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Conservação Animal Ex Situ

Chapter · January 2013

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2 authors:

Mercival Francisco Luís Fábio Silveira


Universidade Federal de São Carlos, campus … University of São Paulo
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Genética e Evolução Molecular de Aves View project

Taxonomy, systematics and diversity of the chewing lice (Insecta, Phthiraptera, Amblycera and
Ischnocera) on birds (Aves) in Brazil View project

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Capítu lo 5

CONSERVAÇÃO ANIMAL EX SITU

Mercival Roberto Francisco1


Luís Fábio Silveira2

1
Universidade Federal de São Carlos/campus Sorocaba, Departamento de Ciências
Ambientais, Rod. João Leme dos Santos Km 110, Itinga, CEP 18052-780, Sorocaba,
São Paulo, Brasil. E-mail: mercival@ufscar.br
2
Universidade de São Paulo, Museu de Zoologia, Seção de Aves, Av. Nazaré 481,
Ipiranga, CEP 04263000, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: lfsilvei@usp.br

INTRODUÇÃO
A criação de áreas protegidas capazes de garantir a perpetuação dos
diferentes componentes da biodiversidade (conservação in situ), além
dos seus padrões e processos evolutivos, é indiscutivelmente a melhor
estratégia de conservação. No entanto, com o crescente aumento dos
impactos antrópicos, têm sido cada vez mais frequentes as situações
em que as populações naturais não conseguem manter os seus ciclos
de vida em seus hábitats originais, comprometendo a sua sobrevivência
e resultando em extinções. Nesses casos, a criação e a reprodução em
cativeiro (conservação ex situ) podem substituir ou complementar as
estratégias de conservação in situ (Conway, 1980; Primack, 2006). A
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada por 175 países
(incluindo o Brasil) durante a Conferência Mundial das Nações Unidas
Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, define conservação
ex situ como sendo a conservação de componentes da biodiversidade fora
de seus hábitats naturais. Algumas das situações que indicam a necessidade
de criação de plantéis em cativeiro para espécies ameaçadas são:

117
 Quando todos os esforços de conservação in situ não têm sido suficientes
para impedir o declínio populacional;
 As populações remanescentes de uma espécie ameaçada encontram-se fora
de áreas protegidas e não existe a expectativa de se tornarem protegidas em
um futuro próximo;
 As unidades de conservação são protegidas apenas no papel e não cumprem
efetivamente sua função de preservação, não conseguindo controlar, por
exemplo, a caça;
 Uma espécie é representada na natureza por apenas uma ou poucas
populações, especialmente se estiverem em áreas com altos riscos de
catástrofes;
 As densidades populacionais se tornam tão baixas que o simples encontro
entre dois indivíduos para reprodução é muito pouco provável;
 Epidemias estão dizimando a espécie e tratamentos veterinários só podem
ser realizados em cativeiro.

Embora o ter mo “conser vação ex situ’’ ten ha sido popularizado


principalmente após 1980, o histórico de espécies e subespécies criticamente
ameaçadas que foram salvas da extinção graças ao resgate de indivíduos na
natureza e à reprodução monitorada em cativeiro é muito anterior à própria
definição desta estratégia de conservação. Um dos casos mais antigos conhecidos
é o do Cervo de Père David (Elaphurus davidianus), que ocorria em áreas úmidas
do leste e nordeste da China, Coreia e Japão. Embora os dados da literatura
sejam controversos com relação à data exata do seu desaparecimento da natureza,
os animais hoje existentes são descendentes de populações que vinham sendo
criadas em semiliberdade na China há 1.200 anos, em grandes áreas cercadas
que constituíam as reservas de caça imperiais. Por volta do ano de 1900 a última
reserva imperial foi invadida e os animais foram mortos. A espécie só sobreviveu
graças à reprodução em cativeiro de 12 indivíduos que haviam sido levados para
a Europa. Em 2008 a população já era de aproximadamente 2.000 indivíduos
(Cao, 1978; Yang et al., 2008).
Posteriormente, situações similares ocorreram com diversas outras espécies
e subespécies de animais criticamente ameaçados. Alguns dos exemplos
mundialmente mais conhecidos são o Bisão Europeu (Bison bonasus) e o Bisão
Norte-americano (B. bison), o Órix-da-Arábia (Oryx leucoryx), o Condor-da-
Califórnia (Gymnogyps californianus), o Falcão das Ilhas Maurício (Falco
punctatus), o Cavalo-de-Przewalskii (Equus przewalskii), o e o Furão-de-Pés-

