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ISBN 978-85-60593-02-6

Nº 2 - 1ª Reimpressão - Dezembro de 2010

O Serviço Social
e o Sistema
Sociojuridico

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


1
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO
Rio de Janeiro
Gestão “Ética, Autonomia e Luta”
2008/2011
Sede – Rio de Janeiro
Presidente: Fátima da Silva Grave Ortiz
Vice-Presidente: Elza Velloso
1ª Secretária: Lúcia Maria da Silva Soares
2ª Secretária: Conceição Maria Vaz Robaina
1ª Tesoureira: Newvone Ferreira da Costa
2ª Tesoureira: Alena Mab Góes Contente
Suplentes: Michelle Rodrigues de Moraes, Jurema Alves Pereira da Silva,
Mônica Vicente da Silva, Georgina de Queiroz dos Santos e Maurício Caetano Matias Soares
Conselho Fiscal: Martha Fortuna Pereira Bastos, Maria Elizabeth Freire Salvador, Leopoldina de Araújo Cardoso
Suplentes: Lisamar Bastos Simões e Erika Schreider

Seccional de Campos dos Goytacazes


Coordenadora: Janaína Alves Monteiro
Tesoureira: Luciana Custódio Soares
Secretária: Gisele Pereira Luiz
Suplente: Lidiane Pereira Braga

Seccional de Volta Redonda


Coordenadora: Sabrina Alves de Faria
Tesoureira: Carmem Lúcia Brandão
Secretária: Gilvane Mazza Ribeiro

Equipe de Recursos Humanos


Agentes fiscais: Angela Maria Corrêa Moreira Lima, Arlene Vieira Trindade, Elias Azevedo da Silva, Maria de Fátima
Valentim Pessanha, Nízia Maria Vieira dos Santos
Apoio administrativo: Aline Lucas Aires, Allan Botelho da Silva, Danuze de Souza Bandeira, Edilson Moreira dos
Santos, Elzira Marques de Oliveira, Jéssica Cristina Ferreira da Silva, José Guilherme Teixeira Marques, Marco Antônio
de Almeida, Rosângela Costa Maia, Simone Moreira dos Santos, Thiago Lobão Marques dos Santos
Assessoria de comunicação: Célio Albuquerque da Cunha
Assessoria jurídica: Drª Mônica Teixeira Faria Guimarães Arkader
Assessoria política: Jefferson Lee de Souza Ruiz
Bibliotecária: Edirlane Carvalho de Souza
Serviços gerais: Amália de Fátima de Oliveira Medeiros e Rosana Evangelista de Lima

FICHA TÉCNICA

Edição nº 2 - 1a Reimpressão - Dezembro de 2010


ISBN 978-85-60593-02-6
Esta edição da EM FOCO adota, na
Responsáveis pela reimpressão Equipe de revisão revisão ortográfica e gramatical, a
Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região Carmen Lúcia Nunes da Silva reforma ortográfica assinada pelo
Gestão “Ética, autonomia e luta” Celeste Anunciata Moreira Brasil no início de 2008.
Daisy Castro Lino Liao
Projeto gráfico Eliana Beserra da Silva
Carlos D Márcia Nogueira da Silva
Tiago Cambará Mirian de Souza Silva
Mônica Vicente da Silva
Coordenação técnica Tiragem
Newvone Ferreira da Costa
Jefferson Lee de Souza Ruiz 1.000 exemplares
Sara Martins Araújo
Mônica Vicente da Silva
Impressão
Newvone Ferreira da Costa Revisão final Vênus Luar Artes Gráficas Editora Ltda.
Cress/RJ - 7a Região Jefferson Lee de Souza Ruiz Rio de Janeiro / 2010
2
Sumário

Apresentação à primeira reimpressão 5

Apresentação da segunda edição – mês/ano 7

Prefácio
Andreia Cristina Alves Pequeno 8

Composição da Comissão Sociojurídica do CRESS-RJ 10

Programa do Evento 10

Mesa de Abertura 11
Coordenação: Hilda Corrêa de Oliveira

Mesa 1
“Ética e direitos humanos na sociedade e no Serviço Social” 19
Coordenação: Mirian de Souza Silva e Márcia Nogueira

Marcelo Freixo 20
Elisabete Borgianni 25
Debates 33

Mesa 2
“As implicações ético-políticas do processo de construção do estudo social” 44
Coordenação: Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti e Mônica Vicente da Silva

Eunice Fávero 44
Tânia Dahmer 54
Debates 66

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


3
Cress/RJ - 7a Região
4
Apresentação

A revista EM FOCO é uma iniciativa do Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região.


Seu lançamento teve como principal objetivo socializar debates realizados pelo Conselho.
A edição que teve por tema “Serviço Social e o Sistema Sociojurídico”, como as demais,
alcançou forte repercussão. Ela relata o primeiro grande debate promovido pela Comissão
Sociojurídica do CRESS-RJ, em março de 2003, e tornou-se parte de bibliografia de concursos
e de disciplinas de cursos de Serviço Social em diversas partes do país. O sucesso da publicação
fez com que esta edição se esgotasse e, neste momento, tivesse uma reimpressão com novo
formato, sem alteração de conteúdo ou dos objetivos da revista.
No decorrer destes sete anos, a Comissão Sociojurídica tem aprofundado o debate sobre
as particularidades deste campo do exercício profissional, sobretudo nas suas expressões
nas instituições de natureza pública no Estado do Rio de Janeiro – mais precisamente, no
Tribunal de Justiça, no Ministério Público, no Departamento de Ações Socioeducativas, na
Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e na Ordem dos Advogados do Brasil.
Os eixos de trabalho da Comissão* são direcionados para a construção de um espaço
interinstitucional que contribua na viabilização do projeto ético político do Serviço Social
brasileiro neste campo. Visam, ainda, apresentar as questões contemporâneas mais
relevantes nos âmbitos ético, teórico-metodológico e operativo da profissão à reflexão,
discutindo a instrumentalidade do Serviço Social neste espaço ocupacional e possibilitando
o aprimoramento do fazer profissional para lidar com desafios emanantes do quotidiano
institucional e da sua especialização no mundo do trabalho.
As pautas recentes de discussão envolvem reflexões sobre o processo contemporâneo
de aprofundamento das desigualdades sociais, a precarização das relações do mundo do
trabalho, a redução da participação do Estado na implementação de políticas públicas e a
consequente transferência de responsabilidades da esfera pública para o setor privado.
Esta revista EM FOCO busca, assim, expressar a materialidade do nosso projeto ético
político profissional, somar-se à produção bibliográfica sobre esta temática e contribuir
com o aprimoramento profissional, socializando experiência ímpar de um evento construído
coletivamente – e que é fruto da consonância do CRESS-RJ com as demandas da categoria.

Conselho Regional de Serviço Social – 7ª Região (RJ)


Gestão “Ética, Autonomia e Luta” – 2008 a 2011

* A composição da Comissão Sociojurídica do CRESS/RJ, no ano de 2010, é a seguinte:


Carmen Lúcia Nunes da Silva – TJ/RJ
Celeste Anunciata Moreira – DEGASE/RJ
Daisy Castro Lino Liao – PEGGE/UERJ
Eliana Beserra da Silva – TJ/RJ
Márcia Nogueira da Silva – MP/RJ
Mirian de Souza Silva – TJ/RJ
Mônica Vicente da Silva – TJ/RJ
Newvone Ferreira da Costa – SEAP/RJ
Sara Martins Araújo – mestranda ESS/UFRJ

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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EXPEDIENTE DA TERCEIRA EDIÇÃO

CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL – 7ª REGIÃO


Rio de Janeiro

Gestão “A gente é tanta gente onde quer que a gente vá” – 2002 a 2005
Sede – Rio de Janeiro Seccional de Campos
Presidente: Hilda Corrêa de Oliveira Coordenador: Leonardo Marques Pessanha
Vice-presidente: Mavi Pacheco Rodrigues Tesoureira: Júnia de Souza Elias
1ª Secretária: Rosely Reis Lorenzato Secretária: Surama Fonseca Monteiro
2º Secretário: Márcio Eduardo Brotto Suplentes: Mauci Isabel dos Santos, Tânia Elizabete
1ª Tesoureira: Marinete Cordeiro Moreira Gonçalves
2ª Tesoureira: Andreia Cristina Alves Pequeno
Suplentes: Renato dos Santos Veloso Seccional de Volta Redonda
Rodrigo Silva Lima Coordenadora: Ariane Rego de Paiva
Fátima Valéria Ferreira de Souza Tesoureira: Angela Amélia Chaves de Sá
Claudete Jesus de Oliveira Secretária: Eliane Coimbra Farhat
Suplentes: Luciana Adriele do Nascimento, Cristiane
Conselho Fiscal Valéria da Silva Barvelo
Presidente: Magali da Silva Almeida
1ª`Vogal: Sandra Regina do Carmo
2ª Vogal: Tânia Dahmer Pereira

Equipe de recursos humanos:


Agentes fiscais: Angela Maria Corrêa Moreira Lima, Maria de Fátima
Valentim Pessanha, Nízia Maria Vieira dos Santos
Assessoria de comunicação: Maria Cecília Lira Contente
Assessoria jurídica: Dr. Carlos Alexandre Fiaux Ramos
Assessoria política: Jefferson Lee de Souza Ruiz
Assistentes administrativos: Daisy Christina Gomes, Daniel
Domingues Monteiro, Edilson Moreira dos Santos, Elzira Marques de
Oliveira, Rosângela Costa Maia, Rachel Quintanilha Bense, Simone
Moreira dos Santos, Socorro Barbosa Gomes
Auxiliar de Serviços Gerais: Amália de Fátima de Oliveira Medeiros
Coordenação administrativo-financeira: Marco Antônio de Almeida

FICHA TÉCNICA

Em Foco – edição nº 2 - Maio de 2004


ISBN 978-85-60593-02-6

Responsáveis pela organização editorial Tiragem


Andreia Pequeno 2.000 exemplares
Jefferson Lee de Souza Ruiz
Impressão:
Capa/Fotos: Rio Center Ltda.
João Roberto Ripper Rio de Janeiro – 2004

Transcrição, digitação e revisão


Jefferson Lee de Souza Ruiz

Cress/RJ - 7a Região
6
Apresentação à primeira reimpressão*

Este número da Revista “Em Foco” expressa a sintonia do CRESS 7ª Região com a agenda
política aprovada pela categoria no 10º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ocorrido em
outubro de 2001, no Rio de Janeiro. O referido evento não só inaugurou, dentre suas Sessões
Temáticas, o tema “Serviço Social e Sistema Sociojurídico” – o que permitiu reunir análises
teórico-práticas quanto ao trabalho de profissionais que atuam no judiciário e penitenciárias
– como também deliberou uma agenda política que contém seis ações relacionadas ao campo
sociojurídico.
Eleita em 2002, a atual diretoria do CRESS – 7ª Região (Gestão “A gente é tanta gente
onde quer que a gente vá”) incorporou, com seriedade, as diretrizes da agenda política
aprovada. Entendendo a importância de aglutinar os profissionais que atuam no sistema
sociojurídico constituiu, no segundo semestre do mesmo ano, a Comissão Sociojurídica,
num ato de pioneirismo no Conjunto CFESS / CRESS. A Comissão é composta por diretores
do CRESS-RJ e assistentes sociais que atuam no Tribunal de Justiça, no Ministério Público,
no Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE) e na Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária (SEAP), escolhidos por seus pares.
Ao longo de sua trajetória de aproximadamente um ano e meio a Comissão Sociojurídica
vem promovendo algumas ações, dentre elas discussões internas entre seus componentes
e ampliadas com a categoria, com o intuito de aprofundar o debate a respeito das
particularidades que caracterizam a intervenção profissional neste campo. Dessa forma,
buscamos contribuir com o aprimoramento profissional e, sobretudo, com a prestação de
serviços de qualidade, com a defesa intransigente dos direitos humanos e com a ampliação
e consolidação da cidadania, no claro intuito de consolidar o projeto ético-político que a
categoria vem construindo nos últimos vinte anos.
Assim, é com imenso deleite que apresentamos o proveitoso debate travado no primeiro
evento promovido pela Comissão Sociojurídica do CRESS-RJ, ocorrido em maio de 2003, que
versou sobre “O compromisso ético-político na elaboração do estudo social: para além da
dimensão técnica”. Seu conteúdo, temos certeza, muito contribuirá para as reflexões e a
prática profissional daqueles que o acessarem.
Nestes tempos difíceis, a defesa da ética e dos direitos humanos se faz imperiosa e deve
ser um compromisso assumido por todos nós, e a ser expresso, principalmente, no quotidiano
de nossa intervenção profissional.

Diretoria do Conselho Regional de Serviço Social – RJ


Gestão “A Gente é Tanta Gente Onde Quer que a Gente vá”
2002-2005

Comissão Sociojurídica do CRESS-RJ

*Redigida em 2004, quando da publicação da primeira edição da revista.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


7
Prefácio
Andreia Cristina Alves Pequeno*

É bastante provável que ao se tentar recuperar a trajetória histórica do Serviço


Social no campo sociojurídico se identifique o início deste século XXI como um período
de avanço e de construção de identidade nesta área da intervenção profissional.
Embora assistentes sociais atuem há várias décadas — desde a década de 1930 nos
Juizados de Menores dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, e no sistema penal
do Rio de Janeiro desde a década de 1950 — a denominação sociojurídico toma corpo
às vésperas do 10º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (2001) onde, pela
primeira vez, se realiza uma sessão temática denominada “Serviço Social e Sistema
Sociojurídico”. As teses apresentadas e os debates ali transcorridos dão origem a
uma agenda política nacional em torno do tema. Neste mesmo evento é lançada,
pela Editora Cortez, um número da Revista Serviço Social e Sociedade que aborda,
exclusivamente, questões referentes a esta temática.
A partir de então há outras iniciativas que referendam a identificação deste
campo de atuação. Dentre elas podemos destacar: a constituição, no ano de 2002,
pelo CRESS–7ª Região (RJ), no âmbito de sua estrutura organizacional, de comissão
temática denominada Sociojurídica; a deliberação, no Encontro Nacional CFESS/
CRESS, realizado em Salvador no ano de 2003, a partir de proposta encaminhada
inicialmente pelo CRESS-RJ, da promoção do Encontro Nacional do Serviço Social
no Campo Sociojurídico, que será realizado em setembro/2004, em Curitiba (PR); a
apresentação da oficina temática também denominada “Serviço Social Sociojurídico”,
em novembro de 2003, no 2º Congresso Paranaense de Assistentes Sociais; e, neste
mesmo ano, a incorporação na grade curricular do curso de graduação da Faculdade
de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro de uma disciplina sobre
o campo sociojurídico.
* Assistente Social do Tribunal Além do reconhecimento deste campo pela categoria, deparamo-nos com outros
de Justiça do Rio de Janeiro desafios a serem enfrentados. Afinal: quais instituições podem ser consideradas
Mestre em Serviço Social
Diretora do CRESS 7ª Região-RJ
integrantes deste espaço de intervenção profissional? Quais peculiaridades dão unidade
e conferem identidade a estas instituições? Quais são as principais questões que
permeiam este campo de intervenção profissional? São interrogações cujas respostas,
1
Após o evento transcrito ainda inconclusas, demandam profunda discussão pelos assistentes sociais.
nesta edição da “Em Foco” foi Inseridos no campo sociojurídico, os assistentes sociais atuam em instituições que
editada a Lei Federal 10.792,
de 01/12/03. Ela extinguiu interferem e, até mesmo, administram a vida quotidiana de pessoas que, qualificadas
a atribuição de realização como sem condições para a vida em sociedade, podem ser vítimas de situações de
de exame criminológico
pelas Comissões Técnicas
confinamento. Nestas instituições o controle da vida privada e das relações sociais é
de Classificação nos casos referendado pelo Estado — que, por vezes, chega a legitimar práticas autoritárias,
de livramento condicional
como a invasão da privacidade, a coerção, a força e a repressão. Os profissionais se
e progressão de regime das
penas privativas de liberdade. deparam, muitas vezes, com o poder de decidir sobre a vida do usuário dos serviços,
No momento da edição da à medida em que significativa demanda da intervenção profissional se expressa na
revista não dispomos de
informações sobre como estão realização de pareceres sociais e exames criminológicos1 cujos conteúdos servem de
se posicionando o Juízo e o subsídios para que autoridades deliberem sobre a vida alheia.
Ministério Público das Varas de
Execução Penas dos diversos Neste campo os profissionais não têm como se furtar ao binômio garantia de direitos
estados brasileiros. No Rio versus violação de direitos, que se intensifica num contexto neoliberal marcado pelo
de Janeiro, até a presente
data, prossegue a demanda adensamento das desigualdades sociais, pelo desmonte das políticas públicas sociais
de exames criminológicos pela e pelo fortalecimento das lógicas do favor, do assistencialismo, da politicagem e
Vara de Execuções Penais aos
profissionais de Psicologia, do preconceito, elementos que há anos constituem a formação econômica, política,
Psiquiatria e Serviço Social. cultural e social do país.

Cress/RJ - 7a Região
8
Embora no Brasil tenhamos conquistado um aparato legal significativo que garante Este debate
um sistema de proteção social, inclusive avançado em algumas áreas, não temos
ainda a expressão destas conquistas na vida social quotidiana. Assim, concordamos
oferece
com BOBBIO quando afirma que “o problema fundamental em relação aos direitos do subsídios para
homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um que o assistente
problema não filosófico, mas político” (A Era dos Direitos, 1992, p.24).
Assim, a vivência da cidadania e da justiça social ainda está por ser efetivamente
social possa
conquistada, o que exige por parte dos assistentes sociais um compromisso quotidiano ser um sujeito
com o projeto ético-político que a categoria vem consolidando nos últimos 20 anos. facilitador no
Exige, portanto, compromisso com a materialização dos princípios fundamentais do processo de
nosso Código de Ética profissional.
O evento “O Compromisso ético-político na elaboração do estudo social: para além
conquista e
da dimensão técnica”, evidencia a complexidade e a seriedade das questões abordadas, garantia de
ao mesmo tempo em que consegue transmitir o compromisso e a sensibilidade dos direitos
palestrantes com os temas elencados. É propiciado ao leitor um mergulho contagiante
na problematização dos desafios profissionais que temos neste campo, tais como a
questão da ética na sociedade e no Serviço Social, o acesso aos direitos humanos no
Brasil e a elaboração do parecer social como compromisso ético-político do assistente
social.
Assim, Marcelo Freixo (Presidente do Conselho de Comunidade da Comarca do
Rio de Janeiro) e Elisabete Borgianni (assistente social e conselheira do CFESS) nos
convidam a enfrentar as amarras da sociedade brasileira em busca dos direitos de
cidadania. Abordam a vigência de um Estado Mínimo de direitos no Brasil, que se
opõe à universalização dos direitos humanos e legitima a implementação de políticas
sociais excludentes, incentivando a desigualdade social e a criminalidade urbana —
enfrentadas, muitas vezes, pelo viés da repressão. Desafiam, assim, os assistentes
sociais que atuam neste campo à disseminação de uma concepção e conduta ética
pautadas na defesa intransigente dos direitos humanos.
Posteriormente, as assistentes sociais Eunice Fávero e Tânia Dahmer —
respectivamente, profissionais do Tribunal de Justiça de São Paulo e da Secretaria
de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (antigo DESIPE) — nos
convidam à reflexão teórico-prática e ético-política acerca do processo de construção
do parecer social. Pontuam o caráter ético-político deste instrumento de trabalho,
que não pode ser compreendido como uma ação meramente burocrática ou como
expressão de uma falsa neutralidade profissional, à medida em que se constitui, de
fato, em um veículo que pode contribuir efetivamente com a viabilização de direitos
ou reafirmar o arbítrio e a coerção.
Expressando a real e profícua condição de unidade entre teoria e prática, este
debate oferece à categoria subsídios ético-políticos e teórico-metodológicos para que
no quotidiano de seu exercício profissional o assistente social possa, de fato, ser um
sujeito facilitador no processo de conquista e garantia de direitos.
Temos certo que não se encontrará aqui receitas infalíveis e/ou respostas
definitivas para todas as questões e dúvidas que o campo sociojurídico suscita. Mas
o leitor terá contato com ricas reflexões sobre os problemas que os profissionais do
Serviço Social enfrentam nesta área na atualidade e, possivelmente, daqueles que
ainda estão por vir.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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II Reunião Ampliada da Comissão
Sociojurídica
O compromisso ético-político na elaboração do estudo social:
para além da dimensão técnica

Programação
9 de maio/2003
Local: Auditório Central da Petrobrás – Av. Chile, nº 65 – Centro – Rio de Janeiro

9h00 – Mesa de Abertura

9h30 – Lançamento da Pesquisa: “As atribuições do assistente social no Campo Sociojurídico”


• Yolanda Guerra – professora da UFRJ

10h00 – Ética e direitos humanos na sociedade e no Serviço Social


• José Maria Gomes – professor da UFRJ
• Marcelo Freixo – Presidente do Conselho de Comunidade da Comarca do Rio de Janeiro
• Elisabete Borgianni – TJ – SP / Representante do CFESS no CONANDA

11h00 – Debates

14h00 – As implicações ético-políticas do processo de construção do estudo social


• Eunice Fávero – assistente social – TJ – SP / 1ª secretária da AASPTJ – SP
• Tânia Dahmer – assistente social – DESIPE / Conselheira do CRESS-RJ

15h00 – Debates

Composição da Comissão Sociojurídica do CRESS-RJ *


Andreia Cristina Alves Pequeno TJ – RJ
Mônica Vicente da Silva TJ – RJ
Mirian de Souza Silva TJ – RJ
Rita de Cássia R. S. Queiroz TJ – RJ
Glória Maria Mendes Gonzáles TJ – RJ
Helaine Maria Lopes V. Piorotti DEGASE
Cássia Coletti DEGASE
Neide Aparecida Silva DEGASE
Newvone Ferreira da Costa DESIPE
Tânia Dahmer DESIPE
Márcia Nogueira da Silva MP - RJ
Carmem Lúcia Nunes TJ - RJ
Ana Paula A. Pacheco TJ - RJ

* à época do evento transcrito nesta edição da “Em Foco”.


Mesa de Abertura

Seminário:
O Serviço Social e o
Sistema Sociojurídico
9 de maio de 2003
Hilda Corrêa de Oliveira*

Vou chamar algumas companheiras –, à equipe de funcionários do Conselho


para compor a mesa, aqui, comigo: – que também, há dias, trabalha para
a nossa representante do Conselho o êxito desta nossa programação.
Federal de Serviço Social, a assistente Quero fazer, também, uma referência
social Elizabete Borgianni, que veio de à Petrobrás e a sua equipe, por nos ter
São Paulo para atender ao nosso convite disponibilizado o espaço para nossos
e a conselheira do Conselho Regional de trabalhos.
Serviço Social do Rio de Janeiro, Andreia Os assistentes sociais que se
Pequeno, que é uma das coordenadoras organizaram para comparecer a este
da Comissão Sociojurídica do nosso evento estão demonstrando empenho
Conselho Regional. e investimento na qualificação da
É com muito prazer que faço a sua prática profissional. Devemos nos
abertura do primeiro dos quatro alegrar muito por fazer parte desta
seminários temáticos que o CRESS-RJ profissão no Brasil. Ela tem pouco mais
programou com referência à passagem do de 60 anos de existência: nasceu com um
Dia do Assistente Social no mês de maio. determinado perfil e foi capaz, por força
São quatro seminários, que tratarão da do compromisso e da capacitação de
área Sociojurídica, do Serviço Social na seus integrantes, de dar uma virada no
Educação, do Serviço Social na Saúde e perfil de sua origem, comprometendo-
da presença de assistentes sociais nos se em atender aos interesses da classe
Conselhos de controle de políticas. trabalhadora, que demanda seus
Cumprimento a todos pela presença, serviços. Nós temos tudo a comemorar!
aos companheiros e convidados que já Há poucos dias alguém nos perguntava,
se encontram presentes para realizar as pela passagem do dia 15 de maio, o que
conferências do dia, à representante do os assistentes sociais têm a comemorar. *Hilda Corrêa de Oliveira
é presidente do Conselho
CFESS, à Comissão Sociojurídica – que se Nós sabemos que temos muito: temos tido Regional de Serviço Social –
ocupou da organização deste seminário compromisso sério com um bom trabalho, 7ª Região (RJ).

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Temos um nível com a viabilização do acesso a direitos à ela decidimos tratar do seguinte assunto:
população que nos procura, com políticas “O Estado brasileiro na atualidade e as
de organização sociais públicas e de qualidade. Temos um políticas sociais no Governo Lula”. Por
interessantíssimo, nível de organização interessantíssimo, que o Estado brasileiro? A preocupação
muito superior a muito superior a outras categorias é detectar se estamos caminhando para
profissionais bem mais antigas que a tornar público o Estado brasileiro nestes
outras categorias
nossa. Temos um projeto ético-político novos tempos, num governo de perfil
profissionais bem profissional modelado coletivamente no democrático e popular. Queremos fazer
mais antigas, final dos anos 70 e no início dos anos 80, esta discussão, compreendendo que o
um projeto que avança por força do esforço coletivo. Estado brasileiro nunca foi público, mas
E possuímos a clareza de que, para que precisa ser. Fizemos uma tentativa de
ético-político consolidar este projeto, precisamos ter as trazer alguém do próprio Governo, pois
que avança por entidades de representação da categoria entendemos que, mesmo nós sabendo como
força do esforço em um movimento muito próximo com deve ser este Estado, que investimentos
os profissionais nos diversos campos devem ser feitos, seria muito importante
coletivo
de trabalho. É isso que vejo acontecer trazer alguém do Governo que pudesse
em todos os Regionais, em todos os estabelecer este diálogo. Infelizmente
estados de nosso país, em especial no não tivemos sucesso com a pessoa
Rio de Janeiro, onde vivenciamos, no escolhida, que seria o professor Carlos
quotidiano, a aproximação das colegas Lessa, que nos respondeu esta semana de
do Conselho para estarem presentes nas sua impossibilidade. Estendemos o convite
discussões temáticas, possibilitando que a uma pessoa da Executiva do Programa
nosso projeto avance. Fome Zero. Teremos a participação da
Queria rapidamente mencionar o professora Ivanete Boschetti, da UnB
investimento que nosso Regional fez para (Universidade de Brasília), que vai discutir
as comemorações deste mês de maio. Há conosco a questão da seguridade social no
alguns anos tínhamos atividade restrita a Brasil, e da companheira Rute Gusmão,
um único dia, o próprio 15 de maio. Depois aqui do Rio de Janeiro, que vai fazer uma
tínhamos mais coisas a trocar e fizemos análise do Estado brasileiro, já que se
programação para uma semana. Hoje, o dedica há algum tempo a esta análise.
volume de questões a trocar entre nós é Por último, queria ressaltar o
tão acentuado que nós temos demandas investimento feito para dar visibilidade
para realizar programação para todo um à nossa profissão. Há um lindo material
mês de discussão. que o Conselho Federal preparou e está
Assim, nosso Regional programou, pelo exposto aqui ao lado. Em todo o Brasil
terceiro ano, o projeto de minicursos. serão colocados outdoors. Aqui no Rio
Estamos realizando, em todo o Estado do sempre fazemos isto, mas, neste ano,
Rio de Janeiro, trinta e cinco minicursos devido à poluição visual dos espaços da
em maio de 2003. O assessor jurídico cidade, optamos por utilizar cartazes
do CRESS nos chamou para fazer uma em ônibus. Serão trinta linhas, no Rio,
espécie de censura à direção. E qual na Baixada e em Niterói, movimentando
era ela? “Por que vocês chamam este esta nossa mensagem.
conjunto de cursos de ‘mini’”?, nos disse. Preparamos uma matéria para o
Ele também atende a outros Conselhos jornal Brasil de Fato. É um jornal de
Profissionais e nos disse: “o que estou esquerda, recém-lançado no Brasil, e
vendo vocês fazerem é de um porte tão deve divulgar nossos compromissos na
grande que chamar de minicurso é um próxima semana. Temos um investimento
grande equívoco!”. Dissemos a ele que só feito na tentativa de garantir a presença
é “mini” no tempo, porque a qualidade de um representante do Serviço Social
e a dimensão das questões tratadas no programa do Jô Soares. Além disso, o
realmente são imensas. CRESS preparou um cartão postal (que é
Então estamos realizando estes muito comum ser veiculado em cinemas
minicursos, os quatro seminários e teatros), que irá divulgar a mensagem
temáticos e a nossa mesa redonda. Para a seguir. De um lado do cartão postal há

Cress/RJ - 7a Região
12
um homem negro, mendigo, em baixo de disso, lançamos nesta semana a primeira
um viaduto, numa situação de esperar revista do CRESS do Rio de Janeiro. Ela
esmola, ajuda; junto dele, a pergunta: se chama “Em Foco” e neste primeiro
“A caridade e a solidariedade resolvem os número apresenta a temática do Serviço
problemas sociais do Brasil?”. No verso, Social Clínico, reproduzindo um debate
nós dizemos: “Desigualdade social se que aconteceu no ano passado em
enfrenta com direitos e políticas públicas parceria com a área de Pós-Graduação de
de qualidade. E os assistentes sociais Serviço Social da UERJ, com o comando
trabalham nesta perspectiva há mais de da professora Maria Inês Bravo. A ideia é
vinte anos”. E dizemos que é uma profissão que tenhamos duas edições ao ano desta
regulamentada no Brasil. Está muito revista.
bonito o visual do cartão, fizemos uma É bom explicarmos isto, porque este
tiragem de 15 mil exemplares. A partir investimento todo foi realizado com o
de segunda-feira ele já estará disponível dinheiro que a categoria disponibiliza
nestes lugares que citei e no dia 15 a à entidade através das anuidades.
categoria poderá ter acesso a ele. Entendemos que é muito importante
Fizemos também uma cartilha dirigida dizer à sociedade quem somos e quais
aos assistentes sociais com informações são os nossos compromissos.
sobre o exercício profissional, o trabalho Muito obrigada e parabéns a todos nós.
de fiscalização do CRESS, nossos Vou passar a palavra agora para a
procedimento na área da ética. Ela Bete Borgianni, representando o CFESS
também estará disponível no dia 15. Além (Conselho Federal de Serviço Social).

