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RECURSOS, DECISÃO E PODER

Conselhos gestores de
políticas públicas de Curitiba

Mario Fuks
Renato Perissinotto

Introdução questão universal (quem tem poder?) são tão


grandes e os limites das respostas dadas tão dis-
Os estudos sobre os fenômenos políticos cutidos que aquele consenso acaba por ter pouco
apresentam com muita freqüência, implícita ou significado operacional.
explicitamente, uma questão que não hesitaría- As duas respostas mais usuais a essa questão
mos em qualificar de “universal”, a saber, a ques- são oriundas da tradição weberiana. Ambas
tão do poder. Quando se discute uma política entendem o poder como sinônimo de capacidade
pública, o funcionamento de uma determinada de influenciar o processo decisório, isto é, de
instituição ou os diversos sentidos da “democra- impor aos outros um determinado curso de ação
cia”, de uma forma ou de outra, o objetivo é em relação a um assunto específico (Wright Mills,
quase sempre saber “quem tem o poder”. 1985, p. 65; Kaplan e Lasswell, 1998, p. 110; Dahl,
A questão, no entanto, é tão fácil de ser for- 1970, 1989). A origem comum na tradição webe-
mulada quanto difícil de ser respondida. Ainda riana não impediu, entretanto, que essas duas
que possamos encontrar um relativo consenso acer- perspectivas produzissem orientações metodoló-
ca da definição mais genérica de poder – isto é, gicas bastante distintas, que acabaram por se con-
como uma relação de conflito e de predomínio –, sagrar na literatura como o “método posicional” e
as dificuldades metodológicas para se responder à o “método decisional”.
O método posicional pode ser encontrado
numa infinidade de textos, entre os quais o mais
Artigo recebido em janeiro/2005 famoso é certamente A elite do poder, de C.
Aprovado em outubro/2005 Wright Mills. Neste livro, Mills afirma que o poder

RBCS Vol. 21 nº. 60 fevereiro/2006


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de tomar as decisões políticas encontra-se nas acabariam adotando o comportamento desejado


