Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
O Serviço Social
e o Sistema
Sociojuridico
FICHA TÉCNICA
Prefácio
Andreia Cristina Alves Pequeno 8
Programa do Evento 10
Mesa de Abertura 11
Coordenação: Hilda Corrêa de Oliveira
Mesa 1
“Ética e direitos humanos na sociedade e no Serviço Social” 19
Coordenação: Mirian de Souza Silva e Márcia Nogueira
Marcelo Freixo 20
Elisabete Borgianni 25
Debates 33
Mesa 2
“As implicações ético-políticas do processo de construção do estudo social” 44
Coordenação: Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti e Mônica Vicente da Silva
Eunice Fávero 44
Tânia Dahmer 54
Debates 66
Gestão “A gente é tanta gente onde quer que a gente vá” – 2002 a 2005
Sede – Rio de Janeiro Seccional de Campos
Presidente: Hilda Corrêa de Oliveira Coordenador: Leonardo Marques Pessanha
Vice-presidente: Mavi Pacheco Rodrigues Tesoureira: Júnia de Souza Elias
1ª Secretária: Rosely Reis Lorenzato Secretária: Surama Fonseca Monteiro
2º Secretário: Márcio Eduardo Brotto Suplentes: Mauci Isabel dos Santos, Tânia Elizabete
1ª Tesoureira: Marinete Cordeiro Moreira Gonçalves
2ª Tesoureira: Andreia Cristina Alves Pequeno
Suplentes: Renato dos Santos Veloso Seccional de Volta Redonda
Rodrigo Silva Lima Coordenadora: Ariane Rego de Paiva
Fátima Valéria Ferreira de Souza Tesoureira: Angela Amélia Chaves de Sá
Claudete Jesus de Oliveira Secretária: Eliane Coimbra Farhat
Suplentes: Luciana Adriele do Nascimento, Cristiane
Conselho Fiscal Valéria da Silva Barvelo
Presidente: Magali da Silva Almeida
1ª`Vogal: Sandra Regina do Carmo
2ª Vogal: Tânia Dahmer Pereira
FICHA TÉCNICA
Cress/RJ - 7a Região
6
Apresentação à primeira reimpressão*
Este número da Revista “Em Foco” expressa a sintonia do CRESS 7ª Região com a agenda
política aprovada pela categoria no 10º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ocorrido em
outubro de 2001, no Rio de Janeiro. O referido evento não só inaugurou, dentre suas Sessões
Temáticas, o tema “Serviço Social e Sistema Sociojurídico” – o que permitiu reunir análises
teórico-práticas quanto ao trabalho de profissionais que atuam no judiciário e penitenciárias
– como também deliberou uma agenda política que contém seis ações relacionadas ao campo
sociojurídico.
Eleita em 2002, a atual diretoria do CRESS – 7ª Região (Gestão “A gente é tanta gente
onde quer que a gente vá”) incorporou, com seriedade, as diretrizes da agenda política
aprovada. Entendendo a importância de aglutinar os profissionais que atuam no sistema
sociojurídico constituiu, no segundo semestre do mesmo ano, a Comissão Sociojurídica,
num ato de pioneirismo no Conjunto CFESS / CRESS. A Comissão é composta por diretores
do CRESS-RJ e assistentes sociais que atuam no Tribunal de Justiça, no Ministério Público,
no Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE) e na Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária (SEAP), escolhidos por seus pares.
Ao longo de sua trajetória de aproximadamente um ano e meio a Comissão Sociojurídica
vem promovendo algumas ações, dentre elas discussões internas entre seus componentes
e ampliadas com a categoria, com o intuito de aprofundar o debate a respeito das
particularidades que caracterizam a intervenção profissional neste campo. Dessa forma,
buscamos contribuir com o aprimoramento profissional e, sobretudo, com a prestação de
serviços de qualidade, com a defesa intransigente dos direitos humanos e com a ampliação
e consolidação da cidadania, no claro intuito de consolidar o projeto ético-político que a
categoria vem construindo nos últimos vinte anos.
Assim, é com imenso deleite que apresentamos o proveitoso debate travado no primeiro
evento promovido pela Comissão Sociojurídica do CRESS-RJ, ocorrido em maio de 2003, que
versou sobre “O compromisso ético-político na elaboração do estudo social: para além da
dimensão técnica”. Seu conteúdo, temos certeza, muito contribuirá para as reflexões e a
prática profissional daqueles que o acessarem.
Nestes tempos difíceis, a defesa da ética e dos direitos humanos se faz imperiosa e deve
ser um compromisso assumido por todos nós, e a ser expresso, principalmente, no quotidiano
de nossa intervenção profissional.
Cress/RJ - 7a Região
8
Embora no Brasil tenhamos conquistado um aparato legal significativo que garante Este debate
um sistema de proteção social, inclusive avançado em algumas áreas, não temos
ainda a expressão destas conquistas na vida social quotidiana. Assim, concordamos
oferece
com BOBBIO quando afirma que “o problema fundamental em relação aos direitos do subsídios para
homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um que o assistente
problema não filosófico, mas político” (A Era dos Direitos, 1992, p.24).
Assim, a vivência da cidadania e da justiça social ainda está por ser efetivamente
social possa
conquistada, o que exige por parte dos assistentes sociais um compromisso quotidiano ser um sujeito
com o projeto ético-político que a categoria vem consolidando nos últimos 20 anos. facilitador no
Exige, portanto, compromisso com a materialização dos princípios fundamentais do processo de
nosso Código de Ética profissional.
O evento “O Compromisso ético-político na elaboração do estudo social: para além
conquista e
da dimensão técnica”, evidencia a complexidade e a seriedade das questões abordadas, garantia de
ao mesmo tempo em que consegue transmitir o compromisso e a sensibilidade dos direitos
palestrantes com os temas elencados. É propiciado ao leitor um mergulho contagiante
na problematização dos desafios profissionais que temos neste campo, tais como a
questão da ética na sociedade e no Serviço Social, o acesso aos direitos humanos no
Brasil e a elaboração do parecer social como compromisso ético-político do assistente
social.
Assim, Marcelo Freixo (Presidente do Conselho de Comunidade da Comarca do
Rio de Janeiro) e Elisabete Borgianni (assistente social e conselheira do CFESS) nos
convidam a enfrentar as amarras da sociedade brasileira em busca dos direitos de
cidadania. Abordam a vigência de um Estado Mínimo de direitos no Brasil, que se
opõe à universalização dos direitos humanos e legitima a implementação de políticas
sociais excludentes, incentivando a desigualdade social e a criminalidade urbana —
enfrentadas, muitas vezes, pelo viés da repressão. Desafiam, assim, os assistentes
sociais que atuam neste campo à disseminação de uma concepção e conduta ética
pautadas na defesa intransigente dos direitos humanos.
Posteriormente, as assistentes sociais Eunice Fávero e Tânia Dahmer —
respectivamente, profissionais do Tribunal de Justiça de São Paulo e da Secretaria
de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (antigo DESIPE) — nos
convidam à reflexão teórico-prática e ético-política acerca do processo de construção
do parecer social. Pontuam o caráter ético-político deste instrumento de trabalho,
que não pode ser compreendido como uma ação meramente burocrática ou como
expressão de uma falsa neutralidade profissional, à medida em que se constitui, de
fato, em um veículo que pode contribuir efetivamente com a viabilização de direitos
ou reafirmar o arbítrio e a coerção.
Expressando a real e profícua condição de unidade entre teoria e prática, este
debate oferece à categoria subsídios ético-políticos e teórico-metodológicos para que
no quotidiano de seu exercício profissional o assistente social possa, de fato, ser um
sujeito facilitador no processo de conquista e garantia de direitos.
Temos certo que não se encontrará aqui receitas infalíveis e/ou respostas
definitivas para todas as questões e dúvidas que o campo sociojurídico suscita. Mas
o leitor terá contato com ricas reflexões sobre os problemas que os profissionais do
Serviço Social enfrentam nesta área na atualidade e, possivelmente, daqueles que
ainda estão por vir.
Programação
9 de maio/2003
Local: Auditório Central da Petrobrás – Av. Chile, nº 65 – Centro – Rio de Janeiro
11h00 – Debates
15h00 – Debates
Seminário:
O Serviço Social e o
Sistema Sociojurídico
9 de maio de 2003
Hilda Corrêa de Oliveira*
Cress/RJ - 7a Região
12
um homem negro, mendigo, em baixo de disso, lançamos nesta semana a primeira
um viaduto, numa situação de esperar revista do CRESS do Rio de Janeiro. Ela
esmola, ajuda; junto dele, a pergunta: se chama “Em Foco” e neste primeiro
“A caridade e a solidariedade resolvem os número apresenta a temática do Serviço
problemas sociais do Brasil?”. No verso, Social Clínico, reproduzindo um debate
nós dizemos: “Desigualdade social se que aconteceu no ano passado em
enfrenta com direitos e políticas públicas parceria com a área de Pós-Graduação de
de qualidade. E os assistentes sociais Serviço Social da UERJ, com o comando
trabalham nesta perspectiva há mais de da professora Maria Inês Bravo. A ideia é
vinte anos”. E dizemos que é uma profissão que tenhamos duas edições ao ano desta
regulamentada no Brasil. Está muito revista.
bonito o visual do cartão, fizemos uma É bom explicarmos isto, porque este
tiragem de 15 mil exemplares. A partir investimento todo foi realizado com o
de segunda-feira ele já estará disponível dinheiro que a categoria disponibiliza
nestes lugares que citei e no dia 15 a à entidade através das anuidades.
categoria poderá ter acesso a ele. Entendemos que é muito importante
Fizemos também uma cartilha dirigida dizer à sociedade quem somos e quais
aos assistentes sociais com informações são os nossos compromissos.
sobre o exercício profissional, o trabalho Muito obrigada e parabéns a todos nós.
de fiscalização do CRESS, nossos Vou passar a palavra agora para a
procedimento na área da ética. Ela Bete Borgianni, representando o CFESS
também estará disponível no dia 15. Além (Conselho Federal de Serviço Social).
Elisabete Borgianni
Cress/RJ - 7a Região
14
diferente. Sinto-me honrada de ter sido debater os dilemas do dia-a-dia na área Este evento
convidada por vocês, colegas do Rio judiciária, na área penitenciária, numa
de Janeiro que estão preocupadas em Semana do Assistente Social.
tem relação
direta com a
construção
Andreia Cristina Alves Pequeno da Comissão
Eu sou Andreia, faço parte da diretoria tem como representantes assistentes
Sociojurídica
do CRESS-RJ e da Comissão Sociojurídica. sociais do Tribunal de Justiça, do DEGASE, e tem sua
Hoje é um dia muito especial. Estamos do DESIPE e do Ministério Público. Agora origem ligada
muito felizes com a realização deste começamos a identificar que algumas
evento. Ultrapassamos a quantidade de
ao CBAS em que
instituições foram esquecidas no processo
200 inscrições. Inicialmente este evento inicial de composição desta Comissão. se constituiu
estava previsto para acontecer em um E estamos pensando como incorporar os um grupo
outro auditório, que tinha a metade de colegas destes locais. A Comissão vem se denominado
lugares que temos aqui, e não tínhamos a reunindo quinzenalmente no CRESS-RJ.
expectativa de lotá-lo. Aconteceu até de Começamos a pensar como seria
sociojurídico
termos que dizer a algumas colegas que já a interlocução desta Comissão com a
não havia mais inscrições abertas. Então totalidade da categoria. Então decidimos
isto é uma vitória, uma conquista nossa: que, além das reuniões quinzenais, a
identificar tantos profissionais dispostos a cada dois meses realizaríamos reuniões
pensar sobre seu exercício profissional e ampliadas com a categoria. A primeira
sobre as questões que permeiam a nossa reunião aconteceu em março e teve um
prática. número bastante reduzido de assistentes
Este evento tem uma relação sociais (ficamos um pouco tristes com
direta com a construção da Comissão isso, mas houve dificuldades em relação à
Sociojurídica e tem sua origem ligada ao divulgação). Nela, definiu-se que a segunda
último Congresso Brasileiro de Assistentes reunião ampliada deveria ser um Seminário
Sociais (CBAS), onde se constituiu, pela que fizesse parte da comemoração do
primeira vez, um grupo denominado Dia, Mês, Ano do Assistente Social. Daí
sociojurídico. Neste CBAS se construiu uma surgiu o dia de hoje, e a temática que
proposta de agenda política do Serviço será aqui abordada também foi escolhida
Social do Sistema Sociojurídico. A partir nesta primeira reunião (fizemos um breve
desta agenda houve um direcionamento levantamento do que a categoria gostaria
de que todos os CRESS´s, dentro de suas de discutir e a partir dele construímos
possibilidades, se dedicassem à discussão este evento). Esperamos que este dia seja
desta área. Em virtude disso, o CRESS-RJ muito proveitoso e prazeroso.
tomou a iniciativa de construir a Comissão Gostaria de prestar alguns
Sociojurídica, sendo o primeiro CRESS no esclarecimentos. Nós tentamos colocar
Brasil a constituir uma comissão desta aqui uma banca da Cortez Editora e
natureza. Ela foi construída a partir de material do próprio CRESS para venda, mas
reuniões realizadas com assistentes sociais isto não é possível dentro do espaço da
de várias instituições. Nestas reuniões se Petrobrás. O material do CRESS estará em
escolheram os colegas que iriam compor exposição, para conhecimento de todos,
a Comissão. Atualmente ela é constituída mas infelizmente a aquisição só poderá ser
por um número bastante grande de feita na sede.
profissionais. No folder com a programação A pasta que vocês receberam tem o
do evento está listada a composição desta seguinte material: a proposta de agenda
Comissão. Mas está faltando o nome de aprovada no último CBAS; o folder
duas colegas. Uma é a Carmem Lúcia Nunes do evento; um relatório da Comissão
da Silva, que é do Tribunal de Justiça e Sociojurídica, com um breve relato que já
trabalha em Angra dos Reis. A outra é a foi divulgado na primeira reunião ampliada,
colega Ana, que acabou de ingressar na mas que avaliamos ser pertinente estar na
Comissão e é de São Gonçalo. A Comissão pasta deste evento para que um número
Yolanda Guerra
Cress/RJ - 7a Região
16
como objeto. É da maior importância Posto o objetivo, gostaria de dizer A pesquisa busca
que se invista em pesquisas, não apenas que a implementação da pesquisa
sobre as políticas sociais, o Estado, a busca coletar dados de 20% do total de
coletar dados
relação entre Estado e sociedade civil, assistentes sociais de cada unidade e, em três níveis:
mas também sobre como, hoje, nossa portanto, precisamos contar muito com a a respeito das
profissão se coloca. Então, são pesquisas disponibilidade e a disposição das colegas
requisições
que tomam o Serviço Social como objeto. assistentes sociais. É disso que depende
Desde 1994, em minha dissertação de termos um bom resultado na pesquisa. profissionais, do
mestrado na PUC, tenho feito estudos Quanto ao questionário: embora um reconhecimento
e pesquisas a respeito da profissão. Na pouco longo, ele busca reunir questões dos da profissão e da
UFRJ também implementei pesquisa três níveis citados. Ele é absolutamente
sobre os fundamentos do Serviço Social, indispensável. Todas as questões foram
capacitação do
que hoje está vinculada a um grupo de pensadas e discutidas com a Comissão assistente social
estudos. Este Núcleo, ao qual acabei Sociojurídica, e é através dela que
de me referir, aglutina pesquisas de estamos construindo tanto o formulário
graduandos, pós-graduandos, assistentes de pesquisa, quanto construiremos,
sociais e professores da Escola de Serviço também, os indicadores. A análise desta
Social da UFRJ que queiram tomar como pesquisa também será feita em conjunto
objeto o Serviço Social. Este Núcleo tem a com a Comissão. Estamos chamando
participação destes diversos níveis, desde a Comissão de assessores da pesquisa,
estudantes até professores, passando por porque estamos contando com o trabalho
assistentes sociais que tenham interesse árduo da Comissão acompanhando este
de estudar o Serviço Social. É vinculada, questionário. Este trabalho vai se manter
então, a este Núcleo que esta pesquisa no sentido de nos assessorar.
será realizada. Quero ressaltar a importância da
A pesquisa busca coletar dados em participação de vocês. Teremos, hoje,
três níveis. No primeiro nível, dados a algumas bolsistas e assistentes sociais
respeito das requisições profissionais, ou que vamos lhes apresentar. Temos uma
seja, a demanda. Tanto a demanda dos pequena bolsa que estamos repassando a
usuários dos serviços (naquelas unidades estas pessoas no sentido de nos auxiliar
em que existe o usuário direto), as nesta pesquisa. São três assistentes
demandas da Instituição, quanto aquelas sociais e oito bolsistas. Estas onze pessoas
que o assistente social antecipa. Então, serão as entrevistadoras. Vocês irão
ao se pensar em requisições profissionais, recebê-las em local indicado por vocês.
estaremos discutindo-as neste âmbito, O CRESS e a UFRJ também são locais que
daquilo que é demandado para o se encontram à disposição.
assistente social. Em relação a assistentes sociais que
No segundo nível teremos o são do interior gostaríamos de incentivar
reconhecimento da profissão, observar em para que respondessem ainda hoje a
que medida esta profissão é reconhecida, pesquisa. E por quê? No Brasil, e também
por quem e por quê. Este, então, é outro fora dele, uma dificuldade por que passa
nível que a pesquisa procura abarcar. a pesquisa é a ausência de recursos
O terceiro nível seria a capacitação do financeiros. Gostaríamos de agilizar a
assistente social para responder a estas coleta de dados e otimizar os recursos
questões. Como nos vemos, como os solicitando que vocês busquem ser
outros nos veem, em termos das respostas entrevistadas ainda hoje.
que damos. São respostas qualificadas? Finalizando, quero falar sobre os
Em que nível precisaríamos melhorar objetivos da pesquisa. Dentre eles está
esta qualificação? implementar a qualificação do Serviço
O sentido desta pesquisa é exatamente Social nesta área e também torná-lo mais
identificar possibilidades de melhorar, reconhecido, ou seja, dar visibilidade à
cada vez mais, a nossa ação profissional, profissão. Esta é uma questão que nos
ou seja, o que precisamos para nos mobiliza há tempos e é uma das razões
qualificar para as novas demandas. por que se promovem determinados
Andreia Pequeno
Cress/RJ - 7a Região
18
Mesa 1
presas querem
Bom dia a todos. Gostaria, também, não só para a formação dos profissionais,
trabalhar. No de marcar minha imensa alegria em mas também na capacitação constante, na
entanto, o que o participar deste evento. Não só a Comissão troca de experiências e na melhoria das
Estado oferece, Sociojurídica, mas as demais Comissões do condições de trabalho do assistente social.