118 Conservação da Biodiversidade: dos Conceitos às Ações


Negros (Mustela nigripes) (Conway, 1980; Jones et al., 1995; Spalton et al.,
1999; Ralls et al., 2000; Wakefield et al., 2002; Wisely et al., 2003). Devido
ao sucesso dos programas de conservação ex situ, hoje muitos destes animais
uma vez extintos na natureza estão sendo reintroduzidos em seus ambientes
naturais. No entanto, existe uma estimativa de que nos próximos 200 anos
entre 2.000 a 3.000 espécies, apenas de vertebrados terrestres, necessitarão
da conservação ex situ para se livrarem da extinção (Frankham et al., 2004).
Dentre os animais brasileiros, existem duas espécies de aves que foram
completamente extintas na natureza e só sobreviveram graças à reprodução
em cativeiro, tendo se tornado simbólicas para a conservação ex situ no país:
a Ararinha Azul (Cyanopsitta spixii) e o Mutum-de-Alagoas (Pauxi mitu)
(Figura 5.1). Os esforços para a recuperação da Ararinha Azul se iniciaram
em 1986, quando a última população da espécie, de apenas três indivíduos,
foi localizada na natureza. Devido à situação extremamente crítica da espécie,
em 1990 iniciou-se também um programa de reprodução em cativeiro, ocasião
em que havia 15 aves mantidas em criatórios, sendo seis no Brasil e nove no
exterior. O último indivíduo vivente na natureza, um macho, desapareceu no
ano de 2000. O programa de reprodução ex situ produziu filhotes e até agosto
de 2012 havia 79 indivíduos em cinco centros de reprodução de quatro países
(Barros et al., 2012). O Mutum-de-Alagoas foi extinto na natureza no final
dos anos 1970 e todos os indivíduos viventes são descendentes de apenas três
exemplares (um macho e duas fêmeas) que foram trazidos para o cativeiro
em 1979 (Silveira et al., 2004). Hoje existem aproximadamente 55 indivíduos
puros, mantidos em dois criadouros localizados no estado de Minas Gerais
(Silveira et al., 2004; 2008).

Figura 5.1 (A) Mutum-de-Alagoas, Pauxi mitu, e (B) Ararinha Azul, Cyanopsitta spixii: aves brasileiras extintas
na natureza cuja sobrevivência só foi possível graças à reprodução monitorada em cativeiro.

Conservação Animal ex situ 119


Algumas espécies em declínio têm apenas parte de suas populações trazidas
para o cativeiro, como uma estratégia para se atingir condições mais seguras. Esse
procedimento foi aplicado com sucesso no Falcão Peregrino (Falco peregrinus)
e no Grou Americano (Grus americana) (Cade, 1988; Jones et al., 2002), tendo
permitido a fundação de novas populações e/ou o reforço das populações
já existentes. No Brasil, essa tática foi utilizada com o Mico-leão-dourado
(Leontopithecus rosalia). Em 1972 foi estabelecido um programa internacional
para a reprodução em cativeiro da espécie, com o objetivo de formar uma
população viável que pudesse reforçar as poucas populações selvagens existentes,
que estavam à beira da extinção, e fundar novas populações em áreas onde a
espécie já havia sido extinta. No total, entre 1984 e 2000, foram reintroduzidos
153 indivíduos, a maioria nascidos em zoológicos, repovoando mais de 3.650ha
de Mata Atlântica com a espécie (Oliveira et al., 2008). No início dos anos 1990
haviam aproximadamente 560 indivíduos na natureza em quatro subpopulações
(Kierulff e Rylands, 2003), mas com o resultado deste programa, em 2008 esse
número já ultrapassava 1500 animais (Oliveira et al., 2008).
Em outros casos ainda, o manejo ex situ buscaou proteger apenas uma fase do
ciclo de vida de uma espécie ameaçada, como é o caso das tartarugas marinhas,
que em muitos programas de recuperação distribuídos pelo mundo todo têm apenas
seus ovos coletados e levados para o cativeiro, ou protegidos artificialmente no
próprio local de postura, evitando-se as altas taxas de predação de ninhos causadas
por outros animais e pelo próprio homem (Marcovaldi e Marcovaldi 1999).
Por essas razões, o papel da conservação ex situ tem sido formalmente
reconhecido e apoiado em escala global. A CDB declara que medidas de
conservação ex situ de componentes da biodiversidade devem ser adotadas pelos
países para recuperação e reintrodução de espécies ameaçadas em seus hábitats
naturais. A IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza),
através de seu Grupo de Especialistas em Reprodução para a Sobrevivência,
cujo foco de atuação é a conservação ex situ, tem produzido inúmeros protocolos
sobre conservação e manejo de fauna em cativeiro, e recomenda como medida
de segurança o estabelecimento de populações ex situ quando o número de
indivíduos na natureza se torna inferior a 1.000 (IUCN, 1987; 1998; 2002; Ralls
e Ballou, 2004). No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente reconhece o papel
da conservação ex situ nos Planos de Ação Nacionais para a Conservação de
Espécies Ameaçadas de Extinção, muitos dos quais preveem a reprodução em
cativeiro como uma estratégia de recuperação (Silveira et al., 2008; Schunck et
al., 2011). Além disso, hoje é consenso o conceito de população “arca” (arking,
em inglês, ver Owen, 2000 para um exemplo), que é a criação de uma população
reprodutora em cativeiro a ser mantida em longo prazo, a fim de minimizar o
risco de extinção global da espécie. Esses indivíduos são comumente retirados