mãos daqueles indivíduos que ocupam as posi- pelos “verdadeiros poderosos”. Segunda, o pro-
ções institucionais estratégicas numa comunidade. cesso decisório seria apenas o resultado visível de
Sendo assim, o procedimento para saber quem um processo social e político anterior que consis-
governa a comunidade em análise consistiria, pri- tiria na mobilização consciente por grupos domi-
meiro, em identificar essas posições estratégicas nantes de uma série de mitos e valores e mesmo
de mando e, em seguida, fazer aquilo que Mills de recursos de força que, pela estigmatização,
chama de “sociologia das posições institucionais” desqualificação ou simples repressão, excluiriam
(1985, p. 63). da agenda pública uma série de “queixas”, redu-
Os defensores do chamado método decisio- zindo o processo decisório a um conjunto de
nal, no entanto, identificaram uma falha metodo- “temas seguros”. Feita nesses termos, essa crítica
lógica fundamental no procedimento analítico de não representou nenhum rompimento epistemoló-
Wright Mills, a saber, a inadequação entre a sua gico com o “método decisional”, já que o poder
definição conceitual de poder e o método por ele continua a ser entendido como uma relação de
utilizado para operacionalizar aquele conceito. Se conflito observável (ainda que às vezes mais difí-
o poder é a expressão da capacidade de impor cil de ser visualizado em função da regra das rea-
aos outros, numa relação social, um determinado ções antecipadas ou da exclusão política) entre
curso de ação, então o seu estudo não pode se agentes conscientes de seus interesses e agindo,
limitar a identificar os recursos possuídos por ato- basicamente, de maneira estratégica (Lukes, 1976;
res políticos e derivar mecanicamente da quanti- Foucault, 1995; Bourdieu, 1989).
dade e importância desses recursos o poder de Ao contrário, o segundo tipo de crítica feita
seus proprietários. Enfim, se o poder é o poder de ao método decisional representou um rompimen-
decidir, somente o estudo de alguns processos to epistemológico (declarado ou não) com a tra-
decisórios concretos revelaria ao analista os indi- dição weberiana (e, portanto, com todas as ver-
víduos ou grupos sociais capazes de exercer o tentes vistas anteriormente), já que, na análise do
poder (Dahl, 1970, 1989; Polsby, 1963). Segundo poder, seus autores preferiram adotar uma pers-
essa perspectiva, exerceria o poder aquele indiví- pectiva que poderíamos chamar de “estruturalis-
duo ou grupo que, num processo decisório espe- ta”. Apesar das grandes diferenças teóricas e
cífico e conflituoso, conseguisse fazer com que as metodológicas, os autores filiados a esse campo
suas preferências prevalecessem sobre as prefe- analítico abandonaram, todos eles, a proposta de
rências dos demais. reduzir o fenômeno do poder a uma interação
Apesar de bastante persuasiva, essa postura entre agentes conscientes de suas preferências
metodológica não escapou de críticas também subjetivas. O poder passou a ser visto como um
contundentes, desenvolvidas em duas direções. conjunto de relações sociais institucionalizadas,
Primeiramente, alguns autores (Bachrach e isto é, capazes de se interiorizarem nos valores e
Baratz, 1969a e b; Crenson, 1971) observaram que nas percepções dos atores sociais que, assim, por
a análise de processos decisórios, tal como feita meio de suas práticas, reproduziriam relações
por Dahl, era insuficiente para identificar os essencialmente hierárquicas, produtoras de uma
“poderosos” de uma comunidade, e isso por duas distribuição desigual e regular de recursos de
razões. Primeira, aqueles que participam direta- natureza diversa (econômico, político, simbólico,
mente do processo decisório podem decidir levan- cultural etc.). Na perspectiva dos autores filiados
do em conta os interesses de grupos exteriores a a esse campo teórico, não se trata de negar a exis-
este processo, comportando-se por meio daquilo tência de ações estratégicas e conscientes por
que a literatura chamou de “regra das reações parte do atores sociais, mas sim de afirmar que
antecipadas”. Nesses casos, temendo as sanções tais ações são a parte visível de uma dimensão
que sofreriam se afetassem negativamente os inte- inconsciente da ação social, isto é, aquela produ-
resses do grupo em questão, os decisores anteci- zida por longos processos de socialização a que
par-se-iam a qualquer ordem expressa, evitariam os indivíduos estão submetidos e que definem
qualquer tipo de resistência frontal e, por fim, para eles a razoabilidade de determinados objeti-
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vos a serem perseguidos. Como parece claro, a na condução desse processo. Conjugando esses
operacionalização metodológica dessa visão do dois procedimentos analíticos, a nossa intenção
poder é muito mais complicada do que a análise era ver se seria possível identificar a existência de
de conflitos observáveis no processo decisório. alguma relação regular entre a posse de determi-
Segundo essa perspectiva, somente a recuperação nados recursos e a capacidade de influenciar o
histórica do longo processo que nos conduziu ao processo decisório.
estado atual das relações sociais pode mostrar Ainda que esse procedimento tenha nos
que esse “estado” está longe de expressar um propiciado descobertas interessantes, o fato é que
consenso genuíno entre os agentes sociais, mas se vários dos limites apontados pelos seus críticos se
constitui, na verdade, na cristalização final (e não manifestaram ao longo da análise. Chegamos à
desejada por ninguém) de lutas, vitórias e derro- conclusão de que a identificação das relações de
tas pretéritas. poder num determinado contexto só pode ser
O presente artigo analisa os conselhos ges- completa se conjugarmos uma série de variáveis
tores de políticas públicas da cidade de Curitiba,1 qualitativamente distintas, mas francamente com-
tendo como premissa a questão supracitada sobre plementares. Neste artigo, não é nosso interesse
o poder no contexto dessas instituições participa- produzir antinomias, mas defender a idéia de que,
tivas. Neste caso, a questão torna-se ainda mais entre as posturas teóricas supracitadas, há mais
relevante, tendo em vista a intenção declarada uma relação de complementariedade (certamente
(no plano da legislação) de que essas instituições hierarquizada) do que de mera oposição.
sirvam para ampliar a participação popular e, O trabalho está dividido em três partes. Na
assim, melhorar a qualidade da democracia brasi- primeira, apresentamos uma análise panorâmica
leira. Ora, a ampliação dessa participação só pro- do processo decisório nos diversos conselhos ana-
duziria o efeito que dela se espera caso os novos lisados. Pretendemos identificar os atores que
participantes sejam capazes de exercer o poder exercem maior influência no processo de tomada
em seu interior, seja interferindo no processo deci- decisão dentro dessas instituições. Em seguida,
sório, seja moldando a agenda pública. Propomos, apresentamos um estudo dos conselhos gestores a
nesse sentido, dois eixos temáticos interligados: de partir dos recursos. O objetivo, reiterando, é iden-
um lado, pretendemos discutir questões teóricas e tificar os recursos materiais, institucionais e subjeti-
metodológicas relativas ao conceito de poder e, de vos mobilizados pelos conselheiros. Fazemos isso
outro, procuramos fazê-lo de forma, por assim com base na crença de que se é verdade que a
dizer, “aplicada”, tentando identificar o modelo “influência política” não pode ser diretamente deri-
analítico mais apropriado para o estudo das rela- vada da posse de recursos, a desigualdade de
ções de poder no interior de instituições marcadas recursos entre os agentes pode ser um elemento
por uma participação ampliada e por um baixo central, ao menos em alguns casos, para entender
grau de institucionalização dos seus procedimen- a desigualdade política. Por fim, na terceira parte,
tos internos, tais como os conselhos gestores de reconhecemos que os procedimentos analíticos
políticas públicas. por nós adotados revelam vários aspectos interes-
A pesquisa fez uso das duas primeiras pers- santes dos conselhos gestores, mas, ao mesmo
pectivas resumidas acima, quais sejam, a do méto- tempo, mantêm na sombra uma série de elemen-
do posicional e a do método decisional. Fizemos tos que nos parecem fundamentais para captar de
isso lançando mão de dois instrumentos de cole- forma plena as relações de poder que se cristali-
ta de dados. De um lado, por meio da aplicação zam nessas instituições. Nesse sentido, pretende-
de um questionário, procuramos identificar os mos nessa terceira parte apresentar alguns desses
recursos organizacionais e materiais dos partici- elementos. No entanto, é preciso fazer aqui duas
pantes dos conselhos analisados, assim como os observações. Primeiramente, os “dados” apresen-
aspectos motivacionais de sua conduta política; tados na terceira seção não fazem parte dos obje-
de outro lado, procuramos fazer uma análise do tivos inicialmente fixados pela pesquisa; não
processo decisório em si, visando a identificar os foram, portanto, sistematicamente coletados. Em
atores que, dentro dos conselhos, se destacaram segundo lugar, pela sua própria natureza (infor-
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mações de caráter histórico ou coletadas por meio assuntos da agenda do conselho gerou debate e,
de observação direta de reuniões e conferências), aproximadamente, um em cada dez assuntos em
não se prestam ao tratamento quantitativo que pauta (12,8%) suscitou contestação,5 tal como
buscamos imprimir à maior parte de nossas das definida por nossa metodologia.
análises. É preciso, portanto, que essas explica- Sendo o usuário o segmento da sociedade
ções adicionais sejam vistas como “prováveis” e civil que mais atua no momento do debate e que
que as informações apresentadas sejam lidas mais gera controvérsia, identificamos a seguinte
como “indícios”. dinâmica na reunião do conselho: 1) fazendo uso
de recursos cognitivos e das prerrogativas dos car-
gos que ocupam, os atores estatais lideram as dis-
Poder e decisão2 cussões, apresentando os assuntos da pauta, escla-
recendo questões de ordem técnica, divulgando
A análise a respeito da influência dos grupos informações governamentais, enfim, abrindo o
no interior dos conselhos3 focaliza quatro debate; 2) os usuários apresentam-se como inter-
momentos do processo deliberativo, a saber: 1) locutores e, em certas circunstâncias, contrapõem
apresentação inicial de um determinado tema (apoiados pelos trabalhadores) seus argumentos
para a apreciação da plenária (quem introduz o aos dos gestores. Portanto, o usuário e o gestor
assunto, iniciando o debate); 2) estabelecimento são segmentos ativos não apenas no sentido de
da interlocução (quem institui o debate); 3) enca- participarem do debate, mas também porque lhe
minhamento de proposta sobre o tema em ques- conferem a qualidade de confrontação de idéias.
tão para a deliberação (quem encaminha a pro- Ainda no caso do CMSC, o gestor encami-
posta); e, por fim, 4) qual o resultado dessa nhou para a votação quase o mesmo número de
deliberação (aprovação ou não). propostas (108) que os demais segmentos que têm
Entre os conselhos gestores de políticas assento no conselho juntos (129). Embora esse
sociais em Curitiba, identificamos, ao menos, um número não seja tão expressivo quanto o da ini-
ponto de convergência: há um claro predomínio ciativa no campo do debate, ele consolida a lide-
dos gestores em todos os momentos do processo rança do gestor no processo decisório do conse-
decisório. A esse respeito, o Conselho Municipal de lho. Da mesma forma, os dados referentes ao
Saúde de Curitiba (CMSC) é o que apresenta a mais encaminhamento de propostas deixam claro que o
bem equilibrada distribuição de iniciativa política. usuário é o segmento da sociedade civil organiza-
Ainda assim, pode-se facilmente perceber que, da mais ativo nas reuniões. Já os prestadores de
embora em minoria,4 os atores governamentais con- serviço mantêm-se praticamente invisíveis durante
trolam a iniciativa do debate neste conselho. Isso todo o processo, tanto no debate como no enca-
ocorre, em parte, devido ao papel central que o minhamento de propostas para deliberação.
gestor tem ocupado na mesa diretora, na perma- Quando consideramos apenas as delibera-
nente condição de presidente do conselho, abrin- ções em que houve controvérsia, seguidas de
do, freqüentemente, o debate referente aos assun- encaminhamento de mais de uma proposta para
tos em pauta nas reuniões. Isso também revela o votação, o gestor permanece sendo o segmento
peso do conhecimento técnico na dinâmica da ins- com maior iniciativa no encaminhamento da pro-
tituição, que confere aos assessores técnicos um posta original para votação (21 propostas), segui-
papel decisivo na disseminação da informação a do pelo usuário (16 propostas). Nesse contexto, o
respeito das ações e dos programas governamen- trabalhador torna-se mais ativo, aproximando-se
tais, assim como dos aspectos técnicos envolvidos do usuário (14 propostas). Por sua vez, o usuário
em assuntos específicos de interesse do conselho. destaca-se na qualidade de formulador de pro-
Se comparado com os demais conselhos postas alternativas (19 propostas), superando o
estudados, o Conselho Municipal de Saúde de gestor (11 propostas). Considerando a totalidade
Curitiba pode ser considerado não apenas uma das propostas encaminhadas em contexto de con-
arena de debate, mas de controvérsia pública. trovérsia, o usuário (35 propostas) supera o ges-
Praticamente, a metade (46% dos casos) dos tor (32 propostas). Percebe-se, então, que o con-
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flito político no âmbito deste conselho gera um Fundação de Assistência Social (FAS) e de outras
cenário de equilíbrio, tendo como novidade uma secretarias municipais presentes neste conselho, é
maior presença do trabalhador e o papel contes- responsável pelo encaminhamento de 75,6% das
tador do usuário. Considerando, ainda, que o propostas para deliberação (das 37 deliberações
usuário apresentou um número ligeiramente supe- em que foi possível identificar o ator), enquanto
rior (11) de propostas de resolução ao CMSC do o setor não-governamental, com predomínio dos
que o gestor (9), a idéia que há um relativo equi- prestadores, é responsável por apenas 24,4% das
líbrio de influência política no interior dessa arena deliberações. Além disso, o controle dos gestores é,
fica reforçada. nesse caso, exercido sem que qualquer contestação
O que, no entanto, nos impede de realizar ou, ao menos, debate seja suscitado. Pouquíssimas
uma avaliação conclusiva a respeito da influência vezes as intervenções iniciais sobre um determina-
de cada segmento no processo decisório do do assunto dentro do conselho foram seguidas por
CMSC é o fato de que praticamente todas as pro- debate. Encontramos apenas dois casos em que um
postas encaminhadas foram aprovadas. Vale per- ator estabeleceu o debate a partir da intervenção
guntar, portanto, por que o conselho teria como daquele que introduziu um determinado tema.
regra aprovar as propostas apreciadas em suas Nesses casos, a intervenção do segundo ator não
reuniões. Podemos, aqui, apenas especular, teve qualquer sentido de contestação da fala do
supondo, por exemplo, que ele tende a estruturar ator inicial. Ou seja, a contestação é absoluta-
sua agenda com temas e propostas que estejam mente ausente dessa instituição durante a gestão
em sintonia com os interesses da maioria de seus analisada.
membros, excluindo temas não consensuais. Se seguirmos uma indicação da abordagem
Podemos igualmente supor que determinados decisional, essa preponderância avassaladora dos
setores consigam “impor”, na agenda do conse- atores governamentais não deve ser interpretada
lho, os temas que atendem apenas aos seus pró- como exercício de relação de poder. Isso porque,
prios interesses. Em ambos os casos, a influência de acordo com essa perspectiva, só há relação de
é exercida no processo de constituição de um “fil- poder onde houver um conflito aberto e observá-
tro”, o qual define quais as questões estarão pre- vel entre duas preferências antagônicas. Seguindo
sentes e quais serão excluídas do processo deci- esse raciocínio, poderíamos, então, dizer que no
sório (Cobb e Ross, 1997). Sem o exame do processo decisório do CMASC não há relações de
processo de formação da agenda, não é possível poder. O predomínio do gestor seria menos rele-
avaliar se e em que medida os interesses de cada vante do que o consenso que perpassa o proces-
segmento foram atendidos mediante a inclusão e so decisório nesta instituição e que expressaria, na
a exclusão de determinados assuntos na pauta de verdade, uma concordância entre os diversos par-
deliberação do conselho. ticipantes em torno dos principais temas ali discu-
A análise do processo decisório nesse con- tidos. Assim, onde há consenso não há poder. No
selho indica, portanto, que a explicação baseada entanto, conforme veremos na próxima seção,
exclusivamente nos dados fornecidos pela obser- uma análise que se limite a observar o processo
vação da própria deliberação é insuficiente para decisório do CMASC não permite ver que o con-
entendermos os procedimentos por meio dos senso que ali predomina expressa, de fato, as rela-
quais a influência política é exercida. Essa ques- ções de poder exercidas externa e anteriormente
tão nos ocupará a partir da próxima seção, na ao processo decisório investigado. Isso indica que
qual apresentaremos fatores externos ao funcio- o pressuposto teórico da abordagem decisional,
namento do conselho que, a nosso ver, podem segundo o qual as relações de poder só se reve-
afetar a distribuição da participação e da influên- lam no âmbito de processos decisórios concretos
cia política no interior da instituição. e conflituosos, é incapaz de explicar todas as
No caso do Conselho Municipal de dimensões que constituem aquelas relações.
Assistência Social de Curitiba (CMASC), o predo- Conseqüentemente, o desdobramento metodoló-
mínio do setor governamental tende ao monopó- gico desse pressuposto – de que o analista deve
lio da iniciativa política. Este setor, por meio da observar algumas decisões concretas e procurar
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identificar aqueles que conseguem aprovar e/ou gestores uma posição superior e aos usuários o
vetar propostas, mesmo contra a oposição dos posto mais baixo, os outros tipos de recursos são
outros – é, no mínimo, incompleto. distribuídos de forma muito mais dispersa.
O associativismo, por exemplo, é um atribu-
to igualmente distribuído por todos os segmentos;
Recursos e influência política a filiação partidária encontra-se presente quase que
na mesma proporção em todos os segmentos (em
Como vimos na introdução, a explicação da torno de 50%); o interesse por política, ainda que
influência política a partir da posse de recursos variável, é alto em todos os segmentos (de 75% a
afirma que a capacidade de cada ator para atingir 100%) e o engajamento em atividades eleitorais
seus objetivos políticos está direta e proporcional- revela um predomínio dos usuários, mas também
mente associada aos recursos que ele dispõe, recur- uma forte presença dos gestores e dos prestadores
sos que, por sua vez, são atributos das posições de serviço. Por fim, em todos os segmentos existe
sociais e institucionais em que se encontram. Nesta um alto índice (nunca abaixo de 75%) de compe-
seção, discutiremos a capacidade explicativa desse tência política subjetiva e uma distribuição bastan-
modelo em relação ao Conselho Municipal de te desigual da percepção dos segmentos quanto à
Assistência Social de Curitiba e ao Conselho sua capacidade para influenciar as decisões dentro
Municipal de Saúde de Curitiba. A análise dos recur- do conselho, surpreendendo o caso dos gestores,
sos é importante por duas razões. Primeiramente, dos quais 50% afirmaram não ter capacidade algu-
porque os recursos, sobretudo os de natureza insti- ma de influenciá-las. Os prestadores destacam-se
tucional, permitem explicar o predomínio dos ges- em relação a esse ponto, sendo 75% os que acre-
tores na “condução” do processo decisório. Em ditam ter uma grande capacidade de influenciar as
segundo lugar, e mais importante, ela abre caminho decisões dentro do CMASC.
para a análise dos constrangimentos estruturais que No que diz respeito aos recursos organiza-
definem a distribuição, sempre desigual, dos cionais, as entidades do setor não-governamental
diversos recursos (materiais, organizacionais, insti- encontram-se, quase sempre, em situação precá-
tucionais, simbólicos, políticos) que os atores ria; somente as organizações representativas dos
mobilizarão a fim de implementar suas estratégias prestadores de serviço têm uma posição mais
dentro dos conselhos. relevante. As organizações desse segmento são
Como observação preliminar, podemos dizer também as que mais freqüentemente buscam
que, se é verdade que nos conselhos analisados apoio político em outras instituições (como os
há desigualdades na distribuição de recursos, poderes Executivo e Legislativo) e são mais capa-
essas desigualdades são dispersas e não cumula- zes de eleger representantes para cargos públicos
tivas (Fuks, Perissinotto e Ribeiro, 2003): o fato de estratégicos. No entanto, há uma desigualdade
um segmento ter mais de um recurso não signifi- contundente, pois o setor governamental é fran-
ca que ele tenha mais de todos os outros recur- camente dominante em relação à sua infra-estru-
sos.6 Cabe, portanto, a questão: como relacionar tura organizacional.
tal dispersão de recursos com o monótono pre- Os gestores contam com todos os recursos
domínio dos gestores na condução do processo materiais e financeiros que o Estado põe à sua
decisório dentro do CMASC? Ou, situando a ques- disposição. Além dos recursos materiais, os repre-
tão teórica que serve de fio condutor para esta sentantes dos gestores contam com importantes
discussão, qual a relação entre recursos e influên- recursos humanos, que se apresentam sob a forma
cia no processo decisório neste caso específico? de apoio dado pelo pessoal técnico – produção de
A princípio, a distribuição de recursos (de pareceres que embasam as decisões no interior do
renda, de escolaridade, organizacionais, de ativis- conselho, pareceres estes que os outros conse-
mo) poderia sugerir que a desigualdade não é um lheiros têm poucas condições de contestar. Vale
atributo característico do CMASC. De fato, ainda lembrar, ainda, um outro aspecto fundamental que
que os recursos de renda e escolaridade sejam muito contribui para entender o predomínio dos
mais concentrados, cabendo ao segmento dos gestores, qual seja, a inserção nos conselhos como
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parte de sua atividade profissional. Enquanto nos de maior volume de recursos é o prestador, segui-
outros segmentos a “vontade para agir” resulta de do pelo trabalhador. A fragilidade do usuário em
um engajamento voluntário (ou, provavelmente, relação à posse de recursos tradicionais, tanto
de um longo processo de socialização política) e individuais como coletivos, impõe-lhe uma condi-
altamente custoso para a maioria de seus mem- ção de inequívoca inferioridade em relação aos
bros, no caso dos gestores à “vontade para agir” demais segmentos. Quanto aos recursos socioe-
é sobreposta à obrigação profissional.7 Nesse sen- conômicos de natureza individual,8 em especial a
tido, os representantes do setor governamental renda e a escolaridade, os usuários também estão
conjugariam de maneira ótima recursos de natu- em franca desvantagem. Além disso, sua inferiori-
reza institucional com uma “disposição para agir” dade também pode ser observada em relação às
que é fruto de sua própria inserção no aparelho organizações que atuam nos conselhos.
de Estado. Neste caso, enfim, haveria uma clara Uma análise superficial dessa situação indi-
coincidência entre poder e posição institucional. caria que a distribuição da influência política neste
Portanto, o papel de destaque que os repre- conselho deveria seguir a seguinte ordem: gestor,
sentantes do governo têm na condução do pro- prestador, trabalhador e usuário. Quaisquer que
cesso decisório dentro do CMASC pode ser expli- sejam os critérios para definirmos o peso relativo
cado, de forma satisfatória, em termos dos recursos de cada tipo de recurso, essa hierarquia evidencia
de que cada segmento dispõe. Em especial, a os limites de uma explicação da influência políti-
capacidade dos gestores de conduzir esse proces- ca baseada exclusivamente na posse de recursos.
so se explica pela sua posição institucional e pelos Assim como no caso do CMASC, a participa-
recursos que essa posição lhe fornece. Tal desi- ção dos gestores no Conselho Municipal de Saúde
gualdade contundente de recursos organizacio- de Curitiba é, adequadamente, explicada em ter-
nais, vale observar, parece ser uma importante mos dos recursos de que esse segmento dispõe.
variável explicativa para a atuação dominante dos A posição intermediária que o trabalhador ocupa
gestores no processo decisório do CMASC, sobre- em relação à participação efetiva nas reuniões do
tudo se levarmos em consideração que, como CMSC também corresponde aos meios de que dis-
vimos acima, os demais recursos estão distribuí- põe em seu favor.
dos de forma muito menos concentrada. Mais difícil é explicar o “ativismo” dos usuá-
O mesmo não pode ser dito em relação ao rios e, especialmente, a passividade dos prestado-
Conselho Municipal de Saúde de Curitiba. Nesse res de serviços a partir da posse de recursos. A
caso, o comportamento de, ao menos, dois dos realidade que nos revela o processo decisório do
segmentos que atuam no CMSC – usuários e pres- conselho em seus primeiros dez anos9 estaria mais
tadores de serviço na área de saúde – não se de acordo com o modelo que supõe haver uma
explica de forma satisfatória pelos recursos orga- simetria entre a participação política e a posse de
nizacionais e socioeconômicos. recursos, caso houvesse uma inversão entre as
Os dados não poderiam ser mais persuasivos posições do prestador e do usuário na distribui-
no sentido de apontar uma clara hierarquia entre ção de recursos.
os segmentos quanto à posse de recursos. Em pri- Como, então, explicar a influência política
meiro lugar, com destaque, situa-se o gestor. É for- do usuário no CMSC? Um dos motivos pelos quais
çoso reconhecer que, no que se refere às condi- a explicação fundada na posse de recursos con-
ções individuais e coletivas prévias, o gestor se vencionais é limitada e, no caso da análise em
sobressai enquanto segmento que reúne as condi- curso, incapaz de dar conta dos fenômenos inves-
ções mais favoráveis para exercer influência políti- tigados deve-se à desconsideração de, ao menos,
ca nas reuniões do conselho. Além de dispor de duas outras dimensões igualmente potencializa-
recursos organizacionais ilimitados, ele conta com doras da ação política: a primeira, mais subjetiva,
o monopólio dos dois principais recursos distribuí- diz respeito à propensão dos conselheiros para o
dos no interior do próprio conselho: o de presidir engajamento político; a segunda refere-se ao
o conselho e o de homologar suas deliberações. padrão de ação política dos grupos. Devemos,
O segmento da sociedade civil que dispõe portanto, levar em consideração não apenas os
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recursos convencionais, como renda e escolarida- ticamente é por meio da informação a respeito do
de, no caso do indivíduo, ou recursos materiais envolvimento efetivo dos conselheiros em ativi-
ou humanos, no caso das organizações. Recursos dades políticas.
de natureza menos tangível, mas, nem por isso, Uma das principais atividades dessa nature-
menos eficazes, indicando, por exemplo, certa za é o engajamento eleitoral. Em relação a esse
disposição para a participação política, são espe- tipo de atividade político-partidária, chama a
cialmente relevantes e têm sido levados em con- atenção a força (ativismo) dos usuários e a fra-
sideração em estudos de cultura política (Skocpol queza (apatia) dos prestadores. Em quase todas
e Fiorina, 1999; Schlozman, Verba e Brady, 1999; as atividades eleitorais exercidas durante a cam-
Fuks, Perissinotto e Ribeiro, 2003). panha para a prefeitura de Curitiba no ano 2.000,
Para contemplar esses aspectos, levamos em a participação do usuário foi superior a 73%. Já os
consideração, neste artigo, a presença e o peso de prestadores não contam com a participação de
dois tipos de recursos não-convencionais. Primei- mais de 25% de seus representantes nas ativida-
ramente, os recursos individuais de natureza sub- des de campanha eleitoral, exceto na defesa
jetiva, que indicam, na forma de comportamento pública do candidato de sua preferência.10
– passível de ser medida em termos de engaja- Assim como os fatores individuais, devemos
mento eleitoral, associativismo e filiação partidá- também levar em consideração certas condições
ria – ou de “orientação subjetiva” (competência objetivas que tendem a aumentar a capacidade de
política), a existência de uma disponibilidade do ação dos grupos que atuam no conselho. Essas
indivíduo para o ativismo político. Consideramos condições estão associadas à presença de recur-
também recursos coletivos de natureza objetiva, sos coletivos não-convencionais, como a inserção
embora menos visíveis do que os recursos finan- dos grupos em redes de apoio político, das quais
ceiros e organizacionais, tais como a rede de participam atores políticos tradicionais, como os
apoio político dos grupos organizados que atuam partidos políticos, assim como instituições (igreja
nos conselhos e o padrão de interação política e universidade, por exemplo) e diversas organi-
que estabelecem com instituições estatais no enca- zações da sociedade civil. Além disso, as organi-
minhamento de suas demandas. zações que participam do conselho podem adqui-
O pertencimento a associações da sociedade rir maior capacidade de ação política mediante
civil e a filiação partidária certamente estão asso- vínculos constituídos com atores estatais ou pela
ciados à presença de certa motivação para a ação experiência acumulada em certas práticas reitera-
política – além das habilidades políticas específi- das, como o recurso ao poder Judiciário e a par-
cas adquiridas nessas experiências –, constituindo- ticipação contínua em arenas decisórias, incluin-
se, portanto, como um importante indicador da do o próprio conselho.
presença de condição subjetiva favorável à ação O tipo de ativismo dominante das organiza-
política. Os usuários superam, de longe, os demais ções que compõem o CMSC varia de acordo com
segmentos quando se trata da filiação partidária. o segmento em questão. Os prestadores de servi-
Apenas 14,3% dos usuários não são filiados a ço têm uma atuação voltada para o Executivo e o
nenhum partido, em comparação com os 71,4% Legislativo. Assim, os representantes dos hospitais
dos trabalhadores e com os 50% dos prestadores e de Curitiba (a maioria dos prestadores de serviço)
dos gestores. A mesma tendência manifesta-se em estabelecem contato e encaminham, com freqüên-
relação à preferência partidária. Já a filiação a cia, as suas demandas ao governo municipal e aos
associações da sociedade civil é bem distribuída vereadores. Já as associações profissionais e os
entre os segmentos. sindicatos de trabalhadores (a maioria dos repre-
A filiação do indivíduo a uma determinada sentantes dos trabalhadores) destacam-se quando
associação ou partido político pode assumir a se trata de recorrer à esfera judicial. Os usuários,
forma de uma relação passiva ou mesmo pura- embora também façam uso de outros meios,
mente formal. Uma maneira de compensar a limi- recorrem, com maior freqüência, a formas não
tação dessas variáveis quanto à sua capacidade de institucionais de ação política, tais como manifes-
revelar a intensidade da motivação para agir poli- tação pública, passeata e abaixo assinado.
RECURSOS, DECISÃO E PODER 75

