicanal estima em 1,5 milhão o número de
lares com computadores pessoais e 200 mil usuários regulares de Internet,
a maior parte concentrada em domicílios classe A, B e C localizados em
grandes centros urbanos. A empresa acredita que a demanda por dados em
alta velocidade vai crescer ainda mais no futuro.

113
Na prática, a Multicanal apenas fazia propaganda de um potencial
serviço a seus acionistas, mas naquele ano a empresa faria o primeiro
teste de bancada de um serviço de transmissão de dados, possivelmente
visando, justamente, comprovar esse discurso que estava sendo colocado
ao mercado financeiro. A primeira demonstração em território brasileiro
da tecnologia de Internet por meio de redes de cabo foi feita, na verdade,
pela empresa Tele Design, no evento Brasil Link, de abril de 1996.
A demonstração estabelecia uma conexão de 10 Mbps entre dois com
putadores, mas o acesso à Internet real era bem mais lento, de 64kbps, que
era a velocidade máxima ofertada pela Embratel no seu link IP comerciali
zado na época. Para obter maior velocidade, só adicionando vários links.
O curioso é que apenas no National Cable Show de maio de 1996
(o principal evento de TV por assinatura dos EUA, realizado pela as-
sociação local de operadores de cabo, a NCTA) seria feita a primeira
demonstração da transmissão de dados em banda larga por meio de
cable modems.
Em 1996, a discussão no Brasil era, evidentemente, restrita aos cír
culos de engenheiros e técnicos. Não havia muita clareza sobre como e
quando seriam feitos os serviços de transmissão de dados pelas redes de
cabo, mas sabia-se do potencial. José Felix, engenheiro responsável pela
montagem das redes da Net Sul, e tempos depois se tornaria o presidente
da Net Serviços (sucessora da Globo Cabo), relembra em relato a este livro
que, no começo da década de 1990 a discussão não era específica sobre
serviços, mas sobre capacidade. Durante muitos anos, os debates entre
os engenheiros eram fazer redes com sobra para permitir a inclusão de
mais canais de vídeo e possíveis serviços, mas não havia clareza sobre o
que fazer com a capacidade excedente. Tanto é que o grupo RBS preferiu,
antes de apostar no desenvolvimento de tecnologias de acesso à Internet
por redes de cabo, fazer o mesmo apostando naquele que era o modelo
que estava realmente se consagrando: o acesso discado à Internet. Basta
lembrar que a RBS comprou em 1996 o seu provedor de acesso (Nutecnet)
por US$ 10 milhões e investiu mais US$ 10 milhões para formar o portal
Zaz (que até 1999 foi o segundo maior serviço de conteúdo e acesso da
Internet no Brasil, depois do UOL).

114
Em 1995 surgiam também as primeiras tecnologias capazes de fa
zer a TV a cabo falar: eram as plataformas para serviços de telefonia que
funcionavam sobre redes de TV por assinatura. Uma delas consagrou-se
pelo pioneirismo e, por muitos anos, foi solução de telefonia no cabo. Era
o equipamento Cornerstone, da Nortel, que logo chegaria ao Brasil para
testes, primeiro por meio das redes banda larga que estavam sendo cons
truídas pela Telebahia e depois em testes da própria Net Sul realizados
em 1997. A primeira operação de telefonia em redes de TV a cabo, no Bra
sil, só surgiria no começo da década seguinte, mais precisamente em 30
de março de 2000, quando a operadora de TV a cabo em Uberlândia, Ima-
geTV, controlada pela operadora de telefonia CTBC, lançou seu serviço
de voz utilizando justamente a tecnologia Cornerstone, da Nortel.
José Felix lembra que os testes na Net Sul com a tecnologia de voz,
em 1997 e 1998, eram muito promissores e o modelo de negócio de voz era
muito mais conhecido do que o da banda larga. Ele relata que banda larga
era, naqueles anos, algo que existia como tecnologia, mas que ninguém co-
nhecia e, portanto, ninguém queria. Voz parecia ser uma coisa muito mais
promissora, porque todo mundo conhecia e todo mundo queria. Havia uma
oportunidade grande, maior do que a oferecida pela Internet. Um dos prin
cipais problemas da banda larga era a falta de padronização dos equipa
mentos e tecnologias, com cada fornecedor criando uma solução própria.
Outro operador que, naturalmente, começou a olhar para o potencial
da tecnologia de Internet em banda larga foi a Net Brasil (posteriormen
te, Globo Cabo). Em meados de 1996 a empresa criou uma diretoria vol
tada justamente para o desenvolvimento destas tecnologias, a cargo de
Arthur Steiner, e logo começaram os estudos sobre como adaptar a tec
nologia já existente à realidade brasileira, onde algumas características
eram únicas no mundo. A principal delas: as empresas de telefonia não
proviam o acesso; quem fazia isso eram os provedores como UOL, Zaz e
Mandic, na época. Não por acaso, a Net Brasil montaria um time tecnoló
gico oriundo do Sistema Telebrás para tocar o seu projeto de convergên
cia, e um dos personagens seria Luiz Fernando Baptistella, ex-CPqD, um
dos responsáveis, no começo dos anos 1990, pelos trabalhos que orienta
ram as empresas do Sistema Telebrás a construir suas redes de cabo.

115
Havia um complexo debate jurídico/regulatório sobre se as empre
sas de TV por assinatura poderiam ou não entrar no mercado de Internet.
Era uma discussão confusa, porque se dava justamente em um momen
to em que o governo preparava a privatização das empresas do Sistema
Telebrás. As teles, desde 1995, estavam proibidas de prestar serviço de
acesso, mas tampouco parecia interessante que o mercado de banda lar
ga começasse a ser tomado por outras empresas, sobretudo empresas
de TV por assinatura, sempre vistas como potenciais competidoras das
empresas de telecomunicações. Um dos argumentos que se colocava na
ocasião, em favor do provimento de acesso à Internet pelas empresas de
TV a cabo, é que havia limitação no número de linhas telefônicas para
atender à demanda dos provedores.
Tanto é que em agosto de 1996, o Comitê Gestor de Internet criou o
primeiro grupo de trabalho destinado a debater quais seriam as tecnolo
gias que poderiam dar acesso à rede, além das redes de telefonia tradicio
nal. A TV por assinatura foi, já naquela ocasião, apontada como uma das
mais relevantes.
Naquele mesmo ano começava a saga dos operadores para obter al
gum tipo de sinalização do governo no sentido de liberar empresas de TV
por assinatura a prestarem acesso à Internet em alta velocidade, com os
operadores pedindo as primeiras licenças de demonstração ou operação
em caráter experimental. Foi esse o caso da Multicanal e da Net Brasil,
por exemplo.
O que não se sabia era a saga que essa aprovação se tornaria. O que
parecia simples, um mero sinal verde para que os operadores pudessem
levar seus planos adiante e esperar pela resposta do mercado, acabou se
tornando algo muito mais complexo e cheio de polêmicas, tanto é que a
autorização para a prestação dos serviços de Internet por meio de redes
de cabo só veio em setembro de 1999. Antes disso, muita discussão foi
travada sobre a obrigatoriedade ou não de haver um provedor, se o servi
ço de acesso à Internet poderia ou não ser utilizado para oferecer serviço
de telefonia, se havia diferença entre um serviço unidirecional (só para
download) ou bidirecional (em que a informação navega nos dois senti
dos) e outras tecnicalidades do tipo.

116
O mercado de TV por assinatura, contudo, não parecia disposto a
esperar muito mais para mostrar que estava decidido a virar a página da
oferta pura e simples dos serviços de vídeo. Em todo o mundo discutiam-
se as possibilidades da convergência de tecnologia. Em abril de 1997,
por exemplo, a Microsoft adquiria por US$ 425 milhões uma empresa
chamada WebTV cuja tecnologia era, justamente, para convergir Inter
net e TV. Começava já naquela época a primeira grande onda da Internet
e da convergência.

CHEGA A BANDA LARGA


No Brasil, quem deu o primeiro passo, à revelia das discussões jurí
dicas e legais nesse sentido, foi a TV Filme. A empresa de Brasília, que
abrira capital em bolsa nos EUA em 1996, mas que em 1997 já enfrenta
va uma delicada situação financeira, resolveu lançar em 27 de novembro
de 1997 o serviço Link Express. A tecnologia utilizada era a da empresa
NextLevel, uma marca que a General Instruments (GI) adotou apenas na
quela época. A solução previa acesso banda larga por MMDS apenas no
download das informações. Para enviar ou fazer o upload, a solução era
usar a linha telefônica. Isso dava à TV Filme a certeza jurídica de que po
deria prestar o serviço. Nos anos seguintes, os operadores de MMDS plei
teariam (e conseguiriam) algum espectro adicional para fazer o upload
utilizando também o MMDS. Mas naquele primeiro momento, com um
serviço unidirecional, uma operadora de TV por assinatura oferecia pela
primeira vez a possibilidade de acesso em até 2,7 Mbps. Era um serviço
caro. O modem custava R$ 299,00 e o custo por 25 horas de acesso men
sais era de R$ 47,90.
O serviço de Internet pelo MMDS da TV Filme foi pioneiro em todos
os sentidos, e só ampliou a pressão dos operadores de cabo para que se
liberassem as autorizações de prestação do serviço em outras redes. O
primeiro a efetivamente oferecer o serviço em bases comerciais foi Net
Londrina, operador franqueado da Net Brasil que naquela ocasião tinha
como controlador a Inepar. No início de setembro de 1998, passou a co-
mercializar acesso à Internet pela rede de cabo, também com tecnolo
gia unidirecional. O download permitia velocidades de acesso de até 1,25

117
Mbps e o upload era feito por linha telefônica, o que viabilizava, legal
mente, a operação.
Havia, entretanto, outro problema que ia além da questão regulatória
e determinaria muitos movimentos das operadoras de TV a cabo em rela
ção à Internet: a capacidade da rede.
A maior parte das redes de TV a cabo no Brasil foi construída, na dé
cada de 1990, sem prever a possibilidade de um canal de retorno para a
transmissão de dados no sentido assinante/operadora. Ou seja, quando se
utilizava a rede para acesso à Internet, era possível fazer a informação
chegar ao assinante, mas não retornar, pela mesma rede, de volta à opera
dora. E o alto investimento necessário para refazer a rede e permitir o uso
do canal de retorno restringia a poucas operadoras as condições de fazer
tal investimento.
O que se fazia era buscar alternativas de baixo custo para melho
rar a rede e/ou oferecer o serviço com todos os problemas. A Net Brasil
encontrou, em 1997, uma tecnologia que prometia ser a solução para to
dos os problemas. A empresa israelense Terayon tinha desenvolvido uma
técnica de transmissão de dados pelas redes de cabo que parecia imune
aos ruídos e defeitos das redes de cabo e permitiria o lançamento dos ser
viços, mesmo em situações de redes mais precárias. Os primeiros testes
de transmissão de dados em alta velocidade mostravam que uma simples
batedeira ligada na cozinha era capaz de interromper o serviço em várias
casas, tamanha a vulnerabilidade às interferências das redes de TV por
assinatura existentes.
Mas a Globo apostava tão alto na tecnologia da Terayon que resolveu
entrar com uma pequena participação na empresa, tendo a opção de com
pra de um percentual maior no futuro e assento no conselho de desenvol
vimento da empresa, justamente para poder conhecer todos os detalhes da
tecnologia. A operação de testes da Net Brasil era em Sorocaba, em uma es-
pécie de operação-laboratório. Um dos responsáveis pelo projeto era Fabia-
no Carneiro, também ex-CPqD e homem que por muitos anos orientou as
empresas do Sistema Telebrás sobre como montar redes de banda larga.
Um ano depois, em setembro de 1998, ainda sem a autorização legal
para a oferta do serviço, a Globo Cabo (que naquele ano já havia assumi

118
do o papel de operador, deixando Net Brasil apenas como franqueador)
lançava o serviço Vírtua. Era uma forma de pressionar as autoridades e
mostrar que a tecnologia estava pronta para oferecer serviços de banda
larga. Mas a pressão não serviu para muita coisa. No final de 1998, a Ana
tel, publicou um regulamento sobre como poderiam ser os testes com a
tecnologia de banda larga por redes de cabo e determinou nada menos
que seis meses de experiências, que seriam acompanhadas pelos técnicos
da agência como forma de estabelecer um regulamento para o serviço.
Esse processo levou quase um ano, e apenas no final de novembro de
1999 saiu o regulamento permitindo a oferta de serviços de valor adicio
nado por redes de TV por assinatura (Resolução Nº 190, de 29 de novem
bro de 1999), válido até os dias de hoje.
Era uma época conturbada para que o governo tomasse essa decisão,
o que talvez explique a demora. No começo de 1997, quando os operado
res de TV paga efetivamente começaram a fazer pressão para que pudes
sem oferecer o serviço de banda larga, o Ministério das Comunicações
estava preocupado com a formatação da Lei Geral de Telecomunicações.
No setor de TV por assinatura, a prioridade era fechar a regulamentação
do cabo e do MMDS. No segundo semestre, a preocupação passou a ser
finalizar a transição do Ministério para a recém-criada Anatel, e a prepa
ração dos editais de TV por assinatura que sairiam em dezembro. O pri
meiro semestre de 1998 foi dedicado à formatação dos leilões de venda
da Telebrás e à disputa judicial para desatar o nó dos editais de TV por
assinatura, como se verá no próximo capítulo.
No segundo semestre de 1988, a Anatel estava entretida com os
ajustes necessários para viabilizar o mercado que havia surgido após a
privatização da Telebrás e com a edição de uma série de regulamentos
que seriam imprescindíveis à regulação do mercado. Banda larga, naque
le momento, era a última das prioridades.
No começo de 1999 a Anatel ainda esperava a venda das empresas-
espelho de telefonia que fariam concorrência às concessionárias priva
tizadas em 1998. Além disso, o país vinha sendo sacudido por crises eco
nômicas desde 1997, com a crise asiática, passando pela crise russa em
1998 e pela desvalorização do real em janeiro de 1999. Tudo isso talvez

119
explique por que só no final desse mesmo ano houve, finalmente, a libe
ração para que as empresas de TV por assinatura oferecessem acesso à
Internet em banda larga. E assim, operadoras como a Net lançaram os
seus serviços comercialmente na mesma época em que a Telefônica co-
meçava a vender o Speedy, por meio de ADSL, na cidade de São Paulo.
A história da banda larga nas operadoras de TV por assinatura não
está restrita, contudo, ao cable modem nem a experiências de sucesso.
Uma plataforma de banda larga sem fio foi, por muitos anos, discutida
no Brasil e acabou se mostrando um retumbante fracasso. Era uma tec
nologia chamada de LMDS, que utilizava o espectro de 26 a 28 GHz e
prometia, à época, a transmissão de TV por assinatura, dados e telefonia
com altíssima capacidade. As primeiras experiências com o LMDS che
garam ao país no final de 1994. Logo alguns grupos já estavam testando,
ou ao menos mostraram interesse em conhecer o potencial da nova pla
taforma. Em 1995, grupos como TVA, Andrade Gutierrez, Globosat e RBS
entraram com pedidos junto ao Ministério das Comunicações para testar
o tal “Local Multipoint Distribution Service”. Rapidamente, o Ministério
deu mais de 30 licenças experimentais para o novo serviço.
Esse sistema patenteado pela CellularVision Technology era basea
do em um esquema de células e antenas omnidirecionais com cobertura
de 5 km de raio por célula. As antenas de recepção eram quadradas, do
tamanho de um azulejo, e deveriam ficar presas às janelas, viradas para
a torre de transmissão. A AG Telecom, da Construtora Andrade Gutierrez,
era das empresas que mais apostavam na tecnologia. Outra que dedicou
boas horas de teste no LMDS foi a TVA, mas tinha um problema crônico
com a tecnologia: ela saía do ar sob chuva forte e exigia que as antenas
tivessem “visada” (enxergassem) da torre de transmissão.
Apesar de promissora, a tecnologia LMDS (ou LMCS, como mais tar
de passou a ser chamada) não decolou. Anos depois, já em 2000, a Anatel
cogitou editar uma regulamentação para o serviço, mas logo a marola
passou e nunca mais o assunto voltou à mesa de discussão.
Mas não era apenas nas tecnologias de banda larga que as opera
doras de TV por assinatura estavam inovando. Em 1996, as empresas
de TV por assinatura, àquela altura já com um número bastante sig

120
nificativo de canais e diante da entrada iminente das operadoras de
DTH no mercado, precisavam ampliar as receitas com a venda de TV
por assinatura.
Além disso, as agressivas estratégias de venda adotadas por algu
mas operadoras, sobretudo pela Multicanal, aumentavam significati
vamente o problema de inadimplência, e sem uma tecnologia que per
mitisse o controle remoto do assinante, a base ia se deteriorando com
assinantes que não conseguiam pagar a conta.
Naquele ano, as grandes operadoras começaram a discutir a codifi-
cação das redes. À luz do que se vê hoje, parece uma medida trivial, mas
o fato é que os investimentos eram pesados e a mudança no modelo de
negócios dos operadores e programadores seria significativa.
Para se ter uma idéia, a Multicanal, que em 1996 era a maior opera
dora do Brasil, tinha uma oferta de 40 canais, incluindo os canais pagos
e os abertos, e mais quatro no pacote avançado. Na ocasião, a separação
de pacotes era feita por meio da colocação de traps (uma espécie de filtro
que limita ou libera a passagem de determinada frequência) na maior
parte das operadoras. A TVA, que desde o começo operava com MMDS co-
dificado e depois seguiu a mesma linha com a rede de cabos, era a única
grande operadora que tinha uma rede endereçável.
Uma discussão que movimentou a indústria e criou polêmica entre
diferentes operadores foi a decisão da Net Brasil de codificar a sua rede.
A codificação permite a um operador de TV por assinatura criar pacotes
de canais e controlar remotamente quais assinantes terão acesso a que
programações, o que abre a possibilidade de novas formas de comerciali
zar os canais. Mas essa é a mudança visível. Na lógica do funcionamento
de uma operação de TV por assinatura, uma rede codificada e a oferta de
múltiplos canais criam novos desafios na negociação entre programado
res e operadores, uma vez que alguns canais passam a ser comercializa
dos em um determinado pacote, outros, em outro pacote, e há, para cada
um deles, condições diferentes de negociação.
Em um mercado que desde o começo da década de 1990 era dominado
pelos grandes fornecedores mundiais de tecnologia, como General Instru
ments e Scientific-Atlanta, a Net resolveu optar por uma nova alternativa

121
para a sua codificação. Era um contrato imenso para os padrões brasilei
ros, de mais de 500 mil caixas, com a empresa de Taiwan Eastern.
A opção por aquela solução, no final de 1997, foi alvo de críticas e co-
mentários, sobretudo dos demais franqueados da Net no Sul e no interior
de São Paulo, além da Multicanal, que havia optado por uma solução já
consagrada no mercado da GI.
A caixa da Eastern tinha uma vantagem: era a caixa mais barata do
mundo, conforme manifestado pela própria Globo Cabo na ocasião. De
fato, a caixa custaria para a operadora cerca de R$ 90, e os demais forne
cedores batiam a cabeça para tentar entender como é que uma empresa
pequena tinha conseguido chegar nesse preço e conquistar aquele que
seria o maior contrato de fornecimento de caixas de decodificação (set-
tops) da história da TV por assinatura brasileira. E o argumento trouxe à
tona um problema que a TV por assinatura estava começando a conviver:
a pirataria de sinais.
Pela primeira vez, um fornecedor alegava que a sua tecnologia era
melhor porque era menos suscetível à quebra da codificação. As caixas
dos fornecedores consagrados tinham, nos EUA, versões clandestinas
em que o sistema que impedia o acesso a determinados canais poderia
ser facilmente eliminado, liberando todo o conjunto de pacotes disponí
vel na rede.
Esse era um problema crítico na ocasião, já que as redes de TV a
cabo, sobretudo nas grandes cidades, haviam se espalhado por regiões de
poder aquisitivo menor e onde se registravam índices maiores de cone
xões clandestinas. Especialmente a Multicanal em São Paulo tinha uma
rede bastante extensa, parte da agressiva política da empresa para am
pliar a base de assinantes.
A discussão sobre a codificação da rede também foi usada, aparente
mente, como mais uma peça do jogo de forças entre Net e Multicanal, que
naquele momento queria se sobressair em uma negociação sobre a tec
nologia a ser adotada, talvez como forma de se fortalecer nessa relação
ou então de evitar os investimentos imediatos na codificação da rede.
Não era a primeira vez que a Net enfrentava uma discussão sobre
codificação. Anos antes, um dos pontos de atrito entre ela e a UIH na Net

122
São Paulo havia sido justamente a questão da codificação da rede, mas
nesse caso, a UIH queria codificar, porque entendia ser a melhor forma
de já acostumar o usuário a pacotes diferenciados; a Net Brasil não que
ria, porque entendia que para a massificação do produto era importante
que todos os assinantes tivessem todos os canais.
Havia, em 1997, entre operadores e programadores, o medo de que
o Brasil reproduzisse a experiência da Argentina, onde dez anos depois
do surgimento da TV a cabo chegou-se à impressionante marca de 5 mi
lhões de assinantes, mas todos recebendo todos os canais (65 ao todo),
pagando o mesmo preço (US$ 30 mensais). Com a ampliação da oferta de
canais seria inviável manter o esquema. Somente a codificação permiti
ria a mudança de modelo.
Na mesma época em que a Net Brasil discutia a compra do decoder
da Eastern (o que acabou se efetivando; o decoder chegou ao consumidor
com a marca Vision, do fabricante local), também surgiram as primeiras
discussões sobre a digitalização das redes de TV a cabo, motivadas prin
cipalmente pela Multicanal, que anunciara planos de fazer uma codifica
ção digital em 1998. Paralelamente, surgiam nos EUA as primeiras caixas
digitais para TV a cabo, sobretudo, por pressão dos operadores de banda
Ku que já tinham a tecnologia. Havia a expectativa crescente de serviços
interativos por meio da televisão, e algumas operadoras avaliavam que a
digitalização seria uma forma de queimar etapas. O investimento seria
mais alto, mas seria feito de uma vez. Além disso, ao transformar os ca-
nais transmitidos em canais digitais, o operador ganharia mais espaço
na rede para introduzir novos canais.
A Globo Cabo, entusiasmada com o potencial da digitalização, tor-
nou-se, em novembro de 1997, a primeira operadora de TV por assinatura,
fora dos Estados Unidos, a ingressar no consórcio CableLabs, dedicado
às pesquisas de tecnologias de TV a cabo. A grande discussão do con
sórcio na ocasião dava-se em torno justamente de padronizações para as
caixas digitais. As forças naquela disputa eram, de um lado, a Microsoft,
que tentava impor o seu sistema operacional Windows CE, e do outro os
fornecedores como Scientific-Atlanta, IBM e Oracle, que brigavam pelo
sistema aberto (o Open Cable, que acabou prevalecendo). A Net chegou

123
a abrir, pouco antes de entrar no CableLabs, uma chamada para forma
tar uma plataforma digital, projeto que duraria vários anos e só seria
implementado em 2004, com tecnologia européia, longe das discussões
norte-americanas.

MUITOS CANAIS
A corrida pela codificação ou digitalização das redes se dava es-
pecialmente por uma razão: a época era rica em oferta de programa
ção. O ano de 1997 talvez tenha marcado a transição entre uma fase de
ajustes da programação da TV por assinatura, com muitos canais sendo
simplesmente jogados nas redes, sem o cuidado de nacionalizá-los com
dublagem ou legendagem, e muitas vezes com áudio em espanhol. Glo
bo e Abril tinham procurado, desde o começo de suas atuações, criar
ou empacotar canais próprios ou em parcerias com qualidade. Do lado
da Globo, havia os quatro canais originais (Telecine, GNT, Multishow
e SporTV) e mais o Globo News, lançado em 1996, o Shoptime herdado
da Multicanal e, naquele momento, o USA Networks, um canal de sé
ries feito em parceria com a Universal (que depois passaria a dar nome
ao canal). Do lado da TVA, os canais produzidos ou empacotados por
ela eram CMT Brasil, ESPN Brasil, Eurochannel e Bravo Brasil, que se
somavam à sociedade com o canal HBO. A HBO, por sua vez, marcava
território como uma grande programadora, trazendo para o Brasil os
canais Mundo, E!, Warner, Sony e Cinemax, além do canal HBO2, mul-
tiplex do HBO original.
Chegavam também os canais infantis para rivalizar com o Cartoon,
como Fox Kids, Discovery Kid e Nickelodeon. Além disso, a perspectiva
de codificação das redes estimulava o surgimento de novos canais, como
os Telecine 2, Telecine 3, Telecine 4 e Telecine 5. Era uma época de grande
e intenso remanejamento de line-ups entre operadores e ajustes de con
tratos entre programadores e operadores. Os programadores ampliavam
sua oferta de canais na esperança de colocar alguns deles nos pacotes
básicos que estavam sendo criados. Os canais tradicionais, como a CNN,
pioneira na TV por assinatura brasileira, deixavam de ser canais de mas
sa para ganhar espaço em pacotes dedicados a conteúdos premium.

124
Ainda havia, é certo, algum conteúdo remanescente da época em que
os canais eram oferecidos apenas para preencher espaço. Algumas progra
mações sem nenhuma identidade com a audiência brasileira, como Canal
de las Estrellas, Telehit e Ritmo & Som eram encontrados em algumas
operações, mas logo dariam espaço a programações mais relevantes.
No campo esportivo, que em todo o mundo sempre foi parte funda
mental da venda de TV por assinatura, sobretudo em um ambiente de pa
cotes diferenciados como o que se desenhava, as mudanças que estavam
acontecendo em 1997 eram importantes. Até 1996, a TVA e a Globosat
disputavam de maneira acirrada os direitos de transmissão dos jogos
de futebol. Como Net Brasil e TVA tinham canais exclusivos (SporTV vs.
ESPN/ESPN Brasil), a briga pelos campeonatos estaduais e pelo Campe
onato Brasileiro era importante, como era grande a disposição, de parte
a parte, de bancar a compra dos direitos, que nem sempre eram exclusi
vos. Além disso, a programação esportiva na televisão aberta e na TV por
assinatura era sempre muito parecida, pois sem a codificação das redes
os operadores de cabo ficavam impossibilitados de organizar a venda de
pay-per-view, por exemplo.
Mas em 1997 o jogo mudou. Com a decisão das operadoras Net e
Multicanal de codificar seus sinais, a venda de pay-per-view tornou-se
um negócio e a disputa pelos direitos se acirrou. Em julho desse ano, al
guns meses antes do início do Campeonato Brasileiro, travou-se intensa
a batalha pela disputa do direito de transmissão dos jogos. Net e Multica
nal queriam exclusividade na transmissão dos jogos dos times grandes,
apostando que isso impulsionaria o pay-per-view. A TVA, contudo, trans
mitia os mesmos jogos aos seus assinantes, com base em uma liminar da
Justiça. Da venda do pay-per-view das operadoras Net e Multicanal viria
parte dos recursos para subsidiar a venda dos decoders e dos próprios
direitos, o que tornava ainda mais dramática a disputa.
Essa guerra elevou o preço dos direitos. Ao mesmo tempo, os clubes
passaram a negociar os direitos de TV paga em conjunto com os direitos
para canais pay-per-view e com a venda da TV aberta, o que colocou a
TVA em uma situação complicada, pois ela não tinha distribuição em TV
aberta e não explorava a tecnologia de pay-per-view. Em 1997, a operado

125
ra ainda fazia uma última tentativa de adquirir os direitos dos jogos dos
times do Clube dos Treze em conjunto com o SBT, mas a proposta foi der
rotada pelo consórcio Globo/Globosat/Bandeirantes, e os direitos, em TV
por assinatura, ficaram para a Globosat, de onde nunca mais saíram. A
TVA, naquele ano, fechou com o Clube dos Onze, que representava clubes
menores, mas aos poucos se afastou da disputa por direitos esportivos.
Era evidente que o universo dos canais esportivos se tornaria um
grande palco de disputas. Ainda em 1997, a Fox anunciava para o Brasil
a chegada do Fox Sports, que já fazia grande sucesso nos EUA. Mas a
Fox, controlada pela News Corp., e a Globo tinham um acordo na Sky que
envolvia certas regras de programação, em que os canais dos dois grupos
seriam distribuídos, mas não competiriam entre si. Havia ainda outra
questão: a Globo acertara com Rupert Murdoch que cederia a distribui
ção pela Sky dos sinais da TV Globo.
No entanto, na hora de implementar o acordo, surgiu um problema
para a emissora de TV brasileira: as suas afiliadas. Que canal seria colo
cado na distribuição da Sky? O canal nacional, sem as programações re-
gionais e locais? E os comerciais, quais seriam inseridos na programação
da TV Globo retransmitida pela Sky? A questão era muito complexa e foi
grande a discussão interna do grupo Globo para viabilizar um modelo.
Naturalmente, houve desgaste com a News Corp., que esperava o cumpri
mento daquele acordo. Várias soluções foram pensadas, mas prevaleceu
um modelo intermediário: a Sky colocaria diferentes sinais de diferentes
afiliadas da TV Globo disponíveis no satélite e só os assinantes da locali
dade atendida por aquela afiliada conseguiria assistir ao canal. Em 1997
subiram os primeiros sinais, primeiro para as praças de Belo Horizonte
e Rio de Janeiro; depois para o mercado de São Paulo e Porto Alegre. Era
uma solução muito mais cara para a Sky e não atendia a todos os seus
assinantes no Brasil inteiro, mas evitava o desgaste entre a TV Globo e
suas afiliadas.
Diante desse ambiente delicado, o canal Fox Sports acabou tendo a
sua estréia no Brasil adiada indefinidamente, com algumas tentativas
posteriores fracassadas. Mas a disputa entre TVA e Net Brasil no quesito
canais exclusivos começava a gerar alguns incidentes curiosos. Um deles

126
aconteceu em Campinas. AUnicabo havia adquirido, no meio do ano de
1997, a VC-TV Cabo, que operava na cidade desde 1992. A VC-TV, contudo,
tinha programação da TVA, e a mudança para a Unicabo implicava adotar
a programação Net. Esse seria, até então, o maior caso de mudança de
programação já registrado, afetando mais de 35 mil assinantes.
Para agravar ainda mais o cenário, a notícia da troca de canais vazou
em um jornal local e a DirecTV aproveitou o clima de incerteza para fazer
propaganda em toda a cidade com a frase “Cadê minha HBO”, lembrando
que, a partir daquele dia, só seus assinantes continuariam assistindo à
HBO, o que ampliava a tensão da troca de canais.
A estratégia da Unicabo foi substituir a HBO pelo Telecine e a HBO2
pela Fox. O GNT entrava no lugar do Superstation; o Multishow substi
tuiu o CMT; e o SporTV ocupou o espaço do ESPN Brasil. O assinante
recebeu ainda o CNN em espanhol, o canal BBC, o Globo News e o USANe-
twork. As vendas da DirecTV até aumentaram, segundo relatos da época,
mas o grau de reclamação foi menor do que o imaginado, e houve poucos
pedidos de cancelamento de assinatura em função daquela mudança. De
certa forma, isso foi um alívio para a empresa, que havia feito um inves
timento de US$ 75 milhões, segundo dados da época, na compra daquela
outorga. Vale lembrar que a operação de Campinas era a mesma que, em
1992, teve a licença de DISTV oferecida aos Coutinho Nogueira pelo preço
de um carro de luxo.
Mas ficou, naquele momento, a sensação entre os executivos da Uni
cabo de que talvez o estresse pudesse ter sido menor se simplesmente
não existisse a política de exclusividade de canais. Daquele momento
em diante se tornaram mais frequentes os questionamentos sobre essa
política, que já vinha desde os primórdios da TV por assinatura, com os
primeiros acordos de exclusividade da TVA com o canal CNN (depois alte
rado), ou com os canais exclusivos da Globosat e, principalmente, depois
que os canais de filmes HBO e Telecine se colocaram em campos opostos.
E naquele ano de 1997 ainda havia o agravante dos direitos esportivos
exclusivos que começavam a se tornar um elemento importante.
O ano de 1997 foi o primeiro em que a questão da exclusividade de
canais se tornou um problema aos olhos dos operadores que não se be

127
neficiavam daquela política. Também os programadores se perguntavam
se valeria a pena, em um mercado pequeno como o brasileiro, abrir mão
de parte da base para ter acesso exclusivo a outra. Naquele ano os novos
canais Telecine já seriam criados, pensando na possibilidade de distri
buição plena por qualquer operadora, independentemente de contratos
de franquia ou com outras programadoras. Foi uma mudança importante
porque, de certa forma, forçou a pressão para que a HBO fizesse o mes
mo. Em 1998, Net e HBO chegaram muito perto de um acordo para que a
programação, até então exclusiva da TVA, entrasse nas operadoras liga
das à Net Brasil. A data de entrada chegou a ser marcada: 1º de novem
bro de 1998; mas o contrato definitivo acabou não saindo. Esbarrou nas
delicadas condições de venda cruzada de pacotes e o pagamento por um
número mínimo de assinantes que despertaram a discordância da News
Corp., sócia da Fox e da Sky. Essa quebra de exclusividade só viria a acon
tecer efetivamente em 16 de março de 2005.
Outro fato importante que marcou as relações entre programadoras
e operadoras nessa época foi o fim do casamento entre o canal Supers-
tation, pioneiro no Brasil no gênero variedades e que esteve presente
desde os primeiros momentos da TV por assinatura, e a TVA. No dia 1º
de junho de 1997 o canal perdeu a distribuição exclusiva da TVA, sendo
substituído pelo canal Mundo, programado pela HBO Brasil. Acabava,
assim, uma relação de seis anos e começava uma briga jurídica entre as
duas empresas. Por outro lado, o Superstation ganhava a distribuição do
sistema Net/Multicanal, onde permaneceria até ser vendido para o canal
National Geographic e desaparecer.
Enquanto as grandes operadoras partiam para a estratégia de codi
ficação e venda de novos pacotes, o mercado de TV paga via uma movi
mentação importante de dois operadores pequenos.
Se de um lado a movimentação dos canais era intensa no perío
do de 1997 e 1998, do ponto de vista das operadoras o cenário era bem
mais incerto. Algumas foram especialmente castigadas com a crise asi
ática e russa, como a TV Filme. Com uma aposta alta no MMDS e na
expectativa de ver um crescimento de base em função do processo de
licitação, a operadora endividou-se no final de 1996 para poder bancar

128
a expansão projetada. Mas não contava com a crise asiática que afeta-
ria os mercados emergentes em 1997, nem com o atraso da licitação,
que só foi concluída em 1998, conforme será descrito no próximo capí
tulo. A empresa foi a primeira das operadoras brasileiras a viver uma
grave crise de solvência financeira. Em 1997, a operadora, que já vinha
perdendo valor em bolsa nos EUA, foi obrigada a fazer uma rolagem de
dívida, com uma troca de papéis no valor de US$ 130 milhões, aproxima
damente. Mas as dificuldades financeiras aumentariam em 1998, com
o agravamento da crise econômica no Brasil e com a crise russa, e não
só para a TV Filme.

CRISE DE IDENTIDADE
Todas as operadoras brasileiras começaram a perder base naquele
ano. Aretração econômica, aliada às políticas de venda extremamente
flexíveis praticadas nos anos anteriores, faziam todas as operadoras
perderem cerca de 5% da base por trimestre, e a situação só se agravava
ao longo do ano. A TV Filme, por exemplo, chegou a cortar 15% da base
no terceiro trimestre de 1998 e via suas ações se desvalorizarem conti
nuamente no mercado norte-americano. No final de 1998 a empresa não
conseguiu mais cumprir as condições para continuar a ser listada na
Bolsa Nasdaq, de Nova York, e em 6 de fevereiro de 1999 foi efetivamente
retirada da lista de empresas negociadas. Era o começo de uma lenta e
dolorosa renegociação financeira que acabou impedindo a empresa de se
reerguer pelos próximos dez anos.
Também a TVA teve que enfrentar, ao longo de 1998, uma crise de
identidade interna, com seus acionistas descontentes com o rumo es-
tratégico que o negócio havia tomado depois dos investimentos em pro
gramação e no serviço de DTH. Em junho daquele ano viriam à tona as
primeiras manifestações de insatisfação. A Falcon era uma operadora de
cabo e só tinha interesse nesse mercado, e não em DTH. A ABC/Disney
perdera o interesse desde que a Disney adquirira a ABC, e o investimento
em operação de TV paga fazia pouco sentido para ela. Os grupos Chase e
a Hearst também não estavam confortáveis, o que apressou, por parte da
TVA, a busca por uma saída para os sócios descontentes.

129
Houve negociações naquela época para a entrada de novos acionis-
tas. Um deles era o grupo argentino CEI, braço de investimentos em pri-
vate equity do Citibank na América Latina. O CEI foi apenas uma das
empresas com quem a TVA negociou, na verdade, mas conversas seme
lhantes aconteceram também com a Bell Canada e com o grupo argenti
no Clarin. O fato é que a saída para a TVA não saiu daquela renegociação,
e sim do DTH.
Como a maior insatisfação dos acionistas da TVA eram os investi
mentos feitos em TV por assinatura via satélite, ficou acertado em mea
dos de 1998 que eles sairiam da participação na Galaxy Brasil, empresa
responsável pela operação da DirecTV, em troca de US$ 300 milhões, pa
gos pela Hughes, que seriam reinvestidos na própria TVA. Mas aquela
negociação, na verdade, só sairia em 1999, e seria muito mais drástica
para o grupo Abril, uma vez que não só os sócios, mas o próprio grupo da
família Civita se desfaria da operação de DTH.
O momento era crítico para as operações de cabo da Multicanal, que
depois de ser vendida para a Globo Cabo sofria um agressivo processo de
limpeza na base de assinantes; para a TV Filme, que via suas ações der
reterem em bolsa; para a própria Globo Cabo, que sofria com a retração
econômica e com a dificuldade de integração da Multicanal; e para a TVA,
que lutava contra o desinteresse dos sócios. Mas tudo ia muito bem para
as operações de DTH.
Sky e DirecTV eram as responsáveis, naquele período de 1997 e 1998,
pelo grosso do crescimento da base de assinantes. A Sky logo tomou a de
cisão de incorporar os assinantes da operação analógica em banda C da
NetSat, processo que foi concluído em meados de 1998 e garantiu a ela
um forte crescimento. Pouco depois, em 1999, quando a Hughes comprou
a participação da Abril na DirecTV, a base da TVA Digisat, em banda C
digital, foi incorporada à operação em banda Ku.
A grande surpresa do mercado de DTH, porém, veio mesmo em 20 de
março de 1998, com a entrada da Tecsat. Era a primeira operação de TV
por assinatura independente, sem vínculos com grandes grupos nacio
nais ou estrangeiros, a se aventurar no segmento via satélite. A Tecsat
era uma marca da Tectelcom, empresa de São José dos Campos que du

130
rante a primeira metade da década de 1990 havia sido uma importante
fornecedora de antenas parabólicas e equipamentos para recepção de
satélite. Foi também a fabricante dos primeiros receptores da Globosat
para o serviço em banda C, mas em 1996, por não conseguir acertar um
contrato de fornecimento com a Sky ou com a DirecTV, resolveu concor
rer com elas e lançar a sua própria operação.
ATecsat tinha uma estratégia interessante para a época e que viria
a inspirar uma segunda onda de operadores de DTH a partir de 2006:
era uma operação de baixo custo, voltada para a classe C, e com um pro
duto que visava complementar a oferta de canais abertos disponível aos
usuários de satélite e que tinham parabólicas para a banda C. Foi uma
estratégia inovadora da Tecsat, que desenvolveu tecnologia própria de
codificação e acesso condicionado, um fato significativo em se tratan
do de uma empresa brasileira com experiência não em TV paga, mas na
fabricação de equipamentos. A Tecsat era, naquele momento, tão agres
siva que tinha inclusive apresentado propostas para os editais de cabo e
MMDS. E ainda investia na produção de alguns canais próprios de filme
e conteúdo adulto.
A segunda metade da década de 90 foi de fato movimentada para o
mercado de TV por assinatura, mas ainda era muito pouco se comparado
à movimentação do mercado em função da perspectiva de abertura do
mercado de telefonia.
E talvez toda a discussão sobre o potencial da banda larga das re-
des de TV por assinatura tenha estimulado alguns dos grupos operado
res a pensar com mais ou menos carinho na possibilidade de participar
do leilão de privatização da Telebrás. Alguns fatos nesse sentido mere
cem ser destacados, sobretudo por parte dos grupos Globo e Abril, que
realmente tinham projetos estratégicos de se tornarem empresas de
telecomunicações.
O grupo Globo, especialmente, há muitos anos flertava com essa
possibilidade. Na década de 1980, a NEC era a maior fornecedora da Em-
bratel, da qual a Globo era uma das maiores clientes. A família Marinho
entrou de sócia na empresa comprando, no final de 1986, 51% do capital
votante pelo valor de US$ 1 milhão. Na mesma época, a Globo se tornou

131
sócia, no Brasil, da empresa italiana Victori, ao lado do banco Bradesco,
para explorar serviços de satélite.
As empresas tinham incorporado, em outubro de 1985, a Vicom, uma
empresa de serviços de telecomunicações corporativas. Mas o principal
negócio da Victori era a distribuição de sinais de telecomunicações. Seus
planos no Brasil passavam pela criação de uma rede complementar à da
Embratel para a distribuição de sinais via satélite. Nessa época, contudo,
quebrar o monopólio da Embratel nos serviços de transmissão de dados
e, mais ainda, na prestação de serviços via satélite era um sonho muito
distante. No final dos anos 80 a Victori, a Globo e o Bradesco chegaram
a traçar as primeiras linhas do que viria ser o projeto Class, uma rede de
satélites que competiria com os Brasilsat, da Embratel. O projeto Class,
por manobras do Ministério das Comunicações (atendendo a interesses
específicos da Embratel) nunca se viabilizou, e a Victori só voltou a ter
papel relevante para a Globo nos anos 90, com a entrada no segmento de
transmissão de dados para empresa por meio da Vicom.
O grupo Globo vinha se preparando desde 1996 para ampliar sua
atuação na área de telecomunicações. No início daquele ano, o primeiro
passo nesse sentido foi dado com a colocação de Moysés Pluciennik, ex-
consultor da Booz-Allen e conselheiro da família Marinho na área de te
lecom, como presidente da Net Brasil, quando Antônio Athayde assumia
o comando da Globopar. Naquela época, o grupo desenhava um projeto
estratégico que previa, no longo prazo, a entrada de um grupo financeiro
no capital da empresa, de uma empresa de telecomunicações e, se possí
vel, de uma empresa de software.
Em maio de 1996, o grupo Globo formava, em conjunto com a ope
radora norte-americana AT&T e com o banco Bradesco, a empresa TT2
Telecomunicação Ltda, que tinha como objetivo participar do leilão da
banda B da telefonia celular, cuja licitação se aproximava. Mas foi em
agosto de 1997 que outro consórcio organizado pelo grupo Globo, forma
do pela Stet (controladora da Telecom Italia), pelo grupo Vicunha e pela
UGB (parceria da Globo com o Bradesco) levaria a primeira licença de ce-
lular para os estados da Bahia e Sergipe, consórcio que ainda ganharia o
leilão das celulares nas regiões do Paraná e Santa Catarina. O consórcio

132
TT2 tentaria, sem sucesso, conseguir uma licença de celular no Estado de
São Paulo e nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mas uma ofer
ta visando a aquisição de alguma operadora fixa na venda da Telebrás
acabou não se concretizando.
Vale lembrar que, naquele mesmo leilão de privatização da Telebrás
em 29 de julho de 1998, o grupo RBS, que participava de um consórcio
para disputar a região Centro-Sul juntamente com a Telefônica, também
se frustrava, não por ter conseguido nada, mas por ter perdido a Telesp, em
São Paulo, em um lance inesperado e, segundo interlocutores da RBS, des
leal, de Juan Villalonga, presidente da tele espanhola. A família Sirotsky
não queria entrar em São Paulo, e aquela estratégia desenvolvida na sur
dina por Villalonga abalou imediatamente a relação entre os dois grupos,
e só se aliviaria quase um ano depois, quando a Telefônica comprou por
cerca de US$ 200 milhões a participação da RBS no provedor Zaz.
O saldo positivo da participação das empresas de mídia brasileira
no leilão de venda da Telebrás é que, de alguma maneira, os resultados
não foram os esperados e tanto Globo quanto RBS se viram forçadas a se
focar na TV por assinatura.
Vale lembrar que no final de 1997 o grupo Globo, aproveitando um
momento em que a Multicanal estava desvalorizada em bolsa, decide
adquirir a participação de Antônio Dias Leite e do banco Garantia na
operação. A Multicanal, como se recorda, abrira o capital nos mercados
norte-americano e brasileiro no começo de 1997. E vendera cerca de 10%
do capital em troca de uma capitalização de US$ 150 milhões. Mas ao
longo de 1997, com a crise financeira asiática, com os primeiros resulta
dos operacionais ruins (o índice de desligamento de clientes, ou churn,
subia assustadoramente) e com a pouca liquidez dos papéis em bolsa em
função do pequeno volume disponível, a Multicanal se desvalorizou so-
bremaneira. Em dezembro de 1997, o grupo Globo, que já tinha 33% do
controle da operadora, decidiu adquirir a participação de Antônio Dias
Leite e do grupo Garantia por US$ 180 milhões cada um. Era um negócio
sem precedente na história da TV por assinatura brasileira, não só pelos
valores envolvidos, mas pelo que representava. A partir desse momento,
60% do mercado brasileiro de TV por assinatura passavam a ser contro

133
lados por uma única empresa. O valor pago por assinante naquela opera
ção era o equivalente a US$ 2,2 mil.
Mas outro lance importante ainda estava por vir. Duas semanas
depois de comprar as ações de Antônio Dias Leite e do grupo Garantia,
o Bradesco entraria no capital da Globo Cabo adquirindo, justamente, a
participação que era do GP. Pela primeira vez, um grande grupo financei
ro apostava suas fichas na TV por assinatura.
O plano estratégico original da Globo Cabo era ter ainda um acio-
nista da área de telecomunicações, e várias foram as conversas nesse
sentido. Depois da compra da Multicanal, a necessidade aumentou ain
da mais, em função da necessidade de capital para novos investimentos.
O parceiro natural era a AT&T, com quem a Globo já tinha se associado
para vender licenças de telefonia celular no consórcio TT2. Em agosto de
1998, contudo, a AT&T chegou muito próximo de se tornar uma acionista
da Globo Cabo. Um pré-acordo, como linhas gerais de preço, condições e
prazos, foi formalizado em Nova York. Seria a segunda investida da AT&T
no mercado de cabo, já que um pouco antes, em junho de 1998, a mesma
AT&T havia adquirido por US$ 48 bilhões a operadora de cabo norte-ame-
ricana TCI, naquela que foi a maior fusão da história entre uma empresa
de telecom e uma empresa de cabo.
A comemoração dos executivos da Globo Cabo, contudo, não durou
24 horas. Na manhã seguinte o acordo estava desfeito, depois que a dire
ção da AT&T se confrontou com a explosão da crise russa em função do
anúncio da moratória da dívida externa daquele país. A Globo Cabo ficou
sem seu operador de telecomunicações, o que colocava ainda mais pres
são sobre a empresa para que encontrasse um acionista de peso. Houve
algumas conversas ao longo de 1998 sobre uma parceria com a Telefôni
ca, que adquirira recentemente a Telesp no leilão de privatização, mas as
conversas iniciais não foram além. O principal foco era, naquele momen
to, trazer a Microsoft, empresa que nos EUA estava fazendo diversos in
vestimentos na área de TV por assinatura, não na compra de operações,
mas financiando a produção de set-tops que tivessem seu sistema ope
racional Windows CE embarcado. Moysés Pluciennik, responsável por
essa busca de parceiros, tinha uma relação antiga com a empresa de Bill

134
Gates, e o acordo acabou vindo em agosto de 1999, quando a Microsoft
entrou de sócia na Globo Cabo por US$ 126 milhões, o que colocou o mer
cado de TV por assinatura brasileiro dentro da grande bolha da Internet
que estava surgindo.