120 Conservação da Biodiversidade: dos Conceitos às Ações


das populações naturais, e a sua prole deve ser utilizada, nos momentos e locais
adequados, como fonte para o revigoramento populacional e a reintrodução. Um
programa nesse formato foi recentemente iniciado, no Brasil, para a conservação
do Pato Mergulhão (Mergus octosetaceus).
As funções da manutenção e da reprodução de animais em cativeiro podem ser
resumidas em:

 Garantir um último reduto para a conservação de espécies que não


apresentam condições imediatas para sobreviver na natureza;
 Criar reservatórios genéticos e demográficos para reforçar populações nativas
de espécies ameaçadas;
 Desenvolver estoques que possam fundar novas populações em áreas onde
as espécies tenham sido extintas;
 Substituir populações naturais para a realização dos mais diversos estudos
sobre a sua biologia, taxonomia, sistemática e aspectos veterinários e
zootécnicos, que são fundamentais para a gestão das populações em campo
e na natureza;
 Produzir indivíduos que possam ser utilizados como modelos para testes
de equipamentos (por exemplo, emissores de sinais para a sua localização
em campo) que serão posteriormente utilizados nas populações na
natureza;
 Produzir indivíduos que possam ser utilizados em programas educacionais
sem que haja a necessidade da retirada de espécimes da natureza (Conway,
1980).

Os programas de reprodução em cativeiro de espécies ameaçadas podem


ser conduzidos por diferentes tipos de instituições, como zoológicos, aquários,
universidades, centros de pesquisa ou mesmo centros privados, preferencialmente
associados aos programas governamentais de conservação (atualmente dentro
de planos de ação específicos). O IBAMA, através da Instrução Normativa no
169, de 20 de fevereiro de 2008, institui e define nove tipos de empreendimentos
que, uma vez autorizados pelos órgãos ambientais, podem manter animais
nativos em cativeiro, sendo três deles voltados para fins comerciais, um apenas
para manutenção de fauna sem reprodução e cinco que atendem objetivos de
conservação, sendo estes:

Jardins Zoológicos: coleção de animais silvestres mantidos vivos em


cativeiro ou em semiliberdade e expostos à visitação pública, para atender a
finalidades científicas, conservacionistas, educativas e socioculturais;

Conservação Animal ex situ 121


Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS): tem como finalidade
receber, identificar, marcar, triar, avaliar, recuperar, reabilitar e destinar
animais silvestres provenientes da ação da fiscalização, resgates ou entrega
voluntária de particulares;
Centros de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS): identificar, marcar,
triar, avaliar, recuperar, criar, recriar, reproduzir, manter e reabilitar
espécimes da fauna silvestre nativa para fins de programas de reintrodução
no ambiente natural;
Criadouros Científicos de Fauna Silvestre para Fins de Conservação:
empreendimento de pessoa física ou jurídica, vinculado a planos de manejo
reconhecidos, coordenados ou autorizados pelo órgão ambiental competente,
com finalidade de: criar, recriar, reproduzir e manter espécimes da fauna
silvestre nativa em cativeiro para fins de realizar e subsidiar programas de
conservação;
Criadouros Científicos de Fauna Silvestre para Fins de Pesquisa:
empreendimento somente de pessoa jurídica, vinculado à instituição de
pesquisa ou de ensino e pesquisa oficiais, com a finalidade de criar, recriar,
reproduzir e manter espécimes da fauna silvestre em cativeiro para fins de
realizar e subsidiar pesquisas científicas, ensino e extensão;

ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DAS INFORMAÇÕES E


CONSERVAÇÃO EX SITU
As populações de cativeiro de espécies ameaçadas invariavelmente são
pequenas amostras das populações naturais que já existiram ou que ainda existem
na natureza. Principalmente para os grandes animais, o número de indivíduos que
cada instituição pode manter é normalmente limitado devido à falta de espaço e
aos altos custos de manutenção. Portanto, as chances de sucesso na conservação
são maiores quando as instituições que mantêm uma espécie-alvo em cativeiro
trabalham de maneira integrada, de modo que juntas possam compor uma
população maior (Seal, 1988; Frankham et al., 2004). Para funcionar como uma
grande população, as instituições devem trocar animais entre si, principalmente
para evitar cruzamentos consanguíneos e os seus efeitos negativos. A troca de
informações entre essas instituições também é importante para que as técnicas
de manejo adotadas nos locais que têm tido sucesso na reprodução possam ser
transmitidas para aquelas que não estão obtendo sucesso momentaneamente. Essa
integração deve envolver instituições de um mesmo país ou de diferentes países, o
que exige uma coordenação realizada por organizações nacionais e internacionais.

122 Conservação da Biodiversidade: dos Conceitos às Ações


O trabalho em conjunto é facilitado pelo desenvolvimento dos studbooks e dos
manuais de cuidados (husbandry manuals). Um studbook é um amplo registro da
população de cativeiro de uma determinada espécie, contendo a árvore genealógica
da população, o número de identificação e o histórico de cada indivíduo, como o
local e a data de nascimento, eventos de translocações, histórico de ocorrências
veterinárias e de reprodução (Glatston, 1986). O primeiro studbook desenvolvido
para um animal selvagem foi o do Bisão Europeu (B. bonasus) em 1932, quando
foi detectado que a espécie poderia se extinguir se não houvessem esforços
integrados de reprodução em cativeiro (Shoemaker e Flesness, 1996). Esse registro
é útil para indicar os melhores pares para acasalamento com base não apenas nas
genealogias, mas também na idade e no histórico dos indivíduos. Além disso, um
studbook permite detectar parâmetros demográficos da população, como o seu
crescimento, estabilização ou redução, além de pirâmides etárias (Glatston, 1986).
Todo studbook possui um mantenedor, que é um profissional responsável por manter
os dados atualizados e por auxiliar nas decisões de acasalamentos e translocações de
indivíduos entre as instituições envolvidas. Os studbooks podem ser internacionais
ou regionais. Studbooks internacionais são oficializados pela WASA (World
Association of Zoos and Aquariums) e os regionais são oficializados por diversas
associações de zoológicos. No Brasil, têm sido oficializados pelo ICMBio/MMA.
Já os manuais de cuidados cumprem com a divulgação de técnicas relacionadas
com os cuidados e reprodução das diferentes espécies em cativeiro, incluindo
métodos de captura, contenção, marcação, socialização, nutrição, transporte, higiene,
manejo reprodutivo, abrigos, recintos, cuidados veterinários etc. Estes manuais são
importantes para divulgar experiências que deram certo e para evitar que técnicas
que não funcionaram sejam repetidas por outras instituições, além de apontarem
lacunas de conhecimento e a necessidade de novas pesquisas (Jackson, 2003).
Outro facilitador da troca de informações entre as instituições que realizam
conservação ex situ no mundo todo foi a criação, em 1974, do ISIS (International
Species Inventory System), que tem como objetivo principal centralizar em um
único banco de dados continuamente atualizado o censo dos animais selvagens
mantidos em cativeiro e as instituições onde se encontram (Seal, 1988). Embora
a ideia seja positiva, o número de instituições participantes ainda é limitado,
principalmente no que se trata dos países em desenvolvimento.

