Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Maputo,
Junho de 2013
1
NOTA INTRODUTÓRIA
O presente documento é uma análise tentativa, numa perspectiva comparativa entre postulados
teóricos, ou construção da experiência, e a prática, sustentada pela experiência de Moçambique.
A fiscalidade e, consequentemente, a “Justiça Fiscal” são temas vastos, podendo ser explorados
em várias vertentes. Mais importante é o facto dos regimes tributários variarem de país para país
e, ao mesmo tempo, possuirem fortes ligações com as respectivas dinâmicas económicas. Isto
significa que o debate que se possa fazer é na perspectiva de colocação de denominadores
comuns, mas certamente a sua padronização é complexa e, provavelmente, não seja o aspecto
mais relevante.
Várias análises foram feitas já à volta desta matéria, existindo ângulos comuns de persistência. O
presente trabalho constroi-se da recuperaçào dos principais traços desse debate, que constituem
pilares inegáveis para um sistema tributário mais justo e sustentável.
Há um quadro sugestivo de análise que se coloca mais para o fim. Aquele baseia-se nos
principais aspectos angulares de justiça fiscal (lado esquerdo do quadro) discutido no texto, mas
2
as evidências de seu julgamento (do lado direito do quadro) vão para além da discussão do texto
e, constituem em si uma discussão peculiar.
O imposto é uma obrigação, sendo por isso, inevitável ou irrenunciável, aquando da ocorrência
de um facto jurídico fiscal. Facto jurídico da relação jurídica tributária é a ocorrência de
elementos (obtenção de rendimentos ou aquisição de bens e serviços) que, tendo sido previstos
na lei como criadores de relações jurídico fiscais, fazem nascer a obrigacao do imposto.
Segundo a Legislação Fiscal moçambicana, entende-se por Obrigação Fiscal o vínculo que nasce
entre o Estado e o particular obrigado ao imposto, verificados que sejam os pressupostos de facto
que integram o “tipo” tributário abstracto descrito na lei. Neste termos, a obrigação fiscal é o
vínculo obrigacional que se desenvolve entre o contribuinte e o fisco cujo objecto é a prestação
do imposto.
A literatura adianta um conjunto de razões porque se deve pagar impostos. A seguir estão alguns
aspectos:
- A política fiscal pode ser usada para a manipulação da demanda agregada e dos preços. Por
exemplo, quando a procura é muito forte e que gera ameaças inflacionárias, o Governo pode
aumentar os impostos directos para reduzir o rendimento disponível;
3
- Os impostos pode ajudar a corrigir determinadas formas de externalidades negativas e falhas de
mercado, como é o caso do monopólio;
Sistemas de tributacao
Muitos países, incluindo Moçambique, possuem sistemas que se identificam muito de perto com
o sistema progressivo de tributação.
A literatura distingue as receitas públicas internas normais em fiscais e não fiscal. As receitas fiscais ou
tributárias são decorrentes dos impostos directos e indirectos.
4
São impostos directos os que recaem sobre rendimentos, tanto de pessoas singulares como de pessoas
colectivas.
São impostos indirectos aqueles que recaem sobre a aquisição de bens e serviços, ou seja, impostos que
recaem sobre a despesa.
Receitas não fiscais são todas aqueles que não resultam duma das formas acima mencionadas, e sim de
rendimentos de capitais e património público, taxas de serviços públicos, concessões de exploração
(licenças) aos privados, entre outros.
Suzana Tavares da Silva, 2012, no seu Ensaio sobre Fiscalidade, refere que os impostos num
regime de economia capitalista são um preço pelo funcionamento da democracia, mas também
um instrumento político essencial de justiça redistributiva.
José Luís Saldanha Sanches (ano 2010), no seu livro “Justiça Fiscal”, refere que a despesa
pública pressupõe sempre a tributação, para ser exequível. A partir dai, Sanches, considera
justiça fiscal a forma como a carga fiscal é partilhada, na sua incidência entre os contribuintes de
maiores e menores rendimentos.
Mas há um conjunto de factores que tornam a justiça fiscal um desafio. Segundo o autor, a
justiça só pode ser alcançada num processo de incessante debate democrático, mas a assimetria
de informação existente entre os contribuintes e a existência de poderosos lóbis fiscais pode levar
à consagração de soluções demagógicas, apenas aparentemente justas (Sanches, 2010).