Esse quadro parece indicar que cada seg- Mais difícil é explicar a situação do presta-
mento ocupa, preferencialmente, certos nichos de dor. Sua inércia não é congruente com a abun-
ação política, possivelmente aqueles espaços mais dância de recursos de que dispõe. Conforme
adequados aos recursos organizacionais de que veremos a seguir, nesse caso, o fato de o presta-
dispõe. Além disso, as organizações tendem a dor reunir condições favoráveis para a ação polí-
canalizar sua ação para aqueles atores estratégi- tica não se traduz em uma ação efetiva. Isso sig-
cos que fazem parte de sua rede de apoio políti- nifica que a posse de um determinado tipo de
co ou para aqueles espaços institucionais mais recurso não implica a sua conversão em influência
permeáveis às suas demandas. Isso pode ser veri- política. O conceito central aqui é o de “disponi-
ficado em termos do tipo de apoio predominante bilidade”, ou seja, se alguém dispõe de algum
recebido por cada segmento. Portanto, os seg- recurso significa que ele pode, se assim o desejar,
mentos contam com maior apoio exatamente fazer uso desse recurso. Podemos, nesse caso,
daqueles grupos e instituições a quem dirigem, supor que não haja interesse por parte dos presta-
preferencialmente, a sua ação política. dores em fazer uso de seus recursos.
Assim, os prestadores afirmam contar mais Sustentamos, nessa seção, o argumento de
com o apoio do Legislativo e do Executivo. Por que uma explicação da influência política basea-
outro lado, esse segmento indica, com pouquíssi- da, exclusivamente, na posse de recursos conven-
ma freqüência, ter o apoio de organizações da cionais é limitada. Em nosso estudo, a evidência
sociedade civil. Obviamente, as organizações da mais incisiva dessa limitação é o fato de que a dis-
sociedade civil constituem uma importante rede tribuição semelhante de recursos nos dois conse-
de apoio político para os usuários. Estes identifi- lhos (CMASC e CMSC) entre os diversos segmen-
caram as instituições religiosas, os sindicatos e as tos não resulta na semelhança do comportamento
universidades como os seus principais aliados na político de, ao menos, dois dos segmentos (usuá-
sociedade. Os trabalhadores contam com um rios e prestadores de serviço). O ativismo dos
apoio ainda mais concentrado nas organizações usuários e a passividade dos prestadores de servi-
da sociedade civil. ço no interior do CMSC não podem ser explicados
Esse conjunto de condições, incluindo tanto de forma tão direta pelos recursos organizacionais
aquelas de ordem individual e de caráter subjetivo e socioeconômicos que eles possuem.
como as que se referem às organizações e assu-
mem uma qualidade objetiva, revela os limites de
uma explicação fundamentada na posse de recur- Contexto e estrutura
sos convencionais. Assim, a militância partidária,
que se reflete no engajamento eleitoral, indica que Até o momento, tentamos explicar a partici-
a motivação para ação política pode estar com- pação e a influência política dos conselheiros a
pensando a fragilidade dos usuários em relação a partir de duas perspectivas: 1) centrada na atua-
outros recursos (organizacionais, de renda e de ção dos conselheiros no processo decisório, tal
escolaridade). O apoio recebido por organizações como recomenda a abordagem decisional; 2)
da sociedade civil e a prática associativa (especial- preocupada com as condições prévias à ação dos
mente, a de bairro) também parecem compensar, conselheiros, com ênfase na posse de recursos,
em parte, a menor freqüência com que esse seg- conforme indicação da abordagem posicional.
mento atua junto às instituições políticas. Inovamos apenas ao incluir um elenco de recur-
Por último, mas não menos importante, sos não-convencionais individuais – associados a
devemos considerar o peso da representação de formas de engajamento político – e coletivos – em
cada segmento no conselho como um dos fatores especial, a rede de apoio político e os padrões de
que exercem influência sobre seu comportamento ação política.
político. Nesse caso, o usuário leva uma grande No caso do Conselho Municipal de Saúde, a
vantagem, pois o CMSC, sendo paritário, é consti- segunda perspectiva ofereceu uma explicação
tuído por dezesseis representantes dos usuários e plausível para a participação dos gestores e dos
dezesseis representantes dos demais segmentos.11 trabalhadores. Notadamente, no caso do gestor,
76 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 60

