Sei sulla pagina 1di 29
Titulo original: En Découorant Existence avec Huser et Heidegger Autor: Enamel Lévinas Colecgio: Pensamento Filosofia Direcgio de Antinio Oliveira Cruz Tradugio: Fernanda Olea Capa: Dono Caroaho ©Copyright: Librairie Philosophique J, VRIN.1949, paraa 1. edigio Librairie Philsophique J. VRIN,1967, para a edo sepuida de noves Ensios Direitosreseroados para aTingua portuguese INSTITUTO PIAGET Ay. odo Paulo Il, Lote 54 -2° 1900 Lisboa Teel. 857 1725 Paginagio: Instituto Piaget Impressio e Acabamento: Grifica Manuel Barbosa & Fils, La DEPOSITO LEGALN”: 117661/97 ISBN ~972-8407-88-2 ‘Nenhuma parte desta publicag3o pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer processo electrénico, mecinico ou fotogrifico, ineluindo fotocépia, xeroespia ‘ou gravagio, sem autorizagio prévia e exerta do editor. MARTIN HEIDEGGER E A ONTOLOGIA'“ A nogio de sujeito — a oposicio do sujeito ao objecto ea sua rela~ co com ele, a especificidade dessa relacio, irredutivel a relagdes como semelhanga, igualdade, acco, paixio, causalidade — caracte- riza a filosofia moderna. Pensando até ao fim a nogao de sujeito, a filo- sofia transcendental, através das suas variagGes, afirma que a condi¢io do ser nio é, por sua vez, um ser. O fundamento do objecto pelo sujeito nao equivale ao fundamento da consequéncia pelo principio. Também nao é um acontecimento temporal e que dure; ¢, no en- tanto, a relacio entre 0 sujeito ¢ o objecto cumpre-se na actualidade do cogito e, dessa forma, insere-se na trama do tempo. O idealismo procurou depurar o sujeito desta tiltima contaminagio pelo tempo, desta tiltima confuséo de estar no seio do acontecimento chamado a fundar o ser. Empreendimento que impde uma escamoteacio ou uma deducio do tempo. Para os neo-kantianos, como para Leibniz, © tempo torna-se uma percep¢io obscura, estranha A natureza 116 Este estudo € uma reprodugéo parcial de um artigo publicado em 1932 (ximero de Maio-Junho), na Revue Philosophique. Modificado ¢ abreviado, ele tem, no entanto, a marca de uma época em que a filosofia de Heidegger acabara de ser descoberta em Franga ¢ nfo esti isento de algumas simplificagdes, Elas no podem comprometer a compreensio do pensamento de Heidegger nas suas grandes linhas, que € 0 objectivo deste trabalho. profunda do sujeito; para Kant, é uma forma fenomenal a que o sujeito recorre, mas em que nao se reconhece; para Hegel é qual- guer coisa onde o espirito se langa para se realizar, mas de que é originalmente distinto. A destruicao do tempo pelos idealistas permite assim sublinhar o caracter sui generis do sujeito, o facto paradoxal de ele ser qualquer coisa que nao existe. O sujeito nao se distingue da coisa por esta ou por aquela propriedade ~ pelo facto de ser espiritual, activo, nto extenso, ¢ de se opor ao material, inerte e extenso. A diferenga diz respeito a existéncia, A propria forma de existir, se é que ainda pode- mos falar aqui de existéncia. O sujeito encontra-se por detrés do ser, fora do ser. E é por isso que nao pode existir ontologia do su- jeito idealista. Para ultrapassar o idealismo ¢ a atitude gnosiolégica que é a sua, nao basta afirmar pura ¢ simplesmente que o sujeito, por sua vez, é um ser de dignidade superior. Na indiferenga relativa ao tempo que a relagio «sujeito-objecto» manifesta, h4 como que uma nega¢io do cardcter ontolégico do conhecimento. A filosofia antiga ignorava a nogo moderna do sujeito ¢ nio se questionava sobre como é que o sujeito separado do real conseguia reunir-se ao real. Para Platio, por exemplo, é muito natural que o pensamento tenha um objecto. Todas as dificuldades que ele en- contra para explicar o erro, em Teeteto, devem-se a auséncia de uma verdadeira nogao de sujeito. A cera mais ou menos mole que cobre a alma, e que em certo momento do didlogo deve dar conta do erro, simboliza certamente o elemento especificamente subjectivo do pensamento, mas nfo descreve a sua verdadeira natureza. Por outro lado, quando Platio determina o cardcter da relagio sujeito-objecto, ele concebe-a como uma relagio ~ ela propria tomada do mundo de objectos ~ de paixio ¢ de accao. Basta-nos lembrar a teoria da sen- sagao visual do Teeteto e as passagens de Parménides e do Sofista, onde a circunstincia de conhecermos as Ideias introduz um ele- mento de paixao nas ideias e diminui a sua perfeigio. A nogio de sujeito nao esté, no entanto, ausente desta filosofia. S6 que, contrariamente 4 filosofia moderna, a estrutura do sujeito é determinada com a ajuda de nogées ontoldgicas. Nao é pelo facto da visio ter de sair de si mesma para atingir o seu objecto que ela é 70 subjectiva para Platdo, mas sim pelo facto de pertencer a um ser finito, caido do Empireo e preso na Caverna. E de