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MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //


GRAU I

PSICOLOGIA

INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //


PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES
DO DESPORTO
Sidónio Serpa

1. FATORES PSICOLÓGICOS E PSICOSSOCIAIS


DA PRESTAÇÃO DESPORTIVA

2. A MOTIVAÇÃO E O PROCESSO DE TREINO

3. A RELAÇÃO TREINADOR-ATLETA

IPDJ_2016_V1.0
MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU I

Índice
INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

1. FATORES PSICOLÓGICOS E PSICOSSOCIAIS DA PRESTAÇÃO DESPORTIVA 3


1.1 Fatores intrínsecos ao atleta 5
1.2 Fatores extrínsecos ao atleta 6
1.2.1 A tarefa 7
1.2.2 A situação 8
1.3 O comportamento como resultado dos fatores intrínsecos e extrínsecos 9
1.4 A relação treinador-pais-atleta 11
1.4.1 Princípios da relação treinador-pais 13
CONCLUSÕES 14
AUTOAVALIAÇÃO 14
GLOSSÁRIO 15

1. FATORES PSICOLÓGICOS E PSICOSSOCIAIS


DA PRESTAÇÃO DESPORTIVA

2. A MOTIVAÇÃO E O PROCESSO DE TREINO

3. A RELAÇÃO TREINADOR-ATLETA

2
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
No final deste capítulo, o leitor deve ter conhecimento
sobre os aspetos psicológicos e psicossociais que
influenciam o desempenho.

FATORES
PSICOLOGIA
DO DESPORTO

1.

PSICOLÓGICOS
E PSICOSSOCIAIS
DO DESEMPENHO
DESPORTIVO
INTRODUÇÃO
O João tem 13 anos. Pratica futebol no clube da sua terra. sua equipa. Não obstante ser um pouco introvertido em
Tem muito jeito. Éo que dizem as pessoas do clube, incluindo algumas situações, é muito sociável e gosta de trabalhar em
o treinador e os companheiros. É fisicamente ágil, forte e grupo, sendo um líder naturalmente aceite.
tem grande resistência, raramente se queixando de cansaço. Nos treinos é capaz de se concentrar profundamente nas
Aliás, a sua flexibilidade permite-lhe a execução de gestos tarefas, realizando o que lhe é pedido pelo treinador. Tanto
que a outros provocariam lesões musculares. Por outro lado, consegue «fechar a sua focalização no ponto para onde
tem uma enorme capacidade de compreender rapidamente pretende rematar a bola», no treino de livres ou de grandes
as situações de jogo e tomar as decisões acertadas, como o penalidades, como «abri-la» e captar claramente a posição
passe mais adequado, a progressão em drible ou a ação de de companheiros e adversários no momento de iniciar um
recuar para defender. De um modo pouco habitual para a contra-ataque.
sua idade, sabe exatamente o que quer, com objetivos bem Ao contrário da maioria dos seus companheiros, prefere
definidos relativamente à sua atividade de desportista, jogar nos recintos adversários. Consegue regular a sua
o que o leva a ser assíduo e empenhado nos treinos e compe- ativação psicofisiológica de modo a reagir à hostilidade dos
tições. Mesmo perante adversários de nível superior ou em adeptos adversários, mantendo o controle das emoções.
desvantagem no resultado, não se inferioriza, afirmando Quando joga «em casa», sente mais dificuldades. Aí, o pai
o seu valor pessoal e «puxando» combativamente pela nunca falta a um jogo e não é capaz de ficar calado. Depois

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insiste em analisar o que se passou, criticando muitas vezes tornar-se uma grande estrela internacional. O jovem sabe
quer as opções do treinador, quer a própria atuação do que isto é muito importante para o seu pai. Também gos-
João. É que o pai tem enormes ambições quanto ao futuro taria de progredir nesta sua carreira desportiva, mas receia,
do João, desejaria vê-lo num grande clube e, um dia, vê-lo sobretudo, desiludir o pai.

Esta história é comum a muitos jovens que praticam as mais diversas modalidades desportivas e contém bastante
informação psicológica:

l identificamos, por um lado, aspetos que se relacionam com as caraterísticas psicológicas do protagonista, sejam
elas mais estáveis como as que respeitam à personalidade (ex.: introversão, sociabilidade) ou de caráter modificá-
vel, como as referentes ao controlo emocional ou à motivação;

l ressalta também o contexto em que a prática tem lugar, seja este o treino, o local das competições ou a presença
do público, o que condiciona as reações do jovem;

l podemos ainda encontrar informação relacionada com caraterísticas do jogo que apelam a determinados
processos psicológicos, como a alternância de um tipo de concentração mais estreito para outro mais amplo,
ou uma decisão rápida perante as alterações que sucedem no decorrer do jogo de futebol.

A figura 1 mostra a necessidade de conhecer as diferentes condicionantes da prática desportiva de modo a gerir o
processo de preparação do praticante.

do desporto e do treino.

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Fatores psicológicos e
psicossociais do desempenho desportivo

1.1 Fatores intrínsecos ao atleta


As qualidades e competências psicológicas são aspetos que interferem no
desempenho desportivo qualquer que seja o contexto e nível considerado.
Tal como com o que se passa com os fatores físicos, há um conjunto de PSICOLOGIA
DO DESPORTO
componentes psicológicas que caracterizam o praticante, algumas das quais
tendem a ser estáveis e dificilmente modificáveis, enquanto outras constituem
competências passíveis de modificação através do treino.
Tentemos fazer um paralelo entre as qualidades físicas e as qualidades
psicológicas. Com efeito, podemos encontrar um conjunto de componentes ALGUNS ASPECTOS PSICOLÓGICOS
INTRÍNSECOS AO PRATICANTE
da prestação individual que se podem identificar com a velocidade, quando
consideramos a velocidade de reação ou de tomada de decisão. Na realidade, . FUNÇÕES COGNITIVAS
estas são qualidades psicológicas que possuem uma dimensão treinável, Atenção/concentração, perceção,
uma vez que a prática repetida e sistemática facilita a melhoria do desem- memória, inteligência;
penho na reação aos estímulos, tal como sucede relativamente à tomada
. PROCESSOS EMOCIONAIS
de decisão, nomeadamente quando o sujeito antecipa os elementos da
Estados de ansiedade, de prazer,
situação para a qual se prepara, bem como as possíveis alternativas quanto à
autoconfiança;
sua resolução.
Podemos falar de resistência psicológica quando nos referimos à capaci- . CARATERÍSTICAS ASSOCIADAS
dade de lidar com o stress prolongado no tempo, à frustração devida ao facto À PERSONALIDADE
de se falhar a realização dos objetivos estabelecidos, sem que o praticante Introversão/extroversão, sociabilida-
desista de se empenhar nas tarefas de treino de competição, ou à capacidade de, agressividade;
de persistir num esforço prolongado com a combatividade e concentração . ATITUDES, VALORES, CRENÇAS
necessárias à sua realização. Aspetos que determinam o
A qualidade psicológica identificável com a força refere-se, por exemplo, à modo como a pessoa avalia e
capacidade de estabelecer um objetivo claro e ao grau de vontade em atingi-lo, se comporta quanto aos fins e
não obstante os sacrifícios que possam estar associados ao caminho a percorrer. aos meios, associados à sua vida
Também pode ser considerado força psicológica, o nível de assertividade expres- enquanto cidadão;
sa no modo como o sujeito se afirma, defendendo os seus objetivos e opiniões
. PROJETOS PESSOAIS
perante os outros.
NA VIDA E NO DESPORTO
Do ponto de vista psicológico, a flexibilidade está relacionada, entre Como o sujeito estrutura a sua
outros aspetos, com a necessidade de regulação emocional, controlando as participação no desporto e lhe
emoções e a ativação ao longo do tempo de modo adequado às necessidades. dá significado no contexto da
Ou ainda ao processo de adaptação atencional quando é necessário saltar de sua vida;
um focus internopara um externo, ou de uma menor amplitudede concentração
. ASPETOS REFERENTES
para uma maior, de acordo com a evolução da tarefa.
À MOTIVAÇÃO
Podemos assim ver que a prestação desportiva é condicionada pelas cara-
Motivos de participação, empenha-
terísticas intrínsecas ao praticante desportivo, que é necessário conhecer, gerir
mento, objetivos.
e por vezes modificar.
Vejamos ao lado alguns aspetos psicológicos intrínsecos ao praticante.

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O treinador não deve apenas conhecer os fundamentos teóricos destes processos,


de modo a considerá-los na organização e gestão do treino.Tambémdeve ser
capaz de caraterizar os atletas em termos gerais, no que se refere às caraterísticas
psicológicas, uma vez que, sendo pessoas diferentes, os praticantes necessitam de
abordagens individualizadas no que respeita à orientação a prestar pelo técnico.
A individualização da dimensão psicológica do treino baseia-se assim nos princípios
teóricos da Psicologia e na interpretação fundamentada das diferenças observadas
nos praticantes.
Por exemplo, um indivíduo com uma caraterística de elevada ansiedade na sua
personalidade deverá desenvolver um conjunto de processos que antecipadamente
lhe forneçam segurança quanto à sua capacidade de enfrentar uma situação compe-
titiva importante, bem como de regular pessoalmente as suas emoções, mantendo-
-assob controloparaquenãoprejudiqueo seupotencialdeprestação. Poroutro
lado, a motivaçãopara o treino de um outro sujeito pode ser gerida por meio da
correta identificação do objetivo a atingir e do estabelecimento de um programa de
O treinador não processose subobjetivosestruturadosaolongodotempo,bemcomoda respetiva
avaliação de controlo.
deve apenas conhecer O treinador precisa de sistematizar a informação relativamente às caraterísticas
os fundamentos teóricos psicológicos dos seus atletas, do mesmo modo que o faz em relação às caraterísticas
físicas, técnicas ou táticas. Parte desta informação é obtida a partir de processos vul-
destes processos, de
gares que todos usamos na vida do dia a dia, os quais nos permitem fazer um «retra-
modo a considerá-los na to» psicológico das pessoas com quem estabelecemos relação. A observação atenta
organizaçãoe gestão do doscomportamentose oscontactospessoaissãoformasdoquotidianoquepermi-
tem recolher muita informação que, por vezes, sem nos darmos conta, condiciona o
treino. modo como lidamos com os outros. É a chamada «psicologia do homem comum»
quepermitea nossavidaemsociedade.Trata-seagorade sistematizar,deforma
maiscuidada,o conhecimentoqueo treinadorvaiobtendosobreosdiscípulose de
adequar as suas estratégias e processos técnicos e pedagógicos às caraterísticas dos
praticantes e às exigências específicas do processo de treino-competição.
Em casos especiais, ou em níveis diferenciados e superiores do rendimento
desportivo, o psicólogodo desporto desempenharáum papelfundamental neste
âmbito.Estetécnico,inseridonumaequipadeespecialistasdosdiversosdomínios
dasciênciasdo desportoque deve colaborarcom o treinador,fará uma avaliação
psicológica mais especializada e detalhada dos praticantes. Desta forma, consoante
os casos, ser-lhe-á possível ajudar o treinador a estruturar a melhor metodologia para
os diferentes atletas, ou trabalhar diretamente com os praticantes no que eventual-
mente seja indicado.

1.2 Fatores extrínsecos ao atleta


A prática desportiva é realizada por pessoas que interagem direta ou indi-
retamente num determinado contexto físico e social, onde desempenham
uma tarefa ou conjunto de tarefas, estando limitadas pelos códigos e regu-

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Fatores psicológicos e
psicossociais do desempenho desportivo

lamentos do desporto e condicionadas pelas caraterísticas do envolvimento


onde a prática tem lugar.
O conhecimento da estrutura e dos processos psicológicos dos praticantes
não basta para entender e preparar a sua prestação. É igualmente necessário
ter em conta os fatores da tarefa que constitui o desporto que pratica, bem PSICOLOGIA
DO DESPORTO
como a situação em que ele tem lugar.

1.2.1 A TAREFA
Dadas as suas particularidades, os diversos desportos apelam a distintas exigên-
cias psicológicas, cujo conhecimento é fundamental para estruturar os proces-
sos de treino. Do mesmo modo que o treino específico de um halterofilista não
se faz com destrezas acrobáticas típicas da ginástica artística, ou longas corridas
próprias do maratonista, também o praticante de tiro com arco não treina a sua
adaptação psicológica realizando tarefas que obriguem a dispersar a sua aten-
ALGUMAS COMPONENTES
ção para uma multiplicidade de estímulos simultâneos e em movimento. PSICOLÓGICAS QUE APELAM A UM

Vejamos algumas componentes psicológicas que apelam a um processo de DOS PRATICANTES

adaptação específica dos praticantes.