CRESS têm um papel fundamental, não só de Gostaria de chamar Elisabete Borgianni,
hoje, de aglutinar os profissionais de diversas áreas que é assistente social do Poder Judiciário
oportunidades ou que têm interesse em determinadas de São Paulo, mestre em Serviço Social
ocupa menos discussões como, por exemplo, criança pela PUC – SP, integrante do Conselho
e adolescente, as questões de gênero,
de 2% dos Federal de Serviço Social, conselheira
as próprias questões sociojurídicas, mas, do Conselho Nacional de Direitos da
presos do Rio de também, possibilitar a integração destes Criança e do Adolescente, o CONANDA e
Janeiro profissionais. Foi na Comissão Sociojurídica assessora editorial da Cortez Editora. Ela
que conheci pessoas especiais, hoje, em estará contribuindo com a discussão da
minha prática profissional. A professora nossa mesa, “Ética e Direitos Humanos na
Newvone, que me convidou para ser Sociedade e no Serviço Social”.
professora na UNISUAM, a Mirian, que Gostaria de convidar, também, para
esteve, ontem, participando do evento compor a mesa, o professor Marcelo
em comemoração ao Dia do Assistente Freixo, presidente do Conselho de
Social e contribuiu muito com a discussão Comunidade da Comarca do Rio de Janeiro,
a respeito do atendimento à família, membro integrante da Organização Não-
seus avanços e limites. Ressalto, então, Governamental Justiça Global e assessor
a importância de não só conhecermos do deputado federal Chico Alencar (PT).
melhor a área sociojurídica, mas também Cada um terá de 20 a 30 minutos para
a de reconhecermos o Conselho Regional sua fala.
de Serviço Social como espaço importante,
Marcelo Freixo*
Cress/RJ - 7a Região
20
trabalhar. No entanto, o que o Estado segmentos da sociedade. Eu costumo
oferece, hoje, de oportunidades ocupa dizer que esta frase é típica de humanos
menos de 2% dos presos do Rio de Janeiro. de direita.
Elas, por conta própria, inauguram um A luta por direitos humanos hoje se
Centro de Trabalho Artesanal e nenhuma dá em um novo paradigma, uma nova
autoridade do Estado comparece, apesar referência ética e moral da sociedade. É
de convidada com mais de uma semana uma nova referência na própria concepção
de antecedência. Isto é um retrato muito de luta de classes que temos hoje na
grande do que é nosso sistema, hoje, e do sociedade. Aprendemos, e durante muitos
que se pode esperar dele. anos na universidade convivemos, com uma
Aí, fomos ao Esmeraldino Bandeira, leitura de luta de classes que hoje precisa
onde já não era uma atividade tão festiva ser repensada. Hoje a luta de classes não
assim. Eu havia sido procurado por se dá na esfera, unicamente, do capital
familiares e pelos próprios presos (que e do trabalho. Hoje há um desafio que
têm seus mecanismos de comunicação, se coloca, e que é muito recente, que é
todo mundo sabe disso) para visitar a luta contra a exclusão. A luta contra a
a cela de castigo. Quando entrei na exclusão não se dá apenas em referência
Unidade, uma Unidade deplorável e ao mercado de trabalho. É claro que este
lamentável, a primeira frase que ouvi é um problema central. Mas a luta contra
do agente penitenciário ali presente a exclusão, que caracteriza os tipos de
(era um agente novo, que entrou nesta exclusão que temos hoje, é muito mais
turma de janeiro, que teve quinze dias ampla. Hoje a exclusão é econômica,
de curso para aprender a ser agente cultural, geográfica e social. É preciso
penitenciário – ótima capacitação, ter muito cuidado para não reduzi-la,
imaginamos, não?), a primeira frase por exemplo, à ideia de pobreza. A
dele foi a seguinte: “Por que vocês não pobreza é um desafio a ser combatido,
vão visitar aquela menina que levou um mas a exclusão é muito maior. Ela não
tiro na Universidade Estácio de Sá?”. Eu se detém à pobreza. A pobreza é um dos
já esperava ouvir este questionamento, aspectos que hoje marcam a exclusão.
mas não tão rapidamente. Foi a primeira É muito comum cometermos o erro de
fala, antes do boa tarde. Obviamente associarmos a violência (que é algo que
não respondemos com a mesma grosseria combatemos quotidianamente) à ideia de
da pergunta. Seria necessário oferecer pobreza. Não é a pobreza que determina
um curso, para ele, de direitos, mas, a violência e, sim, a exclusão.
também, de ética. Mas isto é muito Há, hoje, países mais pobres do que o
preocupante porque, na verdade, ele não Brasil. Mas nenhum país é tão excludente,
retratava apenas os valores e a ética que tão desigual quanto o Brasil. E aí mora o
perpassa boa parte daqueles profissionais grande desafio de todos nós, militantes
que estão ali: de alguma maneira ele e profissionais dos direitos humanos. Aí
retrata o que a própria sociedade está recai nossa conduta e a nova preocupação
reproduzindo em grande escala. E este com nossa postura ética, ou seja, com os
é o nosso maior desafio. Um desafio, princípios através dos quais vamos conduzir
antes de qualquer coisa, pedagógico. Um a luta pelos direitos humanos. Em minha
desafio da construção de uma visão de avaliação, além deste novo paradigma,
direitos humanos, de uma conduta ética, desta nova face de uma luta de classes
cada vez mais difícil. Ainda lá dentro mais atual, de combate à exclusão, o
ouvi uma outra frase, muito conhecida, caminho da garantia de uma cultura de
pichada nos muros dos presídios pelos direitos é, hoje, o único caminho possível
profissionais que lá trabalham: “direitos e viável de combate à violência. Nenhum
humanos para humanos direitos”. Essa outro caminho será eficaz.
é uma frase muito forte, que escutamos É muito interessante ver que a noção de
muito quando visitamos penitenciárias. direitos humanos vem da institucionalidade
É uma forma de legitimar a cultura, do século XVIII, mas a luta pelos direitos
ideologicamente presente em outros humanos sempre foi revolucionária.
Cress/RJ - 7a Região
22
aqueles que sobraram. Se você pega um ameaçadora para nós? Quando a violência É só o pobre que
censo penitenciário verá que mais de 90% se tornou o problema número um do Rio
da população prisioneira hoje é composta de Janeiro? Agora? Parece que sim, temos
comete crime?
de gente absolutamente pobre. E não é esta sensação no ar. Mas não é verdade! Ou só o crime
uma coincidência! O historiador Eduardo Silva, no livro “As cometido pelo
Vocês me perdoem se estou me queixas do povo”, faz uma interessante
pobre é que
atendo ao sistema penitenciário, é que pesquisa. Ele faz um levantamento de
é minha área de trabalho. Sei que muita cem anos no Jornal do Brasil, em uma gera privação de
gente aqui trabalha em outras áreas, mas coluna chamada “As queixas do povo”. liberdade? Como
penso que isto não é muito divergente. A população mais simples ia lá reclamar conduzimos
O sistema penitenciário é um espelho das de todas as coisas, desde um buraco na
contradições existentes na sociedade que rua, um assalto, o preço das coisas. Era
nossa ética,
o produz. absolutamente democrático. É, portanto, princípios
É só o pobre que comete crime? Ou só um levantamento das principais queixas e profissão
o crime cometido pelo pobre é que gera do século do Rio de Janeiro. Adivinhem
dentro de um
privação de liberdade? É aí que se coloca qual é a maior queixa de todo o século,
o desafio: como conduzimos nossa ética, e sempre em primeiro lugar? A violência! sistema que
nossos princípios, nossa profissão dentro Sempre foi! Não é uma novidade! A tem o propósito
de um sistema que tem o propósito da novidade é que a violência, hoje, atinge da eliminação
eliminação de parte da sociedade? A setores que nunca foram atingidos. É isso
ideia da ressocialização é lamentável, o que há de novo!
de parte da
até por que ela parte do princípio de Nos assustamos profundamente (e sociedade?
que a sociedade é equilibrada, de ainda bem que nos assustamos, porque
que a sociedade é perfeita. Então as na hora em que começarmos a banalizar
pessoas erram individualmente e vão este quadro tudo ficará ainda mais grave)
para o sistema penitenciário para serem quando esta menina ganha um tiro no
consertadas, o que é absolutamente rosto no pátio de uma universidade.
distante da realidade. A individualização É óbvio que isto é uma tragédia, isto é
da culpa, do erro. indiscutível. Ou quando uma menina vai
Há na década de 90, por exemplo, andar sozinha de metrô pela primeira vez
uma questão econômica. A economia e morre diante de um assalto.
brasileira deixa de ser produtiva. O lucro Já coordenei a Comissão de Direitos
do capitalismo deixa de vir da produção. Humanos da ALERJ (Assembleia Legislativa
O lucro do capitalismo se consolida do Estado do Rio de Janeiro) e recebia,
através da especulação. E com esta semanalmente, mais de dez famílias que
incapacidade produtiva em que o Brasil vinham dizer o seguinte: “Olha, a polícia
está mergulhado o desemprego se torna entrou na favela e matou meu filho; saiu
estrutural e a exclusão social atinge em todos os jornais que ele era bandido.
números alarmantes. O mais grave: Eu trouxe aqui para o senhor a carteira
há uma impossibilidade de mobilidade de estudante dele, a sua carteira de
social de dentro do sistema. Não é à toa: trabalho, um relatório da igreja que ele
quantos e quantos de nossos filhos têm o frequentava”. Isto é frequente, são vários
sonho de ser jogador de futebol? Quantos e vários casos. Aí, olho e pergunto: “o
de nosso público de trabalho sonham em que podemos fazer juntos?”. “Não, não...
fazer sucesso com um grupo de pagode Não vão trazer meu filho de volta... Eu
(e, se for mulher, rebolando na frente só queria provar que meu filho não era
de um grupo de pagode)? São formas de bandido!”, respondem. “Só queria provar
ascensão social? Há uma impossibilidade que meu filho não era bandido, ele já
clara de qualquer mobilidade social. Isto está morto! Eu só não quero que, além de
precisa ser controlado por instituições morto, eu tenha que ficar dizendo para
cada vez mais rígidas. Neste contexto, todo mundo que ele não era bandido!”.
conjuntura e estrutura política e A polícia do Rio de Janeiro é uma das
econômica, a violência chega e bate que mais mata no mundo, e uma das que
na porta da ordem. Quando a favela foi mais morre (fora do serviço). E a violência
Cress/RJ - 7a Região
24
generalização disto por este conceito é uma coisa que pode deter este enorme
muito perigosa. rinoceronte: é uma nuvem de mosquitos.
Por fim, quero lembrar Eduardo Só uma nuvem de mosquitos, uma imensa
Galeano, que é uma pessoa de quem nuvem de mosquitos, é que pode deter
gosto muito. No Fórum Social Mundial este rinoceronte, porque ele não vai saber
ele disse uma coisa que considero muito para onde ir e vai ser tão incomodado
interessante. Ele dizia que o modelo que um dia ele vai tombar. Eu proponho
neoliberal, hoje, o modelo capitalista, que no dia 15 de maio, Dia do Assistente
é como um grande rinoceronte. O Social, o desafio dos assistentes sociais
rinoceronte é um animal muito forte, seja se multiplicar em muitos mosquitos.
não? Então ele é um enorme rinoceronte, É o que desejo a todos vocês.
muito forte, difícil de ser detido. Mas há Obrigado.
A fala do professor Marcelo Freixo e outros: até que ponto nossa intervenção
já provoca em nós uma reflexão profissional contribui para a permanência
extremamente importante, quando desta violência da ordem estabelecida?
coloca que a violência é da própria Este será um tema sobre o qual Bete
ordem estabelecida, e as instituições Borgianni poderá contribuir em sua fala
como instrumentos de veiculação desta e, também, Eunice, na parte da tarde.
violência. Nós, do Tribunal de Justiça, do Passo a palavra, então, para Bete
DESIPE, do DEGASE, do Ministério Público Borgianni.
Elisabete Borgianni*
Cress/RJ - 7a Região
26
era o nome deste olho de capa daquela vivendo como da ideia de ética, foi
revista especial que ia atender aos isso que me foi pedido. Primeiro quero
profissionais desta área, que falava dizer que percebemos que os assistentes
de adoção, de guarda, de família sociais estão sedentos desta troca,
acolhedora e de tudo o que trabalhamos deste aprofundamento, deste debate.
no Judiciário e no Penitenciário. E que Principalmente nesta conjuntura que
nome colocar no olho de capa? Pensou- estamos vivendo no país, onde existe
se em tudo, até que surgiu “Temas uma enorme expectativa em torno da
Sociojurídicos”. Olha que interessante: possibilidade de avançar na construção
temas sociojurídicos. Houve a ideia de de novas bases para o Estado brasileiro.
usar Judiciário e Penitenciário. Mas não A eleição de Lula representa, realmente,
dá conta, porque é mais que isso. É toda uma esperança no ar de uma mudança
esta nossa intervenção com o universo significativa. Ao mesmo tempo, um
jurídico, dos direitos, direitos humanos, cenário internacional onde se vê o
direitos reclamáveis, acesso a direitos via domínio do Sr. Bush e de seus assessores
Judiciário e Penitenciário. Enfim, saiu a sanguinários, que pensam e se utilizam
revista “Temas Sociojurídicos”, que foi a de uma hegemonia construída ao longo
de nº 67, editada em setembro de 2001. dos anos para o mal, e não para o bem.
O Congresso Brasileiro de Assistentes Hegemonia sempre vai existir, mas você
Sociais, o 10º Congresso, aqui no Rio, pode usá-la para várias coisas. Eles
estava às portas de acontecer. O usam a hegemonia para tentar ampliar
pessoal que nos conhece, que era da a dominação dos Estados Unidos sobre
organização, fez um contato dizendo: o resto do mundo. Percebe-se, então,
“Bete, nós estamos querendo montar um uma contradição entre a situação
Painel que aglutine os profissionais desta internacional e esta esperança hoje
área. Sabemos que é muito importante existente na conjuntura nacional.
ter contato com o que vocês estão No Brasil, sinto que vamos ter a
fazendo no Judiciário, no Penitenciário. luta de classes passando por dentro da
Que nome podemos sugerir ao Painel?”. administração da coisa pública. O próprio
“Ah, põe Painel Sociojurídico”, eu disse. governo Lula será, a meu ver, a expressão
“Aproveitamos, inclusive, a oportunidade deste tensionamento da sociedade entre
e lançamos a revista Temas Sociojurídicos os vários projetos societários que estão em
no Congresso!”. É que esta revista, na disputa e que vão aparecer o tempo todo.
verdade, não é uma mercadoria, não é É um grupo, o que está no poder hoje,
para ganhar dinheiro. Ela é a expressão que sempre se dispôs à transparência, a
de um projeto profissional. Vocês promover o debate. Então, mais do que
sabem disso, é muito mais esta a ideia nunca, temos esperança de que isso deva
que prevalece. Dali a coisa começou a ocorrer.
ganhar corpo e vocês têm, hoje, uma Mas, de fato, o que se costuma dizer é
Comissão dentro do CRESS do Rio de que o capitalismo está em crise. Mas como
Janeiro com este nome, Sociojurídica, bem diz o professor José Paulo Netto, não
mas com este entendimento de que, há que se dizer que o capitalismo está
além daquele nosso fazer quotidiano, em crise, porque o capitalismo é crise.