135
CAPÍTULO 6

Finalmente, os editais
Ao longo da história da TV por assinatura no Brasil, poucos fatos
foram tão esperados, e ao mesmo tempo tão raros, quanto as fases em
que foi possível a expansão do mercado por meio do licenciamento de
empresas. Realmente, este é um fato tão esporádico nos 20 anos de TV
por assinatura que só aconteceu em três momentos. A primeira onda
foi no final dos anos 1980, com as outorgas para o Serviço Especial
de TV por Assinatura (TVA), que beneficiaram apenas alguns poucos
grupos em 1988, justamente os que estavam suficientemente aten
tos ou tinham condições de acompanhar as ações do governo nesse
sentido. A segunda foi no final de 1990 e começo de 1991, quando são
outorgadas as primeiras licenças de DISTV, pouco mais de uma cente
na, igualmente beneficiando apenas um grupo limitado de empresas
atentas ao processo ou com bom nível de informação junto à autoridade
concedente.
A terceira onda foi a mais esperada de todas, e aconteceu a partir
do fim de 1997, em um processo de abertura de editais de licitação para
concessões de TV a cabo e licenças de MMDS, que perdurou até 2001. O
mercado de TV por assinatura é o que é hoje, com suas 265 concessões de
cabo e 82 licenças de MMDS, apenas em função desses três ciclos.
Mas a simples expectativa pela abertura de um processo de licen
ciamento teve uma relevância muito maior para a indústria. Foi essa ex
pectativa que, em diferentes ocasiões, ocasionou o processo de formação
dos regulamentos e normas que orientam a indústria e, principalmente,
a formação dos grupos empresariais que operaram ou ainda operam TV
por assinatura. Nas próximas páginas, exploraremos alguns fatos e his
tórias relacionados à mais importante das ondas de expansão do merca
do: o processo de licitações realizado após a Lei do Cabo.

136
Durante o processo de elaboração da lei, entre 1991 e 1994, mas so-
bretudo a partir de 1993, a expectativa dos grupos envolvidos economica
mente no mercado de TV por assinatura era exatamente a possibilidade
de encontrar a expansão do mercado por meio do licenciamento de outor
gas. Recorde-se que, com exceção do grupo gaúcho RBS, que participou
do processo de distribuições de DISTV em 1990 e 1991, todos os outros
grandes investidores como TVA, Globo ou Multicanal tinham perdido a
oportunidade e se viram forçados, nos anos seguintes, a sair à caça de
outorgas de TV a cabo, adquirindo ou se associando àqueles que tinham
conseguido. Foi o primeiro ciclo de concentração e formação do mercado.
Mas uma expansão mais consistente, que permitisse a chegada da
TV por assinatura na modalidade cabo a um número mais expressivo
de municípios, era algo que dependia de uma regulamentação bem de
finida, não só porque seriam essas regras que balizariam o processo de
outorgas, como dariam aos potenciais investidores a segurança neces
sária aos empreendimentos. E o processo de regulamentação começou
logo após a promulgação da Lei do Cabo, no começo de 1995, mas foi
uma longa e tortuosa novela que durou muito mais do que qualquer um
poderia imaginar.
A primeira dificuldade foi transformar as licenças de DISTV exis
tentes até então (101 no total) em concessões de TV a cabo, como previa
a lei. Não havia, no Ministério das Comunicações, nenhum registro efe-
tivo sobre quem fossem os licenciados de DISTV. Muitas dessas licenças
(a maioria) tinham sido transferidas para grandes grupos operadores,
mas também não havia registro dessas operações. E nem se conheciam
os acionistas das empresas ou o endereço dos responsáveis. O governo
assumia a inglória missão de criar regras para um mercado sobre o qual
ele não tinha nenhuma informação.
A Lei do Cabo pedia uma regulamentação para o serviço, algo que,
de certa forma, já existia desde 1994 para o MMDS, que havia sido re-
gulamentado em 10 de fevereiro daquele ano pela Portaria 43. A regu
lamentação do MMDS traz dois aspectos importantes. Primeiro, porque
ela foi criada bem depois que as principais licenças já tinham sido auto
rizadas em São Paulo, Rio, Brasília, Goiânia, Belém, Porto Alegre, Curi

137
tiba, Recife e Fortaleza. Até então, o Ministério das Comunicações ou a
Secretaria Nacional de Comunicações (dependendo do ano) simplesmen
te autorizava os serviços a quem pedisse. Houve uma série de portarias
intermediárias ao longo dos anos de 1990 e 1993 ajustando o número de
canais às necessidades dos operadores. Somente em 1994 o serviço foi
claramente definido, disparando uma onda de pedidos de licenças que
somavam mais de 1.100 em 420 cidades ao final de 1994, com cerca de
140 empresas pleiteantes.
Outro aspecto importante da regulamentação do MMDS é que foi a
primeira a contextualizar a TV por assinatura dentro do cenário das tele
comunicações. A definição dada pela norma ao MMDS dizia que era um
“serviço especial de telecomunicações” destinado à transmissão de “si
nais”, sem especificar sequer a obrigatoriedade de que tais sinais fossem
de vídeo. Aquela foi a primeira janela real para a abertura do mercado
de TV por assinatura desde que a janela das DISTVs se fechara, em 1991.
Mas como já havia a negociação da Lei do Cabo no Congresso, houve um
acordo tácito com o governo de que nenhuma outorga fosse dada enquan
to não houvesse também uma definição sobre o futuro da TV a cabo.
A primeira versão do regulamento de TV a Cabo só viria a surgir em
28 de novembro de 1995, com algumas novidades importantes. Pela pri
meira vez se estabeleciam as regras para uma eventual licitação, com cri
térios técnicos e de preços a serem seguidos pelos interessados. Havia a
exigência de um sócio local no quadro social da entidade proponente, um
cronograma de implantação do sistema de TV a cabo, tempo mínimo des
tinado à programação local e valor a ser cobrado pela assinatura básica.
Também foi esse regulamento que trouxe a figura de um canal obrigatório
para obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção inde
pendente, o que daria origem ao Canal Brasil muitos anos depois, e mais
tarde a outros canais da mesma natureza. Mas o regulamento de TV a cabo
era apenas o primeiro passo para a abertura de um processo de licitação.
Havia a necessidade de normas específicas e dos editais. Àquela altura, a
expectativa é que a licitação acontecesse no primeiro semestre de 1996.
Ao mesmo tempo em que baixava o primeiro regulamento de TV a
cabo, o governo estabelecia a sua primeira política de satélites, criando a

138
expectativa de uma regulamentação para os serviços de DTH que, naque
le momento, ainda estavam em fase de gestação. A idéia era exigir que as
operações de TV por assinatura via satélite só fossem operadas por saté
lites autorizados pelo Brasil, proibindo o uso de satélites estrangeiros.
Mas essa exigência acabou sendo revista antes mesmo de as operações
entrarem no ar, porque tanto Sky quanto DirecTV utilizavam-se de saté
lites estrangeiros em suas operações. A norma de DTH só sairia em maio
de 1997, bem depois do início de operação dos principais serviços.
Em setembro de 1996 foram finalmente publicadas as primeiras
versões das normas de cabo e MMDS, ou as regras que estabeleciam as
condições para a migração das licenças de DISTV para concessões de TV
a cabo. E havia pelo menos uma inovação. Todas as operadoras de cabo
deveriam colocar à disposição 30% de seus canais para quem apresentas
se interesse, desde que a pessoa ou entidade não tivesse ligação com a
operadora de TV a cabo. Foi a primeira vez que a regulamentação de tele
comunicações no Brasil utilizou um mecanismo como esse, que dez anos
depois se consagraria com o nome de “unbundling” e se tornaria um dos
mais polêmicos aspectos regulatórios do mercado de telecomunicações.
Mas quando tudo parecia definido, com a expectativa apenas do lan
çamento dos editais, começou o processo de preparação da privatização
do Sistema Telebrás, e com ele a edição de uma série de novos regula
mentos, incluindo-se a mudança nas regras de outorgas de serviços de
telecomunicações. E todo o trabalho de regulamentação do cabo precisou
ser refeito.
Apenas em abril de 1997, o Ministério das Comunicações conseguiu
harmonizar a regulamentação de TV a cabo com as novas regras para o
setor de telecomunicações, e finalmente saiu uma nova versão dos re-
gulamentos de cabo e o regulamento de Serviços Especiais, entre eles
o MMDS e o DTH. Algumas novidades importantes apareceram naque
les textos. No caso do MMDS e do DTH, ficou claro que os serviços não
teriam limitação de capital estrangeiro, ao contrário do cabo. Em todas
as modalidades de serviços de TV por assinatura foram eliminadas as
exigências de sócios locais, o que mudava sensivelmente a dinâmica da
montagem dos consórcios.

139
Com as normas e os regulamentos definitivos publicados, faltava o
mais importante: a publicação dos editais de TV por assinatura. E mais
uma vez, foram necessários alguns meses até que mais essa etapa pu
desse ser cumprida pelo governo. Em um período atribulado, em que o
Ministério das Comunicações lidava com uma complicada licitação de
venda de outorgas de telefonia celular na banda B, ao mesmo tempo se
discutia no Congresso a Lei Geral de Telecomunicações, com a possibi
lidade de alterações na Lei do Cabo em função dos ajustes de regras. O
grau de ansiedade do mercado só aumentava, mas paralelamente os dife
rentes grupos começavam a se organizar para a disputa da licitação.
Naquele momento, estava claro que seriam necessários vários ajus
tes da Lei do Cabo em função das inovações trazidas pela Lei Geral de
Telecomunicações. Era preciso, por exemplo, ajustar os conceitos de ser
viços públicos e concessões, colocar o serviço de TV a cabo sob a égide da
lei geral e ajustar os critérios de capital estrangeiro, que inexistiam na
telefonia, mas que estavam presentes na TV a cabo. Estava claro, enfim,
que a Lei do Cabo e a Lei Geral de Telecomunicações tinham inúmeros
pontos de incompatibilidade. Era brutal a pressão do mercado de TV por
assinatura para que nada fosse alterado, e isso se traduz bem em uma
declaração da época de Roger Karman, então presidente da ABTA:

Começam a surgir interpretações diversas sobre o impacto que a Lei


Geral de Telecomunicações terá sobre a TV paga, especialmente no cabo.
Alguns chegam a pedir a revogação da Lei do Cabo, que levou três anos de
negociação para ser feita. Outros modelos de fato seriam possíveis, mas
qualquer esforço neste sentido levaria mais três anos e nós não temos este
tempo. Enquanto discutimos interpretações, há uma verdadeira epidemia
de operações piratas. O mercado, portanto, não agüenta outro adiamento
do processo de licitação. Se não houver uma perspectiva concreta de aber
tura, a curto prazo a pirataria vai tomar conta do mercado.

Naquele momento, o dilema do setor era entre a atualização de todo


o seu marco regulatório para um novo ambiente que estava sendo criado
ou seguir adiante com a consagração do modelo estabelecido em 1995

140
por meio da Lei do Cabo. A pressão sobre o governo foi nesse segundo
sentido, e os editais acabaram publicados.

COMEÇA A LICITAÇÃO
A consulta pública com os textos dos editais aconteceu em julho de
1997, e trouxe uma desagradável surpresa para as empresas interessadas
em participar na licitação: uma severa regra de restrição à propriedade
cruzada, em que perdiam pontos empresas que tivessem outras outorgas
de telecomunicações ou TV por assinatura. Também havia, na proposta
de editais, metas agressivas de cobertura a serem cumpridas pelas em
presas, chegando ao limite de 100% de disponibilidade de atendimento
de uma determinada localidade ao final de dez anos de operação. Ain
da assim, as empresas pareciam dispostas a encarar o desafio, tudo em
nome da abertura de uma licitação que era aguardada desde 1995.
Em agosto é publicado o Plano de Mercado de TV por Assinatura,
um documento que indicava aos interessados quantas outorgas pode
riam ser abertas em cada município, e em 13 de outubro de 1997 são co-
nhecidos os primeiros editais de TV a cabo e MMDS, com a entrega das
propostas marcadas para os dias 8 a 12 de dezembro daquele ano. Foi um
dos momentos mais importantes dos últimos 20 anos do mercado de TV
paga, pois significava a possibilidade de expansão dos serviços, novos
investimentos, movimentação dos agentes de mercados e, finalmente, a
consagração da indústria.
Uma história em particular talvez ilustre melhor do que qualquer
outra esse momento vivido pela indústria. Trata-se da história iniciada
por Christopher Torto, um investidor norte-americano que decidiu explo
rar o mercado de TV por assinatura no Brasil justamente a partir desse
novo ambiente que se criou com a Lei do Cabo.
Em 1995, Torto, que já morava no Brasil e dirigia uma empresa na
área de tecnologia, recebe uma dica de investimento de um amigo que
tinha morado na Argentina e acompanhara a expansão do mercado de
TV por assinatura naquele país. Havia um rumor constante sobre a pos
sibilidade de abertura do mercado de TV a cabo no Brasil, que naquele
momento já era claramente definido em algumas grandes cidades, como

141
Rio de Janeiro e São Paulo, e tinha entre seus principais atores Net, TVA
e Multicanal, cada qual com seus parceiros locais.
A partir de uma simples dica de investimento e com alguns amigos
norte-americanos que conheciam o mercado de TV paga nos EUA, Chris
Torto resolve montar um grupo de investidores para entrar no mercado
de TV a cabo quando isso fosse possível, a partir apenas da expectativa
de que um processo de licitação viria a acontecer cedo ou tarde, conside
rando que a Lei do Cabo estava pronta, e era isso que se esperava dela.
O primeiro investidor que Chris Torto conseguiu trazer para o
negócio era um empresário do ramo de mineração, acionista da Com
panhia Paranapanema de Mineração, Fernando Norbert, que já havia
sondado a possibilidade de adquirir a parte da UIH na operação de TV
a cabo em Jundiaí. Ele tinha o que Chris necessitava: dinheiro e cre
dibilidade para trazer outros sócios. Pouco depois, o grupo conseguiu
congregar mais um conjunto de investidores importantes, porque nes
se grupo estavam operadores de TV a cabo norte-americanos. Eram os
antigos sócios da operadora Horizon, uma pequena operação local do
estado norte-americano de Michigan, que foram convencidos por Torto
sobre as possibilidades no Brasil. Com esse conjunto de investidores, o
consórcio começou a se planejar efetivamente para a licitação que vi
ria a acontecer.
A primeira providência foi trazer alguns dos especialistas em TV a
cabo da própria Horizon para dar ao grupo de empresários alguma visão
do negócio. A segunda providência foi conseguir informação onde ela es-
tivesse disponível. Sem equipe em Brasília ou amizades no setor de TV
paga, sem a interlocução com a ABTA e sem conhecer a história prévia
da indústria, Chris Torto foi aonde essa informação estava pública: na
imprensa. Chris Torto foi o segundo assinante a contratar o serviço do
noticiário PAY-TV Real Time News, um noticiário pela Internet criado
em maio de 1996 pela revista PAY-TV, do jornalista Rubens Glasberg, que
desde 1992 cobria o mercado de TV por assinatura. Chris Torto só não
foi o primeiro assinante do noticiário porque, algumas horas antes, o
advogado do grupo RBS, Isaac Newton Menda, havia estreado o serviço
tornando-se o primeiro assinante.

142
Quando ficou claro que aquele processo de abertura das licitações
era iminente, a Horizon, como era conhecido o consórcio, começou a pla
nejar em que áreas atuaria, e chega a uma conclusão: naquele momento,
seria impossível economicamente atuar onde os grandes grupos já atu-
avam. Ou seja, a Horizon fugiria dos grandes centros e se concentraria
em cidades com bom potencial econômico, mas que não despertavam a
cobiça dos grandes. E essa estratégia só poderia funcionar em um lugar:
o interior do Estado de São Paulo.
Foi nessa época que a Horizon chegou a conversar com alguns outros
interessados no mercado, e um deles era a Globo Cabo, holding de operado
ras do grupo Globo. E foi, segundo relato de Chris Torto a este livro, pron
tamente desencorajada pela multioperadora: a disputa seria intensa entre
os grandes operadores, disse a Globo Cabo à pequena Horizon. A Horizon,
contudo, tinha investidores e tinha um plano: ser uma multioperadora no
interior paulista. Só não imaginava que teria tanto sucesso nessa estra
tégia. Acabou beneficiada pelas crises asiática e russa, que entre 1997 e
1998 tiraram os grandes grupos do processo de licitação ao secar as fon
tes de investimentos externos para grupos brasileiros. Com esse golpe de
sorte, segundo a análise de Chris Torto, a Horizon ganhou duas vezes mais
licenças do que teria levado em situações normais. Por esta razão a Hori
zon precisou abrigar, depois do processo de licitação, mais uma série de
fundos de investimentos norte-americanos, o que não tornou o perfil da
empresa mais financeiro.
A Horizon, que mais tarde se tornaria Vivax, tinha como principal
projeto consolidar-se como uma operadora e ganhar dinheiro vendendo
assinaturas de TV paga. Era uma aposta quase cega, sem nenhum conhe
cimento prévio do mercado de TV por assinatura no Brasil, mas que se
tornaria uma das mais incríveis histórias de investimento e desenvol
vimento de mercados dos 20 anos da história da TV por assinatura no
Brasil, como se verá nos capítulos que seguem. Ironicamente, a opera
dora Horizon (nessa época já chamada de Vivax) deixou de ser uma boa
operação para se tornar um excelente investimento. A empresa saiu do
mercado ao ser comprada pela Net Serviços em 2007 (Net Serviços é a
nova denominação que teria a Globo Cabo anos depois), meses após abrir

143
capital em bolsa e ter uma das maiores valorizações já registradas entre
as empresas que buscaram recursos no mercado aberto.
A história da Horizon não foi a única a se iniciar nessa época. Na ver
dade, vários outros grupos começaram a ser formados assim que ficou cla
ro, após a Lei do Cabo, que haveria um processo de licenciamento de novas
outorgas. Uma das negociações mais complexas envolveu grandes grupos
de mídia que até aquele momento estavam afastados do processo de TV por
assinatura no Brasil. E por pouco não foi ali que se abriu o mercado brasi
leiro de TV por assinatura a novos operadores de cabo norte-americanos.
No começo de 1996 a Time Warner Cable, naquela ocasião a maior
operadora de cabo do mundo, veio ao Brasil. Sondava a possibilidade de
entrar no mercado, e foi trazida ao país pelo grupo Folha de S. Paulo, que
naquele momento, animada com o crescimento de seurecém-criado por
tal de Internet, o UOL, tinha planos de se aventurar no mercado de tele
comunicações, participando da licitação da banda B de celular e também
sondava o mercado de cabo. Àquela altura, a Folha tinha a construtora
Camargo Correia como sócia, e no celular a sua parceira era a Air Touch.
A parceria com a Time Warner nunca saiu. Quem teve a oportunida
de de conversar com a Time Warner conta que eles nunca tiveram, efeti-
vamente, um projeto para expandir suas operações fora dos EUA, mas as
conversas do grupo Folha foram intensas e envolveram vários parceiros,
em alguns momentos simultaneamente. Uma das negociações da Folha
de S. Paulo foi com o Banco Safra e com a Adelphia Cable, operadora que
já se associara à operação de cabo de Paulo Martins em Pelotas e Rio
Grande (no Rio Grande do Sul). Foi uma negociação longa que ao final
não deu certo. O grupo Folha segurou os investimentos, a essa altura já
preocupado com a quantidade de aportes que fazia no UOL e em toda a
estratégia internacional do portal. Pesava também o fato de ser sócio da
Abril no portal de Internet, e a Abril era das empresas que mais apostava
nos editais. Isso, contudo, não impediu a Folha de também flertar com
outro grupo de empresas que se preparava para entrar no mercado de TV
paga: o consórcio Cabo Brasil, formado por SBT, Bandeirantes e Jornal do
Brasil. Já na primeira formação do Cabo Brasil, divulgada no começo de
1997, lá estava o grupo Folha.

144
Mas se a Folha não levou adiante os planos de entrar no mercado de
TV por assinatura, SBT, Bandeirantes e Jornal do Brasil foram adiante
com o consórcio e construíram a base de uma outra operação importante
na fase pós-licitação: a TV Cidade. Aimportância do grupo, contudo, tam
bém está relacionada não apenas ao que foi feito, mas ao que tentou evi
tar que se fizesse. A TV Cidade teve papel decisivo em segurar o processo
de licitação de TV paga por alguns meses, salvando os grandes grupos
de comunicação, especialmente Globo e Abril, de investimentos com os
quais não teriam, com o agravamento da crise financeira, como arcar.
O grupo que resultaria no Cabo Brasil começou a se formar no iní
cio de 1997, tendo como um dos seus principais articuladores Guilherme
Stoliar, vice-presidente do grupo SBT e um dos pioneiros da TV por assi
natura no Brasil com a operação da TV Alphaville, que desde 1991 opera
va no condomínio homônimo. A decisão do SBT de investir no mercado
de TV por assinatura se dava em função dessa experiência em Alphaville
e também porque as afiliadas do grupo estavam interessadas em partici
par da licitação de TV a cabo, quando ela acontecesse.
O SBT já havia flertado com o mercado de TV por assinatura um ano
antes, em 1996, quando participou, junto com a Abril, da tentativa de
criar um novo canal de TV por assinatura dedicado a notícias. O projeto
surgiu como um contraponto à Globo, que em agosto de 1996 havia lan
çado o GloboNews e com isso ocupava o inédito mercado de programação
noticiosa em português. O GloboNews surgiu como um projeto que uti
lizava a infraestrutura de notícias da TV Globo, já que a avaliação era
de que os custos de produção de 100% de programação própria seriam
inviáveis, e que o modelo da Globo, baseado em material próprio, mais as
reportagens produzidas pelas afiliadas, garantiam um produto de quali
dade com custos reduzidos, dentro do que se pode chamar de custo redu
zido para um canal de notícias.
O canal da Abril tinha como nome de projeto a sigla CNA (Canal de
Notícias da Abril) e era parte de um projeto de US$ 35 milhões do grupo da
família Civita, no sentido de ampliar sua presença em programação. O SBT
entrava como parceiro operacional, fornecendo as notícias geradas por
suas afiliadas. O projeto CNA acabou não saindo do papel e o SBT ainda

145
tentou outras parcerias na área de programação de TV paga, como a feita
com o canal CBS Telenotícias, produzido em português a partir de Miami.
O SBT logo começou as articulações com os outros grupos que for
mariam os consórcios. Cada um deles já estudava, individualmente, sua
entrada no mercado. Um deles era o grupo Bandeirantes, que no come
ço de 1997 chegou a conversar com potenciais investidores estrangeiros
com esse objetivo. A Bandeirantes também tinha planos de participar do
mercado de TV por assinatura, do qual estava excluída até então, não só
como operadora, mas também como programadora. A terceira perna do
consórcio Cabo Brasil era o Jornal do Brasil que, na época, ainda tinha
alguma ambição de expandir sua atuação no setor de mídia para além da
atuação como jornal impresso.
Ao longo de 1997, o consórcio se consolidou e ganhou o comando de
Marcos Amazonas. Amazonas foi um dos criadores da TVA e da MTV, no
começo dos anos 1990, mas deixou o grupo antes do lançamento oficial
das redes. Foi também um dos responsáveis pela consolidação da TV Al-
phaville e, posteriormente, retornou para a TVA para cuidar da criação
dos novos canais do grupo Abril.
Uma vez formado, o consórcio Cabo Brasil iniciou a busca por inves
tidores e a planejar os lances que daria no processo de licitação. A ideia
original do grupo era entrar só em cidades com mais de 300 mil habi
tantes, o que posicionava o consórcio como um potencial concorrente de
peso para os grupos Globo e TVA, que a essa altura planejavam estraté
gias agressivas para a expansão do mercado de TV por assinatura.
Em meados de setembro de 1997, às vésperas da licitação, a crise
asiática já dava sinais de que afetaria significativamente a visão das em
presas investidoras no mercado de TV por assinatura. O consórcio Cabo
Brasil, com um planejamento agressivo, era apenas um dos que sentiam
diretamente o impacto da falta de capital para países emergentes como o
Brasil, ainda mais em investimentos de risco.
Mas não era só esse fator que pesava contra a participação de grupos
de comunicação nos editais de TV por assinatura. A própria regra da lici
tação retirava pontos importantes no processo de seleção daqueles gru
pos que tivessem presença em outras atividades na área de comunicação,

146
o que incluía outorgas de telefonia e radiodifusão. Para consórcios como
o Cabo Brasil, e também para grandes grupos como Globo e TVA, a restri
ção poderia reduzir drasticamente as chances de vitória na licitação.
O grupo Globo, àquela altura, era dos mais importantes grupos atu-
antes no mercado de TV por assinatura brasileiro. Entre os anos de 1995
e 1997, contudo, a estratégia do grupo não apontava necessariamente
para uma expansão em número de operações. Ao contrário, o modelo Net
Brasil, que havia sido desenhado em 1993 como forma de separar a pro
dução de conteúdo (na Globosat) e a distribuição (nos investimentos em
operações) previa que, em algum momento, a família Marinho deveria
sair das operações e se focar apenas em conteúdo. Por esta razão, não
havia grande ênfase na conquista de novas outorgas. A Globo, por meio
de suas diferentes operações de cabo, tinha uma posição confortável nos
principais mercados, e poderia crescer bem por meio de parceiros, estes
sim dispostos a investir em expansão territorial.
Os que estavam mais dispostos a partir para essa estratégia eram
as afiliadas da TV Globo nos diferentes estados. Além da RBS e do grupo
EPTV (família Coutinho Nogueira), que já atuavam no setor de TV por
assinatura, havia ainda a disposição da ORM, no Pará; da TV Gazeta, no
Espírito Santo; da TV Cabugi, no Rio Grande do Norte; e da TV Bahia.
Tudo indicava que a estratégia da Globo seria disputar novas outorgas
de TV por assinatura por meio de suas afiliadas ou parceiros locais, mas
não diretamente.
Já os parceiros da Globo tinham mais disposição pela disputa do
mercado de TV por assinatura. AMulticanal manifestava, claramente, a
intenção de entrar na disputa por uma boa quantidade de localidades em
cidades de médio e grande porte, principalmente nas regiões Sudeste e
Centro-Oeste. AUnicabo (do grupo EPTV) estava totalmente concentrada
no interior paulista, em uma estratégia que, depois se soube, era seme
lhante à da Horizon. E o grupo RBS apostava na expansão pelo Sul do
país, onde já ampliava a sua atuação comprando naquele ano de 1997,
juntamente com a Globo Cabo, a participação dos sócios locais da Net
nas operações do Paraná: a TV Paranaense e a Inepar. Era o primeiro pas
so de um movimento de consolidação que se intensificaria em 1998.

147
Mas o grupo que realmente apostava na possibilidade de crescer com
as licitações era a TVA. A TVA Network, unidade voltada para a expansão
de mercado da operadora, tinha um projeto de US$ 400 milhões para a
aquisição de novas outorgas e construção de rede, o que era muito mais do
que todos os demais grupos planejavam investir. A TVA também entraria
com parceiros locais, e pretendia reproduzir o modelo de grande rede que a
Net Brasil implantara. A dificuldade era tomar a decisão de ir por um cami
nho diverso do modelo da Globo. Poderia ter optado pela segmentação de
seus conteúdos regionalmente e com o foco em operações locais, relembra
Alexandre Annenberg, responsável pela TVA Network naquela ocasião.
Em meados de 1997, a TVArecebeu o sinal verde dos seus acionistas
Falcon, Hearst, Chase e ABC/Disney para ir em frente com essa estra
tégia de criar um contraponto ao modelo da Net Brasil. Mesmo com a
crise asiática afetando as restrições de créditos, o grupo montou uma
verdadeira operação de guerra para participar da licitação, com salas for
temente protegidas em que se definiam os planos e os valores das propos
tas para cada um dos editais.
A TVA montou uma complexa engenharia societária para abrigar
os diferentes sócios locais que estavam na disputa de forma a perder o
mínimo de pontos no leilão pelas regras de propriedade cruzada, que pe
nalizavam empresas que já fossem operadoras de serviços de TV por as-
sinatura. Os principais sócios da Abril eram os canadenses da Canbrás,
a empresa do setor de equipamentos de telecomunicações Splice e a Ine-
par, do interior do Paraná. Eram empresas facilmente identificadas pelo
nome, pois tinham sempre nomes de pássaros ou de árvores: TV Jaca
randá, TV Mogno, TV Pintassilgo, TV Sabiá e mais uma dezena de outras
companhias de fachada...
Havia ainda outras empresas importantes interessadas, como o
consórcio UIAG, formado pela Construtora Andrade Gutierrez e pela
norte-americana UIH; o grupo Bozzano Simonsen e os argentinos do
grupo Clarin no consórcio Columbus; o grupo Alusa; a empresa de ener
gia do Espírito Santo, Escelsa; o grupo Opportunity, de Daniel Dantas; o
grupo O Dia do Rio de Janeiro; TV Alterosa/Diários Associados; Banco
Rural; Ceterp; Sercomtel; grupo Amauri; grupo Algar e mais dezenas de
pequenos pleiteantes.

148
E entre algumas empresas que se preparavam para a licitação havia
operadores de TV a cabo que não tinham concessão para o serviço. Fos
sem chamados por alguns de piratas ou por outros de não-licenciados,
o fato é que entre 1995 e 1997 o Brasil viu a proliferação de dezenas de
operações de TV por assinatura que funcionavam sem a autorização ofi-
cial. O movimento dessas empresas se devia, de um lado, à ausência de
possibilidade de legalização das mesmas, já que desde 1991 não havia
mais licenciamento de DISTV por parte do governo, mas existia, em mui
tos municípios, demanda pelo serviço de TV paga. De outro lado, muitas
eram operadoras de CATV (que deveriam fazer apenas a distribuição de
sinais abertos em condomínios fechados), mas diante da oferta de pro
gramação diferenciada, decidiram comercializar também canais pagos.
Essas empresas começaram a batalha em 1995. Em maio daquele
ano, criaram a Anota (Associação Nacional dos Operadores de TV a Cabo),
que congregava nada menos que 35 empreendimentos. Eram muitas ope
rações, mas em geral em cidades pequenas. Ainda assim, representavam
quase um terço das operações de TV paga regulares que existiam naquele
momento. Eram empresas em geral pequenas que tinham ficado de fora
da fase de regulamentação dos serviços, entre 1990 e 1995. Entre elas,
por exemplo, estavam os antenistas de Petrópolis, que na década de 1960
deram início às primeiras empresas de distribuição de sinais de TV por
meio de redes de cabo.
Em algumas localidades mais distantes do centro das atenções de
grandes empresas como Net e TVA, surgiam operações de TV por assina
tura de forte apelo popular, como em Lauro de Freitas (região metropoli
tana de Salvador) ou em Currais Novos, interior do Rio Grande do Norte.
Nesta última localidade estava a operadora que talvez tenha se tornado o
maior ícone de um mercado simples, de poucos recursos, mas onde havia
demanda por alternativas na televisão e, em função das amarras regula-
tórias, não podia sair da clandestinidade.
Ali em Currais Novos, a 180 quilômetros de Natal, com pouco mais
50
de mil habitantes, nasceu de maneira improvável uma empresa de TV
a cabo para suprir a falta que um cinema ou um teatro faziam à cidade.
A operação começou em 1992 pelas mãos de Siderley Menezes, que deu

149
o nome de Sidy’s Comunicações ao seu empreendimento. Ele inspirou-
se no modelo norte-americano de múltiplos canais, mesmo nas cidades
mais remotas. A Sidy’s, assim como tantas outras operadoras de CATV,
começou distribuindo com melhor qualidade os sinais das retransmisso-
ras locais de TV aberta, e logo descobriu que poderia, com sucesso, incluir
a transmissão de eventos locais, como as sessões da Câmara dos Verea
dores ou as festas na praça central para todos os seus assinantes. Com
base nesse modelo, a operação se tornou um sucesso na cidade. Com um
modelo de baixo custo, com assinatura básica a R$ 7, a Sidy’s era a prova
de que a TV por assinatura tinha demanda e mercado fora dos grandes
centros. Mas com a falta de opção para a regularização, a empresa, como
tantas outras, se desenvolveu na clandestinidade.
De 1995 a 1997, essas operações não-oficiais despertaram nos opera
dores e programadores de TV por assinatura sentimentos distintos. Por
um lado, era um mercado inegável, e a própria TVA distribuía seus canais
a alguns desses operadores. Mas, por outro lado, eram uma ameaça, por
que em algumas cidades importantes, como Vitória, os operadores sem
licença estavam tomando rapidamente o espaço daqueles que poderiam
entrar depois que fosse aberto o processo de licenciamento.
Às vésperas do processo de abertura de novas outorgas de TV por as-
sinatura, no final de 1997, nem todas as operadoras sem licença tinham
conseguido se consolidar. Mas pelo menos 25 tinham números conside
ráveis de assinantes. Em Minas, havia operações em Divinópolis, Gover
nador Valadares, Montes Claros e Juiz de Fora. Em São Paulo, em Limeira,
Rio Claro e Peruíbe; no Paraná, em Ponta Grossa, Cianorte e Cascavel;
No Rio de Janeiro, em Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Cabo Frio,
Campos e Angra dos Reis. E ainda em Currais Novos e Natal, no Rio Gran
de do Norte; Aracaju/SE; Maceió/AL; Lauro de Freitas/BA, Vitória e Vila
Velha no Espírito Santo; Cuiabá/MT e outras menos expressivas.

COMEÇA A BATALHA
O que ninguém esperava é que essas operações teriam tanta impor
tância no processo de licitação que aconteceria no final de 1997. Elas se
organizaram e se prepararam juridicamente para conseguir, na Justiça, o

150
reconhecimento como operadoras em suas respectivas cidades. Ao longo
do processo de elaboração dos editais, tentaram conseguir a impugnação
da licitação, sem sucesso. Mas uma delas, a Penedo Som e Imagem, que
operava em Lauro de Freitas, na Bahia, e em Vitória e Vila Velha, no Espí
rito Santo, foi particularmente determinante para a sorte de todo o pro
cesso de licitação. Foi ela quem conseguiu a primeira liminar na Justiça
impedindo o avanço do processo de licitação, que se iniciava no dia 12 de
dezembro de 1997. Ao todo, somando todos os operadores sem licença
que recorreram à Justiça, foram mais de 25 ações.
Mas os operadores sem licença, apesar da disposição beligerante e
da organização, não tinham fôlego para segurar todo o processo e con
seguir impedir o governo de levar adiante a licitação. Quem fez isso foi
o consórcio Cabo Brasil, formado por SBT, Bandeirantes e Jornal do Bra
sil. Àquela altura, o consórcio já aparecia com o nome de TV Cidade, que
foi responsável por levar a disputa para o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e, por meio de uma liminar, travar de vez o processo de licitação. A
TV Cidade argumentava com os pontos que considerava ilegais nos edi
tais, alguns deles colocados por muitos dos interessados durante a fase
de consulta pública como problemáticos, como as regras de limitação à
propriedade cruzada, e o conflito de competências entre a recém-criada
Agência Nacional de Telecomunicações e o Ministério das Comunica
ções. Aquele processo de licitação, de fato, marcava a primeira licitação
desde que a Anatel havia sido criada, o que certamente dificultou muito o
processo de entendimento da Justiça sobre o que estava acontecendo.
O sentimento entre os operadores naqueles dias era um misto de
preocupação e alívio. Boa parte deles gostaria que o processo ocorresse
tranquilamente, que as propostas pudessem ser conhecidas e que a lici
tação continuasse. Mas isso tinha um risco: com a disputa ainda sob a
sombra de uma batalha judicial por parte dos operadores não-oficiais ou
da TV Cidade, os resultados poderiam ser contestados. O que pouca gen
te comentava na ocasião, mas hoje se deixa transparecer com um pouco
mais de tranquilidade, era que o prosseguimento da licitação colocaria
os acionistas em uma complicada situação. De um lado, teriam que bus
car financiamento imediato para o pagamento das outorgas, o que era

151
cada vez mais difícil no momento econômico do país em geral, em função
da crise russa, e da indústria especificamente, em função dos primeiros
sinais de desgaste do modelo de venda de TV por assinatura da forma
como vinha sendo praticada. De outro, teriam que buscar recursos para
investir na construção de suas redes, porque os editais impunham crono
gramas apertados de implementação das operações.
Além disso, a Net estava consolidando a sua presença na Multica-
nal, o que tirava completamente o seu foco de atenção dos editais. A TVA
já via seus acionistas estrangeiros manifestarem certo receio de que o
sucesso na licitação pudesse significar investimentos acima das suas
capacidades. Grupo pequenos e médios, estes sim, aguardavam ansiosa
mente a conclusão do processo de licitação. Mas sem a pressão dos gran
des investidores, o governo decidiu tomar o caminho mais demorado:
aguardar que a Justiça decidisse o mérito das disputas judiciais, o que
poderia levar meses e até anos.
Quando foi feito o primeiro balanço da licitação, em janeiro de 1998,
o resultado foi bastante impressionante, mesmo considerando todas as
circunstâncias adversas que existiam. Assim registrou a revista PAY-TV
na ocasião:

Foram 829 propostas para os editais de TV a cabo e 152 propostas para


os de MMDS. Ou ainda, 86 empresas participando dos editais de cabo e 48
participando dos editais de MMDS. Isso sem contar os resultados dos edi
tais que ainda estavam suspensos no final de janeiro.

Daquelas empresas, apenas 15 eram operadoras já conhecidas. As


demais eram novatas que buscavam entrar no mercado de TV por assina
tura. Ainda segundo o relato da revista PAY-TV da época:

Os atuais grandes players já estão identificados: Globo Cabo (que en-


trou sempre com o nome de S-Cabo alguma coisa, variando em função do
sócio local), Abril/TVA (com uma lista de empresas com nomes de árvores
que, pelo que se sabe, têm em suas composições outra lista de empresas
com nomes de pássaros), a Multicanal (comenta-se com uma empresa cha

152
mada Capanema, outra chamada Itatinga e a Centro-Minas), Unicabo (Cen
tro Cabo e TV Sapucaí) e Net Sul (Empresa de TV por Assinatura do Sul). De
todas estas, a Abril é sem dúvida a que vem mais forte, estando em cada
uma das regiões com um sócio diferente (Splice, Canbrás para São Paulo
e Minas e Inepar para o Sul do país são os conhecidos). De qualquer ma
neira, o ‘jardim botânico’ da Abril está disputando concessões de cabo em
65 localidades (sem contar o edital 001, cujas propostas não haviam sido
entregues até o fechamento). A Globo Cabo com seus sócios (TV Gazeta em
Vitória, Bahiasat na Bahia, entre outros) disputa concessões de cabo em
mais 20 localidades. A Capanema/Multicanal vem em outros 20 locais, Net
Sul em mais dez, Centro Cabo (concentrada apenas nas localidades onde a
família Coutinho Nogueira, sócia da Unicabo, já tem operação de TV aber
ta) disputa em outras nove e aí por diante.
Há também os grupos que entraram pesado na licitação e, se 20%
das propostas se converterem em concessões, terão uma boa quantidade
de operações. A TV Cidade (SBT, Bandeirantes e Jornal do Brasil), estava
na disputa em 54 localidades de TV a cabo (claro, sem contar o edital não
entregue em janeiro). A Columbus (consórcio formado pelo grupo Bozzano
e pelo grupo argentino El Clarín) disputava em 59 localidades, o banco Op-
portunity em mais 46 e a SMC (ligada à Adelphia Cable) também disputava
em 46 localidades. Com menos de 40 propostas para TV a cabo destacavam-
se o grupo Latinvest (ligado à operação de TV a cabo de Fortaleza), com 29
propostas; o misterioso GTSS (que não é a americana EchoStar, nem a Es-
celsa e muito menos uma dissidência do Opportunity como se comentava),
com 36 propostas; o UIAG (formado pela AG Telecom e pela UIH), com 26
propostas; a JPO, com 23 propostas; a Horizon Cable, com 32; a Cia. Técnica
614 (ligada à Alusa), com 24; a Powerlice (construtora de redes de Pelotas),
com 24; Adatel (Sercomtel, de Londrina, e Daruma), com 21.

