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ABSTRACT: This essay takes Parangolé, invented-experienced by the Brazilian artist Hélio
Oiticica, as a concept that operates on "in-corporation" processes ("of the body in the work
and work the body") and produces images. This concept is going to be investigate in
operating on the series “Anthropology of the Glorious Face”, by Arthur Omar, highlighting
their attempt to develop an open dispositif for "excorporation" (André Lepecki) of images
produced from "parangolé"-experiences.
O caminho que proponho experimentar partiria por via do que o artista brasileiro
Hélio Oiticica (1937-1980) chamou de “in-corporação”. Ao desenvolver as capas-
Parangolé, em 1964, ele afirma que o espectador, tornado participador, deve vestir-
se e tornar-se obra por meio da “incorporação do corpo na obra e da obra no corpo”
(2008: 31), fundando “um novo espaço e um novo tempo” (idem) que elimina a cisão
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23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos”
15 a 19 de setembro de 2014 – Belo Horizonte - MG
Qual é o parangolé?
Esse termo era usado como gíria nas favelas cariocas nas mais diversas
situações/significações com sentido de ““O que é que está rolando?”, “Qual é a
parada?” ou “Como vão as coisas?”” (Salomão, 2003: 37-38). A potência do
parangolé-gíria estaria na ambiguidade de ser “coisa”1 (Lepecki, 2012: 97), podendo
se travestir em múltiplas significações a cada ato perfomativo da gíria e do giro.
Haveria termo mais adequado a esta obra, que já não era pintura nem escultura e
não se enquadrava em qualquer tradicional categoria de arte?
Assim Oiticica batizou sua mais nova proposição estética: estandartes, tendas e
capas feitas com diferentes materiais que, enquanto “estruturas-côr” deslocadas do
espaço do quadro para o mundo, poderiam ser carregados, penetrados ou vestidos
pelos ex-espectadores. O sentido é construído durante essas experiências de
desvelamento de cores, palavras e corpos. “Pelo fato de você vestir a obra, o corpo
passa a fazer parte dela e não há mais coisa separada da outra” (Oiticica apud
Favaretto, 2000: 104), anunciava ele, redefinindo a noção de obra de arte. Ao exigir
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Que dança?
Ética-estética da “in-corporação”
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Celso Favaretto (2000: 49) identifica dois momentos principais na trajetória artística
de Oiticica, antes e depois da descoberta do Parangolé, em 1964, quando onde a
problemática da imagem cederia lugar a do (supra)sensorial. O que o crítico não
captou é que, longe de se desinteressar pelo visual, estas experiências
(supra)sensoriais despertaram novas possibilidades para a imagem produzidas pelo
e através do corpo, renovando o interesse do artista.
“Aliás, para mim, foi como uma nova descoberta da imagem, uma recriação da
imagem, abarcando como não poderia deixar de ser a expressão plástica em minha
obra”, revela Oiticica (1965) ao comentar a dança em sua experiência. Segundo ele,
a cada evolução ou giro, novas imagens brotavam “in-corporadas” ao Parangolé,
sempre “móveis, rápidas, inapreensíveis” (idem). Ele explica que essas opunham-se
ao “ícone”, “estático e característico das artes ditas plásticas – em verdade a dança,
o ritmo, são o próprio ato plástico na sua crudeza essencial -> está aí apontada a
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Dispositivos de “excorporação”
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Qual dispositivo?
Bebendo desta mesma fonte, mas atravessados por diferentes forças, os filósofos
Giorgio Agamben e Gilles Deleuze irão processar esse conceito de formas bastantes
distintas. Em Agamben, a noção de dispositivo em Foucault é ampliada e
generalizada de modo a englobar tudo - da prisão, manicômio, Panóptico, escolas,
confissão, fábrica, disciplina, medidas jurídicas até “a caneta, escritura, a literatura, a
filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os telefones
celulares e - por que não - a própria linguagem” (2007, 31) – como máquinas de
captura que reduzem o vivo a processos de dominação. Mas como levantou Lepecki
(2012, 96), “talvez haja algo mais (nos dispositivos) do que apenas controle...”.
