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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

ESCRITAS URBANAS: UM ESTUDO SOBRE A


PIXAÇÃO E O GRAFFITI NA CIDADE DE
JOÃO PESSOA – PB
PAULO SERGIO DOS SANTOS

JOÃO PESSOA – PARAÍBA

2012

0
PAULO SERGIO DOS SANTOS

ESCRITAS URBANAS: UM ESTUDO SOBRE A PIXAÇÃO E O


GRAFFITI NA CIDADE DE JOÃO PESSOA – PB

Dissertação apresentada à Universidade


Federal da Paraíba, como parte das
exigências do programa de pós-
graduação em sociologia, para a
obtenção do título de mestre.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Tereza Correia


da Nóbrega Queiroz

JOÃO PESSOA – PB

2012

1
S237e Santos, Paulo Sergio dos.

Escritas urbanas: um estudo sobre a pixação e o


graffiti na cidade de João Pessoa-PB / Paulo Sergio dos
Santos.- João Pessoa, 2012.

106f. : il.

Orientadora: Tereza Correia da Nóbrega Queiroz

Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHLA

1. Sociologia da comunicação. 2. Graffiti. 3.


Pixação. 4.Expressão e comunicação - formas. 5.
Intervenção urbana.

UFPB/BC CDU: 316.77(043) 2


PAULO SERGIO DOS SANTOS

ESCRITAS URBANAS: UM ESTUDO SEOBRE A PIXAÇÃO E O


GRAFFITI NA CIDADE DE JOÃO PESSOA – PB

Dissertação apresentada à Universidade


Federal da Paraíba, como parte das
exigências do programa de pós-
graduação em sociologia, para a
obtenção do título de mestre.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Tereza Correia


da Nóbrega Queiroz

APROVADO EM: __/__/____

_________________________________
Prof. Dr. Marcos Ayalla
(AVALIADOR)
(PPGS - UFPB)

___________________________________
Prof. Dr. Marco Aurélio Paz
(AVALIADOR)
(PPGA - UFPB)

______________________________
Profª. Drª. Tereza Correia da Nóbrega Queiroz
(Orientadora)
(PPGS - UFPB)

3
AGRADECIMENTOS

Nestes últimos anos muitas coisas se sucederam em minha vida, desde as


grandes alegrias até as grandes tristezas, sei superei todos os empecilhos que
apareceram e estou preste a começar um novo período que tende a ser tão dificultoso
quanto este que está se encerrando, entretanto sei que irei passar por cima de qualquer
dificuldade que venha a me aparecer pois, não estou sozinho e tenho pessoas que estão
ao meu redor que me auxiliarão, assim como também estas pessoas contarão comigo
nos momentos difíceis.

A realização deste trabalho foi possível graças ao auxilio e apoio de diversas


pessoas infelizmente não será possível citar todos os nomes aqui, mas saibam os que
não estiverem seus nomes citados que a eles também sou muito grato e podem contar
comigo para aquilo que precisarem.

Assim agradeço a Deus que nos momentos de grande dificuldade sempre esteve
ao meu lado, agradeço a minha família especialmente aos meus pais que superaram as
dificuldades para me manterem na universidade. Sou muito agradecido aos professores
e funcionários do Departamento de Ciências Sociais que estiveram presentes nesta
minha caminhada especialmente a professora Tereza Queiróz que me orientou neste
trabalho, aos grafiteiros e pixadores que me receberam muito bem sempre sendo
cordiais comigo, e para finalizar agradeço aos meus amigos que seja nas salas de aulas
ou então nas mesas dos bares estiveram ali comigo. Muito Obrigado a todos.

4
“Deixa, deixa, deixa, eu dizer o que penso dessa
vida, preciso demais desabafar” (refrão da
música Desabafo de Marcelo D2)

5
RESUMO

A cidade de João Pessoa vem passando por intenso processo de urbanização nos últimos
20 anos, que é acompanhado por transformações sociais, políticas, econômicas,
culturais e artísticas. Nesse contexto surgem novas formas de expressão e de
comunicação que desenvolvem códigos, signos, símbolos e culturas próprias, a exemplo
da pixação e do grafitti. Este trabalho estudou a origem e expansão destas práticas no
espaço público da cidade analisando os sujeitos que as desenvolvem, suas formas de
atuação na cidade, o sentido que atribuem a essas práticas e às suas produções. Trata-se
de uma pesquisa qualitativa, com inspiração etnográfica, que também coletou
informações através da internet. A pesquisa demonstrou a origem comum dessas
manifestações, seus conflitos, tensões e diferenciações internas e as mudanças
decorrentes do contato com novos atores sociais e do reconhecimento do grafitti como
manifestação artística e da estigmatização da pixação como vandalismo.

Palavras Chave: Graffiti, Pixação, Intervenção Urbana.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – 7

CAPITULO 1 – GRAFFITI E PIXAÇÃO: TRASNGRESSÃO E COMUNICAÇÃO


NOS MUROS DA CIDADE – 12
1.1 – Graffiti e pixação: Consequências da Urbanização em João Pessoa – 12
1.2 – Comunicações Urbanas – 18
1.3 Arte e Cultura Transgressora – 19

CAPITULO 2 – REAPRENDENDO A OLHAR OS MUROS - 25


2.1 – Motivações, Dificuldades e Técnicas utilizadas na pesquisa – 25
2.2 – A Internet como ferramenta de pesquisa – 36

CAPITULO 3 – HISTÓRIA DO GRAFFITI E DA PIXAÇÃO - 41


3.1 – O que são essas manifestações, e seu desenvolvimento pelo mundo – 41
3.2 – A pichação e o graffiti no Brasil – 47
3.3 – Semelhanças e Diferenças – 51

CAPITULO 4 – O GRAFFITI E A PIXAÇÃO EM JOÃO PESSOA - 55


4.1 – Aspectos da prática da pixação e do graffiti em João Pessoa – 55
4.1.1 – O Graffiti em João Pessoa – 55
4.1.2 – A Pixação em João Pessoa – 67
4.2 – Graffiti e Pixação em João Pessoa: Aproximações e Distanciamentos – 73
4.3 – Questionamentos acerca dos padrões de Arte, Espaço e Comunicação por meio
dos “Muros” – 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS – 94

BIBLIOGRAFIA – 97

APÊNDICE - 101

7
INTRODUÇÃO

No ritmo frenético diário vivemos em um intenso corre-corre, seja dentro de um


carro, de um ônibus, ou simplesmente a pé, estamos constantemente transitando pela
cidade. Neste processo de mobilidade nos deparamos com diversas paisagens urbanas
ao nosso redor. Em um destes trajetos, quem de nós ao andar pela cidade nunca se
deparou com algo inscrito nas paredes ou uma imagem que surge na próxima esquina?
Ou seja, mensagens deixadas por pessoas anônimas que muitas vezes nós tentamos
interpretar. Algumas destas conseguimos ler e saber o seu significado, certas mensagens
possuem uma conotação política, outras tem significados amorosos, ou religiosos;
entretanto muitas destas nos parecem algo indecifrável, outra língua, são considerados
apenas “rabiscos”. Estas intervenções urbanas serão notadas por parte da sociedade
como algo que polui o seu cenário, que é produzido por vândalos e deve ser combatida
pelo Estado. Outra parcela da população enxerga esta manifestação como um ato de
rebeldia, de transgressão, onde os seus atores buscam apenas o reconhecimento e deixar
a sua marca na cidade e na sociedade.

Estas intervenções possuem uma linguagem própria, por meio da produção de


imagens ou então da escrita, sendo ambas feitas de forma estilizada. Elas constituem
uma forma de comunicação dentro do contexto urbano, e este tipo de comunicação
muitas vezes é feito de uma forma para dificultar a compreensão dos sujeitos que estão
fora do seu circuito, do seu grupo, ou seja, não são para todos compreenderem as suas
mensagens.

As cidades modernas se transformaram em um rico campo comunicacional, com


suas múltiplas formas, passamos a ser a todo instante “bombardeados” com algum tipo
de mensagem, estas se apresentam aos indivíduos de maneiras simples e naturais como
os contatos humanos (alguém falando ou transmitindo algum som), também se
apresentam de maneira um pouco mais complexa por meio dos estímulos visuais, que
irão ocorrer indiretamente com a arquitetura, o urbanismo, o paisagismo (que modelam
a cidade), até os que se dão de forma mais direta como as expressões publicitárias
(outdoors, letreiros, cartazes, etc.).

No centro destas diversas “transmissões”, os indivíduos acabam sendo engolidos


e submetidos a participar de forma voluntária ou não. A comunicação se tornou um
sistema que possuiu múltiplos canais e meios de atingir a toda a sociedade e os atores

8
sociais participam a todo instante, querendo eles ou não, seja com gestos, com seu
olhar, com seu silencio, e até mesmo com sua ausência. (WINSKIN, 1981).
Principalmente nos trajetos que percorremos cotidianamente, é possível notar uma
enorme variedade de mensagens que nos são passadas. É aquilo que Massimo
Canevacci (1997) vai chamar de polifonia urbana onde existe uma multiplicidade de
vozes autônomas que se juntam, se isolam ou então se opõem umas as outras formando
um grande caldeirão de signos. Neste caldeirão vão aparecer determinadas formas de
difusão de ideias que tomam para si o espaço alheio, elas se apropriam de outros
suportes para passarem as suas mensagens.

Entre estas manifestações que tomam o alheio para si se destacam o graffiti 1 e a


pichação2, (o primeiro vem a ser uma manifestação artística em espaços públicos, a
definição mais popular diz que o Graffiti é um tipo de intervenção colorida e com
imagens produzidas nas paredes, já a Pichação tem a sua origem próxima a do graffiti só
que se utiliza outra forma para passar a sua mensagem, a pichação tem o enfoque mais
voltado para a letra, para a escrita) e diferentemente de outros meios de comunicação
que podemos denominar de “oficiais”, estas duas manifestações vão se valer de uma
forma “ilegal” e “transgressora” de passar a sua mensagem; redesenhando o espaço da
urbe eles dão outro sentido, outra “vida” em determinado local. Temos uma apropriação
individual deste espaço, e esta intervenção é algo que repassa ao coletivo, ganhando
outra representação e outro significado para este local.

Estas manifestações vão de encontro a um processo que a sociedade moderna já


vem vivenciando há algum tempo e seguem uma tendência que se anuncia nas grandes
cidades contemporâneas; quando grafiteiros e pixadores se valem de uma nova forma de
pensar o espaço, eles questionam padrões estabelecidos pela sociedade que define certas

1
A grafia utilizada neste trabalho para a definição desta manifestação é distinta da grafia oficial (Grafite),
isto porque tratei de utilizar a grafia do mesmo modo que os próprios agentes a utilizam, o que será
melhor abordado no decorrer do texto.
2
Além destas duas também Existem outras formas de intervenção como: o Lambe-lambe: desenhos,
poemas, manifestos e colagens fotocopiadas em grande número, que são colados sobre paredes e outros
suportes. Além da mensagem do lambe-lambe em si, a combinação de vários em um conjunto cria um
universo específico de significados. O lambe-lambe é também chamado de cartaz ou colagem. Suas
mensagens são altamente críticas, líricas ou politizadas. Stencil: recorte em negativo em folha de papel ou
poliéster, que é colocado contra a parede a ser marcada. O papel e a parede (mediante os recortes)
recebem um jato de tinta (spray monocromático), deixando a marca (o desenho) como um carimbo.
Sticker: adesivos de pequenas proporções criados em série ou não pelos artistas de rua, colados em placas
de sinalização, lixeiras, portas de garagem e outros suportes. geralmente em metal.

9
regras como, por exemplo, classificar e determinar locais para a exposição da arte. Estas
regulamentações tem sido alvo de diversos movimentos que passam a propagar uma
onda que busca os “espaços livres” e públicos, como é o caso da música, da pintura, do
teatro, do esporte, entre outros. (RAMOS, 1994)

A prática de propagação de mensagens é algo que vem desde o período pré-


histórico e se encontra entre as ações humanas mais antigas, desde os tempos primitivos
e no decorrer da história das civilizações da antiguidade como Grécia, Pompéia, Egito, e
outras; em todas elas se observa a existência de inscrições feitas, seja nas paredes das
cavernas, nos túmulos dos faraós, ou nas ruas das cidades. De certa forma todos nós já
fizemos intervenções deste tipo em algum lugar, pois quem nunca escreveu ou desenhou
em uma superfície outra que não em um papel?

No livro O que é Graffiti, Celso Gitahy utiliza a definição dada por Mauricio
Villaça que foi um dos pioneiros do Graffiti no Brasil, onde este diz que o graffiti vem a
ser os rabiscos, gravações que são realizadas em bancos de praça, carteiras de sala de
aula, banheiros e até mesmos os riscos que fazemos quando se está no telefone.
Percebe-se nesta definição que ele enxerga o graffiti muito próximo à ideia de pichação
atual e que esta é algo que costumamos fazer cotidianamente de forma consciente ou
não. (GITAHY, 1999).

Gustavo Barbosa já na década de 80 começou a pesquisar as inscrições que se


encontram no dia a dia o seu alvo foram ás intervenções que são feitas nos banheiros
públicos do Rio de Janeiro. Em sua celebre obra Grafitos de banheiro: a literatura
proibida (1984), ele nos apresenta uma definição dada por Luiz Beltrão que diz o
seguinte:

São inscrições, pinturas e desenhos toscos, traçados por pessoas geralmente


não-identificadas, em paredes, árvores e outras superfícies mais ou menos
duras e utilizando lápis, carvão, tintas, estiletes e outros objetos
pontiagudos, com a finalidade de transmitir mensagens aos transeuntes ou
usuário dos locais em que se encontram gravados. (BELTRÃO apud
BARBOSA, p. 79, 1984).

As definições das duas manifestações são muito próximas, elas são práticas
irmãs, uma surge da outra, estas formas de expressão possuem as suas aproximações e
seus distanciamentos, ambas vão interferir no espaço, subvertendo valores, elas são

10
espontâneas gratuitas e efêmeras, a pichação enfoca a escrita, e o graffiti é proveniente
das artes plásticas. Gitahy nos diz que se elas fossem um estilo musical o graffiti se
enquadraria em algo parecido com o hip-hop, o rock, a new wave, a pop, music,já a
pichação se assemelharia com um estilo mais próximo do punk, trash metal, ou rap
pesado. (GITAHY 1999)

Os tipos de graffiti e pichação que são os alvos de pesquisa deste trabalho não
são os que são feitos esporádica e aleatoriamente, mas sim os que são feitos
constantemente, podendo ser considerados como praticas regulares de determinados
grupos que formam um movimento de intervenção urbana, sendo esta “intromissão” na
paisagem da urbe um ato consciente de um individuo ou de um grupo que atua sobre
determinado espaço dando-lhe um novo significado, uma nova representação.
(BARBOSA, 1984; SOUZA, 2007)

Nos últimos 15 anos a capital paraibana tem visto a pratica destas duas
atividades se difundirem, o graffiti ganhou um status de arte e boa parte da sociedade
brasileira passou a enxergá-lo com bons olhos. Recentemente após os anos 2000 passou
a ser utilizado por agentes governamentais, representantes do poder público, empresas
privadas, como em pinturas feitas em praças e viadutos na cidade de João Pessoa. A
pichação também se tornou algo mais comum na paisagem urbana da cidade, em locais
como a orla e a região central da cidade é possível notar uma gama de mensagens
inseridas.

Este trabalho tem em vista analisar como funcionam estas formas de intervenção
na cidade de João Pessoa enfocando os aspectos de sua origem neste município, assim
como também focalizando como os praticantes destas atividades veem aquilo que é feito
por eles, qual o sentido eles dão a estas intervenções, como os grupos agem dentro da
cidade quais os seus conflitos e laços de sociabilidade, bem como também as
peculiaridades de apropriação e comunicação no meio urbano.

No primeiro capitulo relato um pouco do processo de urbanização da sociedade


que resulta no surgimento de diversos “grupos sociais urbanos”, alguns destes vão se
valer de novas maneiras de se comunicar e de atuar na sociedade, passando em muitos
momentos a serem vistos como grupos transgressores. É um pouco em cima destas
ideias de urbanização (principalmente de João Pessoa), de comunicação, de arte, de
transgressão e de cultura extrema é que se discorrera o primeiro capitulo. Em um

11
segundo momento relatarei como se deu o processo de pesquisa e as dificuldades
enfrentadas por mim, e as soluções encontradas para superá-las. Após isto em um
terceiro momento farei uma exposição mais histórica, mostrando como surge e se
expande o graffiti e a pichação ao redor do mundo, bem como também mostrarei
algumas características gerais destas manifestações. No quarto capitulo analisarei mais
especificamente nas manifestações presentes na capital paraibana. As formas de
manifestações especificas e compartilhadas da pixação e do graffiti, e como estas
intervenções se contrapõem a certos padrões artísticos, de apropriação e uso dos espaço
entre outros aspectos sociológicos.

12
CAPITULO 1 – GRAFFITI E PIXAÇÃO: TRANSGRESSÃO E
COMUNICAÇÃO NOS MUROS DA CIDADE.

1.1 –Graffiti e pixação: Consequências da urbanização em João Pessoa.

Desde a minha infância existe um cantor que me encanta com suas músicas,
Adoniran Barbosa, que escreveu e interpretou clássicos do samba como Saudosa
Maloca, Trem das Onze, Viaduto Santa Efigenia e tantos outros. Fazem-se presente na
maioria de suas canções elementos da vida citadina, que na época deste compositor
estavam em transformação, e em processo de ebulição não visto anteriormente no
Brasil, em toda a história. Assim como ele, artistas (não só da musica, como também da
poesia, literatura, e da arte) enxergam a cidade como a sua grande inspiração. Caetano
Veloso nos disse em uma das suas músicas mais famosas que uma sensação tomava
conta do seu coração quando ele estava em uma das inúmeras esquinas de São Paulo.
As cidades são algo que fascina esses artistas seja pelas transformações que a todo o
momento promove, seja pela sua complexidade e caos que acaba por atrair a admiração.

Hoje em dia mais da metade da população mundial vive em conglomerados


urbanos, e segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2050
esse número pode ser de 75% da população global3; aqui mesmo no Brasil em um
passado não muito distante a população se situava em sua maioria nas zonas rurais, no
campo. A cidade não é somente um local de fixação, onde existem apenas edificações e
um conglomerado de pessoas, ela é também o local de intensa vida social. A cidade é
viva, ela “pulsa” a todo instante, e é em cima disto que a sociologia (e outras ciências
também) vem há muito tempo buscando formas de interpretar, e compreender este
fenômeno que tomou conta do mundo.

Atualmente temos múltiplas visões que nos falam sobre como interpretar e o que
esperar da cidade. Mas o que é uma cidade, e como defini-la? Esta definição vai além de
se pensar apenas em um conglomerado de pessoas, vai além da sua demografia, a cidade
será definida pela sua estrutura arquitetônica (ruas, praças, casa, edifícios, etc.), pelos
serviços oferecidos (comércio, indústria, administração política, etc.), pelas relações
sociais (relações de sociabilidade, divisões na organização do trabalho, entre outras). A
idéia de cidade é algo complexo, pois ela engloba uma série de características e formas

3
Segundo a ONU-HABITAT IN: Urbanización para El desarrollo humano. Políticas para um mundo de
ciudades. 2009.

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que não são apenas exteriores, são também algumas características internas que irão
definir certo espaço como sendo uma cidade. Giulio Carlo Argan a define da seguinte
maneira:

Por cidade não se deve entender apenas um traçado regular dentro de um


espaço, uma distribuição ordenada de funções públicas e privadas, um
conjunto de edifícios representativos e utilitários. Tanto quanto o espaço
arquitetônico, com o qual o resto se identifica, o espaço urbano tem seus
interiores. São espaço urbano o pórtico da basílica, pátio e as galerias do
palácio público, o interior da igreja. Também são espaço urbano os ambientes
das casas particulares; e o retábulo sobre o altar da igreja, a decoração do
quarto de dormir ou da sala de jantar, até o tipo de roupa e de adornos com
que as pessoas andam, representam seu papel na dimensão cênica da cidade.
(ARGAN, 2005, P.43)

Raquel Rolnik (2004) em seu livro O que é cidade apresenta algumas


características do espaço urbano que seriam: primeiro a de um ímã, um local de
concentração, um conglomerado de pessoas, é como se a cidade atraísse, puxasse os
homens sempre na sua direção; um segundo aspecto é o da escrita, a memória da nossa
sociedade é colocada em texto, mas esta memória não se restringirá a estes textos, a
arquitetura urbana também vai cumprir este papel, o desenho das ruas, praças, casas,
etc., nos mostram a forma de vida de nossos antepassados, e não só isso. Além de ter
impregnado uma memória, a arquitetura urbana também pode ser reescrita atualmente -
rapidamente retornando a Adoniran na sua música saudosa maloca vemos como uma
casa antiga, um palacete, se transforma numa maloca e depois disso este espaço
novamente se modifica -, Rolnik vai dizer que a cidade é um grande alfabeto onde se
montam e desmontam as palavras. Kevin Lynch (1997) também observa este aspecto na
cidade, é como se fosse uma massa onde se pode modelar, transformar, construir e
reconstruir constantemente:

A cidade não é apenas um objeto percebido(e talvez desfrutado) por milhões


de pessoas de classes sociais e características extremamente diversas, mas
também o produto de muitos construtores que, por razões próprias, nunca
deixam de modificar a sua estrutura. Se em linhas gerais ela pode ser estável
por um tempo, por outro lado está sempre se modificando nos detalhes.
(LYNCH, 1997, p.2)

14
Outra dimensão é a política, morar numa cidade requer o mínimo de contato, de
convívio coletivo, e isto remete a uma série de regulações e condutas que devemos
seguir, como por exemplo, respeitar os sinais de trânsito, seguir a fila no banco, e tantas
outras ações que geram certa ordem e definem alguns dos nossos movimentos dentro
deste contexto urbano. A cidade também é um mercado. Este movimento magnético de
atrair, de aglomerar as pessoas promove uma potencialização da capacidade produtiva e
com isto se intensifica a divisão do trabalho e os indivíduos produzem e trocam
mercadorias. Este movimento de aglutinar pessoas diferentes em um espaço “limitado”
constitui também o mercado.

Estas quatro características (Ímã, Escrita, Política, e Mercado) nos mostram o


que é uma cidade na visão de Rolnik, só que estas características se espalham por todo
o globo fazendo com que a forma urbana se torne dominante em todas as sociedades:

O espaço urbano deixou assim de se restringir a um conjunto denso e


definido de edificações para significar, de maneira mais ampla, a
predominância da cidade sobre o campo. Periferias subúrbios, distritos
industriais, estradas e vias expressas recobrem e absorvem zonas agrícolas
num movimento incessante de urbanização. No limite, este movimento tende
a devorar todo o espaço, transformando em urbana a sociedade como um
todo. (ROLNIK, 2004, p.12)

Certa vez Fernand Braudel escreveu que as cidades seriam como


transformadores elétricos; elas aumentam as tensões, precipitam as trocas, e forjam
incessantemente a vida dos homens. Elas seriam como aceleradores de todo o tempo da
história. (BRAUDEL apud LE GOFF 1992). O homem tem um peso maior na cidade, é
neste espaço onde serão desenvolvidas diversas formas comunicacionais, novos códigos
e signos, novas maneiras de agir, de se vestir, ou seja, surgem a todo o momento novos
estilos, novos modos de vidas, novas culturas. É o que ocorre na pichação e no graffiti
estes movimentos que emergem nos cenários urbanos (em muros, portões, fachadas,
etc.) e nos apresentam uma nova conduta, outro tipo de agir, de se comunicar, de se
mostrar presente na vida social da cidade.

O espaço urbano onde se analisará neste trabalho as práticas de pixação e grafitti


é a cidade de João Pessoa, capital da Paraíba. Assim como muitas cidades brasileiras
ela tem vivenciado nos últimos 20 anos um processo de modificação em sua estrutura

15
urbana. As características de urbanização citadas por Rolnik se intensificam na capital
paraibana passando esta vir a ser um polo urbano4.

A ideia de cidade como escrita, como um alfabeto, é incorporada pelos


pixadores e grafiteiros, já que eles modificam os detalhes para transmitirem e
produzirem os seus próprios códigos, signos, e ideias. As formas da cidade, sua
estrutura arquitetônica como seus prédios, ruas, praças, e etc, podem ser observadas
como um grande texto que fala muito a respeito do passado, do presente,e porque não
do futuro de uma sociedade urbana. Além de toda a “informação” passada pelas
estruturas arquitetônicas os próprios moradores escrevem a história da cidade ao se
inscreverem em seu interior, ao construírem moradias, percursos, etc. É o que se dá com
pixadores e grafiteiros eles também interferem e se escrevem na cidade, buscando outra
linguagem e a subversão de determinados sentidos.

A capital paraibana é uma das mais antigas cidades brasileiras, ela surge no dia 5
de agosto de 1585, já possuindo desde o seu inicio um estatuto que a rege. Diferente de
outras cidades litorâneas a sua formação vai ocorrer a partir de uma colina situada a
margem direita do Rio Sanhauá, ou seja, ela surge e se expande do centro próximo ao
rio e cresce, em direção ao mar. No inicio a sua função principal era o exercício de
funções administrativas, mas com o decorrer do tempo e devido a sua localização se
torna também um centro comercial (CAMPOS, 2010).

João Pessoa possuía no ano de 1808 cerca de 3.000 habitantes, este número vai
saltar para 18.000 no ano de 1900, e 34.000 habitantes em 1940. Até o inicio do século
XIX, a capital paraibana possuía uma população preponderante de militares,
administradores e religiosos. Devido a expansão do comercio brasileiro (após as
segunda metade do século XIX) ela passa por um processo de crescimento populacional
e aumenta a diversificação de seus habitantes. Seu caráter rural começa se modificar o
que provoca uma mudança das estruturas urbanas.

Todavia, é, sobretudo a partir de 1822 que o crescimento, principalmente o


demográfico, começa a acontecer. É então entre 1850 e a primeira década do

4
Este fenômeno é algo que acaba por atingir todo o nordeste brasileiro, tem-se uma modificação na
estrutura econômica da região nordeste, surgindo novos centros de desenvolvimento proporcionando uma
reconfiguração regional, onde antes se tinha apenas as grandes capitais como Recife, Salvador, Fortaleza,
vão surgir outros pólos como é o caso do complexo mineiro-metalurgico de Carajás, o pólo agro-
industrial em Petrolina-Juazeiro, a zona de fruticultura no Rio Grande do Norte. (OLIVEIRA; JANUZZI,
2005)

16
século seguinte que se processam modificações urbanas e um crescimento
populacional que acabam por transformar o caráter rural da pequena cidade.
Este período marca também a separação entre a Igreja e o Estado, refletindo-
se na reordenação dos espaços públicos e na tessitura da cidade, com a
construção de ruas e praças subordinadas agora às intenções de maior
circulação e acessibilidade (CAMPOS, 2010, p. 34)

Conjuntamente com o avanço da urbanização e do estilo de vida urbano, irão


aparecer novos conflitos. O crescimento de uma cidade implica em disputas acerca do
controle e das formas de apropriação do espaço. Este controle implica em distintas
maneiras de se utilizar os espaços, e de seguir os costumes. Emergem também novos
modos de viver que se contrapõem aos usos tradicionais da cidade, sendo adotados
principalmente pelas classes populares (CAMPOS, 2010).