Mas, apesar de tantas propostas, a queda de braço entre a Anatel e


os grupos que contestavam as ações na Justiça era intensa. Em alguns
momentos, havia uma ameaça de negociação, com o governo e a TV Ci
dade se aproximando para que as contestações judiciais fossem negocia
das. Em outros momentos, a disputa verbal se intensificava, com a TV

153
Cidade argumentando com o direito de garantir, na Justiça, condições
que considerava mais justas de disputa pelos editais.
No final de março de 1998 o fundo texano Hicks, Muse, Tate & Furst
anuncia a entrada no consórcio TV Cidade, adquirindo 33% da empresa
por US$ 60 milhões. Esse foi um fator determinante para que se desa
tasse o nó jurídico criado em torno dos editais, pois, na pior das hipó
teses, a própria TV Cidade passava a ser pressionada por um acionista
importante no sentido de agilizar o processo de outorgas, ainda que a
empresa defendesse publicamente a sua posição de contestar na Justiça
a licitação. As ações só seriam retiradas definitivamente em setembro
daquele ano.
Com o atraso do processo de licenciamento de novas outorgas, os
diferentes grupos investidores tiveram tempo de refazer as contas em
função do cenário cada vez mais adverso que se colocava na economia.
Como as propostas dos editais ainda não tinham sido abertas e o leilão
não estava concluído, havia a possibilidade de que as empresas desis
tissem da disputa. O processo de derretimento da licitação começou em
março de 1998, quando a Latinvest saiu da disputa, mas intensificou-se
ao longo do primeiro semestre desse ano.
Em julho de 1998, com o atraso no processo, o consórcio Latinvest já
desistira da disputa em 17 localidades ou quase 50% de seu planejamen
to inicial. O grupo Opportunity, que àquela altura começava a se planejar
para a disputa do leilão de privatização da Telebrás, havia desistido de 11
localidades, o mesmo tanto que a TVA. Até algumas empresas que dispu
tavam em parceria com o grupo Globo estavam desacelerando seus proje-
tos, como foi o caso da TV Gazeta de Vitória. Desse momento em diante,
o problema só se intensificou, com a TVA desistindo de quase todas as
disputas (manteve-se com a Canbrás apenas em algumas cidades), a Glo
bo e seus sócios também caindo fora, inclusive os consórcios formados
com a família Coutinho Nogueira e com a RBS. A construtora Andrade
Gutierrez também desfez o consórcio com a UIH e partiu para a disputa
do leilão de privatização da Telebrás, que naquele momento era muito
mais relevante para as atenções do governo e dos investidores do que a
disputa pelo mercado de TV paga.

154
Um bom resumo do clima que se instalou naquela ocasião, em ra-
zão das desistências, foi feito por Roger Karman ao boletim PAY-TV Real
Time no dia 22 de julho:

Não considero que o maior problema tenha sido o crescimento de


quem já está operando, até porque algumas operações chegaram a perder
assinantes de um ano para cá. Do meu ponto de vista, um fator que acaba
determinando desistências dos grupos é o recuo de investidores externos,
que mostram muita preocupação com o atraso existente no processo, com
eventuais contratempos que ainda possam aparecer e com as notícias que
circulam no exterior sobre inadimplência e dificuldades de expansão. O
desempenho em bolsa de empresas como a TV Filme e a Multicanal reflete
esta preocupação dos investidores.

Com o fim das ações judiciais da TV Cidade, em setembro de 1998,


o processo de licitação pôde ser retomado, mas isso não amenizou os
problemas, sobretudo para os grandes grupos. A Globo Cabo, na ocasião,
chegou a desistir das licitações que tinha ganhado e foi obrigada a pagar
multas milionárias.
Para alguns grupos, como a TV Filme, o atraso no processo de lici
tação foi ainda mais dramático, pois toda a expectativa dos investidores
que compraram os papéis da empresa um ano antes, recaía, justamente,
na possibilidade de expansão por meio de novas outorgas. Mas a TV Fil
me também teve o privilégio de ser a primeira empresa a ter contratos de
outorgas de TV por assinatura assinados com a Anatel, depois de anos
sem que o mercado tivesse novas licenças. Em 4 de novembro de 1998, a
empresa assinou os cinco primeiros contratos de TV por assinatura re-
sultantes do processo de licitação iniciado em meados de 1997. E rece
beu autorização para explorar MMDS em Caruaru/PE, Campina Grande/
PB, Bauru/SP e Franca/SP. Nessa mesma data a TV a Cabo São Luiz (do
grupo Brasil Telecomunicações) garantiu a concessão de TV a cabo em
Uberlândia/MG.
A TV Filme, contudo, esperava as novas outorgas desde 1996. Duran
te esse período, contratou e treinou pessoal, gastando o dinheiro de um

155
financiamento levantado talvez com muito tempo de antecedência. Os ju
ros pagos sobre a dívida de US$ 140 milhões realizada em 1996, somados
às crises financeiras e à crescente inadimplência de 1998, só fizeram pio
rar os resultados financeiros da companhia. A TV Filme viu seus papéis
cotados ao menor valor desde que foram lançados no final daquele ano, e a
ADR, que valia cerca de US$ 15 no lançamento, chegou a US$ 1, com a sus
pensão das negociações logo em seguida. Naquele momento, a vitória na
licitação trazia pouco a ser comemorado pela empresa, pioneira no mer
cado de TV por assinatura no Brasil, e não mais conseguiria se reerguer
para disputar, em condições efetivas, o mercado de TV por assinatura.
Ao assinar os primeiros contratos de concessão, contudo, a Anatel
punha fim à discussão sobre a possibilidade de suspender o processo de
licitação, uma reivindicação de alguns operadores em dificuldades para
honrar os valores das propostas elaboradas há quase um ano, quando a
situação econômica era outra. O mercado de TV por assinatura finalmen
te ganhava novos personagens.
O grupo Horizon era a grande sensação daquele momento. Pratica
mente desconhecido até então, o grupo liderado por Christopher Torto
havia se consagrado vencedor em nada menos que 13 cidades do interior
paulista. Só em outorgas, tinha colocado mais de US$ 14,5 milhões, e es-
condia na manga um projeto de TV a cabo que incluía a interligação, por
fibra óptica, de diversas de suas operações. Era um projeto de US$ 120
milhões, o que colocava a Horizon como um personagem importante na
TV por assinatura dali em diante.
Outro grupo que se saiu bem na licitação foi o consórcio Brasil Tele
com, que nada tem a ver com a operadora de telecomunicações homôni
ma. O consórcio tinha dez concessões e entre seus investidores estavam
Alberico Souza Cruz, ex-diretor de jornalismo da Rede Globo, em socie
dade com Ellos Nolli, ligado ao Banco Rural e antigo sócio da operação de
TV a cabo em Belo Horizonte (no momento já adquirida pela Globo Cabo);
Jonas Barcelos, ligado ao grupo Brasif; e Régis Campos. Outro destaque
do consórcio era a atuação no canal local de Belo Horizonte (canal 23) e
um contrato com a Cemig, empresa de energia mineira que construiria a
rede e seria sócia da operação.

156
A TV Cidade, que até aquele momento era mais conhecida como a
empresa que havia segurado a licitação, lançava-se como o mais forte dos
novos grupos, com um projeto de US$ 250 milhões e planos de ser uma
grande operadora. Pesava em favor desse plano o fato de ter conseguido a
concessão em Salvador e Niterói. Ao final de 1998, o grupo Jornal do Bra
sil já tinha desistido de participar da operação, e em seu lugar entrara o
grupo Diários Associados, ao lado de Bandeirantes, SBT, o fundo texano
Hicks, Muse e o fundo AIG-GE. Os Diários traziam consigo a concessão
de TV a cabo em Recife. Marcos Amazonas também não era mais o pre
sidente da TV Cidade, dando lugar a Roger Karman. A TV Cidade, para
conseguir as suas licenças, investira US$ 24,5 milhões.
Também a pequena operadora de Pelotas e Rio Grande, agora com o
apoio financeiro da operadora norte-americana Adelphia Cable, ganhava
naquele momento mais 11 outorgas em diversas cidades pequenas e mé
dias em todo o Brasil. A Adelphia tinha investido nessa licitação quase
US$ 4 milhões e pretendia chegar a 200 mil assinantes com um investi
mento de US$ 120 milhões.
Outra empresa que conseguiu algumas cidades importantes foi a
Alusa, com outorgas em São José dos Campos e Guarulhos, por exemplo.
Algumas afiliadas da Globo, como ORM e TV Bahia, também ganharam
seu espaço na TV por assinatura, além de vários pequenos grupos locais
que entraram no mercado.
Ao todo, naquela primeira leva de editais de cabo lançados em de
zembro de 1997, a Anatel conseguiu abrir o mercado em pelo menos mais
90 cidades, apenas com TV a cabo, levantado US$ 160 milhões em venda
de outorgas e atraído mais 20 grupos diferentes para o mercado. Alguns
eram aventureiros, que logo acabaram vendendo suas operações. Outros
eram pequenos, mas decididos a operar. Quanto aos operadores não-ofi-
ciais, a maior parte acabou se legalizando naquele processo de licitação
ou vendendo seus assinantes e redes aos grupos vencedores.
No MMDS, foram por volta de 13 novas empresas com as 34 licenças,
naquela primeira onda. Muitas acabariam desistindo, mas o mercado de
MMDS ainda teria algumas licitações, o que garantiria certa expansão
à indústria.

157
Alguns grupos, como o Horizon, ainda se expandiriam mais com a
vitória em novas licitações realizadas ao longo de 1999 e 2000. Mas foi
aquele edital de dezembro de 1997 que de fato fez história.
Ao final do processo de outorgas, houve a frustração de ver os gran
des fora da disputa. Globo e RBS priorizaram o leilão da Telebrás; a Mul-
ticanal, comprada pela Globo Cabo, saiu do mercado; a TVA decidiu con
ter os ânimos e ficou fora da licitação. Ainda assim, depois de quase dois
anos de regulamentação e outros dois de licitação, com direito a longas
disputas judiciais, desistências, rearranjos societários e vitórias, o mer
cado de TV por assinatura ganhou uma nova cara.

158
CAPÍTULO 7

A exuberância, os
novatos e a queda
Fazer TV por assinatura foi, durante muitos anos, uma atividade em
que se comprava em dólares e se vendia em reais. Na primeira década de
desenvolvimento do mercado, nos anos 1990, os principais insumos da
atividade era importados, principalmente equipamentos e programação.
Além disso, durante a segunda metade dos anos 1990, as empresas de
TV por assinatura fizeram, basicamente, dívida para poder sustentar o
crescimento, já que a base de assinantes nunca foi maior que 3 milhões
de clientes. A maior parte desta dívida foi feita fora do Brasil pelas em
presas que atuavam aqui.
Esse quadro funcionava bem em um cenário de estabilidade cam
bial. Entre 1994 e 1999, a relação entre dólar e real era praticamente a
mesma. Mas isso estava mudando, e as bases econômicas da indústria
começaram a ser abaladas quando o governo acabou com a paridade cam
bial, em janeiro de 1999, e em um mês a moeda norte-americana foi de R$
1,20 para R$ 2,00. Esse foi o estopim de uma série de abalos estruturais
que determinariam o futuro da indústria nos próximos anos.
No momento, novos grupos preparavam a construção de novas ope
radoras, em função da licitação de outorgas realizada em 1998. Foi tam
bém nessa época que outros canais chegaram ao Brasil, animados pela
perspectiva de crescimento do mercado. Faziam-se investimentos na co-
dificação das redes, iniciados em 1997 pelos grandes operadores. E havia
também a preparação das redes de TV por assinatura já existentes para
receber a banda larga, que não deveria aguardar muito mais tempo para
uma definição regulatória.

159
Tudo isso significava gastos em dólares, que estavam bem mais caros
naquele começo de 1999. Um setor particularmente afetado foi o de DTH,
que tinha um componente de despesa que outras operadoras não tinham:
o aluguel do satélite, contratado no exterior. Além disso, os decodificado-
res das empresas de DTH, por serem digitais, pesavam ainda mais.
Leila Loria, então presidente da DirecTV, em depoimentos da época e
também em relato a esse livro, relembra que a crise cambial teve um papel
especialmente crítico para as empresas de TV por assinatura via satélite.
A DirecTV, especificamente, tinha cerca de 60% de seus custos em
dólar em razão do grande peso da programação estrangeira, satélite e
equipamento de recepção importados ou, se fabricados no Brasil, com a
maior parte dos componentes trazidos do exterior. Em operações de cabo
e MMDS os custos em dólar eram um pouco menores, por volta de 30%, e
ainda assim o endividamento das empresas era preocupante.
A Globo Cabo, por exemplo, ao mesmo tempo em que via o real se
desvalorizar em janeiro de 1999, se preparava para pagar até o meio do
ano US$ 240 milhões. O clima era de grande incerteza.
Havia entre os operadores a certeza de que uma negociação, pelo
menos no tocante aos custos de programação, deveria ser feita rapida
mente para evitar o comprometimento das receitas. Também existia a
ordem de suspender investimentos. Luiz Eduardo (Bap) Baptista, que du
rante o período da crise era diretor operacional da TVA, relata a este livro
que a crise cambial colocou uma pressão tão grande sobre operadores
naquele início de 1999 que as duas maiores empresas, Net e TVA, ficaram
praticamente oito meses sem pagar programação até a situação do dólar
se estabilizar e se chegar a um acordo sobre valores. Alguns pagamentos
eram inadiáveis, como o das licenças adquiridas no processo de licitação
de 1998, e nesse caso se davam bem algumas empresas que traziam di
nheiro de fora para pagar as outorgas. A Adelphia, por exemplo, chegou
a gastar US$ 1 milhão a menos do que previa no pagamento à Anatel em
razão da desvalorização cambial no intervalo de uma semana.
Mas esse era um caso pontual que em nada amenizava a crise que
se colocava para a indústria, e os investimentos começaram a ser repen
sados. Por exemplo, o lançamento de pacotes para a classe C, um projeto

160
que desde 1998 vinha sendo trabalhado por algumas operadoras e que
naquele primeiro trimestre de 1999 representava para as empresas um
risco que não poderiam correr.
O início de operação de algumas novas outorgas também teve que
ser adiado. A TV Filme, por exemplo, já tinha, em março daquele ano,
um headend pronto para iniciar as transmissões na cidade de Campina
Grande, na Paraíba. Seria sua primeira nova operação em dez anos de
existência, mas decidiu aguardar para ver como o mercado se compor
taria naquele cenário incerto. As outras seis operações que a TV Filme
colocaria no ar até agosto seriam construídas em março, o que acabou
não acontecendo em função da crise.
No início de 1999, além da crise, os operadores que se preparavam
para entrar no mercado viviam um dilema. Que programação adotar?
Eram dois os caminhos. Um, mais consagrado, era o da Net Brasil, que
abriria as portas para a programação Globosat. A TVA Networks, por sua
vez, que antes se colocava como uma alternativa no modelo de franquia
de programação, não era mais uma certeza nem mesmo para o grupo
Abril, que naquele momento buscava uma reestruturação financeira e já
tinha tomado a decisão de se afastar da produção de conteúdo para se
focar em suas próprias operações.
Para os independentes e para as dezenas de operações que surgiam,
não havia muitos caminhos a seguir. Foi então que alguns deles, lidera
dos principalmente por Cristina Mizumoto, da TV Alphaville, e Marcos
Amazonas, da TV Cidade, começaram a discutir a ideia de criar um grupo
independente para a compra de programação.
Em março de 1999 a proposta se consolidou e ganhou a simpatia
de alguns operadores médios, que somavam cerca de 330 mil assinan
tes. Em uma reunião realizada na TV Alphaville em 1º de março de 1999,
decidiu-se formalizar a existência e a situação do grupo por meio de uma
carta que seria enviada aos programadores. Buscava-se uma padroniza
ção das condições de negociação para os operadores independentes. Es
tes e novos players convergiam na análise de que ambos, sem o apoio das
franqueadoras, naturalmente tenderiam a encontrar mais dificuldades
na negociação. Naquela ocasião, praticamente todas as programadoras

161
já tinham aceitado congelar o câmbio no nível do início de janeiro ou,
em alguns casos, estabelecê-lo em um patamar apenas um pouco supe
rior a R$ 1,20. Mas ainda não se tinha clareza sobre a estrutura jurídica
do grupo, sobre o peso de cada um dentro da entidade ou sobre a parti
cipação, por exemplo, da TVA, que naquele momento ainda tinha uma
atuação como programadora, algo que dificultava sua presença, mas por
outro lado poderia adicionar uma base significativa de assinantes, o que
melhoraria as condições de negociação.
Em 21 de maio de 1999, contudo, o grupo foi criado oficialmente com
o nome de NeoTV, agregando operadores que totalizavam 551 mil assi
nantes, e vários outros operadores ainda em fase de instalação de suas
redes. A NeoTV, ao ser criada, tinha a expectativa de chegar a 2,5 milhões
de assinantes até 2003, número que nunca foi alcançado, não só pelas
contingências de mercado, mas porque alguns dos sócios originais aca
baram saindo do grupo. Como sócios fundadores da NeoTV apareciam, na
época, TVA, TV Filme, Canbrás, RTC, TV Show, Image TV, TV Alphaville e
a ACTV, entre os operadores com assinantes. Entre os novos operadores
estavam Adelphia (posteriormente chamada de Viacabo), Horizon (futura
Vivax), MMDSC, Ibituruna TV e Sunrise, além da Adatel (que controla a
concessão de Osasco) e da Alusa (concessionária em Guarulhos). Alguns
grupos demoraram um pouco mais para entrar, como foi o caso da Brasil
Telecomunicações, de Minas Gerais, ou não entraram, como a TV Cidade,
que apesar de ter participado das primeiras discussões, estava em con
versas com a Net naquele momento e preferiu não aderir ao grupo. As
operadoras de DTH Tecsat e a DirecTV não foram incluídas na formação
original da NeoTV. A Horizon, contudo, apesar de ter participado da equi
pe fundadora do grupo de compras, demoraria para efetivamente fazer
parte da agremiação, em função de negociações que mantinha com a Net
Brasil para a compra de programação.
A NeoTV surgia em um ambiente em que a discussão sobre a bus
ca de um pacote que permitisse massificar a TV por assinatura para a
classe C era um tema de crescente preocupação. Uma pesquisa realizada
pela TVA naquela ocasião, segundo documentos apresentados na época
aos jornalistas pela NeoTV, mostrava que cerca de 41% dos assinantes

162
estavam muito propensos a cancelar o serviço, número que subia a 51%
se confrontados com a necessidade de cortes em função da crise, e 48%
queriam um serviço mais barato. A NeoTV defendia um pacote básico de
R$ 30, um valor considerado razoável por 59% dos não assinantes. Se
gundo a pesquisa da TVA, cerca de 76% das pessoas sem TV por assina
tura não assinavam o serviço simplesmente porque não tinham dinheiro
para pagar o valor médio das mensalidades. Com estes argumentos em
mãos, a NeoTV sairia em busca de melhores preços por canal, cláusulas
de empacotamento mais flexíveis e sem a obrigação de pagamentos por
um número mínimo de clientes.
A batalha iniciada pela NeoTV naquela ocasião foi fundamental, so-
bretudo considerando que parte dos novos operadores não tinha nenhum
assinante, mas tinha limitações de financiamento. Seria uma batalha
complicada, em função do modelo de empacotamento criado no começo
de 1997 que, de alguma maneira, só funcionava para os programadores
enquadrados naquelas condições que estavam estabelecidas.
A TV Filme, que passara a usar a marca MaisTV, anuncia em maio um
primeiro pacote já negociado sobre os princípios da NeoTV. Havia um nível
de sub-básico obrigatório a todos os assinantes, com sete canais pagos, um
de cada programadora, por R$ 19,90. A partir daí, mais dois níveis podiam
ser combinados livremente em oito formas diferentes de empacotamento,
chegando a R$ 69. A MaisTV estava disposta a levar adiante a estratégia
de chegar à classe C e lançou naquele mês a operação de Campina Grande,
na Paraíba, com uma importante inovação do ponto de vista de marketing:
a venda pré-paga e com os equipamentos instalados pelo próprio usuário.
O modelo pré-pago nunca se tornou popular na TV por assinatura
como foi na telefonia celular. Primeiro, pela dificuldade de instalação do
equipamento. Depois, porque exigia um investimento no subsídio dos
equipamentos que acabava não se pagando com os gastos mensais que
o usuário teria. Mas aquela iniciativa da TV Filme foi importante por ser
a primeira estratégia mais agressiva de um operador no sentido de ten
tar massificar a TV paga para as classes menos favorecidas e, ao mesmo
tempo, evitar os riscos de criar uma base de assinantes suscetível a des
conexões e churn.

163
A Net Brasil, depois que o grupo Globo e a maior parte das empresas
parceiras caíram fora das licitações para novas outorgas de TV a cabo e
MMDS, tornou-se uma peça fundamental para o grupo da família Mari
nho manter a distribuição de seus conteúdos nas novas operações de TV
paga que surgiriam. Até aquele ano, a Net Brasil, apesar de definida cla
ramente como franqueadora de marca e conteúdos, muitas vezes tinha a
sua função confundida com a de operadora. Parte dessa confusão se de
via ao fato de que, muitas vezes, os papéis dos executivos se confundiam,
como foi o caso de Moysés Pluciennik, que até 1999 acumulava o posto de
presidente da Globo Cabo (operadora de cabo), da Net Brasil (franqueado
ra) e, durante um tempo, também presidente da Sky (operadora de DTH).
Em meados de 1999, essa confusão de papéis finalmente se resolve: a
Net Brasil rompe qualquer relação com as empresas operadoras do grupo
Globo e torna-se parte da estrutura de conteúdo do grupo, onde já estava
abrigada a Globosat.

QUEREMOS A TV GLOBO
O ano de 1999 também se inicia com uma disputa empresarial que
daria ao Cade e aos órgãos de defesa da concorrência um importante pa
pel na década seguinte, para a indústria de TV por assinatura. A Tevecap,
controladora da DirecTV, decidira entrar na disputa para ter acesso aos
conteúdos da TV Globo, que no DTH só estavam disponíveis para a Sky,
como parte do acordo com a News Corp., de Rupert Murdoch, celebrado
em 1996. O motivo da ação era o fato de a TV Globo não ter cedido a sua
programação para a empresa de DTH controlada pelos Civita. Só a Sky
tinha acesso a esses canais em algumas cidades, como São Paulo, Rio de
Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte.
Durante toda a história da TV por assinatura, a TV aberta sempre
foi um dos principais conteúdos. Seja porque a TV paga dava melhores
condições de recepção dos sinais das redes abertas, seja porque o conte
údo das emissoras de TV, sobretudo da Globo, sempre teve grande apelo
de audiência, o fato é que era complicado para qualquer operador falar
em TV por assinatura sem incluir, em sua programação, os canais dos
radiodifusores. Tanto é que na Lei do Cabo a obrigação de retransmissão

164
desses sinais das emissoras de TV (uma regra conhecida como “must car-
ry”) foi incluída por pressão dos operadores de TV paga, e depois, quando
foi celebrada a parceria para formar a Sky, uma das exigências da News
Corp era ter o sinal da TV Globo.
A DirecTV estava atrás na disputa com a Sky pela liderança no mer
cado de DTH, sobretudo depois que a Sky incorporou à sua base todos os
assinantes do serviço analógico NetSat, em banda C. A DirecTV atribuía
essa desvantagem competitiva ao sinal da TV Globo, e passou a pleitear
as mesmas condições comerciais para distribuir o seu sinal. A TV Globo
alegava que não cobrava pelo sinal, e sim pelo licenciamento de uso da
marca, um valor de R$ 0,50 por assinante. Sobre essa disputa, a DirecTV
escreveu em sua reclamação encaminhada ao Cade:

Estando a preferência, os gostos e sobretudo o hábito do telespectador


fortemente condicionados pela programação da rede aberta, em particular
pela programação da líder nacional de audiência, a dificuldade de acesso à
distribuição da programação dessa modalidade de serviço constitui-se em
expressiva barreira à entrada no submercado relevante de serviços de DTH
(...) como a Coca-Cola que, por sua popularidade e domínio de mercado, é
de presença imprescindível nos estoques do revendedor que não deseja ser
discriminado por seus clientes.

Em sua defesa, a TV Globo dizia ser seu direito autorizar ou proibir


a reprodução ou retransmissão das transmissões de seus sinais. E dizia
ainda que a legislação de defesa da concorrência não previa a possibili
dade de licença compulsória de direitos autorais, que havia uma abun
dância de oferta de programação e que nenhuma delas, Globo ou Direc
TV, poderia ser considerada essencial para efeito da concorrência.
A disputa iniciada em fevereiro de 1999 só seria resolvida em 2001,
num dos casos mais importantes de disputa concorrencial envolvendo
empresas de TV por assinatura. A Anatel, provocada pela Tevecap, lavou
as mãos e decidiu que não cabia a ela regular sobre conteúdo, e essa era
uma questão exclusiva de concorrência. Atestou, contudo, que não via
o conteúdo da TV Globo como um diferencial competitivo, analisando a

165
performance de vendas da DirecTV nas cidades em que a Sky tinha o si
nal da TV Globo e nas praças sem este sinal.
Longe do fim, a disputa ganhou proporções, inclusive, presidenciais.
Isso porque, no dia 8 de março de 2001, o conselheiro do Cade, João Bosco
Leopoldino, relator do caso, proferiu seu voto reconhecendo a causa da
DirecTV. Se prevalecesse a sua posição, a TV Globo seria obrigada a ce-
der seus sinais para a DirecTV. Pela primeira vez um caso como esse era
julgado pelo Cade, e pela primeira vez a TV por assinatura e a TV aberta
tornavam-se alvo de escrutínio concorrencial. Estavam em jogo naquela
decisão não só as condições de competição entre as empresas de DTH,
mas também o modelo econômico das emissoras de TV, as relações socie
tárias entre grupos de comunicação e empresas de TV por assinatura, e
até mesmo a questão do interesse nacional, que voltaria a ser colocada
em vários outros momentos da década de 2000.
Em 2001, a DirecTV já era uma empresa 100% estrangeira, e esse
fator foi determinante nos três meses que se sucederam entre a leitura
do relatório de Leopoldino e o término do julgamento. O argumento do
interesse nacional vinha à tona naquele momento, e a TV Globo, em sua
defesa, conseguiu movimentar algumas das mais relevantes forças polí
ticas no sentido de convencer o Cade a não votar da mesma maneira que
havia votado o conselheiro relator.
Diversos parlamentares e autoridades entraram na briga em favor
da TV Globo. O ministro das Comunicações na ocasião, Pimenta da Veiga,
foi um dos que levantaram a bandeira. Notícia publicada por PAY-TV Real
Time News em 22 de maio relata bem aquele momento:

O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, convocou nesta ter


ça, dia 22, uma coletiva de imprensa para anunciar que o governo vai iniciar
“uma defesa ampla do conteúdo nacional”. “Esta é uma posição do governo
e eu estou falando em nome do presidente da República”, disse o ministro.
Pimenta disse que não vai permitir que um descuido na legislação venha
a prejudicar a produção nacional. Apesar de afirmar que esta defesa não
será restrita ao conteúdo de televisão, mas também se estenderá a jornais,
revistas e rádios, Pimenta mencionou a briga da DirecTV para obter o sinal

166
da TV Globo. Ao falar sobre o processo da DirecTV contra a TV Globo no
Cade, Pimenta foi bastante duro em relação à operadora de DTH. “‘Este é
um caso específico onde devemos apoiar o conteúdo nacional. A DirecTV
quer ganhar dinheiro em cima do conteúdo nacional, transformando um
sinal aberto em um sinal de TV paga. Se querem bom conteúdo, que produ
zam bom conteúdo”, afirmou.

O caso alcançara uma proporção nunca imaginada pela DirecTV e


uma repercussão política sem precedentes na história das comunicações
brasileiras. No fim, em junho de 2001, a DirecTV acabou derrotada no
Cade, com voto contrário ao parecer do relator de todos os demais con
selheiros. Mas ali o setor abriu os olhos do Cade, que nos anos seguintes
teria um papel determinante, analisando casos de exclusividade de pro
gramação, fusão entre operadoras e aquisições importantes.
Curiosamente, em 2001 começaria um movimento de negociações
entre os acionistas, sobretudo por parte de Rupert Murdoch, nos EUA,
que anos depois levaria a uma fusão Sky e DirecTV.
Mas em 1999, a DirecTV ainda estava em uma fase de transição. De
uma empresa que tinha a Abril como principal acionista desde o início
de suas operações, em 1996, a DirecTV passaria, no ano de 1999, a ser
controlada pela norte-americana Hughes, empresa do grupo General Mo
tors. Na verdade, como relata a este livro Leila Loria, presidente da Direc
TV naquele período, o grupo Abril não tinha mais condições de manter os
investimentos necessários no negócio. O mercado de DTH mostrava-se,
não só para a Abril, mas aos poucos também para o grupo Globo, um ne-
gócio muito mais desgastante do ponto de vista de investimentos do que
outras tecnologias, sobretudo considerando-se os custos dos equipamen
tos na época. Além disso, segundo Leila Loria, o retorno do investimento
se tornava cada vez mais longo, o que só se agravou com a desvaloriza
ção cambial. Foi então que o grupo da família Civita decidiu reestruturar
completamente seu negócio de TV por assinatura: venderia a participa
ção do DTH, venderia a participação nas programadoras, daria saída aos
acionistas norte-americanos e, finalmente, sairia em busca de um novo
sócio para as operações.

167
Em janeiro de 1999 começaram as conversas com os controladores
da DirecTV nos EUA (a Hughes Electronics) para que a participação so-
cietária no Brasil fosse revista. A TVA tinha, até aquele momento, 75% da
operação brasileira e 10% da operação latino-americana, sendo que esta
última drenava uma quantidade significativa de recursos do grupo (o que
também acontecia para o grupo Globo em relação à Sky). Em 15 de maio
de 1999 as partes selaram o acordo e a Hughes Electronics, através da
Galaxy Latin America, adquiriu a totalidade das ações da empresa de TV
paga via satélite que estava sob o controle da TVA pelo valor de US$ 300
milhões e as dívidas da companhia.
Outro movimento importante foi o processo de desligamento da
Abril da atividade de programadora (exceto no caso da MTV). Em feverei
ro de 1999, o grupo afastou-se de sua participação no canal Bravo. Mais
adiante, em novembro de 1999, a Abril venderia para a Disney sua meta
de no canal ESPN Brasil, por R$ 5,7 milhões, que àquela altura dava um
prejuízo de R$ 21 milhões anuais. E em meados de julho de 2000 o grupo
ainda se desfaria de sua participação de 25% na HBO Brasil para os só
cios, pelo montante expressivo de US$ 43 milhões, colocando um ponto
final em uma parceria que havia definido a história da TV por assinatura
em 1994. O grupo saiu também, pouco depois, do canal Eurochannel (ven
dido à francesa Multitematicques por R$ 13,3 milhões).
Segundo declarações na época de José Augusto Pinto Moreira, pre
sidente da TVA e vice-presidente da Abril, a intenção, no médio e longo
prazo, era reposicionar o grupo para oferecer conteúdo a todas as mídias.
E a expansão da TVA no setor de telecomunicações (que viria com a Inter
net em banda larga naquele ano de 1999) era, na leitura dos executivos,
incompatível com a atuação na área de programação. Essa mudança de
estratégia tão radical foi comentada por Roberto Civita à revista PAY-TV,
em março de 2001.

Eu tenho na verdade uma frustração. Esta área exige quantidades de


investimentos que não estão disponíveis para empresas familiares ou de ca
pital fechado no Brasil. Isso é cada vez mais para empresas abertas, multi
nacionais, que buscam capital fora daqui, porque capital aqui é muito caro.

168
É frustração, é irritação por não termos um mercado de capitais, pelo fato
de o dinheiro aqui custar quatro vezes mais do que custa lá fora para nossos
concorrentes. É muito difícil jogar este jogo com uma empresa privada bra
sileira. Sinto-me frustrado por não termos como fazer. Os recursos gerados
por nós não são suficientes para bancar os investimentos necessários, e isso
é muito chato. Por isso precisamos de um parceiro. Agora, o que aconteceu
desde o momento em que entramos em TV por assinatura até agora foi uma
mudança total. De cinco anos para cá, a TV paga não é mais o mesmo negócio
em nenhum lugar. O que mudou foi que todo mundo que está nesse negócio,
não importa a plataforma, se deu conta de que é preciso aumentar o fluxo de
receitas, considerando os investimentos gigantes que são necessários para
se chegar à casa do assinante. Ter outros serviços virou quase um imperati
vo econômico. Se não acrescentarmos Internet, broadband, provavelmente
telefonia e mais, fica-se em uma posição economicamente indefensável.

A venda dos ativos dava à Abril um certo conforto para poder explo
rar a nova estratégia, e com a crise cambial digerida pelo mercado no
segundo semestre de 1999, as coisas começaram a mudar no mercado de
TV por assinatura e também para a Abril.
A estratégia da TVA no mercado de telecomunicações tinha duas
frentes: uma era o fortalecimento do seu provedor de acesso banda larga,
o Ajato. O serviço foi oficialmente lançado em 19 de julho de 1999. Mas
como ainda dependia de autorização da Anatel (que só viria em dezembro
daquele ano), era inicialmente um serviço de acesso unidirecional. Ainda
assim, foi o primeiro serviço de cable modem por redes de cabo lançado
comercialmente no Brasil.
Dias depois, a ImageTV, de Uberlândia, lançaria o seu serviço bidi-
recional, pois tinha como acionista uma empresa de telecomunicações
(a CTBC) e entendia, portanto, não ter restrições para lançar o serviço. A
ImageTV ainda se destacaria por ser a primeira operadora a lançar um
serviço de telefonia por redes de cabo, em março de 2000, utilizando a
tecnologia Cornerstone, da Nortel.
O diferencial do serviço de banda larga da TVA, na ocasião, era o
forte foco em conteúdos próprios para aquele tipo de conexão, especial

169
mente transmissão de vídeos e jogos. A Abril era acionista do provedor
de acesso UOL, e havia a intenção de explorar essa parceria na oferta de
conteúdos. Mas logo um problema se colocou: o conteúdo da Abril era ex
clusivo do UOL, o que significava que a TVAnão poderia explorá-lo para
o seu próprio serviço de acesso banda larga.
No final de 1999, com a regulamentação da Anatel, a TVA decidiu
separar o provedor de conteúdo da infraestrutura de acesso, abrindo uma
nova frente de negócio que tentaria aproveitar ao longo de 2000. Era o
ano da “exuberância irracional”, termo cunhado por Alan Greenspan,
ex-presidente do Federal Reserve dos EUA, em abril de 1999, para des
crever a febre das empresas de alta tecnologia nas bolsas. A onda das
“pontocom” inflava o mercado financeiro dos EUAe tudo o que estivesse
no contexto da Internet tinha, de imediato, um potencial de valorização
muito acima de qualquer... racionalidade. Alguns anos depois ficou claro
que era uma bolha especulativa, uma fase de valorização sem nenhum
vínculo com a realidade, mas o fato é que naqueles anos, mesmo opera
ções ainda sem nenhuma solidez financeira ou números palpáveis, como
base de assinantes ou receitas permanentes, como era o caso do Ajato,
eram avaliadas pelos especialistas em investimentos em valores estra-
tosféricos. No caso específico, quem fazia a avaliação dos ativos da TVA
era o banco Goldman Sachs, que em um determinado momento chegou a
estabelecer um valor futuro do Ajato superior ao da própria TVA. O grupo
Abril, que em vários momentos de sua história havia buscado sócios dis
postos a oferecer uma saída para a família Civita do negócio, viu, então,
não um, mas uma fila de proponentes.
Em março de 2000 havia pelo menos seis proponentes. As negocia
ções aconteceram com vários candidatos em vários momentos diferentes,
entre os quais, sabe-se hoje, estiveram Embratel, Telemar, Portugal Tele
com, Telefônica, AT&T, Bell Canada, UIH, entre outros. O valor mínimo pelo
qual a empresa havia sido avaliada era de cerca de US$ 1,7 mil por assinan
te (a empresa tinha 356 mil assinantes na ocasião), mas esperava-se no
mercado que o preço final chegasse a US$ 2,2 mil em função de uma venda
total ou parcial, do sucesso do acesso bidirecional à Internet, de uma au
torização para o canal de retorno do MMDS que estava sendo pleiteada na

170
ocasião, entre outras questões. Naquele primeiro semestre de 2000, a TVA
esteve muito próxima de ser vendida. Só não foi porque avaliava que, na
quele mercado em crescente valorização, seus ativos poderiam valer mais.
O resultado é que o grupo não conseguiu, naquele momento, encontrar o
parceiro que tanto buscava e disposto a pagar o que ela acreditava valer.
Observe-se que em 2000 a tecnologia de MMDS, onde estava boa
parte da base de assinantes da TVA, chegava a um ponto de inflexão im
portante. A tecnologia analógica estava praticamente condenada, pois a
General Instruments (GI, que naquela época foi vendida para a Motoro
la), fabricante da tecnologia de codificação Tocom (utilizada pelos opera
dores até então) decidiu interromper a fabricação do equipamento. Dali
em diante, os operadores teriam que contar apenas com estoques antigos
de caixas ou partir para alguma alternativa digital.

CONTEÚDO REI
Na mesma época em que crescia a onda de valorização de tudo o que
dissesse respeito à Internet, também se avolumava a onda de valoriza
ção de tudo o que dizia respeito a conteúdos. E um bom exemplo desse
movimento foi a HBO, que celebrou um acordo de exclusividade com a
DirecTV no final de 1999, em uma aposta arriscada numa época em que
já não se tinha tanta certeza se a exclusividade de uma marca fortemente
vinculada a conteúdos de filmes, e não a esportes, faria muita diferen
ça. Nos primeiros anos da TV por assinatura no Brasil, os filmes foram
determinantes e consumiram quantidades brutais de dinheiro por parte
das operadoras. Mas desde o final dos anos 1990, os conteúdos esporti
vos se tornaram mais relevantes.
De qualquer forma, em setembro de 1999 seria consolidada a pri
meira investida de peso em programação por parte da DirecTV no país,
após a saída do Grupo Abril. Segundo dados de mercado na época, era
um acordo de US$ 250 milhões em cinco anos, prazo em que vigoraria o
contrato de exclusividade dos canais HBO, HBO2 e Cinemax no mercado
de DTH. Era uma aposta pesada, de quase US$ 700 por assinante. A Di
recTV ainda celebraria em 2000 dois acordos de programação de grande
monta que seriam determinantes para a crise financeira enfrentada pelo

171
grupo a partir de 2002. Um deles foi o acordo de exclusividade da Copa
do Mundo de Futebol nos anos de 2002 e 2006 para a América Latina
(exceto Brasil) no valor de US$ 400 milhões. Outro era o direito de exclu
sividade sobre o canal Disney Channel por mais de US$ 600 milhões. Os
dois casos, entretanto, foram revistos no processo de reestruturação da
operadora nos anos seguintes, conforme se verá no próximo capítulo.
Naquele momento, entretanto, a HBO estava disposta a diminuir
sua presença no Brasil, e até o final do ano reestruturaria seu escritório
local, deixando no país apenas a área de comercialização e marketing.
O acordo entre HBO e DirecTV teria ainda um impacto dramático
para uma pequena operadora de TV paga via satélite que havia começado
as suas operações no começo de 1998: a Tecsat. Alguns meses antes de
se tornar exclusiva no DTH, a HBO havia cortado o sinal da Tecsat, ale
gando fragilidade no sistema de auditoria da empresa de São José dos
Campos. De uma hora para outra, a Tecsat perdia seus principais canais:
HBO, HBO2, Mundo, Sony, E! e Warner. Um pouco depois, já com o acor
do de exclusividade anunciado, ficou impossível à Tecsat recuperar essa
programação. Como o conteúdo Globosat também era exclusivo da Sky, a
empresa ficou limitada em suas opções e foi obrigada a financiar a pro
dução de canais próprios, mas pouco competitivos, com os canais das de
mais operadoras. Somando-se a isso as dificuldades de administrar um
negócio de custos tão elevados com uma escala pequena de assinantes, a
Tecsat entrou em concordata em 2000 com pouco menos de 60 mil assi
nantes conquistados. A empresa não conseguiria mais se recuperar, até
ter seu sinal tirado do ar em 26 de junho de 2007, ao fim do contrato com
o fornecedor de satélite Intelsat.
Se uma operação de TV por assinatura via satélite tombava, outras
surgiam. Em janeiro de 2000 a DTCom, controlada pelo empresário Leo
nardo Petrelli (um dos pioneiros na operação de TV por assinatura no Es
tado do Paraná) lançava o seu serviço, com uma inovação: era o primeiro
serviço de TV por assinatura corporativo.
Mas a HBO não foi a única a se beneficiar com a onda do conteúdo de
alto valor. O grupo Globo também teve o gosto de ver a sua marca avalia
da de maneira surpreendente. Depois de lançar o seu provedor de acesso

172
Globo.com em março de 2000, o grupo da família Marinho protagonizou
o maior negócio já realizado na Internet brasileira até os dias de hoje. A
Telecom Italia, que no Brasil já havia sido sócia da Globo nas operações de
celular adquiridas em 1997 e 1998, decidiu entrar de sócia no portal Globo.
com pagando a quantia de US$ 810 milhões por 30% das ações. Apostava
que teria, com isso, acesso privilegiado aos conteúdos da Globo em suas
aplicações para celular por meio do protocolo WAP (única forma de nave
gação possível nos celulares da época) e a expansão do Globo.com para
a América Latina e outros países em que a Telecom Italia atuava. Havia
ainda a perspectiva de que o portal, que não tinha nenhuma relação com a
atuação da Globo Cabo no mercado de banda larga, abrisse em bolsa.
Uma questão que chamava a atenção era o fato de a estratégia da
Globo para a Internet ter se desenvolvido de maneira independente
da operação de cabo. Segundo relato a este livro feito por Moysés Plu-
ciennik, presidente da Globo Cabo na época, houve de fato uma certa
surpresa na operadora pelo fato de o projeto ter sido desenvolvido sem
buscar sinergias com os esforços que foram desenvolvidos na criação
do Vírtua. E o surgimento do Globo.com também forçou uma revisão
da estratégia da Globo Cabo. O conceito original do Vírtua, segundo
Pluciennik, previa um modelo de “walled garden”, um “jardim cerca
do” em que haveria um portal de conteúdos restrito àqueles usuários
do serviço de banda larga. Era o modelo que a AOL praticava nos EUA e
que também os portais brasileiros tinham até então. Mas com a criação
do Globo.com, e com o próprio modelo regulatório definido pela Anatel,
essa estratégia teve que ser revista, e o Vírtua se tornou apenas uma
solução de acesso. Também não houve aproveitamento da parceria com
a Microsoft, que naquela época tinha o portal MSN e poderia ter parti
cipado do modelo do Globo.com.
Mas se a Globo Cabo não pôde aproveitar juntamente com a Globo a
onda da Internet, aproveitou aquele ciclo de outras maneiras. Havia em
todo o mundo uma verdadeira febre por operações de TV a cabo. A Mi
crosoft investia centenas de milhões de dólares em operadoras de cabo
mundo afora. Paul Allen, fundador da Microsoft e sócio minoritário da
empresa, também investia em TV a cabo. Os valores de negociação de em

173
presas chegavam a patamares inimagináveis anos antes, tudo graças à
onda da Internet e à promessa de que a TV a cabo seria a forma preferen
cial de entregar banda larga.
A operadora de cabo Adelphia Cable, nos EUA, tinha comprado a ope
radora Cablevision por US$ 1,5 bilhão (US$ 5 mil por assinante). A AT&T
vendeu à Comcast 750 mil assinantes por US$ 4,5 mil cada. Mas a vedete
era mesmo a AOL, que em janeiro de 2000 comprou o maior grupo de mí
dia dos EUA, o Time Warner, por US$ 160 bilhões em troca de ações.
Havia ainda o conceito de Internet na TV, ou WebTV. A AOL, por
exemplo, pagou US$ 1,5 bilhão à Hughes simplesmente para que fosse
desenvolvido um modelo de TV interativa pela DirecTV nos EUA, negócio
que também repercutia no Brasil, pois a AOL tinha como sócio, na Améri
ca Latina, o grupo Cisneros, que era acionista da DirecTV Latin America.
No Brasil, um grupo desconhecido lançou em abril de 2000 um serviço
chamado MyWeb, semelhante ao WebTV da Microsoft, e prometia inves
tir US$ 160 milhões no negócio.
As empresas de telecomunicações, notadamente a Telefônica, es-
tavam apostando alto no mercado de mídia. Em 1999, a empresa criava
a Telefônica Media, que atuava no mercado de TV por assinatura pelo
mundo e como investidora em negócios de conteúdos em diversos paí
ses, sobretudo na América Latina e Espanha. A empresa tinha contrata
do, em junho de 1999, Antônio Barreto, então diretor geral da Net Brasil.
O grupo Telefônica já levara o ex-presidente da DirecTV, Antônio Ríos,
e começava a despertar preocupações entre os grupos de comunicação
brasileiros. Durante um curto período, a Telefônica quase comprou a TVA
e o SBT. No caso da TVA, foi feita uma oferta de US$ 800 milhões, que
não se consumou porque a operadora estava negociando com outros pro
ponentes e tentou um preço maior. No caso do SBT, a operação não saiu
porque Silvio Santos, talvez sem interesse real em vender, não soube dar
um preço para sua emissora.
Um dos negócios que a Telefônica conseguiu fechar foi a compra da
Endemol, na Holanda, e ali tornou-se sócia indireta da Globo no Brasil,
quando a Endemol e a Globo acertaram uma sociedade para a produção dos
reality shows como o Big Brother. Mas o projeto da Telefônica Media, se

174
gundo relatos de quem acompanhou os movimentos, estava intimamente
ligado à onda de especulação da Internet e à perspectiva de uma abertura
de capital. Era, além de tudo, um projeto pessoal de Juan Villalonga, então
presidente do grupo Telefônica, que foi afastado por escândalos corpora
tivos. Sem Villalonga e com a janela de abertura de capital se fechando
com o fim da boa fase das bolsas, a Telefônica Media morreu. Isso não im
pediu, contudo, o grupo de anunciar no Brasil, em março de 2001, o plano
para um serviço de vídeo sobre sua rede de banda larga Speedy, que havia
sido lançado em 2000. A tecnologia que seria usada era a de uma empresa
chamada Pixstream, que também sumiu do mapa com o fim da onda de In
ternet em 2001, e o projeto de vídeo sobre a rede de xDSL da Telefônica foi
para a gaveta, para ser recuperado somente alguns anos depois.
Durante a fase de festa, contudo, era natural que a maior operado
ra de cabo do Brasil se beneficiasse daquela onda de entusiasmo com a
Internet e com as possibilidades da banda larga. A Globo Cabo tinha dí
vidas pesadas no começo de 1999 e passou por maus bocados assim que
a desvalorização cambial tornou-se realidade. Em março daquele ano os
papéis da operadora bateram no patamar mais baixo até então, chegando
a US$ 1 por ADR. Era um valor irrisório se comparado com os US$ 15 por
ADR, quando a Multicanal abriu o capital no mercado norte-americano
no fim de 1996, ou os US$ 11 pagos pela própria Globo Cabo pela Multica
nal no final de 1997. Mas, aos poucos, a crise cambial foi dando lugar ao
crescente entusiasmo que àquela altura era forte nos mercados desenvol
vidos, e a Globo Cabo vivenciou uma impressionante escalada no valor de
suas ações ao longo do ano.