COMPORTAMENTO E CATIVEIRO
Para que a reprodução de uma espécie em cativeiro tenha sucesso, suas
necessidades nutricionais, de espaço, luminosidade, umidade, temperatura, tipos
de abrigos e ninhos e estrutura social devem ser respeitados. Para isso, estudos

Conservação Animal ex situ 123


detalhados sobre a ecologia e comportamento das espécies na natureza podem
fornecer informações primordiais, caso contrário, o manejo fica limitado às
tentativas e erros (Kleiman, 1980). Quando essas necessidades não são atendidas
podem surgir doenças, além de problemas fisiológicos e comportamentais. Dentre
os problemas comportamentais, os chamados “comportamentos estereotipados’’
estão entre os mais importantes. Os comportamentos estereotipados são
comportamentos repetitivos, sem variação, e aparentemente sem função
(Mason, 1991), comuns em animais de cativeiro e muito raros em animais
em vida livre (Carlstead, 1996). Os mais frequentes são o andar ou balançar a
cabeça incessantemente de um lado para o outro, morder as grades ou barras,
automutilação (morder a própria cauda ou arrancar as próprias penas), coprofagia,
regurgitação seguida de reingestão, dentre outros (Montaudouin e Pape, 2005;
Mason et al., 2007). Esses comportamentos são uma indicação de interação
anormal entre animal e o ambiente de cativeiro, ou seja, o ambiente não permite que
ele expresse seus comportamentos normais (Carlstead, 1996). Consequentemente,
indica que a reprodução e não raramente a própria sobrevivência do animal pode
estar comprometida. Alguns fatores que podem desencadear os comportamentos
estereotipados são: ociosidade (falta de estímulos no ambiente de cativeiro); espaço
limitado; medo; frustração; excesso ou falta de luminosidade; impossibilidade de se
abrigar, dentre outros (Newberry, 1995; Carlstead, 1996; Mason et al., 2007). Em
alguns casos, o simples fato de se aumentar o tamanho do recinto pode solucionar
esse tipo de problema. No entanto, muitas vezes são necessárias alterações nos
recintos e na rotina dos animais, em práticas coletivamente conhecidas como
“enriquecimento ambiental’’.
O enriquecimento ambiental é uma melhora nas funções biológicas de
um animal de cativeiro resultante de modificações no seu ambiente, incluindo
principalmente melhoras na saúde e no sucesso reprodutivo (Newberry, 1995).
Normalmente torna o ambiente mais complexo e mais diverso aumentando as
possibilidades dos animais expressarem seus próprios comportamentos, como
encontrar comida, demarcar território, construir um ninho, se esconder ou interagir
com outros da mesma espécie (Carlstead, 1996; Mason et al., 2007).
Uma revisão sobre os principais tipos de enriquecimento ambiental é
apresentada por Newberry (1995), sendo:

Mudanças na estrutura e no conteúdo do recinto: alguns exemplos são


a disponibilização de cordas, diferentes tipos de poleiros, troncos para
escalada e abrigo, rotas de fuga, piscinas para animais aquáticos, vegetação
que sirva de abrigo, brinquedos e até mesmo o chão de terra que permite que
os animais cavem seus próprios abrigos, enterrem alimento ou forrageiem
no solo;

124 Conservação da Biodiversidade: dos Conceitos às Ações


Olfativo: odores de presas ou predadores são acrescentados no recinto para
manter os animais em alerta ou em atividades de busca. Algumas práticas
comuns são espalhar sangue bovino ou fezes de cervídeos em recintos de
animais predadores ou espalhar fezes ou urina de um predador no recinto
de um animal herbívoro;
Sonoro: sons de presas ou de predadores naturais são emitidos esporadicamente
próximos aos recintos para manter os animais atentos e realizando
comportamentos naturais de busca de alimento e procura ou construção de
abrigo;
Alimentar: trata-se de dificultar o acesso ao alimento fazendo com que o
animal tenha que se esforçar antes de comer. Pode incluir algumas técnicas
como enterrar o alimento ou colocar o alimento em recipientes que tenham
que ser destruídos para que tenham acesso, como caixas de madeira ou
blocos de gelo. O simples fato de utilizar pequenas quantidades de alimentos
em diferentes horários, ao invés de uma grande quantidade de uma única
vez, faz com que o animal tenha menos tempo ocioso. A alimentação viva
também é uma maneira de manter os animais ativos, pois têm que caçar e
abater a presa antes de se alimentar;
Social: para as espécies que são sociais ou vivem aos casais, respeitar essa
estrutura funciona como uma forma de enriquecimento, pois quando
solitários podem desenvolver comportamentos anormais. Da mesma
maneira, animais de hábitos solitários podem desenvolver comportamentos
indesejados se mantidos juntamente a outros indivíduos;
Ambiente externo: a capacidade de avistar o lado de fora do recinto e o tipo de
paisagem que se encontra além dos seus limites também podem influenciar no
comportamento dos animais de cativeiro. Normalmente, animais que vêm apenas
paredes ao seu redor têm uma maior tendência a desenvolver comportamentos
estereotipados do que animais que vêm em sua frente lagos ou jardins.