alguma forma a histéria da alma que a transforma em subjectividade susceptivel de erros e de magoas. A subjectividade define-se por um modo de exis- téncia inferior, pelo facto de estar integrada no devir, pela imper- feicdo. Mas esta imperfeicio nao explica ~ ¢ nao tem a pretensio de explicar — 0 aspecto da subjectividade que a filosofia moderna assi- nalou, a irrealidade ¢ a especificidade da relagao sujeito-objecto. Os grilhdes daqueles que estiio aprisionados na Caverna determi- nam, é certo, a condigio humana, mas essa condigio coexiste pura € simplesmente com a faculdade de visio que o homem possui simul- tancamente com os seus grilhdes. Nao nos mostram como é que a visio enquanto imanéncia que se transcende é condicionada pela estrutura ontolégica do homem. Para clevar a alma acima do erro = marca eterna da subjectividade - «toda a arte consiste em vird da maneira mais facil e mais titil para ela. Nao se trata de lhe dar a faculdade de ver, ela ja a temo». (Reptiblica, Livro VIL.) Sem procurar nesta introdugio os motivos internos ~ deter- minados pelos dados pessoais ¢ historicos da filosofia heideggeriana ~ que levam Heidegger a filosofar 4 sua maneira ~ pensamos que podemos situa-la de uma forma bastante caracterfstica em relagio as duas possibilidades de compreender o sujeito que acabémos de descrever: a gnosiolégica ¢ a ontolégica. Heidegger prossegue de alguma forma a obra de Platio, procurando o fundamento ontolé- gico da verdade e da subjectividade, mas dando conta de modo pre- ciso de tudo aquilo que a filosofia, depois de Descartes, nos ensinow sobre o lugar excepcional da subjectividade na economia do s . Com efeito, podemos perguntar se a relagio sujeito-objecto sera a forma original da transcendéncia da alma. Nao sera preciso voltar a questionar a nogio de ser que utilizémos acriticamente, de um lado € do outro, mesmo quando a aproximévamos do tempo, ja que nao aprofunddmos mais esta ultima no¢io € aproximamos 0 ser de uma nogio de tempo que talvez também nao exprima a estrutura original desse fendmeno? E nao compreenderfamos nds melhor, depois desse trabalho prévio, a proximidade das caracteristicas ontoldgicas da subjectividade ~ queda, encadeamento, devir — com 71 0 seu aspecto gnosiolégico de uma imanéncia aspirando a transcen- déncia? A «irrealidade» do salto que o sujeito dé em direcgio ao objecto, longe de ser estranha ao tempo, no constituird um modo? A teoria do conhecimento nao se perderé na ontologia, 0 conheci- mento na existéncia? Kis os problemas que se vio por a Heidegger. O seu esforgo é diametralmente oposto ao da filosofia dialécti que, longe de procurar o fundamento ontolégico do conhecimento, se preocupa com os fundamentos ldgicos do ser. Hegel pergunta: «Como € que o espirito cai no tempo?» Mas Heidegger replica-lhe: «O espirito nio cai no tempo, mas a existéncia efectiva, em queda, € projectada para fora do tempo original e auténtico». (Sein und Zeit, p. 436.) HE Voltar a por em questio a nogio de ser e da sua relagio com o tempo, que menciondmos mais acima, é 0 problema fundamental da filosofia heideggeriana — 0 problema ontolégico. A maneira como o homem é levado ao centro da investiga¢io é inteiramente comandada pela preocupagio fundamental que consiste em res- ponder & questo «o que é ser». O privilégio do problema relativo ao homem no responde, pois, a um desejo de inspiragio critica, procurando estabelecer previamente a validade do instrumento que € 0 conhecimento. E por isso que, depois de ter mostrado por meio de reflexdes, cujo percurso iremos seguir, o lugar essencial do ho- mem na investigagao filos6fica, Heidegger recorda de uma maneira que inicialmente surpreende a consciéncia moderna, nao pela rica eclosiio dos estudos da consciéncia, que data de Descartes, mas pela frase de Aristételes que afirma o lugar privilegiado da alma na totalidade do ser: | yvyn té& dvi mix, gor (Sein und Zeit, p. 14: Arist. De Anima T. 8, 4316 21.) Partamos, pois, do problema fundamental do significado do s Precisemos os seus termos. Heidegger distingue inicialmente entre aquilo que existe, «0 ente» (das Seiende) © «0 ser do ente» (das Sein des Seienden). O que existe, 0 ente, cobre todos os objectos, todas s em certo sentido, e até Deus. O ser do ente é 0 facto de todos esses objectos e todas essas pessoas serem. Ele no se identifica com nenhum desses entes, nem mesmo com a ideia do ente em geral. Em certo sentido, nao existe; se existisse, seria ente por seu turno, quando de alguma forma é a prépria ocorréncia do ser de todos os «entes». Na filoso- fia tradicional, efectuava-se sempre um deslizar imperceptivel do ser do ente em direc¢io ao «ente». O ser do ente, o ser em geral, tornava-se um ser absoluto