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E s p a n h o l • F r a n c ê s • I n g l ê s • I t a l i a n o • P o r t u g u ê s

A ciência e a fé
como parceiras
A morte como
um sono na teologia
adventista e nas
Escrituras
Jesus: O Homem para
todas as pessoas

1
Vo l u m e 2 7
REPRESENTANTES REGIONAIS
DIVISÃO SUL-AFRICANA E DO
OCEANO ÍNDICO
P. O. Box 4583 Rietvalleirand 0174, ÁFRICA DO
CONTEÚDO
SUL
Ella Kamwendo kamwendoe@sid.adventist.org ARTIGOS
Busi Khumalo khumalob@sid.adventist.org
DIVISÃO AFRICANA CENTRO-OCI- 5 A ciência e a fé como parceiras
DENTAL A ciência proporciona um meio de adquirir o conhecimento testável
22 Boîte Postale 1764, Abidjan 22, COSTA DO sobre a natureza – um método que promove o contínuo acúmulo de
MARFIM
Chiemela Ikonne cikonne@wad-adventist.org conhecimentos, dentro de certos paradigmas, assim como a revolução
N. John Enang njenang@wad-adventist.org científica ocasional em que um paradigma substitui o outro. Como as
DIVISÃO AFRICANA CENTRO-ORIEN- crenças cristãs nos ajudam a entender essa forma de conhecimento?
TAL H. Thomas Goodwin
P.O. Box 14756, 00800-Westlands, Nairobi,
QUÊNIA
Andrew Mutero muteroa@ecd.adventist.org A morte como um sono na teologia
Mwagulilo Mwakalonge mwakalongem@ecd.
adventist.org 10 adventista e nas Escrituras
O que as Escrituras querem dizer quando se referem à morte como
DIVISÃO NORTE-ASIÁTICA DO
PACÍFICO
um sono? Como esse conceito se desenvolveu na história teológica
P.O. Box 43, Koyang Ilsan 411-600, COREIA adventista? Quais as implicações dessa metáfora, tanto na pregação
Chek Yat Phoon cyphoon@nsdadventist.org
Nak Hyujg Kim youth@nsdadventist.org
quanto na formulação das doutrinas do estado do homem na morte
e da ressurreição? Wilson Paroschi, professor de Teologia no Brasil,
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA DO PACÍFICO
P.O. Box 040, 4118 Silang, Cavite, FILIPINAS responde a essas perguntas.
Lawrence Domingo ldomingo@ssd.org Wilson Paroschi
Jobbie Yabut jyabut@ssd.org
DIVISÃO EURO-ASIÁTICA Jesus: O Homem para todas as pessoas
Krasnoyarskaya Street 3, 107589 Moscou, FED.
RUSSA 14 Quatro perspectivas singulares sobre a mente e os valores de Jesus, o
Homem incomparável para todas as pessoas.
Vladimir Tkachuk vtkachuk@esd-sda.ru
Kasap Gennady kgennady@esd-sad.ru William G. Johnsson
DIVISÃO INTERAMERICANA
P.O. Box 830518, Miami, FL 33283-0518, EUA
Gamaliel Florez gflorez@interamerica.org
Benjamín Carballo carballobe@interamerica.org
DIVISÃO INTEREUROPEIA
Schosshaldenstrasse 17, 3006 Berna, SUÍÇA
Barna Magyarosi barna.magyarosi@eud.adventist.
org
SEÇÕES
Stephan Sigg stephan.sigg@eud.adventist.org
DIVISÃO NORTE-AMERICANA
EDITORIAL LOGOS
12501 Old Columbia Pike, Silver Spring, MD 20904-
6600, EUA
3 “Inspire-se. Capacite-se
para Compartilhar!”
26 “Não será assim entre vocês!”
Um paradigma bíblico de
Larry Blackmer larry.blackmer@nad.adventist.org Lisa M. Beardsley-Hardy liderança
James Black james.black@nad.adventist.org
Zdravko Stefanovic
Gary Councell gary.councell@nad.adventist.org PERFIL
DIVISÃO DO PACÍFICO SUL 18 Umutoni Aïssa FÓRUM ABERTO
Locked Bag 2014, Wahroonga, N.S.W. 2076, Entrevistada por Bahati 29 Sexo no Sábado
AUSTRÁLIA Nkundakozera Michael W. Campbell
Malcom Coulson mcoulson@adventist.org.au
Nick Kross nkross@adventist.org.au 20 Thadeu de Jesus e Silva Filho PONTO DE VISTA
DIVISÃO SUL-AMERICANA
Entrevistado por Areli Barbosa 30 Dez coisas que os pastores gos-
tariam que suas congregações
Caixa Postal 02600, Brasília, 70279-970 DF, BRASIL LIVROS
Edgard Luz edgard.luz@adventistas.org.br fizessem por eles
Areli Barbosa areli.barbosa@adventistas.org.br 24 Biology: A Seventh-day Adventist
Approach for Students and Dave Gemmell
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA Teachers REFLEXÕES
P.O. Box 2, HCF Hosur, 635 110 Tamil Nadu, Editado por H. Thomas Goodwin “Eu estou sempre com você…”
ÍNDIA
Revisado por Keto E. Mshigeni
32 Alberto R. Timm
Nageshwara Rao gnageshwarrao@sud-adventist.
org
Lionel Lyngdoh lyngdoh@sud-adventist.org 25 Jesus of Nazareth: His Life, His PRIMEIRA PESSOA
Message, His Passion 34 O Sábado – Nosso deleite
DIVISÃO TRANSEUROPEIA William G. Johnsson e nosso dever
119 St. Peter’s St., St. Albans, Herts, AL13EY,
INGLATERRA
Revisado por John M. Fowler Mioty Andriamahefason
Daniel Duda dduda@ted-adventist.org
Paul Tompkins ptompkins@ted-adventist.org

2 DIÁLOGO 27 • 1 2015
EDITORIAL
Esta revista internacional de fé, pensamento e
“Inspire-se. ação é publicada três vezes ao ano, em quatro
edições paralelas (espanhol, francês, inglês
Capacite-se para compartilhar!” e português), sob o patrocínio da Comissão
de Apoio a Universitários e Profissionais
Adventistas (Caupa), organismo da Associação
Geral dos Adventistas do Sétimo Dia.
Volume 27, Número 1
Copyright © 2015 pela Caupa.
Todos os direitos reservados.
Em meio a uma nevasca que parou todo o tráfego e chegou a mudar a rota
dos aviões, líderes e participantes do simpósio sobre o Ministério de Campus Diálogo afirma as crenças fundamentais da
Igreja Adventista do Sétimo Dia e apoia a
Público (MCP) estiveram reunidos entre os dias 4 a 8 de março de 2015, na sede sua missão. Os pontos de vista publicados
da Associação Geral, em Washington. No dia anterior, antes de começar a nevar, na revista, entretanto, representam o
chegaram os representantes de todas as treze divisões e da sede da igreja no pensamento independente dos autores.
Oriente Médio, Norte da África e campos anexos de Israel – tanto os veteranos Equipe Editorial
do Ministério de Campus como os estudantes universitários que estavam apenas Editora-chefe: Lisa M. Beardsley-Hardy
iniciando nesse ministério. O objetivo desse simpósio foi desenvolver uma estru- Editor: John M. Fowler, John W. Taylor V
tura para o Ministério Adventista de Campus Público, que já conta mais de 60 Assistente Editorial: Susana Schulz
Edições Internacionais: Susana Schulz
anos, e elevá-lo a um maior nível de visibilidade, foco e coordenação. Alguns dos
Secretários editoriais internacionais:
participantes nunca tinham visto a neve cair. Assim, deixando a vergonha de lado, Susana Schulz (Espanhol)
correram para fora e atiraram-se ao chão como crianças para fazer anjos de neve, Monique Lemay (Francês)
rolando e se divertindo a valer com seus colegas. Roberto Iannò (Italiano)
Ouvimos relatos emocionantes sobre o Ministério de Campus Público em todo Karina Carnassale Deana (Português)
Diagramador: Glen Milam
o mundo. A conferência foi transmitida via internet e, pessoalmente, tive a opor-
tunidade de participar durante dois dos cinco dias da programação (ver www. Correspondência Editorial
hopetv.org/gcevents para assistir à transmissão realizada no final de semana). Diálogo
12501 Old Columbia Pike
Entretanto, a reunião de cúpula não foi para diversão. Nos campi públicos, onde Silver Spring, MD 20904-6600; EUA.
a maioria dos alunos adventistas vive e estuda, há enormes desafios à fé. Trocamos Telefone 301 680-5060
muitas ideias e oramos por esses desafios e pelo grande número de estudantes que Fax 301 622-9627
os enfrentam. A reunião de cúpula centralizou-se nesses grupos porque há um E-mail schulzs@gc.adventist.org
chamado especial para eles. Diante de tudo o que foi exposto, criamos a seguinte Comissão (CAUPA)
declaração de missão, lema e slogan – da mesma maneira que idealizamos um Presidente: Armando Miranda
lema para colocar em uma camiseta! Ficaram assim definidos: Vice-Presidentes: Lisa M. Beardsley-Hardy,
Gilbert Cangy, Gary R. Councell
Secretário: Jiwan S. Moon
Declaração de Missão Vogais: Mario Ceballos, Lyndelle Chiomenti,
“Inspirar os estudantes adventistas a serem discípulos de Jesus e capacitá-los para Ganoune Diop, Falvo Fowler, Hudson
compartilhar o evangelho eterno no campus.” Kibuuka, Linda Koh, Kathleen Kuntaraf,
Faith-Ann McGarrell, Derek Morris, Álvaro
Lema Ordoñez, Ronald Pickell, Eliann Reinhardt, Roy
Ryan, Susana Schulz, John W. Taylor, Clinton
“Siga a Jesus. Abrace Sua Missão. Mude o Mundo!” Wahlen, Thomas Wetmore
Correspondência sobre circulação
Slogan Deve ser dirigida ao Representante Regional
“Inspire-se. Capacite-se para Compartilhar!” da Caupa na região em que reside o leitor.
Os nomes e endereços desses representantes
Durante o evento, os participantes trabalharam em pequenos grupos para iden- encontram-se na p. 2.
tificar como cada um dos sete blocos do Ministério de Campus Público poderia Assinaturas US$13.00 por ano (três
ser implementado. Essas recomendações formaram a base de um documento números, via aérea). Ver cupom na p. 6 para
mais completo para solidificar os blocos dessa estrutura. O Comitê Estudantil mais detalhes.
do Ministério Adventista da Associação Geral para faculdades e universidades Website: http://dialogue.adventist.org
(AMICUS) começou a estudar as recomendações com o objetivo de implemen-tá-
A DIÁLOGO recebe correspondências de
las através dos vários canais e níveis de organização da igreja. No entanto, muitas leitores de 120 países ao redor do mundo.
dessas recomendações podem ser colocadas em prática imediatamente. Dessas,
duas podem ser implementadas em qualquer igreja, especialmente naquelas que

DIÁLOGO 27 • 1 2015 3
estão mais próximas de um grande jas locais sobre como lançar o programa
campus público. e dar apoio à ACF próxima de faculda-
A primeira recomendação é para des e universidades. O ACF Institute
que todas as igrejas nomeiem um está aberto aos interessados no treina-
administrador ou coordenador para o mento desse ministério nos campi.
Ministério de Campus Público – de No ano passado, a Missão Mongólia
preferência, um estudante universitário iniciou um Ministério de Campus
para supervisionar as operações locais. Público com uma abordagem que
A segunda é para que cada igreja adote foi utilizada há alguns anos em
uma relacão de crescimento espiritual, Concepción, no Chile, e no Advent
de missão, treinamento e capacitação House, no Tennessee, EUA (www.
da testemunha no campus público. A adventhouse.org). Esses esforços devem
congregação local torna-se o primeiro ser replicados em outras cidades uni-
bloco da construção e é onde os alunos versitárias. Na Mongólia, onde não
são nutridos e equipados. há o nível de ensino superior sendo
Os materiais provenientes da cúpula operado pela Igreja Adventista, a igreja
do MCP e do simpósio estarão disponí- construiu e está administrando um
veis online. O plano é criar um site que dormitório para estudantes universi-
contará com os projetos de base, com tários de campi seculares na capital,
os programas de serviço, e servirá tam- Ullaanbaatar. O dormitório oferece não
bém como uma câmara de compensa- só a tão necessária moradia, mas funci-
ção para os recursos do Ministério de ona também como um centro de nutri-
Campus Público. Você vai ouvir mais ção espiritual, comunhão e treinamento
sobre esse assunto, pois agora é que está para evangelismo e testemunho.
sendo lançado. Enquanto isso, voltemos Antes mesmo de ser votado pela
às questões da Diálogo, que incluem cúpula, a igreja na Mongólia já havia
os relatórios sobre o que os alunos já encontrado uma maneira eficaz de
fizeram na Argentina, Burkina Faso, cumprir o lema: “Inspire-se. Capacite-se
Quênia, Romênia, Filipinas, Papua- para compartilhar!”
Nova Guiné e em outros lugares. Na E como anda esse projeto onde você
América do Norte, o site da Advent está?
College (ACF) contém links para aces-
sar os materiais, como o www.acflink.
org; esse site desenvolveu a agenda de – Lisa M. Beardsley-Hardy
trabalho Word in Action, e o Campus Editora
Catalyst ministra seminários de finais
de semana para ajudar a treinar as igre-
Lisa M. Beardsley-Hardy, PhD pela
Universidade do Hawai’I, em Manoa,
Escreva-nos! é diretora do Departamento de
Educação da Associação Geral dos
Recebemos seus comentários, críticas e
perguntas, mas, por favor, limite suas cartas Adventistas do Sétimo Dia, em
a 200 palavras. Escreva para: Silver Spring, Maryland, EUA.
DIALOGUE LETTERS
E-mail: beardsleyl@gc.adventist.org.
12501 Old Columbia Pike
Silver Spring MD 20904 - EUA.
FAX 301 622 9627
E-MAIL schulzs@gc.adventist.org
As cartas selecionadas para publicação
podem vir a ser editadas para maior
clareza ou por necessidade de espaço.

4 DIÁLOGO 27 • 1 2015
A ciência e a fé como parceiras
H. Thomas Goodwin
A ciência proporciona um meio de adquirir o
conhecimento testável sobre a natureza – um
método que promove o contínuo acúmulo de
conhecimentos, dentro de certos paradigmas,
assim como a revolução científica ocasional em
que um paradigma substitui o outro. Como
as crenças cristãs nos ajudam a entender essa
forma de conhecimento?

A fé e a ciência podem conviver como Definição da natureza da ciência curam, os tipos de explicações que pro-
parceiras? Eu acredito que sim e espero sob a perspectiva da fé adventista põem, e assim por diante. Thomas Kuhn
convencer você a respeito de três pontos. Antes de explorar a relação entre as 3
, um notável filósofo da ciência, refere-se
Em primeiro lugar, as crenças funda- crenças bíblicas e a ciência, precisamos a esses conjuntos de teorias e princípios
mentais da igreja apresentam uma visão esclarecer o que é ciência e a maneira em moldados e amplamente compartilhados
crítica do poder e limites da ciência como que ela atua. A grosso modo, a ciência é como paradigmas.
forma de conhecimento. Em segundo o meio de adquirir conhecimento sobre a Grande parte desse dinamismo no
lugar, o conhecimento científico frequen- natureza, procurando descrever e explicar pensamento científico é impulsionada
temente enriquece as crenças teológicas, os fenômenos do mundo material de pela interação de dados e teorias, à medi-
especialmente as crenças sobre Deus modo que outros cientistas possam da que os cientistas procuram encontrar
como Criador, e os seres humanos como testá-los empiricamente. melhor ajuste entre o que eles observam
criaturas formadas à imagem de Deus. Por sua própria natureza, o conheci- na natureza e suas teorias sobre ela. Às
Em terceiro lugar, embora os conhe- mento científico é dinâmico e está sem- vezes, a mudança ocorre porque uma
cimentos científicos às vezes venham pre mudando, impulsionado pela contí- teoria frutífera incentiva o acúmulo
a desafiar as crenças adventistas, esses nua interação de três elementos centrais de novos dados. Um bom exemplo é
desafios não deveriam nos surpreender, do pensamento científico (Fig. 1): dados, o aumento exponencial de dados da
pois oferecem oportunidades para o teorias e princípios que o moldam. 2 Os sequência do genoma na última década,
crescimento científico, teológico e ético. dados representam as observações, as alimentado por teorias modernas da
Em suma, este artigo tentará mostrar contagens e medições que os cientistas genética e por novos métodos de sequen-
que a ciência e a fé podem atuar como registram e gostariam de explicar. As teo- ciamento do DNA. Em outros casos, a
parceiras – que se apoiam, mas, às vezes, rias são as ideias que os cientistas desen- mudança ocorre porque novos dados nos
desafiam uma à outra. volvem para dar sentido e interpretar seus forçam a rever ou até mesmo substituir
Embora a analogia da parceria honesta dados. Moldar princípios corresponde ao uma teoria existente.
proporcione interpretações úteis, ela pos- que está por trás das crenças, dos com- De acordo com Kuhn, o conhecimen-
sui limites: os adventistas não abordam promissos e valores que, inevitavelmente, to científico às vezes assume uma forma
o diálogo ciência e fé com neutralidade. influenciam o trabalho de um cientista, mais holística e abrangente. Sob esse
Reconhecemos a Bíblia como “o autori- muitas vezes inconscientemente. Os ponto de vista, os cientistas normalmente
zado revelador de doutrinas e o registro membros de determinada comunidade não questionam seus paradigmas; eles
fidedigno dos atos de Deus na História” científica geralmente compartilham um os consideram como sendo verdadeiros
1
, e esse compromisso é o que molda a amplo conjunto de teorias e princípios e, consequentemente, estão em confor-
nossa compreensão da natureza. moldados que orientam fortemente o midade com a ciência. No processo, no
seu trabalho: os tipos de dados que pro- entanto, os cientistas descobrem, ocasi-

DIÁLOGO 27 • 1 2015 5
onalmente, coisas que não se encaixam verdadeiros e estão enraizados na doutri-
nas expectativas do paradigma. Se essas Dados na bíblica da criação. Consideremos duas
descobertas forem suficientemente gra- dessas suposições: Primeiro, os cientistas
ves ou numerosas, a disciplina científica supõem que, desde que o Universo foi
vai experimentar uma crise, enquanto formado, continua a se comportar de
os cientistas se esforçam para que os Princípios forma ordenada. Nós pressupomos que
dados anômalos façam sentido. Durante Teorias os átomos de carbono possuem as mes-
Moldados
uma crise, um cientista brilhante pode mas propriedades na Terra e nas estrelas,
aparecer até com uma forma totalmente e que a gravidade funciona da mesma
nova de ver a disciplina – chegando a um ocasional em que um paradigma substi- maneira, tanto hoje como no passado.
novo paradigma. Se o novo paradigma tui o outro. Como as crenças cristãs nos Essa suposição, que nos permite adquirir
funciona bem ao longo do tempo, a ajudam a entender esta forma de saber? conhecimentos úteis sobre a natureza,
comunidade vai “mudar” do antigo para Vamos agora explorar o que as crenças embora tenhamos investigado apenas
o novo, e uma revolução científica irá cristãs podem nos dizer sobre o poder e uma pequena fração dela, nunca pode
ocorrer. os limites da ciência. ser diretamente demonstrada a partir da
Kuhn mencionou que tais episódios O poder da ciência. A ciência é uma ciência. No entanto, ela surge natural-
representam acontecimentos importantes forma poderosa de adquirir conheci- mente do ensino bíblico de que um Deus
na história da ciência porque eles abrem mento sobre a natureza, um poder que é sábio e racional criou os céus e a Terra. 5
novas perspectivas de pesquisa, geram demonstrado por dois fatos. Em primeiro O segundo pressuposto igualmente
teorias novas e mais abrangentes, e esti- lugar, as teorias científicas, muitas vezes, crítico, necessário para a ciência, é que
mulam os cientistas a estudar uma nova unificam as diversas observações de os seres humanos têm capacidade men-
gama de fenômenos. As ideias de Kuhn maneira elegante e simples, e geralmente tal para reconhecer e compreender essa
podem ser simplificadas, mas oferecem fazem previsões surpreendentes sobre a ordem na natureza. Podemos descobrir
noções úteis sobre como o pensamento natureza, que acabam sendo válidas, em tal ordem, embora ela possa estar ocul-
científico evoluiu ao longo do tempo. especial nas ciências experimentais. A ta à vista no dia a dia. Mais uma vez,
Todas as disciplinas científicas com- teoria geral da relatividade, de Einstein, a doutrina bíblica da criação nos dá
partilham um compromisso com a por exemplo, unificou amplas áreas razão para acreditar que essa suposição
capacidade de teste empírico, mas as dis- da física com elegância matemática. é verdadeira porque Deus fez o homem
ciplinas variam na forma como coletam Também fez previsões surpreendentes à Sua imagem (Gênesis 1:27). A Bíblia
os dados e testam as teorias. Correndo o e arriscadas, o que, mais tarde, foi veri- não define com precisão em que os
risco de simplificação, as ciências experi- ficado experimentalmente. Quando as seres humanos representam a imagem
mentais (por exemplo, a física, a química teorias científicas se unificam e predizem de Deus, mas uma visão comum é a de
e muitas áreas da biologia) tipicamente acuradamente o que vemos (e devería- que Deus é refletido, pelo menos em
testam hipóteses, fazendo vários experi- mos ver) dessa forma, passamos a ter parte, na capacidade humana de pensar
mentos controlados e em condições dife- um pouco mais de confiança no fato de e escolher livremente 6, uma capacidade
rentes. Em contraste, geralmente não é que a ciência nos ensina algo real sobre o dependente do pensamento complexo,
possível para as ciências históricas (como mundo. criativo e racional – elementos humanos
a paleontologia e a arqueologia) testarem Em segundo lugar, a força da ciência fundamentais, necessários à ciência.
hipóteses causais diretamente pela experi- é demonstrada pela utilidade prática Essa interpretação – de que as crenças
ência. Em vez disso, elas procuram deci- das teorias científicas. A ciência gerou bíblicas embasam os pressupostos essen-
frar as causas do passado (por exemplo, o conhecimento teórico que tornou ciais da ciência – pode ter sido impor-
causa da extinção dos mamutes no final possível desenvolver tratamentos para a tante na história da ciência. Por exemplo,
da Era do Gelo), propondo múltiplas malária, erradicar a varíola, aumentar Melvin Calvin, recebedor de um Prêmio
e competitivas hipóteses e procurando exponencialmente a produção agrícola Nobel em Química, em 1961, acreditava
evidências físicas que discriminarão entre por acre e criar iPhones e computadores que o pressuposto da ordem da natureza
essas hipóteses 4 – uma forma de teste de pessoais. poderia ser rastreado historicamente até à
hipóteses. Esse poder demonstrado pela ciência antiga visão hebraica de que “o Universo
Para recapitular, entendo que a ciência levanta uma questão intrigante: Por que é governado por um único Deus, e não é
seja um meio de adquirir o conhecimen- a ciência funciona tão bem? o produto de caprichos de muitos deuses,
to testável sobre a natureza – um método A teologia cristã apresenta uma respos- cada um governando sua própria região,
que promove o contínuo acúmulo de ta simples, mas elegante, para essa per- de acordo com suas próprias leis.” 7 Essa
conhecimentos, dentro de certos paradig- gunta. A ciência funciona bem porque interpretação sugere que a fé bíblica
mas, assim como a revolução científica os seus pressupostos fundamentais são exerceu um papel crucial na ascensão da