O final dos anos 50 com o calçamento da avenida Epitácio Pessoa e da orla


marítima estimulou a migração interna dos pessoensses. Os mais abastados se
deslocaram inicialmente para as grandes avenidas, e nos anos 70 para a região das
praias de Manaíra, Tambaú e Cabo Branco. Já a classe menos abastada passou a partir
da metade da década de 60 a ser deslocada para os novos conjuntos habitacionais que
surgiam com a ajuda do governo. É neste período que surgem os bairros de Castelo
Branco, Geisel, Cristo, Mangabeira, Valentina entre outros. A segregação espacial se
intensifica neste período, começam a surgir às primeiras favelas em meados dos anos
70. Como foi o caso da “Beira Rio”, que atualmente é o bairro São José. (CAMPOS,
2010)

Atualmente a cidade de João Pessoa caminha para em um período próximo


atingir a marca de 1 milhão de habitantes, a sua região metropolitana que engloba os
municípios de Bayeux, Santa Rita, Cabedelo e Conde já supera este número5, ela já
possui certas características que se fazem presentes nas grandes metrópoles brasileiras
como os problemas no transito, aumento da violência urbana, problemas estruturais, e
etc. Outra característica das grandes cidades é o embate pela ocupação dos espaços
dentro da urbe, sejam estes espaços físicos (como a luta dos sem-teto que ocupam certos
locais), como também a luta por espaços simbólicos e sociais (como é o caso de
determinados movimentos sociais que buscam aquisição de direitos que os beneficie).

5
Segundo dados do censo de 2010.

17
Todo este processo de urbanização por qual vem passando (principalmente nos
últimos vinte anos) a capital paraibana faz vir à tona novas formas de relações
econômicas, sociais, culturais e artísticas e é neste meio no qual passam a ocorrer novas
formas de relacionamento urbano com outros indivíduos e também com o próprio meio
urbano que os cerca, surgindo determinados grupos e manifestações que anteriormente
não se faziam presentes ou então que estavam “adormecidas” na cidade de João Pessoa.
Surgem assim grupos juvenis urbanos com identidades e culturas específicas, próprios
dos cenários urbanos contemporâneos, muitos dos quais se constroem em estreita
vinculação com os territórios da cidade. São exemplos desses grupos os skatistas, os
anarco punks, os rappers6 e também os grupos de pixação e de graffiti. Estas últimas
modalidades ja haviam ocorrido anteriormente na cidade, embora com outras
conotações. Mas é sobretudo a partir dos anos 2000 que se observa a expansão destas
atividades, que marcam presença em diversos espaços da capital.

Na Paraíba é a partir do fim década de 80 e inicio da década de 90 que começam


a surgir certas intervenções que podem ser consideradas os embriões das pixações e
grafittis atuais. Neste primeiro momento algumas pessoas fazem isto de forma
individual e aleatória, poucos grupos começam a se articular e desenvolvem as
atividades na maioria das vezes apenas nos próprios bairros onde moram. Nos anos
2000 esta atividade se expande, diversos grupos surgem (alguns de forma temporária
outros de forma mais permanente).

Fazendo um breve relato de minha própria experiência foi no final do ano de


1999 que me mudei para João Pessoa vindo de São Paulo e uma característica que me
chamou rapidamente a atenção foi o fato de a cidade ser muito “limpa”, ou seja, não via
na rua e nos muros pixações e graffiti, e nestes 12 anos vi como este cenário vem se
modificando, hoje é muito comum eu me deparar com alguma destas intervenções nos
trajetos que faço no meu dia-a-dia. O cenário da cidade de João Pessoa vem se
modificando muito, e neste processo de transformação pixadores e graffiteiros vão
buscar também inserir os seus “gostos” e “pensamentos” por meio das suas
intervenções se comunicando entre eles e com o restante da sociedade.

6
A respeito destes grupos se destacam os trabalhos acerca de grupos juvenis que surgem ou se expandem
nos últimos 20 anos aqui em João Pessoa, trabalhos como os de Yuriallis Bastos “Cotidianizando a
Utopia: um estudo sobre a organização das atividades culturais e político-sociais dos Anarco-punks em
João Pessoa” (2008). Claudiovan Silva “Do Lazer a Profissão: Um estudo sobre o processo de
esportivização do skate em João Pessoa” (2010). Cleiton Ribeiro “Modos de Ser no RAP de João Pessoa”
(2011).

18
1.2 - COMUNICAÇÕES URBANAS

Como estamos inseridos neste cenário urbano, sempre utilizamos a cidade de


formas distintas: transitando, habitando, trabalhando; ela é um meio de interação com
outros indivíduos. Os sujeitos que a compõem mesmo sendo cercados por uma cultura
que se distingue por papéis fragmentados, onde se sobressai o anonimato, as relações
sociais transitórias e com fins instrumentais, onde temos uma crescente individualidade
acabam sempre se relacionando uns com os outros (WIRTH, 1979). Somos “impelidos”
a romper com esta individualidade e nos juntamos em grupos em que se inserem
pessoas que tenham os gostos ou interesses próximo aos nossos, ou seja, se tem uma
interação, uma conexão entre as pessoas; e um aspecto que torna isso possível é a
comunicação de um sujeito com outro e também de um sujeito com o resto da
sociedade, a respeito disto as cidades são um rico campo onde essas comunicações
acontecem.

No ambiente urbano existe uma pluralidade de alternativas, de caminhos a se


seguir, os atores sociais estão a todo o momento participando deste sistema de
comunicação com os outros, esta participação ocorre de uma forma mais direta pelos
contatos humanos (a fala, o som), de forma indireta e simples (com gestos, olhares, com
silêncio e até mesmo com a ausência) ou se vem suceder por meio de estímulos visuais
e de informação (este vem a ser o urbanismo, o paisagismo que dão forma a cidade
passando pelas expressões publicitárias como outdoors, letreiros, cartazes, chegando até
as vitrines das lojas). Ela, a cidade, esta se comunicando conosco de diversas formas e
com diversos sentidos; a comunicação urbana vem a ser aquilo que Massimo Canevacci
chama de “Cidade Polifônica”, ou seja, ela vem a ser uma simultaneidade de diferentes
melodias que se desenvolvem independentes, mas dentro de uma tonalidade, de uma
harmonia.

A cidade polifônica - significa que a cidade em geral e a comunicação urbana


em particular comparam-se a um coro que canta com uma multiplicidade de
vozes autônomas que se cruzam, relacionando-se, sobrepõe-se umas às
outras, isolam ou se contrastam. (CANEVACCI, 1997, p.17)

Todavia este leque de “melodias” que estão ao nosso redor, será por cada um
sentido de forma distinta de acordo com a história, o gosto, ou o interesse individual,

19
pode se escolher ir a determinado local pela rua A, ao invés de utilizar a rua B, esta
escolha estará sujeita, como já foi dito, a história de vida, ao gosto ou interesse de cada
um. A preferência pela rua A pode acontecer porque esta vem ocasionar alguma
lembrança boa, ou então por achar ser esta mais aconchegante, pode ser simplesmente
por que ela vem ser a alternativa mais rápida para determinado destino, a escolha vai
advir por motivos distintos que serão considerados de forma individual.

A urbe é um grande museu a céu aberto, é uma enorme tela preenchida com: a
arquitetura, as esculturas e bustos, os painéis e pinturas que vêem compor o seu cenário,
cada uma destas obras vem nos transmitir algo. A arquitetura de um edifício antigo pode
nos indicar a forma de vida das pessoas que o habitam (ou habitavam), bem como uma
escultura ou um busto pode vir a retratar algo histórico. Cada pessoa terá uma afinidade
distinta com esses elementos, alguns passarão e nem os notarão, outros contemplarão o
ponto de vista estético, outros ainda se direcionarão para os fatores históricos e sociais
que estas obras remetem.

A arte é um sistema de sinais, e pode ser interpretada como uma forma de


linguagem, ela é empregada desde os primórdios como forma de comunicação. A
sociedade moderna desenvolveu outros meios para se comunicar; os meios eletrônicos
(radio, televisão, telefone, internet) hoje em dia são os mais utilizados e são os
chamados “meios oficiais” de comunicação; só que na cidade surgem outras formas de
se comunicar que irão utilizar características artísticas para se passar uma “mensagem”,
e entre estas formas estão a pixação e o graffiti que se encontram presentes
(principalmente nas grandes metrópoles) no cenário da urbe. Eles vêm redesenhar o
espaço dando outro sentido, uma nova “vida” a determinado local, ocorre uma
apropriação individual deste espaço, esta intervenção é repassada a todo o coletivo
dando outra representação e outro significado ao local. A pichação e o graffiti aparecem
como expressões de autores não convocados, não autorizados cujas intervenções
modificam os sentidos usuais de equipamentos e localidades urbanas.

1.3 - ARTE, E CULTURA TRANSGRESSORA.

Existe em todo circuito de produção um esquema linear que se divide em


produção – distribuição – consumo. No campo artístico a distribuição se torna de

20
fundamental importância, pois é nela que se situam certos instrumentos que irão dar o
aval e proferir todo um discurso sobre determinada obra. Consideramos que certas
pessoas possuem competência e autoridade para definir o que se classifica como arte ou
não e qual o valor das obras, estas pessoas são as que chamamos de críticos de arte, o
historiador de arte, o perito, o conservador de museu, entre outros, que tem a função de
proferir um discurso legitimando ou negando a classificação de algo enquanto arte.
Além de definir o que entra ou não dentro do “conceito” estes especialistas também vão
delimitar uma hierarquia entre as obras, eles se valem de critérios muito diversos e em
alguns casos pouco precisos para a realização de seus julgamentos o que ocasiona
interpretações distintas sobre determinada obra. A cultura moderna possui outro
mecanismo que vai atuar como definidor que também regula esta categorização
artística, eles são os locais e instituições onde a arte pode manifestar-se, os museus,
galerias, cinema, salas de concerto, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, etc. que servem como “deposito” para as obras, somente ali elas serão
reconhecidas e legitimadas.

Na sociedade capitalista o artista muitas vezes fica subordinado a este sistema


para alcançar seu publico, ocasionando assim em uma relação de estranhamento com
sua obra. Seguindo a mesma linha de pensamento desenvolvida por Marx, ocorre uma
relação semelhante a que se dá entre o trabalhador fabril e seu produto, ele não se
reconhece nele, o mesmo acontece com os artistas modernos, pois sua produção assume
um caráter autônomo, algo que lhe está além e que não lhe pertence, sua obra torna-se
possuidora de um poder independente do seu criador, tornando-se uma criatura além do
seu criador.

Assim que o trabalho é executado, eles se vêem, tal como qualquer outro
trabalhador, separados do produto do seu esforço. Seus bens e serviços são
postos à venda e são 'as vicissitudes da competição e as flutuações do
mercado', mais do que qualquer intrínseca verdade, beleza ou valor – ou, no
caso, qualquer falta de beleza ou valor -, que determinarão seu destino. Marx
não espera que grandes idéias e obras abortem por falta de mercado: a
moderna burguesia é notavelmente habilidosa em extrair lucro de qualquer
pensamento. O que ocorrerá, em vez disso, é que processos e produtos
criativos serão usados e transformados de modo a pasmar e horrorizar seus
criadores. Porém, os criadores serão incapazes de opor resistência, pois
necessitarão vender sua força de trabalho para continuar vivendo.
(BERMAN, 1986, p. 114)

21
Este é um fenômeno que não ocorre de forma generalizada felizmente, apesar
das injunções do mercado, a sociedade moderna possibilita a emergência, ás vezes das
vanguardas que rompem com gostos estéticos anteriores e iniciam outros7; como
aconteceu, por exemplo, com Picasso, Matisse, Paul Klee, Gaudi, entre outros.

Outra característica é que a arte não vem a ser apenas inerente a cidade, mas
também a constitui; olhemos as artes visuais, a pintura mais especificamente, as telas
por muitos anos tiveram um sentido religioso representando algo sacro, transcendente,
bem como também se voltavam para uma imitação da natureza. No decorrer do
processo histórico isto se modifica, a “consciência artística” se sobrepõe passa-se a
pintar a sociedade, a cidade em si como todos os seus benefícios e malefícios, os artistas
retratam muito bem as transformações ocorridas dentro das cidades, o artista deixa de
somente produzir “na” cidade e passa a produzir “para” e “sobre” a cidade.

Assim, outros elementos são incorporados a produção artística, deixa-se de lado


o cavalo e retrata-se agora o bonde, o ônibus, o carro, representa-se o vai e vem das
pessoas, os mendigos na rua, as prostitutas, o boêmio, etc; ou seja, o artista agora vai
compor a sua obra com uma nova característica que as cidades lhe apresentam que é a
“multidão”, ele se transforma em um espectador que manifesta em sua obra aquilo que o
rodeia que o cerca, observando a multidão e os prédios ao seu redor, este contato será a
inspiração para que ele possa produzir. Neste meio ele irá possuir uma liberdade única,
ele se tornara invisível, imperceptível em meio ao fluxo de pessoas que vão e vem nas
ruas, o próprio artista também vai compor este cenário, uma vez que é ele também um
8
elemento que compõem a multidão, é também um “homem da multidão” .
(BENJAMIM, 1989; SIMMEL, 1979)

Assim do fim do século XVIII - com a expansão das cidades modernas e


capitalistas - até os dias atuais as nossas concepções de arte sofrem alterações
profundas, elas se alargam e conquistam cada vez mais novos terrenos. As utilizações
de objetos comuns em exposições nos fazem rever aquilo que enxergamos como tendo
um valor artístico. Marcel Duchamp foi o precursor desta idéia quando ele expõe um
mictório, ele não o faz pelo design que este possui, mas ele o faz como uma forma de

7
É certo que muitos destes movimentos de vanguarda com o tempo acabaram sendo “cooptados”. Se
tornando o estilo, o gosto, aquilo que está na moda, ou seja, se transformaram naquilo que eles
combatiam. Entretanto é valido as transformações que estes vieram a promover abrindo novas fronteiras,
alargando o debate sobre certos parâmetros e regras a serem seguidos na sociedade.
8
Alusão ao conto de Edgar Allan Poe, “O Homem da Multidão”.

22
provocação é o que se chama ready-made (que vem a ser objetos fabricados em séries,
mas desviados das funções primitivas pela sua instalação numa galeria, em um museu),
ele se vale de uma negação da arte, uma crítica a concepção de arte para (re)utilizar um
objeto lhe dando esta característica que antes não lhe era auferida. Outros movimentos
de vanguarda surgiram pregando uma ruptura com o tradicionalismo das artes e
consequentemente promovendo novas formas de se expressar, temos o surgimento dos
movimentos modernistas: o futurismo, o expressionismo, o cubismo, o dadaísmo e o
surrealismo e posteriormente a pop’art. Se voltando contra todo um discurso que tende a
querer a classificar, o que tem valor artístico ou não (COLI, 1997). As cidades com seus
signos, marcas e grafismos dos anúncios de rua vão substituir as paisagens
impressionistas. Através da apropriação de fragmentos da realidade urbana, como textos
tipográficos, jornais, partituras musicais, embalagens, bilhetes de metrô, os pintores
cubistas introduzem a palavra em suas colagens. A seguir, esses artistas começam a
pintar as palavras sobre a tela, porém mantendo suas características tipográficas.
(VENEROSO, 2006). O graffiti e a pixação também irão (re)utilizar os espaços, para ali
inserirem as sua produção só que diferente destas manifestações artísticas modernistas
eles não terão em vista ser reconhecido diretamente como arte, como um novo modelo
estético que surge para suprimir outro já existente.

Estas manifestações vem significar outra maneira de se pensar o espaço, de se


pensar a idéia de arte, de se pensar como se comunicar dentro do cenário urbano, é um
modo diferente de se relacionar com o mundo e com as pessoas, ou seja, é outro
universo de significados e de valores, com suas regras próprias. Eles formam um
movimento que se choca com a cultura zelada e protegida pelo sistema, eles se
aproximam daquilo que se denomina contracultura (PEREIRA, 1988).

A contracultura vem a transitar dentro uma posição radical contra alguma


coisa dominante, em relação a propostas criativas, para algo totalmente
distinto, contra a cultura do poder e para as culturas da revolta, para a
transformação do mundo, para acender um processo revolucionário nem tanto
na estrutura socioeconômica, mas, sobretudo, no cruzamento de novas formas
de pensar e velhas ideologias. (CAVANEVACCI, 2005, p. 14).

É necessário esclarecer que o entendimento de contracultura vem remeter-nos a


duas coisas até certo ponto distintas, mesmo que ligadas entre si, à utilização do termo
pode vir a se referir a uma ou a outra e em alguns casos a ambas, ou seja, é possível

23
identificar duas formas de contracultura. A utilização do termo contracultura pode vir a
explicitar ao conjunto de movimentos de contestação da juventude que marcaram a
década de 60 (exemplos: o movimento hippie, o rock, flower power, os panteras negras,
as movimentações nas universidades, etc.); estes movimentos possuíam forte espírito de
contestação, de insatisfação, de experiência, se buscava uma outra realidade, um outro
modo de vida, percebe-se assim que este é um acontecimento especifico àquela época,
situado na história já que alguns destes movimentos mesmo existindo hoje eles não
possuem o mesmo sentido e o vigor de antes. Estes são realmente aquilo que chamamos
de movimentos contraculturais. A outra forma a qual o termo é utilizado vem referir-se
a uma coisa mais geral, mais abstrata, certo espírito, um modo de contestação, de
embate da ordem vigente, que tem uma característica diferente de oposição as formas
tradicionais. É uma postura ou posição de critica radical frente a uma cultura
convencional, é uma forma que surge de tempos em tempos contestando a ordem social
e chocando a sociedade, são agentes que passam a produzir um novo sentido, uma nova
interpretação da vida, uma cultura “transgressora”. A contracultura marcou uma
renovação no campo da política, deixa se de lado uma oposição que enfoca o conflito de
forma político-social, para uma posição onde os conflitos não se darão no campo da
política e sim nos campos comunicacionais e metropolitanos, são incorporados
atravessamentos corporais, espaciais, linguísticos onde se caracteriza o irregular, o
incontível, o imaterial (CANEVACCI, 2005).

Os novos grupos inspirados nessa perspectiva possuem características muito


mais ligadas à transgressão e não tão próximos de se tornarem realmente um movimento
contracultural como os dos anos 60. Estes sempre são vistos (pelo menos de inicio) de
forma negativa pela sociedade, já que não se encaixam em sistemas classificatórios
(PEREIRA, 1988), é assim que o graffiti (em seu inicio principalmente) e a pixação são
vistos pela sociedade como agentes poluidores, impuros, perigoso que devem ser
combatidos. Os elementos que estão fora do lugar ou que não se encaixam nos sistemas
classificatórios existentes receberão a alcunha de algo impuro (DOUGLAS, 1976) eles
transgridem as expectativas da cultura que previamente determina, em uma conjuntura
como a da cidade, como e quando o seu espaço e tempo podem ser usados. (RAMOS,
1994).

Estes movimentos vão expressar conflitos e inovar os fluxos comunicacionais,


que agora serão móveis. A pixação e o graffiti vão estar se inserindo de maneira

24
“desordenada”, se propondo a inovar as formas de comunicação deixando de lado certos
códigos estáticos. Produzindo um significado próprio destes códigos, ou seja,
produzindo aquilo que Canevacci vai denominar de cultura extrema:

Delimito o campo de das culturas extremas juvenis àquelas que se


movimentam desordenadamente nos espaços comunicacionais
metropolitanos e escolhem inovar os códigos de forma conflitiva. Remover
os significados estáticos. Produzir significados alterados. Livrar signos
fluidos dos símbolos sólidos. (CANEVACCI, 2005, p. 47)

Assim antes de ver como funciona essa cultura extrema na cidade de João
Pessoa observemos a metodologia utilizada neste trabalho bem como também uma
rápida explanação de como vem surgir e quais são as semelhanças e diferenças entre o
graffiti e a pixação.

25
CAPITULO 2 – Reaprendendo a olhar os muros.

2.1 - Motivações, dificuldades e técnicas utilizadas na pesquisa.

Em sua celebre obra “Os Argonautas do pacifico ocidental” (1978), Malinowski


faz o um relato onde o pesquisador (neste caso ele próprio) se situa em uma praia
desconhecida observando a lancha que o trouxe se deslocar em direção ao horizonte até
desaparecer de vista, passando o pesquisador a se sentir completamente só diante de um
local desconhecido. Agora se este local fosse a própria sociedade do pesquisador, este
sentimento de solidão se desfaria ou não? Como deve agir o pesquisador que estuda
algo dentro do seu contexto, dentro do seu cotidiano? Por exemplo, como um
pesquisador urbano pode enxergar certos grupos presentes na sua cidade? Ou então
como um pesquisador indígena pode perceber as especificidades do seu grupo?

No caso desta pesquisa de Malinowski ele estuda outra sociedade (os


trobiandeses), observando-os a luz da sua própria sociedade promovendo uma oposição
entre o primitivo X civilizado, eu x os outros. Como fazer este movimento quando o
objeto estudado é a própria sociedade do pesquisador?

Os primeiros pensadores a se debruçarem sobre as questões sociais tiveram a sua


própria sociedade como objeto de estudo, como foi o caso de Tonnies, Durkheim,
Simmel, entre outros. Entretanto eles estavam situados historicamente no bojo de um
processo de transformação da sociedade urbana, eles viveram em uma época marcada
por uma realidade da cidade européia pós-liberal, que emergiu das revoluções de 1848 e
marcada pelo papel do ordenamento urbano do Estado. Estes pesquisadores também
refletiram a partir de uma oposição entre o antes e o depois em suas analises.
(Comunidade X Sociedade, Solidariedade Mecânica X Solidariedade Orgânica, Pequena
cidade X Grande Cidade).(MAGNANI 1996)

Foi na cidade de Chicago que se formou um grupo de pesquisadores que vão


mudar a forma de se fazer pesquisa no meio urbano: a escola de Chicago, - “liderados”
por Robert Park. Os pesquisadores desta escola não tinham em vista a linha
interpretativa européia que naquele período enfatizava o processo de transformação da
cidade pós-medieval sob as determinações da revolução industrial. Como a cidade
passava por intenso processo urbanização, a sua população devido a grande taxa de

26
imigração subia vertiginosamente, em 1840 a população era de 4.470 habitantes,
cinquenta anos depois em 1890 esses números eram de 1 milhão e cem mil, já em 1930
chegou-se a 3 milhões e meio de habitantes. (COULON, 1995)

O que tinham diante dos olhos era o vertiginoso crescimento de Chicago, nos
anos vinte, a partir de correntes migratórias, com a correspondente sequela de
problemas que tal fenômeno acarretava. As mudanças eram rápidas, os
grupos que disputavam os espaços eram heterogêneos e a competição, feroz.
(MAGNANI, p. 7, 1996)

Para estes pesquisadores a comunidade é vista como o resultado de relações


simbióticas, e a sociedade é percebida como algo que depende da comunicação entre
seus pares, que compartilham os mesmos sentimentos, códigos, e idéias em comum.
Um marco importante da escola sociológica de Chicago foi a implementação de
pesquisas empíricas que tinha como objeto de estudo certas “patologias sociais” como,
por exemplo, pesquisas feitas sobre prostituição, delinquência juvenil, criminalidade,
etc; anteriormente quando se abordava um destes temas as analises sofriam influencias
moralistas que as aproximavam mais de um jornalismo investigativo do que de uma
investigação cientifica.
Com efeito, antes do aparecimento desses trabalhos empíricos, as
investigações sociológicas eram orientadas para as “pesquisas sociais”, muito
impregnadas de moralismo e mais próximos do jornalismo investigativo que
da investigação cientifica... a tendência empírica será marcada pela
insistência dos investigadores em produzir conhecimentos úteis para a
solução de problemas sociais concretos. (COULON, p. 8, 1995)

Para abordar temas como estes e não cair na armadilha de ver a pesquisa se
tornar algo próximo a uma reportagem jornalística foi necessário desenvolver outra
forma de se fazer pesquisa na cidade, foi a partir desta questão que se passa a utilizar
métodos antropológicos (como por exemplo, os mesmo utilizados por Malinowski em
sua pesquisa com os trobiandeses) para se fazer pesquisa urbana, como etnógrafos
urbanos eles passam a utilizar fontes documentais, entrevistas, testemunhos, observação
participativa.
Evidentemente, uma tal concepção da pesquisa viria a induzir técnicas
particulares de pesquisa de campo, agrupadas sob o titulo de sociologia
qualitativa. Por um lado, seriam utilizados documentos pessoais, tais como
autobiografias, a correspondência particular, os diários e os relatos feitos

27
pelos próprios indivíduos de que tratava a pesquisa; por outro lado, o trabalho
de campo que os pesquisadores de Chicago chamavam também de estudos de
caso, baseado em diversas técnicas como a observação, a entrevista o
testemunho, ou, ainda o que foi chamado de observação participativa.
(COULON, p. 82, 1995)

Os pesquisadores passam após este momento a observar o seu meio de forma


diferente, é preciso “abrir os olhos” para aquilo que está acontecendo ao seu redor, é
preciso notar as coisas que acontecem ao seu redor, metaforicamente falando é
necessário que uma espécie de terceiro olho se abra. Na cidade as pessoas tendem a se
isolar, os seus sentidos passam por um processo de “adestramento”, como no meio
urbano as coisas acontecem de forma muito dinâmica e as transformações são muito
rápidas, acabou-se por se desenvolver um comportamento que passa a ignorar aquilo
que não diz respeito ao individuo naquele momento, é a atitude blasé que faz com que
os nervos deixem de reagir instintivamente ao que vem de fora, para preservar a
personalidade o individuo se reserva em seu próprio mundo sem se preocupar com o
que está ao seu redor. (SIMMEL, 1979)
A pesquisa feita na própria sociedade do pesquisador necessita que se rompa
com esta lógica de ignorar as coisas que estão a sua volta, no caso de uma pesquisa no
seio da cidade é preciso superar esta atitude blasé que permeia a sociedade urbana, o
pesquisador precisa treinar o seu olhar, o que se propõem é perceber praticas simbólicas
que se situam no contexto da cidade, deixando de lado a posição de um simples
espectador e passando a interagir com a cidade, e com os grupos sociais que nela se
situam.
O comportamento deve ser tal qual o do flâneur de Charles Baudelaire que irá
passear pelas galerias observando a multidão e os prédios ao seu redor, este contato será
a inspiração para que ele possa produzir conhecimento, neste meio ele irá possuir uma
liberdade única, ele se tornara invisível, imperceptível em meio ao fluxo de pessoas que
vão e vem nas ruas, o pesquisador com este olhar passa a perceber códigos até então
vistos como algo complexo. (BENJAMIM, 1989)
É necessário que passe a enxergar a sua volta como algo diferente, é o
estranhamento proposto por Roberto da Mata (1978), o exercício de transformar o
familiar em exótico promovendo uma espécie de exorcismo próprio, tendo em vista a
busca por desvendar dentro das praticas e instituições do meio urbano aquilo que se

28
buscaria caso se estudasse outra sociedade, ou seja, é preciso ver em nós mesmos aquilo
que é “diferente” e que cabe ser pesquisado.
O problema é, então, o de tirar a capa de membro de uma classe e de um
grupo social especifico para poder [como pesquisador] estranhar alguma
regra social familiar e assim descobrir (ou recolocar, como fazem as crianças
quando perguntam os “porquês”) o exótico no que está petrificado dentro de
nós pela reificação e pelos mecanismos de legitimação. (DA MATA, 1978, p.
28)

Neste movimento de transformação do familiar em exótico é como se


inseríssemos dentro de nossas próprias almas um novo ser, um no qual agora passa a ter
a dura tarefa de enxergar aquilo que antes lhe era obscurecido pela familiaridade que se
tinha (e tem) com o objeto estudado, e esta familiaridade é engendrada em nosso ser por
meio de uma coerção social, por uma determinada vivencia, assim como também por
uma rotinização da experiência que turva a vista do cidadão frente a determinados
problemas, e comportamentos desviantes, “quebrando” certas regras sociais que se
fazem presentes na sociedade.
Em um contexto urbano, as regras sociais estão a todo o momento se
reestruturando, se renovando, neste movimento alguns grupos vão se valer de novas
formas de se pensar o espaço, toda uma hierarquia e cultura dominante passa ser
questionada. Um bom exemplo disto é o da arte que possui determinados movimentos
que questionam que ela seja exibida apenas em locais fechados e específicos como em
museus e galerias, tomando de assalto espaços públicos eles inserem outro modo de se
fazer arte, um modo mais democrático e aberto.
Assim temos presentes na sociedade urbana dois aspectos: o primeiro seria uma
“familiaridade”, o “conhecer” aquilo que nos cerca (os acessos, os códigos, os símbolos,
etc.), e o segundo é uma dinâmica existente na vida social, no mundo urbano que está
engendrada por uma constante mudança. O pesquisador deve estar atento as
transformações que acontecem ao seu redor. E falando especificamente do pesquisador
urbano, ele deve atentar como os grupos surgem, e passam a utilizar novos códigos e
símbolos alterando a estrutura já existente. No Brasil nos últimos 30 a 20 anos surgiram
movimentos que mostram outras formas de utilização e apropriação do espaço publico
como afirma Ramos:
A música deixa de ser de câmara, de auditório, para conquistar amplos
espaços ao ar livre; o espetáculo cênico e a dança saem do teatro, do palco, e

29
conquistam as ruas com performances. Assim também as imagens, livres dos
recintos fechados, seletivos – como igrejas, museus ou galerias -, são
expostas diretamente nas ruas da cidade. (RAMOS, 1994, P. 29).

