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O realismo sério e quotidiano na literatura do exílio republicano espanhol

Karina Arruda Cruz (USP)

Este trabalho pretende agregar a análise desenvolvida por Auerbach, no

Mimesis, sobretudo no capítulo “Na mansão de La Mole”, fundamental para a

discussão sobre o realismo moderno, a algumas das perspectivas do exílio (literário)

republicano espanhol de 1939, a saber: 1) a perspectiva historicista de tal literatura,

conformando seriamente temas da sociedade contemporânea; 2) a necessidade de

adequar a representação da realidade à mudança verificável no período do pós-

guerra, logo a “tensão entre representação e catástrofe” (MARCO, 2004, p. 52); 3) a

relação entre a literatura do exílio republicano da Espanha Peregrina, no México, e o

conceito de realismo moderno segundo Auerbach.

Até a publicação do romance de Stendhal Le Rouge et le Noir (1830), as

condições sociais e políticas da História contemporânea não haviam sido expostas na

tessitura do texto literário “de uma forma tão exata e real” (AUERBACH, 2004, p. 408),

de modo que a dimensão do real-quotidiano, o domínio no qual os homens vivem,

constitui um procedimento estético na formação do realismo moderno. O grupo de

escritores no exílio dá notícias, documenta na/ pela literatura o mundo em que vive.

Nesse aspecto, cabe lembrar que a expressão literatura de testemunho “nos últimos

anos [...] remete sempre a uma relação entre literatura e violência” (MARCO, 2004, p.

45).

Auerbach constata desde Stendhal e Balzac a consideração séria e

problemática da vida real-quotidiana de personagens provindas de camadas baixa e

média, o que representa uma ruptura na regra de estilos clássica, logo uma mistura de

estilos. A reprodução do modo de vida de caracteres da burguesia provinciana vivendo

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no domínio do quotidiano, este circunscrito numa época determinada, constituem

assim “as duas características decisivas do realismo moderno” (AUERBACH, 2004, p.

435). Na literatura de testemunho é a voz do outro, do subalterno dissidente que narra

o factual, apresentando um contraponto à versão hegemônica da História oficial

(MARCO, 2004, p. 51).

Posto isso, a literatura produzida pela Espanha Peregrina, com atenção ao

grupo de exilados republicanos que se fixou no México e colaborou com o periódico

mexicano Cuadernos Americanos, associa-se a condições sociais concretas,

evidenciadas com a emigração política provocada pela guerra de 1936. Assim, o

historicismo influi na literatura do exílio espanhol de tal forma que cabe ressaltar o seu

papel, uma vez que para Auerbach consiste no “fundamento estético para o realismo

moderno” (AUERBACH, 2004, p. 395). Na historiografia da literatura espanhola,

observa-se entre 1920 e 1930 o desenrolar do romance sociopolítico, que na esteira

do novo realismo opunha burguesia e operariado. Com a literatura do exílio, a “visão

da realidade” pressupõe a luta entre fascistas e republicanos.

Dado o cenário de privação e arbitrariedade, de violência, desse período

do século XX, discutem-se “as possibilidades de a palavra representar a realidade”

(MARCO, 2004, p. 45). A literatura como arte mimética num período de extrema

ebulição social assume um compromisso político e ainda o compromisso de não se

portar como modo falso de reprodução da vida humana. Entretanto, enfrenta os

entraves de expor tal realidade.

Steiner considera a língua um universo de civilização. No setor da literatura

espanhola em perspectiva, os escritores deparam-se com um cenário de miséria

humana, cabendo-lhes através da língua a tentativa de compreender a barbárie. A

relação escritor-exílio-Estados totalitários é fundamental nesse aspecto, de modo que

não se possa negligenciar ou prescindir do registro histórico se pensarmos no teor de

realismo sério a que se aspira.

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Assim como qualquer língua pode promover “um sentido de comunhão”

(STEINER, 1988, p. 133), armazena também o que Steiner denomina “reservatórios de

veneno e de analfabetismo moral” (STEINER, 1988, p. 137). Num dos contos

publicados em Cuadernos Americanos, Max Aub descreve uma cena em que dois

prisioneiros dos campos de concentração são obrigados a esvaziar latrinas com as

mãos e a boca; tal cena é apresentada ao leitor de forma imediata. No capítulo

“Germinie Lacerteux”, Auerbach adverte que “não há nenhuma forma de desgraça que

seja demasiado baixa para ser representada sic literariamente” (AUERBACH, 2004, p.