é necessário entender este fazer neste Aqueles que não gostam de crise não
universo do acesso a direitos, ligando o deveriam gostar de capitalismo, porque a
que se faz no Judiciário, no Penitenciário crise é constitutiva do capitalismo. Mas o
e nas Promotorias com esta luta mais que estamos assistindo neste momento são
ampla. Então esta é a história do termo novas e várias formas de engendramento
Sociojurídico. Ele surgiu lá na Revista desse modo de organização da produção
Serviço Social e Sociedade tendo que das relações sociais. É uma crise
definir que nome colocaríamos na capa diferente, na qual não se vislumbra que
de uma revista para esta área. o próprio capitalismo possa ter uma
Bem, me preparei para falar com expansão produtiva. Grave, também,
vocês tanto do momento que estamos é o fato (e quem está na universidade
Cress/RJ - 7a Região
28
Podemos dizer, então, que a moral é o se respeitar a diferença e acabar com a A ética está
conjunto de regras e valores que orientam desigualdade. É sutil, isto.
a vida da sociedade, que orientam estes Quero recuperar um pouco, também,
baseada
costumes da sociedade. E podemos dizer, as reflexões de Marx e de Lukács sobre em alguns
também, que o comportamento moral é a ética. Ou melhor, sobre o ser social princípios.
o comportamento responsável, e que o e como a ética emana disso. E o que
Ela fundamenta
costume tem o sentido de facilitar a vida Marx e Lukács dizem? Que o ser social,
das pessoas. Não é costumeiro você sair diferente dos seres da natureza (da a dignidade
agarrando o primeiro cara que te atrai. pedra, do macaco, do castor, da abelha) e o respeito
Isto não é uma atitude moral. A moral é um ser que se objetiva quando ele cria a outro ser
construída socialmente diz: “olha, você seu mundo. Objetiva-se nas coisas e cria
se segura, conversa”. Não é assim? Este seu mundo. E vai se recriando a partir
humano. Neste
comportamento do costume também desta objetivação. Ou seja, diferente sentido posso
facilita a vida das pessoas. Assim, de outros seres da natureza, ele possui a entender a
também, muitas vezes se diz para um capacidade não só de repetir aquilo que
ideia de justiça
filho adolescente: “faça tal coisa, que é existe, perpetuando-se de uma forma,
para o seu bem”. Ele normalmente não digamos, muda, na história. É um ser como igualdade
acha que é para seu bem, normalmente que tem a capacidade de projetar, de na diferença.
ele odeia isto. Mas o que estamos preconceber na ideia aquilo que quer O contrário da
querendo dizer? “Com isto, você será ver realizado e que, ao fazer e realizar
bem recebido, será aceito”, é isso que aquilo que projetou, transforma o mundo
“igualdade”
é “para o seu bem”, não é? “Se não, o e a si mesmo através destas modificações não é
que os outros vão dizer?”. Mas existe a que ele mesmo promoveu. Assim, o “diferença”, mas
possibilidade de nós, que pertencemos ser social, em cada um dos seus atos
desigualdade
a este conjunto que chamamos de ser criadores, produz uma história que está
social, não nos contentarmos com os sempre em aberto, sempre poderá ser
valores que nos são incutidos, de termos modificada para melhor ou para pior. E
uma atitude crítica frente a esses nisso ele é um pequeno deus: ele cria
valores. E a ética é justamente a reflexão coisas que não existiam antes. Pensem
crítica sobre a moral. Assim, a moral diz: na ideia de direito: vocês querem uma
“Faça isso!”. E a ética pergunta: “Por abstração maior do que a ideia de direito?
que fazer?”. E esta indagação do “por que Direito nunca existiu na natureza. Direito
fazer?” parte sempre daquele patamar é uma criação do ser social ao longo da
do que é bom não só para mim, mas sua história. Esta abstração que posso
para todos, para o ser humano genérico. carregar comigo daqui até Jundiaí, que
É como se a moral fosse algo mais é minha cidade, ou daqui a Paris, ou
próximo do indivíduo em si. E a ética daqui a Bangladesh e ela é a mesma, é
questionasse aquilo que é importante uma abstração que o ser social construiu.
para mim, mas que é importante para os Vejam, temos uma “tendência Polliana”
outros, também. Ou seja, tenho que me de achar que a história sempre tende
submeter à crítica social. Assim, a ética para o melhor; mas se formos pensar bem
está baseada em alguns princípios, em veremos que não há nenhuma conquista
alguns pontos dos quais todos partem. humana que não possa ser cancelada
É ela que fundamenta, que garante a pelos próprios homens. Pensem na
dignidade e o respeito real a um outro democracia: é um bem, uma conquista
ser humano. É neste sentido que também que precisa ser cuidada a cada dia,
posso entender, por exemplo, a ideia de porque, senão, pode-se perdê-lo. Neste
justiça como igualdade na diferença. O sentido, o ser social faz sua história
contrário da “igualdade”, vejam, não tendo que escolher entre alternativas
é “diferença”, mas desigualdade. A que lhe foram postas historicamente pelo
diferença tem que existir sempre, o que passado. Quando chego ao mundo elas já
deve desaparecer é a desigualdade. Por me estão postas, ou pelo passado, ou pelo
que o ser social é um ser muito rico, meu presente. É dentro deste presente,
não há que buscar a igualdade, há que e carregando meu passado, que escolho
Cress/RJ - 7a Região
30
fácil no nosso quotidiano, até por que ele contar para vocês). Muitos colegas não
é o campo do imediato, do superficial, se mobilizam, não querem participar,
do pragmático, do fragmentado, das não querem sequer receber o jornalzinho
pressões do tempo e de meu superior da associação que está lutando por
hierárquico. Mas é neste quotidiano, sob eles. Percebe-se que para o sistema,
estas pressões, que tenho que escolher para o Judiciário (e acredito que no
minhas alternativas, não há outro. Como Penitenciário seja assim, também),
diz Marilda Iamamoto, às vezes fazemos acaba acontecendo que o que importa
falas muito parecidas com “Alice no País é fazer o controle rígido da frequência.
das Maravilhas”: “Ah, se eu tivesse um “Profissional bom” é aquele que está lá
carro para fazer visitas!”; “Ah, se meu juiz assinando o livro de ponto, é isso que é
fosse melhor!”; “Ah, se o promotor não esperado de nós. E não se percebe, e nós
fosse omisso!”... As nossas contradições não conseguimos mostrar, muitas vezes,
são justamente estas! Tenho que dar que nosso trabalho é desenvolvido muito
conta de escolher alternativas que deem mais fora da sala, fazendo uma visita
acesso a direitos não tendo carro, com muito bem feita à família, acompanhando
o juiz tendo quinhentos processos sobre a criança que está em situação de risco
sua mesa e não os lendo. É nesse mundo, para poder trazer subsídios para o juiz
não em outro. Todos sabemos que nossas poder tomar uma atitude, perante o caso,
salas são inadequadas e insalubres. que construa direitos. Então não tenho
Sabemos que nossos materiais de que ficar assinando ponto, marcando que
trabalho são insuficientes. Na greve que estou ali, tenho é que estar na luta. Mas o
fizemos do Judiciário paulista (foram 80 que nos é cobrado é diferente. Muitas das
dias de greve) os funcionários tiravam os nossas chefias, das nossas coordenadoras
computadores de dentro das salas (não de equipe, às vezes, não percebem isso,
sei se vocês viram na televisão) e diziam: uma vez que elas têm que dar respostas
“Este computador é meu!”. Só isso já ao diretor. Vocês sabem do que estou
fazia parar o Judiciário, se você levasse falando, não é? Costumo dizer que não
seu computador de volta não haveria adianta ficar alienado em relação ao
como não parar. Não há papel higiênico, que está se passando aí fora. Brinco
você leva o café, o açúcar, a bolachinha, que não adianta só pegar a sacolinha, ir
a água. Às vezes o promotor não é tão para o Fórum de manhã com processos
combativo como a gostaríamos; o juiz só que tivemos que ler à noite (roubando
lê o final do nosso laudo, não o lê inteiro, horas da nossa família, do nosso lazer,
não tem tempo de ler e ainda pede: “ah, do nosso descanso), com um pacote de
eu gostaria muito que a senhora fizesse bolachas, a conta que vamos pagar na
um laudo de apenas uma página”, quase hora do almoço e o guarda-chuva. Temos
dizendo o que é que deve se escrever, que ter conosco um Estatuto da Criança
não é? Mas, pior que isso, é que nós e do Adolescente, a Lei Orgânica da
mesmas nos deixamos engolir por este Assistência Social, temos que conhecer
quotidiano alienado e caímos no reforço o Benefício de Prestação Continuada,
desta alienação. Deixamos de participar temos que ter uma Coletânea de Leis que
das lutas mais coletivas. Não ousamos o CRESS-RJ fez tão bem (aquela Coletânea
sair de nossas salas para construir com faz sucesso no Brasil inteiro). Às vezes o
outros sujeitos um Conselho de Direitos, próprio juiz nos pede, pergunta se temos
um Conselho Tutelar, um Conselho da à mão a LOAS, por exemplo. Este é o
Assistência Social no município. Com raras momento de mostrarmos o que fazemos
exceções, não projetamos nada além e nos capacitarmos para fazer melhor. Se
daquilo que nos é demandado, ou até não for assim, vamos perder espaço. E não
imposto enquanto prática profissional. No é espaço corporativo: a história vai nos
caso do Judiciário, por exemplo, em São atropelar. Hoje as demandas que estão
Paulo temos a Associação de Assistentes colocadas para profissionais como nós,
Sociais e Psicólogos do Tribunal, que tem que ajudam o juiz a formar sua opinião,
uma atuação combativa (a Eunice pode sua sentença, na decisão da vida de um
Cress/RJ - 7a Região
32
Debates
Márcia Nogueira
Público
Yolanda Guerra: Sempre falamos no Então, à medida em que opto por este ou
conservadorismo. O Serviço Social tem aquele caminho no meu fazer profissional,
tratado deste tema nos seus textos, no estou acelerando ou retendo um processo.
seu dia-a-dia. Queria pensar um pouco o Muitas vezes sem nenhuma consciência,
que significa isto em nosso quotidiano. E sem que isto seja premeditado. Então, este
por quê? Por que conservadorismo é algo conservadorismo que tanto negamos no
que extrapola, primeiro, o universo dos nosso Código de Ética realmente está posto
assistentes sociais. O conservadorismo é na realidade, faz parte de um movimento
um movimento da própria ordem burguesa do real mas, ao mesmo tempo, tem a ver
no sentido de refrear a transformação. com as escolhas dos assistentes sociais.
Neste sentido, pergunto aos colegas: como Eu queria que vocês problematizassem
é que este conservadorismo se manifesta, esta questão, sobretudo Bete, que tem
às vezes, nas próprias opções profissionais? uma larga reflexão a respeito disso, e
Elisabete Borgianni
Cress/RJ - 7a Região
34
toca o dia-a-dia (e é possível, o sistema está falando com o usuário) nosso colega
permite isso, você pode passar vinte anos dizendo assim: “Mas o senhor bebeu
fazendo a mesma coisa, preenchendo os muito! O senhor não podia ter vindo aqui
mesmos relatórios e registros de ponto e tão bêbado! Eu já falei para o senhor que
nada vai acontecer, sua ficha funcional o juiz não vai aceitar isto!”. Isto faz parte
não vai ser lesada por isso). E há o outro do nosso quotidiano? Faz. A população
colega se matando, buscando alternativas está se alcoolizando? Está. Mas como é
fora daqueles muros, buscando articular que você lida com isto? Qual sua postura
com Conselhos de Direitos, buscando profissional? Como entender o alcoolismo
avançar na discussão mais ampla. Ele deste sujeito e trabalhar isto por dentro?
assina o mesmo livro de ponto e vai estar Ali era um julgamento moral. Apenas
sob as mesmas regras, e sendo julgado moral.
pelo registro do ponto. Quando chamo de Por exemplo (e esta é uma discussão
omissão é isso, o colega saber que precisa quente), na questão dos pretendentes à
trabalhar para transformar as relações adoção. O grupo de técnicos começa a
vigentes, mas diz: “Não, nada vai mudar, discutir os critérios que elegem ou não o
mesmo”. Para mim, o conservadorismo no pretendente. E se for um casal homossexual?
quotidiano de trabalho passa muito pela Aí a coisa pega, não é? Por isso eu digo:
omissão. Às vezes passa, também, por quando fazemos um julgamento moral,
um julgamento moral das expressões da e não uma análise técnica, profissional
questão social. Quantas vezes ouve-se no e política da situação, chegamos a bons
quotidiano de trabalho (as salas, às vezes, exemplos do que se passa no quotidiano
são vazadas e escuta-se o que um colega com relação ao conservadorismo.
Marcelo Freixo
Bem, tenho várias perguntas, todas bandidos, temos que detê-los e controlá-
difíceis de responder rapidamente. los”. É o controle dos guetos. E precisa
Há uma sem o nome de quem a haver um combate extremamente sério
elaborou. Ela diz: como estabelecer uma da corrupção. Enquanto não houver
política de segurança pública que leve em uma política de combate à corrupção
conta a questão dos direitos humanos? instrumentalizada, não vamos a lugar
A primeira medida é mexer com a nenhum. As prisões do Rio de Janeiro
ideia de segurança pública. Há que se não são seguras, mas não é por que
ter uma política pública de segurança, está faltando arame ou tijolo. Elas são
não uma política de segurança pública. corruptas. Poços de corrupção. E onde há
É fundamental que toda a sociedade corrupção, não há segurança.
tenha uma perspectiva de segurança, Respondendo à pergunta da Márcia,
não apenas alguns setores. Isto é ponto sobre penas alternativas. Na verdade
de partida. Se não se muda isto, vai se este é um caminho fundamental para
ficar batendo cabeça e tentando imaginar que se possa rediscutir o Sistema
quantos carros e quantas armas será Penitenciário, e o Judiciário só não as
necessário comprar para alguém ficar aplica por uma postura covarde e por que
mais ou menos seguro. E você nunca vai é profundamente conservador. Ele está
achar o resultado disso, porque se parte do assolado por uma ideia de impunidade.
princípio equivocado. É fundamental que No fundo, no fundo, o Judiciário opta por
se trabalhe na formação dos profissionais. uma pena como sinônimo de castigo. Isto
Há duas providências que são essenciais não pune adequadamente o criminoso. Há
no Rio de Janeiro, urgentes. É preciso também um problema de capacitação dos
capacitar os profissionais de segurança juízes. Tive uma experiência na semana
de uma forma decente, séria. Capacitar passada, em uma reunião no Centro
dentro dos princípios, obviamente, dos de Estudos de Segurança e Cidadania
direitos humanos, não daqueles que da Cândido Mendes, com um grupo de
olham para a favela e dizem: “ali só há especialistas em penas alternativas e
Elisabete Borgianni
Isto que o Marcelo está colocando O município não cria um programa para
serve, também, para a questão das fazer isso, não contrata assistentes
medidas socioeducativas, em meio aberto, sociais, não contrata psicólogos. E é
dos adolescentes (liberdade assistida, óbvio que a internação deve ser a última
prestação de serviços à comunidade). Os medida que se dê para um adolescente!
juízes determinam, às vezes, a medida Todos os estudos já mostraram. Continua-
de internação, porque eles sabem que o se não implementando por que, às vezes,
município não tem como fazer cumprir as o próprio Executivo não cria condições
medidas socioeducativas em meio aberto. para isto.
Público
Charles Toniolo de Sousa: Boa tarde. Meu demais medidas. Apesar do Estatuto prever
nome é Charles, sou assistente social do sete medidas, há apenas duas, ou uma,
Ministério Público do Estado do Rio de sendo aplicada, que é a de internação, na
Janeiro. Complementando um pouco esta lógica da segregação.
fala final da Bete, nós que estamos no Mas queria abordar o debate da
quotidiano, trabalhando diretamente com violência, que o Marcelo trouxe. É um
as pessoas, já percebemos: os promotores fenômeno com o qual estamos lidando o
acabam tendo que pedir a medida de tempo todo. E estamos vendo e vivendo
liberdade assistida ou de internação, o momento atual do Rio de Janeiro. Uma
justamente por que não há política para as coisa que percebemos, e uma sensação
Cress/RJ - 7a Região
36
que temos, é de que estamos andando e cartilha (infelizmente não anotei o nome), Me pergunto
há bilhões de pessoas andando para cima que foi confeccionada por um centro
de você e você não consegue sair do lugar. de estudos e atendimento à população
até onde o
Dá uma sensação desesperadora, porque marginalizada, algo assim. Vocês devem assistente social
parece algo que não tem fim, que você não conhecer, é o CEAP. É uma cartilha com do Judiciário
consegue chegar a lugar nenhum. Por que uma linguagem voltada para a criança
pode ir se
na verdade (e isto tem a ver com a origem e o adolescente, muita básica, que fala
da violência que provoca esta violência sobre o que é uma Ouvidoria de Polícia, apropriando e
social) você começa a estigmatizar como identificar o policial que vai à sua implementando
aquele que mora na favela. Aquele que comunidade, que vai à sua casa, o que é ações que
mora na favela, quando entra no ônibus, uma Corregedoria de Polícia e como entrar
todo mundo comenta; aquele que mora em contato com ela, como entrar em
ultrapassem
na favela, quando está andando na rua, contato com o Ministério Público, o que é a elaboração
todo mundo sabe, quando está puxando a inviolabilidade do lar... Enfim, uma série escrita do seu
o carrinho do supermercado... São todos de informações com linguagem voltada
parecer. Seria o
estereótipos que convivem contigo, mas para o público infantil e infanto-juvenil,
que não deveriam. Na verdade, aquilo me para adolescentes e crianças. É muito assistente social
aparece como uma reação a isso. Se você interessante o material, não sei se a ALERJ apenas um
tem um poder social de estigmatizar esta o tem, nem se na Comissão de Direitos parecerista?
população, para responder à sociedade que Humanos há algum trabalho voltado para
a estigmatiza ela pega em armas, enfrenta. este público. Penso que é um trabalho
E aí a sociedade reage com mais violência, que deve ser feito e relacionado com a
e aquela população reage novamente, Secretaria de Educação Municipal e com os
num ciclo que não tem fim. Cada vez mais Conselhos de Criança e Adolescente. Não
violência, seguida de mais violência. É é uma iniciativa muito cara e pode ser um
daí que vem a sensação de que estamos trabalho feito diretamente com as escolas,
andando e há bilhões de pessoas vindo em com as crianças. Essas crianças levam esta
nossa direção e nos atropelando. cartilha para casa, mostram para os avós,
É muito interessante este debate dos para os irmãos, isto é um início. Temos
direitos humanos, esta perspectiva de que começar por estas possibilidades de
análise, para apontar algumas alternativas. ação em relação aos direitos humanos
Que caminhos podemos seguir? específicos de nossa clientela, as crianças,
Outro aspecto é que parece que quanto os idosos, enfim, todos. Quero parabenizar
mais o crime se organiza, mais a sociedade a iniciativa, muito legal, do CEAP.
se desorganiza. Precisamos discutir a
sociedade dos bárbaros e a sociedade dos Andreia Cristina Alves Pequeno: Do
civilizados: quanto mais uma se organiza, debate espero elementos bastante
mais a outra se desorganiza. E vivemos importantes para pensarmos nosso fazer
numa histeria coletiva. As pessoas não profissional, numa perspectiva ética e
podem fechar o olho na rua, no trânsito, de defesa dos direitos humanos. Todos
que já há um tirando arma, querendo hoje vamos embora com muitos aspectos
matar; aparece um tubarão na praia e para pensar. Mas queria pedir a Bete que
é linchado; uma histeria total, que não abordasse uma outra questão, para nos
sabemos onde vai parar. Então, esta ajudar a pensá-la. Sou assistente social,
perspectiva de debate pode nos trazer uma do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
nova luz, apontando caminhos a seguir. Dentro desta categoria existe um debate
instalado que é pensar o assistente
Patrícia Aline de Abreu Pereira: Sou social como um parecerista, e ponto.