FESTA NA NASDAQ
Se alguém tivesse investido US$ 1 milhão em ADRs da Globo Cabo
negociadas na Nasdaq, a bolsa de tecnologia de Nova York, no dia 29 de
março de 1999, quando o papel bateu no chão, e tivesse tido coragem de
esperar um ano, receberia de volta, em fevereiro de 2000, nada menos do
que US$ 25 milhões. A Globo Cabo tornou-se uma das operadoras de TV
por assinatura mais bem avaliadas do mundo, com o assinante avaliado
emUS$ 5 mil no auge de sua valorização. Tudo porque houve, ao longo de

175
1999, uma forte expectativa sobre a entrada de um grupo estratégico, o
que de fato aconteceu no segundo semestre com a entrada da Microsoft
e do Bradesco, e no final do ano o BNDES, como acionistas da empresa.
Com o lançamento comercial do Vírtua, no final de 1999, os papéis tive
ram uma nova onda de valorização e permaneceriam cotados em valores
elevados ao longo de todo o ano de 2000.
Foi então que a Globo Cabo decidiu consolidar sua posição como
maior operadora do país, adquirindo as participações dos sócios na Uni-
cabo, operadora do interior de São Paulo controlada pela família Couti
nho Nogueira, e daRBS naNet Sul. Aprimeira operação foi adaUnicabo,
adquirida no dia 16 de maio de 2000 por US$ 35 milhões, ou US$ 2,9 mil
o assinante, já computados aí o valor das ações e a dívida da empresa. O
que explicava o montante do negócio na ocasião era o fato de a Unicabo
ter uma rede bem ajustada para serviços de Internet e por ter suas ope
rações concentradas no interior de São Paulo, nas cidades de Campinas,
Jundiaí, São Carlos, Franca e Indaiatuba. Era um valor importante como
referência para o mercado após alguns anos sem negociações de grande
porte. Naquele momento, a Net Sul também estava à venda, a TVA busca
va parceiros, e o valor estabelecido pela Globo Cabo balizava as demais.
Foi o que aconteceu um mês depois, quando a Globo Cabo acertou a com
pra da Net Sul, controlada pela RBS.
A operação de incorporação da Net Sul foi avaliada em US$ 900
milhões, ou cerca de US$ 2,7 mil por assinante, incluindo-se a dívida da
operadora incorporada, equivalente a US$ 172 milhões. Mas a família
Sirotsky receberia, como forma de pagamento, ações da Globo Cabo, e
tornou-se acionista da empresa em 22,5% de seu capital.
O valor pago pela Globo Cabo pelos 372 mil assinantes da Net Sul foi
considerado, naquele momento, surpreendente para os padrões do mer
cado brasileiro, mas teve uma importância estratégica. Primeiro, porque
a Globo Cabo conseguia afastar o risco de ver a United Global (antiga
UIH) voltar a atuar no mercado brasileiro — a operadora norte-americana
flertava com diversos grupos naquela ocasião, incluindo a Net Sul e a
TVA. E depois porque a família Sirotsky e os Marinho tinham uma re-
lação histórica, e a entrada da RBS no capital da Globo Cabo não gera

176
ria desconforto; era mais fácil fazer uma aquisição por meio de troca de
ações do que em dinheiro vivo. Mas, sobretudo, a compra da Net Sul era
importante porque com a operação a Globo Cabo chegaria a 1,4 milhão
de clientes e controlaria 75% do mercado de TV a cabo no Brasil. Haveria
alguns desafios a serem enfrentados dali em diante, como a integração
da tecnologia de banda larga, que no caso da operadora gaúcha utiliza
va modems padrão DOCSIS, abertos, enquanto os da Globo Cabo eram
Terayon. Também a tecnologia de codificação era diferente (GI, contra
Eastern, da Globo Cabo). Ainda assim, a Net Sul era a peça que faltava no
quebra-cabeça da operadora.
Por um lado, a Globo Cabo se expandia adquirindo empresas já es-
tabelecidas. Por outro, o mercado começava a ganhar novas operadoras,
resultantes da licitação de 1998. Aprimeira nova operadora a lançar uma
operação de TV a cabo legalmente no Brasil, depois da fase das DISTVs,
no começo da década de 1990, foi a ESC90, uma subsidiária da Escelsa,
empresa de energia do Espírito Santo, que havia adquirido a concessão
de Vitória e a de Vila Velha. A ESC90 entrou em operação já em abril de
1999, porque tinha preparado o cabeamento dos condomínios mais im
portantes da cidade com dois anos de antecedência, temendo o avanço
das operações de cabo sem licença na cidade. Obviamente, a Escelsa não
tinha problemas para negociar postes, o que era um grande problema
para todas as demais operadoras.
A maior parte delas, que deveria entrar em operação em 1999, não
conseguiu. O prazo final estabelecido nas propostas técnicas apresenta
das durante o processo de licitação previa 18 meses após a assinatura
dos contratos para o início das operações. O prazo estouraria em 30 de
julho de 2000, mas poucas estavam em condições, e o grande vilão eram
os contratos de uso de poste. A relação entre as empresas de TV paga
e as concessionárias de energia é problemática desde os primórdios da
TV por assinatura no Brasil. Nunca, em nenhum momento da história,
houve registro de um período de satisfação de ambas as partes nessa re-
lação. Por parte das empresas de energia, há o desejo de cobrar um valor
elevado para o aluguel dos postes. Por parte das empresas de TV por assi
natura, há o entendimento de que o poste é um bem essencial à prestação

177
do serviço, e como há um monopólio virtual por parte das elétricas, os
preços acabam sendo injustos para operadores de TV por assinatura.
Naquele primeiro semestre de 2000 não foi diferente. Algumas em
presas, como a Horizon, aceitaram pagar os valores pedidos para não
ver atrasos no cronograma. A TV Cidade também, mas em muitos outros
casos as operadoras recorreram à Justiça para conseguir estabelecer va
lores razoáveis. Parte da confusão se devia à própria Anatel e à agência
do setor de energia, a Aneel, que demoraram para finalizar um regula
mento sobre o compartilhamento de infraestrutura, apesar da obrigação
prevista na lei geral de telecomunicações (por reivindicação, aliás, das
operadoras de TV a cabo, durante a elaboração da LGT, em 1997). Entre
maio e outubro, quando a Anatel começou a colocar mais pressão sobre
as empresas de energia para a resolução de conflitos na contratação de
postes, o mercado acelerou, e cerca de 50 operações entraram em funcio
namento naquele período.
Mas enquanto chegava o prazo final para aqueles que ganharam
suas concessões em 1998, o processo de licenciamento não parava, e no
vos editais foram abertos em 1999 e 2000, o que causou um fenômeno
interessante: a TV por assinatura voltava às suas origens dos tempos das
operações de CATVe, depois, DISTV, e pequenos grupos, muitasvezes em
presários locais, participavam e venciam a licitação. Em março de 2001
havia mais de 60 novas licenças de cabo e MMDS concedidas a empre
sários nessas condições. Empresas como Diário da Amazônia (grupo de
Rondônia, controlador do principal jornal local), Agência WW (um grupo
de Cascavel/PR), Nova Rádio Laranjal (empresários do ramo varejista de
Tietê/SP, também donos de uma rádio local), Rádio Bom Jardim (grupo
local da cidade de Pereira Barreto/SP), Martins & Cecchini (radiodifuso-
res de Orlândia/SP), Televigo (de empresários do ramo de marmorarias
em Cascavel/PR) e Jea Comunicações (empresa de propriedade da empre
sa de consultoria Free Channel)... Essas e outras começavam a aparecer
como novos e futuros operadores de TV por assinatura.
Entre 1999 e 2000, a construção de redes acontecia como só fora
registrado em 1994 e 1995, com a expansão da Net e da Multicanal. Eram
cerca de 100 km de cabos esticados por mês em todo o país, apesar de fal

178
tar mão-de-obra especializada em alguns lugares. Boa parte dos contra
tos de construção de rede naquela época eram na modalidade turn-key,
ou seja, o fornecedor contratado era responsável por toda a execução, do
projeto da rede à instalação, e empresas como a Furukawa e TeleDesign
se destacaram nesse período.
AHorizon, que operava no interior de São Paulo, registrava os índi
ces mais acelerados de crescimento e conseguia conquistar em poucas
semanas cerca de 15% dos lares que haviam sido cobertos pela rede, um
resultado que impressionava até os profissionais da operadora Horizon,
norte-americana, acionista da operadora brasileira. Nessas condições,
era natural que houvesse também conflitos entre os novos operadores
de cabo e as empresas de DTH que mantinham uma postura agressiva. A
Horizon, em alguns casos, chegava a comprar o equipamento que deter
minado assinante tivesse para a recepção via satélite, para incentivar a
troca pelo seu produto.

PROGRAMAÇÃO LOCAL
Com o desbravamento de pequenas cidades, alguns operadores
passaram a sentir aquilo que os primeiros operadores de DISTV tinham
sentido no começo da década de 1990. Diferenças socioculturais entre os
municípios impunham programações diferentes em cada cidade, muitas
vezes com estímulo a canais locais e comunitários. Foi o que fez a Adel-
phia (naquele momento, já batizada de Viacabo), por exemplo, que em
várias cidades tirou do ar a programação erótica durante a madrugada,
ou fez parcerias com faculdades e grupos comunitários para desenvolver
programação que desse ao cabo o caráter local, algo que a TV por assina
tura via satélite não tinha como oferecer.
A Canbrás também era uma operadora que dava forte ênfase à pro
gramação local, e desde 1998 vinha desenvolvendo um projeto pioneiro
no Brasil de programação localizada, o ABC3. Como característica, exis
tia o fato de ser produzido, em todas as suas etapas, pelos habitantes
da cidade. Foi um conceito trazido do Canadá por Manuel Floriano, um
canadense filho de açorianos. Os funcionários do canal eram sempre vo
luntários, que faziam fila para colaborar, e os programas buscavam foco

179
em esporte e em jornalismo locais. Como em todas as experiências de
programação local existentes no Brasil, muitas durante os anos 1990 e
algumas a partir de 2000, os canais exigiam investimentos dos operado
res e em geral não tinham retorno publicitário compatível com os custos.
Mas quase sempre os investimentos compensavam na concorrência com
o DTH ou como forma de criar vínculo com as comunidades. Outras ini
ciativas mais profissionalizadas surgiram, como a TVCom da RBS, um
projeto forte de programação local em Porto Alegre criado em 1995 e que
em 2000 chegava a Florianópolis; ou a Rede TV+, que seria lançada em
2002 em algumas cidades do interior paulista e na Baixada Santista.
Outro grupo que apostou em programação regional foi a TV Cidade,
que em 2000 se tornou afiliada da Net Brasil em algumas cidades, e mes
mo assim tinha autorização para desenvolver a programação regional, o
que aconteceu em cidades como Aracaju, por exemplo.
Em outubro de 2000 foi realizado o primeiro encontro nacional de
canais comunitários, onde pôde ser feito um primeiro balanço efetivo da
presença desses canais entre as mais diferentes operadoras brasileiras:
eram mais de 20, alguns poucos desvirtuados da proposta original colo
cada pela Lei do Cabo, por terem forte caráter comercial ou por serem
controlados por grupos fechados. Mas, em geral, o saldo foi positivo.
Outra inovação importante trazida pelos novos operadores que esta
vam iniciando suas atividades em 2000 era a digitalização, não das ope
rações de cabo, mas de MMDS. A empresa Teleserv, de Aracaju, e a Acom
foram duas operadoras que optaram por iniciar suas transmissões já em
caráter digital, em resposta à falta de equipamentos analógicos.
Com o surgimento das novas operadoras de MMDS e com a busca de
novas tecnologias de transmissão digital, as empresas que exploravam a
tecnologia decidem, em maio de 2001, criar uma associação própria. Era
uma associação com uma proposta diferente: pesquisar e ajudar as em
presas de MMDS a definir tecnologias que gerassem, para todos, ganhos
de escala e novas oportunidades de negócio. A Neotec acabou ganhando,
anos depois, um papel central, inclusive no âmbito internacional, na pro
moção junto ao mercado de MMDS de uma das grandes inovações do ponto
de vista de tecnologias de transmissão de dados banda larga que estavam

180
surgindo: o WiMAX, como se verá mais adiante. A Neotec, no seu nasci
mento, conseguiu congregar a maior parte dos operadores de MMDS.
Uma outra estratégia importante introduzida pelos novos operadores
foi agregar operações próximas em uma mesma estrutura operacional, se
possível também compartilhando rede. Foi o caso da Horizon, que por ter
muitas operações próximas no Estado de São Paulo, tomou o cuidado de
interligar as redes com fibra e criar estruturas administrativas mais enxu
tas. AHorizon começou suas operações em 2000 de maneira extremamen
te agressiva, lançando a primeira delas em Americana/SP em fevereiro e
depois colocando praticamente uma operação no ar a cada 15 dias.
Naquele período de crescimento das operações, houve um movi
mento razoável de surgimento de novos canais. Chegaram ao Brasil o
canal National Geographic, o AXN, Casa Club, o canal PSN, que tinha
como sócios o fundo Hicks, Muse, Tate & Furst e detinha, para o Brasil,
alguns direitos esportivos fortes, como Copa Libertadores. Também a
Globosat chegou a anunciar oficialmente, em junho de 1999, a criação
de um canal de futebol com o Clube dos Treze, como parte das negocia
ções de exclusividade dos direitos de transmissão dos jogos. O canal
nunca saiu do papel.
O que saiu do papel foi o projeto de programadora do grupo Bandei
rantes. Até então, apenas o grupo Globo investia na produção de canais
brasileiros. Mas com as políticas de exclusividade, havia uma lacuna a
ser preenchida, e a Bandeirantes não perdeu a chance. Em 19 de março
de 2001 entrava no ar o BandNews, o primeiro canal do tipo “headline
news” (manchetes), que surgiu como contraponto ao Globo News e que
conseguiu, de cara, uma distribuição de mais de 1 milhão de assinan
tes logo que entrou no ar, tamanha era a demanda de DirecTV, TVA e
operadores independentes por canais diferenciados. Posteriormente a
Band ainda lançaria o BandSports (que foi o primeiro canal de espor
tes a fazer uma transmissão em alta definição de um evento, a Copa de
2006) e o Terra Viva.
Em outubro de 2000, a Globosat voltaria a anunciar um novo canal
esportivo, desta vez em parceria com ESPN e Fox Sports, outro projeto
que não saiu do papel, da mesma maneira que não se viabilizou a entra

181
da da Globosat no capital da ESPN Brasil. Mas a ofensiva da Globosat
detonou, um ano depois, em outubro de 2001, um processo movido pela
NeoTV junto às autoridades concorrenciais pelo fim da exclusividade do
canal SporTV.
Em março de 2001, começaram a sair os primeiros resultados de
audiência medidos pelo Ibope. Entre os canais mais assistidos estavam
Cartoon, Fox Kids e Telecine Premium, mas ficava claro que o grosso da
audiência da TV por assinatura ainda era para os canais abertos. A par
ticipação na audiência dos canais pagos entre os dez mais assistidos era
inferior a 10%, e considerando-se os televisores com TV paga medidos
pelo Ibope (350 naquela ocasião), os canais pagos tinham cerca de 25%
da audiência total.
Aquele período também foi especialmente importante para as opera
doras de DTH, que haviam chegado à marca de 1 milhão de assinantes no
Brasil em outubro de 2000 e davam início às primeiras aplicações de in-
teratividade digital na televisão brasileira. A primeira operadora a ter um
serviço digital diferente de tudo o que já havia sido feito foi a Sky, ao trans
mitir os jogos das Olimpíadas de Sidney com um canal especial em que
a tela era dividida em quatro telas menores, nas quais o assinante podia
acompanhar ou escolher transmissões simultâneas e obter informações
adicionais sobre os eventos. Foi uma parceria com a SporTV e desde então
as transmissões esportivas de grandes eventos seguem esse padrão, mais
tarde com alguns aprimoramentos como câmeras exclusivas. Em janeiro
de 2001 a DirecTV colocou no ar algumas aplicações de home banking (em
parceria com o banco Itaú), jogos, previsão do tempo, serviços de atendi
mento e esclarecimento. Alguns desses serviços não deram certo, como
home banking, por que os usuários sentiam-se desconfortáveis com a pos
sibilidade de perder a privacidade dos dados. Mas outros serviços lança
dos posteriormente pela Sky, como interatividade com canais, como foi o
caso do GloboNews interativo, tiveram bastante repercussão.
No ano de 2001, a Globo Cabo finalmente levou adiante algum pro-
jeto que envolvia, efetivamente, a Microsoft ao testar set-tops com o sof
tware Microsoft TV Basic Digital. A operadora cogitava, desde 1998, tes
tar a plataforma digital, mas os planos foram adiados sucessivamente

182
em função das crises econômicas. Naquele momento, contudo, a Globo
Cabo deu início ao seu projeto no operador-laboratório de Sorocaba. Era
uma tecnologia simples, voltada para caixas digitais sem muitos recur
sos. O set-top box digital usado era produzido pela Samsung. Mas foi
apenas um teste, e desse momento em diante a Globo Cabo teria poucas
condições de se preocupar com inovações. A maior tempestade entre to
das as já enfrentadas pelas operadoras de TV por assinatura no Brasil
começava a se formar no horizonte.
O real, que desde o começo de 1999 estava solto, vinha se desvalori
zando progressivamente, processo que se agravou em 2001 com a crise
de energia, que por sua vez afetou de maneira significativa a possibilida
de de crescimento da economia.
Os serviços de banda larga também não cresciam a contento, e as
dívidas em dólares dos principais operadores davam saltos exponenciais
quando convertidas para o real, que não parava de derreter. No caso da
Globo Cabo, em meados de 2001 a dívida já era da ordem de R$ 1,6 bilhão.
A operadora cortou quase 20% de sua base de funcionários e anunciou
um plano de reestruturação de dívida que seria implementado em 2002.
Moysés Pluciennik, presidente da operadora, que enfrentava ali a tercei
ra crise no comando da empresa, já havia acertado a sua saída da compa
nhia meses antes, e o fez efetivamente em setembro de 2001.
A situação da holding Globopar não era muito melhor: com a dete
rioração do cenário econômico, a dívida bruta da Globopar em 2001 che
gava em US$ 1,77 bilhão. A família Marinho, àquela altura, se desfaria de
ativos para cumprir suas obrigações junto aos credores, e suspenderia
alguns aportes que deveria fazer como acionista na Sky. Em entrevista à
revista PAY-TV de outubro de 2001, para falar sobre os dez anos da Glo-
bosat, Roberto Irineu Marinho, presidente do grupo, disse pela primeira
vez que a Globo estava disposta a abrir mão dos ativos em distribuição.
Ou seja, aceitava vender a Globo Cabo e a Sky. Era o prenúncio do que
viria acontecer dali em diante.

183
CAPÍTULO 8

Surgem os
novos modelos
Desde 1989, quando a TV por assinatura do Canal+ entrou em ope
ração na cidade de São Paulo, até 2001, apesar de todas as crises que o
mercado tenha vivido, nunca, em nenhum momento, houve estagnação
no crescimento. O ano mais complicado até então havia sido 1998, quan
do o mercado cresceu graças ao avanço do DTH. Mas aquele, apesar de ter
sido um ano de crise, foi também um ano em que as operadoras passaram
por ajustes de base e aprenderam na própria pele a lidar com o problema
de churn e inadimplência.
Mas o ano de 2001 foi especialmente ruim. O mercado começara
o ano com 3,5 milhões de assinantes e fechava exatamente nesse mes
mo patamar. Aretração no consumo de eletrodomésticos foi brutal, em
função da crise energética, e teve impacto direto sobre a disposição das
pessoas para comprar, ou mesmo manter, seus serviços de TV paga. Não
houve crescimento simplesmente porque não havia movimento na econo
mia e as empresas de TV por assinatura não tinham fôlego para crescer.
Assim definia a situação Moysés Pluciennik, presidente da maior ope
radora do país, a Globo Cabo, em entrevista à revista PAY-TV de agosto
daquele ano:

A crise cambial nos pega nos custos. A crise geral nos pega nas ven
das e na fidelização. Temos que aprender a lidar com isso. O planejamento
de longo prazo é em essência o mesmo, mas o planejamento tático muda.
Temos que nos resguardar. O nosso setor cresce, em média, duas vezes o
PIB quando o crescimento é positivo. Mas o mesmo vale, no sentido inver

184
so, paraPIB negativo. Para nós, o número mágico é umPIB positivo de 2,5%
ou mais. Menos que isso é ruim.

Hoje, em depoimento a este livro, Pluciennik avalia a situação em


que a Globo Cabo, especificamente, se encontrava naquele momento.

Pouco depois de sair da Globo Cabo, um amigo que trabalha em um


grande banco me pediu para eu contar o que tinha acontecido. Eu disse
para ele que não havia nenhum grande mistério por trás da situação em
que a empresa havia chegado: a dívida havia sido contraída com o dólar a
R$ 0,80 e naquele momento o dólar valia R$ 2,70, com as receitas em real.
Não havia empresa que conseguisse aguentar aquela situação. Pode-se jus
tificar que a empresa não deveria ter contraído tanta dívida em dólares? É
verdade, mas o Brasil, como país, fazia aquilo. O país devia em dólar naque
la época. Todo mundo acreditava que aquele fosse o caminho, o dinheiro
vinha fácil.

Com a saída de Pluciennik, assumiu a empresa, em outubro de 2001,


um executivo com histórico de reorganização de empresas endividadas,
Luiz Antônio Viana, ex-diretor da BR Distribuidora e cujo grande cartão
de visitas era a reestruturação do grupo Pão de Açúcar feita na época do
governo Collor. Viana assumia também com um tom agressivo, ao ponto
de vir a público, em um comercial institucional da Globo Cabo, criticar a
prestação de serviços da própria empresa. Ele dizia que a operadora pre
cisava “baixar a bola” e se focar na prestação de serviços. Mas sabia que
o abacaxi era bem maior do que isso.
O fato é que a Globo Cabo logo foi obrigada a anunciar um plano de
reestruturação. Em 12 de março de 2002 viria o primeiro plano, no total
de R$ 1 bilhão. Pelo plano anunciado, o grupo Globo entraria com mais R$
540 milhões. Desse montante, R$ 305 milhões já haviam sido adiantados
em 2001, portanto não significavam dinheiro novo para a operadora. O
BNDES colocaria mais R$ 284 milhões; o Bradesco, mais R$ 95 milhões,
e a RBS, outros R$ 56 milhões. Mas o plano tinha um “porém”: boa par
te dos recursos entraria na compra de debêntures, papéis de dívida que

185
seriam emitidos pela Globo Cabo. O sucesso do plano dependia, então,
da emissão dessas debêntures. Na prática, estavam entrando no caixa
da companhia apenas R$ 445 milhões, o que aliviava apenas em parte a
dívida da empresa de R$ 1,5 bilhão, que crescia à medida em que o real se
desvalorizava, pois metade dela era em dólares. Para piorar ainda mais o
quadro, cerca de R$ 550 milhões venceriam naquele ano de 2002. A rees
truturação previa que a Globo Cabo seria mais aberta ao mercado de capi
tais, migrando para patamares mais elevados de padrões de governança
corporativa e transparência de mercado. Ela se tornaria uma companhia
“Nível 2” da Bovespa, o que era um fato ainda raro naquela ocasião.
O plano não escondia um componente gerencial também. O BNDES
exigia uma mudança no acordo de acionistas para ter assento no conse
lho da empresa e poder de voto e veto em algumas questões. O peso da
controladora (Globo) no conselho seria dividido com outros sócios. E al
guns assuntos deveriam ser, necessariamente, aprovados por pelo menos
três acionistas: a aprovação do orçamento anual (incluindo investimen
tos); eleição e demissão de diretores estatutários; e, mais importante, a
negociação dos custos de programação. Essa era uma peça-chave da re-
estruturação, já que boa parte dos custos da empresa estavam ligados à
programação, e o controlador também exercia esse papel pela Globosat.
O plano de capitalização da Globo Cabo não era perfeito, segundo
avaliação dos analistas na época, e não resolvia o problema por inteiro,
mas era o possível em um cenário de limitação brutal de crédito. Mesmo
assim, teve um terrível efeito colateral: o custo político de um acordo em
que o BNDES, proporcionalmente, era o acionista que mais dinheiro vivo
colocava na empresa.
As críticas foram imediatas na imprensa e no Congresso. A acusa
ção era que o governo estava dando dinheiro para salvar a Globo, que os
critérios não eram técnicos etc... O então ministro das Comunicações,
Pimenta da Veiga, também não escondeu o tom crítico com relação ao
plano, dizendo que, na sua avaliação pessoal, o BNDES só deveria colocar
dinheiro onde houvesse geração de riqueza.
Parlamentares se manifestaram criticamente contra a operação.
Alguns deles falavam contra. E os ânimos políticos estavam mais acir

186
rados em função da sucessão presidencial. O que era para ser uma sim
ples questão financeira não teve como escapar de um debate público, em
que o presidente do BNDES na ocasião, Eleazar de Carvalho, foi chamado
para dar explicações ao Congresso.
O grupo Globo como um todo também se movimentava para encontrar
um equacionamento financeiro mais condizente com aquele momento de
crise. No começo do ano, por exemplo, foi chamado para presidir a Globo-
par o ex-presidente da Petrobras, Henri Philippe Reichstul, cujo plano de
abrir o capital do grupo em bolsa dependia de uma mudança na Constitui
ção em seu artigo 222, e que já vinha sendo negociada no Congresso desde
2001 com forte apoio dos grupos de comunicação da época, sobretudo da
Globo. A mudança acabou saindo, efetivamente, em 28 de maio de 2002.
Em 18 de julho de 2002, foi tornado público o novo acordo de acionista que
regeria a relação entre os sócios da operadora. Aliás, naquele momento a
Globo Cabo passou a se chamar Net Serviços, nome que tem até hoje.
Era um acordo importante porque mexia em algumas bases de um
modelo que havia sido estabelecido quando o modelo da Net Brasil foi
criado. Entre outras mudanças, o acordo alterava o poder que o grupo
Globo tinha em relação às decisões de programação. A Net Brasil, a par
tir do acordo, manteria a exclusividade no fornecimento de conteúdos
à operadora, mas teria que abrir os contratos com os programadores
para a Net Serviços, e submeter ao conselho mudanças contratuais, re-
novações ou contratações, situações em que haveria voto qualificado
dos sócios financeiros (Bradesco e BNDES). A Net Brasil também ad
ministraria os contratos de programação existentes, “envidando todos
os melhores esforços comercialmente viáveis para renegociar preços e
condições desses contratos”, em benefício da operadora. Havia outros
itens, mas o mais importante era o voto qualificado dos acionistas fi-
nanceiros. Em manifestação ao Congresso naquele ano de 2002, o presi
dente do BNDES, Eleazar de Carvalho, classificava a compra de conteú
dos como uma questão estratégica para a operadora e, por isso, o banco
estatal havia dado ênfase a esta exigência.
Uma parte importante do plano da Net Serviços era conseguir com
seus credores um alongamento nos prazos para o pagamento das dívidas

187
que estavam vencendo naquele ano. E em algum sentido a operadora até
conseguiu melhores prazos. O problema era que, enquanto priorizava o
pagamento dos credores financeiros, o mercado de fornecedores de equi
pamentos, prestadores de serviço e programadores da Net deixava de re-
ceber, o que fazia a crise aguda da Net alastrar-se para toda a indústria,
gerando um efeito de pressão em cadeia: os programadores, pressiona
dos pelos pequenos e médios operadores a reduzir os preços em função
da desvalorização cambial, deixavam de receber do principal operador, a
Net Serviços, por isso tinham menos disposição de flexibilizar com aque
les operadores com menor poder de negociação. O mesmo acontecia com
fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços.
A Net chegou a anunciar um aumento de capital, em que lançaria
mais ações em bolsa em troca de mais recursos, além daqueles que se-
riam colocados pelos próprios acionistas. Anunciou também um plano
estratégico em julho de 2002, com algumas prioridades: fazer a digita
lização da rede, como forma de introduzir novos serviços e ampliar as
receitas por usuário; buscar formas de baratear os custos de programa
ção e adotar pacotes regionalizados; havia a possibilidade de que a rede
de cabos da Net fosse passada adiante em um processo de terceirização,
ficando a empresa apenas com os assinantes e com a administração do
produto; buscar mais sinergias com a TV Globo na oferta de programa
ção (de fato, naquele ano algumas minisséries que eram vendidas em
DVD começaram a ser comercializadas em pay-per-view); e terceirizar o
call center, entre outras medidas. Curiosamente, o plano não falava em
banda larga ou em serviços de voz, e a oferta de pacotes populares para
ampliar a presença da TV por assinatura em classes menos abastadas
estava descartada.
Mas a situação financeira do país se agravava com o avanço do ca-
lendário eleitoral e com a deterioração da situação financeira da Argen
tina. O dólar saltava de R$ 2,50 em junho de 2002 para quase R$ 3,96
em 22 de outubro daquele mesmo ano. E a Net Serviços continuava en
frentando, mês a mês, o pagamento de compromissos financeiros, sem
conseguir capital de giro para pagar os compromissos operacionais, e
vendo seus papéis derreterem até chegar ao patamar mais baixo de todos

188
os tempos, em setembro daquele ano. As ADRs valiam vinte vezes menos
do que em março de 1999, quando fora registrada a última grande baixa,
e 300 vezes menos do que chegaram a valer na maior alta, em fevereiro
de 2000. Era um papel tão barato e tão pouco negociado que em um único
dia chegava a ter variações de quase 90% em seu valor. Ainda assim, um
acerto da Net com os credores avançava.
No dia 28 de outubro, a Globopar anunciou a renegociação com seus
credores. Naquele momento, a Globo ainda sinalizava que poderia se des
fazer de ativos, e os vencimentos programados dali para a frente só se-
riam pagos depois de renegociação. Isso segurou o acerto do fechamento
dos acordos da Net Serviços.
No primeiro trimestre de 2002, com o dólar ainda inferior a R$ 3, a
dívida do grupo era de R$ 2,6 bilhões. Com a desvalorização ocorrida ao
longo do ano, cresceu mais R$ 1 bilhão. Mesmo com a venda de ativos e
aportes da família Marinho, a situação ainda era crítica. A suspensão do
pagamento das dívidas da Globopar e da Net Serviços viria logo em se-
guida, respectivamente nos dias 7 de novembro e 3 de dezembro. O grupo
Globo e a maior operadora de TV por assinatura do país estavam, formal
mente, em “default”.
Para o mercado de TV paga, contudo, era uma notícia positiva. A ago
nia da Net não trazia nada de positivo para a indústria, que também vivia
os mesmos problemas estruturais e via o mercado de capitais secar para
o setor. A sensação, na ocasião, era de que aquela decisão de suspender o
pagamento dos bancos havia, pelo menos, “socializado” o problema com
todos os elos da cadeia. E, a partir daquele ponto, a Net poderia construir
um novo modelo econômico do zero.
Nesse cenário de crise, a Globosat, programadora do grupo Globo,
também se viu obrigada a passar por ajustes, e algumas mudanças impor
tantes aconteceram. Como forma de racionalizar os custos de operação,
começaram os estudos para que a programação esportiva trabalhasse em
conjunto com a TV Globo, como já acontecia com o GloboNews. Também foi
cancelado o lançamento do canal Fox Sports no Brasil, que entraria no mer
cado em fevereiro de 2003, e seria um canal premium não-exclusivo que
estava sendo negociado com Neo TV, Sky, DirecTV e com a Net Serviços.

189
Outras operadoras enfrentaram aquele ano de 2001 em situações
um pouco menos adversas. A TVA tinha conseguido fazer uma reestrutu
ração de sua dívida em novembro. Como seu maior credor era o próprio
grupo Abril, houve uma conversão desse endividamento, no valor de R$
360 milhões, por participação acionária na empresa. Com isso, a Abril fi-
cou com 82,4% do capital da companhia, diluindo os demais acionistas.
A Sky também passou por uma reestruturação profunda em 2002,
quando a News Corp., de Rupert Murdoch, assumiu o controle da empre
sa em lugar do grupo Globo. A mudança foi negociada ao longo de todo o
primeiro semestre, pois a Globo já não conseguia acompanhar os aportes
de capital na empresa. No dia 31 de julho, a Globopar oficializou a mu
dança de participações na Sky, e a News assumiu o controle gerencial da
operadora. A Globo reduzia a sua participação de 54% para 49,9%, mas
perderia ainda mais espaço no futuro. De qualquer maneira, a mudança
aliviava a família Marinho de investimentos imediatos necessários da
ordem de US$ 50 milhões até 2003 e ainda conseguia de volta US$ 6 mi
lhões já investidos.
Essa foi a ponta conhecida da negociação. Hoje se sabe que as conver
sas foram muito além e envolveram lances importantes para a estratégia
global da News, lances esses que viriam a ter consequências definitivas
para o mercado de TV por assinatura brasileiro nos anos seguintes.
Isso porque Rupert Murdoch olhava para o continente americano e en
xergava os EUA, onde desejava de entrar na operação de TV por assinatura.
Tentava fazê-lo desde 2000, quando iniciou conversações para comprar a
DirecTV naquele país. As negociações avançaram em 2001, e em um deter
minado momento ganharam seriedade suficiente para que as cláusulas de
não concorrência dos sócios latino-americanos da Sky (Globo e Televisa)
fossem levadas em consideração pela News. Ou seja, Murdoch temia que
um acordo nos EUA para comprar a DirecTV pudesse sofrer resistências
no Brasil e no México. Mas o fato é que a negociação entre Murdoch e a
DirecTV nos EUA não se concretizou porque os acionistas da Hughes, con
troladora da DirecTV, preferiram a oferta da concorrente Echostar.
Murdoch, contudo, não desistiu do negócio e sabia que as autori
dades concorrenciais dos EUA poderiam vetar a fusão, que represen

190
tava uma concentração quase total do mercado de TV por assinatura
via satélite. No Brasil, no início de 2002, o grupo Globo já sabia disso
e se movimentava para, de alguma maneira, assegurar a distribuição
de seu conteúdo, no caso de Sky e DirecTV se fundirem algum dia. Foi
nesse contexto que se abriram as portas para uma negociação ampla
entre Murdoch e os Marinho. A negociação envolveu diversas possibi
lidades: desde a compra de parte do capital das afiliadas da TV Globo
pela News Corp., o que poderia acontecer com a reforma Constitucional
que estava sendo preparada, até a compra da Globo Cabo por Murdoch.
Todas as possibilidades foram analisadas, com maior ou menor grau de
profundidade. A troca de controle na Sky se deu nesse ambiente, com
a News ampliando sua participação e a Globo livrando-se do peso fi-
nanceiro dos investimentos necessários e garantindo bons acordos de
distribuição de seu conteúdo, o que sempre foi a sua prioridade estraté
gica. E foi o que aconteceu.
Em 10 de outubro de 2002, a FCC vetou a venda da DirecTV para a
Echostar. Naquele momento, já estava claro que Murdoch faria uma segun
da tentativa, que viria a se concretizar em abril de 2004.

NOVO MODELO
A discussão sobre um novo modelo para o setor de TV por assinatura
vinha ganhando corpo desde 2001, e ganhou mais força no ano seguin
te. Com a suscetibilidade da indústria às crescentes desvalorizações, as
dificuldades de crescimento na classe C e os desafios de investimentos
que enfrentavam todos os operadores, o ano de 2002 acabou sendo um
ano de reflexão coletiva, em que foram colocadas no papel e discutidas
abertamente várias propostas que poderiam levar a TV por assinatura a
enfrentar melhor momentos economicamente adversos.
O debate se dava em torno de como encontrar formas de crescer, e
também sobre quais eram os problemas que, invariavelmente, freavam o
crescimento toda vez que havia alguma instabilidade. Em março de 2002
a discussão se acirrou. Um dos maiores promotores do debate era José
Augusto Pinto Moreira, então presidente da TVA e presidente do conse
lho da ABTA. “A questão central para que se ache um novo modelo para

191
a TV por assinatura é todos terem o desejo de mudar o que está aí. Tudo
depende de uma disposição geral”, disse o executivo naquela ocasião.
AABTAhavia encomendado uma proposta de consultoria à Funda
ção Getúlio Vargas e à Accenture sobre as alternativas que poderiam ser
buscadas. Os pontos a ser analisados passavam, primeiro, pela questão
da programação, com políticas de empacotamento, condições de venda,
contratos em dólar, exclusividade de conteúdos etc. Buscava-se também
uma análise sobre a questão tributária e sobre o peso dos impostos no
setor de TV por assinatura; as necessidades de investimentos em tecno
logias; uma proposta de venda para a classe C e outros. Mas não havia,
naquele momento, a certeza de que todos os grupos aceitariam a ideia de
levar a discussão adiante, sobretudo o grupo Globo.
Havia, sim, uma convergência de interesses. A Globo Cabo tam
bém buscava algumas alterações estruturais no modelo da indústria
que, de um modo geral, convergiam com as idéias que estavam sendo
discutidas pela ABTA. Com isso, o debate sobre um novo modelo foi
adiante, e em 19 de julho uma primeira proposta foi apresentada pela
ABTA aos seus associados. Era não só um amplo diagnóstico daquilo
que, naquela ocasião, parecia ser a melhor saída para a situação de cri
se, como também um compêndio de ideias sobre como tornar o mercado
mais eficiente. A única dificuldade é que as ideias não tinham nenhum
poder de mudar contratos ou estabelecer novas bases em relações co-
merciais. De qualquer maneira, era uma proposta com o respaldo de
todo o setor.
O estudo tinha como premissa o fato de que a penetração da TV por
assinatura era baixa mesmo nas classes abastadas. Era de 35% nas clas
ses Ae B e apenas 5% na classe C, quando esses índices deveriam ser, pelo
menos, 56% e 11%, respectivamente, segundo a ABTA.
O número de assinantes que daria viabilidade à indústria, de acordo
com aquele levantamento, era de 6 milhões (número que foi atingido em
2008). Para se massificar, dizia a ABTA, a TV por assinatura deveria dis
por de pacotes básicos de R$ 30.
Algumas propostas foram feitas para que se chegasse a essa
situação:

192
1. ELIMINAÇÃO DO OVERBUILDING - Propunha-se que as empresas de TV paga
não mais tivessem redes redundantes em uma mesma cidade. Para evitar
esse tipo de problema, as operadoras poderiam trocar operações entre si
ou haver a coordenação das redes a partir de uma única entidade. Para
isso, era preciso eliminar as barreiras regulatórias, sobretudo as que im
punham modelos tecnológicos para a prestação de serviço. Tornava-se
necessário um serviço único de TV por assinatura.