6 DIÁLOGO 27 • 1 2015
ciência moderna, embora outras vertentes tentes sobre onde devem procurar para preendidos; não queremos que os cien-
intelectuais (nomeadamente a filosofia encontrar os dados relevantes e a que tistas invoquem um milagre divino cada
grega) tenham sido também importan- esses dados devem se assemelhar. Tais vez que um fenômeno permanece sem
tes. motivações e expectativas são essenciais explicação! Tomado como um impera-
Os limites da ciência. Conquanto a para a ciência porque elas embasam a tivo filosófico, no entanto, esse compro-
ciência tenha mostrado ser detentora de persistência e o foco necessário para uma misso pode restringir o leque de hipó-
grande poder, ela também tem limites. investigação científica eficaz. No entan- teses plausíveis consideradas para teste,
Vários estudiosos adventistas têm abor- to, eles às vezes nos cegam – pelo menos especialmente nas ciências históricas,
dado esses limites de formas mais amplas temporariamente – para as observações lembrando o papel que várias hipóteses
e úteis, e o leitor é convidado a consultar mais relevantes. concorrentes exercem nessas disciplinas.
suas discussões para maior aprimoramen- Se o elemento humano se torna evi- 12
Como exemplo, um compromisso com
to. 8 Aqui, vou condensar esses limites em dente na coleta de dados, isto ocorre o naturalismo filosófico exclui automa-
duas categorias: as limitações do método ainda mais na criação das teorias cientí- ticamente a criação especial como uma
que se origina porque são seres humanos ficas e na operação dos princípios que as hipótese para a origem da vida e design
falíveis que fazem a ciência, e os limites moldam. Os filósofos da ciência nos lem- biológico, independentemente de como
no escopo em que são aplicados porque a bram de que a formação de uma teoria as provas científicas possam favorecer
realidade se estende para além do contex- não flui simples ou automaticamente a essa hipótese.
to da ciência. Minha argumentação é de partir dos dados. Ao contrário, as teorias O que tudo isso significa, na prática,
que as crenças cristãs sobre a criação e a representam ideias criativamente forma- para o biólogo adventista que se depara
humanidade nos ajudam a dar sentido a das por mentes humanas, e sua formação com as teorias científicas aparentemente
essas duas formas de limites. e testes inevitavelmente são moldados bem fundamentadas, mas que entram
A ciência é um empreendimento por nossas crenças e compromissos – por em conflito com a nossa compreensão
humano, e todos os aspectos da ciência nossa formulação de princípios. 10 bíblica? As opiniões variam. David Read,
são afetados por essa verdade. Esse fato Considere a teoria da evolução de advogado adventista que escreveu um
não surpreende os biólogos adventistas. Darwin pela seleção natural. Ele desen- livro sobre os dinossauros e os registros
Os seres humanos são criaturas finitas, volveu essa teoria para dar sentido à fósseis, argumenta que muitas teorias
de acordo com sua criação (feitos à ima- grande parte dos dados que ele próprio atuais sobre a história da vida são tão
gem de Deus, mas jamais deuses), caídos havia reunido, assim, os dados desem- profundamente moldadas por princípios
e egoístas devido à rebelião contra Deus penharam um papel importante. No de cunho ateu que devem ser rejeitadas
(Gênesis 3:1-12) e, portanto, completa- entanto, suas ideias também foram como sendo falsas. 13 Sob esse ponto de
mente falíveis em tudo o que pensamos moldadas pelas ideias econômicas e vista, os princípios formulados de manei-
e fazemos, incluindo a nossa ciência. filosóficas de sua cultura. A percepção ra equivocada conduzem à formação des-
Ocasionalmente, os cientistas exibem a de Darwin com relação à luta pela exis- sas teorias; os dados desempenham um
falibilidade humana em uma busca pela tência, que resulta da superpopulação e papel secundário.
autogratificação, digna de censura. Casos recursos limitados da natureza, foi atri- Shandelle Henson, uma ecologis-
de elevado perfil revelado por cientistas buída a Thomas Malthus. Além disso, o ta e matemática, pertencente à Igreja
biomédicos que usaram dados frau- compromisso intransigente de Darwin Adventista, argumenta que os métodos
dulentos para se promoverem em suas com explicações mecanicistas quanto à da ciência, embora sejam inevitavelmente
carreiras9 de investigação servem como origem das espécies que não envolvem humanos e, portanto, falíveis, represen-
lembretes austeros do pecado humano. ação divina refletia uma tendência no tam uma poderosa forma de manter a
Mais costumeiramente, a nossa natureza pensamento filosófico daquela época.11 tendência subjetiva em xeque por causa
humana falível joga com maneiras mais Assim, a teoria de Darwin representa da contínua interação entre os dados, o
sutis. uma construção humana, cuja origem raciocínio científico e o exame cuidadoso
Vamos começar com o recolhimento foi moldada não só pelos dados, mas da investigação científica por revisores,
de dados. Os bons cientistas tentam também pelo conhecimento prévio e antes que venham a ser publicados. 14 Sob
coletar dados com cuidado para que, ao compromissos metafísicos. esse ponto de vista, os dados desempe-
registrarem as observações, os resultados Esse compromisso de explicações nham um papel fundamental para man-
dos experimentos sejam precisos e objeti- mecanicistas naturais na ciência merece ter as ideias científicas na direção certa.
vos. No entanto, os cientistas quase sem- mais comentários. Em certo sentido, A minha opinião é de que devemos
pre coletam dados para um fim – eles esse compromisso é fundamental para o estar sempre conscientes da falibilidade
têm que testar uma teoria ou hipótese, empreendimento científico porque moti- humana na avaliação das teorias cientí-
ou uma pergunta que têm que responder va os cientistas a investigarem fenômenos ficas, especialmente no caso de algumas
– muitas vezes, mantêm ideias preexis- desconhecidos até que sejam bem com- teorias referentes à história da vida, que

DIÁLOGO 27 • 1 2015 7
podem se tornar difíceis de ser testadas concordo com Del Ratzsch,15 ao afir- Deus como Criador e Mantene-
de maneira rigorosa. Às vezes, os princí- mar que todas as chamadas explicações dor – A Crença Fundamental Nº 3, da
pios de formulação dominantes podem só funcionam quando o que está para Igreja Adventista do Sétimo Dia, decla-
desempenhar um papel exagerado na ser explicado é reduzido a algo menos ra: “Deus, o Eterno Pai, é o Criador, o
condução da formação da teoria. do que realmente é. Como exemplo, Originador, o Mantenedor e o Soberano
Consideremos agora a segunda manei- a ciência poderia “explicar” as nossas de toda a criação.” 16 Uma série de desco-
ra em que a ciência tem seus limites: ela convicções morais como uma ferra- bertas científicas, quando vistas através
é limitada no âmbito do seu objeto de menta útil, que pode ser adaptada para das lentes da fé, oferecem suporte para
estudo. A ciência oferece poderosas fer- conseguirmos nos comportar de forma essa crença porque sugerem que as carac-
ramentas que nos ajudam a descrever e a melhorar a nossa aptidão. No entanto, terísticas importantes do Universo e da
explicar os fenômenos do universo empí- isso não explica a moralidade. A ciência vida na Terra refletem a clara intenção e
rico. Para o cristão, entretanto, a reali- pode explicar por que certos compor- planejamento de um sábio Criador. Os
dade é infinitamente mais ampla, como tamentos são adequados, mas não nos biólogos que defendem o design da natu-
também muito mais rica do que a maté- ajuda a entender por que devemos agir de reza são atingidos pelos altamente inte-
ria que compõe o Universo, e a ciência forma moral – a verdadeira questão da grados e fortemente regulados sistemas
nos diz pouco sobre essas dimensões da moralidade. bioquímicos, extremamente complexos
realidade. Para começar, na cosmovisão Finalmente, a ciência enfrenta limita- e universais das células vivas. Eles não
bíblica, Deus – e não o universo materi- ções ainda no âmbito do estudo de seu veem nenhuma explicação naturalista
al – é a realidade final. A ciência oferece próprio domínio – o universo material. viável para a forma como esses sistemas
algumas dicas sobre o Seu caráter e atua- A ciência muitas vezes funciona bem poderiam evoluir através de processos
ção, na medida em que estes se refletem quando faz perguntas sobre como as coi- naturais não guiados e, portanto, conse-
no mundo natural (Romanos 1:20), mas sas são feitas, como são colocadas juntas, guem enxergar apenas as evidências dos
não conseguem revelar as profundezas como os fenômenos naturais funcionam, desígnios divinos. 17
de Seu caráter ou os planos que Ele tem quando e onde ocorrem os fenômenos No entanto, como o físico adventista
para o mundo, como foi revelado por naturais, e assim por diante. Essas per- Gary Burdick destaca, o extraordinário
meio de Jesus Cristo. Somente a autorre- guntas, começam com: o que, quando, design também pode ser revelado com o
velação de Deus nos dá essas percepções. onde e como. A ciência fica em silêncio, que a ciência tem explicado. 18 Ele conta
Além disso, a experiência humana no entanto, quando se trata das questões a história de como os físicos vieram a
exibe ricas dimensões que não podem fundamentais sobre a natureza – ques- compreender a forma em que os elemen-
ser totalmente reduzidas ao nível mate- tões que começam com um filosófico tos de carbono e oxigênio poderiam ser
rial. Temos profundas convicções sobre por quê. E como foi possível o Universo formados nos fornos nucleares das estre-
o certo e o errado, sentimos que nossa ser organizado tão precisamente, e da las. Ao fazerem isso, eles determinaram
vida tem significado e propósito, expe- maneira exata para suportar a vida inte- que os dois elementos só poderiam ser
rimentamos a transcendência e a beleza ligente? A ciência não nos diz. Por que o formados, e nas proporções certas para
da natureza em nossos relacionamentos e Universo existe? Mais uma vez, a ciência suportarem a vida, se cada elemento
na arte. Para o crente, essas experiências não nos diz. Como crentes, obtemos exibisse um estado animado com um
refletem as dimensões da realidade cria- uma visão dessas questões na Palavra de nível de energia extremamente preciso.
da. Deus criou a lei moral para governar Deus. Descobertas posteriores demonstraram
a conduta humana (Salmo 19:7-11), e que o carbono e o oxigênio exibiam
os seres humanos foram formados por Visualizando a ciência como meio exatamente esses estados animados, e os
Ele com uma orientação moral básica. de enriquecimento da fé e prática cientistas ficaram se perguntando: “Por
Ele investiu os seres humanos com pro- adventistas quê?” Por que o Universo foi feito da
pósito e significado na criação (Gênesis Na seção anterior, argumentei que maneira exata para que entrasse em ação
1:26-27) e continua a fazê-lo através das as crenças cristãs fundamentais (mais esse processo tão imprescindível, a fim
gerações (Salmo 139:14-17). Mais uma especificamente as doutrinas da criação e de que a vida ocorresse em um nível tão
vez, a ciência nos diz pouco sobre essas da queda) fornecem um sólido contexto ideal? O crente vê isso como uma evi-
dimensões da realidade. para a compreensão do poder e limites dência dos desígnios divinos.
Alguns cientistas discordam forte- da ciência como uma forma humana de Alguns cristãos concluem que a evi-
mente dessa interpretação. Na opinião compreender o mundo natural. Passemos dência científica impele essencialmente à
deles, a ciência explica o nosso senso de agora à segunda argumentação deste crença em um Deus Criador. Ariel Roth,
moralidade, de finalidade e de outras estudo: As descobertas da ciência, muitas colaborador de longa data para o pensa-
áreas como adaptações evolutivas para vezes, enriquecem as nossas crenças e mento adventista sobre a fé e a ciência,
melhorar a aptidão humana. No entanto, práticas como adventistas do sétimo dia. apresenta esta perspectiva: “Os dados

8 DIÁLOGO 27 • 1 2015
da própria ciência nos forçam a concluir sua teia. Alguns mencionaram essa mara- integralidade da natureza humana. Nós
essencialmente que algo incomum está vilha do design nas reflexões do culto ainda temos muito a aprender nessa área.
acontecendo, como se um Deus experi- naquela noite. No sábado de manhã,
ente e transcendente estivesse envolvido no entanto, um aluno observou o fato As crenças adventistas e as
na criação das complexidades que a de que aquela bela teia de aranha serve descobertas científicas às vezes
observação científica mantém desco- como uma armadilha mortal e levou os desafiam umas às outras
berta.” 19 Outros crentes julgam que tais colegas a meditarem sobre o seu signi- Até aqui, tenho enfatizado as maneiras
evidências são sugestivas, mas não coerci- ficado na vida de cada um. A natureza positivas em que as crenças adventis-
tivas. Depois de analisar a surpreendente é cheia de tais reviravoltas que transfor- tas e a ciência interagem. Temos que
beleza racional da natureza e do perfeito mam os simples projetos da natureza em reconhecer, no entanto, que, para os
ajuste do Universo para sustentar a vida discussões sobre a existência de Deus. adventistas, as crenças bíblicas e o conhe-
consciente, John Polkinghorne, físico que Em um mundo caído, não enxergamos cimento científico às vezes se desafiam.
se tornou padre anglicano, conclui que as coisas claramente; vemos tudo como Enfrentamos esse desafio mais direta-
uma interpretação teísta do Universo, se estivéssemos atrás de um vidro escuro. mente quando estudamos a história da
embora não “logicamente coerciva”, apre- Concepção adventista da humani- vida. Os adventistas aceitam as narrativas
senta um “entendimento intelectualmen- dade – A narrativa do Gênesis nos diz: da criação registradas no Gênesis como a
te satisfatório do que, de outra maneira, “[O] Senhor Deus formou o homem do história factual, 24 que descreve a obra da
seria uma ininteligível boa sorte”. 20 Sob pó da terra, e soprou em suas narinas o criação de Deus, realizada em seis dias
outro ponto de vista, o conhecimento fôlego da vida; e o homem foi feito alma literais, seguidos pelo sábado (Crença
adquirido por meio da ciência é, muitas vivente” (2:7). Essa narrativa fundamen- Fundamental Nº 6). 25 As descobertas
vezes, congruente com a convicção cristã ta duas verdades sobre a natureza huma- científicas modernas são interpretadas
de que o Universo é criação de Deus. na. Em primeiro lugar, nós comparti- com base na indicação de que houve um
Talvez a contribuição mais importante lhamos muito com o restante da criação processo de formação gradual, ocorrido
que o estudo científico traz à nossa cren- porque somos feitos da mesma matéria durante um período de tempo muito
ça em Deus seja que ela proporciona a (aves e animais também foram formados longo. Como podemos conciliar as evi-
ocasião prática para vivermos essa crença “da terra”, Gênesis 2:19). Em segundo dências da Bíblia com as da natureza, a
– “adorai Aquele que fez o céu e a Terra, lugar, nosso status como “almas viventes” fim de alcançarmos uma imagem coe-
o mar e as fontes das águas” (Apocalipse reflete uma unidade indivisível entre rente da criação?
14:7). Muitos cientistas, mesmo aqueles corpo e espírito. Os adventistas do séti- Consideremos quatro princípios gerais
que não possuem uma orientação religio- mo dia formalizaram essa última verdade para um diálogo construtivo, princípios
sa, expressam espanto e admiração diante na Crença Fundamental Nº 7, que afir- esses que irão afirmar a autoridade da
da grandeza e complexidade do que eles ma: “[Cada um] é uma unidade indivisí- Bíblia, incentivar o crescimento em nossa
estudam, e às vezes expressam essa expe- vel de corpo, mente e alma, e dependente compreensão, tanto da Palavra de Deus
riência em termos transcendentais, quase de Deus quanto à vida, respiração e tudo como da natureza, e facilitar um diálogo
que religiosos. 21 Os biólogos cristãos o mais.” 22 O compromisso adventista do respeitoso entre os participantes.
podem aproveitar essa experiência dando sétimo dia para a manutenção de uma Primeiro, temos que afirmar a auto-
um passo à frente. Assim como Jó, há vida benéfica e saudável vem a partir ridade das Escrituras e não forçar as
muito tempo atrás, ao ser confrontado desta convicão: Se for para eu cuidar da interpretações da Bíblia para acomodar a
pelo manifesto poder de Deus na nature- minha alma, tenho que cuidar do meu ciência. Por exemplo, alguns interpreta-
za selvagem (Jó 39-41), somos lembrados ser inteiro – corpo, mente e espírito. ram os dias descritos em Gênesis 1 como
de nossa pequenez, a fim de nos arrepen- As descobertas científicas continuam figurativos, representando períodos inde-
dermos de nossas atitudes orgulhosas e a iluminar essas crenças e compromissos. finidos da criação. 26 Essa interpretação
adorarmos o nosso Criador (Jó 42:1-6). A bioquímica nos mostra que compar- ajuda a resolver a discrepância de tempo
Embora o estudo da natureza forneça tilhamos muito do maquinário mole- entre a geologia e o Gênesis, mas os estu-
melhores percepções para as crenças cris- cular fundamental da vida com outras diosos adventistas a rejeitaram porque é
tãs sobre Deus, devemos reconhecer que criaturas, e a ecologia revela as formas inconsistente com a evidência revelada
isso é feito com complexidade e ambi- essenciais em que os seres humanos estão no texto bíblico. 27
guidade. Lembro-me de uma sexta-feira integrados aos ecossistemas naturais. Em Em segundo lugar, temos que ser
em que ocorreu algo fascinante no sul da nível mais prático, o avanço do conheci- honestos com a evidência empírica da
Flórida, quando os alunos se maravilha- mento em nutrição e bem-estar confirma ciência e não forçar as interpretações
vam, juntamente com os seus professores, o compromisso dos adventistas com o dessa evidência para resolver as tensões.
diante do comportamento perfeito de viver saudável. 23 Mais teoricamente, as
uma aranha tecedora enquanto construía descobertas científicas dão pistas sobre a Continua na página 23

DIÁLOGO 27 • 1 2015 9
A morte como um sono na teologia
adventista e nas Escrituras
Wilson Paroschi
O que as Escrituras querem dizer quando
se referem à morte como um sono?
Como esse conceito se desenvolveu
na história teológica adventista? Quais
as implicações dessa metáfora, tanto
na pregação quanto na formulação das
doutrinas do estado do homem na
morte e da ressurreição? Wilson Paroschi,
professor de Teologia no Brasil, responde
a essas perguntas.
As Escrituras Sagradas utilizam a metodista, convenceu-se de que os cas do sono e do repouso, argumentan-
metáfora da morte como um sono e seres humanos não são imortais, mas do que “tanto os justos como os ímpios
a da ressurreição como o despertar de recebem a imortalidade por ocasião da repousam na sepultura, num estado
um sono (cf. João 11:11-14; 1 Coríntios ressurreição, sob a condição da fé em inconsciente, até ouvirem a voz do
15). Embora tais analogias possam ter Cristo Jesus. Como consequência, ele Filho do Homem e ressurgirem para a
um grande significado, ao afirmarem a também acreditava que os ímpios que vida ou para a destruição”, e que “aque-
certeza da ressurreição, também podem morrem em seus pecados serão punidos les que dormem em Jesus ressurgirão na
conduzir a conclusões equivocadas, por meio do fogo, sendo completamen- primeira ressurreição”, ao passo que “os
se tomadas literalmente ou se forem te exterminados, em vez de viverem em mortos restantes despertarão na segun-
utilizadas para defender a ideia de que sofrimento para sempre. da ressurreição e comparecerão perante
a morte consiste num sono, como se Ao enfatizar que a morte é a ausência Cristo no juízo.”3
representasse um estado intermediário total de vida, Storrs procurava refutar Essa foi uma das primeiras ocorrên-
no qual a pessoa permanece inativa na a crença tradicional no inferno como cias da expressão “dormir em Jesus”,
sepultura até a ressurreição. Este artigo lugar de tormento eterno. Quando fala- que surgiu entre os mileritas na década
busca reafirmar a perspectiva bíblica va sobre os justos, ele buscava equilibrar de 1840, expressão essa que mais tarde
com relação à morte e ao estado dos suas declarações com base na promessa se tornaria bastante popular entre os
mortos, ao mesmo tempo em que avalia da ressurreição, e o fazia por meio do adventistas do sétimo dia, especial-
o significado das metáforas do sono e conceito do sono. “Quando os homens mente em notas obituárias.4 Nessa
do despertar do sono. morrem”, dizia, “eles ‘dormem no pó mesma linha, o registro biográfico de
da terra’ (Daniel 12:2). E não desper- Storrs, publicado como introdução à
As primeiras percepções tarão até que Cristo retorne do Céu; ou edição de 1855 da série Six Sermons
adventistas até a última trombeta.”2 [Seis Sermões], assim se referia à morte
Com respeito à crença na imortalida- Já em 1842, as ideias condicionalis- súbita de Carlos Fitch, em outubro de
de condicional, a Igreja Adventista do tas de Storrs foram aceitas por Calvin 1844: “Ele dormiu em Jesus, na glorio-
Sétimo Dia foi fortemente influenciada French, ministro batista que também sa esperança de em breve ser despertado
por George Storrs, um dos líderes mais se uniu aos mileritas. French desenvol- pela voz do Filho de Deus.”5 Essa refe-
influentes do movimento milerita na veu ainda mais o argumento da morte rência a Fitch, importante líder mile-
segunda metade de 1844.1 Por volta como um estado inconsciente, ao apelar rita, é bastante oportuna, visto que ele
de 1840, Storrs, ainda um pregador extensivamente para as metáforas bíbli- foi o primeiro ministro convertido por