ou Deus. A originalidade de Heidegger consiste precisamente em manter essa distingio com uma constante clareza, O ser do ente € 0 «objecto» da ontologia. Ao passo que os entes representam o dominio de investigacio das ciéncias énticas. Vejamos mais de perto estas distingdes. Os atributos do ente fazem com que cle seja isto ou aquilo. Ao determinar os atributos do ente, dizemos aquilo que cle é, chegamos & sua esséncia. Mas a par da esséncia do ente podemos constatar, por meio de uma percepgio ou de uma demonstragio, que ele existe. E, com efeito, para a filo- sofia clissica, era a essa constatagio da existéncia que se reduzia 0 problema da existéncia, que acrescia ao da esséncia. Mas determi- nar © que essa existéncia constatada significa, eis aquilo que foi desde sempre considerado impossivel, pois, sendo de generalidade supe- rior, a existéncia nao poderia ser definida. A filosofia medieval cha- mava «transcendente» a esse ser do ente. Kant conhecia igualmente a especificidade do «ser do ente» em relagio ao ente ¢ em relagio a qualquer atributo do ente, uma vez que, ao refutar o argumento ontolégico, ele demonstrou precisamente a irredutibilidade do ser aum atributo do ente. Ora, Heidegger contesta precisamente que 0 problema do signi- ficado do ser seja impossivel e vé nele o problema filoséfico funda- mental — otologia no verdadeiro sentido do termo — a que condu- zem simultaneamente as ciéncias empiricas ¢ as ciéncias «eidéticas» no sentido husserliano (isto é, as ciéncias @ priori que estudam a esséncia, et80g, dos diferentes dominios do real!!7) ¢ para o qual tendia a filosofia antiga, ao querer compreender 0 ser no Sofista ¢ 117 Ver 0 estudo anterior, p. 20 73 formulando, com Arist6teles, o problema de dv 7 ov. Precisamente porque o ser nao é um ente, nao deve ser apreendido per genus et differentiam specificam. F. 0 facto de o podermos apreender de outra forma est provado pela circunstincia de compreendermos 0 seu significado a cada momento. A compreensito do ser é a caracteristica e o facto fundamental da existéncia humana. Dir-se-4 que, neste caso, a investigacio é imitil? Mas 0 acto da compreensio nao quer dizer que essa compreensio seja explicita ou auténtica. Certamente, procuramos algo que, de certa maneira, j4 possuimos ~ mas expli- citar essa posse ou essa compreensio nao é, por esse motivo, um trabalho subalterno ou secundario. Para Heidegger, a compreensio do ser nao é um acto puramente teérico, mas, como veremos, um. acontecimento fundamental em que hipoteca todo 0 seu destino; e, desde logo, a diferenga entre os modos, explicito e implicito, de com- preender nio é uma simples diferenga entre conhecimento claro ¢ obscuro: ela diz respeito ao préprio ser do homem. A passagem da compreensio implicita ¢ nao-auténtica 4 compreensio explicita e auténtica, com as suas esperangas ¢ os seus fracassos, é 0 drama da existéncia humana. Passar da compreensio implicita do ser 4 com- preensio explicita é propor-se uma tarefa de dominio e de domi- nacio no seio de uma ingénua familiaridade com a existéncia que talvez destrua a propria seguranga dessa familiaridade. Seja como for, fixemos de momento a caracteristica do homem estabelecida a partida: ente que compreende o ser implicitamente (de uma maneira pré-ontolégica, segundo a expressio heideggeria- na) ou explicitamente (de uma maneira ontolégica). E é porque 0 homem compreende o ser que ele interessa 4 ontologia. O estudo do homem vai revelar-nos 0 horizonte no interior do qual se coloca o problema do ser, pois € nele que se dd a compreensito do ser. Nio foi por acaso que empregémos esta tiltima formula. A com- preensio do ser que caracteriza 0 homem nio é simplesmente um acto, essencial a toda a consciéncia, susceptivel de poder ser isolado na corrente temporal para nele apreender o ser que ele vis recusando ao mesmo tempo que ele vise qualquer temporalidade na relagao que estabelece. Uma concepgio destas equivaleria, precisa- mente, a separar da dimensio temporal, onde se forma a existéncia 74 do homem, a relagio sujeito-objecto e a ver na compreensio do ser um acto de conhecimento como outro qualquer. Ora, toda a obra de Heidegger tende a mostrar que o tempo nao é um quadro da existéncia humana, mas que, sob a forma auténtica, a «temporali- zacio» do tempo é 0 resultado da compreensio do ser. I na verdade a propria compreensio que se forma. Portanto, nao se deve comegar por imaginar a estrutura especffica da compreensio do ser por meio de nogoes que ela é solicitada a ultrapassar. A andlise da compreensiio do ser mostraré 0 tempo na base da compreensio. O tempo encontrar- -se-4 af de maneira inesperada e na sua forma auténtica ¢ original, como condigao das préprias articulagdes