2. NOVO MODELO DE PROGRAMAÇÃO - A preocupação da ABTA era resolver as


questões de relacionamento entre programadores e operadores, ajustar o
produto da TV paga diante da TV aberta nacional e permitir maior competi
tividade aos operadores. Para isso, seria necessário trabalhar na criação
de um “pacote básico nacional”, ao custo de R$ 30, que estaria disponível a
todos os operadores, sem exclusividade. Também era preciso renegociar as
obrigações de carregamento de alguns canais (“must carry”) e, sobretudo,
acabar com os contratos em dólar. Os pacotes mais caros também deveri
am ser flexibilizados, com a retirada dos canais sem interesse.
Um aspecto polêmico da proposta era a busca de parcerias com a TV
aberta para a oferta de conteúdos consagrados, e a revisão dos papéis das
empacotadoras Net Brasil e NeoTV, como uma entidade única responsá
vel pelo gerenciamento técnico dos canais e pelo pagamento aos progra
madores, evitando, assim, o risco de inadimplências pontuais.

3. SINERGIA ENTRE TV PAGA E TV DIGITAL - Naquele momento, o Brasil ainda dis


cutia como seria o modelo de TV digital, e a proposta dos operadores de
TV por assinatura era que a TV digital aberta começasse pela TV por as-
sinatura, de maneira subsidiada.

4. PADRONIZAÇÃO DIGITAL -A proposta era criar uma empresa que fosse res
ponsável pela padronização tecnológica das redes de TV por assinatu
ra, incentivando a adoção de tecnologias não-proprietárias. Também se
buscava uma forma de trabalhar em conjunto com fornecedores, emis
soras de TV e governo no desenvolvimento de uma caixa digital (set-top
box) única para TV a cabo, MMDS, TV aberta e satélite. Haveria também

193
uma única central de controle de acesso e desenvolvimento da tecnolo
gias de smart cards para as caixas digitais, para a compra de eventos
especiais e pay-per-view na forma pré-paga, em qualquer ponto de dis
tribuição. Aproposta era que, com a caixa única, os usuários pudessem,
em uma banca de jornais, por exemplo, comprar um cartão para ter
acesso a um determinado jogo de futebol na modalidade pay-per-view
ou contratar um pacote de filmes, independentemente da operadora a
que estivessem ligados.

5. NOVO FOCO DE DISTRIBUIÇÃO E VENDA – Aqui, a proposta era criar, entre opera
dores e programadores, uma relação voltada para uma outra percepção do
produto e para o novo modelo. Seria elaborado o conceito de “prateleiras”,
em que o usuário teria plena liberdade de escolher a programação que qui
sesse, montando sua programação além do básico de maneira flexível.

6. OBTENÇÃO DE GANHOS DE ESCALA - Havendo uma padronização tecnológica,


seria possível definir um tamanho ótimo de operação para controle téc
nico e administrativo, e assim tornar mais eficiente o atendimento. Seria
possível também qualificar empresas externas para fazer instalação e
manutenção de maneira mais funcional e barata, e viabilizar a cobrança
compartilhada com outros operadores e prestadores de serviço. A ABTA
imaginava ser possível desenvolver um guia eletrônico único de progra
mação (EPG) e dar aos equipamentos um selo de qualidade.

7. VALORIZAÇÃO DO PRODUTO – Também se buscava na época corrigir a percep


ção geral das pessoas sobre o que era TV por assinatura, e para isso o
modelo proposto pela ABTA trazia a ideia de uma ampla campanha de
marketing nacional, afastando a ênfase apenas no entretenimento e res
saltando a importância da TV paga como serviço e informação.

8. REVISÃO DO MODELO TRIBUTÁRIO E REGULATÓRIO - Como não poderia deixar de


ser, uma das propostas da ABTA incluía também algumas revisões de con
ceitos que precisariam ser feitas pelo governo. As empresas tentariam
junto ao Confaz e as Secretarias de Fazenda evitar aumentos nas alíquo

194
tas de ICMS. E também descaracterizar os serviços de TV paga como ser
viços de comunicação, o que implicaria a redução nas alíquotas.

Desde o advento da Lei do Cabo, o setor de TV por assinatura tem


como obrigação levar uma série de canais de interesse público. A ideia
da ABTA era conseguir compensações tributárias para essas obrigações.
Reivindicava-se também, já naquela ocasião, mudanças nas regras do
Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) de modo que os
recursos pudessem ser utilizados por empresas do setor de TV por assi
natura. E propunha-se ainda sugerir à Anatel evitar o excesso de presta
dores de serviço em uma mesma localidade.
As propostas da ABTA foram refinadas ao longo do ano e chegaram
a ser apresentadas formalmente ao mercado e aos demais interessados
durante a ABTA 2002, evento setorial que teve, naquela ocasião, justa
mente o mote da busca por um novo modelo. Realizado no dia 15 de ou
tubro daquele ano, o congresso da associação teve o papel de sinalizar
para autoridades e investidores que havia, da parte da indústria, a von
tade de reformar as bases da TV por assinatura onde os ajustes fossem
necessários. Foi um evento tenso pela situação da indústria, e triste pela
dificuldade de se encontrar uma saída. Mas foi também um momento
em que os desafios a ser enfrentados tornaram-se públicos e foram dis
cutidos abertamente.
Vistas à luz dos dias de hoje, algumas propostas soariam inviáveis,
mas é preciso colocá-las em perspectiva. Naquela época, o mercado de TV
por assinatura vivia uma situação de impasse e aquela era uma coleção
de propostas feitas por diferentes agentes. De alguma maneira, alguns
aspectos acabaram prosperando. O primeiro foi a questão dos contratos
de programação. Praticamente todos os principais contratos foram re-
feitos, e assim permanecem até hoje. Houve de fato alguma flexibiliza
ção nas políticas de empacotamento dos canais, ainda que esse continue
sendo um ponto de negociações às vezes duras entre programadores e
operadores. A política de exclusividade seria alterada alguns anos de
pois, em função de uma série de questões concorrenciais, como se verá
no próximo capítulo.

195
Os pacotes de baixo custo também foram introduzidos pelas
operadoras de cabo e DTH alguns anos depois, com relativo sucesso,
e acrescidos muitas vezes de serviços de banda larga e voz, dando à
TV por assinatura uma imagem mais ampla de serviços, e não só de
entretenimento, como pregava o novo modelo da ABTA. Do ponto de
vista tecnológico, as operadoras de cabo adotariam, em 2004, padrões
similares de caixas digitais, ainda que isso não represente especial
mente ganhos de escala. Em 2004, Net e TVA anunciariam a adoção do
padrão DVB para suas redes, mas não se levou adiante o plano de uma
caixa única, muito menos com a TV aberta, que anos depois definiu
seu padrão de digitalização pelo sistema japonês ISDB-T, ajustado com
algumas inovações técnicas.
No que diz respeito à TV digital aberta começar pelos assinantes de
TV paga, o fato é que as transmissões em alta definição não só começaram
na TV a cabo já no ano de 2006, como os operadores passaram a dar mais
ênfase ao conteúdo HD do que as próprias emissoras abertas, pelo menos
até este momento. Também não prosperaram as ideias de se criar um or-
ganismo único para gerenciar redes e o acesso condicional das operado
ras, ou uma única entidade responsável pelos acordos de programação.
As questões tributárias e regulatórias continuam pendentes e são,
constantemente, focos de debates, mas não houve alterações sensíveis
desde então. O Fust continua não sendo aplicado, e se fosse, as empresas
de TV por assinatura ainda não teriam como usufruir dos programas por
conta de barreiras legais.
As discussões sobre o novo modelo talvez tenham provocado outro
efeito importante no mercado: a visão de que programadores não são me
ros fornecedores de conteúdo que abusam dos preços e das condições.
Depois daquele período de crise, ainda que as negociações entre canais e
operadores continuem sendo invariavelmente tensas e regidas por inte
resses divergentes, passou a vigorar o sentimento de que estavam ambos
no mesmo barco.
Corroborou para esse sentimento uma batalha comum: como o setor
se posicionaria frente a uma nova agência que estava surgindo, a Agên
cia Nacional do Cinema. Foi uma época em que, pela primeira vez na his

196
tória da TV por assinatura, programadores e operadores se uniram em
uma mesma causa regulatória.

CANAIS VS. CINEMA


Tudo começou, quando o governo Fernando Henrique Cardoso
criou o Grupo de Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Ge-
dic), que tinha como função discutir a criação de uma Agência Nacional
de Cinema e políticas de incentivo audiovisual. Os debates do grupo,
que começaram ainda em 2000, aconteceram ao longo do primeiro se-
mestre de 2001 sem repercussão pública, às vezes interrompidos pela
crise de energia, cujo gestor era o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro
Parente, também responsável pela coordenação do Gedic. Em meados
de 2001, os grandes estúdios internacionais de cinema, que não por
acaso tinham vínculos diretos com a maior parte dos programadores
internacionais de TV por assinatura, perceberam que entre as políticas
que estavam sendo elaboradas, havia uma série de medidas restritivas
que visavam dar mais espaço ao audiovisual nacional em detrimento
dos conteúdos estrangeiros.
Conforme escreveram na ocasião a ministros e diplomatas do
Brasil e dos EUA, receava-se a “criação de contribuições obrigatórias
para os setores de programação estrangeira de TV por assinatura e de
publicidade, bem como a instituição de quotas mínimas de programa
ção local para os operadores de TV a cabo”. Se isso acontecesse sem
que os estúdios e programadoras fossem ouvidos, ameaçavam, aquelas
empresas poderiam desistir do mercado brasileiro, suspender a venda
de programação e, mais grave, recorrer à Organização Mundial do Co
mércio (OMC).
Era uma crise séria que teria impactos grandes sobre o setor de TV
paga. Quando a primeira minuta da política do governo vazou, no dia 25
de agosto de 2001, percebeu-se o tamanho do problema: estava sendo
proposta uma agência ampla, para o setor de cinema e para o setor au
diovisual (inclusive com o nome sugerido de Ancinav), com políticas de
taxação sobre todos os conteúdos audiovisuais, inclusive uma taxa de
4% sobre o faturamento das TVs abertas.

197
Dois dias depois os principais radiodifusores estavam em Brasília,
pressionando o governo para excluir qualquer tipo de interferência no
setor de TV. O nome da agência foi simplificado para Agência Nacio
nal de Cinema (Ancine), para evitar polêmicas, ainda que ela tratasse
de aspectos que influenciavam todo o setor audiovisual. Mas a pressão
dos grupos de TV por assinatura não foi suficiente, e quando a Medida
Provisória 2.228/01 saiu, em 5 de setembro de 2001, o setor de TV por
assinatura foi fortemente afetado. A expectativa era que os custos de
programação subissem de 25% a 30% para fazer frente às obrigações de
contribuição que estavam sendo criadas. Surgia a figura da Condecine, a
contribuição para o desenvolvimento do cinema que recaía sobre a toda
a indústria audiovisual.
“Os programadores estão conosco há dez anos. Os operadores preci
sam estar atentos à gravidade do problema. Os programadores não podem
ser considerados vilões”, disse a então presidente da TVA, Leila Loria, em
entrevista à revista PAY-TV. Era uma declaração de trégua em um momen
to em que operadores e programadores tentavam acertar um acordo sobre
a cotação do dólar a ser usada em suas transações entre as partes.
Do ponto de vista dos programadores internacionais, o personagem
central naquele momento foi Abel Puig, ex-diretor geral dos canais Fox
no Brasil, que conduziu diretamente as negociações com o governo. Hou
ve uma série de ajustes até a instalação definitiva da Ancine, em 2002,
e algumas contrapartidas importantes foram acertadas entre governo e
o setor de TV paga. A mais importante foi a regra para a atenuação da
Condecine em caso de produção nacional. Em lugar de pagar 11% sobre
o valor de suas remessas ao exterior para a contribuição ao cinema, os
programadores estrangeiros poderiam optar por aplicar 3% desse fatura-
mento em co-produções locais, e com isso ficariam isentos da Condecine.
Essa regra ficou consagrada como o Artigo 39 e teve um aspecto positivo
para a indústria. De fato, programadores internacionais passaram a pro
duzir mais no Brasil e, nos anos seguintes, o volume de conteúdo brasi
leiro em canais estrangeiros aumentou significativamente.
O episódio da Ancinav em 2001, no entanto, seria o início de uma
constante onda de políticas que criavam regras diferenciadas para pro

198
gramadores internacionais e grupos de comunicação estrangeiros. Jun
tamente com a disputa entre a TV Globo e a DirecTV no Cade, como se viu
no capítulo anterior, a oposição entre nacional e estrangeiro no que diz
respeito a conteúdos e controle de capitais passaria a se fazer presente
nas discussões regulatórias.
Na verdade, era uma discussão que já estava colocada em outro de
bate importante que acontecia naquele princípio de 2002: a abertura do
mercado de radiodifusão e também do mercado de TV a cabo ao capital
estrangeiro. As duas propostas começaram a ser discutidas no Congresso
ainda em 2001. No caso da TV a cabo, a proposta foi feita no projeto de lei
175/01 do então senador Ney Suassuna. O projeto visava alterar a Lei do
Cabo para permitir que as empresas estrangeiras controlassem até 100%
do capital das empresas de TV a cabo, contra os 49% previstos na lei.
Acontece que o projeto visava o interesse de pequenos e médios grupos de
TV por assinatura. Os grandes grupos de comunicação do país ou não ma
nifestavam apoio explícito, como era o caso da Globo, ou eram contrários,
como foi o caso do grupo Bandeirantes, e com isso o senador Suassuna de
sistiu de brigar pelo projeto nos anos seguintes. A discussão sobre capital
estrangeiro na TV por assinatura só voltaria anos depois, no âmbito das
discussões do PL 29, já em 2007, como se verá no próximo capítulo.
No caso do capital estrangeiro em radiodifusão, era necessário alterar
a Constituição em seu Artigo 222. A proposta havia sido colocada em 2001.
O princípio era permitir o controle das empresas por pessoas jurídicas e a
entrada de capital estrangeiro até o limite de 30%. A proposta prosperou,
e a Constituição foi alterada em 28 de maio de 2002 e regulamentada em
outubro, quando a situação econômica tinha inviabilizado a entrada de
grupos estrangeiros em qualquer empresa de mídia brasileira.
Naquele começo de 2002, havia outro movimento importante do pon
to de vista regulatório. Acabava a restrição para que as concessionárias
de telefonia fixa atuassem em outros setores das telecomunicações. Are-
cíproca também era verdadeira, ou seja, as empresas de TV paga também
podiam entrar no setor de telefonia se desejassem. Durante uma parte do
ano de 2001, essa foi uma discussão concreta, com as empresas de TV por
assinatura se articulando para entrar no leilão das chamadas empresas

199
espelho e espelhinho. Mas em 2002, depois do sinal verde regulatório,
nenhuma empresa de TV por assinatura estava em condições de buscar
uma atuação mais forte no setor de telefonia.
Em outubro de 2002 a empresa de telefonia Brasil Telecom chamou
os operadores e programadores de TV por assinatura para fazer uma
demonstração da tecnologia de transmissão de vídeo sobre ADSL. Era o
serviço Turbo Vídeo, que funcionava sobre uma plataforma Fujitsu/Sie
mens, cujo set-top box era chamado de StellaOne. Era uma caixa conec
tada ao modem ADSL que reproduzia no televisor o conteúdo recebido,
usando o software Windows Media 9.
Em 2001, a Telefônica já aventara a possibilidade de fazer o serviço,
mas não levou adiante, até porque perdera o seu principal parceiro tec
nológico, a Pixstream, adquirida pela Cisco e depois encerrada. Mas a
Brasil Telecom mostrou-se mais disposta a levar o projeto adiante, e o fez
exatamente durante o congresso ABTA2002, o mesmo em que o novo mo
delo de TV por assinatura foi discutido. Naquela ocasião, levantaram-se
algumas questões sobre até que ponto aquela seria uma oportunidade de
negócio, e até que ponto era um competidor com condições financeiras
muito mais sólidas que estaria entrando justamente em um momento
de fragilidade do setor. Também se colocavam dúvidas jurídicas, sobre
tudo porque a regulamentação do Serviço de Comunicação Multimídia
utilizado pela Brasil Telecom em seu serviço de banda larga estabelecia
que os únicos serviços de vídeo que poderiam ser prestados eram os de
modalidade pay-per-view e video-sob-demanda,
A Brasil Telecom estava especialmente agressiva em sua estratégia
de Internet, e o seu portal BrTurbo passava a contar com o conteúdo ex
clusivo do programa “Big Brother”, da TV Globo, e com conteúdos dos ca-
nais do grupo Bandeirantes. ABand programadora, aliás, foi pioneira em
adotar esse tipo de estratégia. Seu primeiro canal, o BandNews, lançado
em março de 2001, logo passou a figurar entre os conteúdos de outras
plataformas de distribuição, como Internet e celular.
Em setembro de 2003 foi lançado no Brasil o primeiro serviço de
conteúdos audiovisuais no celular, o serviço Spicy TV, da Vivo, através do
qual conteúdos adultos podiam ser baixados para o telefone e assistidos

200
na tela do celular. A Vivo chamou o produto de “video-on-demand”, um
termo até então típico da TV por assinatura.
É fato que as operadoras de TV a cabo e MMDS já estavam no mer
cado de banda larga e tinham chegado bem antes das empresas de tele
comunicações, mas naquele momento, com a complicada situação das
empresas operadoras de TV por assinatura, a disputa entre o ADSL e os
cable modems como tecnologia de acesso à Internet pendia amplamente
em favor das teles.
Para piorar, as empresas de TV por assinatura pouco ou nada fala
vam de telecomunicações. Era prioridade, naquele momento, equacionar
a questão dos contratos de programação e evitar que o ano de 2002 fosse
perdido. A “boa notícia” é que esses problemas não eram exclusivos do Bra
sil. Nos EUA, grandes operadoras também enfrentavam momentos muito
mais complicados. Uma delas era a Adelphia, que àquela altura já dava
pouca atenção à operação de que era sócia no Brasil, a Viacabo, e nos EUA
enfrentava um grave processo de reestruturação financeira em função de
fraudes cometidas por seus fundadores, a família Rigas. E não era a única.
Charter e Cablevision, que estavam entre as seis maiores operadoras de
TV a cabo dos EUA, também iam à bancarrota. Começava naquele país um
forte processo de concentração do mercado de TV por assinatura.
No Brasil, aos poucos, as coisas começaram a se mexer. Em 13 de
dezembro de 2002 a TVA recebia a sua licença de telefonia nas áreas de
numeração 11 (São Paulo), 21 (Rio de Janeiro), 41 (Paraná) e 51 (Rio Grande
do Sul), localidades em que estava presente com redes de MMDS ou cabo.
Foi a primeira empresa de TV paga a ganhar uma autorização para o ser
viço de voz, depois da flexibilização das regras no início de 2002, descon
siderada a Image Telecom, de Uberlândia, que tinha o direito de prestar
o serviço por meio da CTBC, sua acionista e controladora. O foco estraté
gico da TVA naquele momento era concentrar seus esforços, sobretudo,
na operação da cidade de São Paulo, aproveitando uma certa identidade
do paulistano com o grupo Abril. Mas para isso teria que se desfazer de
alguns ativos, e foi o que aconteceu.
No dia 8 de outubro de 2003 a operadora Horizon anunciou a com
pra da Canbrás, que havia sido colocada à venda pelos sócios canadenses

201
no começo de 2002. Essa operação representou um momento de alívio
para a indústria. Indicava que as coisas começavam a andar depois de
quase dois anos de estagnação. A operação mostrou que os valores es-
tavam muito distantes daqueles pagos anos antes pela Globo Cabo ao
comprar a Net Sul e a Unicabo. A Horizon pagava US$ 24,5 milhões pela
parte dos canadenses, mais uns US$ 5,2 milhões para a TVA, o que dava
US$ 270 por assinante com a dívida, ou US$ 150 se descontado o endi
vidamento. Era uma verdadeira pechincha, que somente a Horizon, em
presa com praticamente nenhuma dívida e que no começo de 2002 tinha
conseguido um bom empréstimo do BNDES, poderia cobrir. Desde então,
a Horizon começou a se tornar um player de peso no mercado de TV por
assinatura, pois passava de 100 mil para 270 mil assinantes por um in
vestimento equivalente ao que fora pago só pelas licenças, três anos an
tes. De quebra, tornava-se a segunda maior operadora de cabo do país, já
que a TVA, ainda que tivesse mais assinantes, tinha boa parte da base no
serviço de MMDS.
A Alusa, controladora da BigTV, também se beneficiou com a opera
ção, pois como sócia da Canbrás em Guarulhos e São José dos Campos,
acertou assumir o controle total da cidade de Guarulhos em troca de São
José dos Campos. Ficou também com as operações no Paraná controla
das pela Canbrás (Cascavel, Guarapuava, Cianorte e Ponta Grossa). Para
a TVA foi um movimento de venda importante, ainda que o valor tenha
sido muito abaixo do que a empresa imaginara conseguir em outros tem
pos. Segundo relato de Leila Loria a este livro, era o que podia ser feito
naquele momento.
A compra da Canbrás foi a ponta visível de uma movimentação da
Horizon que se iniciara no final de 2002, no auge da crise. Naquela oca
sião, a Net chegou a propor uma fusão à Horizon. Chris Torto, presidente
e acionista da Horizon naquele momento, relata que não aceitou porque
o futuro da Net era muito incerto, enquanto a sua operação, com alguns
ajustes ao longo de 2002, estava com boa rentabilidade e pretendia com
prar operações.
Outra negociação protagonizada pela Horizon foi com a TVA, mas
pesava contra o fato de que não havia, por parte da operadora do interior

202
de São Paulo, o desejo de competir na cidade de São Paulo. Após a fusão
com a Canbrás, a Horizon mudaria seu nome para Vivax e se tornaria
peça-chave no cenário competitivo que se abriria a partir de 2005 entre
empresas de TV por assinatura e empresas de telecomunicações.
Mas esse não seria o único movimento de concentração do mercado
de TV por assinatura que se verificaria naquele momento em que a indús
tria saía da fase mais aguda da crise de 2002. O maior de todos os negó
cios estava no céu, mais especificamente nas duas operações de DTH.
Quando a crise cambial atingiu os mercados latino-americanos em
2002, uma das empresas que mais sentiu o tranco foi a DirecTV Latin
America, que nos anos anteriores pagara quantias colossais por direitos
de conteúdos: US$ 250 milhões pela exclusividade da HBO, US$ 400 mi
lhões pelos direitos das Copas de 2002 e 2006, US$ 600 milhões para a
Disney... No dia 18 de março de 2003 a empresa não suportou a pressão
dos contratos de programação e foi obrigada a entrar em Chapter 11, um
instrumento da legislação norte-americana para a reestruturação finan
ceira de empresas insolventes. Na prática, equivale dizer que a DirecTV
Latin America, controladora da DirecTV no Brasil, estava no mesmo bar
co da Net Serviços ou do grupo Globo.
A situação era um pouco menos dramática porque envolvia apenas
contratos de programação, mas logo também se estendeu para a nego
ciação de contratos de satélite, e teve, ao contrário dos planos iniciais,
impacto sobre a operação no Brasil. A empresa vinha tentando acertar a
vida com seus fornecedores desde janeiro de 2003, sem sucesso. Os pro
blemas eram exatamente os mesmos que foram diagnosticados pela Net
e pela ABTA: receitas em moeda local, custos em dólar, inflexibilidade de
empacotamento e outros.
No dia 9 de abril, a News Corp. formalizou a oferta para comprar,
nos EUA, a DirecTV, que foi prontamente aceita pela General Motors. Com
isso, Murdoch concretizava o plano de entrar no mercado norte-america-
no e abria caminho para a fusão entre Sky e DirecTV no Brasil, mas ainda
dependia do fim da reestruturação financeira da DirecTV Latin America.
Alguns comentários correntes no mercado à época davam conta de
que a reestruturação dos contratos de programação da DirecTV haviam

203
sido provocados como uma forma de preparar a empresa para a entrada
da News Corp.
Luiz Eduardo (Bap) Baptista, que assumiu a direção geral da Direc-
TV no Brasil na época do Chapter 11, relata a este livro que naquele mo
mento não estava muito claro quais eram os planos da News Corp. para
a América Latina. Sabia-se que existia uma forte disposição de Murdoch
de entrar no mercado norte-americano, e se para isso tivesse que levar a
operação na América Latina, ele o faria.
De qualquer maneira, com a oferta feita, a News comprou os 19,9%
que a GM tinha na Hughes (controladora da DirecTV) e mais 14,1% da
Hughes disponíveis no mercado. A operação envolveu US$ 6,6 bilhões,
em dinheiro e ações.
Na prática, a Hughes, que controlava a DirecTV Latin America, se-
ria uma empresa controlada pela mesma empresa controladora da Sky
no Brasil e na América Latina. Nos EUA, a News Corp. se comprometia
a manter todo o conteúdo disponível a todas as plataformas de distri
buição de TV paga em condições e preços iguais, e a expectativa era de
que a fusão fosse aprovada até o primeiro trimestre de 2004, no máximo.
Começava a correr o relógio para a consolidação das duas empresas de
DTH no Brasil.
Antes disso, a DirecTV teria que concluir a reestruturação de sua
operadora latino-americana. Em dezembro de 2003, a empresa anunciou
a conclusão de sua renegociação com os programadores, e ainda decla
rou que pretendia ampliar sua base de assinantes em 100% até 2008.
Pelo plano de reestruturação, as participações acionárias da Hughes e do
grupo Cisneros na DLA e nas operadoras seriam reorganizadas em fun
ção das dívidas e dos aportes de financiamento. Mas o plano de reestru
turação não incluía a possibilidade de fusão com a Sky.
Um mês depois, contudo, acendeu-se a luz amarela nos planos de
reestruturação das operações de DTH no Brasil, que se não existiam for
malmente, eram discutidos nos bastidores como uma possibilidade real.
O grupo Cisneros, naquela ocasião ainda acionista da DirecTV e com
certos direitos, conseguiu na negociação uma garantia de que teria parti
cipação de 7% na empresa, resultante de eventual consolidação ou venda

204
entre DirecTV e Sky na América Latina, e citava especificamente a Net-
Sat (Sky no Brasil) e a Innova (Sky no México). Caso uma eventual fusão
entre DirecTV e Sky não envolvesse as subsidiárias da Sky no Brasil e
no México, o grupo Cisneros teria direito a 10% da empresa resultante,
conforme o acerto com a Hughes.
Ali estava sinalizado que a possibilidade de fusão entre DirecTV e
Sky era real. O acordo com o grupo Cisneros ia mais além. A contratação
de programação da Globo ou do grupo mexicano Televisa, pela DirecTV
Latin America deveria passar pelo aval do grupo Cisneros. A quantida
de de cláusulas do acordo entre a Hughes e o grupo Cisneros que fazia
referência a uma eventual fusão DirecTV/Sky mostrava uma complexa
manobra de posicionamento do grupo de mídia venezuelano em relação
aos seus pares na América Latina. Apenas em 2007, depois de uma longa
batalha judicial recheada de acusações contra a News Corp., o grupo Cis
neros foi retirado da sociedade com a DirecTV, tendo a sua participação
adquirida pelo valor de US$ 325 milhões.
A DirecTV Latin America saiu do Chapter 11 em 25 de fevereiro e
abriu as portas para a fusão entre Sky e DirecTV. Seria apenas uma das
muitas movimentações que aconteceriam no mercado após os anos som
brios vividos até então.

205
CAPÍTULO 9

A investida das teles


A tempestade que se abateu sobre a indústria de TV por assinatura
no ano de 2002 parecia ficar para trás. Ao longo do ano de 2003, aos pou
cos, as operadoras começavam a vender, os resultados das empresas vol
tavam a ser positivos, até mesmo lucros recordes eram anunciados, como
foi o caso da Sky no segundo trimestre daquele ano, que marcava quase
US$ 60 milhões, em grande parte por ganhos financeiros com a volta do
dólar a patamares mais realistas. As renegociações entre Net Serviços e
seus credores estavam apenas começando, ao passo que o acerto de con
tas da Globopar teria ainda uma longa jornada pela frente. Mas a etapa
mais importante do processo de ajustes, do ponto de vista da indústria
em geral, fora vencida: ficou acertada, em novas bases, uma regra de re-
lacionamento entre programadores e operadores, com o objetivo comum
de fazer o mercado voltar a crescer. Havia uma luz no fim do túnel, e não
era o farol do trem.
A indústria chegava ao segundo semestre de 2003 com o dever do
pacto cumprido: de um lado as condições contratuais eram mais adequa
das ao cenário sempre turbulento da economia brasileira; de outro, havia
o forte compromisso dos operadores de buscar a todo custo o crescimen
to que algumas vezes havia sido trocado por planos estratégicos de longo
prazo com sofisticados modelos de negócio, mas sem atenção ao básico,
ao que move a TV por assinatura em qualquer lugar do mundo: a venda
de assinaturas.
Faltava, é claro, o principal combustível, que era o próprio cresci
mento do país, mas os entraves que existiam tinham sido, aparentemen
te, removidos. Estaria a TV por assinatura preparada para entrar em uma
nova era? Hoje, observando aquele período à luz do que se sucedeu nos
meses seguintes, é possível dizer com grandes chances de acerto que
aquele foi o momento da grande virada do setor.

206
Em primeiro lugar, porque a maior operadora do país, a Net Serviços,
conseguira fechar com seus credores e também internamente um plano
estratégico que seria seguido dali em diante. Na ocasião, a empresa já es-
tava sendo comandada por Francisco Valim, juntamente com um time de
executivos responsáveis pelo desenvolvimento das operações da Net no
sul do país, entre eles José Felix, que mais tarde se tornaria presidente da
operadora. Os “gaúchos”, como o mercado se referia àquele grupo de exe
cutivos, tinham acertado um plano que apontava para a necessidade de a
empresa voltar a crescer e ter receita com todos os serviços que pudesse
oferecer, sobretudo com banda larga e telefonia, sem deixar, contudo, de
vender o principal produto de uma operação de TV por assinatura que é
o serviço de televisão.
Duas coisas, porém, aconteceriam a partir de 2004: a TV por assi
natura entraria no mapa do mercado das telecomunicações, ainda que
já estivesse com os pés dentro dele desde o final dos anos 1990, com as
primeiras operações de banda larga. Desse momento em diante, a TV por
assinatura se tornaria também um negócio de banda larga, não só para
os grandes operadores, mas para dezenas de pequenos e médios opera
dores de TV a cabo e MMDS. A indústria se tornaria competidora efetiva
em serviços de telefonia e Internet. E também ficaria mais concentrada,
e ao mesmo tempo mais sólida, para enfrentar as empresas de telefonia
quando fosse o caso, ou associar-se a elas se necessário. Além disso, es-
tavam para cair alguns pilares existentes desde os primeiros anos da TV
paga no Brasil, quando um canal de notícias estrangeiro como a CNN
tinha seus direitos exclusivos disputados por Globosat e TVA, desde o
evento da ABTAem que modelos próprios para canais de filmes foram es-
tabelecidos como se fossem cercas divisórias dos modelos de operação. A
questão da exclusividade deixaria de fazer sentido alguns anos depois.
Os dois fatos que marcaram 2004 e foram diretamente responsáveis
por todas estas grandes mudanças que aconteceriam nos anos seguintes
foram a entrada da Telmex como acionista da Net Serviços, e a fusão en-
tre Sky e DirecTV.
A Telmex é a maior empresa do México. A operadora de telefonia fixa
e móvel controlada pelo empresário Carlos Slim Helú não estava presente

207
no processo de privatização dos anos 1990. Ao contrário, naquela época
Slim trabalhava para construir, no México, seu império de telecomunica
ções. Mas nos anos 2000 ele começou a olhar para os mercados norte-ame-
ricano e latino-americano. Sua chegada ao Brasil só aconteceu em 2004,
mais precisamente no dia 28 de abril. E se deu de maneira absolutamente
diferente da chegada de outras empresas de telecomunicações ao país.
A Telmex não foi saudada pelo governo nem foi estrela em nenhum
processo de licitação. Ela entrou no Brasil graças a uma disputa travada
na Justiça norte-americana, e lutava, justamente, contra as concessioná
rias de telefonia no Brasil. Em 2003, a MCI, empresa que ganhara a con
cessão da Embratel no leilão de privatização da Telebrás, foi à lona, como
tantas outras, envolvida em escândalos financeiros. Com isso, a Justiça
dos EUA, que administrava o processo de Chapter 11 (reestruturação) dos
ativos da MCI, colocou a Embratel à venda.
As concessionárias de telefonia fixa que operavam no Brasil, incluí
das aí Telefônica, Brasil Telecom e Telemar, juntaram-se, com o apoio do
governo, através do BNDES, em um consórcio batizado de Calais. As con
cessionárias de telefonia pretendiam comprar a Embratel e estavam dis
postas a pagar caro por isso. O negócio era da ordem de US$ 400 milhões.
Mas para a desgraça dos planos das concessionárias, Carlos Slim estava
decidido a investir muito para entrar no Brasil, e em uma incrível batalha
de lances financeiros e argumentos concorrenciais convenceu a Justiça
norte-americana a permitir a venda da Embratel para a Telmex. Parecia
um lance definitivo, considerando-se que o empresário havia desembol
sado uma quantia igualmente alta (US$ 625 milhões) pouco antes, para
comprar a operadora de telefonia celular BCP, que operava na cidade de
São Paulo. Poucos acreditavam que a operadora mexicana fosse fazer no
vas apostas no Brasil tão cedo, muito menos em cabo.
A Net Serviços, ainda na época em que era chamada de Globo Cabo,
chegou a negociar a possibilidade de uma sociedade com a Embratel
anos antes, no final de 2000, começo de 2001, antes do crash nas bol
sas e antes da crise enfrentada pela MCI. O episódio é relatado a este
livro por Moysés Pluciennik e José Felix, na ocasião presidente da Globo
Cabo e diretor de operações da empresa, respectivamente. Felix é hoje

208
presidente da Net Serviços. AEmbratel, de fato, foi a única empresa que
verdadeiramente mostrou interesse em formar uma parceria com a Glo
bo Cabo, e poderia ter concretizado o seu plano estratégico de ter entre
seus acionistas um banco (Bradesco e BNDES), uma empresa de software
(Microsoft) e uma empresa de telecomunicações (que nunca veio). Mas
o negócio acabou não saindo por algumas razões, entre elas a crise da
própria MCI, controladora da Embratel. Daquela época restam ainda os
registros históricos de alguns testes de telefonia sobre a rede de banda
larga da Net que eram exibidos com orgulho pelos diretores da empresa,
na sede da companhia.
Talvez aí tenha ficado a semente para um possível acordo, mas o
fato é que naquele ano de 2004 ninguém apostava muitas fichas que a
Telmex fosse se tornar acionista da Net Serviços, pelo menos no curto
prazo. Em sua primeira visita ao Brasil em maio, depois de comprar a
Embratel, Slim havia colocado ao presidente Lula a possibilidade de com
prar a Net. Não se sabe se o governo, preocupado naquele momento com
a situação do grupo Globo, influenciou ou não na aproximação entre os
grupos. Também não se sabe se isso estava nos planos de Slim desde que
a Embratel foi adquirida, mas o fato é que nem mesmo a diretoria da Net
havia participado de qualquer aproximação com os mexicanos, muito
menos de uma negociação. Na verdade, só quem conhecia os termos em
que o negócio se desenrolava eram um seleto grupo de profissionais das
organizações Globo, Roberto Irineu Marinho (que foi quem negociou pes
soalmente o acordo) e Carlos Slim.
Poucos negócios são feitos nos dias de hoje sem a ajuda de bancos,
“advisors” financeiros, longos e complicados processos de avaliação fi-
nanceira, e negociações intermináveis com advogados; mas a Telmex re-
solveu comprar a Net Serviços sem nada disso. Comprou com base apenas
em um acordo entre os principais acionistas das duas empresas, fechado
em prazo recorde. Tanto é que, se o principal lance da entrada da Telmex
no Brasil foi a compra da Embratel, em 28 de abril, exatamente três meses
depois, em 27 de junho, um domingo, ela anunciava a compra de uma par
ticipação significativa na maior operadora de TV a cabo brasileira. Os di
retores da empresa só foram avisados horas antes do anúncio do negócio.

209
Prova de que a negociação não havia sido orquestrada dentro do processo
de reestruturação financeira da operadora de cabo é que em nenhum mo
mento, em dezenas de conversas com os credores da Net realizadas nas
semanas anteriores, o acordo foi mencionado como uma possibilidade.
E era um acordo positivo para a Net. Era um negócio de valor variável,
que dependeria de uma complexa operação de emissão de ações a ser re-
alizada, mas que poderia significar um investimento de US$ 250 milhões
a US$ 370 milhões, dependendo da quantidade de papéis que a Telmex
tivesse que adquirir. O certo é que o grupo ficaria com 49% das ações de
controle da operadora, contra 51% do grupo Globo. A intenção, já naquele
momento anunciada, era que a tele mexicana assumisse o controle da em
presa tão logo a legislação permitisse. Lembrando-se que, ainda hoje, vale
a regra da Lei do Cabo, que impede empresas estrangeiras de controlarem
mais de 49% das ações de uma operadora deste serviço.
A entrada da Telmex deu-se em condições muito favoráveis. Se no
passado o assinante de TV por assinatura havia sido avaliado, em opera
ções de compra e venda de operadoras, em patamares de até US$ 2,8 mil,
como foi o caso do valor pago pela Globo Cabo pelos assinantes da Net
Sul em 2000, naquele momento os preços eram outros. Dependendo dos
critérios usados para se fazer essa conta, a Telmex estava pagando algo
entre US$ 440 e US$ 595, fora a dívida, por cada assinante da Net. Com
a dívida, o valor dobrava. Ainda assim era muito menos do que já havia
se discutido, mas muito mais que os US$ 150 que a Vivax havia pago pela
Canbrás, em outubro de 2003.
O valor do negócio para a Telmex, contudo, era outro, o que logo ficou
claro. O projeto era ter uma rede capaz de dar à empresa acesso local para
serviços de telefonia. A Embratel era uma empresa de longa distância,
que tinha adquirido anos antes a Vésper, uma empresa de telefonia com
petitiva, mas que usava uma tecnologia limitada e nem sempre eficiente
para serviços de telefonia, o WLL. A Net tinha uma rede capaz, e a tecnolo
gia existia. Poderiam ser as tecnologias de voz sobre Internet já conheci
das, ou a tecnologia padronizada pelo CableLabs nos EUA, a tecnologia de
PacketCable. Além disso, a Net tinha acesso à Internet em alta velocidade,
o que poderia complementar a oferta de serviços da Embratel.

210
Discutia-se muito, na época, se aquele acordo abriria ou não as por
tas do conteúdo Globo às empresas da Telmex, notadamente à empresas
de telefonia celular, setor em que cada vez mais o conteúdo audiovisual
se tornava relevante. Hoje, olhando em perspectiva histórica, percebe-se
que a discussão era irrelevante frente à estratégia de ofertas de serviços
de telefonia e Internet. Concretamente, a Globo nunca facilitou o acesso
a nenhum dos conteúdos do grupo às empresas de Carlos Slim, e nem
existem parcerias fortes nesse sentido. Mas na ocasião em que o acordo
foi fechado, a Telmex foi hábil em deixar claro que não pretendia, com
aquele negócio, abrir a porta para uma enxurrada de conteúdos mexica
nos no Brasil, muito menos fazer frente aos produtos que a Globo desen
volvia. A Telmex, e posteriormente a Embratel (que foi a empresa utiliza
da efetivamente como veículo de Carlos Slim para o investimento feito
na Net Serviços) nunca foram especialmente preocupadas com a questão
dos conteúdos.

BANDA LARGA É O CAMINHO


O acordo com a Telmex acontecia em um momento em que a Net Ser
viços já avançara bastante na discussão interna sobre um modelo para o
serviço de telefonia que seria oferecido. Nas propostas de reestruturação
da empresa feitas junto aos credores e no plano de crescimento da Net,
a oferta de banda larga e de voz era o elemento relevante. Até mesmo um
acordo entre a Net e a empresa de telefonia na Internet, Skype, chegou a
ser cogitado, mas a chegada dos mexicanos mudou o rumo das coisas. No
princípio, houve a sensação de que a Telmex é quem deveria dizer o que
fazer, mas logo ficou claro que os mexicanos pensavam mais ou menos
da mesma forma. A proposta da Net, naquele momento, era claramente
se colocar como uma operadora que tinha os três serviços a oferecer, e
talvez tivesse feito isso antes, se não fosse necessário conciliar as estra
tégias com a Telmex/Embratel. Assim José Felix relatou a este livro sobre
o encontro entre os mexicanos e os profissionais da operadora de cabo:

A gente já tinha a visão de que teria que ser uma operadora ‘triple
play’ para alavancar o nosso crescimento, mas para fazer isso era preci

211
so muito know how de coisas que a gente não sabia e teria que aprender.
A Embratel trouxe isso. Então, as primeiras reuniões foram muito menos
para decidir o que fazer ou como fazer, mas muito mais para decidir quem
faria o quê.