. TIPO DE CONCENTRAÇÃO
O treinador deve levar em linha de conta o tipo de exigências psicológicas
inerentes à modalidade desportiva em que trabalha e organizar as tarefas de ampla ao iniciar um
treino em conformidade com esses aspetos. contra-ataque, no andebol
O efeitodo treinoresulta sempre do modo como se faz a gestão dos estímulos . DECISÃO REGULADA POR
que incidem sobre o praticante e que vão provocar a sua adaptação. Por exem- FATORES EXTERNOS (vela) ou
plo, quando falamos do treino da força, a carga a que o músculo é sujeito é o INTERNOS AO SUJEITO
estímulo que vai determinar a adaptação que resulta no aumento da força ou do (saltos para a água)
volume. Na mesma lógica, a gestão dos estímulos internos que condicionam a
. TEMPO DISPONÍVEL PARA
concentração vai determinar a capacidade do jogador de ténis adequar o tipo e
A REAÇÃO
intensidade da sua concentração no momento de servir. Nessa circunstância, ele
Baixo no ténis de mesa, ou
terá necessidade de dirigir a sua atenção para um determinado ponto, com uma
elevado no xadrez
intensidade tal que não seja perturbado nem pelos estímulos do envolvimento,
como o ruído ou o vento, nem pelos estímulos internos, como os que se referem . COMPLEXIDADE DE
aos pensamentos que possa ter sobre a importância daquele ponto. ELEMENTOS A PROCESSAR
Não chega, no entanto, submeter os atletas às situações-estímulo para
que desenvolvam as competências de adaptação subjacentes à prestação elevado no basquetebol
de acordo com o seu potencial. É igualmente necessário ensinar e treinar . NÍVEL DE ATIVAÇÃO
as técnicas e estratégias psicológicas que aumentem os recursos pessoais PSICOFISIOLÓGICA
de adaptação às tarefas. No exemplo do jogador de ténis, ele deverá ser Baixo no tiro, ou elevado no
ensinado a desenvolver uma rotina de ações específicas que conduzam a um halterofilismo
estado físico e psicológico (emoções e pensamentos) facilitadores da con-
. COM INTERAÇÃO (futebol)ou
centração necessária. Porém, antes desta fase, a preparação psicológica geral
SEM INTERAÇÃO (ginástica
terá promovido o treino de «prender» o pensamento numa ideia ou imagem
desportiva)
mental, durante o tempo que queira e sem se dispersar.

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É através do conhecimento das caraterísticas e exigências psicológicas de


cada modalidade desportiva que são estabelecidas as bases psicológicas do
desporto, as quais determinam o processo específico de adaptação a que os
atletas deverão ser submetidos na aprendizagem e treino.

1.2.2 A SITUAÇÃO
A realização das tarefas desportivas têm lugar num determinado contexto
físico e social, constituindo constrangimentos da ação do praticante, para
os quais ele se deve preparar de modo a aproximar-se do seu potencial de
desempenho. Por este motivo, são parte integrante da realização desportiva
componentes da situação como as que se indicam a seguir:

ltipo de recinto e contexto físico onde tem lugar a atividade;


l tipo e dimensão da assistência;
l nível de impacto mediático;

l contexto de treino ou de competição;

l grau de importância da competição em que se insere;

l grau de conhecimento sobre o envolvimento físico e social específico;

l pressão temporal;

l pressão do resultado.

Imaginemos uma equipa de hóquei em patins jogando a final renhida de um


importante torneio e que, a três minutos de terminar o jogo, se encontra a
perder por um golo. Esta situação constitui uma pressão temporal que, neste
caso, está associada à necessidade de alterar favoravelmente o resultado,
exigindo uma determinada capacidade de adaptação psicológica. Tal capaci-
dade pode ser desenvolvida através da gestão de situações (estímulos) que
de modo repetido, sistemático e programado, levam progressivamente o
praticante a adquirir os recursos psicológicos necessários para lidar com tal
tipo de constrangimento.
Quando esta dimensão não é corretamente introduzida no processo
geral de treino, apenas a experiência natural inerente à prática da compe-
tição ao longo dos anos composta por tentativas, ora bem-sucedidas, ora
fracassadas, por situações inexplicáveis de sucesso ou insucesso, e por uma
aprendizagem à custa de muito esforço, nem sempre gratificante, poderá
levar os atletas a encontrar as melhores estratégias pessoais ou a torná-los
imunes a aspetos negativos da prática. Mas quantos anos se perderam até
se conseguir lidar com determinados estímulos inerentes à competição?
E quantos atletas nunca conseguiram encontrar a forma de se adaptarem?
Ou quantas vezes se vivem situações tão intensas e desnecessariamente
frustrantes e traumatizantes que deixam marcas definitivas?

8
Fatores psicológicos e
psicossociais do desempenho desportivo

PSICOLOGIA
DO DESPORTO

É através do
conhecimento
das caraterísticas
e exigências
psicológicas de
cada modalidade
desportiva, que são
estabelecidas as
bases psicológicas
do desporto (...)

1.3 O comportamento como resultado dos


fatores intrínsecos e extrínsecos
Imaginemos um jogo de basquetebol. Um jogador acabou de sofrer uma
falta dentro do «garrafão» e prepara-se para marcar um lance livre. Focaliza o
cesto e lança. A bola não entra. Pouco depois, após um contra-ataque da sua
equipa, o mesmo jogador recebe a bola quando está na linha de lance livre.
Lança e encesta.
Nos dois momentos descritos, o indivíduo e o contexto em que atuava
eram os mesmos, mas a tarefa era diferente. Apesar de ter lançado a bola
numa zona semelhante, no primeiro momento a única solução possível era
lançar, enquanto no segundo poderia ter realizado outras ações para além
do lançamento. Aliás, os dois lançamentos que protagonizou constituíam
tarefas diferentes. Vejamos. No primeiro caso tinha como único objetivo
lançar a bola ao cesto, podendo demorar o tempo previsto no regulamento.
No segundo, além das limitações impostas pela oposição dos adversários,
tinha como objetivo participar eficazmente na ação coletiva da sua equipa e
estava sujeito à pressão temporal condicionada pelos oponentes.
É precisamente sobre a influência que o indivíduo tem sobre o contexto e
a influência que este exerce sobre o indivíduo, que atentaremos de seguida.

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Verifica-se, especialmente no segundo momento do exemplo anterior, que


é a própria ação do jogador que procura a solução para a tarefa, ou seja, o
praticante resolve a situação-problema, agindo. Para tal, recebe informação
sobre a tarefa, a qual gera novas ações num processo recíproco, guiando su-
cessivamente o comportamento do atleta. Podemos dizer que é o contexto
onde a tarefa é realizada que reclama as ações do jogador.
Nesta ótica não conseguiremos compreender o comportamento dos
atletas se não considerarmos a sua interação com o contexto. A perspetiva
de que são apenas as caraterísticas do sujeito a determinar a sua conduta é
insuficiente para a compreensão do processo, no qual se incluem as reações
subjetivas do indivíduo durante a realização da tarefa. De facto, o processo é
sempre único, considerando que há sempre algo que varia, em cada relação
indivíduo-tarefa-contexto.
O jogador do exemplo apresentado viveu interações dinâmicas específicas
com as situações, nas quais tinha intenções diferenciadas quanto à realiza-
ção de cada uma das tarefas (lançamento livre ou movimento tático coleti-
vo). Estes aspetos condicionaram as suas ações e conduziram a resultados
diferentes: insucesso no primeiro caso e sucesso no segundo.
Deste modo, entende-se que cada lançamento ao cesto ou cada remate
de grande penalidade é único e diferente, ainda que a forma do gesto possa
ser idêntica a execuções anteriores. Na verdade, o caráter único de cada
realização depende da situação em que tem lugar — como a importância
do jogo ou o momento em que aconteceu a falta — e da forma como o
praticante a está a viver.

Os grandesatletascaracterizam-sepelafluidezdassuasações,resultanteda
grandeharmonia que conseguemcom as exigênciasdo contextoe as necessidades
datarefa.São,porassimdizer,especialistasemutilizarosrecursosdisponíveisemsi
próprio(sejamelesfísicosoupsicológicos) e nocontexto(comoascaraterísticasdos
materiais ou as dinâmicas dos adversários)com a finalidade de responder a cada
problema específico que se lhes depara.
Por outro lado, os fatores extrínsecos constituídos designadamente pela
família e treinador influenciam o comportamento do atleta em função do
modo como se estabelecem estas relações pessoais significativas. A situação
psicológica que assim se cria pode ser facilitadora ou inibidora da eficácia no
desempenho das tarefas desportivas.

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Fatores psicológicos e
psicossociais do desempenho desportivo

1.4 A relação treinador-pais-atleta


Os pais e os treinadores constituem as pessoas significativas para os prati-
cantes que mais os influenciam em todas as fases da carreira. A investigação
revelou que, de um modo geral, os atletas que atingiram elevados níveis de
excelência, caraterizaram os pais como sendo suportes essenciais na fase PSICOLOGIA
DO DESPORTO
inicial da carreira desportiva. Quando se divide a carreira em três fases, consi-
derando a inicial, que corresponde aos primeiros contactos com o desporto,
a de desenvolvimento, na qual o(a) jovem passa a estar envolvido(a) num
processo sério de treino com objetivos bem estabelecidos, e a de especiali-
zação, correspondente ao período do mais elevado rendimento desportivo,
é possível caraterizar da seguinte forma a participação dos pais: DOS PAIS DURANTE A CARREIRA
DESPORTIVA

. FASE DE INICIAÇÃO:
partilham o entusiasmo com
l

l estão interessados na moda-

dão o apoio necessário à


prática;
não pressionam quanto aos
resultados.

. FASE DE DESENVOLVIMENTO:

em função das exigências da

fazem investimentos finan-

do processo de treino-com-
petição.

. FASE DE ESPECIALIZAÇÃO:
Enquanto o treinador é o gestor do processo desportivo dos praticantes, os
pais criam as condições na sua vida que se desejam facilitadoras da atividade
zida na vida desportiva dos
desportiva, mas que por vezes podem assumir um caráter perturbador.
filhos;
De um modo geral, os pais sempre querem o melhor para os seus filhos.
fornecem o necessário apoio
O problema é que nem sempre sabem o que devem fazer ou tomam as
decisões mais adequadas.
continuam a constituir uma
O que as crianças e os jovens pensam e fazem, resulta em muito da
reserva quanto ao apoio
influência que recebem dos pais e das reações destes a tudo o que se refere
financeiro.
ao envolvimento associado ao desporto (fig. 2).

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Os estudos efetuados até ao presente permitem-nos concluir que:

a) Os pais são a influência mais importante dos jovens no que respeita ao


envolvimento na prática desportiva, tendendo a influência do pai a ser
maior do que a da mãe.
b) Os pais são, para os jovens, os adultos significativos mais determinantes
na formação das atitudes destes, quanto à importância que estes atri-
buem à vitória, em comparação com o valor atribuído ao aperfeiçoamen-
to no desempenho das tarefas desportivas.
c) A maior fonte de stress do jovem desportista deve-se ao medo de falhar
que tem origem no facto de os pais transmitirem darem demasiada im-
portância ao resultado desportivo. Também o desenvolvimento do traço
de ansiedade dos jovens é influenciado pela avaliação negativa que os
pais fazem sobre a sua prestação.
d) Os pais das crianças dotadas para o desporto possuem expetativas mais
elevadas sobre a prestação dos filhos e fornecem mais encorajamento
para a participação no desporto, do que os pais das menos dotadas ou
não praticantes habituais.
e) Os jovens sentem um maior prazer na atividade desportiva quando perce-
cionam nos pais reações positivas às suas prestações, independentemente
dos resultados, bem como um envolvimento interessado na prática.

A presença dos pais nos treinos e competições, e a sua participação no processo


desportivo dos jovens, é por estes muito valorizado, ultrapassando normalmente
a importância que os treinadores têm tendência a atribuir a estes aspetos.

Quando se considera o triângulo atleta-treinador-pais, o clima positivo existente


neste sistema é normalmente associado pelos jovens à sua perceção de uma ha-
bitual consulta mútua entre pais e treinadores e à boa relação do praticante com

1
Fatores psicológicos e
psicossociais do desempenho desportivo

o treinador. Ao contrário, o clima negativo associa-se à perceção de dificuldades


relacionais entre os pais e os treinadores, bem como de má relação com o técnico.
Na medida em que a participação desportiva dos jovens depende fortemente
dos pais e é influenciado pelo clima existente na tríade acima referida, o papel
do treinador deve incluir a relação com a família e, de algum modo, uma PSICOLOGIA
DO DESPORTO
ação pedagógica relativamente a ela. Assim, há um conjunto de princípios
que o treinador deve seguir para integrar a família no processo desportivo e
ajudá-la a melhorar o enquadramento dos jovens.

1.4.1 PRINCÍPIOS DA RELAÇÃO TREINADOR-PAIS


1. FORMAR OS PAIS
- Nos códigos e regulamentos desportivos, nas caraterísticas específicas do desporto infantojuvenil, nas questões da
ética desportiva, no alerta para o «efeito de halo», ou seja, a tendência para hipervalorizar as caraterísticas e presta-
ções dos filhos relativamente aos restantes jovens.