Se por um lado os comportamentos estereotipados são um dos principais


problemas para a manutenção e reprodução de animais ameaçados em cativeiro,
eles podem ser importantes para o entendimento das necessidades de cada
espécie, permitindo testar a eficiência do enriquecimento ambiental. Para que os
enriquecimentos funcionem devem ser tratados de maneira experimental, fazendo-
se a quantificação das categorias comportamentais antes e após os enriquecimentos
através da construção de etogramas. O enriquecimento é eficiente quando implica
em redução da frequência ou eliminação total dos comportamentos estereotipados
(Carlstead, 1996; Mason et al., 2007).

Conservação Animal ex situ 125


REINTRODUÇÃO DE ESPÉCIES NA NATUREZA
A conservação ex situ é um processo que envolve seis estágios, sendo:

1. Reconhecer o declínio das populações selvagens e suas consequências


genéticas;
2. Fundar populações em cativeiro;
3. Aumentar a população de cativeiro para um tamanho seguro;
4. Manter a população de cativeiro ao longo das gerações;
5. Escolher indivíduos para a reintrodução;
6. Manejar a população reintroduzida na natureza (Frankham et al., 2004).

Portanto, um programa de conservação ex situ só se conclui quando


indivíduos nascidos em cativeiro retornam com sucesso a natureza e dão origem
a populações viáveis em longo prazo. Assim como é crescente a demanda por
planos de conservação ex situ para amenizar as taxas de extinções de espécies
no planeta, também é crescente o número de projetos para a reintrodução dessas
espécies na natureza a partir dos estoques criados em cativeiro. O Grupo de
Especialistas em Reintrodução da IUCN relatou já em 2011 a existência de pelo
menos 184 projetos de reintrodução de organismos na natureza em andamento,
incluindo plantas, insetos, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos (Soorae,
2011).
Não apenas a reintrodução, mas também a translocação, a suplementação
e a introdução para a conservação têm sido aplicadas para a criação de novas
populações na natureza ou para reforçar as populações já existentes. Embora
estas sejam estratégias relacionadas, apresentam diferentes definições. A
reintrodução é uma tentativa de estabelecimento de uma população viável na
natureza, dentro da área histórica de ocorrência, de uma espécie ou subespécie
que tenha se tornado localmente extinta ou extinta na natureza. A translocação
é a movimentação mediada de indivíduos ou populações selvagens de uma parte
de sua distribuição geográfica para a outra. A suplementação é a adição de novos
indivíduos em uma população já existente, e a introdução para a conservação
é uma tentativa de estabelecer uma espécie fora de sua área de distribuição
original, no entanto em hábitats apropriados. Esta medida é utilizada apenas
quando não existem mais áreas adequadas dentro da distribuição histórica da
espécie (IUCN, 1998).
Cada uma dessas ações deve constituir-se de experimentos cuidadosamente
elaborados, utilizando-se métodos científicos e coleta de dados que permitam

126 Conservação da Biodiversidade: dos Conceitos às Ações


suas análises e aprimoramento, devendo resultar em protocolos de reintrodução
específicos para cada espécie (IUCN, 1988). Segundo a IUCN (1998), para que
as chances de sucesso de um programa de reintrodução sejam aumentadas, uma
série de cuidados e observações referentes às populações e aos hábitats devem ser
levados em conta antes do início das atividades, como:

ƒƒ Escolher locais dentro da distribuição geográfica original da espécie;