10 DIÁLOGO 27 • 1 2015
Storrs para a doutrina da imortalidade fazer algumas perguntas. Em dado alma. Em toda a história cristã, houve
condicional, dentro das fileiras adven- momento, ela perguntou: “Mas, mãe… muitos defensores da imortalidade que
tistas; outros líderes do movimento se você realmente crê que a alma repou- acreditavam exatamente assim. Tal foi
opunham fortemente a essa doutrina. sa na sepultura até a ressurreição?” o caso, por exemplo, de alguns antigos
Entretanto, com a fragmentação do Poucos parágrafos depois, ao descrever escritores sírios (como Efraim), Wyclif,
movimento milerita, após 22 de outu- o impacto que essa nova doutrina teve Tyndale e Lutero. Parece que muitos
bro de 1844, vários grupos adventistas sobre si, ela declara: “Essa nova e mara- anabatistas e socinianos também defen-
continuaram a crer no condicionalismo. vilhosa fé me ensinou por que os escri- diam essa crença que foi igualmente
Esse foi o caso dos adventistas saba- tores inspirados tanto se referem à res- bastante popular na Inglaterra, nos
tistas,6 para quem o conceito do sono surreição do corpo; é porque o ser todo séculos dezesseis e dezessete.15
começou a exercer um papel central permanece repousando na sepultura.”10
quanto à compreensão da morte e Embora esse episódio tenha ocorri- A morte como um sono nas
da ressurreição. do mais de trinta anos antes, quando Escrituras
Em sua primeira publicação, em Ellen White (ainda Ellen Harmon) Nas Escrituras, o sono é utilizado
1847, Tiago White se refere duas vezes tinha apenas dezesseis anos de idade, de forma tanto literal quanto metafó-
aos “santos que dormem”, os quais ela parece apenas reproduzir a mesma rica. Quando utilizado literalmente,
serão ressuscitados pelo próprio Jesus, linguagem que tinha usado na oca- apenas denota o ato físico do sono
por ocasião de Sua segunda vinda.7 sião. Em nenhum outro lugar ela fala (Gênesis 28:11; Jó 33:15; Daniel
Ellen G. White também haveria de da alma repousando ou dormindo na 10:9; Lucas 9:32). Quando utilizado
usar essa expressão pelo menos quinze sepultura. Mesmo assim, quem repousa metaforicamente, o sono pode denotar
vezes em seus próprios escritos. Na na sepultura é “o ser todo” e não uma letargia espiritual, indolência, falta de
verdade, nos anos seguintes, ela faria parte dele apenas. vigilância. Em Provérbios, preguiça,
extenso uso do conceito da morte como Na verdade, Ellen White parece ter indolência e sono são usados de forma
um sono em suas várias formas. evitado falar em almas mortas. O mais quase moral para descrever a pessoa
Além de falar dos “santos que dor- próximo que chega a isso é quando negligente, que se recusa a reconhecer
mem”, os quais serão “mantidos em fala figurativamente dos pecadores as necessidades básicas da vida huma-
segurança” até a manhã da ressurreição, que ainda não aceitaram Jesus como na (6:9-11; 19:15; 20:13; 24:33, 34).
quando haverão de ser “despertados” Salvador. “Uma alma sem Cristo”, ela Em Isaías (29:9), e com frequência
pela voz do Filho de Deus e “chamados diz, “é como um corpo sem sangue; no Novo Testamento (Marcos 13:35,
para fora” de suas sepulturas, Ellen está morto. Pode parecer vivo espiritu- 36; Romanos 13:11; Efésios 5:14; 1
White se refere dezenas de vezes àque- almente; pode participar de algumas Tessalonicenses 5:6-9), o sono descreve
les que estão agora silentemente, e por cerimônias religiosas mecanicamente, a apatia espiritual que deve ser colocada
pouco tempo, dormindo/repousando mas não tem, de fato, vida espiritual.”11 de lado para que se possa permanecer
em suas sepulturas. Ela chega inclusive Além dos próprios escritos de Ellen desperto neste mundo mau. Quando
a usar a expressão para si mesma, con- White, outras obras de pioneiros usado dessa forma, o contexto, com
forme registrou em seu diário pessoal adventistas também usam a lingua- frequência, é escatológico, advertin-
de 26 de dezembro de 1904: “Minha gem bíblica para descrever o estado da do-nos a estar atentos aos sinais dos
oração é que o Senhor poupe minha morte como um sono.12 No entanto, tempos.
vida para que possa fazer Seu trabalho para aqueles que não estavam familia- O sono (assim como o repouso) tam-
antes que eu repouse na sepultura.”8 rizados com a compreensão adventista bém é utilizado como uma metáfora
Dois anos mais tarde, ela voltou a da antropologia bíblica, segundo a qual para a morte. Isso é comum no Antigo
escrever numa carta: “Estou aguardan- o “ser humano é uma unidade – que Testamento (1 Reis 1:21; Jó 7:21;
do o chamado para concluir o meu tra- alma e corpo não são entidades separa- 14:12; Salmo 13:3; Jeremias 51:39, 57;
balho e repousar na sepultura.”9 das”, como R. F. Cottrell declarou em Daniel 12:2). A expressão “descansou
Em um artigo biográfico publicado 1865,13 o conceito da morte como um [ou repousou] com seus pais” é uma
em 1876, entretanto, a Sra. White sono podia facilmente ser mal compre- fórmula fixa em referência à morte dos
fez duas declarações surpreendentes. endido. “Nós não ensinamos”, ele expli- reis de Israel e Judá; é utilizada 36 vezes
Depois de relatar uma conversa entre cou, “que a alma repousa com o corpo nos livros de 1 e 2 Reis e 2 Crônicas.
sua mãe e outra senhora a respeito de na sepultura.”14 A metáfora também é encontrada no
um sermão que tinham ouvido sobre Tal explicação era necessária por- Novo Testamento. Quando Jesus res-
a natureza da morte, ela se aproximou que o conceito do sono da alma ainda suscitou dentre os mortos, é-nos dito
de sua mãe e, profundamente impac- podia ser compreendido dualisticamen- que “muitos corpos de santos, que dor-
tada pelos comentários, começou a lhe te, em conexão com a imortalidade da miam, ressuscitaram” (Mateus 27:52).

DIÁLOGO 27 • 1 2015 11
Após ser apedrejado, lemos que Estevão Se referir à morte, e em ambas as vezes 1:5), ou “as primícias dos que dormem”
ajoelhou-se, disse suas últimas palavras Ele foi mal compreendido. A confusão, (1 Coríntios 15:20, 23), tem sido tra-
e “adormeceu” (Atos 7:60). porém, não foi porque a metáfora era dicionalmente interpretada.18 Para usar
Por ocasião de sua terceira viagem uma novidade que Ele tinha acabado uma declaração clássica, “a ressurreição
missionária, Paulo declarou que alguns de introduzir, e sim porque Ele a utili- de Cristo é o penhor e a prova da res-
dos “mais de quinhentos irmãos” que zou de uma forma não convencional: surreição de Seu povo.”19
haviam visto o Cristo ressurreto já não apenas para descrever a morte, Assim, o ensino bíblico é de que,
repousavam (1 Coríntios 15:6). Ele propriamente dita, mas para negar seu embora a morte signifique terminação,
também se referiu depois àqueles que caráter irrevogável. ela não é final ou definitiva, exceto
“dormiram em Cristo” (v. 18, 20) e à com relação ao que a Bíblia chama de
sua esperança de que nem todos have- A visão bíblica da morte “segunda morte”, que se refere à des-
riam de dormir antes da segunda vinda A descrição bíblica da morte é a de truição final dos ímpios (Apocalipse
de Jesus (v. 51). Em 1 Tessalonicenses, terminação (Jó 7:21; 14:12). Quando 20:11-15; 21:8). Para aqueles que
ao mencionar a situação dos irmãos e alguém morre, nada permanece, visto creem, a morte não tem a última
irmãs já falecidos, Paulo se refere a eles que o fôlego da vida retorna a Deus e palavra (1 Coríntios 15:26, 54-55; cf.
por três vezes como aqueles “que dor- o corpo se decompõe nos elementos Apocalipse 2:11; 20:4, 6).
mem” (4:13-15). básicos dos quais é formado (Salmo Se a morte significa terminação,
Jesus também usou essa metáfora em 146:4; Eclesiastes 12:7; cf. Gênesis 2:7; então a ressurreição é muito mais que
duas diferentes ocasiões. A primeira foi Jó 33:4; Eclesiastes 9:5, 6, 10). Como um despertamento. Ela é, de fato, uma
com relação à filha de Jairo, que havia Haynes esclarece, “a união de duas coi- recriação. Se nada restou, não há nada
recém-sucumbido à sua enfermidade sas, terra e fôlego, serviu para criar uma para ser fisicamente despertado ou para
e falecido (Marcos 5:35). Ao chegar à terceira coisa, a alma. A existência con- sair da sepultura. Todos os aspectos da
casa de Jairo, Jesus viu a comoção, as tínua da alma depende inteiramente da vida presente chegam ao fim na morte.
pessoas chorando e pranteando (v. 38) contínua união do fôlego e do corpo. Algumas vezes, nem os próprios ossos
e então perguntou: “Por que estais em Quando essa união é quebrada e o fôle- permanecem. Não obstante, eles vive-
alvoroço e chorais? A criança não está go se separa do corpo, como ocorre na rão outra vez (João 5:25, 28; 11:25;
morta, mas dorme” (v. 39). Os que ali morte, a alma deixa de existir.”16 Apocalipse 20:6), pois a lembrança da
estavam responderam cinicamente e Samuel Bacchiocchi assim expressa personalidade e do caráter dos falecidos
O ridicularizaram (v. 40). Eles inter- essa ideia: a morte é apresentada nas permanece na mente de Deus.20
pretaram as palavras de Jesus como se Escrituras “como um retorno aos ele- Para que haja ressurreição, portanto,
a menina estivesse literalmente dor- mentos dos quais o homem foi original- tem de haver uma nova criação, dessa
mindo, quando sabiam que ela estava mente formado. [… A morte] é a ter- vez, não do pó da terra, mas do Céu
morta (v. 35; cf. Lucas 8:53). minação da vida, que resulta em dete- (cf. 1 Coríntios 15:47-50). Assim, não
A outra ocasião foi com relação a rioração e decomposição do corpo. [… há nenhum elo físico entre esta vida e a
Lázaro. Ao ser informado de que Seu Ela significa] a privação ou cessação da nova vida após a ressurreição. “Apesar
amigo Lázaro estava enfermo, Jesus vida.”17 Nesse sentido, isso não pode ser de não mais existirem, pelo poder de
não respondeu de imediato (João literalmente equiparado ao sono, em Deus, eles podem ser recriados para
11:3). Quando, finalmente, decidiu que a pessoa continua viva. A metáfora, viver outra vez”21 – uma recriação do
ir a Betânia, Ele disse: “Nosso amigo entretanto, retém a sua importância na nada, uma vida inteiramente nova.
Lázaro adormeceu, mas vou para des- compreensão adventista da morte. Logo, a metáfora do despertamento do
pertá-lo” (v. 11). Isso confundiu os Não há dúvida de que haverá uma sono, frequentemente usada na Bíblia,
discípulos, que tomaram Suas palavras ressurreição, como no caso da filha é apenas a contraparte, o equivalente
literalmente, concluindo que o sono de Jairo, de Lázaro e de vários outros, lógico da metáfora do sono. Como
faria bem a Lázaro (v. 12) e que Jesus além do próprio Cristo. Alguns vão o sono não representa totalmente a
não deveria arriscar a vida indo à Judeia ressuscitar “para a vida eterna” e alguns natureza da morte, assim também o
(cf. v. 7-8). Como no caso da filha de “para a vergonha e horror eterno” despertamento não expressa, em sua
Jairo, Jesus não estava falando do sono (Daniel 12:2; cf. João 5:28-29). E a plenitude, o caráter da ressurreição.
em seu sentido natural; falou em sen- ressurreição para a vida eterna será pos-
tido figurado, como uma referência à sível precisamente por causa da ressur- Conclusão
morte (v. 13). Foi necessário dizer-lhes reição de Cristo (1 Coríntios 15:17-18; Em resumo, há dois pontos-chave
claramente: “Lázaro morreu” (v. 14). 1 Tessalonicenses 4:14). É assim que a para serem lembrados:
Em ambas as histórias, portanto, expressão “o primogênito de entre os Primeiro, o sono é uma metáfo-
Jesus recorreu à metáfora do sono para mortos” (Colossenses 1:18; Apocalipse ra para a morte, não uma descrição

12 DIÁLOGO 27 • 1 2015
completa dela. O estado do sono não 6. De acordo com Knight, condicionalismo e partículas de matéria ou substância material
aniquilacionismo eram, na verdade, os prin- que foi para a sepultura. […] O espírito, o
expressa plenamente a condição dos cipais pontos de controvérsia entre aqueles caráter do homem, volta para Deus a fim
seres humanos na morte, porque morte que ficaram conhecidos como “adventistas de de ser preservado. Na ressurreição, cada ser
significa completa cessação da vida, Albany” (p. 283–293). humano terá de volta seu próprio caráter. […]
7. James White, A Word to the “Little Flock” A mesma forma aparecerá. […] Ele volta à
com tudo o que ela inclui. Como metá- (1847), p. 4, 24; cf. 20 (onde é usado por vida apresentando as mesmas características
fora, porém, ela transmite algumas Ellen G. White). A expressão “santos que dor- individuais. […] Não há nenhuma lei de Deus
ideias importantes. Nos lábios de Jesus, mem” parece ser extraída de Mateus 27:52. na natureza que indique que Deus restitui as
8. Ellen G. White, Manuscript Releases, 21º v. mesmas partículas de matéria de que se com-
por exemplo, ela serve para destacar a (Hagerstown, Maryland: Review & Herald, punha o corpo antes da morte. Deus dará aos
realidade e a certeza da ressurreição (cf. 1981–1993), p. 14 [Núm. 1081–1135]: p. 223. justos falecidos um corpo que Lhe apraz.” –
João 11:23-25). 9. Ibid., p. 262 (Carta 112, 1906). The SDA Bible Commentary v. 7; rev. ed.; ed.
10. Ellen G. White, “Mrs. Ellen G. White: Her Francis D. Nichol (Hagerstown, Maryland:
Segundo, não há base bíblica para Life, Christian Experience, and Labors,” Review and Herald, 1980), 6:1093.
o conceito do sono da alma. A morte The Signs of the Times (de agora em diante 2 1. Bruce Reichenbach, Is Man the Phoenix?
não é um sono literal. Embora o sono abreviado como ST), 9/3/1876; também em A Study of Immortality (Grand Rapids,
Testemunhos para a Igreja, 9º v. (Mountain Michigan: Christian University Press, 1978),
possa ilustrar a morte, eles são de fato View, California: Pacific Press, 1948), 1:39, p. 185.
duas coisas diferentes. Isso significa que p. 40.
11. Ellen G. White, “Connection with Christ,”
não é apropriado usar o sono para com- The Advent Review and Sabbath Herald
preender a natureza da morte ou, por (de agora em diante abreviado como RH),
extensão, o estado da morte. A visão 23/11/1897.
12. D. M. Canright, A History of the Doctrine
bíblica é de que, na morte, a alma cessa of the Soul 2d ed. (Battle Creek, Michigan:
de existir (cf. Gênesis 2:7; Jó 33:4; SDA Pub. Assoc., 1882); J. N. Andrews,
Eclesiastes 9:5-6, 10). Thoughts for the Candid (Oakland, California:
Pacific, 1889), p. 2; E. J. Waggoner, “Spirits
Consequentemente, deveríamos ser in Prison,” ST, 11/2/1889; Uriah Smith, Here
cuidadosos no uso da metáfora do sono and Hereafter (Washington, DC: Review
para assim evitar que a gravidade da and Herald, 1897), p. 326; A. T. Jones,
“Historical Necessity of the Third’s Angel
morte ou a importância da ressurreição Message, Nº. 4,” ST, 23/3/1888; Canright,
sejam diminuídas. “A Plain Talk to the Murmurers,” RH,
12/4/1877; “To Those in Doubting Castle,
Nº. 1,” RH, 10/2/1885.
13. R.F. Cottrell, “A Very Materialistic
Wilson Paroschi, PhD pela Christianity,” RH, 7/11/1865.
Universidade Andrews, é profes- 14. Ibid.
15. Mesmo hoje, o “sono da alma” é definido
sor de Interpretação do Novo como “um tipo de suspensão temporária da
Testamento na Faculdade de animação da alma entre o momento da morte
da pessoa e o tempo em que os corpos serão
Teologia do Unasp, em Engenheiro ressuscitados.” Veja R. C. Sproul, Essential
Coelho, São Paulo, Brasil. Truths of the Christian Faith (Wheaton,
Email: wilson.paroschi@unasp.edu.br. Illinois: Tyndale, 1992), p. 215.
16 Carlyle B. Haynes, Life, Death, and
Immortality (Nashville, Tennessee: Southern,
1952), p. 54.
REFERÊNCIAS 17. Samuele Bacchiocchi, Immortality or
1. Veja George R. Knight, Millennial Fever and Resurrection? A Biblical Study on Human
the End of the World: A Study of Millerite- Nature and Destiny (Berrien Springs,
Adventism (Boise, Idaho: Pacific Press, 1993), Michigan: Biblical Perspectives, 1997), p.
p. 113. 138.
2. George Storrs, Six Sermons on the Inquiry Is 18. Veja James D.G. Dunn, The Epistles to the
There Immortality in Sin and Suffering? Also, A Colossians and to Philemon: A Commentary
Sermon on Christ the Lifegiver: or, the Faith of the on the Greek Text (New International Greek
Gospel (Bible Examiner, 1855), 1:8. Testament Commentary; Grand Rapids,
3. Calvin French, Immortality, the Gift of God Michigan: Eerdmans, 1996), pp. 97, 98.
through Jesus Christ to be Given to Those 19. Cf. Leon Morris, The Cross in the New
Only Who Have Part in the First Resurrection Testament (Grand Rapids, Michigan:
(Boston, 1842), iii. Eerdmans, 1965), pp. 258, 134.
4. Na verdade, em seu livreto de 54 páginas, 20. Niels-Erik Andreasen, “Death: Origin,
French se refere à morte como um sono 35 Nature, and Final Eradication,” in Handbook
vezes, quatorze das quais no contexto daqueles of Seventh-day Adventist Theology, ed. Raoul
que “dormem em/com Jesus/Cristo.” Uma vez Dederen (Hagerstown, Maryland: Review
ele se refere explicitamente ao “sono da morte” and Herald, 2000), p. 317, 318. Cf. Ellen G.
e sete vezes usa a expressão “dormir no pó.” White: “Nossa identidade pessoal é preser-
5. Storrs, p. 5. vada na ressurreição, embora não as mesmas

DIÁLOGO 27 • 1 2015 13
Jesus:
O Homem para todas as pessoas
William G. Johnsson
Quatro perspectivas singulares sobre a
mente e os valores de Jesus, o Homem
incomparável para todas as pessoas.