Elisabete Borgianni

Bom dia a todas e todos. Gostaria Queria saudar, também, a iniciativa


de dizer da minha enorme satisfação do CRESS-RJ de fazer estas peças, este
de estar aqui, com vocês, a convite do cartão com esta mensagem tão bonita.
CRESS do Rio de Janeiro. O CFESS tem Está tão na moda falar em solidariedade,
estado presente nas comemorações do não é? Este país parece que acordou
Dia do Assistente Social pelo Brasil afora. para a questão social, mas ainda de uma
Aliás, não é mais dia, nem semana, já é forma filantrópica, pensando na ajuda,
Mês do Assistente Social, não é? Somos tudo aquilo que nós já superamos um
uma categoria que tem orgulho de nossa dia, que nossa profissão já conseguiu
profissão e queremos sempre saudá-la, avançar na análise. Muitas vezes vemos,
trocar ideias, dividir angústias, avanços e, até, companheiras que estão no poder
realmente, a Semana do Assistente Social sem romper com esta visão e é muito
é um momento muito rico para todos nós. importante que o CRESS tenha este
Queria, então, saudar ao CRESS-RJ, a Hilda papel, de mostrar para a sociedade o
e a todas as companheiras por este trabalho que fazemos, o que é esta profissão, o
maravilhoso que estão fazendo, reunindo que é ser assistente social, trabalhar com
a categoria e discutindo o quotidiano as políticas sociais, com as políticas de
profissional em todas as frentes e em todas inclusão, enfim.
as áreas. Estamos convencidas de que é Digo a vocês que tenho muito orgulho
isso que precisamos fazer. Precisamos de estar no CFESS. Nossa gestão começou
nos encontrar, conversar, debater nossos no dia 15 de maio passado, como a de
problemas, nossos dilemas, o que nos falta vocês no CRESS-RJ. Eu já tive a honra,
na academia, nos cursos, nos estágios, no também, de presidir o CRESS de São
exercício profissional. Como precisamos Paulo, há dez anos. Tenho uma satisfação
ser valorizados em nosso dia-a-dia. Como muito grande de estar na organização da
precisamos que aqueles que demandam os categoria. E por quê? Por que há pelo
nossos serviços entendam o que fazemos menos cinco gestões (posso dizer isto do
e a importância do que fazemos. CFESS e da maioria dos CRESS’s, embora

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existam diferenças) vimos trabalhando livros, eles trabalham com brochuras. A
pela real democratização do Conselho. ditadura acabou com a vida universitária
Somos 18 membros que trabalham e agora, há alguns anos, é que estão
de forma colegiada. Derrubamos o tentando reverter este processo. Com
presidencialismo, ainda que existam os todo nosso projeto ético-político – que
cargos de presidente, de vice, de primeira começou lá no “Congresso da Virada”,
secretária (o meu cargo). Ainda que em 79 – o Brasil está, seguramente, uns
existam os cargos oficiais, como manda quinze anos à frente, em sua reflexão
a legislação, trabalhamos efetivamente teórica e política, em relação a estes
de forma colegiada. Todos participam países. E também no que diz respeito
de tudo, todos enfrentam os mesmos à organização. E eles reconhecem isto.
dilemas e os problemas da categoria Para vocês terem uma ideia, quando eles
da mesma forma, tentam acumular estudam a profissão ainda estudam Ander
conhecimentos em todas as frentes. Egg, Bóris Lima, Herman Kruse, esta é a
Então, nós não temos o especialista da referência mais avançada que eles têm.
saúde, o especialista da assistência, o Quando você leva o pensamento de José
especialista do sociojurídico. Tentamos Paulo Netto, de Marilda Iamamoto, do
socializar as informações o tempo todo que no Brasil se discute em relação a um
e isso não é fácil. A sede do Conselho Conselho de Fiscalização Profissional,
Federal é em Brasília. São dezoito por exemplo, que não tem que ficar
conselheiros, cada um de um canto só lidando com a fiscalização contábil,
do país. Quando vamos para Brasília vendo se o profissional está pagando a
trabalhamos incansavelmente, das oito anuidade, isto é novidade para eles.
da manhã às onze da noite. Ou seja, é Hoje os Conselhos têm assento nos
um esforço por que acreditamos que a Conselhos de direitos do país (nós, do
categoria avançou no Brasil, por que CFESS, temos assento, por exemplo, no
teve uma organização muito importante Conselho Nacional da Assistência Social,
das suas entidades (do Conjunto da Criança e do Adolescente, da Saúde,
CFESS/CRESS, da ABEPSS – que cuida do Idoso, do Orçamento Público). Isto
da área de ensino – e da organização é um protagonismo que os assistentes
estudantil). Talvez a que mais progrediu sociais brasileiros construíram para além
enquanto organização no mundo (chego da sua profissão. Eles sabem que, hoje,
a arriscar a dizê-lo). Vim há pouco de para avançar, a profissão precisa estar
um Congresso de assistentes sociais na antenada com a política de garantia de
Argentina, na cidade de Tandil, que direitos na sociedade. Os argentinos
reuniu 1300 colegas. Fui pela Cortez não têm isso. Há até colegas que têm
Editora, levando o debate brasileiro que uma referência avançada, mas eles não
está nos nossos livros, ou seja, o que é o têm um grupo que esteja na academia,
pensamento do Serviço Social brasileiro, que esteja na organização profissional,
hoje. Deu para perceber como nós, no movimento estudantil, levando um
aqui no Brasil, enquanto categoria, projeto de profissão, com um código de
avançamos em organização. A Argentina, ética que aglutine as vontades, que pense
por exemplo, tem uma tradição; todas uma profissão. Nós temos. Então, mesmo
sabemos o quanto aprendemos com os havendo problemas na profissão, mesmo
argentinos, com os chilenos, com os que nosso dia-a-dia seja complicado, tive
uruguaios lá no final da década de 70, muito orgulho de ver o quanto avançamos
na Reconceituação. Nos abastecemos nestes anos, nesta construção; de ver
daquele debate, demos a virada do gente que não ganha nada para estar à
nosso Serviço Social tradicional nos frente dos CRESS´s (por que, como vocês
abastecendo daquilo. Infelizmente as sabem, o trabalho no CRESS e no CFESS
ditaduras no continente latinoamericano não é remunerado), que trabalha dia e
conseguiram promover um atraso noite, em vários gestões, em nome da
brutal do ponto de vista editorial, da construção de uma profissão diferente,
produção acadêmica. Eles têm poucos de um fazer diferente, de um país

Cress/RJ - 7a Região
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diferente. Sinto-me honrada de ter sido debater os dilemas do dia-a-dia na área Este evento
convidada por vocês, colegas do Rio judiciária, na área penitenciária, numa
de Janeiro que estão preocupadas em Semana do Assistente Social.
tem relação
direta com a
construção
Andreia Cristina Alves Pequeno da Comissão
Eu sou Andreia, faço parte da diretoria tem como representantes assistentes
Sociojurídica
do CRESS-RJ e da Comissão Sociojurídica. sociais do Tribunal de Justiça, do DEGASE, e tem sua
Hoje é um dia muito especial. Estamos do DESIPE e do Ministério Público. Agora origem ligada
muito felizes com a realização deste começamos a identificar que algumas
evento. Ultrapassamos a quantidade de
ao CBAS em que
instituições foram esquecidas no processo
200 inscrições. Inicialmente este evento inicial de composição desta Comissão. se constituiu
estava previsto para acontecer em um E estamos pensando como incorporar os um grupo
outro auditório, que tinha a metade de colegas destes locais. A Comissão vem se denominado
lugares que temos aqui, e não tínhamos a reunindo quinzenalmente no CRESS-RJ.
expectativa de lotá-lo. Aconteceu até de Começamos a pensar como seria
sociojurídico
termos que dizer a algumas colegas que já a interlocução desta Comissão com a
não havia mais inscrições abertas. Então totalidade da categoria. Então decidimos
isto é uma vitória, uma conquista nossa: que, além das reuniões quinzenais, a
identificar tantos profissionais dispostos a cada dois meses realizaríamos reuniões
pensar sobre seu exercício profissional e ampliadas com a categoria. A primeira
sobre as questões que permeiam a nossa reunião aconteceu em março e teve um
prática. número bastante reduzido de assistentes
Este evento tem uma relação sociais (ficamos um pouco tristes com
direta com a construção da Comissão isso, mas houve dificuldades em relação à
Sociojurídica e tem sua origem ligada ao divulgação). Nela, definiu-se que a segunda
último Congresso Brasileiro de Assistentes reunião ampliada deveria ser um Seminário
Sociais (CBAS), onde se constituiu, pela que fizesse parte da comemoração do
primeira vez, um grupo denominado Dia, Mês, Ano do Assistente Social. Daí
sociojurídico. Neste CBAS se construiu uma surgiu o dia de hoje, e a temática que
proposta de agenda política do Serviço será aqui abordada também foi escolhida
Social do Sistema Sociojurídico. A partir nesta primeira reunião (fizemos um breve
desta agenda houve um direcionamento levantamento do que a categoria gostaria
de que todos os CRESS´s, dentro de suas de discutir e a partir dele construímos
possibilidades, se dedicassem à discussão este evento). Esperamos que este dia seja
desta área. Em virtude disso, o CRESS-RJ muito proveitoso e prazeroso.
tomou a iniciativa de construir a Comissão Gostaria de prestar alguns
Sociojurídica, sendo o primeiro CRESS no esclarecimentos. Nós tentamos colocar
Brasil a constituir uma comissão desta aqui uma banca da Cortez Editora e
natureza. Ela foi construída a partir de material do próprio CRESS para venda, mas
reuniões realizadas com assistentes sociais isto não é possível dentro do espaço da
de várias instituições. Nestas reuniões se Petrobrás. O material do CRESS estará em
escolheram os colegas que iriam compor exposição, para conhecimento de todos,
a Comissão. Atualmente ela é constituída mas infelizmente a aquisição só poderá ser
por um número bastante grande de feita na sede.
profissionais. No folder com a programação A pasta que vocês receberam tem o
do evento está listada a composição desta seguinte material: a proposta de agenda
Comissão. Mas está faltando o nome de aprovada no último CBAS; o folder
duas colegas. Uma é a Carmem Lúcia Nunes do evento; um relatório da Comissão
da Silva, que é do Tribunal de Justiça e Sociojurídica, com um breve relato que já
trabalha em Angra dos Reis. A outra é a foi divulgado na primeira reunião ampliada,
colega Ana, que acabou de ingressar na mas que avaliamos ser pertinente estar na
Comissão e é de São Gonçalo. A Comissão pasta deste evento para que um número

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maior de colegas pudesse ter acesso a seu Agora, gostaríamos de convidar para
conteúdo; um folder a respeito de uma a mesa uma professora que muito tem
pesquisa (que daqui a pouco será tratada colaborado com a organização desta
com maior atenção); um estudo social e categoria e com o trabalho desenvolvido
um parecer que serão objetos de análise pelo CRESS-RJ. É a professora Yolanda
na plenária da tarde; e, por fim, uma ficha Guerra, da Escola de Serviço Social da UFRJ.
de atualização cadastral, que precisamos Ela nos procurou falando da sua intenção
que todos os presentes preencham. É uma de realizar uma pesquisa a respeito das
ficha bastante extensa, mas com o esforço atribuições do Serviço Social. Ela tinha
de vocês ela pode ser preenchida até o dúvidas sobre que parcela da categoria a
final do dia e devolvida no momento de pesquisa deveria atingir. Nós, mais do que
retirar o certificado. depressa, dissemos que é a Sociojurídica,
Outros informes serão dados durante o porque nós somos muito grandes. Então
dia. Desejo a todos um bom dia de trabalho e ela vai nos falar um pouco desta pesquisa,
que consigamos amadurecer um pouco mais cujo lançamento está sendo caracterizado
o pensar da nossa intervenção profissional. neste momento.

Yolanda Guerra

Bom dia, colegas assistentes sociais condições de discutir estes resultados. A


e estudantes. É com o maior prazer que pesquisa é uma co-promoção do CRESS-RJ
venho a este encontro. Quero dizer que e do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre
considero serem da maior importância os Fundamentos do Serviço Social na
esta articulação e este relacionamento Contemporaneidade, ao qual coordeno,
entre profissionais e estudantes (em que está vinculado à Escola de Serviço
geral tem havido uma participação Social da UFRJ. Também gostaria de me
bastante significativa de estudantes apresentar para que vocês saibam para
nos eventos promovidos por assistentes onde vão os dados que vocês estarão
sociais). Desejo, assim, cumprimentá-los. fornecendo. Aliás, quero dizer que estes
Também tenho enorme prazer de lançar dados serão absolutamente sigilosos e que
esta pesquisa que, esperamos, seja da os assistentes sociais que participarem
maior importância para o Serviço Social desta pesquisa não serão identificados
como um todo, especialmente para vocês (a não ser que o próprio assistente social
do Sistema Sociojurídico. se reconheça nos resultados). Eles serão
Gostaria de falar um pouco da tratados com muito critério e rigor.
pesquisa. Hoje, oficialmente, é o seu Sou assistente social, formada em
lançamento. Seu título é “As atribuições 1979. Tenho tido uma passagem pelo
socioprofissionais e as respostas como Serviço Social em vários lugares do
parte da fonte de legitimação do exercício Brasil. Trabalhei no interior de São
profissional dos Assistentes Sociais do Paulo em órgãos como o SESC e em uma
Sistema Sociojurídico”. Este nome tenta indústria açucareira. Também trabalhei
traduzir seu objetivo e seu objeto. Ela em Belém do Pará, numa Secretaria de
será realizada entre maio e julho. Até Bem Estar Social, por cinco anos e, por
o final de ano espera-se que consigamos fim, vim parar na Academia. Nela venho
fazer a análise dos dados; em novembro, trabalhando, sistematicamente, desde
uma divulgação destes dados e, no mais 1989, quando fui professora no Paraná, na
tardar, em dezembro, que tenhamos uma Universidade Estadual de Ponta Grossa.
primeira aproximação, já com alguns Em seguida fiz meu mestrado e meu
dados a serem divulgados, em um grande doutorado na PUC – SP e, em 1998, ao
evento. Então, seria um evento no final do terminar meu doutorado, vim para a UFRJ
ano onde estaríamos participando a vocês atuar como professora. Como professora
os primeiros resultados desta pesquisa. da UFRJ e como assistente social sempre
A ideia é que ainda neste ano tenhamos me preocupei em ter o Serviço Social

Cress/RJ - 7a Região
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como objeto. É da maior importância Posto o objetivo, gostaria de dizer A pesquisa busca
que se invista em pesquisas, não apenas que a implementação da pesquisa
sobre as políticas sociais, o Estado, a busca coletar dados de 20% do total de
coletar dados
relação entre Estado e sociedade civil, assistentes sociais de cada unidade e, em três níveis:
mas também sobre como, hoje, nossa portanto, precisamos contar muito com a a respeito das
profissão se coloca. Então, são pesquisas disponibilidade e a disposição das colegas
requisições
que tomam o Serviço Social como objeto. assistentes sociais. É disso que depende
Desde 1994, em minha dissertação de termos um bom resultado na pesquisa. profissionais, do
mestrado na PUC, tenho feito estudos Quanto ao questionário: embora um reconhecimento
e pesquisas a respeito da profissão. Na pouco longo, ele busca reunir questões dos da profissão e da
UFRJ também implementei pesquisa três níveis citados. Ele é absolutamente
sobre os fundamentos do Serviço Social, indispensável. Todas as questões foram
capacitação do
que hoje está vinculada a um grupo de pensadas e discutidas com a Comissão assistente social
estudos. Este Núcleo, ao qual acabei Sociojurídica, e é através dela que
de me referir, aglutina pesquisas de estamos construindo tanto o formulário
graduandos, pós-graduandos, assistentes de pesquisa, quanto construiremos,
sociais e professores da Escola de Serviço também, os indicadores. A análise desta
Social da UFRJ que queiram tomar como pesquisa também será feita em conjunto
objeto o Serviço Social. Este Núcleo tem a com a Comissão. Estamos chamando
participação destes diversos níveis, desde a Comissão de assessores da pesquisa,
estudantes até professores, passando por porque estamos contando com o trabalho
assistentes sociais que tenham interesse árduo da Comissão acompanhando este
de estudar o Serviço Social. É vinculada, questionário. Este trabalho vai se manter
então, a este Núcleo que esta pesquisa no sentido de nos assessorar.
será realizada. Quero ressaltar a importância da
A pesquisa busca coletar dados em participação de vocês. Teremos, hoje,
três níveis. No primeiro nível, dados a algumas bolsistas e assistentes sociais
respeito das requisições profissionais, ou que vamos lhes apresentar. Temos uma
seja, a demanda. Tanto a demanda dos pequena bolsa que estamos repassando a
usuários dos serviços (naquelas unidades estas pessoas no sentido de nos auxiliar
em que existe o usuário direto), as nesta pesquisa. São três assistentes
demandas da Instituição, quanto aquelas sociais e oito bolsistas. Estas onze pessoas
que o assistente social antecipa. Então, serão as entrevistadoras. Vocês irão
ao se pensar em requisições profissionais, recebê-las em local indicado por vocês.
estaremos discutindo-as neste âmbito, O CRESS e a UFRJ também são locais que
daquilo que é demandado para o se encontram à disposição.
assistente social. Em relação a assistentes sociais que
No segundo nível teremos o são do interior gostaríamos de incentivar
reconhecimento da profissão, observar em para que respondessem ainda hoje a
que medida esta profissão é reconhecida, pesquisa. E por quê? No Brasil, e também
por quem e por quê. Este, então, é outro fora dele, uma dificuldade por que passa
nível que a pesquisa procura abarcar. a pesquisa é a ausência de recursos
O terceiro nível seria a capacitação do financeiros. Gostaríamos de agilizar a
assistente social para responder a estas coleta de dados e otimizar os recursos
questões. Como nos vemos, como os solicitando que vocês busquem ser
outros nos veem, em termos das respostas entrevistadas ainda hoje.
que damos. São respostas qualificadas? Finalizando, quero falar sobre os
Em que nível precisaríamos melhorar objetivos da pesquisa. Dentre eles está
esta qualificação? implementar a qualificação do Serviço
O sentido desta pesquisa é exatamente Social nesta área e também torná-lo mais
identificar possibilidades de melhorar, reconhecido, ou seja, dar visibilidade à
cada vez mais, a nossa ação profissional, profissão. Esta é uma questão que nos
ou seja, o que precisamos para nos mobiliza há tempos e é uma das razões
qualificar para as novas demandas. por que se promovem determinados

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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eventos na Semana do Assistente Social, se constroi uma profissão diferente sem
ou seja, que a assistente social seja vista os nossos órgãos, sem o fortalecimento
não como a mocinha boazinha que é paga dos órgãos da categoria profissional.
pelo governo para sentir dó dos pobres, São justamente estas entidades dos
que sejamos reconhecidos como, de fato, estudantes, dos assistentes sociais e
somos: profissionais preocupados com da formação profissional que vão nos
os rumos do país, querendo discutir e respaldar enquanto profissionais. É a elas
implementar a justiça social. que vamos recorrer a qualquer momento,
Gostaria de finalizar dizendo que quando precisarmos resolver problemas
não fazemos uma profissão diferente do nosso fazer profissional, do nosso
sem a pesquisa. Não podemos abrir quotidiano. Neste sentido conseguimos
mão de conhecer nossos espaços articular a pesquisa, a academia (com
socioprofissionais, nosso fazer, nossas suas virtudes, mas também com seus
competências. Esta profissão diferente vícios) e, também, o campo profissional.
requer investimento árduo em pesquisa. Não poderia deixar de reforçar
O sentido desta minha fala é estimulá- que temos o apoio da Fundação José
los a oferecer as informações necessárias Bonifácio, vinculada à UFRJ, da FAPERJ e
para que conheçamos melhor o Campo do CNPq. Os parcos recursos da pesquisa
Sociojurídico de intervenção. estão sendo fornecidos por estas fontes.
Por fim, quero dizer que também não Muito obrigada.

Andreia Pequeno

Gostaria de reforçar e solicitar a de sociojurídico? Isto também precisamos


colaboração dos colegas com relação compreender (talvez a colega Bete vá nos
a esta pesquisa. Esta área, este espaço ajudar um pouco neste sentido).
profissional no qual estamos inseridos, o Estamos terminando esta primeira
Campo Sociojurídico, carece de pesquisa. parte do nosso evento. As colegas Márcia
Temos poucas produções nesta área até e Mirian vão assumir a coordenação
o momento. Isto diz respeito, inclusive, da primeira mesa de debate.
à definição do Campo Sociojurídico, Lamentavelmente tenho que dar o
que é uma grande interrogação. Afinal informe de que um dos palestrantes
de contas, quem é ele? Quais são as deste período da manhã, o professor José
instituições e os assistentes sociais que Maria Gomes, não poderá estar conosco
podem tomar para si esta denominação por motivo de saúde.

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Mesa 1

Ética e Direitos Humanos


na Sociedade
e no Serviço Social

Mirian de Souza Silva

Sou Mirian, da Comissão Sociojurídica. e como estamos espalhadas nessa


Gostaria, primeiramente, de apresentar intervenção “do jurídico”.
a companheira Márcia Nogueira, que é Outra questão (é interesse sairmos
assistente social do Ministério Público, daqui com esta ideia e com este orgulho)
compõe a Comissão Sociojurídica e também é o pioneirismo do Rio de Janeiro na
é professora da UNISUAM. Ontem houve construção desta Comissão Sociojurídica.
um evento muito interessante e proveitoso Em nível nacional, por mais que tenha
na UNISUAM em comemoração ao Dia do ocorrido esta orientação desde o último
Assistente Social e com desdobramentos CBAS (e que o Conselho Federal e os
até para nosso evento. Temos aqui alunas Conselhos Regionais estimulem a criação
da UNISUAM contribuindo com nossa destas Comissões), o Rio de Janeiro é
organização. que está dando, mais uma vez, o pontapé
Gostaria de ressaltar algumas questões. inicial. Além disso, outra questão que nos
É interessante notarmos a diversidade orgulha é que o Rio de Janeiro está sendo
da nossa área, o Sociojurídico. Não foi à pioneiro em desenvolver uma pesquisa
toa que Andreia colocou que continuamos nesta área do Sociojurídico. Então, de certa
tendo demandas de participação e ingresso forma, cabe a nós fazer um agradecimento
na Comissão de companheiras que, num à professora Yolanda Guerra, que está se
determinado momento, não identificamos debruçando sobre nossa área, contribuindo
como do Campo Sociojurídico, mas que com nossa qualificação, pois, certamente,
estão reivindicando esta identificação. uma pesquisa terá este retorno para nossa
São, por exemplo, as companheiras das qualificação profissional.
Polícias (Civil e Militar), da OAB, de algumas Márcia convidará, agora, os integrantes
Organizações Não-Governamentais que da próxima mesa, denominada “Ética
discutem a questão dos direitos humanos. e Direitos Humanos na Sociedade e no
Por aí já temos noção de quantas somos Serviço Social”.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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80% das Márcia Nogueira

presas querem
Bom dia a todos. Gostaria, também, não só para a formação dos profissionais,
trabalhar. No de marcar minha imensa alegria em mas também na capacitação constante, na
entanto, o que o participar deste evento. Não só a Comissão troca de experiências e na melhoria das
Estado oferece, Sociojurídica, mas as demais Comissões do condições de trabalho do assistente social.
CRESS têm um papel fundamental, não só de Gostaria de chamar Elisabete Borgianni,
hoje, de aglutinar os profissionais de diversas áreas que é assistente social do Poder Judiciário
oportunidades ou que têm interesse em determinadas de São Paulo, mestre em Serviço Social
ocupa menos discussões como, por exemplo, criança pela PUC – SP, integrante do Conselho
e adolescente, as questões de gênero,
de 2% dos Federal de Serviço Social, conselheira
as próprias questões sociojurídicas, mas, do Conselho Nacional de Direitos da
presos do Rio de também, possibilitar a integração destes Criança e do Adolescente, o CONANDA e
Janeiro profissionais. Foi na Comissão Sociojurídica assessora editorial da Cortez Editora. Ela
que conheci pessoas especiais, hoje, em estará contribuindo com a discussão da
minha prática profissional. A professora nossa mesa, “Ética e Direitos Humanos na
Newvone, que me convidou para ser Sociedade e no Serviço Social”.
professora na UNISUAM, a Mirian, que Gostaria de convidar, também, para
esteve, ontem, participando do evento compor a mesa, o professor Marcelo
em comemoração ao Dia do Assistente Freixo, presidente do Conselho de
Social e contribuiu muito com a discussão Comunidade da Comarca do Rio de Janeiro,
a respeito do atendimento à família, membro integrante da Organização Não-
seus avanços e limites. Ressalto, então, Governamental Justiça Global e assessor
a importância de não só conhecermos do deputado federal Chico Alencar (PT).
melhor a área sociojurídica, mas também Cada um terá de 20 a 30 minutos para
a de reconhecermos o Conselho Regional sua fala.
de Serviço Social como espaço importante,

Marcelo Freixo*

Um bom dia a todos. Falar de ética e direitos humanos é


Primeiramente, parabéns ao CRESS- muito interessante, neste momento, no
RJ pela iniciativa, pela organização Rio de Janeiro. Antes de desenvolver
permanente (já está se tornando rotina minha fala vou lhes contar um episódio
no Rio de Janeiro perceber a capacidade sobre o qual estava conversando com
de mobilização deste Conselho). O CRESS Tânia Dahmer. Ontem estive no presídio
é um parceiro prevalente na luta pela Esmeraldino Bandeira e no Talavera
preservação dos direitos humanos no Rio Bruce. Para localizar quem não é aqui
de Janeiro. Aliás, na incansável luta pelos do Rio, o Esmeraldino Bandeira é uma
direitos humanos no Rio de Janeiro, por prisão fechada, masculina, e o Talavera
que ela é um desafio cruel e permanente Bruce também é uma prisão fechada, mas
em uma sociedade como a nossa. O feminina, ambas do Complexo de Bangu.
CRESS-RJ já virou “sede do Conselho de Nós fizemos a visita ontem em uma
Comunidade”, já houve um movimento atividade do Conselho de Comunidade.
de ocupação sólido e, nesta parceria, é Uma era uma atividade festiva, no
ótimo que possamos aprofundar um tema Talavera Bruce, numa iniciativa do
tão interessante como a ética e os direitos “Centro de Trabalho Artesanal”, iniciativa
humanos. Não sou assistente social, sou única e exclusiva das presas. Nenhuma
* Marcelo Freixo é historiador,
presidente do Conselho de historiador e, obviamente, o debate autoridade do Governo do Estado
Comunidade do Rio de Janeiro, de hoje será muito importante, pois já compareceu, o que é muito significativo.
pesquisador do Centro de
percebi que o público é bem heterogêneo Lá, o diretor da Unidade, que apoiou
Justiça Global e assessor
parlamentar do deputado no que diz respeito a suas atividades de integralmente a atividade, me relatou
federal Chico Alencar (PT-RJ). o seguinte: 80% das presas querem
trabalho.

Cress/RJ - 7a Região
20
trabalhar. No entanto, o que o Estado segmentos da sociedade. Eu costumo
oferece, hoje, de oportunidades ocupa dizer que esta frase é típica de humanos
menos de 2% dos presos do Rio de Janeiro. de direita.
Elas, por conta própria, inauguram um A luta por direitos humanos hoje se
Centro de Trabalho Artesanal e nenhuma dá em um novo paradigma, uma nova
autoridade do Estado comparece, apesar referência ética e moral da sociedade. É
de convidada com mais de uma semana uma nova referência na própria concepção
de antecedência. Isto é um retrato muito de luta de classes que temos hoje na
grande do que é nosso sistema, hoje, e do sociedade. Aprendemos, e durante muitos
que se pode esperar dele. anos na universidade convivemos, com uma
Aí, fomos ao Esmeraldino Bandeira, leitura de luta de classes que hoje precisa
onde já não era uma atividade tão festiva ser repensada. Hoje a luta de classes não
assim. Eu havia sido procurado por se dá na esfera, unicamente, do capital
familiares e pelos próprios presos (que e do trabalho. Hoje há um desafio que
têm seus mecanismos de comunicação, se coloca, e que é muito recente, que é
todo mundo sabe disso) para visitar a luta contra a exclusão. A luta contra a
a cela de castigo. Quando entrei na exclusão não se dá apenas em referência
Unidade, uma Unidade deplorável e ao mercado de trabalho. É claro que este
lamentável, a primeira frase que ouvi é um problema central. Mas a luta contra
do agente penitenciário ali presente a exclusão, que caracteriza os tipos de
(era um agente novo, que entrou nesta exclusão que temos hoje, é muito mais
turma de janeiro, que teve quinze dias ampla. Hoje a exclusão é econômica,
de curso para aprender a ser agente cultural, geográfica e social. É preciso
penitenciário – ótima capacitação, ter muito cuidado para não reduzi-la,
imaginamos, não?), a primeira frase por exemplo, à ideia de pobreza. A
dele foi a seguinte: “Por que vocês não pobreza é um desafio a ser combatido,
vão visitar aquela menina que levou um mas a exclusão é muito maior. Ela não
tiro na Universidade Estácio de Sá?”. Eu se detém à pobreza. A pobreza é um dos
já esperava ouvir este questionamento, aspectos que hoje marcam a exclusão.
mas não tão rapidamente. Foi a primeira É muito comum cometermos o erro de
fala, antes do boa tarde. Obviamente associarmos a violência (que é algo que
não respondemos com a mesma grosseria combatemos quotidianamente) à ideia de
da pergunta. Seria necessário oferecer pobreza. Não é a pobreza que determina
um curso, para ele, de direitos, mas, a violência e, sim, a exclusão.
também, de ética. Mas isto é muito Há, hoje, países mais pobres do que o
preocupante porque, na verdade, ele não Brasil. Mas nenhum país é tão excludente,
retratava apenas os valores e a ética que tão desigual quanto o Brasil. E aí mora o
perpassa boa parte daqueles profissionais grande desafio de todos nós, militantes
que estão ali: de alguma maneira ele e profissionais dos direitos humanos. Aí
retrata o que a própria sociedade está recai nossa conduta e a nova preocupação
reproduzindo em grande escala. E este com nossa postura ética, ou seja, com os
é o nosso maior desafio. Um desafio, princípios através dos quais vamos conduzir
antes de qualquer coisa, pedagógico. Um a luta pelos direitos humanos. Em minha
desafio da construção de uma visão de avaliação, além deste novo paradigma,
direitos humanos, de uma conduta ética, desta nova face de uma luta de classes
cada vez mais difícil. Ainda lá dentro mais atual, de combate à exclusão, o
ouvi uma outra frase, muito conhecida, caminho da garantia de uma cultura de
pichada nos muros dos presídios pelos direitos é, hoje, o único caminho possível
profissionais que lá trabalham: “direitos e viável de combate à violência. Nenhum
humanos para humanos direitos”. Essa outro caminho será eficaz.
é uma frase muito forte, que escutamos É muito interessante ver que a noção de
muito quando visitamos penitenciárias. direitos humanos vem da institucionalidade
É uma forma de legitimar a cultura, do século XVIII, mas a luta pelos direitos
ideologicamente presente em outros humanos sempre foi revolucionária.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Ela ganha esse caráter revolucionário para 40 semanas, segundo o DIEESE
junto à própria burguesia do século (Departamento Intersindical de Estatística
XVIII. Por conta da dialética da história, e Estudos Socioeconômicos). De quinze
de todas as contradições que a história semanas no final da década de 90 para
acaba nos deixando, a luta por direitos 40 semanas no ano 2000! O desemprego
humanos é hoje o grande contraponto ao se torna, pela primeira vez, estrutural na
movimento de consolidação do modelo sociedade brasileira. Você tem 17 a 20%
neoliberal, baseado na exclusão, na da sociedade brasileira que é formada
barbárie capitalista e na concentração por subcidadãos. Segundo dados oficiais
de renda. Para a burguesia, que hoje não você tem 57 milhões de pessoas vivendo
é revolucionária, a luta pelos direitos abaixo da linha de pobreza no Brasil.
humanos se transformou em ameaça aos É um número imenso de pobres e de
seus privilégios e poderes. miseráveis, sendo que desses brasileiros
Hoje, para entendermos a importância você tem 17 a 20% que caminham para
da luta pelos direitos humanos, do que um processo largo que costumo chamar
isso representa em termos de princípios, de “africanização” (sem qualquer, lógico,
é preciso enxergar que sociedade é esta conotação racial ou étnica). A caminho
que estamos encarando e, inclusive, da absoluta exclusão básica da cidadania.
reproduzindo nos nossos ambientes de São subcidadãos. São “inempregáveis”.
trabalho. O sistema capitalista, hoje, “Sobraram”.
tem um desafio que não é acabar com E o que acontece? Nas décadas de 60
a pobreza: é acabar com os pobres. e 70, principalmente, aqueles que mais
Isso é radicalmente diferente do que incomodavam a ordem estabelecida
vinha acontecendo, pelo menos, até as eram aqueles que tinham divergências
décadas de 50 e 60. Se pegarmos, mais ideológicas, que se colocavam contra
especificamente, a história do Brasil, o modelo ideologicamente difundido
veremos que na década de 50 ele era – os subversivos. As décadas de 80 e 90
considerado um país subdesenvolvido; nas consolidam como classe perigosa aqueles
décadas de 60 e 70, por razões ideológicas que sobraram do mercado, que não têm
muito fortes, era caracterizado como um mais como ser por ele absorvidos. E eles
país em desenvolvimento; na década de 80, têm cara e endereço. Com isso, ganham a
um país endividado, como consequência de cara da violência, da ameaça à ordem. É
um modelo de desenvolvimento atrasado; esta população a que sobrou. É com eles
e, na década de 90, onde quero parar um que nós tratamos. Com certeza este é o
pouco, o Brasil é visto como um “mercado público da maioria dos profissionais aqui
emergente”. Deixa de, inclusive, ser presentes. Isto por que a consolidação
visto como uma sociedade: passa a ser do “Estado mínimo”, uma das maiores
denominado como mercado emergente. E características do Estado neoliberal,
assim é caracterizado pelo Presidente da só é possível a partir da consolidação
República durante boa parte da década de um “Estado máximo de repressão”.
de 90, Fernando Henrique Cardoso. Este Estado máximo de repressão tem as
E o que acontece? Esta ideia de instituições que garantem o seu sucesso.
mercado emergente é muito curiosa Por exemplo, as polícias (que, em sua
pois, na verdade, é o momento onde se própria origem não são diferentes disso; é
consolida no Brasil a política neoliberal já só pesquisarmos como surge a intendência
em vigor em boa parte do mundo. E o que das polícias). E há os manicômios, no
é esta política neoliberal representada próprio sistema penitenciário (vocês
no Brasil? Por exemplo, na década de podem falar, melhor do que eu, qual é sua
90, representa o fim de três milhões de função real). Quem ainda garante, quem
postos de trabalho, só na era FHC. Ela ainda tem coragem de dizer que o sistema
representa, por exemplo, que em 1989 penitenciário, hoje, cumpre sua função
o tempo médio de um desempregado de reintegração? O sistema penitenciário,
brasileiro era de 15 semanas; em 2000 hoje, é a pena de morte social, quando
este tempo médio de desemprego passou não física. Ele tem a preocupação de deter

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aqueles que sobraram. Se você pega um ameaçadora para nós? Quando a violência É só o pobre que
censo penitenciário verá que mais de 90% se tornou o problema número um do Rio
da população prisioneira hoje é composta de Janeiro? Agora? Parece que sim, temos
comete crime?
de gente absolutamente pobre. E não é esta sensação no ar. Mas não é verdade! Ou só o crime
uma coincidência! O historiador Eduardo Silva, no livro “As cometido pelo
Vocês me perdoem se estou me queixas do povo”, faz uma interessante
pobre é que
atendo ao sistema penitenciário, é que pesquisa. Ele faz um levantamento de
é minha área de trabalho. Sei que muita cem anos no Jornal do Brasil, em uma gera privação de
gente aqui trabalha em outras áreas, mas coluna chamada “As queixas do povo”. liberdade? Como
penso que isto não é muito divergente. A população mais simples ia lá reclamar conduzimos
O sistema penitenciário é um espelho das de todas as coisas, desde um buraco na
contradições existentes na sociedade que rua, um assalto, o preço das coisas. Era
nossa ética,
o produz. absolutamente democrático. É, portanto, princípios
É só o pobre que comete crime? Ou só um levantamento das principais queixas e profissão
o crime cometido pelo pobre é que gera do século do Rio de Janeiro. Adivinhem
dentro de um
privação de liberdade? É aí que se coloca qual é a maior queixa de todo o século,
o desafio: como conduzimos nossa ética, e sempre em primeiro lugar? A violência! sistema que
nossos princípios, nossa profissão dentro Sempre foi! Não é uma novidade! A tem o propósito
de um sistema que tem o propósito da novidade é que a violência, hoje, atinge da eliminação
eliminação de parte da sociedade? A setores que nunca foram atingidos. É isso
ideia da ressocialização é lamentável, o que há de novo!
de parte da
até por que ela parte do princípio de Nos assustamos profundamente (e sociedade?
que a sociedade é equilibrada, de ainda bem que nos assustamos, porque
que a sociedade é perfeita. Então as na hora em que começarmos a banalizar
pessoas erram individualmente e vão este quadro tudo ficará ainda mais grave)
para o sistema penitenciário para serem quando esta menina ganha um tiro no
consertadas, o que é absolutamente rosto no pátio de uma universidade.
distante da realidade. A individualização É óbvio que isto é uma tragédia, isto é
da culpa, do erro. indiscutível. Ou quando uma menina vai
Há na década de 90, por exemplo, andar sozinha de metrô pela primeira vez
uma questão econômica. A economia e morre diante de um assalto.
brasileira deixa de ser produtiva. O lucro Já coordenei a Comissão de Direitos
do capitalismo deixa de vir da produção. Humanos da ALERJ (Assembleia Legislativa
O lucro do capitalismo se consolida do Estado do Rio de Janeiro) e recebia,
através da especulação. E com esta semanalmente, mais de dez famílias que
incapacidade produtiva em que o Brasil vinham dizer o seguinte: “Olha, a polícia
está mergulhado o desemprego se torna entrou na favela e matou meu filho; saiu
estrutural e a exclusão social atinge em todos os jornais que ele era bandido.
números alarmantes. O mais grave: Eu trouxe aqui para o senhor a carteira
há uma impossibilidade de mobilidade de estudante dele, a sua carteira de
social de dentro do sistema. Não é à toa: trabalho, um relatório da igreja que ele
quantos e quantos de nossos filhos têm o frequentava”. Isto é frequente, são vários
sonho de ser jogador de futebol? Quantos e vários casos. Aí, olho e pergunto: “o
de nosso público de trabalho sonham em que podemos fazer juntos?”. “Não, não...
fazer sucesso com um grupo de pagode Não vão trazer meu filho de volta... Eu
(e, se for mulher, rebolando na frente só queria provar que meu filho não era
de um grupo de pagode)? São formas de bandido!”, respondem. “Só queria provar
ascensão social? Há uma impossibilidade que meu filho não era bandido, ele já
clara de qualquer mobilidade social. Isto está morto! Eu só não quero que, além de
precisa ser controlado por instituições morto, eu tenha que ficar dizendo para
cada vez mais rígidas. Neste contexto, todo mundo que ele não era bandido!”.
conjuntura e estrutura política e A polícia do Rio de Janeiro é uma das
econômica, a violência chega e bate que mais mata no mundo, e uma das que
na porta da ordem. Quando a favela foi mais morre (fora do serviço). E a violência

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continua crescendo assustadoramente. à frente das políticas públicas? Por que
Nossa população carcerária cresceu 84% de estas questões não são tratadas, sequer,
1995 até 2003. A política exclusivamente da mesma maneira? O que podemos
punitiva não apresenta bons resultados. falar dos bancos, sistematicamente,
No discurso de posse do novo Secretário desrespeitarem os direitos do consumidor?
de Segurança Pública, ele afirmou que O que se pode dizer, por exemplo, da
vai implementar o trabalho no sistema enorme dificuldade que se tem para a
penitenciário para humilhar os presos. quebra do sigilo bancário de algumas
Vocês se lembram disso, não? Bastava nobres figuras do Congresso ou do Senado?
cumprir a Lei de Execução Penal, que já E o que podemos dizer, em comparação
determina que se dê trabalho aos presos, a essa dificuldade, quando a polícia
não precisava que dissesse isso. Depois entra nos barracos sem qualquer ordem
ele se desculpou, mas já era tarde. judicial? O problema é que só enxergamos
Mas voltando às famílias. Quem daqui a violência que atinge a ordem, sem
soube que na semana passada quatro dimensionar a violência da própria ordem
trabalhadores foram assassinados na estabelecida. E quando vimos aqui falar
Favela do Borel? Na semana retrasada de ética e direitos humanos é fundamental
foi em Acari. Quer dizer: a todo instante que pensemos nos nossos princípios, nas
a violência é muito grande. O problema nossas práticas, na nossa profissão, no
é que nós temos uma relação direta nosso dia-a-dia, em que ordem e em que
com os meios de comunicação. Aliás, violência estamos combatendo e o que
este seria um outro debate, de como estamos, efetivamente, construindo.
enfrentar isto, porque a violência virou Há um exemplo simples, que gosto de
uma mercadoria. Além da “linha direta”, apresentar. Quem daqui já tirou xerox de
virou esta linha tênue entre o folclore e algum livro, na universidade, no trabalho,
a barbárie. Quando você não consegue no Conselho de Serviço Social? Levante
mais identificar o que é uma coisa ou o dedo, por favor, quem já tirou xerox
outra você para de fazê-lo, você passa de algum livro. Pois é, isto é ótimo. É,
a olhar para o terror com uma visão vocês são criminosos, isto é crime, vocês
de folclore. Não é à toa que o cinema sabem disso, não é? Talvez não saibam
descobriu que o Rambo pode ser franzino, que a polícia já cercou o auditório,
favelado e pretinho, não é? Ele dá ibope, mas... Todos vocês são criminosos. Por
faz os filmes venderem bastante. Você que é que nem assim nos vemos como
não precisa buscar muito longe um heroi. criminosos? Por que o crime tem cara. E a
Pode ser o anti-heroi da favela, isso já cara do crime não é a nossa. O crime tem
desperta um interesse muito grande. Isto classe. A luta pelos direitos humanos tem
é muito perigoso. Hoje em dia você tem que ser capaz de reverter esta ordem, de
a sensação da violência, ou sua ideia, desconstruí-la, de desfazer a lógica de
como aquilo que mais nos atinge, como, que as nossas profissões tenham que ser
absolutamente, aquilo que atinge a ordem. reféns desta ordem, seja qual for o setor.
E aí os fatos isolados nos vão dizendo: Isto é fundamental.
“Nós não temos mais para onde correr! Outra coisa muito curiosa é a afirmação
A violência, agora, é insuportável!”. O permanente de que o Brasil é o país da
problema é que demoramos a enxergar a impunidade. Esta é uma frase muito
violência implementada pela ordem. Há forte. “A violência não acaba por que
uma violência estabelecida na ordem. Eu o nosso país tem muita impunidade!”.
costumo dar um exemplo: a escravidão Impunidade para quem? Impunidade tem
infantil não é crime hediondo. E o que endereço! Pergunta para a população
podemos dizer quando descobrimos que absolutamente pobre e excluída se ela
o número de crianças escravas no Brasil acha que existe impunidade! A polícia e
é três vezes maior do que o número de a justiça são absolutamente punitivas e
pessoas sequestradas? O que ocupa as competentes na punição ao setor excluído
páginas dos jornais, nossas preocupações da sociedade. A impunidade também
e os discursos das pessoas que hoje estão tem cara, também tem endereço. A

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generalização disto por este conceito é uma coisa que pode deter este enorme
muito perigosa. rinoceronte: é uma nuvem de mosquitos.
Por fim, quero lembrar Eduardo Só uma nuvem de mosquitos, uma imensa
Galeano, que é uma pessoa de quem nuvem de mosquitos, é que pode deter
gosto muito. No Fórum Social Mundial este rinoceronte, porque ele não vai saber
ele disse uma coisa que considero muito para onde ir e vai ser tão incomodado
interessante. Ele dizia que o modelo que um dia ele vai tombar. Eu proponho
neoliberal, hoje, o modelo capitalista, que no dia 15 de maio, Dia do Assistente
é como um grande rinoceronte. O Social, o desafio dos assistentes sociais
rinoceronte é um animal muito forte, seja se multiplicar em muitos mosquitos.
não? Então ele é um enorme rinoceronte, É o que desejo a todos vocês.
muito forte, difícil de ser detido. Mas há Obrigado.