2. INFORMAR OS PAIS
- Sobre toda a atividade dos filhos, designadamente quanto a horários, programa, metodologias ou evolução na atividade.

3. ENVOLVER OS PAIS
- Nos treinos e competições, quer na condição de assistentes interessados na atividade dos jovens, quer de uma
forma ativa, pedindo-lhes colaboração em algumas tarefas logísticas ou referentes à organização da vida dos filhos.

4. VALORIZAR OS PAIS
- Tanto nas suas qualidades pessoais, tão importantes no processo de formação das crianças e jovens, como no papel que re-
presentam no âmbito da prática desportiva dos filhos, promovendo neles a consciência da responsabilidade que têm neste
contexto.

5. ALERTAR OS PAIS PARA OS EFEITOS DA SOBREVALORIZAÇÃO DO RESULTADO


- Que pode provocar reações emocionais negativas, e mesmo o abandono, ao contrário da atitude valorizadora da
atividade em si mesma e do aperfeiçoamento das competências desportivas.

6. REFORÇAR AS ATITUDES POSITIVAS DOS PAIS


- No que se refere à prática dos filhos, ajudando a modificar as atitudes negativas e realçando a importância de uma
«educação pela positiva».

7. FOMENTAR A COMUNICAÇÃO DIRETA


- Quer em contactos pessoais nos treinos, competições ou ocasiões informais, quer promovendo reuniões com os pais
com o objetivo de facilitar o conhecimento mútuo, transmitir as expetativas do treinador e conhecer as dos pais, discu-
tir questões de caráter geral respeitantes à vida desportiva dos jovens, ou para resolução de situações específicas.

8. TRANSMITIR A IMPORTÂNCIA DO DESPORTO


- Na formação integral e no desenvolvimento das crianças e jovens, o que transcende as questões do rendimento desportivo.

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Conclusões
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- As caraterísticas psicológicas do atleta influenciam o seu desempenho.

- Muitas destas caraterísticas podem ser alvo de trabalho psicológico no


sentido de melhorar a capacidade de adaptação dos praticantes.

- O tipo de tarefa que carateriza as ações desportivas, bem como a si-


tuação em que têm lugar, são também determinantes do desempenho
desportivo.

- A influência dos pais é um dos aspetos que mais influenciam a partici-


pação desportiva dos jovens praticantes desportivos, de acordo com a
fase da carreira destes.

- Os treinadores devem integrar no seu trabalho princípios de relação


com os pais de modo a ajudá-los a contribuir para a qualidade da
práticas dos filhos.

Autoavaliação
n Enuncie três fatores intrínsecos ao atleta que influenciem o seu
desempenho desportivo.

n Indique três componentes psicológicas relacionadas com a


tarefa desportiva.

n Que aspetos da situação desportiva determinam o desempe-


nho?

n Quais são as caraterísticas dos pais dos atletas típicas das dife-
rentes fases da carreira?

n De que modo as atitudes e comportamentos dos pais exercem


influência nos praticantes?

n Refira três princípios que o treinador deve respeitar na relação


com os pais.

1
Fatores psicológicos e
psicossociais do desempenho desportivo

GLOSSÁRIO PSICOLOGIA
DO DESPORTO

F
FATORES INTRÍNSECOS AO ATLETA
Caraterísticas, qualidades e compe-
tências do atleta que influenciam o
seu comportamento.

FATORES EXTRÍNSECOS AO ATLETA


Características da tarefa e da situa-
ção onde tem lugar o desempenho
desportivo e que influenciam o
comportamento do atleta.

P
PERSONALIDADE
Conjunto de caraterísticas psicoló-
gicas relativamente estáveis que,
em interação, determinam o modo
como as pessoas sentem, pensam e
se comportam.

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2. A MOTIVAÇÃO E O PROCESSO DE TREINO 17


2.1 As componentes da motivação. Fatores energéticos e de direção 18
2.1.1 Fator energético ou de ativação 18
2.1.2 Fator de direção 18
2.2 A motivação intrínseca e a motivação extrínseca 19
2.2.1 A motivação intrínseca 20
2.2.2 A motivação extrínseca 20
2.3 A orientação motivacional. A orientação para a tarefa versus resultado 22
2.4 A evolução da motivação para a prática desportiva 24
2.5 A formação da atitude do praticante 26
2.5.1 As estratégias do treinador 29
CONCLUSÕES 32
AUTOAVALIAÇÃO 32
GLOSSÁRIO 33

1. FATORES PSICOLÓGICOS E PSICOSSOCIAIS


DA PRESTAÇÃO DESPORTIVA

2. A MOTIVAÇÃO E O PROCESSO DE TREINO

3. A RELAÇÃO TREINADOR-ATLETA

1
A motivação e o processo de treino

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
No final deste capítulo o leitor deve ter conhecimento:
- dos fatores motivacionais da prática desportiva;
- das caraterísticas motivacionais associadas às diferen-
tes fases da evolução dos praticantes;
- de estratégias motivacionais no âmbito do treino.
PSICOLOGIA
DO DESPORTO

2. A MOTIVAÇÃO
E O PROCESSO
DE TREINO
INTRODUÇÃO
O treinador daquele grupo de jovens nadadores conhece de praticarem este desporto lhes daria mais prestígio
bem as diferenças entre os discípulos que começam a entre amigos e conhecidos.
praticar a modalidade na altura adequada de aderirem Depois, ao longo do tempo, as diferenças tornam-se
à prática e os outros. Uns foram levados pelos pais que mais nítidas. Há, por exemplo, os que nunca faltam e
achavam que aprender a nadar era um elemento de cumprem sempre com grande empenhamento as tarefas
segurança, ou que seguiam os conselhos do médico no prescritas e há os «ronhas» no treino que arranjam sem-
respeitante ao tratamento de uma doença respiratória. pre um pretexto para a «gazeta».
Outros vieram com um amigo que já praticava há mais Por outrolado,algunslá vãocumprindoas tarefasde trei-
tempo, porque pensavam ser uma oportunidade de man- no, apenas como uma atividade de tempos livres sem grandes
ter o convívio e a amizade. Também havia aqueles que objetivos no horizonte, enquanto outros têm bem claro o desejo
tinham visto as competições dos últimos Jogos Olímpicos de constanteaperfeiçoamentoavaliadopelas prestaçõesnas
na televisão e se entusiasmaram com a beleza e emoção competições-alvo, ou a ambição de ser um nadador famoso
que tinham testemunhado, ou os que achavam que o facto cuja imagem lhe dê prestígio e, eventualmente, dinheiro.

Como síntese do exemplo acima referido podemos dizer que:


- existe um conjunto de razões ou motivos que desencadeiam o comportamento de aderir a uma prática desportiva e
de aí persistir (ou não), com uma determinada intensidade ou empenhamento, com vista a realizar um certo objetivo.

1
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2.1 As componentes da motivação.


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fatores energéticos e de direção

Aquela síntese corresponde à definição de motivação. Como se pode ver, é um


conceito complexo que envolve vários elementos. Assim, podemos decompor
a motivação para a prática desportiva em dois grandes fatores (fig. 3):

MOTIVAÇÃO

ATIVAÇÃO DIREÇÃO

FIGURA 3 - Fatores da motivação


In Samulsky, D. (2002). Psicologia
do Esporte. Tamboré: Manole Ed. ORIENTAÇÃO
INTENSIDADE PERSISTÊNCIA INTENÇÃO
PARA OBJETIVOS

2.1.1 FATOR ENERGÉTICO OU DE ATIVAÇÃO


Corresponde à fonte de energia que determina que o indivíduo se mantenha
na atividade e que lhe dedique uma determinada intensidade de esforço.
É a este fator que o treinador se refere quando comenta a forma como certos
atletas se entregam com o máximo esforço a cada tarefa de treino e competi-
ção. É também este fator que explica o comportamento de muitos desportis-
tas que, apesar das enormes dificuldades que atravessam em determinados
momentos das suas carreira, não desistem, vencendo os obstáculos que se lhe
atravessam no caminho. É igualmente do fator energético que se está a falar,
quando se assinala a combatividade do jogador que, mesmo em situação de
desvantagem quando tudo parece perdido no jogo, mantém o empenho na
sua prestação, acreditando que até ao último momento é possível atingir o
objetivo desejado.

2.1.2 FATOR DE DIREÇÃO


Inclui as intenções que os indivíduos possuem relativamente à prática des-
portiva, os motivos ou razões que levaram ao envolvimento, os objetivos e
finalidades a alcançar com a atividade.
Neste caso falamos das razões que determinaram a decisão de se envolver
no desporto, as quais podem modificar-se com o tempo. Falamos também nos
objetivos desportivos que o atleta quer atingir a curto ou a longo prazo. Referi-
mo-nos ainda à atitude que o leva a estar sempre a comparar-se com os outros

1
A motivação e o processo de treino

para tentar ser melhor do que eles, ou a centrar-se no aperfeiçoamento próprio,


estabelecendo desafios pessoais de constante melhoria das suas capacidades
físicas e técnicas.
Quando se abordam as questões da motivação dos atletas, é necessário
clarificar o âmbito específico em causa, porque só assim se poderá compreen- PSICOLOGIA
DO DESPORTO
der adequadamente o comportamento dos sujeitos e intervir de modo a me-
lhorar a sua adaptação às exigências da participação desportiva. A formação
psicológica dos jovens desportistas e a organização das tarefas e estratégias
no treino e competição, deve ter em conta as especificidades das componen-
tes da motivação.

2.2 A motivação intrínseca e a motivação extrínseca


No texto introdutório constatamos a existência de razões diversas que podem Encontramos
levar os nadadores à prática do seu desporto e mantê-los no sistema de treino.
Por vezes, as razões iniciais modificam-se no contacto com o desporto e com dois grupos de motivos
os fatores envolventes. Quantos jovens iniciam uma atividade desportiva determinantes da
apenas para acompanhar os amigos e procurar oportunidades de convívio e
depois se entusiasmam com a modalidade escolhida, passando a treinar numa
participação: os
busca permanente de perfeição? E também há os que, durante algum tempo, motivos intrínsecos e
encontravam na participação desportiva um verdadeiro prazer no esforço físi-
co, bem como na aquisição e aperfeiçoamento das técnicas, mas que a certa
os motivos extrínsecos.
altura passaram a valorizar essencialmente os benefícios sociais ou materiais
que a condição de desportista lhes poderia proporcionar.
Encontramos dois grupos de motivos determinantes da participação: os
motivos intrínsecos e os motivos extrínsecos.

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2.2.1 A MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA


Este tipo de motivação é a que carateriza os praticantes que retiram prazer
da realização das tarefas do treino e da competição, bem como da perceção
do modo como evoluem, se aperfeiçoam e encontram na prática desportiva
elementos para a sua valorização enquanto pessoas.
Vejamos alguns exemplos de motivos intrínsecos:
ALGUNS EXEMPLOS
DE MOTIVOS INTRÍNSECOS

. SENTIR O DOMÍNIO SOBRE SI

Refere-se à perceção de conseguir que a mente controle o corpo, ou de que evolui no domínio sobre as ações
técnico-desportivas. Está também associado ao prazer de aprender novas habilidades desportivas.

. CONDIÇÃO FÍSICA E SAÚDE


Inclui o sentimento de ser saudável, de possuir um corpo esteticamente agradável, ou de estar em boa forma.

. DESCARGA DE TENSÕES

calma e harmonia, ou mesmo de euforia, decorrente da prática desportiva.

. EXCELÊNCIA E REALIZAÇÃO PESSOAL

treino, ou a atingir objetivos de evolução pessoal.

. AUTONOMIA E DESENVOLVIMENTO PESSOAL

como pessoa e de possuir capacidades para enfrentar autonomamente qualquer problema a resolver.

Os praticantes que se caracterizam por uma elevada motivação intrínseca são


normalmente empenhados, regulares no modo como se dedicam ao desporto,
assíduos e pontuais. Têm uma significativa probabilidade de não se deixar aba-
ter pelas contrariedades que encontram no seu percurso e são consistentes na
procura de conhecer melhor o seu desporto e em trabalhar para evoluir.

2.2.2 A MOTIVAÇÃO EXTRÍNSECA


Este tipo de motivação relaciona-se com as razões externas ao praticante, de
caráter social ou material, que ele procura satisfazer através do envolvimento
no desporto.