Existem outras formas de tributação de que, pelo seu objecto, a justiça fiscal não pode
simplesmente ser aludida. Sanches (2010) refere-se ao imposto específico, que se justifica pela
eficiência económica e social.
A campanha pela justiça fiscal pode, ela própria, enfrentar constrangimentos decorrentes das
limitações de comunicação e conhecimento pelo cidadão, em relação à matéria da tributação.
Sobre isto, Sanches (2010) nota que demagogicamente se podem levar cidadãos a lutar contra
5
determinados impostos ou a defenderem benefícios fiscais, sem perceberem, em virtude das
assimetrias de informação existentes, que as opções que defendem são mais prejudiciais.
Silva, 2012, refere que a justiça fiscal é indissociável da justiça social. Que a intervenção do
Estado na redistribuição de rendimento é uma imposição de justiça para corrigir as falhas de
mercado, que dão lugar a situaçõe nocivas como desemprego.
Mas existem situação que despoletam debates menos concensuais ao nível da literatura e das
opções de política económica, nomeadamente, as isenções sobre pessoas capazes ou benefícios
fiscais. Silva, 2012, refere que estas situações aparecem aparecem associadas a um quadro de
fundamentação que procura mostrar a razão da sua existência. Também não há uma linha de
orientação em relação ao máximo de tributação exigível, cabendo ao legislador definir, o que
muitas vezes vem associado às condições económicas locais, objectivos de política económica e
o contexto.
6
Em geral, as opções de tributação guiam-se pelos incentivos ou desincentivos que geram e, para
tal, os limites específicos conformam-se ao tipo de matéria colectável.
Assim, o limite e “pressão” fiscal tenderão a ser diferentes, por exemplo, entre tributação sobre o
património, tributação sobre o consumo ou tributação sobre rendimentos.
Segundo Silva, 2012, a tributação sobre o património tende a ser confiscatória, e neste contexto,
os limites são mais apertados. São exemplos disso, a tributação do património imobiliário e
mobiliário. A tributação sobre o consumo tende a ser regressiva de tal modo que se garanta taxas
baixas para o cabaz básico, essencial para a sobrevivência. A tributação sobre rendimentos
procura ser prudente no sentido de estimular o investimento e o crescimento da actividade
económica.
Alguns aspectos que desafiam a tributação e que podem dar lugar a situações de fuga ao
fisco, ineficácia ou injustiça fiscal
Para eliminar a dupla tributação, muitos ordenamentos jurídicos adoptam critérios que
consideram a “habitação permanente”, o “centro de interesses vitais”, a “permanência física” e
a “nacionalidade”.
Segundo Siva (2010), quando uma pessoa singular for residente de dois (ou mais) Estados
contratantes:
- Será considerada residente apenas do Estado em que tenha uma habitação permanente
disponível. Se tiver uma habitação permanente em ambos os Estados, será considerada residente
apenas do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas, o que
Silva (2010) apelida de “centro de interesses vitais”.
- Se o Estado em que tenha relações pessoais e económicas mais estreitas não puder ser
determinado, bem como se não tiver habitação permanente disponível em nenhum dos Estados
7
(um caso possível em teoria), será considerada, segundo Silva (2010) residente apenas do Estado
em que permanece habitualmente.
- Caso seja nacional de ambos os Estados ou não seja de nenhum deles, os Estados contratantes
resolvem consensualmente.
Na prática, o último caso do recurso ao acordo é um caso extremo de verificação difícil, mas não
impossível. O panorama aqui prevê o tratamento de situações possíveis, por forma a evitar,
teoricamente, situações de dupla tributação.
Para os residentes não habituais, alguns ordenamentos jurídicos adoptam, regimes de tributação
mais favorável com o objectivo de atrair para o território nacional capital humano de elevado
valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico.