445).

Steiner observa ainda que apenas os dissidentes, como os exilados

judeus, “escaparam à prussianização da linguagem” (STEINER, 1988, p. 133),

responsável pela conversão do alemão numa língua utilitária. Nota portanto que,

paralelamente, ao milagre de reconstrução material da Alemanha do pós-guerra, estão

a morte do espírito, a atrofia do pensamento alemão, salvo, vale frisar, em relação às

comunidades de peregrinos. Para ele, “uma língua em que se pode escrever o Horst

Wessel Lied está pronta para dotar o inferno de um idioma pátrio” (STEINER, 1988, p.

137). O discurso humano é assim infiltrado por uma realidade aterrorizante, além de

corrompido. A linguagem passa a ser uma arma de manipulação política que opera em

níveis de realidade porque a fraude, o falseio pode ocorrer sempre que for conveniente

aos dirigentes. Já o grupo de exilados espanhóis dedica-se a uma literatura de

engajamento, convertendo-a não só num instrumento político, mas também de

resistência, de resgate à vida, à condição humana. Logo, “a sociedade de seu tempo

torna-se um objeto e um problema” (AUERBACH, 2004, p. 410) para o grupo, assim

como em Stendhal.

O franquismo expulsa do país tais dissidentes que, por sua vez, mantêm o

vínculo com a coletividade espanhola por meio da sua produção intelectual. Às vezes,

dada a distância no tempo e no espaço, há distorções na representação da Espanha,

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entretanto, as que se verificam aqui são de outra natureza: alguns exilados

irremediavelmente vinculados ao passado nutrem imagens nem sempre fidedignas

acerca da realidade espanhola. Llorens observa que uma das constantes na vida

deles é “la esperanza del retorno a la patria” (LLORENS, 2006, p. 106), “la única

esperanza que lo[s] sostiene en la vida” (LLORENS, 2006, p. 110). Uma perda

irreparável, “um sentimento de alienação constante” (SAID, 2003, p. 48) seria

contrabalançado por tal promessa, espera. Essa obsessão pode selecionar uma

modalidade de observação do real pouco mais distanciada da realidade dada, pois,

pautada na expectativa de regresso a uma Espanha sujeita a um processo histórico-

social e político intenso.

A força, portanto, que mantém esse vínculo afetivo é a mesma que projeta

uma pátria idealizada, exercendo sobre a vida do exilado uma influência, muitas

vezes, maior que a exercida sobre a vida dos espanhóis que continuaram vivendo na

Espanha peninsular, assim, “la patria suele ser para el desterrado la imagen de todos

los bienes” (LLORENS, 2006, p. 122), de forma que essa idealização provoque

equívocos e desvios. Esse grupo, que no México constitui uma comunidade de cultura,

elabora através da literatura a experiência de estar no exílio. Todavia, cabe mencionar

que o exílio não se transforma num problema para todos os escritores exilados e ainda

acrescentar que o grupo republicano relativiza a importância de uma literatura não

fundamentada na História contemporânea.

Em outro ensaio da revista intitulado “Una faceta de nuestro tiempo”, Max

Aub defende que não haveria outra literatura possível senão a dedicada a refletir o

período funesto de extrema instabilidade histórica e de desabrigo relativo aos direitos

que resguardariam a condição humana, época em que “perdida la sensibilidad por la

repetición del mal, [la gente] acaba por aceptar estas situaciones de hecho como

normales” (AUB, 1952, p. 75). Assim, o grupo de exilados republicanos espanhóis

assume o compromisso de relatar os problemas relativos ao período histórico em

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questão, logo a literatura desnuda tal realidade. Além disso, a linguagem tampouco é

trabalhada com vistas a subterfúgios políticos, como no caso dos representantes dos

regimes fascistas.