2
A motivação e o processo de treino

Dão-se a seguir exemplos de motivos extrínsecos:

ALGUNS EXEMPLOS
DE MOTIVOS EXTRÍNSECOS
PSICOLOGIA
. RECONHECIMENTO E APROVAÇÃO SOCIAL DO DESPORTO

Neste caso, os praticantes procuram obter prestígio e reconhecimento dos outros, pelo facto de serem desportis-
tas e pelos resultados que possam obter. Os pais e outros familiares, os seus pares, os professores e treinadores,
são normalmente as pessoas cuja aprovação é mais importante. As crianças acreditam, por vezes, que o facto de
praticar e ter sucesso num determinado desporto está relacionado com a aprovação dos adultos significativos,
influenciando o amor que os pais lhes dedicam, ou o respeito e amizade do treinador.

. MOTIVOS AFILIATIVOS
Tem lugar quando se procura na prática desportiva um meio de conhecer pessoas, fazer amizades, ser aceite num
grupo, ou sentir que se pertence a um coletivo.

. RECOMPENSAS MATERIAIS
Está associado com o desejo de, através do desporto, alcançar benefícios de caráter material, como prémios mone-
tários devidos a resultados, bolsas de estudo ou outras. A possibilidade de viajar ou receber outro tipo de prémios,
inclui-se neste grupo de motivações.

. ESTATUTO SOCIAL
Refere-se ao desejo de ser considerado importante, de ser alvo da atenção e admiração dos outros, ou de ser trata-
do com respeito e de forma diferenciada.

. COMPETIÇÃO/PODER
É o motivo que carateriza quem aborda o processo de treino-competição como se fosse uma guerra em que
tem que dominar os outros, revelando superioridade sobre os adversários, mas também muitas vezes querendo
demonstrar que é melhor do que os companheiros. Procura-se, na prática desportiva, ocasião para afirmar o
poder sobre os outros.

Quando este tipo de motivação prevalece, os desportistas tendem a em-


penhar-se na exata medida em que os motivos se realizam. A intensidade
do comportamento pode ser bastante elevada, o que influencia o nível do
desempenho desportivo e a inerente satisfação. No entanto, há grande proba-
bilidade de que não tenham capacidade para encontrar nova fonte de energia
quando a realização destes motivos deixa de se verificar, ou quando o seu
significado se altera para os praticantes.

2
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2.3 A orientação motivacional.


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A orientação para a tarefa versus resultado


De algum modo relacionada com os aspetos intrínsecos e extrínsecos, uma
outra dimensão da motivação diz respeito à orientação que o desportista tem
subjacente ao modo como se envolve no processo de treino-competição.
Encontramos muitos atletas que se orientam no desporto tendo como objetivo
pessoal ultrapassarem um desafio associado a determinado nível de execução,
independentemente da expressão desportiva do resultado. Isto é, mesmo
perdendo a competição, poderão alcançar uma vitória interiormente vivida,
se a meta que estabeleceram para o seu desempenho foi atingida ou superada.
Encontramos Com esta atitude, o praticante não depende de referenciais exteriores
muitos atletas que se quanto ao resultado desportivo, que não controla inteiramente e que por
vezes não está ao seu alcance. Na realidade, pode suceder que mesmo
orientam no desporto
realizando a sua melhor prestação de sempre, o adversário tenha obtido um
tendo como objetivo nível superior. Neste caso, apesar de ter perdido a competição, pode viver um
pessoal ultrapassarem sentimento de vitória pessoal. Este sentimento é perfeitamente justificado
porque decorre da consciência de que os elementos controláveis pelo treino,
um desafio associado como o esforço ou a qualidade do trabalho e da organização, determinaram o
a determinado aperfeiçoamento da capacidade de realizar as tarefas da competição. O nível
da adaptação do adversário e o respetivo desempenho nem sempre são con-
nível de execução, troláveis pelo praticante. Por tal razão, um atleta não deve penalizar-se porque
independentemente da o competidor foi superior, mas antes satisfazer-se com o seu desempenho
pessoal.
expressão desportiva Diz-se, neste caso, que o praticante está orientado para a tarefa. Nesta
do resultado. circunstância verifica-se um desejo de constante aperfeiçoamento pessoal, de
acordo com objetivos elevados mas colocados de forma realista. A avaliação
pessoal da realização sobrepõe-se ao resultado desportivo.
Por outro lado, no desporto, como nas outras atividade da vida, muitas
pessoas orientam o seu percurso valorizando essencialmente as consequên-
cias do seu comportamento. Neste caso, os praticantes preocupam-se com o
resultado, na medida em que este lhes permite demonstrar, perante os outros,
o seu nível de competência desportiva a que atribuem uma importância
elevada. Para estes atletas tem muito significado a imagem que transmitem
através do resultado da sua prestação. Ao contrário do referido nos parágrafos
anteriores, aqui a finalidade principal da participação desportiva é o resultado
e não a qualidade com que desempenham a tarefa. Assim sendo, o facto de
perder ou ganhar condiciona o modo como percecionam a sua competência
pessoal e desportiva e não encontram qualquer possibilidade de satisfação,
ou de interpretação positiva, se perderem uma competição.
Os praticantes que possuem este tipo de caraterísticas estão orientadas para
oresultado e têm tendência a viver estados superiores de ansiedade. Na reali-
dade, ao condicionarem o modo como se atribuem a si mesmos as qualidades

2
A motivação e o processo de treino

de competência desportiva em consequência do resultado obtido, que está


muito dependente de fatores não controláveis, estes indivíduos tendem a
viver a prática desportiva, e em particular a competição, com valores elevados
de ansiedade. Uma percentagem muito significativa dos jovens que abando-
nam precocemente o desporto consideram-se com baixa competência pessoal PSICOLOGIA
DO DESPORTO
e desportiva e caraterizam-se por uma importante orientação para o resultado.

Podeconcluir-sequea orientaçãoparaa tarefafavorecea adaptaçãopsicológica


dos praticantes, em comparação com a orientação para o resultado, no que se refere
ao nível de empenhamento, persistência na atividade, focalização das energias nos
elementos relevantes das tarefas, controle do stress e das emoções negativas, etc.
Contudo, estas duas caraterísticas não são mutuamente exclusivas. Isto é,
normalmente há uma coexistências dos dois aspetos nos atletas, verificando-se
a predominância de uma delas. Há um continuum delimitado pela tarefa ou pelo
resultado, no qual a orientação motivacional dos sujeitos pode situar-se. (fig. 5)

ORIENTAÇÃO ORIENTAÇÃO
PARA A TAREFA 0__I__I__I__I__I__I__0 PARA O RESULTADO
motivacional

O modo como o indivíduo organiza a sua orientação motivacional parece estar


relacionado com a interação que resulta das próprias disposições individuais
com a influência do ambiente, no qual as atitudes e estratégias do treinador têm
uma influência importante devido ao clima que estabelece.

2
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A relevância da orientação motivacional dos desportistas está associada às


suas consequências psicológicas, designadamente nos seguintes aspetos:

ASSOCIADA ÀS SUAS CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS

2.4 A evolução da motivação para a prática desportiva


A evolução e desenvolvimento do praticante ao longo da carreira determina a
alteração de necessidades e motivos de participação, devidas quer ao proces-
so de maturação individual, quer à modificação das caraterísticas do contexto
social e desportivo.
Em termos gerais, podemos dividir a carreira dos desportistas em quatro fases:

a) Fase de iniciação
b) Fase de desenvolvimento
c) Fase de especialização
d) Fase de regressão

a) FASE DE INICIAÇÃO
Neste período verifica-se, nas crianças e jovens, uma motivação geral para as
atividades desportivas que corresponde a uma necessidade indiferenciada de
movimento. Aqui encontramos praticantes que facilmente se interessam e

2
A motivação e o processo de treino

empenham em qualquer atividade que lhes seja proposta. Os professores de edu-


caçãofísica e os treinadoresde jovensnesta fase conhecembem as suasreações
de euforia e aceitação entusiasmada, quando lhes é proposta qualquer atividade
no âmbito das aulas de Educação Física, ou nos treinosde iniciação desportiva.
Aqueles que terão maior probabilidade de evoluir com sucesso para as PSICOLOGIA
DO DESPORTO
restantes fases da carreira apresentam, normalmente, alegria no desempe-
nho das tarefas que lhes trazem divertimento e lhes provocam um evidente
entusiasmo. É nesta altura que alguns revelam já qualidades especiais que os
tornam notados nas equipas ou nos grupos de pequenos praticantes.

b) FASE DE DESENVOLVIMENTO
Esta fase caracteriza-se pela emergência da necessidade de se sentir com- Como é comum
petente no desempenho das tarefas, o que se sobrepõe à necessidade de
movimento, a qual se mantém mas perde o seu caráter indiferenciado. Os jo- dizer-se na linguagem
vens tendem a escolher uma determinada prática ou desporto que abordam dos treinadores,
de uma forma mais organizada e com objetivos mais claros.
É agora possível observar-se formas distintas de envolvimento no processo.
«uns vão treinar e
Como é comum dizer-se na linguagem dos treinadores, «uns vão treinar e outros outros apenas vão ao
apenas vão ao treino!...» Os motivos e orientações pessoais determinam diferen-
tes comportamentos e abordagens do sistema de treino.
treino!...»
Os que apresentam uma maior probabilidade de atingir níveis de exce-
lência revelam um empenho sério e profundo, cumprindo com grande rigor
as tarefas que o treinador prescreve e orientando-se para superar os desafios
colocados pelo desejo de constante aperfeiçoamento. O potencial de quali-
dades superiores que expressam as suas realizações tem correspondência na
forma como pensam, sentem e se comportam no processo de treino em que
estão intensamente envolvidos.

c) FASE DE ESPECIALIZAÇÃO
Os praticantes que atingiram esta fase centram-se nos aspetos inerentes aos
seus desempenhos e à forma de os melhorar. A atividade é agora de grande
especificidade, de acordo com as caraterísticas da sua modalidade despor-
tiva e da metodologia de treino. Surgem alguns tipos de motivações de
caráter secundário, como sejam aspetos materiais ou sociais.
Nos praticantes de excelência, a atividade desportiva está sempre presente e
a condicionar toda a sua vida. Têm uma permanente preocupação em encontrar
soluções para se aperfeiçoar, do que resulta que os seus pensamentos, e mesmo
os sonhos, estão absorvidos, durante uma percentagem significativa do tempo,
com a temática relacionada com o processo de treino. A procura da perfeição
tem lugar no rigor que colocam no cumprimento de todas as tarefas e na forma
como programam a sua vida, incluindo a busca de conhecimentos que propor-
cionem uma melhor compreensão do seu desporto.

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d) FASE DE REGRESSÃO
Corresponde à diminuição das capacidades físicas e do potencial de pres-
tação. Sucede frequentemente que os praticantes que alcançaram um nível
Sucede frequen- de elevado rendimento, no momento em que esta fase se aproxima e ten-
de a verificar-se, abandonam totalmente a atividade desportiva. Uma vez
temente que os
que se habituaram a regular e gerir o seu comportamento em função de
praticantes que objetivos de realização desportiva, não se adaptam a uma nova realidade
alcançaram um nível e cessam, pelo menos durante algum tempo, a participação no desporto.
Em muitos casos, este período é vivido com grande intensidade emocional
de elevado rendimento, e a adaptação a uma nova realidade é difícil e traumática.
no momento em que Para diminuir as consequências psicológicas negativas associadas a
este período, deve ter lugar uma preparação específica, quer antecipando
esta fase se aproxima, de forma realista a sua possibilidade, quer estruturando estratégias adapta-
e tende a verificar-se, tivas adequadas. Nos desportistas de alta competição que durante muitos
anos organizaram toda a sua vida em torno da carreira desportiva, trata-se
abandonam totalmente da vivência de um verdadeiro período de pré-reforma no qual é necessário
a atividade desportiva. programar atividades e interesses alternativos. A procura de atividades
físicas e desportivas de substituição deve ser uma preocupação nesta
fase. O indivíduo deve reencontrar o prazer geral do movimento, através
do envolvimento numa prática que encerre prazer e permite reformular
objetivos e finalidades.
Acontece também que muitos praticantes que nunca atingiram um
verdadeiro nível de especialização, no sentido em que não estiveram inte-
grados num sistema de treino desportivo sistemático, com vista ao elevado
rendimento num desporto, mas que se dedicaram a atividades com caráter
recreativo, poderão «saltar» a fase de especialização, passando diretamente
para a de regressão. Seja neste caso, ou na circunstância de ex-atletas de
competição, este período é caraterizado pela recuperação da motivação
geral menos diferenciada, obedecendo a uma necessidade higiénica e
lúdica do movimento. O prazer da prática pela prática torna-se novamente
motivo de envolvimento, ainda que possam coexistir outros, de caráter
extrínseco, como sejam os relacionados com fatores afiliativos.

2.5 A formação da atitude do praticante


A figura 6 mostra o modelo integrado de motivação no desporto propos- to
por Weiss & Chaumeton (1992). Podemos observar a complexidade do
processo, que é determinado por fatores relacionados com as caraterísticas
individuais e com a influência do contexto em que o indivíduo é educado, a
qual evolui ao longo do processo de formação desportiva.