ƒƒ Avaliar o status taxonômico dos indivíduos a serem reintroduzidos, devendo
pertencer à subespécie extinta no local de soltura;
ƒƒ A área deve ser protegida legalmente e efetivamente;
ƒƒ Avaliar o nível de variabilidade genética dos indivíduos a serem soltos;
ƒƒ Verificar se as causas que levaram o táxon à extinção anteriormente já foram
sanadas, como caça, doenças, poluição, competição com espécies invasoras,
dentre outras;
ƒƒ Avaliar se o hábitat consegue atender às necessidades da espécie, como
espaço e fontes de água e alimento;
ƒƒ Realizar modelagens sob várias condições para verificar o número ótimo e a
composição de indivíduos que devem ser soltos por ano e em quantos anos
as solturas devem ser realizadas para promover o estabelecimento de uma
população mínima viável;
ƒƒ Analisar as experiências contidas em protocolos de soltura de espécies
próximas como um ponto de partida para o desenvolvimento do próprio
protocolo de reintrodução;
ƒƒ Avaliar se a espécie realmente não existe mais no local;
ƒƒ É sempre desejável que novas populações sejam fundadas através de
translocação de indivíduos de outras populações selvagens, utilizando-se
indivíduos nascidos em cativeiro apenas quando não resta alternativa;
ƒƒ A retirada de indivíduos para translocação ou reintrodução não pode afetar
negativamente as populações, fonte da natureza ou os estoques de cativeiro,
devendo haver números suficientes de indivíduos para garanti-las caso a
translocação ou reintrodução não funcionem;
ƒƒ Análises veterinárias e quarentenas devem ser realizadas antes das solturas
para garantir que doenças não sejam levadas para o hábitat natural;
ƒƒ Deve ser dada a oportunidade de os animais aprenderem os comportamentos
necessários para que sobrevivam na natureza, através de treinamento em
cativeiro;

Conservação Animal ex situ 127


ƒƒ Principalmente os grandes predadores não podem estar tão acostumados a se
aproximar de humanos de maneira que possam ameaçar a vida das pessoas
ou de seus animais domésticos;
ƒƒ Estudos socioeconômicos devem ser realizados para verificar os impactos
positivos ou negativos da reintrodução para as populações humanas
locais;
ƒƒ O programa de reintrodução deve ser entendido, aceito e apoiado pelas
comunidades humanas locais;
ƒƒ As políticas locais para reintrodução devem ser respeitadas e as autorizações
governamentais obtidas;

No Brasil, a Instrução Normativa IBAMA nº 179, de 25 de junho de 2008,


define as diretrizes e procedimentos para reintrodução de animais da fauna
silvestre na natureza, incluindo os períodos de quarentena, exames veterinários
e cuidados com a reabilitação dos indivíduos e com as áreas de soltura. Uma
das maiores dificuldades nas tentativas de reintrodução são as altas taxas de
mortalidade de animais nascidos em cativeiro logo após a soltura, por diferentes
razões, como a deficiência em comportamentos naturais de forrageamento e de
fuga de predadores ou desconhecimento da nova área (localização de fontes
de alimento e água). Essa taxa de mortalidade é dependente de fatores como
as estratégias de reintrodução utilizadas, a idade dos animais soltos, tamanho
dos grupos soltos, época do ano, controle de predadores e oferecimento de
alimentação suplementar (Armstrong e Seddon, 2008; Bernardo et al., 2011).
Por isso, o monitoramento pós-reintrodução é absolutamente fundamental e deve
incluir até mesmo a possibilidade de recolhimento dos animais caso as tentativas
não funcionem. Como medidas de segurança, a IUCN (1998) indica as seguintes
atividades pós-reintrodução:

 Fazer o monitoramento de todos os indivíduos reintroduzidos, ou de


amostragens destes, utilizando-se de técnicas de observação direta, como a
radiotelemetria, ou indiretas, como a verificação de vestígios e contato com
informantes locais;
 Fazer intervenções quando necessário, como oferecimento de alimentação
suplementar ou ajuda veterinária;
 Em casos de mortalidade, investigar os motivos;
 Fazer reavaliações constantes, incluindo a possibilidade de descontinuar o
programa em caso de não sucesso;
 Continuar o trabalho de proteção dos hábitats e de educação ambiental.