Jesus de Nazaré foi um Homem vocês, mestres da lei e fariseus, hipócri- escuridão da noite. Foi atraído para o
para todas as pessoas. Ninguém foi tão tas!” (Mateus 23:13, 15, 18, 23, 25, 27, Mestre, mas protegia a sua reputação.
importante ou tão humilde, tão pobre ou 29.) 1 Para as multidões que O cercavam Em termos de estrutura do poder de
tão rico, tão abençoado ou tão quebran- e aos Seus discípulos, Jesus advertiu: “Os Jerusalém, o Mestre-Curador da Galiléia
tado, tão poderoso ou tão impotente, tão mestres da lei e os fariseus se assentam na – inculto, pobre, plebeu – era um nin-
desprezado ou tão famoso para ser esque- cadeira de Moisés. Obedeçam-lhes, mas guém. Mas não se podia prever o que
cido. O alcance do interesse de Jesus pela não façam o que eles fazem, pois não viria dEle e de seu pequeno grupo de
humanidade corria por toda a sociedade. praticam o que pregam” (v. 1-3). seguidores. Era também possível que em
Veremos, a seguir, quatro encontros Ao longo dos séculos, a própria palavra um curto espaço de tempo o movimento
em que Jesus esteve mais diretamente “fariseu” assumiu conotações negativas. de Jesus viesse a desaparecer.
envolvido. Esses quatro encontros, narra- Ela representa as pessoas que demons- Curioso por conhecer mais a respei-
dos apenas no evangelho de João, ocor- tram ser extremamente religiosas, mas, to de Jesus, mas um tanto apreensivo
rerram no início do ministério de Jesus, na verdade, são hipócritas. Devemos, em relação ao passo que estava dando,
provavelmente entre as cerimônias da entretanto, ter o cuidado de não colocar Nicodemos preparou o que ia dizer
Páscoa de 28 e 29 d.C. Eles apresentam todos os fariseus sob essa condenação, quando ambos se encontrassem: “Mestre,
perspectivas singulares sobre a mente e os de forma generalizada. Entre eles, havia sabemos que ensinas da parte de Deus,
valores de Jesus, o Homem incomparável aqueles que buscavam a Deus fervo- pois ninguém pode realizar os sinais
para todas as pessoas. rosamente, que procuravam guardar milagrosos que estás fazendo, se Deus
meticulosamente a lei que brotava de seu não estiver com ele” (João 3:2).
O chamado à noite coração e queriam agradar a Deus. “Mestre... da parte de Deus” – a
Nicodemos era um dos homens mais Nicodemos pertencia a esse grupo. saudação de Nicodemos foi educada e
poderosos de Jerusalém: era um fariseu e Tinha ouvido falar de Jesus, e seu cora- cortês. Ou assim pensava ele. A resposta
membro da corte suprema da lei judaica, ção foi tocado. Queria saber mais sobre de Jesus foi brusca e ao ponto, o que
o Sinédrio. Jesus. Quem era Ele? Por que Ele possuía assustou o fariseu.
Os fariseus, escrupulosos quanto à tal poder para realizar milagres – que “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode
observância das normas escritas e orais, Nicodemos reconhecia como semeia ver o Reino de Deus se não nascer de
eram os puristas religiosos. Enquanto os (sinais), sinais da presença de Deus? novo” (v. 3), Jesus declarou.
saduceus controlavam o sumo sacerdócio, Assim, decidiu descobrir por si mesmo. O erudito fariseu achava-se numa posi-
os fariseus dominavam os assuntos espi- A segunda característica que fez de ção um tanto desconfortável, à qual ele
rituais. Orgulhosos de sua religiosidade, Nicodemos um dos grandes da elite de não estava acostumado. Normalmente,
olhavam com ar de superioridade para as Jerusalém foi a sua condição de membro era ele quem ditava o rumo da conversa,
pessoas comuns que, ao contrário deles, do Sinédrio. Esse era o órgão máximo do e não a ter que se colocar na defensiva.
não tinham tempo nem meios para se povo judeu; era formado por um grupo Então, ele recorreu ao argumento
dedicar às rígidas práticas da lei. de 70 representantes dos sacerdotes óbvio. “Como alguém pode nascer,
Em todos os quatro evangelhos, vemos (saduceus), escribas (fariseus) e anciãos sendo velho?” – disse ele presunçosa-
Jesus entrando frequentemente em con- leigos da aristocracia. O sumo sacerdote mente. “É claro que não pode entrar
fronto com os fariseus. Suas denúncias presidia o Sinédrio. Nicodemos foi ter pela segunda vez no ventre de sua mãe, e
mais fortes foram dirigidas a eles: “Ai de com Jesus às escondidas, oculto pela renascer!” (v. 4).

14 DIÁLOGO 27 • 1 2015
Nicodemos bem sabia disso. A palavra solenes palavras: “Digo-lhe a verdade”, nidade, tanto naqueles dias como hoje, é
traduzida como “de novo” na declaração “Asseguro-lhe” (v. 3, 5, 11). esta: Olhe e viva!
de Jesus, anothen, tem duplo significado: O texto não deixa claro onde, exata- O verso a seguir, João 3:16, é a passa-
“uma segunda vez” ou “novamente e de mente, a conversa termina. Depois de gem bíblica mais amada e mais frequen-
cima”. Ele optou pelo antigo significado, sua débil indagação: “Como pode ser temente citada do Novo Testamento:
a fim de tentar obter vantagem sobre isso?” (v. 9), não ouvimos mais nada “Porque Deus tanto amou o mundo que
Jesus. Ele estava familiarizado com a de Nicodemos, nem João nos informa deu o Seu Filho Unigênito, para que
ideia do renascimento em si. Os judeus sobre como ele saiu da presença de todo o que nEle crer não pereça, mas
já possuíam tal ensino; no entanto, não o Jesus. Na verdade, não há uma menção tenha a vida eterna.” Observe as grandes
aplicavam a eles mesmos, mas aos gentios sequer sobre quando Jesus parou de falar; máximas nela expressas:
que desejassem se converter ao judaísmo. alguns intérpretes acabam com o diálogo • A nossa salvação começa com Deus, e
A resposta de Jesus levou Nicodemos após o versículo 15, fazendo de João o não conosco. Ele tomou a iniciativa,
ao ponto focal de seu problema espiri- porta-voz dos versos 16 a 21. elaborou um plano para salvar-nos
tual: ele, e não somente os gentios, pre- Não encontro nenhuma razão convin- do abismo em que tínhamos caído.
cisavam nascer de cima. “O que nasce cente para aceitar a ideia de que os versos • A salvação nasce só do amor de Deus.
da carne é carne, mas o que nasce do 13-21 são um comentário adicional de Nada mais. Não foi para satisfazer
Espírito é espírito”, Jesus lhe disse. “Não João, e não as próprias palavras de Jesus. o ego divino, não tem nenhum
se surpreenda pelo fato de Eu ter Ao contrário, as ideias expressas nesses propósito egoísta – só o amor. Amor
dito: ‘É necessário que vocês nasçam de versos são tão sublimes, que estão entre para com o mundo. Amor por você,
novo’” (v. 6, 7). as mais grandiosas de toda a Bíblia e amor por mim.
Então Jesus deu uma ilustração uti- pertencem, de direito, ao próprio Senhor • Deus nos amou primeiro. Antes que
lizando o vento como exemplo. Para Jesus. Vamos resumir o texto em poucas nos rebelássemos contra Ele, antes
entendermos a força dessa expressão, palavras: mesmo de Jesus morrer, Deus nos
temos que saber que a palavra grega para “Da mesma forma como Moisés levan- amou. Ele não nos ama por causa de
“vento” também pode significar “espí- tou a serpente no deserto, assim também Jesus. Ele enviou Jesus porque Ele
rito”. “O vento sopra onde quer. Você é necessário que o Filho do Homem nos ama. O amor do Pai não pode
o escuta, mas não pode dizer de onde seja levantado, para que todo aquele que ser separado do amor do Filho.
vem nem para onde vai. Assim acontece nEle crer tenha a vida eterna” (v. 14, 15). • Deus deu Seu Filho ao mundo, para o
com todos os nascidos do Espírito”, disse Jesus Se referia ao incidente registrado mundo. Um presente é para sempre:
Jesus (v. 8). em Números 21:6-9, quando os filhos de livre, ilimitado, eterno. O Filho tor-
Nicodemos, pego totalmente de sur- Israel caíram entre as cobras venenosas, nou-Se para sempre o Escolhido do
presa, pôde dizer apenas e debilmente: mas foram salvos ao olhar para a serpente Céu e o mais precioso presente de
“Como pode ser isso?” (v. 9). E Jesus lhe de bronze que foi colocada em uma haste Deus ao mundo.
disse diretamente: “Você é mestre em preparada por Moisés, de acordo com a • O presente deve ser recebido. A vida
Israel e não entende essas coisas?” Que orientação dada por Deus. eterna em troca da morte eterna –
repreensão! Alguém que é considerado Olhe e viva! Essa foi a mensagem que quem, de bom grado, não a aprovei-
um erudito pode também ser ignorante veio do deserto. taria? No entanto, estranhamente,
no que mais importa. A menos que a Olhe e viva! Essa seria a mensagem que muitos não a aproveitam. O presente
pessoa conheça a Deus, todo o ensino fluiria do Calvário quando o Filho do parece bom demais para ser verdade,
que obtém sobre a Divindade é vazio. Homem fosse oferecido pelos pecados do mas, somente quando entendemos
A menos que saiba que Jesus é muito mundo. Deus em Sua palavra e aceitamos o
mais do que Aquele que veio “da parte Para os descrentes, a crucificação de presente é que podemos ter acesso
de Deus”, que reconheça Jesus como Jesus é nada mais que um acidente na aos seus benefícios eternos.
“Aquele que veio do Céu” (v. 13), só fala- História. Jesus era um homem bom, que, Como as palavras de Jesus impactaram
rá com base em um plano terreno. por força das circunstâncias, foi condena- Nicodemos? A conversa começou quan-
do à morte por um ato de grande injusti- do ele foi a Jesus, à noite. Ela termina
Olhe e viva! ça. A morte de Jesus foi sim uma grande com o tema de que os homens e mulhe-
A conversa entre Jesus e Nicodemos injustiça, mas também foi muito mais res devem deixar a escuridão e vir para
desenvolveu-se em três estágios, à medida que isso. Ela carregava um “é necessário a luz. Nicodemos veio para a luz, não
que o fariseu ia sendo conduzido por que assim seja” de grande peso. Isto é, imediatamente, mas finalmente. Mais
Ele em sua própria necessidade de salva- Deus estava envolvido, trabalhando o Seu tarde, quando o Sinédrio estava planejan-
ção. Três vezes Nicodemos falou, e três plano para salvar o mundo através dela e do prender Jesus, Nicodemos falou em
vezes Jesus iniciou Sua resposta com as por ela. E a sua mensagem para a huma- Sua defesa (João 7:50-52). E, por último,

DIÁLOGO 27 • 1 2015 15
na cruz, Nicodemos, não mais seguindo versus uma pessoa sem nome. Um Jesus mostra que a verdadeira razão
Jesus em segredo, foi abertamente solici- homem versado na Torá e escrupuloso para a Sua ação não é a Sua inferiori-
tar a Pilatos que liberasse Seu corpo para na observação da lei em seus mínimos dade ou necessidade, mas o Seu status
o sepultamento (João 19:38-42). detalhes, versus uma mulher cuja vida superior.
girava em torno da água e dos homens, Jesus faz um desafio em duas partes:
Da água e dos homens uma mulher contaminada, que a socie- • Se ela reconhece quem está falando
Aquela mulher que foi ao poço no dade civil evitava. E além de todas essas com ela.
meio do dia para tirar água era uma pes- diferenças, um judeu e uma samaritana • Ela irá pedir-Lhe a água viva.
soa solitária. Sua vida girava em torno da mutuamente antagônicos.
água e dos homens. Para Jesus de Nazaré, no entanto, a Diálogo 2 (v. 11-15).
Antigamente, e ainda hoje, em mui- mulher que foi ao poço no meio do dia A mulher não entende o plano mate-
tas partes do mundo, cabe às mulheres era tão importante quanto Nicodemos. rial – em nível terrestre.
prover a água para o lar. Uma tarefa Ela era tão filha de Deus quanto ele. E Jesus esclarece que Ele está falando
difícil, especialmente se a fonte de água ambos estavam igualmente necessitados da água celestial, da vida eterna.
não for de fácil acesso e estiver distante. da nova vida que Jesus veio lhes tornar A mulher, intrigada, pede a água. Ela
De manhã e à tarde, as mulheres vão à possível desfrutar. cumpre, assim, uma parte do desafio de
nascente ou ao poço; elas evitam o calor Assim fez Jesus com todos que encon- Jesus no verso 10.
do dia. Quando se reúnem para cumprir trou. Ele encontrou a mulher onde ela
suas tarefas diárias, o fardo se torna mais estava. Sua vida estava relacionada a água Cena 1-b: A Verdadeira Adoração
leve ao partilharem suas conversas e e homens. Ele conversou com ela sobre ao Pai (vs. 16-26).
novidades da vida simples que levam. água e homens. Sem nascimento do alto,
Nós sabemos onde a história que está sem nenhuma serpente erguida, sem Diálogo 1 (v. 16-18).
registrada em João 4 ocorreu. Era perto falar sobre o inacreditável amor de Deus Jesus leva a mulher a reconhecer
da cidade de Sicar, a moderna Askar de ao enviar Seu Filho ao mundo. quem Ele é, referindo-Se à sua vida
hoje. O poço que ficava próximo ao pé Tão simples, tão básico: água e pessoal.
do Monte Gerizim era antigo e muito homens. Assim, por meio desses dois A mulher dá uma resposta ambígua.
profundo, cerca de 35 metros. Tirar elementos, em torno dos quais girava a Jesus usa a resposta que ela dá para
água dessa profundidade requer bas- vida dessa mulher, Jesus a levou, passo a descobrir seu passado.
tante força. passo, a um encontro com Deus e a uma
No entanto, ali estava ela, aproximan- nova vida – a vida eterna – à disposição Diálogo 2 (v. 19-26).
do-se do poço ao meio-dia e com seu de todos pelo dom de Seu Filho. A mulher tenta mudar de assunto,
cântaro de água nos ombros. Ela não Foi uma conversa chocante. Chocante mas, ao Jesus abordar o tema da adora-
esperava encontrar ninguém – ela não porque Jesus passou um bom tempo ção, ela começa a pensar em um nível
queria se encontrar com ninguém. Era conversando com uma mulher; chocante espiritual.
uma pessoa cuja reputação se tornou porque Ele falou com uma samaritana. Jesus explica que os verdadeiros
conhecida de todas as pessoas na cidade. Seus discípulos, que tinham ido longe adoradores são aqueles que nascem do
Quando passava em locais públicos, para comprar comida, ficaram chocados Espírito.
homens e mulheres se viravam e lhe (v. 27). Analisando a conversa (João A mulher finalmente reconhece
mostravam a língua. Assim, ela evitava 4:4-26), podemos perceber as princi- quem é Jesus.
se encontrar com os moradores do lugar, pais ideias nela expressas e o desenrolar Jesus afirma que Ele é o Messias.
preferindo executar sua servil tarefa de dessas ideias que impactaram a vida Assim, essa conversa simples, mas
tirar água do poço no calor do meio-dia. daquela mulher. Vemos que o encontro poderosa, revela a maneira em que
A água ela conhecia; os homens ela consistiu de dois diálogos curtos, cada Jesus leva uma pessoa à vida eterna – da
conhecia. Tinha vivido com cinco um com três intercâmbios (texto basea- absorção das coisas materiais para os
homens diferentes. Quando Jesus lhe do em Raymond E. Brown, The Gospel valores eternos. Podemos detectar qua-
disse isso, era como se Ele soubesse tudo According John, I-XII, p. 176-177). tro fases principais no processo:
sobre ela. Quando voltou à cidade e falou • O despertar de um desejo por algo
ao povo sobre Jesus, ela declarou: “Ele Cena 1-a: A Água Viva (v. 5-15). melhor (v. 7-15).
me disse tudo o tenho feito” (João 4:39). Diálogo 1 (v. 7-10). • O despertar da convicção de uma
O contraste entre essa história e a de Jesus pede água, violando assim os necessidade pessoal (v. 16-20).
João 3, do encontro com Nicodemos, costumes sociais da época. • O chamado à decisão para reco-
não poderia ser elaborado de forma A mulher zomba de Jesus por não nhecer Jesus como o Messias (v. 16-25).
mais enfática: um príncipe dos judeus observar as regras de etiqueta. • A ação que adequadamente se

16 DIÁLOGO 27 • 1 2015
segue à decisão (vs. 28-30, 39-42). Ele partiu. Fez seu caminho de volta
A mulher foi tirar água. No final da com tranquilidade. Não correu para William G. Johnsson, PhD pela
história, seu pote de água ficou abando- Cafarnaum. Fez a viagem dentro do Vanderbilt University, hoje jubilado,
nado junto ao poço. Ela descobriu algo tempo normal porque sabia que tudo foi redator da Adventist Review e é
infinitamente mais precioso que a água estava bem com seu filho. Ele creu sem autor de vários livros.
do poço – ali, ela encontrou Jesus, a ver. E então, quando horas mais tarde,
Água Viva! recebeu a notícia de que seu filho havia Todos os textos bíblicos foram extraí-
se recuperado, sua fé em Jesus foi final- dos da Nova Versão Internacional.
O segundo milagre de Caná mente confirmada.
Nesse terceiro relato registrado em
João 4:43-54, Jesus encontra outra pes- Esperando pela água
soa poderosa. Esse homem não é um Dos quatro casos marcados pela neces- Este artigo, levemente resumido, foi transcrito
de sua última obra, publicada em dois volumes,
líder religioso, mas um oficial do rei. sidade que tinham essas pessoas, o de Jesus of Nazareth: His Life, His Message, His
Assim como Nicodemos, ele sai à procu- João 5:1-15 parece ser o mais sem espe- Passion (Biblical Research Institute, Silver Spring,
Maryland, e Pacific Press Publishing Association,
ra de Jesus, empreendendo uma viajem rança. Esse homem tinha sido inválido Nampa, Idaho, 2015. Volume 1, 151 páginas;
de sua casa em Cafarnaum até Caná. por 38 anos. Com o passar do tempo, a Volume 2, 194 páginas. Brochura). Usado com
O homem partiu com um pedido esperança de recuperação havia desapa- permissão.
urgente: seu filho estava morrendo, e recido. Ele tinha se resignado à sua sorte.
ele implorou a Jesus que o curasse. A O seu estado de espírito estava tão baixo
resposta de Jesus, no entanto, foi brusca, que quando Jesus lhe perguntou: “Você
assim como a saudação a Nicodemos: quer ser curado?”, Ele não gritou: “Sim!”
“Se vocês não virem sinais e maravilhas”, Ao contrário, apenas disse: “Meu caso
Jesus diz a ele, “nunca crerão” (v. 48). é sem esperança.” Ele só conseguia pen-
As palavras de Jesus parecem surpre- sar em ser o primeiro a entrar no tanque
endentemente impetuosas. Não encon- de Betesda como a solução para a sua
tramos nenhuma cuidadosa construção, cura, mas não tinha ninguém para o aju-
como ocorreu na conversa junto ao poço, dar a entrar rapidamente na água.
porque não havia necessidade. O oficial Jesus não ofereceu ao inválido a ajuda
já acreditava em Deus; ele ouviu falar de de que necessitava para entrar no tanque.
Jesus e foi buscar Sua ajuda. Simplesmente disse a ele: “Levante-se!
Mas havia um problema em sua atitu- Pegue a sua maca e ande” (v. 8).
de para com o Mestre. Ele havia coloca- E imediatamente o homem foi curado.
do em sua mente que ia decidir a favor Pegou sua esteira e saiu caminhando.
ou contra Jesus, com base em como Jesus
iria agir. Se Jesus fosse e curasse seu filho,
Nicodemos foi à noite fazer perguntas
a Jesus. A mulher junto ao poço pediu
Assinatura
muito bem, ele iria aceitá-Lo. Se não o a Jesus que lhe desse a "água viva", pois gratuita para
curasse, não iria acreditar nEle.
É perigoso estabelecer condições para
Ele lhe disse que a poderia providenciar.
O oficial do rei pediu a Jesus que fosse a
a biblioteca de
Deus. O Senhor não está sujeito ao Cafarnaum e curasse seu filho. sua faculdade ou
nosso raciocínio. Às vezes, ouvimos as Entretanto, o inválido à beira do tan-
pessoas dizerem: “Eu nunca poderia que de Betesda não pediu nada a Jesus. universidade!
acreditar em um Deus que faz tal e Não pediu que lhe fizesse bem algum.
Deseja ver a Diálogo disponível na
tal coisa.” Mas essas declarações não Não pediu ajuda para entrar no tanque biblioteca de sua faculdade ou universi-
dizem nada sobre Deus, apenas sobre a à frente dos outros. Ele era uma pessoa dade, de modo que seus amigos possam
pessoa que as faz. totalmente incapaz. Era incapacitado fisi- ter acesso à revista? Procure o bibliote-
Quando o oficial ouviu o que Jesus camente. Desvalido de esperança. Sem cário e sugira que solicite uma assinatura
disse, logo percebeu quão equivocado forças para pedir. Jesus, no entanto, agiu gratuita, usando papel timbrado da
tinha sido o seu raciocínio. Em deses- sem que ele nada lhe pedisse. Sua com- instituição. Cuidaremos do restante! As
pero, ele exclamou: “Senhor, vem antes paixão fluiu através do poder vivificante cartas devem ser endereçadas a: Dialogue
que meu filho morra!” da cura, da restauração e da vida que só Editor-in-Chief; 12501 Old Columbia
E as palavras de Jesus foram calmas e Ele pode dar. Pike; Silver Spring, MD 20904-6600;
cheias de conforto: “Pode ir. O seu filho Jesus é o Homem para todas as EUA.
continuará vivo” (v. 50). pessoas.
DIÁLOGO 27 • 1 2015 17
PERFIL
Umutoni Aïssa
Diálogo com uma oficial da Comissão
Nacional de Direitos Humanos de
Ruanda
Entrevistada por Bahati Nkundakozera

Umutoni Aïssa é uma testemunha do em Jesus, em quem não há Oriente nem


poder transformador da Bíblia e da ora- Ocidente, preto ou branco, homem ou
ção. Seus pais são originários de Ruanda, mulher. São todos um em Cristo – uma
mas, devido aos frequentes confrontos humanidade em comum tornou-se o seu
tribais e à insegurança, mudaram-se para credo – e esse é o credo da sua fé religi-
a República Democrática do Congo osa e de sua escolha profissional.
(RDC). Lá, nasceu Aïssa, no ano de Aïssa é casada com um advogado e
1976. Seus pais a consideraram um pre- ambos trabalham pela causa da igualdade
cioso presente; eles a amaram muito e dignidade humanas. O esposo é ancião
e lhe deram um nome que significa, da igreja há vários anos. Aïssa não tem
literalmente, “adorável” e “cordeiro”. descanso enquanto há alguma atividade
Deram-lhe tudo o que podiam, com na igreja. Durante as muitas convenções
todo amor, e a tornaram uma criança internacionais organizadas pela igreja
cheia de esperança. em Ruanda, ela fica atenta para que os
Aïssa não é cristã de nascimento, mas, visitantes sejam bem recebidos e sintam
com a idade de 24 anos, conheceu Jesus, que são importantes para a questão da
aceitou-O como seu Salvador e foi igualdade e dignidade humanas. A feli-
batizada na Igreja Adventista do Sétimo cidade de Aïssa é saber que os outros
Dia. Essa foi uma decisão difícil para sua estão felizes. Ela serve à igreja ativa-
família não cristã aceitar, mas a mãe lhe mente e leva a mensagem da alegria em
permitiu escolher o que achava melhor. Jesus a todos aqueles com quem entra
O cadinho de intensas lutas interiores em contato.
pelas quais passou tão cedo na vida mol-
dou em Aïssa o que ela é hoje. Ainda n Qual é a sua formação pessoal?
bem jovem, escolheu estudar Direito; Embora tenha nascido na RDC, hoje
trabalhou incansavelmente pela causa sou uma ruandesa. Eu me tornei adven-
dos direitos humanos e da igualdade, tista do sétimo dia por influência desse
chegando, finalmente, a trabalhar como homem que mais tarde se tornou meu
diretora da Comissão Nacional de marido. Ele era soldado e compartilha-
Direitos Humanos de Ruanda. Ao servir va um apartamento com meu tio, que
à sociedade como preservadora e pro- era soldado também. Por várias vezes,
motora dos direitos humanos e de igual- enquanto visitava meu tio, ficava obser-
dade entre todas as tribos, raças e reli- vando aquele moço que, no início, me
giões, ela está ciente de que a base para parecia incomum. Pela manhã, ele come-
suas crenças na igualdade de direitos de çava o dia cantando, orando e lendo a
todas as pessoas repousa sobre sua fé Bíblia. Vez por outra, ele introduzia os