2
A motivação e o processo de treino

PSICOLOGIA
DO DESPORTO

de Motivação no Desporto

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Na base do modelo está representada a existência dos fatores motivacio-


nais intrínsecos (ex.: condição física, divertimento, desenvolvimento de
competências) e dos fatores extrínsecos (ex: aprovação social, prémios,
ganhar, estatuto), bem como a sua relação com a orientação motivacional
para o domínio da tarefa e para o resultado. Estes aspetos vão condicio-
nar o modo como o indivíduo se envolve na atividade e tenta resolver os
problemas que a compõem, os quais constituem a dificuldade da tarefa.
O produto das ações do praticante vai determinar o sentimento de sucesso
ou fracasso, o qual é influenciado pelo seu tipo de orientação motivacional,
bem como pelo tipo de feedback e reforço fornecido pelos seus pares e pelos
adultos significativos. Forma-se, assim, um sistema pessoal de objetivos e de
valorização de reforços, em função de critérios que podem ter um caráter
interno ou externo e que vai ter como resultado psicológico a forma como
o praticante perceciona o seu nível de competência e controlo sobre o
desempenho das tarefas desportivas. Os afetos positivos ou negativos
associados à participação no desporto sofrem uma profunda influência
daquela perceção e, consequentemente, a motivação com que se mantém
ou não no processo desportivo.
O modelo exposto baseia-se nas variadas determinantes das caraterísticas
motivacionais do atleta que se vão formando ao longo do tempo, muito por
influência de fatores do envolvimento que em certa medida devem ser consis-
tentemente geridos pelo treinador.

Uma das determinantes da motivação é constituída pelo clima


motivacional que se carateriza pelo ambiente criado pelos treinadores, pais,
companheiros e outros elementos com influência no processo, o que tem
origem quer nas abordagens explícitas, quer nas mensagens implícitas destas
pessoas significativas. Deste modo são expressas expetativas e avaliações
relativas à participação e realização dos praticantes.
Ainda que seja muito importante a atitude dos pais transmitida na
forma como abordam a participação desportiva dos jovens, tal como a de
elementos-chave no seio da equipa, o treinador tem um papel central no
que se refere à regulação do clima motivacional.
Por exemplo, um enorme efeito modelador é determinado por:

n tipo de opções didáticas e de estratégias psicológicas;

n conteúdo da comunicação com os atletas;


n modo como o treinador valoriza o desempenho e os resultados dos discípulos.

2
A motivação e o processo de treino

Em consequência, haverá tendência para o desenvolvimento de uma orien-


tação para o resultado se o ambiente criado atribuir uma elevada impor-
tância à competição e à rivalidade entre os companheiros da equipa ou se
evidenciar uma avaliação pública das competências dos praticantes.
Ao contrário, haverá uma maior probabilidade de promover uma orienta- PSICOLOGIA
DO DESPORTO
ção para a tarefa se se valorizar a aprendizagem e a evolução nas técnicas
e habilidades, o desenvolvimento pessoal e a participação empenhada dos
desportistas.

Os estudos realizados nesta área constatam que os jovens implicados


em contextos preferentemente orientados para a tarefa revelam uma
maior motivação intrínseca, experimentam um nível superior de satisfação
na prática e expressam atitudes mais positivas perante os resultados
desportivos favoráveis ou desfavoráveis. Por outro lado, os praticantes
sujeitos a um clima que privilegia o resultado tendem a apresentar menor
satisfação na atividade que associam a graus elevados de stress, e a reagir
mais negativamente à derrota ou à vitória que relacionam com dificuldade
acrescida e prazer diminuído.

2.5.1 AS ESTRATÉGIAS DO TREINADOR

Um determinado jovem dedicava-se empenhadamente proporcionaram-lhe uma evidente evolução, de tal forma
ao seu desporto, treinando com assiduidade, mesmo que lhe foi atribuída um subsídio financeiro de determi-
para além dos horários e dias normais de treino. No sistema nado valor. Inesperadamente, considerou o quantitativo
de treino em que estava incluído estavam estabelecidas insuficiente reagindo do seguinte modo: por este valor
quatro sessões semanais, mas era frequente treinar seis a não vale a pena treinar mais do que sou obrigado. E
oito vezes por semana. O seu empenho e a sua capacidade voltou às quatro sessões semanais!

Este caso poderá levar-nos a concluir que se trata de um praticante orien-


tado para o resultado e que o prémio que lhe foi atribuído teve o efeito
perverso de diminuir a sua implicação no processo de treino.
Na realidade, o facto de se atribuir recompensas centradas no seu valor
material pode aumentar a intensidade do comportamento que tende a
dirigir-se para objetivos deste tipo. A perversidade nasce da circunstância

2
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de que apenas tem efeito potenciador do empenho quando, na perspeti-


va do atleta, o valor da recompensa o justifica. Se o sujeito avalia o valor
como sendo baixo, o comportamento diminui de intensidade e pode até
extinguir-se. Ao contribuir para a dependência da motivação extrínseca, o
envolvimento na tarefa fica prisioneiro desta.
Fala-se mesmo do «efeito de sobrejustificação» que se refere ao que
sucede aos praticantes intrinsecamente motivados para uma atividade
desportiva, os quais a partir do momento em que o resultado do seu
comportamento passa a ser premiado, registam uma transformação da
motivação intrínseca em extrínseca. A justificação do seu envolvimento
para obtenção da recompensa sobrepõe-se ao prazer vivenciado antes. Em
consequência, quando a recompensa desaparece ou deixa de ter valor, o
comportamento tende a extinguir-se.

Será então que os prémios são sempre negativos?


A resposta é não! Desde que não possuam valor em si mesmo, mas tenham
antes um valor simbólico, informativo quanto à competência e evolução na
realização das tarefas.

A recompensa, em vez de recompensar o resultado do


comportamento, deve incidir sobre o processo desenvolvido!

Há um conjunto de princípios que devem ser respeitados no sentido de


promover o desenvolvimento da motivação intrínseca e da orientação
para a tarefa:

a) QUANTO AOS PRÉMIOS:


- devem ter um caráter simbólico e informativo sobre o processo de aprendi-
zagem;
- deve explicar-se claramente o comportamento pretendido;
- deve definir-se o comportamento pretendido numa unidade observável;
- deve estabelecer-se claramente o sistema de relação entre o comporta-
mento e o prémio/recompensa;
- o sistema de prémios deve ser simples e fácil de gerir;
- deve controlar-se de forma consistente o comportamento pretendido,
avaliando-o sempre segundo os mesmos critérios prévios e associando-o,
como foi estabelecido, à recompensa estipulada.

3
A motivação e o processo de treino

b) QUANTO AO REFORÇO SOCIAL FORNECIDO PELO TREINADOR:


- deve centrar-se na realização da tarefa e não no resultado;
- deve ser relevante;
- deve ser cuidadosamente gerido, já que a repetição sistemática lhe retira
eficácia psicológica; PSICOLOGIA
DO DESPORTO
- deve ser significativo para o sujeito;
- deve ser imediato e objetivo;
- deve estar em relação direta e técnica com o comportamento;
- deve centrar-se na evolução pessoal e não nas diferenças individuais;
- deve ter o nível individual do sujeito como referência;
- deve manter presente os desafios individuais em relação com os objetivos
de tarefa.

c) QUANTO À PROMOÇÃO DO DIVERTIMENTO


O divertimento é uma das razões mais relevantemente associadas à moti-
vação intrínseca e à justificação dada pelos desportistas de todas as idades
e níveis de prática. É normalmente explicada pela existência dos seguintes
aspetos que devem ser levados em conta na gestão do processo de treino:

- oportunidade de interação e convívio;


- sentimento de aperfeiçoamento das competências e habilidades;
- existência de desafios pessoais na prática desportiva;
- experiência física e corporal gratificante;
- desenvolvimento da condição física;
- libertação de energias físicas e psicológicas.

d) QUANTO A CONTRARIAR AS RAZÕES DE ABANDONO DESPORTIVO


Ainda que, em termos globais, os aspetos anteriormente referidos tendam a
aumentar os fatores de permanência na atividade desportiva, é importante
ter consciência das razões mais apontadas para o abandono, de modo a
contrariá-las:

- pouco tempo de envolvimento na prática;


- experiência subjetiva de insucesso na prática do desporto;
- falta de evolução na atividade;
- falta de divertimento;
- aborrecimento por falta de desafios;
- lesões;
- falta de encorajamento por parte dos outros significativos.

31
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Conclusões
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- A motivação está associada à intensidade com que o praticante se


envolve e mantém na atividade, bem como ao modo como orienta o
seu comportamento para determinados objetivos.

- Os atletas que estão mais motivados intrinsecamente e mais orienta-


dos para a tarefa tendem a viver a prática desportiva de forma mais
positiva, com mais satisfação, e registam menor abandono em com-
paração com os praticantes extrinsecamente motivados e orientados
para o resultado.

- A atitude e a orientação pedagógica do treinador é determinante do


clima motivacional para a tarefa ou para o resultado, que se estabelece
no treino.

- Ao longo da carreira, os atletas passam por várias fases de que os


treinadores devem estar conscientes para adaptarem corretamente as
estratégias relacionais e de treino.

Autoavaliação
n Enuncie três fatores intrínsecos ao atleta que influenciem o seu
desempenho desportivo.

n Quais são as componentes da motivação?

n Dê três exemplos de motivação intrínseca para o desporto.

n Dê três exemplos de motivação extrínseca para o desporto.

n Em que difere a orientação motivacional para o resultado da


orientação motivacional para a tarefa?

n Quais são as fases de evolução da motivação para a prática


desportiva?

n Que estratégias pode o treinador usar para influenciar positiva-


mente o clima motivacional do treino?

3
A motivação e o processo de treino

GLOSSÁRIO PSICOLOGIA
DO DESPORTO

C O
CLIMA MOTIVACIONAL ORIENTAÇÃO MOTIVACIONAL
Ambiente psicológico global que Decorre de um conjunto de crenças
afeta os participantes e tem por individuais que determinam o
base uma orientação privilegiada modo como as pessoas se envolvem
para objetivos de tarefa ou de na atividade, seja centrado nos
resultado, valorizada pelos elemen- aspetos associados ao desempe-
tos mais influentes no contexto nho, seja na preocupação com a
desportivo. obtenção de um resultado final (ex:
na competição).

M
MOTIVAÇÃO EXTRÍNSECA
Refere-se às razões de envolvi-
mento numa atividade que lhe são
exteriores, mas que se relacionam
com incentivos ou recompensas
que lhe estão associadas.

MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA
Refere-se às razões de envolvimento
numa atividade para satisfação do
prazer pessoal que a prática provoca.

3
MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU I

Índice
INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

3. A RELAÇÃO TREINADOR-ATLETA 35
3.1 As funções do treinador 36
3.2 O treinador como líder 38
3.3 As competências de comunicação 41
3.4 As dimensões instrumental e socioemocional da intervenção 45
3.5 A componente situacional da relação treinador-atleta 49
3.6 A educação para a autonomia do atleta 50
3.7 O treinador e a carreira do atleta 52

CONCLUSÕES 55
AUTOAVALIAÇÃO 55
GLOSSÁRIO 56

1. FATORES PSICOLÓGICOS E PSICOSSOCIAIS


DA PRESTAÇÃO DESPORTIVA

2. A MOTIVAÇÃO E O PROCESSO DE TREINO

3. A RELAÇÃO TREINADOR-ATLETA

3
A relação treinador-atleta

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
No final deste capítulo o leitor deve ter conhecimento:
- dos estilos de liderança do treinador favoráveis à evo-
lução dos jovens praticantes;
- das estratégias de comunicação no processo de treino;
- do papel do treinador em cada fase da carreira dos atletas.
PSICOLOGIA
DO DESPORTO

3.ARELAÇÃO
TREINADOR-ATLETA
INTRODUÇÃO
Jogava-se o «tie-break» da quinta partida num ambiente o segundo que, à velocidade de 144 km por hora, coloca ma-
de profunda emoção e drama. Frente a frente estavam o gistralmente, sem que Corretja consiga tocar-lhe. Na jogada
americano Pete Sampras e o espanhol Alex Corretja, dois dos seguinte, Sampras ganha o encontro ficando o adversário
melhores jogadores do mundo naquele ano de 1996. Corre- de joelhos a chorar a sua sorte. O americano, nos limites
tja dispõe de um «match-point» com que pode terminar o da resistência, foi transportado para o posto clínico onde
jogo a seu favor. Sampras serve e vai à rede. A seguir amor- abraçado à namorada comentou: «Fi-lo por Gully!». Gully,
tece com um volei, mas o espanhol consegue chegar-lhe ou Tim Gullicson, que faria anos alguns dias mais tarde,
e tenta passar o adversário com uma bola cruzada. Como tinha sido o seu treinador durante muitos anos, e morrera de
que por instinto, Sampras estica-se e ganha o ponto, ficando cancro pouco tempo antes. Pete Sampras nunca o esqueceu.
completamente esgotado com esta troca de bolas intensa e É como se estivesse sempre presente, assistindo e torcendo
violenta. Falha seguidamente o primeiro serviço, mas ganha por ele nos grandes torneios.