Não se necessita ir muito longe, o caminho antes percorrido de sair de sua


localidade para ir observar exotismos em outras sociedades (vistas como primitivas), é
algo que não se faz tão necessário nos dias de hoje, basta uma simples olhada ao nosso
redor e já somos capazes de identificar indivíduos com comportamentos diferentes dos
que acabamos por nos habituar, essas “tribos urbanas” desenvolvem os seus próprios
códigos, significados e formas de sociabilidade. Como bem nos mostra Magnani:

Esse ajuste de foco - graças ao qual não se necessita ir muito


longe para encontrar o "outro" - terminou revelando uma
realidade que aparentemente nada fica a dever ao exotismo que
tanto espantava os europeus em contato com os povos
"primitivos": basta uma caminhada pelos grandes centros
urbanos e logo entra-se em contato com uma imensa diversidade
de personagens, comportamentos, hábitos, crenças, valores.
Aliás, não deixa de ser curioso que, para designar formas de
sociabilidade e cultura de grupos jovens, por exemplo -
neodandis, clubbers, grafiteiros, darks, punks, grunges, góticos,
funks, blacks, torcedores, heavies, breakers, carecas, roqueiros,
rappers, headbangers, night rollers,iguaboys - use-se a expressão
“tribos urbanas”9 (MAGNANI, 1996, p.3)

Nestas novas formas de manifestações culturais percebemos que se produzem


novos significados, elas introduzem novas formas de pensar, modos diferentes de
enxergar e de se relacionar com o mundo e com os sujeitos que o constituem, ou seja, é
criado outro universo de significados e de valores com suas regras próprias (PEREIRA,
1983), criando-se uma “outra cultura” que irá bater de frente com as regras pré-
estabelecidas por uma “cultura dominante” que define como devem se classificar as
coisas e quais os lugares em que elas podem se inserir.

9
Mesmo utilizando neste trecho o termo “tribos urbanas”, Magnani no artigo: “Tribos Urbanas: Metáfora
ou Categoria”. Ele irá recriminar a utilização indiscriminada deste termo.

30
No intuito de se buscar algum entendimento acerca de como funciona a “cultura
extrema10” da pixação é que se originou esta pesquisa, realizada entre os anos de 2010 e
2011, embora já há algum tempo o pensamento sobre esta já vinha sendo realizado.
Apesar de nunca ter sido pixador (pelo menos não em paredes) desde pequeno vivi em
regiões onde a predominância deste fenômeno era algo que se fazia comum, cheguei a
possuir alguns amigos que eram praticantes eles me contavam algumas de suas
historias, mas neste momento isto era algo que não me interessava muito, até porque as
ciências sociais não se faziam naquele momento presentes em minha vida.
Quando já estava cursando a graduação em ciências sociais no ano de 2006
participei de um congresso na cidade do Rio de Janeiro, e em determinado momento
dentro do ônibus quando este se deslocava, em uma parada em semáforo vermelho
observei da janela a parede da entrada de uma comunidade que possuía a seguinte
inscrição “Adeus L7 fique na paz, que nois vai vingar você, assinado L11”.

Naquele momento me veio uma sensação estranha, um sentimento de


contemplação, admiração e euforia tomou conta de mim, fiquei embasbacado, aqueles
rápidos segundos nos quais só foi possível ler a mensagem, pois o ônibus logo começou
a se deslocar novamente, vieram afetar a minha percepção a respeito da cidade, e do
meio que me cercava. A partir daquilo passei a observar as paredes e todo o cenário da
cidade sempre tendo em vista as inscrições que dela emergem.

No trabalho de conclusão da graduação busquei analisar como os grupos de


pichadores e de graffiteiros agiam dentro do contexto da capital paraibana, mas
infelizmente neste momento surgiram determinados empecilhos que atrapalharam esta
minha pretensão inicial, a pesquisa acabou ganhando outro caminho e só foi feita com
os graffiteiros, agora sim neste segundo momento foi possível que esta pesquisa fosse
feita com os pixadores também.

No principio uma das dificuldades que eu tinha era de conseguir algum material
bibliográfico que tratasse do tema, mesmo sendo manifestações que ocorrem já há
alguns anos nas grandes cidades brasileiras existem poucos estudos – isto se comparado
a outras manifestações urbanas – que versam sobre estas atividades principalmente no
campo das ciências sociais. A bibliografia que enfoca estas manifestações vem se

10
Culturas extremas são àquelas que se movimentam de maneira desordenada nos espaços
comunicacionais das metrópoles e escolhem inovar os códigos de forma conflitiva. Modificando os
significados estáticos. Produzindo significados alterados.

31
originar em boa parte de outros campos do saber como os estudos que direcionam para
o campo da comunicação, da arte, da arquitetura. É bom salientar que existe atualmente
dentro do campo das ciências sociais um acréscimo nos estudos que tem em vista o
grafite e a pixação como temática de pesquisa. Assim eu me propus a analisar estas duas
manifestações a partir de um enfoque sociológico que nos mostre como são as relações
de seus membros entre si, como as duas interagem e divergem, como é a relação delas
com a sociedade e de que forma atuam dentro do espaço urbano.

Como um agente inserido no meio do espaço urbano, posso dizer que a pesquisa
não transcorreu de forma totalmente neutra – neutralidade tão enfatizada por Durkheim
– uma das vertentes das ciências sociais afirma que deve existir uma distancia mínima
que garanta ao pesquisador meios de chegar a uma objetividade em seu trabalho, é
necessário que se faça uma pesquisa tomando o cuidado com certos envolvimentos que
venham a obscurecer ou deformar as conclusões, a pesquisa deveria ser algo que
ocorreria com uma “oposição” pesquisado X pesquisador onde estes dois mundos não
se cruzariam, só assim o pesquisador seria capaz de enxergar de forma imparcial a
realidade do objeto pesquisado.

No meu ponto de vista esta neutralidade tão enfatizada por alguns pesquisadores
é algo praticamente impossível dentro de um estudo que abarca a sociedade onde o
pesquisador está inserido, a forma metodológica a se seguir deve ser algo onde o
individuo venha reconhecer que na sua escolha sempre vai estar envolvido algum juízo
de valor, assim o pesquisador tem que estar consciente que não é nenhuma escolha
neutra, sempre vai existir valores implícitos. Quando tratamos do fenômeno urbano sob
o prisma de uma única ciência, jamais este vai ser possível de ser plenamente
apreendido (Lefebvre, 2004) - assim como Weber - irá nos dizer que sempre se deixa
um resíduo, sempre existirá algo que escapa aos olhos do investigador, a união de
diversas ciências vem a ser aquilo que melhor se aproxime de uma compreensão deste
fenômeno urbano.

Quando se estuda algo em sua própria sociedade as interferências de


pressuposições acerca do objeto estudado acabam sendo ampliadas e mesmo que este
objeto seja algo que não seja tão familiar no cotidiano do pesquisador, não deixa de ser
um fragmento da sociedade na qual este pesquisador está inserido. Como bem salienta
Gilberto Velho:

32
De um modo mais geral, mas mais dramaticamente para quem estuda sua
própria sociedade, coloca-se o problema [...] enfrentar seus limites de um
homem de uma cultura ou de uma classe, segmento ou grupo social. Seja
como participante do todo mais abrangente, seja como membro de uma de
suas partes, sua visão de mundo estará marcada e, de alguma maneira,
comprometida. (VELHO, 1980, p. 17).

Entretanto é preciso ter em mente que nem tudo que é familiar pode vir a ser
algo conhecido, retornando a questão de Da Mata quando ele nos diz que devemos
observar o familiar como exótico é preciso perceber até qual ponto esta familiaridade é
algo real, muitas vezes nos deparamos com coisas que estão na nossa frente, no nosso
dia a dia, só que muitas dessas coisas apesar de serem familiares são quase totalmente
desconhecidas, não sabemos o seu funcionamento, as suas regras, os seus costumes, ou
seja, não nos colocamos no lugar do outro e muitas vezes usamos pré-noções a respeito
desta familiaridade.

Assim, em principio dispomos de um mapa que nos familiariza com os


cenários e situações sociais de nosso cotidiano, dando nome, lugar e posição
aos indivíduos. Isto, no entanto, não significa que conhecemos o ponto de
vista e a visão de um mundo dos diferentes atores em uma situação social
nem as regras que estão por detrás dessas interações, dando continuidade ao
sistema. Logo, sendo o pesquisador membro da sociedade, coloca-se
inevitavelmente, a questão de seu lugar e de suas possibilidades de relativizá-
lo ou transcendê-lo e poder “por-se no lugar do outro”. (VELHO, 1978, p.
40)

Desta forma me sinto habituado, com aquilo que me cerca cotidianamente, mas a
minha concepção a respeito de como agem os atores é algo superficial, sendo necessário
um desapego a certas noções, passando a ter de enxergar de forma distinta, agora com
um olhar muito mais atento o meu dia a dia, e também aquilo que está ao meu redor,
pois observando o cotidiano como algo que se faz presente na vida social é que será
possível apreender certas tensões, conflitos, ideologias, e etc. (VELHO, 1978; PAIS,
2003).

Neste movimento de estranhamento do familiar cabe ao pesquisador passar a ter


em vista aquilo que lhe é íntimo, aquilo que lhe é costumeiro, como uma coisa estranha,
algo que lhe seja alheio, para que assim se compreenda determinadas especificidades
que antes eram nebulosas por causa da proximidade do objeto pesquisado, observando

33
melhor as praticas sociais e os usos não tão habituais que determinados grupos sociais
podem vir a inferir em certo local. Como nos mostra Magnani:

Ruas, praças, edificações, viadutos, esquinas e outros equipamentos estão lá,


com seus usos e sentidos habituais. De repente, tornam-se outra coisa: a rua
vira trajeto devoto em dia de procissão; a praça transforma-se em local de
compra e venda, o viaduto é usado como local de passeio a pé, a esquina
recebe despachos e ebós, e assim por diante. Na realidade são as práticas
sociais que dão significado ou resignificam tais espaços, através de uma
lógica que opera com muitos eixos de significação: casa / rua; masculino /
feminino; sagrado / profano; público / privado; trabalho / lazer e assim por
diante. Uma classificação com base nesses eixos de oposições não produz
tipologias rígidas (rua como pista de rolamento; calçada, área de circulação
de pedestres, etc.) porque não opera com sentidos unívocos: às vezes, o
espaço do trabalho é apropriado pelo lazer, o do passeio é usado como local
de protesto em dia de manifestação, o âmbito do masculino é invadido pelo
feminino, a devoção termina em festa. (MAGNANI, 1996, p. 18)

Foi exatamente isto que se deu comigo nesta pesquisa, desde o seu inicio passei
a reavaliar os meus itinerários cotidianos, os trajetos por mim percorridos foram
melhores observados, passei a fixar um olhar mais atencioso sobre a cidade, e
especificamente sobre os muros e as imagens que a compõem. Foi necessário um
exercício de distanciamento, uma transformação em uma espécie de estrangeiro, em um
turista que passa a enxergar a cidade como se fosse a primeira vez que estivesse nela,
observando-a como uma cidade alheia ao meu cotidiano.

O que me auxiliou neste movimento de investigação do familiar foi todo um


conjunto de técnicas e experiências que são transmitidas por meio de uma bibliografia,
ou seja, durante todo um período somos teoricamente preparados a enfrentarmos
diversas coisas que podem surgir no campo, em determinada aula surgiu seguinte
questão se o pesquisador devia ir a campo sem qualquer teoria? Acredito que isso seja
algo equivocado, pois ele (o pesquisador) deve ir a campo com o mínimo de
conhecimento daquilo que quer fazer e daquilo que pode vir a surgir se não ele pode
acabar sendo engolido pelo próprio campo, é claro que não devemos ficar totalmente
apegados a teoria sem deixar que coisas novas nos apareçam e nos surpreendam, mas é
sempre bom ter em mente certas técnicas a utilizar, assim, me preparei teoricamente

34
para enfrentar as situações de campo e os processos de estranhamento e de
familiarização.

Muitos estudiosos tiveram o seu cotidiano como pano de fundo para as suas
investigações e assim acabaram por nos propiciar uma gama de formas e métodos de se
erigir um saber urbano, entre estas investigações se destacam os trabalhos sociológicos
realizados entre as primeiras décadas do século passado na cidade de Chicago, a Escola
de Chicago (já explanada antes) se valendo de uma aproximação com o método
etnográfico nos mostrou uma maneira de se fazer pesquisas sociológicas, utilizando um
conjunto de técnicas que são denominadas de métodos qualitativos.

Desta forma eu utilizei muita da proposta metodológica que se originou na


Escola de Chicago, recorrendo principalmente à entrevista aberta e à observação
participante. Esta ultima é a técnica na qual se coleta dados por meio da participação na
vida cotidiana do grupo ou comunidade que é objeto de analise, tem-se a possibilidade
de assumir um papel ativo, que seria no momento em que se participa do grupo como
sendo um membro recém-ingresso neste, atuando de forma ativa, há também a
possibilidade de uma completa imersão e isto ocorreria quando o objeto de estudo
(grupo ou comunidade) é um grupo do qual se já faz parte e se compartilha as mesmas
opiniões, posições e emoções do pesquisador. E por fim é possível adotar um papel
periférico nesta observação, vendo as coisas de forma distanciada, ou seja, sem se ter
parte nas atividades. (COULON, 1995).

Especificamente no meu caso a observação acabou por se desenvolver de uma


maneira nem tanto direta já que só foi possível acompanhar a realização no caso do
graffiti de algumas intervenções individualizadas e de apenas um único mutirão. Estes
acontecem de tempos em tempos e reúnem diversos grafiteiros da cidade. Este no qual
estive presente foi um evento organizado por um dos graffiteiros, o Gigabrow que
organiza o Graffiti Sound System que reúne uma gama de atividades que vão desde o
próprio graffiti, até musica, esportes e outras atividades recreativas. Neste no qual estive
presente (salvo engano foi a segunda edição em João Pessoa) havia uma pista de skate e
também um quadro para a pratica do basquete improvisado em uma Kombi, alguns
graffitis foram iniciados neste dia, mas o seu termino acabou por ficar para outro dia.
Um fato interessante foi o proprietário de um Fusca pedir que grafitassem o seu carro,
indicando a aceitação e valorização desta prática por pessoas estranhas ao grupo.

35
Recentemente, passando pelo local desta intervenção, vi que a parede na qual eles
fizeram as suas obras agora foi recoberta pelo propaganda de uma loja de construção.

No caso da pixação já não foi possível acompanhar nenhuma atividade exercida


diretamente pelos seus praticantes, devido ao seu caráter “marginal”, (pois esta é vista
como algo ilegal e cabível de punição pela justiça, algo que não atinge tanto o graffiti
hoje em dia), não consegui a permissão para acompanhar nenhum “rolê”, mas graças a
internet foi possível a analise de vídeos produzidos pelos próprios agentes e que se
encontram disponíveis na rede, além é claro de um olhar detalhado sobre os graffitis e
as pixações que se inserem na cidade.

O método da entrevista aberta também foi muito utilizado, esta é uma técnica
onde acaba por acontecer uma comunicação mais interativa entre o pesquisador e o seu
informante e ela pode ocorrer a partir da proposição de um tema geral, como no caso de
uma entrevista temática onde o informante vai se focar em um único tema, e este é dado
pelo pesquisador de maneira direta ou indireta, a entrevista também pode ser concebida
por meio de tópicos, onde um tema que é dividido em diversos tópicos e o pesquisador
vai inserindo estes de forma gradual no decorrer da entrevista, Perseu Abramo nos
mostra bem isso, ele diz:

...o observador apresenta, gradativamente, itens verbais relacionados com um


tema geral, e o informante responde aos itens; os itens apresentados pelo
observador podem ter sido previamente imaginados, e mesmo escritos num
roteiro e decorados pelo observador, ou podem ir surgindo à medida que
discorre o informante. (ABRAMO, 1979, p. 81 )

Foi por meio destas entrevistas tópicas que percebi certas especificidades que se
fazem presentes no graffiti e na pixação, isto porque o fato dos informantes não estarem
presos apenas a temas específicos possibilitou que as entrevistas transcorressem para
outros caminhos os quais eu não tinha imaginado antes, sendo isto uma experiência
positiva. Esta metodologia da entrevista aberta acabou sendo a ferramenta principal
utilizada nesta pesquisa, mas esta possuiu outra característica que foi a de entender a
trajetória destes agentes no campo de suas atividades artísticas, transgressoras e ou
marginalizadas. Assim não tendo apenas em vista saber o funcionamento destas duas
manifestações também busquei historicizar como elas começaram e quais foram os seus
precursores, de que maneira estes agentes se inserem neste meio, assim posso dizer que

36
as entrevistas se articularam tendo em vistas duas modalidades, entrevistas temáticas e
narrativas de trajetórias individuais dentro das manifestações estudadas.

As entrevistas variaram em sua forma entre os dois grupos estudados, enquanto


que com os graffiteiros se conseguiu um contato mais direto, com os pixadores isto não
foi possível, devido ao caráter “marginal” e “criminalizado” de sua atividade, os
pixadores não se sentiram a vontade para um contato direto comigo, as entrevistas com
este grupo sucederam utilizando a internet como ferramenta, bem diferente dos
graffiteiros onde o contato pessoal foi algo que se efetivou.

Com os graffiteiros as entrevistas variaram de local, sendo estas feitas na casa


dos entrevistados, em praças publicas, na própria Universidade Federal da Paraíba, em
locais de trabalho dos mesmos. A chegada até eles se dava por meio de indicações que o
entrevistado num determinado momento fazia, apontando um amigo, um companheiro,
foi assim um indicando o outro que como uma “bola de neve”, cheguei aos graffiteiros
entrevistados.

2.2 – A Internet como Ferramenta de Pesquisa

Os contatos com os graffiteiros ora foram feitos por meio do telefone, ou então
pela internet, que se mostrou uma ferramenta bastante interessante para a pesquisa,
porque por meio dela foi possível analisar blogs, fotologs, e paginas de relacionamentos
dos praticantes do graffiti onde é possível encontrar um material muito interessante com
as produções deles.

Com os pixadores o contato face a face não foi possível, em um primeiro


momento consegui um contato com um praticante, pensei que utilizando a mesma
estratégia com a qual consegui as entrevistas com os graffiteiros conseguiria acesso aos
pixadores, de inicio parecia que sim, este primeiro contato a principio vinha se
mostrando interessado e aberto a me passar algumas informações sobre o grupo, em
determinado momento até chegamos a esboçar um encontro, foi quando eu cometi um
erro do qual me arrependo, estava tudo certo para marcamos uma entrevista, mas como
era o período entre as festas de final de ano (natal e ano novo) optei por deixar que esta
ocorresse após este período, o fato é que após o ingresso do novo ano não foi possível
mais o contato com este meu informante, ele não respondia mais aos meus telefonemas

37
e também aos meus e-mails. A única explicação foi dada de forma breve por meio de
um site de relacionamentos, onde ele apenas mandou uma mensagem dizendo que não
dava mais para rolar a entrevista porque naquele momento era “sujeira”. Tentei
persuadi-lo a reconsiderar e também busquei saber o porquê de ser “sujeira” mas após
isso nenhuma outra resposta me foi dada.

Tive que retornar a etapa zero em busca de um novo informante, foi nesse
momento que passei a utilizar mais enfaticamente os sites de relacionamentos, neles se
encontram comunidades de pixadores e foi por meio destas que consegui outros
contatos, mas estes contatos não se sentiram a vontade para ter um encontro face a face
comigo, assim realizei as entrevistas e obtive as informações sobre a prática da pixação
por meio da rede mundial de computadores (internet). No principio confesso que fiquei
um pouco desconfiado se a utilização deste meio seria eficiente, e até mesmo se este
método teria uma validade metodológica, com o tempo eu percebi a eficiência desta
ferramenta e como ela pode (e deve) ser mais bem aproveitada nas pesquisas, como bem
afirma Rita Amaral:

Tem-se deixado, entretanto, de explorar os recursos do computador como


instrumento de pesquisas, e não apenas para a organização e análise
estatística dos dados que recolhemos em campo (quando dominamos a
operacionalização dos programas -softwares- indicados para estas
finalidades). O que pretendo levantar como tema de discussão aqui é o fato
de que, devido à imensa versatilidade advinda não apenas da simplificação do
uso dos programas, mas também das novas facilidades de acesso à rede
Internet, os computadores podem e devem ser usados efetivamente para a
realização de pesquisas qualitativas pelos cientistas sociais. (AMARAL,
2001, p. 01)

A expansão da internet nos últimos anos do século XX e inicio do XXI é algo


estrondoso. Em um período de 20 anos o número de pessoas que passaram a utilizar a
rede mundial de computadores (seja para trabalho ou para o lazer) cresceu de forma
exponencial. Hoje em dia a internet se tornou uma ferramenta “essencial” para o homem
moderno, ela se tornou umas das principais formas de comunicação e informação neste
século. A estrutura permite a comunicação em escala mundial, diferentes tipos de
informação são repassados pelo globo através de “bytes” que correm na rede. Assim por
causa da internet os indivíduos podem compartilhar qualquer tipo de informação (seja
por meio de imagem, áudio, ou dados) em fração de segundos com outros indivíduos

38
situados até mesmo em continentes distintos. Isto nos mostra (e eu me arrisco a afirmar
que potencializa) uma heterogeneidade de sujeitos. Assim por meio desta rede são
repassados ao restante do mundo diversos costumes, estilos, hábitos, etc.; ou seja, uma
série de manifestações culturais (DORNELLES, 2004).

É sabido que a utilização desta ferramenta é algo que deve ser mais bem
debatido e discutido dentro das ciências sociais, pois ele incidirá algumas novas
percepções sobre certos conceitos, como o de campo, de entrada e saída do campo, entre
outros, além da discussão sobre a interação entre o pesquisador e o seu objeto de estudo.
Já que para certas pessoas este tipo de pesquisa não traz consigo a percepção direta a
respeito do objeto, é claro que certos aspectos que poderiam ser notados em uma
pesquisa face a face não existem de forma tão direta quando se utiliza a internet como
ferramenta, mas estes mesmo aspectos não são perdidos totalmente, na verdade eles são
“reinventados”.

Garbin (2003) ressalta que mesmo sendo desterritorializadas e virtuais as


conversas que se dão no âmbito da internet possuem certos jogos e códigos típicos de
uma conversa presencial, a interação virtual acontece de um modo em que os
internautas se situam como se estivem ao vivo, é como se não existissem barreiras entre
o virtual e o real.

Nas entrevistas feitas com os pixadores via MSN em muitos momentos foi
possível perceber certos sentimentos passados por eles mesmos, seja na forma como
eles respondiam ou então por meio de determinados símbolos que se fazem presentes no
meio virtual e que exprimem determinadas emoções11. No meio virtual os indivíduos
“falam”, “escrevem”, “gritam”, “choram”, ou seja, por meio de uma “conversa teclada”
tem-se distintas maneiras deles exprimirem as suas emoções. Isto ocasiona uma nova
articulação entre a forma de linguagem oral, e a forma de linguagem escrita (GARBIN,
2003). Rita Amaral diz o seguinte a respeito disso:

Como se vê, a pesquisa qualitativa na Internet não sofre, portanto, da falta de


textos, imagens, sons e nem, principalmente, de pessoas vivas ou emoções. A
necessidade de exprimir as emoções por escrito fez surgir o que os

11
Na linguagem virtual da internet foram desenvolvidos certos códigos que expressam as emoções,
sentimentos, etc. Estes são chamados de emoctions que pode ser representados em algumas ocasiões por
imagens, ou então com uma combinação de teclas como nos casos de: :-) que representa uma pessoa
sorrindo, :-p uma pessoa mostrando a lingua, :-( pessoa triste).