Mirian de Souza Silva

A fala do professor Marcelo Freixo e outros: até que ponto nossa intervenção
já provoca em nós uma reflexão profissional contribui para a permanência
extremamente importante, quando desta violência da ordem estabelecida?
coloca que a violência é da própria Este será um tema sobre o qual Bete
ordem estabelecida, e as instituições Borgianni poderá contribuir em sua fala
como instrumentos de veiculação desta e, também, Eunice, na parte da tarde.
violência. Nós, do Tribunal de Justiça, do Passo a palavra, então, para Bete
DESIPE, do DEGASE, do Ministério Público Borgianni.

Elisabete Borgianni*

Depois dessa instigante fala de estas mortes – a ter visibilidade e a ter


Marcelo é difícil colocar questões, uma atitude política de enfrentamento
não é? Eu queria, inclusive, contar ao desta questão. O Dr. Nilmário quis que
Marcelo que em São Paulo nós estamos nesta comissão estivesse alguém do
vivendo uma situação muito crítica na CONANDA, o Conselho Nacional de Defesa
área dos direitos humanos, porque o dos Direitos da Criança e do Adolescente,
governo do Sr. Geraldo Alckmin optou pois existem muitos adolescentes entre os
por uma política de segurança pública mortos, entre as vítimas do extermínio.
que tem à frente um secretário que Passei a integrar esta comissão, pois o Dr.
acredita em técnicas do tipo “tirar um Nilmário sugeriu que fosse um assistente
preso de uma penitenciária, infiltrá-lo social, uma pessoa que tivesse a visão do
em um bando para que ele delate o que social, alguém que tivesse passado pelo
está se passando”. O próprio secretário Judiciário e conhecesse esta realidade,
faz isso e admite que faz. Depois faz as estes meninos. Já fizemos três reuniões
emboscadas no meio de uma estrada, desta comissão e o quadro é gravíssimo.
atira em todo mundo (por que “bandido Em Guarulhos são policiais militares que
bom é bandido morto”). Esta é a regra estão cometendo os crimes, às vezes
hoje em São Paulo, esta é a fala. Já fardados. Eles prendem uma pessoa e dali
existem denúncias graves de surgimento a três dias esta pessoa desaparece; quando
de grupos de extermínio nas cidades de reaparece, está morta. Em Ribeirão * Elisabete Borgianni é
Guarulhos e de Ribeirão Preto. Diante assistente social do Poder
Preto são policiais civis. Há um delegado, Judiciário de São Paulo,
disso, o Secretário Nacional de Direitos inclusive, na ativa, que usa capuz ninja Mestre em Serviço Social
Humanos, Sr. Nilmário Miranda, ao ouvir pela PUC – SP, integrante do
e sai matando. Inclusive os promotores Conselho Federal de Serviço
o relato dos familiares das vítimas, estão correndo muitos riscos e esta Social, conselheira do Conselho
resolveu formar uma comissão especial comissão pediu ajuda à Organização Pró- Nacional de Direitos da Criança
e do Adolescente (CONANDA)
com sete membros para ajudar o Vita, que é de proteção às testemunhas. e assessora editorial da Cortez
Ministério Público – que está investigando A Pró-Vita já estendeu sua atuação a Editora.

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No sistema esta comissão. E será muito complicado, ano! Nós temos três números da revista,
porque estamos começando a perceber mas eu quero uma edição especial que
penitenciário, que, mais do que aqueles grupos de trate de temas que os seus colegas estão
o Serviço Social extermínio que existiam antigamente, é trabalhando lá no quotidiano e que os
está presente a própria cultura da violência que você, nossos livros não dão conta, que o debate
Marcelo, citou tão bem. É um governo da academia ainda não atingiu, mas que é
desde a década
que para enfrentar esta expressão aguda importante para os assistentes sociais!”.
de 30. No da questão social que é a criminalidade “Então, está bom. Vamos fazer mais uma
Judiciário, urbana opta pela pura repressão. Tanto é revista por ano”, respondi. Ele disse:
desde 40. que o Dr. Saulo, secretário de segurança, “Você vai nos dizer qual é o tema do
diz que Presidente Bernardes, para onde momento, o que é que as pessoas estão
Nós, foi transferido Fernandinho Beira Mar, mais precisando”. Bem, eu, que trabalhei
profissionais não é uma prisão que está procurando no sistema penitenciário de São Paulo e
desta área, ressocializar ninguém: ela é para isolar e sou do Poder Judiciário desde 99, na Vara
para punir. Então ele admite que dentro da Infância e na Vara da Família, disse-
não nos
do sistema prisional existe um sistema lhe: “Olha, Cortez. Se você quer saber de
encontramos, diferenciado que não ressocializa, que um tema que ninguém trabalha, ninguém
não nos não trabalha o cidadão. É só punir. Então explora, nem a Academia e nem a
conhecemos, isto é muito grave e todos temos que ter organização da categoria se alertou para
esta preocupação. isso, é esta área judiciária, penitenciária,
não sabemos Queria contar um pouco para vocês do trabalho daqueles que fazem os laudos
o que estamos como foi o surgimento deste “Campo para os juízes, tanto os laudos dentro
fazendo Sociojurídico”, deste termo Sociojurídico da penitenciária para a progressão de
com que hoje nós nos colocamos. É muito regime, como os que estão no Judiciário
engraçado, vocês vão achar tão prosaico: fazendo análises das Varas de Família e
“Ah, foi assim?”. Pois é, foi assim. de Infância e Juventude, nas disputas de
Bem, vocês sabem que a Cortez Editora guarda de filhos, adoção, crianças em
vem investindo, há muitos anos, na área situação de risco”. “Ah, isto é bom, não
de Serviço Social com a Revista Serviço é?”, disse Cortez. “Vai ser um sucesso,
Social e Sociedade e com a publicação porque ninguém escreve, ninguém faz!
de vários livros de nossa área. Ela tem A categoria está nesta área há muitos
uma preocupação muito grande com o anos!”, afirmei. No sistema penitenciário
avanço da nossa área. É uma empresa, o Serviço Social está presente desde
é uma editora privada, particular, não é a década de 30. No Judiciário, desde
universitária, nada. Mas é a única Editora a década de 40 – a professora Eunice
que investe sistematicamente no Serviço Fávero depois falará um pouco melhor
Social. Estou na Cortez, contratada como sobre isso. E não existe acúmulo, não
assessora editorial, desde 95. O Sr. Cortez, existe nada publicado, não existe nada
o dono da Editora, não é assistente social escrito. Nós, profissionais desta área, não
e queria alguém da área, um docente nos encontramos, não nos conhecemos,
ou alguém que tivesse transitado pelo não sabemos o que estamos fazendo. Sei
exercício profissional, pela organização que na hora de analisar um candidato à
da categoria, para pensar a edição dos adoção, por exemplo, meu colega tem a
livros. Quando ele me convidou eu lhe mesma dúvida que é minha, se devo dar
disse: “Você está perdido! Eu nunca parecer favorável ou não, mas não troco
editei livros! Só sei ser assistente social!”. informações e experiências com ele.
E ele disse: “Mas é isso que eu quero! Bem, aí o Cortez disse: “Se você acha que
Uma assistente social à frente desta área isto é bom, faça! Vamos conversar com o
editorial para pensar as publicações!”. Conselho da Revista para que o primeiro
Então fomos encaminhando o trabalho número desta edição especial seja desta
da revista que já existia e reorganizando área”.
os Conselhos Editoriais. Um belo dia ele A Revista tem um “olho de capa”
chegou para mim e disse: “Eu gostaria (na linguagem editorial recebe este
de fazer uma revista especial a cada nome), e tínhamos que escolher qual

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era o nome deste olho de capa daquela vivendo como da ideia de ética, foi
revista especial que ia atender aos isso que me foi pedido. Primeiro quero
profissionais desta área, que falava dizer que percebemos que os assistentes
de adoção, de guarda, de família sociais estão sedentos desta troca,
acolhedora e de tudo o que trabalhamos deste aprofundamento, deste debate.
no Judiciário e no Penitenciário. E que Principalmente nesta conjuntura que
nome colocar no olho de capa? Pensou- estamos vivendo no país, onde existe
se em tudo, até que surgiu “Temas uma enorme expectativa em torno da
Sociojurídicos”. Olha que interessante: possibilidade de avançar na construção
temas sociojurídicos. Houve a ideia de de novas bases para o Estado brasileiro.
usar Judiciário e Penitenciário. Mas não A eleição de Lula representa, realmente,
dá conta, porque é mais que isso. É toda uma esperança no ar de uma mudança
esta nossa intervenção com o universo significativa. Ao mesmo tempo, um
jurídico, dos direitos, direitos humanos, cenário internacional onde se vê o
direitos reclamáveis, acesso a direitos via domínio do Sr. Bush e de seus assessores
Judiciário e Penitenciário. Enfim, saiu a sanguinários, que pensam e se utilizam
revista “Temas Sociojurídicos”, que foi a de uma hegemonia construída ao longo
de nº 67, editada em setembro de 2001. dos anos para o mal, e não para o bem.
O Congresso Brasileiro de Assistentes Hegemonia sempre vai existir, mas você
Sociais, o 10º Congresso, aqui no Rio, pode usá-la para várias coisas. Eles
estava às portas de acontecer. O usam a hegemonia para tentar ampliar
pessoal que nos conhece, que era da a dominação dos Estados Unidos sobre
organização, fez um contato dizendo: o resto do mundo. Percebe-se, então,
“Bete, nós estamos querendo montar um uma contradição entre a situação
Painel que aglutine os profissionais desta internacional e esta esperança hoje
área. Sabemos que é muito importante existente na conjuntura nacional.
ter contato com o que vocês estão No Brasil, sinto que vamos ter a
fazendo no Judiciário, no Penitenciário. luta de classes passando por dentro da
Que nome podemos sugerir ao Painel?”. administração da coisa pública. O próprio
“Ah, põe Painel Sociojurídico”, eu disse. governo Lula será, a meu ver, a expressão
“Aproveitamos, inclusive, a oportunidade deste tensionamento da sociedade entre
e lançamos a revista Temas Sociojurídicos os vários projetos societários que estão em
no Congresso!”. É que esta revista, na disputa e que vão aparecer o tempo todo.
verdade, não é uma mercadoria, não é É um grupo, o que está no poder hoje,
para ganhar dinheiro. Ela é a expressão que sempre se dispôs à transparência, a
de um projeto profissional. Vocês promover o debate. Então, mais do que
sabem disso, é muito mais esta a ideia nunca, temos esperança de que isso deva
que prevalece. Dali a coisa começou a ocorrer.
ganhar corpo e vocês têm, hoje, uma Mas, de fato, o que se costuma dizer é
Comissão dentro do CRESS do Rio de que o capitalismo está em crise. Mas como
Janeiro com este nome, Sociojurídica, bem diz o professor José Paulo Netto, não
mas com este entendimento de que, há que se dizer que o capitalismo está
além daquele nosso fazer quotidiano, em crise, porque o capitalismo é crise.
é necessário entender este fazer neste Aqueles que não gostam de crise não
universo do acesso a direitos, ligando o deveriam gostar de capitalismo, porque a
que se faz no Judiciário, no Penitenciário crise é constitutiva do capitalismo. Mas o
e nas Promotorias com esta luta mais que estamos assistindo neste momento são
ampla. Então esta é a história do termo novas e várias formas de engendramento
Sociojurídico. Ele surgiu lá na Revista desse modo de organização da produção
Serviço Social e Sociedade tendo que das relações sociais. É uma crise
definir que nome colocaríamos na capa diferente, na qual não se vislumbra que
de uma revista para esta área. o próprio capitalismo possa ter uma
Bem, me preparei para falar com expansão produtiva. Grave, também,
vocês tanto do momento que estamos é o fato (e quem está na universidade

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sabe disso) de que as próprias ciências quando elegeram Lula. Está lá, há dez
sociais parecem capitular frente a essas anos estamos nesta luta.
sofisticadas expressões da alienação e da Por isso é possível ter esperanças de
reificação. Em grande medida, assiste- que há como reverter os rumos desta
se a um processo de abastardamento sociedade. Por que esta sociedade é
do pensamento teórico. Por exemplo, feita de gente e a história é feita por
com a moda da pós-modernidade que, nós, por todos nós. Ela não é algo que é
na verdade, é uma reflexão teórica que um desígnio posto para todo o sempre.
não serve para desvendar e enfrentar as E aqui a esperança é no sentido de
contradições, mas que apenas legitima Aristóteles (eu gosto desta ideia de
o existente. Por isso, hoje, dentro Aristóteles de esperança): “o sonho de
das universidades, é possível viver uma alma acordada”. Temos que estar o
tranquilamente dando suas aulas, fazendo tempo todo acordados, sonhar de forma
suas pesquisas e pouco se importando acordada, prestes a “dar o bote” para
com o que se passa no mundo, pouco se não permitir a usurpação de direitos.
importando em juntar o pensamento, Mas como estes valores se realizam,
a construção do conhecimento com o se objetivam em nosso quotidiano
movimento social, que é o que importa. profissional – que é o que importa –
É possível sobreviver, hoje, só fazendo diante das reais condições de trabalho
grandes teorias e não falando de nada. que temos, das dificuldades que temos
Bem, vamos falar um pouco mais nas varas, nos presídios?
dos assistentes sociais. Podemos dizer Quero dizer que, primeiro, é preciso
que os assistentes sociais brasileiros reafirmar uma determinada forma
estão conscientes do seu papel junto de encarar a ética em geral e a ética
com os demais trabalhadores. Hoje os profissional em particular. Vou falar um
assistentes sociais se reconhecem como pouco da Ética, é importante termos
trabalhadores. Isto é muito importante! alguns fundamentos para depois podermos
Nestes 20 anos esta profissão soube aproveitar as riquíssimas exposições de
construir uma interpretação do seu fazer Eunice e Tânia à tarde.
profissional, que é a de todos os outros Como bem diz a professora Terezinha
trabalhadores do Brasil, não é? E estão Rios, hoje falar em ética está na moda. Até
juntos nesta ideia de construir uma os corruptos falam em ética! Ela diz assim:
sociedade sem diferenças de classe, de “Usa-se ética como batom, para enfeitar
gênero e de etnia. Nesta conjuntura onde a boca!”. Mas pensemos um pouco: tanto
imperam o individualismo total, uma a palavra moral (que deriva da palavra
brutal desigualdade entre cidadãos de latina mores) como a palavra ética (que
países de capitalismo periférico e entre deriva da palavra grega ethos) têm a ver
povos inteiros. Enfim, dentro do nosso com a ideia de costume. O costume é
próprio país dizer, hoje, que queremos algo que não existe na natureza em geral,
defender aqueles valores que estão é próprio dos seres humanos. Tem a ver
no nosso Código de Ética (liberdade, com a vida social, com a cultura e com
equidade, pluralismo, democratização a organização da sociedade. Você não
das relações de poder e defesa de diz assim: “o cachorrinho tem costume,
direitos humanos) ganha uma importância o macaquinho tem costume”. Costume
fundamental. Costumo dizer que nós, é algo próprio do ser social. Então é
assistentes sociais, com este Código importante registrar que o costume
de Ética, baseados nestes princípios, está sempre sustentado por um valor.
estamos totalmente na moda neste país, Por isso se diz: “é bom ir à escola” (ir à
nesta conjuntura. Nós entramos na moda. escola é um costume, não é?); “é bom se
Estamos adiantados dez anos. Está lá no casar com uma pessoa só” (se bem que
nosso cartaz: 10 anos de Código de Ética às vezes não é isso, não é? Isso não está
e da Lei de Regulamentação em vigor. na moda...). Mas tudo isto depende de
Lá no nosso Código já está posto aquilo cada sociedade. No Islã não é bom casar
que 60 milhões de brasileiros quiseram com uma pessoa só (para os homens...).

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Podemos dizer, então, que a moral é o se respeitar a diferença e acabar com a A ética está
conjunto de regras e valores que orientam desigualdade. É sutil, isto.
a vida da sociedade, que orientam estes Quero recuperar um pouco, também,
baseada
costumes da sociedade. E podemos dizer, as reflexões de Marx e de Lukács sobre em alguns
também, que o comportamento moral é a ética. Ou melhor, sobre o ser social princípios.
o comportamento responsável, e que o e como a ética emana disso. E o que
Ela fundamenta
costume tem o sentido de facilitar a vida Marx e Lukács dizem? Que o ser social,
das pessoas. Não é costumeiro você sair diferente dos seres da natureza (da a dignidade
agarrando o primeiro cara que te atrai. pedra, do macaco, do castor, da abelha) e o respeito
Isto não é uma atitude moral. A moral é um ser que se objetiva quando ele cria a outro ser
construída socialmente diz: “olha, você seu mundo. Objetiva-se nas coisas e cria
se segura, conversa”. Não é assim? Este seu mundo. E vai se recriando a partir
humano. Neste
comportamento do costume também desta objetivação. Ou seja, diferente sentido posso
facilita a vida das pessoas. Assim, de outros seres da natureza, ele possui a entender a
também, muitas vezes se diz para um capacidade não só de repetir aquilo que
ideia de justiça
filho adolescente: “faça tal coisa, que é existe, perpetuando-se de uma forma,
para o seu bem”. Ele normalmente não digamos, muda, na história. É um ser como igualdade
acha que é para seu bem, normalmente que tem a capacidade de projetar, de na diferença.
ele odeia isto. Mas o que estamos preconceber na ideia aquilo que quer O contrário da
querendo dizer? “Com isto, você será ver realizado e que, ao fazer e realizar
bem recebido, será aceito”, é isso que aquilo que projetou, transforma o mundo
“igualdade”
é “para o seu bem”, não é? “Se não, o e a si mesmo através destas modificações não é
que os outros vão dizer?”. Mas existe a que ele mesmo promoveu. Assim, o “diferença”, mas
possibilidade de nós, que pertencemos ser social, em cada um dos seus atos
desigualdade
a este conjunto que chamamos de ser criadores, produz uma história que está
social, não nos contentarmos com os sempre em aberto, sempre poderá ser
valores que nos são incutidos, de termos modificada para melhor ou para pior. E
uma atitude crítica frente a esses nisso ele é um pequeno deus: ele cria
valores. E a ética é justamente a reflexão coisas que não existiam antes. Pensem
crítica sobre a moral. Assim, a moral diz: na ideia de direito: vocês querem uma
“Faça isso!”. E a ética pergunta: “Por abstração maior do que a ideia de direito?
que fazer?”. E esta indagação do “por que Direito nunca existiu na natureza. Direito
fazer?” parte sempre daquele patamar é uma criação do ser social ao longo da
do que é bom não só para mim, mas sua história. Esta abstração que posso
para todos, para o ser humano genérico. carregar comigo daqui até Jundiaí, que
É como se a moral fosse algo mais é minha cidade, ou daqui a Paris, ou
próximo do indivíduo em si. E a ética daqui a Bangladesh e ela é a mesma, é
questionasse aquilo que é importante uma abstração que o ser social construiu.
para mim, mas que é importante para os Vejam, temos uma “tendência Polliana”
outros, também. Ou seja, tenho que me de achar que a história sempre tende
submeter à crítica social. Assim, a ética para o melhor; mas se formos pensar bem
está baseada em alguns princípios, em veremos que não há nenhuma conquista
alguns pontos dos quais todos partem. humana que não possa ser cancelada
É ela que fundamenta, que garante a pelos próprios homens. Pensem na
dignidade e o respeito real a um outro democracia: é um bem, uma conquista
ser humano. É neste sentido que também que precisa ser cuidada a cada dia,
posso entender, por exemplo, a ideia de porque, senão, pode-se perdê-lo. Neste
justiça como igualdade na diferença. O sentido, o ser social faz sua história
contrário da “igualdade”, vejam, não tendo que escolher entre alternativas
é “diferença”, mas desigualdade. A que lhe foram postas historicamente pelo
diferença tem que existir sempre, o que passado. Quando chego ao mundo elas já
deve desaparecer é a desigualdade. Por me estão postas, ou pelo passado, ou pelo
que o ser social é um ser muito rico, meu presente. É dentro deste presente,
não há que buscar a igualdade, há que e carregando meu passado, que escolho

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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minhas alternativas. É muito importante adianta fazer o “discurso” da liberdade.
perceber que esta é a dialética real. A Como disse Marcelo, hoje a prisão é para
intencionalidade pertence apenas aos uma determinada classe social. Se sei
atos humanos individuais ou, no máximo, disso, tenho que lutar quotidianamente
grupais. Mas jamais à história. A história para que isso seja revertido, para que as
é simplesmente o resultado dessas leis sejam para todos e para que todos
escolhas, e não algo que já contenha, de os seres humanos tenham o mesmo
forma pré-definida, a direção que os fatos direito ao acesso a bens sociais que lhes
devem seguir. Por isso é possível falar que permitam uma vida que os arranque da
não há uma teleologia na história, e que opção da criminalidade. Se não luto por
ela está sempre em aberto. Ela é fruto isso em meu quotidiano, minhas falas
do exercício da liberdade humana no ato sobre a liberdade, sobre a igualdade,
de responder aos desafios colocados à sobre a desigualdade, são abstratas. A
sobrevivência da espécie em geral e dos liberdade e a luta contra a desigualdade
indivíduos em particular. e pela justiça social são lutas do meu
Por que isso é importante? A civilização quotidiano.
judaico-cristã nos incutiu que todos temos É por isso que podemos dizer que
um destino, que ele nos está posto. A a ética profissional é um conjunto de
ideologia burguesa nos incutiu que há valores e princípios que são orientados
uma natureza humana que não muda. Se por um referencial filosófico e que são
penso que há uma natureza humana que reproduzidos nesta prática quotidiana.
sempre será assim, “o homem lobo do Normalmente, quando pensamos em
próprio homem” ou, como quer a religião ética profissional, pensamos apenas no
cristã, “meu destino está posto, só tenho Código. Mas, na realidade, o Código é
que ser bom na terra para ganhar o a expressão desta vontade coletiva que
céu depois”, não mudo nada. O grande uma categoria produziu ao entender o
salto do pensamento e do conhecimento mundo desta forma, ao se posicionar no
humano foi perceber que a história está mundo desta forma. Eu posso dizer para
em aberto. Nós a fazemos. Nós dizemos vocês que o nosso Código de Ética é um
o que o ser social vai ser daqui para a dos mais avançados que existem perante
frente. Temos um papel nisso. as outras profissões. Por que é um Código
Partindo desta relação entre o ser que traz a consciência da liberdade, da
social e a história é possível pensar a ética equidade, da igualdade. Ele não fala só da
como um conjunto de valores e princípios ética que tenho que ter com meu colega.
fundados na capacidade dos homens e Fala da ética e da responsabilidade que
mulheres criarem valores e alternativas devo ter com a totalidade social e com
novas. Para isto, estes homens e mulheres a reversão do quadro de desigualdade
precisam de, pelo menos, dois atributos existente.
fundamentais. Primeiro, consciência Nós sabemos que, em sua gênese,
de sua inserção em uma totalidade que o Serviço Social brasileiro não esteve
os inclui, mas que os ultrapassa. E, vinculado a uma ética valorizadora da
segundo, liberdade. Como bem coloca a liberdade. Isso só começou a ocorrer na
professora Lúcia Barroco, “a liberdade virada dos anos 70 para os 80 do século
é parte constitutiva dos projetos sociais passado. Desde então, nossa categoria
voltados para a emancipação humana”. É vem desenvolvendo uma direção ética,
impossível pensar a emancipação humana, no seu fazer, que se opõe à enganosa
entendendo que quem constroi a história neutralidade da técnica. Isso é
somos nós, se não tivermos liberdade para importante, pois vocês vão discutir hoje à
fazê-lo. Mas para que a liberdade tenha tarde a questão dos laudos. Esta direção
uma existência objetiva, os homens e as se opõe ao conservadorismo omisso
mulheres precisam eliminar situações que que marca, ainda, a postura de muitos
impeçam sua viabilização. Precisam lutar profissionais no quotidiano de trabalho. O
por ela, fazer escolhas, criar alternativas. não fazer nada já é opção, já carrega um
Precisam enfrentá-la praticamente, não conservadorismo. Sabemos que isso não é

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fácil no nosso quotidiano, até por que ele contar para vocês). Muitos colegas não
é o campo do imediato, do superficial, se mobilizam, não querem participar,
do pragmático, do fragmentado, das não querem sequer receber o jornalzinho
pressões do tempo e de meu superior da associação que está lutando por
hierárquico. Mas é neste quotidiano, sob eles. Percebe-se que para o sistema,
estas pressões, que tenho que escolher para o Judiciário (e acredito que no
minhas alternativas, não há outro. Como Penitenciário seja assim, também),
diz Marilda Iamamoto, às vezes fazemos acaba acontecendo que o que importa
falas muito parecidas com “Alice no País é fazer o controle rígido da frequência.
das Maravilhas”: “Ah, se eu tivesse um “Profissional bom” é aquele que está lá
carro para fazer visitas!”; “Ah, se meu juiz assinando o livro de ponto, é isso que é
fosse melhor!”; “Ah, se o promotor não esperado de nós. E não se percebe, e nós
fosse omisso!”... As nossas contradições não conseguimos mostrar, muitas vezes,
são justamente estas! Tenho que dar que nosso trabalho é desenvolvido muito
conta de escolher alternativas que deem mais fora da sala, fazendo uma visita
acesso a direitos não tendo carro, com muito bem feita à família, acompanhando
o juiz tendo quinhentos processos sobre a criança que está em situação de risco
sua mesa e não os lendo. É nesse mundo, para poder trazer subsídios para o juiz
não em outro. Todos sabemos que nossas poder tomar uma atitude, perante o caso,
salas são inadequadas e insalubres. que construa direitos. Então não tenho
Sabemos que nossos materiais de que ficar assinando ponto, marcando que
trabalho são insuficientes. Na greve que estou ali, tenho é que estar na luta. Mas o
fizemos do Judiciário paulista (foram 80 que nos é cobrado é diferente. Muitas das
dias de greve) os funcionários tiravam os nossas chefias, das nossas coordenadoras
computadores de dentro das salas (não de equipe, às vezes, não percebem isso,
sei se vocês viram na televisão) e diziam: uma vez que elas têm que dar respostas
“Este computador é meu!”. Só isso já ao diretor. Vocês sabem do que estou
fazia parar o Judiciário, se você levasse falando, não é? Costumo dizer que não
seu computador de volta não haveria adianta ficar alienado em relação ao
como não parar. Não há papel higiênico, que está se passando aí fora. Brinco
você leva o café, o açúcar, a bolachinha, que não adianta só pegar a sacolinha, ir
a água. Às vezes o promotor não é tão para o Fórum de manhã com processos
combativo como a gostaríamos; o juiz só que tivemos que ler à noite (roubando
lê o final do nosso laudo, não o lê inteiro, horas da nossa família, do nosso lazer,
não tem tempo de ler e ainda pede: “ah, do nosso descanso), com um pacote de
eu gostaria muito que a senhora fizesse bolachas, a conta que vamos pagar na
um laudo de apenas uma página”, quase hora do almoço e o guarda-chuva. Temos
dizendo o que é que deve se escrever, que ter conosco um Estatuto da Criança
não é? Mas, pior que isso, é que nós e do Adolescente, a Lei Orgânica da
mesmas nos deixamos engolir por este Assistência Social, temos que conhecer
quotidiano alienado e caímos no reforço o Benefício de Prestação Continuada,
desta alienação. Deixamos de participar temos que ter uma Coletânea de Leis que
das lutas mais coletivas. Não ousamos o CRESS-RJ fez tão bem (aquela Coletânea
sair de nossas salas para construir com faz sucesso no Brasil inteiro). Às vezes o
outros sujeitos um Conselho de Direitos, próprio juiz nos pede, pergunta se temos
um Conselho Tutelar, um Conselho da à mão a LOAS, por exemplo. Este é o
Assistência Social no município. Com raras momento de mostrarmos o que fazemos
exceções, não projetamos nada além e nos capacitarmos para fazer melhor. Se
daquilo que nos é demandado, ou até não for assim, vamos perder espaço. E não
imposto enquanto prática profissional. No é espaço corporativo: a história vai nos
caso do Judiciário, por exemplo, em São atropelar. Hoje as demandas que estão
Paulo temos a Associação de Assistentes colocadas para profissionais como nós,
Sociais e Psicólogos do Tribunal, que tem que ajudam o juiz a formar sua opinião,
uma atuação combativa (a Eunice pode sua sentença, na decisão da vida de um

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Meu laudo, sujeito, são de uma importância e de uma daquela questão, para além de culpar a
responsabilidade imensas. O juiz tem que família ou o indivíduo.
meu parecer, decidir se a criança vai ficar com a mãe É preciso ter uma convicção: garantir
tem que ter um ou com o pai, com o tio ou com a avó, se direitos para nossas crianças e nossos
conteúdo que aquela família oferece ambiente seguro adolescentes, bem como para estes pais
ou não para aquela criança. Então nossa e estas mães que atendemos, é fruto de
aponte qual
responsabilidade é enorme! Temos que uma luta permanente, não só nossa, mas
é a questão nos capacitar cada vez mais na discussão de outros sujeitos políticos, que estão nos
social geradora da conjuntura, das políticas sociais, da Conselhos de Direitos, estão nos Conselhos
daquela desigualdade deste país, trazendo dados Tutelares (com todos os problemas que
para o juiz e para o promotor acerca do neles existem), no CONANDA. Como
questão, para que é aquele universo com o qual se está nossos Conselhos Regional e Federal,
além de culpar trabalhando. Nós temos total liberdade que estão nos Conselhos de Direitos. É
a família ou o para fazer isso, para colocar no relatório preciso assumir estes compromissos por
o que quisermos, o que considerarmos inteiro. Realizar tudo isto sem perder a
indivíduo
importante. Se ele vai ler ou não, não capacidade de entender o olhar de uma
importa: algum outro profissional vai ler. criança, de entender que o usuário do
Quando aquela causa transitar de uma meu serviço precisa, às vezes, de um
Comarca para outra, outro profissional gesto. Ele não precisa, às vezes, de um
vai pegar o relatório. E tenho que ter grande discurso; não precisa de um ofício
a responsabilidade de municiar aquele que vai tramitar não sei onde: precisa
profissional não só com os dados do de um gesto, precisa, às vezes, de uma
caso, mas com uma reflexão do que é questão que você pode ajudar a resolver.
a questão social no meu país, por que E nós não podemos estar fechados para
aquela criança se encontra em situação isso. Temos esta tendência, o quotidiano
de risco, por que não tenho que culpar nos engole e passamos a nem olhar mais
apenas os pais (porque a nossa tendência para a pessoa, nem queremos mais saber
é achar um culpado, também tem isso). qual é a demanda dela. Estamos perdendo
Então, se tenho que achar um culpado, a capacidade que sempre tivemos, de
“é o pai, que é o agressor”. Mas como entender a população só com o olhar.
eu, perante o meu Código de Ética e a Por isso eu queria, para finalizar, citar
clareza que tenho da minha profissão, o grande poeta Mário Quintana: “quem
entendo esta demanda? Meu laudo, meu não compreende um olhar tampouco
parecer, tem que ter um conteúdo que compreenderá uma longa explicação”.
aponte qual é a questão social geradora Obrigada.