Segundo, Pedro e Ferreira (2009) e Silva (2012), consideram-se sem residência habitual em
território nacional os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, por terem
permanecido em território nacional acima do prazo fixado pela legislação nacional ou possuirem
no país uma residência, demosntrando a intenção de ocupá-la de forma habitual, mas que não
tenham sido residentes em território nacional nos últimos cinco anos. Segundo Silva (2012),
nestas circunstâncias, o sujeito passivo adquire o direito a ser tributado como residente não
habitual por um determinado período fixado pela legislação nacional, a partir do ano da sua
inscrição como residente em território nacional. Se o sujeito em algum dos anos deixa de ser
considerado residente em território nacional, mas depois retoma dentro do referido período
fixado por lei, este, pode continuar a beneficiar daquele estatuto nos anos remanescentes do
período.
8
No âmbito da eliminação da dupla tributação internacional, adopta-se um regime especial que
consiste na isenção de tributação aos residentes não habituais que obtenham rendimentos no
estrangeiro. Deduzidos os rendimentos isentos, a tributação recai sobre os restantes rendimentos.
Segundo Ferreira (2012) e Silva (2012), as Regiões Autónomas muitas vezes dispõem de poderes
consagrados na Constituição de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais.
Um exemplo disto é o estabelecimento de taxas mais baixas em sede do Imposto sobre o
Rendimento de Pessoas Singulares para os residentes naquelas Regiões.
De acordo com Ferreira (2012), contrariamente aos rendimentos de pessoas singulares, que não
interferem com a concorrência, em relação aos rendimentos das empresas, estes regimes fiscais
mais favoráveis para os residentes nas Regiões Autónomas são polémicos, pois confundem-se
com auxílio público, o que promove uma concorrência global desleal.
Ta-se aqui perante a questão dos paraísos fiscais tomados como regimes fiscais favoráveis
danosos e regimes fiscais preferenciais. Segundo Perpétuo (2009), Seabra et al (2010) e Silva
(2012), trata-se de estruturas abertas que oferecem a investidores estrangeiros isenções ou
regimes fiscais favoráveis, caracterizando-se por isenção ou redução fiscal aliada ao pagamento
de taxas nominais como licença de instalação, inexistência de troca de informações (segredo),
falta de transparência e falta de actividades substantivas, transparecendo apenas a intenção
puramente fiscal dos regimes jurídicos.
Também existem regimes fiscais favoráveis danosos caracterizados por condições preferências
para o estabelecimento de carteiras financeiras com vista a atrair actividades económicas e
financeiras que são especialmente sensíveis ao peso da carga fiscal, sendo suas principais marcas
a isenção fiscal ou tributação baixa sobre o rendimento, demarcação relativamente aos regimes
fiscais nacionais, o que, segundo Silva (2012), revela o reconhecimento por esses Estados dos
efeitos spillover negativos destes regimes fiscais mais favoráveis sobre as economias domésticas
e que, por isso mesmo, estes impõem a proibição de as empresas abrangidas por este regime
9
operarem no mercado nacional; estes também sào caracterizados pela falta de transparência e
falta de cooperação na troca de informações. Perpétuo (2009) considera que os regimes fiscais
preferenciais permitem libertar maior rendimento disponível para as empresas.
Em relação à disparidade das taxas, nota-se uma tendência para taxas mais elevadas sobre
rendimentos líquidos de empresas em nome singular do que em nome colectivo. Como
consequência, Silva (2012) nota que tem se assistido, em determinadas sociedades a
multiplicação de empresas que procuram adoptar formas jurídicas em nome colectivo, com
objectos sociais não suficientemente claros, isto como uma forma de reduzir a pressão fiscal
sobre os seus rendimentos líquidos, resultantes de existência em nome individual.
A tributação também enfrenta desafios com trabalhadores com contratos de trabalho global,
entendidos como trabalhadores de empresas com sucursais ou filiais em diferentes países,
permitindo-lhes circular entre os países por onde a empresa opera, cabendo-lhes também fazer a
escolha do país que pretendem auferir as remunerações.
Cria-se aqui uma facilidade para que os trabalhadores optem por regimes fiscais que acham
menos penalizadores. Em regra, este tipo de trabalhadores é de elevado valor (“cérebros”) que
10
muitos países estão interessados em atrair; pelo que, encontrarão facilidades em efectuar as suas
opções, uma vez, com frequência, encontrarem protecção legal em muitos países que usam este
mecanismo para atracção do conhecimento (como é o caso da adopção de regime especial para
residentes não habituais).