Patrícia, sou assistente social e quero fazer Nós trabalhamos em uma instituição, o
uma colocação, não é nem uma pergunta, Judiciário, que, em princípio, não deve
para o professor Marcelo. Ontem estive executar políticas. Convivendo, hoje,
com uma colega que trabalha em uma com esta questão no local de trabalho,
instituição com crianças e adolescentes em me pergunto até onde o assistente social
situação de risco social. Tive acesso a uma do Judiciário pode ir se apropriando, e
Cress/RJ - 7a Região
38
pudéssemos refletir um pouco, Marcelo, juristas, inclusive) sobre a violência e isso É fundamental
e até aproveitando sua área de atuação nos faz estar longe desta compreensão no
(sei que você tem uma compreensão das nosso quotidiano profissional, no nosso
separar
diversas perspectivas da violência, hoje), dia-a-dia, lidando com esta realidade. violência e
que compreender a violência através Então queria suscitar que você pudesse criminalidade.
da pobreza também é uma perspectiva. esclarecer, um pouco mais, esta diferença
A criminalidade
Nós, assistentes sociais, estamos sempre que faz entre a pobreza e a exclusão social.
nos defrontando com várias divisões (de Isto pode contribuir para nossas reflexões. é um aspecto da
violência, não
Marcelo Freixo
são sinônimos.
Primeiramente quero dizer que não vou O tráfico é tão violento, ou mais, que
Os meios de
conseguir responder tudo, é óbvio. Mas o Estado. E a população pobre é vítima comunicação
fica evidente a importância deste debate, dos dois lados. Isto é algo que precisamos e as políticas
a importância pedagógica da troca. Esta
demanda torna necessário que estejamos
desmistificar, romper este glamour.
públicas tratam
Patrícia, na Comissão de Direitos
promovendo eventos outras vezes, fica Humanos na gestão do Chico Alencar violência como,
claro que precisamos discutir mais. fizemos uma cartilha também. Ela é exclusivamente,
Bem, antes de qualquer coisa quero chamada de Manual dos Direitos Humanos. um problema de
pedir desculpas, porque quase todas O pessoal do CRESS-RJ a recebeu. Nós
não vão se sentir contempladas com as trabalhamos muito nas favelas com a ideia
criminalidade
respostas. Isto é humanamente impossível básica do que é direito. Quais são os seus
(já que estamos falando de direitos direitos e quem procurar caso um direito
humanos). específico seu seja rompido pelo Estado.
Charles, a ideia de que “a favela Até tivemos a preocupação de colocar um
vai descer” todos já reproduzimos ou carimbo, enorme, dizendo: “Olha, esta
já ouvimos, não é isso? “Olha, a favela cartilha é para os bons policiais”, porque
vai descer, a violência vai chegar no a polícia desceu o sarrafo na cartilha,
momento em que a polícia ocupar o dizendo que ela dizia que a polícia não
morro!”. A favela desce todo dia. Desce servia para nada. E não dizia isso: o
para trabalhar todo dia, desce e sobe, problema é que a cartilha falava de uma
sobe e desce. Muitas vezes não consegue violência, muito comum, que a polícia
descer, e quer descer. A primeira coisa é comete. Só que a polícia é corporativa ao
desmistificar esta ideia de classe perigosa, extremo e não aceita esta crítica. Então
que você colocou bem em sua indignação. botamos o carimbo dizendo “esta cartilha
Mas é fundamental, também, separar é uma homenagem aos bons policiais” e
violência de criminalidade. Violência eles ficaram mais sem-graça ainda. Tolice,
é uma coisa, criminalidade é outra. A não é?
criminalidade é um aspecto da violência, Há uma pergunta por escrito, aqui,
não são sinônimos e, hoje, os meios de em relação ao Conselho de Comunidade.
comunicação e as políticas públicas tratam Questiona como o Serviço Social pode
da violência como, exclusivamente, ajudar, como pode contribuir. Já contribui
um problema de criminalidade. Este muito! Se eu pedir mais alguma coisa vou
talvez seja o nosso maior desafio. É ficar envergonhado, porque o Conselho
também fundamental não “glamourizar” Regional de Serviço Social faz parte da
a violência, como muitos filmes andam direção do Conselho de Comunidade, está
fazendo, reforçando estereótipos. Isto é em todas as visitas, nós ocupamos o espaço
muito perigoso, o glamour da violência, do Conselho Regional (para desespero do
o glamour do tráfico. Não dá para achar povo de lá), fazemos nossas assembleias
que o traficante é um Robin Wood no auditório. Há uma integração com o
moderno. Não é! O tráfico é um negócio, movimento social organizado pelo Conselho
é um mercado, se utiliza de mão-de- de Comunidade que é, na verdade, um
obra barata e tem como mecanismos de movimento da sociedade civil organizada
funcionamento a violência e o terror. atuando na área penitenciária. Isto é
Cress/RJ - 7a Região
40
ética que conduz esta categoria tente se do DESIPE não apareceu!”. Penso que há
monitorar disso, que não aceitemos esta explicações para isso. Pela política. Por
regra. É muito preocupante a ausência que não dá para pensar que o Rio não tenha
do corpo do DESIPE aqui. Tânia já tinha política pública: tem! A política pública é
me chamado a atenção no início, antes esta que está colocada! O que precisamos
de virmos para a mesa: “Olha, o pessoal é criar alternativas a isso.
Elisabete Borgianni
Vou tentar ser rápida, o que é difícil de mudar esta forma de organização da
diante destas questões, não é? sociedade, porque ela – de uma forma
Quando Patrícia falou da cartilha a que mais crítica ou mais amena – vai ser
ela teve acesso, gostaria de conhecê-la produtora de exclusões, não só de miséria
também, porque pode ser um instrumento e pobreza. Neste sentido é que entendo
importante para o CONANDA, é importante nossa intervenção, se tem esta clareza –
enviar um exemplar para Brasília. Quero posso estar dentro de uma prisão, dentro
contar para vocês que o CONANDA vai de uma Vara de Infância, dentro de uma
promover uma campanha nacional na Vara de Família, ou no Ministério Público –
mídia, no rádio, impressa, na televisão, de sei que minha ação não vai ser reformadora
valorização dos Conselhos Tutelares. Esta no sentido de adaptar o sistema para que
semana, quando formos para o CONANDA, ele seja melhor. Ela tem que ser uma ação
na terça-feira, vamos acabar de aprovar para que se atendam direitos, sim, para
a campanha, pois quando os publicitários que se dê acesso a um patamar mínimo ou
vieram havia alguns vieses que pedimos máximo de direitos a que uma sociedade
para refazer. Mas a campanha ficará muito chegou, sempre com a perspectiva de
boa, passando para a população esta ideia mudar esta forma de organização da
de que o Conselho Tutelar é o órgão que sociedade. Não posso ter esta ingenuidade
recebe a denúncia, que pode ajudar a de achar que o capitalismo pode ser menos
resolvê-la. Vocês logo vão ver a campanha selvagem. Ele não vai ser menos selvagem,
na mídia e é muito importante que a vai sempre colocar ou estabelecer
população e a sociedade em geral tenha contradições em outros patamares, mas
acesso a esta informação, básica, de que estas contradições serão suprimidas, elas
existem Conselhos, existem órgãos onde estarão em outros patamares. Até chegar
ela pode procurar apoio e tentar garantir a esta sensação do companheiro Charles,
seus direitos. que está desesperado como todas estamos,
Queria opinar nesta discussão da este capitalismo selvagem engendrou um
exclusão e da pobreza. Não tenho círculo tal de violência que todos ficamos
capacidade para isso, mas isso me sem saber para onde vamos, não é? E eu
incomoda, também. Parto do princípio de diria que temos que fazer o caminho de
que capitalismo é exclusão. Viver em um volta e dizer: “Olha, nós não queremos
sistema capitalista é viver em um sistema mais o capitalismo! Nós não queremos mais
que produz a exclusão. Não é um sistema esta forma de organizar a sociedade!”.
onde as coisas estão mal arrumadas, e em Agora, isso não acontece de um dia para
que é possível você trabalhar para arrumá- o outro. E no meu dia-a-dia tenho que
lo para chegar a incluir. Aí há um nó. Até lançar mão e fazer valer um patamar de
a palavra e o conceito de exclusão são direitos que uma sociedade conquistou, e
complicados, porque ela é inerente. O que não fazer voltar para trás. Isto para que
quero dizer com isso? Todas as questões os próximos passos sejam transformações
que estamos tratando têm a ver com isso. maiores ainda, e maiores, e maiores, até
Se partimos da ideia de que estamos aqui que não seja mais predominante este
para melhorar o sistema, que ele pode ser modo de organizar a sociedade regido pelo
um pouco mais justo ou um pouco menos capital. Por que capital é exclusão. Capital
desigual ou violento, isto é uma falácia. é exploração. Capital é desigualdade na
Temos que trabalhar numa perspectiva sua essência.
Bem, compartilho com todas vocês a satisfação com esta primeira mesa. Ela foi muito
rica e penso que acertamos na escolha da temática, que provoca e amplia uma discussão
articulada entre ética, direitos humanos e a nossa intervenção profissional. Gostaria de
comunicar que temos, até o momento, 149 profissionais cadastradas neste Seminário, o
que nos deixa imensamente felizes.
Cress/RJ - 7a Região
42
Mesa 2
As Implicações
Ético-Políticas
do Processo
de Construção
do Estudo Social
Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti
Boa tarde a todas vocês. Estamos aqui anterior. Embora com pouco tempo
presentes para pensarmos a respeito disponível para a reflexão, são sementes
da construção do estudo social e as que são plantadas e que, em nosso dia-
implicações éticas nela existentes. Antes a-dia, temos que levá-las aos nossos
de entrar na reflexão proposta, quero espaços de trabalho e organizações para
agradecer ao CRESS-RJ e parabenizá-lo que frutifiquem. A mim e a Tânia foi
por este e todos os outros encontros que solicitado que trouxéssemos para uma
estão promovendo. É uma honra estar conversa com vocês reflexões acerca das
aqui compartilhando com vocês algumas implicações ético-políticas do processo
experiências que temos em São Paulo. de construção do estudo social.
Quero também socializar uma informação: Quero começar dizendo que não é
em São Paulo estamos iniciando por acaso que estamos aqui reunidos,
em agosto (2003) um curso de pós- em torno de debates e de reflexões
graduação lato sensu, de especialização, que envolvem particularidades do nosso
denominado Serviço Social na Área exercício profissional no denominado
Judiciária. Ele pretende trabalhar a Campo Sociojurídico. Ainda que este
questão social, as políticas sociais e o tenha sido um dos primeiros espaços de
Serviço Social na contemporaneidade, trabalho do assistente social (se vocês
chegando às especificidades do pegarem o livro da Marilda, “Relações
trabalho do Serviço Social no âmbito Sociais e Serviço Social no Brasil”, vão ver
do Judiciário, numa dimensão mais que a primeira assistente social, em São
ampliada. Não pretendemos apenas Paulo, portanto da Escola de Serviço Social
atingir os profissionais do Judiciário, mas que foi a primeira do Brasil, conseguiu
os da área sociojurídica, como estamos emprego formal no judiciário paulista,
aqui denominando. Também quero falar sendo este, o Judiciário, efetivamente,
rapidamente do jornal informativo Novo o primeiro campo de trabalho para o
Tempo. É um informativo da Associação assistente social) só muito recentemente
de Assistentes Sociais e Psicólogos do é que ele passou a ser objeto de
Tribunal de Justiça do Estado de São pesquisas sistemáticas, de debates e
Paulo. Esta Associação reúne estas duas polêmicas públicas. Isso ocorreu por um
categorias, que trabalham no Tribunal de conjunto de razões, como, por exemplo,
Justiça e visa trabalhar questões técnicas a ampliação significativa de demanda
e questões sindicais, uma vez que, de atendimentos e de profissionais
infelizmente, em São Paulo não existe um para a área, a valorização da pesquisa
sindicato único, por ramo de atividade, no dos componentes dessa realidade
âmbito do Judiciário. Vocês vão ver que de trabalho, inclusive pelos próprios
há um site e que estamos conclamando profissionais que estão na intervenção
os colegas que estiverem interessados a direta. Penso, e falo como testemunha
enviar artigos, textos, outros materiais. aqui, que também há uma diminuição do
As contribuições são submetidas a um preconceito no nosso meio profissional
grupo de avaliação, mas a maioria dos com relação a um campo de intervenção
trabalhos é incluída no site, o que é historicamente visto como espaço tão
uma forma de socializar conhecimentos somente para ações discriminadoras e de
nesta área que ainda é tão pequena em controle social no âmbito da regulação
termos de sistematização. Então, o site caso a caso. Fui, no início de 1992,
da Associação está à disposição para que buscar a academia para fazer mestrado,
possamos estabelecer um canal de maior na intenção de buscar explicações para
* Eunice Teresinha Fávero é comunicação entre os nossos estados. questões do nosso quotidiano profissional.
assistente social do Judiciário
Paulista, 1ª Secretária da Vamos ao tema que me foi proposto. Se agora a discussão é recente, imaginem
Associação dos Assistentes Sei que é de imensa responsabilidade a no início dos anos 90! Pelo menos em São
Sociais e Psicólogos do TJSP
discussão que temos hoje, especialmente Paulo esta discussão passava distante da
- AASPTJ-SP e Doutora em
Serviço Social pela PUCSP. após um debate tão rico na mesa academia. Me sentia fora daquele mundo,
Cress/RJ - 7a Região
44
em princípio, porque esta discussão não ao Poder Judiciário – um Poder do Estado Devemos atuar
chegava à academia, nem a discussão que, tradicionalmente, tem sido visto
nem a pesquisa sobre uma área tão rica como se estivesse num patamar superior
apenas como
e tão cheia de informações, com tantos ou à parte dos demais poderes. Trago peritos ou nossa
profissionais competentes. este olhar em razão da minha experiência intervenção
Alia-se a tudo isso o compromisso de intervenção profissional desde 1989 e
deve ter uma
dos profissionais com ações na direção como pesquisadora da área.
da ampliação e garantia de direitos e na Mesmo levando em conta que a área dimensão
provocação de alterações nas práticas da Justiça da Infância e Juventude, mais ampla,
sociais, além, obviamente, do debate mais especificamente, tenha sido uma articulada à
cada vez mais público a respeito dos das primeiras áreas de trabalho do
“interiores” do Sistema Penitenciário, assistente social, e que profissionais que
rede social,
do Sistema Judiciário e do complexo atuam em outros espaços institucionais sobretudo junto
de organizações que trabalham no que integram o denominando Campo à infância e à
atendimento de situações permeadas Sociojurídico relacionam-se no dia-a-dia
juventude, como
pela violência social e interpessoal. com esse campo, como, por exemplo, os
Não é à toa que o presidente Lula disse, que atuam junto a abrigos, internatos, o próprio ECA
recentemente, que é preciso abrir a conselhos diversos, sistema penitenciário, dispõe?
caixa-preta do Judiciário. Falo mais Ministério Público, podemos dizer que o
especificamente do Judiciário por ser o processo de sistematização desse nosso
campo que mais conheço, mas é o campo trabalho – a respeito do seu objeto,
que permanece escondido. E nosso espaço objetivos, instrumentos – principalmente
dentro dele só muito recentemente no que se refere ao Poder Judiciário,
começa vir à tona como um espaço ainda é inicial. Muitas questões estão
necessário de debate, de sistematização, à procura de respostas, como, por
especialmente por nós que estamos no exemplo: nós devemos atuar apenas
dia-a-dia. como peritos? Ou nossa intervenção deve
Estarmos aqui reunidos, refletindo a ter uma dimensão mais ampla, articulada
respeito das implicações ético-políticas à rede social, sobretudo junto à infância
da construção do estudo social e, de e à juventude, conforme o próprio ECA
forma especial, sua construção no espaço dispõe? Atuaremos como perito apenas
sociojurídico é um marco histórico. nas Varas da Família e Varas Cíveis e
Futuramente teremos registrado na teremos uma atuação mais abrangente
história este Encontro do Rio de Janeiro. junto à Justiça da Infância e Juventude?