Este episódio, descrito num jornal da época, revela a profunda ligação que vulgarmente se estabelece entre treinador
e atleta, mesmo no mais elevado nível do desporto mundial, testemunhando que a dimensão afetiva e emocional
transcende muitas vezes a dimensão técnica que juntou estes dois atores durante o processo desportivo. De facto,
não é apenas no desporto infantojuvenil que o treinador assume tamanha importância para os jovens discípulos,
a qual pode ser demonstrada no exemplo da mensagem escrita por uma mãe num cartão que acompanhava uma
oferta a um ex-treinador do seu filho, por altura de uma importante realização pessoal daquele:

3
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GRAU I

Professor,
INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

Ao felicitá-lo por mais um sucesso pessoal, permita-me que nesta


singela lembrança lhe transmita toda a gratidão pela amizade que tem
patenteado ao meu filho, chegando até a substituir o pai que ele só tem
fisicamente.
3.1 As funções do treinador
A ação do treinador tem lugar no contexto do treino e da competição, sendo
reflexo da forma como leva a cabo a organização da sua atividade e interven-
ção (fig. 7).

FIGURA 7 - Modelo dinâmico do


Coaching
(Côté, Trudel & Salmela, 1993).

O objetivo fundamental é o desenvolvimento dos atletas, quer na dimensão


desportiva, ajudando-os a evoluir, quer na dimensão humana, contribuindo
para o seu desenvolvimento. Nesta missão, o treinador atuará em resultado
das suas caraterísticas pessoais, das caraterísticas pessoais do praticante e
dos fatores do contexto em que o processo tem lugar.

3
A relação treinador-atleta

A permanente reflexão sobre o modo como reage às situações, conside-


rando o que sente, pensa e faz, ajudará ao autoconhecimento e, conse-
quentemente, ao melhor controlo e adequação dos seus comportamentos.
Conseguirá mais maturidade e eficácia.
O recurso à observação sistemática e seletiva, bem como a relação direta PSICOLOGIA
DO DESPORTO
com os atletas e seus familiares, ou a adequada utilização de questionários e
registos diversos, permitirá uma recolha e tratamento eficaz de informação
sobre os praticantes, indispensável à componente de individualização do
treino. Quando necessário, o recurso à colaboração de outros técnicos, como
os psicólogos do desporto, poderá ser útil para intervenções mais diferencia-
das e especializadas.
Os fatores contextuais referem-se a todos os elementos de caráter físico e
social, que podem ou não estar diretamente relacionados com as componen-
tes do desporto, mas que interferem na adaptação do praticante. O seu conhe-
cimento deve ser sistematizado em diferentes níveis de análise, para poder ser
integrado nas decisões e estratégias do processo formativo e de treino.
As funções do treinador incluem os aspetos instrumentais que se referem
à formação das competências técnico-táticas do desporto, da componente
física e dos recursos psicológicos necessários à prestação. Por outro lado,
abrange uma dimensão socioafetiva na medida em que deve ser um apoio
permanente do desportista, contribuindo marcadamente para a formação
de atitudes e orientações pessoais e ajudando a enquadrar o projeto despor-
tivo no projeto de vida.

Deste modo, deve cumprir as seguintes funções:

n ser um modelo de referência em todo o processo;


n estimular e gerir a aprendizagem e treino;
n ser um recurso para a resolução de problemas;

n auxiliar o comportamento do atleta em competição.

FIGURA 8 - Papéis do treinador.

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Muito para além da influência técnica, é uma presença psicológica constante


que, sobretudo nos jovens praticantes, coloca o treinador entre os adultos
significativos mais determinantes dos comportamentos dos jovens.

3.2 O treinador como líder


Segundo a definição clássica proposta por Borrow, liderança é um processo
comportamental que tem por objetivo influenciar os indivíduos e grupos
para que possam alcançar os objetivos pretendidos. Neste sentido, o treina-
dor é um líder que desenvolve a sua ação no contexto desportivo, atuando
diretamente junto de atletas e equipas e que tem caraterísticas específicas.

os quais tipicamente não têm parte ativa na designação do treinador;

lhe atribui funções a desempenhar de acordo com os seus objetivos e finalidades;

federação) lhe dirige quanto à especificidade do seu domínio de intervenção;

os seus critérios relativos às normas e processos de funcionamento coletivo;

os seus critérios relativos às normas e processos de funcionamento coletivo;

dos, quanto às suas qualidades técnicas e pessoais.

Verificam-se assim as componentes da liderança:

- A INTERAÇÃO: existe uma dependência mútua na relação interpessoal;


- A INFLUÊNCIA: existe um impacto recíproco entre o líder, os subordinados
e a situação;
- O PODER: o treinador determina o comportamento dos membros do
grupo.

3
A relação treinador-atleta

Em termos gerais, o treinador deve assegurar o cumprimento das exigências


da organização que o contratou, da eficácia do grupo e de cada atleta com
que trabalha, no sentido de satisfazer as necessidades e aspirações dos prati-
cantes, respeitando os objetivos e metas organizacionais.
PSICOLOGIA
DO DESPORTO
Chelladurai é um dos autores que mais estudou os comportamentos de liderança
no desporto, tendo definido cinco dimensões da intervenção do treinador:

a) QUANTO AO ESTILO DE INTERAÇÃO


- Treino-instrução: comportamento do treinador voltado para a melhoria
da prestação dos atletas, através da focalização das suas preocupações
nos treinos intensos e exigentes, instruindo os atletas nas práticas, técni-
cas e táticas da modalidade, clarificando a relação entre os membros do
grupo, estruturando e coordenando as suas atividades.
- Reforço: comportamento do treinador que estimula positivamente o
atleta, reconhecendo e recompensando os seus bons desempenhos.
- Suporte social: comportamento do treinador que se caracteriza pelo seu inte-
resse relativamente à vida e bem-estar dos atletas, que procura criar um bom
ambiente no grupo e que favorece as relações interpessoais entre os atletas.

b) QUANTO AO ESTILO DE TOMADA DE DECISÃO


- Democrático: comportamento do treinador que favorece a participação
dos atletas nas decisões relativas aos objetivos individuais e do grupo,
aos métodos de trabalho e às estratégias relacionadas com a atividade.
- Autocrático: comportamento do treinador que preconiza a independên-
cia nas tomadas de decisão e realça a sua autoridade pessoal.

O estilo utilizado pelo treinador é influenciado pelas suas caraterísticas


pessoais,pelasdos atletasque dirigee pelocontexto,tendoinfluênciatantono
rendimento desportivo, como no sentimento de satisfação dos praticantes.
Tem-se constatado que o comportamento de treino-instrução e o de reforço são
geralmente predominantes. Por outro lado, o suporte social, que também regista
valores normalmente significativos, contribui para a humanização do processo
em graus que dependem da particularidade de cada caso.
Quanto ao estilo de decisão, não se verifica uniformidade, já que depende muito,
entre outros aspetos, das circunstâncias da prática, da maturidade dos atletas ou do
nível competitivo em que tem lugar. Contudo, há tendência para que o estilo demo-
crático predomine nos desportos individuais e o autocrático nos coletivos.

3
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Tambémnosdesportosem que as tarefassão variadase em queos membrosdo


gruposãointerdependentes,hámaiornecessidadedeumestilodeliderançamais
estruturado.Verifica-se ainda uma tendência para que o sexo feminino prefiraos com-
portamentos democráticos, ao contrário do masculino que prefere os autocráticos.
Há alguma relação entre o estilo de liderança dos treinadores e os estados
emocionais dos atletas. Os comportamentos democráticos e de treino-instrução
estão associados a uma maior satisfação dos praticantes e a menores sentimentos
de ansiedade, para o que contribui igualmente o suporte social. O comportamen-
to autocráticoassocia-sea uma menor satisfaçãoe a sentimentosde ansiedade
superiores.
As necessidades gerais dos atletas vão no sentido de estarem inseridos num
processo de treino que seja gerido de modo a obterem competências e capaci-
dades facilitadoras da prestação. Gostam, ainda, que lhes seja dada a oportuni-
dade de participar nas decisões que os afetam e que a avaliação do desempe-
nho das tarefas feita pelo treinador tenha um caráter positivo e transmita a ideia
de que são respeitados enquanto seres humanos.

As caraterísticas psicológicas dos praticantes dão aos treinadores algumas


indicações quanto ao estilo mais adequado.

ESTÍLOS DE TREINO

TREINO-INSTRUÇÃO É PREFERIDO POR ATLETAS QUE:


tenham uma motivação elevada para a tarefa;
tendam a possuir o sentimento de que o controlo das suas ações e respetivos resultados
dependem essencialmente de si;
gostem de ter as suas ações e atividades bem organizadas e sistematizadas.

O APOIO SOCIAL É PREFERIDO POR ATLETAS QUE:


tenham uma motivação predominantemente extrínseca;

que este proporciona;


tenham valores elevados de ansiedade.

O ESTILO AUTOCRÁTICO É PREFERIDO POR ATLETAS QUE:


tendam a não organizar e sistematizar naturalmente as suas ações e atividades;
tendama possuiro sentimentode que o controlodas suas ações e respetivoscomportamentos
dependem mais de fatores externos do que de si mesmo.

4
A relação treinador-atleta

3.3 As competências de comunicação


Quantas vezes surgem conflitos entre treinador e atleta, simplesmente porque o
treinador reagiu de determinada forma a um comportamento do atleta, devido
à interpretação que realizou...? Na sequência, foi a vez do praticante fazer a sua
interpretação da resposta do técnico e reagir negativamente. A partir daqui, PSICOLOGIA
DO DESPORTO
um encadeamento de mal-entendidos leva a um conflito que pode perturbar
profundamente e, por vezes, levar à rutura da relação. Tudo porque houve pro-
blemas de comunicação!

Na verdade, há um conjunto de fatores que tendem a interferir no processo de


comunicação, facilitando-o ou dificultando-o. A história da relação entre o atleta
e o treinador, bem como os afetos entre ambos, são aspetos importantes. Mas
também as histórias pessoais de vida, os seus valores, atitudes, educação, etc.
As mensagens que se emitem ou recebem sofrem ainda interferências das moti-
vações dos sujeitos, dos seus conhecimentos, das suas capacidades de comunicar,
da linguagem utilizada, ou ainda das expetativas, quer quanto ao conteúdo da
mensagem, quer quanto à forma como é comunicada.

4
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Existem assim «filtros» que retiram à mensagem a sua «pureza objetiva», tanto
retirando parte da informação, como acrescentando ou deturpando o que é
comunicado. Vejamos alguns:

a) FILTROS RELATIVOS À SITUAÇÃO DE TREINADOR:


- estatuto dentro do grupo
(ex.: é há muitos anos treinador do grupo, ou chegou recentemente?);
- autoridade
(ex.: nível de reconhecimento da sua experiência como técnico);
- competência técnica
(ex.: capacidades de planeamento e intervenção);
- conhecimentos sobre o desporto
(ex.: compreensão dos diversos aspetos relacionados com a modalidade);
- nível de participação no desporto
(ex.: regional, nacional ou internacional).

b) FILTROS RELATIVOS À SITUAÇÃO DE ATLETA:


- interesse na mensagem do treinador;
- confiança no treinador;
- conhecimento sobre o treinador;
- atenção à mensagem;
- preocupações com outros aspetos;
- experiência no desporto;
- nível de prática competitiva;
- situação desportiva no momento.

c) FILTROS RELATIVOS AO ENVOLVIMENTO:


- ruído sonoro em torno dos sujeitos em comunicação;
- conversas de outras pessoas;
- iluminação, música, etc.;
- condições atmosféricas;
- presença de outros elementos significativos.

42
A relação treinador-atleta

No processo de comunicação existem seis elementos básicos:

ELEMENTOS BÁSICOS DO
PROCESSO DE COMUNICAÇÃO
PSICOLOGIA

1.
DO DESPORTO

DECISÃO DE ENVIAR A MENSAGEM.


É determinada pelo juízo que o treinador faz sobre o que deve comunicar e refere-se
também ao momento que ele considera indicado para a transmitir. Deve resultar de
uma análise da situação concreta, do conhecimento que tem do sujeito e da informa-
ção que possui sobre o material a comunicar.

2. CODIFICAÇÃO DA MENSAGEM.
Resulta do modo como se transforma o pensamento em palavras ou gestos, no sentido
de comunicar o que se pretende. Deve ter-se em conta a adequação às caraterísticas e
capacidades do recetor da mensagem.

3. ENVIO DA MENSAGEM.
Corresponde ao ato de transmitir as ideias de um modo verbal ou através de gestos.
O modo como se expressa a mensagem deve ser adequado a quem ela é destinada.