128 Conservação da Biodiversidade: dos Conceitos às Ações


É muito importante ressaltar que os projetos de reintrodução devem ser
em longo prazo, contínuos e que dependem da interação positiva de diversas
instituições e agências governamentais e não governamentais, incluindo aí os
criadores privados, fonte da imensa maioria dos exemplares utilizados em projetos
sérios de reintrodução no Brasil, e uma peça-chave frequentemente negligenciada
em todo esse processo. Além disso, há de se fazer uma clara distinção entre os
verdadeiros projetos de reintrodução, que seguem as diretrizes internacionalmente
definidas e reconhecidas pelos especialistas, daquelas solturas indiscriminadas,
que nada mais são do que a simples liberação de animais, sem qualquer estudo
prévio ou, pior, sem qualquer marcação e monitoramento em longo prazo. O
monitoramento pós-soltura é a única forma objetiva de auditoria de todo o processo
de reintrodução. É justamente nessa fase que todos os investimentos feitos em
todas as etapas anteriores podem ser devidamente justificados, fazendo com que a
reintrodução cumpra o seu objetivo.

DESAFIOS DA CONSERVAÇÃO EX SITU


Embora a conservação ex situ tenha livrado diversas espécies da extinção nos
últimos anos, ainda existem importantes barreiras a serem vencidas. Alguns dos
principais desafios que a conservação ex situ enfrenta são:

A falta de espaço: em 2004 foi feita uma estimativa de que todos os zoológicos
e aquários do mundo conseguiriam garantir a perpetuação de populações
viáveis de aproximadamente 800 espécies de animais ameaçados de
extinção, o que é uma capacidade muito reduzida se considerarmos a
expectativa de 2.000 a 3.000 espécies com necessidade de conservação ex
situ nos próximos 200 anos, só de vertebrados terrestres (Frankham et al.,
2004).
Os altos custos: embora no caso de pequenos animais os custos da conservação
ex situ referentes à construção de recintos, cuidados e alimentação sejam
bastante factíveis, no caso dos grandes animais estes custos podem ser
elevados. Como exemplo, estima-se que os custos para a manutenção de
elefantes africanos e rinocerontes negros em cativeiro seja 50 vezes mais
alto do que manter os mesmos números de indivíduos em parques nacionais
africanos (Leader-Williams, 1990; Primack, 2006).
A seleção artificial: inevitavelmente os indivíduos mantidos em cativeiro que
irão se reproduzir melhor e que irão contribuir para o aumento da população
são aqueles que aceitam mais facilmente as condições artificiais, como o
novo tipo de alimentação, abrigos e principalmente, a presença de humanos.

Conservação Animal ex situ 129


Além disso, os indivíduos mais sedentários sofrem menos com o estresse
do confinamento e por isto têm maiores chances de se reproduzir. Com o
passar das gerações essas características acabam sendo selecionadas nas
populações de cativeiro, ou seja, em cativeiro as pressões de seleção são
diferentes da natureza. As características selecionadas no cativeiro podem
não ser desejáveis para indivíduos que serão reintroduzidos na natureza,
que devem temer os predadores e serem ativos o suficiente para buscarem
alimento e fugir das ameaças (Kleiman, 1980; Frankham et al., 2004;
Primack, 2006).
O grande porte de algumas espécies: alguns grupos de animais, embora
ameaçados, são difíceis de serem mantidos em cativeiro devido às
dimensões e necessidades específicas de espaço e alimento, como é o caso
de diversas espécies de baleias e golfinhos.
Espécies que não se reproduzem em cativeiro: algumas espécies
ameaçadas simplesmente não se reproduzem com sucesso em cativeiro,
muito possivelmente devido ao desconhecimento científico de algumas
necessidades específicas, como, por exemplo, algum item na composição da
dieta, no tipo de recinto ou no manejo reprodutivo.

Por isso, embora diversas espécies e subespécies tenham sido salvas da extinção
graças à conservação ex situ, essa estratégia não pode ser considerada como sendo
uma solução garantida para todos os casos de ameaça e, principalmente, não pode
ser entendida como algo que possa substituir a conservação das espécies em seus
hábitats naturais. Trata-se de uma estratégia emergencial que tem foco em táxons
com graus elevados de ameaça e, portanto, não consegue preservar os serviços
prestados pelas comunidades e ecossistemas. Além disso, o cativeiro não é capaz
de preservar os processos evolutivos que geram a diversificação das linhagens,
o que só pode acontecer quando as populações se encontram dentro de hábitats
preservados.

130 Conservação da Biodiversidade: dos Conceitos às Ações


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