Há aqui também uma facilidade destes sujeitos contornarem as obrigações fiscais, o que se torna
injusto perante os restantes trabalhadores sem contratos de trabalho global e que se encontram
“amarrados” às obrigações fiscais dos respectivos países.
Tributação dos rendimentos dos pensionistas e reformados de outros países residentes no país
Perpétuo (2009) e Silva (2012) referem que em muitos países a legislação tributária adopta que
as pensões e remunerações similares pagas a um residente de um Estado contratante, em
consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado. As pensões e outras
remunerações similares pagas por um Estado contratante ou por uma sua subdivisão política ou
autarquia local, quer directamente quer através de fundos, por eles constituídos, a uma pessoa
singular, em consequência de serviços prestados a esse Estado ou a essa subdivisão ou autarquia,
só podem ser tributadas nesse Estado.
Mas acontece também que, pela legislação, tais pensões ou remunerações similares só podem ser
tributadas no outro Estado contratante se a pessoa singular for um residente e um nacional desse
outro Estado.
11
O ponto de partida preponderante do JSAPMDD é o facto dos impostos e da tributação envolver
rendimentos de pessoas. Nesta perspectiva, as questões de fundo são: Quem deve ser tributado?
Como é que a tributação deve ser feita (incluindo que regimes a adoptar)? Como é que as
receitas dos impostos devem ser gastas?
- O Estado tem, por um lado, o direito de tributar e, por outro lado, a obrigação de proteger os
direitos do cidadão, através da promoção da equidade e justiça, bem como providenciar bens e
serviços públicos essenciais. O direito de tributar e a obrigação de proteger os direitos dos
cidadãos são paralelos. E, para tal, são elementos críticos e imprescindíveis a transparência e
democracia na orçamentação, na execução da despesa e na elaboração de políticas.
Portanto, são estes elementos que, segundo Barreto (2011) e JSAPMDD, quando não observados
de forma satisfatória corroem a imagem do Estado, levando ao seu descrédito, aos olhos dos
cidadãos, e perda de legitimidade. Quando um Estado cai em descrédito, torna-se difícil
assegurar a base tributária ou mobilizar mais potenciais contribuintes, qualquer que seja o regime
tributário.
Contrariamente aos casos especiais de tributação regressiva, os impostos não devem penalizar os
ganham pouco ou apenas o suficiente para as necessidades básicas.
12
Partindo do pressuposto de que o Governo cobra impostos para financiar as despesas
relacionadas com os direitos dos cidadãos, fragilidades na base tributária significam
menor capacidade para fazer face às despesas e, por isso, recurso à (ajuda externa) ou
dívida pública doméstica, com todos os constrangimentos económicos, sociais e políticos
dai decorrentes.
Assim sendo, para ampliar a base tributária e assegurar a sua sustentabilidade é necessário que os
Governos implementem políticas e estratégias para o estímulo à economia nacional.
Para que o desenvolvimento seja centrado nas necessidades do povo, isto é, com justiça
social e ambiental, é importante que o processo orçamental e as políticas de despesa
sejam transparentes e participativos.
O quadro de princípios acima avançado possui importantes implicações nas políticas e práticas
nacionais. Portanto, segundo o JSAPMDD, decorrente daqueles, tem-se que:
Muito importante, é combater a evasão fiscal e fuga ao fisco pelas elites, pelas
corporações privadas, pelas companhias multinacionais e pelos investidores estrangeiros;
13
O sistema tributário deve ser progressivo, aliviando os pobres, incluindo os grupos mais
vulneráveis como mulheres;
Como extensão ao ponto anterior, deve-se adoptar regimes tributários que ponham os
ricos a pagarem mais, através da redução da regressividade dos impostos indirectos;
Os incentivos fiscais devem ser aplicados para finalidades de promoção da justiça social
e ambiental, o que significa que os impostos devem ser usados também no sentido
inverso, desencorajando práticas que concorram para injustiças sociais e danos
ambientais.
Contudo, a noção aqui trazida deve ser tomada com prudência e num deteminado contexto, pois
os estados africanos menos desenvolvidos também o são em relação aos direitos democráticos,
sendo que a cultura de participação e a transparência são em si um problema próprio comum.
Neste contexto, os Governos eles próprios não estarão muito interessados em promover a
14
participação pública como um direito democrático e de cidadania; nestas circunstâncias, os
doadores aparecem como uma força condicionadora e impulsionadora do diálogo e padrão
“mínimo” de prestação de contas ao povo.