Cress/RJ - 7a Região
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Debates
Márcia Nogueira

Queremos agradecer ao professor principalmente nos minutos finais, quando


Marcelo Freixo e a Elisabete Borgianni por ela se refere às características do nosso
suas contribuições. processo de trabalho dentro do Sistema
Gostaria de fazer alguns comentários Sociojurídico, me faz pensar o quanto é
sobre as falas dos dois. Quanto à questão importante frisarmos nossa capacidade
da ética na sociedade e no Serviço Social, de propor o acesso de nossos usuários
Bete bem lembrou a comemoração dos aos direitos sociais. É uma área onde há
dez anos de nosso Código de Ética e da Lei muita possibilidade de propor. O juiz e
de Regulamentação da Profissão. O nosso o promotor de justiça dependem, em
Código de Ética tem alguns princípios grande parte, desta nossa contribuição
fundamentais, a defesa da liberdade, da e assessoria. Temos que criar este
democracia – entendida como democracia novo, principalmente ressaltando a
plena –, o respeito à dignidade, o respeito capacidade que o assistente social tem,
à diferença. E ela lembrou uma outra nosso conhecimento da legislação social,
coisa muito importante: estamos vivendo nossa defesa dos interesses da população
agora um momento de crise. E como diz usuária. Às vezes nem a atendemos
o professor Leandro Konder, a crise é diretamente, mas temos condições e
um momento em que o velho acabou de uma formação profissional que privilegia
morrer e o novo acabou de nascer. As desnudar todos estes aspectos que vão ser
duas falas nos fazem pensar como vamos importantes na decisão dos operadores de
criar este novo e como vamos superar direito e das pessoas que estão envolvidas
a morte do velho. A fala da Elizabete, com este processo.

Mirian Souza Silva

Vocês já devem ter percebido que encaminhá-las.


coordenar esta mesa está difícil. Tendemos O uso da palavra deve ser feito ao
a deixar passar o tempo, esquecer o microfone.
relógio, tão boas e proveitosas estão as Gostaria de registrar a presença da
falas! professora Marlise Vinagre, também
As perguntas, à medida do possível, conselheira do Conselho Federal de
poderiam ser feitas por escrito e pedimos Serviço Social.
que seus autores se identifiquem ao Vamos às questões.

Público

Yolanda Guerra: Sempre falamos no Então, à medida em que opto por este ou
conservadorismo. O Serviço Social tem aquele caminho no meu fazer profissional,
tratado deste tema nos seus textos, no estou acelerando ou retendo um processo.
seu dia-a-dia. Queria pensar um pouco o Muitas vezes sem nenhuma consciência,
que significa isto em nosso quotidiano. E sem que isto seja premeditado. Então, este
por quê? Por que conservadorismo é algo conservadorismo que tanto negamos no
que extrapola, primeiro, o universo dos nosso Código de Ética realmente está posto
assistentes sociais. O conservadorismo é na realidade, faz parte de um movimento
um movimento da própria ordem burguesa do real mas, ao mesmo tempo, tem a ver
no sentido de refrear a transformação. com as escolhas dos assistentes sociais.
Neste sentido, pergunto aos colegas: como Eu queria que vocês problematizassem
é que este conservadorismo se manifesta, esta questão, sobretudo Bete, que tem
às vezes, nas próprias opções profissionais? uma larga reflexão a respeito disso, e

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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colocassem para nós o que significa um momento pensei: “Provavelmente não será
assistente social tomar uma posição que a classe mais popular”. Mas, na verdade,
seja contrária a este conservadorismo que me surpreendi. O que o próprio Ministério
a própria ordem burguesa às vezes nos coloca, eventualmente, para nós? O rico,
empurra. Até por que manter a ordem o poderoso, não está presente sequer
burguesa faz parte de todas as instituições nas penas alternativas. Eles nem chegam
sociais, políticas e jurídicas do nosso a julgamento! Então me deparei com
ordenamento social. um perfil de baixa renda, classe média
baixa. Mas de qualquer maneira considero
Márcia Denise Canena: Quero aproveitar extremamente importante que uma pessoa
a vinda do Marcelo Freixo, da Comissão possa, ao invés de ir para o presídio e ficar
de Direitos Humanos. Meu nome é Márcia. detido, manter sua presença na sociedade,
Estou trabalhando atualmente na Central trabalhar, manter sua família. Então,
de Penas e Medidas Alternativas de Niterói, queria saber como está esta discussão
recém-instalada no município. Queria na Comissão de Direitos Humanos, na
levantar contigo a discussão das penas perspectiva de podermos, também em
alternativas, como a Comissão vê isso. O Niterói, ampliar nossa articulação. Como,
tema é bastante importante e queria fazer aliás, estamos tentando fazer, viajando
uma provocação: quando fui trabalhar lá, a prefeituras neste projeto de ampliar
em fevereiro, minha hipótese primeira a rede conveniada para que possamos
seria levantar qual o perfil das pessoas que ter maior engajamento da sociedade na
recebem a pena alternativa. Num primeiro defesa das penas alternativas.

Elisabete Borgianni

Primeiro respondendo a Yolanda. Óbvio produzir conhecimento, precisa partir


que pessoas inteligentes fazem perguntas desta base. Quem são os assistentes
difíceis, não é? É muito complicada sociais? O que eles pensam? Então, quero
a questão, Yolanda, mas vou tentar parabenizá-las e incentivar que todos os
responder! Mas, antes disso, gostaria colegas do Judiciário, do Penitenciário,
de dizer da importância desta iniciativa todo mundo que puder responder a esta
do CRESS-RJ e sua: a pesquisa. Temos pesquisa, que o façam. Ela é longa, tem
feito esta discussão no CFESS: nós todos que ter paciência. Não dá para respondê-
e todas pensamos que nos conhecemos la no trabalho miúdo do quotidiano, com
e que conhecemos a categoria. Isto não dez mil pessoas nos pedindo quinhentas
é verdade. A categoria, hoje, é muito mil coisas. Não! Vai no cantinho, pensa
diferente do que era há dez ou vinte anos que está colaborando para estabelecer
atrás. Todos precisamos nos conhecer. um perfil que vai nos ajudar a criar melhor
Queria até comunicar que o CFESS capacitação para aquilo que fazemos.
também fará uma pesquisa, de âmbito Bem, Yolanda colocou, e muito
nacional, sobre o perfil profissional, hoje. bem, que o conservadorismo não é
Quem somos, quantos somos, quanto um atributo específico dos assistentes
ganhamos, o que estamos fazendo. O sociais (e ainda bem!). É realmente algo
ideal seria que esta pesquisa (temos muito mais amplo, que tem a ver com a
debatido isto no CFESS) trouxesse, história, tem a ver com o como se forja
também, nosso perfil ideológico. O que na história humana esta postura de se
pensamos? Que religião temos? E quanto opor à transformação necessária. Como é
a temas polêmicos na sociedade, como isso em nosso quotidiano? Eu diria que o
o rebaixamento da idade penal, a pena conservadorismo, em meu quotidiano de
de morte? São questões que perpassam trabalho, tem uma cara. Normalmente
a discussão da política social e que, às ele passa pela omissão. Você está vendo
vezes, não sabemos o que o colega pensa situações dificílimas, gravíssimas, muito
na ação do quotidiano. Enfim, a categoria complexas e você vê profissionais e
precisa se conhecer. E a academia, para profissionais. Há aquele que simplesmente

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toca o dia-a-dia (e é possível, o sistema está falando com o usuário) nosso colega
permite isso, você pode passar vinte anos dizendo assim: “Mas o senhor bebeu
fazendo a mesma coisa, preenchendo os muito! O senhor não podia ter vindo aqui
mesmos relatórios e registros de ponto e tão bêbado! Eu já falei para o senhor que
nada vai acontecer, sua ficha funcional o juiz não vai aceitar isto!”. Isto faz parte
não vai ser lesada por isso). E há o outro do nosso quotidiano? Faz. A população
colega se matando, buscando alternativas está se alcoolizando? Está. Mas como é
fora daqueles muros, buscando articular que você lida com isto? Qual sua postura
com Conselhos de Direitos, buscando profissional? Como entender o alcoolismo
avançar na discussão mais ampla. Ele deste sujeito e trabalhar isto por dentro?
assina o mesmo livro de ponto e vai estar Ali era um julgamento moral. Apenas
sob as mesmas regras, e sendo julgado moral.
pelo registro do ponto. Quando chamo de Por exemplo (e esta é uma discussão
omissão é isso, o colega saber que precisa quente), na questão dos pretendentes à
trabalhar para transformar as relações adoção. O grupo de técnicos começa a
vigentes, mas diz: “Não, nada vai mudar, discutir os critérios que elegem ou não o
mesmo”. Para mim, o conservadorismo no pretendente. E se for um casal homossexual?
quotidiano de trabalho passa muito pela Aí a coisa pega, não é? Por isso eu digo:
omissão. Às vezes passa, também, por quando fazemos um julgamento moral,
um julgamento moral das expressões da e não uma análise técnica, profissional
questão social. Quantas vezes ouve-se no e política da situação, chegamos a bons
quotidiano de trabalho (as salas, às vezes, exemplos do que se passa no quotidiano
são vazadas e escuta-se o que um colega com relação ao conservadorismo.

Marcelo Freixo

Bem, tenho várias perguntas, todas bandidos, temos que detê-los e controlá-
difíceis de responder rapidamente. los”. É o controle dos guetos. E precisa
Há uma sem o nome de quem a haver um combate extremamente sério
elaborou. Ela diz: como estabelecer uma da corrupção. Enquanto não houver
política de segurança pública que leve em uma política de combate à corrupção
conta a questão dos direitos humanos? instrumentalizada, não vamos a lugar
A primeira medida é mexer com a nenhum. As prisões do Rio de Janeiro
ideia de segurança pública. Há que se não são seguras, mas não é por que
ter uma política pública de segurança, está faltando arame ou tijolo. Elas são
não uma política de segurança pública. corruptas. Poços de corrupção. E onde há
É fundamental que toda a sociedade corrupção, não há segurança.
tenha uma perspectiva de segurança, Respondendo à pergunta da Márcia,
não apenas alguns setores. Isto é ponto sobre penas alternativas. Na verdade
de partida. Se não se muda isto, vai se este é um caminho fundamental para
ficar batendo cabeça e tentando imaginar que se possa rediscutir o Sistema
quantos carros e quantas armas será Penitenciário, e o Judiciário só não as
necessário comprar para alguém ficar aplica por uma postura covarde e por que
mais ou menos seguro. E você nunca vai é profundamente conservador. Ele está
achar o resultado disso, porque se parte do assolado por uma ideia de impunidade.
princípio equivocado. É fundamental que No fundo, no fundo, o Judiciário opta por
se trabalhe na formação dos profissionais. uma pena como sinônimo de castigo. Isto
Há duas providências que são essenciais não pune adequadamente o criminoso. Há
no Rio de Janeiro, urgentes. É preciso também um problema de capacitação dos
capacitar os profissionais de segurança juízes. Tive uma experiência na semana
de uma forma decente, séria. Capacitar passada, em uma reunião no Centro
dentro dos princípios, obviamente, dos de Estudos de Segurança e Cidadania
direitos humanos, não daqueles que da Cândido Mendes, com um grupo de
olham para a favela e dizem: “ali só há especialistas em penas alternativas e

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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sistema prisional. Havia uma promotora que é desastrosa. Ele afirmou que lá
do Ministério Público Estadual presente. houve, este ano, de janeiro até abril,
Ela fez um relato que responde muito quatro mil novos presos. Se imaginarmos
ao que você está colocando. Durante que a construção de presídios é a solução,
doze anos ela foi promotora da área e que cada um não deve ter mais de
penal. E nos disse o seguinte: “Passei quinhentos presos, São Paulo, só neste
doze anos na minha vida achando que ano, teria que construir oito presídios.
as pessoas tinham que ficar mais tempo É óbvio que não é este o caminho, é
presas. Passei doze anos lutando para óbvio que não é esta a solução. É preciso
que as pessoas não saíssem da cadeia!”. investir na possibilidade de ampliação de
Aí houve uma mudança nos setores aplicação das penas alternativas. Hoje
e ela foi para a área da cidadania do ela existe em número muito reduzido.
Ministério Público. A primeira denúncia Vem crescendo, mas ainda é um número
que recebeu foi de superlotação de uma muito pequeno. Temos muito material.
delegacia no Rio de Janeiro, a Polinter, Por exemplo, há a experiência de
aqui na Praça Mauá, cuja capacidade uma Conferência de países africanos
é de cerca de 350 presos e tem 1400. sobre serviços comunitários e sobre
Ela recebeu a denúncia e foi visitar a penas alternativas que aconteceu no
unidade. Quando entrou na Polinter Zimbabwe, lugar onde a aplicação das
ela passou mal e entrou numa crise penas alternativas reduziu drasticamente
terrível de depressão por que, durante a população penitenciária e onde
doze anos, ela nunca tinha visitado houve, ainda, a redução dos índices
aquele lugar, não tinha a menor ideia de violência. Quem acha que a adoção
do que estava fazendo ao mandar uma de penas alternativas traz aumento de
pessoa para lá. Este é o problema: as violência comete um grande equívoco. A
pessoas desconhecem o resultado do seu população penitenciária, hoje, é foco de
trabalho. E isto é muito grave. Em São uma violência maior no Rio de Janeiro.
Paulo, o Secretário de Administração Há outras perguntas, mas não dá para
Penitenciária me deu uma informação responder todas neste momento, não é?

Elisabete Borgianni

Isto que o Marcelo está colocando O município não cria um programa para
serve, também, para a questão das fazer isso, não contrata assistentes
medidas socioeducativas, em meio aberto, sociais, não contrata psicólogos. E é
dos adolescentes (liberdade assistida, óbvio que a internação deve ser a última
prestação de serviços à comunidade). Os medida que se dê para um adolescente!
juízes determinam, às vezes, a medida Todos os estudos já mostraram. Continua-
de internação, porque eles sabem que o se não implementando por que, às vezes,
município não tem como fazer cumprir as o próprio Executivo não cria condições
medidas socioeducativas em meio aberto. para isto.

Público

Charles Toniolo de Sousa: Boa tarde. Meu demais medidas. Apesar do Estatuto prever
nome é Charles, sou assistente social do sete medidas, há apenas duas, ou uma,
Ministério Público do Estado do Rio de sendo aplicada, que é a de internação, na
Janeiro. Complementando um pouco esta lógica da segregação.
fala final da Bete, nós que estamos no Mas queria abordar o debate da
quotidiano, trabalhando diretamente com violência, que o Marcelo trouxe. É um
as pessoas, já percebemos: os promotores fenômeno com o qual estamos lidando o
acabam tendo que pedir a medida de tempo todo. E estamos vendo e vivendo
liberdade assistida ou de internação, o momento atual do Rio de Janeiro. Uma
justamente por que não há política para as coisa que percebemos, e uma sensação

Cress/RJ - 7a Região
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que temos, é de que estamos andando e cartilha (infelizmente não anotei o nome), Me pergunto
há bilhões de pessoas andando para cima que foi confeccionada por um centro
de você e você não consegue sair do lugar. de estudos e atendimento à população
até onde o
Dá uma sensação desesperadora, porque marginalizada, algo assim. Vocês devem assistente social
parece algo que não tem fim, que você não conhecer, é o CEAP. É uma cartilha com do Judiciário
consegue chegar a lugar nenhum. Por que uma linguagem voltada para a criança
pode ir se
na verdade (e isto tem a ver com a origem e o adolescente, muita básica, que fala
da violência que provoca esta violência sobre o que é uma Ouvidoria de Polícia, apropriando e
social) você começa a estigmatizar como identificar o policial que vai à sua implementando
aquele que mora na favela. Aquele que comunidade, que vai à sua casa, o que é ações que
mora na favela, quando entra no ônibus, uma Corregedoria de Polícia e como entrar
todo mundo comenta; aquele que mora em contato com ela, como entrar em
ultrapassem
na favela, quando está andando na rua, contato com o Ministério Público, o que é a elaboração
todo mundo sabe, quando está puxando a inviolabilidade do lar... Enfim, uma série escrita do seu
o carrinho do supermercado... São todos de informações com linguagem voltada
parecer. Seria o
estereótipos que convivem contigo, mas para o público infantil e infanto-juvenil,
que não deveriam. Na verdade, aquilo me para adolescentes e crianças. É muito assistente social
aparece como uma reação a isso. Se você interessante o material, não sei se a ALERJ apenas um
tem um poder social de estigmatizar esta o tem, nem se na Comissão de Direitos parecerista?
população, para responder à sociedade que Humanos há algum trabalho voltado para
a estigmatiza ela pega em armas, enfrenta. este público. Penso que é um trabalho
E aí a sociedade reage com mais violência, que deve ser feito e relacionado com a
e aquela população reage novamente, Secretaria de Educação Municipal e com os
num ciclo que não tem fim. Cada vez mais Conselhos de Criança e Adolescente. Não
violência, seguida de mais violência. É é uma iniciativa muito cara e pode ser um
daí que vem a sensação de que estamos trabalho feito diretamente com as escolas,
andando e há bilhões de pessoas vindo em com as crianças. Essas crianças levam esta
nossa direção e nos atropelando. cartilha para casa, mostram para os avós,
É muito interessante este debate dos para os irmãos, isto é um início. Temos
direitos humanos, esta perspectiva de que começar por estas possibilidades de
análise, para apontar algumas alternativas. ação em relação aos direitos humanos
Que caminhos podemos seguir? específicos de nossa clientela, as crianças,
Outro aspecto é que parece que quanto os idosos, enfim, todos. Quero parabenizar
mais o crime se organiza, mais a sociedade a iniciativa, muito legal, do CEAP.
se desorganiza. Precisamos discutir a
sociedade dos bárbaros e a sociedade dos Andreia Cristina Alves Pequeno: Do
civilizados: quanto mais uma se organiza, debate espero elementos bastante
mais a outra se desorganiza. E vivemos importantes para pensarmos nosso fazer
numa histeria coletiva. As pessoas não profissional, numa perspectiva ética e
podem fechar o olho na rua, no trânsito, de defesa dos direitos humanos. Todos
que já há um tirando arma, querendo hoje vamos embora com muitos aspectos
matar; aparece um tubarão na praia e para pensar. Mas queria pedir a Bete que
é linchado; uma histeria total, que não abordasse uma outra questão, para nos
sabemos onde vai parar. Então, esta ajudar a pensá-la. Sou assistente social,
perspectiva de debate pode nos trazer uma do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
nova luz, apontando caminhos a seguir. Dentro desta categoria existe um debate
instalado que é pensar o assistente
Patrícia Aline de Abreu Pereira: Sou social como um parecerista, e ponto.
Patrícia, sou assistente social e quero fazer Nós trabalhamos em uma instituição, o
uma colocação, não é nem uma pergunta, Judiciário, que, em princípio, não deve
para o professor Marcelo. Ontem estive executar políticas. Convivendo, hoje,
com uma colega que trabalha em uma com esta questão no local de trabalho,
instituição com crianças e adolescentes em me pergunto até onde o assistente social
situação de risco social. Tive acesso a uma do Judiciário pode ir se apropriando, e

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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implementando, mesmo, algumas ações saber se já há algo mais plausível para
que ultrapassem a questão da elaboração continuarmos esse trabalho.
escrita do seu parecer. Seria o assistente Rita Rodrigues Queiroz: Boa tarde.
social apenas um parecerista? Gostaria de agradecer a presença de
vocês. Meu nome é Rita e faço parte da
Hilda Corrêa de Oliveira: Quero colocar Comissão Sociojurídica. Estou pensando
uma questão para o companheiro Marcelo, se realmente devo fazer esta pergunta (ela
a quem admiro muito, e vou preveni-lo foge um pouco do tema), mas vou ousar,
que ela é bastante provocativa. Estava porque em meio às minhas hipóteses
conversando com uma colega sobre este vejo que tem um pouco a ver, no seu
tema. O número de assistentes sociais desdobramento e reflexão, com nosso
do Sistema Penitenciário em nosso quotidiano profissional. Ele começa pela
Estado passa um pouco de cem. Olhei compreensão não só institucional, mas da
este plenário e não consegui detectar a realidade com a qual trabalhamos. Hoje,
presença de mais de seis. A interrogação compreender segurança pública ou política
é a seguinte: por que estas companheiras pública de segurança, compreender
estão ausentes neste momento? Há dez crime organizado, compreender droga,
dias atrás, numa reunião no CRESS-RJ, compreender este universo mais amplo
havia um bom número delas. Todas num tem uma interseção com a população
estado de estresse, no limite, de angústia usuária com a qual lidamos no dia-a-dia.
pelo que estão vivendo no Sistema Por conta disso vou ressuscitar a reflexão
Penitenciário. O que elas gritam é pela sobre algo que o Marcelo falou no início.
liberdade de agir enquanto técnicas. Mas vou me dirigir também a você, Bete,
Estão submissas à autoridade, ao diretor para que possamos refletir um pouco
e reclamam a necessidade da prevalência sobre isso.
da intervenção com segurança. É o seguinte. Marcelo disse que, na sua
Como você é uma pessoa que há anos compreensão, a violência não se detém
visita essas unidades, sabe do seu interior, à pobreza e que, na verdade, seria um
qual seria o seu olhar sobre o que se passa equívoco pensar desta forma, porque não
com essas assistentes sociais? O que se é a pobreza que determina a violência
esperaria do trabalho das assistentes e, sim, a exclusão. Ele exemplifica as
sociais neste setor? várias dimensões da exclusão (cultural,
geográfica e, também, econômica).
Eliana Monteiro Feres: Sou assistente Também exemplifica que em outros países,
social e atuo em um Conselho de Direitos mais pobres que o Brasil, a violência não
de Campos. Estamos iniciando um trabalho chegou aos índices aqui existentes. E, por
a partir de um curso de capacitação da outro lado, que não há, em sua leitura,
Fundação Bento Rubião, projeto “Começar um país tão excludente como o Brasil.
de Novo”, que é justamente voltado para Em outro momento, Marcelo coloca
medidas socioeducativas. Estamos num que a grande maioria dos usuários do
trabalho regional para discutir estas sistema penitenciário é pobre. Porque o
propostas, estabelecendo uma rede de crime tem cara. Ele até reflete se são só
atendimento dentro destas políticas e os pobres que cometem crimes ou se são
medidas socioeducativas em meio aberto. só os crimes cometidos pelos pobres que
Gostaria de saber se já há algo concreto levam ao sistema penitenciário.
em nível nacional, via CONANDA, ou dentro A grande maioria de nós, assistentes
da ALERJ, que possa, de certa forma, nos sociais, vem de uma formação dentro de
ajudar neste trabalho, porque o projeto uma perspectiva teórico-analítica que
é denominado “Começar de Novo”, mas compreende o homem como ser social
estamos realmente começando, ainda não inserido através de sua dimensão do
conseguimos identificar este novo. Talvez trabalho. A partir desta compreensão,
o “de novo” parta do Estatuto, que elenca compreendemos também a exclusão
sete propostas de ação, e atualmente só social. É neste sentido que não sei se estou
há duas sendo aplicadas. Enfim, quero me afastando do tema. Mas gostaria que

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pudéssemos refletir um pouco, Marcelo, juristas, inclusive) sobre a violência e isso É fundamental
e até aproveitando sua área de atuação nos faz estar longe desta compreensão no
(sei que você tem uma compreensão das nosso quotidiano profissional, no nosso
separar
diversas perspectivas da violência, hoje), dia-a-dia, lidando com esta realidade. violência e
que compreender a violência através Então queria suscitar que você pudesse criminalidade.
da pobreza também é uma perspectiva. esclarecer, um pouco mais, esta diferença
A criminalidade
Nós, assistentes sociais, estamos sempre que faz entre a pobreza e a exclusão social.
nos defrontando com várias divisões (de Isto pode contribuir para nossas reflexões. é um aspecto da
violência, não
Marcelo Freixo
são sinônimos.
Primeiramente quero dizer que não vou O tráfico é tão violento, ou mais, que
Os meios de
conseguir responder tudo, é óbvio. Mas o Estado. E a população pobre é vítima comunicação
fica evidente a importância deste debate, dos dois lados. Isto é algo que precisamos e as políticas
a importância pedagógica da troca. Esta
demanda torna necessário que estejamos
desmistificar, romper este glamour.
públicas tratam
Patrícia, na Comissão de Direitos
promovendo eventos outras vezes, fica Humanos na gestão do Chico Alencar violência como,
claro que precisamos discutir mais. fizemos uma cartilha também. Ela é exclusivamente,
Bem, antes de qualquer coisa quero chamada de Manual dos Direitos Humanos. um problema de
pedir desculpas, porque quase todas O pessoal do CRESS-RJ a recebeu. Nós
não vão se sentir contempladas com as trabalhamos muito nas favelas com a ideia
criminalidade
respostas. Isto é humanamente impossível básica do que é direito. Quais são os seus
(já que estamos falando de direitos direitos e quem procurar caso um direito
humanos). específico seu seja rompido pelo Estado.
Charles, a ideia de que “a favela Até tivemos a preocupação de colocar um
vai descer” todos já reproduzimos ou carimbo, enorme, dizendo: “Olha, esta
já ouvimos, não é isso? “Olha, a favela cartilha é para os bons policiais”, porque
vai descer, a violência vai chegar no a polícia desceu o sarrafo na cartilha,
momento em que a polícia ocupar o dizendo que ela dizia que a polícia não
morro!”. A favela desce todo dia. Desce servia para nada. E não dizia isso: o
para trabalhar todo dia, desce e sobe, problema é que a cartilha falava de uma
sobe e desce. Muitas vezes não consegue violência, muito comum, que a polícia
descer, e quer descer. A primeira coisa é comete. Só que a polícia é corporativa ao
desmistificar esta ideia de classe perigosa, extremo e não aceita esta crítica. Então
que você colocou bem em sua indignação. botamos o carimbo dizendo “esta cartilha
Mas é fundamental, também, separar é uma homenagem aos bons policiais” e
violência de criminalidade. Violência eles ficaram mais sem-graça ainda. Tolice,
é uma coisa, criminalidade é outra. A não é?
criminalidade é um aspecto da violência, Há uma pergunta por escrito, aqui,
não são sinônimos e, hoje, os meios de em relação ao Conselho de Comunidade.
comunicação e as políticas públicas tratam Questiona como o Serviço Social pode
da violência como, exclusivamente, ajudar, como pode contribuir. Já contribui
um problema de criminalidade. Este muito! Se eu pedir mais alguma coisa vou
talvez seja o nosso maior desafio. É ficar envergonhado, porque o Conselho
também fundamental não “glamourizar” Regional de Serviço Social faz parte da
a violência, como muitos filmes andam direção do Conselho de Comunidade, está
fazendo, reforçando estereótipos. Isto é em todas as visitas, nós ocupamos o espaço
muito perigoso, o glamour da violência, do Conselho Regional (para desespero do
o glamour do tráfico. Não dá para achar povo de lá), fazemos nossas assembleias
que o traficante é um Robin Wood no auditório. Há uma integração com o
moderno. Não é! O tráfico é um negócio, movimento social organizado pelo Conselho
é um mercado, se utiliza de mão-de- de Comunidade que é, na verdade, um
obra barata e tem como mecanismos de movimento da sociedade civil organizada
funcionamento a violência e o terror. atuando na área penitenciária. Isto é

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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interessante, é uma experiência muito boa instrumento de controle dos excluídos.
para o Rio de Janeiro. A pobreza, em si, é uma outra forma de
Povo de Campos (digo povo de Campos exclusão, que precisamos combater. Mas
porque você não disse seu nome, mas ouvi há que se ter o cuidado de não se pensar
a referência): vou com muita frequência a que é a pobreza que gera a criminalidade.
Campos, tenho parentes lá e a situação de Até por que este discurso é perigoso, pode
Campos é dramática, não é? Aquela Casa legitimar a ação da polícia de identificar
de Custódia me deixa mal. Nós vamos a o pobre como o criminoso. O que,
Campos sábado próximo, dia 17. O Molon, absolutamente, não é verdadeiro!
que é o atual presidente da Comissão Hilda, quando entro no Sistema
de Direitos Humanos vai, eu também Penitenciário, vejo e encontro assistentes
vou. Podemos marcar alguma conversa sociais (tenho uma relação muito boa
e viabilizar um maior contato, quando com a maioria delas), fico muito triste.
acabarmos a mesa trocamos telefones. Por que o sistema penitenciário é uma
Em relação a pobreza e violência panela de pressão controlada com muita
vou pegar só um exemplo, do qual gosto força. Na maioria das vezes os presos
muito. Os guetos, hoje, os guetos pobres, olham para os assistentes sociais e
as favelas, todos estes setores que são encontram neles sua válvula de escape.
controlados pela política pública, têm Quantas e quantas vezes já ouvi o preso
dois exemplos interessantes. O primeiro dizer isso: “vou lá para o assistente
é o seguinte: enquanto com o avanço da social reclamar!”. Aí resolve. Eles dizem:
tecnologia cada vez mais se perde a noção “Estou indignado e quer saber de uma
de espaço (você a qualquer momento pode coisa? Vou lá no assistente social, agora,
conversar com o povo que está na Suíça, a reclamar!”. Fico imaginando... A ação do
informática nos trouxe um novo conceito Conselho de Comunidade é uma ação de
de espaço, perdemos muito os limites visitas, nós entramos e saímos. Imagino
de espaço para quem vive e aproveita os o quotidiano! Quem está ali dentro tem
prazeres da ordem), ao mesmo tempo, que ouvir e, na maioria das vezes, é tão
você tem um setor da sociedade que é cada prisioneiro quanto o próprio preso, pelas
vez mais prisioneiro da noção de espaço. suas ações. O sistema penitenciário, hoje,
Cada vez mais só é entendido, só se sente é um grande negócio, e muito perigoso!
bem, só se comunica com tranquilidade Ontem o diretor de um presídio disse
naquele espaço mínimo do seu gueto, para mim que um determinado preso
naquele espaço reservado a seus pares, estava no castigo porque quando chegava
cada vez menores e mais controlados. a cocaína ele fazia muita bagunça. Eu
Isso é exclusão, isso não é sinônimo único falei: “Espera aí... Quando chega a
de pobreza! São muitos os guetos hoje cocaína ele faz a maior algazarra, mas
controlados. Eu estava conversando com cheirar cocaína, tudo bem?”. Ele disse:
um pessoal do Conselho Penitenciário e “Ah, Marcelo! Isso aqui é cadeia, não é?”.
eles estavam com um dado interessante: O diretor da unidade!
no Rio de Janeiro mais de 90% das pessoas Como é que o assistente social vai
presas, o são em flagrante. Qual a leitura criar um plano de trabalho dentro de uma
que se pode fazer disso? Só se prende perspectiva destas? Como vai trabalhar
pessoas no Rio de Janeiro em flagrante. junto a agentes penitenciários que
Há investigação? Há inteligência? Não, receberam quinze dias de treinamento em
não há. Então, para onde vêm a ação e a janeiro para se tornar agente penitenciário
repressão da polícia? Só sobre as pessoas e já está dentro das unidades dando
que a polícia está conseguindo controlar. cabeçadas? Não há projeto, não há
Ora bolas, quem é que a polícia está formação, não há capacitação! O trabalho
conseguindo controlar? Os guetos. Não é à do assistente social é visto, muitas vezes
toa. Quando você vai a qualquer unidade (Tânia pode falar disso com muito mais
do sistema penitenciário, o que encontra propriedade), obviamente, como aquele
lá dentro? Um depósito de pobres. O pessoal que vai ouvir os presos. E não vai
sistema penal funciona como um eficaz passar daí! Agora, é fundamental que a

Cress/RJ - 7a Região
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ética que conduz esta categoria tente se do DESIPE não apareceu!”. Penso que há
monitorar disso, que não aceitemos esta explicações para isso. Pela política. Por
regra. É muito preocupante a ausência que não dá para pensar que o Rio não tenha
do corpo do DESIPE aqui. Tânia já tinha política pública: tem! A política pública é
me chamado a atenção no início, antes esta que está colocada! O que precisamos
de virmos para a mesa: “Olha, o pessoal é criar alternativas a isso.