18 DIÁLOGO 27 • 1 2015
Dez Mandamentos nas conversas que Esse posto consiste em introduzir leis seus lares quando posso prestar alguma
mantinha com as pessoas e as convi- fortes e pertinentes para o país, a fim de ajuda. Em tudo o que faço, meu desejo é
dava a guardar o sábado. Costumava garantir a compreensão e a conformidade compartilhar o amor de Deus com meus
nos convidar também, e muitas outras dos princípios fundamentais e universais colegas, de forma positiva e afirmativa,
pessoas que conhecia, para irmos à sua dos direitos humanos. O que aconteceu sem qualquer aparência de coerção.
igreja. No início, atendemos ao seu con- em meados de 1990 nunca mais deverá
vite apenas para agradá-lo, mas, depois, acontecer em Ruanda – ou em qualquer n Em seu trabalho, o que a frustra ou
percebi que o que ele estava dizendo era outro lugar do mundo. Meu trabalho a decepciona mais, e o que lhe dá maior
realmente a verdade. Além do mais, sua tem contribuído para a alteração do códi- satisfação?
vida dava testemunho de ser uma pessoa go penal atual, do código de direito do A maior satisfação que tenho em meu
organizada. Com o seu convite, fui à trabalho e da lei que regulamenta as pro- trabalho é quando, no final do dia, posso
igreja e aprendi mais sobre a verdade. fissões religiosas em Ruanda. Esses prin- ir para a cama com a sensação de ter rea-
Finalmente, tornei-me adventista do séti- cípios e pontos de vista foram colocados lizado as tarefas diárias com toda a força
mo dia; nós nos casamos e fomos aben- e defendidos perante várias comissões do que Deus me tem dado, sabendo que o
çoados com um filho e uma filha. Meu Parlamento, em ambas as câmaras, e têm que fiz será uma bênção para alguém.
marido é advogado e ancião da igreja recebido parecer favorável. Devo dar o meu melhor, não só porque
local, e eu estou mais envolvida em ques- Como oficial de proteção aos direitos sou paga para isso, mas porque esse é
tões relacionadas aos direitos humanos. humanos, minha tarefa diária é investigar o trabalho que Deus me chamou para
os casos de violações dos direitos humanos, fazer. Acredito que a oração do Senhor
n Como você se interessou em trabalhar como a prisão e detenção ilegais. Também nos ensina a não só orar: “O pão nosso
pelos direitos humanos? faço visitas rotineiras aos presídios para de cada dia nos dá hoje”, mas também
Ainda bem jovem, passei a me interes- verificar se os direitos humanos estão sendo a suplicar: “Dá-nos hoje sabedoria para
sar pelas leis e, depois de concluir o ensi- garantidos lá. Como resultado de nossa realizar o que nos chamaste a fazer.”
no médio, decidi tornar-me advogada. defesa dos direitos para aqueles que estão O que mais me alegra no trabalho que
Na universidade, meu interesse foi dirigi- encarcerados, a qualidade de vida dos pre- realizo é sentir que estou cumprindo a
do aos direitos humanos, especialmente sos melhorou de forma considerável. missão que Deus me confiou, quando
após a tremenda tragédia pela qual pas- Além das questões legais e de direitos ouço alguém me contar um problema
sou o meu país, Ruanda, na década de humanos, minhas funções incluem ainda esperando uma solução que depende da
1990, culminando no genocídio de 1994, me manter como observadora durante as minha defesa. O que me frustra é que
que deixou quase um milhão de mor- eleições presidenciais e legislativas. às vezes recebemos casos graves, para os
tos. Essa violação em massa dos direitos quais não temos qualquer solução. Em
humanos e o assassinato a sangue frio n Você tem oportunidades de compartilhar tais situações, eu simplesmente dobro os
de um povo inteiro levaram-me a traba- suas convicções religiosas no trabalho? meus joelhos em oração.
lhar na área dos direitos humanos. Por No trabalho, todos sabem que sou
natureza, e por minha educação precoce, adventista e meus colegas respeitam n Como você lida com suas frustrações?
sou uma pessoa que defende a tolerância minha escolha de guardar o sábado. Oro, oro, oro. Trabalho, trabalho, tra-
racial e religiosa e, por isso, não fiquei Além dos meus deveres profissionais, balho. Eu não vejo outro caminho.
surpresa quando fui atraída para essa durante os últimos cinco anos, tenho parti-
área e decidi trabalhar em favor daqueles cipado do Conselho Distrital. Sempre que n Como você consegue equilibrar as várias
cujos direitos têm sido violados. a sessão do Conselho é agendada para os necessidades da sua vida profissional e pes-
sábados, os organizadores têm sido muito soal?
n Quais são os principais projetos na área atenciosos para com a prioridade que dou Hoje a vida é complexa e altamente
de direitos humanos com os quais está à minha fé e mudam essas reuniões para exigente e, por isso, é necessário definir
envolvida? outro dia. Tenho apreciado muito essa con- as prioridades da agenda de trabalho
Trabalho na Comissão Nacional sideração e dou o melhor que posso para o diário. Para mim, o meu relacionamento
de Direitos Humanos de Ruanda aperfeiçoamento do Conselho Distrital. com Deus, minha família e minha igreja
há 14 anos e ocupei vários cargos na Também sinto alegria em comparti- têm prioridade, nessa ordem. Só depois
Comissão, inclusive na legislação e pro- lhar minha fé de muitas outras maneiras: vêm os meus deveres profissionais e
teção dos direitos humanos oficiais. evangelismo com os amigos, aconselha- outras atividades. Sou abençoada por ter
Como oficial de legislação, é minha mento onde há uma necessidade, distri- um cônjuge compreensivo, que me ajuda
responsabilidade prestar assistência à buindo literatura, orando com os colegas a manter esse equilíbrio e prioridade
formulação das leis e regulamentos rela- (sem dar a impressão de imposição da
cionados aos direitos humanos no país. minha parte) e visitando colegas em Continua na página 28

DIÁLOGO 27 • 1 2015 19
PERFIL
Thadeu de Jesus
e Silva Filho
Diálogo com um sociólogo adventista
brasileiro
Entrevistado por Areli Barbosa

Thadeu de Jesus e Silva Filho, 40 anos, vistados de 2.094 igrejas adventistas


trabalha para o governo federal no no Brasil; o Censo Ministerial 2011, que
Brasil como sociólogo, fazendo uma pes- envolveu quase 3.000 pastores distritais;
quisa com o foco na saúde, educação, e a Análise da Apostasia 2012, abrangen-
saúde pública e renda. do 3.336 membros que abandonaram
Nascido em Belém do Pará, Brasil, a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Os
Thadeu Silva cresceu em um lar amo- resultados das pesquisas ajudaram a
roso e de firmes princípios cristãos. Divisão a se concentrar melhor nos
Quando criança, mudou-se com a mãe métodos a serem utilizados no minis-
e o irmão para Brasília, a capital do país, tério, no evangelismo e na retenção de
onde recebeu forte influência do clube membros.
de desbravadores local e, aos 12 anos, Silva é casado com Denise Rochael.
foi batizado na Igreja Adventista do O casal frequenta a Igreja Adventista
Sétimo Dia. Central de Brasília, onde ele ocupa o
Ao entrar na faculdade, a sociolo- cargo de diretor do Centro de Pesquisas
gia se tornou algo apaixonante para Ellen G. White e promove o estudo
Silva, vindo a concluir seu bacha- e pesquisa dos escritos do Espírito de
relado, mestrado e doutorado em Profecia. Na área da música, é o primei-
Sociologia na Universidade de Brasília. ro trompetista da Orquestra Adventista
Seu perfil profissional inclui: docência de Brasília.
no Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília, consultoria n Como você ficou conhecendo a Igreja
na Escola Nacional de Administração Adventista do Sétimo Dia?
Pública, atuação no Ministério da Em um sábado à tarde, no mês de
Justiça do Brasil e assessoramento ao Janeiro de 1984, o canal de televisão
Departamento Nacional de Segurança mais assistido no Brasil transmitiu a
Pública. Atuou também como professor notícia de que estava sendo realizado um
visitante na Universidade Brown, em acampamento em que 10 mil garotos e
Providence, Rhode Island, nos EUA. garotas, entre 10 e 15 anos de idade, pro-
Desde 2013, faz o doutorado em Música venientes de diversos países da América
(na área de Performance Musical). do Sul, estavam reunidos na cidade
Como sociólogo e pesquisador, Silva de Foz de Iguaçu. Esse foi o primeiro
coordenou três grandes estudos para campori de desbravadores da Divisão
a Igreja Adventista do Sétimo Dia na Sul-Americana. Aquela reportagem des-
Divisão Sul-Americana: a Análise da pertou em mim um grande desejo de ser
Juventude 2008, feita com 25.538 entre- desbravador. No entanto, levou ainda um

20 DIÁLOGO 27 • 1 2015
ano para que conseguisse me inscrever n Quais foram os grandes projetos em que mas como esses que foram mencionados
no Clube de Desbravadores Cruzeiro do esteve envolvido? existem desde tempos imemoriais e não
Sul, em Brasília. Assim começou minha No âmbito do governo federal, no têm qualquer relação direta com a fé
jornada que, finalmente, me conduziria a Brasil, o maior projeto em que trabalhei cristã. Na verdade, a condução do credo
essa grande comunidade de fé – a Igreja diretamente foi o da primeira Pesquisa social do cristianismo e a sua motivação
Adventista do Sétimo Dia. Nacional de Vitimização – um estudo estão enraizadas no amor e na justiça em
O clube era – e ainda é – muito ativo. exploratório que entrevistou a população favor dos outros seres humanos, e esse
Todas as atividades físicas, sociais, espi- brasileira sobre a ocorrência de crimes. amor deve ser expresso por meio de rela-
rituais e comunitárias despertavam a Os resultados conheceram a dupla tare- cionamentos afetivos.
minha atenção. Os estudos bíblicos eram fa de expressar as opiniões recolhidas, Em discussões com colegas, sempre
sempre inspiradores, consistentes e rele- principalmente por parte da população, encontro uma experiência emocionante
vantes. O clube era a igreja para mim. À e compará-las com os dados oficiais para enfatizar que Jesus é o maior nive-
medida que o tempo passava, eu apren- registrados pela polícia. Ao longo dos lador social em toda a história humana.
dia cada vez mais sobre os outros aspec- anos, esses dados têm ajudado a deter- Sua missão redentora é criar uma huma-
tos da igreja e sentia que a mão de Deus minar com mais precisão a incidência de nidade comum, na qual não haja nem
estava dirigindo tudo. Gradualmente, eventos criminais e poder rever e ajustar rico nem pobre, nem escravo nem livre,
comecei a aceitar a Bíblia como minha metodologias, ferramentas e também a pois todos são filhos do grande amor de
regra de fé e prática e como um guia coleta de dados. Deus. Sempre que possível, aproveito a
seguro para todas as atividades da vida. Para a Igreja Adventista do Sétimo oportunidade para mostrar que a causa
Dia, os projetos mais significativos que do mal está dentro do ser humano – o
n Como você se interessou pela sociologia? tive a oportunidade de coordenar foram pecado, e que a solução está fora dele –
Ao contrário da maioria dos meus as três grandes pesquisas feitas pela Cristo Jesus!
colegas no colégio, demorei algum tempo Divisão Sul-Americana: a Análise da Essa não é uma declaração simples de
para passar no vestibular. Inspirado pela Juventude 2008, o Censo Ministerial 2011 fazer no mundo de hoje, especialmente
carreira profissional de meu pai, tentei e a Análise da Apostasia 2012. Todos esses nos meios culturais altamente desenvol-
estudar advogacia, mas não consegui foram estudos muito importantes, não vidos, onde a religião perdeu sua autori-
ingressar no curso de Direito. Passei no só pelo tamanho e alcance da amostra, dade, tanto em relação à explicação da
vestibular para licenciatura em Música, mas também pela riqueza de dados e realidade, como em se tornar uma norma
algo que sempre quis. Então me mudei informações obtidos, que podem ajudar de regulação da vida.
para João Pessoa com o objetivo de estu- os administradores da igreja a tomar
dar música, mas não finalizei o curso e decisões baseadas especialmente na sua n Como sociólogo, do que mais gosta em
retornei para Brasília. Mudei então de prevalência e incidência. Atualmente, seu trabalho e o que mais o incomoda?
campo de estudo. Fiz o vestibular para sou um dos membros da nova equipe O que mais me incomoda é ver a
Ciências Sociais e fui selecionado. Aos de avaliação pastoral da Divisão Sul- sociologia sendo usada como bandeira
poucos, adquiri gosto pela sociologia e Americana. em uma luta política, e não como um
passei a apreciar muito meus estudos instrumento de análise social para tra-
durante todo o nível de doutorado. n Você encontra oportunidades para com- zer melhorias à sociedade. Na América
partilhar suas convicções de fé no trabalho Latina, por exemplo, as ciências sociais se
n O que mais lhe traz motivação na que realiza? tornaram quase um sinônimo de propa-
prática da sociologia? Não diretamente, mas, indiretamente, ganda ideológica baseada no ateísmo e no
Minha grande satisfação é compreen- sim. Como muitos outros campos do relativismo, sendo inclusive promotoras
der a combinação de fatores que causam conhecimento, os estudos realizados de lutas entre as classes. Eu não gosto
determinadas situações, eventos ou em sociologia investigam, em sua maior disso. Por outro lado, aprecio quando os
ambientes e que, a seguir, criam instru- parte, os problemas comuns à experi- estudos são bem conduzidos, exploram as
mentos confiáveis para medir a distância ência humana: a pobreza e a miséria, a realidades como são, verdadeiramente, e
entre o que é real e o que deveria ser o violência, a fome, a doença, o abandono, ajudam na tomada de decisões para aliviar
ideal. O grande desafio da sociologia é o desemprego, a tristeza, o desespero e o sofrimento humano. Isso é especialmente
demonstrar concretamente uma hipótese temas relacionados. Muitos dos meus verdadeiro em relação aos programas do
selecionada, mas nem sempre é possível colegas que não têm a mesma experiên- governo federal e à avaliação do projeto.
fazê-lo de maneira confiável. Meu desa- cia de fé tendem a atribuir esses males Grandes somas são investidas nesses
fio e satisfação vêm de criar soluções para ao capitalismo e, em última instância, programas, e a equipe técnica é chamada
desvendar os mecanismos pelos quais tais ao cristianismo. Aqui eu encontro uma para avaliar se eles produziram o efeito
soluções podem ser alcançadas. oportunidade para mostrar que proble- desejado, quais os custos de realização, o

DIÁLOGO 27 • 1 2015 21
jovens está o crescimento da abordagem
humanística com relação aos problemas
na área, em detrimento de outras abor-
dagens, tais como as normas e valores
cristãos, a aplicação dos princípios bíbli-
cos na vida pessoal e o cuidado da comu-
nidade. Assim, a lista de leitura para
qualquer curso de sociologia é bastante
extensa, com conteúdo humanista e des-
provida de profundidade ou de foco espi-
ritual. Então, aconselho a todo aspirante
a sociólogo que mantenha firme suas raí-
zes na cosmovisão adventista, que é a que
pode deixá-lo em um bom lugar, à tona
e vivo quando suas preocupações religi-
osas forem desafiadas. Essa cosmovisão,
que tem sua base em valores bíblicos e
cristãos, deve ser descoberta cedo na vida
acadêmica e continuar sendo desenvol-
âmbito de alcance e os riscos envolvidos, n Com todas essas atividades e com sua vida e amadurecida para que consiga
bem como o impacto de manutenção ou profissão regular de sociólogo, como conseg- enfrentar novos desafios a cada dia.
interrupção de tais programas. ue manter o equilíbrio na vida profissional, É preciso ser capaz de lidar com o fato
familiar e espiritual? de que os produtos da sociologia são os
n Além do seu trabalho como sociólogo, Não é fácil. Diante das exigências do meios para outros executarem a atividade
em que outros projetos está envolvido atu- mundo moderno, tenho que ser cuidado- de maneira intencional e para que se
almente? so em assumir tantas responsabilidades. possa fazer facilmente a transição entre
Voltei para onde parei no meu primei- Pode se tornar uma combinação explosi- os demais campos do conhecimento,
ro programa de graduação em música. va e que precisa ser cuidadosamente vigi- especialmente em economia, religião
Agora sou doutorando em Performance ada. Meu maior problema está em gerir o comparada, literatura, direito e política.
Musical (trompete). A música se tornou tempo e decidir se devo priorizar as coi- A sociologia proporciona ferramentas
uma paixão espiritual para mim. No sas, as ações ou as pessoas. Lido com isso úteis que se tornam um grande serviço
momento, apresento-me como o pri- o tempo todo. Assim, de maneira inten- à comunidade, mas a sua utilidade não
meiro trompete da Orquestra Adventista cional, tomo algumas decisões em favor deve ser comprometida no altar de uma
do Sétimo Dia de Brasília e presidente da minha saúde, da minha felicidade fé fraca ou ausente. Os seres humanos
da Associação Brasileira de Trompete. com a esposa e da minha dependência de são criados à imagem de Deus e devem
Também sou diretor do Mini Centro Deus. Por exemplo, desligo diariamente estar no centro de qualquer serviço que
de Pesquisas Ellen G. White, da Igreja o celular das 20h às 7h do dia seguinte. prestamos à humanidade.
Adventista Central de Brasília. Sou Tenho meus melhores momentos de lei-
professor da Escola Sabatina e líder de tura da Bíblia e oração à noite e, quando
um pequeno grupo de oração e estudo não estou viajando, passo todo o final de Areli Barbosa foi departamental do
da Bíblia. Essas atividades exigem que semana com Denise. Minha previsão é Ministério Jovem na Divisão Sul-
eu estude trompete todos os dias, que de que terei que mudar essa planilha de Americana da Igreja Adventista do
trabalhe em minha dissertação, toque atividades em breve para não engolir a Sétimo Dia no quinquênio 2010-2015.
para recitais públicos, prepare a lição isca do sucesso e vir a trocar a fidelidade Atualmente, é o pastor distrital da
da escola sabatina, lidere o grupo no a Deus pela felicidade que se pode ter Cidade Universitária em Engenheiro
estudo dos livros e presida uma associ- neste mundo. Coelho, SP, no Brasil.
ação de trompetistas de todo o Brasil.
Ao longo de 2015, ano que marca os n Qual seria o seu conselho, caso alguns de E-mail: areli.barbosa@apac.org.br.
100 anos da morte de Ellen G. White, nossos leitores quisessem assumir o desafio
estive fazendo palestras mensais sobre da sociologia como carreira a seguir em sua E-mail de Thadeu J. Silva Filho:
o dom profético dado por Deus e o vida? thadeu.silva@gmail.com.
legado que ela nos deixou. Entre os muitos desafios que a soci-
ologia do futuro vai lançar sobre os