A ser assim, será mais indicado buscar razões da azáfama pela redução da dependência externa
na primeira razão apontada, e nos elevados custos de transacção dai decorrentes.
Castel-Branco (2011) nota que, um dos valores de fundo da modalidade de receitas fiscais,
independentemente da função económica ou social que as outras modalidades podem
desempenhar, é que esta é a única modalidade de financiamento das despesas públicas que
responsabiliza o Estado perante o seu povo, embora cada uma das modalidades possa ser útil em
determinadas circustâncias e dentro de determinados parâmetros.
Segundo estes actores, o fluxo da ajuda externa tendem a estagnar e a contrair em termos reais.
Prevê-se que a Ajuda Geral ao Orçamento reduza mais acentuadamente do que os níveis
15
agregados de ajuda externa ao País, afectando mais o financiamento geral do orçamento do
Estado do que o financiamento sectorial e de projectos.
A alta dependência externa acarreta um alto grau de interferência política dos doadores em
aspectos de política pública nacional. Urge buscar formas alternativas de financiamento do
défice do Orçamento do Estado para reduzir a dependência externa e, consequentemente,
recuperar a soberania.
Em relação à exploração dos recursos naturais, estes devem contribuir para uma economia mais
dinâmica, sustentável, articulada e diversificada, com uma visão macroeconómica de integração
desses recursos numa perspectiva mais ampla de desenvolvimento. Neste âmbito, reitera-se o
valor da renegociação dos mega-projectos para colecta de impostos, mas tal só pode acontecer
quando as receitas fiscais adicionais servem para financiar o alargamento, diversificação e
16
articulação da base produtiva e comercial, fornecendo os serviços produtivos, as capacidades
tecnológicas e financeiras e a logística necessárias ao desenvolvimento da base produtiva,
reduzindo as vulnerabilidades e diversificando e alargando a base fiscal (Castel-Braco, 2011;
World Economic Forum e Boston Consulting Group, 2013). Segundo Castel-Branco, a estratégia
de despesa pública é tão importante como a mobilização de mais recursos domésticos.
No sistema fiscal moçambicano, as receitas públicas normais1 internas são compostas por receitas fiscais,
designadamente, os impostos directos e indirectos, e receitas não fiscais, basicamente as decorrentes do
aluguer de património do Estado, lucros das participações do Estado no capital das empresas, diferentes
taxas cobradas pelos serviços públicos, contribuições de trabalhadores e das empresas para a segurança
social, taxas de licenças de exploração, etc.
Impostos Directos
IRPS (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas 20% no geral, isenção para rendimento
Singulares) permanente abaixo que vai até 8.000 Mt, e abates
decorrentes de considerações de natureza técnica
como agregado familiar, entre outros.
IRPC (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas 32% sobre o lucro das empresas
Colectivas)
Imposto Simplificado para Pequenos (3% sobre o valor do negócio que obtém de 3
Contribuintes (ISPC) [Empresas cujas vendas em meses, ou então pode pagar apenas 9.375
não ultrapassam 2.500.000 Mt meticais por meticais no mesmo intervalo de tempo)
ano]
Imposto complementar (sobre o rendimento de (Aqui se conta o imposto sobre lucros decorrentes
capitais) da aplicação de capitais, por exemplo, sobre os
juros)
1
O termo “normais” pretende admitir uma categoria anormal, pelos efeitos económicos e sociais, a outras receitas
públicas, também internas, decorrentes da dívida interna, que não fazem parte da matéria aqui tratada.
17
Contribuição predial (Que é pago e decorrente de se ser proprietário
dum imóvel)
Imposto de reconstrução nacional (Pago pelos chefes das famílias, e que, segundo
Franco, 2002, tende actualmente a se transferir
para os governos municipais).
Outros ?
Imposto Indirecto
IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) 17% sobre o custo do produto, assumindo-se que
seja uma taxa que recai sobre o valor
acrescentado.
Outras taxas ?
18
ALGUMAS EVIDÊNCIAS DE MOÇAMBIQUE EM RELAÇÃO AO DEBATE À VOLTA
DA JUSTIÇA FISCAL
A aplicação do IVA e outros impostos indirectos pode também possuir um peso maior sobre
camadas mais pobres, uma vez o sistema de protecção social, incluindo a subsidiação, ser muito
frágil.