4. CANAL DE TRANSMISSÃO.
Refere-se ao meio escolhido para transmitir a mensagem que pode ser a linguagem para
mensagens verbais, ou os movimentos corporais para mensagens não verbais. A comuni-
cação pode ser feita face a face, quando treinador e atleta estão em presença um do outro,
mas pode utilizar outros canais como o telefone, o computador, o vídeo, etc. Em qualquer
caso é necessário ter em conta a possibilidade de se verificarem «ruídos» que constituem
interferências no processo e que pode deturpar o conteúdo da mensagem.

5. DESCODIFICAÇÃO DA MENSAGEM.
Consiste na interpretação que o atleta realiza do que lhe foi transmitido pelo treinador.
Esta interpretação é muito influenciada por aspetos psicológicos do recetor, como as
atitudes, história pessoal, expetativas, etc. e que pode coincidir, ou não, com o conteúdo
objetivo da mensagem.

6. REAÇÃO DO RECETOR À MENSAGEM.


Após a descodificação, terá lugar um certo impacto no atleta no que se refere ao que ele
pensa, sente e faz. O modo como o sujeito reage resulta da relação entre a forma como
capta a mensagem e os ruídos físicos e psicológicos que interferiram no processo. Para
entender a reação do atleta, o treinador deve considerar que a mensagem pode não lhe
ter chegado em conformidade com a intenção e conteúdo que determinouo seu envio.

4
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Para que a comunicação se estabeleça com a máxima eficácia, há um conjuntos


de normas que devem ser tidas em conta:

NORMAS PARA A
COMUNICAÇÃO COM EFICÁCIA

1. RESPEITO E SENSIBILIDADE.
Os atletas devem ser tratados com respeito verdadeiro e sincero, independentemente
do seu nível técnico ou etário. Deve haver cuidado para não ofender ou magoar os
sentimentos dos praticantes, nem os deixar mal colocados perante as outras pessoas.

2. SABER OUVIR.
Muitas vezes é mais importante ouvir do que falar. O ato de ouvir revela interesse pelo
outro, transmitindo-lhe confiança. É indispensável para o conhecimento do outro e
para recolher informação que fundamente uma intervenção adequada. O ouvir permite
centrar a relação no outro, enquanto falar centra a relação no próprio.

3. TOLERÂNCIA E EMPATIA.
Tal como qualquer ser humano, os atletas podem errar. O treinador não deve projetar
neles a sua própria frustração mas, pelo contrário, demonstrar compreensão e dispor-se
a ajudá-los. Deve ser empático, sentindo as alegrias e tristezas dos discípulos.

4. MANTER A CALMA.
A regulação emocional dos praticantes, individualmente e das equipas, é condicionada
pelos estados emocionais expressos pelo treinador. O autocontrolo é uma das qualidades
indispensáveis aos bons técnicos que determina também o respeito que os discípulos
sentem por ele.

5. SER EXPRESSIVO.
Deve ter capacidade para exprimir os afetos necessários ao estabelecimento de uma
boa relação e ao desenvolvimento dos sentimentos positivos dos atletas: aprovação
dos bons comportamentos, agradecimento quando é alvo de amabilidade e distinções,
felicitações pelas ações bem sucedidas, etc.

6. CRÍTICA CONSTRUTIVA.
A crítica deve ser sempre no sentido de transmitir informação sobre o que foi feito e
indicações com vista a que os atletas melhorem. Deve haver sempre o cuidado de que
são os comportamentos que estão em causa e não as pessoas que os realizam. Por isso,
as críticas devem centrar-se nas tarefas e nunca nas qualidades das pessoas.

4
A relação treinador-atleta

cumpridas e o que se diz deve ser consistente com o que se faz. PSICOLOGIA
DO DESPORTO

com razão nos seus treinadores em todas as circunstâncias.

O processo de treino é voluntariamente escolhido pelos praticantes que dele pre-

nibilidade para o trabalho.

A maior percentagem de mensagens que são captadas pelos outros têm caráter não

e a apoio aos seus atletas com sinais não verbais (gestos, formas de olhar, distância

Em síntese, o treinador deve comportar-se com os atletas da forma como


gostaria de ser tratado pelos outros. O modo como o treinador se comporta
deve transformá-lo num modelo que os atletas desejem imitar.

3.4 As dimensões instrumental e socioemocional


da intervenção
A função do treinador visa influenciar o comportamento do atleta no
sentido de promover a sua adaptação e evolução relativamente às compe-
tências desportivas. As situações em que se manifesta o comportamento do
praticante caracterizam-se por uma sequência de problemas aos quais ele
tem de dar resposta, fazendo uso de capacidades, técnicas e estratégias que
adquire através do treino orientado pelo treinador. Fala-se assim da dimen-
são instrumental da intervenção do treinador.
No entanto, qualquer situação desportiva, dentro ou fora da competição,
tem um importante significado psicológico para o atleta e a sua reação é
fortemente determinada pela atitude e tipo de intervenção do seu técnico.

4
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O técnico não influencia apenas a face mais objetiva e instrumental da


adaptação do seu discípulo. A vertente socioemocional interfere igualmen-
te na prestação desportiva. Na verdade, o atleta pode ter dificuldade em
resolver as tarefas desportivas devido ao desenvolvimento de sentimentos
perturbadores da prestação. O treinador deve tentar identificá-los, com-
preendê-los e agir como facilitador da adaptação emocional do praticante.
Por outro lado, o próprio técnico pode estar na origem das reações emo-
cionais positivas ou negativas do discípulo, pelo que deve estar desperto
para tal eventualidade.
Por exemplo, os comportamentos que exprimem o entusiasmo dos
treinadores caracterizados essencialmente por um conteúdo afetivo têm
um efeito positivo no treino e facilitam a relação treinador-atleta.
Noutro âmbito, tem-se verificado que treinadores de equipas mais vitorio-
sas, quando falam aos seus atletas nos intervalos dos jogos, transmitem
menor quantidade de mensagens nos seus discursos que, no entanto, car-
regam mais de elogios e de otimismo. De resto, quer nas intervenções que
antecedem as competições, quer nos intervalos, deve haver uma divisão
entre o conteúdo instrumental e o conteúdo psicológico da intervenção.
O primeiro deve ser predominantemente dirigido ao grupo, de modo a que
todos recebam as instruções que interessam à prestação coletiva e fiquem
conhecedores das tarefas de todos, enquanto o conteúdo psicológico deve
ser predominantemente individualizado, de acordo com as caraterísticas
de cada membro da equipa.

4
A relação treinador-atleta

PSICOLOGIA
DO DESPORTO

gostam habitualmente de

sobre assuntos diversos;


gostam que o treinador lhes
transmita confiança através

DO TREINADOR
mentos;
gostam que o treinador dê
ênfase ao espírito de equipa,
NO ATLETA
sobretudo quando se trata de
desportos coletivos;

opiniões do treinador;
pretendem que o treinador
lhes dê indicações claras
sobre o que devem fazer para
corrigir as execuções;
ADAPTAÇÃO ADAPTAÇÃO gostam de ser responsabiliza-
TÉCNICA EMOCIONAL
dos no processo de treino.

PRESTAÇÃO

O processo de treino deve basear-se numa comunicação e interação


tendencialmente abertas e cooperativas. Deste modo facilita-se um clima
afetivo entre treinador e atleta, indispensável à adaptação emocional do
praticante. Sem esta adaptação podem surgir dificuldades técnicas, ficando
bloqueada a função instrumental do treinador e podendo desencadear-se
reações de ansiedade no praticante.

4
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No que respeita à componente emocional da relação treinador-atleta, é impor-


tante considerar que:
n entre estes dois atores do processo desportivo, verifica-se uma troca de

afetos de intenso significado;


n as tensões do treinador tendem a ser transmitidas ao praticante;

n parte significativa da condição psicológica do atleta depende da estabili-

dade emocional do treinador;


n os estados emocionais do treinador transmitem-se ao atleta por via

verbal e não-verbal;
n as emoções do atleta são modeladas pelas estratégias de interação do

treinador;
n há necessidade de o treinador tomar consciência dos seus comportamen-

tos e respetivo impacto nos praticantes.

O treinador deve ter em conta os seguintes princípios, com o objetivo de


aumentar a sua eficácia na gestão emocional do processo:

EFICÁCIA NA GESTÃO
EMOCIONAL DO PROCESSO

Deve evitar a tendência de ativar constantemente os atletas antes da competição.

Deve colocar-se como um suporte emocional sempre disponível.

elementos que ajudem a correção da prestação.

Deve ser económico nas instruções e feedbacks, limitando-se ao essencial.

Deve ter a preocupação de apoiar emocionalmente o atleta, mesmo após um mau


resultado, sem ser demasiado invasivo.

ções e comportamentos que reduzem as suas tensões, mas que não ajudam a adaptação
dos atletas.

4
A relação treinador-atleta

3.5 A componente situacional da relação treinador-atleta


Como temos visto, o processo de treino coloca em relação os seus principais
protagonistas que são o treinador e o atleta, cujas caraterísticas pessoais são
condicionantes fundamentais. No entanto, a relação tem lugar num deter-
minado contexto que constitui um terceiro elemento do sistema, e é por ele Os comportamen- PSICOLOGIA
DO DESPORTO
influenciada.
Os comportamentos do treinador resultam não só das exigências explícitas
tosdotreinadorresultam
da situação e do papel que consequentemente lhe é atribuído, mas também não só das exigências
da forma como ele vê e interpreta a realidade situacional. Um outro aspeto
que condiciona a relação refere-se ao que o praticante espera do seu técnico
explícitas da situação
em determinada situação, e ao modo como reage ao seu comportamento e do papel que conse-
que pode, ou não, ser concordante com as expetativas.
quentemente lhe é
Vejamos alguns fatores situacionais que influenciam a relação treinador-atleta. atribuído, mas também
da forma como ele vê
a) TIPO DE DESPORTO.
Por exemplo, a relação treinador-atleta é muitas vezes mais próxima e íntima e interpreta a realidade
em desportos individuais nos quais existe maior dependência mútua, do que situacional.
em desportos coletivos onde é normal o atleta encontrar nos companheiros
o suporte que pode não receber do treinador. O treinador deve conhecer
bem as caraterísticas fundamentais da atividade que orienta, nas dimensões
instrumental e relacional, de modo a adequar as suas estratégias.

b) NÍVEL DE COMPETIÇÃO.
Nos níveis superiores do alto rendimento, os praticantes têm uma maior
capacidade de análise dos aspetos que interferem na prestação, tendendo a
ser mais autónomos na procura de soluções. Ao invés, nas etapas de formação,
o treinador tem um impacto profundo que resulta de ser menos filtrado pelos
praticantes, os quais, devido à sua inexperiência, não possuem referências para
além do que transmite o seu técnico, quer do ponto de vista instrumental, quer
socioafetivo. O treinador deve ter presente as necessidades inerentes ao nível
em que está a intervir e adequar o conteúdo e a forma de relacionamento.

c) TREINO OU COMPETIÇÃO.
Os constrangimentos que condicionam os afetos, cognições e comporta-
mentos de atletas e treinadores, são diferentes em treino e em competição.
Muitas vezes existe na situação de treino uma maior preocupação com o
processo de aquisição e aperfeiçoamento das tarefas, enquanto nas com-
petições se tende a focalizar no resultado. Esta tendência leva a que o clima
estabelecido entre os atores seja distinto e que as diferenças verificadas na
competição, relativamente ao habitual no treino, possam vir a constituir fato-
res adicionais de perturbação. Assim, devem equilibrar-se as duas situações,

4
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para as aproximar e tornar a relação consistente e não dependente de fatores


circunstanciais incontroláveis.

d) EXPERIÊNCIAS ANTERIORES DE SUCESSO-FRACASSO.


Por exemplo, haverá tendência para se estabelecer um clima relacional
diferente quando se verifica uma sucessão de maus resultados ao longo
de um período mais ou menos longo, em comparação com o que tende a
passar-se em circunstâncias inversas. De modo semelhante, a relação será
influenciada pelo modo como vão sendo cumpridos os objetivos estabe-
lecidos quer para os treinos quer para as competições. O treinador, com
uma atitude racional, deverá ser capaz de desmontar as componentes da
prestação e transmitir aos discípulos expetativas realistas, competências
de evolução e capacidade de reinterpretação das situações.

e) AMBIENTE DENTRO DA EQUIPA.


Tanto nos desportos coletivos como nos individuais, o ambiente entre os
membros do grupo, designadamente quanto ao modo como são atraídos
para o grupo e sentem pertencer-lhe, influencia todo o sistema relacional
onde se inclui o treinador. É importante que este tente compreender os
pontos críticos da dinâmica do grupo, favoráveis e desfavoráveis, para
poder influenciá-la positivamente.