Elisabete Borgianni

Vou tentar ser rápida, o que é difícil de mudar esta forma de organização da
diante destas questões, não é? sociedade, porque ela – de uma forma
Quando Patrícia falou da cartilha a que mais crítica ou mais amena – vai ser
ela teve acesso, gostaria de conhecê-la produtora de exclusões, não só de miséria
também, porque pode ser um instrumento e pobreza. Neste sentido é que entendo
importante para o CONANDA, é importante nossa intervenção, se tem esta clareza –
enviar um exemplar para Brasília. Quero posso estar dentro de uma prisão, dentro
contar para vocês que o CONANDA vai de uma Vara de Infância, dentro de uma
promover uma campanha nacional na Vara de Família, ou no Ministério Público –
mídia, no rádio, impressa, na televisão, de sei que minha ação não vai ser reformadora
valorização dos Conselhos Tutelares. Esta no sentido de adaptar o sistema para que
semana, quando formos para o CONANDA, ele seja melhor. Ela tem que ser uma ação
na terça-feira, vamos acabar de aprovar para que se atendam direitos, sim, para
a campanha, pois quando os publicitários que se dê acesso a um patamar mínimo ou
vieram havia alguns vieses que pedimos máximo de direitos a que uma sociedade
para refazer. Mas a campanha ficará muito chegou, sempre com a perspectiva de
boa, passando para a população esta ideia mudar esta forma de organização da
de que o Conselho Tutelar é o órgão que sociedade. Não posso ter esta ingenuidade
recebe a denúncia, que pode ajudar a de achar que o capitalismo pode ser menos
resolvê-la. Vocês logo vão ver a campanha selvagem. Ele não vai ser menos selvagem,
na mídia e é muito importante que a vai sempre colocar ou estabelecer
população e a sociedade em geral tenha contradições em outros patamares, mas
acesso a esta informação, básica, de que estas contradições serão suprimidas, elas
existem Conselhos, existem órgãos onde estarão em outros patamares. Até chegar
ela pode procurar apoio e tentar garantir a esta sensação do companheiro Charles,
seus direitos. que está desesperado como todas estamos,
Queria opinar nesta discussão da este capitalismo selvagem engendrou um
exclusão e da pobreza. Não tenho círculo tal de violência que todos ficamos
capacidade para isso, mas isso me sem saber para onde vamos, não é? E eu
incomoda, também. Parto do princípio de diria que temos que fazer o caminho de
que capitalismo é exclusão. Viver em um volta e dizer: “Olha, nós não queremos
sistema capitalista é viver em um sistema mais o capitalismo! Nós não queremos mais
que produz a exclusão. Não é um sistema esta forma de organizar a sociedade!”.
onde as coisas estão mal arrumadas, e em Agora, isso não acontece de um dia para
que é possível você trabalhar para arrumá- o outro. E no meu dia-a-dia tenho que
lo para chegar a incluir. Aí há um nó. Até lançar mão e fazer valer um patamar de
a palavra e o conceito de exclusão são direitos que uma sociedade conquistou, e
complicados, porque ela é inerente. O que não fazer voltar para trás. Isto para que
quero dizer com isso? Todas as questões os próximos passos sejam transformações
que estamos tratando têm a ver com isso. maiores ainda, e maiores, e maiores, até
Se partimos da ideia de que estamos aqui que não seja mais predominante este
para melhorar o sistema, que ele pode ser modo de organizar a sociedade regido pelo
um pouco mais justo ou um pouco menos capital. Por que capital é exclusão. Capital
desigual ou violento, isto é uma falácia. é exploração. Capital é desigualdade na
Temos que trabalhar numa perspectiva sua essência.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Somos peritos Quanto à pergunta de Andreia, penso só isso que fazemos. Somos peritos nos
que ela vai ser “o quente” dos debates da feitos, nos processos que necessitam de
nos processos tarde. Trata-se de saber se o assistente um perito analisando aquela situação.
que necessitam social do Judiciário ou do Penitenciário tem Agora, independente daquele feito,
de um perito. que se bastar em sua função de parecerista, daquele processo onde atuo como perita,
de perito, ou se pode ser algo mais do tenho uma série de outras atribuições
Agora,
que isso. Mas quero opinar nisso também. que devo e posso exercer e cumprir, que
independente Tenho minha opinião sobre isso e só vou expressam as possibilidades do Serviço
daquele feito, adiantar algumas coisas. Primeiramente, Social na área sociojurídica. Por exemplo,
tenho uma a função de perito existe para várias posso organizar um grupo de pretendentes
profissões. O juiz, quando precisa decidir a adoção, para analisar, estudar com
série de outras se o prédio foi construído com areia de eles os critérios, fazer a preparação dos
atribuições praia ou com areia adequada, chama um pretendentes. Isto não é trabalho de um
que devo e perito engenheiro para analisar como foi perito, é trabalho de um assistente social
estabelecida a estrutura daquele prédio. preparando um grupo de pretendentes a
posso exercer
Tanto pode chamar o perito engenheiro adoção. Posso organizar um grupo de pais,
e cumprir, que ou convocar algum, como já pode tê- de avós, de tios, de guardiões de crianças
expressam as lo dentro do Judiciário. Não existe, que em situação de risco. Posso fazer um
possibilidades eu saiba, dentro do Judiciário um perito projeto de acompanhamento de crianças
engenheiro, então o juiz o convoca. Se o que estão em abrigo. Isto tudo extrapola
do Serviço juiz está analisando um caso de fraude as tarefas e atribuições de um perito.
Social na área contábil grave (no Rio vocês conhecem Não são nem maiores nem menores, são
sociojurídica algum caso? Ou no INSS?) tem que chamar atribuições tais e quais. Então, penso que
um perito contábil, um contador perito, há uma riqueza enorme de possibilidades
que vai analisar aquelas contas, não é para nossa atuação, tanto no sistema
assim? Este profissional vai fazer o laudo penitenciário como no Poder Judiciário,
pericial. O juiz que tem que analisar se que está pouco explorada. Ocupamos
uma criança está em uma situação de muito pouco estes lugares.
risco social e até que ponto este risco está Sobre as medidas socioeducativas o
afetando sua vida psicológica, convoca CONANDA também pode fortalecer a luta
um perito assistente social (para dizer se de vocês. Por exemplo, pode se pronunciar
aquela situação é mesmo de risco social) sobre as medidas educativas e outras
e um perito psicólogo (para dizer até que temáticas afins, desde que provocado a
ponto aquilo atingiu a vida emocional fazê-lo. Pode partir do Conselho onde vocês
daquela criança). Esses peritos podem atuam propostas para implementação de
ser de dentro do Judiciário ou podem ser um programa de acompanhamento de
pessoas que ele convoque, se o Judiciário medidas socioeducativas de meio aberto.
não os tiver. O CONANDA não tem um instrumento que
Muito bem, essa é uma das funções obrigue o município a fazê-lo (isto quem
que o assistente social tem dentro desta tem são o Ministério Público e o juiz), mas
área sociojurídica. É uma delas, a meu tem todas as resoluções e pode ter uma
ver. Como estamos nas equipes das atuação política de fortalecimento das
Varas de Infância e de Família com esta ações. Se vocês quiserem escrever para
atribuição precípua, e pelas resoluções lá, contar o que vocês estão fazendo, o
a nossa equipe é uma equipe de peritos, CONANDA pode fazer um pronunciamento
tendemos a começar a incorporar que é ou algo assim.

Mirian de Souza Silva

Bem, compartilho com todas vocês a satisfação com esta primeira mesa. Ela foi muito
rica e penso que acertamos na escolha da temática, que provoca e amplia uma discussão
articulada entre ética, direitos humanos e a nossa intervenção profissional. Gostaria de
comunicar que temos, até o momento, 149 profissionais cadastradas neste Seminário, o
que nos deixa imensamente felizes.

Cress/RJ - 7a Região
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Mesa 2

As Implicações
Ético-Políticas
do Processo
de Construção
do Estudo Social
Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti

Antes de tudo gostaria de parabenizar do Programa de Proteção a Testemunhas


as assistentes sociais aqui presentes e dizer de Crimes, Mestre de Serviço Social pela
que é com muita alegria que a Comissão PUC-RJ e doutoranda na UFRJ, além de
Sociojurídica teve a oportunidade de conselheira do CRESS-RJ. O tema, como
promover este Encontro com a categoria. já foi informado na parte da manhã
Estamos buscando aprofundar nosso papel deste evento, foi escolhido em uma
na relação com a justiça social e com os das reuniões ampliadas da Comissão
direitos humanos. Sociojurídica. O que estamos buscando
Dando prosseguimento aos trabalhos, é discutir as questões éticas relativas
vamos convidar Eunice Teresinha Fávero ao estudo social, à emissão de parecer,
a compor a mesa. Ela é assistente qual o nosso papel dentro do local onde
social do Poder Judiciário de São Paulo, executamos nossa ação, qual o público
primeira secretária da Associação de a quem se destina nosso trabalho, para
Assistentes Sociais e Psicólogos do quem o Serviço Social elabora seu parecer
Tribunal de Justiça do Estado de São social e com que compromisso ético-
Paulo, doutora em Serviço Social pela político. É através da participação de
PUC-SP e membro do Conselho Editorial eventos como este que vamos tentando
da Revista Serviço Social e Sociedade, ampliar este processo de discussão.
da Cortez Editora. Vamos, também, Vamos convidar, também, a assistente
chamar a professora Tânia Dahmer. Ela social Mônica, da Vara da Infância e da
é assistente social do Sistema Penal aqui Juventude da Comarca de Duque de
do Rio, professora aposentada da Escola Caxias, para compor a mesa conosco.
de Serviço Social da UFF (Universidade E vamos dar a palavra, de imediato, à
Federal Fluminense), ex-coordenadora professora Eunice Fávero.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Eunice Teresinha Fávero*

Boa tarde a todas vocês. Estamos aqui anterior. Embora com pouco tempo
presentes para pensarmos a respeito disponível para a reflexão, são sementes
da construção do estudo social e as que são plantadas e que, em nosso dia-
implicações éticas nela existentes. Antes a-dia, temos que levá-las aos nossos
de entrar na reflexão proposta, quero espaços de trabalho e organizações para
agradecer ao CRESS-RJ e parabenizá-lo que frutifiquem. A mim e a Tânia foi
por este e todos os outros encontros que solicitado que trouxéssemos para uma
estão promovendo. É uma honra estar conversa com vocês reflexões acerca das
aqui compartilhando com vocês algumas implicações ético-políticas do processo
experiências que temos em São Paulo. de construção do estudo social.
Quero também socializar uma informação: Quero começar dizendo que não é
em São Paulo estamos iniciando por acaso que estamos aqui reunidos,
em agosto (2003) um curso de pós- em torno de debates e de reflexões
graduação lato sensu, de especialização, que envolvem particularidades do nosso
denominado Serviço Social na Área exercício profissional no denominado
Judiciária. Ele pretende trabalhar a Campo Sociojurídico. Ainda que este
questão social, as políticas sociais e o tenha sido um dos primeiros espaços de
Serviço Social na contemporaneidade, trabalho do assistente social (se vocês
chegando às especificidades do pegarem o livro da Marilda, “Relações
trabalho do Serviço Social no âmbito Sociais e Serviço Social no Brasil”, vão ver
do Judiciário, numa dimensão mais que a primeira assistente social, em São
ampliada. Não pretendemos apenas Paulo, portanto da Escola de Serviço Social
atingir os profissionais do Judiciário, mas que foi a primeira do Brasil, conseguiu
os da área sociojurídica, como estamos emprego formal no judiciário paulista,
aqui denominando. Também quero falar sendo este, o Judiciário, efetivamente,
rapidamente do jornal informativo Novo o primeiro campo de trabalho para o
Tempo. É um informativo da Associação assistente social) só muito recentemente
de Assistentes Sociais e Psicólogos do é que ele passou a ser objeto de
Tribunal de Justiça do Estado de São pesquisas sistemáticas, de debates e
Paulo. Esta Associação reúne estas duas polêmicas públicas. Isso ocorreu por um
categorias, que trabalham no Tribunal de conjunto de razões, como, por exemplo,
Justiça e visa trabalhar questões técnicas a ampliação significativa de demanda
e questões sindicais, uma vez que, de atendimentos e de profissionais
infelizmente, em São Paulo não existe um para a área, a valorização da pesquisa
sindicato único, por ramo de atividade, no dos componentes dessa realidade
âmbito do Judiciário. Vocês vão ver que de trabalho, inclusive pelos próprios
há um site e que estamos conclamando profissionais que estão na intervenção
os colegas que estiverem interessados a direta. Penso, e falo como testemunha
enviar artigos, textos, outros materiais. aqui, que também há uma diminuição do
As contribuições são submetidas a um preconceito no nosso meio profissional
grupo de avaliação, mas a maioria dos com relação a um campo de intervenção
trabalhos é incluída no site, o que é historicamente visto como espaço tão
uma forma de socializar conhecimentos somente para ações discriminadoras e de
nesta área que ainda é tão pequena em controle social no âmbito da regulação
termos de sistematização. Então, o site caso a caso. Fui, no início de 1992,
da Associação está à disposição para que buscar a academia para fazer mestrado,
possamos estabelecer um canal de maior na intenção de buscar explicações para
* Eunice Teresinha Fávero é comunicação entre os nossos estados. questões do nosso quotidiano profissional.
assistente social do Judiciário
Paulista, 1ª Secretária da Vamos ao tema que me foi proposto. Se agora a discussão é recente, imaginem
Associação dos Assistentes Sei que é de imensa responsabilidade a no início dos anos 90! Pelo menos em São
Sociais e Psicólogos do TJSP
discussão que temos hoje, especialmente Paulo esta discussão passava distante da
- AASPTJ-SP e Doutora em
Serviço Social pela PUCSP. após um debate tão rico na mesa academia. Me sentia fora daquele mundo,

Cress/RJ - 7a Região
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em princípio, porque esta discussão não ao Poder Judiciário – um Poder do Estado Devemos atuar
chegava à academia, nem a discussão que, tradicionalmente, tem sido visto
nem a pesquisa sobre uma área tão rica como se estivesse num patamar superior
apenas como
e tão cheia de informações, com tantos ou à parte dos demais poderes. Trago peritos ou nossa
profissionais competentes. este olhar em razão da minha experiência intervenção
Alia-se a tudo isso o compromisso de intervenção profissional desde 1989 e
deve ter uma
dos profissionais com ações na direção como pesquisadora da área.
da ampliação e garantia de direitos e na Mesmo levando em conta que a área dimensão
provocação de alterações nas práticas da Justiça da Infância e Juventude, mais ampla,
sociais, além, obviamente, do debate mais especificamente, tenha sido uma articulada à
cada vez mais público a respeito dos das primeiras áreas de trabalho do
“interiores” do Sistema Penitenciário, assistente social, e que profissionais que
rede social,
do Sistema Judiciário e do complexo atuam em outros espaços institucionais sobretudo junto
de organizações que trabalham no que integram o denominando Campo à infância e à
atendimento de situações permeadas Sociojurídico relacionam-se no dia-a-dia
juventude, como
pela violência social e interpessoal. com esse campo, como, por exemplo, os
Não é à toa que o presidente Lula disse, que atuam junto a abrigos, internatos, o próprio ECA
recentemente, que é preciso abrir a conselhos diversos, sistema penitenciário, dispõe?
caixa-preta do Judiciário. Falo mais Ministério Público, podemos dizer que o
especificamente do Judiciário por ser o processo de sistematização desse nosso
campo que mais conheço, mas é o campo trabalho – a respeito do seu objeto,
que permanece escondido. E nosso espaço objetivos, instrumentos – principalmente
dentro dele só muito recentemente no que se refere ao Poder Judiciário,
começa vir à tona como um espaço ainda é inicial. Muitas questões estão
necessário de debate, de sistematização, à procura de respostas, como, por
especialmente por nós que estamos no exemplo: nós devemos atuar apenas
dia-a-dia. como peritos? Ou nossa intervenção deve
Estarmos aqui reunidos, refletindo a ter uma dimensão mais ampla, articulada
respeito das implicações ético-políticas à rede social, sobretudo junto à infância
da construção do estudo social e, de e à juventude, conforme o próprio ECA
forma especial, sua construção no espaço dispõe? Atuaremos como perito apenas
sociojurídico é um marco histórico. nas Varas da Família e Varas Cíveis e
Futuramente teremos registrado na teremos uma atuação mais abrangente
história este Encontro do Rio de Janeiro. junto à Justiça da Infância e Juventude?
Por isso, parabéns ao CRESS-RJ e a todos Afinal, o que é ser perito? O que é
os presentes que se dispuseram a dar desenvolver uma ação mais abrangente,
mais esse passo na construção coletiva da para além da perícia? Temos refletido a
direção ético-política do nosso trabalho. respeito dessas questões? Se o estamos
Fico feliz, porque há muitos anos venho fazendo, levamos em conta os princípios e
batalhando com colegas de São Paulo diretrizes teórico-metodológicos e ético-
para dar visibilidade e trazer à tona as políticos norteadores do nosso projeto
discussões desta área. É uma alegria de profissão? Estamos sistematizando o
imensa ver cada vez mais profissionais, conhecimento acerca das dimensões da
dos vários estados do Brasil, trazendo realidade social que se fazem presentes
esta discussão. no nosso dia-a-dia – conhecimento ao
Para tratar da temática proposta1, qual temos amplo acesso e possibilidades
vou sinalizar alguns pontos, questões de contribuir competentemente para
e polêmicas que, embora permeiem os provocar alterações na realidade – da
1. Parte da fala a seguir foi
diversos espaços de trabalho da área prática e da vida dos sujeitos? Temos publicada com o título “O
sociojurídica, terão aqui um olhar mais consciência do saber que acumulamos? Estudo Social – fundamentos
e particularidades de
próximo ao Serviço Social no âmbito do Trata-se de um saber fundamentado sua construção na Área
Judiciário. Ou seja, pensar estas questões histórica e teoricamente ou ele é Judiciária”, no livro “O Estudo
Social em perícias, laudos e
a partir da ocupação, pelo assistente reduzido ao senso comum? O nosso agir pareceres técnicos”, em 2003,
social, de um espaço de trabalho vinculado tem sido direcionado pelo compromisso pela Cortez Editora.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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com a ampliação e garantia de direitos? numa demanda imensa para a intervenção
O trabalho apenas como perito não do assistente social, considerando que a
leva ao risco maior e mais fácil da grande maioria das situações é por ele
terceirização dos nossos serviços? O atendida, seja na triagem inicial, seja no
trabalho mais articulado com políticas e plantão, na realização de estudo social
projetos sociais, por sua vez, não pode ou em eventual acompanhamento.
confundir-se ou sobrepor-se a ações de Pesquisa que desenvolvi recentemente
responsabilidade do Poder Executivo? a respeito das condições socioeconômicas
Como se constitui o projeto de trabalho de mães e pais que perderam o poder
nesta direção mais ampla? A bárbara familiar (ou o pátrio poder, como o
realidade social que vivemos nos permite Código Civil o tem conceituado) na
o trabalho tão somente como peritos, Comarca de São Paulo2 trouxe à tona
sem nos envolvermos como parceiros exemplo significativo desses elevados
em ações coletivas, de caráter inovador, números: em quatro meses do ano de
criativo e transformador? Enfim, qual é o 1999, em apenas onze Varas da Infância
papel do assistente social nesse campo? E e da Juventude da capital que aplicam
o que isso tudo tem a ver com o estudo medidas protetivas, 406 mães e pais
social? E, afinal, o que é o estudo social? passaram pelo atendimento judicial,
Por que, para que e como ele deve ser perdendo o poder familiar sobre filhos.
construído? No mesmo ano e período ocorreram 555
Não tenho a pretensão de responder adoções – sem contar os abrigamentos,
a todas estas questões, obviamente. tutelas e demais medidas protetivas e
Contudo, para respaldar o nosso pensar socioeducativas que em muito avolumam
acerca da diversidade de questões esses serviços. No Estado de São Paulo
que perpassam esse complexo tema, como um todo, 1.646.963 ações judiciais
vamos mapear brevemente algumas envolvendo crianças e adolescentes
particularidades das ações relacionadas estavam em andamento em 1999, sendo
sobretudo à Justiça da Infância e que, apenas naquele ano, 194.859 tiveram
Juventude e da Família. início. Destas ações, 4.759 tratavam de
Vou trazer algumas informações adoções.
mais específicas da realidade de São Sabemos que o Estatuto da Criança e
Paulo. No caso do Estado de São Paulo, do Adolescente universalizou o discurso
as ações judiciais que tramitam nessas legal, dispondo sobre a proteção integral
instâncias do Judiciário têm alcançado a todas as crianças e adolescentes (em
números bastante elevados, contribuindo seu artigo 1º), vedando, portanto,
quotidianamente seja para a garantia a discriminação pelas condições de
de direitos – objetivo maior desta pobreza, como apontavam os Códigos de
intervenção judicial, ou para o controle Menores (de 1927 e de 1979). Contudo,
e disciplinamento de comportamentos, sabemos que decorridos 13 anos de
com vistas a amenizar ou adiar a explosão promulgação do ECA, a grande maioria do
de situações de violência interpessoais e contingente populacional que demanda
sociais. os serviços judiciários na área da infância
Na cidade de São Paulo, por exemplo, e juventude é aquele de baixa ou de
estão instaladas três Varas Especiais nenhuma renda, o que também vem
que atendem apenas jovens em conflito sendo acentuado nos anos recentes (no
com a lei. Existem outras onze Varas da caso da capital de São Paulo) nas Varas da
Infância e Juventude, espalhadas nas Família e das Sucessões. Uma população
2. Essa informações e diversas regiões da cidade, que atendem que sobrevive com dificuldades no que se
algumas das considerações todas as demais medidas previstas pelo refere ao atendimento de necessidades
apresentadas nesta fala são
referenciadas nessa pesquisa,
ECA, excetuando-se, então, aquelas que elementares como alimentação,
publicada sob o título dizem respeito ao adolescente em conflito habitação, saúde, educação, lazer,
“Rompimento dos Vínculos do
com a Lei. Nos onze Fóruns da capital segurança.
Pátrio Poder – condicionantes
socioeconômicos e familiares”, estão instaladas ainda dezenas de Varas A pesquisa sobre a perda do poder
Veras Editora, 2001. da Família e das Sucessões. Isso implica familiar à qual fiz referência, ao recolher

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informações sobre as condições de vida mais amplamente social, enquanto a Questão
dos sujeitos que perderam este poder apropriação do seu produto mantém-se
sobre os filhos, obteve alguns resultados, privada, monopolizada por uma parte da
social que
como: com relação ao trabalho de mães sociedade”3. se apresenta
e pais, a maioria estava desempregada Posto isto, quero retomar brevemente conceituada
ou subempregada; quase 50% não tinham algumas informações da história,
como
qualquer renda; grande parte era para darmos sequência às nossas
analfabeta ou semialfabetizada. Enfim, reflexões a respeito do estudo social. conjunto das
o conjunto das informações revelou Sabemos que ao longo da história as expressões das
que a quase totalidade dessa população práticas judiciárias vêm, por meio desigualdades
era constituída por sujeitos que, via de especialistas de diferentes áreas,
de regra, nunca foram incluídos, nem construindo formas de conhecimento da
que aparecem
mesmo entre aqueles que acessam, “verdade” a respeito das situações com com a sociedade
minimamente, bens sociais, ou foram as quais lida, com vistas a alcançar maior capitalista: a
excluídas socialmente ao longo de sua objetividade nesse conhecimento – a
produção social
trajetória de vida, em decorrência da partir de um conhecimento científico. O
perda do trabalho e da possibilidade perito foi o personagem chamado a dar é cada vez
de acesso a outros bens sociais. Isto, esse respaldo, ou seja, chamou-se um mais coletiva,
independentemente do envolvimento em profissional especialista em determinada a apropriação
ações judiciais pelo fato da criança estar área do conhecimento para o estudo, a
em risco social ou ter sido vitimizada ou investigação, o exame ou a vistoria de
do seu produto
abandonada. uma situação processual, com objetivo mantém-se
Tenho informação mais recente com de oferecer subsídios técnico-científicos privada
relação ao Rio de Janeiro – mas meu que possibilitassem ao magistrado a
acesso, infelizmente, foi somente por aplicação da lei com maior segurança,
meio de jornais – de que pesquisa feita reduzindo-se a possibilidade de praticar
pela professora Irene Rizzini com 396 erros ou injustiças.
famílias em conflito com a lei revelou que O especialista em outras áreas do
o desemprego, o uso de drogas e a falta saber, além da jurídica foi chamado no
de formação escolar marcam os núcleos início de 1920 a atuar junto à Justiça da
familiares que foram parar na Justiça. Infância e Juventude e Família de São
Portanto, nossas realidades não diferem. Paulo, por meio do médico, do psiquiatra
Estou pontuando estes dados para dizer e do comissário de vigilância (antigo
que isso significa que, para o debate a comissário de menores, do Código de
respeito da realidade de vida dos sujeitos Menores que, hoje, pelo menos em São
e do Serviço Social nesses espaços do Paulo, permanece, em algumas áreas,
Judiciário – o que me parece não ser denominado voluntário da infância e
diferente com relação ao conjunto dos da juventude). O assistente social, por
espaços de intervenção dos trabalhadores sua vez, passou a trabalhar nessa área,
da área sociojurídica – é necessário ter como perito, nos anos 1940, período em
clareza, como ponto de partida, de que que se evidenciavam o agravamento e
a questão social atravessa o dia-a-dia dos tentativas de controle das sequelas da
sujeitos aí atendidos, em todas as suas questão social e se ampliava a ocupação
dimensões. Questão social que, nunca de espaços institucionais pelo Serviço
é demais lembrarmos, se apresenta Social.
como “base” fundante do Serviço Social Historicamente, a abordagem do
enquanto trabalho especializado, e Serviço Social no âmbito da Justiça da
sendo conceituada, me reportando a Infância e Juventude (e, também, da
nossa mestre Marilda Iamamoto, como Família e Sucessões) teve como base – e
“(...) conjunto das expressões das penso que recebe influências até hoje –
desigualdades que aparecem com a a metodologia operacional do “Serviço
sociedade capitalista e que têm uma Social de casos individuais”, desdobrado 3. In O Serviço Social na
Contemporaneidade: trabalho
raiz comum: a produção social é cada nas suas tradicionais três etapas (estudo, e formação profissional,
vez mais coletiva, o trabalho torna-se diagnóstico e tratamento, ou investigação Cortez Editora, 1998, p. 27.

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– diagnóstico e intervenção). No final global”. Ou seja, mesmo considerando os
dos anos de 1940 e nos anos de 1950, limites da metodologia utilizada quanto
quando da implantação formal do à dimensão histórico-social de uma
Serviço Social nos então denominados situação, a autora, nos anos 60, pontuava
Juizados de Menores de São Paulo, a respeito da globalidade da situação em
o Serviço Social de casos individuais estudo, denotando a preocupação com o
pautava-se no referencial ideológico rigor no conhecimento numa dimensão
da doutrina social da igreja católica, ampla, a partir da metodologia de
que, lembremos, tinha como modelo de análise que referenciava a ação naquele
família a “sagrada família” ou a família momento histórico.
nuclear. A metodologia operativa nessa Não vou me alongar nesta história.
época era influenciada pelo Serviço Mas puxei um pouco deste passado,
Social norteamericano, cuja intervenção porque nele precisamos buscar
junto a casos individuais referencia-se explicações para o presente, com vistas
inicialmente em estudos de natureza a mudanças para o futuro. A partir
psicossocial, isto é, ele “versava sobre dessas breves notas e de conhecimentos
fatores internos, ou de personalidade, acumulados por meio da prática e da
e externos – ou situacionais e sociais”, pesquisa neste âmbito podemos afirmar
conforme a professora Nadir Kfouri, que o modelo de abordagem individual,
uma das pioneiras nesta área no Brasil4. mais especificamente no que se refere às
Com predomínio, inicialmente, da etapas de “investigação e diagnóstico”
análise dos fatores internos, passou-se, contempladas no estudo social,
com o decorrer do tempo, à busca de direcionou o trabalho do assistente
maior articulação com conhecimentos social na instituição judiciária – mesmo
das ciências sociais. Assim, conceitos durante e posteriormente ao período
como status, papel social, classe social, do Movimento de Reconceituação –, por
sistema e estrutura (nas palavras da vezes com algumas alterações quanto
Nadir), ação social, burocracia, mudança, ao conteúdo, o que, via de regra,
desenvolvimento e subdesenvolvimento, vinculava-se mais à visão de mundo do
cultura da pobreza, passaram a ampliar profissional que o elaborava do que a
a fundamentação dos estudos realizados critérios estabelecidos coletivamente,
e a capacidade de diagnóstico, conforme norteadores de novas formas de
nos expõe esta profissional. Ela também trabalho. Podemos dizer que continuou
resume esse modelo de intervenção predominando a mesma “forma” de
específica em Serviço Social como realização desse estudo, com pontuais
“Serviço Social de caso genérico”, isto é, movimentos de busca de alterações
aplicável a diversos campos da prática. quanto ao seu conteúdo – que ainda carece
A Drª. Nadir assinalava que “toda de maior investimento coletivo, levando
análise sobre a natureza do diagnóstico em conta os referenciais ético-político
social é concorde em ressaltar a natural e teórico-metodológico que norteiam o
globalidade, complexidade intrínseca Serviço Social contemporaneamente.
e interdependência de fatores do Na contemporaneidade, o estudo
diagnóstico e, por conseguinte, da social se apresenta como suporte
realidade abordada pelo Serviço fundamental para a aplicação de medidas
Social”. De acordo com ela, mesmo no judiciais dispostas no Estatuto da Criança
Serviço Social de casos, o diagnóstico e do Adolescente e na legislação civil
era “inerentemente complexo e no que se refere à família, seja no
multidimensional, compreendendo âmbito do próprio Judiciário, seja em
pessoa e pessoas, pessoa e grupo, e classe outras organizações que têm sua prática
social, e a sociedade mais ampla, fatores vinculada a este campo.
4. In Teoria do Serviço Social
de Casos – Aspectos Básicos. de personalidade e externos em contínua Nós observamos, geralmente, que o
Escola de Serviço Social de e dinâmica inter-relação.” Em síntese, assistente social investiga a situação,
São Paulo – PUC-SP / Bibl.
PUC-SP, São Paulo, 1969 o diagnóstico, segundo suas palavras, realiza uma avaliação, estabelece um
(mimeo). constituía-se numa “configuração diagnóstico e, muitas vezes, por meio do

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parecer, aponta medidas sociais e legais conclusões da perícia. Ou seja, registra
a serem tomadas. No estudo que realiza, um saber, e um saber especializado.
pauta-se pelo dito e pelo não dito. Ele Portanto, um saber que demanda
analisa, estabelece pareceres, podendo estudo, experiência, pesquisa, enfim,
enquadrar normalidades e anormalidades exige conhecimento fundamentado, um
e apresentar, inclusive, a reconstituição conhecimento científico – o que foge
(portanto, a versão) dos acontecimentos a qualquer interpretação com base no
que levaram àquela determinada situação senso comum. Do rigor de fundamentação
vivenciada pelo sujeito, objeto da ação deste depende a adequada utilização do
judicial. seu conteúdo.
Por meio de observações, entrevistas, O conteúdo significativo do estudo
pesquisas documental e bibliográfica, social, expresso em relatórios ou no
ele constroi o estudo social, ou seja, um laudo social, reporta-se à expressão
saber a respeito da população usuária dos ou expressões da questão social e/ou
serviços judiciários. Um saber que pode emocional que deu início à ação judicial,
se constituir numa verdade. As pessoas que culminou em uma ação judicial (o
são examinadas, avaliadas, suas vidas e abrigamento de uma criança, a perda
condutas interpretadas e registradas, do poder familiar, a violência doméstica,
construindo-se, assim, uma verdade a medidas que envolvem o adolescente
respeito de suas vidas. em conflito com a lei, a disputa pela
O relatório social ou o laudo social guarda de filhos). Essa ação envolve
que o profissional apresenta, com menor diretamente um sujeito, um casal, uma
ou maior detalhamento, a sistematização mãe, um pai, cuja história social a ser
do estudo realizado (ou da perícia social, conhecida passa, necessariamente,
como é definida muitas vezes nesse pela inserção destes sujeitos na
espaço), transforma-se num instrumento coletividade. Como seres sociais, eles
de poder ou num saber, convertido convivem e sofrem os condicionamentos
em poder de verdade, que contribui e determinações da realidade social
para a definição do futuro de crianças, local, conjuntural e mais ampla que os
adolescentes e famílias, posto que ele é cercam. Vivem ou viveram numa família,
uma das provas que compõe ou que pode independentemente da forma ou arranjo
compor os autos. que ela assume ou assumiu; mantêm
O relatório social e o laudo apresentam, ou mantiveram alguma relação com o
de forma cristalizada pela escrita, as trabalho (que pode ser também o não-
informações colhidas e as interpretações trabalho), e alguma relação, na maioria
realizadas. Ele vai intermediar – a partir das vezes, com a cidade (meio-ambiente
de um norte teórico – a fala do sujeito, imediato e mediato); relação ou não
as demais informações colhidas, a análise com a religiosidade, com manifestações
realizada e aquele ou aqueles que serão culturais diversas, com outros grupos de
os leitores – os quais, geralmente, são pertencimento. Portanto, a construção
os agentes que emitirão uma decisão a do estudo social contempla a inclusão
respeito dos sujeitos envolvidos na ação dos sujeitos singulares na universalidade
judicial. mais ampla em que se inserem.
Se tomarmos como referência Penso que sabemos, todos que
definições e conceitos dos termos atuamos nessa área, que a acentuada e
laudo, perito, perícia, vão emergir e crescente demanda atendida pela Justiça
perpassar em todas estas definições da Infância e Juventude, e sobretudo a
conceitos relacionados ao saber. O perito premência em proteger uma criança em
é o sujeito sábio, hábil, especialista situação de risco, o pouco investimento
em determinado assunto. A perícia é (ao menos no caso de São Paulo) em
traduzida como vistoria ou exame de recursos físicos, materiais e humanos
caráter técnico e especializado. O laudo, por parte do Estado, como instituição
por sua vez, registra por escrito, e de judiciária, para viabilizar melhores
maneira fundamentada, os estudos e condições de trabalho nessa área, e a

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miséria vivida por muitos dos usuários – apontado de forma clara na proposta
em razão da pouca presença do Estado que pauta nosso projeto atual de
quanto à implementação de políticas formação profissional, esse processo de
sociais universalizantes, redistributivas alienação faz com que os sujeitos sociais
e mesmo compensatórias – podem apareçam como objetos submetidos a
contribuir para que algumas vezes o um poder institucional que prevalece
estudo social e o seu registro documental como força exterior, superior e natural
sejam realizados a partir das primeiras aos próprios homens, e não como criação
impressões, do imediato, do que é posto destes, ou criação nossa, o que implica,
aos olhos imediatamente – sem que os evidentemente, na limitação da liberdade
profissionais avaliem as consequências e da criatividade7.
do saber e do poder presentes nas suas Sabemos que a imersão num cotidiano
ações. tenso, complexo e, geralmente,
Vivemos em um meio profissional autoritário, torna permanente o desafio
que historicamente adquiriu traços de dos profissionais no que se refere ao
subalternidade nos diversos campos de exercício da liberdade e da criatividade.
intervenção. No espaço do Judiciário, Torna permanente o desafio em fazer
o assistente social, geralmente, é com que esse campo de poderes se
subordinado administrativamente a um mantenha direcionado para a garantia de
juiz de direito que, neste meio, pode ser direitos humanos e sociais, para a efetiva
denominado como um ator privilegiado, proteção a crianças, adolescentes e
uma vez que sua ação concretiza famílias, e não para o disciplinamento e
imediatamente a ação institucional5. o controle social.
Essa relação de subordinação, não Penso que resistir à tensão e à alienação
raras vezes e em razão, também, que o rotineiro ambiente de trabalho
do autoritarismo presente no meio propicia e fazer das microações espaços
institucional, determina relações de de luta e de garantia de direitos, de
subalternidade. Mas temos que ter denúncia da situação de espoliação social
sempre claro que nós, assistentes vivida por muitos dos sujeitos presentes
sociais, somos autônomos no exercício nas ações judiciais, negando, portanto, o
de nossas funções, o que se legitima, caráter controlador e disciplinador que
fundamentalmente, pelas competências as práticas judiciárias historicamente
teórico-metodológica e ético-política construíram, é a dimensão mais ampla
por meio das quais executamos o nosso desse desafio que temos pela frente.
trabalho. A relação de subordinação Para que possamos avançar na reflexão
não implica, em nenhum momento, em e no debate em torno dessas implicações
relação de subalternidade. ético-políticas da construção do estudo
Vale lembrar que o âmbito da social, é essencial que nos reportemos às
intervenção quotidiana ou da prática competências e atribuições do assistente
profissional quotidiana é a esfera da social, conforme a legislação que
realidade que mais está sujeita à regulamenta nossa profissão, as diretrizes
alienação. Se tomarmos alguns estudos da nossa formação profissional e os
sobre a alienação (Heller tem colocado princípios que norteiam nosso exercício
5. Ver G. de Albuquerque,
apud V. P. Faleiros, In
esta questão de forma bastante clara) profissional.
Saber profissional e poder veremos que é uma alienação que, ao O nosso Código de Ética, nos seus
institucional, Cortez Editora,
dominar esse quotidiano, favorece a princípios fundamentais, destaca que
1985.
cristalização de modos de pensar e agir e cabe aos assistentes sociais a defesa
6. Heller, Apud M. V Baptista, impossibilita mudanças. Essa cristalização intransigente dos direitos humanos, a
A Ação Profissional no
Cotidiano. In O Uno e o do pensamento, conforme Heller, é ampliação e consolidação da cidadania,
Múltiplo nas relações entre as traduzida em preconceitos, que, mesmo o empenho na eliminação de todas as
áreas do saber. M. L. Martinelli
et al (org.), Cortez Editora/ que não se evidenciem claramente para formas de preconceito, a opção por um
Educ, 1995. quem os pratica, são sempre guiados projeto profissional vinculado ao processo
7. ABESS 07, p. 41, Cortez por uma intencionalidade, têm sempre de construção de uma nova ordem
Editora, 1998. uma referência à consciência6. Conforme societária – sem dominação ou exploração

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de classe, etnia e gênero – o compromisso um determinado resultado. O que significa O Serviço
com a qualidade dos serviços prestados. que toda intervenção na realidade, por
Portanto, estes e os demais princípios parte do ser humano e, particularmente
Social tem na
estabelecidos pelo nosso Código de aqui, por parte do assistente social, questão social
Ética norteiam a nossa ação – aquelas de tem uma dimensão teleológica. Isto é, o elemento
abrangência coletiva, bem como as que o profissional projeta o resultado a ser
central do
atingem mais particularmente indivíduos alcançado e esse projetar implica numa
ou famílias neste âmbito micro do direção social à finalidade do trabalho. projeto de
trabalho quotidiano, especificamente no Uma direção que não é neutra, não é profissão
Judiciário. a-histórica: é condicionada pelos valores,
Para caminhar nesta reflexão temos crenças, hábitos, princípios éticos que
que considerar o estudo social na sua constroem o agir profissional. Enfim, ela
relação com o objeto de trabalho do está impregnada por um projeto de classe
Serviço Social e o processo de trabalho social, tenhamos ou não consciência
que o envolve, a partir das diretrizes disto.
estabelecidas com relação ao nosso Considerando que o processo de
projeto de profissão e à nossa formação trabalho do Serviço Social é constituído
profissional. por esta articulação entre objeto, meios,
Conforme me reportei anteriormente, atividade e finalidades8, precisamos
o Serviço Social tem na questão social ter clareza de que, ao trabalharmos,
o elemento central do projeto de fazemos perguntas e buscamos respostas
profissão. Uma questão social que a respeito de questões, tais como o que
vai se particularizar no dia-a-dia da fazer, por que fazer, como fazer e para
intervenção de variadas formas. O que fazer.
trabalho especializado que o assistente Dominar os meios implica no domínio
social desenvolve é composto por um de um saber – poder dado pelo saber
objeto constituinte e constituído pela profissional, que, no caso do Judiciário,
realidade social, que aparece, via de soma-se ao poder inerente à natureza
regra (sobretudo nas ações que envolvem institucional, que é um poder de
crianças, adolescentes e famílias) por julgamento, de decisão a respeito da vida
meio do que chamo de violência social dos sujeitos. Será que temos consciência
– ou violência da pobreza; por meio da deste saber e deste poder que permeiam
violência interpessoal, intrafamiliar, nossa ação? Qual é a real finalidade do
pela negligência, ausência de trabalho estudo social nesse campo de intervenção?
ou trabalho precário, pela ausência Como planejar o trabalho, de forma
ou insuficiência de políticas sociais que a finalidade se articule ao domínio
universalizantes e redistributivas, dos meios para chegar até ela? Então,
situações muitas vezes permeadas por penso que uma das primeiras perguntas
conflitos e rompimentos de vínculos frente à demanda do estudo social
na esfera familiar. Esse quotidiano do seria: Para quê? Para subsidiar a decisão
nosso trabalho é composto, também, judicial? E quais as implicações na vida
por instrumentos ou por meios dos quais do sujeito que essa decisão terá? Que
lançamos mão para o exercício da nossa responsabilidade tenho nessa decisão?
atividade laborativa e pela própria O judiciário busca a verdade dos fatos
atividade em si, que é norteada por uma ou da situação para julgar com justiça,
finalidade, nesta rotina tensa de trabalho, ouvimos isso corriqueiramente. Qual
que às vezes exige muito mais do que minha participação na construção dessa
nos é possível (em termos de tempo verdade? Tenho clareza de que a verdade
paramos para pensar qual o objeto, quais é histórica, construída socialmente?
os objetivos, qual a finalidade do nosso Se o poder-saber articula-se à
trabalho). Enfim, o trabalho realizado liberdade e à autonomia profissional
comporta um conteúdo e visa um significa que ele se apresenta, também,
determinado resultado. É guiado por uma como possibilidade de escolha, de 8. ABESS 07, p. 41, Cortez
intencionalidade, com vistas a alcançar definição entre alternativas de ação. A Editora, 1998.