De acordo com AFRODAD (2012), o potencial de aumento das receitas no país está no
alargamento efectivo da base tributária, alocação mais eficiente de recursos e facilitação do
cumprimento das obrigações fiscais.
Contudo, há que ter atenção na questão de como alargar a base tributário, ou seja, na definição
do que constitui base tributária no país. Por exemplo, é contra os princípios de justiça fiscal
impor uma tributação simplificada sobre pequenos contribuintes, quando os potenciais grandes
contribuintes não cumprem com as obrigações fiscais.
A seguir são apresentados alguns aspectos decorrentes da análise do contexto moçambicano por
vários actores e que permitem tirar ilações iniciais sobre a questão da justiça fiscal em
Moçambique.
O GMD (2011) refere que uma das razões para a baixa colecta de impostos é fragilidade das
instituições envolvidas no processo de cobrança de impostos. Segundo este actor, o relatório
19
(2003) sobre competitividade em África do Fórum Económico Mundial (World Economic
Forum), colocava Moçambique no 19º lugar em 21 países, no que concerne a pagamentos
irregulares nas importações e exportações, no 17º lugar no favorecimento a altos funcionários
governamentais por causa das suas decisões e em 17º lugar no que dizia respeito a falta de
independência do sector judiciário.
O GMD (2011) refere que existe um conjunto de potenciais matérias tributáveis que não são
abrangidos pelos impostos.
Ossemane (2011) em “Desafios para Moçambique 2011 - Expansão das Receitas Fiscais” refere
que o esforço fiscal do trabalho é pelo menos 2,5 vezes superior ao do capital.
Tal como Ossemane, Biggs (2012) reconhece que a estrutura e a dinâmica fiscal nacional débeis
estão associados, principalmente, com os benefícios fiscais redundantes para os grandes
projectos de investimento directo estrangeiro, particularmente na indústria extractiva.
Ossemane demonstra que o peso das receitas fiscais recai sobre os impostos indirectos; neste
caso, o espaço para aumentar receitas com base no IVA e outros impostos sobre as transacções é
limitado por causa dos efeitos distributivos negativos sobre uma população maioritariamente
pobre.
Segundo Ossemane (2011), os enormes incentivos fiscais aos grandes projectos de longa duração
são a causa principal do baixo contributo fiscal do capital; e que estes incentivos incidem mais
sobre os grandes projectos de investimento estrangeiro concentrados em recursos naturais. O
Banco de Moçambique, no seu documento de Visão de Estratégia Nacional de Desenvolvimento
comunga, consequentemente, que a forma mais eficaz e eficiente de aumentar a base fiscal
20
rapidamente e de forma muito significativa é a tributação dos rendimentos do capital, em
especial das grandes empresas multinacionais do sector energético e mineiro.
Castel-Braco (2011), fazendo referência a Kuegler, 2009, diz que a receita fiscal potencial da
Mozal, perdida anualmente por causa dos incentivos fiscais massivos, atinge os US$ 128
milhões. Castel-Branco calcula que se os seis projectos mineiros no país, activos até 2011, e a
Mozal não beneficiassem de incentivos fiscais específicos, o Estado poderia colectar anualmente
um montante adicional equivalente ao montante da ajuda geral ao Orçamento do Estado daquele
ano. Segundo ele, tais recursos permitiriam, a curto prazo, aumentar o Orçamento do Estado em
cerca de 30% e reduzir a sua dependência da ajuda externa de quase 50% para cerca de 36%.
Uma outra ilustração curiosa tem que ver com a aquisição da Riversdile pela Rio Tinto. Castel-
Branco refere que pelo menos metade do valor da transacção corresponde à valorização
resultante da concessão de Benga, e que com esta transacção o Estado moçambicano poderia ter
recebido em impostos sobre ganhos de capital cerca US$ 450 milhões. Nos cálculos de Castel-
Branco, este montante é equivalente a cerca de um ano de ajuda geral ao Orçamento do Estado,
ou que permite contruir 100 escolas secundárias, ou ainda providenciar subsídio de pão para 10
anos, em todo o país. Também equivale a um subsídio do combustível para 4 anos ou ao
montante de investimento necessário para formar cerca de 100 pequenas e médias empresas
industriais, capazes de empregar 40 mil trabalhadores, etc. (Castel-Braco, 2011).