dessa compreensao. Estas antecipagdes sobre os resultados das andlises heideggeria- nas permitem-nos precisar em que sentido a compreensio do ser caracteriza o homem. De forma alguma a titulo de atributo essen- cial, mas como o préprio modo de ser do homem. Ela no determina a esséncia, mas a existéncia do homem/Certamente, se considerar- mos 0 homem como um ente, a compreensio do ser constitui a esséncia desse ente. Mas precisamente — ¢ af esta uma caracteristica fundamental da filosofia heideggeriana ~ a esséncia do homem é, ao mesmo tentpo, a sua existéncia, Aquilo que o homem é, €ao mesmo tempo a sua maneira de ser, a sua maneira de existir, de se «tem- poralizar>/ Esta identificacio da esséncia e da existéncia no é uma tentativa de aplicar a0 homem o argumento ontolégico, como alguns poderio ter pensado. Ela nao significa que na esséncia do homem esteja con- tida a necessidade de existir — 0 que seria falso, pois o homem nao é um ser necessério. Mas inversamente, poder-se-ia dizer que a con- fusdo da esséncia e da existéncia significa que na existéncia do homem esta inclufda a sua esséncia, que todas as determinagdes essenciais do homem nao passam dos seus modos de existir. Mas uma tal relacao entre a esséncia ¢ a existéncia s6 é possfvel & custa de um novo tipo de ser que caracteriza a acco do homem. Heidegger re- serva para este tipo de ser a palavra existéncia — que empregaremos doravante neste sentido — e reserva o nome de Vorhandenbeit, pre- senca pura e¢ simples, para o ser das coisas inertes. E é porque a esséncia do homem consiste na existéncia que Heidegger designa 0 75 homem pelo termo de Dasein (ser deste mundo). E nao pelo termo Daseineles (ente deste mundo). A forma verbal exprime o facto de cada elemento da esséncia do homem ser um modo de existir, de se encontrar 1A. Ea forma verbal exprime ainda outra coisa que é da maior im- portancia para a compreensiao da filosofia heideggeriana. JA o disse- mos: o homem nio interessa 4 ontologia por si mesmo. O interesse da ontologia vai no sentido do ser em geral. Mas o ser em geral, para ser acessivel, deve revelar-se previamente. Até Heidegger, a filoso- fia moderna pressupunha um espirito capaz de conhecer nessa reve~ lagio; ela era obra sua. O ser revelado era mais ou menos adequado ao ser velado. Que essa revelagao seja ela mesma um acontecimento do ser, da existéncia do espirito conhecente seja esse acontecimento ontolégico, condigio de toda a verdade — certamente, Plato j4 suspeitava tudo isso quando punha a consciéncia, nio no sujeito, mas na alma, e quando conferia 4 alma a mesma dignidade e a mes- ma substéncia que as ideias, quando pensava a alma como contempo- rinea das ideias ou co-eterna a elas; mas que esse facto, essa trans- formacio do ser em verdade se cumpra no facto da minha existéncia particular neste mundo, que o meu lugar, o meu Da seja produto da revelagio do ser, que a minha humanidade seja a verdade — isso cons- titui o principal contributo do pensamento heideggeriano. A essén- cia do homem esté nessa obra de verdade; 0 homem nio ¢, pois, um substantivo, mas um verbo inicialmente: ele esté na economia do ser, 0 «revelar-se» do ser, ele no é Daseiendes, mas Dasein. Em resumo, 0 problema do ser que Heidegger coloca reconduz- -nos ao homem, pois o homem é um ente que compreende o ser. Mas, por outro lado, essa compreensao do ser é ela prépria o ser; ela nao é um atributo, mas o modo de existéncia do homem. Isto nao €uma extensfio puramente convencional da palavra ser a uma facul- dade humana ~ na circunstancia, & compreensio do ser -, mas 0 realgar da especificidade do homem cujos «actos» ¢ «proprieda- des» sio outros tantos «modos de ser». I. 0 abandono da nogio tradicional da consciéncia como ponto de partida, com a decisio de procurar a base da prépria consciéncia no acontecimento funda- mental do ser ~ na existéncia do Dasein. 76 Desde logo, 0 estudo da compreensio do ser é ipso facto um estu- do do modo de ser do homem. Ele nao é apenas uma preparagio para a ontologia, mas j4 uma ontologia. Heidegger chama «Anali- tica do Dasein» a este estudo da existéncia do homem. Sob uma forma estranha ao problema do ser em geral, cle jé tinha sido ini- ciado € prosseguido em miiltiplos estudos filos6ficos, psicolégicos, literarios e religiosos consagrados a existéncia humana. Heidegger chama existencial 4 anilise da existéncia humana que ignora a perspectiva da ontologia. Repé-la nesta perspectiva ~ efectud-la de uma forma explicita = é 0 trabalho de uma analitica existencial que Heidegger empreende em Sein und Zeit. Vamos resumir aqui alguns desenvolvimentos dessa analitica existencial. A partir da estrutura puramente formal que acabimos de estabelecer: «a