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Atualizando a imagem-parangolé
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Omar nos conta que as “faces gloriosas”, que ele busca dar a ver, vivem “atitudes de
passagem. Porque não duram mais que breves instantes” (1997: 7). São, portanto,
“móveis, rápidas, inapreensíveis” como Oiticica descrevia a “nova imagem”
descoberta pelo Parangolé. Para pensá-las, o artista se apoiou na noção católica de
“corpos gloriosos”, que alude a corpos existentes no céu prontos para a
Ressureição, tomados pela embriaguez, fascinação, paixão, comoção, desvario e
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Omar “descobre” essas faces em contato com o transe carnavalesco. Mas essa
relação não poderia se dar com um olhar distante e objetivo. Neste primeiro
momento, o corpo do artista é convocado, assim como no mergulho do corpo de
Oiticica em Mangueira. O desafio: sintonizar seu corpo na mesma frequência do
“corpo glorioso”. Entrega. Risco. Ele é convidado a dançar e entrar no transe
também. Nesse processo de “in-corporação”, ele se coloca em face às faces
gloriosas: “ou seja, tornando-se ele próprio glorioso, uma face gloriosa, a reagir por
sim-patia ultraveloz, vibrando no mesmo registro que o seu objeto. O ato fotográfico
como gnose. Uma foto-gnose.” (idem) O artista revela ainda que é preciso “fazer um
só corpo com seu objeto” (Ibid: 19), deslocando as fronteiras de um corpo individual.
É este trabalho de sintonia, sim-patia e mútua atração entre fotógrafo e seu objeto
que vamos aproximar da experiência do Parangolé. O mecanismo de dupla
incorporação do corpo do fotógrafo na face gloriosa e desta face em seu corpo,
mediado pela câmera, nos interessa enquanto processo de “in-corporação”, que aqui
tornar-se-á um quasi-método para disparar o dispositivo fotográfico.
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pressão contra o rosto, e o nosso movimento entre os corpos à nossa volta”. (Ibid:
29) Nele, uma câmera fotográfica, e não uma filmadora, é instrumento privilegiado
para captura das imagens-parangolé. “Durante o cinema, por estar tão próximo do
real, com seu naturalismo, suas imagens em movimento, “vivas”, só raramente
atingem o invisível” (Ibid: 24), explica Omar.
Mas ainda tratam-se de rostos, ainda que desfigurados pela experiência do transe
reforçada pelos procedimentos técnicos. Então, como escapar da carga documental
que carregam estas fotografias? Este dispositivo estabelece outra operação de
produção de discurso sobre a obra: batizar cada rosto com uma frase, tornando-as
ainda mais anônimas. Destas combinações disjuntivas entre palavra e imagem,
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Mas isso não parece tão distante das ideias do Oiticica-propositor que elimina a
cisão sujeito-obra? "Contemplar é um Ato Violento", lemos sob uma das faces. Omar
nos surpreende ao propor um novo lugar para a contemplação. Para ele, cada
imagem gloriosa conserva para sempre um mistério, um enigma que faria com que
cada contato do público com elas seja tão surpreendente quanto o de uma primeira
vez. “Elas sempre serão vistas assim, porque sempre serão esquecidas assim que
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vistas, e vinte anos de exame não bastaram para esgotá-las." (Omar, 1997:
27). Efeito-parangolé da fotografia "gloriosa".
Fluxo da vida...
Notas
1 Para Lepecki, uma mera “coisa” é capaz de combater ativamente a sua sujeição a um regime particularmente
detestável do objeto (o regime do dispositivo-mercadoria) e um regime particularmente detestável do sujeito (o
regime da pessoalidade-espetáculo) que aprisionam ambos, objetos e sujeitos, em uma prisão mútua.
2 “Mas porque este desfile lúgubre de corpos [...] vitrificados, catatonizados, aspirados, posto que o CsO é
também pleno de alegria, de êxtase, de dança? [...] Corpos esvaziados em lugar de plenos.” (Deleuze e Guattari,
1996b: 11).
REFERÊNCIAS
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23º Encontro da ANPAP – “Ecossistemas Artísticos”
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OMAR, Arthur. Antropologia da Face Gloriosa, São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1997.
SALOMÃO, Wally. Hélio Oiticica: Qual é o parangolé? e outros escritos. Rio de Janeiro:
Rocco, 2003.
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