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escolha dos fundamentos que norteiam acesso a bens sociais, provenientes
a ação se dá a partir de determinados destas políticas de corte social. Portanto,
interesses, com determinadas finalidades. temos que saber do mundo do trabalho,
Isto é, a escolha dos meios relaciona-se de suas permanências, suas mudanças,
diretamente aos fins, como já me referi suas determinações; temos que saber de
anteriormente. Quais são, então, os que família se fala, das diversas formas e
meios que escolho e os fins que pretendo arranjos vividos pelas famílias em nossa
ao realizar um estudo social? sociedade, do processo de socialização
Quando se fala em meios, fala-se dos sujeitos; temos que saber da cidade,
para além da técnica ou do instrumental do município – qual sua infraestrutura
operativo. Tradicionalmente, quando econômica, as políticas sociais que
se fala em meio pensamos em técnicas, implementa ou deixa de implementar.
entrevistas, enfim, tarefas para as quais No caso da criança e do adolescente, por
precisamos reunir conhecimentos do exemplo, as políticas previstas no ECA
dia-a-dia para recolher as informações. estão sendo implementadas? Fazemos
Conhecer técnicas de entrevista e de esta pergunta? As peculiaridades sociais,
redação para registros (seja um relatório, econômicas e culturais, cabe a nós trazê-
um laudo, um parecer), por exemplo, las à tona – sem deixar de, obviamente,
é fundamental nesse trabalho, mas o construir interpretações e estabelecer
domínio dessas técnicas não garante, relações com as questões estruturais,
por si só, a competência profissional e a nacionais e mundiais que interferem e
direção ético-política do nosso projeto determinam o dia-a-dia dos sujeitos.
de profissão. São os conteúdos históricos, Portanto, o estudo social envolve uma
teórico-metodológicos e ético-políticos dimensão de totalidade que deve ser
que norteiam o Serviço Social, articulados expressa nos registros que o expõem ao
ao domínio da técnica, que irão distinguir conhecimento do outro, seja o juiz, seja
o trabalho profissional competente – o defensor, seja o promotor público, seja
ou seja, o trabalho profissional que o psicólogo, enfim, ao olhar de outros
efetivamente compete ao assistente profissionais com os quais interagimos,
social. direta e indiretamente, no quotidiano do
Ao construirmos o estudo social não nosso trabalho.
podemos perder de vista que, mesmo Conforme Marilda Iamamoto também
quando se trabalha com apenas um nos diz, buscar ser um profissional
sujeito, uma pessoa, um usuário, ele é criativo, no sentido de desenvolver sua
um indivíduo social – e a realidade social capacidade de decifrar a realidade e
que condicionou a sua história, e o fato construir propostas de trabalho criativas e
ou o fenômeno que motivou a realização capazes de preservar direitos, a partir das
do estudo, é de nossa competência trazê- demandas que emergem no nosso dia-a-
los à tona. Esse sujeito tem uma história dia, evitando permanecer somente como
social de vida – passada e presente; viveu executor de tarefas e determinações, é
e vive numa sociedade em que ele, ou o desafio permanentemente posto a nós,
seus familiares, teve ou tem alguma profissionais do Serviço Social9.
forma de relação com o trabalho – seja As competências técnica e política,
inserido, seja excluído, seja sobrante permeadas pela ética com vistas ao
no mundo do trabalho; ele viveu ou enfrentamento das situações decorrentes
vive em algum grupo familiar e com ele das particularidades das questões sociais
manteve ou mantém relações fundantes com as quais lidamos no nosso dia-a-dia
e determinantes de sua forma de vida, e da perversidade de uma intervenção
em que as relações de gênero também se que tende a ser desviada para a direção
fazem presentes; ele vive em uma região, do controle e do disciplinamento
em uma cidade, em um bairro, forjados social, supõem também o trabalho
socialmente por políticas públicas, que interdisciplinar, a articulação com a rede
determinam sua forma de existência social existente e a pressão para a sua
– nesse contexto ele tem, teve ou não ampliação – numa dimensão de trabalho
9. Iamamoto, 1998.

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coletivo, aliados e norteados pelo psiquiátricos, seja do Serviço Social, da
investimento no aprimoramento teórico, Psicologia ou de outras áreas. Pessoas
metodológico e técnico. que, por uma série de motivos, não
Penso que existem diversas tiveram como acessar formas organizadas
possibilidades de ação no que se refere de resistência a este ambiente tenso,
ao nosso trabalho nesta área ou na autoritário, e que, às vezes, nos coloca
área da assistência sociojurídica, que contra a parede. Como exemplo,
podem somar-se a iniciativas de outros podemos pensar no nível de violência
segmentos da sociedade organizada para pessoal e social com o qual tomamos
alavancar ações transformadoras da e na contato diariamente nos nossos espaços
realidade social. de trabalho. Se essa face da realidade
Os dados empíricos, mais as não for objeto de análises, críticas e
representações das diferentes questões enfrentamentos, de forma organizada
que se põem nesse quotidiano de trabalho, e coletiva, pode-se chegar tão somente
necessitam ser melhor conhecidos, de à comoção, à desmobilização e ao
forma a propiciar a seus operadores apelo por medidas de controle também
parâmetros de análise mais próximos do violentas (que vêm se acentuando no
real. O que pode ser realizado, tanto no dia-a-dia da sociedade como um todo).
espaço institucional como em conjunto Sabemos que o trabalho nessa área
com a universidade, por exemplo, através é incômodo, tenso e permeado por
da nucleação de grupos de estudos e um desfile de tragédias, de violências
pesquisas sobre temas sociojurídicos, pessoais, sociais, institucionais, por uma
pela participação política organizada, violência simbólica da qual às vezes não
por meio destes grupos e de órgãos nos damos conta. Simbólica no sentido
representativos das categorias. de que não é nomeada como tal, quando
Temos um saber acumulado, às vezes fazemos com que o poder do nosso saber
não nos damos conta disso, pensamos que a direcione a vida de uma pessoa, de um
pesquisa está muito distante do nosso dia- sujeito, para uma direção que julgamos
a-dia, que não cabe a nós, que é coisa da ser a mais adequada, sem que tenhamos
academia. A pesquisa faz parte do nosso uma dimensão da totalidade daquele
projeto profissional, faz parte da nossa sujeito, sem que o direito que ele tem
intervenção. É este conhecimento que de ser daquela forma seja respeitado.
temos a responsabilidade de sistematizar, A questão do poder do nosso saber
trazer à tona e contribuir para subsidiar profissional e do poder dentro de uma
a formulação de políticas e alterações instituição que nos dá a possibilidade
nas nossas práticas profissionais do dia- de aplicar o poder de direito na direção
a-dia. da vida das pessoas tem que ser por
Penso que é necessário que estejamos nós pensada, trabalhada, refletida e
atentos à importância do engajamento questionada. Qual é o poder que temos
político das categorias que atuam na de direcioná-lo? “É o juiz quem decide”,
área social, para uma participação a argumentação pode ser esta. Mas quem
conjunta com outros segmentos dá o subsídio para o juiz decidir? Temos
organizados da sociedade, na busca exemplos em São Paulo de pessoas que
coletiva de transformações da realidade. recorreram de decisões por julgá-las
Para não ficarmos eternamente naquele arbitrárias por uma série de razões,
discurso queixoso que só faz aumentar e que o juiz se coloca da seguinte
nossas angústias e não contribui para forma: “Não, eu me baseio no parecer
o avanço. Ao contrário, é um discurso do assistente social! Eu me baseio no
que desmobiliza, enfraquece as ações parecer do psicólogo!”. Então, qual é o
profissional e política, além do que faz poder que passa pelo nosso saber e pela
mal à nossa saúde – mental e física. nossa ação em nosso dia-a-dia?
Em São Paulo temos índices altíssimos Frente a todo este desfile de
de pessoas afastadas do trabalho por questões e, principalmente, frente
problemas emocionais, problemas a este quotidiano autoritário, como

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podemos crer em possibilidades e criar da união e organização política dos
novas formas de ação, uma vez que os trabalhadores da área e ao necessário
profissionais lidam quotidianamente e desenvolvimento de estudos e
diretamente com questões extremamente pesquisas a respeito dessa temática, de
violentas? Profissionais que, via de forma a valorizar, a instrumentalizar
regra, na realidade que conheço mais qualitativamente o trabalho profissional
próxima de mim, recebem remuneração e a contribuir para a implementação de
aquém do seu valor, e pouco ou nenhum ações direcionadas para mudanças.
investimento fazem na capacitação por Para finalizar, vale lembrar que cada
parte da instituição empregadora? Como um de nós participamos da construção
preservar a serenidade, o equilíbrio, o da história – nas ações coletivas e nas
bom senso e o distanciamento científico, microações que realizamos no nosso dia-
sem correr o risco de se colocar como a-dia, e que, felizmente, nós não estamos
policiais da família ou do adolescente, terminados.
ou como salvadores de uma criança ou de Queria lembrar uma fala do
um adolescente? Ou para não passar a ver personagem de Guimarães Rosa, em
todas as situações, ou todos os sujeitos, Grande Sertão, Veredas. Ele diz: “O
como iguais? Como não ultrapassar, no senhor... Mire, veja: o mais importante,
quotidiano da intervenção profissional, o e bonito, do mundo é isto: que as
limite entre a contribuição competente pessoas não estão sempre iguais, ainda
para a justa aplicação da justiça, para não foram terminadas – mas que elas vão
a garantia de direitos e uma possível sempre mudando. Afinam ou desafinam.
arbitrariedade que pode vir diluída no Verdade maior. É o que a vida me
saber-poder que subsidia e contribui para ensinou. Isso me alegra, montão.”
a decisão sobre o futuro de pessoas? Como É fundamental termos esta consciência
pensar em viabilizar outras possibilidades de que não estamos terminados, de
de ação, de caráter coletivo, frente ao que o mundo não está terminado. Esta
descompromisso social e ético de parte realidade não está terminada e é possível
de vários dos personagens que compõem estabelecer ações transformadoras, é
os poderes constituídos? Como construir possível que sejamos este enxame de
possibilidades de transformação no mosquitos a que Marcelo se referiu pela
quotidiano desse trabalho e desse manhã, para que possamos contribuir
trabalho no quotidiano, superando suas com as nossas microações e com nossa
evidentes características de repetição? ação coletiva e organizada para alavancar
Estas e inúmeras outras questões mudanças. Senão, temos que desistir de
permanecem e espero que elas possam ser profissionais do Serviço Social.
nos instigar à necessária continuidade Muito obrigada a todos vocês.

Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti

Agradecemos a contribuição da professora Eunice. Dando prosseguimento à mesa,


vamos contar agora com a contribuição da professora Tânia Dahmer.

Tânia Dahmer*
* Tânia Dahmer é assistente
social do Sistema Penal do
Rio de Janeiro, professora
Boa tarde a todos. Muitas pessoas compõem o Sociojurídico têm uma
aposentada da Escola de daqui eu conheço, já nos encontramos característica muito interessante:
Serviço Social da Universidade
Federal Fluminense, ex-
pela vida profissional. Temos poucos elas nos aprisionam também. Seja ao
coordenadora do Programa profissionais do DESIPE, hoje, aqui. esquema de poder institucional, seja
de Proteção a Testemunhas A grande maioria é do Tribunal de
de Crimes, Mestre em
ao espaço físico, seja à cultura reinante
Serviço Social pela PUC-RJ e Justiça. Parabéns! É muito importante dentro das instituições. É muito bom
doutoranda na UFRJ, além de que saiamos de dentro dos muros onde quando conseguimos sair. Esta saída é um
conselheira do CRESS-RJ.
vivemos, porque estas instituições que movimento individual, mas que precisa

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ser coletivo. Não sei quantas pessoas do em que já temos clara esta discussão
DEGASE temos aqui; do Ministério Público toda sobre o Estado, sobre a assistência
temos algumas, mas também são poucas social, sobre direitos, sobre política
(são poucas assistentes sociais); da social, sobre política pública, de forma
Defensoria Pública não sei se há alguém. que possamos nos voltar novamente para
Queria dizer a vocês que este tema toca a questão da intervenção, entendendo,
em uma questão teórico-metodológica do ponto de vista teórico-metodológico
importante e bastante abandonada e com as devidas implicações ético-
nestes últimos anos. Sou de uma época políticas, o que é este fazer profissional
anterior. Sou uma pessoa de 57 anos, fui “miúdo”, do quotidiano.
formada com base em Nadir Kfouri, que Queria dizer a vocês que na linguagem
Eunice citou, com base no Serviço Social da cultura profissional do Tribunal de
de Casos, Grupos e Comunidade. Durante Justiça escuto muito falarem do “estudo
muitos anos dei aulas na UFF ainda dentro social”. Tanto que quando saiu esta
deste currículo, desta modalidade. Há sugestão para a reunião ampliada de
gente, aqui, que foi minha aluna e eu hoje pensei: “Poxa, mas estudo social?
lecionava, exatamente, Serviço Social Construção do estudo social?”. Vou
de Caso. Isto é interessante, porque no explicar o porquê: entendo que o estudo
período pós-Reconceituação nós vamos social é, na verdade, um momento
ter uma revisão muito importante em metodológico de apreensão do real a
todo o referencial teórico da profissão. partir dos sujeitos que estão, digamos,
E começamos a ter um posicionamento demandando nossa intervenção ou a
no final da década de 70, no início da partir dos demandatários desta nossa
década de 80 pela discussão, na verdade, intervenção junto aos usuários. É um
de quem somos nestas instituições onde esforço mental que fazemos no sentido
trabalhamos. As primeiras produções de de apreender este real que está diante de
livros neste período trabalham muito nós de forma fragmentada. As questões
a questão institucional: lembram as trazidas pelos sujeitos que estão na nossa
chamadas brechas? Alguém de vocês, ao frente na verdade representam frações
menos os mais jovens, devem ter lido da questão social. Quando trabalhamos,
e discutido isto em salas de aulas; os por exemplo, com criminosos, o que é
mais antigos devem ter lido os próprios a criminalidade? É uma expressão da
textos e conhecido seus autores. Há questão social! O sujeito que cometeu o
Faleiros em um momento, Rose Serra em crime e que está diante de nós retrata
outro, enfim, temos várias produções na na sua história frações desta expressão.
década de 80 questionando nosso lugar Então não consigo, e vou deixar isto para
dentro da instituição. No final da década o debate, falar em estudo social como
de 80, início de 90, nós vamos alargando sendo aquele produto que vamos oferecer
esta compreensão, discutindo as ao demandatário, ao juízo ou ao Ministério
questões da assistência, os movimentos Público. Falo em parecer, porque entendo
sociais, saindo de dentro deste espaço que o estudo é um primeiro momento de
tradicional da instituição, da casinha apreensão dos dados empíricos. Tanto
de porta e janela. É interessante que a que para me fazer entender pensei
década de 80 rotulou muito fortemente muito. E está tão consagrado que isto é
os profissionais como conservadores, um estudo social (não há até promotor do
aqueles que ficavam “dentro das Tribunal de Justiça que determina que se
casinhas de porta e janela”, e privilegiou faça um estudo social?) que é claro que
o debate e, digamos, o status de quem isto me intimida. Se todo mundo diz que
ia para as comunidades trabalhar com é um estudo social, tenho que arranjar
os movimentos sociais. Todos estes são uma forma de me fazer entender.
pontos importantes para rememorarmos, A forma que encontrei foi elaborar um
porque neste meio tempo foi muito estudo social e um parecer social, que
importante sacudir essa poeira. Foi coloquei dentro da pasta. É um pouco
importante chegarmos a um momento um exercício didático, de sala de aula.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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O que se faz Tenho este vício, porque fui professora realmente, muito envolvida. Uma outra
durante muitos anos. Conversando coisa muito importante é que, como este
no parecer com Eunice pensei que casava bem ela trabalho durou um bom tempo e como
social é uma trabalhar as questões mais gerais e eu esta pessoa está presa conosco no lugar
interpretação, fazer um exercício prático de elaboração onde trabalho, nos debruçamos, do ponto
do estudo. Quando o estava preparando, de vista de coleta de conhecimentos
fruto de todo
minha filha, que estava me ajudando a sobre esta realidade, durante um longo
o referencial prepará-lo, me disse: “Escuta, você vai tempo. Uma situação bastante distinta,
teórico- fazer estas pessoas lerem tudo isso? Isto por exemplo, de quando você está no
metodológico da é um absurdo!”. Falei: “Não! Cada pessoa plantão e marca duas ou três entrevistas.
vai ter seu texto à mão, nós vamos ler Então é preciso resguardar as proporções:
temática com juntos e é importante que leiam, porque nem sempre a realidade de trabalho do
que se trabalha a linguagem utilizada no estudo não é a assistente social do Tribunal de Justiça
mesma linguagem do parecer! Existe uma será desta forma, a da convivência
elaboração mental, um esforço mental quotidiana. Quando você trabalha nas
de interpretação dos dados empíricos do prisões, necessariamente convive com
estudo para compor um parecer e, por as pessoas durante algum tempo, até
isso, eu faço questão de que as pessoas por que a pena, em geral, é longa e as
leiam um estudo social e leiam um parecer pessoas vão ficando.
social! Não é apenas um rebuscamento de Vamos, então, à leitura.
linguagem o que se faz no parecer social, O primeiro aspecto importante a
mas uma interpretação, fruto de todo ressaltar está na contracapa. Neste estudo
o referencial teórico-metodológico em social com vistas ao parecer detalhei a
cima da temática com que se trabalha, situação e os objetivos profissionais que
numa visão de totalidade em cima dos construí sobre ela. O que Eunice falou
princípios profissionais do Código com é muito importante: você sempre tem,
que se trabalha e diante da situação dada diante de cada situação, que estabelecer
do ponto de vista da vida daquele sujeito quais são seus objetivos. Qual é a
com quem se está trabalhando!”. finalidade de sua atuação?
Então, peço a vocês que sejam Mudei apenas os nomes, mas esta
pacientes, que façamos uma leitura situação é real.
conjunta e, quando acabarmos a leitura Trata-se da “desinternação de Carlos
do estudo social, vou levantar o que, Lima, ora em cumprimento de medida de
deste estudo, na verdade, é objeto da segurança em um único processo criminal
elaboração, do esforço mental do qual de 1999, num hospital de custódia e
estou falando, para poder se constituir tratamento”.
um parecer, para que ambos não sejam A medida de segurança é um instituto
vistos como sinônimos. “Ah, apenas ela jurídico previsto no Código Penal e é dada
escreveu de um jeito melhorzinho o a pessoas que, ao cometer um delito, não
parecer!”. Está certo? tinham um, digamos, completo domínio
Vou ler em voz alta e quando fizer de sua situação emocional ou intelectivo
a apreciação do estudo vou analisar para poder entender a gravidade do fato
parte das páginas e vocês acompanham cometido. As pessoas são absolvidas e
qual foi a elaboração mental que fiz lhes é aplicada uma medida de segurança
para poder chegar ao parecer, que é o pelo juiz.
documento que será oferecido ao juiz. “Erroneamente, quando foi
Tenho que dizer a vocês que todos os requisitado pelo Juízo da Vara de
deslizes desta situação trabalhada ficam Execuções Penais, para a audiência de
por minha conta: fui eu quem trabalhei. desinternação, Carlos estava numa casa
Obviamente estou muito implicada de custódia. Na audiência ocorrida em
nela, talvez não tenha o distanciamento maio de 2001, os tios que compareceram
que teria se este caso fosse de outra se negaram a responsabilizar-se por
colega, que eu tivesse trazido e dito: Carlos. Diante disso, o Juízo da Vara
“vamos analisar esta situação!”. Estou, determinou naquele momento: primeiro,

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a imediata transferência para o hospital último já falecido. Carlos foi criado,
de custódia”, que é exatamente o local desde bebê, por Marta, avó materna,
adequado, por lei, de cumprimento de pois seus pais residiam em sua casa e
medida, e não a casa de custódia “e, ainda por que Maria era seguidamente
segundo, que fosse diligenciado com internada em hospital psiquiátrico com
urgência pelo Serviço Social sobre a diagnóstico de esquizofrenia. O irmão
existência de familiares que possam pelo de Carlos, Luís, dois anos mais novo, foi
mesmo se responsabilizar em caso de assumido por um tio materno chamado
desinternação”. Isto aqui é cópia fiel do João, e por Zilda, sua companheira.
despacho do juiz. Quanto à infância de Carlos, as poucas
Bem, pensando nesta situação, ao informações dos familiares referem-
receber este ofício em mãos, o que se a ‘um menino nervoso desde os 8
o assistente social reflete? Quais os anos’, que precisava ser levado para o
objetivos profissionais que o assistente mesmo hospital da mãe, ‘dava ataques’,
social precisa construir? Primeiro: ‘era muito rebelde’ e ‘não dava para
“Conhecer a posição da família”. Se o estudo’. Apenas dois encontros
estes tios que compareceram em juízo aconteceram com familiares de Carlos,
disserem que não querem receber face aos seguidos contatos telefônicos
Carlos, qual é a condição desta família com a família. Na primeira entrevista com
“em relação à assistência que possa a equipe técnica – psiquiatra, terapeuta
oferecer” a esta pessoa? Outro objetivo: ocupacional, psicóloga e assistente social
“Oferecer parecer ao Juízo e Ministério – compareceram a avó Marta e a tia
Público da Vara de Execuções quanto Zilda. Mais tarde soubemos que a avó,
às possibilidades de apoio familiar ou trazida pela nora, veio às escondidas
institucional à desinternação”. Ou seja, do resto da família. Neste momento,
algum recurso institucional. O terceiro ficou bastante clara a disponibilidade
objetivo: “Buscar na rede de saúde da avó de ‘querer o neto de volta’, sem
pública instituições de assistência no contudo ter autoridade na família nem
sentido de que Carlos possa apropriar-se autonomia financeira para tal decisão.
de seu direito de viver em liberdade”. Zilda foi incisiva quanto à não aceitação
Aqui já está posto um primeiro do retorno de Carlos à casa pelos demais
princípio de nosso Código de Ética, que familiares, principalmente pela tia
é trabalhar em torno e para o sujeito Marli, que comparecera à audiência
ter o direito de gozo da autonomia e da judicial, provedora do sustento de Marta
liberdade. e de Maria. Os motivos para tal atitude
Bem, vamos, então, ao estudo da família são: 1) várias vezes a casa
social. Vejam bem: este documento, o de Marta fora invadida por ‘amigos
estudo social, precisei sistematizá-lo do tráfico’, em represália a alguma
para trazê-lo para cá como instrumento dívida de Carlos; 2) Carlos mudava de
didático. Estes dados estão espalhados comportamento repentinamente. De
pelo prontuário social. “Dia tal, visita neto afetuoso, ‘tinha crise’, tornava-
domiciliar; dia tal, entrevista com Dona se agressivo, necessitado de cuidados
Marli; dia tal, entrevista com Dona médicos. A família ainda arcava com a
Marta e fulano”. A forma como vamos mãe de Carlos, doente há muitos anos;
registrando no prontuário nos traz dados 3) a relação de Carlos com o tráfico era
soltos, não é? Expressa como a ação vai uma constante ameaça, mesmo para os
acontecendo. Para fins de elaboração do familiares que residiam longe da avó.
estudo os sistematizei, mas deixei-os na Quando Carlos passou um tempo na casa
linguagem do empírico. Então, vamos lá. da tia Marli, ‘uns homens foram bater
“Carlos Lima, R.G. tal, nascido em lá’. A família sabe que Carlos se envolveu
31/08/77, no Rio de Janeiro, solteiro, com o tráfico por volta dos 14 anos ao
sem filhos, foi criado em um bairro da iniciar o uso de maconha e cocaína.
Zona Oeste, sendo o primogênito de dois Zilda não soube precisar sua função na
filhos de Maria Lima e Pedro Lima – este quadrilha. Ela narrou a perda recente

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de Luís. Saíra de casa para passear, fora amigo Júlio e sua mulher foram contatados
visto entrando num carro e nunca mais e visitados pela assistente social. Ambos
apareceu. A vizinhança comentava que manifestaram-se pesarosos com a
fora morto pelos traficantes do lugar. situação de Carlos, pois também tinham
Mais três pessoas foram assassinadas um filho jovem preso, envolvido com o
na família: o pai de Carlos, logo após tráfico. A visita domiciliar à casa dessa
deixar o presídio onde cumprira seis anos família revelou a extrema dificuldade
de prisão; uma tia paterna de Carlos, material destas pessoas e da vizinhança.
a qual se vinculara afetivamente a um De sete a dez pessoas se acomodavam em
integrante da quadrilha; e um enteado moradia de quarto, banheiro e cozinha.
de Zilda. Isto nos últimos cinco anos. O Vários desempregados, trabalhando no
encontro de Zilda e da avó com Carlos mercado informal, com venda de balas
foi repleto de manifestações de emoção: e refrigerantes. A visita mobilizou os
a avó repetia o quanto amava o neto, vizinhos – todos dizendo gostar muito de
‘seu filho’. Carlos, por sua vez, lembrava Carlos, mas sem condições materiais –
de estórias engraçadas acontecidas espaço físico e ‘dificuldades de alimentar
quando adolescente e criança, junto da mais um’. Outra tentativa foi feita junto
avó. Abraçavam-se, trocavam carinho a uma jovem prima de Carlos, funcionária
e Carlos prometia à avó que não mais pública estadual. No ano de 2002 esta foi
retornaria ao tráfico, pois queria voltar a por três vezes visitar Carlos, levando-
trabalhar com Júlio, seu amigo pedreiro. lhe algum material de higiene, roupas,
Zilda, no entanto, voltava a repetir que chinelo e um aparelho de TV usado.
Carlos representava uma ameaça a suas Dizia que estava fazendo o que estava a
vidas, pois ninguém confiava que ele se seu alcance, pois não tinha autorização
distanciaria de vez do tráfico e do uso de da família para responsabilizar-se por
drogas. Além do mais, seria difícil Carlos Carlos.
sobreviver por sua conta, pois estudara O paciente: Carlos tem oscilado
somente até a terceira série do primeiro quanto ao seu comportamento. Alterna
grau. Dias depois, a tia Marli entrou em fases de profunda indignação e revolta
contato com a assistente social solicitando pelo abandono em que se encontra com
uma entrevista. Marli foi enfática: a fases em que se mostra esperançoso de
equipe não deveria insistir com a família que alguma resolução possa existir. Para
para receber Carlos, muito menos apoiar a psicóloga da equipe, as entrevistas
a decisão da avó, idosa e doente. Carlos iniciais com Carlos indicaram ‘orientado
já teria causado muito mal à família. Em psiquicamente, narra com dificuldade
vista disso, comunicou que decidira, com sua vida, pensamento lentificado,
seu irmão, que venderiam a casa da avó afetividade embotada, pragmatismo
e que a levariam, juntamente com Maria, prejudicado’. A psiquiatra da equipe
para endereço ignorado pelos demais registra: ‘o paciente tem uma oligofrenia
membros da família, principalmente por moderada e é usuário de drogas.
Carlos. Marli dizia que, como provedora Transtorno de comportamento face ao
de sua mãe e irmã, tinha o direito de déficit intelectivo de entendimento, o
viver em paz, já que a responsabilidade que acarreta momentos de agressividade
de cuidar de duas pessoas doentes já era por não conseguir se apropriar com
por demais pesada. Durante o segundo clareza das situações’. Carlos verbaliza
semestre de 2001, Carlos buscou se que não quer ficar como outros pacientes
comunicar por telefone com os tios Zilda e que estão há mais de vinte anos no
João, sempre solicitando que ‘assinassem hospital. Acentua que está preso desde
no Juiz’ para obter sua liberdade. Vez março de 1999, muito além do tempo
ou outra solicitava material de higiene que o juiz determinou em sua medida de
pessoal – insistência infrutífera. Outras segurança. Seguidamente traz o nome de
tentativas de encontrar quem acolhesse um parente de algum companheiro, que
Carlos foram feitas em 2002, a partir das contata durante as visitas, propondo ao
relações afetivas antigas de Carlos: o assistente social conversar com aquela

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pessoa, pois ‘quem sabe, alguém pode no episódio. A estória, aparentemente
querer se responsabilizar’. Sobre sua absurda, foi confirmada por outra
passagem por dez anos no tráfico, narra, testemunha ao defensor público do
utilizando bastante os gestos, várias hospital, a quem a assistente social
situações que faziam parte de sua função recorreu para acompanhar o processo
de ‘soldado’. Carregar e desovar corpos, judicial. Para alguns funcionários que
vigiar a conduta de ‘certos amigos’, voltavam com Carlos da delegacia, este
vender droga e obedecer ao ‘acerto de tinha responsabilidade pelo ocorrido e,
contas’. Fala das regras de disciplina por isso, estavam ‘de olho nele’. Carlos
no trabalho do tráfico e das ‘leis’ que continuou respondendo ao processo
vigoram. Menciona seguidamente, com assistido pelo defensor. Ainda em 2002
admiração, seu ‘chefe maior’ publicizado a equipe técnica, através da assistente
pela mídia e que vive ‘escondido da social, contatou várias instituições, uma
polícia’, pois se evadiu do sistema penal delas que dispõe de uma residência
‘na base da grana’. Tal fuga recebeu terapêutica. A instituição solicitou um
muito espaço na mídia, culminando com relato da história do paciente, o que
a expulsão de dois servidores ‘a bem foi atendido. Analisada a situação por
do serviço público’. Vários momentos aquela instituição, a decisão de receber
de indignação e revolta fizeram Carlos Carlos foi negativa, face a sua história
querer ‘mandar um recado’ aos amigos de ‘soldado do tráfico’. Com base nos
para que ‘passassem o cerol’ nos tios, dados obtidos no estudo o assistente
que concordaram em vender a casa, a social encaminhou seu parecer à Vara
‘sua casa’. Carlos logo entendeu que de Execuções Penais”.
a venda se relacionava ao objetivo de Bem, em primeiro lugar, é importante
‘sumir com sua mãe e sua avó’ o que pensar quem somos nós diante destas
entendia não terem o direito de fazer. situações absurdas, situações-limite
Muitos momentos durante o ano de 2002 dentro da vida das pessoas com quem
Carlos passou ‘na tranca’, de castigo. trabalhamos, e quem somos nós dentro
Envolvia-se em conflitos com outros destas instituições de coerção e controle
internos e com funcionários. Por duas em que, a todo custo, a ordem precisa
vezes foi transferido para um outro ser mantida, um determinado tipo de
hospital penal, ‘para dar um tempo’ no ordem – ainda que seja uma ordem
ambiente hostil a ele. A imagem que se completamente na desordem. Uma
construiu na instituição é de que Carlos ordem em que vale a corrupção, vale
realmente não tem condições de sair, ‘vai uma disciplina, uma punição repetida,
voltar para o tráfico’, dizem alguns. Ao em que a correlação de forças faz
longo do tempo em que Carlos esteve em parecer que estamos diante de um
liberdade fez algumas relações afetivas marisco (não é? Carlos é um marisco!),
com mulheres. Fala acerca de uma delas em que a instituição, com todo o
em especial, com quem teria morado aparato de justiça, é, na verdade, o
durante algum tempo. Mas também não mar. É um grande mar que bate na rocha
sabe se esta ainda está viva. e o marisco está ali. O primeiro ponto
A instituição: Em final de 2002 o para o qual queria chamar atenção é
ambiente na instituição tornou-se qual é a identidade desta profissão neste
mais hostil: um pacote de maconha campo. Nós estamos a serviço de quê?
arremessado por cima do muro teria sido Recebemos demandas de demandatários,
recolhido por Carlos. Foi imediatamente do aparato da justiça criminal, em
autuado na delegacia do bairro, no função de intermediarmos uma questão
artigo 12 (Lei de Tóxicos), abrindo um relativa a um usuário nosso. Ou seja,
novo processo penal em sua vida. A qual é esta questão? O direito legítimo
assistente social foi procurada por outro e legal à liberdade, já tendo expirado
paciente que estava próximo do local e todos os prazos, tendo tido um prejuízo
lhe relatou outra estória que colocava legal desde o início do cumprimento da
Carlos isento de qualquer envolvimento medida, quando, erradamente, ele foi