existéncia do Dasein consiste em compreender 0 ser» — toda a riqueza da existéncia humana se encontrard desenvol- vida, isto 6, toda a estratura da revelacio do ser. Tratar-se-4 de en- contrar af o homem na sua totalidade e de mostrar que essa com- preensio do ser é 0 proprio tempo. IIL O homem existe de tal maneira que compreende o ser. Esta for mula equivale a uma outra que parece dizer muito mais: nao é um estado cego ao qual se deva juntar o conhecitnento da natureza da existéncia, mas essa existéncia, ao velar pela sua prépria existéncia — e apenas dessa maneira ~ abre-se 4 compreensio da existéncia. Compreendemos agora melhor do que hé pouco como 0 estudo da compreensio do ser é uma ontologia do Dasein, um estudo da existéncia do Dasein em toda a sua plenitude concreta, e nao apenas a reflexao sobre um acto isolado dessa existéncia pelo qual uma existéncia que desaparece progressivamente no tempo esta- ria em situagio de abandonar esse plano existencial para com- preender o ser. A transcendéncia da compreensio é um facto da existéncia. 78 IV Compreender o ser é existir de maneira a inquietar-se com a sua propria existéncia. Compreender é ficar inquieto. Como precisar essa compreensio, essa inquietagio? O fendmeno do mundo ou, mais precisamente, a estrutura do «ser-no-mundo» apresenta a forma precisa sob a qual se realiza essa compreensito do ser. Se esta tese se justificasse, a «saida de si mesmo» para o mundo estaria integrada na existéncia do Dasein, pois a compreensio do ser, como ja sabemos, é um modo da existéncia. A compreensio do ser sob a forma de «arriscar a existéncia» apareceré a Heidegger, no termo das suas andlises, como a caracteristica fundamental da finitude do Dasein. E, pois, na finitude da existéncia do Dasein que se basearé a sua transcendéncia para com o mundo. Assim, a finitude da existéncia humana dard conta da nogio de sujeito, tal como a conhecemos desde Descartes. Ela j4 nao serd uma simples determinagio do sujeito — j4 nao se diré apenas «somos um pensa- mento, mas um pensamento finito» -, a finitude conter4 o proprio principio da subjectividade do sujeito. A andlise do Mundo torna- ~se, pois, a pega central da Analitica do Dasein, pois ela vai permitir- -nos ligar a subjectividade 4 finitude, a teoria do conhecimento 4 ontologia, a verdade ao ser. Certamente, serd preciso comegar por transformar a nogao tra- dicional do mundo, mas este processo nada teré de arbitrario. Aquilo que Heidegger vai pér no lugar da habitual concepgio do mundo € algo que torna esta possivel. Processo de justificagio que faz as vezes de prova. O fendmeno do mundo, tal como Heidegger o descreve, juntar-se-4 ou explicard a opiniao clissica que nem sempre parte de fenémenos iniciais ou auténticos. Para a consciéncia comum, o mundo equivale ao conjunto das coisas que o conhecimento descobre. Nogio éntica e derivada. Com efeito, as coisas, se nos ativermos ao significado concreto do seu aparecimento para nds, estio no mundo. O aparecimento de uma coisa particular pressupde o mundo. E a partir de uma am- biéncia que as coisas nos solicitam. Que significado dar a esta referéncia ao mundo que a anélise fenomenoldgica nao deve deixar 79 de considerar ou apagar? Ela revela-se, numa primeira anilise, como estando estritamente ligada ao Dasein: a , «saber dangar», «saber brincar», etc.* Qual é a estrutura da maneabilidade? Ela é essencialmente cons- titufda pela «referéncia» (Verweisung). O utensilio existe «com vista a» qualquer coisa. I por isso que nao é um ser separado, mas sem- pre em coesio com outros utensilios. E mesmo préprio do seu modo de ser dar o lugar & totalidade da obra em relagao 4 qual existe. O utensflio s6 est perfeitamente no seu papel - ¢ a manea- bilidade caracteriza 0 seu ser em si — quando essa maneabilidade nao € explicita, mas se extrai de uma parte mais rec6ndita e 0 utensilio é compreendido a partir da obra. Por sua vez, esta obra é um utensilio: 0 sapato € para ser usado, o relégio para indicar a hora. Mas, por outro lado, a fabricagio da obra é uma utilizagio de qualquer coisa com vista a qualquer coisa. O manejvel remete, pois, para os materiais. Descobrimos, assim, a partir do utensilio, a * Como em portugues. (N. natureza, as florestas, as 4guas, as montanhas, os metais, o vento, etc. A Natureza assim descoberta é toda relativa ao manuseamento: «matérias-primas». Nao temos floresta, mas madeira, as dguas sfio hulha branca ou meios de transporte, a montanha é a pedreira, 0 vento é vento em popa. Finalmente, a obra é feita, nao s6 com vista a qualquer coisa, mas também para alguém. A fabricacéo orienta-se para o consumidor; os homens enquanto «consumidores» revelam- -se com 0 manejavel ¢, com cles, a vida publica (die Oeffentlichkeit) e todo 0 conjunto das instituigdes, todo o aparato da vida piiblica. O conjunto das referéncias que constituem o ser do utensilio levam-nos, portanto, para lé da esfera muito estreita dos objectos usuais que nos rodeiam. Com 0 manuseamento, estamos, pois, pre- sentes no mundo, no «mundo» no sentido habitual do termo, com- preendido como o conjunto das coisas. Mas nao somos apenas espectadores, nem um contetido, em relagio a esse conjunto. O ma- nuseamento descreve a nossa ineréncia ao mundo como modelo e original e como condigao da prépria revelagio do mundo a nés. Mas uma anilise ainda mais precisa do manuseamento vai reve- lar-nos o fenémeno original do mundo que Heidegger procura. Sublinhémos que o utensilio se perde, de alguma forma, na obra que serve ~ é assim que ele existe ev si. No entanto, quando 0 uten- silio € danificado, ele destaca-se do sistema em relagio ao qual existe ¢ perde, por assim dizer, 0 seu caracter de utensilio para se tornar, em certa medida, uma simples presenga. Nesta perda momentinea da maneabilidade, a «referéncia para aquilo com vista ao que 0 utensilio existe» aviva-se, sobressai e vem ao de cima. Encontramo- -nos, assim, virados para a totalidade do sistema das referéncias — sempre compreendida implicitamente, mas no explicitada até ai. Ai estd uma série de referéncias que s6 pode terminar com um <«aquilo com vista ao que» que j4 nado tem em vista outra coisa, mas com vista a si mesmo. Reconhecemos nesta estrutura 0 préprio Dasein. Por outras palavras, a compreensio do utensilio 6 se faz em relagio a uma compreensao inicial da estrutura do Dasein que, gracas a «referéncia a si mesmo» que lhe é propria, permite com- preender nos proprios utensilios a sua mancabilidade, 0 seu uso possivel, 0 scu «com vista a», Dessa forma se anuncia o mundo. Nio é, pois, constituido pela soma dos utensilios, pois, precisamente, a totalidade das referéncias s6 torna os utensilios possiveis na con- digdo de permanecer na obscuridade. Mas ela constitui a condi¢io ontolégica. Ela constitui a condicio. Com efeito, para compreender 0 «com vista a» constitutivo do utensilio, é preciso compreendermos «aquilo com vista ao que ele existe» que, por sua vez, remete para outra coisa e acaba no Dasein. Essa totalidade é uma condigao ontoldgica. Na verdade, a ma- neabilidade no é uma propriedade, mas um modo de ser do uten- silio. Aquilo em relagio ao que a propria maneabilidade se torna possivel nao pode deixar de ser uma estrutura ontolégica. O Dasein descobre esta estrutura por meio da sua prépria existéncia. A existéncia do Dasein consiste em existir com vista a si mesmno. Isso quer dizer também que 0 Dasein compreende a sua existéncia. O Dasein compreende, pois, desde jé, esse «com vista a si mesmo» que constitui a sua existéncia. E em relagao a esse «com vista a» inicial que o «com vista a» dos utensilios, a sua maneabi- lidade, pode surgir ao Dasein. O Mundo nao é mais do que esse «com vista a si mesmo» em que o Dasein esta integrado na sua exis- téncia ¢ em relagio ao qual se pode encontrar o manejavel. Assim se encontra explicitada essa referéncia ao Dasein que assi- nalimos na nogio do mundo. Salientemos 4 margem do rigoroso encadeamento das anélises heideggerianas, que esta concep¢io do mundo que o identifica com um acontecimento fundamental do nosso destino, dé um forte sentido 4 nocio do mundo interior. O mundo interior, o mundo de uma época, o mundo de um Goethe ou de um Proust, jf nao é uma metéfora, mas a prépria origem do fenémeno do mundo, E nao no sentido idealista; este identifica o mundo com © conjunto das coisas existentes no espirito ¢ passa ao lado da «mundaneidade do mundo», distinta da soma das coisas. Podemos, pois, dizer que a existéncia do Dasein é «ser-no- -mundo». O Da — 0 mundo aqui em baixo ~ incluido no termo exprime esse estado de coisas. O homem enquanto revelacio do ser, enquanto verdade, nao se absorve num olhar sereno virado para as ideias, libertado dos grilhdes que aqui o fixam e fugindo «para o 83 inferno»; a revelagio do ser nao é mais do que o cumprimento do proprio fenémeno do Da; a revelacao do ser é a propria condigio humana. O ser-no-mundo nio 6, pois, a afirmagao do facto banal de o homem se encontrar no mundo; é uma nova expressio da formula inicial: 0 Dasein existe de tal forma que compreende o ser. Ela também nos mostra como o aparecimento do mundo das coisas ¢ dos utensflios tem a sua condigio na existéncia do Dasein e € uma sua ocorréncia. O acto de sair de si para ir aos objectos — essa rela- ¢io do sujeito com o objecto que a filosofia moderna conhece ~ tem a sua razio num salto efectuado para além dos «entes» compreen- didos de uma maneira éntica em direcg%o ao