Por isso, parabéns ao CRESS-RJ e a todos Afinal, o que é ser perito? O que é
os presentes que se dispuseram a dar desenvolver uma ação mais abrangente,
mais esse passo na construção coletiva da para além da perícia? Temos refletido a
direção ético-política do nosso trabalho. respeito dessas questões? Se o estamos
Fico feliz, porque há muitos anos venho fazendo, levamos em conta os princípios e
batalhando com colegas de São Paulo diretrizes teórico-metodológicos e ético-
para dar visibilidade e trazer à tona as políticos norteadores do nosso projeto
discussões desta área. É uma alegria de profissão? Estamos sistematizando o
imensa ver cada vez mais profissionais, conhecimento acerca das dimensões da
dos vários estados do Brasil, trazendo realidade social que se fazem presentes
esta discussão. no nosso dia-a-dia – conhecimento ao
Para tratar da temática proposta1, qual temos amplo acesso e possibilidades
vou sinalizar alguns pontos, questões de contribuir competentemente para
e polêmicas que, embora permeiem os provocar alterações na realidade – da
1. Parte da fala a seguir foi
diversos espaços de trabalho da área prática e da vida dos sujeitos? Temos publicada com o título “O
sociojurídica, terão aqui um olhar mais consciência do saber que acumulamos? Estudo Social – fundamentos
e particularidades de
próximo ao Serviço Social no âmbito do Trata-se de um saber fundamentado sua construção na Área
Judiciário. Ou seja, pensar estas questões histórica e teoricamente ou ele é Judiciária”, no livro “O Estudo
Social em perícias, laudos e
a partir da ocupação, pelo assistente reduzido ao senso comum? O nosso agir pareceres técnicos”, em 2003,
social, de um espaço de trabalho vinculado tem sido direcionado pelo compromisso pela Cortez Editora.
Cress/RJ - 7a Região
46
informações sobre as condições de vida mais amplamente social, enquanto a Questão
dos sujeitos que perderam este poder apropriação do seu produto mantém-se
sobre os filhos, obteve alguns resultados, privada, monopolizada por uma parte da
social que
como: com relação ao trabalho de mães sociedade”3. se apresenta
e pais, a maioria estava desempregada Posto isto, quero retomar brevemente conceituada
ou subempregada; quase 50% não tinham algumas informações da história,
como
qualquer renda; grande parte era para darmos sequência às nossas
analfabeta ou semialfabetizada. Enfim, reflexões a respeito do estudo social. conjunto das
o conjunto das informações revelou Sabemos que ao longo da história as expressões das
que a quase totalidade dessa população práticas judiciárias vêm, por meio desigualdades
era constituída por sujeitos que, via de especialistas de diferentes áreas,
de regra, nunca foram incluídos, nem construindo formas de conhecimento da
que aparecem
mesmo entre aqueles que acessam, “verdade” a respeito das situações com com a sociedade
minimamente, bens sociais, ou foram as quais lida, com vistas a alcançar maior capitalista: a
excluídas socialmente ao longo de sua objetividade nesse conhecimento – a
produção social
trajetória de vida, em decorrência da partir de um conhecimento científico. O
perda do trabalho e da possibilidade perito foi o personagem chamado a dar é cada vez
de acesso a outros bens sociais. Isto, esse respaldo, ou seja, chamou-se um mais coletiva,
independentemente do envolvimento em profissional especialista em determinada a apropriação
ações judiciais pelo fato da criança estar área do conhecimento para o estudo, a
em risco social ou ter sido vitimizada ou investigação, o exame ou a vistoria de
do seu produto
abandonada. uma situação processual, com objetivo mantém-se
Tenho informação mais recente com de oferecer subsídios técnico-científicos privada
relação ao Rio de Janeiro – mas meu que possibilitassem ao magistrado a
acesso, infelizmente, foi somente por aplicação da lei com maior segurança,
meio de jornais – de que pesquisa feita reduzindo-se a possibilidade de praticar
pela professora Irene Rizzini com 396 erros ou injustiças.
famílias em conflito com a lei revelou que O especialista em outras áreas do
o desemprego, o uso de drogas e a falta saber, além da jurídica foi chamado no
de formação escolar marcam os núcleos início de 1920 a atuar junto à Justiça da
familiares que foram parar na Justiça. Infância e Juventude e Família de São
Portanto, nossas realidades não diferem. Paulo, por meio do médico, do psiquiatra
Estou pontuando estes dados para dizer e do comissário de vigilância (antigo
que isso significa que, para o debate a comissário de menores, do Código de
respeito da realidade de vida dos sujeitos Menores que, hoje, pelo menos em São
e do Serviço Social nesses espaços do Paulo, permanece, em algumas áreas,
Judiciário – o que me parece não ser denominado voluntário da infância e
diferente com relação ao conjunto dos da juventude). O assistente social, por
espaços de intervenção dos trabalhadores sua vez, passou a trabalhar nessa área,
da área sociojurídica – é necessário ter como perito, nos anos 1940, período em
clareza, como ponto de partida, de que que se evidenciavam o agravamento e
a questão social atravessa o dia-a-dia dos tentativas de controle das sequelas da
sujeitos aí atendidos, em todas as suas questão social e se ampliava a ocupação
dimensões. Questão social que, nunca de espaços institucionais pelo Serviço
é demais lembrarmos, se apresenta Social.
como “base” fundante do Serviço Social Historicamente, a abordagem do
enquanto trabalho especializado, e Serviço Social no âmbito da Justiça da
sendo conceituada, me reportando a Infância e Juventude (e, também, da
nossa mestre Marilda Iamamoto, como Família e Sucessões) teve como base – e
“(...) conjunto das expressões das penso que recebe influências até hoje –
desigualdades que aparecem com a a metodologia operacional do “Serviço
sociedade capitalista e que têm uma Social de casos individuais”, desdobrado 3. In O Serviço Social na
Contemporaneidade: trabalho
raiz comum: a produção social é cada nas suas tradicionais três etapas (estudo, e formação profissional,
vez mais coletiva, o trabalho torna-se diagnóstico e tratamento, ou investigação Cortez Editora, 1998, p. 27.
Cress/RJ - 7a Região
48
parecer, aponta medidas sociais e legais conclusões da perícia. Ou seja, registra
a serem tomadas. No estudo que realiza, um saber, e um saber especializado.
pauta-se pelo dito e pelo não dito. Ele Portanto, um saber que demanda
analisa, estabelece pareceres, podendo estudo, experiência, pesquisa, enfim,
enquadrar normalidades e anormalidades exige conhecimento fundamentado, um
e apresentar, inclusive, a reconstituição conhecimento científico – o que foge
(portanto, a versão) dos acontecimentos a qualquer interpretação com base no
que levaram àquela determinada situação senso comum. Do rigor de fundamentação
vivenciada pelo sujeito, objeto da ação deste depende a adequada utilização do
judicial. seu conteúdo.
Por meio de observações, entrevistas, O conteúdo significativo do estudo
pesquisas documental e bibliográfica, social, expresso em relatórios ou no
ele constroi o estudo social, ou seja, um laudo social, reporta-se à expressão
saber a respeito da população usuária dos ou expressões da questão social e/ou
serviços judiciários. Um saber que pode emocional que deu início à ação judicial,
se constituir numa verdade. As pessoas que culminou em uma ação judicial (o
são examinadas, avaliadas, suas vidas e abrigamento de uma criança, a perda
condutas interpretadas e registradas, do poder familiar, a violência doméstica,
construindo-se, assim, uma verdade a medidas que envolvem o adolescente
respeito de suas vidas. em conflito com a lei, a disputa pela
O relatório social ou o laudo social guarda de filhos). Essa ação envolve
que o profissional apresenta, com menor diretamente um sujeito, um casal, uma
ou maior detalhamento, a sistematização mãe, um pai, cuja história social a ser
do estudo realizado (ou da perícia social, conhecida passa, necessariamente,
como é definida muitas vezes nesse pela inserção destes sujeitos na
espaço), transforma-se num instrumento coletividade. Como seres sociais, eles
de poder ou num saber, convertido convivem e sofrem os condicionamentos
em poder de verdade, que contribui e determinações da realidade social
para a definição do futuro de crianças, local, conjuntural e mais ampla que os
adolescentes e famílias, posto que ele é cercam. Vivem ou viveram numa família,
uma das provas que compõe ou que pode independentemente da forma ou arranjo
compor os autos. que ela assume ou assumiu; mantêm
O relatório social e o laudo apresentam, ou mantiveram alguma relação com o
de forma cristalizada pela escrita, as trabalho (que pode ser também o não-
informações colhidas e as interpretações trabalho), e alguma relação, na maioria
realizadas. Ele vai intermediar – a partir das vezes, com a cidade (meio-ambiente
de um norte teórico – a fala do sujeito, imediato e mediato); relação ou não
as demais informações colhidas, a análise com a religiosidade, com manifestações
realizada e aquele ou aqueles que serão culturais diversas, com outros grupos de
os leitores – os quais, geralmente, são pertencimento. Portanto, a construção
os agentes que emitirão uma decisão a do estudo social contempla a inclusão
respeito dos sujeitos envolvidos na ação dos sujeitos singulares na universalidade
judicial. mais ampla em que se inserem.
Se tomarmos como referência Penso que sabemos, todos que
definições e conceitos dos termos atuamos nessa área, que a acentuada e
laudo, perito, perícia, vão emergir e crescente demanda atendida pela Justiça
perpassar em todas estas definições da Infância e Juventude, e sobretudo a
conceitos relacionados ao saber. O perito premência em proteger uma criança em
é o sujeito sábio, hábil, especialista situação de risco, o pouco investimento
em determinado assunto. A perícia é (ao menos no caso de São Paulo) em
traduzida como vistoria ou exame de recursos físicos, materiais e humanos
caráter técnico e especializado. O laudo, por parte do Estado, como instituição
por sua vez, registra por escrito, e de judiciária, para viabilizar melhores
maneira fundamentada, os estudos e condições de trabalho nessa área, e a
Cress/RJ - 7a Região
50
de classe, etnia e gênero – o compromisso um determinado resultado. O que significa O Serviço
com a qualidade dos serviços prestados. que toda intervenção na realidade, por
Portanto, estes e os demais princípios parte do ser humano e, particularmente
Social tem na
estabelecidos pelo nosso Código de aqui, por parte do assistente social, questão social
Ética norteiam a nossa ação – aquelas de tem uma dimensão teleológica. Isto é, o elemento
abrangência coletiva, bem como as que o profissional projeta o resultado a ser
central do
atingem mais particularmente indivíduos alcançado e esse projetar implica numa
ou famílias neste âmbito micro do direção social à finalidade do trabalho. projeto de
trabalho quotidiano, especificamente no Uma direção que não é neutra, não é profissão
Judiciário. a-histórica: é condicionada pelos valores,
Para caminhar nesta reflexão temos crenças, hábitos, princípios éticos que
que considerar o estudo social na sua constroem o agir profissional. Enfim, ela
relação com o objeto de trabalho do está impregnada por um projeto de classe
Serviço Social e o processo de trabalho social, tenhamos ou não consciência
que o envolve, a partir das diretrizes disto.
estabelecidas com relação ao nosso Considerando que o processo de
projeto de profissão e à nossa formação trabalho do Serviço Social é constituído
profissional. por esta articulação entre objeto, meios,
Conforme me reportei anteriormente, atividade e finalidades8, precisamos
o Serviço Social tem na questão social ter clareza de que, ao trabalharmos,
o elemento central do projeto de fazemos perguntas e buscamos respostas
profissão. Uma questão social que a respeito de questões, tais como o que
vai se particularizar no dia-a-dia da fazer, por que fazer, como fazer e para
intervenção de variadas formas. O que fazer.
trabalho especializado que o assistente Dominar os meios implica no domínio
social desenvolve é composto por um de um saber – poder dado pelo saber
objeto constituinte e constituído pela profissional, que, no caso do Judiciário,
realidade social, que aparece, via de soma-se ao poder inerente à natureza
regra (sobretudo nas ações que envolvem institucional, que é um poder de
crianças, adolescentes e famílias) por julgamento, de decisão a respeito da vida
meio do que chamo de violência social dos sujeitos. Será que temos consciência
– ou violência da pobreza; por meio da deste saber e deste poder que permeiam
violência interpessoal, intrafamiliar, nossa ação? Qual é a real finalidade do
pela negligência, ausência de trabalho estudo social nesse campo de intervenção?
ou trabalho precário, pela ausência Como planejar o trabalho, de forma
ou insuficiência de políticas sociais que a finalidade se articule ao domínio
universalizantes e redistributivas, dos meios para chegar até ela? Então,
situações muitas vezes permeadas por penso que uma das primeiras perguntas
conflitos e rompimentos de vínculos frente à demanda do estudo social
na esfera familiar. Esse quotidiano do seria: Para quê? Para subsidiar a decisão
nosso trabalho é composto, também, judicial? E quais as implicações na vida
por instrumentos ou por meios dos quais do sujeito que essa decisão terá? Que
lançamos mão para o exercício da nossa responsabilidade tenho nessa decisão?
atividade laborativa e pela própria O judiciário busca a verdade dos fatos
atividade em si, que é norteada por uma ou da situação para julgar com justiça,
finalidade, nesta rotina tensa de trabalho, ouvimos isso corriqueiramente. Qual
que às vezes exige muito mais do que minha participação na construção dessa
nos é possível (em termos de tempo verdade? Tenho clareza de que a verdade
paramos para pensar qual o objeto, quais é histórica, construída socialmente?
os objetivos, qual a finalidade do nosso Se o poder-saber articula-se à
trabalho). Enfim, o trabalho realizado liberdade e à autonomia profissional
comporta um conteúdo e visa um significa que ele se apresenta, também,
determinado resultado. É guiado por uma como possibilidade de escolha, de 8. ABESS 07, p. 41, Cortez
intencionalidade, com vistas a alcançar definição entre alternativas de ação. A Editora, 1998.
Cress/RJ - 7a Região
52
coletivo, aliados e norteados pelo psiquiátricos, seja do Serviço Social, da
investimento no aprimoramento teórico, Psicologia ou de outras áreas. Pessoas
metodológico e técnico. que, por uma série de motivos, não
Penso que existem diversas tiveram como acessar formas organizadas
possibilidades de ação no que se refere de resistência a este ambiente tenso,
ao nosso trabalho nesta área ou na autoritário, e que, às vezes, nos coloca
área da assistência sociojurídica, que contra a parede. Como exemplo,
podem somar-se a iniciativas de outros podemos pensar no nível de violência
segmentos da sociedade organizada para pessoal e social com o qual tomamos
alavancar ações transformadoras da e na contato diariamente nos nossos espaços
realidade social. de trabalho. Se essa face da realidade
Os dados empíricos, mais as não for objeto de análises, críticas e
representações das diferentes questões enfrentamentos, de forma organizada
que se põem nesse quotidiano de trabalho, e coletiva, pode-se chegar tão somente
necessitam ser melhor conhecidos, de à comoção, à desmobilização e ao
forma a propiciar a seus operadores apelo por medidas de controle também
parâmetros de análise mais próximos do violentas (que vêm se acentuando no
real. O que pode ser realizado, tanto no dia-a-dia da sociedade como um todo).
espaço institucional como em conjunto Sabemos que o trabalho nessa área
com a universidade, por exemplo, através é incômodo, tenso e permeado por
da nucleação de grupos de estudos e um desfile de tragédias, de violências
pesquisas sobre temas sociojurídicos, pessoais, sociais, institucionais, por uma
pela participação política organizada, violência simbólica da qual às vezes não
por meio destes grupos e de órgãos nos damos conta. Simbólica no sentido
representativos das categorias. de que não é nomeada como tal, quando
Temos um saber acumulado, às vezes fazemos com que o poder do nosso saber
não nos damos conta disso, pensamos que a direcione a vida de uma pessoa, de um
pesquisa está muito distante do nosso dia- sujeito, para uma direção que julgamos
a-dia, que não cabe a nós, que é coisa da ser a mais adequada, sem que tenhamos
academia. A pesquisa faz parte do nosso uma dimensão da totalidade daquele
projeto profissional, faz parte da nossa sujeito, sem que o direito que ele tem
intervenção. É este conhecimento que de ser daquela forma seja respeitado.
temos a responsabilidade de sistematizar, A questão do poder do nosso saber
trazer à tona e contribuir para subsidiar profissional e do poder dentro de uma
a formulação de políticas e alterações instituição que nos dá a possibilidade
nas nossas práticas profissionais do dia- de aplicar o poder de direito na direção
a-dia. da vida das pessoas tem que ser por
Penso que é necessário que estejamos nós pensada, trabalhada, refletida e
atentos à importância do engajamento questionada. Qual é o poder que temos
político das categorias que atuam na de direcioná-lo? “É o juiz quem decide”,
área social, para uma participação a argumentação pode ser esta. Mas quem
conjunta com outros segmentos dá o subsídio para o juiz decidir? Temos
organizados da sociedade, na busca exemplos em São Paulo de pessoas que
coletiva de transformações da realidade. recorreram de decisões por julgá-las
Para não ficarmos eternamente naquele arbitrárias por uma série de razões,
discurso queixoso que só faz aumentar e que o juiz se coloca da seguinte
nossas angústias e não contribui para forma: “Não, eu me baseio no parecer
o avanço. Ao contrário, é um discurso do assistente social! Eu me baseio no
que desmobiliza, enfraquece as ações parecer do psicólogo!”. Então, qual é o
profissional e política, além do que faz poder que passa pelo nosso saber e pela
mal à nossa saúde – mental e física. nossa ação em nosso dia-a-dia?