pode-se dizer que a sua preponderância no pro- No caso do prestador, parece prevalecer o
cesso decisório corresponde aos amplos recursos entendimento de que, ao contrário do que ocorre
de que esse segmento dispõe. No caso do usuá- no Conselho de Assistência Social e no Conselho
rio, o modelo baseado na posse de recursos reve- da Criança e do Adolescente, o CMSC não delibe-
la-se limitado, embora seja possível argumentar ra, com freqüência, sobre assuntos de seu interes-
que uma versão ampliada deste possa identificar se. Podemos supor, então, que o prestador perce-
o engajamento eleitoral, a filiação partidária e o ba como altos os custos da ação,12 tendo em vista
associativismo – responsáveis pela criação de a expectativa de um baixo “retorno”. Além disso,
condições subjetivas favoráveis à ação política – parece prevalecer entre os prestadores que atuam
como recursos não-convencionais, compensando no CMSC o entendimento de que este conselho
a pouca disponibilidade de recursos tradicionais e não se constitui como uma arena relevante de
criando, portanto, um contexto propício para a tomada de decisão política na área de saúde. Essa
sua participação substantiva e influência nas reu- questão é central e está associada, de um lado, às
niões do conselho. competências do conselho13 e, de outro, às moda-
No entanto, conforme já observado, a posse lidades e aos conteúdos de suas deliberações.
de recursos não é capaz de fornecer uma explica- Não podemos, portanto, estudar a influência
ção adequada para a participação política dos pres- política no interior de uma determinada instituição
tadores de serviço no CMSC. O que o modelo fun- pública sem levar em conta o contexto em que ela
dado na posse de recursos deixa de considerar é se insere, incluindo, nesse caso, a seu peso no sis-
que a mera posse de recursos não se traduz, auto- tema mais amplo de arenas públicas (Hilgartner e
maticamente, em participação política. Em relação Bosk, 1988), assim como a percepção dos diversos
a esse aspecto, a abordagem decisional é esclare- atores envolvidos a respeito da relevância desta
cedora: somente o estudo de processos decisórios instituição. Nesse sentido, a quantidade e mesmo
concretos pode revelar se e em que medida os a qualidade da participação numa arena específi-
recursos de que dispõem os diversos atores envol- ca nem sempre é um bom indicador da influência
vidos são convertidos em influência política. política real dos atores.
Possivelmente, no caso dos prestadores, o Porém, não é apenas o contexto institucional
principal motivo desta discrepância entre recursos que conta. Sem levarmos em consideração o con-
e ação política é a falta de interesse em participar texto histórico da arena, não estaremos em condi-
ativamente no processo decisório. Além da posse ção de avaliar o peso da participação de cada ator
de recursos, há de se levar em consideração quais envolvido, assim como o padrão de interação
são os espaços públicos que um determinado ator entre os grupos. O legado constituído pelas lutas
elege como arenas privilegiadas de ação política. e alianças, a história prévia da área em questão, a
Certamente, o usuário entende ser o CMSC um forma pela qual o conselho foi instituído (por
espaço central de ação política, especialmente exemplo, como fruto de uma longa mobilização
considerando a escassez de canais institucionais de forças sociais ou a partir da iniciativa do
abertos à participação política desse segmento. O Estado), tudo isso define o “perfil” do conselho,
gestor, por obrigação e por interesse, tem que condicionando, de alguma forma, a influência dos
atuar e, mesmo, conduzir o conselho, uma vez grupos nessa arena.
que: 1) ele é uma instância estatal aberta à parti- Além disso, diversas variáveis locais (índice
cipação da sociedade civil; 2) o conselho é um de associativismo, orientação ideológica do gover-
espaço estratégico para o governo consolidar e no local, força dos partidos e dos sindicatos de
ampliar sua base de apoio na sociedade civil, tanto esquerda, desenvolvimento socioeconômico da
no sentido mais amplo da busca de legitimidade comunidade, cultura política predominante) forço-
como no sentido mais específico do apoio político samente afetam não só o desempenho como tam-
e eleitoral; 3) se ele não levar a sério a atuação no bém o padrão de interação no interior desse tipo
conselho, sua dinâmica e suas deliberações podem de instituição. Assim, apesar da proliferação de
fugir de seu controle e, portanto, envolver custos instituições do mesmo tipo por todo o Brasil, em
políticos. função dos incentivos institucionais e financeiros
RECURSOS, DECISÃO E PODER 77