ser ontoldgico, salto que se efectua pela existéncia do Dasein ¢ que é a propria ocorréncia dessa existéncia ¢ ndo um fenédmeno que se lhe retine. Ea esse salto para 14 do ente em direcgao ao ser ~ e que é a prépria ontologia, a compreensio do ser - que Heidegger atribui a palavra transcen- déncia. Essa transcendéncia condiciona a transcendéncia do sujeito ao objecto — fendmeno derivado, de que parte a teoria do conhe- cimento. O problema da ontologia é para Heidegger transcenden- tal e neste novo sentido. Em resumo, ser, para o Dasein, € compreender 0 ser. Compreen- der o ser é existir de tal forma que « ou «a extensio», traduzem a quididade de um objecto material. Com efeito, o préprio do Dasein consiste em existir de tal maneira que a sua quididade seja ao mesmo tempo a sua maneira de ser ¢ a sua esséncia coincida com a sua existéncia. A unidade que procuramos nao pode ser um conceito, mas uma maneira de ser concreta, onde as estruturas assinaladas nfo estejam dispersas nem se percam de vista, como acontece na queda, fundamentalmente cega quando se trata de ver 0 Dasein enquanto tal — mas amontoadas ¢ acentuadas. Sera a unidade do préprio Dasein, mas, mais uma vez, nio a unidade empirica que se conhece do exterior e por meio da contemplagio, mas a unidade realizada interiormente, a facticidade do Da compreendida por meio dessa mesma facticidade; um facto que nio se impée apenas ao espirito, mas que se revela a uma compreensio, ela propria um facto; que compreende na medida em que ela é facto e porque é facto; onde toda a facticidade é feita dessa compreensio. Qual é, pois, a com- preensio que apreende o Dasein como facto por exceléncia e que, simultaneamente, cumpre essa facticidade? Essa compreensao € a angiistia. Toda a compreensio se produz numa disposigao afectiva. A afec- tividade é a propria marca do compromisso do Dasein na sua existén- cia, da sua facticidade. Aquilo que caracteriza a afectividade é uma dupla «intengGo»: a alegria, o medo, a tristeza, etc., dirige-se a um objecto que se encontra no mundo, objecto da alegria, do medo, da oe tristeza (Wovor), mas também a si mesmo, aquele «por quem» (Worum) estamos tristes, alegres ou amedrontados. Este retorno sobre si transparece, alias, na forma reflexa dos verbos que expri- mem os estados afectivos - regozijar-se, amedrontar-se, afligir-se. A angistia, que apresenta a mesma estrutura, oferece no entanto uma particularidade que a coloca a parte entre os estados afectivos. Primeiro que tudo, é preciso distingui-la do medo. Aquele «por quem» temos medo somos nds préprios, é 0 Dasein atingido ¢ ameacado no seu «ser no mundo»; pelo contririo, o objecto do me- do, encontramo-lo mo mundo a titulo de ser determinado. O mesmo nao acontece com a angiistia: o objecto angustiante nao se encontra no interior do mundo, como «qualquer coisa de ameacador», rela- tivamente a qual se teria de tomar este ou aquele partido. O objecto da angustia permanece totalmente indeterminado. Esta indetermi- nago nada tem de negativo: especifica ¢ original, ela revela-nos uma espécie de indiferenca que o Dasein angustiado experimenta por todos os objectos que habitualmente manuseia. A angistia é uma maneira de ser em que a nito-importiincia, a insignificancia, 0 nada de todos os objectos intra-mundanos se torna acessivel ao Dasein. Isso nao quer dizer que a angistia nos sirva de signo de insignificancia das coisas, nem que deduzamos essa insignificincia a partir do facto da angistia, nem que sintamos a angistia depois de ter tomado conheci- mento dessa nao-importincia das coisas. Ea prdpria angtstia que revela e compreende essa insignificancia. E, correlativamente, essa insignificincia nao se revela como qualquer coisa de inofensivo, espécie de negagio tedrica e teoricamente concebivel; ela é essen- cialmente angustiante e, por conseguinte, faz parte do dominio do Dasein, 6 qualquer coisa de humano. Mas com os objectos «intramundanos» velados no nada, 0 Dasein angustiado nao perde a sua constituigio de ser-no-mundo. Bem pelo contririo, a angistia reconduz 0 Dasein ao mundo enquanto mundo ~ 8 possibilidade de ser com vista a si mesmo ~, ela s6 0 arranca ao mundo enquanto conjunto de coisas, de utensi- lios manejaveis. Na angustia, o Dasein compreende-se de uma ma- neira auténtica, reconduzido que foi 4 possibilidade nao velada da sua existéncia, 4 sua facticidade pura e simples esvaziada de todo o 93 contetido, nada de todas as coisas!!9. E essa facticidade do ser-no- -mundo, do Da puro e simples, que é 0 objecto da angistia que ameaca, 0 Wovor. O objecto da angtstia (0 Wovor) identifica-se, pois, com o seu «por quem» (0 Worunz): & 0 ser-no-mundo. Ao fazer desaparecer as coisas intra-mundanas, a angiistia