Em São Paulo temos índices altíssimos Frente a todo este desfile de
de pessoas afastadas do trabalho por questões e, principalmente, frente
problemas emocionais, problemas a este quotidiano autoritário, como
Tânia Dahmer*
* Tânia Dahmer é assistente
social do Sistema Penal do
Rio de Janeiro, professora
Boa tarde a todos. Muitas pessoas compõem o Sociojurídico têm uma
aposentada da Escola de daqui eu conheço, já nos encontramos característica muito interessante:
Serviço Social da Universidade
Federal Fluminense, ex-
pela vida profissional. Temos poucos elas nos aprisionam também. Seja ao
coordenadora do Programa profissionais do DESIPE, hoje, aqui. esquema de poder institucional, seja
de Proteção a Testemunhas A grande maioria é do Tribunal de
de Crimes, Mestre em
ao espaço físico, seja à cultura reinante
Serviço Social pela PUC-RJ e Justiça. Parabéns! É muito importante dentro das instituições. É muito bom
doutoranda na UFRJ, além de que saiamos de dentro dos muros onde quando conseguimos sair. Esta saída é um
conselheira do CRESS-RJ.
vivemos, porque estas instituições que movimento individual, mas que precisa
Cress/RJ - 7a Região
54
ser coletivo. Não sei quantas pessoas do em que já temos clara esta discussão
DEGASE temos aqui; do Ministério Público toda sobre o Estado, sobre a assistência
temos algumas, mas também são poucas social, sobre direitos, sobre política
(são poucas assistentes sociais); da social, sobre política pública, de forma
Defensoria Pública não sei se há alguém. que possamos nos voltar novamente para
Queria dizer a vocês que este tema toca a questão da intervenção, entendendo,
em uma questão teórico-metodológica do ponto de vista teórico-metodológico
importante e bastante abandonada e com as devidas implicações ético-
nestes últimos anos. Sou de uma época políticas, o que é este fazer profissional
anterior. Sou uma pessoa de 57 anos, fui “miúdo”, do quotidiano.
formada com base em Nadir Kfouri, que Queria dizer a vocês que na linguagem
Eunice citou, com base no Serviço Social da cultura profissional do Tribunal de
de Casos, Grupos e Comunidade. Durante Justiça escuto muito falarem do “estudo
muitos anos dei aulas na UFF ainda dentro social”. Tanto que quando saiu esta
deste currículo, desta modalidade. Há sugestão para a reunião ampliada de
gente, aqui, que foi minha aluna e eu hoje pensei: “Poxa, mas estudo social?
lecionava, exatamente, Serviço Social Construção do estudo social?”. Vou
de Caso. Isto é interessante, porque no explicar o porquê: entendo que o estudo
período pós-Reconceituação nós vamos social é, na verdade, um momento
ter uma revisão muito importante em metodológico de apreensão do real a
todo o referencial teórico da profissão. partir dos sujeitos que estão, digamos,
E começamos a ter um posicionamento demandando nossa intervenção ou a
no final da década de 70, no início da partir dos demandatários desta nossa
década de 80 pela discussão, na verdade, intervenção junto aos usuários. É um
de quem somos nestas instituições onde esforço mental que fazemos no sentido
trabalhamos. As primeiras produções de de apreender este real que está diante de
livros neste período trabalham muito nós de forma fragmentada. As questões
a questão institucional: lembram as trazidas pelos sujeitos que estão na nossa
chamadas brechas? Alguém de vocês, ao frente na verdade representam frações
menos os mais jovens, devem ter lido da questão social. Quando trabalhamos,
e discutido isto em salas de aulas; os por exemplo, com criminosos, o que é
mais antigos devem ter lido os próprios a criminalidade? É uma expressão da
textos e conhecido seus autores. Há questão social! O sujeito que cometeu o
Faleiros em um momento, Rose Serra em crime e que está diante de nós retrata
outro, enfim, temos várias produções na na sua história frações desta expressão.
década de 80 questionando nosso lugar Então não consigo, e vou deixar isto para
dentro da instituição. No final da década o debate, falar em estudo social como
de 80, início de 90, nós vamos alargando sendo aquele produto que vamos oferecer
esta compreensão, discutindo as ao demandatário, ao juízo ou ao Ministério
questões da assistência, os movimentos Público. Falo em parecer, porque entendo
sociais, saindo de dentro deste espaço que o estudo é um primeiro momento de
tradicional da instituição, da casinha apreensão dos dados empíricos. Tanto
de porta e janela. É interessante que a que para me fazer entender pensei
década de 80 rotulou muito fortemente muito. E está tão consagrado que isto é
os profissionais como conservadores, um estudo social (não há até promotor do
aqueles que ficavam “dentro das Tribunal de Justiça que determina que se
casinhas de porta e janela”, e privilegiou faça um estudo social?) que é claro que
o debate e, digamos, o status de quem isto me intimida. Se todo mundo diz que
ia para as comunidades trabalhar com é um estudo social, tenho que arranjar
os movimentos sociais. Todos estes são uma forma de me fazer entender.
pontos importantes para rememorarmos, A forma que encontrei foi elaborar um
porque neste meio tempo foi muito estudo social e um parecer social, que
importante sacudir essa poeira. Foi coloquei dentro da pasta. É um pouco
importante chegarmos a um momento um exercício didático, de sala de aula.
Cress/RJ - 7a Região
56
a imediata transferência para o hospital último já falecido. Carlos foi criado,
de custódia”, que é exatamente o local desde bebê, por Marta, avó materna,
adequado, por lei, de cumprimento de pois seus pais residiam em sua casa e
medida, e não a casa de custódia “e, ainda por que Maria era seguidamente
segundo, que fosse diligenciado com internada em hospital psiquiátrico com
urgência pelo Serviço Social sobre a diagnóstico de esquizofrenia. O irmão
existência de familiares que possam pelo de Carlos, Luís, dois anos mais novo, foi
mesmo se responsabilizar em caso de assumido por um tio materno chamado
desinternação”. Isto aqui é cópia fiel do João, e por Zilda, sua companheira.
despacho do juiz. Quanto à infância de Carlos, as poucas
Bem, pensando nesta situação, ao informações dos familiares referem-
receber este ofício em mãos, o que se a ‘um menino nervoso desde os 8
o assistente social reflete? Quais os anos’, que precisava ser levado para o
objetivos profissionais que o assistente mesmo hospital da mãe, ‘dava ataques’,
social precisa construir? Primeiro: ‘era muito rebelde’ e ‘não dava para
“Conhecer a posição da família”. Se o estudo’. Apenas dois encontros
estes tios que compareceram em juízo aconteceram com familiares de Carlos,
disserem que não querem receber face aos seguidos contatos telefônicos
Carlos, qual é a condição desta família com a família. Na primeira entrevista com
“em relação à assistência que possa a equipe técnica – psiquiatra, terapeuta
oferecer” a esta pessoa? Outro objetivo: ocupacional, psicóloga e assistente social
“Oferecer parecer ao Juízo e Ministério – compareceram a avó Marta e a tia
Público da Vara de Execuções quanto Zilda. Mais tarde soubemos que a avó,
às possibilidades de apoio familiar ou trazida pela nora, veio às escondidas
institucional à desinternação”. Ou seja, do resto da família. Neste momento,
algum recurso institucional. O terceiro ficou bastante clara a disponibilidade
objetivo: “Buscar na rede de saúde da avó de ‘querer o neto de volta’, sem
pública instituições de assistência no contudo ter autoridade na família nem
sentido de que Carlos possa apropriar-se autonomia financeira para tal decisão.
de seu direito de viver em liberdade”. Zilda foi incisiva quanto à não aceitação
Aqui já está posto um primeiro do retorno de Carlos à casa pelos demais
princípio de nosso Código de Ética, que familiares, principalmente pela tia
é trabalhar em torno e para o sujeito Marli, que comparecera à audiência
ter o direito de gozo da autonomia e da judicial, provedora do sustento de Marta
liberdade. e de Maria. Os motivos para tal atitude
Bem, vamos, então, ao estudo da família são: 1) várias vezes a casa
social. Vejam bem: este documento, o de Marta fora invadida por ‘amigos
estudo social, precisei sistematizá-lo do tráfico’, em represália a alguma
para trazê-lo para cá como instrumento dívida de Carlos; 2) Carlos mudava de
didático. Estes dados estão espalhados comportamento repentinamente. De
pelo prontuário social. “Dia tal, visita neto afetuoso, ‘tinha crise’, tornava-
domiciliar; dia tal, entrevista com Dona se agressivo, necessitado de cuidados
Marli; dia tal, entrevista com Dona médicos. A família ainda arcava com a
Marta e fulano”. A forma como vamos mãe de Carlos, doente há muitos anos;
registrando no prontuário nos traz dados 3) a relação de Carlos com o tráfico era
soltos, não é? Expressa como a ação vai uma constante ameaça, mesmo para os
acontecendo. Para fins de elaboração do familiares que residiam longe da avó.
estudo os sistematizei, mas deixei-os na Quando Carlos passou um tempo na casa
linguagem do empírico. Então, vamos lá. da tia Marli, ‘uns homens foram bater
“Carlos Lima, R.G. tal, nascido em lá’. A família sabe que Carlos se envolveu
31/08/77, no Rio de Janeiro, solteiro, com o tráfico por volta dos 14 anos ao
sem filhos, foi criado em um bairro da iniciar o uso de maconha e cocaína.
Zona Oeste, sendo o primogênito de dois Zilda não soube precisar sua função na
filhos de Maria Lima e Pedro Lima – este quadrilha. Ela narrou a perda recente
Cress/RJ - 7a Região
58
pessoa, pois ‘quem sabe, alguém pode no episódio. A estória, aparentemente
querer se responsabilizar’. Sobre sua absurda, foi confirmada por outra
passagem por dez anos no tráfico, narra, testemunha ao defensor público do
utilizando bastante os gestos, várias hospital, a quem a assistente social
situações que faziam parte de sua função recorreu para acompanhar o processo
de ‘soldado’. Carregar e desovar corpos, judicial. Para alguns funcionários que
vigiar a conduta de ‘certos amigos’, voltavam com Carlos da delegacia, este
vender droga e obedecer ao ‘acerto de tinha responsabilidade pelo ocorrido e,
contas’. Fala das regras de disciplina por isso, estavam ‘de olho nele’. Carlos
no trabalho do tráfico e das ‘leis’ que continuou respondendo ao processo
vigoram. Menciona seguidamente, com assistido pelo defensor. Ainda em 2002
admiração, seu ‘chefe maior’ publicizado a equipe técnica, através da assistente
pela mídia e que vive ‘escondido da social, contatou várias instituições, uma
polícia’, pois se evadiu do sistema penal delas que dispõe de uma residência
‘na base da grana’. Tal fuga recebeu terapêutica. A instituição solicitou um
muito espaço na mídia, culminando com relato da história do paciente, o que
a expulsão de dois servidores ‘a bem foi atendido. Analisada a situação por
do serviço público’. Vários momentos aquela instituição, a decisão de receber
de indignação e revolta fizeram Carlos Carlos foi negativa, face a sua história
querer ‘mandar um recado’ aos amigos de ‘soldado do tráfico’. Com base nos
para que ‘passassem o cerol’ nos tios, dados obtidos no estudo o assistente
que concordaram em vender a casa, a social encaminhou seu parecer à Vara
‘sua casa’. Carlos logo entendeu que de Execuções Penais”.
a venda se relacionava ao objetivo de Bem, em primeiro lugar, é importante
‘sumir com sua mãe e sua avó’ o que pensar quem somos nós diante destas
entendia não terem o direito de fazer. situações absurdas, situações-limite
Muitos momentos durante o ano de 2002 dentro da vida das pessoas com quem
Carlos passou ‘na tranca’, de castigo. trabalhamos, e quem somos nós dentro
Envolvia-se em conflitos com outros destas instituições de coerção e controle
internos e com funcionários. Por duas em que, a todo custo, a ordem precisa
vezes foi transferido para um outro ser mantida, um determinado tipo de
hospital penal, ‘para dar um tempo’ no ordem – ainda que seja uma ordem
ambiente hostil a ele. A imagem que se completamente na desordem. Uma
construiu na instituição é de que Carlos ordem em que vale a corrupção, vale
realmente não tem condições de sair, ‘vai uma disciplina, uma punição repetida,
voltar para o tráfico’, dizem alguns. Ao em que a correlação de forças faz
longo do tempo em que Carlos esteve em parecer que estamos diante de um
liberdade fez algumas relações afetivas marisco (não é? Carlos é um marisco!),
com mulheres. Fala acerca de uma delas em que a instituição, com todo o
em especial, com quem teria morado aparato de justiça, é, na verdade, o
durante algum tempo. Mas também não mar. É um grande mar que bate na rocha
sabe se esta ainda está viva. e o marisco está ali. O primeiro ponto
A instituição: Em final de 2002 o para o qual queria chamar atenção é
ambiente na instituição tornou-se qual é a identidade desta profissão neste
mais hostil: um pacote de maconha campo. Nós estamos a serviço de quê?
arremessado por cima do muro teria sido Recebemos demandas de demandatários,
recolhido por Carlos. Foi imediatamente do aparato da justiça criminal, em
autuado na delegacia do bairro, no função de intermediarmos uma questão
artigo 12 (Lei de Tóxicos), abrindo um relativa a um usuário nosso. Ou seja,
novo processo penal em sua vida. A qual é esta questão? O direito legítimo
assistente social foi procurada por outro e legal à liberdade, já tendo expirado
paciente que estava próximo do local e todos os prazos, tendo tido um prejuízo
lhe relatou outra estória que colocava legal desde o início do cumprimento da
Carlos isento de qualquer envolvimento medida, quando, erradamente, ele foi
Cress/RJ - 7a Região
60
século XX, vamos perceber como ela vai várias tentativas de reaproximação com Outro fenômeno
se rebuscando de acordo com o próprio o mundo de fora, para restabelecer estes
movimento das relações dentro da vínculos.