Paralelamente, a TVA também tinha o seu plano de ser uma opera


dora de múltiplos serviços, e em outubro de 2004 anunciou comercial
mente a oferta de seu serviço de voz sobre IP (VoIP) em parceria com a
operadora competitiva Primeira Escolha. Era a primeira vez que uma
operadora de TV por assinatura utilizava sua rede de banda larga para
oferecer serviços de telefonia. O modelo praticado naquela ocasião já era
consagrado nos EUA pela operadora de VoIP Vonage, e pela Net2Phone,
de quem a TVA era, inclusive, parceira nessa operação. Basicamente, o
modelo consistia em instalar um adaptador à conexão banda larga (ATA)
por meio do qual era feita a conexão do telefone. Não é possível precisar
se a TVA foi a primeira operadora a oferecer o serviço de VoIP no Brasil
porque, na mesma época, a operadora de telefonia GVT também lançava o
serviço, e outras operadoras pequenas também tinham a solução.
O que se pode dizer com a segurança do distanciamento histórico é
que naquele momento a TVA se apressava para oferecer, antes da Net, as
inovações tecnológicas que estavam sendo trazidas pela TV por assina
tura ao Brasil. A outra inovação era a TV a cabo com tecnologia digital.
Nos anos anteriores, diferentes empresas tinham testado diferentes
tecnologias para transformar a TV a cabo e o MMDS, analógicos até en
tão, em serviços que funcionassem digitalmente. O DTH foi pioneiro com
larga margem, já trazendo a tecnologia digital no serviço TVADigisat em
banda C, em 1995, e depois com as operações em banda Ku da Sky e da
DirecTV, em 1996. Em seguida, veio o MMDS, com as operações da Acom
e da Teleserv, no começo dos anos 2000. Mas a digitalização das redes de
TV a cabo, ainda que fosse discutida como possibilidade desde 1997 pela
Multicanal, e depois testada pela Globo Cabo em vários momentos, só
viria a se tornar realidade em 2004.
Nesse mesmo ano, e mais ou menos ao mesmo tempo, animadas
pela retomada ensaiada pela indústria após o tenebroso inverno dos

212
anos anteriores, as três maiores operadoras de cabo, Net Serviços, Vi-
vax e TVA, iniciaram as buscas por tecnologias e modelos de negócio
que impulsionassem suas digitalizações. Uma etapa decisiva desse
processo aconteceu nos EUA, em New Orleans, durante a NCTA Cable
2004, o evento setorial de TV paga do mercado norte-americano. Na
quele evento, Net e TVA anunciaram, simultaneamente, planos muito
parecidos para a digitalização de suas redes, pelo menos do ponto de
vista das tecnologias. Ambas haviam escolhido o padrão europeu DVB,
aberto, e ambas optaram pelo o sistema de acesso condicional da Nagra
para iniciar seus serviços de cabo digital. Foi um momento importan
te, porque marcou a consagração de um padrão aberto, conhecido e co-
mercializado por diferentes fornecedores. Anos antes, a Net Serviços
já havia estudado a digitalização com a mesma tecnologia, mas com
software da Microsoft.
A Vivax decidiu, então, esperar o que fariam as duas outras opera
doras para então tomar uma decisão sobre o caminho a seguir, e de fato,
com a falta de espaço que havia sido deixado no Brasil para os “padrões
proprietários”, a Vivax conseguiu um ótimo acordo de digitalização com
a tecnologia da Motorola, pelo menos para os primeiros testes em Ma
naus. A Motorola era uma das fabricantes de set-tops com tecnologia
digital proprietária, ainda que a sua tecnologia seja praticamente um
padrão no mercado norte-americano.
A corrida entre Net e TVA pelo desenvolvimento do produto era in
tensa, e a TVA conseguiu colocar as suas primeiras caixas digitais na rua
um pouco antes da Net, em outubro. No mesmo mês, a TVA anunciaria o
serviço de voz. Em novembro foi a vez de a Net Serviços lançar sua TV por
assinatura digital. Independentemente de quem foi a primeira a trazer a
inovação, contudo, a estratégia tinha um significado muito maior: abria
as portas para a oferta de mais canais no Brasil, o que passou a acontecer
em ritmo bastante intenso a partir daquele ano.
Se Net e TVA inovavam na digitalização, as operadoras de DTH es-
tavam um pouco à frente. Em novembro de 2003, a operadora Sky ha
via lançado o que nos EUA virara febre: o digital video recorder (DVR).
Era considerado o produto mais inovador do ponto de vista conceitual

213
desde o advento do videocassete. Os primeiros modelos começaram a ser
comercializados nos EUA em 2000, principalmente por uma empresa
chamada de TiVo (que virou sinônimo do produto, pelo menos naquele
país). Consistia de uma caixa extremamente avançada para a recepção
dos sinais de TV que funcionava como um computador, processando e
armazenando em um disco rígido os conteúdos de alguns canais. A revo
lução do conceito do DVR era permitir que os programas fossem assisti
dos, posteriormente, não na sequência predeterminada pelo canal, mas
de acordo com a vontade do usuário, de maneira não linear. Além disso,
a possibilidade de avançar, retroceder e pausar a programação que esta
va sendo exibida naquele instante ou que tivesse sido gravada dava ao
telespectador um poder de escolha e de interação que nunca haviam sido
oferecidos por nenhuma ferramenta de TV.
A Sky foi a primeira operadora a trazer o produto para o Brasil, em
novembro de 2003, mas estimou errado a demanda: pensava em vender
80 mil caixas nos primeiros meses, mesmo em se tratando de um equipa
mento caro, da ordem de R$ 1,5 mil. Esse número não foi alcançado por vá
rias razões, entre elas as dificuldades técnicas para aprimorar o produto,
o início do processo de fusão com a DirecTV nos EUA (o que mudava com
pletamente a matriz tecnológica que a Sky seguiria no Brasil), a falta de
equipamento para importação e outras. Mas o fato é que o conceito estava
colocado e disponível comercialmente já a partir de novembro de 2003.
Outra grande movimentação do mercado de TV por assinatura na
quele ano de 2004 era a perspectiva de fusão entre Sky e DirecTV. Desde
o momento em que a News Corp., controladora da Sky, fizera a oferta para
comprar a participação da Hughes na DirecTV norte-americana, contro
ladora da DirecTV no Brasil, desenhava-se como inevitável que o mesmo
acontecesse na América Latina e no Brasil. A lógica por trás de uma even
tual consolidação das duas empresas era a lógica econômica. Isso já se
sabia desde os primeiros momentos em que se cogitou trazer ao Brasil
as plataformas de TV por assinatura via satélite usando a tecnologia de
banda Ku, ainda em 1995. Houve conversas para uma plataforma única
naquele princípio, cogitou-se novamente uma fusão em 2001, no auge da
crise, a perspectiva ganhou corpo depois que a News Corp. efetivamente

214
fez uma oferta para a compra da parte da Hughes nos EUA, ainda em 2003,
mas só no final de 2004 é que todos os fatores confluíram totalmente.
No dia 11 de outubro de 2004, por fim, as duas empresas anunciaram
oficialmente a intenção de fundir suas operações na América Latina, o
Brasil aí incluído. As mudanças seriam significativas. Passadas as etapas
de aprovações regulatórias, as duas operadoras se fundiriam sob a plata
forma Sky, marca que seria utilizada definitivamente. A DirecTV Group
(sob o controle de Murdoch) teria 72% da nova companhia e a gestão do
negócio. O grupo Globo ficaria com 28%. Mais importante, manteria a
posição de principal fornecedora de conteúdo para a plataforma de DTH
no país. Juntas, as duas empresas tinham no Brasil, naquela data, 1,229
milhão de assinantes, o que representava 34% do mercado de TV por as-
sinatura e quase a totalidade do mercado de DTH. A fusão significava um
ajuste de todas as operações da Sky e da DirecTV na América Latina.
Rupert Murdoch já havia aprendido, em junho de 2002, que operar
na região não era coisa simples, por ter sido forçado a fechar a operação
da Sky na Argentina com 52 mil clientes em função de dificuldades de
planejamento e seguidas crises econômicas. Após a fusão, a operação da
DirecTV no México sairia do ar e os assinantes seriam repassados à Sky.
Lá, ao contrário do Brasil, o grupo controlador da operação seria a Tele-
visa, com 57% da nova companhia. A aliança entre Globo, Televisa, Liber
ty e News que havia vigorado desde 1996 para as operações da América
Latina também deixaria de existir, ou seja, o grupo Globo se desligaria
totalmente das operações internacionais. Mas havia algumas compensa
ções. A avaliação dos assinantes da Sky e da DirecTV em função daquela
operação batia em US$ 860 a US$ 900, segundo dados da DirecTV Group
Inc. divulgados na época.
A Net Brasil continuaria sendo a principal negociadora de conteúdos
da operação, sobretudo para conteúdos nacionais. Essa posição se man
teria enquanto a Globo tivesse 5% do negócio. A Globo também ganhou
acesso aos meios de distribuição da News em outros países, mas até hoje
não foram desenvolvidos conteúdos para aproveitar essa prerrogativa.
O anúncio da fusão colocou lenha em algumas discussões no âmbito
concorrencial que viriam a se tornar determinantes e levariam a uma re

215
visão profunda no modelo de compra e venda de programação, sobretudo
por parte do grupo Globo e o modelo praticado pela Globosat. Esse era um
assunto que se fazia presente há vários anos. Do ponto de vista de uma
disputa concorrencial propriamente dita, o tema estava colocado desde
que em junho de 2001 a NeoTV decidiu questionar a política de exclusi
vidade do canal SporTV junto às autoridades de defesa da concorrência.
O processo passou por vários momentos importantes. Em 30 de abril de
2002 a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fa
zenda manifestou-se contra a política de exclusividade no processo em
que era avaliada a compra da ESPN Brasil pela Globosat. Faria o mesmo
em relação ao pedido de quebra de exclusividade feito pela NeoTV.
Ao saber que a News Corp. pretendia adquirir o controle da DirecTV
nos EUA, em abril de 2003, a NeoTV voltou a reforçar o pedido de quebra
de exclusividade do SporTV, com um pedido de cautelar que provocou,
por parte da News Corp., um acordo de reversibilidade da operação com
o Cade: a empresa se comprometia a não retirar nenhuma programação
da Sky ou da DirecTV e manter os contratos de programação vigentes
nas bases em que estavam estabelecidos naquele momento. Era uma
medida especialmente importante para o grupo Bandeirantes e seus ca
nais BandNews e BandSports, que haviam sido viabilizados pela base
da DirecTV em 2001 e 2002, e eram os que mais corriam riscos de per
der com a fusão. Também existia o compromisso de que nem Sky nem
DirecTV viriam a adquirir novos conteúdos exclusivos enquanto o caso
não fosse julgado.
Mas o anúncio de que Sky e DirecTV efetivamente planejavam a fu
são, em outubro de 2004, alimentou ainda mais o debate sobre exclusi
vidade de programação. E, de fato, esse foi o tema que permeou toda a
discussão em relação à fusão.
Entretanto, naquele momento as vendas de pay-per-view do Campe
onato Brasileiro batiam recordes e o SporTV, aos poucos, deixaria de se
tornar central como diferencial concorrencial. O que realmente fazia a
diferença era o futebol, e a exemplo do que acontecia em todos os demais
países, o futebol tornava-se cada vez mais um produto premium. A dife
rença é que no Brasil esse produto não poderia ser comprado por quem

216
quisesse; era necessário ser parte do modelo Net Brasil. O sinal de que o
modelo estava de fato enfrentando uma forte pressão veio da Anatel, em
novembro de 2005, quando deu a anuência para que a DirecTV e a Sky se
fundissem. Normalmente, a Anatel julgava os pedidos de consolidação
entre empresas apenas do ponto de vista regulatório, sem se manifestar,
naquele momento, sobre questões concorrenciais, mas no caso do pedido
de fusão entre Sky e DirecTV a agência inovou e já encaminhou a sua
anuência com uma série de recomendações ao Cade.
Eram cinco as restrições colocadas pela Anatel: a operação, após a
fusão, teria que abrir mão de conteúdos exclusivos; conteúdos de tercei
ros seriam veiculados pela operação de DTH após a fusão, medida que
foi tomada para que não houvesse reserva de mercado apenas a conteú
dos do grupo Globo ou do grupo News Corp.; também havia restrições a
que canais que já estivessem no line-up das operações não fossem reti
rados arbitrariamente da grade; e por último era recomendado que não
houvesse práticas de preço diferentes em diferentes regiões do país.
Se aquelas recomendações fossem acatadas pelo Cade, Anatel poderia
acompanhar o dia-a-dia da operação em relação ao conteúdo, fato inédi
to na história da agência.
Globo e News Corp. sabiam que as restrições viriam daquela forma,
porque em casos semelhantes, na Europa, era essa a jurisprudência con
correncial. E ainda havia a pressão do processo da NeoTV pela quebra
de exclusividade do SporTV. Em outubro de 2005 começavam, por par
te dos dois grupos de mídia, as articulações em busca de uma solução
que não fosse traumática para o modelo vigente até então. As negocia
ções se deram no âmbito da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do
Ministério da Justiça, com participação do próprio Cade. O objetivo era
flexibilizar a distribuição dos conteúdos produzidos pela Globosat sem,
contudo, criar um problema com a Net Serviços e outros franqueados da
Net Brasil, que tinham a política de exclusividade estabelecida em con
trato. Foi uma queda de braço entre o Ministério e os grupos envolvidos,
de onde saíram pareceres bastante desfavoráveis à política de exclusivi
dade, emitidos primeiro pela SDE, em janeiro, depois pela procuradoria
do Cade, no começo de maio.

217
A batalha só terminou no dia 25 de maio de 2006, quando o Cade
aprovou por unanimidade o ato de concentração entre Sky e DirecTV no
Brasil. Houve, como era esperado, algumas restrições, principalmente
na questão da programação. A partir daquela data, as empresas da News
Corp., incluindo subsidiárias, coligadas, afiliadas e associadas, não po-
deriam, durante cinco anos, agir de forma discriminatória contra os con
correntes no fornecimento de conteúdos; fornecer conteúdos em caráter
exclusivo; e exercer direitos de exclusividade sobre os cinco maiores
campeonatos de futebol de interesse dos brasileiros (Brasileirão, Liber
tadores e Copa do Brasil, Paulista e Carioca).
A medida atingia a Fox, o canal Fox Sports, o canal FX e qualquer
outro canal vinculado ao grupo de Rupert Murdoch. Atingia também a
própria Sky, que não poderia produzir conteúdos exclusivos. Mas deixa
va de fora a Net Brasil e a Globosat. Também foi imposto à Sky que não
praticasse ofertas discriminatórias em diferentes regiões do país, e por
três anos mantivesse todos os canais pagos de conteúdo brasileiro dispo
níveis na DirecTV, garantindo a eles receitas equivalentes durante o pe-
ríodo. O Cade também eliminou os contratos entre News e Globo que des
sem ao grupo Globo poder de veto ou decisão unilateral na contratação
de conteúdo nacional na Sky, mas não impediu que o grupo participasse
e votasse em decisões de programação, nem proibiu que a Net Brasil atu-
asse como intermediária na compra de conteúdos nacionais.

FIM DA EXCLUSIVIDADE
Outro lance decisivo catalisado pelo Cade no que diz respeito a ques
tões de contratos de exclusividade e conteúdo veio uma semana depois
da aprovação da fusão dos DTHs. Era o julgamento do processo adminis
trativo aberto em decorrência da reclamação da NeoTV, feita em 2001,
para ter acesso ao canal SporTV. Havia uma grande expectativa sobre o
resultado desse julgamento, que poderia mudar completamente a estru
tura do mercado de TV por assinatura.
Mas o julgamento propriamente dito não aconteceu. O que ocorreu
foi a celebração de um acordo entre o Cade e a Globosat, um Termo de
Cessação de Conduta (TCC). Pelo acerto entre a programadora e o tribu

218
nal concorrencial, acabava a exclusividade da venda dos canais SporTV
e do pay-per-view esportivo apenas para associadas da Net Brasil. Era,
sem dúvida, uma mudança de paradigma significativa. Mas ao contrá
rio do que pediam os operadores de TV paga associados à NeoTV, não
foi quebrada a política de empacotamento. Ou seja, quem quisesse ad
quirir os canais, teria que fazê-lo nas mesmas condições das empresas
Net Serviços e Sky, o que significava dizer que quem quisesse levar os
canais de esportes deveria, necessariamente, levar os outros canais da
Globosat, pois nos contratos existentes até então, a Globosat não vendia
um sem outro, e essa venda deveria ocorrer no pacote básico, no caso
dos novos assinantes.
Ali ficava claro para o mercado de operadores que o modelo da Glo
bosat não era baseado apenas na exclusividade dos canais, mas em uma
modelagem de empacotamento, em que os canais eram comercializados
de forma conjunta, e que aquele era o modelo que a programadora de
sejava oferecer ao restante do mercado, ainda que aceitasse conviver, a
partir dali, com line-ups que incluíssem canais com os quais até então
não competia.
O acerto entre Globosat e Cade também causou protestos de grupos
concorrentes, como a Bandeirantes, que esperavam que houvesse, por
parte da autoridade concorrencial, medidas que impusessem a diversi
dade de provedores de conteúdo aos associados da Net Brasil, para evitar
que estas operadoras ficassem restritas apenas aos canais Globosat em
termos de conteúdo nacional. E esse sentimento seria decisivo dois anos
depois, em uma discussão importante iniciada no Congresso sobre a re-
visão do marco regulatório do setor de TV por assinatura.
Mas se o fim da exclusividade não deu aos operadores independentes
a satisfação de conseguir os canais da Globosat na forma como desejavam,
abriu as portas para algumas mudanças importantes. A Net Brasil deixa
ria de ser responsável pela negociação de conteúdos estrangeiros para as
operadoras associadas, por exemplo, mas seguiria como negociadora para
os canais nacionais. Da mesma forma, seria a Net Brasil quem negociaria
a distribuição dos canais Globosat com as operadoras interessadas, como
de fato aconteceu em outubro de 2007, quando finalmente, depois de mais

219
de 15 anos de modelo, os canais Globosat se tornaram disponíveis à tota
lidade de operadores do país, diante de um acordo entre a NeoTV e a Net
Brasil. Vale lembrar que o outro marco da exclusividade havia caído já em
março de 2005, quando os canais da HBO, já sem o vínculo de exclusivida
de com a DirecTV, entraram nas operações ligadas à Net Brasil.
O processo de fusão da Sky e da DirecTV não foi importante apenas
em função das mudanças que trouxe na forma dos acordos de programa
ção vigentes. Foi também a maior operação de consolidação entre duas
empresas de TV por assinatura já realizada no Brasil, e um período rico
de compreensão sobre como culturas e dinâmicas empresariais diferen
tes podem ser combinadas.
Luis Eduardo (Bap) Baptista, que presidia a DirecTV até o início do
processo, e depois veio a se tornar o presidente da empresa consolidada,
relata que o mais difícil daquele processo foi desfazer o clima de compe
tição que havia entre as duas equipes. Sky e DirecTV sempre competiram
palmo a palmo pelo mercado de DTH desde 1996, sempre buscando uma
superar a outra do ponto de vista da inovação de serviços e da programa
ção. Tudo isso diante da complexidade de uma operação de TV por assina
tura via satélite, que atingiria todas as cidades do país. Quando DirecTV
iniciou a sua reestruturação financeira via Chapter 11, houve um certo
sentimento de derrota entre a equipe da operadora que se ampliou quan
do ficou claro que a News Corp., dona da Sky, compraria a operação.
Mas esse sentimento e a expectativa sobre qual das duas empresas
prevaleceria depois da fusão fizeram com que ambas trabalhassem para
conquistar espaço em um clima beligerante. No final, o resultado foi in
teressante, pois ficou a marca Sky, considerada mais forte e com a maior
base de assinantes, mas a operação dos EUA passou a ser o modelo, ao
contrário dos anos anteriores, em que a Sky do Reino Unido era o grande
modelo de operação. Também a empresa controladora passou a ser a Di
recTV nos EUA. Em 2008, após um ajuste societário realizado nos EUA
entre a News Corp. e a Liberty Media, Rupert Murdoch passaria o contro
le da DirecTV para John Malone (dono da Liberty), desfazendo-se de suas
participações nas operações de DTH nas Américas. Hoje, Murdoch não é
mais o acionista controlador da Sky no Brasil.

220
O período entre 2004 e 2006 é, na história da TV por assinatura, a
época em que a convergência de serviços de Internet, telefonia e TV por
assinatura efetivamente aconteceu. As operadoras saíram da crise com
acordos e contratos mais saudáveis com fornecedores e credores. Mas
saíram, sobretudo, com planos de negócio que tinham como premissa o
crescimento na base de usuários de banda larga. Em 2005, as vendas do
serviço de TV por assinatura, que já se recuperavam em 2004, faziam
o mercado crescer 10%. E a banda larga crescia 100%, chegando a qua
se 800 mil clientes. Mesmo pequenos e médios operadores de TV a cabo
passaram a investir em plataformas de banda larga, levando a realidade
do serviço para fora dos grandes centros, ao mesmo tempo em que as em
presas de telefonia também expandiam suas redes de ADSL.
Tudo indicava que 2006 seria um ano muito mais forte para a indús
tria de TV paga. A TVA havia anunciado seu serviço de telefonia no final
de 2004, colocando-o na rua em 2005. A Net e a Embratel, por sua vez,
passaram todo o ano de 2005 estimulando o crescimento da base de ban
da larga, que seria a base do serviço de telefonia anunciado em novembro
de 2005 e lançado comercialmente em março de 2006, em nada menos
que nove cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Santos, Porto Ale
gre, Florianópolis, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília. A Net e a Embratel
dividiram tarefas: a Net vendia e operava o serviço, e a Embratel cuidava
da parte de interconexão com a rede de telefonia e da cobrança. Era um
serviço agressivo em relação aos serviços de telefonia oferecidos pelas
empresas de telecomunicações, porque não tinha assinatura mensal e
era gratuito entre assinantes do Net Fone da mesma cidade. Com o tem
po, o serviço foi se combinando com outros produtos da Net, e em pouco
tempo as vendas combinadas de telefonia, banda larga e TV por assinatu
ra já representavam a maior parte das vendas da Net.
A Telefônica vinha, na Europa, apostando há vários anos em servi
ços TV por assinatura sobre redes de banda larga, com a tecnologia IPTV
(o serviço Imagenio), e colocava a TV paga em seu radar também para
a América Latina. Brasil Telecom e Telemar também intensificavam a
busca por tecnologias que permitissem ofertar serviços de TV por assi
natura, como forma de obter uma resposta ao avanço das empresas de

221
TV paga, ou começavam a sondar empresas de TV por assinatura para
eventuais parcerias ou sociedades.
Outro fato que merece ser mencionado ainda nesse período foi o
lançamento, em março de 2004, de mais uma operação de DTH. Depois
das grandes operações da década de 1990 entre Sky e DirecTV, e das pe-
quenas operações da Tecsat e da DTCom, mais uma entrava no jogo, a
Astralsat, uma pequena operadora cujo plano estratégico era oferecer TV
por assinatura com foco nos usuários das parabólicas de banda C que
pegavam os sinais abertos e poderiam querer, naquele serviço, um com
plemento com alguns canais pagos. A Astralsat foi lançada, mas jamais
conseguiu um crescimento mais significativo.
Posteriormente, na segunda metade de 2006, a operadora seria
fundamental à estratégia da Telefônica para o mercado de TV por assina
tura. Era uma estratégia que começava a se desenhar na mesma medida
em que a Net Serviços deixava seus dias de aperto para trás e avançava
sobre o mercado de telecomunicações, e a TVA, sem problemas finan
ceiros imediatos, mas impossibilitada de buscar um crescimento mais
agressivo, seguia em busca de um parceiro estratégico ou de uma forma
de reinventar o seu negócio.

AONDA DO WIMAX
A solução veio de onde menos se esperava: do MMDS. Os operado
res e entusiastas da tecnologia sempre souberam que ela tinha grande
potencial para transmissão de dados, por estar em uma faixa do espectro
pouco congestionada (na casa dos 2,5 GHz), por ser restrita a operadores
de MMDS no Brasil e por ter nada menos que 190 MHz de largura de
espectro, o que em termos de tecnologia de transmissão sem fio é uma
enormidade. Em 2004, mais especificamente em outubro, a Intel, a maior
fabricante de processadores para computadores do mundo, entusiasma
da com o sucesso das tecnologias de transmissão WiFi, faz uma aposta
ousada: investir para viabilizar o desenvolvimento de uma tecnologia de
transmissão de dados que começava a sair das pranchetas para a faixa
do MMDS. Era o WiMAX, tecnologia baseada na modulação OFDM, uma
inovação que já vinha sendo estudada pelos operadores de MMDS desde

222
o começo de 2003, por meio da associação Neotec, com alguns testes con
duzidos pela TV Filme em Belo Horizonte.
Em 2004, os operadores de MMDS brasileiros passaram a discutir
seriamente o potencial do WiMAX como alternativa para ampliar as pos
sibilidades de serviços de suas redes. Combinado com a digitalização dos
canais de TV por assinatura, o WiMAX colocava as operadoras na briga
pela banda larga em condições de igualdade com as empresas de cabo.
Como o Brasil tinha a faixa de 2,5 GHz ocupada exclusivamente pelo ser
viço de TV por assinatura desde o começo dos anos 1990, pelo menos nas
principais cidades, os testes e as pesquisas sempre se conduziram de for
ma a manter os dois serviços coexistentes. O WiMAX ainda trazia, no lon
go prazo, a perspectiva da mobilidade, que naquele momento era a aposta
da Clearwire e da Sprint/Nextel nos EUA, empresas que tinham a faixa de
2,5 GHz e queriam utilizá-la para uma grande rede de banda larga móvel.
Em 2005, quando ficou claro que a tecnologia de WiMAX se desen
volveria precisamente em cima da faixa de 2,5 GHz, as operadoras de
MMDS perceberam que haviam marcado território em um terreno com
imenso potencial. O casamento entre o WiMAX e o MMDS estava celebra
do. O problema é que, paralelamente, passou-se a discutir se aqueles 190
MHz do espectro que os operadores de MMDS tinham conquistado ao
longo dos anos, alguns nas primeiras levas de licenciamento entre 1989
e 1993, outros no processo de licitações entre 1998 e 2001, seriam manti
dos integralmente para o serviço de TV por assinatura.
A Anatel, naquele ano de 2005, promovera a primeira rediscussão
sobre o uso da faixa de MMDS em mais de uma década, até por pressão
das empresas operadoras na tecnologia, que queriam ter a possibilidade
de explorar banda larga naquela faixa.
A Anatel acreditava também que, se fossem digitalizados, os opera
dores de MMDS não teriam necessidade dos 190 MHz. De fato, com as
transmissões analógicas, os operadores de MMDS não podiam ter mais
que 31 canais, mas com a digitalização, eles teriam pelo menos quatro
vezes mais.
O problema é que os grandes operadores de MMDS não tinham con
dições de investir em peso na digitalização e ainda assim preparar as

223
suas redes para a tecnologia WiMAX, que era uma realidade, mas ainda
não estava comercialmente pronta. A TV Filme, desde 1999, enfrentava
severas limitações financeiras, e a TVA tinha que fazer investimentos
selecionados. Optou pela digitalização, em um projeto de US$ 10 milhões
para converter todos os seus assinantes de MMDS na cidade de São Pau
lo para a tecnologia e liberando espectro para outras aplicações. Os ou
tros operadores de MMDS estavam iniciando suas operações e também
não tinham a banda larga como prioridade.
Mas enquanto a Anatel fazia a consulta para a alteração da faixa,
iniciou-se no âmbito dos organismos internacionais de gerenciamento
do espectro um debate sobre o uso da faixa de 2,5 GHz para serviços de
telefonia móvel. Ou seja, o espectro de 2,5 GHz, que até então nunca ti
nha tido nenhum outro interessado no Brasil, a não ser as empresas de
MMDS, poderia ganhar pleiteantes de peso.
A alteração das regras (Resolução 492/06) foi publicada pela Anatel
em fevereiro de 2006, garantindo aos operadores de MMDS o uso inte
gral da faixa, com direito ao Serviço de Comunicação Multimídia (para a
prestação de banda larga), mobilidade restrita e também a promessa de
que a renovação das licenças mais antigas, que aconteceria em 2009, se
daria dentro daquelas regras, com uma possibilidade de redução da faixa
em apenas 40 MHz para a telefonia celular. Era tudo o que os operadores
de MMDS queriam.
Esse foi um dos ingredientes que certamente temperou um dos
maiores e mais importantes negócios de compra e venda de uma opera
dora de TV por assinatura já realizado no Brasil, e certamente o maior
envolvendo uma empresa de telefonia: a compra da TVA pela Telefônica.
A TVA, ao mesmo tempo em que iniciava testes com a tecnologia
WiMAX em suas redes de MMDS em São Paulo e Curitiba, e concluía a
digitalização de todos os seus assinantes, voltava a buscar parceiros ou
formas de conseguir investimentos. O processo começou em 2005, em
um trabalho conduzido pelo banco JP Morgan.
Com a Net e a Embratel ocupando um espaço mais relevante no mer
cado de telecomunicações, as empresas de telefonia também estavam de
olho no mercado de TV por assinatura e começaram a fazer seus movi

224
mentos. A primeira manifestação pública desse novo momento que se
iniciava foi uma incrível disputa pela operadora WayTV, que atuava em
algumas cidades mineiras, como Belo Horizonte, Uberlândia e Poços de
Caldas. Eram operações que haviam surgido a partir das licitações de
1999 e, portanto, eram redes novas, mais ainda naquele caso em que a
sócia e operadora da rede era a empresa de energia Cemig, por meio da
Infovias. No primeiro semestre de 2006, a Infovias resolve colocar a rede
à venda, os outros sócios na operação vendem juntos, e em um leilão em
bolsa realizado no dia 27 de julho, a operadora de telefonia Telemar (Oi)
adquire a WayTV por US$ 60 milhões. Isso significava um valor por assi
nante de TV paga da Way de US$ 1,45 mil, sem a dívida. Contados todos
os clientes da empresa, incluindo os de Internet, o valor por assinante foi
de US$ 1 mil. O curioso é que a Telemar tinha disputado a operadora com
a Net Serviços, que saiu do leilão um dia antes. Mas isso não significa
que a Net aceitaria sem questionamentos a entrada de uma empresa de
telefonia fixa no mercado de TV por assinatura.
A Telemar também chegou muito perto de adquirir a TVA em uma
negociação que não saiu por pouco. E por pouco a TVA também não abriu,
juntamente com o grupo Abril, em maio de 2006, suas ações na bolsa (o
que só não aconteceu porque o grupo Naspers entrou no capital da em
presa da família Civita).
Mas o destino da TVA seria mesmo a Telefônica. Em 29 de outubro
de 2006 a tele espanhola dá um lance e concretiza a compra da empresa
de TV por assinatura da família Civita por um valor estimado em cerca de
R$ 1 bilhão, ouUS$ 470 milhões, em valores da época. Ainda hoje é difícil
dizer qual o valor pago por assinante, porque os 320 mil clientes da TVA,
na época, estavam dispersos em redes com condições técnicas muito di
ferentes, alguns em tecnologia de cabo e outros em MMDS.
O acordo se daria em etapas por conta de limitações regulatórias,
razão pela qual a tele compraria apenas 19,9% da operação de cabo em
São Paulo. A Telefônica, uma empresa estrangeira, não pôde assumir o
controle de uma operação de cabo com a atual redação da lei, situação
semelhante à da Embratel/Telmex na Net. Por outro lado, podia adquirir,
como o fez, as outorgas e operações de MMDS, que naquele momento já

225
tinham um significado especial por conta do WiMAX. A TVA tinha a co-
bertura do serviço de MMDS mais abrangente do país, com operações em
São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, o que significava estar
em alguns dos principais mercados caso o WiMAX desse certo. A venda
deu saída aos sócios estrangeiros da TVA que ainda não haviam sido dilu
ídos, e ao grupo Abril, um novo ânimo para a produção de conteúdos.
Isso porque o acerto entre Telefônica e Abril previa que a operação
de TV por assinatura daria vazão aos conteúdos que fossem produzidos
pela Abril. Naquele momento, existia a MTV, mas logo a recém-criada di
visão da Abril responsável pelo desenvolvimento de canais anuncia mais
dois produtos: os canais FizTV e o Ideal, com uma referência especial ao
FizTV: o canal lançado em julho de 2007 que inovava ao trazer para a sua
grade o conceito de conteúdos gerados pelo usuário.
A estratégia da Telefônica, contudo, não passava apenas pela TVA.
A operadora já vinha desde meados de 2006 se preparando para entrar
no mercado de DTH no Brasil, dando continuidade a uma estratégia pan-
-regional iniciada no Chile que se estendia para Peru, Argentina e, obvia
mente, Brasil. A base dessas operações de DTH era a operação de cabo
que a Telefônica tinha no Peru.
O primeiro passo da Telefônica foi pedir sua licença à Anatel, o que
aconteceu por volta de maio de 2006. Quando o plano de lançar DTH veio
a público, em agosto, a Telefônica começou a sofrer as primeiras críticas
dos operadores de TV por assinatura que viam aquilo uma possível amea
ça à competição, a exemplo do que havia acontecido na compra da WayTV
pela Oi, onde havia (e há até hoje) um debate sobre a interpretação da Lei
do Cabo acerca da possibilidade de uma empresa de telecomunicações
poder ou não controlar uma operadora de TV a cabo.
A Telefônica foi em frente com seu plano, e em setembro, pouco an
tes de fechar negócio com a TVA, anunciou uma parceria estratégica com
a Astralsat, operadora de DTH controlada pela empresa DTHi, que seria
uma espécie de operação de testes da Telefônica. A Astralsat já existia
desde 2004, mas com baixíssimo número de usuários. A operação com
binada entre as duas empresas começou em 23 de novembro, marcando
oficialmente a entrada da Telefônica no mercado brasileiro de TV por

226
assinatura, e em pouco tempo já batia a marca dos 120 mil assinantes.
Entretanto, a aquisição da TVA colocou em oposição a ABTA e seus dois
maiores associados (Net e Sky) de um lado, e a TVA (também associada à
ABTA) e a Telefônica de outro. A disputa foi parar na Justiça, onde ainda
aguarda julgamento de mérito.
Na mesa de argumentos estavam uma complexa discussão sobre a
possibilidade jurídica de a Telefônica entrar no mercado de TV por as-
sinatura por meio das tecnologias MMDS e DTH, e uma polêmica sobre
os impactos concorrenciais de uma eventual concentração de redes na
cidade de São Paulo, já que a Telefônica, além de sua rede de telefonia
fixa, adquiria com a compra da TVA uma rede de TV a cabo e a rede de
MMDS na cidade. A questão concorrencial é algo que ainda está para ser
resolvida, como se verá no próximo capítulo.
Já a presença da Telefônica como controladora de licenças de DTH
e MMDS está, aparentemente, resolvida. A Anatel concedeu em março
de 2007 a licença de DTH própria da Telefônica, e em abril estava em
operação. Mas o que talvez tenha definitivamente consagrado a entrada
da Telefônica no mercado de TV por assinatura foi o acordo celebrado
com a Globosat e com a TV Globo no dia 18 de agosto de 2007. Foi um
contrato histórico para a Globosat, pois pela primeira vez o seu sinal
entraria na TVA. E mais histórico ainda para a TV Globo, que pela pri
meira vez aceitava negociar o seu sinal com uma operadora de DTH da
qual não era sócia. Recorde-se que a Globo havia brigado violentamente,
em 2001, contra uma situação semelhante em que a DirecTV tentou a
mesma coisa.
Do lado da Net, as movimentações também foram extremamente in
tensas e importantes durante esse período. Não só a Net, mas também a
Vivax, que em 2005 despontava como uma das grandes operadoras de TV
a cabo do Brasil e se preparava para saltos ainda maiores. Os grandes pla
nos da operadora começaram no final de 2005, quando percebeu que ha
via uma grande oportunidade para abertura de capital em bolsa. A Vivax
era uma empresa geograficamente bem posicionada, com uma rede mo
derna, um elevado percentual de penetração dos serviços de banda larga
e tinha, no interior de São Paulo, tudo para conquistar uma parcela sig

227
nificativa dos assinantes da Telefônica. Em janeiro de 2006, como forma
de se capitalizar para a competição que teria que enfrentar, a Vivax abriu
capital embolsa.
Quando anunciou a intenção de fazer a oferta de ações, a operadora
estimava que poderia levantar até R$ 375 milhões entre os investidores.
Quando abriu em bolsa efetivamente, levantou mais de R$ 520 milhões,
ficando a maior parte para os seus acionistas. O preço por assinante era
da ordem de US$ 1,36 mil. Mas quando todos pensavam que a Vivax seria
um contrapeso na disputa entre Net e Telefônica, vem o anúncio surpre
endente: a empresa seria adquirida pela Net Serviços, que fez a oferta de
compra meses depois do lançamento das ações em bolsa.
O comunicado da operação é feito no dia 12 de outubro de 2006. Era
um negócio de um tamanho que só se vira no final dos anos 1990 e come
ço de 2000. A Net se tornaria, então, uma operadora com 1,974 milhão de
assinantes de TV paga, 638,4 mil assinantes de banda larga e 8,4 milhões
de domicílios cabeados. Teria quase 50% do mercado de TV paga no Bra
sil e voltaria a ter 75% do mercado de TV a cabo, percentual só registrado
quando comprou a Net Sul e a Unicabo, em 2000.
Com a Vivax, somaria mais 31 cidades à sua área de cobertura e che
garia a 78 mercados ao todo. Mas a fusão tinha um risco: apesar de boas,
as redes ainda não eram codificadas, muito menos digitalizadas, o que
impunha a necessidade de investimentos. Naquela operação, a Vivax foi
avaliada por algo em torno de R$ 1,330 bilhão, mais uma dívida de R$
120 milhões. Isso representava R$ 4,26 mil por assinante da Vivax sem a
dívida, ou R$ 4,64 mil com a dívida. Ou, em moeda norte-americana, US$
2,16 mil por assinante. Era uma tremenda valorização para uma opera
ção que acontecia apenas nove meses depois da abertura de capital em
bolsa, quando a Vivax valia R$ 980 milhões e seu assinante valia cerca
de R$ 3 mil, ou US$ 1,36 mil. A valorização por assinante foi de 58%. E a
avaliação total da companhia saltou 35%.
A fusão tinha um significado maior, porque a Vivax era uma empre
sa associada da NeoTV e agregava muitos assinantes à mesa de negocia
ção com programadores. Mas o mais importante era colocar a Net no pé
da Telefônica em todo o Estado de São Paulo.

228
Depois dessa operação, a Net manteria a toada de adquirir uma opera
dora por ano, sempre na mesma época. Cerca de um ano depois de levar
a Vivax, em 21 de dezembro de 2007, a Net comprou a operadora BigTV,
que operava em capitais do Nordeste e algumas cidades do interior de São
Paulo. Por essa operação, que incluía 12 cidades e 55 mil assinantes, a Net
propôs pagar entre R$ 285,6 milhões a R$ 204,8 milhões, o que daria um
máximo de cerca de R$ 2,6 mil e um mínimo de cerca de R$ 1,9 mil por assi
nante. E no ano seguinte, em 28 de agosto de 2008, comprou a operadora
ESC 90, atuante nas cidades de Vitória e Vila Velha, numa operação estipu
lada em R$ 94 milhões, que dava, sem contar eventuais dívidas, cerca de
R$ 3 mil por assinante. A ESC 90 agregou à Net 31 mil assinantes de TV por
assinatura e 24 mil de banda larga.
Nessa nova onda de fusões entre operadoras de TV por assinatura, tal
vez a mais surpreendente tenha sido a compra da ITSA (antiga TV Filme)
pela Sky, em junho de 2008. Trata-se de uma operação que traz um peso
importante por ter sido a primeira vez que uma operadora de DTH decidiu
apostar em outra tecnologia de distribuição. Além do aspecto simbólico de
a ITSA ser uma das primeiras operadoras do Brasil, a entrada da Sky no
universo do MMDS introduziu-a no jogo da banda larga, o que não é pouca
coisa. Anos antes, a DirecTV, nos EUA, já havia flertado com a compra de
frequências para banda larga, e havia dois anos também participara da
tentativa de compra da TVAem uma disputa apertada. Mas com a ITSA re-
cuperou a chance de testar a convergência entre WiMAX e satélite, abrin
do uma nova frente no mercado. Mais uma de muitas.

229
CAPÍTULO 10

O começo do futuro
Para onde caminha a TV por assinatura? O que é possível dizer sobre
o que acontecerá com as redes de cabo, MMDS e DTH, com as centenas
de canais hoje disponíveis para distribuição na TV paga? O que será da
oferta de serviços de banda larga, ou do serviço de telefonia por meio das
empresas de TV? E o marco regulatório, consolidado desde o final dos
anos 1990, passará por alterações?
Um exercício de futurologia é, ao mesmo tempo, tentador e arriscado
quando se observa a evolução da indústria de TV por assinatura ao longo
das últimas duas décadas. Por isso, deixemos a bola de cristal de lado.
Em lugar disso, e mesmo em nome da prudência, pois o palpite gra
tuito teria uma considerável margem de erro, o caminho aqui será outro.
Vamos relatar alguns fatos recentes da indústria, todos ainda em fase
de desenvolvimento, e que apontam para possíveis caminhos que pode
rão ser percorridos nos próximos anos pelo setor de TV paga, seus ope
radores e programadores. Todas são alternativas que certamente terão
impacto sobre assinantes e usuários e que poderão mudar significativa
mente, ou não, a dinâmica do mercado e o papel de pequenos, médios e
grandes operadores.
O primeiro fato que merece destaque é personagem recorrente no
dia a dia da indústria, pelo menos desde 2005: a convergência, seja de
serviços ou de empresas. No momento em que os serviços de telecomuni
cações como banda larga e telefonia entraram no portfólio das empresas
de TV paga, e que as empresas de telecomunicações assumiram o contro
le de redes e operadoras de TV por assinatura, definiu-se o nome do jogo
nos próximos anos entre os dois setores.
Os fatos históricos mostram que desde 1993, pelo menos, os setores
de telefonia e de TV paga têm uma relação de confronto, de um lado, e

230
convergência de interesses de outro. Em 1993, a operadora Telemig, en-
tão estatal, assumiu uma postura agressiva e decidiu construir uma rede
convergente para a oferta de serviços de transmissão de dados e televi
são. Operadores de TV por assinatura prontamente reagiram, alegando
que seria uma interferência indevida em um negócio ainda incipiente,
em um setor onde a livre iniciativa tinha campo fértil para prosperar. De
fato, com a negociação da Lei do Cabo e depois com o estabelecimento de
políticas de governo, a estratégia da Telemig e de outras teles, entre as
quais a Telebrasília, a Telebahia e outras, não foi adiante. Mas naquele
confronto entre Telemig e o setor de TV paga surgiu o primeiro acordo de
compartilhamento de infraestrutura entre o setor de cabo e uma empre
sa de telecomunicações. Quando TTC Video Cabo (depois adquirida pela
Multicanal) e Telemig aceitaram usar a mesma rede de fibra, estabele-
ceu-se um modelo de convergência de redes. A parceria não foi adiante
porque tanto Telemig quanto Multicanal seguiram caminhos diferentes.
Esta última foi consolidada pela Globo Cabo, ajudando a compor a maior
rede de acesso privada até a privatização da Telebrás, e até hoje a maior
rede de acesso não vinculada à prestação exclusiva dos serviços de te
lefonia. A Telemig, por sua vez, foi privatizada e tornou-se parte do que
viria a ser a Telemar e depois a Oi.
Por ironia do destino, Belo Horizonte acabou sendo alvo da primeira
investida da Oi no mercado de TV a cabo, ao adquirir em 2006 a opera
dora WayTV, que por sua vez havia sido concebida a partir do processo
de licitação de novas outorgas de cabo e MMDS em 1998, portanto, após
a privatização da Telebrás, e que teve como característica marcante um
modelo de rede terceirizada em que o detentor da infraestrutura era a
Infovias, empresa de telecomunicações da estatal de energia Cemig.
AOitem, no momento em que este livro está sendo escrito, em 2009,
a operação da antiga WayTV, hoje chamada de OiTV, como um laborató
rio para o que pretende fazer na área de TV por assinatura, em uma inves
tida que parece inevitável. A Oi é uma empresa de grande porte, a maior
empresa de telecomunicações do Brasil, e não tem contra si a limitação
de capital estrangeiro. Por ser uma empresa cujo controle é indiscutivel
mente nacional, a operadora está liberada para prestar qualquer serviço.