22 DIÁLOGO 27 • 1 2015
A Ciência e a fé... tanto em conhecimento como no caráter, Oxford: Oxford University Press, 1969), p. 258.
8. A. Roth, Origins: Linking Science and Scripture
Continuação da página 9 mantendo-se fiéis à Palavra de Deus. 29 (Hagerstown, Maryland: Review and Herald
Finalmente, devemos ser respeitosos Publishing Assn., 1998), p. 285-295; L. Brand,
em nossos diálogos uns com os outros. Faith, Reason, and Earth History, 2a ed. (Berrien
Springs, Michigan: Andrews University Press,
Como crentes, queremos harmonizar o As conversações sobre a ciência e a Bíblia 2009), p. 16-39.
que aprendemos por meio da natureza tornam-se muitas vezes acaloradas, 9. J. Couzin, “Breakdown of the year: Scientific
e da Bíblia – os dois livros de Deus. No mesmo entre os cristãos. Podemos ser fraud,” Science 314 (2006):1853.
10. D. Ratzsch, Science and Its Limits: The Natural
entanto, temos que realizar as atividades mais respeitosos e generosos entre nós, Sciences in Christian Perspective (Downers Grove,
relacionadas à ciência com cuidado, quando nos lembramos de nossa própria Illinois: InterVarsity Press, 2000), p. 18-20.
somente com base em nossas conclusões fragilidade e de que o mandamento de 11. Ver N. Gillespie, Charles Darwin and the
Problem of Creation (Chicago: University of
científicas, tanto quanto a evidência per- Cristo é que amemos uns aos outros – Chicago Press, 1979).
mite, e publicarmos essas conclusões de mesmo quando participamos de debates 12. Cleland.
forma honesta – mesmo quando o que vigorosos sobre como harmonizar a 13. D. Read, Dinosaurs: An Adventist View (Keene,
Texas: Clarion Call Books, 2009).
descobrimos não venha a atender nossas Palavra de Deus com o mundo que Ele 14. S. Henson, “Why mathematics, science, and
expectativas. criou. humanities (including religion) don’t have a
quarrel”, Spectrum 37 (2009) 3:44-49.
Em terceiro lugar, temos que buscar a A ciência e a fé cristã podem, desse 15. Ratzsch, The Battle of Beginnings, p. 96-99.
integração. Embora os estudos bíblicos e modo, ser consideradas parceiras. A cren- 16. Nisto Cremos, p. 40.
científicos tenham seus próprios métodos ça cristã oferece uma estrutura para com- 17. Ver M. Behe, Darwin’s Black Box: The
Biochemical Challenge to Evolution (New York:
de investigação e provas, há uma maneira preendermos a ciência como uma forma Free Press, 1996); L. Brand, Faith, Reason, and
apropriada para ambos dialogarem quan- de conhecimento; as descobertas cientí- Earth History, 2a ed. (Berrien Springs, Michigan:
do não houver acordo: cada um pode ficas lançam luz sobre as crenças bíblicas Andrews University Press, 2009).
18. G. Burdick, “Ciência e projeto: Perspectiva de
incentivar o outro a reexaminar as inter- relacionadas a Deus e à humanidade, e um físico”, Diálogo 20 (2008) 3:5-7.
pretações feitas tempos antes e considerar ambas, às vezes, desafiam umas às outras 19. A. Roth, Origins: Linking Science and Scripture
as alternativas. Em alguns casos, as ideias a fim de encontrar melhores explicações. (Hagerstown, Maryland: Review and Herald
Publishing Assn., 1998), p. 10.
científicas têm ajudado os defensores da 20. J. Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science
fé a identificarem a interpretação bíblica (New Haven, Connecticut: Yale University Press,
incorreta (por exemplo, a afirmação de H. Thomas Goodwin, PhD pela 1998), p. 10.
21. Ver, por exemplo, E. Wilson, The Creation:
que a Bíblia defende um Universo geo- Universidade de Kansas, é professor An Appeal to Save Life on Earth (New York: W.
cêntrico). Em outros casos, há conceitos de Biologia na Universidade Andrews, Norton, 2006), p. 55-61.
bíblicos que têm sugerido novas linhas em Berrien Springs, Michigan, EUA. 22. Nisto Cremos, p. 100.
23. G. Fraser, “Association between diet and cancer,
de investigação científica, levando a des- ischemic heart disease, and all-cause mortality
cobertas que reduzem a tensão entre as in non-Hispanic white Californian Seventh-
Este artigo foi resumido a partir do original, sob o day Adventists”, American Journal of Clinical
teorias científicas e a nossa compreensão Nutrition 70 (1999): 532s-538s.
título de Biology: A Seventh-day Adventist Approach
da Bíblia. 28 for Students and Teachers, ed. H. Thomas Goodwin 24. Ver, por exemplo, R. Davidson, “The biblical
Em condições ideais, a integração vai (Berrien Springs, Michigan: Editora da Universidade account of origins,” Journal of the Adventist
Andrews, 2014). Reproduzido com permissão do Theological Society 14 (2003):4-43.
eliminar o conflito que há entre a nossa 25. Nisto Cremos, p. 100.
compreensão da ciência e da Bíblia, mas, autor.
26. Por exemplo, H. Ross, A Matter of Days:
na prática, alguns conflitos irão persistir. Resolving a Creation Controversy (Colorado
Tais conflitos podem ser profundamente REFERÊNCIAS Springs, Colorado: Navpress, 2004).
1. Nisto Cremos (Tatuí, SP: Casa Publicadora 27. G. Hasel, “The ‘days’ of creation in Genesis 1:
frustrantes, porém, não nos devem sur- Brasileira, 2008), p. 11. Literal ‘days’ or figurative ‘periods/epochs’ of
preender: Todo o nosso conhecimento 2. D. Ratzsch, The Battle of Beginnings: Why time? Origins 21 (1994): 5-38; R. Davidson,
Neither Side is Winning the Creation-Evolution “The biblical account of origins”, Journal of the
é parcial e sujeito à fragilidade humana! Debate (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Adventist Theological Society 14 (2003):4-43.
Na verdade, são apenas esses pontos de Press, 1996), p. 120-128. 28. Ver H. Goodwin, “The fossil record: Seventh-
conflito que podem sugerir novas linhas 3. Thomas Kuhn, The Structure of Scientific day Adventist perspectives”, Biology: A Seventh-
Revolutions, 2a ed. (Chicago: University of day Adventist Approach, ed. H. Goodwin
de pesquisa e descobertas. Além disso, o Chicago Press, 1970). (Berrien Springs, Michigan: Andrews University
fato de saber que nós simplesmente não 4. C. Cleland, “Historical science, experimental Press, 2014), p. 101-126.
podemos e não sabemos tudo ameniza science, and the scientific method”, Geology 29 29. H. Goodwin, “When faith and knowledge clash:
(2001):987–990. Leveraging the tension to advance Christian
os ânimos do ego humano, estimula-nos 5. N. Pearcey, and C. Thaxton, The Soul of education,” The Journal of Adventist Education 70
à humildade e promove a nossa hones- Science: Christian Faith and Natural Philosophy (2008) 4:44-47.
tidade intelectual. Assim, a presença da (Wheaton, Illinois: Crossway Books, 1994), p.
24-27.
tensão não resolvida pode se tornar não 6. M. Erickson, Christian Theology, (Grand Rapids,
uma inimiga, mas estar a serviço da fé Michigan: Baker Book House, 1985), p. 513.
cristã: os crentes são encorajados a crescer 7. M. Calvin, Chemical Evolution (New York and

DIÁLOGO 27 • 1 2015 23
LIVROS as bases para a tese do livro: “Embora existam importantes
desafios, as crenças adventistas e as descobertas científicas, mui-
Biology — A Seventh-day tas vezes, iluminam-se mutuamente”, abrindo o caminho para
Adventist Approach for a ciência e a fé conviverem lado a lado. Mas, como a ciência e
Students and Teachers a fé, assim como o defensor da biologia e o crente no Gênesis
Editado por H. Thomas Goodwin podem buscar um caminho em que haja afinidade e possam
(Berrien Springs, Michigan: Andrews verdadeiramente andar juntos? H. Thomas Goodwin, o editor
University Press, 2014; 198 páginas, desse volume, é dotado de profundidade teológica (é formado
brochura). em Teologia) e de curiosidade para sondar os desafios da bio-
logia (sua tese de pós-graduação e trabalho profissional estão
Revisado por Keto E. Mshigeni baseados na paleobiologia). Ele apresenta às mentes pesquisa-
doras e aos corações inquietos este conceito: “A fé cristã oferece
uma estrutura para compreender a ciência como um meio para
obter conhecimento; as descobertas científicas lançam luz sobre
Como o nosso Sistema Solar veio à existência? Quando e as crenças bíblicas a respeito de Deus e da humanidade; e as
como a vida se originou em nosso planeta? O que é responsável duas áreas, por vezes, desafiam uma à outra a encontrar melho-
pela vida e morte, crescimento e decadência, pela calmaria do res explicações” (p. 16).
mar e a destruição ocasionada por um tornado? Como vamos Nisso se resume, essencialmente, a tese do livro, mas a rique-
explicar a beleza das montanhas e a destruição que ocorre za de Biology, com essa abordagem adventista, tanto para alu-
quando os vulcões irrompem do fundo dessas montanhas, ao nos como professores, continua apresentando tópicos como:
entrarem em erupção? Como entendemos as enormes criaturas • O que os genomas nos dizem sobre a vida, a ciência e
que devem ter vagado em eras passadas aqui na Terra, mas que Deus (Tim Standish), reforçando o ponto de que o conhe-
agora estão extintas, deixando para trás marcas que desafiam a cimento não é estático e que aquilo que sabemos, em qual-
nossa compreensão? quer ponto no tempo, é apenas conhecido em parte.
Duas respostas possíveis têm desafiado a mente humana. A • A biologia, a fé e a natureza humana (Karl G.D. Bailey)
primeira resposta é antiga – o caminho da fé, que está enraiza- definem a agonia e o êxtase dos seres humanos.
do na afirmação bíblica: “No princípio, Deus…”. A segunda é • O alvo e limites do processo evolucionário (Leonard
o caminho da ciência. Os adventistas do sétimo dia, desde que Brand).
entraram no cenário mundial há cerca de 150 anos no passado, • Os registros fósseis e a perspectiva adventista (H.T.
têm explorado a questão e tentado compreender a relação entre Goodwin) fazem uma caminhada desde a experiência
a ciência e afé. A partir de seu compromisso precoce e inabalá- pessoal do autor, de como ele se deparou com os desafios
vel com o relato da criação em Gênesis, inúmeras publicações emergentes entre os novos dados científicos e a sua jornada
têm-se colocado em defesa da fé. Tais defesas também procu- de fé.
ram compreender os desafios que, cada vez mais, a ciência tem • Uma visão adventista de ecologia (D.L. Cowles) que reco-
apresentado. nhece a atividade criativa de Deus e rejeita “a posição de
Na corrida da literatura cristã sobre fé e ciência, foi lançada que a natureza é autônoma, sem sentido e inteiramente
uma das melhores explorações das conexões e desafios nes- executada por leis físicas”.
sas duas áreas, sob a perspectiva da cosmovisão adventista: • A fé adventista e a gestão ambiental (Floyd Hayes e
Biology – A Seventh-day Adventist Approach for Students and William Hayes) proporcionam uma boa maneira de “os
Teachers [Biologia – Uma Abordagem Adventista para Alunos adventistas que são ambientalmente sensíveis energizarem
e Professores]. O livro foi publicado como parte da série Faith a igreja e inaugurarem uma nova e emocionante era de consci-
and Learning [Fé e Aprendizagem], sendo copatrocinado pelo ência ambiental, administração e testemunho” (p. 157).
Center for College Faith, da Universidade Andrews, e pelo • O criacionismo, o darwinismo e a mera ciência (Earl MJ
Departamento de Educação da Associação Geral. Aagard) articulam a necessidade de integrar as crenças
Planejado e escrito para um público específico e com um adventistas e a ciência, considerando o desdobramento
propósito explícito – alcançar o crescente número de estudantes incessante que há de novos conhecimentos, através da pes-
de segundo grau e universitários adventistas que se deparam quisa científica.
com as questões de fé e ciência, especificamente na área da Tendo dito isso, podemos ver que o livro se torna um desa-
biologia – o livro é uma coletânea de ensaios de oito dos melho- fio e um banquete de ideias: um desafio porque faz com que
res biólogos adventistas, conhecidos por sua fé resoluta e mente estudantes universitários e professores confrontem a realidade
aberta, ao verem os desafios apresentados pela biologia. do mundo da ciência (não é possível escapar de suas profissões
O encontro do destemor e dessa abertura torna-se claramente
visível no capítulo introdutório do editor, no qual ele estabelece Continua na página 35

24 DIÁLOGO 27 • 1 2015
Jesus of Nazareth: His Life, única esperança para a humanidade caída? Essas e muitas
His Message, His Passion outras questões são tratadas de forma clara, honesta e com
William G. Johnsson (Silver Spring, perspicácia, apresentando ao leitor um mosaico convincente
Maryland: Biblical Research Institute, da História, da Arqueologia e, acima de tudo, dos evange-
Review and Herald Pub. Assn., 2015; 2 lhos.
volumes, 345 páginas, brochura). Os quatro evangelhos formam a base do estudo de
Johnsson. Por trás do estudo, encontra-se uma vida experien-
Revisado por John M. Fowler cial e sem reservas, mas não cega, e, acima de tudo, compro-
metida com a Pessoa e a missão de Jesus. O prólogo do evan-
gelho de João provê o núcleo da abordagem de Johnsson.
Sua comovente prosa aproveita o incomparável prelúdio
Pelo fato de William Johnsson ter-se familiarizado ainda para uma exposição inspirada da coeternidade da Palavra
adolescente com o tema desse estudo, apresentado em dois com a Trindade e da luz que quebra a escuridão que cobriu
esplêndidos volumes, e ter permanecido fiel ao Senhor por o mundo desde a traição para com a bondade de Deus no
mais de seis décadas – ensinando, pregando, escrevendo e Jardim do Éden. Com uma exposição da Palavra infinita e da
vivendo para Ele – o seu estilo e facilidade para escrever Luz eterna, que é Jesus, Johnsson apresenta em seu primeiro
podem tê-lo levado à lista de autores best-sellers do New volume a maravilha de Sua vida, morte e ressurreição, que teve
York Times. por fim criar uma nova comunidade dos redimidos de Deus.
Como exímio e brilhante escritor de prosa em poesia, O segundo volume centraliza-se nos ensinamentos de
Johnsson, ex-editor de longa data da Adventist Review, trans- Jesus. Aqui há uma mina de ouro para evangelistas e pastores
forma o seu compromisso pessoal com Jesus e sua busca que querem pregar sobre as grandes verdades do evangelho:
acadêmica em teologia do Novo Testamento nessa história de O que Jesus ensinou sobre Deus, sobre Ele mesmo, o Espírito
leitura fácil, perspicaz, poderosa e convincente da vida e obra Santo, o reino do Céu, a graça, o discipulado, o sábado, a
do maior Homem que já andou na Terra. Melhor dizen- escatologia, a oração, o poder, o sexo, o dinheiro, e muito
do – não apenas o Homem, mas Deus que se fez Homem. mais? Cada discussão é uma mensagem comovente que des-
No trabalho de Johnsson, a encarnação, ao mesmo tempo venda tanto o mistério como a maravilha das boas-novas que
em que abraça os mistérios da teologia bíblica, assume um Ele representa e para as quais aqui veio, a fim de assegurar a
processo de comunicação simples e direta que se coloca redenção do homem.
diante do leitor pessoa a pessoa, de alguém para alguém que Esse tema central – Jesus é o Salvador do mundo – conti-
se encontra com Jesus – o Deus de tudo, e com Jesus – o nua a ser a principal mensagem transmitida pelo livro. Vai se
Homem para todas as pessoas. A dupla dinâmica e o misté- tornar pobre do verdadeiro conhecimento aquele que não o
rio único nunca abandonam as páginas dessa exposição de ler, e ainda mais pobre se tornará se não fizer parte da histó-
ideias, por excelência, a Ele relacionadas. ria de Jesus.
O prólogo de Johnsson define o tom de sua obra: “Jesus –
Todas as nossas esperanças, para este mundo e para o mundo
porvir, estão centralizadas nEle. As nossas maiores alegrias, John M. Fowler, MS pela Syracuse University; MA e EdD,
as nossas mais elevadas aspirações, as nossas mais puras pela Andrews University, é editor da revista Diálogo. Parte
motivações brotam dEle. Qualquer outro nome passará; o dessa revisão foi publicada na Adventist Review.
dEle, nunca”(1: xiii). E-mail: fowlerj@gc.adventist.org.
A conclusão apresenta uma confissão e uma pergunta: “A
história continua […]. A história não tem fim, não pode ter
fim. […] A pergunta que cada um de nós enfrenta […] é
esta: Faço parte dessa história?” (2: 193).
O autor ocupa quase 350 páginas na transição dessa con-
fissão para essa pergunta desafiadora. Johnsson não hesita em
fazer perguntas difíceis: Jesus é real, assim como foi o Seu
nascimento, crucificação e ressurreição? Os evangelhos são
confiáveis? É Ele o que afirmava ser: Aquele que foi enviado
pelo Pai para cumprir a missão do Pai? É Jesus o Homem
para todas as pessoas e para todos os tempos? Se assim é, por
que Ele é mal compreendido ou mal interpretado no curso
da História? Por que Suas exigências são tão absolutas – tudo
ou nada? Por que Ele é o melhor professor do mundo e a

DIÁLOGO 27 • 1 2015 25
LOGOS
“Não será assim entre vocês!”
Um paradigma bíblico de liderança
Zdravko Stefanovic

“Liderança é influência – nem mais, já estava presente nos primeiros livros abre a passagem com a palavra “quan-
nem menos.”1 do Pentateuco (Gênesis 17:6, 16; 35:11; do” (kî, em hebraico), seguido por três
A noção de uma estreita ligação 49:10; Números 24:7, 17). É notável verbos que descrevem uma futura situ-
entre liderança e influência é muito que, quando é feita a comparação com ação histórica: “Quando entrarem na
importante na Bíblia. Este artigo ana- as sociedades de muitas nações não terra, tiverem tomado posse dela, e nela
lisa uma passagem de Deuteronômio, hebreias, a concepção bíblica da realeza tiverem se estabelecido…”. De acordo
mencionada várias vezes como a “Lei implicava em restrições extraordinárias com essa passagem, o problema do
do Rei” (Deuteronômio 17:14-20), da à autoridade real. estabelecimento de uma monarquia em
qual são extraídos alguns pontos bási- Os reis de Israel eram responsáveis Israel não foi porque as pessoas quises-
cos relacionados ao paradigma bíblico perante Deus pelo que faziam. Por sem ter um rei. O que mais importava
da liderança. Tendo feito isso, vou ligar essa razão, os profetas afirmavam estar era por que5 eles pediam para ter um
essa passagem com aquelas tão conhe- falando em nome do Senhor sempre rei: para que pudessem ser como as outras
cidas palavras de Jesus sobre o tema que se dirigiam aos monarcas de Israel. nações (v. 14). Essa negação do chamado
da liderança, encontradas em Mateus Os profetas mantinham as ações de Deus para serem únicos foi uma
20:25-28. dos reis sob controle e, por vezes, clara inversão da eleição de Israel.
os confrontavam se eles agissem de Moisés não se opôs, em princípio, à
Da monarquia à teocracia forma contrária aos princípios do ideia de uma monarquia em Israel. No
Entre os vizinhos de Israel, o rei era pacto divino. entanto, ele definiu as qualificações
o princípio do direito, e sua principal Roland de Vaux afirmou que é para os candidatos ao trono e delimitou
tarefa era manter a ordem (Egyptian notável o fato de as duas “Leis do Rei” o comportamento de um rei. A Lei do
ma’at; Mesopotamian me).2 Dada a sua (Deuteronômio 17:14-20; 1 Samuel Rei apresenta uma visão distinta da
privilegiada posição, o rei poderia ser 8:11-18) não fazerem alusão alguma realeza de Israel e da autoridade real.
julgado apenas pelos deuses. Algumas a qualquer poder real para estabelecer Sua intenção original era “limitar os
sociedades antigas consideravam os reis as leis. Pelo contrário, essas duas pas- poderes reais, bem como os abusos, e
como sendo divinos, ou pelo menos sagens alertam o povo contra os atos impor fidelidade real ao Senhor”.6 Isso
descendentes diretos de divindades. arbitrários do monarca e ordenam que significava que o soberano de Israel não
“Os ornamentos que circundavam os ele escreva uma cópia da Torá divina, tinha o direito de explorar a sua posição
reis eram os mais ricos e suntuosos já que a leia diariamente e a obedeça. De de liderança para ganho pessoal.
encontrados em qualquer grupo na Vaux concluiu que ambas as passagens As instruções dadas no livro de
sociedade.”3 contêm sérias advertências contra a Deuteronômio contêm a exigência
Os textos bíblicos afirmam que, autocracia real.4 de que o rei devia ser um israelita
por haver Deus libertado o Seu povo nativo, não um estrangeiro (v. 15).
do cativeiro (Êxodo 15:18), seguido Não eram um monarca típico Ao longo da história de Israel, ape-
de uma relação de aliança especial, As instruções para a conduta dos nas algumas exceções a essa regra são
o Senhor (Yahweh) era o governante futuros reis de Israel, encontradas em registradas, como no caso de Jezebel
supremo de Israel, cuja palavra era a Deuteronômio 17:14-20, são uma parte ou Herodes, o Grande (e sua dinastia).
base do governo. Embora Israel fosse do segundo discurso de despedida de Além disso, o rei devia ser escolhido ou
uma teocracia, a ideia de reis israelitas Moisés ao seu povo. Um final temporal eleito em conformidade com a vontade
26 DIÁLOGO 27 • 1 2015
divina. O conceito da eleição divina do um harém muito grande. A palavra não era alguém que escrevia a Torá. Em
governante de Israel é tecido ao longo original para “mulheres” ou “esposas” vez disso, ele a recebia de uma autorida-
do livro de Deuteronômio. Assim, um (nāšîm, em hebraico), que é usada aqui, de superior e a copiava com sua própria
governante escolhido por Deus iria geralmente se refere ao harém de um mão. Copiar a palavra de Deus à mão
governar o povo que havia sido escolhi- monarca típico da época. O grande era considerado algo obrigatório no
do pelo mesmo Deus. número de mulheres tomadas como contexto da aliança.
esposas, em muitas sociedades anti- A ordem seguinte indica que o rei
Os deveres do rei gas, tinha a ver com o status do rei. devia levar com ele a cópia da Torá
A descrição das funções do rei come- Enquanto muitos casamentos eram fre- (17:19). Alguns estudiosos têm sugeri-
ça com três proibições (proscrições) quentemente arranjados para promover do que esse ato representava parte do
contra o orgulho, a luxúria e a ganân- alianças políticas internacionais, um ritual da ascensão ao trono. A terceira
cia. As proibições são especificamente grande harém era usado também para ordem diz que o rei devia ler e meditar
contra multiplicar cavalos, mulheres impressionar os visitantes estrangeiros. na Torá todos os dias (Josué 1:8; Salmo
e metais preciosos (versos 16, 17). O Servia como sinal de poderio econô- 1:2). Essa leitura da Palavra servia para
aspecto egoísta dessas ações é evidente a mico, social e político, e era destinado definir a atitude do rei de respeito e
partir da tripla ocorrência da expressão a reforçar o status do rei no país, bem obediência para com Deus. Definia
“para si mesmo” (lô, em hebraico). O como em terras estrangeiras. A princi- também sua atitude para com o povo e
rei de Israel devia adotar um estilo de pal preocupação de Moisés aqui é que, era uma questão de solidariedade para
vida humilde e dependente, ao contrá- através da prática da poligamia, o cora- com a sua parentela israelita. A atitude
rio dos monarcas vizinhos. Na segunda ção do rei pudesse ser desencaminhado. do rei, finalmente, resultaria em um
parte dessa passagem, as três proibi- Vários casamentos levariam ao sincre- futuro seguro de seus descendentes (v.
ções (proscrições) são seguidas de três tismo religioso e à idolatria. 20). Várias passagens bíblicas mostram
comandos (prescrições) que são de A terceira proibição é contra o acú- que a sucessão da dinastia e a posse
natureza espiritual e foram destinados mulo excessivo de riquezas materiais. da terra eram recompensas paralelas à
a assegurar a justiça e estabilidade A lista abreviada de metais preciosos fidelidade (2 Samuel 7:10-16; Salmo
no trono. aponta para a ambição do monarca 132:11-18).
Vamos primeiro olhar para a lista que de entesourar riquezas. Isso resultaria A leitura da Palavra de Deus era
especifica o que o rei não podia fazer. numa atitude de superioridade por uma lembrança constante da condição
A posição do rei o impedia de possuir parte do rei, em relação aos seus com- subordinada do rei. Ele era um instru-
muitos cavalos, pois esse era um sinal patriotas. A passagem adverte, porém, mento de Deus e não devia agir como
de poderio militar e de superioridade. que o rei de Israel devia ser diferente do um deus. Por outro lado, um coração
No antigo Israel, o gado e as mulas típico monarca não hebraico. Não devia que se afastava do Senhor normalmente
eram usados como animais de carga, distinguir-se por uma vistosa cavalaria, se exaltava acima de seu povo. Assim,
enquanto os cavalos puxavam carros, várias esposas, ou grande riqueza. Ao a principal função do rei de Israel era
especialmente durante as operações contrário, devia portar-se como um exemplificar o que significava ser um
militares (Deuteronômio 20:1). Ao rei companheiro e “irmão” israelita, e ser humilde servo do Senhor. Ele devia
foi dito para não enviar pessoas para também um praticante exemplar das conduzir o povo na manutenção dos
comprar cavalos do Egito. Ao fazer isso, instruções dadas por Deus. princípios divinos.
ele abriria o caminho de volta à escra-
vidão e reverteria o evento do êxodo. Centralidade da revelação divina O exemplo de Cristo
Por sua vez, seria como se ele estivesse Em contraste com as três proibições O rei de Israel era chamado por Deus
se desfazendo do grande ato de salvação (proscrições) essencialmente relacio- para ser um exemplo no cumprimento
de Deus. O desejo de poder exibido nadas ao egoísmo, cada uma das três dos princípios de Sua palavra. “Moisés,
pelo uso de cavalos levaria ao desejo ordens dadas (prescrições) referem-se à dessa forma, apresentava o rei como um
de retornar ao Egito, a terra da escra- Palavra de Deus. Moisés especifica que israelita exemplar e a personificação da
vidão, descrita em certa ocasião por o rei devia copiar o texto sagrado com a fidelidade da aliança. Seus compatri-
líderes rebeldes como “uma terra que própria mão, tornando-o muito pessoal otas deviam reconhecer que, se eles o
mana leite e mel” (Números 16:13). Os (Deuteronômio 17:18). A recorrência imitassem, o seu próprio bem-estar na
estudiosos concluem que essa proibição da expressão “para si mesmo” (lô, no terra onde viviam seria assegurado.”7 É
coloca um limite no exército profissio- original hebraico) coloca essa ordem triste dizer, mas foram muito poucos
nal permanente do rei. em nítido contraste com as ambições os reis de Israel que obedeceram às
A segunda proibição apresenta uma egoístas do rei, previamente utilizadas normas estabelecidas por Moisés. É fato
advertência ao rei para que não tivesse na passagem. O governante de Israel bem conhecido que o estilo do reinado