é a juvenilização
sociedade. A quadrilha de assaltantes não Depois nós vamos perceber, um pouco, da população
aparece em 40. Ela aparece no final da o que na subjetividade de Carlos nos prisional. Há
década de 50, início da década de 60. estampa estas questões da juvenilização,
discursos sobre
Outro fenômeno é a juvenilização da socialização da juventude no tráfico.
da população prisional. Há discursos Este ponto é extremamente importante, o ECA que o
sobre o ECA que o responsabilizam pelo porque esta socialização forja outros tipos responsabilizam
ingresso da população jovem no crime. de valores, se lida muito com o “ou tudo ou pelo ingresso
Há situações de garotos muito jovens, nada”, “ou certo ou errado”, numa lógica
presos, que já têm passagens pelo sistema profundamente dicotômica, do bem e do
da população
DEGASE e que, por ter completado a mal, completamente estanque. Vamos jovem no crime
maioridade são presos e colocados nas perceber, então, como na subjetividade
casas de custódia do Rio de Janeiro. A deste sujeito estes valores foram
juvenilização da população presa faz com incorporados. Tanto que o gestual dele
que, por outro lado, a opinião pública é feito sempre de sinais como apertar o
questione a idade de responsabilidade gatilho ou de estapear. Um dia conversei
penal. É nesta perspectiva que surge com ele sobre estes gestos, quais eram os
o discurso que coloca o ECA como o gestos que ele mais fazia quando explicava
responsável pelo grande ingresso da sua dor ou sua admiração, quando ele
população jovem no mundo do crime, contava sua história. Houve gestos, tal
porque ela estaria isenta das penalidades como a mão utilizada como instrumento
a que o adulto estaria, digamos, não do cometimento do ato violento. Assim
isento. É importante perceber, então, como muita gente alisa o cabelo e tem um
que a família de Carlos reproduz isto. O gestual mais relaxado. É importante este
grande diabo nesta história, para eles, é gestual, porque ele traduz simbolicamente
Carlos. Quando fui visitar o amigo, Júlio, esta experiência. O que também aparece
observei muito onde se localizavam as aí são as artimanhas institucionais. Nós,
casas dos “amigos afetivos” de Carlos e assistentes sociais, somos pródigos em
onde se localizava o núcleo das “bocas vivências de violações. O Estado é um
de fumo” comandadas por este grande grande infrator da lei em todos os cantos
heroi, o traficante que Carlos tem como deste país. Na prisão ele é o grande
grande inspirador. As casas eram muito infrator. Você recebe uma acusação
próximas, apesar de ter uma condição, do contra uma pessoa, a leva imediatamente
ponto de vista sanitário e de urbanização, à Delegacia para autuá-la: é mais um
um pouco melhor do que a favela onde processo, você não investiga o que
este grande grupo trabalha com o tráfico. aconteceu. E o que aconteceu foi muito
Então nos fica bastante clara a questão grave, porque, na verdade, não ocorreu
da família e este enraizamento da figura do jeito que o discurso oficial narrou. Eu
de Carlos no tráfico de drogas, como uma consegui desmontar o discurso oficial,
grande empresa e como um trabalho. não coloquei isto aqui por conta de um
É muito interessante observar que problema ético, de preservação. Mas
esta população jovem é arregimentada consegui desmontar tal situação com as
pelo tráfico com “salários”, entre testemunhas deste feito e isso contribuiu
aspas, muito interessantes, muito bons; para a argumentação do defensor, na
por outro lado, é um trabalho onde se defesa dele junto à Vara Criminal onde
submete às regras, à disciplina, a uma este processo está correndo (refiro-me
hierarquia e a requisitos de produção aos à acusação do tal pacote de maconha
quais se tem que dar conta. A prestação jogado pelo muro).
de contas a que os trabalhadores do Mais adiante, narro as esgotadas
tráfico se submetem tem regras muito tentativas de contatos com a família,
rigorosas. Então neste trecho trabalhamos com os amigos, com parentes de outros
um pouco isto, demonstrando ainda as presos que estavam no pátio e a carta
Cress/RJ - 7a Região
62
compete colocar no parecer quais ao final dos anos 70 e início dos 80,
instrumentos utilizamos. Eles são de pertencente à população pauperizada,
domínio nosso, de escolha nossa. Não arregimentada nos últimos vinte anos
temos que dizer para o juiz se fizemos como mão-de-obra das organizações que
cinco visitas domiciliares, se tivemos gerenciam o tráfico de drogas. Referimo-
viaturas ou se não tivemos, se a pessoa nos à face mais visível do tráfico, exposta
veio à primeira entrevista ou não veio, se pelos meios de comunicação e conhecida
ficamos esperando uma hora. São detalhes mais de perto pelos moradores próximos
da intervenção a serem resolvidos pelo a seus redutos.
profissional. Não compete colocar no Inicialmente, Carlos era um usuário
parecer toda a instrumentalidade. É de drogas. O envolvimento com a
importante oferecer o resultado da organização do tráfico fez com que a sua
operação desta instrumentalidade. socialização como adolescente e jovem
Vamos lá, então. adulto fosse construída a partir de
“Parecer social – (referente ao Ofício valores advindos da vivência de situações
tal e tal, número tal, paciente Carlos crueis, em que as fronteiras entre a vida
Lima RG tal)” e a morte, o lucro e a dívida, o erro e
Inicialmente há um esclarecimento, o acerto são extremamente frágeis. Esta
que fiz questão de colocar, até por uma socialização no contato estreito com a
questão de anexá-lo ao prontuário dele, organização produz uma subjetividade
aos seus dados, a sua ficha na Vara de sobre a qual incidem o autoritarismo
Execuções Penais. e o arbítrio das chefias do tráfico e se
“Os procedimentos técnicos utilizados mesclam com o heroísmo de ser soldado
pelo Assistente Social para cumprir as da organização, levando-o a se expor ao
diligências determinadas pelo Juízo ‘tudo ou nada’.
da Vara de Execuções Penais, no Ofício Diante disto, cair na teia da justiça
em referência, se desdobraram em criminal, contraditoriamente, cria-lhe a
dois pareceres, o primeiro enviado em possibilidade de permanecer vivo. Só na
agosto de 2001 (ofício tal). Segue-se família de Carlos quatro pessoas foram
o segundo parecer face à extensão dos mortas em função de seus envolvimentos
procedimentos no sentido de se obter com o tráfico, assim como ‘os amigos’ de
respaldo familiar ou institucional que Carlos, forma de tratamento dado aos
viabilizem a futura desinternação do que compartilham o mesmo campo de
paciente. trabalho na criminalidade.
Carlos Lima, nascido em 31/08/77, Carlos, com juízo crítico prejudicado
carioca, solteiro, filho de Maria Lima por uma oligofrenia moderada, se
e Pedro Lima (falecido), encontra-se apropriou da experiência vivida, cerceado
internado nesse hospital desde maio por suas limitações intelectivas. Pouca
de 2001. Por erro de movimentação instrução, prejudicada pelo mesmo
administrativa do DESIPE, Carlos limite, dificuldades de acesso a recursos
cumpria ilegalmente medida de públicos de saúde para tratamento
segurança numa Casa de Custódia. Feita adequado na infância e adolescência,
sua transferência por determinação a tendência de Carlos ao narrar a sua
judicial, Carlos apresentava, quando experiência é de repetir acriticamente
de seu ingresso no Hospital, condições os feitos e fatos. Ele se refere desta
para ser desinternado. Isto por que a sua forma tanto às execuções feitas pelos
medida de segurança de um ano já havia amigos ou pela polícia. Mostra-se
expirado e, submetido a perícia, obteve aliviado de ter sido preso pois, assim,
laudo favorável à desinternação.” (esta como diz, ‘tou’ vivo. Demonstra não
perícia é uma perícia psiquiátrica). compreender a utilidade de sua perversa
“Não o foi, face à ausência de respaldo função para o lucro dos mandatários,
familiar ou institucional para sobreviver nem a consequente punição oficial que
em liberdade. se arrasta há três anos.
Carlos integra uma geração nascida A família, composta de avó idosa
Cress/RJ - 7a Região
64
Nós não temos necessidade de virar ação. Temos uma profusão, no Estado
da água para o vinho as leis. A Lei de brasileiro, de um aparato burocrático:
Execução Penal, que está sendo objeto prédios, pessoas, processos, mecanismos
de questionamentos, de reformulação de entrada e circulação destes processos.
quanto a regimes disciplinares especiais, Isto é o aparato burocrático funcionando.
não vai fazer este milagre de alterar a Mas não temos a legalidade em pauta.
qualidade do sistema penal em seus Então me parece que nossa luta,
aspectos de corrupção, de falta de enquanto profissionais, é fazer funcionar
capacitação profissional das pessoas a legalidade, e não o compromisso apenas
que nele trabalham, notadamente os com a burocracia que, na verdade, é o
agentes penitenciários. Então, gostaria meio através do qual o legal vai acontecer.
de reafirmar o que Bobbio diz. A questão Pois vivemos em uma sociedade altamente
é muito mais política que jurídica. burocratizada, em que a burocracia é um
Se entendermos que nosso papel é instrumento de poder que também está
meramente técnico, de produção de em nossas mãos.
texto, também estaremos corroborando, Era isso, os demais aspectos respon-
no fundo, a questão de que vivemos demos, e às contestações de vocês,
dentro de um aparato burocrático, mas durante o debate.
não temos um aparato legal em efetiva Obrigada.
Eunice Fávero
Cress/RJ - 7a Região
66
com a explicação da Elizabete de como necessidade de que os grupos sociais
surgiu esta denominação. O que temos procurem suas representações na
Gostaria de
feito, concretamente, na Comissão é Comissão, tragam temas de interesse, solicitar à
identificar os pontos de semelhança e discussões. Isto tem chegado pouco Comissão que
aproximação destas diferentes práticas à Comissão. Vimos trabalhando, mas houvesse
e as possibilidades conjuntas de nos sentimos isolados do corpo que
intervenção. representamos. Queríamos apontar
alguma forma
Márcia, pela manhã, falou nas como possibilidade para as próximas de resposta ao
parcerias que estão sendo criadas nesta reuniões este aprofundamento, posicionamento
Comissão. O que percebemos é que principalmente esta última discussão
isso não vem acontecendo dentro das da identidade profissional dentro das
deste juiz
respectivas entidades. Ainda temos áreas que compõem este Campo.
Público
Ivana Alves Machado: Bem, apesar da ser seguida e não apresentar propostas
Helaine ter pedido que encaminhássemos de alternativas que possam auxiliar
nossos questionamentos e perguntas no os juízes a mudar sua posição em
papel, pedi para falar porque o assunto relação ao nosso olhar, ao nosso
que vou trazer é para o debate, mas posicionamento. Aqui ele acrescenta
é uma contestação em relação a uma que o fato de nós, profissionais, não
crítica que foi feita pelo Dr. Guaraci indicarmos uma melhor alternativa para
Viana no jornal do Conselho. Desde que este adolescente faz com que este juiz
li, guardei-o para neste momento falar passe a desconsiderar o laudo. Recordo
sobre isso. Fiquei me perguntando se muito bem que ele colocou que nosso
caberia levantar isto, nesta mesa, uma relatório, nosso parecer, é apenas uma
vez que estamos com temas, estudo das peças do processo e ele a utiliza se
social, parecer, muito mais avançados bem quiser. Então ele faz um discurso
do que acatar ou não uma crítica de um pouco contraditório ao que colocou
um juiz. Porém, é muito importante na prática. O terceiro momento é o
ressaltar estas questões que ele coloca que ele coloca como o da execução. Aí
como críticas ao nosso trabalho. ele diz o seguinte: “neste momento, a
Vou pontuar algumas questões desta atuação do Serviço Social é nenhuma”.
fala política dele. Dr. Guaraci dividiu Não preciso nem ler o restante, mas
o nosso trabalho em três momentos “nenhuma” é um pouco exagerado.
distintos. Um trabalho que seria só Na verdade nós não temos condição
jurídico. Uma segunda situação que de executar um trabalho. Faltam-
ele chamou de “definição da melhor nos condições, faltam-nos recursos,
medida a ser tomada”. Ele está falando, situações que nos são descritas por
aqui, dos casos do DEGASE, da 2ª Vara, outras pessoas.
de adolescentes que cometeram ato Gostaria de solicitar à Comissão que
infracional, em relação aos relatórios houvesse alguma forma de resposta
que a ele são encaminhados para uma ao posicionamento desse juiz. Ainda
primeira avaliação ou uma reavaliação. que ela não fosse redigida aqui, que
E ele afirma que neste segundo a Comissão pudesse fazê-lo para o
momento, que seria de definição, há próximo jornal do nosso Conselho,
um ponto positivo e um ponto negativo. ter alguma forma de retratação dos
O que me estranha é que o ponto nossos profissionais, porque pessoas
positivo é a possibilidade do assistente de outras áreas, sejam profissionais do
social fazer um diagnóstico da situação Serviço Social ou não, podem ficar com
deste adolescente. Por outro lado, ele a falsa impressão de que realmente os
diz que é negativo o fato do profissional profissionais do Serviço Social não têm
não indicar uma melhor alternativa a atuação nenhuma.
Só queria esclarecer que esta questão foi trazida por uma colega da Segunda Vara,
da Comissão Sociojurídica. Isto está sendo discutido, qual a forma a ser adotada pelo
CRESS junto à Comissão no sentido de trabalhar esta questão que foi trazida no jornal.
Público
Hilda Corrêa de Oliveira: Estamos que o juiz colocou, está aberto para
acompanhando a polêmica que esta expressão deste grupo.
matéria gerou e estamos lamentando, A direção do CRESS não vai, neste
enquanto direção do CRESS, não termos momento, preparar sozinha uma matéria
podido conversar com a própria equipe da de resposta. Queremos fazer uma conversa
Vara. Nós estamos, desde que soubemos com a equipe e escrever alguma coisa no
da polêmica, desejosos de encontrá-los espaço do próximo número, já que está
para uma conversa. aberto. Agora, nós vamos dar sequência
Agora, independente da impressão ao plano inicial, vamos no próximo número
que a matéria causou, não sei se vocês ouvir os profissionais da área da saúde.
entenderam qual foi o norte dado pela Gostaria de perguntar se nossa
direção do CRESS a estas matérias. jornalista, Cecília, que pensou em poder
Sabemos da qualidade e do compromisso dar uma explicação a respeito disso (eu
da nossa intervenção, e temos a nossa não sei se me lembrei de tudo), se ela
maneira de ver a profissão. A direção quer falar a respeito, ou mais alguém da
do CRESS decidiu, e considerou muito direção do CRESS.
importante, ouvir a voz do outro em Cecília Contente: Boa tarde. Vou pedir
relação ao nosso trabalho. Trabalhar desculpas por não ter muita prática em falar
este conteúdo que nos chega, e preparar em público, fico sempre nos bastidores.
matérias de retorno com relação à É o seguinte. O critério da escolha dos
impressão que causamos aos outros entrevistados foi justamente pegarmos
profissionais. No número anterior do posições favoráveis e desfavoráveis. Na
Práxis ouvimos personagens da mídia. verdade sabíamos que o juiz Guaraci
Desta vez foram pessoas da área jurídica não tinha uma posição muito favorável
e temos uma sequência até o final do ano. ao Serviço Social. Por exemplo, o juiz
No próximo Práxis vamos ouvir pessoas da Siro Darlan sabemos que tem. Como
área da saúde. já tínhamos ouvido uma outra juíza,
Então, nosso plano foi ouvir estas e a ideia era abordar vários segmentos
áreas até o final do ano e ir trabalhando, dentro da área sociojurídica, uma pessoa
internamente, no Conselho, estas indicou este juiz e fui ouvi-lo.
impressões que as pessoas têm do E o que acontece? Fui questionada
assistente social. Porque temos que sobre o espaço, dizem que o espaço que
fazer um trabalho de interpretação, para demos no jornal foi maior para o juiz.
estes outros atores, sobre qual é nossa Isto não é fato. A matéria traz entrevistas
linha de trabalho, sobre quais são nossos com cinco pessoas. As quatro restantes
compromissos. Para fazê-lo não podemos nos são favoráveis. A única desfavorável
ter uma cortina passada entre nós e foi esta – se assim, também, pudermos
estas pessoas, que nos impeça de saber, entender, porque há coisas que ele falou
exatamente, como as outras pessoas nos que são interessantes, apesar de serem
veem. Então estas matérias foram e serão críticas. Temos que observar como as
construídas com este espírito. Quando as pessoas veem o Serviço Social, até para
colegas tiveram o constrangimento que poder mostrar que não é assim, que elas
estão tendo, gostaríamos de ter tido a não estão vendo a profissão de maneira
oportunidade de conversar com elas. correta, e ter espaços para esclarecer.
Desde o início combinamos que o espaço Então dei mais espaço para ele (no
de posição da categoria, em função do sentido de que ele falou mais na matéria,
Cress/RJ - 7a Região
68
é isto que está sendo questionado) por aquilo”. Há uma repercussão maior, vamos
que ele fez questão de falar. As outras abrir um grande espaço. A ideia é fazer
pessoas falavam assim: “Ah, o Serviço uma repercussão com um espaço para
Social é fundamental!”; “Ah, o Serviço vocês da Segunda Vara. Se quiserem que eu
Social é muito bom!”. É difícil construir construa a matéria, a partir do que vocês
uma entrevista em cima de depoimentos falarem para mim, podem confiar em mim,
assim. Como ele fez questão de falar não sou assessora do Guaraci, sou assessora
bastante a respeito, tive que abrir um de vocês. Meu interesse é construir uma
pouco mais de espaço na fala, porque ótima imagem de vocês, estou trabalhando
ele tinha elementos para que eu pudesse para isso há dois anos, inclusive dentro
construir o meu texto. Tecnicamente foi da mídia. Um segundo espaço está aberto
isso o que aconteceu. Mas o espaço da para a Comissão Sociojurídica.
matéria, como um todo, foi reservado O que vocês quiserem, estou aberta a
muito mais para as posições favoráveis conversar. Obrigada.
ao Serviço Social. Agora, o espaço já está
aberto no próximo número do jornal. A Hilda Corrêa de Oliveira: Estava con-
intenção de criar a polêmica foi muito versando com a Tânia e queria propor
boa. que realmente façamos acontecer
Agora, é bom pensar por que esta uma conversa na sede do CRESS para
reação não aconteceu na matéria com darmos continuidade ao debate. Temos
a mídia. Teve jornalista que falou muito que aproveitar a presença de nossa
mal de vocês. Falou que a profissão não é convidada, que veio de outro Estado,
representativa. Isso é muito pior do que daqui a pouco está no horário dela de
o juiz Guaraci falou. O jornalista acusou retorno. Isto não é estratégia para fugir
a profissão de corporativa, falou que era do debate: este entendimento pode e
uma profissão que não tinha significado vai acontecer entre nós.
algum na sociedade. Esta é uma visão
muito pior! Só que vocês não têm uma Charles Toniolo de Sousa: Sei que
relação direta com o profissional da existe uma discussão, que inclusive é
mídia. Dificilmente o assistente social retratada e discutida na revista Serviço
trabalha diretamente com ele. Então Social e Sociedade Temas Sociojurídicos,
penso que por isso tivemos este retorno sobre perícia social. Entendo que em
mais polêmico com relação à matéria termos de formação, competências e
com os profissionais da área jurídica. atribuições profissionais, os assistentes
Mas a proposta é esta! Pela primeira vez, sociais vêm exercendo esta função.
em todo o tempo que estou trabalhando Entretanto sabemos que, do ponto de
no CRESS, recebo quatro cartas para a vista até salarial, mudam-se as funções do
sessão dos leitores (coisa que não havia assistente social e do perito social, apesar
acontecido nenhuma vez). Então isto é de haver potencial de serem os mesmos.
legal! Vamos responder, e a ideia é esta, O que os palestrantes acham deste
abrir espaço para vocês dizerem: “olha, debate e o que o CRESS está discutindo
o juiz está errado quando fala isso ou ou fazendo nesta direção?