existentes a partir de 1988 (Arretche, 1999), os As forças críticas e oposicionistas foram afastadas
conselhos municipais assumem formas distintas do processo de eleição dos representantes não-
em função da realidade local em que operam governamentais desde as primeiras conferências,
(Cortês, 1998). sendo que na Conferência observada por nós
Entre essas variáveis, uma é especialmente nenhuma chapa concorrente foi apresentada. O
relevante no caso do CMASC – seu processo de controle sobre esse processo garantiu que somen-
gestação e consolidação. Basta observar que este te representantes alinhados com a visão governa-
processo contou, no seu início, com a atuação efe- mental fossem conduzidos ao conselho, o que
tiva de várias forças ligadas aos movimentos garantiu, por fim, um processo decisório profun-
populares e com instituições ligadas à esquerda. A damente harmonioso. Não há contestação no inte-
reação do governo local, à época capitaneado por rior do CMASC porque todas as forças que pode-
Rafael Greca de Macedo (PDT), foi rápida e con- riam contestar a orientação ali predominante foram
tundente, visando a evitar qualquer influência sig- excluídas em momentos anteriores ao processo
nificativa dos grupos de esquerda no interior do decisório.
Conselho. A conduta do governo pautou-se por A esse respeito, é interessante observar que,
tentar se aliar aos representantes dos usuários, diferentemente da tradição pluralista, para a qual
segmento composto majoritariamente por associa- a apatia de alguns grupos revelaria certa satisfa-
ções de bairro, e aos prestadores de serviço, for- ção com a própria condição, outros autores apon-
mados por entidades filantrópicas, sempre com tam para a possibilidade de se interpretar tal pas-
vistas a isolar o segmento dos trabalhadores do sividade (ou abstenção) política como algo
setor, inicialmente composto por entidades críticas produzido por relações de poder regulares, as
ao governo (Central Única dos Trabalhadores e quais, por meio da produção de derrotas perma-
Conselho Regional de Serviço Social). nentes, incutiriam nos dominados a sensação de
A primeira gestão do CMASC ainda contou que não haveria nada a fazer para mudar a situa-
com uma distribuição igualitária da representação ção em que se encontravam. Criar-se-ia, assim,
entre o setor não-governamental: três represen- uma adaptação psicológica que produziria um sen-
tantes dos usuários, três dos prestadores e três timento de estar desprovido de poder (sense of
dos trabalhadores. No entanto, a pressão gover- powerlessness), cuja perpetuação poderia levar os
namental contra as entidades críticas ao governo membros do grupo à autodepreciação e ao fatalis-
levou a uma reforma do regimento que promoveu mo, gerando abstenção em vez de resistência
uma redução da representação dos trabalhadores, (Gaventa, 1980, pp. 16-18). Ainda que a situação
agora composto apenas por um único membro, e do CMASC não tenha chegado a esses extremos
o aumento, para quatro, da representação dos (em parte, devido ao curto período de tempo da
usuários e dos prestadores de serviço. As seguidas experiência em questão), o fato é que os repre-
derrotas e o controle ostensivo do setor governa- sentantes das forças oposicionistas dentro do
mental sobre o Conselho desestimularam as entida- Conselho anteciparam que seriam, como ocorrera
des de esquerda, levando-as a desistir de participar até então, sistematicamente derrotados pelo gover-
do conselho e consolidando, assim, o controle ofi- no e, por isso, optaram por se retirar dessa arena
cial sobre a instituição. decisória. Enfim, ainda que a situação vivida nesse
Em segundo lugar, também como expressão conselho não tenha produzido “passividade”, já
dos esforços do governo e de seus aliados para que se trata de grupos e instituições profunda-
controlar o CMASC, vale lembrar a conferência, mente engajados na luta social e política, a ação
momento em que os representantes não-governa- governamental conseguiu fazer como que eles
mentais são escolhidos. Segundo nossas observa- desistissem de atuar dentro do CMSAC.
ções, o processo de escolha dos representantes Um outro fator que poderia contribuir para
não-governamentais foi amplamente controlado entender o processo de exclusão produzido pelo
pelo governo e seus aliados, consolidando-se, funcionamento dessa instituição é o fato de alguns
assim, um procedimento que se iniciara desde os representantes dos prestadores de serviço afirma-
primeiros momentos de criação dessa instituição. rem insistentemente não ser papel do CMASC dis-
78 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 60