DIÁLOGO 27 • 1 2015 27
de Salomão entrava diretamente em lhantes. [...] No reino de Cristo, são Umutoni Aïssa
choque com o ensino da Lei do Rei. maiores os que seguem o exemplo por Continuação da página 19
O palácio de Salomão levou quase o Ele dado, e procedem como pastores de
dobro do tempo utilizado na construção Seu rebanho.”8
do templo de Jerusalém, e sua riqueza e Ao encerrar, gostaria de propor que entre o lado espiritual, a família e a vida
fama eram surpreendentes. Suas mulhe- os princípios de liderança cristã, ela- profissional. Sempre que preciso, meu
res estrangeiras desviaram o seu coração borados a partir da Lei do Rei, sejam marido se coloca à disposição para cuidar
para longe do Senhor, ele começou a aplicados em nossos dias. Assim como das necessidades da família e, se necessário,
servir outros deuses e construiu templos eram relevantes no passado, são impor- ajusta o seu próprio programa de trabalho.
em honra a eles (1 Reis 11:1-13). tantes hoje também. Os melhores líde- Quando os meus deveres profissionais con-
Em contraste com a maioria dos res são reconhecidos por serem pessoas tradizem a minha fé, essa última prevalece.
líderes de Israel, Jesus foi a encarnação genuinamente espirituais. Líderes cuja Deixei claro aos meus superiores que não
perfeita dos princípios bíblicos, demos- espiritualidade, de acordo com a Bíblia, poderia fazer qualquer trabalho que entre
trando como um líder deve depender está enraizada no contato íntimo e em conflito com os princípios bíblicos.
de Deus e se relacionar com os demais constante com Deus, e na instrução
seres humanos, em verdade e amor. que Ele oferece. Esses líderes não vão se n Que conselho você daria aos estudantes
Ele ressaltou esse fato quando alguns esforçar para obter poder e privilégios universitários adventistas ou jovens profis-
dos Seus discípulos expressaram aber- terrenos, mas para obter a mais elevada sionais que estejam interessados em seguir sua
tamente o desejo de serem superiores a apreciação da vontade de Deus, assim linha de trabalho?
seus companheiros. Jesus os chamou e como o bem-estar dos membros de sua Aqueles que são guiados pelos prin-
disse: “Vocês sabem que os governantes comunidade de fé. cípios bíblicos e desejam seguir carreira
das nações as dominam, e as pessoas em profissões relacionadas aos direitos
importantes exercem poder sobre elas. humanos devem saber, desde o início, que
Não será assim entre vocês! Ao con- Zdravko Stefanovic, PhD pela a maioria dos princípios de liderança nessa
trário, quem quiser tornar-se impor- Universidade Andrews, ensina área está em conformidade com as normas
tante entre vocês deverá ser servo, e Religião na Adventist University bíblicas, mas não todos. Por exemplo, algu-
quem quiser ser o primeiro deverá ser of Health Sciences, em Orlando, mas questões geradas pela evolução socioló-
escravo; como o Filho do homem, que Flórida. gica,podem não estar em consonância com
não veio para ser servido, mas para a compreensão dos princípios e ensina-
servir e dar a Sua vida em resgate por E-mail:zdravko.stefanovic@edu.edu. mentos bíblicos de outra pessoa. Algumas
muitos” (Mateus 20:25-28, NVI, grifo dessas questões se tornaram extremamente
do autor). desafiadoras e contraditórias à postura da fé
Cristo praticou princípios não con- REFERÊNCIAS defendida pela pessoa. Tais questões variam
vencionais e atemporais que foram 1. John C. Maxwell, The Twenty-one Irrefutable desde a disciplina corporal de crianças até
Laws of Leadership: Follow Them and People
a base sobre a qual Ele estabeleceu Will Follow You (Nashville, Tennessee: às questões conjugais e sexuais. Deve-se
o Seu reino. Esse reino tinha muito Thomas Nelson, 1998), p.17. tomar uma posição pessoal, com espírito
pouco em comum com os reinos deste 2. John H. Walton et al., eds., The IVP Bible
Background Commentary: Old Testament
de oração, a respeito dessas questões e
mundo, conforme tão apropriadamente (Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 2000), estar ciente da possibilidade que há de
expressa a seguinte citação de Ellen p. 198. comprometer a própria fé.
3. Leland Ryken et al., eds., Dictionary of
G. White: “Nos reinos do mundo a Biblical Imagery (Downers Grove, Illinois:
posição implicava em engrandecimento InterVarsity, 1998), p. 477.
próprio. Supunha-se que o povo existia 4. Roland de Vaux, Ancient Israel (Grand Bahati Nkundakozera é diretora do
Rapids, Michigan: Eerdmans, 1977), p. 150.
para benefício das classes dominantes. 5. Gary E. Schnittjer, The Torah Story (Grand Departamento de Comunicação na
Influência, fortuna, educação eram Rapids, Michigan: Zondervan, 2006), p. 503. União-Missão de Ruanda da Igreja
outros tantos meios de empolgar as 6. Patricia Dutcher-Walls, “The Circumscription Adventista do Sétimo dia. E-mail:
of the King: Deuteronomy 17:16-17 in Its
massas para proveito dos dirigentes. [...] Ancient Social Context”, Journal of Biblical nkundapr@gmail.com.
Cristo estava estabelecendo um reino Literature 121/4 (2002): p. 601.
sobre princípios diversos. Chamava 7. Daniel Block, “The Burden of Leadership: E-Mail: Umutoni Aïssa’s e-mail: kagi-
The Mosaic Paradigm of Kingship (Dt 17:14-
os homens, não à autoridade, mas ao 20)”, Bibliotheca Sacra 162 (Julho-Setembro je@yahoo.fr.
serviço, os fortes a sofrer as fraquezas de 2005): p. 276.
dos fracos. Poder, posição, talento, 8. Ellen G. White, O Desejado de Todas
as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora
educação colocavam seus possuidores Brasileira, 1990), p. 550.
sob maior dever de servir aos seme-

28 DIÁLOGO 27 • 1 2015
FÓRUM ABERTO
Sexo no Sábado
Michael W. Campbell

É bíblico ter relações sexuais durante durante as horas sagradas é basicamente implicações no que diz respeito à sexua-
as horas do sábado? O que a Bíblia uma leitura equivocada do texto origi- lidade humana (bem como ao sábado e
diz sobre esse assunto? nal. O significado desse texto é de que outras doutrinas).
devemos evitar “o prazer nos negócios” O impacto duradouro do platonismo
Esse tema é frequentemente citado ou irmos em busca dos nossos próprios pode ser visto na repressão da sexu-
no contexto de Isaías 58:13: “Se desvi- “interesses comerciais”. Caso contrário, alidade apresentada nos escritos dos
ares o teu pé do sábado, de fazer a tua qualquer coisa prazerosa, incluindo primeiros pais da igreja, como Orígenes
vontade no meu santo dia... .” Uma vez a ingestão de alimentos, o estudo da e Agostinho. Todos os impulsos sexuais
que o sexo é prazeroso, o texto é usado Bíblia ou o cântico devem ser proibi- deveriam ser reprimidos. Essa visão da
para proibir a relação sexual durante dos também. sexualidade cristã teve uma correlação
as horas sabáticas. No entanto, uma O que entra em questão é a direta com a eclesiologia, como no
investigação mais profunda revela que compreensão bíblica da sexualidade. caso dos monges que se retiraram para
a passagem de Isaías está falando sobre Os judeus antigos, conhecidos pelos lugares afastados e cavernas. Aqueles
o Dia da Expiação, um dia dedicado ao seus códigos de leis rigorosas sobre a que se negaram ao prazer sexual e se
autoexame, julgamento e purificação. observância do sábado, não proibiram a tornaram celibatários foram consi-
Cada indivíduo deveria participar do atividade sexual no sábado, conquanto derados mais espirituais e, portanto,
cerimonial para que não fosse “cortado” que fosse dentro dos limites do casa- mais merecedores de cargos na igreja.
(Levítico 23:29). Não há nenhuma mento. Essa “bênção sabática” era con- Tudo isso contribuiu para uma teologia
evidência textual indicando que o sexo siderada um momento de consumação que, à semelhança do sábado do séti-
era proibido no sábado ou no Dia da matrimonial. O sábado e o casamento mo dia, afastou-se da visão bíblica da
Expiação. Não há também nenhuma foram as duas santas instituições ori- sexualidade. A beleza com que o sába-
evidência bíblica de que a relação sexu- ginadas no Jardim do Éden. No plano do e o sexo foram agraciados no Éden
al contamina a pessoa. Na verdade, original de Deus, o sexo tinha por acabou se perdendo durante a Idade
todas as referências ao prazer sexual no objetivo tornar-se a melhor maneira das Trevas.
Antigo Testamento são positivas! pela qual marido e mulher experimen- O tema do sexo no sábado, de qual-
Então, a que se refere a palavra “pra- tariam os níveis mais profundos de quer forma, é uma decisão profun-
zer”, citada em Isaías 58:13? A palavra intimidade dentro dos sagrados laços damente pessoal e deve ser discutido
hebraica é a mesma encontrada no do matrimônio – os dois se tornariam com espírito de oração entre marido e
verso 3, que adverte contra a explo- uma só carne. esposa. Alguns casais escolhem, “por
ração. Essa mesma palavra (na Bíblia Tragicamente, a sexualidade tem sido mútuo consentimento” (1 Coríntios
judaica NIPS) é traduzida também distorcida e pervertida pelo pecado. Os 7:5, NVI), se renunciarem um ao outro
como “o prazer nos negócios” (ou antigos códigos hebraicos eram neces- durante as horas do sábado, a fim de
“interesse comercial” da pessoa). Isaías sários porque Deus queria evitar as per- manterem o seu foco espiritual. Isso é
58:14 ordena “chamar delícia o sábado” versões sexuais praticadas pelas nações admirável, mas, para outros, pode ser
(NVI). A palavra “prazer”, em hebrai- pagãs circunvizinhas. A sexualidade algo perturbador.
co, é ‘oneg, que significa deleitoso. devia ser cuidadosamente guardada. Para os casais que mantêm relações
O significado de Isaías 58:13 é de Outra perversão veio do pensamento sexuais no sábado, tal visão tem raízes
que Deus quer que deixemos de lado grego que considerava o homem um ser profundas na criação original. Uma
os nossos próprios compromissos e os composto de corpo e alma – o corpo visão da sexualidade que envolva todo
substituamos por algo muito mais exce- como sendo matéria e mau, portanto, o ser conecta o sexo à criação como um
lente. Deus nos chama para vivermos temporário e perecível; a alma como belo dom de Deus para a humanidade.
uma vida de prazer altruísta, focados sendo o espírito e bom, por eles defini- Satanás distorceu esse dom. Quer a dis-
em nosso relacionamento com Ele. A do como eterno e imperecível. Alguns torção venha pela opinião de que o sexo
noção de que o sábado proíbe o pra- pensadores cristãos abraçaram esse
zer e as alegrias concedidas por Deus dualismo entre corpo e alma, que tinha Continua na página 31

DIÁLOGO 27 • 1 2015 29
PONTO DE VISTA
Dez coisas que os pastores
gostariam que suas congregações
fizessem por eles
Dave Gemmell

Como adoradores, seja numa igreja Ore por sabedoria. Ore para que os de lado qualquer expectativa e trate a
grande ou pequena, esperamos muito de dons catalizadores do apostolado, da família como uma rica bênção da graça
nossos pastores a cada sábado e ao longo profecia, do ensino, do evangelismo de Deus. E, claro, para aliviar a pressão
de toda a semana. Queremos que eles pre- e do pastoreio cresçam fortes em seu financeira, devolva o dízimo fielmente,
guem, todos os sábados, sermões bíblicos pastor. As palavras de maior apoio que de modo que o pastor se sinta seguro
bem pesquisados, apresentados de manei- um pastor nunca ouve são: “Pastor, eu da obtenção de seu salário regular [1
ra eficaz, que desafiem a nossa mente, estou orando pelo senhor todos os dias” Coríntios 9:14].
confortem o nosso coração cheio de dores [Romanos 15:30; 2 Coríntios 1:11]. 4. Libere o pastor do constante
e nutram nossa alma faminta. Esperamos 2. Apoie o seu pastor. O pastoreio exercício do ministério para que haja
que eles sejam nossos protetores: que pode ser um dos trabalhos mais difíceis uma renovação. Os pastores que se
nos visitem, refiram-se a nós da melhor do mundo nos dias atuais. Os pasto- colocam à disposição 24 horas por dia,
maneira possível, roguem por nós quando res vivem em um ambiente altamente nos sete dias da semana, por meses a
a doença ou a morte atingem o nosso lar, concentrado, onde veem os resultados fio, estão inevitavelmente se autodes-
que tenham empatia por nós quando do pecado diariamente, ao cuidar da truindo. Permita que seu pastor faça
perdemos o emprego. Há até momentos humanidade. Enquanto, em média, intervalos semanais para que haja uma
em que os membros da igreja esperam que uma pessoa vê ocasionalmente uma renovação espiritual, bem como longos
os pastores experimentem a sua dor, parti- morte, lesões, doenças, ou conflitos intervalos anuais para licença de estudo
cipem de seus momentos de alegria, ajam familiares, o pastor se defronta com e férias. É um pequeno preço a pagar
como seus conselheiros, que os ajudem em essas situações quase que semanalmen- pela rica energia espiritual que flui
questões legais e, de modo geral, que sejam te. Embora os pastores não vivam de como resultado de liberar regularmente
especialistas. Nós realmente esperamos afirmação, as palavras de apoio que lhes o pastor durante as lides de seu minis-
muito de nossos pastores. são dadas apresentam-se como uma tério [Mateus 14:23].
Por um momento, olhe as coisas pelo tábua de salvação durante os momentos 5. Converse com seu pastor – não
outro lado. Se os pastores tivessem a opor- traiçoeiros que atravessam. Uma peque- sobre ele ou fale por trás dele. Queixar-
tunidade de dizer o que gostariam que na nota dizendo: “Pastor, o senhor está se do pastor a outra pessoa é algo des-
fizéssemos por eles, se dedicássemos tempo fazendo a diferença!”, talvez venha a trutivo para toda a família da igreja.
ou tivéssemos o coração disposto a ouvir, o ser a única coisa que ajuda seu pastor Escrever notas críticas anônimas ao
que ouviríamos? a enfrentar e vencer os desafios do dia pastor é fazer terrorismo espiritual. A
Um pastor que já percorreu o caminho seguinte [Atos 4:36]. propósito, o melhor é simplesmente
do ministério por longo tempo compar- 3. Abençoe a família pastoral. O jogar essas notas direto na lata de lixo
tilha seus desejos em nome de inúmeros estresse pastoral se extravasa na família, sem lê-las. Se você tiver algum proble-
outros pastores que ministram a nós sendo o suficiente para testar todos os ma com seu pastor, fale diretamente
semana após semana. Aqui são apresenta- laços familiares. Tendo que se deparar com ele e tente trabalhar a situação. Se
dos dez desses desejos. com algumas expectativas selvagens a não encontrar uma solução, leve o caso
– Os Editores respeito de como o cônjuge e os filhos a um líder espiritual e busquem juntos
1. Ore por seu pastor. O pastor é do pastor devam, supostamente, se resolver a questão. Então – e só então –,
o catalisador espiritual da igreja. Isso comportar dá a ele uma receita para se a solução não puder ser encontrada,
faz com que ele seja um grande alvo que ocorra um colapso familiar. O reúna um grupo maior para dialogar
para o inimigo. Ore pela saúde espiri- antídoto é oferecer bênçãos. Abençoe com o pastor. Desafie o pastor par-
tual do seu pastor. Ore por proteção. o cônjuge. Abençoe as crianças. Deixe ticularmente. Apoie-o publicamente

30 DIÁLOGO 27 • 1 2015
[Mateus 18:15-17]. 9. Siga o líder. O pastor não é o Sexo no Sábado
6. Perdoe o seu pastor por ficar diretor-executivo da congregação. Esse Continuação da página 29
aquém de suas expectativas, pois papel é reservado a Jesus. No entanto, ao
nenhum pastor vai satisfazer seus ideais pastor foi dado o dom do apostolado, e
perfeitamente. Lembre-se de que talvez você deve seguir o seu exemplo e especi- é um prazer egoísta e, portanto, precisa
o seu modo de ver como um pastor almente o exemplo de Jesus. Deixe que ser reprimido, quer pelo ponto de vista
deve ser seja exclusivamente seu. Todos seu pastor lidere. Com a liderança vem dos meios de comunicação de hoje,
os outros na congregação também têm a mudança. As coisas serão diferentes. de que sexo não tem nada a ver com
suas expectativas pessoais. Muitas dessas Desde que a igreja foi fundada, Deus moralidade e de que está na vontade e
expectativas são mutuamente exclusivas. tem trazido uma sucessão de pastores de no desejo pessoal indulgente, Satanás
Seu pastor também cometerá alguns qualidade, cada um com seu estilo de está por trás dessas tentativas de roubar
erros. Todos os pastores cometem. liderança, para levar a igreja a um nível este dom precioso do projeto original
Estenda ao seu pastor a mesma graça que mais elevado. Deus dá a visão ao seu pas- de Deus.
Deus estende a você. Se o seu pastor sabe tor. Ajude-o a contemplar essa visão. A Quanto à nossa questão sobre o
que está pastoreando uma congregação seguir, faça a sua parte para transformar sábado, o princípio que o apóstolo
segura e cheia de graça, onde se sabe que a visão em realidade [Hebreus 13:17]. Paulo usou em outro contexto pode ser
há riscos a serem assumidos e a estag- 10. Exercite os seus dons espiritu- aplicado aqui também: “O que come
nação é lamentada, a sua igreja pode se ais. Os dons pastorais não fazem muito não despreze o que não come; e o que
tornar uma grande propulsora, espiritu- por si só. No entanto, se você permitir não come não julgue o que come; por-
almente falando [Mateus 18:21, 22]. que esses dons catalizadores energizem que Deus o recebeu por seu” (Romanos
7. Alimente-se espiritualmente. os seus dons, será uma pessoa viva espi- 14:3, ARC). Deus criou o sexo como
Não espere viver em uma dieta espiri- ritualmente. Deixe o pastor equipá-lo uma maneira de os seres humanos se
tual limitada de 30 minutos de sermões para que a família da igreja possa chegar conectarem mutuamente no nível mais
semanais. Se ficar sete dias sem comer, a à unidade de fé e do conhecimento do profundo. Tal visão abarca toda a pes-
pessoa fica fraca. Mesmo com os melho- Filho de Deus, tornando-se uma pes- soa e vê o sexo como um belo presente
res sermões, você vai morrer de fome soa madura na medida da plenitude de de Deus.
espiritualmente. O papel do pastor não é Cristo. Tire proveito das oportunidades
ficar colocando grama na boca das ove- do ensino e do ministério em sua igreja.
lhas, mas levá-las às pastagens verdejantes Coloque-se em lugares mais eficientes Michael W. Campbell, PhD pela
do conhecimento de Deus. À medida para alcançar maior crescimento espiri- Universidade Andrews, é professor
que você ouve atentamente os sermões tual [Efésios 4:11, 12]. assistente de estudos histórico-teo-
que seu pastor prega, passará a se inspirar lógicos no Adventist International
e a se aprofundar na Palavra todos os Institute of Advanced Studies, em
dias, por meio do estudo da Bíblia e da Dave Gemmell, DMin, pelo Silang, Cavite, nas Filipinas. Um arti-
oração [Salmo 23:2]. Seminário Teológico Fuller, é go mais amplo sobre este tema foi
8. Participe de um pequeno secretário ministerial associado publicado pela revista Ministry, em
grupo. Não espere que o cuidado pas- da Divisão Norte-Americana. Sua Abril de 2015. E-mail: campbellm@
toral primário venha do pastor. Isso função é descobrir, desenvolver e aiias.ed
é matematicamente impossível, e os distribuir recursos para pastores no
cuidados primários não são papel do território da DNA. Serve também
pastor. O apoio espiritual regular é como pastor associado voluntário
proporcionado nos pequenos grupos. na Igreja Adventista New Hope, em
Quando você participa de um pequeno Fulton, Maryland, nos EUA.
grupo semanal, vai crescer junto com E-mail: dave.gemmell@nad.adventist.
os demais, pois vão orar uns pelos org.
outros, vão cuidar uns dos outros e
apoiar uns aos outros ao passarem por
altos e baixos na vida. A equipe pastoral
e os anciãos podem servir como uma rede
de segurança para aqueles que não parti-
cipam dos pequenos grupos, bem como
para cuidar daqueles que estão em perío-
do de transição na vida [Mateus 18:20].