torna impossivel a compreensio de si mesmo a partir das possibilidades que se relacionam com esses objectos, ¢ ela leva assim o Dasein a compreender-se a partir de si mesmo, recondu-lo a si mesmo. A angustia, ao reconduzir a exis- téncia a si mesma, salva-a da sua dispersio nas coisas ¢ revela-lhe a sua possibilidade de existir de uma mancira particularmente aguda como ser-no-mundo. Ela deve, pois, constituir a situagio em que a totalidade das estruturas ontolégicas do Dasein se transforma em unidade. Mas a angiistia € compreensio. Ela compreende de mancira excepcional a auténtica possibilidade de existir. Heidegger fixa essa possibilidade de existir com o termo Sorge ~ cuidado. O cuidado angustiado deve fornecer a condigao ontolégica da unidade da estrutura do Dasein. - Enquanto angustiada, a inquictagio é uma compreensio. Ela com- preende a sua possibilidade fundamental de ser no mundo. Ao esbogar essa possibilidade, ela esta para além de si. Nao em relacio com os objectos, mas com a sua propria possibilidade de existir. A relagio com o objecto exterior, sob a sua forma inicial de manuseamento, é possivel gragas antecipagio da inquictagdo que existe com vista a si mesma, isto é, que existe-no-mundo. Por outro lado, a possibilidade compreendida pela angiistia, 0 ser no mundo, revela-se no isolamento e no abandono em que o Dasein Se entrega a essa possibilidade. A inquictagio compreende a sua possibilidade enquanto possibilidade em que se é langado desde este momento. O projecto-esbogo ¢ a derrelicgito — o ser-além-de-si ¢ 0 ser desde 1190 nada a que a filosofia de Parménides a Bergson tentava em vio aceder, 8 ‘a do ser = encontra- supondo-o de natureza tedrica - enquanto negagio teéric ~se essencialmente acessivel 4 angistia. A negacao tedrica nio passa de uma sua modalidade. este momento em estao reunidos concretamente na inquietagao com- preendida pela angiustia. Mas na angiistia, o facto de ter existido no mundo esté estreita- mente ligado 4 queda. Habitualmente, 0 Dasein nao se compreende a partir de si mesmo, isto é, ndo determina as suas possibilidades a partir do facto nu da sua propria ¢ individual existéncia neste mundo, mas sob forma de existéncia quotidiana, ele perde-se nos objectos do mundo e determina-se a partir destes tiltimos. A inquictagao angustiada nao passa do modo de existéncia em que 0 Dasein sai da sua dispersio e volta ao seu isolamento, 4 sua possibilidade inicial de ser-no-mundo. O fendmeno da queda, enquanto presenga do Dasein junto das coisas e de que a angistia faz sair revela-se, pois, por mcio dessa safda como uma estrutura do cuidado, solidaria com as precedentes. A formula total que exprime o cuidado compée-se, pois, destes trés elementos: ser-além-de-si; ter sido no mundo; ser junto das coisas. A sua unidade nao é a de uma proposigdo que se poderia sempre estabelecer arbitrariamente, mas a do fendmeno concreto do cuidado revelado pela angiistia. Aj esta um excelente exemplo do modo de pensar heideggeriano. Nio se trata de reunir conccitos por meio de uma sintese pensada, mas de encontrar um modo de existéncia que os compreenda, isto ¢, que apreenda ao existir as possibilidades de ser que cles reflectem. A filosofia intelectualista — empirista ou racionalista — procurava conhecer 0 homem, mas aproximava-se do conceito do homem, deixando de lado a facticidade da existéncia humana ¢ o sentido dessa facticidade. Os empiristas, ao mesmo tempo que falavam dos homens reais, passavam igualmente ao lado dessa facticidade: 0 intclectualismo s6 saberia encontrar-se diante do facto. Falta-lhe a nogio heideggeriana da existéncia ¢ da compreensio, de um conhe- cimento que se faz por meio da propria existéncia. Esta tltima torna possivel a famosa «introspecgio», mas é bem distinta dela, pois a introspeceao ja é intelectualista. Ela contempla um objecto distinto dela. Heidegger traz a ideia de uma compreensio cuja obra nio é distinta da prépria facticidade do facto. Dessa forma, cle conseguin atingir no facto do homem, nao 0 «estranho», 0 objecto que a introspec¢io dos psicdlogos revela, mas a existéncia efectiva que se compreende pela sua facticidade. Foi esta compreensio da existéncia que ele tentou fazer falar. Tentémos resumir as suas primeiras articulagdes. JA o facto das estruturas estudadas serem «modos de existir», e nao propriedades, faz-nos adivinhar 0 seu parentesco com o tempo que nao é um ente, mas o ser. E j4 as expressdes como «desde agora», «para além de» e «junto de» — carregadas do sentido forte que vio buscar ao cuidado — deixam-nos entrever a raiz ontolégica daquilo a que chamamos na vida quotidiana ~ imersa num tempo banalizado e «inofensivo» — passado, futuro e presente. 96

Potrebbero piacerti anche