O leitor dessa literatura identifica nela uma atmosfera impregnada de

nódulos de tal processo sociohistórico e político, cujas circunstâncias constituem o

substrato literário. Está claro que algum leitor poderia, seguindo outra abordagem, não

considerar o contexto social, entretanto, é necessário destacar que essa literatura não

existiria caso as condições de produção fossem outras, sobretudo, porque nesse

momento há o objetivo consciente de expor os problemas, as inquietudes, o total

desrespeito da Espanha oficial em relação aos espanhóis. Bastaria lembrar, por

exemplo, que se trata da produção da Espanha Peregrina.

Esse grupo, portanto, “dedica-se às condições reais da sua época”

(AUERBACH, 2004, p. 414), esforçando-se para não abdicar de uma experiência

cultural, coletiva, capaz de indicar uma consciência de época. Assim como para o

filólogo alemão, o importante para nós não é discutir a realidade verdadeira, pois o

nosso objetivo é examinar a forma como os problemas da época são trabalhados

através da expressão lingüística, como a realidade é criada a partir da consciência

histórica dos escritores envolvidos. O discurso literário, sustentado por uma retórica da

descontinuidade, revela a relação desses exilados espanhóis com a realidade dada,

tal relação é identitária pois vincula o grupo a uma problematização comum. Nesse

aspecto, tocamos em um dos pontos mais importantes do Mimesis que é o de

investigar a imagem que os homens fazem de si mesmos pela/ na literatura, sendo

acompanhado tal processo pelo devir das forças históricas.

Dessa forma, o capítulo reservado a Montaigne referente à condição

humana contribui para elucidar as implicações desse movimento de forças históricas

sobre a literatura, uma vez que, segundo o filósofo, como somos parte do mundo, que

está em constante mudança, modificamo-nos também de maneira a ser necessário

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que adaptemos a representação à mudança. Assim, a produção cultural tende a refletir

o decurso, a constante evolução a qual estamos submetidos através das modificações

que a nossa consciência histórica sofre, alterando portanto as formas de apreensão e

reprodução da vida humana. Nesse sentido, é importante ressaltar que Auerbach

considera que os limites da consciência histórica constituem os limites do realismo e

que, vale reiterar, o realismo será tão mais real quanto mais penetrar no domínio do

sério e do quotidiano.

O homem como ser social vive num momento histórico determinado, sendo

a literatura tributária em alguma medida das condições de época que penetram na

consciência do escritor, entendido aqui como uma confluência de forças sociais. O

grupo de escritores referido concebe a sua obra como um inevitável meio de reflexão

no âmbito da estética dos problemas contemporâneos, que o desgarram de seu solo

pátrio, por isso, devido à relação dele com o mundo, o mesmo atribui à literatura a

função de pensar a condição humana, os problemas da sociedade contemporânea.

A instabilidade, a fluidez que subjaz o decurso histórico obriga, de fato, a

literatura a revisar, a modificar os seus procedimentos de exposição da realidade,

dadas as modificações que os homens sofrem e experimentam, de forma geral e

própria, tal como observa Montaigne. Assim, o objetivo de Auerbach no Mimesis, ou

seja, o de propor “uma história do realismo ocidental como expressão das

transformações nas visões que os homens fazem de si mesmos”1 permite uma

contribuição extremamente rentável no campo dos estudos literários, permitindo-nos

através de uma análise diacrônica entender com maior clareza desdobramentos na

expressão do realismo sério moderno, tal como é o caso da literatura do exílio

republicano espanhol de 1939.

Referências

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AUB, Max. Una faceta de nuestro tiempo. Cuadernos Americanos, n. 1, 1952.

AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 5.

ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.

LLORENS, Vicente. Estudios y ensayos sobre el exilio republicano de 1939. Sevilla:

Renacimiento Biblioteca del Exilio, 2006.

MARCO, Valeria De. A literatura de testemunho e a violência de Estado. Lua Nova:

Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 62, 2004.

SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio. In: Reflexões sobre o exílio. São Paulo:

Companhia das Letras, 2003.

STEINER, George. O milagre vazio. In: Linguagem e silêncio: ensaios sobre a crise da

palavra. Tradução de G. Stuart e F. Rajabally. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

Nota

1
Impressa na sobrecapa em edições anteriores.

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