3.6 A educação para a autonomia do atleta


É vulgar considerar-se que o treinador possui os conhecimentos, experiên-
cia, capacidade de análise das situações desportivas e de resolução de pro-
blemas, enquanto o praticante possui as capacidades de execução motora
que serão tanto melhor potenciadas, quanto mais eficazmente seguir as
indicações do seu técnico. A relação treinador-atleta obedeceria, assim, a
um processo em que a conceção e planeamento seria a tarefa exclusiva do
treinador, cabendo ao atleta a de execução.
Existe, aliás, uma tendência para que o praticante fique dependente
do treinador em quem procura a segurança necessária para compensar
a incerteza e a ansiedade próprias do contexto competitivo. Em muitos
casos, o técnico responde com um estilo diretivo que inibe a criatividade,
autonomia e autoconfiança do atleta.
Todavia, a prática desportiva deve ser um meio promotor do desenvolvi-
mento pessoal dos praticantes. Eles devem encontrar aí, desde as fases mais
precoces, oportunidades de treino das capacidades de análise e interpretação
dos problemas com que se confrontam, em paralelo com o conhecimento e
aprendizagem da suas competências de lidar com tais problemas. O papel do
treinador reside muito no auxílio a este processo de progressiva maturação.

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A relação treinador-atleta

PSICOLOGIA
DO DESPORTO

A maturidade do treinador expressa-se também na sua capacidade de saber


transmitir o controlo das situações aos seus discípulos, em função do treino
de autonomia que deve saber proporcionar-lhes. De facto, cada um dos
intervenientes no processo tem o seu crédito de experiências, bem como
capacidade de análise e de gerar soluções a partir da perspetiva com que
aborda a situação. Podemos, então, considerar o processo desportivo como
um sistema coletivo que sairá enriquecido se houver colaboração mútua na
sua conceção, planeamento, execução e avaliação. O técnico cumpre, assim,
a função de promover a autonomia e independência do atleta, o que a prazo
tornará o comportamento deste último muito mais eficaz. Na realidade, no
terreno da competição não é o treinador que resolve os problemas, mas sim
o praticante, de acordo com as competências que desenvolveu de caráter
motor, mas também de criatividade e autonomia.

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MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU I
INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

Podemos concluir que as estratégias de treino devem incluir os seguintes


aspetos, adaptados às caraterísticas dos praticantes:

n atitude empática com o atleta;


n discussão das tarefas e condicionantes do treino;

n margem de autonomia do atleta no treino e competição;

n decisões tomadas a partir do referencial comum constituído pela partilha

de conhecimentos e experiências.

3.6 A educação para a autonomia do atleta


O desenvolvimento do desporto levou à constituição de uma verdadeira
O treinador pode
carreira, percorrida pelos praticantes ao longo de muitos anos, desde que
atingir o mais elevado se iniciam numa determinada modalidade, até atingirem as fases mais evo-
grau de competência luídas de prestação. No sistema do desporto de rendimento, colocam-se
objetivos de aperfeiçoamento que implicam assinalável dedicação na qual
profissional em o treinador tem um papel determinante.
qualquer uma das Treinador e atletas, ao envolverem-se intensamente na atividade desportiva,
passam por várias fases de carreira correspondentes ao processo de maturação
fases, uma vez que desportivo e profissional. No entanto, se a realização do praticante é simbolizada
tendo cada uma pelo atingir do nível absoluto mais elevado da competição desportiva, já o trei-
nador pode percorrer um caminho de aprendizagem profissional que o leve a es-
delas caraterísticas pecializar-se em determinada fase de evolução dos praticantes. O treinador pode
específicas, alguns atingir o mais elevado grau de competência profissional em qualquer uma das
técnicos podem fases, uma vez que tendo cada uma delas caraterísticas específicas, alguns técnicos
podem especializar-se numa delas para a qual tenham mais apetência e sensibili-
especializar-se dade. De facto, um bom treinador ao mais alto nível da competição internacional
numa delas para pode não possuir as competências necessárias ao trabalho em fases anteriores da
evolução dos atletas, tal como a situação inversa também é verdade.
a qual tenham Durante a carreira dos desportistas, os treinadores tornam-se figuras de enorme
mais apetência e importância no desenvolvimento desportivo e pessoal dos atletas, desempenhando
papéis diferenciados em cada fase da carreira.
sensibilidade. Por exemplo, nas primeiras etapas, revela-se uma pessoa significativa com um
valor decisivo quanto às questões da motivação e envolvimento das crianças e
jovens no desporto. No período correspondente à adolescência dos praticantes,
se por um lado se pode tornar um modelo adulto complementar ou substituto
da família, por outro pode ver a sua autoridade contestada num momento em
que os jovens entram facilmente em conflito, decorrente do seu processo de
procura de autoafirmação e valorização perante os outros. Na última fase, o
treinador é muitas vezes um apoio indispensável ao atleta, mas também pode
surgir negativamente relacionado com o abandono, quer por estar associado ao
seu desencadeamento, quer por não ter prestado o apoio desejado no último
período de transição.

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A relação treinador-atleta

O nível de conflitualidade é geralmente baixo em todas as etapas, ainda


que surja um pouco mais elevada a partir do final das etapas de formação,
o que pode estar associado ao aumento da tensão da competição e de possíveis
desentendimentos pontuais com os treinadores. Tais desentendimentos poderão,
em parte, ficar a dever-se ao facto de os praticantes, à medida que evoluem, PSICOLOGIA
DO DESPORTO
poderem desenvolver perspetivas pessoais sobre procedimentos e decisões
que, nalguns casos, podem entrar em conflito com o entendimento dos seus
técnicos, ou que estes podem não considerar de acordo com os desejos dos
discípulos.
As fases de formação são geralmente divididas em iniciação e desen-
volvimento. Na primeira, os bons treinadores têm um profundo amor pelas
crianças com quem trabalham e são apaixonados pelo seu desporto. Ainda
que não sejam muitas vezes grandes especialistas técnicos de todos os aspe-
tos da modalidade desportiva, conhecem perfeitamente os elementos-chave
necessários a uma correta iniciação técnica. Muitos dos atletas que atingiram
níveis elevados de prestação recordam os seus treinadores desta fase como
tendo transmitido a estrutura essencial à sua evolução no desporto.

Do ponto de vista da relação com as crianças e jovens, são


carinhosos e assumem um estilo paternal ou maternal, conforme os
casos. A relação com os seus discípulos leva-os amiudadas vezes a
tornarem-se também amigos da família.

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MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
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INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

O modo como orientam as sessões de treino é caraterizado pela alegria que


colocam na atividade e transmitem aos praticantes. Por outro lado, centram-se
predominante no processo de aprendizagem e aperfeiçoamento das tarefas,
atribuindo aos resultados desportivos uma importância secundária.
A fase de desenvolvimentoé caraterizadapela transiçãode uma perspetivaes-
sencialmente lúdica, para um sistema em que os jovens se inserem em programas
mais rigorosos de treino. Os treinadores que aqui desenvolvem a sua atividade são
respeitados pelas sua qualidades técnico-pegagógicas e seguem critérios de
disciplina e de cumprimento de tarefas mais elaboradas. São exigentes quanto aos
processos de trabalho e dirigem-se para objetivos explícitos e definidos, educando
os jovens na organização do seu comportamento enquanto atletas.
Estes treinadores possuem um elevado nível de especialização técnica
no seu desporto, dominando os detalhes de modo a orientar os praticantes
de forma adequada às suas caraterísticas e a fornecer-lhes os elementos
indispensáveis a um nível elevado de prestação desportiva.

SUGESTÕES DE LEITURA Os estudos que se têm ocupado da evolução da relação treinador-atleta per-
(referentes ao conteúdo do presente nível) mitem, de um modo geral, retirar as seguintes conclusões:
Paula Brito, A. (2007). Psicologia do
Desporto para Atletas. Lisboa: Editorial n Existe uma dinâmica na relação entre treinador e atleta ao longo da carreira.
Caminho
n Verifica-se uma tendência para que a evolução decorra de uma orientação
Becker, B. (2002). Psicologia aplicada centrada na componente afetiva, para uma orientação centrada na tarefa.
ao treinador esportivo. Novo Hamburgo:
n O poder da relação recai inicialmente sobre o treinador, tendendo, nas fases
Feevale
mais evoluídas, a ser repartido entre atleta e treinador, com o progressivo
Gould, D, & Weinberg, R.S. (2008).
aumento da colaboração no processo de tomada de decisão.
Fundamentos da Psicologia do Esporte e do
Exercício (4.ª Edição). Porto Alegre: Artmed n A orientação para a tarefa é facilitada pela existência de compatibilidade mú-

tua e confiança entre treinador e atleta, e pelo equilíbrio de poder na relação.


NOTA: optou-se por sugerir livros publica- n O nível de conflitualidade é normalmente baixo, mas quando existe tem
dos em português para melhor acessibi- lugar sobretudo na fase de desenvolvimento e deve-se essencialmente ao
lidade.
facto de o atleta considerar que o treinador é demasiado exigente no treino,
sentir falta de afeto e atenção por parte do seu técnico e sentir que lhe é
restringida a autonomia.

o treinador siga as seguintes linhas de orientação:

se centrar nas preocupações inerentes aos seus próprios objetivos profissionais.

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A relação treinador-atleta

Conclusões
- A intervenção do treinador inclui a função instrumental e a função
socioafetiva que devem ser cuidadosamente geridas.

- O exercício de liderança do treinador tem expressão no seu estilo de PSICOLOGIA


DO DESPORTO
interação e de tomada de decisão que devem adequar-se às caraterís-
ticas dos atletas (e equipas) e à situação em que exerce a atividade.

- A comunicação que o treinador estabelece com os atletas deve dar


prioridade à escuta, ser empática, construtiva, determinada pelo res-
peito interpessoal e emocionalmente controlada.

- Os papéis do treinador ao longo do tempo devem responder às neces-


sidades do nível de maturidade pessoal e desportiva do atleta.

Autoavaliação
n Quais são as principais funções do treinador?

n De que modo as caraterísticas de liderança do treinador se devem


adequar às caraterísticas pessoais dos atletas?

n Quais são os elementos básicos no processo de comunicação?

n Que normas se devem ter em conta para tornar eficaz um proces-


so de comunicação?

n Quais são as diferenças entre as dimensões instrumental e so-


cioafetiva da relação treinador-atleta?

n Que preocupações gerais deve ter o treinador nas fase de inicia-


ção e de densenvolvimento relativas à carreira do atleta?

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MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU I

GLOSSÁRIO
INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

C
condições de trabalho e à influência
comportamental sobre os indiví-
duos e grupos relativamente aos
objetivos desportivos.
CARREIRA DESPORTIVA
Atividade desportiva de longa
duração, com o objetivo de realizar
resultados de elevado nível e impli-
cando um aperfeiçoamento contínuo
do atleta (Stambulova, 1977).

L
LIDERANÇA
Processo comportamental que tem
por objetivo influenciar os indiví-
duos e grupos para que possam
alcançar os objetivos pretendidos.

P
PAPÉIS DO TREINADOR
Conjunto de comportamentos
requeridos ou esperados da pessoa
que ocupa uma posição de lide-
rança formal no grupo desportivo.
Refere-se ao desenvolvimento das
competências técnicas dos atletas,
à sua educação para o desenvolvi-
mento pessoal, à organização das

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FICHA TÉCNICA
PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES
MANUAIS DE FORMAÇÃO - GRAU I

EDIÇÃO
INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE, I.P.
Rua Rodrigo da Fonseca nº55
1250-190 Lisboa
E-mail: geral@ipdj.pt

AUTORES
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE DESPORTO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
O DESPORTO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
HUGO LOURO
OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DAS HABILIDADES DESPORTIVAS
JOÃO BARREIROS
DESENVOLVIMENTO MOTOR E APRENDIZAGEM
JOSÉ RODRIGUES
OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DAS HABILIDADES DESPORTIVAS
LUÍS HORTA
FUNCIONAMENTO DO CORPO HUMANO, NUTRIÇÃO E PRIMEIROS SOCORROS
LUTA CONTRA A DOPAGEM
LUÍS RAMA
TEORIA E METODOLOGIA DO TREINO - MODALIDADES INDIVIDUAIS
OLÍMPIO COELHO
DIDÁTICA DO DESPORTO
PEDAGOGIA DO DESPORTO
PAULO CUNHA
TEORIA E METODOLOGIA DO TREINO - MODALIDADES COLETIVAS
RAÚL PACHECO
FUNCIONAMENTO DO CORPO HUMANO, NUTRIÇÃO E PRIMEIROS SOCORROS
SIDÓNIO SERPA
PSICOLOGIA DO DESPORTO

COORDENAÇÃO DA PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS


António Vasconcelos Raposo

COORDENAÇÃO DA EDIÇÃO
DFQ - Departamento de Formação e Qualificação

DESIGN E PAGINAÇÃO
BrunoBate-DesignStudio

© IPDJ - 2016

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