cutir “política”. Nesta visão de mundo, a “carida- nos quais os conselhos se inserem, e “estrutura-
de” é uma virtude e a política (sempre entendida ram”, em alguma medida, os distintos padrões de
como política partidária interessada), um defeito. ação e interação no interior dessas instituições. A
Esse tipo de visão seria “funcional” para as inten- introdução desses fatores na análise permitiu, a
ções do governo de barrar a participação de for- nosso ver, superar as limitações das abordagens
ças oposicionistas (elementos ligados a CUT, ao que levam em conta apenas interações observá-
Partido dos Trabalhadores e ao CRESS), estigmati- veis no processo decisório ou os recursos possuí-
zadas como portadoras de “interesses políticos” que dos pelos atores políticos. Desse ponto de vista,
não combinam com o espírito caritativo da assis- pensar a influência política exclusivamente em
tência social. A caridade seria, assim, uma espécie termos de recursos ou de interferência direta no
de “mito” sistematicamente mobilizado pelos gru- processo decisório seria reduzir a explicação de
pos dominantes com vistas a desqualificar e excluir tal fenômeno a um formalismo incapaz de dar
grupos que tenham alguma pretensão a fazer-lhes conta das circunstâncias reais em que as arenas se
oposição, consolidando, dessa forma, um “viés” das estruturam e o processo decisório se desdobra.
instituições em questão no momento de pensar a Nesse sentido, pensamos que a análise do
política de assistência social. contexto (interno e externo) como elemento que
afeta a conduta política dos atores dentro dos
conselhos deve levar em consideração cinco fato-
Conclusão res: 1) existência de arenas alternativas; 2) inter-
ferência do governo na eleição dos representantes
Esse artigo tratou da questão da participação não-governamentais; 3) existência de valores e
política em termos da capacidade dos atores de ethos específicos de cada policy domain; 4) natu-
influenciar o processo decisório. Inicialmente, ava- reza da relação entre governo e sociedade civil na
liamos a possibilidade de que o real exercício da comunidade em análise, relação esta que sofre
influência política seja definido em termos do resul- influência de inúmeros fatores, tais como o grau de
tado concreto do conflito político, indicado pelo associativismo existente na sociedade e a orienta-
sucesso de determinados atores no processo deci- ção ideológica do poder Executivo; e, por fim, 5)
sório, independentemente da posição institucional contexto interno dos conselhos, isto é, seu dese-
e, em conseqüência, dos recursos de que dispõem. nho institucional, definido, em grande parte, pela
A abordagem decisional revelou-se limitada para história de sua institucionalização e pela trajetória
explicar a influência política no interior dos conse- das forças sociais que nele atuaram.
lhos estudados quando percebemos, por meio de Afirmamos no início deste artigo que nosso
alguns indícios, que a conduta dos atores no pro- objetivo não era defender uma relação de exclu-
cesso decisório e os resultados ali produzidos são, mas de complementaridade, entre as diferen-
poderiam estar sendo condicionados por fatores tes abordagens sobre o poder. Uma análise das
exteriores a esse processo. relações de poder em instituições de participação
Em seguida, consideramos a hipótese de que ampliada deve, portanto, a nosso ver, levar em
a posse de determinados recursos explicaria a dis- consideração tanto as dimensões estruturais, que
tribuição da participação política nos conselhos modelam as capacidades e as preferências dos
gestores de políticas públicas em Curitiba. Nossas atores, como as interações concretas entre eles, as
conclusões indicaram que os recursos são condi- quais, por seu caráter acentuadamente estratégi-
ções necessárias, mas não suficientes para que haja co, trazem consigo sempre resultados que não
participação e o exercício efetivo da influência polí- podem ser simplesmente derivados dos aspectos
tica, já que os atores com menos recursos tinham estruturais que constrangem a ação.
uma atuação mais intensa e eficaz dentro dos con- As conseqüências dessa postura analítica para
selhos do que outros que possuíam uma quantida- a teoria democrática são bastante relevantes.
de maior de recursos de diversas naturezas. Seguindo-as, podemos perceber que a ampliação
Por fim, levamos em consideração os fatores da participação política – objetivo universal de
que configuram os contextos (interno e externo), qualquer teoria democrática mais ousada – não
RECURSOS, DECISÃO E PODER 79