39
internautas chamam de emoticons (ícones de emoção), que constituem
verdadeira pontuação nos textos da Internet. Ri-se, faz-se ironias, zanga-se,
fica-se envergonhado, chateado, cansado e chora-se por escrito. Enviam-se
flores virtuais, chocolates, músicas, poesias ou também vírus quando as
coisas "vão muito mal" entre as pessoas. (AMARAL, 2001, p. 06)

Assim como acontece em qualquer campo foi necessário conquistar a confiança


dos entrevistados para que certos aspectos da pixação pudessem ser conversados
comigo, em muitos momentos assim as conversas envolviam outros aspectos que não
faziam parte da pesquisa como gosto musical, por exemplo, a internet me deu a
oportunidade também de poder estar conversando com os meus informantes em
diversos momentos, assim por vezes quando eles ou então eu tinha algo a se fazer a
conversa era interrompida e retomada em outro momento, isto muitas vezes me fez
refletir sobre algumas coisas ditas podendo em outro momento enfatizar algo já dito
anteriormente. A relação se tornou de confiança, entretanto mesmo assim não foi
possível conseguir sair em nenhum “rolê” com eles, já que isto envolvia outros
membros do grupo com os quais não cheguei a ter contato.

A pesquisa mesmo sendo via internet teve que ter um cuidado, ainda mais após a
experiência mal sucedida que já havia ocorrido, sempre busquei um cuidado, tentando
colocar certas questões mais delicadas na hora certa, pois se perdesse a confiança isto
poderia prejudicar a pesquisa, mas isto é algo que não só acontece no campo virtual
como em qualquer outro campo, ainda mais quando o objeto de estudo é algo
“marginal”.

E como em qualquer campo, também no "campo virtual" o [pesquisador]


deve ser cuidadoso ao entrar em contato com os informantes num canal de
chat (equivalente a uma "sala", que é inclusive o nome que se dá, em muitos
IRCs, aos canais) e introduzir perguntas estranhas ao que está sendo dito
naquele momento pelos participantes. Também no "mundo virtual" é preciso
estabelecer relações com as pessoas aos poucos, tornar-se parte do grupo,
cativar sua confiança e ser aceito por ele para que as pessoas se disponham a
perder seu tempo com você e seus interesses. Os "ïnternautas" não estão
disponíveis a qualquer momento e a Net possui vários meios e critérios de
inclusão e exclusão. Se a pessoa se torna inconveniente durante uma
conversa, facilmente será "quicada" (expulsa, desconectada) do chat, que
inclui esta possibilidade no menu. (AMARAL, 2001, p.05)

40
Ao todo foram feitas 11 entrevistas, onde sete eram graffiteiros e quatro são
pixadores, entre estes últimos a faixa etária variava entre os 15 aos 18 anos, já com os
graffiteiros a idade era maior encontrando-se jovens a partir de 18 até pessoas com mais
de 30 anos de idade. Os entrevistados são de diversas regiões da cidade como Bessa,
Torre, Castelo Branco, Mangabeira. Tanto na pixação quanto no graffiti encontram-se
pessoas que estão há mais tempo na atividade como também foram feitas entrevistas
com alguns que entraram há pouco tempo.

Alguns deles ficaram curiosos em relação como era esta pesquisa e buscaram
saber o seu significado, quais eram as minhas pretensões, o do porque de escolher este
tema. Em certos momentos, no decorrer de algumas entrevistas ocorria uma inversão, o
entrevistado passava a me recobrir de uma série de perguntas, mas nada que
atrapalhasse o transcorrer da entrevista e da pesquisa, em outro momento um dos
grafiteiros e também alguns pixadores falaram na intenção de fazer um vídeo contando
a historia destas manifestações em João Pessoa, eu me coloquei a disposição para ajudá-
los no que estiver ao meu alcance, inclusive para todos enviarei esta dissertação, pois do
meu ponto de vista não cabe a um cientista social apenas se aproximar de determinado
objeto colher as informações e depois não disponibilizar os resultados,
independentemente de estes serem favoráveis ou não aos pesquisados.

De certa forma durante este período me tornei um “membro distanciado” do


movimento, pois passei a entender os signos e os códigos nas produções que eles
inserem no corpo da cidade. Como disse anteriormente o meu olhar sobre a cidade (seus
muros, viadutos, prédios, casas, etc.) se modificou, a percepção do que está ao redor é
outra agora, vejo melhor como a cidade esta todo momento a pulsar.

Desta forma esta pesquisa procurou entender como acontece o funcionamento


destas culturas “irmãs” (pixação e graffiti), dentro do contexto urbano de João Pessoa,
observando como os praticantes delas se vêem perante a sociedade, e como a sociedade
os enxerga, qual o sentido das suas produções se estas tem caráter transgressor, de
contestação, reivindicando algo, ou simplesmente eles fazem isto de forma
descompromissada por puro lazer. Foram observados também os laços de sociabilidade
dentro e entre as duas manifestações, assim como também as tensões e conflitos que
existem nelas, e primordialmente se apreendeu as forma de apropriação deles do espaço
urbano e o sentido para o resto da sociedade.

41
CAPITULO 3 - HISTORIA DO GRAFFITI E DA PICHAÇÃO

3.1- O que são essas manifestações, e seu desenvolvimento pelo mundo.

Tanto o graffiti quanto a pichação são formas de intervenção que na


contemporaneidade se inserem no corpo da cidade, sejam em seus muros, fachadas,
viadutos, postes, ou hidrantes; é em cima destes espaços que seus atores se manifestam
dentro da paisagem urbana. Mas como é que são estas atividades, quais são e de onde
são os seus precursores, como estas formas de intervenção surgiram e se expandiram
pelo globo, e quais são as suas características?
A gênese de ambas as manifestações descendem do graffito italiano que
designava as inscrições feitas com carvão em rochas, em paredes, etc, presentes no
período pré-histórico e na antiga Roma; o plural de graffito vem a ser graffiti. Na forma
singular refere-se à técnica (pedaço de pintura no muro onde uma primeira camada da
parede é clara e esta é talhada para que se forme um desenho na cor escura da segunda
camada de parede), já quando o termo é no plural se refere aos desenhos (os graffiti do
palácio de Pisa como exemplo). (GITAHY, 1999; RAMOS, 1994)
O Dizionário Grazanti da língua italiana no ano de 1965 indicou o graffiti como
sendo uma forma de talhar, de arranhar a parte de trás escura por entre a frente de
argamassa branca. Assim se nota desta forma que esta palavra é uma derivação do verbo
italiano graffiare, que significar arranhar, e este por sua vez se origina do alemão antigo
Krapfo, que é um gancho, uma espécie de arma antiga utilizada no assalto às muralhas
das cidades sitiadas. (BAGNARIOL, 2004; MACHADO, 2004)
A língua inglesa utiliza o termo italiano sem qualquer distinção entre o singular
e o plural, em ambos os casos se escreve graffiti, na língua portuguesa antes de 1987
usava-se o termo grafito e que tinha como plural grafitos, e possuíam a mesma
conotação da forma italiana referente as inscrições com carvão.
Com a expansão recente desta manifestação cultural o dicionário Aurélio no ano
de 1987 passa a empregar a grafia da seguinte forma: grafite(S) para se referir as
inscrições urbanas. Entretanto na pratica a maioria dos membros participantes desta
manifestação utilizam o termo seguindo a grafia italiana e inglesa (graffiti), até porque
assim desta maneira se distingue claramente do minério composto de carbono que é
usado na fabricação de lápis (o grafite).

42
No caso da pichação a origem do termo é algo que ainda não se chegou a uma
conclusão satisfatória, mas na maioria dos casos lê-se a palavra pichação em conjunção
com algo sujo e poluído visualmente, uma das explicações da origem do termo vai nos
falar que ele se origina no elemento complementar pich-, do inglês pitche (piche, breu);
este elemento se desenvolveu desde o século XVII. Atualmente surgiu o verbo pichar
(que junta pich + ar), palavra que se originou no Brasil, o termo pichar á algo
aparentemente nativo brasileiro. A língua inglesa refere-se a pichação com o termo
Graffiti. (CALÓ, 2005)
Ambas as manifestações (graffiti e pichação) possuem uma gênese única, elas
nascem e se desenvolvem juntas, na verdade é na segunda metade do século XX que
elas se “separam” passando cada uma delas a possuir certas características distintas e a
partir daí serem vista como duas manifestações distintas. Foi a partir do surgimento da
tinta aerossol que estas atividades se expandem. A tinta spray vai dar uma maior
mobilidade e rapidez aos indivíduos propiciando que as intervenções sejam feitas de
forma mais discreta e rápida.
A década de 60 foi marcante devido a uma grande efervescência cultural,
política e social que se espalhou ao redor do mundo, neste período irão surgir diversos
movimentos mundo afora, que vão questionar e criticar as guerras imperialistas, o
totalitarismo, a massificação da sociedade industrial, e os tabus culturais e morais.
As soluções para determinados “problemas sociais” deixam de serem buscadas
somente na esfera técnica, elas agora dizem respeito à esfera política que deve propor
mudanças sociais e culturais. O ponto culminante dessas manifestações foi em maio de
68 na cidade de Paris (França) onde estudantes universitários e secundaristas ocuparam
as ruas e as universidades reivindicando reformulações nos métodos de ensino e nos
currículos, além de criticarem as consequências do capitalismo mundo afora, uma das
formas de protesto foi a utilização de intervenções em muros da capital francesa.
Entretanto um ano antes na cidade de Brighton, na Inglaterra um dos seus
moradores John Upton acabou sendo detido pela policia local devido a uma
performance que se baseava em um recital de poesia e na criação de uma pintura mural
de caráter hedonista, utópica, composto por adornos florais com namorados, feitos em
cores vibrantes. A repercussão desta apreensão veio fazer com que surgissem outras
iniciativas, que acabaram por originar um movimento de pintura mural comunitária no
Reino Unido. Esta forma de intervenção que utiliza a pintura mural passou a ser

43
utilizada na Grã-Bretanha como uma maneira de organização e fortalecimento das
comunidades. (KNAUSS, 2001)
Este tipo de manifestação atravessa o Canal da Mancha e um ano depois é
utilizada pelos jovens franceses nos protestos. As paredes e monumentos se tornam
neste momento um importante meio de propagação destes protestos surgem inscrições
que remetem a palavras de ordem como: “Abaixo a sociedade de consumo”, protesto:
“A humanidade só será feliz quando o ultimo capitalista for enforcado com as tripas do
último esquerdista”, foram possíveis também perceber palavras de amor: “Camaradas,
o amor também se faz na faculdade de Ciências”, e palavras de tom humorístico: “Eu
tinha alguma coisa a dizer, mas não sei o quê”.
Neste mesmo período, no outro lado do oceano atlântico, nos Estados Unidos
estas manifestações também começavam a se fazer presentes nos cenários das cidades,
primeiramente foram os subúrbios da Filadélfia, Chicago, Pensilvânia e posteriormente
Nova York onde negros e imigrantes latinos passaram a escrever nos muros, trens,
mêtros, e até mesmo em caminhões e ônibus as suas mensagens. No bojo dos
movimentos de defesas dos direitos civis a pintura que utilizava o muro como suporte se
tornou um instrumento politicamente orientado que se expandiu por todos os Estados
Unidos como nos mostra Paulo Knauss:
Em Chicago, no mesmo ano de 1967, o movimento anti-racista e de
afirmação da identidade afro-americana, Black Power, inaugurou uma pintura
mural coletiva resultado de uma intervenção de 21 artistas negros que
dividiram uma fachada, que foi intitulada Wall Of Respect. No mesmo ano,
do outro lado da rua, o mesmo movimento inaugurou o Wall Of Truth e,
posteriormente, na Episcopal Church surgiu depois o Wall Of Pride.
(KNAUSS, p. 334, 2001).

Outras cidades também passaram em pouco tempo a possuírem o mesmo tipo de


intervenção, estes murais supergráficos comunitários se espalharam pelos EUA, e
atingiram as cidades de Detroit, Boston, ST Louis, Filadelfia, e estas intervenções se
tornaram ícones do movimento social americano inscrito no espaço da sociedade
urbana. (KNAUSS, 2001)
É nos Estados Unidos que vai surgir uma nova forma de intervenção urbana,
diferente das que possuem conteúdo político, amoroso ou de ordem, elas vão se ater
somente a nomes ou apelidos (as chamadas tags) juntamente com um numero que
significava o de suas residências ou rua dos praticantes da atividade. Para muitos as

44
primeiras pessoas a inscreverem dessa forma nos muros foram Taki 183, Zephir,
Bárbara 62, Eva 62. (MACHADO, 2004; RAMOS, 1994, PEREIRA 2007, GITAHY,
1999). Isto porque essas acabaram tendo uma maior repercussão nos meios midiáticos,
mas sabe-se que já em 1967 a inscrição Julio 204 é apontada como obra originaria do
grafite em Nova York. (KNAUSS, 2001).
Juntamente com outras manifestações culturais que posteriormente se juntaram
ao graffiti e formaram o movimento Hip-Hop, esta manifestação passou a se espalhar
tão rapidamente pelo mundo quão intensamente foi o combate a sua pratica. Na
primavera de 1972 a imprensa se opõe denunciando o caráter predatório das inscrições
que naquele momento “bombardearam” toda a cidade, surgindo ai uma discussão
política visando formas de acabar com esta manifestação. ( KNAUSS, 2001; RAMOS,
1994)

Em 1972, quatro anos depois dos registros parisienses já a nova onda


irrompia em New York. Das paredes dos guetos e dos muros da periferia, as
mensagens, letras e imagens, passaram a pegar carona nos trens dos metrôs,
nos caminhões e ônibus, e percorreram a cidade. Fizeram historia. Esses
grafites surpreenderam a população, afugentaram turistas dos metrôs, foram
combatidos pela policia, e conduziram alguns de seus autores à cadeia,
enquanto outros eram conduzidos às mais importantes galerias, bienais e
museus de arte, não dos Estados Unidos como do mundo todo. (RAMOS,
1994, p.14)

Agora o grafite adquiria uma nova forma, e, a partir da cidade de Nova York, se
alastrou facilmente por diversas cidades do mundo. O grafite retorna a Europa – isto no
fim da década de 70 e inicio de 80. Neste período não são os movimentos estudantis que
passam a utilizar esta forma de expressão, e diferentemente do que acontecia nos
Estados Unidos também não é o Hip-Hop e sim são outros movimentos culturais que
irão utilizar essa forma de linguagem; os anarquistas, os punks aderem ao grafite e o
contrario também ocorre, o grafite adere ao punk e ao anarquismo, cidades como
Amsterdã, Londres, Paris e Berlim se tornam redutos destas manifestações e
consequentemente da arte de rua, surgem nomes como Speed Graphito12, Combas, Di
Rosa, entre outros que utilizam a “arte do spray” como um movimento de libertação,

12
Este, aliás, é uma figurar peculiar, pois se autodenominava como sendo o artista de rua mais rápido, nas
suas intervenções ele levava junto um relógio despertador onde cronometrava as suas ações, além disso,
utilizava um tradicional carrinho de supermercado para transportar as suas tintas.

45
utilizando os muros como armas para combater o abstracionismo, o concretismo, e
todos os ismos que permeavam o cenário artístico e circundavam pelas galerias e
museus. (LARA, 1996, SANTOS 2009)

Dentre as cidades do velho continente onde esta manifestação se instalou de


forma mais forte foi Berlim, que merece ser destacada. Como se sabe em 1961 foi
construído um muro de 4,5 metros de altura e 166 kilometros de extensão que dividia o
lado oriental do lado ocidental da cidade e que tinha como propósito impedir a fuga dos
berlinenses do leste para o oeste, este muro era a representação do autoritarismo, da
falta de liberdade e da segregação. Por volta de 1980 o muro da vergonha passa a
receber diversas intervenções que de inicio eram apenas alguns poemas e provérbios tais
como “Poder é sempre sem amor, amor nunca é com poder”; algumas advertências do
tipo “o muro deve permanecer”. A partir daí surgem também imagens, como figuras
humanas, rostos, paisagens, animais e esqueletos, em sua grande maioria estas inserções
tinham o propósito de um protesto visual contra a existência desta barreira, que era o
muro. “Símbolos da paz como, a pomba ou a estatua da Liberdade, ocuparam este
espaço por algum tempo.” (RAMOS, 1994, p.15). Em 1989 quando o muro foi
derrubado, algumas destas intervenções se perderam, entretanto alguns fragmentos que
continham imagens foram guardados e mais tarde vendidos por cifras muito altas.

A década de 80 foi, talvez, onde começou de forma mais enfática a ocorrer uma
separação entre graffiti e pichação, até então os dois não se diferenciavam, sendo
apreendidos como sendo uma coisa só, não havia fronteiras entre eles ambos eram
igualmente marginalizados e discriminados, vistos sem valor estético. Mas este
fenômeno que se espalhou inicialmente fazendo inscrições com spray, nos muros, trens,
metrôs, postes e tudo aquilo que pudessem servir de “base” para as tags (assinaturas)
por toda a cidade de Nova York, sofrem uma transformação, o caráter figurativo ganhou
espaço, a imagem e a policromia passam a ser predominante no graffiti. (SANTOS,
2009)

O movimento denominado de pop-art ganha destaque no fim dos anos 50 - e


tem na figura de Andy Warhol seu grande propagador - a partir de experiências de
apropriação das imagens da indústria cultural, da sociedade de consumo e do uso de
novas tecnologias passam a produzir um tipo de arte que questiona seu papel social e
sua relação com o mercado e com os espaços institucionais que ela ocupa como museus

46
e galerias; passam a aglutinar esses “jovens pintores da rua” que agora utilizam uma
linguagem mais estética do que escrita, assim temos uma “institucionalização” do
graffiti. Surgem nomes que passarão a ser referencia no mundo todo; Jean-Michel
Basquiat, Keith Haring, Kenny Scharf se distanciam das tags e passam a elaborar algo
mais no sentido plástico, da livre figuração, De maneira meteórica este estilo cai nas
graças dos críticos artísticos, dos jornalistas e da população em geral que passa a
enxergar com um olhar diferenciado esta forma de grafitar mais figurativa, e que
carrega consigo elementos psicológicos e de estilos definidos. Assim os graffitis passam
a frequentar galerias e museus, passando por um processo de aceitação publica.

É verdade que na década de 70 ocorreram as primeiras inserções deste tipo em


galerias como em 1975 que foi realizada no Artist’Space uma exposição, mas a
consagração mesmo desta arte dentro dos “espaços fechados” das galerias acontece em
1981 com a mostra New York/New Wave, organizada por Diego Cortez em um dos
espaços de maior visibilidade da vanguarda americana o PS1. O East Village, que já
possuía o rotulo de ser um pólo aglutinador da vanguarda artística e boemia na cidade
de Nova York, teve um papel muito importante lançando artistas vindouros da rua e
apoiando e inserindo esta manifestação no mercado artístico. Surge em East Village no
ano de 1981 a Fun Gallery que era dirigida pela atriz de cinema underground Patty
Astor que absorvia produção feita pelos artistas da Spray Art e logo pouco a pouco
outras galerias começaram a abrir seus espaços, criando uma rede de galerias que
requisitavam os artistas do graffiti, alguns destes se tornaram verdadeiras celebridades
da arte contemporânea mundial (BAGNARIOL, 2004; GITAHY, 1999, KNAUSS,
2001).

Dois nomes que devem ser destacados são os de: Jean-Michel Basquiat que no
inicio escrevia frases de impacto por toda a cidade de Nova York, ele possuía um estilo
irreverente e rebelde, infelizmente acabou falecendo em 1988 vitima de uma overdose
de heroína. Outro nome é o de Keith Haring, pode-se dizer que foi ele quem descobriu o
metrô, ele foi um dos primeiros a desenhar nestes espaços, com um giz branco e ele
fazia seus desenhos, que eram na sua maioria figuras simples de um boneco que possuía
uma cabeça redonda, outros desenhos que foram uma marca registrada sua eram os
labirintos, Haring - assim como Basquiat - também faleceu em 1990 só que vitima de
AIDS. Ambos viajaram por diversos lugares do mundo expondo seus trabalhos em
locais de grande renome mundial, inclusive Haring esteve no Brasil junto com Kenny

47
Scharf na Bienal de São Paulo de 1983 onde eles expuseram a sua arte. (GITAHY,
1999)

Os percursos de Keith Haring e Jean-Michel Basquiat ilustram como a


afirmação das artes plásticas nos EUA na década de 1980 se articulou com a
cultura da urbanidade e do espaço da cidade, sendo o grafite o grande vinculo
entre a arte institucionalizada e as ruas de Nova York. A aproximação com o
grafite urbano expressou um dos modos de superação da arte de vanguarda,
contudo sem que a criação artística perdesse seu caráter inovador, contido no
programa vanguardistico. (KNAUSS, p. 339, 2001)

Como podemos observar o graffiti a partir da década de 1980 passa a ser


reconhecido como forma de expressão artística, enquanto isso a sua “arte irmã” a
pichação é “deixada de lado” e visualizada pela sociedade geral como algo sujo, impuro
que poluiu o cenário das cidades, a pichação é um fenômeno que se tornou quase que
uma exclusividade brasileira, a sua forma no nosso país é algo distinto do restante do
globo, a seguir vamos perceber como o graffiti e a pichação se inserem no cenário
brasileiro.

3.2 - A Pichação e o Graffiti no BRASIL

A cidade de São Paulo é o principal cenário do surgimento e expansão destas


manifestações no Brasil, foi a partir dela que a pichação e o graffiti se expandiram para
o restante do país; os muros já eram alvo de inscrições há algum tempo no inicio da
ditadura, por exemplo, era costumeiro se encontrar algumas frases de conotação política
espalhadas pelas cidades, intervenções do tipo Abaixo a Ditadura já permeavam o
cenário urbano, mas em meados da década de 70 e inicio de 80 começa a surgir outras
inscrições enigmáticas que intrigavam a curiosidade dos habitantes da cidade de São
Paulo, uma destas inscrições (que para muitos é vista como a pioneira tanto do graffiti
quanto da pichação) era a seguinte: Cão Fila KM 22 onde se tinha a silhueta do
cachorro desenhado junto a esta frase, este registro se referia a uma nova raça de
cachorro no país que estava sendo vendida, logo outras inscrições foram aparecendo,
algumas pessoas que passaram certo tempo fora do país acabaram por também trazer
esta onda “nova-iorquina” para São Paulo, assim nesta época surgem frases grafitadas
que brincavam com as palavras como: “HENDRIX MANDRAX MANDRIX”, “Ora

48
H”, “Oi Muro! Bi Olhei Gamei Gostei”, “Ah Ah Beija Me”, entre outras inscrições13
(RAMOS, 1994; GITAHY, 1999, PEREIRA, 2007).

Pessoas mais ligadas à arte, poetas, estudantes de arquitetura, técnicos em


desenho, e etc., que com a repressão ditatorial das décadas de 60 e 70 não encontravam
formas de se expressar aproveitam o espaço dos muros para difundir as suas poesias,
suas mensagens e seus ícones pelas ruas da capital paulista. Assim começa-se além da
inserção de frases também serem produzidas imagens, ocorrendo assim um salto de
quantidade e de qualidade dos praticantes desta atividade, conforme afirma Célia Maria
Antonacci Ramos:

Inaugurado por poetas, o espaço urbano logo teve a adesão de artistas


plásticos, estudantes de arquitetura e técnicos em desenho, que pela mesma
razão dos poetas, vêem nas ruas paulistanas um instigante canal de protesto
às limitações artísticas. Com a entrada desses artistas, a inscrição urbana em
São Paulo, que havia nascido de poetas e já contava com esporádicas e
improvisadas pichações, deu um salto quantitativo e qualitativo. (RAMOS,
1994, p. 88)

O graffiti nesta época irá se valer da utilização do “estilo das máscaras”, que por
meio de moldes vazados (que são chamados de máscaras) onde são feitas às imagens
que serão grafitadas - um estilo muito parecido com o stencil - os principais nomes
deste estilo e que podem ser considerados como os precursores do graffiti que enfoca a
imagem no Brasil são: Alex Vallauri, Carlos Matuck, e Waldemar Zaidler que pintavam
personagens de quadrinhos pela cidade além de outros objetos, por exemplo a marca
registrada de Valluri era uma bota feminina, um frango assado entre outras, este artista
veio a falecer em 26 de março de 1987, e no dia seguinte seus amigos em sua
homenagem graffitaram o túnel da avenida paulista, a partir daí este dia ficou sendo o
Dia Nacional do graffiti. Os três Alex Valluri, Carlos Matuck, Waldemar Zaidler foram
no Brasil os primeiros grafiteiros a serem vistos como artistas e foram convidados a
expor suas obras em galeria e bienais, inclusive seus trabalhos estiveram presentes na
bienal de São Paulo em 1985. Nesta época com a expansão da atividade surgiram alguns

13
Alguns nomes que merecem ser destacados são os de Walter Silveira, Tadeu Jungle, Hudinilson Júnior,
que são os precursores desta atividade no país.

49
grupos de graffiteiros como o 3nós314 e o grupo Tupinãodá15, outro grupo de destaque
foi o grupo Aerosol (RAMOS, 1994, GITAHY, 1999).

Na década de 80 também se desenvolve o movimento Hip-Hop no Brasil e junto a


este o graffiti se atrela, foi o movimento hip-hop que proporcionou a expansão do
graffiti da forma que ele é mais conhecido hoje em dia, com seu “estilo americano” que
se valendo de letras coloridas e estilizadas, da utilização direta do spray na superfície a
ser grafitada sem qualquer mascara, ele se expandiu, no inicio era algo sem técnica
apenas um traço de spray, se modificou e evolui; a partir da utilização de outras formas
de bico, a retirada de um pouco de ar da lata entre outras técnicas que fizeram com que
a qualidade dos traços melhorasse muito. Surgiu ai nomes que são respeitados no Brasil
e fora dele como os Gêmeos (Gustavo e Otavio), Speto, Binho, Tinho que expõem seus
trabalhos em diversas partes do mundo. Temos então, segundo Gitahy (1999), três
estilos de graffitagem no Brasil que seriam:

 O estilo das máscaras - que tem em Alex Vallauri seu grande expoente.
 O estilo Americano – que é ligado ao movimento Hip-Hop
 O Estilo a mão livre – que é baseado na forma de grafitar de Keith Haring, este
estilo foi muito executado no país pelo grupo Tupinãodá.