231
Sua única limitação é a barreira da Lei do Cabo, que estabeleceu em 1995
que empresas de telecomunicações só poderiam explorar o serviço de TV
a cabo se empresas privadas não tivessem interesse. Ainda que em 1995
empresas privadas se contrapusessem a empresas estatais de telecomu
nicações, essa redação da lei continuou válida após a Lei Geral de Tele
comunicações e após a privatização da Telebrás, estendendo a limitação
até os dias de hoje. Este é o foco principal de uma intensa batalha para
a alteração da Lei do Cabo que se iniciou em 2007 e ainda está em anda
mento, e que logo analisaremos.
De qualquer forma, o modelo que havia se insinuado na década de
1990, na parceria entre a TTC e a Telemig, voltou a ser testado no momento
em que a Telefônica adquiriu a TVA, também no final de 2006. Nesse caso,
porém, com algumas variações. A Telefônica, que surgiu como operador
no Brasil ao adquirir a Telesp no leilão de privatização de 1998, passou a
controlar integralmente a operação de MMDS da TVAe apenas a parte le
galmente permitida da operação de cabo, sendo que nesse caso o controle
da tele é estrangeiro. Mas nada impede que todas as operações da TVA e
da Telefônica trabalhem em conjunto na oferta de serviços combinados.
Nesse sentido, 2009 marcou o lançamento comercial das operações de
IPTV da Telefônica utilizando a rede de acesso por fibra óptica construída
pela tele em alguns bairros da cidade de São Paulo. É um modelo muito
parecido com o da operadora Verizon, nos EUA, com o serviço FiOS.
A Verizon iniciou em 2005 a oferta de vídeo sobre uma nova rede de
fibras que passou a ser construída no lugar da antiga rede de fios de cobre
que servia ao serviço de telefonia e determinou, assim, uma virada das em
presas de telecomunicações dos EUA frente à convergência de serviços.
O serviço da TVA/Telefônica foi batizado de TVA Xtreme e vendido
em conjunto com o acesso à Internet em alta velocidade, com velocidades
de no mínimo 8 Mbps mas podendo chegar a 30 Mbps, além de serviço
de telefonia com ligações ilimitadas. A proposta da Telefônica é quase a
de um carro-conceito, muito mais para mostrar o potencial da tecnologia
do que para ganhar participação de mercado, pois a rede em que oferece
tudo isso é limitada. Outra proposta do serviço é oferecer conteúdos em
alta definição, algo que a TVA fez pela primeira vez na Copa do Mundo

232
de 2006, mas, naquela época, sem disposição financeira para tornar o
produto um sucesso comercial. A TVA XTream também marca o início
de uma operação comercial de video-on-demand combinada com o servi
ço de TV por assinatura, com um catálogo de mais de 600 títulos entre
filmes, séries, músicas, conteúdos infantil e adulto. A Telefônica lançou
todos esses serviços apostando no conceito de lar digital.
O projeto de levar fibra óptica até a casa dos usuários da Telefônica
começou ainda em 2007 para 40 mil residências na região dos Jardins.
No encerramento deste livro, era um projeto presente em 26 bairros da
capital paulista e em mais oito cidades do estado, totalizando 370 mil re-
sidências cobertas. O modelo da Telefônica de IPTV sobre redes de fibras
no Brasil é, portanto, restrito a poucos assinantes potenciais, mas repre
senta uma estratégia inovadora da empresa, que não pretende reprodu
zir no país o modelo da Telefônica na Espanha, onde a oferta de IPTV se
dá por meio da rede xDSL.
A oferta de banda larga sobre redes xDSL, como se recorda, chegou a
ser cogitada pela Telefônica no começo de 2001, mas foi logo descartada.
Quem levou adiante o projeto de vídeo sobre ADSL foi a Brasil Telecom,
com o serviço Videon, lançado em setembro de 2007 com apenas alguns
canais de pay-per-view e de vídeo sob demanda. A Brasil Telecom havia
iniciado seu flerte com o mercado de TV paga desde 2002 mas preferiu
não fazer nada que pudesse, de alguma maneira, sofrer contestações le
gais, como fizeram a Oi ao comprar a WayTV e a Telefônica ao adquirir o
controle da TVA.
O serviço Videon foi, por essa razão, limitado a poucos usuários,
mais como uma forma de a empresa conhecer a dinâmica do mercado de
TV por assinatura até que estivesse claro, do ponto de vista regulatório,
o que empresas de telecomunicações poderiam e não poderiam fazer. Ao
ser adquirida pela Oi, no começo de 2009, a Brasil Telecom pôs o desen
volvimento do serviço Videon na geladeira, aguardando uma diretriz da
nova controladora.
Mas a estratégia das empresas de telecomunicações para a área de
TV por assinatura parece estar centrada, mesmo, na oferta de serviços de
DTH. Sem a limitação de capital estrangeiro e sem nenhuma limitação

233
regulatória, o DTH virou o caminho de entrada escolhido pela Telefônica,
pela Embratel (que apesar da sociedade com a Net lançou seu próprio ser
viço no final de 2008) e pela Oi, cujo lançamento do serviço via satélite é
aguardado para um momento próximo, durante a finalização deste livro.
O ponto comum entre as três teles foi a estratégia inicial, sempre com
alternativas de menor custo.
ATelefônica, quando entrouno mercado de TVpagavia satélite atra
vés da parceria feita com a DTHi, em novembro de 2006, tinha um pacote
barato e agressivo, com preço inicial de R$ 39,90 incluindo conteúdo da
HBO. O pacote máximo dessa operação não custava mais que R$ 79,90, o
que garantiu um crescimento vigoroso por alguns meses. Com o tempo, a
Telefônica mudou a estratégia: primeiro, unificou seus pacotes e alinhou
os preços com os que eram cobrados pela TVA. Depois, iniciou a oferta de
seus serviços de DTH com a licença própria; e, por fim, adotou um empa
cotamento que permitisse a inclusão dos canais Globosat. Tudo isso fez
com que a tele saísse do modelo de baixo custo.
Nada disso impediu outra operadora de telecomunicações, a Embra
tel, de buscar uma forma de atingir as camadas menos abastadas da po
pulação. Apesar de ser sócia da Net Serviços, a Embratel quis, com uma
operação de DTH própria, expandir o serviço de TV por assinatura para
além da área coberta pela rede de cabos. Mas a estratégia também in
cluía a oferta de um produto com preço mais acessível. Originalmente, a
proposta da Embratel era chegar a um modelo parecido com o que a Te
lefônica conseguira com sua primeira parceria com a DTHi, pelo menos
quanto a valores. Posteriormente, ao ajustar sua estratégia aos contratos
de programação, o pacote inicial acabou não saindo tão barato como se
imaginava. Com um produto de entrada na casa dos R$ 59,90, a Embratel
estreou uma operação própria de DTH em dezembro de 2008, trazendo
na bagagem pelo menos uma inovação: era a primeira operadora de TV
por assinatura via satélite a utilizar a tecnologia DVB-S2, baseada na
compressão M-PEG4, o que lhe dava a possibilidade de empacotar mais
canais, com melhor qualidade e custos reduzidos de transponder. Outra
inovação foi a introdução do receptor híbrido para banda Ku e para si
nais de banda C, permitindo à empresa colocar em prática uma proposta

234
que a Tecsat já pensara introduzir em 1999, mas não teve condições de
manter-se competitiva no mercado.

DTH E CLASSE C
A entrada da Embratel no mercado de TV paga sem a sociedade com
a Globo existente na Net também mostrou que a estratégia da tele, con
trolada pelo grupo de Carlos Slim, não era só manter-se sócia da Globo,
como se chegou a comentar quando a compra da Net Serviços foi fechada
em 2004. A Embratel realmente acredita que TV por assinatura pode ser
um diferencial competitivo em sua disputa com as concessionárias lo
cais de telefonia. Por essa razão, sua estratégia é relevante porque marca
de maneira bem clara que as empresas de telecomunicações devem ter a
TV por assinatura em seu leque de ofertas para competição.
Essa é, também, a expectativa que se coloca diante da entrada da Oi
no mercado de TV paga via satélite. A empresa adotou, a partir de 2006,
quando adquiriu a WayTV, uma postura crítica em relação aos operado
res de TV por assinatura existentes, no que se refere à oferta de serviços
para camadas menos abastadas. Em todos os momentos, a Oi fundamen
tou seus argumentos na ideia de que a TV por assinatura no Brasil pode
ser mais barata e mais popular.
Esse discurso ajudou a ganhar o apoio de parlamentares e autorida
des para a polêmica proposta de fusão com a Brasil Telecom, anunciada
no começo de 2008 e concretizada nas primeiras semanas de 2009. A
Oi chegou a dizer que o mercado brasileiro de TV por assinatura tinha
potencial para 20 milhões de assinantes. Não foi a primeira vez que um
número dessa magnitude surgiu no horizonte. Em 1997, às vésperas de
fazer a privatização do Sistema Telebrás, o próprio governo chegou a
projetar uma base de 16,5 milhões de assinantes em 2005. Obviamente,
era um número irreal, 12 milhões acima da realidade registrada naquele
ano, mas que sempre serviu de parâmetro para que outros setores, so-
bretudo o setor de telecomunicações, apontassem a suposta ineficiência
do setor de TV por assinatura. Analisando-se os dados sob a perspectiva
histórica, percebe-se que o mercado de TV paga teve apenas duas ondas
de expansão do ponto de vista das licenças: uma em 1991 e outra entre

235
1998 e 2001. Ainda assim, o serviço de DTH é hoje acessível em pratica
mente qualquer ponto do Brasil, o que torna a sua cobertura tão eficiente
quanto a de telefonia fixa; e a banda larga por rede de TV por assinatura,
embora não esteja presente em todos os municípios, compete de forma
agressiva com os operadores de telecomunicações.
Parte importante desse esforço competitivo deve-se à Net Serviços,
sobretudo depois que a Embratel passou a figurar entre suas controlado
ras. O primeiro ataque efetivo da Net ao domínio das empresas de telefo
nia foi o serviço de voz, mas o que realmente fez a diferença foi a oferta do
produto Mega Flash de acesso à Internet em banda larga. Foi um produto
lançado em novembro de 2005 que inovou a relação velocidade/preço de
produtos banda larga. Pela primeira vez ofereciam-se produtos com mais
de 2 Mbps a menos de R$ 90,00. Além disso, a Net colocou uma opção
de 8 Mbps, até então inexistente para usuários residenciais. A estraté
gia da operadora iniciou uma fase de rápido crescimento nas vendas e
forçou as empresas de telecomunicações a buscar soluções tecnológicas
que ampliassem a capacidade do ADSL. Um mês depois, a Vivax ofereceu
o que era, naquele momento, a maior velocidade nominal de um serviço
de banda larga, um produto de 10 Mbps.
Exatamente três anos depois do lançamento do Mega Flash, a Net
passou a oferecer, ainda em caráter experimental no bairro do Leblon, no
Rio de Janeiro, e depois na capital paulista, um produto com velocidade
de 60 Mbps por meio da tecnologia DOCSIS 3.0, que trouxe ainda outra
inovação: a oferta de conteúdos sob demanda pela Internet.
De 2005 para cá, a Net não só ganhou um espaço cada vez mais re-
levante na disputa pelo mercado de banda larga, como a banda larga tor-
nou-se seu principal produto de novas vendas, impulsionando as vendas
de TV paga e telefonia em pacotes combinados.
Mas, se de um lado a Net criou modalidades de acesso com velocida
des de megabits por segundo, por outro abriu uma nova frente de ataque
ao brigar pelo segmento de baixa renda com um pacote de Internet, TV e
voz combinados. O produto foi o Net Fone.com, lançado em fevereiro de
2008 a R$ 39,90, oferecendo um acesso à Internet de 100 kbps, serviço
de telefonia sem assinatura básica e um pacote de TV que incluía apenas

236
canais abertos e obrigatórios, mas ainda assim ampliava a quantidade de
opções do usuário. Pela primeira vez, a maior operadora de TV por assina
tura do país apostava no segmento de baixa renda de forma não contro
lada, em uma cidade-laboratório. Foi uma estratégia agressiva da Net que
resultou em 2008, segundo avaliação da própria empresa, no “melhor ano
da história” em termos de resultados financeiros e operacionais. Essa po
lítica deve trazer à empresa um crescimento significativo nos próximos
anos, a depender da disposição de manter a oferta diante de eventuais
retrações de mercado e da perda de poder aquisitivo do público-alvo.
Os recentes anos da história da TV paga também marcaram o início
efetivo da era da alta definição na TV por assinatura. É fato que a pri
meira transmissão em alta definição em caráter comercial aconteceu na
Copa do Mundo de 2006, em uma operação conjunta da TVA e do canal
BandSports, que inovou, não apenas por ser a primeira transmissão em
HD, mas por utilizar o MMDS para esse fim, algo inédito em todo o mun
do. A operadora, contudo, não levou o produto adiante, aguardando uma
nova geração de equipamentos e opções de programação.
Em novembro de 2007, a Globosat lançou seu primeiro canal em alta
definição, o Globosat HD, cerca de um mês antes do início das transmis
sões abertas da TV digital na cidade de São Paulo, no dia 2 de dezembro.
A Net Serviços lançou o seu serviço em alta definição (HD) dia 30 de no
vembro, antes, portanto, do início das transmissões em alta definição,
ainda que os decoders HD só fossem distribuídos duas semanas depois.
A surpresa da Net, contudo, foi lançar um equipamento para a re-
cepção dos canais em alta definição mais barato do que o set-top HD dis
ponível para TV aberta e com a inovação do DVR HD (gravador digital
com capacidade de armazenar conteúdos em alta definição). Ao longo do
ano de 2008, a TVA também relançou seu serviço em alta definição, apro
veitando as transmissões em HD pelo canal SporTV das Olimpíadas de
Pequim. A TVA também foi a primeira a distribuir os canais da HBO em
alta definição.
Nos EUA, a DirecTV havia adotado, a partir de 2005, principalmen
te, uma estratégia muito agressiva contra as operadoras de cabo ao colo
car uma grande quantidade de canais em alta definição, aproveitando-se

237
da maior flexibilidade do satélite para esse tipo de serviço. Era natural
que se esperasse o mesmo no Brasil. A Sky demorou para anunciar seu
produto, mas quando o fez optou por uma estratégia grandiosa. De uma
só vez, lançou em maio de 2009, dez canais em alta definição, alguns
inéditos no mercado brasileiro, e um set-top altamente sofisticado, com
gravador digital e recursos de interação até então inéditos no mercado
brasileiro. Foi o maior investimento em marketing para um lançamento
de produto da história da TV paga, o que reforça a agressividade que os
operadores de TV por assinatura devem adotar no quesito conteúdos em
alta definição, daqui em diante.
Mas a estratégia da Sky trouxe uma surpresa que, a depender dos seus
desdobramentos, pode ter marcado ainda mais profundamente a história
da TV por assinatura: pela primeira vez, a operadora adotou uma estraté
gia de programação completamente diferente da Net Serviços. Recorde-se
que, originalmente, as duas operadoras eram controladas pelo grupo Glo
bo e durante vários anos não se diferenciaram em termos de programação.
A diferença entre os dois produtos estava na área de cobertura e em even
tuais recursos tecnológicos de uma ou de outra, como uma caixa digital e
interativa da Sky contra uma oferta de banda larga da Net. Mas ao lançar
seu produto HD, a Sky colocou uma quantidade muito maior de canais HD
e, mais importante, prescindiu, pelo menos em um primeiro momento, do
canal Globosat HD, presente na Net Serviços em seu pacote básico.
Não foi a única surpresa recente em termos de programação que
poderá ter implicações importantes no futuro. Em dezembro de 2008,
a Globosat adquiriu, pela primeira vez, os direitos de um grande evento
esportivo não disponível na TV Globo. Trata-se dos direitos para a trans
missão das Olimpíadas de Londres, em 2012, e das Olimpíadas de Inverno
de Vancouver, em 2010. A Globosat, na verdade, diante do fato de a TV
Record ter sido a compradora dos direitos para os dois eventos em lugar
da Globo, apressou-se para não ficar de fora. A estratégia é aproveitar
o fato de que em 2012 a TV por assinatura deverá ter uma penetração
maior, e a audiência aberta ser menor pela ausência do esforço da Globo
em promover o evento. Se a estratégia estiver correta, e se de fato a TV
Globo não transmitir as Olimpíadas de Londres, será um momento de

238
ruptura importante na relação entre as duas empresas. O valor pago pela
Globosat à Record para ter os jogos foi elevado para os padrões da TV
paga brasileira, entre US$ 14 milhões e US$ 22 milhões.
Por trás de todas essas apostas está a expectativa de que a TV por
assinatura terá um crescimento significativo nos próximos anos, e que
conteúdos premium e em alta definição, como são os jogos olímpicos, te
rão papel preponderante para as operadoras.
Mas, se de um lado, os canais e operadoras de TV por assinatura se es-
forçam para oferecer conteúdos em alta definição, de outro, as telas ainda
pequenas dos serviços de vídeo pela Internet vão representando, aos pou
cos, um concorrente cada dia mais importante para o mercado de TV paga.
A onda da Internet vem crescendo. No Brasil, começou ainda na
década de 1990 com algumas operações quase experimentais, como TV
UOL e TV Terra, e aos poucos foi adquirindo magnitude. Impulsionados
pelo avanço da banda larga, sobretudo a partir de 2005, e pelo crescen
te hábito dos usuários de Internet de consumir vídeo (fenômeno que se
deve em grande parte ao YouTube), os portais se tornaram mais e mais
presentes no mundo dos conteúdos audiovisuais, abertos ou por assina
tura, profissionais ou gerados por usuários.
Um importante marco nessa realidade estabeleceu-se em abril de
2006, quando a gigante do conteúdo Disney decidiu colocar as suas prin
cipais séries de TV aberta e gratuita para serem assistidas em seus sites
na Internet. Na ocasião, a Disney não tinha a exata dimensão do que esta
va fazendo. Buscava apenas entender um novo mundo que se desenhava.
Em 2009, o presidente do grupo Disney, Bob Iger, em palestra a empresá
rios de cabo norte-americanos avaliou sua estratégia:

Quando colocamos nosso conteúdo na web, fizemos isso para manter


o crescimento e a importância de nosso conteúdo, ampliar nossas opções
de receita e buscar novos modelos. Acreditamos ser uma importante forma
de combater a pirataria. Tínhamos que desafiar o status quo.

As palavras do presidente da Disney são apenas parte de uma dis


puta complexa. Assim como a TV a cabo contribuiu enormemente para

239
a disseminação da banda larga onde atua, e assim como os operadores
de TV paga em geral ajudaram a elevar a qualidade da programação com
conteúdos em alta definição, ambos também contribuíram para que a In
ternet se tornasse mais presente na vida das pessoas e, principalmente,
de seus próprios usuários. Mais Internet significa mais acesso a conteú
dos. Mais acesso banda larga significa mais acesso a conteúdos de vídeo.
E tudo isso pode significar menos tempo fazendo outras coisas, como
assistir à televisão, por exemplo.

RESPOSTA PARA A INTERNET


A TV por assinatura ainda está em busca de uma resposta, de uma
forma de dar ao seu assinante a comodidade oferecida pela Internet ao
ofertar conteúdos independentemente do local e da rede em que se este
ja conectado. A Internet também reforçou o conceito de conteúdos sob
demanda, que ainda hoje não é a regra geral na TV por assinatura. E,
sobretudo, a Internet trouxe o complicado conceito de conteúdo a custo
zero, ou quase zero. Tudo isso age em sentido oposto ao modelo da TV
por assinatura tradicional, não só no Brasil, mas em todo o mundo. E
existe uma percepção clara de que a publicidade não será suficiente para
sustentar toda a cadeia, por isso há um grande ponto de interrogação em
relação aos modelos que prevalecerão no futuro da TV por assinatura e
da própria Internet, que hoje depende em grande parte desses conteúdos
pagos e dos conteúdos premium que foram originalmente produzidos
para as mídias “tradicionais”, como a TV aberta ou a TV por assinatura.
Nos EUA, por exemplo, desenham-se modelos como o “TV Everywhere”,
proposto pela operadora Time Warner, em que o assinante de cabo ou
DTH, uma vez contratante de algum serviço pago, passa a ter acesso aos
conteúdos, via Internet, em qualquer local que esteja.
É um modelo em que o operador de TV por assinatura ainda tem um
papel, em contraposição ao modelo Sling Media, lançado em 2006, com
seu dispositivo Slingbox, que “convertia” os sinais de TV paga do usuário e
jogava o conteúdo para a Internet, tornando-o acessível em qualquer lugar
do mundo por meio de um software específico. A TVA chegou a lançar esse
serviço no Brasil em 2006, sem grande esforço comercial. Outra fronteira

240
que se abre nos EUA, mas que ainda parece distante do cenário brasileiro,
é a revisão do modelo de publicidade. Em função de estratégias de publici
dade altamente segmentadas e diferenciadas de usuário a usuário, como a
oferecida pelo Google, operadores de cabo congregados no Projeto Canoe,
nos EUA, buscam formas de fazer a mesma coisa, ou seja, de transformar
seu modelo de publicidade em algo customizado e segmentado.
Outro desafio que se coloca aos operadores de TV por assinatura em
todo o mundo é a mobilidade. Nenhuma tecnologia de telecomunicações
teve um crescimento tão vertiginoso nos últimos dez anos quanto a tele
fonia celular. Mesmo em mercados como o brasileiro, a telefonia celular
está presente de maneira absolutamente incontestável, e isso tem mu
dado o comportamento das pessoas em relação às suas expectativas de
conectividade e comunicação. A Internet, por meio do celular, torna-se
presente a qualquer momento. E com a tendência de que essas redes de
telefonia celular tragam cada vez mais conteúdos multimídia, sobretudo
conteúdos audiovisuais, a convergência entre TV por assinatura e redes
de celular é um objetivo buscado no mundo todo, no Brasil inclusive. Nos
EUA, os cinco maiores operadores de cabo se aliaram às empresas Cle-
arwire e Sprint para oferecer serviços de banda larga em cima de redes
WiMAX na faixa dos 2,5 GHz. No Brasil, a aproximação entre Sky e TV
Filme (detentora da licença de MMDS na faixa de 2,5 GHz) ou Telefônica
e TVA (também operadora de MMDS, na faixa de 2,5 GHz) pode indicar
caminho semelhante. E mesmo a Net Serviços, que desde o começo dos
anos 1990 tem licenças de MMDS e para as quais nunca deu muita im
portância, pode começar a olhar para esse mercado com outros olhos. O
sonho dos serviços “quadruplo-play” (voz, TV por assinatura, Internet e
mobilidade), uma evolução dos serviços “triple play” (voz, Internet e TV
por assinatura) já existentes, é uma realidade que não parece muito dis
tante, e pequenos exemplos, como a possibilidade de programar o DVR
por meio do celular ou adquirir pacotes de TV paga por SMS parecem ser
os primeiros passos do que poderá acontecer.
Mas o grande desafio dos operadores de TV por assinatura e progra
madores na realidade do mundo da Internet em banda larga é encontrar
um modelo em que todos participem, pois o papel do operador como in

241
termediário na venda do conteúdo é cada vez mais desafiado pelos hábi
tos dos usuários.
Essa disputa já vinha sendo sentida no Brasil desde pelo menos
2003, quando os primeiros contratos entre programadores de TV por
assinatura foram firmados com empresas de Internet e provedores de
conteúdo em celular. Um caso emblemático foi o lançamento do servi
ço de conteúdos por celular TIM TV Access, em 22 de outubro de 2004,
quando a operadora de celular passou a distribuir os canais BandNews,
BandSports, Bloomberg, Clima Tempo, TV Câmara e TV Senado aos
seus assinantes. Naquela ocasião, a TVA foi usada como intermediária
nos contratos, já que os programadores não sabiam ao certo como cele
brar aquele tipo de contrato com uma empresa de celular. Imediatamen
te, NeoTV e Net Brasil, que contratavam programação dos canais para
operadores de TV paga, protestaram contra o fato de os programado
res estarem utilizando empacotamentos mais flexíveis para as novas
mídias do que o faziam para os parceiros tradicionais de TV a cabo,
MMDSouDTH.
O problema, contudo, tornou-se ainda mais visível a partir de 2008,
quando o portal Terra (controlado pela Telefônica) decidiu entrar na dis
puta por direitos esportivos e adquiriu, com exclusividade, os direitos de
transmissão das Olimpíadas de Pequim pela Internet. Logo em seguida,
o Terra adotaria uma estratégia ainda mais ousada ao fechar, em outubro
de 2008, com a Disney, o direito de transmissão de algumas das séries de
maior audiência na TV por assinatura brasileira como Lost, Grey’s Ana-
tomy, Desperate Housewives, entre outras, inclusive com a autorização
para a exibição dos conteúdos no mesmo dia em que fossem ao ar na TV
paga. Os operadores de TV por assinatura alegaram que a exibição des
ses conteúdos de forma gratuita, como fazia o Terra, configurava-se, de
alguma maneira, como uma forma de concorrência desleal contra os ope
radores de TV paga.
É uma disputa que está longe de solução, já que as empresas de In
ternet, a cada dia, se colocam mais como provedoras de conteúdos audio
visuais com crescente qualidade e, a cada momento, mais próximas do
televisor do usuário, como a possibilidade de conectar o computador às

242
telas de LCD, de dispositivos como AppleTV e outra formas de convergên
cia de serviços e tecnologias.
O primeiro operador a levantar a voz foi a Net Serviços, que conse
guiu garantir que os canais evitassem, pelo menos, a distribuição dos
conteúdos da TV paga em seus próprios sites de Internet. Mas isso ain
da não mudou a realidade de que os estúdios produtores comercializem
seus conteúdos em outras plataformas, criando nova forma de pressão
sobre o modelo da TV por assinatura.
O contra-ataque das empresas de TV paga, ao que tudo indica, será
com os conteúdos em alta definição e outras formas de empacotar con
teúdo, mas espera-se também que o modelo da Internet, com muitos con
ceitos novos mas ainda poucas receitas, acabe sucumbindo a propostas
de negócio mais estabelecidas como os modelos de TV por assinatura e
TV aberta. Tudo isso depende, é claro, da vontade dos usuários.
Esse cenário de convergência tem aumentado, em todo o mundo, a
pressão por mudanças no ambiente regulatório. Como vimos ao longo
dos capítulos anteriores, uma série de pontos de desconforto se estabele
ceu nos últimos anos em relação à regulamentação existente. Questões
como limite de capital estrangeiro, assimetrias regulatórias entre cabo,
MMDS e DTH, possibilidade de controle das empresas de TV por assina
tura pelas empresas de telecomunicações e, agora, a questão da Internet.
Com isso, o setor de TV por assinatura vive, desde 2007, um intenso mo
mento de discussão e revisão dos marcos regulatórios, e o maior respon
sável por esse debate é o projeto de lei PL 29/2007, em debate na Câmara
dos Deputados.
Mas para entender a dinâmica desta discussão é preciso retroce
der doze anos, a 1997, quando foi discutida e aprovada a Lei Geral de
Telecomunicações. Naquele ano, mais precisamente no dia 26 de maio,
Mário Leonel Netto, então secretário de serviços de comunicação do
Ministério das Comunicações, confirmou ao jornalista Carlos Eduardo
Zanatta a informação apurada e publicada uma semana antes pelo bo
letim online PAY-TV Real Time News que a Lei do Cabo teria que ser mu
dada, no futuro, de modo que o serviço pudesse se enquadrar nas regras
dos serviços prestados em regime privado, propostas pela Lei Geral de

243
Telecomunicações. Também naquela ocasião, Leonel disse que essas al
terações viriam em uma Lei de Comunicação de Massa, que englobaria,
inclusive, os serviços de radiodifusão.
A estratégia do governo para aprovar rapidamente a Lei Geral de
Telecomunicações, que era fundamental para a privatização, foi deixar
a sempre polêmica radiodifusão de fora dos debates e focar apenas em
telecom. Como a TV a cabo tinha uma legislação recente, editada apenas
dois anos antes, alterar as regras do setor poderia significar adiar ainda
mais o processo de licitação, que aconteceria naquele ano de 1997.
O fato é que a LGT foi publicada e não se mexeu na Lei do Cabo, mas
isso criou uma série de distorções e incongruências: “concessão” passou
a ser um termo designado apenas para serviços públicos, passíveis de
universalização e com continuidade de prestação de serviço garantido
pelo estado, algo muito diferente das concessões de TV a cabo; o capital
estrangeiro deixou de ter limite para todos os demais serviços, exceto
para a TV a cabo; as empresas de telecomunicações foram autorizadas a
entrar em todos os mercados a partir de 2002, exceto TV a cabo; outras
modalidades de TV paga não tinham obrigações de canais obrigatórios e
de acesso público, mas a TV a cabo sim. E mais uma série de pequenas in
compatibilidades que teriam sido resolvidas com uma legislação única.
Não faltaram discussões sobre isso entre 1999 e 2002, inclusive com um
projeto de Lei de Comunicação esboçado pelo ministro das Comunica
ções Juarez Quadros e deixado como contribuição para o primeiro minis
tro das Comunicações que assumisse no governo do PT, em 2003, o que
nunca frutificou.
A partir de 2005, a pressão aumentou, mas no sentido contrário:
empresas de radiodifusão queriam levar a outras mídias eletrônicas, in
cluindo TV paga e Internet, as suas restrições Constitucionais de controle
de capital estrangeiro e gestão por profissionais brasileiros. Em 2007, as
empresas de telecomunicações assumiram a dianteira do debate quando
o deputado Paulo Bornhausen (DEM/SC) apresentou o PL 29/2007, cuja
proposta era alterar a Lei do Cabo em seus aspectos mais polêmicos: a
questão do capital estrangeiro e a presença das empresas de telecomuni
cações. A proposta de Bornhausen era altamente liberalizante e acabava

244
com qualquer restrição. Mas a discussão ganhou corpo e outros projetos
de lei sobre o mesmo assunto foram apresentados e apensados (anexa
dos) ao PL 29. Com isso, o projeto de Bornhausen tornou-se uma proposta
muito mais complexa, e sua tramitação na Câmara dos Deputados ainda
estava aberta no momento em que este livro foi encerrado.
Alguns pontos, intensamente discutidos ao longo de 2008 com o de
putado Jorge Bittar (relator da proposta na ocasião) e outros parlamenta
res, parecia que prevaleceriam ao final dos debates. Uma das propostas
previa que empresas de telecomunicações fossem excluídas do mercado
de produção de conteúdos ou a compra de direitos sobre eventos ou obras
de interesse nacional, o que inclui a compra de eventos esportivos. Da
mesma forma, as empresas de radiodifusão estavam impedidas de ex
plorar, de modo geral, o mercado de telecomunicações. Outra proposta
era acabar com o limite de capital estrangeiro em empresas de TV paga.
Também não haveria mais qualquer limite à presença das teles no capital
de empresas de TV por assinatura.
Uma proposta importante que chegou a contar com algum grau de
consenso, ainda que esteja pouco clara qual será a abrangência dessa
medida, é criar cotas de produção de conteúdo nacional e de produção
e programação independentes nos canais pagos. Fundamentalmente, a
ideia, fomentada por produtores audiovisuais e com o apoio da Ancine,
era colocar em canais estrangeiros um percentual de conteúdos nacio
nais, de preferência independentes, isto é, sem vínculos com grandes
grupos de mídia. E também um percentual de programação independen
te, ou seja, cujo produtor não tenha vínculos com a operadora, como já
acontece nos conteúdos da Globosat na Net Serviços e na Sky, da qual a
Globo é sócia. Essa medida foi discutida para ampliar a presença de gru
pos como a Bandeirantes, Abril e Record no segmento de TV por assina
tura. No meio das discussões, em junho de 2009, contudo, o grupo Abril
sofreu uma importante baixa e deixou de produzir os seus dois canais de
TV por assinatura, FizTV e Ideal.
A discussão do PL 29/07 resvalou, em alguns momentos, também
para a regulação da Internet aberta, o que acrescentaria um elemento im
portante ao cenário das comunicações, já que hoje essa é uma atividade

245
completamente desregulada. Mas a Internet fechada, ou seja, os serviços
vendidos por assinatura, mas que utilizam o protocolo IP, da Internet, deve
estar incluída no escopo da nova legislação. Esta é, pelo menos, a proposta
consensual entre os diferentes atores que participam do debate, o que sig
nifica que serviços de IPTV e mesmo canais que são distribuídos pela web
teriam que se submeter às regras da nova lei, caso seja aprovada.
A tramitação, contudo, não é nem um pouco simples, passa por jo
gos de interesse e lobby de todos os lados, e tentar prever, em meados de
2009, qual seria o resultado do debate é algo tão arriscado quanto prever
o próprio futuro do setor.
Outra questão que se coloca para o setor de TV por assinatura nos
próximos anos é o seu papel diante de eventuais políticas de fomento à
banda larga que venham a ser estabelecidas pelo governo. Até recente
mente, a TV paga era vista como um serviço supérfluo e com pouco im
pacto social. Mas o crescimento da indústria, sobretudo a partir de 2006,
e sua crescente importância no mercado de banda larga colocam os ope
radores de TV paga em posição central para o debate que começa a se
esboçar entre reguladores e formuladores de políticas. Afinal, a Internet
terá um tratamento regulatório diferenciado?
Com variações de empresa para empresa, com visões mais ou menos
consensuais manifestadas pelos diferentes players, o que a TV por assi
natura tem colocado de maneira relativamente uniforme ao longo desses
anos é o discurso da opção: os operadores de TV por assinatura são uma
clara opção aos serviços de telecomunicações, uma opção de multiplici
dade de fontes de informação e uma opção aos serviços de telefonia?
Essa realidade, que começou nos grandes centros e nas grandes ope
radoras, avança lentamente para as pequenas e médias cidades e opera
dores de porte menos representativo, ainda que esse processo leve tempo.
As empresas de TV por assinatura, dessa forma, ampliam a pressão para
que haja uma nova onda de expansão territorial do mercado por meio de
novas licitações, o que só não aconteceu até agora porque a Anatel tem
dúvidas sobre que modelo implementar: se um modelo aberto a qualquer
empresa, incluindo empresas de telecomunicações, ou se mantém a in
terpretação restritiva da Lei do Cabo.

246
A agência, que desde 1999 discute a possibilidade de unificar os
serviços de TV por assinatura, também observa o desenrolar dos mo
vimentos de atualização do marco regulatório no Congresso Nacional.
Conforme o andar da carruagem, a idéia de um serviço único de TV por
assinatura, que no passado já se chamou SCEMa (Serviço de Comunica
ção Eletrônica de Massa por Assinatura), pode ganhar respaldo legal e se
viabilizar, mas essa é uma discussão também aberta.
Assim, apontar qual será o futuro da TV por assinatura no Brasil
é tarefa complexa. Mas algumas variáveis devem determinar o que vai
acontecer. Internet é a principal delas, com a crescente ampliação das
velocidades de acesso e a disponibilidade de conteúdos, além de novas
aplicações que imporão novos padrões de uso e comportamento aos usu
ários. Outra variável é a alta definição, que terá papel preponderante na
manutenção dos modelos atuais de exploração dos conteúdos, assim
como a mobilidade, que está revolucionando o mundo da Internet e, na
turalmente, será sentida no universo da TV paga.
A questão regulatória também terá papel fundamental, ao determi
nar, por exemplo, se a presença das empresas de telecomunicações no
mercado de TV paga será mais ou menos relevante. As próprias empresas
de telecomunicações, com seus serviços de DTH e estratégias para atin
gir os segmentos de menor renda, também ajudarão a dar o tom da indús
tria nos próximos anos. O movimento de concentração dos operadores
grandes e pequenos também é importante, mas pode ser alterado em fun
ção da abertura do mercado com novas licitações de TV por assinatura e
das regras de capital estabelecidas na legislação. Tanto Net quanto TVA
têm sócios que já anunciaram que assumirão o controle das operações
tão logo a legislação permita.
A constante que se percebe ao olhar para os últimos de 20 anos de
TV por assinatura no Brasil, seja sob a ótica dos pequenos ou dos gran
des operadores, ou sob a perspectiva das empresas de distribuição ou dos
programadores, é que essa foi uma indústria que ganhou relevância no
cenário das comunicações baseada na inovação de serviços e no pionei
rismo. É de se supor que essas sejam as duas características que continu
arão existindo nas próximas décadas.

247
CAPÍTULO 11

20 anos de evolução
Este último capítulo não é um relato único dos fatos, utilizando
diferentes fontes de informação e depoimentos, mas dá oportunidade
para que dois personagens centrais na história da TV por assinatura dis
corram com suas próprias palavras, através de questionamentos feitos
por este autor: Roberto Civita, presidente do conselho do grupo Abril, e
Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo. Foram as
duas últimas entrevistas colhidas para o livro, e de alguma maneira, as
conversas que serviram para fazer uma análise final do que foram estes
20 anos do mercado, na visão de ambos os grupos.
Porque, ao se observar os fatos importantes que marcaram a evolu
ção da TV por assinatura no Brasil ao longo de duas décadas, é impossí
vel não perceber que a atuação dos grupos Globo e Abril foi determinante
para a trajetória da indústria. A história começou com pequenos grupos,
com pequenos e médios empreendedores, muitos deles ainda presentes
Brasil adentro com operações locais tão inovadoras quanto as operações
que se veem nos grandes centros, mas que foram, e são, muito afetadas
pelas estratégias dos grandes grupos.
Mais precisamente, existem 37 operações de MMDS e 67 operações
de cabo que não pertencem a nenhum grande grupo ou a empresas de
telecomunicações, evidência de que a característica inicial do mercado,
com os cerca de 30 operadores de DISTV que ao final de 1990 estavam em
operação, ainda está presente.
Mas, inegavelmente, o mercado se concentra nas mãos dos grandes.
E é evidente que o setor de TV por assinatura só ganhou dimensões de
uma indústria de porte quando os gigantes da mídia brasileira decidiram
que esse era um mercado a ser explorado por eles.
Das estratégias desses dois grupos surgiram as operações de DTH,

248
os principais acordos de programação, os modelos de empacotamento e
venda de canais, as novas tecnologias ganharam corpo e a porta se abriu
para que entrassem os grupos de telecomunicações.
A TV por assinatura é hoje um mercado maduro, ao ponto de não ser
mais descrito pelo número de assinantes como em outros tempos. Hoje,
pesam muito mais os novos serviços e o faturamento publicitário no que
significa a TV paga como setor econômico e na dinâmica do mercado de
telecomunicações e mídia no Brasil.
No encerramento deste livro, eram 6,4 milhões de clientes do serviço
de TV, 2,8 milhões de assinantes do serviço de Internet em alta velocidade
e cerca de 2 milhões de usuários dos serviços de telefonia. Além de 17 mil
profissionais que atuam diretamente no dia-a-dia das operações e progra
madoras. O faturamento da indústria é da ordem de R$ 10 bilhões ao ano,
dos quais cerca de R$ 800 milhões vêm do mercado publicitário para os
mais de 100 canais pagos disponíveis hoje ao mercado brasileiro.
Já é uma indústria de peso relevante se comparada a outros setores
da mídia, e ainda que pequena diante do mercado de telecomunicações,
vem conquistando um espaço importante justamente onde as empresas
de telecomunicações mais podem crescer que é no setor de banda larga.
Um levantamento feito pelo Atlas Brasileiro de Telecomunicações mos
trou que nos mercados em que operadoras de TV a cabo ou MMDS compe
tem com operadoras de telecomunicações, elas já conquistaram índices
de penetração equivalentes a mais de 50% em relação à penetração das
empresas de telecomunicações. O que equivale dizer que, mesmo com re-
des muito menos extensas, as empresas de TV a cabo já conquistaram
a metade do número de clientes das empresas de telefonia por meio das
tecnologias de ADSL. As empresas de TV por cabo ou MMDS chegam a
municípios que representam 71,5% do potencial de consumo brasileiro,
cobrem 30,65 milhões de domicílios, sendo 11,6 milhões deles nas clas
ses A e B, ou seja, 77% de domicílios com alto poder aquisitivo, segundo
dados do Atlas Brasileiro de Telecomunicações 2009.
Para chegar a esses números, foram determinantes as estratégias
dos pequenos e médios empresários. E, é claro, a atuação dos dois maio
res grupos de mídia brasileiros. Entender como eles atuaram, como ava

249
liam suas estratégias e o que enxergam pela frente ajudará a entender as
próximas décadas do mercado de TV paga.

ENTREVISTA COM ROBERTO CIVITA


O presidente do conselho do grupo Abril concedeu esta entrevista na
sede da empresa, em São Paulo, no dia 25 de junho de 2009. Estava acom
panhado de Cleide Rovai Castellan, sua assessora executiva.

como surgiu o interesse do grupo abril pelo mercado de tv por assinatura?


ROBERTO CIVITA - A história começa em 1982, quando o governo mili
tar dividiu o espólio da antiga Rede Tupi em dois pedaços e "abriu uma
licitação" (ressalto as aspas) para que os interessados se habilitassem
para assumir cada uma das metades. Como todos sabem, os ganhadores
foram o Grupo Silvio Santos e o Adolpho Bloch, que apoiavam aberta
mente a ditadura. E a Abril foi preterida.
Três anos depois, com a TV Manchete em apuros e o Adolpho Bloch
querendo sair, o então Presidente José Sarney nos consultou se tínha
mos interesse em assumir a rede. Pedi tempo para cálculos e reflexão.
Voltei duas semanas depois e disse que agradecia muito, mas não tinha
interesse. Mas acrescentei que não gostaria de ser o último em broad-
cast, e gostaria de ser o primeiro em TV por assinatura. O presidente
perguntou: "TV por assinatura? O que é isso?". Depois da minha expli
cação ele recomendou falar com o Antônio Carlos (Magalhães), então
ministro das Comunicações. Ele ligou para o Antônio Carlos na minha
frente, explicou a situação e eu segui direto para o gabinete do minis
tro. Quando ele (ACM) abriu a porta me disse, com o dedo na cara: "Você
é um idiota! Os governos passam e as redes ficam. Você não entende o
que está fazendo". Eu respondi que entendia sim, e que preferia fazer
TV por assinatura. E ali começava uma longa história.

Então vocês já conheciam o conceito de TV por assinatura, viam aquilo como


algo importante?
R.C.: Sim, eu havia estado em Nova York pouco tempo antes e um co-
nhecido me disse que a gente tinha que entrar nesse mercado. Eu disse

250
que não entendia nada de TV, e ele me chamou a atenção para o fato de
que TV por assinatura não era TV, era vender assinatura, coisa que a gen
te sabia fazer. E que era segmentar o conteúdo, o que a gente também
sabia fazer. Aquilo ficou na minha cabeça, e quando o presidente Sarney
me perguntou o que eu queria, aquilo saiu. To make a long story short,
isso resultou em uma concessão para fazer TV por assinatura pelo ar, em
UHF. Outros ganharam também, não só a gente. Tempos depois surgiram
as ideias do MMDS e do cabo.

Antes disso, vocês se associaram ao Matias Machline...


R.C.: Sim, ele havia ganho uma das frequências. Eu fui procurá-lo por
que não fazia sentido um monte de gente competir entre si. “Por que a
gente não junta os trapos para fazermos em conjunto?” Ele disse sim e
ficamos muito amigos depois disso. Foi melhor a amizade do que a asso
ciação em si, mas nunca tivemos uma única discussão em que não esti
véssemos de acordo, isso eu me lembro claramente. Foi mais amizade do
que sociedade porque a gente se gostava. Ele não estava muito interes
sado em detalhes, estava mais interessado na big picture. Enfim, nunca
tivemos problemas nessa sociedade.

E qual era a estratégia naquele momento?


R.C.: Bom, alguns anos depois, já tínhamos o MMDS, o cabo e por al
guma razão eu decidi que a gente tinha também que entrar em satélite.
Corta e abre parênteses. Quase 20 anos depois, o Maurizio Mauro, que
foi presidente aqui do grupo, comentou comigo que, quando ele estava na
Booz Allen, ficava se perguntando o que é que a gente estava fazendo, por
que nunca em nenhum outro lugar do mundo alguém tinha operado todas
as tecnologias ao mesmo tempo, cabo, satélite, MMDS. “Ou eles sabem
algo que nós não sabemos, ou eles vão quebrar”, pensava ele. Fecha parên
teses. Ou seja, o pessoal de fora que entendia do assunto, e eram poucos
naquela ocasião, estava intrigado sobre a razão de fazermos as três coisas
ao mesmo tempo. Mas nós estávamos fazendo, sem nos darmos conta que
as exigências de capital, know how e management eram gigantescas. E
a gente não tinha nenhuma ideia, mas absolutamente nenhuma ideia. É

251
como fazer três coisas ao mesmo tempo como se fosse uma coisa só, só
uma questão de tecnologia, quando na verdade é tudo diferente.

Mesmo assim vocês faziam.


R.C.: Sim. Agente tinha uma programação e colocava no ar, por cabo
onde tinha cabo, por MMDS onde tinha MMDS, por satélite... Era só
uma questão de tecnologia. Essa era a visão, a minha visão. Mas era
uma visão errada. E também ninguém quantificou. Tinha business
plans para cada coisa, e eu me lembro deles, mas faltou uma projeção
sobre o que significaria no tempo. Na DirecTV o business plan era ma
ravilhoso, estupendo. Foi feito pelo pessoal da Hughes, que era da Gene
ral Motors, que tinha na época o melhor departamento financeiro dos
EUA. Era considerado "o" departamento financeiro. Ironia, né? Mas na
quele momento, se um cara dizia que tinha saído das finanças da GM,
você tinha que ajoelhar.