comporta soluções puramente institucionais, como CRENSON, Mathew A. (1971), The um-politics of
parece sugerir, por exemplo, Hannah Arendt. Não air pollution: a study of non-decison-
basta que instituições participativas estejam à dispo- making in the cities. Baltimore/Londres,
sição para que a ampliação da participação ocorra. The Johns Hopkins Press.
Os constrangimentos socioeconômicos, simbólicos
DAHL, Robert. (1970), “Uma crítica do modelo de
e políticos podem funcionar como um poderoso
elite dirigente”, in _________, Sociologia
obstáculo à participação ou até mesmo aprofundar
política II, Rio de Janeiro, Zahar.
a desigualdade política. Por outro lado, é verdade
que a simples existência dessas instituições, ela pró- _________. (1989), Who governs?. New Haven,
pria o resultado da luta política, permitiu a incor- Yale University Press.
poração de determinados atores políticos no pro- FOUCAULT, Michel.(1995), “O sujeito e o poder”,
cesso de tomada de decisão pública, antes in P. Rabinow e H. Dreyfus, Michel
monopolizado pela burocracia estatal, incorpora-
Foucault: uma trajetória filosófica
ção esta que pode produzir efeitos não antecipa-
(para além do estruturalismo e da her-
dos por uma análise puramente estrutural.
menêutica), Rio de Janeiro, Forense
Universitária.

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Brasil: instituições políticas e processo te, o CMSC e o CMASC. Ambos são compostos por
decisório. Rio de Janeiro, Revan. quatro segmentos: gestores (representantes do
governo), trabalhadores, prestadores de serviço e
PERISSINOTTO, R. M. (2002), “Democracia e par- usuários do setor em que o conselho atua. Há dife-
ticipação: o caso do Conselho Municipal rença, porém, no que diz respeito ao peso de cada
de Assistência Social de Curitiba”, in R. um desses segmentos. O Comtiba é formado ape-
M. Perissinotto; M. Fuks (orgs.), nas por dois segmentos – governamental e não-
Democracia: teoria e prática. Rio de governamental –, sendo este último formado ape-
Janeiro, Relume Dumará, pp. 211-244. nas por prestadores de serviço. Já o CMERT é um
PERISSINOTO, Renato; FUKS, Mario; SOUZA, conselho tripartite, constituído por sindicatos
Nelson Rosário de. (2003), “Participação patronais, sindicatos dos trabalhadores e por repre-
e processo decisório em alguns conse- sentantes do governo municipal. No caso do
lhos gestores de Curitiba”. Revista CMERT, o estudo limitou-se à aplicação de ques-
Paranaense de Desenvolvimento Ipardes, tionários, ao passo que nos demais também foram
105: 75-100. coletadas informações nas atas das reuniões dos
conselhos.
POLSBY, N. (1963), Community power and politi-
2 Os dados foram coletados em pesquisa financiada
cal theory. New Haven, Yale University
pelo CNPq, coordenada pelo professor Mario Fuks
Press.
e desenvolvida pelo núcleo de pesquisa
SCHLOZMAN, K., VERBA, S. & BRADY, H. (1999), “Democracia e Instituições Políticas Paranaenses”.
“Civic participation and the equality A pesquisa também contou com a consultoria na
problem”, in T. Skocpol e M. Fiorina área de estatística e processamento de dados do
(orgs.), Civic engagement in American professor Malco Camargos, da PUC-MG.
democracy, Washington D.C., The
3 Considerando que o presente texto tem como foco
Brookings Institution Press.
questões teóricas e metodológicas relativas ao con-
SKOCPOL, T & FIORINA, M. (1999), “Making ceito de poder/influência, não faremos uma apre-
sense of the civic engagement debate”, sentação sistemática dos dados e da especificidade
in T. Skocpol e M. Fiorina (orgs.), Civic de cada conselho investigado. Para tanto, sugerimos
engagement in American democracy, a leitura de Fuks, Perissinotto e Souza (2003, 2004);
Washington D.C., The Brookings Fuks, Perissinotto e Ribeiro (2003); Fuks (2002);
Institution Press. Perissinoto (2002). Ver também o banco de dados
em Fuks e Perissinotto, Banco de dados, estudo dos
WRIGHT MILLS, C. (1985), “A elite do poder: mili- conselhos municipais de Curitiba (2002), no site
tar, econômica e política”, in H. http://www.nadd.prp.usp.br/cis/index.aspx.
Fernandes (org.), Wright Mills, São
Paulo, Ática (col. Grandes Cientistas 4 O conselho é composto por 32 membros, distri-
Sociais, 48). buídos da seguinte forma: usuários (16), trabalha-
dores de saúde (8), prestadores (4) e gestores (4).
5 A presença de “contestação” foi registrada sempre
quando a intervenção do segundo ator se opôs
Notas
explicitamente à do que iniciou o debate.
1 Os seguintes conselhos municipais de Curitiba 6 Os dados referentes aos recursos foram coletados
foram investigados: Conselho Municipal de Saúde mediante entrevista com trinta conselheiros que
de Curitiba (CMSC), Conselho Municipal de participaram da gestão de 1999-2001 do Conselho
Assistência Social de Curitiba (CMASC), Conselho Municipal de Saúde de Curitiba. Do conjunto de
Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente conselheiros dessa gestão, apenas dois conselhei-
de Curitiba (Comtiba), Conselho Municipal do ros não foram localizados e, portanto, não foram
Emprego e Relações de Trabalho de Curitiba entrevistados. A distribuição das entrevistas por
RECURSOS, DECISÃO E PODER 81