Como já dito a pichação veio começar a se diferenciar do graffiti no fim da década


de 70 e inicio da década de 80, e quando se observa o percurso histórico da pichação
paulistana16 da década de 80 até hoje, é possível perceber a existência de quatro fases
distintas. A primeira fase se inicia nos anos 80 e vai ter como característica principal o
ato de carimbar em uma grande quantidade, o apelido, o nome por todo o contexto
urbano, isto nos mostra que há um ideal de demarcação do espaço, assim como também
um anseio dos praticantes desta escrita urbana de saírem do anonimato. (GITAHY,
1999; CARVALHO, 2011).

É na segunda fase que começa a surgir certa forma de competição entre os


praticantes da pichação, eles “batalham” pelos espaços da cidade, aí surgem os
pseudônimos e símbolos que diferenciam uns grupos dos outros, isto ocasiona um

14
Composto por Hudinilson Júnior, Mario Ramiro, e Rafael França.
15
Formado por Jaime Prades, Milton Sogabe, Eduardo Duar, José Carratu, Cezar Teixeira (estes dois
últimos posteriormente deixaram o grupo) Carlos Delfino, Alberto Lima, Claudia Reis e Rui Amaral
(estes quatros entraram posteriormente).
16
Que é o grande referencial desta atividade no Brasil.

50
aumento substancial da prática na cidade, ocasionando em uma enxurrada de pixações
por toda a cidade; é nesta fase também que começa a haver uma diferença entre
pichação com CH e a pixação com X, mas isto é algo que será abordado em outro
momento.

Em uma terceira fase os pixadores passam a ousar mais, é neste momento que eles
passam a visar formas de burlar a segurança dos prédios e edifícios, sejam estes
públicos ou residenciais, a pichação nos “picos” passa a ser a mais valorizada e desejada
por seus praticantes, como nos fala Gitahy: “a pichação mais valorizada passa a ser
aquela feita nas condições mais adversas, como, por exemplo, prédios mais altos e
monumentos valorizados e bem visualizados” (p. 28, 1999).

A quarta e ultima fase é quando a pixação vai atingir o seu ápice, neste instante
aquela intervenção que provoca polemica, e que pode ser até mesmo alvo de veiculação
na mídia será a mais reconhecida e proporcionará ao seu autor um maior status sobre os
outros praticantes. Assim os locais de grande valor cultural, estético, e moral dentro do
cenário da urbe como foi o caso da Prefeitura de São Paulo, Memorial da América
Latina em São Paulo, o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, passam a ser perseguidos por
esses escritores urbanos. (GITAHY, 1999, CARVALHO, 2011).

A pixação atual pode ser entendida como algo onde essas quatro fases distintas
coexistem, pois existem características de todas elas presente nas manifestações atuais,
ou seja, se pode notar ao analisar a pixação contemporânea a permanência de
propriedades específicas destas diferentes fases. Outro fator a se notar é que os seus
membros buscam de forma incisiva fazer as suas inscrições, o que demonstra uma
competição intensa pelo espaço da cidade. (CARVALHO, 2011)

No Brasil do mesmo jeito que ocorrera no restante do mundo o surgimento da


pixação e do graffiti se deu de forma conjunta, entretanto elas se desprendem e passam a
serem vistas como duas coisas distintas, o graffiti que em sua gênese era visto como
algo marginalizado, discriminado e perseguido, sendo inclusive considerado um ato
infracional como dizia a lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (a lei dos crimes
ambientais sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso) que dizia em
seu texto no artigo 65 que “pichar, grafitar, ou por outro meio conspurcar edificação ou
monumento urbano”, sofrerá uma pena que pode variar de três meses a um ano de
detenção e multa de R$ 1 mil a R$ 50 mil. Ainda de acordo com o mesmo artigo da lei,

51
a pena mínima pode ser de seis meses quando o ato for realizado em depreciação de
monumentos e bens tombados em razão do seu valor artístico, arqueológico ou
histórico.

Com o passar dos anos o graffiti adquiriu um caráter de arte, e hoje em dia boa
parte da sociedade passou a ver esta intervenção com outros olhos. No ano passado
(2011) foi sancionada pela presidente Dilma Roussef uma nova lei que diferencia o
graffiti da pixação, e além disso proíbe a venda de tinta spray para menores de 18 anos
de idade17. Muitos dos seus praticantes ou enveredaram pelo caminho da arte, ou então
passaram a ministrar oficinas de graffiti. Estas oficinas, aliás, são utilizadas por
prefeituras e por ONGs como uma forma de converter jovens pixadores em grafiteiros,
combatendo assim a pichação. Ocorre um fenômeno interessante: a pixação acaba sendo
ainda mais marginalizada e o seu combate passa a ocorrer com a utilização da sua “arte
irmã” o graffiti (PEREIRA, 2007).

3.3 - SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Além das duas manifestações principais estudadas nesta pesquisa, existem


outras manifestações que utilizam muros como pano de fundo para as suas intervenções
artísticas, uma destas são os afrescos que são (de acordo com a concepção clássica)
uma técnica de pintura que foi desenvolvida entre os artistas do chamado período
florentino18, o Dicionário Aurélio a define da seguinte forma:

Técnica de pintura aplicada em paredes e tetos, que consiste em pintar sobre


camada de revestimento recente, fresco, de nata de cal, gesso ou outro
material apropriado ainda úmido, de modo que possibilite o embebimento da
tinta. (DICIONARIO AURELIO, 1986, p.58)

Este termo afresco vem sendo empregado de forma equivocada em certas


pinturas pós-renascentistas que são produzidas em paredes e tetos, com fins decorativos
ou artísticos, ou seja, o que passa a ser considerado um afresco não é mais ligado à
técnica utilizada, mas qualquer a pintura mural em geral.

17
Fonte folha de São Paulo - http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/921118-sancionada-lei-que-libera-
grafite-e-proibe-spray-para-menor-de-18.shtml
18
Que teve em Giotto a sua principal figura, que decorou muitas igrejas e palácios utilizando esta técnica.

52
O Mural ou como os franceses chamam mur peint é outro tipo de intervenção
colorida que se faz presente dentro da cidade, só que diferentemente ela é apenas uma
intervenção e jamais uma transgressão, o mural é uma pintura em muro ou parede e tem
por característica tanto ser interno ou externo quanto ser publico ou privado, o seu
sentido é notoriamente político, educativo, decorativo, ele está a serviço de quem o
contrata, de quem paga por ele, ou seja, ele possui a característica de ser encomendado
pretendendo atingir a fins decorativos, ele tem a pretensão de ser monumental de ser
uma obra de arte durável e apreciada por todos, diferente do graffiti e da pixação. Desta
forma, a sua elaboração é muito mais detalhada, é feito uma espécie de estudo que tem
em vista um processo de escolha do material a ser utilizado, de observação do local
onde o artista irá analisar o meio ambiente ao redor do local e como este será afetado
por alterações climáticas e pelo tempo, (o grande nome do muralismo no Brasil foi Di
Cavalcanti que produziu diversos murais), assim o muralismo difere em muito das
pichações e do graffiti. (RAMOS, 1994, GITAHY, 1999)

Indiferente, alheios, provocadores, questionadores dos momentos


políticos/sociais e dos espaços da cidade, os grafites/pichações são
manifestações de uma linguagem diferenciada da dos murais, que são
trabalhos encomendados, pagos (na maioria das vezes) apresentando caráter
persuasivo em muitas ocasiões. Por outro lado é uma certa qualidade
decorativa. (RAMOS, 1994, p.55)

Como já dito - até de forma exaustiva – a pixação e o graffiti possuem a mesma


raiz, ambos usam a cidade como suporte do mesmo modo como, basicamente, o
material usado é o mesmo (giz, pincel, spray, tinta, etc.), os dois são formas de interferir
no espaço urbano, eles subvertem valores, são espontâneos, gratuitos e efêmeros, ou
seja, ambos são formas de transgressão. Os afrescos e os murais assim como a pichação
e o graffiti são formas de intervenção na cidade, só que diferentemente estes dois
últimos, além de intervir transgridem, são manifestações que não se prendem a
determinada regra, não necessitam de autorização para se inserirem na paisagem urbana.
Assim fica claro que nem toda intervenção é necessariamente uma transgressão, por
exemplo, a construção de uma ponte, de um prédio, um outdoor ou um afresco são
formas de intervenções urbanas, só que seguem normas, regras, leis, que foram
instituídas pelas autoridades, pela sociedade, elas são intervenções autorizadas todos
sabemos o seu sentido e o seu autor, já no graffiti e na pixação isto não ocorre não se
pretende seguir regras, normas, leis, pelo contrario na essência destas manifestações se

53
busca sobrepujar estas normas, leis e regras. Diferente das manifestações autorizadas
elas não pretendem serem perpetuadas, ou seja, elas não se fixam, podem ser vistas
hoje, mas talvez não amanhã, a efemeridade é uma característica delas.

Porém mesmo possuindo a mesma essência a pixação e o graffiti possuem


diferenças, uma é que a pichação parte de um processo mais anárquico, a ênfase está em
transgredir, e em alguns casos agredir; marcar presença, chamar atenção para si e
consequentemente para o local que está servindo de suporte, estes locais aliás - no caso
da pichação – são os mais variados como muros, paredes, postes, placas de transito,
monumentos topos de prédios, viadutos, entre outros. Além destes espaços exteriores, a
pichação também ocorre no interior de certos espaços como os pátios escolares e
banheiros públicos, os principais alvos dos pichadores são os locais mais valorizados ou
sacralizados pela sociedade como instituições publicas e privadas, espaços culturais,
museus, escolas, igrejas, etc. No ato de pichar a preocupação estética vai estar ligada a
letra, ela é feita sem uma forma previamente definida e aleatoriamente, permitindo que
qualquer individuo possa atuar utilizando diversos meios e formas, e isto se dá devido
ao fato de que os pichadores estão mais preocupados em “aparecer” e nem tanto com a
estética das imagens. Tem-se na maioria dos casos as inscrições de nomes ou apelidos
individuais, ou grupais, eles tomam posse do espaço para emergirem e nos mostrarem
que existem, saindo assim do anonimato.

Já o graffiti não se mostra tão anárquico, como Maria Célia Ramos (1994) nos
fala ele é mais próximo de um “protesto branco”, já que não é sua intenção agredir o
urbano, e nem seus habitantes, ele busca chamar a atenção, para o descaso da cultura e
para que os espaços sejam mais bem aproveitados, assim ele irá interagir com o urbano,
mas sem agredi-lo, “restaurando-o”, os grafiteiros tem a preferência de que as
intervenções sejam feitas em locais maltratados, como fachadas de casas abandonadas,
terrenos baldios, percebe-se que diferente da pichação o seu suporte será outros como
prédios em demolição, túneis, ou seja, espaços negligenciados, jamais eles visam
teatros, igrejas, escolas recém restauradas. Ele enfatiza mais do que a pichação uma
qualidade estética, desenvolve uma linguagem mais elaborada com preocupações
artísticas. (RAMOS, 1994, GITAHY, 1999)

Os dois vão atuar no espaço urbano, e eles se valem de suportes muito parecidos
(em alguns casos o mesmo) só que enquanto um enfoca mais a letra, o outro se volta

54
para a imagem, enquanto um utiliza uma linguagem monocromática, o outro se vale de
uma variedade de cores, numa manifestação esta apenas o ato em si sem tantas
preocupações estéticas e com a forma ocorrendo de forma improvisada, outro prioriza a
qualidade estética como a intervenção ira se relacionar com o meio que à cerca, existe
uma espécie de planejamento, de reflexão acerca da obra a ser realizada. Interessante
que existe uma espécie de processo evolutivo, como o graffiti surge a partir da pichação
existe uma forma híbrida entre as duas manifestações são os chamados grapichos, ou
como é mais conhecido entre os praticantes os bombers, que seria a fase intermediaria
entre pichação e graffiti, são pichações mais coloridas, ou seja, são tags feitas com uma
letra que possui um formato mais elaborado e colorido. Assim conforme afirma Pereira
(2007): ... “enquanto o grafite advém das artes plásticas, a pichação é oriunda da escrita.
Dessa forma, a primeira valoriza a imagem e a segunda a palavra, a letra. Da interação
entre essas duas intervenções surgiram até formas híbridas, chamadas por alguns de
grapicho”. ( p. 228).

Dentro do que foi apresentado até o presente momento sobre graffiti e pichação,
a sua historia, a sua definição, nos deteremos no próximo capitulo a observar como
ocorre a pratica destas manifestações na cidade de João Pessoa como os atores
envolvidos enxergam esta atividade e quais são os aspectos sociológicos que se
apresentam nesta atividade na capital paraibana.

55
CAPITULO 4 – O GRAFFITI E A PIXAÇÃO EM JOÃO PESSOA

4.1- Aspectos da pratica da pixação e do graffiti em João Pessoa

Da mesma maneira que ocorre com a pixação e o graffiti a nível nacional (vide
capitulo anterior), na Paraíba se dá mesma forma, é a partir do fim década de 80 e inicio
da década de 90 que começam a surgir certas intervenções que seriam os embriões
destas que observamos hoje em dia. Em um primeiro momento pessoas fazem isto de
forma individual e aleatória, alguns poucos grupos começam a se articular e
desenvolvem as atividades na maioria das vezes apenas nos próprios bairros onde
moram. Nos anos 2000 esta atividade se expande, diversos grupos surgem (alguns de
forma temporária outros de forma mais permanente). Fazendo um breve relato próprio
foi no final do ano de 1999 que me mudei para João Pessoa vindo de São Paulo e uma
característica que me chamou rapidamente a atenção foi o fato de a cidade ser “limpa”,
ou seja, eu não observava nas ruas e nos muros pixações e graffitis. Nestes 12 anos vi
como este cenário vem se modificando. Hoje é muito comum me deparar com alguma
intervenção deste tipo nos trajetos que faço no meu dia-a-dia. Este capítulo em primeiro
lugar vai mostrar de forma separada as características do graffti e da pixação em João
Pessoa, em um segundo momento será abordado ambas as manifestações mostrando as
suas aproximações e distanciamentos, e por fim como elas influenciam em novas
maneiras de se perceber a arte, comunicação e apropriação do espaço.

4.1.1 O GRAFFITI EM JOÃO PESSOA

De acordo com os relatos obtidos nas entrevistas a capital paraibana vai ver o
surgimento do graffiti na década de 90. Encontramos nas falas dos 7 grafiteiros
entrevistados a citação de três pessoas que foram importantes para o desenvolvimento
do graffiti na capital paraibana que são GigaBrow, Shiko e Múmia. Esses personagens
em momentos distintos na história recente da cidade contribuíram para a propagação do
movimento. O primeiro deles é considerado o precursor desta atividade. Antes de
GigaBrow não encontramos relatos de outra pessoa praticando o graffiti na cidade de

56
João Pessoa como nos relata o grafiteiro Paul Klee19: O que eu sei assim começou, se
não me engano, começou em 1993 por ai até tem um cara tipo assim é um dos veterano
assim, e até hoje ele grafita, ele é tipo vovô. É GigaBrow. Ele é muito conhecido no
graffiti aqui em João Pessoa. Em João Pessoa ele é o cara conhecido pra caramba,
gente boa geral.

O relato de Picasso nos mostrar este pioneirismo e também fala de um


fortalecimento atualmente desta pratica, ele diz o seguinte: Agora GigaBrow que é um
dos mais antigo em graffiti mesmo, a uns 10 mais ou menos, a uns 11 anos atrás só
tinha o Giga mesmo, ai foi aparecendo outra galera. Ai hoje ta bem forte o movimento
de graffiti aqui em João Pessoa.

O próprio GigaBrow nos conta que a sua trajetória vai se iniciar por volta dos
anos de 1990, 1991 que foi quando começou a fazer algumas pichações pela cidade. Ele
já tinha gosto por desenhar desde sua infância. Em seu relato ele deixa claro que foi
influenciado desde pequeno por um irmão que sempre gostou de trabalhar com desenho.
Neste ambiente ele acabou ganhando gosto pela pratica do desenho já quando pequeno,
e este gosto ele passou a incorporar nas suas intervenções: Isso foi lá pra 91, 90 alguma
coisa assim. Em 91 eu comecei pichando. Ai eu já desenhava desde de criança que eu
vinha desenhando. Tem um irmão meu que faz. Hoje em dia ele faz escultura com vidro
tal. Ai o bicho já desenhava, ai eu cresci perto de uma pessoa que desenha, ai
consequentemente, ai toda criança gosta desenhar, de pintar, de tinta. Ai ele deve ter
instigado me estimulou, ai isso com uns 9 anos. Ai desde boy eu desenho, já vinha
desenhando na escola através dele, ai nas minhas pichações eu pegava e fazia uma
cabeça, ou então fazia um morcegão. Percebe-se que a partir de um gosto de infância e
influenciado pelo irmão ele com o tempo passa do espaço escolar, para o espaço da rua
onde ele encontra nos muros um bom suporte para as suas produções.

Como esta era uma pratica noturna, e que envolvia certo aspecto “marginal”,
este desenho de morcego além de ter relação a uma característica biológica desta
espécie de mamífero tinha também um sentido que conotava a noite. A pratica “furtiva”

19
Para preservar a identidade dos informantes, troquei os seus nomes originais por pseudônimos ligados a
artistas famosos. No caso dos grafiteiros foram usados os nomes de artistas modernos (Paulo Klee,
Picasso, Van Gogh, Tarsila do Amaral, Salvador Dali, Warhol, Duchamp). Quando me refiro aos
pixadores utilizei o nome de artistas pré-modernos (Leonardo da Vinci, Rafael, Michelagelo, Giotto). De
certa forma as produções dos grafiteiros e pixadores consultados nesta pesquisa se aproximam do estilo
usado por cada um desses grandes nomes da arte.

57
e silenciosa da pichação ocorria em um horário onde o fluxo de pessoas perambulando
pela rua era pequeno como nos mostra o próprio GigaBrow em sua fala: A gente tinha o
costume de sair umas 7 horas, seis e pouco, o horário quando todo mundo entra pra
jantar. Quando tem assalto. A maioria dos assaltos se você for ver é nesse horário
mesmo. Que já é uma parada criminosa mesmo né, que a gente ia pichar. Ai não vamo
pegar esse horário, que isso fica melhor. Marginal mesmo. Ai saia. Ai eu viajava nos
morcego porque é nessa hora que os morcegos saem, ta ligado, de noite. Ai sai o
morcego ai eu ficava desenhando. Ai a gente saia no horário dos morcegos eu ficava
olhando eles sair. Pegava e fazia esse morcego ou então fazia uma cabeça como se
fosse um pensador.

No principio estas intervenções aconteciam de uma forma monocromática, mas


com o tempo estas intervenções começam a ganhar cores. Como ele já trabalhava em
uma oficina onde se restaurava para-choque de carro, era deste emprego onde conseguia
dinheiro para comprar o spray para as suas intervenções. Com o tempo ele passa a
utilizar as sobras do material utilizado na pintura de pára-choque e passa a incorporar
elementos coloridos em suas intervenções. Tempos depois passa a se envolver com o
movimento Hip-Hop, mais especificamente com o grupo Realidade Crua, e como um
dos elementos deste movimento são as intervenções por meio do graffiti20 passa a atuar
no grupo como grafiteiro.

Atualmente GigaBrow atua no cenário paraibano de diversas formas, ele próprio


se afirma como um artista multimídia desenvolvendo trabalhos além dos campos do
graffiti - como na produção de alguns vídeos21 -, ele também atua no desenvolvimento
de projetos educativos ligados a arte. Ele próprio se define da seguinte forma: Eu digo
que eu sou um DJ, um B-Boy, um MC, um Grafiteiro, uma produtora, uma ONG, e um
Deputado Federal para as próximas eleições. Por que tem gente que tem a vontade de
fazer alguma coisa ai faz.

Percebe-se assim que o caminho de GigaBrow para o graffiti vai passar por estas
etapas onde ele tem a influência do seu irmão, onde a partir do emprego na oficina onde
pintava para-choques consegue no inicio o material necessário para as intervenções, e

20
Além do graffiti o movimento Hip-Hop é formado por mais três elementos que são o Rap, o Break, e a
discotecagem ou o DJ.
21
Um destes vídeos é possível encontrar no seguinte endereço da internet:
http://www.youtube.com/watch?v=fJw1TKE8QGE&context=C4e8fde1ADvjVQa1PpcFP9vlDSu_hrBf4
BXI7MqEapd9WtQxdXuK0=

58
por fim o movimento o Hip-Hop onde ele encontra um campo de ressonância
(principalmente no inicio) para as suas produções. Todos estes fatores contribuíram
para a formação do “artista” que ele é hoje em dia.

Por volta da segunda metade da década de 90, mais especificamente no ano de


1997 chega ao bairro da Torre um sujeito chamado Shiko, que trabalhava pintando
pranchas de surf, capacetes, fachadas de lojas utilizando um aerógrafo (pistola de tinta
ligada a um compressor). Natural da cidade de Patos onde já produzia alguns desenhos
para tatuagens e camisetas, assim como também produzia um Zine chamado Marginal
Zine, começa aqui em João Pessoa a fazer trabalhos comerciais por meio da aerografia
(ou como é denominado em inglês airbrush). Como esta técnica possui uma
aproximação técnica com o graffiti, isto faz com que Shiko passe a utilizar o spray, e a
partir disto ele desenvolve suas intervenções na rua. Com o tempo deixa de lado a
aerografia e se foca no graffiti. Como ele mesmo nos fala: Deixa eu vê, eu comecei... eu
comecei fazendo aerografia, que é uma técnica parecida assim, que usa uma pistolinha
de ar, mas pinta mais camiseta, capacete, fachada de loja e tal... e ai, e ai tem uma
aproximação técnica com o graffiti, ai acho que logo em seguida eu comecei a usar, a
usar o spray mesmo e pintar na rua, e ai fui abandonando assim a aerografia e fui
ficando no graffiti, comecei ali na torre onde que era onde morava na época.

Shiko é um artista que expandiu muito os seus horizontes hoje em dia ele atua
como artista plástico, ilustrador, e quadrinista, já tendo participado de diversas
exposições pelo mundo. Entre os seus trabalhos se destaca o trabalho feito em forma de
HQ chamado Blue Note. Este trabalho lhe abriu as portas para participar de uma
homenagem para o quadrinista Mauricio de Souza no livro MSP 50. O que lhe rendeu
um convite do pai da turma da Monica para fazer parte do Graphic MSP, onde serão
publicadas edições contendo cada qual uma história completa produzida por ilustradores
com traços mais maduros. Algo distinto dos traços infantis que conhecemos. Shiko irá
abordar a história de Piteco, e este trabalho deve ser concluído neste ano de 2012.

Um pouco depois surge mais um nome de destaque para o graffiti em João


Pessoa, Múmia. Natural de Paudalho cidade do interior pernambucano, na segunda
metade da década de 90 ele se muda para a capital de Pernambuco. No inicio na cidade
de Recife ele atuava como pixador, após um tempo entra em contato com alguns
grafiteiros e inicia algumas intervenções neste sentido. Após isto ele se muda para a

59
cidade de João Pessoa onde intensifica a pratica do graffiti, e permanece nela até os dias
de hoje passando a viver da sua arte como ele mesmo relata: Desde de pequeno que eu
desenho e tal. Ai quando passei a morar em Recife. Que eu sou pernambucano, eu nasci
em Paudalho interior de Pernambuco. Ai quando mudei pra Recife eu conheci uma
galera La do graffiti e comecei a chegar junto e fazer. Inclusive fiz umas pixações na
época lá. Ai como profissão mesmo em torno de 6 a 7 anos. Dois anos foi só de
“maloqueiragem” e tal. Ai mudei para João Pessoa, ai conheci o resto da galera e
começou a rolar ainda mais aqui né. E ta rolando até hoje.

Ele conta também que no inicio, quando aqui chegou, não encontrava muitos
grafites nos muros. O que segundo ele tinha mais era os Bombers, que vem a ser uma
espécie hibrida que fica entre a pichação e o graffiti onde as Tags (nomes) são
produzidas de uma maneira mais estilizada, multicolorida. Onde as letras vão possuir
um formato “mais” elaborado. Como é possível ver na imagem abaixo:

BOMBER

FOTO: PAULO SERGIO

No começo Mumia fazia estes bombers, segundo ele isto serviu como uma
forma de reunir a “galera”, a partir deste tipo de intervenção se começou a buscar uma
organização maior naquilo que era produzido nas paredes, “evoluindo” até o graffiti
como vemos hoje em dia: quando cheguei aqui quase não tinha graffiti, na verdade
tinha uns bombers, que a galera fazia. Ai tinha uns bombers, que bomber é a evolução
da pixação na verdade. A galera faz ainda sem autorização, mas é aquele estilo de letra
mais elaborado. Ai na época eu também comecei a fazer uns bombers com galera

60
tentando elaborar umas coisas a mais. Fui conhecendo a galera reunindo, organizamos
como produção, e fomos lá de pega a parede toda e fazer uma história com a galera. E
de lá pra cá a parada foi evoluindo. (Fala de Mumia)

Estas três figuras (GigaBrow, Shiko, e Mumia) podem ser consideradas figuras
primordiais para o surgimento do graffiti aqui em João Pessoa. E no início são os
principais graffiteiros da capital paraibana, foi a partir deles que as intervenções de
graffiti começam a se espargir, e se popularizar na capital paraibana. (SANTOS, 1999).

É difícil dizer hoje em dia um número exato de quantas pessoas praticam o


graffiti na cidade de João Pessoa. Ao observar em um site de relacionamento uma
comunidade virtual que dizia reunir os grafiteiros da capital. Foi possível constatar
cerca de 170 membros que dela fazem parte, mas este número não reflete a realidade, no
registro fotográfico realizado por mim encontrei o número de 18 tags22 de grafiterios.
Contudo em um cartaz onde foi divulgado um mutirão foi possível constatar mais de 30
nomes.

FONTE: COLETIVO PARAÍBA

22
Estas são: LEGO, BOB, SIC, GIGABROW, CYBER, G2, ROSS, PATO, MUSEU, WITCH,
DEDOVERDE, BAIANO, THREK, MEIACOR, MUMIA, SHIKO, DERBY BLUE, DAYSE,
PERFECT.