Mas vocês já tinham alguma experiência com o MMDS e com o cabo quando mon
taram a DirecTV...
R.C: Mas qual foi o erro básico? Foi não ter olhado o conjunto, não ter
projetado um cenário pessimista. Aprojeção era um hockey stick (bastão
de hóquei), em que ia ficar uns dez anos uma linha lá em baixo e depois
daria um salto. No fim, teriam 10 milhões de assinantes no Brasil no final
da década, segundo os dados de mercado, segundo nossas contas com os
sócios estrangeiros e segundo as contas da DirecTV. Era essa a projeção.
O que não houve no fim dos dez anos foram os 10 milhões de assinantes.
Chegamos no fim do século com um terço da projeção. Portanto, todos os
números e planos de todo mundo estavam errados.
Isso pesou como na estratégia de vocês?
R.C.: Um dia o presidente da DirecTV americana, o Kevin McGrath,
veio ao Brasil. Eu disse a ele: não temos mais dinheiro para colocar nes
se negócio. Ele me disse que havia refeito todos os números, trouxe as
novas projeções: “Você coloca US$ 300 milhões este ano, US$ 200 mi
lhões no ano que vem, US$ 100 milhões no ano seguinte e estaremos
no break-even no fim do terceiro ano”. Ou seja, ele queria que eu colo

252
casse mais US$ 600 milhões além do que já tinha colocado. Eu disse:
“Kevin, primeiro eu não tenho. Não tenho a mamãe General Motors para
me mandar esse dinheiro assim. Segundo, ninguém vai me emprestar.
Terceiro, se me emprestarem, eu vou quebrar, porque eu não vou conse
guir pagar os juros e devolver o dinheiro. Estou fora desse negócio”. Ele
disse: “Não, vocês são sócios ótimos, adoramos ter vocês como parceiros
no Brasil”. Eu disse: “Kevin, você vai comprar. Eu não vou colocar mais
uma lira nesse negócio. Nem um tostão a partir de agora”. Bom, seis me
ses depois eles compraram, colocaram mais US$ 1 bilhão, e não US$ 600
milhões, e depois quebraram. Ou seja, eles fizeram novas projeções que
ainda estavam erradas, porque ele colocou quase o dobro do que havia
me pedido e depois quebrou.

Quando eles ofereceram o negócio da DirecTV para vocês, lá por 1995, aquele
seria um negócio deles, em que vocês seriam apenas representantes, ou era um negó
cio em que a Abril mandaria?
R.C.: A estrutura que nos foi apresentada era a mesma para todos
os países. Sócios locais que seriam donos do negócio nos seus respecti
vos países e todos seriam sócios da empresa-mãe que estava nos EUA.
A tecnologia seria comandada por eles, fazendo o uplink da Califórnia.
Conteúdo também não era o problema, nós poderíamos fazer quantos ca-
nais quiséssemos, e eles tinham os canais deles que eles colocavam no
pacote. Isso nunca foi um problema.

Essa discussão de brasileiros versus estrangeiros nunca foi uma questão


para vocês?
R.C.: Não, isso nunca foi uma preocupação. Aliás, isso não era o pro
blema. O problema era vender e instalar. Que a gente achava que ia ser
simples e não era. Custava, dava trabalho... No fim, se alguém me pergun
tar hoje o que eu aprendi, eu diria que vender e instalar e continuar rece
bendo é muito mais complicado do que a programação. As questões que
as pessoas veem não são as questões que interessam. O problema nunca
foi a programação. O problema é como conseguir um assinante, manter
um assinante e, principalmente, a instalação.

253
Quando vocês começaram a TVA, tinham alguma ideia de que esse seria o
problema?
R.C.: Não. Quando eu fui buscar sócios nos EUA, fui procurar gente
que entendia do assunto de cabo. Falamos com todo mundo, e no fim deu
Falcon, Hearst, Chase e a ABC/Capital. Pensei: “Aí tem know-how para
qualquer coisa. Temos sócios que entendem do assunto”. Era só mandar
gente para lá para aprender, e eles mandarem gente para cá. Eu sempre
pedia para me contarem a história do mercado de TV paga, não como é
agora, mas como tinha sido no começo. Queria falar com os old timers,
que haviam montado aquele negócio. Não iríamos aprender nada com o
state ofthe art da década de 90 nos EUA. Era preciso aprender como era
quando eles não tinham nenhum único assinante.

O fato de vocês não terem essa experiência contribuiu para a decisão de


priorizar o MMDS em um determinado momento, ou entrar em muitas tecnologias
ao mesmo tempo?
R.C.: A visão estratégica naquela época, que pode parecer maluca,
era a seguinte: faríamos uma opção menos rica, com menos opções,
pelo MMDS, e venderíamos aquilo para as classes B e C, e faríamos uma
programação mais sofisticada e com mais escolhas para a classe A. E o
satélite cobriria o país inteiro. Simples assim. Era um plano lógico. O
pequeno detalhe era: quanto custava isso? Quanta gente iria pagar para
ter isso? Os problemas eram o investimento necessário, brutal, e do outro
lado a disposição da população para pagar uma assinatura para ter essas
coisas novas que ela não precisava. Estavam bem servidos e não precisa
vam. Junta isso à desvalorização de 1999, que triplicou a nossa dívida e a
dívida de todo mundo de um dia para o outro. Imagine o que é isso: você
vai dormir com uma dívida grande e acorda com ela triplicada. Depois os
juros também triplicam em porcentagem. Aí você acorda morto. You are
dead. Foi isso o que nos aconteceu.

E o mercado de TV por assinatura era uma sangria?


R.C.: Não era essa a preocupação. A preocupação era a capacidade de
investir. O dia em que acordei com a dívida triplicada e com os juros tri

254
plicados, eu pensei: “Como é que eu saio dessa?” Não era mais o problema
da sangria de dinheiro. Era uma questão impossível, para nós, manter os
investimentos. Não tínhamos acesso ao mercado de capitais. Isso não é
coisa para empresa familiar. Pense na Telefônica: ela fala, manda mais
US$ 1 bilhão aí, e eles mandam. Manda mais US$ 4 bilhões, e eles man
dam. Agora, como eles arrumam? Eles se endividam nos mercados inter
nacionais. Nós não podíamos fazer isso. Nós não tínhamos capacidade fi-
nanceira para bancar esse jogo. E há mais um detalhe para quem estiver
lendo esta entrevista e considerando a possibilidade de se meter nesse
negócio: não importa qual seja a sua capacidade de geração de caixa, a
sua necessidade de investimento será o dobro daquilo no ano seguinte.
Se gera 50, no ano seguinte vai precisar de 100. Se gera 70, vai precisar
de 140. Isso todo ano. Não é um jogo para uma empresa familiar de qual
quer tamanho. Você não arruma este dinheiro.

Mesmo sendo um grupo do tamanho da Abril?


R.C.: De qualquer tamanho. Uma empresa familiar não consegue isso
aqui. Aí ficou óbvio que nós tínhamos que sair, e como a Telefônica preci
sava fazer o triplo play, foi o casamento mais simples da história.

Foientão uma negociação rápida?


R.C.: Rápida e simples. Nós precisávamos e eles precisavam. Nego
ciamos tudo aqui. Eu e o Fernando (Fernando Xavier, ex-presidente da
Telefônica). Nós precisávamos vender, eles precisavam comprar.

Vocês tentaram vender a TVA anteriormente e não tinham conseguido...


R.C.: Isso foi um pouco antes. Houve negociações, tentativas, quase
vendemos em outras ocasiões, mas finalmente casamos com a mulher
certa, com o preço certo, no momento certo.

O senhor já declarou em outras entrevistas que a vocação da Abril era ser


uma empresa de conteúdos. Onde ficou isso nessa estratégia?
R.C.: Essa era a ideia. O meu raciocínio simplista era: eu sei vender
assinatura como ninguém. Temos a melhor operação de venda de assi

255
natura das Américas e uma das melhores do mundo. Sabemos segmen
tação e sabemos produzir conteúdo. Sabemos comprar conteúdos: qual é
a grande dificuldade? Gestão e finanças. Eu não sabia gerir e não tinha
dinheiro suficiente. É simples assim.

Por um tempo, a Abril apostou em parcerias com grupos internacionais de con


teúdo. Como foi, por exemplo, a negociação para trazer a HBO para o Brasil?
R.C.: A gente decidiu que precisava de um canal de cinema, que era
uma das bases da coisa. Fizemos uma sociedade com a HBO em que nós
investíamos junto com o pessoal da Venezuela, mais os estúdios. No fim,
quem mandava lá eram os estúdios, que eram os donos dos direitos. Nós
e os venezuelanos éramos meio que os estranhos no ninho, e era muita
gente para vender um canal só para a TVA. Nós éramos sócios, e aquilo
não era para produzir nada aqui, era só reempacotar. Depois é que pensa
mos em fazer os nossos próprios canais.

Vocês também recuaram nessa estratégia. Pensaram até em fazer um canal de


notícias em 1996, 97, e depois desistiram...
R.C.: A ideia era certa, a não ser por um pequeno detalhe: o tamanho
do mercado era insuficiente para sustentar o canal. Quantos assinantes
são necessários para sustentar um canal novo com os custos de fazer um
canal 24 horas? Muito mais do que tínhamos. A Globo aguentou muito
mais tempo porque eles tinham a estrutura de produção, mas devem ter
perdido muito dinheiro no começo, enquanto o mercado crescia. Nós per
cebemos que essa história de ter 500 mil assinantes e um canal é inviá
vel. Não sustenta nem um, imagine cinco.

Depois de vender para a Telefônica, vocês tentaram essa estratégia de novo,


voltaram a criar canais próprios.
R.C.: Fazia parte do acordo, nós teríamos o direito de distribuir até
cinco canais. Resolvemos fazer dois canais mais simples, e que seriam
colocados em todas as operadoras. Mas uma das operadoras importantes
não quis saber de carregar a nossa programação, e aí o mercado ficou no
vamente inviável pelo tamanho. É sempre a mesma história: subestimar

256
a dificuldade de ter a base de assinantes necessária para viabilizar seja
lá o que for. O que foi feito de errado? Não calcular corretamente a base.
Esse é sempre o problema.

Vocês nunca viram TV por assinatura como uma porta para a convergência,
para a banda larga, para telecomunicações, por exemplo?
R.C.: A primeira coisa que me disseram é que com cabo eu poderia
fazer banda larga sem muito investimento adicional. E de fato isso não
foi uma grande complicação. Mas o que ficou claro é que dá para fazer
e é fácil falar, mas depois precisa de gente que entende de broadband,
precisa cobrar do assinante, precisa dar a manutenção... Moral da his
tória: é melhor não ser o primeiro. É melhor ser a próxima geração, com
a coisa construída, montada. Ser o pioneiro sem experiência e sem co-
nhecimento é complicado.

Eu pergunto isso porque na mesma época em que se começou a falar em banda


larga, vocês investiam no UOL, e parecia que a estratégia da Abril ia pelo caminho
da Internet...
R.C.: Essa é uma outra história. Não vamos falar disso neste livro.

Certo, não vamos falar sobre Internet então...


R.C.: O que eu posso te dizer é que outro dia eu mandei fazer o cál
culo — mas eu não vou te dar o cálculo — sobre quanto investimos nesse
projeto de TV por assinatura desde o primeiro até o último dia. Quanto
investimos e quanto recuperamos depois das diferentes vendas. Tenho
a felicidade de reportar, para a minha satisfação e para a satisfação
dos meus filhos, dos meus herdeiros e dos teus leitores, que mais ou
menos saímos empatados, incluindo os juros. O que eu considero um
feito extraordinário.

Pelo menos ficou a experiência.


R.C.: É que eu me pergunto o que eu poderia ter feito nesses mesmos
20 anos, com esse mesmo dinheiro, com um mesmo investimento de es-
forço... Talvez ter empatado não seja muito bom.

257
E se algumas coisas tivessem sido feitas de forma diferente?
R.C.: É uma história interessante. Quando os Marinho lançaram seu
satélite, um deles explodiu e depois outro caiu na China. Nesse dia, eu
peguei o telefone, liguei para o João Roberto (Marinho) e disse para ele:
“João, acho que alguém lá em cima está querendo mandar um recado.
Acho que alguém está querendo sugerir que a gente se junte”. Já tínha
mos tentado antes juntar as operações de cabo, e eu decidi propor de
novo. Ele agradeceu, ficou de falar com os irmãos e me ligar. Mas nunca
mais ligou. Essa foi uma ocasião.
Anos antes disso, não lembro o ano, quando ganhamos a concessão
de TVA em UHF, que eles também tinham ganhado, tivemos um encontro
secreto, com o Roberto Irineu, e naquela ocasião também falamos sobre
a possibilidade de juntar. Eles aceitaram, mas queriam o controle, 51%.
Eu recusei porque não queria ser minoritário. E aí eu agradeci e cada um
seguiu seu caminho.

Essa história me foi relatada por uma testemunha que presenciou o encontro.
Teria acontecido no começo de 1990, no hotel Caesar Park, na Rua Augusta, em São
Paulo. Mas a Roberto Irineu recorda-se apenas da negociação para uma operação de
DTH conjunta e para um canal de filmes único.
R.C.: Eu me lembro do encontro. Lembro do hotel, lembro do que dis
cutimos e lembro o rumo que as cosias tomaram. Mas de fato faz muito
tempo. A negociação do DTH nunca avançou, e da negociação dos canais
de filmes eu não participei. Mas o encontro secreto houve, foi curto e cor
dial. Quando ele pediu o controle, eu falei não, obrigado. Hoje, pensando
bem, fazia sentido, ele tinha razão. Eu deveria ter começado a negociar,
mas eu tinha 20 anos menos.

Se vocês, Globo e Abril, tivessem entrado juntas, teriam chegado a um outro


resultado?
R.C.: Certamente. Tanto no satélite como no cabo. Faltou competência
minha e deles de negociar um acordo mútuo. Não esqueça do pequeno
detalhe que tanto nós como eles saímos desse negócio. Não totalmente,

258
mas eles também tiveram que vender a distribuição. Ficaram com a Glo-
bosat, mas venderam a distribuição, assim como nós.

Que futuro o senhor vê para esse mercado? Que papel o senhor vê para a Abril
daquipara frente?
R.C.: Uma coisa eu aprendi: distribuição, não. Conteúdo, certamente
estamos interessados, e estamos olhando para a Internet. Mas distribui
ção é para empresas gigantes, com muito capital, é outra coisa.

259
ENTREVISTA COM ROBERTO IRINEU MARINHO
Esta entrevista foi realizada no dia 18 de junho de 2009, na sede
do grupo Globo, no Rio de Janeiro. Roberto Irineu Marinho, presidente
do grupo, estava acompanhado de Alberto Pecegueiro, diretor geral da
Globosat, que chegou à Net Brasil em 1993 e desde então participa ativa-
mente da atuação do grupo no mercado de TV paga.

Como começou o interesse da Globo em TV por assinatura? Há registros de uma


empresa na década de 70 que se destinava a pesquisar inclusive esse mercado.
ROBERTO IRINEU MARINHO: Pesquisar, sim. É evidente que TV por assina
tura sempre esteve na cabeça de todo mundo que pensa e vive televisão.
Agente acompanhava o que estava acontecendo nos EUA. Mas a decisão
de fazer uma empresa de TV por assinatura começou muito depois. A
primeira ideia de fazer a Globosat começou da seguinte maneira: o Ozi-
res Silva, em 1990, havia assumido o Ministério da Infraestrutura do
governo Collor. Umas semanas depois de ele assumir, eu fui fazer uma
visita de cortesia, já que a Secretaria Nacional de Comunicações esta
va debaixo do Ministério dele. Naquela ocasião ele me fez um desafio:
“Por que vocês não tentam desenhar um sistema de educação usando
todo o potencial da televisão para distribuir para o Brasil inteiro?” Eu
lembrei que a gente tinha a programação da Fundação Roberto Marinho
que ia ao ar todo dia de manhã pela TV Globo, mas ele queria uma coisa
continuada, 24 horas por dia. Eu perguntei se podia levar o projeto no
dia seguinte. Voltei para casa, liguei para o Joaquim Falcão, que era o se-
cretário geral da Fundação Roberto Marinho, e desenhamos um sistema
em que o governo instalaria antenas de banda C nos centros comunitá
rios, em escolas pertencentes ao governo federal, igrejas... Os governos
estaduais se ocupariam das escolas locais, e a programação seria da
Fundação Roberto Marinho, mais a Fundação Padre Anchieta e outras,
e com isso a gente montaria uma rede para a educação. Levei o projeto e
entreguei ao ministro como prometido. Dois meses depois, ele me liga,
pesaroso, e diz que o projeto havia sido recusado pelo governo. Fiquei
com aquilo na mão e sem saber o que fazer, pensamos na Globosat. Mu
damos a programação para quatro canais, sem business plan, só a ideia.

260
Apresentei ao papai, que leu, achou interessante, chamou o Boni e o Joe
Wallach, entregou o projeto para eles criticarem e fazerem o orçamento
em cima daquilo. Eles fizeram isso, detalharam o projeto e ali a coisa
começou. O nome dos canais quem deu foi o Boni. Mas o verdadeiro pai
da Globosat é o Ozires Silva. Não pensando em fazer TV por assinatura,
mas estimulou que se fizesse o projeto.

E em relação à opção pela banda C? O fato de a Abril já estar se mexendo nesse


sentido não chamava a atenção de vocês?
R.I.M.: Tecnologia é uma coisa que eu sempre gostei, conhecia um
pouco, então descrevi como aquela tecnologia funcionaria em 20 ou 30
páginas. A Abril já estava se movimentando, acho que com o MMDS, e
nós avaliávamos que era uma tecnologia muito mais fácil e barata de ins
talar, mas que teria muito menos qualidade do que a banda C, e por isso
ficamos no satélite.

Mas o grupo via naquilo uma oportunidade de negócio ou apenas a possibilida


de de estar presente para ver no que ia dar?
R.I.M.: Uma oportunidade de negócio e uma proteção à TV aberta no
sentido de que você pudesse programar e contraprogramar. Se eu fizesse
novelas dentro da TV fechada, seria concorrência com a TV aberta, mas
certamente haveria pouco mercado para a TV paga. O interessante era
complementar a TV aberta, com esportes, jornalismo. E achávamos que
podia dar dinheiro, sim. Não tão fácil como o pessoal dizia, com 10 mi
lhões de assinantes. Em 1995 eu dizia que a gente chegaria no ano 2000
aos 3 milhões de assinantes, não aos 10 milhões.

Então vocês e Abril seguiram estratégias separadas, sem tentar um negócio


único?
R.I.M.: Sim, estratégias separadas. Agente conversou em duas opor
tunidades: uma sobre satélite, porque achávamos que era bobagem ter
duas estruturas separadas; mas por alguma razão não deu certo. Outra
tentativa era fazer os canais de filmes.

261
Aparentemente, nessa ocasião os dois lados tinham um pé atrás, tanto é que
vocês já tinham um acordo engatilhado que pôde ser anunciado quase que simulta-
neamenteà parceria entre AbrileHBO?
R.I.M: Não tinha pé atrás nenhum, tanto é que tínhamos um acordo
standstill assinado, em que um não competiria com o outro e durante seis
meses todas as nossas negociações com os estúdios foram acompanhadas
pela Abril. O ponto aí é sempre balancear em fazer a melhor qualidade e a
melhor infraestrutura com a maior velocidade. Para fazer a melhor quali
dade com a melhor infraestrutura, tem que ser mais lento. A nossa opção
foi mais lenta, com o cabo, e a deles era o MMDS, mais rápida e mais limi
tada. A opção da Abril foi conseguir os melhores contratos de programa
ção com programadores estrangeiros. A nossa foi fazer canais próprios.

Não era muito arriscado fazer isso sem ter nenhum assinante?
R.I.M.: Nós somos uma empresa de conteúdo. O centro das Organiza
ções Globo sempre foi a administração de talentos e produção de conteú
do brasileiro. Foi assim na história do jornal O Globo. Meu avô tinha um
jornal, o jornal A Noite, junto com um sócio, e certa vez, ao viajar para
a Europa, o sócio tomou o controle do jornal, enganando o meu avô na
distribuição de dividendos, que eram registrados como venda de ações.
Quando ele voltou ao Brasil não tinha nada, nenhuma ação do jornal.
Ele vendeu a casa e resolveu fundar O Globo com um grupo de amigos
talentosos, alguns do A Noite e de outros jornais. Eles arrumaram uma
impressora velha, da Primeira Guerra Mundial, usada pelo Exército bra
sileiro, e em duas salas do Liceu de Artes e Ofício começaram a rodar O
Globo. Era o talento do velho Irineu Marinho e daquela redação, e mais
nada. Aquilo levou anos para crescer. Papai ganhou dinheiro mesmo com
imóveis, comprando e vendendo imóveis, não foi com o jornal. Depois a
Rádio Globo e a Rio Gráfica, hoje Editora Globo, deram algum dinheiro,
mas ele perdeu tudo de novo para começar a TV. O resumo é que toda a
nossa história sempre foi em cima dos talentos.

Como foi a primeira conversa com a News, quando vocês trouxeram um sócio
estrangeiro para o negócio?
R.I.M.: O Rupert é um jornalista, vê mídia como a gente vê mídia e

262
acha que o satélite é um meio, não um fim. A primeira conversa com
ele foi talvez a mais fácil que eu tive na minha vida. Fui para lá prepa
rado para ter uma conversa dificílima. Estávamos eu e o Athayde (An
tônio Athayde, presidente da Net Brasil em 1995), em Londres, na sede
do Times. Surpreendentemente foi uma das conversas mais fáceis que
eu tive em toda a minha vida. Propusemos um acordo, a ideia geral, ele
disse que estava interessado e logo marcamos um segundo encontro,
em Nova York, onde fomos eu e João Roberto (Marinho). Era uma con
versa para fechar princípios e depois ia começar a discutir dinheiro, o
que levou mais uns seis meses. Mas essa conversa de Nova York com o
Rupert mais uma vez foi muito simples. Aliás, que se diga: tivemos uma
relação muito longa com eles, que passou por vários momentos, alguns
bem complicados, mas a relação sempre foi fácil. A visão deles sempre
foi muito focada em conteúdo.

O que não quer dizer que eles abrissem mão dos interesses deles...
R.I.M.: Rupert é muito competitivo. Tem uma história curiosa sobre
isso. Certa vez tivemos uma reunião em Nova York que se estendeu até
um pouco mais tarde. Já era quase hora do jantar, e perguntei se ele es-
tava sozinho na cidade. Ele disse que sim, então o convidei para jantar
com a minha família, com quem me encontraria meia hora depois no
La Grenouille. Estavam a minha mulher, minha filha com o marido,
meu filho e a Cristina Reis, amiga e funcionária nossa em Nova York.
Ele levou o filho, o Lachlan. Jantar maravilhoso, simpaticíssimo, mi
nha família encantada com a simpatia deles, até que em um determi
nado momento eu pergunto para ele: “Rupert, tem uma coisa no nosso
contrato que eu nunca entendi. Na parte que fala em deadlock (instru
mento contratual para resolução de impasses), tem uma cláusula que
diz que antes de chegar nesse ponto, o Rupert Murdoch e o Roberto
Irineu, nossos nomes, devem ser trancados em uma sala por 24 horas
para chegar a um acordo”. Ele disse: “O que você não entendeu dessa
cláusula?”. E eu respondi: “Não entendi, porque sou muito mais jovem
e mais forte”. E ele: “Mais jovem, é, mais forte, não”. E então ele me de
safiou para uma queda-de-braço no meio do La Grenouille, aquele res
taurante típico francês, tradicional... Bom, fizemos a queda-de-braço, e

263
se eu estou contando é porque eu ganhei. Ganhei com um braço, com o
outro, ganhei do filho dele, que resolveu tomar as dores do pai. Depois
disso voltamos para a sobremesa, mas a cláusula continua lá até hoje.
Foi a única vez que ele ficou insatisfeito comigo.

O John Malone, dono da TCI, que também entrou de sócio na Sky, participou das
negociações nessa fase inicial?
R.I.M.: Só fomos conversar com ele uma vez, em Denver, no Colorado.
Dessa vez estavam o Athayde, o Pecegueiro (Alberto Pecegueiro, diretor
geral da Globosat), o Fiuza (Herbert Fiuza). O Malone estava em uma ne-
gociação enorme de outras coisas, então a nossa conversa era mais com o
Fred Vierra (presidente da TCI). Houve algumas conversas para eles entra
rem em cabo no Brasil, mas nunca foram para a frente. Eles vieram para
o DTH meio que por acidente, por uma aposta do Fred Vierra. Hoje o Ma
lone se tornou controlador da Sky por uma troca de ações entre ele e o Ru-
pert, um ajuste de posições da Liberty Media na News. Os contratos que
existiam com a News continuam valendo, então quase não temos contato.
Mas desse contato em 1995 ficou uma experiência interessante: saímos de
lá e fomos visitar a operação-modelo de TV a cabo da TCI em Denver. Eles
começaram a nos mostrar conectores de cabos, parafusos, e diziam que a
indústria de cabos era muito mais sobre aqueles detalhes, sobre os peque
nos custos, do que qualquer outra coisa.

Foi uma lição importante...


R.I.M.: É, mas eu estava louco para conhecer a operação-piloto de
video-on-demand deles, a tecnologia que eles usavam para os primeiros
testes. Fomos para uma sala, eles nos colocaram na frente do computa
dor, escolhi um filme de uma lista de 5 mil opções. Marquei “Casablan
ca” e um minuto depois estava passando na TV. Fantástico! Depois fo
mos para a sala ao lado para ver como é que aquilo funcionava. Era uma
sala grande, com uma coleção extraordinária de videotapes e, do outro
lado, 120 videocassetes, cada um correspondendo a uma casa que estava
ligada nos testes. No meio, uma tela de computador e uma senhora, bem
gorda, daquelas do Sul dos EUA, que ficava olhando a tela: “Fita número
332 no videotape 43”. E ela ia lá e colocava a fita. Aquilo não era um teste

264
de tecnologia. Era um teste de marketing só para entender o comporta
mento das pessoas. Um sistema daquele só se justificaria se as pessoas
assistissem a sete filmes por mês. No primeiro mês as pessoas assistiam
dez, 15 filmes, mas no terceiro mês já não tinham essa paciência. Isso
provou que o camarada às vezes prefere que alguém escolha por ele. Tan
to que essas experiências de VOD são de 93, 94, e até hoje a coisa ainda
está meio mal resolvida.

Em 1997 e 1998, o grupo Globo foi muito agressivo no processo de privatização


das empresas de telecomunicações. A TV a cabo era parte disso?
R.I.M.: Era claramente parte dessa estratégia. Desde o começo sabía
mos que TV a cabo era para o triple-play, e que a rede seria digitalizada
em algum momento. O Koji Kobayashi, CEO da NEC, já dizia que no final
do século teríamos um sistema que conectaria todas as pessoas entre si,
sem respeitar fronteiras, sem respeitar continentes, por meio das tecno
logias de C&C (computação e comunicação). Esse pensamento é de 1947!
Eu conheci ele quando ainda era chairman da NEC no Japão, e eu era o
presidente da NEC no Brasil. Seguia ele em palestras onde ele estivesse.
Então, Internet era algo sobre o que conversávamos aqui já em 1992, e
que o cabo seria uma via. Ainda que em telecomunicações a gente tenha
se focado mais em celular.

E em telefonia fixa, por que vocês chegaram a montar um consórcio para dispu
tar a Telesp? Só não deu certo porque a Telefônica não fez o combinado com a RBS...
R.I.M.: Aquilo foi a maior sucessão de traições da história. Todos os
estrangeiros traíram os brasileiros. A Telefônica traía o Nelson (Nelson
Sirotsky) entrando em São Paulo, a Telecom Italia traía a Globo fazendo
outro consórcio com o Daniel Dantas... Era uma festa.

Mas logo vocês recuaram e saíram de telecom. Por quê?


R.I.M.: Saímos logo depois, vendendo nossas participações e as licen
ças em telefonia celular principalmente porque a demanda financeira ia
ser muito grande e porque as relações entre os players estavam complica
das, as licenças estavam em áreas ruins para a gente, não havia sentido
estratégico naquele momento.

265
Por outro lado, mantiveram os ativos em cabo.
R.I.M.: Porque acreditávamos que o cabo seria o verdadeiro espelho
das empresas de telecomunicações. O que acabou acontecendo. Demorou
uma década a mais do que o planejado, mas aconteceu.

No plano original da Net Brasil, aquele era o momento de vender a participação


nadistribuição,não?
R.I.M.: O Antônio Athayde (primeiro presidente da net Brasil) achava
isso. Eu não achava. Eu achava que ainda não era hora de vender. Porque
ainda não estávamos consolidados como produtores de conteúdo. Em
1998 começou a codificação analógica, mas a digitalização e os novos
serviços já eram pensados desde 1995.

Quando diz que o mercado de conteúdo não estava consolidado, refere-se a


quê? Em 1998, o mercado de programação, de conteúdos, estava mudando com a in
trodução do pay-per-view. Foi algo incômodo para a Globo lidar com essa realidade,
por mudar radicalmente o modelo praticado até então?
R.I.M.: O mercado de conteúdos tem alguns marcos. O GloboNews, para
nós, foi um marco importante, em 1996. O pay-per-view foi outro, em 1998,
junto com a codificação das redes. Mas nunca houve nenhuma preocupa
ção com o fato de o pay-per-view não ter grade de programação, não ter tri
lho de audiência. Isso nunca pesou na nossa estratégia. Era mais um pro
duto para ser vendido, ainda que não tivesse muita referência em outros
países. O driver era atender o cliente com o que ele quisesse. Desde o pri
meiro desenho da Globosat a gente já tinha a visão de que conteúdo espor
tivo era fundamental para o sucesso do negócio

No final da década de 1990, começo de 2000, veio a montanha-russa da Internet,


aquela bolha financeira. Como foi isso para vocês?
R.I.M.: O momento bom da bolha não mudou nada. Não vendemos ne
nhuma ação. A Net chegou a uma avaliação de US$ 7 bilhões, o que ajudava
muito a gente a captar recursos e rolar a dívida que a gente tinha, mas não
vendemos nada. Já tínhamos consciência de que aquilo ia dar problema,
porque a dívida era grande, e mesmo com a valorização da Net a coisa não
era confortável. Devíamos ter vendido um bom negócio e pagado a dívida.

266
Naquele momento, entraram de sócios a Microsoft, o Bradesco, mas não entrou
nenhum sócio de telecomunicações. Por quê?
R.I.M.: Não sei. O Bradesco entrou, e três meses depois estava me co-
brando porque a ação estava caindo. A Microsoft entrou sem nunca ter
entrado. O pessoal aqui do Brasil sabia que era importante ter partici
pado daquele negócio, tinha a visão que a Microsoft não poderia experi
mentar seus softwares aplicados a conteúdo sem aquela sociedade. Eles
tinham essa visão, mas a Microsoft de lá nunca comprou o projeto, não
mandou um time pesado para entrar.

Parece que os parceiros entravam de sócios achando que estavam se tornando


sócios na TV Globo. Foi um pouco assim com a Microsoft, depois com a Telecom Italia
no Globo.com...
R.I.M.: A Telecom Italia foi uma coisa diferente, fui eu que negociei
aquele acordo. Eles foram comprados e vendidos várias vezes ao longo
da história em acordos financeiros. Então, um bom acordo, em que eles
pudessem ter acesso a algum nome, levantava bastante a empresa, me
lhorava a ação na bolsa e aquilo funcionava bem para eles. Com isso, eles
ganharam mais dinheiro do que pagaram aqui. Teve gente na imprensa
italiana que saiu dizendo que a gente pagou alguém por aquele acordo.
Fizemos uma auditoria para mostrar que não tinha nada de errado. A Te
lecom Italia é uma empresa excepcional, de altíssima tecnologia, e tem
um papel muito importante na bolsa italiana.

Não faria mais sentido para a Telecom Italia ter entrado, naquela ocasião,
como sócia da Globo Cabo, e não do Globo.com?
R.I.M.: Eles não estavam interessados no negócio em si. Eles estavam
mais interessados no charme, em dizer que estavam com a Globo nesse
negócio de Internet. Mas uma das coisas que eu nunca entendi na vida é
que no dia seguinte do acordo eu estava aqui esperando chegar um time
de especialistas em rede, em tecnologia, em conteúdos, em billing, para
transformar aquele meu negócio pelo qual eles haviam pago uma fortu
na, em algo extraordinário. Mas eles nunca apareceram. Uma vez o Cola-
ninno (Roberto Colaninno, CEO da Telecom Italia na ocasião) veio aqui
para ter uma reunião sobre o Globo.com. Eu pensei que eles queriam sa

267
ber da estratégia, do business plan, fiz uma apresentação completíssima
sobre aquilo, fui lá ao encontro dele no Copacabana Palace... No segundo
slide ele se desinteressou, só queria saber se estava tudo bem e pronto.
Eu não entendo muito as coisas na Itália. Tive um curso intensivo na épo
ca da Tele Monte Carlo, mas não consigo entender.

Ainda assim, aqueles US$ 810 milhões que eles pagaram pelo Globo.com salva
ram o grupo em 2001.
R.I.M.: Salvaram o ano de 2001, mas ainda assim não deu para segu
rar. Em dezembro de 2001, tivemos uma reunião em casa com a Marlu-
ce (Marluce Dias da Silva, ex-superintendente executiva da TV Globo),
com o Jorge (Jorge Nóbrega, diretor de gestão corporativa do grupo) e
meus irmãos, e lá chegamos à conclusão que precisávamos partir para
uma reestruturação. Eu me tornei presidente provisório da Globopar até
achar alguém de fora. O Jorge Nóbrega vai aos EUA em janeiro de 2002
para encontrar um banco para coordenar a reestruturação. Ele consulta
os três bancos e escolhe o que tinha uma equipe de primeira linha livre
naquele momento, o Houlihan Lokey. Eles vieram ao Brasil em seguida,
ficam hospedados secretamente no Hotel Everest e começam a trabalhar.
No final de fevereiro, o Phillipe entra como presidente (Henri Philippe
Reichstul, ex-presidente da Petrobras, que assumiu a presidência da
Globopar por alguns meses em 2002). Ele achava que ia dar para passar
aquela crise sem reestruturar, eu achava que não, tanto é que não contei
para ele sobre a equipe de reestruturação. Resumo: se tivéssemos feito a
reestruturação naquele momento, em março e não em dezembro daquele
ano de 2002, teríamos poupado uns US$ 500 milhões e muito patrimônio
da família. Mudaria para os credores? Acho que teria sido melhor, porque
a reestruturação teria sido feita com caixa na empresa, e não com R$
10 milhões em caixa, que pagavam três dias de operação, como acabou
acontecendo. Mas uma das razões pelas quais a gente decidiu postergar
é porque era ano de eleição e achávamos que aquilo poderia ter um peso,
podia ser usado politicamente contra nós...

O problema ali foi a desvalorização do real ou o excesso de dívida em dólar?


R.I.M.: Os dois. Vamos colocar em números redondos. Nós devíamos, en-

268
tre dívida e garantias de satélite no caso da Sky, devíamos US$ 1,8 bilhão.
Quando era um por um, era R$ 1,8 bilhão de dívida e uma geração de caixa
de R$ 500 milhões. Com o dólar a R$ 2, a dívida foi para R$ 3,6 bilhões.
Ainda era administrável com a nossa geração de caixa. Quando pulou para
R$ 3 o dólar, a dívida pulou para R$ 5,4 bilhões. Era dez vezes o nosso
EBITDA. Era muito difícil administrar. E em outubro de 2002 o dólar bateu
em R$ 4. Aí eram R$ 7,2 bilhões de dívida, totalmente inadministrável.

A solução foi então vender os ativos. Vocês venderam a Sky primeiro.


R.I.M.: Foi um pouco depois. Saímos do controle em 2003, mas ao lon
go de 2002 a News já começou a colocar dinheiro na Sky sem a gente
fazer o investimento em contrapartida. Não conseguíamos acompanhar.
Eles chegaram a colocar US$ 200 milhões na operação sem a nossa co-
bertura. Aí, obviamente, eles nos chamaram e perguntaram como ia ficar
aquilo. Foi quando eu disse a eles que íamos diluir, não tinha outra solu
ção. Foi uma solução sem briga, tranquila.

Nessa época, ou um pouco antes, o Murdoch tentou comprar a DirecTV nos EUA.
Mas vocês tinham veto nessa operação. Esse veto foi usado nesse momento?
R.I.M.: Não, já estava tudo acertado: o Murdoch ia comprar a DirecTV,
nós havíamos concordado, mas aí a GM traiu o News Corp. e aceitou a
proposta da Echostar. Mas não criamos nenhum problema, só negocia
mos as contrapartidas normais, sem briga. E depois, na diluição também
foi sem problema.

Houve a possibilidade, naquele período, de a News se tornar sócia das opera


ções de cabo, não é isso?
R.I.M.: Sim, eles chegaram a estudar essa possibilidade, mas acabou
não acontecendo, não lembro a razão. Teria sido muito bom para eles.

E na TV Globo, eles não tentaram ficar sócios? Estava mudando a Constituição


justamente para permitir a entrada de capital estrangeiro.
R.I.M.: Eles até queriam, mas a gente não queria vender. Tem muita
gente querendo comprar até hoje. A grande luta depois, na época da re-
estruturação, era justamente que todo mundo queria tomar ações da TV

269
Globo, e a gente não queria dar. Foi o que aconteceu nas afiliadas, que fo
ram vendidas muito barato para cobrir as dívidas. Mas vender qualquer
coisa é o seguinte: vale o que te pagam, não o que você acha que vale.

Outra negociação importante que veio um pouco depois, em 2004, foi a da Tel-
mex na Net Serviços. Como foi essa negociação, que surpreendeu até os executivos
da empresa?
R.I.M.: Fulminante! Tem um camarada ali dentro, chamado Jaime Chico
Pardo (CEO da Telmex no México na ocasião e hoje ligado a Carlos Slim),
que é extremamente inteligente. Ele era muito ligado em tudo o que aconte
cia e ao mesmo tempo tinha muito poder para tomar decisões rápidas. Ele
veio aqui em uma sexta-feira, meio-dia, em uma visita de cortesia, porque
eles haviam acabado de comprar a Embratel, e nós somos grandes clientes
da Embratel. Conversa vai, muito simpática, e lá adiante eu pergunto: “Só
não entendi por que é que até hoje vocês não tentaram comprar a Net”. Ele
disse: “Eu não sabia que podia”. E eu respondi: “Pois eu estou vendendo”.

Mas a Net e a Embratel não tinham negociado antes?


R.I.M.: Não. Quem realmente conversou para comprar a Net naquela
época foi a Portugal Telecom e a Telefônica. Ah, e o pessoal do GP, que
ficava fazendo proposta, mas eles gostam de comprar xepa. A Portugal
Telecom e a Telefônica é que foram mais a fundo, mas não saiu, e acho
que eles até se arrependem. Mas o Chico Pardo, da Telmex, me disse en
tão que não sabia da possibilidade de comprar. Ele me disse que sabia
o que era a Net, que tinha estudado o panorama das telecomunicações
no Brasil e que, se eu estava vendendo, ele queria comprar se pudesse.
“Quanto é que você quer pela Net?”, ele perguntou. Eu respondi: “Para
ser exato, eu tenho que pagar, na próxima sexta, US$ 200 milhões e não
tenho dinheiro. Não sei quanto é que vale, deve ser bem mais que isso,
mas eu quero vender por US$ 200 milhões desde que seja pago antes de
sexta”. Eram os US$ 200 milhões que fechavam a reestruturação, que fe
chava o acordo com os credores. Ele disse: “Feito, como é que eu faço?”
Chamei o Jorge Nóbrega, que ficou branco, porque estava tentando fechar
aquilo com a Portugal Telecom, que queria pagar US$ 130 milhões, e não

270
resolvia. O Chico Pardo foi almoçar, durante o almoço ligou para o Slim,
ligou para o genro do Slim, voltou, disse que estava tudo ok. Não tinha
muita condição, não teve nem due dilligence. Na segunda, foi uma equipe
nossa para Nova York, eles escreveram o contrato de compra, fecharam
na quarta, na quinta entrou o dinheiro e na sexta estava tudo certo. Foi
fulminante, e acho que foi uma compra excepcional para o Slim. A Net
vale muito mais que a Embratel. Para mim, o importante eram os US$
200 milhões naquela sexta. Valia mais do que US$ 300 milhões duas ou
três semanas depois. Eram os US$ 200 milhões que naquele momento
me encerravam toda a reestruturação. Isso tinha um valor incrível.

Olhando a estratégia da Globo ao longo de todos esses anos em TV por assina-


tura, do ponto de vista da distribuição, valeu a pena?
R.I.M.: Acho que valeu, porque a estratégia estava certinha. A gente
não errou em estratégia de negócios, errou em estratégia financeira.
Erramos porque acreditamos demais no país, e o país é muito mais vul
nerável do que a gente achava que era. Acreditávamos que com o Plano
Real a coisa ficaria bem mais estável do que ficou. Fizemos uma má ava
liação financeira, uma má avaliação de risco, mas a estratégia nossa es-
tava absolutamente correta. Acho que só conseguiríamos a situação que
temos hoje no conteúdo se tivéssemos feito o investimento inicial em
distribuição. Ao contrário dos EUA, onde as empresas de conteúdo e de
distribuição se desenvolveram juntas, no Brasil, se deixássemos que os
nossos concorrentes montassem redes de distribuição, eles não teriam
nos deixado entrar com conteúdo no sistema deles. Isso foi formalmente
anunciado por eles, como estratégia de bloqueio ao conteúdo Globo. O
fato de termos feito nosso sistema de distribuição e investido em conteú
do mostrou que o conteúdo é a chave do jogo, e que o sistema de distribui
ção, embora tenha me custado esta barriga e todo o investimento que foi
feito, foi o que viabilizou a estratégia dos canais.

Hoje há outros personagens entrando nesse mercado, especialmente as empre


sas de telecomunicações. Vocês veem eles como players?
R.I.M.: Vejo eles com vontade de ser players, e acho que serão. Para

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uma empresa de telecom é muito fácil fazer distribuição. Muito mais di
fícil é fazer conteúdo, e a maior prova é que não tem nenhuma empresa
de telecomunicações fazendo isso em nenhum lugar do mundo. Acho que
vai ter ainda muita gente perdendo dinheiro no negócio de distribuição.
Acho que tem muita gente vendendo promessas para acionista muito aci
ma do que é capaz de entregar, mas o tempo vai mostrar.

Quando vocês fizeram a Globosat, eram quatro canais em cima de zero assinan
te. Se vocês tivessem que fazer isso de novo, para alguma outra tecnologia, toma
riam a mesma decisão?
R.I.M.: Sim, faria com o maior prazer. E não é condicional. Teremos
que fazer.

Pela primeira vez nas entrevistas que já tivemos não vejo uma contraposição
entre TV aberta e TV por assinatura. Mudou a postura?
R.I.M.: A história do grupo é muito curiosa. Começou com o papai, que
centralizava tudo. Ele negociava muito com base nas informações que ti
nha. Não queria uma aliança no grupo em que ele não estivesse no meio.
Ele chegava no jornal e falava: “Aqueles malucos da TV Globo são uns
gastadores de dinheiro”. Depois, vinha para a TV e dizia: “Aqueles caras
do jornal são uns sem criatividade, não sabem criar coisas novas”. E as-
sim estimulava a divisão entre as empresas. Culturalmente, não era um
processo ruim, porque estimulou a criação de tudo isso com muito suces
so. Mas os tempos mudaram e a chave do negócio passou a ser trabalhar
juntos. Mas quando colocava as pessoas para trabalhar juntas, sempre
sobravam arestas e atritos dessa competitividade. Acho que hoje conse
guimos colocar todo mundo para trabalhar junto, o que não é simples.
Talento é complicado. E em 20 anos, muita coisa mudou. TV por assinatu
ra mudou de status, e as empresas descobriram que têm sinergias enor
mes entre elas. Internet é e será um desafio enorme para todo mundo. As
oportunidades que existem precisam ser muito bem trabalhadas.

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