Tânia Dahmer
Eunice Fávero
Faço também minhas as palavras de a questão não é essa. Mas se for por aí, a
Bete pela manhã a respeito desta questão, tendência é essa e o valor a se pagar vai
e o que Tânia está reforçando agora. diminuir ainda mais, ao invés de acrescer.
Tenho dúvidas, inclusive, com relação Há o espaço da perícia social no interior do
ao que Tânia colocou, se é uma questão Tribunal da Justiça, mas há outro espaço,
salarial, de mercado, mas tenho quase sobretudo no trabalho junto à infância
certeza de que se a nossa função, pelo e à adolescência. Temos obrigação de
menos no âmbito do Judiciário, se limitar articular outros trabalhos vinculados às
à perícia social, a sermos um perito, nós políticas sociais. Não que iremos executá-
não seremos mais, daqui a um tempo, las no lugar do poder público, dos poderes
concursados e contratados pelo Judiciário. executivos municipal ou estadual. Mas
Seremos como existe, hoje, na Argentina: temos que nos articular a ações do
um serviço terceirizado. Existe o que Executivo para juntos avançarmos na
chamam de peritos de listagens, uma lista garantia de direitos e na denúncia de
de peritos que contempla diversas outras situações que percebemos em nosso
áreas e que, eventualmente, é chamada quotidiano. Existem espaços para as duas
e designada para realizar estudos, como coisas. Se quisermos nos limitar somente
temos hoje na Justiça Federal, com à perícia, tenho quase certeza que, nesta
relação aos previdenciários etc. conjuntura em que vivemos hoje, nossos
Em São Paulo existem diversas ONG’s serviços serão terceirizados e ganharemos
trabalhando neste sentido. Não devemos menos ainda do que ganhamos. É uma
brigar para não sermos apenas peritos por opinião pessoal, mas sobre uma realidade
reserva de mercado ou por corporativismo, que vejo em São Paulo.
Cress/RJ - 7a Região
70
totalidade, como aqui foi dito hoje. de nós produz de uma maneira diferente. É importante
A visão do parecerista não é uma Fazemos o estudo social em cima de um
discussão fechada que está acontecendo trabalho individualizado, mas qual o
que eu faça meu
no CFESS. Nós temos nas nossas categorias referencial teórico que está subjacente a trabalho com a
de atuação, nas diferentes áreas, isto? Que categorias estamos trabalhando serenidade de
profissionais que, quando indagados sobre neste estudo social? Que indicadores são
ter cumprido
um determinado laudo ou parecer, dizem estes? É isso que faz com que cada laudo
(já ouvi esta expressão): “Ah, às vezes o social, feitos até dentro de uma mesma minha
juiz pede um laudo rapidinho, um parecer equipe, tenha referências diferentes. responsabilidade
muito simples. Há outros que me pedem Não existem projetos de atuação. Em em relação
um parecer muito complexo”. Não existe muitos lugares o profissional está em uma
isso. Ou você faz um estudo social de uma equipe, mas está sozinho, não compartilha
àquele sujeito
forma séria, com qualidade, ou não faz. isto. Aí atuar com os quesitos nos dá mais
Se o perito responde a alguns quesitos e segurança do que ampliar um estudo
se limita a sua intervenção naquele tipo social, que é mais ousado, mais arriscado,
de prática, ele deixa de trazer a discussão, nos compromete mais. E temos colegas
como Elizabete colocou, das políticas que preferem não se expor, que atendem
sociais, e, principalmente, deixa de produzir simplesmente ao que lhes é solicitado. Esta
conhecimento. Nega seu conhecimento ao é uma discussão que não é só de mercado,
não colocá-lo no parecer, não socializá-lo é de status, é de entendimento de qual é
com outros atores sociais. nosso papel, de quem é o usuário de nossos
Esta é uma discussão que está serviços (Tânia usa demandatário), mas
acontecendo, que é atual, que acontece sabemos que passa também pela leitura de
no nosso quotidiano, por mais que haja qual é o papel do assistente social naquela
pareceres e laudos diferentes. Cada um instituição.
Público
Carmem Lúcia Nunes da Silva: As reflexões questão: queria saber se vocês têm um
todas que tenho foram imensamente retorno objetivo desse nosso desgastante
aumentadas nas falas de vocês. Cheguei momento de reflexão em que queremos
angustiada, saio desesperada. ser algo melhor para as pessoas com
Queria ser um pouco mais do que as quais trabalhamos efetivamente, se
uma parecerista e participar ativamente efetivamente os juízes corroboram o
dessa discussão. Só que fazer mais do que escrevemos, dizemos, propomos,
que isso significa uma sobrecarga de sugerimos, o nome que se queira dar.
trabalho. Significa estabelecer algumas Mas numa situação de fato, objetiva,
parcerias, com prefeituras e com o de que tenhamos absoluta certeza
Estado, que não têm retorno. Não sei de que aquela criança, ou o infrator,
para onde encaminho, não tenho para ou a pessoa que seja, precisa de uma
onde encaminhar. Não tenho, então, determinada medida, de um determinado
como fazer parceria com ninguém. Aí, encaminhamento, efetivamente, vocês
fazer um pouco mais, além de fazer o têm retorno dos juízes?
parecer, isto é uma conquista. A outra
Tânia Dahmer
Quanto ao parecer, sendo ele uma o que é mais importante. Mas para mim
demanda do juiz ou da Promotoria, ou não importa isso, não tenho gestão
do Conselho Penitenciário, no caso dos sobre o juiz nem tenho gestão sobre o
livramentos condicionais, o importante promotor. Esta é uma questão que não
é o seguinte: pressuponho que ele o me interessa. Não vou piorar a qualidade
lê. Já me disseram que a secretária do meu trabalho por que o Sr. Juiz não
sublinha, com aquela caneta amarelinha, leu, por que o promotor não lê inteiro, só
Cress/RJ - 7a Região
72
É uma questão a ser discutida? É! e os de vocês ainda não entraram, não
Agora, também posso, como assistente foram enquadrados. Mas todos cometeram
social, me omitir, com a informação de delitos, apenas você não tipificou
que o cara diz: “Não, aqui não queremos oficialmente que aquele sujeito cometeu
receber criminoso”. Outro dia fui a um um delito!”. Então há esses meandros, o
órgão público no Rio de Janeiro onde os medo, o preconceito, esses critérios de
usuários de droga que querem se tratar elegibilidade criados à vontade de quem
dão entrada. Ali se faz a triagem e o dirige os órgãos. Esta questão, se você
encaminhamento às instituições que fazem coloca ou não a instituição para onde o
esse tipo de trabalho. A equipe me disse: sujeito pode ser encaminhado, pode ser
“Não, vocês trabalham com criminosos!”. tratado, ter acesso a alguns recursos, é
Perguntei para a equipe: “Nenhum sujeito algo a se discutir. Não tenho uma certeza.
que se trata aqui, sendo usuário de drogas, A única convicção que tenho é a seguinte:
algum dia cometeu algum tipo de delito aquele sujeito já cumpriu a pena que
e apenas não foi flagrado?”. As pessoas tinha que cumprir. Ele já pagou. Apenas
abaixaram a cabeça e disseram: “É... Eles procura a “sua vez”. “Eu quero ter minha
fazem isso, sim. Eles roubam tocafitas, vez”. Esta, então, é uma questão que
eles tiram as coisas de dentro de casa, priorizo. Ele já pagou sua pena e não existe
roubam coisas...”. Eu disse: “Bem, qual prisão perpétua. No dia em que existir na
é a diferença? A diferença é que alguns legislação brasileira a prisão perpétua, aí
foram alcançados pela malha da justiça vamos ver como trabalhar com ela.
Como Tânia colocou a posição do juiz Ou será que estamos realmente querendo
frente a isso, quero dizer que não é só mostrar a que estamos servindo, qual o
o juiz, não. Nós trabalhamos no DEGASE nosso papel, o que estamos fazendo ali?
com todas as Comarcas do Estado do Rio e Esta discussão que houve sobre a matéria
já vivenciamos coisas históricas. Podemos no Práxis traz muito isso. Já sabíamos da
contar nos dedos quantas representações indignação das colegas, o CRESS estava
feitas por profissionais de Serviço Social aguardando um ofício ou um documento
há no Tribunal. lá da Segunda Vara (havia uma informação
Este é um questionamento que temos sobre um documento), pedindo um espaço
que fazer. Que posicionamento estamos de retratação. Quer dizer, será que
tendo, enquanto categoria, frente à posição estamos aqui para garantir o exercício
do Poder Judiciário? Será que estamos nos da cidadania, a participação? Estamos
calando, sendo coniventes, nos omitindo? realmente fazendo nosso papel?
Eunice Fávero
Que bom que você está angustiada, nossas questões específicas estão muito
viu, Carmem! Penso que a angústia nos difíceis de serem trabalhadas, discutidas,
movimenta. O pior é quando estamos modificadas.
conformados, achando que está tudo bem Isto vai fazer com que nos
ou que não há nada a fazer. Com relação desmobilizemos, não façamos mais nada?
a sua questão, vou falar um pouco da Da mesma forma, o juiz corroborar, acatar
experiência de São Paulo. Lá, hoje, nossa ou não um parecer vai nos desmobilizar?
situação não é nada confortável perante Temos juízes e juízes, como temos
o Tribunal de Justiça, na administração assistentes sociais e assistentes sociais.
atual. Temos um presidente do Tribunal Posso dizer que na grande maioria das
de Justiça (cujo mandato, graças a Deus, situações o juiz assina embaixo. E quando
termina neste ano de 2003) e o diálogo é o profissional indica (também concordo
a última coisa que ele vai promover, não que o profissional não tem que indicar
só em relação a nossa categoria, como medida legal, mas muitos indicam), ele
ao conjunto dos serviços. Por tabela, escreve “Defiro!”. É a única coisa que
Cress/RJ - 7a Região
74
Tânia Dahmer
Ana Maria, do DEGASE, faz a perguntava: “Mas vem cá, se você estiver
seguinte pergunta, dividida em dois com infecção vaginal você não vai ter
itens: a tarefa de inclusão social ou de relações? Como é que é isso?”. Quer dizer,
medidas socioeducativas muitas vezes se a infecção era, na verdade, o grande
confronta com instituições repressoras obstáculo para o sujeito constar no mapa
que costumam ter atitudes repressoras da visita íntima naquele final de semana.
perversas. A construção de um projeto Veja bem o moralismo existente dentro da
societário pensado pela categoria prioriza prisão. Neste sentido é moralismo, porque
ou não este tema? a sociedade já andou muito do ponto
Vivemos dentro de instituições de vista da relação homem e mulher; é
que abrigam adolescentes em conflito o casal que administra sua relação. Na
com a lei, adultos infratores e tal. São prisão, por exemplo, esta situação é
instituições, como apontou a discussão administrada institucionalmente, não há
da manhã, extremamente conservadoras. como não ser desta forma. Agora, que
Conservadoras no sentido de que valores o assistente social incorpora ao
conservam a tradição. A moral existente lidar com essa situação? É aí que você
é a moral conservadora da tradição, a pode entender e estar alerta à presença
repetição de um entendimento, ao longo do moralismo.
dos anos, de que tal comportamento se Há várias histórias. Um homem tinha
trata deste jeito. É muito interessante duas mulheres lá fora. A vida inteira ele
questionar qualquer coisa nessa área “empurrou com a barriga” as duas relações,
da disciplina dentro das instituições. as duas famílias. Um dia ele é preso e tem
As pessoas te acenam logo com a que escolher apenas uma mulher para
perturbação da ordem: “se fulano visitá-lo. Quer dizer, se ele não conseguiu
fez isso ele é capaz de fazer aquilo”. resolver em vinte anos a questão (olha que
Não fez, ainda, aquilo, mas “a ação é coisa séria!), isto é, em vinte anos ele não
preventiva”, você dá a porrada preventiva conseguiu ou não quis tomar uma decisão,
para que ele não chegue a fazer aquele manteve a convivência com duas famílias
outro. Então é importante localizar onde e, assim, quando ele é preso, por força de
está o conservadorismo nas instituições: credenciamento de visita, uma tem que
exatamente na moral reinante. E a moral ser escolhida! Olha que dilema! Quem vai
reinante, diz Maria Lúcia Barroco, quando definir por ele? Na verdade é o empurrão
já foi ultrapassada pelo movimento da institucional que vai fazê-lo decidir? Vocês
sociedade, se torna um moralismo. Mas, estão percebendo?
engraçado, não se ultrapassou ainda Então, temos que ter muita clareza
esta moral dentro dessas instituições. sobre esses aspectos. E não, simplesmente,
Ela continua vigorosa, e com vigor muito lidar com um processo de visita íntima
forte. Poderíamos pegar um exemplo: assim: “a senhora traz sua carteirinha,
a visita íntima nas cadeias. É o Serviço a senhora traz seu exame ginecológico,
Social quem processa essa solicitação. a senhora traz as fotos, a senhora traz
É uma forma de controle, de custódia não sei o quê, traz comprovante de que
exercida pelo Serviço Social sobre o afeto vivia com ele...”. Fazer isso qualquer
dos sujeitos, não é? Podemos rebuscar pessoa faz! Porque é simplesmente juntar
isso com todos os objetivos profissionais documentos, processar, encaminhar pelos
que quisermos, tipo “preservar vínculos trâmites internos da cadeia e pronto, vai
familiares”, que é um belo objetivo se chegar a um veredicto. Agora, o que
profissional que envernizamos na visita está implícito em uma decisão de um
íntima. Mas exercemos este controle. homem que viveu vinte anos com duas
Várias vezes, quando eu fazia o mapa mulheres, que ama os filhos, que gosta
de visita íntima, minha colega dizia: mais de uma mulher, mas tem muito mais
“Não, mas ela está com infecção vaginal, interesse na segunda, porque esta lhe
ela não pode fazer visita íntima”. Aí eu arranjou advogado, esta realmente lhe
Cress/RJ - 7a Região
76
Mônica Vicente da Silva
Eunice Fávero
Foi formada uma Frente Parlamentar Fizemos uma pesquisa em São Paulo
de Adoção para criar uma lei específica sobre a realidade das pessoas que perdem
para adoção, inclusive para se determinar o poder familiar sobre os filhos. É um
um prazo para ela. Uns defendem que seja outro lado da questão, pouco visto, pouco
de seis meses, outros de nove meses, como estudado. Às vezes, aliás, nem ouvimos
se fosse possível você igualar todas as nada a respeito. Tenho esse levantamento
situações. Sabemos que foram chamados em processos, em autos processuais e
para dar parecer aos parlamentares havia pouquíssimas informações a respeito
pessoas que não são, pelo menos, da área de quem perde o filho, de quem abandona
do Serviço Social e da Psicologia, ao menos o filho, de quem tem o filho retirado pelo
que eu tenha conhecimento; pessoas juiz. Vou deixar um exemplar da pesquisa
que não estão dentro do Judiciário, que para o CRESS-RJ para, se possível, auxiliar
não estão acompanhando de perto essa no trabalho de vocês.
questão. Então, é um alerta a vocês. Muito obrigada a todos vocês por
Como estamos tentando discutir isso em estarem aqui até o final da tarde, ao
São Paulo, temos que acompanhar esse CRESS-RJ, a Tânia, por estar aqui dividindo
debate, tentar nos incluir nessa possível conosco esse momento especial e a todos
modificação da legislação referente à nós que estivemos aqui, como disse em
adoção, porque ela está diretamente minha fala, nesse momento histórico.
vinculada ao nosso exercício profissional. Obrigada.
Tânia Dahmer
Em nome da Comissão Sociojurídica, como disse Andreia, foi bom estar com vocês.
Vamos aguardar outro Encontro, e sugerir que vocês façam contato. Os nomes dos
integrantes da Comissão estão no material que vocês receberam. Nos vemos no
próximo Encontro. Boa noite a todos!
Reimpressão:
Nº 3 Novembro, 2008, 2000 exemplares
www.cressrj.org.br/publicacoes.php
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO
Página eletrônica: www.cressrj.org.br
Endereços eletrônicos
Diretoria: diretoria@cressrj.org.br
Secretaria: secretaria@cressrj.org.br, secretaria1@cressrj.org.br,
secretaria2@cressrj.org.br ou secretaria3@cressrj.org.br
Registro e cadastro: registroeanuidade@cressrj.org.br
Orientação e fiscalização: cofi@cressrj.org.br, cofi1@cressrj.org.br,
cofi2@cressrj.org.br ou cofi3@cressrj.org.br
Assessoria de Comunicação: comunicacao@cressrj.org.br,
Assessoria Política: assessoriapolitica@cressrj.org.br
Cress/RJ - 7a Região
80