DIÁLOGO 27 • 1 2015 31
REFLEXÕES
“Eu estou sempre com você…”
Alberto R. Timm
As crises são as oportunidades de Deus
para nos lembrar de algumas realidades
que nem sempre levamos tão a sério
quanto deveríamos. Este é o relato de
uma dessas crises e o que ela significou
para a fé e a vida de uma pessoa.
Uma das experiências mais assusta- nhia aérea, que se demonstrou muito O que poderia ter acontecido?
doras da minha vida teve lugar na noite amiga, para me guiar na direção certa. Ouvimos dizer que “nosso Pai celes-
de 14 de março de 2015. Eu deveria Quando lhe perguntei sobre a possi- tial tem mil modos de providenciar
voar de Washington para Zurique, na bilidade de mudar o horário do meu em nosso favor, modos de que nada
Suíça. Quando procurei pelos voos dis- voo para o dia seguinte, ela perguntou sabemos. Os que aceitam como único
poníveis, encontrei duas possibilidades: como eu estava me sentindo e se ela princípio tornar o serviço e a honra
um voo direto, sem escalas, partindo devia chamar os paramédicos. Depois de Deus o supremo objetivo hão de
no sábado, às 17h40, e outro com esca- de relutar um pouco, finalmente con- ver desvanecidas as perplexidades, e
la em Londres, com partida prevista cordei. Os paramédicos me colocaram uma estrada plana diante de seus pés.”
para as 23h. Sem dúvida, a primeira na ambulância e se dirigiram para um 1
Isso significa que Deus poderia ter
opção era a melhor, mas acabei com- hospital nas proximidades. Meu abdô- resolvido o meu problema de saúde de
prando a segunda. A razão era simples: men estava quase como um balão, e uma forma diferente. No entanto, da
o primeiro vôo partiria durante as horas somente as injeções de Dilaudid (muito minha limitada perspectiva humana, só
do sábado. mais fortes do que a morfina) podiam posso imaginar o que teria acontecido
Naquela manhã de sábado, fui à controlar a dor. se essa obstrução intestinal ocorresse
igreja com minha esposa e meu filho, O PET-Scan e os Raios-X mostraram exatamente da mesma forma, porém,
e depois desfrutamos de um bom uma total obstrução entre o intestino se eu tivesse decidido seguir por outro
almoço. Por volta das 5h da tarde, o delgado e meados do jejuno, que pode- caminho.
meu estômago começou a dar sinais ria ser tanto um tumor, como outra Por exemplo, o que teria acontecido
de que havia algum problema. Julguei coisa qualquer. Assim, na manhã de se eu tivesse simplesmente ignorado o
que não era nada sério e, após o pôr domingo, um tubo intranasal foi usado conselho inspirado de evitar viagens
do sol, minha esposa me deixou no para remover todos os alimentos não desnecessárias durante as horas do
aeroporto para eu embarcar naquele digeridos do meu estômago, e então, na sábado e tomado o voo das 17h40?
voo. Mas quanto mais próximo da segunda-feira à noite, foi feita uma lapa- Certamente, aquela dor intensa e as
hora do embarque, mais a minha dor roscopia (três pequenas incisões), através náuseas teriam aparecido enquanto
abdominal e as náuseas aumentavam. das quais, o cirurgião foi capaz de iden- eu estivesse atravessando o Oceano
Em desespero cada vez maior, eu orei: tificar e cortar um pequeno pedaço de Atlântico. Como a pressão do ar na
“Senhor, não me lembro de jamais ter tecido, como uma corda, liberando assim cabine, naquela altitude, é inferior à do
ouvido a Sua voz de forma audível. a adesão ao retroperitônio, que era o que nível do mar, a minha dor e as náuseas
Mas agora eu realmente preciso que o estava causando o problema. Foi um pro- teriam sido ainda maiores. Além disso,
Senhor me diga claramente se devo ou cedimento simples, e não houve neces- os aviões comerciais não estão equipa-
não embarcar neste avião.” sidade de fazer a biópsia. Louvado seja dos para lidar com tais problemas.
Em vez de falar diretamente comigo, o Senhor! Dois dias depois, fui liberado Por outro lado, se a minha dor tivesse
o Senhor usou uma agente da compa- do hospital e voltei para casa. começado um pouquinho mais tarde,

32 DIÁLOGO 27 • 1 2015
eu teria embarcado no voo das 23h. escolheriam se pudessem ver o fim própria vida. Que maravilha será entre-
Nesse caso, o avião teria que retornar desde o princípio e discernir a glória do ter conversa com o anjo que foi o seu
ao aeroporto de partida ou aterrissar em propósito que estão realizando como protetor desde os primeiros momentos,
outro aeroporto na costa nordeste da Seus colaboradores”. 3 que lhe vigiou os passos e cobriu a
América do Norte. Mas o meu proble- Uma terceira realidade bastante sig- cabeça no dia de perigo, que com ele
ma também poderia ter começado mais nificativa é a de que às vezes precisamos esteve no vale da sombra da morte, que
longe de casa, quem sabe durante o voo desacelerar a rotina da vida e repen- assinalou o seu lugar de repouso, que
sobre o Atlântico, ou enquanto espe- sar nossas prioridades. Ellen White foi o primeiro a saudá-lo na manhã da
rava por minha conexão em Londres, assim escreve: “À medida que aumenta ressurreição, e dele aprender a história
ou até mesmo durante a viagem de a atividade, e os homens são bem- da interposição divina na vida indivi-
trem de Zurique para o destino final. sucedidos em realizar alguma obra para dual, e da cooperação celeste em toda a
Naturalmente, essas são apenas especu- Deus, há o risco de confiar em planos obra em favor da humanidade!” 7
lações humanas. Mas estou convencido e métodos humanos. Vem a tendência Deus não prometeu nos libertar de
de que o meu problema ocorreu exata- de orar menos e ter menos fé. Como todas as tempestades da vida, mas sim,
mente no momento menos arriscado e os discípulos, arriscamo-nos a perder estar conosco no meio delas (Mateus
do modo mais fácil de ser resolvido. de vista nossa dependência de Deus 8:23-27). Jesus mesmo declarou
e buscar fazer de nossa atividade um aos Seus seguidores: “Neste mundo
O que eu aprendi? salvador.” 4 Oswald Chambers também vocês terão aflições; contudo, tenham
As crises são as oportunidades de adverte: “Cuidado com qualquer coisa ânimo!” (João 16:33). “Eu estarei sem-
Deus para nos lembrar de algumas que compete com a sua fidelidade a pre com vocês, até o fim dos tempos”
realidades que nem sempre leva- Jesus Cristo. O maior concorrente da (Mateus 28:20).
mos tão a sério quanto deveríamos. verdadeira devoção a Jesus é o serviço E isso faz toda a diferença!
Durante os 56 anos de minha vida, para Ele. É mais fácil servir do que
nunca havia passado por qualquer derramarmos nossa vida completa-
tipo de cirurgia, e aqueles quatro dias mente a Ele.” 5 Alberto R. Timm, PhD pela Andrews
em que estive no hospital me aju- University, é diretor associado do
daram a ver que nossa vida é muito Leva uma montanha Ellen G. White Estate, Silver Spring,
mais frágil do que podemos imaginar. Pouco tempo depois que cheguei em Maryland, USA.
Isaías 40 compara os seres humanos casa de volta do hospital, um cunhado E-mail: timma@gc.adventist.org.
à relva que permanece verde por um me enviou um link do YouTube com
tempo e então fenece, e às flores a bela canção do Gaither Vocal Band,
que florescem, depois caem, e então “Às vezes é preciso uma montanha.”6 As REFERÊNCIAS
desaparecem (v. 6, 7). Mas o mesmo primeiras quatro linhas do refrão dizem 1. Ellen G. White, O Desejado de Todas
as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora
capítulo acrescenta ainda que “aqueles que “às vezes é preciso uma montanha, Brasileira, 1990), p. 330.
que esperam no Senhor renovam as às vezes um mar agitado, às vezes é 2. Todas as citações das Escrituras são da Nova
suas forças. Voam alto como águias; preciso um deserto para me alcançar.” Versão Internacional.
3. Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver
correm e não ficam exaustos, andam A música toda sugere que Deus às (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
e não se cansam” (v. 31). 2 vezes permite que passemos por cri- 1997), p. 479.
4. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 362.
Outra realidade que passou pela ses relevantes, a fim de nos trazer 5. Oswald Chambers, My Utmost for His Highest,
minha cabeça no hospital é que nós para mais perto dEle. Por outro lado, edição atualizada na linguagem de hoje
podemos controlar algumas coisas, mas podemos ver como faz a diferença em (Grand Rapids, Michigan: Discovery House,
1992), leitura para 18 de Janeiro.
não todas. Há circunstâncias na vida nossa vida quando permanecemos 6. https://youtube.com/watch?v=b-24kkrKp1Y.
que estão muito além do nosso poder sempre comprometidos com Deus e 7. Ellen G. White, Educação (Tatuí, SP: Casa
de controle. Uma voz do Céu disse ao Sua Palavra, independentemente das Publicadora Brasileira, 1996), p. 305.
rei Nabucodonosor que “o Altíssimo circunstâncias!
domina sobre os reinos dos homens” Vivemos dentro do grande conflito
(Daniel 4:32) e, por extensão, também cósmico / histórico entre Deus e Seus
governa a nossa própria vida. Apesar santos anjos, e Satanás e seus anjos
de não entender exatamente por que maus, o que significa que muitos dos
certos problemas aparecem em nosso nossos incidentes na vida ainda não
caminho, não devemos nos esquecer são totalmente compreensíveis. Mas,
de que “Deus não conduz jamais Seus na escola celestial, “todo remido com-
filhos de maneira diferente da que eles preenderá a atuação dos anjos em sua

DIÁLOGO 27 • 1 2015 33
PRIMEIRA PESSOA
O Sábado – Nosso deleite
e nosso dever
Mioty Andriamahefason

“Como é feliz o homem que teme o bem. Minha prova de fidelidade não No dia seguinte, fui à administra-
Senhor e tem grande prazer em Seus veio até o segundo semestre do primei- ção da faculdade para falar com o
mandamentos!” (Salmo 112:1, NVI). ro ano. Um dia, a professora Meriam* diretor. Ele estava com pressa, mas,
Como estudante universitária em anunciou que devíamos ir preparados depois que expliquei o meu problema,
um país estranho e estrangeiro, des- para uma prova no sábado seguinte. No ele me perguntou:
cobri quão fiéis e confiáveis são as final da aula, perguntei a ela se poderia – A qual igreja você pertence?
promessas de Deus, particularmente agendar a prova para outro dia, pois o – À Igreja Adventista do Sétimo Dia,
com relação ao sábado. Em 2007, sábado era o meu dia de culto e não me senhor! – respondi.
quando recebi aquela carta vinda de envolvia em qualquer atividade secular – Tenho ouvido falar sobre os adven-
uma universidade distante de onde eu no sábado. Ela tentou me convencer a tistas em minhas viagens pelo mundo,
morava, oferecendo-me uma bolsa para fazer a prova e argumentou que outros disse ele. – Quero saber um pouco mais
estudar Administração, a emoção e o alunos, tanto cristãos como não cris- sobre essa denominação. Vamos nos
medo percorreram-me o fio da espi- tãos, não tinham nenhum problema encontrar em uma hora.
nha, mesmo quando a li pela segunda, em comparecer às aulas no dia de suas Fiquei animada com a perspectiva
e depois pela terceira vez, sentada na orações, fosse na sexta-feira, sábado ou de conversar com ele, mas, uma hora
sala de minha casa, tão simples, em domingo. Ela então me disse: “Deus depois, ele não estava lá. No entanto,
Madagascar. Foi uma emoção pensar vai entender.” Tentei convencê-la de para minha alegria, descobri que o meu
na nova e maravilhosa entrada em meu ponto de vista, mas ela foi firme: pedido para fazer a prova em outro dia
um mundo cheio de oportunidades; “Olhe, vá à administração, e se eles tinha sido aprovado.
e medo por causa das incertezas e por concordarem, vou permitir que você Durante o restante da semana, não
ter que deixar uma base familiar sólida faça a prova em outro dia.” tive mais contato com minha professo-
para viver em uma cultura desconheci- ra. No final do sábado, meus colegas
da, com pessoas de outro país, longe de Meu apelo silencioso me disseram que ela estava realmente
casa, onde ser cristã e guardar o sábado Naquele exato momento, busquei com raiva de mim. Quando compareci
já seriam um desafio. Mas eu sabia de a Deus, fazendo um apelo silencioso: à aula no dia seguinte, a raiva transpa-
onde viria minha verdadeira força: não “Deus, Tu me trouxeste a este país, e eu recia em seus olhos e faiscava em suas
do meu conhecimento, não das minhas não sei o porquê. Tu me guiaste para o palavras. Sim, ela estava de fato muito
habilidades sociais e intelectuais, não estudo em Administração, e eu não sei irada. Mas, finalmente, ela se acalmou
da minha capacidade de superar e atra- o porquê. Tu permitiste que eu estu- e me deixou fazer a prova em um canto
vessar fronteiras desconhecidas, mas dasse em uma das melhores faculdades da sala enquanto dava aula para os
da minha confiança no Senhor. Como de Administração do país, e eu não sei demais alunos.
adventista do sétimo dia, eu conhecia o o porquê. Mas eu confio em Ti. Eu sei Algumas semanas mais tarde, fiquei
meu Deus e sabia que Ele não me dei- que Tu não vais decepcionar aqueles sabendo que o exame final tinha sido
xaria cair – desde que fosse fiel a Ele. que se deleitam em obedecer aos Teus agendado para o sábado também. A
Cheguei à universidade com grande mandamentos. Ajuda-me a ser fiel na professora Meriam se recusou a fazer
expectativa e, no início, as coisas iam guarda do Teu santo sábado.” qualquer coisa, exceto uma ameaça:

34 DIÁLOGO 27 • 1 2015
“Desta vez eu não posso fazer nada por sempre acessível quando eu precisava
você. Você fará a prova como está pro- de conselhos e encorajamento. Na ver- Mioty Andriamahefason é assessora
gramada ou vai ficar com zero e sofrer dade, ela se tornou a mentora do meu do Waldensian Student Systems
as consequências.” projeto final. Tornamo-nos realmente and Public Campus Ministry para a
Eu não fiz a prova, mas descobri que muito próximas, e ela me guiou em União do Oriente-Médio e África
a nota do meu primeiro teste era sufi- cada passo do caminho até iniciar o do Norte (MENA), no Líbano. É
cientemente elevada e me qualificava meu mestrado em Gestão Financeira, original de Madagascar.
para uma prova de substituição. A pro- em 2012. E-mail: mioty.andria@adventistmena.
fessora Meriam me deu a oportunidade O momento mais feliz do meu rela- org.
da prova de substituição, mas não sem cionamento com a professora Meriam
fazer mais uma ameaça: “Se eu for sua veio quando, um dia, ela me chamou
professora em qualquer um dos pró- de lado e me parabenizou por ser tão
ximos semestres e você não participar forte e comprometida com a minha fé.
das classes aos sábados, enfrentará a “Nós precisamos”, disse ela, “de jovens
expulsão.” que apoiem os princípios em que acre- Biology
Eu sabia que tinha que encará-la ditam.” Continuação da página 24
novamente no próximo semestre do O crédito não é meu, mas de Deus
currículo básico, que geralmente era que nunca decepciona aqueles que
ensinado por ela para garantir a con- colocam a sua confiança nEle. Durante e conclusões), e um banquete porque os
tinuidade do tema. Minha solução era os meus cinco anos na universidade, cientistas creem estar compartilhando o
encontrar outro professor que estivesse enfrentei muitos problemas com o melhor de suas experiências com os alu-
ensinando o mesmo currículo. Mas sábado. Em alguns casos, nem sequer nos e professores que lutam para “chegar
Deus tinha a solução: a professora tive que pedir isenção para fazer as a uma compreensão mais elevada com
Meriam acabou não podendo lecionar provas em outro dia. Meus colegas fazi- relação às muitas maneiras em que a fé
no outro semestre. am isso por mim. Eles diziam: “Nós adventista interage com a biologia.”
temos alguém aqui que não participa À medida que passamos a conviver
Uma nova abertura das atividades escolares no sábado.” Por com essa forma de entendimento, pode-
No semestre seguinte, a professora causa dos “problemas com o sábado”, mos ver a fé e a ciência como parceiras,
Meriam estava de volta. Mas, desta vez, a maioria dos meus colegas sabia que reafirmando a própria fé. O livro é de
ela me tratou de maneira diferente. Na eu era adventista do sétimo dia. Tive fácil leitura, apoiado por autoridades
verdade, no final da primeira aula, ela muitas oportunidades de compartilhar renomadas e com extensa bibliografia,
sussurrou para mim: “Mocinha, não a minha fé. Somente Deus sabe que altamente recomendada. O fato de cada
se preocupe. Eu não estou planejando frutos esses contatos irão produzir! ensaio no livro ser revisado por seis a
nada no sábado.” Deus estava, de fato, Minha palavra de ânimo aos estu- nove estudiosos ativos em suas disciplinas
trabalhando! dantes adventistas de todo o mundo é e por vários revisores anônimos oferece
Depois disso, ela foi minha pro- para que permaneçam fiéis a Deus, que aos leitores um livro que vale a pena pos-
fessora ao longo do curso por vários nos chamou para a “Sua maravilhosa suir. Melhor ainda: que vale a pena ler!
semestres. Às vezes, aplicava provas aos luz” (1 Pedro 2:9, NVI). A luz especial
sábados, mas me permitia fazer as pro- que temos é a verdade do sábado, que
vas de substituição. Certa vez, ela ainda é um sinal entre Deus e nós (Ezequiel Keto E. Mshigeni, PhD pela
me aplicou uma prova oral, dizendo 20:20), como prova de que somos Seus Universidade do Havaí, Manoa, é
que estava ciente de quão bem eu me pela criação e Seus pela redenção. biólogo marinho e vice-presidente
preparava para meus exames. Quando somos fiéis aos Seus man- da Hubert Kairuki Memorial
Tão logo adquiriu confiança em damentos, descobrimos a veracidade University, na Tanzânia.
mim, ela abriu espaço para me aconse- da promessa que Ele nos faz no Salmo E-mail: ketomshigeni@gmail.com.
lhar sobre muitas questões acadêmicas 112:1: “Como é feliz o homem que
e sociais. Quando decidi que a minha teme o Senhor e tem grande prazer em
área principal de estudo seria Finanças Seus mandamentos!”
e Gestão de Contabilidade, ela me Possa a Sua ordem ser o nosso deleite,
aconselhou que nesse campo eu iria o nosso dever.
frequentemente enfrentar problemas
de trabalho no sábado. Por fim, ela * Pseudônimo.
se tornou minha confidente e estava

DIÁLOGO 27 • 1 2015 35
E s p a n h o l • F r a n c ê s • I n g l ê s • I t a l i a n o • P o r t u g u ê s

A lgumas coisas nunca mudam – assim como


a missão e o foco da Diálogo. Mas outras coisas são
transformadas e ampliadas – é o que acontece com os
novos caminhos para você ter acesso à revista. Além da
versão impressa, a Diálogo está disponível on-line,
no seguinte endereço: dialogue.adventist.org.
No site da Diálogo, você terá a oportunidade de ler todos
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Além disso, poderá ler os artigos em qualquer um dos
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esteja disponível a todas as pessoas
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