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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colocado pela instituição DESIPE na Casa sobre o serviço que ele presta para esta
de Custódia e não no local adequado que grande engrenagem funcionar. Se nós
a lei prevê, que é o Hospital de Custódia. não tivermos criminosos, não teremos
Este é o primeiro ponto, que me parece empregos. Não teremos fabricação
muito importante. de carros blindados. Não teremos
Qual o sentido, também, do nosso adestradores de cães. Enfim, não
parecer, o produto destes dados alimentaremos a indústria da segurança.
empíricos trabalhados à luz de todos Por outro lado, é muito interessante.
os conhecimentos sistematizados, das Ontem Andreia foi furtada na hora do
pesquisas existentes, deste real que se almoço. Aí vem todo o transtorno, a
desnuda na nossa frente? Quer dizer, chatice, a dor de cabeça que isto vai dar
neste momento em que a violência (leia- para ela, porque levaram a bolsa toda.
se “criminalidade no Rio de Janeiro”) Aí estive pensando: “Esta é a emoção
é propalada o tempo todo nos jornais, do primeiro momento. Amanhã digamos
em que as pessoas conversam sobre que esta pessoa seja presa, vá para a
isso, como é que estamos diante desta Penitenciária Talavera Bruce e seja a
questão? Porque os sujeitos sobre os quais assistente social que vá entrevistá-la.
escrevemos são exatamente estas pessoas Sobre o que ela vai se debruçar? Quais
que, nestas conversas que estão postas eram as estratégias de sobrevivência
aqui fora, nos episódios que acontecem desta presa? Ela participava da
aqui fora, amanhã estarão na nossa sociedade de que forma? Do ponto de
frente. Carlos, provavelmente, é um vista familiar de onde ela veio? Como
sujeito sobre quem já se falou, mas que ela pensava as ações, que ela bolou,
já caiu no esquecimento. A criminalidade para se apropriar da bolsa do outro sem
tem esta grande função na sociedade. nenhuma violência física?”. Andreia
Ela cria um mercado extremamente deixou a bolsa aqui, quando voltou
importante de produtos fabricados havia outra, velha, no lugar. É uma
dentro da licitude, dentro da legalidade. estratégia extremamente interessante!
Elias Maluco, quando é produzido e ganha Ela aproveita a oportunidade, aquele
publicidade pelos meios de comunicação, instante, e tem um lucro com esta
ajuda a construir, durante aqueles dias e ação. Se amanhã o assistente social se
semanas, todo um mercado de consumo debruçar sobre isso vai entender quem é
em torno de sua figura. Hoje ninguém esta personagem que um dia, também,
mais está se lembrando de Elias Maluco. furtou a bolsa de Andreia.
Alguém ainda lembra qual foi a acusação Então, o primeiro aspecto que
feita a ele? E não considerando todo o eu queria levantar sobre este texto
aparato, digamos, lícito de comércio a respeito de Carlos é a questão da
em torno da segurança pública. Neste família. Percebemos que é uma família
momento, mesmo, Garotinho anuncia profundamente onerada pela tragédia,
quatro furgões para o Complexo da Maré pela perda, que oscila entre momentos
que custaram dinheiro. Aquilo não existia, de muita raiva, que atribui seu ônus à
alguém comprou rapidinho, encomendou figura de Carlos. É preciso entender por
rapidinho: cinco helicópteros para que esta família rejeita profundamente
sobrevoar a Maré! E quantos empregos a presença de Carlos em seu meio. Por
mais? E quantos cargos em comissão outro lado, é interessante observar que
de direções e assessoramentos de nível esta família reproduz o que vemos em
superior? Quantas nomeações, salários, nossa sociedade. O crime ainda é visto
concursos a mais? como uma questão individual, ainda
É muito importante, portanto, que não seja um produto individual.
desnudarmos estes aspectos. Na verdade, Ele só se constroi socialmente. Quando
este sujeito na nossa frente faz parte vamos estudar a criminalidade no início
de uma engrenagem, de uma grande do século XX no Rio de Janeiro e em
engrenagem. Ele não tem, na verdade, São Paulo, se formos discutindo e lendo
consciência, não tem um juízo crítico sobre seu desenvolvimento ao longo do

Cress/RJ - 7a Região
60
século XX, vamos perceber como ela vai várias tentativas de reaproximação com Outro fenômeno
se rebuscando de acordo com o próprio o mundo de fora, para restabelecer estes
movimento das relações dentro da vínculos.
é a juvenilização
sociedade. A quadrilha de assaltantes não Depois nós vamos perceber, um pouco, da população
aparece em 40. Ela aparece no final da o que na subjetividade de Carlos nos prisional. Há
década de 50, início da década de 60. estampa estas questões da juvenilização,
discursos sobre
Outro fenômeno é a juvenilização da socialização da juventude no tráfico.
da população prisional. Há discursos Este ponto é extremamente importante, o ECA que o
sobre o ECA que o responsabilizam pelo porque esta socialização forja outros tipos responsabilizam
ingresso da população jovem no crime. de valores, se lida muito com o “ou tudo ou pelo ingresso
Há situações de garotos muito jovens, nada”, “ou certo ou errado”, numa lógica
presos, que já têm passagens pelo sistema profundamente dicotômica, do bem e do
da população
DEGASE e que, por ter completado a mal, completamente estanque. Vamos jovem no crime
maioridade são presos e colocados nas perceber, então, como na subjetividade
casas de custódia do Rio de Janeiro. A deste sujeito estes valores foram
juvenilização da população presa faz com incorporados. Tanto que o gestual dele
que, por outro lado, a opinião pública é feito sempre de sinais como apertar o
questione a idade de responsabilidade gatilho ou de estapear. Um dia conversei
penal. É nesta perspectiva que surge com ele sobre estes gestos, quais eram os
o discurso que coloca o ECA como o gestos que ele mais fazia quando explicava
responsável pelo grande ingresso da sua dor ou sua admiração, quando ele
população jovem no mundo do crime, contava sua história. Houve gestos, tal
porque ela estaria isenta das penalidades como a mão utilizada como instrumento
a que o adulto estaria, digamos, não do cometimento do ato violento. Assim
isento. É importante perceber, então, como muita gente alisa o cabelo e tem um
que a família de Carlos reproduz isto. O gestual mais relaxado. É importante este
grande diabo nesta história, para eles, é gestual, porque ele traduz simbolicamente
Carlos. Quando fui visitar o amigo, Júlio, esta experiência. O que também aparece
observei muito onde se localizavam as aí são as artimanhas institucionais. Nós,
casas dos “amigos afetivos” de Carlos e assistentes sociais, somos pródigos em
onde se localizava o núcleo das “bocas vivências de violações. O Estado é um
de fumo” comandadas por este grande grande infrator da lei em todos os cantos
heroi, o traficante que Carlos tem como deste país. Na prisão ele é o grande
grande inspirador. As casas eram muito infrator. Você recebe uma acusação
próximas, apesar de ter uma condição, do contra uma pessoa, a leva imediatamente
ponto de vista sanitário e de urbanização, à Delegacia para autuá-la: é mais um
um pouco melhor do que a favela onde processo, você não investiga o que
este grande grupo trabalha com o tráfico. aconteceu. E o que aconteceu foi muito
Então nos fica bastante clara a questão grave, porque, na verdade, não ocorreu
da família e este enraizamento da figura do jeito que o discurso oficial narrou. Eu
de Carlos no tráfico de drogas, como uma consegui desmontar o discurso oficial,
grande empresa e como um trabalho. não coloquei isto aqui por conta de um
É muito interessante observar que problema ético, de preservação. Mas
esta população jovem é arregimentada consegui desmontar tal situação com as
pelo tráfico com “salários”, entre testemunhas deste feito e isso contribuiu
aspas, muito interessantes, muito bons; para a argumentação do defensor, na
por outro lado, é um trabalho onde se defesa dele junto à Vara Criminal onde
submete às regras, à disciplina, a uma este processo está correndo (refiro-me
hierarquia e a requisitos de produção aos à acusação do tal pacote de maconha
quais se tem que dar conta. A prestação jogado pelo muro).
de contas a que os trabalhadores do Mais adiante, narro as esgotadas
tráfico se submetem tem regras muito tentativas de contatos com a família,
rigorosas. Então neste trecho trabalhamos com os amigos, com parentes de outros
um pouco isto, demonstrando ainda as presos que estavam no pátio e a carta

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


61
enviada a um recurso institucional. interpretação dos dados empíricos. É
Todos sabemos que as políticas públicas importante que se ressalte os princípios
são, cada vez mais, enxutas. Não era um do Código de Ética que mobilizaram esta
recurso institucional de uma vaga em ação. São onze princípios. A liberdade,
um hospital psiquiátrico, não se tratava a autonomia, a defesa de direitos (outro
disso. Era de um local de residência princípio importante, grande luta que
com tratamento ambulatorial, temos nas instituições em que vivemos),
perfeitamente viável para a condição o compromisso com a qualidade dos
de Carlos. Foi uma luta grande, que serviços e com a competência profissional
acaba, neste momento do relato, com foram utilizados. Neste sentido, entendo
apenas uma instituição pública (que que o parecer (que vamos ler agora)
ótimo!) para o perfil deste sujeito, mas é um instrumento de proposição de
os antecedentes do “soldado de tráfico” estratégias práticas de efetivar direitos.
o eliminaram. Não era um critério de Eliminei, propositalmente, do parecer,
elegibilidade oficial, mas um critério dados do estudo que entendi que
de elegibilidade oficioso. Nós cansamos comprometeriam, inutilmente, Carlos.
de conhecer critérios de elegibilidade Não importa o juiz saber que Carlos
oficiosos nas instituições. Não é o que foi acusado de ter juntado maconha no
está escrito, mas é o que as pessoas que pátio. Não importa o juiz saber como
estão ali, determinando quem entra ou ele age agressivamente, o que fala,
quem não entra, criam. que xinga quando fica muito nervoso.
Gostaria de dizer para vocês que o Estes dados são para ser trabalhados
esforço mental sobre o estudo consistiu pelos profissionais, no quotidiano. Não
em organizar estes dados, que estavam importam ao juiz para tomar sua decisão.
espalhados. Foi uma sistematização, Ao contrário, os dados do estudo social,
uma organização destes dados, uma como estão narrados aqui, são, do ponto
reflexão sobre seu significado, à de vista ético, uma possível fonte de
luz da conjuntura que vivemos, das fomento de preconceito, dependendo
disciplinas que informam o estudo desta em que mãos caiam. O grande cuidado
conjuntura, do conhecimento que temos ético que é preciso ter é que o dado
da criminalidade. Quem trabalha dentro empírico é, facilmente, objeto de
da cadeia conhece a criminalidade pelo preconceito. Quando vejo um relato que
viés, pelo olhar e pelos fatos de quem já diz: “a mulher tem três filhos, oriundos
está preso. Eles revelam o que acontece, de três relações diferenciadas; teve
porque não têm mais nada a perder, um marido por tanto tempo, outro por
não têm por que manter mistério sobre tanto tempo...”, isto não é um dado a
estas coisas. Nós conhecemos as ações ser oferecido ao demandatário. Isto é
das polícias, como se faz a produção um dado a ser trabalhado pelo assistente
das estatísticas. Aqui no Rio de Janeiro social na sua relação com aquela mulher,
tivemos, por exemplo, um governo que se isso for um dado importante, o de
foi pródigo na eliminação de jovens e saber que ela tem três filhos de três
todos eram classificados como mortos homens. Por que nunca saberemos,
em função de autos de resistência. também, quantos filhos os homens têm,
Existe uma pesquisa em relação a isto. não é? Sabemos que eles têm a grande
Estou querendo dizer a vocês que estes capacidade de ser procriadores em todos
assuntos são novos. As pesquisas estão os lugares. As mulheres, obviamente,
acontecendo muito recentemente, não arcam com a procriação de outra forma,
temos grandes produções de textos. E a até biologicamente. Propositalmente,
reflexão, a contextualização da situação então, eliminei alguns dados de estudo
de Carlos nos faz ter, do ponto de vista por uma questão de preservação da
do esforço mental, a possibilidade de imagem deste sujeito. Vamos ler, então,
interpretar estes dados empíricos. o parecer que foi enviado ao juiz.
Portanto, a linguagem do parecer Antes disso, aliás, há outra coisa
será outra. Será a linguagem da importante que quero ressaltar. Não

Cress/RJ - 7a Região
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compete colocar no parecer quais ao final dos anos 70 e início dos 80,
instrumentos utilizamos. Eles são de pertencente à população pauperizada,
domínio nosso, de escolha nossa. Não arregimentada nos últimos vinte anos
temos que dizer para o juiz se fizemos como mão-de-obra das organizações que
cinco visitas domiciliares, se tivemos gerenciam o tráfico de drogas. Referimo-
viaturas ou se não tivemos, se a pessoa nos à face mais visível do tráfico, exposta
veio à primeira entrevista ou não veio, se pelos meios de comunicação e conhecida
ficamos esperando uma hora. São detalhes mais de perto pelos moradores próximos
da intervenção a serem resolvidos pelo a seus redutos.
profissional. Não compete colocar no Inicialmente, Carlos era um usuário
parecer toda a instrumentalidade. É de drogas. O envolvimento com a
importante oferecer o resultado da organização do tráfico fez com que a sua
operação desta instrumentalidade. socialização como adolescente e jovem
Vamos lá, então. adulto fosse construída a partir de
“Parecer social – (referente ao Ofício valores advindos da vivência de situações
tal e tal, número tal, paciente Carlos crueis, em que as fronteiras entre a vida
Lima RG tal)” e a morte, o lucro e a dívida, o erro e
Inicialmente há um esclarecimento, o acerto são extremamente frágeis. Esta
que fiz questão de colocar, até por uma socialização no contato estreito com a
questão de anexá-lo ao prontuário dele, organização produz uma subjetividade
aos seus dados, a sua ficha na Vara de sobre a qual incidem o autoritarismo
Execuções Penais. e o arbítrio das chefias do tráfico e se
“Os procedimentos técnicos utilizados mesclam com o heroísmo de ser soldado
pelo Assistente Social para cumprir as da organização, levando-o a se expor ao
diligências determinadas pelo Juízo ‘tudo ou nada’.
da Vara de Execuções Penais, no Ofício Diante disto, cair na teia da justiça
em referência, se desdobraram em criminal, contraditoriamente, cria-lhe a
dois pareceres, o primeiro enviado em possibilidade de permanecer vivo. Só na
agosto de 2001 (ofício tal). Segue-se família de Carlos quatro pessoas foram
o segundo parecer face à extensão dos mortas em função de seus envolvimentos
procedimentos no sentido de se obter com o tráfico, assim como ‘os amigos’ de
respaldo familiar ou institucional que Carlos, forma de tratamento dado aos
viabilizem a futura desinternação do que compartilham o mesmo campo de
paciente. trabalho na criminalidade.
Carlos Lima, nascido em 31/08/77, Carlos, com juízo crítico prejudicado
carioca, solteiro, filho de Maria Lima por uma oligofrenia moderada, se
e Pedro Lima (falecido), encontra-se apropriou da experiência vivida, cerceado
internado nesse hospital desde maio por suas limitações intelectivas. Pouca
de 2001. Por erro de movimentação instrução, prejudicada pelo mesmo
administrativa do DESIPE, Carlos limite, dificuldades de acesso a recursos
cumpria ilegalmente medida de públicos de saúde para tratamento
segurança numa Casa de Custódia. Feita adequado na infância e adolescência,
sua transferência por determinação a tendência de Carlos ao narrar a sua
judicial, Carlos apresentava, quando experiência é de repetir acriticamente
de seu ingresso no Hospital, condições os feitos e fatos. Ele se refere desta
para ser desinternado. Isto por que a sua forma tanto às execuções feitas pelos
medida de segurança de um ano já havia amigos ou pela polícia. Mostra-se
expirado e, submetido a perícia, obteve aliviado de ter sido preso pois, assim,
laudo favorável à desinternação.” (esta como diz, ‘tou’ vivo. Demonstra não
perícia é uma perícia psiquiátrica). compreender a utilidade de sua perversa
“Não o foi, face à ausência de respaldo função para o lucro dos mandatários,
familiar ou institucional para sobreviver nem a consequente punição oficial que
em liberdade. se arrasta há três anos.
Carlos integra uma geração nascida A família, composta de avó idosa

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Com vistas à e doente, sem renda e mãe de criação teto, sem instrução e sem qualificação:
de Carlos, assim como a mãe biológica, a ‘qualidade’ ressaltada é o estigma de
desinternação, portadora de esquizofrenia, necessitam criminoso. A ansiedade de Carlos de obter
a busca de de cuidados continuados. Assim como a liberdade, os sentimentos que afloram
uma instituição elas, os tios e primos de Carlos se de forma descontrolada em relação
ausentaram da vida do paciente após ao abandono, os limites intelectivos à
fora do sistema
a sua prisão. Nestes últimos três anos, compreensão das situações quotidianas,
penal também solicitados pela assistente social a as formas verbais com que se expressa
foi objeto de conversar sobre o futuro de Carlos, quando fica tenso, tem corroborado
pesquisa, na explicitaram seus temores quanto ao que para construir uma imagem desgastada
o paciente poderá lhes trazer de ameaças de Carlos junto aos funcionários que o
rede pública de e dissabores. Todos se negam a receber custodiam. Algumas punições repetidas,
saúde mental Carlos. Isto é compreensível, face à como o isolamento na chamada ‘tranca’,
e em outras perda de quatro membros da família, têm perpetuado o ciclo tão usual da
dentre eles o pai e o irmão de Carlos, relação disciplina/punição, sem nenhum
instituições de
assassinados nos últimos cinco anos. resultado construtivo à afirmação da
abrigo Esta situação ainda se encontra em fase autoestima de Carlos.
de cicatrização, fazendo com que esta Dedicado a atividades laborativas
família expresse a tragédia vivida, ora de limpeza do hospital, Carlos trabalha
com muito medo, ora com muita raiva. em troca de um maço de cigarros
A avó, a única pessoa mais disponível semanal, retribuição pessoal de um dos
afetivamente para receber Carlos, não funcionários para incentivar sua adesão
dispõe de autonomia para fazer valer a ao trabalho, uma vez que o pagamento
sua decisão: depende financeiramente de do salário penintenciário, direito do
uma filha, assim como de seus cuidados preso previsto no artigo 41, inciso II, da
diários. Lei de Execução Penal, há muitos anos
Amigos do paciente também foram não é pago pelos governos.
mobilizados pelo assistente social: a Neste momento, a equipe técnica
precariedade material em que vivem, continua trabalhando no intuito da
agravada pela exclusão do mercado desinternação para que Carlos possa
de trabalho e pela falta de suporte de usufruir seu direito legal e legítimo à
políticas públicas, colocou-nos diante liberdade. Notamos que a instituição
de um grupo de famílias sensíveis à mencionada mais adequada ao perfil de
situação de desamparo de Carlos, mas Carlos e que o recusou, como dissemos, é
impossibilitadas materialmente de a insituição X, situada na rua Y, número
acolhê-lo. tal, bairro tal, telefone tal.
Com vistas à desinternação, a busca É o que temos a fornecer de
de uma instituição fora do sistema penal informações, no momento, ao Juízo e
também foi objeto de pesquisa, na rede Ministério Público da Vara de Execuções
pública de saúde mental e em outras Penais.”
instituições de abrigo. Não há indicação Bem, o que eu gostaria de citar, para
de que Carlos necessite ficar internado finalizar – e é o eixo do debate destas
em um hospital psiquiátrico. Tem questões – é uma coisa que Bobbio diz,
condições de se tratar em ambulatório. com muita propriedade, no livro “A
No entanto, buscamos uma instituição Era dos Direitos”, e repete em vários
de abrigo, onde pudesse residir. Não são artigos do livro. Ele fala das sociedades
muitos os recursos existentes no Rio de da Europa, prioritariamente, mas digo
Janeiro. Dois deles contatados, após uma que isto vale para nós. “Não nos faltam
primeira triagem feita pela assistente instrumentos legais. Não nos falta
social, recusaram ofertar vaga tendo em aparato legal. Nos falta a questão de
vista o perfil de Carlos, notadamente colocar, politicamente, em andamento,
por sua passagem pelo tráfico. Confirma- a apropriação de direitos pela população.
se, nesses casos, o que é muito comum Nós não precisamos reformular leis, mas
com egressos do sistema penal, sem torná-las efetivas.”

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Nós não temos necessidade de virar ação. Temos uma profusão, no Estado
da água para o vinho as leis. A Lei de brasileiro, de um aparato burocrático:
Execução Penal, que está sendo objeto prédios, pessoas, processos, mecanismos
de questionamentos, de reformulação de entrada e circulação destes processos.
quanto a regimes disciplinares especiais, Isto é o aparato burocrático funcionando.
não vai fazer este milagre de alterar a Mas não temos a legalidade em pauta.
qualidade do sistema penal em seus Então me parece que nossa luta,
aspectos de corrupção, de falta de enquanto profissionais, é fazer funcionar
capacitação profissional das pessoas a legalidade, e não o compromisso apenas
que nele trabalham, notadamente os com a burocracia que, na verdade, é o
agentes penitenciários. Então, gostaria meio através do qual o legal vai acontecer.
de reafirmar o que Bobbio diz. A questão Pois vivemos em uma sociedade altamente
é muito mais política que jurídica. burocratizada, em que a burocracia é um
Se entendermos que nosso papel é instrumento de poder que também está
meramente técnico, de produção de em nossas mãos.
texto, também estaremos corroborando, Era isso, os demais aspectos respon-
no fundo, a questão de que vivemos demos, e às contestações de vocês,
dentro de um aparato burocrático, mas durante o debate.
não temos um aparato legal em efetiva Obrigada.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Debates
Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti

Gostaria, antes de abrir o debate, de RJ. Em nossa última Reunião Ampliada


agradecer as contribuições de Eunice e nos sentimos mal, por conta de seu
Tânia. Eunice fez um resgate histórico esvaziamento. Veio aquela sensação
da profissão, como começou, como se de não estarmos desempenhando nosso
desenvolveu e Tânia nos privilegiou com papel junto à categoria enquanto
um estudo social prático, com elementos Comissão. Mas hoje conseguimos come-
que vivenciamos. Tenho certeza de morar o Dia do Assistente Social junto
que todos nós, durante a leitura, nos ao CRESS, com estas pessoas especiais
lembramos de casos de pessoas que que muito estão contribuindo com nossa
estamos atendendo. Esta reflexão nos é formação.
fundamental. Enquanto aguardamos os questiona-
É com grande satisfação que informo mentos para o debate a professora
que participaram deste evento 165 Eunice vai nos dar informações sobre
profissionais. Foi um ganho muito grande uma pesquisa que vem sendo realizada
para a Comissão Sociojurídica do CRESS- em São Paulo.

Eunice Fávero

Em São Paulo estamos desenvolvendo negociações políticas com o Tribunal de


uma pesquisa sobre a realidade de trabalho Justiça, a denúncias desta situação e destas
do assistente social e do psicólogo na demandas fora de lugar (porque vão para
área judiciária. Esta pesquisa é bancada o Judiciário demandas de uma população
pela Associação de Assistentes Sociais e que não está sendo atendida pelas políticas
Psicólogos do Tribunal. Já coletamos as públicas) e a alavancar transformações. É
informações e estamos no processo de sua uma pesquisa que mostra como é possível,
sistematização. É um trabalho feito por dentro do espaço de trabalho, com a
profissionais da própria área do Judiciário, organização da categoria, avançar para
sob a coordenação da professora Raquel mudanças por meio de pesquisas feitas
Tolosa, da Unesp de Franca (SP), minha e de pelos próprios profissionais. É mais ou
algumas pessoas da diretoria da Associação. menos a direção que vocês estão tomando
A pesquisa é um pouco semelhante à que agora, nesta dimensão mais ampla da
vocês começam a desenvolver aqui, agora, área sociojurídica. Quando os resultados
no sentido de conhecer e sistematizar as estiverem prontos pretendemos socializá-
demandas, as atribuições, as condições los e trocar informações com vocês e com
de trabalho, com vistas a, em nosso caso, colegas de todo o Brasil.

Mônica Vicente da Silva

Boa tarde. Antes de Ivana começar momento o debate pretende esgotar


o debate, queríamos apresentar o material de trabalho da área
algumas considerações da Comissão sociojurídica. Quando quisemos trazer
Sociojurídica. os temas ética, direitos humanos e
A primeira é solicitar que as pessoas, estudo social foi para uma reflexão
antes de sair, deixem sugestões de inicial. Nós ainda não temos, nem no
novos temas para as próximas reuniões Tribunal de Justiça nem nos outros
ampliadas com as estagiárias que estão grupos de trabalho, uma definição
contribuindo com o evento. deste universo sociojurídico, como foi
A segunda é dizer que em nenhum dito no começo do evento, até mesmo

Cress/RJ - 7a Região
66
com a explicação da Elizabete de como necessidade de que os grupos sociais
surgiu esta denominação. O que temos procurem suas representações na
Gostaria de
feito, concretamente, na Comissão é Comissão, tragam temas de interesse, solicitar à
identificar os pontos de semelhança e discussões. Isto tem chegado pouco Comissão que
aproximação destas diferentes práticas à Comissão. Vimos trabalhando, mas houvesse
e as possibilidades conjuntas de nos sentimos isolados do corpo que
intervenção. representamos. Queríamos apontar
alguma forma
Márcia, pela manhã, falou nas como possibilidade para as próximas de resposta ao
parcerias que estão sendo criadas nesta reuniões este aprofundamento, posicionamento
Comissão. O que percebemos é que principalmente esta última discussão
isso não vem acontecendo dentro das da identidade profissional dentro das
deste juiz
respectivas entidades. Ainda temos áreas que compõem este Campo.

Público

Ivana Alves Machado: Bem, apesar da ser seguida e não apresentar propostas
Helaine ter pedido que encaminhássemos de alternativas que possam auxiliar
nossos questionamentos e perguntas no os juízes a mudar sua posição em
papel, pedi para falar porque o assunto relação ao nosso olhar, ao nosso
que vou trazer é para o debate, mas posicionamento. Aqui ele acrescenta
é uma contestação em relação a uma que o fato de nós, profissionais, não
crítica que foi feita pelo Dr. Guaraci indicarmos uma melhor alternativa para
Viana no jornal do Conselho. Desde que este adolescente faz com que este juiz
li, guardei-o para neste momento falar passe a desconsiderar o laudo. Recordo
sobre isso. Fiquei me perguntando se muito bem que ele colocou que nosso
caberia levantar isto, nesta mesa, uma relatório, nosso parecer, é apenas uma
vez que estamos com temas, estudo das peças do processo e ele a utiliza se
social, parecer, muito mais avançados bem quiser. Então ele faz um discurso
do que acatar ou não uma crítica de um pouco contraditório ao que colocou
um juiz. Porém, é muito importante na prática. O terceiro momento é o
ressaltar estas questões que ele coloca que ele coloca como o da execução. Aí
como críticas ao nosso trabalho. ele diz o seguinte: “neste momento, a
Vou pontuar algumas questões desta atuação do Serviço Social é nenhuma”.
fala política dele. Dr. Guaraci dividiu Não preciso nem ler o restante, mas
o nosso trabalho em três momentos “nenhuma” é um pouco exagerado.
distintos. Um trabalho que seria só Na verdade nós não temos condição
jurídico. Uma segunda situação que de executar um trabalho. Faltam-
ele chamou de “definição da melhor nos condições, faltam-nos recursos,
medida a ser tomada”. Ele está falando, situações que nos são descritas por
aqui, dos casos do DEGASE, da 2ª Vara, outras pessoas.
de adolescentes que cometeram ato Gostaria de solicitar à Comissão que
infracional, em relação aos relatórios houvesse alguma forma de resposta
que a ele são encaminhados para uma ao posicionamento desse juiz. Ainda
primeira avaliação ou uma reavaliação. que ela não fosse redigida aqui, que
E ele afirma que neste segundo a Comissão pudesse fazê-lo para o
momento, que seria de definição, há próximo jornal do nosso Conselho,
um ponto positivo e um ponto negativo. ter alguma forma de retratação dos
O que me estranha é que o ponto nossos profissionais, porque pessoas
positivo é a possibilidade do assistente de outras áreas, sejam profissionais do
social fazer um diagnóstico da situação Serviço Social ou não, podem ficar com
deste adolescente. Por outro lado, ele a falsa impressão de que realmente os
diz que é negativo o fato do profissional profissionais do Serviço Social não têm
não indicar uma melhor alternativa a atuação nenhuma.

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


67
Mônica Vicente da Silva

Só queria esclarecer que esta questão foi trazida por uma colega da Segunda Vara,
da Comissão Sociojurídica. Isto está sendo discutido, qual a forma a ser adotada pelo
CRESS junto à Comissão no sentido de trabalhar esta questão que foi trazida no jornal.

Público

Hilda Corrêa de Oliveira: Estamos que o juiz colocou, está aberto para
acompanhando a polêmica que esta expressão deste grupo.
matéria gerou e estamos lamentando, A direção do CRESS não vai, neste
enquanto direção do CRESS, não termos momento, preparar sozinha uma matéria
podido conversar com a própria equipe da de resposta. Queremos fazer uma conversa
Vara. Nós estamos, desde que soubemos com a equipe e escrever alguma coisa no
da polêmica, desejosos de encontrá-los espaço do próximo número, já que está
para uma conversa. aberto. Agora, nós vamos dar sequência
Agora, independente da impressão ao plano inicial, vamos no próximo número
que a matéria causou, não sei se vocês ouvir os profissionais da área da saúde.
entenderam qual foi o norte dado pela Gostaria de perguntar se nossa
direção do CRESS a estas matérias. jornalista, Cecília, que pensou em poder
Sabemos da qualidade e do compromisso dar uma explicação a respeito disso (eu
da nossa intervenção, e temos a nossa não sei se me lembrei de tudo), se ela
maneira de ver a profissão. A direção quer falar a respeito, ou mais alguém da
do CRESS decidiu, e considerou muito direção do CRESS.
importante, ouvir a voz do outro em Cecília Contente: Boa tarde. Vou pedir
relação ao nosso trabalho. Trabalhar desculpas por não ter muita prática em falar
este conteúdo que nos chega, e preparar em público, fico sempre nos bastidores.
matérias de retorno com relação à É o seguinte. O critério da escolha dos
impressão que causamos aos outros entrevistados foi justamente pegarmos
profissionais. No número anterior do posições favoráveis e desfavoráveis. Na
Práxis ouvimos personagens da mídia. verdade sabíamos que o juiz Guaraci
Desta vez foram pessoas da área jurídica não tinha uma posição muito favorável
e temos uma sequência até o final do ano. ao Serviço Social. Por exemplo, o juiz
No próximo Práxis vamos ouvir pessoas da Siro Darlan sabemos que tem. Como
área da saúde. já tínhamos ouvido uma outra juíza,
Então, nosso plano foi ouvir estas e a ideia era abordar vários segmentos
áreas até o final do ano e ir trabalhando, dentro da área sociojurídica, uma pessoa
internamente, no Conselho, estas indicou este juiz e fui ouvi-lo.
impressões que as pessoas têm do E o que acontece? Fui questionada
assistente social. Porque temos que sobre o espaço, dizem que o espaço que
fazer um trabalho de interpretação, para demos no jornal foi maior para o juiz.
estes outros atores, sobre qual é nossa Isto não é fato. A matéria traz entrevistas
linha de trabalho, sobre quais são nossos com cinco pessoas. As quatro restantes
compromissos. Para fazê-lo não podemos nos são favoráveis. A única desfavorável
ter uma cortina passada entre nós e foi esta – se assim, também, pudermos
estas pessoas, que nos impeça de saber, entender, porque há coisas que ele falou
exatamente, como as outras pessoas nos que são interessantes, apesar de serem
veem. Então estas matérias foram e serão críticas. Temos que observar como as
construídas com este espírito. Quando as pessoas veem o Serviço Social, até para
colegas tiveram o constrangimento que poder mostrar que não é assim, que elas
estão tendo, gostaríamos de ter tido a não estão vendo a profissão de maneira
oportunidade de conversar com elas. correta, e ter espaços para esclarecer.
Desde o início combinamos que o espaço Então dei mais espaço para ele (no
de posição da categoria, em função do sentido de que ele falou mais na matéria,

Cress/RJ - 7a Região
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é isto que está sendo questionado) por aquilo”. Há uma repercussão maior, vamos
que ele fez questão de falar. As outras abrir um grande espaço. A ideia é fazer
pessoas falavam assim: “Ah, o Serviço uma repercussão com um espaço para
Social é fundamental!”; “Ah, o Serviço vocês da Segunda Vara. Se quiserem que eu
Social é muito bom!”. É difícil construir construa a matéria, a partir do que vocês
uma entrevista em cima de depoimentos falarem para mim, podem confiar em mim,
assim. Como ele fez questão de falar não sou assessora do Guaraci, sou assessora
bastante a respeito, tive que abrir um de vocês. Meu interesse é construir uma
pouco mais de espaço na fala, porque ótima imagem de vocês, estou trabalhando
ele tinha elementos para que eu pudesse para isso há dois anos, inclusive dentro
construir o meu texto. Tecnicamente foi da mídia. Um segundo espaço está aberto
isso o que aconteceu. Mas o espaço da para a Comissão Sociojurídica.
matéria, como um todo, foi reservado O que vocês quiserem, estou aberta a
muito mais para as posições favoráveis conversar. Obrigada.
ao Serviço Social. Agora, o espaço já está
aberto no próximo número do jornal. A Hilda Corrêa de Oliveira: Estava con-
intenção de criar a polêmica foi muito versando com a Tânia e queria propor
boa. que realmente façamos acontecer
Agora, é bom pensar por que esta uma conversa na sede do CRESS para
reação não aconteceu na matéria com darmos continuidade ao debate. Temos
a mídia. Teve jornalista que falou muito que aproveitar a presença de nossa
mal de vocês. Falou que a profissão não é convidada, que veio de outro Estado,
representativa. Isso é muito pior do que daqui a pouco está no horário dela de
o juiz Guaraci falou. O jornalista acusou retorno. Isto não é estratégia para fugir
a profissão de corporativa, falou que era do debate: este entendimento pode e
uma profissão que não tinha significado vai acontecer entre nós.
algum na sociedade. Esta é uma visão
muito pior! Só que vocês não têm uma Charles Toniolo de Sousa: Sei que
relação direta com o profissional da existe uma discussão, que inclusive é
mídia. Dificilmente o assistente social retratada e discutida na revista Serviço
trabalha diretamente com ele. Então Social e Sociedade Temas Sociojurídicos,
penso que por isso tivemos este retorno sobre perícia social. Entendo que em
mais polêmico com relação à matéria termos de formação, competências e
com os profissionais da área jurídica. atribuições profissionais, os assistentes
Mas a proposta é esta! Pela primeira vez, sociais vêm exercendo esta função.
em todo o tempo que estou trabalhando Entretanto sabemos que, do ponto de
no CRESS, recebo quatro cartas para a vista até salarial, mudam-se as funções do
sessão dos leitores (coisa que não havia assistente social e do perito social, apesar
acontecido nenhuma vez). Então isto é de haver potencial de serem os mesmos.
legal! Vamos responder, e a ideia é esta, O que os palestrantes acham deste
abrir espaço para vocês dizerem: “olha, debate e o que o CRESS está discutindo
o juiz está errado quando fala isso ou ou fazendo nesta direção?