Mosca (2005) e Castel-Branco (2011) suspeitam que a estrutura fiscal não só beneficie
desproporcionalmente a acumulação privada de capital, com base em recursos naturais, sem
contrapartidas reais para a economia nacional, como também penalize desproporcionalmente os
grupos mais vulneráveis por causa dos efeitos combinados dos impostos sobre o rendimento do
trabalho e sobre o consumo de bens e serviços. Esta ideia também é paratilhada pelo World
Economic Forum e Boston Consulting Group (2013).
Além disso, a carga fiscal sobre o capital recai sobre as pequenas e médias empresas, já que os
grandes projectos de investimento beneficiam de isenções ficais massivas (Ossemane, 2011;
Castel-Branco, 2011).
21
A experiência recente da concessão e exploração dos recursos naturais país há-de possuir uma
tendência para facilitar e acelerar o processe de acumulação privada primitiva das classes
capitalistas emergentes, gozando do acesso favorável aos recursos em alianças com o grande
capital multinacional (Castel-Branco, 2011; Biggs, 2012). Nesta perspectiva, os processos
dominantes de acumulação privada têm uma natureza extractiva e são determinados pelos
interesses e objectivos do capital internacional (Castel-Branco, 2011).
QUADRO DE ANÁLISE
Sustentação
22
não se vislumbra uma mudança à prazo, dados
os longuíssimos prazos de concessão. Como
resultado, o sistema tributário assenta nos
impostos indirectos, que penaliza os mais
pobres, nos impostos directos sobre o
rendimento de pessoas singulares e nos
impostos directos sobre o rendimento das
pequenas e médias empresas.
Sustentação
Combater a evasão fiscal e fuga ao fisco pelas A fuga ao fisco pelas elites é um
elites problema com o qual os moçambicanos
convivem.
Sustentação
23
fragilidades institucionais. Alguns estudos
mostram que indivíduos pertencentes às elites
não possuem sequer o Número Único de
Identificação Tributária (NUIT), que é
condição mais primária... Os rendimentos de
empresas propriedade de algumas elites
também não são tocados [novamente ... a
hipótese dos “intocáveis”].
Sustentação
24
Sustentação
Aplicar incentivos fiscais para finalidades de Funciona, mas depara-se com várias
promoção da justiça social e ambiental, ou no fragilidades, particularmente de índole
sentido contrário, para desencorajar práticas institucional.
25
que concorram para injustiças sociais e danos
ambientais. Sustentação
26
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho lançou-se um quadro de debate para a problemática da justiça fiscal no país, num
contexto de luta ferrenha para o alargamento da base tributária. Este trabalho nao cobre tudo,
nem pretende fazer do que aborda o mais essencial, mas sim trazer mais uma matéria de debate,
com o diferencial de recuperar e relançar elementos importantes para a intensificação do debate à
volta da questão da justiça fiscal no país.
27
A questão de desenvolvimento de capacidades institucionais requer uma atenção especial.
Existem matérias complexas no campo do relacionamento com o capital estrangeiro no país,
nomeadamente, nas componentes de controle das quantidades de recursos naturais existentes no
país, quantidades efectivamente exploradas, a facturação efectiva nos mercados externos,
confrontada com as contas apresentadas dentro do país, as opções tributárias aplicadas aos
trabalhadores residentes não habituais das empresas de capital estrangeiro no país, etc. Um
controle eficaz, associado a uma renegociação dos contratos com os grandes projectos, na base
duma reforma legal consistente, pode constituir importante base para a alteração da estrutura da
base produtiva.
Mas há muita coisa que precisa ser analisada e estudada, nomedadamente, no que tange a formas
mais efectivas e sustentáveis de promoção de justiça fiscal e alargamento da base tributária.