61
A dificuldade de saber apenas olhando para os muros quantos grafiteiros existem
em João Pessoa decorre de alguns empecilhos. Um deles seria de saber que é realmente
daqui ou quem é de fora no cartaz do mutirão, eu sei que pelo menos um dos grafiteiros
é da cidade de Campina Grande. Outro ponto é utilização de Tags diferentes pelo
mesmo grafiteiro como é o caso de Shiko que também assina em algumas ocasiões
Derby Blue. Além disso, existe o fato de que algumas pessoas se dizem grafiteiros, mas
nem sempre são reconhecidas pelos outros. Esse reconhecimento depende de uma
atuação sistemática na arte. Afirma VAN GOGH que: Numa comunidade que tem lá
no Orkut, Grafiteiros de João Pessoa, se não me engano tem trezentos e poucos, agora
só que acontece o seguinte quem realmente faz acho que é dez por cento, quem
realmente faz é dez por cento tá entendendo, é que o pessoal assim tem uma oficina faz
uma artesinha ai se acha grafiteiro.

Mesmo sem saber um número exato de praticantes, pode-se dizer que este
movimento vem se expandindo não somente na capital, mas em todo o Estado. Esta
expansão acontece devido a certos fatores como: o trabalho realizado nos muros pelos
três expoentes desta atividade (GigaBrow, Shiko, e Mumia), que a partir destas
produções começam a desenvolver outras atividades remuneradas ligadas ao campo da
arte. O que atribuiu a este movimento um reconhecimento da sociedade paraibana
passou a ocorrer uma aceitação desta manifestação como sendo arte, acontecendo
inclusive algumas exposições que colocam o graffiti em destaque.

Outro ponto de destaque é a expansão do movimento Hip-Hop – não só em João


Pessoa como em todo o país – que incorporou o graffiti como uma de suas formas de
expressão. Sempre nos eventos ligados ao Hip-Hop existia alguém grafitando, isto
ocasionou a divulgação e ampliação deste tipo de intervenção como bem nos mostra
Tarsila do Amaral: Quando começou essa historia de hip-hop, creio eu que foi assim,
ai o pessoal começou a se mobilizar e a fazer porque é um dos quatro elementos né, ai
pra complementar as historias quando tinha show sempre tinha uma pessoa graffitando
também, ai eu sei que de uma hora para a outra bombou, tinha menina, menino,
pirralho, homem, velho, todo mundo fazendo e hoje tem dezenas de graffiteiros aqui em
João Pessoa.

Outro fator é que começam a ser desenvolvidas oficinas de graffiti, assim como
também surgem o apoio e o “patrocínio” para que fossem feitas intervenções em locais

62
públicos como praças, escolas, viadutos, entre outros. O apoio a estas intervenções vem
em muitos casos do Estado ou da iniciativa privada. Um exemplo é uma campanha
contra o tabagismo realizada no ano de 2009 e 2010 onde a Secretaria Estadual de
Saúde (SES) e a Agencia Estadual de Vigilância Sanitária (AGEVISA) promoveram o I
e segundo II Festival de Grafitagem. Estes eventos tinham em vista o combate ao
tabagismo. Os grafiteiros faziam as suas produções com esta temática para concorrerem
a uma premiação dada por estes órgãos governamentais.

Não podemos dizer que foi um único fator que proporcionou a expansão atual
deste movimento, mas sim estas três características contribuíram – cada qual com seu
peso e especificidade – para que hoje em dia se encontre de forma mais efetiva estas
intervenções de graffiti em diversos lugares da cidade de João Pessoa.

A faixa etária dos praticantes desta manifestação varia muito. De um lado


observamos um aumento de adolescentes com seus 14, 15 anos que entram nas oficinas
e a partir delas se engajam no movimento. E em outra extremidade vão se situar aqueles
praticantes que já se encontram há algum tempo na “Rua”, ou seja, aqueles que já são
adultos e passaram dos 30 anos. Entre os meus entrevistados a faixa de idade vai
abranger dos 18 até os 33 anos.

No que diz respeito ao gênero, a predominância é masculina, nas minhas


entrevistas e observações feitas na rua foi possível identificar cerca de sete a oito
mulheres praticando a atividade em João Pessoa, o que é visto ainda como um número
muito incipiente quando comparados a outros Estados, como o Estado de Pernambuco
onde obtive a informação que existe uma Crew (grupo) chamada Só Calcinha Crew,
que conta com um número aproximado de 20 mulheres.

Como visto no relato dos “precursores” do graffiti em João Pessoa as formas de


entrada e as trajetórias de seus membros nesta atividade ocorrem de formas distintas,
como é o caso de GigaBrow e Múmia que iniciaram com a pichação e com o tempo
passa a fazer grafites, outras pessoas já trabalham com arte e com o tempo começam a
usar a rua como uma forma de divulgar esta arte - foi o que aconteceu por exemplo com
Shiko. As oficinas de graffiti hoje em dia são um dos motivos das pessoas entrarem
nesta atividade, como ocorreu com Salvador Dali: Tudo começou a partir de uma
oficina de graffiti em uma escola, no ano de 2001, ai dali surgiu o interesse comecei a
buscar... a partir da oficina, rolou a oficina, ai eu me interessei, já gostava de

63
desenhar. Gostei da arte do graffitie comecei a me interessar. E também com Van
Gogh: Minha história no graffiti se deu a partir assim que eu fiz uma oficina. Ai a
partir dessa oficina despertou assim o desejo de começar a grafitar. Ai eu comecei a
fazer graffiti na rua, simplesmente com pincel, lavável. Ai depois assim, com contato
com vários grafiteiros fui aprendendo técnicas novas até fazer o que eu to fazendo hoje.

Há também aqueles que entram por meio do convite dos que já estão há mais
tempo na atividade como é o caso de Tarsila do Amaral que nos diz o seguinte: bem,
tipo assim, eu sempre desenhei, fiz artesanato, ai muito tempo atrás, há muitos anos
atrás, assim uns dez, quase, oito anos atrás, a gente tava lá no centro, tava tendo
Centro em Cena, ai Ginaldo, e Leonardo que canta no, que cantava no Realidade Crua
eles estavam fazendo graffiti nesse tempo, quase ninguém em João Pessoa fazia, ai
vamos, vamos, vamos fazer um graffiti ali, a gente saiu pelo centro e eu fiz o meu
primeiro graffiti, ai passou muito tempo, ai nunca mais fiz, mas sempre pintando
parede mas em casa, ai passou um tempo e quando foi agora no final de 2007, ai
Ginaldo que é Gigabrow, é bem conhecido, ele ficou me chamando e me incentivando, e
Leonardo também continuou dizendo “vai que tu sabe fazer, não tem menina fazendo,
vai fazer, vai fazer”, ai eu: “eu tenho pena de gastar com esse material é muito caro
não sei o que”, Gigabrow fez uma oficina e disse “bora tem material” ai a gente foi e
ai eu comecei.

Algo que se destaca neste tipo de manifestação é a relação com o nome. Na


maioria dos casos observa-se a utilização de Tags (apelidos) que se situam como uma
assinatura na sua produção. Muitos destes apelidos ganham uma conotação de um novo
nome, uma nova identidade, já que eles acabam sendo reconhecidos muito mais por
estes “nomes da rua” do que por seus verdadeiros nomes, ou seja, eles se chamam por
esses apelidos. Mesmo os que são próximos uns dos outros e conhecem os nomes
originais se tratam pela Tag. A escolha deste novo nome é algo que varia, em alguns
casos esta atrelada a uma característica física ou psicológica, em outros casos são
escolhidos apelidos que lembrem o nome verdadeiro, ou então um apelido de infância,
uma situação inusitada. Enfim muitos são os motivos descritos por eles. Tarsila diz o
seguinte: eu assino este nome porque uma amiga certa vez colocou este apelido e eu
gostei, e ele também se parece com o meu nome. Já no caso do grafiteiro Dali a sua
assinatura vai ter a ver com as suas características físicas. É interessante notar que
observando os muros percebe-se que este movimento de colocar outros nomes vem

64
perdendo a sua força. Esta característica que vem desde o surgimento do graffiti começa
aos poucos a se modificar já é possível encontrar produções nas paredes onde são
assinados os “nome originais”.

A prática da grafitagem é em geral realizada de forma individualizada. Nas


entrevistas constatou-se que existe hoje em dia na capital da Paraíba apenas um grupo
(crew) de grafiteiros (Evolução Graffiti23) atuando. Os entrevistados afirmaram que em
outros tempos existiam mais delas só que com o tempo foram se desfazendo: em
Mangabeira que é um bairro grande, tem 70.000 habitantes tinha 7 crews de graffiti, ha
pouco tempo atrás, inclusive hoje em dia só tem um aqui em Mangabeira que é a
evolução graffiti (Fala de Van GOGH). Entretanto nos registros fotográficos nota-se
que existe o nome de outra crew24 (C. Curas Crew).

FOTO: PAULO SERGIO

Os que não atuam em nenhum grupo vão sair para pintar sozinhos. É certo que
muitos momentos eles atuam sós, mas em outros buscam atuar em conjunto, é o caso
dos mutirões. Estes são intervenções que acontecem de forma coletiva. Escolhem um
local grande (por exemplo, um muro grande) onde vão se reunir e cada um em seu
determinado espaço vai fazer a sua própria intervenção. Neste momento intensificam-se
as práticas de sociabilidade, pois eles se encontram, trocam experiências e técnicas

23
Formada por quatro membros.
24
Recentemente descobrir que foi fundado o “coletivo graffiti” pelo que pude apurar este tem como
objetivo buscar formas de conseguir material, espaços, e de reunir de forma “institucionalizada” os
grafiteiros, mas como ainda não apurei bem estas são apenas impressões a respeito deste coletivo.

65
artísticas. Estas intervenções são na maioria das vezes com um tema livre, mas existem
momentos em que se escolhe certo tema e todos vão produzir inspirado nele. Foi o que
aconteceu, por exemplo, na campanha contra o tabagismo.

No Graffiti também existe em certos momentos um intercambio com grafiteiros


de outros Estados, existe um processo de reciprocidade onde grafiteiros de outros
Estados estabelecem laços de amizade e combinam de fazerem intervenções conjuntas,
por exemplo, vem um grafiteiro de Pernambuco aqui para a cidade, ele é levado pelos
grafiteiros locais para fazer alguma intervenção, quando alguém daqui for a
Pernambuco este irá atuar da mesma forma, temos uma relação de troca, um reforço e
uma ampliação dos laços de sociabilidade. Como nos relata Picasso: Rolou em João
Pessoa há um tempo atrás o encontro nordestino de Hip-Hop, e esse encontro
aconteceu através de outro encontro nordestino de hip-hop que aconteceu em Recife. A
gente fez um intercambio com a galera lá de Recife, os grafiteiros de Natal, do Ceará.
Ai fizemos o encontro nordestino aqui, ai veio uma galera doido. Ceará, Natal, Recife.
E assim uns até que a gente já conhecia um tempão. Mas até antes do encontro
nordestino um ou outro chegava aqui ta ligado, pra fazer umas historia. A gente de vez
em quando se manda pra La. Para fazer umas historia de graffiti. De vez em quando ta
rolando eles vêm à gente vai, fica esse intercambio.

Ao contrario do que a maioria das pessoas pensa, o graffiti é composto de vários


estilos e formas. E dentre estes temos alguns que são os mais conhecidos: Bomber é um
estilo ligado a escrita. E como já dito anteriormente vem a ser uma espécie híbrida que
fica entre a pichação e o graffiti onde as Tags (nomes) são produzidos com as letras de
forma arredondada. Trow-Up outro estilo ligado à escrita. Neste as letras também são
feitas de formas arredondadas e entrelaçadas entre elas, deixando o seu interior vazio.
Wild-Style é um estilo de graffiti que vem desde a década de 70. É um estilo bastante
complexo, que enfoca a intersecção de formas e que em muitos casos tem como
característica a utilização de seta. O resultado final é algo de difícil compreensão, assim
como os outros três acima, ele também é feito com a escrita. Free-Style: este estilo é o
que enfoca o desenho, é o estilo livre onde os grafiteiros estão à vontade para fazer de
acordo com a sua imaginação qualquer tipo de imagem.

66
BOMBER TROW-UP

FOTO: PAULO SERGIO


FOTO: PAULO SERGIO
WILD – STYLE FREE – STYLE

FOTO: PAULO SERGIO FOTO: PAULO SERGIO

A cidade de João Pessoa possui uma característica peculiar. Aqui encontra-se


um enfoque muito grande no free-style, ou seja, a maioria dos graffitis feitos pela cidade
são imagens. Alguns deles não deixaram de produzir se valendo da escrita, mas em
comparação a quantidade de imagens esta produção ainda é pequena. Isto acontece
porque existe um movimento dentro dos próprios grafiteiros que busca valorizar a
imagem, como nos mostra em sua fala Warhol: a gente tem um diferencial muito forte,
o pessoal de fora quando chega aqui diz meu irmão só tem desenho vocês não fazem
letra não. Poucas pessoas fazem letra. Isso já foi uma história que eu mesmo estimulo a
fazer o desenho, muita gente que começou a grafitar eu dei idéia meu irmão faça isso
não, você vai tá poluindo a cidade, a cidade da gente vão ficar toda cheia de risco,
cheio de letra ninguém entende. Vamos começar a fazer desenho pessoal, ai foram
mudando. Eu acho é massa a letra tal quando dá um equilíbrio com desenho letra,

67
desenho letra. Agora você vê um canto só com letra também é massa, mas depende da
estética da parada. Mas se você for andar uma cidade cheia de risco só letra, só letra,
aí não da não, porque tem coisa que eu nem entendo.

4.1.2 A PIXAÇÃO EM JOÃO PESSOA

Quando falamos do inicio da pixação em João Pessoa fica difícil dizer quando se
deu o seu surgimento, mas assim como no restante do país ela vai começar a se
disseminar no final da década de 80 e inicio da década de 90. Como vimos, um dos
grafiteiros mais antigos (GigaBrow) vai começar pela pixação que, no inicio da década
de 90 era praticada por diversas pessoas na capital paraibana como relata o próprio
GigaBrow: Quando eu comecei foi pichando, tinha uns 16 anos, ai tinha uns bicho na
rua começaram a pichar, não massa e tal, tinha uma febre da porra na cidade de
pichação.

Um dos pixadores quando questionado quando foi que se iniciou a manifestação


na capital vai dizer que se inicia esta atividade na metade da década de 90, e ele atribui
o inicio dela possuindo uma ligação com os bairros onde certos indivíduos faziam
atividades ditas “ilegais” com um teor de vandalismo. Ele diz o seguinte: isso foi mais
ou menos em 96, 97... tinha uma galera que já participava da onda acho que vinha do
Geisel, mas também do Ernani assim, mas eu acho que aqui no bairro surgiu mais do
lance do Geisel e tal porque, eu acho que lá existiam mais uns vandalistas a
mais.(FALA DE DA VINCI)

Nota-se na fala dos pixadores e também dos grafiteiros quando se remetem a


pixação, que eles incorporam todo um discurso que se faz presente no resto da
sociedade, que os recrimina chamando-os de vândalos. Os meios de comunicação são
uma das ferramentas que mais repassam esta ideia ao coletivo25. Na verdade os
pixadores podem ser vistos como agentes que mesmo sem fazer alguma intervenção que
passe uma mensagem mais explicita de contestação estão produzindo certa critica a
sociedade. Pois, o ato de utilizar a rua por si só, e apropriar-se de outros espaços já se
torna uma ato de contestação. Mesmo assumindo a ideia de a pixação ser um

25
Como exemplo vide as matérias do Jornal como O Norte:
http://www.onorte.com.br/noticia/49498.html. E do Jornal da Paraíba:
http://jornaldaparaiba.com.br/noticia/76011_predios-sao-alvos-de-pichacao.

68
vandalismo eles deixam claros em suas falas que não são bandidos como é possível
notar nas fala de Giotto que diz o seguinte: Eu só pixo, não fumo maconha, nem
cocaína, nem bebo, só pixo. Não sou ladrão, traficante, nada, sou só pixador. E
também na fala de Rafael: Uma coisa que pode melhorar na pixação aqui em João
Pessoa é o Reconhecimento. Mostrar que o pixador não é bandido.

A partir dos anos 2000 a cara da cidade começa a se modificar e isto é refletido
com o aumento do número de pixações feitas nos muros da cidade. É cada vez mais
comum as pessoas se depararem com pixações nos caminhos que percorrem no dia a
dia. Hoje em dia é difícil dizer ao certo o número exato de pixadores, nem eles próprios
sabem ou tem uma idéia de quantos sejam, nas entrevistas foi dito que determinado
grupo o OMF (Os Malukos de Formosa) possuem cerca de 15 integrantes, em outro
momento é dito que este mesmo grupo possui 20 integrantes, já o integrante de um
outro grupo OMJ (Os Maiorais de Jampa) nos mostra em sua fala que é difícil delimitar
um número exato dentro do próprio grupo. Isto porque existe uma grande efemeridade
entre os próprios praticantes, eles por diversos motivos iniciam e abandonam a pixação
como nos fala RAFAEL: Tinham muitos, mais a maioria aposentou outros estão presos
e alguns morreram porque se envolveram com tráfico e roubo, outros dão role só de
vez em quando. No nosso dia a dia, analisando as fotos tiradas das pixações consegui
identificar 3226 nomes de pixadores. Em uma rede social existe uma comunidade
denominada pixadores de jampa com 168 membros participando dela.

Na pixação as informações a respeito de gênero não chegam a ser satisfatória


com os entrevistados alguns disseram que existem poucas meninas fazendo, outros já
deram uma informação contraditória dizendo haver algumas Crew só de mulheres, o
contato com estas não foi possível. Na minha pesquisa fui informado que a pessoa que
usa a TAG D’MENOR é uma menina. Na hora fiquei surpreso, pois ao ver esta pixação
sempre a associei como sendo produzida por alguém do gênero masculino. Percebe-se
assim que a ligação da Tag não é algo que é ligado ao gênero, mais adiante trataremos
do sentido das Tags.

O Caminho para tornar-se pixador normalmente decorre da influência de outros


jovens que já atuam como pixadores, os grupos de amigos que se situam próximos à

26
Este são: SKIL, ALMA, TOCA, CORUJA, PANO, LOST, IOSH, GUGU, CISCO, ALIEN, PITU,
POLOF, SLIM, POSH, SLOK, PIRADO, PLUSH, SLIP, PENA, DONALD, ANEMIA, BOCA, ZEM,
SNOK, SNOT, KILL, KLESTOM, SNYF, SENA, ISCX, LIFE, D’MENOR.

69
residência e também na escola que são os “principais” espaços aglutinadores destes
jovens como nos fala Rafael: Comecei a admirar a pichação aos 10 anos, mais entrei
mesmo nela com 12. Já fazem 8 anos... Fui estudar em uma escola que tinha pichadores
e acabei me influenciando.

Um elemento que chama a atenção na entrada dessas pessoas no mundo da


pixação é a ideia de subversão, eles gostam de estar fazendo uma atividade que é vista
pela sociedade como “vandalismo”. Os próprios quando iniciam dentro da atividade
incorporam este discurso social inconscientemente, e se fascinam por acharem estar
fazendo algo contra o resto da sociedade. Com o tempo parece que eles assumem outra
consciência daquilo que fazem e sentem prazer nas suas pixações como nos mostra
MICHELANGELO: porra cara, desde de muleki eu sempre curti desenho essas
parada,rabiscar desde mulequinho mesmo, ai com 11 anos fui estudar no centro ,na
escola Maria Geny ta ligado ?Aí lá conheci um boy que já pichava cara,e eu fiquei
fascinado por aquilo ali ta ligado ? Comecei a fazer pelo fato de ser um vandalismo e
tal, de marcar um lugar mais depois de um tempo comecei a gostar mesmo da coisa,
cheguei que fiquei viciado muleki, me apaixonei pela pixaçao e desde os 11 anos eu
picho eu to com 16,vou fazer 17 agora em abril ,e acho que nunca vou parar.

A escolha do nome (Tag) que será usado nas pixações é algo que varia e que não
segue nenhuma lógica uniforme. Existem casos onde alguma característica física acaba
sendo enaltecida como no caso de LEONARDO DA VINCI que explica o motivo do
seu apelido da seguinte maneira: rapaz eu comecei com Pingo27, porque o bicho disse
meu irmão tu é pequeno demais, não presta pra ta andando com a gente não e tal, ai eu
comecei botando Pingo fiz um desenho bonito, o bicho que fez pra mim meu irmão tu
faz assim...ai eu acabei botando Pingo. Mas existem casos onde a escolha do nome é
algo aleatório e ao acaso, como no caso de MICHELANGELO onde o seu nome foi
“herdado” de outra pessoa como ele nos diz: O cara que eu comecei assinava SONEK
ai ele falou vou mudar para SNOW28. Ai depois ele se arrependeu e voltou para
SONEK e falou porque tu não assina SNOW. Ai eu fiquei com SNOW. Ai pegou geral.
No caso de RAFAEL ele nos diz que escolheu o nome a colocar nas ruas vendo
televisão, interessante é que este nome é algo que vai ficar com os praticantes passando
estes a serem reconhecidos como um segundo nome: Não me lembro mas acho que vi

27
O apelido foi mudado para guardar a identidade do informante.
28
O apelido foi modificado para preservar a identidade do informante.

70
ele na TV. E a partir que você entra nessa vida ele se torna o seu segundo nome. Todo
mundo te chama assim depois disso.

Os pixadores vão atuar (em sua grande maioria) de forma coletiva, ou seja, os
pixadores além de colocarem as tags colocam também o nome do grupo do qual fazem
parte, nos dados levantados foi possível registrar o nome de 18 29 atuando em João
Pessoa. E nestes grupos existe uma hierarquia onde se tem lideranças, que são aqueles
pixadores que se destacam como relata GIOTTO: os mais foda é o líder, se Shady sair
do OMF ai o mais foda entra no lugar, e quem sai da OMF não entra mais e pra ser o
mais foda tem que pixar muito, em pico lá em cima, em cima de prédio e tals.

Muitos grupos surgem da separação de grupos já existentes, e esta nova divisão


pode ser algo que aconteça de forma tranquila, membros de determinado grupo formam
outros grupos que são sempre ligados ao primeiro, e em outros casos isto se dá de forma
conflitiva onde se deixa qualquer ligação com o grupo já existente como nos disse
MICHELANGELO: começou a rolar uma treta interna, ta ligado, com alguns boy
que fazia parte. Ai depois dessa treta dividiram a crew o cara que fundou o Ativos da
Praia fundou outra crew o Comando Branco, e outra galera fico no AP.

Dentro da cidade de João Pessoa estes grupos atuam em uma “luta” por espaço o
que acaba por ocasionar em alguns conflitos, certos grupos passam a rivalizar entre eles,
chegando a alguns casos esta rivalidade atingir as vias de fato, com agressões físicas
entre os membros de grupos distintos. Como nos relatou MICHELANGELO: Nossa
família tinha uma treta de vida e morte com outra família ai, a família acabou mas a
treta não. Já deu caso de justiça e tudo, julgamento e pa, por agressão, tentativa de
homicídio. Guerra punk. E também como nos disse DA VINCI: a gente conheceu uma
outra galera do Ernani ai foi criando uma rivalidade com esse negocio, ai de repente
em uns dois três anos ficou um negocio disputado, tinha uns certos bichos do Ernani,
uns certos bicho do Geisel, outros do funcionário III a gente aqui do II, e nenhum podia
fazer uma detona que cobrisse um cantinho da outra que ia dar em briga e tal, eu já fui

29
Estes são: PDT (Pixadores da Torre), OMJ (Os maiorais de Jampa), USPB (Us Paraíba), UPA (União
Psicopata da Ativa), F2 (Não consegui identificar o significado), CFC (Não consegui identificar o
significado), AP (Ativos da Praia), RDJ (Ratos de Jaguaribe), ASN (Altamente Sem Noção), PCM (Não
consegui identificar o significado), OLJ(Não consegui identificar o significado), OPG (Os Pragas),
OLV(Os Loukos do Valentina), CB (Comando Branco), CF (Crew Fantasma), LKS (Loukos), PRDS
(Pirados), OKD (O ultimo OKD quer dizer Okaida, fazendo referencia a organização criminosa que atua
mais especificamente em presídios da Paraíba. Como este foi um dos últimos registro feito não sei bem ao
certo o grau de participação de alguns pixadores nesta organização).

71
até perseguido... Ai começou a gerar briga, a gerar atrito, o bicho lá do Ernani quis
mata um figura meu.

Nesta disputa entre os grupos além de agressões físicas também existe um tipo
de agressão moral que se dá pelos muros da cidade, além da disputa que busca ver quem
faz mais intervenções existe um ato que entre eles é visto como uma grande ofensa. Este
ato é quando uma pixação é “atropelada” ou então se passa um risco sobre a pixação de
outro. Este ato é algo visto como uma “declaração de guerra” entre eles.

FOTO: PAULO SERGIO

Estes grupos também agem em conjunto uns com os outros, pois se tem aqueles
que são vistos como “inimigos”, há ao mesmo tempo aqueles que são os “aliados”, que
atuam em conjunto, eles marcam de sair junto para os “role” e em determinados casos
vão atuar um na área do outro, esta união fortalece ambos os grupos para o caso de
acontecer possíveis conflitos como nos mostra a letra de uma musica feita pelos
pixadores no qual fala da união de dois grupos o UPA (Us Psicopatas da Ativa) e o
OLV (Os Loukos do Valentina) que diz: O bonde ta pesadão UPA mais OLV psico
louco meu irmão, to chegando na moral se os comédia30 bater de frente pode crer vai
passar mal...esse bonde é sinistro melhor tu se ligar se você vir bater de frente a chapa
vai esquentar...Por isso que eu considero UPA mais OLV se tu vir enfrentar a gente

30
Comédia aqui se refere a uma gíria que significa mais ou menos uma pessoa que não merece respeito,
sendo algo muito parecido com o significado de otário.

72
pode crer vai é correr... Tá ligado, né Mané, tem que respeitar esses bonde porque se
enfrentar é murro na boca31.

A união destes grupos não se restringe aos limites da cidade, ela se expande,
passando grupos de outras cidades e de outros Estados a atuarem em João Pessoa da
mesma forma que os grupos daqui da cidade vão ir atuar em outras localidades também
como é o caso de Campina Grande e Natal onde pixadores destes locais vem atuar em
conjunto com os que atuam aqui.

O estilo das pixações é algo individual cada um busca a sua forma, não se tem
padrões definidos, podemos dizer que alguns usam linhas mais suaves e arrendondadas,
enquanto outros se valem de um traçado mais “vigoroso” e rústico. Entretanto a forma
do traçado é algo que varia de forma individual e também temporal, isto porque não vão
estar preso sempre no mesmo modo de desenhar a sua Tag. Eles sempre buscam variar o
seu estilo de escrita. Como podemos ver nas imagens abaixo onde SKIL usa dois estilos
diferentes.