Tânia Dahmer

Entendo e repito um pouco o que ser classificado com cargo diferenciado,


Bete Borgianni colocou pela manhã. Por como perito, para poder fazer esta função.
exemplo, na área da execução penal, no Entendo que na disputa de mercado, do
Sistema Penal do Rio de Janeiro, é uma das ponto de vista salarial, seja interessante
atribuições do assistente social, prevista figurar como perito, mas isto é outra
em lei desde 86, emitir pareceres, laudos. conversa, certo? Quando você rebusca uma
Entendo que é apenas uma atribuição situação, quer dar um status relevante
do assistente social, dentre tantas outras a uma função, você cria um cargo para
que ele tem. Não entendo que ele precise ele, institui legalmente e lhe atribui um

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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salário. Esta foi a grande discussão entre com salário diferenciado, colocando esta
os peritos criminais. Os nossos peritos função só com este objetivo econômico,
psiquiátricos, no nosso hospital, sempre de um cargo de realce, como um expert
lutaram por terem status diferenciado, nesta área, cria-se um cargo de perito.
para não serem simplesmente psiquiatras. Mas entendo que não é por aí que devemos
Eles são psiquiatras que fazem laudos a andar. Só entendo esta iniciativa como
respeito da cessação de periculosidade, disputa e concorrência do mercado. Se
que o juiz e o Ministério Público solicitam. olhar pelo mercado, se justifica. Mas se
Esta é uma discussão que já tem vinte formos olhar pela profissão em si não se
anos nesta área. Entendo que se for justifica, é apenas uma função que temos
para ganhar um status diferenciado, que ter, uma competência que nos cabe.

Eunice Fávero

Faço também minhas as palavras de a questão não é essa. Mas se for por aí, a
Bete pela manhã a respeito desta questão, tendência é essa e o valor a se pagar vai
e o que Tânia está reforçando agora. diminuir ainda mais, ao invés de acrescer.
Tenho dúvidas, inclusive, com relação Há o espaço da perícia social no interior do
ao que Tânia colocou, se é uma questão Tribunal da Justiça, mas há outro espaço,
salarial, de mercado, mas tenho quase sobretudo no trabalho junto à infância
certeza de que se a nossa função, pelo e à adolescência. Temos obrigação de
menos no âmbito do Judiciário, se limitar articular outros trabalhos vinculados às
à perícia social, a sermos um perito, nós políticas sociais. Não que iremos executá-
não seremos mais, daqui a um tempo, las no lugar do poder público, dos poderes
concursados e contratados pelo Judiciário. executivos municipal ou estadual. Mas
Seremos como existe, hoje, na Argentina: temos que nos articular a ações do
um serviço terceirizado. Existe o que Executivo para juntos avançarmos na
chamam de peritos de listagens, uma lista garantia de direitos e na denúncia de
de peritos que contempla diversas outras situações que percebemos em nosso
áreas e que, eventualmente, é chamada quotidiano. Existem espaços para as duas
e designada para realizar estudos, como coisas. Se quisermos nos limitar somente
temos hoje na Justiça Federal, com à perícia, tenho quase certeza que, nesta
relação aos previdenciários etc. conjuntura em que vivemos hoje, nossos
Em São Paulo existem diversas ONG’s serviços serão terceirizados e ganharemos
trabalhando neste sentido. Não devemos menos ainda do que ganhamos. É uma
brigar para não sermos apenas peritos por opinião pessoal, mas sobre uma realidade
reserva de mercado ou por corporativismo, que vejo em São Paulo.

Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti

Antes da próxima questão, da trouxe pela manhã.


Carmem, queria comentar que a Comissão Marilda contou que, em primeiro lugar,
Sociojurídica participou de um fórum com a ela tem orgulho desta profissão. Em segundo
Comissão de Fiscalização, em que a Marilda lugar, que este orgulho está centrado
Iamamoto teceu alguns comentários sobre na nossa capacidade de adaptação,
uma discussão que acontece no CFESS, de transformação das práticas com as
hoje, sobre se a formação do Serviço Social quais intervimos. Mas, sobretudo, nosso
é generalista ou é de especialista. Isto âmbito de atuação, vinculado às políticas
remete a uma discussão que acontece em sociais, tem que nos dar a capacidade de
torno do Serviço Social Clínico (que hoje entender a realidade social de uma forma
Hilda citou quando falou da revista do abrangente, que não podemos nos dirigir a
CRESS) e também um pouco da discussão um aspecto único da profissão, porque isso
da área sociojurídica sobre o nosso papel é que dá a riqueza de ser assistente social,
de pareceristas ou não, que Andreia nos esta capacidade de entender o todo, a

Cress/RJ - 7a Região
70
totalidade, como aqui foi dito hoje. de nós produz de uma maneira diferente. É importante
A visão do parecerista não é uma Fazemos o estudo social em cima de um
discussão fechada que está acontecendo trabalho individualizado, mas qual o
que eu faça meu
no CFESS. Nós temos nas nossas categorias referencial teórico que está subjacente a trabalho com a
de atuação, nas diferentes áreas, isto? Que categorias estamos trabalhando serenidade de
profissionais que, quando indagados sobre neste estudo social? Que indicadores são
ter cumprido
um determinado laudo ou parecer, dizem estes? É isso que faz com que cada laudo
(já ouvi esta expressão): “Ah, às vezes o social, feitos até dentro de uma mesma minha
juiz pede um laudo rapidinho, um parecer equipe, tenha referências diferentes. responsabilidade
muito simples. Há outros que me pedem Não existem projetos de atuação. Em em relação
um parecer muito complexo”. Não existe muitos lugares o profissional está em uma
isso. Ou você faz um estudo social de uma equipe, mas está sozinho, não compartilha
àquele sujeito
forma séria, com qualidade, ou não faz. isto. Aí atuar com os quesitos nos dá mais
Se o perito responde a alguns quesitos e segurança do que ampliar um estudo
se limita a sua intervenção naquele tipo social, que é mais ousado, mais arriscado,
de prática, ele deixa de trazer a discussão, nos compromete mais. E temos colegas
como Elizabete colocou, das políticas que preferem não se expor, que atendem
sociais, e, principalmente, deixa de produzir simplesmente ao que lhes é solicitado. Esta
conhecimento. Nega seu conhecimento ao é uma discussão que não é só de mercado,
não colocá-lo no parecer, não socializá-lo é de status, é de entendimento de qual é
com outros atores sociais. nosso papel, de quem é o usuário de nossos
Esta é uma discussão que está serviços (Tânia usa demandatário), mas
acontecendo, que é atual, que acontece sabemos que passa também pela leitura de
no nosso quotidiano, por mais que haja qual é o papel do assistente social naquela
pareceres e laudos diferentes. Cada um instituição.

Público

Carmem Lúcia Nunes da Silva: As reflexões questão: queria saber se vocês têm um
todas que tenho foram imensamente retorno objetivo desse nosso desgastante
aumentadas nas falas de vocês. Cheguei momento de reflexão em que queremos
angustiada, saio desesperada. ser algo melhor para as pessoas com
Queria ser um pouco mais do que as quais trabalhamos efetivamente, se
uma parecerista e participar ativamente efetivamente os juízes corroboram o
dessa discussão. Só que fazer mais do que escrevemos, dizemos, propomos,
que isso significa uma sobrecarga de sugerimos, o nome que se queira dar.
trabalho. Significa estabelecer algumas Mas numa situação de fato, objetiva,
parcerias, com prefeituras e com o de que tenhamos absoluta certeza
Estado, que não têm retorno. Não sei de que aquela criança, ou o infrator,
para onde encaminho, não tenho para ou a pessoa que seja, precisa de uma
onde encaminhar. Não tenho, então, determinada medida, de um determinado
como fazer parceria com ninguém. Aí, encaminhamento, efetivamente, vocês
fazer um pouco mais, além de fazer o têm retorno dos juízes?
parecer, isto é uma conquista. A outra

Tânia Dahmer

Quanto ao parecer, sendo ele uma o que é mais importante. Mas para mim
demanda do juiz ou da Promotoria, ou não importa isso, não tenho gestão
do Conselho Penitenciário, no caso dos sobre o juiz nem tenho gestão sobre o
livramentos condicionais, o importante promotor. Esta é uma questão que não
é o seguinte: pressuponho que ele o me interessa. Não vou piorar a qualidade
lê. Já me disseram que a secretária do meu trabalho por que o Sr. Juiz não
sublinha, com aquela caneta amarelinha, leu, por que o promotor não lê inteiro, só

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lê o que a secretária assinalou. Há uma lá no hospital. E quem receberia de volta
responsabilidade quando estou falando esse pai? Os filhos e, dentre eles, a pessoa
sobre este sujeito. Sabemos que na que teria sido vitimada por ele. Foi muito
justiça os documentos vão, voltam, ficam interessante porque trabalhei esta questão
arquivados, ressuscitam mais tarde, familiar com os filhos que o receberiam
alguém mais vai ler. Então é importante de volta. Eles se responsabilizaram pelo
que eu faça meu trabalho com a serenidade pai na audiência de desinternação. E essa
de ter cumprido minha responsabilidade filha (a vítima) também participou desse
em relação àquele sujeito. Isto é algo que trabalho.
procuro manter: leio, com o sujeito que Vejo que não fazemos um retrato, um
está na minha frente, o parecer que fiz. flash, sabe, Carmem. É uma construção,
Isto é muito importante, porque é fruto de quando temos este tempo para fazê-lo.
uma relação que se estabelece ao longo No Tribunal de Justiça esta situação se
do tempo. Dentro da prisão isto pode rolar diferencia um pouco, até por que vocês
muito tempo, porque estamos ali todo dia, não têm este tempo de convivência. Mas
não é? E o mais importante é que este é penso que no DEGASE isso é possível, no
mais um momento para ele se apropriar DESIPE também é. Já discuti muito isso
de como o vemos, como vemos a questão, com os assistentes sociais: não temos que
e nem sempre ele vê daquele jeito. assumir o papel do juiz ao propor uma
Há outro ponto – gostaria até de me “conclusão”, mas, sim, o de levantar
informar melhor, posso até conseguir as alternativas. Quando fiz o parecer
essa informação. O Centro de Estudos de do Carlos foi muito no sentido de dizer:
Segurança e da Cidadania da Universidade esta instituição que menciono no final
Cândido Mendes acabou de fazer uma do parecer foi uma das que me disse
pesquisa (não sei se o relatório já está que “soldado do tráfico” lá não entrava.
pronto) a respeito dos livramentos Há uma questão séria aí, porque é uma
condicionais concedidos em um instituição pública, é um critério de
determinado tempo em São Paulo e no Rio elegibilidade criado com base na rejeição
de Janeiro. Fez uma pesquisa basicamente a essa população, na sua exclusão. E se
sobre os pareceres das equipes que fazem trata de uma instituição pública que tem
os exames criminológicos em São Paulo todo o perfil para atender a esta situação.
(são os mesmos aqui no Rio: psicólogo, Fiquei muito em dúvida se colocava nome,
psiquiatra, assistente social) e fez um endereço e telefone. Eu não disse que
estudo sobre como embasam este parecer foi essa que o rejeitou, mas deixei lá no
e sobre o resultado, o norteamento do corpo do parecer, dizendo que houve uma
Ministério Público, e o juiz em torno rejeição por conta do perfil de “soldado do
desse parecer. É uma pesquisa muito tráfico”. Agora, o juiz tem a possibilidade
interessante, assim que tiver como dar de determinar uma transferência. Outro
publicidade eu socializo isto. Esta pesquisa dia o juiz determinou a transferência de
vai nos interessar justamente nesse aspecto um paciente para um hospital colônia
que você está enfocando. Os pareceres no Rio de Janeiro e o hospital colônia
realmente fundamentam a ação do juiz? O não queria receber o paciente, porque
promotor contesta o parecer? Tenho várias ele vinha de um manicômio judiciário.
situações em que o promotor contestou o Ou seja, estava internado, mas era um
parecer. Por exemplo, uma situação em criminoso. Essa rejeição vimos muito, a
que um sujeito ficou preso muitos anos instituição não quer receber, eles têm
por que foi acusado de abuso de uma das medo, eles dizem, assim, cara a cara. Têm
filhas. Nesse meio tempo ele cumpriu medo! Mas o juiz determinou, e o diretor
pena, mas teve provada a ocorrência de disse: “se é determinação judicial, temos
doença mental durante o encarceramento, que receber”. Chegamos a este ponto:
e a lei coloca a possibilidade de conversão utilizar o poder do juiz para determinar a
da pena nesses casos, o que resultou para internação, para que ele possa sair de um
aquele preso na internação no Hospital hospital-prisão para um hospital da rede
de Custódia Heitor Carrilho. Ele foi parar de saúde.

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É uma questão a ser discutida? É! e os de vocês ainda não entraram, não
Agora, também posso, como assistente foram enquadrados. Mas todos cometeram
social, me omitir, com a informação de delitos, apenas você não tipificou
que o cara diz: “Não, aqui não queremos oficialmente que aquele sujeito cometeu
receber criminoso”. Outro dia fui a um um delito!”. Então há esses meandros, o
órgão público no Rio de Janeiro onde os medo, o preconceito, esses critérios de
usuários de droga que querem se tratar elegibilidade criados à vontade de quem
dão entrada. Ali se faz a triagem e o dirige os órgãos. Esta questão, se você
encaminhamento às instituições que fazem coloca ou não a instituição para onde o
esse tipo de trabalho. A equipe me disse: sujeito pode ser encaminhado, pode ser
“Não, vocês trabalham com criminosos!”. tratado, ter acesso a alguns recursos, é
Perguntei para a equipe: “Nenhum sujeito algo a se discutir. Não tenho uma certeza.
que se trata aqui, sendo usuário de drogas, A única convicção que tenho é a seguinte:
algum dia cometeu algum tipo de delito aquele sujeito já cumpriu a pena que
e apenas não foi flagrado?”. As pessoas tinha que cumprir. Ele já pagou. Apenas
abaixaram a cabeça e disseram: “É... Eles procura a “sua vez”. “Eu quero ter minha
fazem isso, sim. Eles roubam tocafitas, vez”. Esta, então, é uma questão que
eles tiram as coisas de dentro de casa, priorizo. Ele já pagou sua pena e não existe
roubam coisas...”. Eu disse: “Bem, qual prisão perpétua. No dia em que existir na
é a diferença? A diferença é que alguns legislação brasileira a prisão perpétua, aí
foram alcançados pela malha da justiça vamos ver como trabalhar com ela.

Helaine Maria Lopes Vasconcelos Piorotti

Como Tânia colocou a posição do juiz Ou será que estamos realmente querendo
frente a isso, quero dizer que não é só mostrar a que estamos servindo, qual o
o juiz, não. Nós trabalhamos no DEGASE nosso papel, o que estamos fazendo ali?
com todas as Comarcas do Estado do Rio e Esta discussão que houve sobre a matéria
já vivenciamos coisas históricas. Podemos no Práxis traz muito isso. Já sabíamos da
contar nos dedos quantas representações indignação das colegas, o CRESS estava
feitas por profissionais de Serviço Social aguardando um ofício ou um documento
há no Tribunal. lá da Segunda Vara (havia uma informação
Este é um questionamento que temos sobre um documento), pedindo um espaço
que fazer. Que posicionamento estamos de retratação. Quer dizer, será que
tendo, enquanto categoria, frente à posição estamos aqui para garantir o exercício
do Poder Judiciário? Será que estamos nos da cidadania, a participação? Estamos
calando, sendo coniventes, nos omitindo? realmente fazendo nosso papel?

Eunice Fávero

Que bom que você está angustiada, nossas questões específicas estão muito
viu, Carmem! Penso que a angústia nos difíceis de serem trabalhadas, discutidas,
movimenta. O pior é quando estamos modificadas.
conformados, achando que está tudo bem Isto vai fazer com que nos
ou que não há nada a fazer. Com relação desmobilizemos, não façamos mais nada?
a sua questão, vou falar um pouco da Da mesma forma, o juiz corroborar, acatar
experiência de São Paulo. Lá, hoje, nossa ou não um parecer vai nos desmobilizar?
situação não é nada confortável perante Temos juízes e juízes, como temos
o Tribunal de Justiça, na administração assistentes sociais e assistentes sociais.
atual. Temos um presidente do Tribunal Posso dizer que na grande maioria das
de Justiça (cujo mandato, graças a Deus, situações o juiz assina embaixo. E quando
termina neste ano de 2003) e o diálogo é o profissional indica (também concordo
a última coisa que ele vai promover, não que o profissional não tem que indicar
só em relação a nossa categoria, como medida legal, mas muitos indicam), ele
ao conjunto dos serviços. Por tabela, escreve “Defiro!”. É a única coisa que

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Temos que vários juízes escrevem, o que dá noção criança que está abrigada, se é uma
da responsabilidade do nosso trabalho. criança cujos pais já perderam o pátrio
ter subsídios, Como há aqueles que odeiam assistentes poder, se é uma criança que tem
participar, sociais e psicólogos, não querem possibilidade de ser inserida em uma
ajudar a trabalhar junto e, se pudessem, se outra família, se é uma criança que
livravam deles. Só não o fazem por que vai voltar para sua família. Será feito
pensar, porque
está previsto no Regimento Interno do um diagnóstico dessa realidade para
temos estas Tribunal que é necessário ter assistente subsidiar a municipalização da atenção
informações e social e psicólogo. a essas crianças. Vamos ficar fora disso,
o compromisso Mas isso são rusgas que encontramos se temos uma responsabilidade no
em qualquer espaço profissional, e temos atendimento e um conhecimento dessa
com a garantia que nos fortalecer para avançar frente realidade? O Tribunal de Justiça de São
dos direitos a isso. Temos um acúmulo de trabalho, Paulo pouco se interessou em participar
desses sujeitos um quadro de profissionais que está desse processo. Mas conseguimos, por
diminuindo – e vai diminuir ainda mais intermédio da nossa Associação, ser um
com a reforma da previdência. Tínhamos, parceiro de uma pesquisa ampla dessa
há dois anos, oitocentos assistentes realidade de crianças abrigadas com
sociais no Tribunal de Justiça do Estado vistas à municipalização da atenção.
de São Paulo; hoje, temos setecentos Mas um parceiro, não foi a associação
e cinquenta. Por conta da alegação quem contratou pessoas para fazer o
do aperto da Lei de Responsabilidade trabalho, o Tribunal tem profissionais,
Fiscal, até o final do ano temos certeza das Varas que têm sido liberados para
de que não vão contratar mais ninguém. participar junto com a Prefeitura, junto
A demanda tem aumentado e o número com o núcleo de criança e adolescente
de profissionais, diminuído. Temos cada da PUC – que está participando –, junto
vez menos tempo para trabalhar outras com a ONG que está financiando. São
questões além do parecer. espaços que temos que ocupar, temos
Agora, por outro lado, é preciso por obrigação. Então quando falo que
retomar alguns exemplos para ver temos que nos articular com propostas
que há uma articulação com outras mais amplas não significa que temos que
organizações, outros projetos, não ir lá e executar programas de políticas
significa que vamos executar ações de públicas de responsabilidade do
responsabilidade do Executivo. Mas há Executivo, mas temos que ter subsídios,
ações em que, necessariamente, temos, participar, ajudar a pensar, porque
por delegação, que participar. Por temos este conhecimento, temos estas
exemplo, em São Paulo a municipalização informações e o compromisso com a
da atenção à criança e ao adolescente garantia dos direitos desses sujeitos.
somente agora vai ser efetivada. Só na E esta garantia de direitos passa por
gestão da secretária atual de assistência uma articulação mais ampla, não passa
social, Aldaíza Sposati, é que o somente pelo nosso parecer na perícia
município está propiciando que isso seja social, é este o sentido. Espero que
implementado. Temos mais de duzentos suas angústias, e as de todos nós, nos
abrigos de crianças em São Paulo e não mobilizem para encontrar alternativas,
conhecemos esta realidade. A Vara que somos nós quem vamos construir,
da Infância tem contato com alguns a partir deste quotidiano, deste
abrigos em sua jurisdição, mas não há dia-a-dia, destas questões que nos
nada sistematizado, organizado. Para a deixam, às vezes, pensando que elas
municipalização este conhecimento tem não existem. Mas conseguimos, tenho
que ser registrado, não é? E qual é nosso certeza disso. Tenho grande experiência
papel? Temos estas informações! Elas nessa área e, apesar das adversidades,
estão todas separadas, em cada Fórum, nossa organização coletiva, nosso
não estão devidamente organizadas, aprimoramento e capacitação nos fazem
são informações fragmentadas. Mas avançar nessa direção.
precisamos saber mais sobre esta

Cress/RJ - 7a Região
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Tânia Dahmer

Ana Maria, do DEGASE, faz a perguntava: “Mas vem cá, se você estiver
seguinte pergunta, dividida em dois com infecção vaginal você não vai ter
itens: a tarefa de inclusão social ou de relações? Como é que é isso?”. Quer dizer,
medidas socioeducativas muitas vezes se a infecção era, na verdade, o grande
confronta com instituições repressoras obstáculo para o sujeito constar no mapa
que costumam ter atitudes repressoras da visita íntima naquele final de semana.
perversas. A construção de um projeto Veja bem o moralismo existente dentro da
societário pensado pela categoria prioriza prisão. Neste sentido é moralismo, porque
ou não este tema? a sociedade já andou muito do ponto
Vivemos dentro de instituições de vista da relação homem e mulher; é
que abrigam adolescentes em conflito o casal que administra sua relação. Na
com a lei, adultos infratores e tal. São prisão, por exemplo, esta situação é
instituições, como apontou a discussão administrada institucionalmente, não há
da manhã, extremamente conservadoras. como não ser desta forma. Agora, que
Conservadoras no sentido de que valores o assistente social incorpora ao
conservam a tradição. A moral existente lidar com essa situação? É aí que você
é a moral conservadora da tradição, a pode entender e estar alerta à presença
repetição de um entendimento, ao longo do moralismo.
dos anos, de que tal comportamento se Há várias histórias. Um homem tinha
trata deste jeito. É muito interessante duas mulheres lá fora. A vida inteira ele
questionar qualquer coisa nessa área “empurrou com a barriga” as duas relações,
da disciplina dentro das instituições. as duas famílias. Um dia ele é preso e tem
As pessoas te acenam logo com a que escolher apenas uma mulher para
perturbação da ordem: “se fulano visitá-lo. Quer dizer, se ele não conseguiu
fez isso ele é capaz de fazer aquilo”. resolver em vinte anos a questão (olha que
Não fez, ainda, aquilo, mas “a ação é coisa séria!), isto é, em vinte anos ele não
preventiva”, você dá a porrada preventiva conseguiu ou não quis tomar uma decisão,
para que ele não chegue a fazer aquele manteve a convivência com duas famílias
outro. Então é importante localizar onde e, assim, quando ele é preso, por força de
está o conservadorismo nas instituições: credenciamento de visita, uma tem que
exatamente na moral reinante. E a moral ser escolhida! Olha que dilema! Quem vai
reinante, diz Maria Lúcia Barroco, quando definir por ele? Na verdade é o empurrão
já foi ultrapassada pelo movimento da institucional que vai fazê-lo decidir? Vocês
sociedade, se torna um moralismo. Mas, estão percebendo?
engraçado, não se ultrapassou ainda Então, temos que ter muita clareza
esta moral dentro dessas instituições. sobre esses aspectos. E não, simplesmente,
Ela continua vigorosa, e com vigor muito lidar com um processo de visita íntima
forte. Poderíamos pegar um exemplo: assim: “a senhora traz sua carteirinha,
a visita íntima nas cadeias. É o Serviço a senhora traz seu exame ginecológico,
Social quem processa essa solicitação. a senhora traz as fotos, a senhora traz
É uma forma de controle, de custódia não sei o quê, traz comprovante de que
exercida pelo Serviço Social sobre o afeto vivia com ele...”. Fazer isso qualquer
dos sujeitos, não é? Podemos rebuscar pessoa faz! Porque é simplesmente juntar
isso com todos os objetivos profissionais documentos, processar, encaminhar pelos
que quisermos, tipo “preservar vínculos trâmites internos da cadeia e pronto, vai
familiares”, que é um belo objetivo se chegar a um veredicto. Agora, o que
profissional que envernizamos na visita está implícito em uma decisão de um
íntima. Mas exercemos este controle. homem que viveu vinte anos com duas
Várias vezes, quando eu fazia o mapa mulheres, que ama os filhos, que gosta
de visita íntima, minha colega dizia: mais de uma mulher, mas tem muito mais
“Não, mas ela está com infecção vaginal, interesse na segunda, porque esta lhe
ela não pode fazer visita íntima”. Aí eu arranjou advogado, esta realmente lhe

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Temos que serve mais na prisão, mas ele não gosta está posta? Vejo preso ser colocado na
mais dela, ele já não gostava lá fora...?!? tranca a toda hora. Sabe aquela criança
sair de dentro Essas são questões da disciplina que olha para a mãe e diz assim: “Bate
dos muros, institucional. Disciplina não é só colocar aqui, bate, bate para ver se eu choro!”.
nos encontrar, o preso dentro da ordem. Disciplinar é Quando uma criança fala isto está mais
você instituir uma ordem. E o assistente do que na hora de a mãe pensar como
discutir. Não
social toma parte, participa da instituição tem que lidar com a disciplina desta
vamos levar da ordem. Não podemos nos esquecer, criança. Porque a criança já olha para
resposta-modelo não podemos lavar as mãos. Somos a mãe, ri e oferece a cara, oferece a
para casa custodiadores também. Só que de outra bunda. É uma questão muito complicada,
forma. E o que fazemos com o papel porque somos muito pressionados pela
de custódia que o Estado coloca em cultura institucional, pelas verdades,
nossas mãos? Aí está a grande questão. pelas “praxes”. No Sistema Penal há uma
Este é o nó da nossa inserção nessas palavra, uma frase, que é o “cala a boca”
instituições, onde a disciplina é fonte de todo mundo. Você pergunta assim:
de autoritarismo. Por que a disciplina é, “Por que acontece esta situação deste
basicamente, um instrumento da moral. jeito?”. “Ah, por que é praxe!”. O que
Quando você apreende que sua filha está é a praxe? A praxe é exatamente isso,
começando a dormir com o namorado, é a manutenção da tradição! Romper a
você faz o quê? Você coloca uma norma tradição parece que desmonta a ordem.
disciplinar: “aqui em casa pode” ou “aqui Parece que não é possível instituir uma
em casa não pode”. “Na casa dele pode, outra ordem, uma outra base de valores.
mas aqui? Aqui, não!”. Essa disciplina Este é um desafio nosso e de quem
colocada repousa, fortemente, sobre trabalha basicamente com a identidade
valores morais. Não é só o lugar onde ela que temos, do ponto de vista dos nossos
vai dormir com o namorado. Que valores princípios e valores profissionais para
morais estou mobilizando para justificar estarmos ali.
que na casa do namorado, onde eu não Não que seja fácil, não estou dizendo
vejo, onde eu não tomo conhecimento, isso. Vivo isso na pele, me rebelo com
pode, mas na minha não pode? isso, sofro com isso. Mas é algo que tem
Nosso trabalho também é de que ser pensado mais coletivamente.
disciplinamento. Mas existem disciplinas Nossas lutas são muito individualizadas,
e disciplinas. Em todo lugar da vida somos quixotescas, somos messiânicas,
há disciplina. Num jogo, numa pelada ainda muito voluntaristas. Temos que
de futebol há disciplina. Agora, qual nos agregar. Quando falamos, hoje,
a concepção de disciplina que deve que pouca gente do DESIPE está aqui, a
pautar nossas ações, essa é a questão! leitura que faço é esta: estamos muito
Será a mesma moral de disciplina que a aprisionadas pela cultura institucional,
instituição tem? E como é o embate dessas vivemos muito isoladas, cumprimos
duas visões de disciplina? Há muitos “nossas penas” muito sozinhas. Então se
exemplos de embates que tenho com os pudéssemos sair de dentro dos muros,
agentes ou com os profissionais técnicos. nos encontrar, discutir, virmos aqui. Não
Outro dia, discuti com uma profissional vamos levar resposta-modelo para casa.
por que ela mandou botar uma paciente na Mas tudo que escutamos, mesmo que
tranca. Eu disse a ela: “Você podia olhar discordemos, mesmo que digamos que
se seu Código de Ética tem alguma coisa não está com nada, aquilo nos toca, nos
nesse sentido. Como é que você poderia mobiliza, de alguma forma, internamente.
ter resolvido a questão da indisciplina Neste sentido temos uma ação muito
dessa paciente, disciplinando-a de outra desafiadora, porque nossas ações nessas
forma, em que ela pudesse crescer com instituições são, basicamente, coercitivas.
isso, pensar sobre isso. Do jeito que fez, Há um poder lascado na nossa cara! E, às
botar na tranca, cultivou o quê?”. vezes, empacamos nessa forma de poder
Que produto queremos obter quando lascado e até ajudamos a botar os presos
referendamos essa moral autoritária que na tranca!

Cress/RJ - 7a Região
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Mônica Vicente da Silva

Com estas respostas vamos encaminhando o encerramento das atividades do dia de


hoje. Vou passar a palavra para Eunice deixar seu recado final.

Eunice Fávero

Foi formada uma Frente Parlamentar Fizemos uma pesquisa em São Paulo
de Adoção para criar uma lei específica sobre a realidade das pessoas que perdem
para adoção, inclusive para se determinar o poder familiar sobre os filhos. É um
um prazo para ela. Uns defendem que seja outro lado da questão, pouco visto, pouco
de seis meses, outros de nove meses, como estudado. Às vezes, aliás, nem ouvimos
se fosse possível você igualar todas as nada a respeito. Tenho esse levantamento
situações. Sabemos que foram chamados em processos, em autos processuais e
para dar parecer aos parlamentares havia pouquíssimas informações a respeito
pessoas que não são, pelo menos, da área de quem perde o filho, de quem abandona
do Serviço Social e da Psicologia, ao menos o filho, de quem tem o filho retirado pelo
que eu tenha conhecimento; pessoas juiz. Vou deixar um exemplar da pesquisa
que não estão dentro do Judiciário, que para o CRESS-RJ para, se possível, auxiliar
não estão acompanhando de perto essa no trabalho de vocês.
questão. Então, é um alerta a vocês. Muito obrigada a todos vocês por
Como estamos tentando discutir isso em estarem aqui até o final da tarde, ao
São Paulo, temos que acompanhar esse CRESS-RJ, a Tânia, por estar aqui dividindo
debate, tentar nos incluir nessa possível conosco esse momento especial e a todos
modificação da legislação referente à nós que estivemos aqui, como disse em
adoção, porque ela está diretamente minha fala, nesse momento histórico.
vinculada ao nosso exercício profissional. Obrigada.

Tânia Dahmer

Só queria me despedir e dizer que a ser esquecido. Temos que conhecer os


coisa mais importante na vida é termos mecanismos disso, os mecanismos da
esperança. Enquanto a esperança pulsar exclusão, os mecanismos de produção das
em nós, nós vamos em frente. Não grandes catástrofes, haja vista a guerra,
importam os contratempos, os obstáculos. agora, não? Eles já estão se locupletando
Sempre conseguimos construir um projeto com os poços de petróleo no Iraque através
coletivamente. Não temos que esmorecer, das empresas americanas. Mas não temos
a realidade que queremos é muito superior que esmorecer. Nossa luta é esta, e vamos
a esta. O que Bete falou pela manhã em em frente!
relação à questão da exclusão não pode Obrigada.

Mônica Vicente da Silva

Em nome da Comissão Sociojurídica, como disse Andreia, foi bom estar com vocês.
Vamos aguardar outro Encontro, e sugerir que vocês façam contato. Os nomes dos
integrantes da Comissão estão no material que vocês receberam. Nos vemos no
próximo Encontro. Boa noite a todos!

EM FOCO - no 2 - Dezembro de 2010


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Edições já publicadas:
Nº 1 O “Serviço Social Clínico” e o projeto ético político
do Serviço Social (Maio, 2003, 2000 exemplares)

Nº 1/complementar Atribuições privativas do assistente social e


o “Serviço Social Clínico” (Maio, 2004, 1000
exemplares)

Nº 2 O Serviço Social e o Sistema Sociojurídico (Maio,


2004, 1000 exemplares)

Nº 3 O Serviço Social e a Educação (Abril, 2006, 1000


exemplares)

Nº 4 O Serviço Social e os Conselhos de Direitos e de


Políticas (Agosto, 2008, 2000 exemplares)

Nº 5 Assistência Social (Março, 2009, 2000 exemplares)

Reimpressão:
Nº 3 Novembro, 2008, 2000 exemplares

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A Revista “Em Foco” é uma iniciativa

do Conselho Regional de Serviço Social 7ª

Região e é publicada desde 2003. Seu

objetivo é viabilizar a divulgação à categoria

de reflexões sobre temas novos e/ou

desafiadores postos ao exercício profissional

e à profissão, sobre os quais, em geral, há

pouco material publicado até o momento

do lançamento de cada edição da revista.

Como outras publicações do CRESS, a “Em

Foco” pode ser considerada um absoluto

sucesso. Suas edições anteriores tornaram-

se referência para o debate dos temas

que trataram, sendo requisitadas como

bibliografia de concursos públicos e sendo

recomendadas como bibliografia de diversos

cursos de Serviço Social pelo país.

Cress/RJ - 7a Região
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