segmento foi a seguinte: quinze usuários, sete tra- 11 Sendo oito trabalhadores, quatro gestores e quatro
balhadores, quatro prestadores de serviço e quatro prestadores de serviço.
gestores. A predominância do segmento “usuário”
12 Devemos também pensar na possibilidade de que,
explica-se pelo fato de os conselhos de saúde
no CMSC, a influência dos prestadores ocorra de
serem “paritários”, sendo 50% de seus membros
acordo com a “regra das reações antecipadas”. O
usuários do sistema de saúde. No caso do CMASC,
fato de esse segmento não “agir” pode ser explica-
foram feitas entrevistas com dezessete conselheiros
do, parcialmente e em determinadas circunstâncias,
durante a gestão de 1999-2001. Desse total, oito
pelo seu lugar estratégico na política em questão, o
eram gestores, quatro usuários, quatro prestadores
que força os decisores a levar em consideração
de serviço e um trabalhador.
seus interesses, mesmo que eles demonstrem passi-
7 Isso talvez explique o baixo índice de “competên- vidade no processo decisório.
cia política subjetiva” no que diz respeito ao pro-
13 Atuando prioritariamente como instância de fiscali-
cesso decisório dentro do conselho por parte dos
zação, o conselho estimula mais a ação dos pres-
gestores. Tomados individualmente, de fato, não
tadores no sentido reativo do que propriamente
são eles capazes de conduzir o processo decisório
ativo. Isso porque, nesse caso, os prestadores
no CMASC, mas sim o governo como instituição.
podem estar mais interessados em atuar no sentido
8 Em nossa pesquisa, os agentes no interior dos con- de criar obstáculos às ações do conselho que,
selhos são identificados como portadores de dois eventualmente, podem prejudicar membros do
tipos de recursos: 1) “recursos individuais”, que setor do que participar do conselho para encami-
apresentam uma dimensão objetiva (perfil socioe- nhar propostas que atendam seus interesses.
conômico e educacional dos conselheiros) e uma
dimensão subjetiva (motivações para a ação políti-
ca); e 2) “recursos coletivos”, que se referem aos
recursos organizacionais (financeiros, materiais e
humanos), políticos e de “rede”, pertencentes às
entidades representadas no CMSC.
9 Importante observar que os dados de que dispomos
em relação aos recursos, no CMSC, cobrem apenas
uma gestão do conselho (1999-2001). Supomos,
então, uma relativa estabilidade, ao longo do tempo,
em termos dos recursos de que cada segmento dis-
põe.
10 Há uma relação direta entre o comportamento polí-
tico dos conselheiros – expresso na forma de filia-
ção partidária, associativa e engajamento eleitoral –
e suas orientações subjetivas, em especial no que se
refere à confiança do indivíduo em relação à sua
capacidade de influenciar a política. Assim, os
usuários são os que, com maior freqüência, se per-
cebem como influentes no campo da política
(86,7%). Os gestores (75%) e os trabalhadores
(71,4%) também expressam um alto grau de com-
petência subjetiva, ao contrário do segmento pres-
tador (25%), no qual prevalece a percepção de uma
baixa competência política. Portanto, é exatamente
aquele segmento da sociedade civil cujo comporta-
mento político é mais ativo que também se consi-
dera mais capaz de influenciar a política.
180 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 60

RECURSOS, DECISÃO E RESOURCES, DECISION, AND RESSOURCES, DÉCISION ET


PODER: CONSELHOS GESTO- POWER: PUBLIC POLICIES POUVOIR: LES CONSEILS DE
RES DE POLÍTICAS PÚBLICAS MANAGEMENT COUNCILS IN GESTION DE POLITIQUES
DE CURITIBA CURITIBA PUBLIQUES À CURITIBA

Mario Fuks Mario Fuks Mario Fuks


Renato Perissinotto Renato Perissinotto Renato Perissinotto

Palavras-chave: Participação Keywords: Political participa- Mots-clés: Participation poli-


política; Influência política; tion; Political influence; tique; influence politique;
Conselhos gestores. Management councils. Conseils de gestion.

Este artigo investiga a influência This article investigates the polit- Cet article enquête à propos de
política em instituições de parti- ical influence in institutions of l’influence politique dans les ins-
cipação ampliada. Tendo como enlarged participation. Having as titutions où il existe une partici-
referencial empírico os conse- empirical referential the social pation sociale plus développée.
lhos gestores de políticas sociais policies management councils in Ayant comme référence empi-
em Curitiba, são abordadas Curitiba, both theoretical and rique les conseils de gestion de
questões teóricas e metodológi- methodological issues are politiques publiques à Curitiba,
cas relativas ao conceito de approached in relation to the nous abordons des questions
poder/influência, buscando concept of power/influence, théoriques et méthodologiques
identificar o modelo analítico seeking to identify the most relatives au concept de pouvoir
mais apropriado para o estudo appropriate analytical model for et d’influence. Nous cherchons à
da influência política no interior studying the political influence identifier le modèle analytique le
de instituições desta natureza. within such institutions. After plus approprié pour l’étude de
Após considerar duas das princi- having considered two of the l’influence politique à l’intérieur
pais abordagens (decisional e main approaches (decisional d’institutions de cette nature.
posicional) usualmente utiliza- and positional) commonly used Après avoir considéré deux des
das no estudo do exercício do in studying the practice of polit- principaux abordages (décision-
poder político, conclui-se que ical power, we have concluded nel et structurel) normalement
cada uma delas, por si só, é that each one alone proves to be employés dans l’étude de l’exer-
incapaz de explicar a distribui- unable to explain the distribu- cice du pouvoir politique, nous
ção da influência política no tion of political influence within concluons que chacune d’elles
interior dos conselhos. Os auto- the councils. The authors sug- est, individuellement, incapable
res sugerem a elaboração de um gest the elaboration of a model d’expliquer la distribution de
modelo capaz de integrar as vir- capable of integrating the virtues l’influence politique à l’intérieur
tudes de cada uma das perspec- of each one of the perspectives des conseils. Nous suggérons
tivas e, ao mesmo tempo, incor- and, at the same time, incorpo- l’élaboration d’un modèle
porar variáveis de natureza rating variables of contextual capable d’intégrer les vertus de
contextual. nature. chacune des perspectives et, en
même temps, d’incorporer des
variables de nature contextuelle.

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