FOTO: PAULO SERGIO

FOTO: PAULO SERGIO FOTO: PAULO SERGIO

As intervenções na maioria dos casos serão produzidas em locais de grande


visibilidade, ou então, em locais onde possa haver uma repercussão entre os pixadores.
As grandes avenidas da cidade, o centro, e a orla são locais que onde passa muita gente
diariamente, por isso estes são os locais mais visados para as pixações. Como existe
uma espécie de “competição” os locais de difícil acesso (como por exemplo, o pico dos

31
A musica está disponível no seguinte endereço eletrônico:
http://www.4shared.com/audio/uL3FT3tZ/MC_ACARA_UPAOLVDNVCImp3.html

73
prédios) também são vistos como possíveis alvos das intervenções. Isto ocasiona em
uma busca por reconhecimento entre eles. É como se eles por meio das pixações
buscassem uma “fama” neste meio. MICHELANGELO diz o seguinte a respeito
disso: Ah, basta se garantir, pegar altos pico louco. Lugares que quase ninguém
consegue pixar. Tem que ter um letreiro da hora e o mais importante de tudo ter
humildade. Saber respeitar.

PIXAÇÃO FEITA NO TOPO DO LICEU


PARAIBANO

FOTO: PAULO SERGIO

4.2 Graffiti e Pixação em João Pessoa: Aproximações e distanciamentos.

Entre pixadores e grafiteiros a faixa etária será algo distinto no que diz respeito
aos graffiteiros temos uma faixa etária bem variada, até mesmo por conta das oficinas
ofertadas, temos adolescentes em uma das extremidades com seus 14, 15 anos, e em
outra ponta se têm adultos que já passaram dos trinta anos. Entretanto é importante
salientar que mesmo aqueles que já passaram dos trinta anos iniciaram na atividade na
sua juventude. No caso da pixação se observa que esta é uma atividade com uma
predominância juvenil, onde seus praticantes mais antigos são em sua maioria jovens de
18, 19, e 20 anos que entraram muito novos nesta atividade com 10, 11 anos de idade.

Ambas as manifestações possuem como característica a utilização de Tags, que


são os apelidos nos quais o pixador deixa a sua marca, e o grafiteiro assina a sua obra,
estes apelidos ganham a conotação de um novo nome, uma nova identidade, pois eles
acabam sendo reconhecidos muito mais por estes “nomes da rua” do que por seus

74
verdadeiros nomes, ou seja, eles se chamam por esses apelidos mesmo aqueles que são
próximos uns dos outros e conhecem os nomes originais se tratam pela Tag. A escolha
deste novo nome é algo que varia muito em alguns casos esta atrelada a uma
característica física, outros casos são escolhidos um apelido que lembre o nome
verdadeiro, ou então um apelido de infância, uma situação inusitada, enfim muitos são
os motivos descritos por eles.

O fato de eles utilizarem outros nomes promove um anonimato, a utilização de


tags é uma forma de não ser descoberto pelo poder publico e também pelos proprietários
sobre a autoria da “obra”, mas entre eles este é conhecido, pois eles partilham dos
mesmos signos, esta inserida na pratica destas intervenções um segredo, que só os que
estão dentro sabem desvendar32. Este relativo anonimato também vem do fato da
produção não ser de ninguém, de tanto a pixação quanto o graffiti se tornarem uma
coisa pública, onde não se pode depois de feita vir alguém e requerer o direito de
propriedade sobre ela, como bem fala MARCEL DUCHAMP: acho que tem a ver com
desapego também, porque, quando você faz na rua instantaneamente aquilo deixa de
lhe pertencer, não quer que tenha dono, aquilo não é de ninguém, aquilo, eu fiz na rua
a rua não é minha aquilo não é de ninguém. No caso do graffiti o reconhecimento entre
eles é algo que distingue da pixação até porque esta ultima é ligada ao nome o que é
distinto no graffiti, sendo assim no graffiti mesmo que uma produção não esteja
“assinada” eles reconhecem quem foi o seu autor, pois cada um possui algum tipo de
“personagem” especifico, e um estilo de traço que é reconhecido pelos demais
praticantes do graffiti na capital paraibana ou em qualquer outro lugar. O próprio
GigaBrow tem utilizado um traço em suas intervenções mais ligado a arte Naif, assim
mesmo que ele não “assine” é possível identificar as suas obras pelo estilo que ele
utiliza.

A relação entre as duas manifestações foi abordada no transcorrer das


entrevistas. Como já dito as duas manifestações são “irmãs”, elas nascem e se
desenvolvem praticamente juntas. Ambas vão possuir uma linha muito tênue que as
diferenciara. Por causa dessa proximidade existe nelas uma grande ambiguidade e

32
Apesar de ser esta uma característica importante destas manifestações este trabalho não se propôs
analisar a questão do segredo dentro destes grupos. Em relação a este tema o trabalho de Angelina Duarte
(2010): A sociedade “secreta” de pichadores/as e grafiteiros/as em Campina Grande – PB. Mesmo
sendo feito em outro contexto faz uma excelente analise de como funciona o “segredo” nos grupos de
pichadores e grafiteiros.

75
devido a isto se não forem tomados os devidos cuidados acabamos por configura-las
como sendo uma coisa só.

Como vimos nos relatos alguns grafiteiros vão se iniciar neste tipo de
intervenção a partir da pixação. Entretanto mesmo com essa experiência dos praticantes
a relação entre as duas manifestações transcorre de maneira dúbia, as posições de
pixadores e grafiteiros em relação à outra manifestação é algo diferenciado
individualmente não se tem um discurso determinante. Já que em ambos os lados
existem sujeitos que são contrários e a favor da outra manifestação. Como é o caso de
RAFAEL que diz o seguinte: Hoje em dia pra mim eles são um bando de otário,
porque eles se venderam pro governo e fazem campanha anti pichação, sem falar que
eles não respeita os muros chega e atropela por que na rua você tem que respeita. E no
lado dos grafiteiros o relato de TARSILA que tem a seguinte visão sobre a pixação:
Não curto, nunca gostei acho babaquice, tipo assim quer ficar famoso bota uma
melancia na cabeça, mas ai sai escrevendo pixando, não acho legal não.

O interessante é que em ambas as manifestações existem falas a favor da outra


forma de intervenção em ambos os lados principalmente por causa dos bombers, que é
uma espécie de fase intermediaria entre a pixação e o graffiti, ele possuiu como
característica um pouco da policromia do graffiti e do fato de enfocar a letra e o nome,
característica esta proveniente da pixação, ambos os lados vêem os bombers como algo
positivo como nos diz GIOTTO: o graffiti é melhor que a pixação para mim, é um
negocio muito difícil de fazer e é um negocio meio gay, xeio de cores coloridas, mas
acho bom o graffiti, sem essas cores ai, só o graffiti de uma cor mesmo.

No graffiti também não se têm um discurso de ir contra a pichação, alguns


enxergam a pixação como um tipo de arte inacabada, um esboço do graffiti como afirma
VAN GOGH: a pichação é considerada vandalismo, mas a partir da pichação eu
tenho hoje, assim que se eu ver uma pichação aquilo ali pode ser transformado em
graffiti com aquela mesma tag que ta feito lá é só colocar cores em cima, a pichação
pra mim é o esboço do graffiti. Um ponto de destaque é que na fala de alguns ex-
pichadores que se tornaram grafiteiros eles alegam que não aconselham ninguém a
cometer esta prática, existe um tipo de persuasão para que abandonem o picho e passem
a grafitar. Talvez de forma inconsciente os grafiteiros reproduzem um discurso que
discrimina a pixação. E este discurso é algo que já tem ressonância entre os pixadores

76
por que alguns deles vão enxergar a manifestação do graffiti como uma saída, bem
como relata MICHELANGELO: O graffiti é a saída da pichação. Eu acho moh da
hora. To começando no graffiti também. Já tem uns dois bombers meu por ai.

As duas manifestações buscam a mesma coisa, ocupar o espaço dentro da


cidade, logo esta busca se torna em alguns casos uma disputa por este espaço ocasiona
logicamente situações de conflito quando algumas pixações atropelam os graffiti e estes
últimos também são elaborados por cima da pixação, mas que são resolvidos na base da
conversa como nos mostra MICHELANGELO: a gente foi fazer um grapixo da
família no busto, tinha um graffiti, com a metade apagada, a gente botou por cima, até
porque o graffiteiro era parcero, e tava apagado. Mas ai o outro dia, uma pa de
grafiteiro vem imbaçar, e botaram outro grafite por cima do nosso. Mas ai rolou um
papo cabeça e a gente deixou pra lá.

Entre as duas manifestações acontecerá um fenômeno interessante. A


“aceitação” da sociedade em relação ao graffiti vai promover de maneira gradativa um
olhar negativo sobre a pixação. Hoje em dia existe uma maior aceitação do graffiti pela
sociedade em geral, diferente do que acontecia em outros tempos quando esta atividade
era mais marginalizada e discriminada. Este fato se devia em parte por causa do graffiti
ser interpretado como sendo a mesma coisa que pichação, como nos fala PAUL KLEE:
antigamente era mais pau, a discriminação era grande, muitos não entende porque a
discriminação. Mas assim eles só discriminam mais por causa da utilização do spray
chama logo de pichador, acha que vai fazer vandalismo ali saca. Mas eu nunca vi um
camarada parar com dez, quinze lata de spray pra fazer uma pichação não tem
condições, ficar uma hora ou mais ali pintando pra fazer o risco não tem condições.

Esta visão de que ambos (pichação e graffiti) seriam a mesma coisa acabava por
ocasionar também em um preconceito e uma perseguição da parte da policia aos
grafiteiros fazendo com que a pratica fosse feita apenas no período da noite como
afirma SALVADOR DALI: Antigamente dava muito rolo com a policia, oxe
antigamente a gente saia pra pintar só podia ser a noite, chegava a noite era aquela
adrenalina, não podia vê uma viatura da policia que encostava na parede e mandava
parar o trabalho.

Em 26 de maio do ano passado a presidente Dilma sancionou uma lei que havia
sido aprovada na câmara dos deputados onde se diferencia a prática da pixação, da

77
prática do graffiti alterando a legislação anterior que tratava como equivalentes e com as
mesmas punições os atos de pichar e o de grafitar, além de também só permitir a venda
de tinta spray para maiores de 18 anos33. Na cidade de João Pessoa também foi
sancionada em fevereiro de 2012 a Lei nº 12.344 que como finalidade o combate a
pratica da pichação, e conscientização dos cidadãos dos “malefícios” desta prática. Um
dos pontos de destaque desta Lei é que ela fala em estimular e divulgar boas iniciativas
relacionadas com a promoção da qualidade visual, e para isto promover práticas
artísticas como o graffiti ou pintura contribuam para uma melhoria da qualidade visual
do ambiente urbano34. Assim notamos que esta lei também vai tratar do graffiti como
um “remédio” para combater a “pichação”.

Além disso, como já foi anteriormente dito, ocorreu uma expansão da atividade,
com as ações do Estado como oficinas e intervenções em praças passou-se a conhecer
melhor a atividade, outro fator que contribuiu foi o fato do graffiti passar a ser tema ou
então ter obras expostas em galerias e museus. Isto acabou por divulgar e lhe dar uma
conotação artística, não quer dizer que antes esta conotação não lhe era atribuída, mas as
exposições fazem com que a sociedade passe a enxergar o graffiti de outra forma como
nos diz TARSILA: é bom acontece que o pessoal começa a ver com bons olhos,
entendeu, o graffiti, começam a valorizar mais... respeitam mais.

Mesmo assim, hoje em dia quando se tem o “graffiti” dentro das galerias e dos
museus, ou seja, dentro dos locais que estipulam e definem o campo artístico, ele agirá
como um agente estrangeiro, ocorre uma apropriação destes locais, os grafiteiros se
inserem nestes espaços para transgredi-los, “difamá-los”, é apenas mais uma plataforma
para inserir suas produções mas nunca abandonando a sua origem que é a rua, isto fica
bem claro no relato de DUCHAMP: então isso é arte, isso é vandalismo, isso tem
valor, isso não tem valor, bom perdido ai nesse caldo restou as instituições e as
galerias, tentarem moldar em um formato que coubesse nas suas paredes, só que os
grafiteiros mantiveram o discurso de que não sou contra expor na sua galeria, eu quero
me apropriar de todos os espaços que eu puder me apropriar e isso vai da rua ao
museus, mas o fato, é muito comum o pensamento de que o grafiteiro pinta na rua como
se a rua fosse uma plataforma para ele chegar em um lugar melhor, em um lugar maior

33
Fonte: http://www.rapnacional.com.br/2010/index.php/noticias/a-presidenta-dilma-sanciona-lei-que-
diferencia-grafite-de-pichacao/
34
Fonte: http://www.cmjp.pb.gov.br/Noticia/4304_lei-municipal-institui-a-politica-municipal-contra-
pichacoes-no-municipio-de-joao-pessoa

78
que é a galeria, enquanto na verdade o artista ele ocupa o espaço da instituição, mas
ele não tem a menor intenção de sair da rua.

Nos últimos anos visitei algumas exposições na cidade que tinham o graffiti
como tema ou então com alguma obra em seu acervo, o que pude perceber é que quando
esta manifestação é colocada em um lugar como este ela fica isolada, individualizada,
não acontece um dialogo com as obras que estão ao seu lado, com a superfície que esta
inserida, a atmosfera silenciosa destes espaços, a forma como as pessoas circulam
observando-as, tudo isto afeta na percepção do publico, diferente do que acontece na rua
onde elas dialogam entre si, ela irá complementar ou então negar o meio ambiente que a
cerca, a forma de percepção destas é distinta, as pessoas passam em um corre-corre
diário, nunca se sabe onde se irá encontrar alguma obra pode se virar uma esquina e dar
de cara ela, os sons e a própria rua irão determinar uma atmosfera diferente da que se
tem nos espaços legitimados da arte.

Existe uma grande ambiguidade no discurso dos grafiteiros em relação ao


graffiti que é produzido em galerias e o que é feito na rua, alguns enxergam o graffiti
como sendo também estes expostos em locais fechados, mas a maioria vai dizer que
aquilo que é produzido por eles e depois exposto em um local fechado não pode ser
chamado de graffiti. Este tipo de produção que se “isola da rua” é visto como uma
“falsificação” deste tipo de intervenção. A pesquisadora Célia Maria Antonacci Ramos
(1994) vai definir este tipo de intervenção fora da rua como sendo um “Pseudograffiti”,
ou seja, é algo que se parece, mas não é, sendo visto como outro tipo de coisa. Em seus
discursos os próprios grafiteiros não vão nomear alguns deles vão falar em arte
contemporânea, outros em arte plástica, arte moderna, arte urbana, e por ai vai.
Independente do nome que se da, uma coisa fica clara é que estas intervenções em
locais fechados é algo diferente das que são produzidas na rua como nos fala
WARHOL: O graffiti é a viagem de se expressar na rua, isso não é graffiti não, é
qualquer coisa. Isso é graffiti se ficar na rua.

Enquanto acontece um processo onde se tem uma “legalização” e “aceitação” do


graffiti, o oposto se da com a pixação que cada vez mais, passa a ser encarada como um
ato de vandalismo, sofrendo uma rejeição por boa parte da população que a encara
como algo negativo que denigre e suja o espaço urbano. Quando perguntado como ele
acha que a sociedade enxerga a pixação RAFAEL diz o seguinte: Marginaliza geral.

79
Nós somos excluídos completamente. Eles não tentam entender a gente. O pixador
MICHELANGELO vai ainda mais fundo nesta questão enfocando um aspecto
“hipócrita" da sociedade que os marginaliza de um lado enquanto de outro legitima
certas produções como arte apenas por estas estarem em determinados locais
específicos. Ele diz o seguinte a respeito de como a sociedade encara a pixação: eles
nem enxergam, pra eles aqui num passa de um risco qualquer, que se resume em
marginalização, falta do que fazer, saca? Eles olham pra parede, num entendem, mas
quando eles vão numa galeria de arte, uma pa de arte sem fundamento, quadrados
dentro de quadrados, e formas métricas, eles param pra analisar só porque esta numa
galeria de arte, é a sociedade, é hipócrita, eles não se importam com o sentimento de
quem pixa ou não, para eles a gente não passa de marginal.

4.3 QUESTIONAMENTOS ACERCA DOS PADRÕES DE ARTE, ESPAÇO, E


COMUNICAÇÃO POR MEIO DOS “MUROS”.

Na modernidade vamos estar em diversos instantes vinculados a sistemas


abstratos, ou seja, vamos nos colocar interagindo no dia-a-dia com sistemas onde o
nosso conhecimento aprofundado não é necessário, porque delegamos a certos
“peritos”, e “especialistas” a competência de organizar, e gerenciar certas áreas da
sociedade, com base naquilo que é produzido por eles, é que irei me pautar e
influenciar, é o que acontece com a arte onde se deixa para os críticos artísticos, e os
espaços como museus e galerias a incumbência de nos dizer o que é arte ou não.
(GIDENS, 1991).

Estes sistemas peritos (que no caso desta análise se restringe ao campo artístico)
vão ser contrapostos por certas manifestações que redefinem parâmetros em vigor. O
graffiti e a pixação vão se direcionar contra todo um discurso determinante que tem em
vista classificar o que é ou não arte, ambas se valem de outro tipo de suporte (as ruas, os
muros), no qual este serve como uma forma mais rápida, fácil, e direta dos sujeitos
mostrarem as suas idéias, independente de qualquer classificação. Estas manifestações
atuam diretamente com a sociedade em geral, e cabe a esta vir a proferir qualquer forma
de classificação. Assim a pixação e o graffiti podem ser vistos como modos de
expressão artísticos alternativos que colocam em questão modelos consagrados gerando
uma polemica e levando a redefinições dos parâmetros dominantes.

80
A pixação e o graffiti criam outra forma de classificação do mundo, provocando
o debate entre os habitantes da cidade desta forma são as pessoas que nos seus trajetos
ao passarem por uma pixação, ou graffiti o interpretarão de maneira individual,
deixando de lado as pré-noções estabelecidas, assim elas próprias é que vão dizer se
certa intervenção é ou não arte. A respeito disso DUCHAMP nos diz o seguinte: o
mundo da arte é assim, ele tem uns pilares de sustentação, e o graffiti ele não se
sustenta em nenhum desses pilares, o curador não pode selecionar, porque a seleção já
tá feita, já tá na rua, o marchand, o cara que vende arte não pode vender aquilo, a
instituição não pode guardar, não pode vender, o publico também não sabe, como tem
a instituição ou o crítico para dizer se aquilo é arte, o público não sabe se é.

Um dos precursores da sociologia da arte Taine vai dizer que o artista vive em
“liberdade”, mas esta se subordina a determinadas condições e leis, nas quais o público
será uma força que atua sobre o artista. E aquilo que ele produz será aceito somente se
seguir certos padrões sociais. As intervenções feitas por pixadores e graffiteiros acabam
por quebrar esta lógica, já que em ambas as formas deles atuarem são expostas a sua
produção na rua, fazendo com que o publico seja “forçado” a vê-la, deixando de lado
quaisquer que seja os gostos coletivos. Do seu jeito eles questionam a propriedade da
paisagem urbana, o significado da arte, as relações de poder na cidade, possibilitando
um diálogo com a publicidade, com que é visto como feio, com tudo aquilo que se faz
presente no meio da urbe. É claro que como agentes que se inserem na sociedade eles
vão sofrer influencia desta, assim em algumas ocasiões vão compartilhar certos desejos
e aspirações que são provenientes do meio ambiente coletivo no qual também fazem
parte, só que a sua produção na maioria das vezes não se voltará para a coletividade e se
rebelará contra a sociedade que os moldou. Somente aqueles que estão no seu meio e
que compartilham os mesmo símbolos é que entenderão as produções, sendo assim
produzidos os chamados fatos anestéticos aonde nem sempre a arte vem ser a expressão
da sociedade na qual ela é produzida. Desta forma tanto o graffiti quanto a pixação ao
invés de serem moldados pela sociedade vão procurar influenciá-la, temos assim o
artista com o poder de comunicar aquilo que ele interpreta como sendo vontade coletiva
e quando ele assim o faz está operando sobre a sociedade. (BASTIDE, 1971;
FRANCASTEL, 1990)

Ao utilizar locais não convencionais os agentes destas atividades se apropriam


da urbe, utilizando-a como um suporte, como uma grande tela em branco pronta para ser

81
pintada, e nela exprimir para a população em geral as suas mensagens, bem como
mostrando a toda cidade que eles existem, e que estão circulando por ai. Eles buscam
romper de certa forma com a atitude blasé, já que primeiro eles próprios estão agindo
sobre a cidade e isto ocasiona que fiquem atentos a tudo aquilo que pode se apresentar
ao seu redor desde uma intervenção feita por outros bem como a escolha de um local
para se fazer uma nova intervenção, e no caso do graffiti eles acabam buscando formas
para estimular aqueles que passam cotidianamente pelos trajetos urbanos como nos
relata Paul Klee: Você pega uma parede ali, tem pessoas que tá mal e tal e passa todo
dia ali, e vê aquela parede suja, velha, cheia de lixo, ela acostumada a passar pela
aquela rua e vê a parede daquele jeito, e quando é no outro dia do nada aparece, tá
bem limpinho, a parede tá pintadinha o desenho tá lá feito e uma mensagem de graça
pra ela, pra ela se alegrar, pra ela pensar que nem tudo na vida tá perdido, tem algo
bom para oferecer o trabalho do graffiti.

Os grafiteiros assumem com mais força o discurso da estética da arte, os


pixadores, falam mais de revolta de transgressão, mas sentimento estético também está
presente entre eles. Pixadores também enxergam as suas produções como obras que
possuem um caráter artístico e que influência a percepção das pessoas. Isto porque a
concepção de arte que eles têm esta ligada ao sentimento de prazer, de satisfação do
produtor e do espectador como bem nos mostra MICHELANGELO quando
perguntado se pixação seria arte ele vai responder o seguinte: Para mim arte é tudo
aquilo que lhe proporciona beleza, felicidade, êxtase. Quando eu pixo eu fico a milhão,
e quando olho a pixação vejo beleza, saca? Então pra mim é arte sim. A arte vai estar
nos olhos de quem a vê cara. A gente faz com o sentimento. Na maioria das vezes
sentimento de revolta. Mas todo artista tem, usa um sentimento como inspiração seja na
arte visual, como musical, cênicas e tal. Tá ligado?

Além disso os pixadores e grafiteiros nas suas intervenções vão passar o que
pensam sobre determinado tema, como por exemplo uma pixação que além da Tag e do
nome da Crew vai ter uma mensagem a respeito da lei da ficha limpa, uma poesia, uma
mensagem bíblica ou então,uma mensagem em outro idioma. Estes indivíduos seja por
meio figurativo ou então pela escrita se comunicam diretamente com a sociedade. Como
nos mostra as imagens abaixo:

82
FOTO: PAULO SERGIO
FOTO: PAULO SERGIO

FOTO: PAULO SERGIO

FOTO: PAULO SERGIO

Lefebvre vai nos falar da importância do processo de industrialização nas


cidades, e como estas foram afetadas por este processo, a cidade preexiste à
industrialização, antes da industrialização, antes da indústria as cidades não eram
somente o centro econômico, mas também o político, o cientifico, e o centro cultural da
sociedade onde eram produzidas as mais belas obras - a própria cidade é uma obra neste
período pré-industrial - a cidade e a realidade urbana ficam subordinadas a
industrialização; ela vem desestruturar as estruturas estabelecidas, a indústria se

83
apropria das redes sociais, tem-se uma substituição das obras por produtos e
consequentemente uma transformação das relações sociais, (LEFEBVRE, 1969;
FORTUNA, 2002; SANT’ANNA, 2003). É o surgimento da “sociedade urbana” como
ele nos diz:

... reservaremos o termo “sociedade urbana” à sociedade que nasce da


industrialização. Essas palavras designam, portanto, a sociedade constituída
por esse processo que domina e absorve a produção agrícola. Essa sociedade
urbana só pode ser concebida ao final de um processo no curso do qual
explodem as antigas formas urbanas, herdadas de transformações
descontinuas. (LEFEBVRE, 2004, p. 15)

Neste novo modelo acontece uma modificação importante na sua estrutura


social, a produção de obras cedera espaço para a produção de produtos o que
consequentemente afeta as relações sociais ligadas a estas obras. A obra que possuiu
um valor de uso que é o consumo improdutivo, que não tem em vista nenhuma
vantagem a não ser o prazer próprio é substituída por uma lógica produtiva que tem
em vista apenas o valor de troca que deixa de lado o prazer e passa a se focar apenas
em formas de se obter alguma vantagem (seja esta pecuniária ou não), se voltando para
o consumo produtivo, o que gera uma intensificação na exploração dos indivíduos.

Este processo de exploração ocasionado pela industrialização vai afetar a


criação; a criação de obras (arte, musica, literatura, poesia, etc.) passa a buscar um
valor de troca, ou seja, vai atrás de um retorno financeiro o que faz com que se
predomine o caráter mercadológico na criação.

a produção de produtos substitui a produção de obras e de relações ligadas a


essas obras, notadamente na cidade. Quando a exploração substitui a
opressão, a capacidade criadora desaparece. A própria noção de “criação” se
detém ou degenera miniaturizando-se no “fazer” e na “criatividade” (o “faça-
você-mesmo”, etc.). o que traz argumentos para apoiar uma tese: a cidade e a
realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a
generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao
subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana. (LEFEBVRE, 1969, p. 12)

Os indivíduos possuem diversas necessidades (sejam estas de acumular ou


desperdiçar energias), e entre tantas temos a necessidade de uma atividade criadora, ou
seja, a necessidade de obras, algo que não tenha apego a bens consumíveis ou produtos,
mas sim que esteja ligado ao imaginário, ao simbólico, ao lúdico. Na cidade isto se
84
perde, o espaço urbano que antes incentivava esta liberdade criadora, vai se direcionar
agora apenas para ser consumido, o espaço se torna em uma mercadoria que esta ali
para ser apenas consumida, ele vem perder a “cor, a “alegria” de outros tempos, ela
agora está morta, como nos mostra Lefevbre:

A cidade historicamente formada não vive mais, não é mais apreendida


praticamente. Não é mais um objeto de consumo cultural para os turistas e
para o estetismo, ávidos de espetáculos e do pitoresco. Mesmo para aquêles
que procuram compreendê-la calorosamente, a cidade está morta.
(LEFEBVRE, 1969, p. 98)

Lefebvre nos diz que antes as cidades surgiam do universo do campo, e deste
ultimo é que se erigiam os seus preceitos morais e reguladores, na moderna cidade
industrializada isto é algo que será quebrado; os “valores rurais” da não abundancia, da
penúria, da privação aceita, das proibições, todos estes, serão rompidos e deixados de
lado, entretanto no mesmo bojo destes preceitos também se abandona aquilo que a
sociedade rural possuía de mais valioso que é a Festa.