28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ferreira, C. et al (2009). Por um Estado Fiscal suportável, Gestão Fiscal, Evasão Fiscal e Fraude
Fiscal. CIJE – Universidade do Porto;
KLEIN, A. (2012). A Ética como Justiça Tributária. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de
Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR – Brasil;
Matos, A. (2012). Direito Fiscal e Direito Administrativo Geral. Coimbra Editora. Coimbra –
Portugal;
MOSCA, J. (2005). Economia de Moçambique, Século XX. Editora Piaget. Lisboa – Portugal;
29
Ossemane, R. (2011). Desafios de Expansao das Receitas Fiscais em Mocambique. In: Desafios
para Moçambique 2011;
Sanches, J. (2010). Justiça Fiscal. Escritos publicados por Augusto Kuettner Magalhães;
Seabra et al (2010), A Concorrência Fiscal Internacional, Newsletter No. 2: http://www.sgfc-
law.pt/xms/files/Newsletters/2010/Newsletter2_09_2010.pdf
World Economic Forum e Boston Consulting Group (2013). Responsible Mineral Development
Initiative. Mineral Value Management – A Multidimensional View of Value Creation from
Mining. World Economic Forum.
30
ANEXO:
Imposto
Imposto Imposto Taxas de Possibilidade Casos para
sobre Paga
País sobre sobre Retenção de de Isenção Isenção de
Empresas Royalty?
Importação Exportação Dividendos de Impostos? Impostos
Mineiras*
Uma
operação
pode ser
isenta de
0% (35% imposto,
sobre o excepto o
excesso nos imposto
Argentina 35% Sim Inexistente Inexistente rendimentos Sim sobre
acumulados superfície.
passíveis de No entanto,
tributação) para a
maioria das
minas a
isenção não
é praticada.
25% (+ uma
Bolivia taxa sobre Sim 5% Inexistente 12.50% Não -
superfície)
Na fase de
exploração:
a isenção
inclui:
35% (0.5% imposto
receita do sobre os
Burkina Faso ano anterior Sim 11% Inexistente 12.50% Sim lucros
é o imposto industriais e
mínimo) comerciais,
IVA,
imposto de
licença
comercial.
15% (dois
Chile regimes são Não 10% Inexistente 35% Não -
elegíveis)
Para outras
minas de
pedras
preciosas ou
terras raras
com o
China 33% Sim Inexistente Inexistente Inexistente Sim investimento
estrangeiro
programado
para
funcionar
durante pelo
menos 10
31
anos: isento
de imposto
de
rendimento
no 1º e 2º
anos e
redução de
50% no 3º-
5º.
10% (minas
normalmente
Ghana 35% Sim isento Inexistente Não -
isentas sob
acordo)
Groelandia 35% Não Inexistente Inexistente 35% Não -
Indonesia 30% Sim Inexistente Inexistente 20% Não -
5 anos de
isenção
depois do
Costa do Marfim 35% Sim 0.75% Inexistente 12% Sim
início do
ano de
exploração.
30% ou
Kazaquistão Sim Inexistente Inexistente 15% Não -
mais
Mexico 35% Não 35% Inexistente 35% Não -
Nenhum
imposto
sobre os
activos da
empresa é
aplicado
para minas
pré-
Peru 30% Sim Inexistente Inexistente Inexistente Sim operacionais
até ao 2º ano
subsequente
de operação,
contados a
partir da
data da
primeira
venda.
Atá um
máximo de
Filipinas 32% Não 12% Inexistente 15% Sim 5 anos para
algumas
minas.
2000, 30%;
2001&2002,
Polonia 28%; 2003, Sim 9% Inexistente 20% Não -
24%;
2004+, 22%
30% tudo 12.5% (um
menos imposto
África do Sul Não Inexistente Inexistente Não -
Ouro; e secundário é
mais de cobrado com
32
30% para as base nos
minas de dividendos)
ouro
Tanzania 30% Sim Inexistente Inexistente 10% Não -
Entre 2-7
anos. A
isenção
inclui
Uzbequistão 33% Sim Inexistente Inexistente 15% Sim impostos
sobre os
lucros,
propriedade
e superfície.
20% (15%
para as
empresas
registadas na
bolsa de
Zimbabwe 35% Não 5% Inexistente Não -
valoresfor
companies
registered on
the stock
exchange)
Fonte: Otto, J et al. (2000), citado por Otto, J. (2000). Mining Taxation in Developing Countries.
[Online]. www.r0.unctad.org . [31 Julho 2010].
* algumas taxas representam medias.
33