É em cima disto que ele nos dirá que certos limites e mitos que são provenientes
das sociedades tradicionais podem (e em alguns casos devem) ser deixados escanteados,
mas na visão lefebvriana é preciso urgente ressuscitar a festa, é necessária que na
sociedade urbana seja devolvida esta liberdade, seja reavido o caráter lúdico e
descompromissado da vida que acabou sendo perdido. Para isso é preciso que se levante
a bandeira do direito a cidade.

Um direito no qual a sociedade urbana possa novamente ter uma vida que venha
romper com um cotidiano alienante que prende e suprime a capacidade criativa,
possibilitando uma nova abertura na vida social, onde o valor de uso se faça mais
presente, onde se tenha o direito à obra, a apropriação indiscriminada dos espaços.

O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à


liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O
direito a obra (à atividade participante) e o direito a apropriação (bem distinto
do direito a propriedade) estão implicados no direito à cidade. (LEFEBVRE,
1969, p. 124)

As formas da cidade ao longo dos anos passaram por constantes e intensas


transformações, e estes agentes (pixadores e grafiteiros) atuam hoje em dia sobre ela

85
dando um sentido próprio nesta forma, transformando-a, pois, por exemplo, quando um
pixador ou um graffiteiro faz uma intervenção em um local abandonado, ou maculado
pela ação do tempo, ele segue uma lógica de “reavivamento” deste espaço, de
reinvenção, recriação daquele patrimônio, uma casa antiga em ruínas pode não servir
mais como moradia, mas pode assumir a forma uma nova função no meio urbano, seja
como um meio de transmissão de mensagens, um meio de comunicação, ou uma tela.
Como podemos perceber na imagem abaixo:

FOTO: PAULO SERGIO

Como dito por Lefebvre a cidade neste processo resultante da moderna


industrialização promove uma alteração importante na sua estrutura à perda do seu valor
de obra, pelo valor de troca, deixamos de lado o prazer e passamos a ter em vista as
vantagens que o consumo produtivo pode nos trazer, isto influencia as relações sociais e
consequentemente as formas como nos apropriamos do espaço urbano, todo este espaço
passa a ser agora colonizado pelo consumo e ditado por uma espécie de poder superior.
A circulação se volta para as vitrines, e as mensagens publicitárias que exprimem a
possibilidade de compra dos objetos, e nas quais prendem o olhar, e a atenção das
pessoas, que de tempos em tempos são iludidas com representações de liberdade, onde
qualquer forma de rompimento deste tipo apropriação do espaço é visto como algo
negativo e perigoso, como nos mostra Lefebvre:

Trata-se de uma aparência caricata de apropriação e de reapropriação do


espaço que o poder autoriza quando permite a realização de eventos nas ruas:
carnaval, bailes, festivais folclóricos. Quanto a verdadeira apropriação, a da

86
“manifestação” efetiva, é combatida pelas forças repressivas, que comandam
o silencio e o esquecimento. (LEFEBVRE, p. 31, 2004)

Estes atores não vão apenas ficar sujeitos as formas e abstrações que a cidade
nos impõe, eles não se tornarão meros espectadores daquilo que ocorre ao seu redor,
eles rompem com um cotidiano que de certa forma os aliena, e suprimi a sua capacidade
criativa e comunicadora, como diz Lefebvre eles estabelecem o seu direito a cidade, o
direito a obra como participante desta, o direito a apropriação tomando para si os
espaços urbanos, deixando de ser meros espectadores para se tornarem atores. E de certa
forma esta apropriação é uma característica da cidade, só que acaba sendo esquecida
pelos cidadãos, ela se encontra adormecida esperando para que estes venham a construí-
la e transformá-la, como bem nos fala Henri-Pierre Jeudy:

Os signos se multiplicam e se fazem signos. Apesar da obsessão da


restauração, uma certa desordem visual persiste e convida o cidadão a criar
seus próprios modos de leitura da cidade. Como disse Jean-Luc Nancy,
“somos todos urbanistas sem emprego, todos temos urbanidades sem perfil”.
No ritmo do assombro, de nosso entusiasmo ou de nossa desaprovação
construímos de forma imaginaria uma cidade dentro da cidade, que temos a
oportunidade de ver e morar nela. (JEUDY, p.81, 2005)

Tanto o grafiteiro quanto o pixador vão passear pela cidade observando os


espaços que ele pode se apropriar e tomar “posse”, seu olhar se volta neste instante a
duas coisas, às pessoas na rua transitando e de qual forma elas reagem ou compreendem
este espaço como nos mostra a fala de TARSILA: Não tá denegrindo, não tá sujando a
cidade, ao contrario tá decorando... agora tá cheio de desenho colorido, ai criança
gosta, eu sempre digo assim, quem faz se diverte e quem vê se diverte também.

Estas manifestações (hoje em dia muito mais a pixação do que graffiti) podem
ser vistas como algo vai vir a poluir e sujar o espaço urbano, elas são vistas como algo
que deixa a cidade feia, só que esta também é uma característica inerente a cidade, é o
que da certo “sabor” a cidade, e em muitas ocasiões este signo de feiúra acaba com o
tempo se tornando um símbolo da cidade, a feiúra acaba por fazer do olhar um refém,
ela transforma-se em um prazer estético, como nos mostra Jeudy:

O que é decretado publicamente signo de feiúra, ao adquirir valor


patrimonial, impõe-se algum tempo mais tarde como um símbolo da cidade...
As maneiras de apreensão da cidade têm a estranha faculdade de tirar

87
proveito tanto do que satisfaz os gostos dos cidadãos quanto do que suscita
sua repulsa. A feiúra faz do olhar um refém. Não se trata de um exercício
coletivo de relativismo consensual, que consiste em achar que o que agrada a
alguns pode desagradar a outros. A feiúra, valendo por si mesma, passa a
constituir um prazer estético. (JEUDY, p. 82, 2005)

As duas formas de intervenção urbana vão (re)pensar como os espaços dentro da


cidade – sejam eles quais forem, desde os mais óbvios como os muros até os mais
improváveis como hidrantes e “pico” de prédios – serão (re)utilizados como locais onde
é possível se fazer algo “novo” e diferente, eles ao romper com os parâmetros impostos,
se apropriam fazendo da urbe uma “extensão” de si próprios. Nas cidades
contemporâneas cada vez mais se tem a expansão da lógica de divisão social feita por
meio de uma barreira física, as muralhas que existiam na cidade medieval para proteger
toda a cidade, ganharam novas proporções, agora não servem como defesa da cidade,
mas sim como defesa da propriedade individual dos cidadãos citadinos. E cada vez mais
estas barreiras têm ganhado proporções dignas de proteger cidades medievais, além de
outros elementos (cercas, câmeras, sensores de movimento, etc.) que se juntam aos
muros na “defesa” da propriedade privada, é o que Teresa Caldeira (1997) vai
denominar de “enclaves fortificados”.

Estes enclaves vêm a ser espaços privados, e que são de uso restrito, nem todo
mundo tem acesso aos seus interiores, a sua utilização é monitorada para residência,
consumo, lazer ou trabalho, eles são justificados por causa do sentimento de medo da
violência, ou seja, como uma forma de proteção, onde as classes médias e altas se
situam de forma confortável e segura dentro destes espaços, enquanto a rua, a esfera
pública é destinada as classes menos abastadas. E isto acaba por ocasionar em uma
mudança na estrutura social, pois eles isolam as classes sociais uma das outras, no
decorrer histórico sempre existiram barreiras que diferenciavam as classes, mas estas
(em sua maioria) eram principalmente simbólicas e não físicas, ou seja, elas podiam a
todo instante serem rompidas, modificadas, extintas, atualmente com estes novos
padrões de moradia as classes mais altas se isolam completamente das mais baixas,
deixando intransponível o abismo entre elas. Como bem salienta Caldeira:

Entre os vários elementos em transformação na cidade, os novos enclaves


fortificados para moradia, trabalho e consumo das classes médias e altas são
os que estão provocando as mais profundas mudanças. Apesar de terem
diversos usos (alguns para moradia, outros para trabalho, lazer ou consumo;

88
alguns mais restritos outros mais abertos), todos os tipos de enclaves
fortificados mantêm as mesmas características básicas. São propriedades
privadas para uso coletivo; são fisicamente isolados, seja por muros, espaços
vazios ou outros recursos arquitetônicos; estão voltados para dentro, e não
para a rua; são controlados por guardas armados e sistemas de segurança
privada que põem em prática regras de admissão e exclusão. Mais ainda, os
enclaves constituem arranjos muito flexíveis. Em virtude de seu tamanho, das
novas tecnologias de comunicação, da nova organização do trabalho e dos
sistemas de segurança, os enclaves de escritório e de comércio, por exemplo,
concentram tudo de que precisam dentro de um espaço privado e autônomo e
podem se localizar em quase qualquer parte, independentemente de seus
arredores.(CALDEIRA, p. 158, 1997)

Pixadores e graffiteiros- independente da classe social de origem – vão tomar


para si estes muros, eles desafiam os proprietários, o Estado, e todos que defendem a
propriedade privada, como é o caso de uma pixação feita no bairro do José Américo
onde se tem as seguintes inscrições: PITU35, Se apagar eu volto. Eh nois.

FOTO: PAULO SERGIO

Além desta “apropriação” da propriedade alheia outra coisa que os atraem é o


perigo, o risco de ser apanhado é algo que sempre se faz presente, mas é também um
dos motivadores destes grupos. O perigo é algo que na sociedade atual serve como uma
forma de contemplação pessoal dos indivíduos, muitos atores buscam atividades

35
PITU é a tag do pixador.

89
consideradas de risco como uma maneira de saírem da mesmice, e marasmo que se faz
presente no cotidiano, como bem afirma Le Breton:
Se for encarado como um confronto deliberado a si mesmo, o risco deixa de
ser um elemento nefasto da existência, uma ameaça insidiosa e má da qual o
homem precisa fugir. Não é mais fonte de medo, de angústia, mas um
ingrediente para o desenvolvimento de si. Ele é, então, o fato de uma paixão
singular, de um gozo que se transforma em modo de vida. (LE BRETON,
p.37, 2010)

Este autor irá direcionar a sua analise para prática de atividades físicas e
desportivas de risco, entretanto a idéia que ele atribui a estas atividades pode se
expandir para outras atividades presentes na sociedade, é caso da pixação, que do
mesmo modo vai ter no risco de se fazer o proibido, de ser pego, a sua essência, é a
consciência do perigo, de se saber que esta exercendo uma atividade “proibida” que vai
mover o pixador, é isto que faz dele um transgressor. Alheio ao restante da sociedade,
estes agentes desfrutam do prazer que o ato proibido lhes concede, eles evocam uma
transgressão, mas esta é realizada em plena consciência do risco que correm. Na
contemporaneidade muitos agentes estão em busca de sensações, e emoções que sirvam
como substituto dos sentidos, o real vai se colocar no lugar do simbólico; a amplitude
dos sentimentos, a mistura de medo e prazer, que distinguem certas atividades, vai
instituir uma via de acesso, a uma versão mais propicia de si mesmo (LE BRETON,
2010). Como bem nos mostra LEONARDO DA VINCI: olha a loucura, vai ali tu faz
na parede daquele posto e tal aí eu digo ta massa, aí eu fiz e o bicho fez o dele, tá
massa, ficou legal, ficou legal, agora tu vai fazer sabe aonde, vai fazer lá na casa de
seu Mauro, seu Mauro era um coroa que morava lá na rua da minha casa, a gente
pegou e pá, ele me deu o jet sacudi lá fora, pulei o muro do cara e botei lá na parede do
beco PINGO, loucura do carai até porque ali ninguém ia vê, né... , ai deu aquela
emoção doida né, assim de ser pego lá, porque tava dentro da casa do cara, o bicho um
coroa podia até dar um tiro no cara ou coisa assim.
No caso do graffiti como é uma manifestação que acabou por se popularizar, e
hoje em dia se tem uma aceitação muito maior da sociedade, a questão referente ao risco
diminuiu bastante, mas isto era algo que se fazia presente antigamente como relata Paul
Klee: Antigamente dava muito rolo com a policia, oxe antigamente a gente saia pra
pintar só podia ser a noite, chegava a noite era aquela adrenalina, não podia vê uma
viatura da policia que encostava na parede e mandava parar o trabalho.

90
Mesmo assim esta manifestação não deixou de ter as características de
apropriação e risco de antes, pois, em muitos momentos as artes são feitas sem previa
autorização dos proprietários: Para escolher o canto, velho, a gente... a gente procura,
as vezes rola uma autorização, as vezes o lugar tá abandonado, ou tá pixado, alguma
coisa, ai a gente vai e bota na tora. (Fala de PICASSO).
Gostaria agora de deixar um pouco de lado o graffiti e focar e uma característica
peculiar da pixação, que é a sua forma de associação; jovens que possuem uma
habilidade diferenciada com algum instrumento musical, ou em algum esporte, ou então
aqueles que são bons alunos na escola tendem a se juntarem em grupos onde os seus
integrantes possuem gostos muito semelhantes, as formas de associativismo juvenil na
maioria dos casos possuem objetivos primários de interação, que se funda em valores
nos quais temos um conjunto de praticas que se revertem no prestigio de seus
praticantes, e que servem como um meio de reforçar os laços de solidariedade. Aqueles
que são bons alunos se fecham em grupos que são apelidados de “nerds”, este vão
provavelmente possuir um interesse acadêmico extracurricular semelhante, e assim
participarão de eventos “nerds” onde vão entrar em contato e trocar idéias com outros
indivíduos que possuem os mesmo gostos. Outro exemplo é caso de jovens que gostam
de jogar futebol que irão atrás de combinarem jogos, as famosas “peladas”, onde nestas
é possível estabelecer contato com outros jogadores. (SOUZA, 2007)
No caso dos pixadores isto também irá acontecer, a coesão entre eles acaba por
se reforçar por causa da clandestinidade, da transgressão, assim eles constituem uma
rede de relacionamentos própria, e esta na maioria das vezes se inicia no âmbito escolar,
onde são feitos os primeiros contatos, com os mais velhos e também as primeiras
intervenções. Eles iniciam nas carteiras, as paredes, portas, e banheiros, do âmbito
escolar eles passam para as ruas menos movimentadas, para depois buscarem locais de
maior visibilidade e de difícil acesso como grandes avenidas e marquises. (SOUZA,
2007)
É bom salientar que hoje em dia a internet assumiu um papel importante no que
diz respeito às formas de associativismo, por meio de blogs, ou sites de relacionamentos
tem contribuído para que se formem e se fortaleçam formas de associativismo. No caso
da pixação estas ferramentas têm contribuído de forma interessante, pois elas funcionam
como um espaço aberto que complementa tudo o que se é produzido na rua, é como
uma arena livre onde circulam informações e se estabelecem fóruns. Atualmente as
comunidades virtuais possuem um papel importante nas maneiras como ocorre a

91
sociabilidade, e servem como uma ferramenta que expande as redes de pixadores, pois
por meio delas é possível entrar em contato, e observar o que está sendo feito no próprio
ou em outros grupos, sejam estes da mesma cidade ou Estado, ou não, assim estas
comunidades contribuem para a expansão das redes, e conseqüentemente ajudam que se
propague a própria pixação.
No que diz respeito à manifestação estudada neste trabalho, se percebe uma
peculiaridade que acaba passando despercebida por muitos, quando iniciei esta pesquisa
tinha em vista observar como o fenômeno da pichação ocorre, o que pude perceber é
que existe uma diferença que não só se faz presente na forma de escrita, mas ela se
materializa também na forma como acontece a manifestação, ou seja, o que estou
dizendo é que existe uma diferença entre a PICHAÇÃO, e a PIXAÇÃO.
A pichação (com CH) se faz presente na sociedade há muitos anos, ela é uma
forma de comunicação utilizada por diversos grupos presentes na sociedade como
aqueles que se fazem presentes em manifestações coletivas, partidos políticos, entre
outros; esta manifestação é na maioria das vezes feita como algo pontual, e especifico,
por exemplo, no caso de uma estudante assassinada na cidade de João Pessoa, a frente
do local onde o acusado estudava foi pichada com mensagens que pediam justiça e o
chamavam de assassino, mais recentemente o valor da passagem de ônibus aumentou na
capital paraibana uma das formas de protesto encontrada pelos manifestantes contrários
foi inscrever nos muros que isso era um roubo. Assim desta forma se observa que na
pichação existe uma coesão apenas por causa de determinado fim, estes pichadores não
chegam a formar um grupo coeso de interventores urbanos, eles possuem outros fins
que se valem da pratica desta manifestação como uma ferramenta para se chegar a este
fim.
Já quando falamos da pixação (com X) se observa que é um grupo muito mais
coeso, onde existem laços muito mais estreitos entre os membros pertencentes aos
grupos, a forma de associações deles faz lembrar a gemeinnchft de Tonnies, onde na
vida social de conjunto prevalecem laços de afinidade, eles se entendem convivendo em
conjunto e ordenando de forma comum as suas vidas, as formas como os pixadores aqui
em João Pessoa denominam os grupos é chamando-os de família, eles estabelecem uma
forma de solidariedade forte, Machado da Silva (apud SOUZA, 1997) vai nos falar em
uma “sociabilidade delinquente”, que se refere ao fato que os resultados obtidos por
meio de uma atividade delinquente vão ser determinantes na formação de laços e na
reputação social do individuo, para ele esta maneira de sociabilidade os laços são

92
efêmeros e as relações são transitórias, entretanto no caso dos pixadores esta segunda
parte não se fazem presentes, eles criam laços fortes e permanentes entre os seus pares
como nos mostra RAFAEL: Pra mim é um estilo de vida, vício que você tenta parar e
não consegue, e quando você para volta mais forte ainda. A pixação apaga, mais as
amizades que você consegue é para sempre e são amigos de verdade que você às vezes
confia nele mais que seu familiares, porque da porta pra rua é publico, é do POVO.
É dentro do contexto urbano que tanto os indivíduos praticantes da pixação,
quanto os do graffiti vão se comunicarem entre si, e entre os restante da sociedade, é por
meio dos muros alheios que eles transmitem as suas mensagens para toda a sociedade
pessoense, seja como é no caso do graffiti por meio da imagem figurativa, ou seja, por
meio de uma rabisco mais rústico como é caso da pixação, eles buscam formas de
democratizar, e de expansão da arte e dos meios de comunicação na cidade, é um
método informal que não se prende a regras, ou estilos que são previamente
estabelecidos pelo mercado, ou por alguma “autoridade competente”. Usando a
definição de Canevacci para certos grupos, pixadores e grafiteiros vão se movimentar de
maneira “desordenada” pela urbe, já que não é possível dizer com certeza onde eles
estão e se situam e quais os locais em que irão intervir. Se apropriando, renovando, ou
então criando novos espaços comunicacionais, eles ao mesmo tempo criam e recriam
(de forma conflitiva) códigos, símbolos e modos de enxergar o que se passa ao nosso
redor. Existe todo um rompimento com os significados estáticos das coisas, são
produzidos novos significados muito mais “livres” e “fuidos”. Assim se percebe que os
pixadores e o grafiteiros produzem realmente uma cultura extrema na cidade de João
Pessoa.

As paredes servem de suporte para que eles se expressem, e transmitam o que


sentem, e o que anseiam, nos passando uma mensagem sobre algo, colocando para fora
os seus desejos, angustias e sentimentos. Como é possível perceber tanto na fala do
grafiteiro DUCHAMP: são pinturas deixadas na parede que transmite mensagens e
que é arte também...são artes gráficas em parede feitas por artistas que expressam o
que eles sentem, a mensagem que ele quer passar.

Além de expor todo um sentimento eles querem provar a sua existência, e ser
reconhecidos pelo restante da sociedade como nos mostra de maneira enfática o pixador
MICHELANGELO: pra mim pixador é o cara que enxerga na pixaçao a virtude de
uma vida sem fronteiras sem regra, é a uma utopia, é paz, é tranquilidade ta ligado? É

93
adrenalina, satisfação, prazer. Se você for procurar isso tudo junto em algum lugar eu
duvido. Por isso me promove uma utopia. Me sinto bem. O pichador é aquele que
também protesta seus direitos e seus sentimentos. Se eu to com raiva vou pro muro e
escrachar alguém. Se eu to com raiva do governo, eu vou lá e acabo com a cara deles.
Só isso quem sabe eles possam NOS LER!.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas sociedades ocidentais modernas o processo de urbanização tem sido


acompanhado pelo florescimento de grupos e culturas urbanas, que demarcam
identidades e práticas inovadoras de comportamento e de idéias.

A proposta deste trabalho foi a de analisar algumas destas culturas que vem
acompanhando o recente processo de urbanização na cidade de João Pessoa.

Ela vem passando por um rápido crescimento - principalmente nos últimos 20


anos, configurando-se um expressivo processo de urbanização. E ao lado deste
processo, emergem novas formas de relações econômicas, sociais, culturais e artísticas.
Têm surgido novas maneiras de se relacionar com outros indivíduos, com a sociedade
em geral, e também com próprio espaço urbano que nos cerca. Certos grupos e
manifestações que anteriormente não estavam presentes ou então estavam em um estado
latente começam a ganhar destaque.

Na Paraíba foi a partir do fim década de 80 e inicio da década de 90 que


começam a aparecer certas produções que podem ser interpretadas como os embriões
das pixações e grafittis atuais. Neste primeiro momento os seus agentes vão promover
estas atividades de forma individual e aleatória, poucos grupos iniciam pequenas
articulações e passam a desenvolver suas atividades apenas nos próprios bairros onde
moram. Nos anos 2000 esta atividade se expande, diversos grupos surgem (alguns de
forma temporária outros de forma mais permanente) atuando por toda a cidade. E hoje
em dia é muito comum encontrar nos trajetos percorridos da vida cotidiana alguma
destas formas de intervenção.

Os pixadores e os grafiteiros surgem como autores não convocados, não


autorizados, cujas intervenções modificam os sentidos usuais de equipamentos e
localidades urbanas. Ambos produzem novas linguagens, outras significações do
espaço, outro modo de ver a arte, de pensar como se comunicar dentro do cenário
urbano. São formas distintas de se relacionar com o mundo e com as pessoas, ou seja,
pruduzem outro universo de significados e de valores com suas regras próprias. Estes
movimentos expressam novos conflitos e inovam os fluxos simbólicos e
comunicacionais.

95
A pixação e o graffiti vão estar se inserindo de maneira “desordenada”, se
propondo a inovar as formas de comunicação, de apropriação, de perceber o que é ou
não arte deixando de lado certos códigos estáticos. Produzindo um significado próprio
destes códigos, ou seja, produzindo uma nova cultura, uma cultura extrema que
transforma significados estáticos, em significados móveis.

Estas manifestações possuem afinidades muito grandes, devido a sua gênese


muitas vezes elas são vistas como sendo uma coisa só. Ambas se valem de anonimato
relativo já que as intervenções são assinadas por pseudônimos que são chamados de
Tags (raramente se assina o nome original). A utilização de outro nome é uma maneira
de não ser descoberto pelo poder público e também pelos proprietários sobre a autoria
da “obra”. Mas entre eles a autoria é reconhecida, já que eles partilham do mesmo
universo de significados.

Existem momentos de tensão e conflito entre estas duas manifestações (até


porque de certa forma elas disputam espaços da cidade). Seus agentes vão divergir em
relação a prática da outra atividade, temos grafiteiros a favor da prática da pixação, mas
também encontramos indivíduos que assumem um discurso social de rejeição à pixação,
vista como sinônimo de vandalismo. Do outro lado também encontramos os que
enxergam o graffiti como algo negativo, que assume uma posição preconceituosa em
relação a seus adeptos, assim como encontramos os pixadores que admiram o graffiti e
vêem neste uma espécie de evolução, para a qual podem migrar, e podem vir até mesmo
a ganhar algum beneficio econômico.

Existe um processo de aceitação, de institucionalização do graffiti, onde este


tem apoio cada vez maior de setores do Estado e da iniciativa privada. Esta aceitação
auxilia na obtenção do material. São também comuns a promoção de oficinas de
graffiti em instituições de caráter educativo, que acabam por passar uma imagem de
“legalidade” desta manifestação. Na contramão, isto gera uma visão preconceituosa da
pixação que começa a ser combatida pela sua própria “arte irmã”. Em fevereiro foi
aprovada e sancionada uma lei municipal de combate a prática da pixação. Esta mesma
lei incentiva que seja usado o graffiti como um remédio no combate a pixação. Ao lado
do processo onde se tem uma “legalização” e “aceitação” do graffiti, o oposto se dá com
a pixação que cada vez mais, passa a ser encarada como um ato de vandalismo,

96
sofrendo uma rejeição por boa parte da população que a encara como algo negativo, que
denigre e suja o espaço urbano.

Os indivíduos praticantes tanto da pixação como os do graffiti vão se comunicar


entre si e com a sociedade, é por meio de suportes não convencionais, alheios, que eles
transmitem as suas mensagens para toda a sociedade pessoense. Seja por meio da
imagem figurativa, como no grafitti, ou por meio de um rabisco mais rústico como no
caso da pixação, eles buscam formas de democratizar e expandir a arte e os meios de
comunicação na cidade, utilizando métodos informais que não se prendem a regras ou
estilos previamente estabelecidos pelo mercado ou por alguma “autoridade
competente”. É por meio de suas intervenções que eles expressam seus sentimentos,
suas reivindicações, é por meio dos “muros” que eles se mostram para toda sociedade
pessoense afirmando sua presença, suas demandas e revoltas e suas compreensões
particulares da beleza da cidade.

97
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101
APÊNDICE – FOTOS

GRAFFITI

FOTO: PAULO SERGIO

PIXAÇÃO

FOTO: PAULO SERGIO

102
GRAFFITI GIGABROW

FOTO: PAULO SERGIO

GRAFFITI SHIKO

FOTO: PAULO SERGIO

103
GRAFFITI MUMIA

FOTO: PAULO SERGIO

AEROGRAFIA

FOTO: PAULO SERGIO

104
PIXAÇÃO COM IMAGEM

FOTO: PAULO SERGIO

GRAFFITI COM LETRA

FOTO: PAULO SERGIO

105
VÁRIAS PIXAÇÕES NO MESMO ESPAÇO

FOTO: PAULO SERGIO

PIXAÇÃO E BOMBER

FOTO: PAULO SERGIO

106
PIXAÇÃO COM MENSAGEM

FOTO: PAULO SERGIO

PICHAÇÃO COM CH

FOTO: PAULO SERGIO

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