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30 | 2017 :
Número 30
Sinteses
Résumés
Português Français English
Se existe uma região mundial na qual o frontier pertence às grandes narrativas espaço-
temporais e assim às disciplinas importantes de pesquisa histórica, de ciências sociais e
sobretudo de geografia, são sem dúvida as Américas. Até porque, a exploração através da
colonização após a independência dos países da América Latina, sobretudo na Argentina, no
Chile, no Paraguai e também no Brasil tornou-se o instrumento essencial da povoação,
colonização, segurança geoestratégica e valorização econômica dos supostos espaços vazios de
assentamentos e de população do hinterland. Enquanto que o foco regional do frontier agrário
brasileiro concentrava-se no Sul até meados do séc. XX, as regiões pioneiras deslocaram-se em
seguida e sucessivamente até as extensas periferias do Centro-Oeste e da Amazônia. Hoje está
claro que o mito original das “historias bem sucedidas” do frontier não mais pode ser
reproduzido sob as atuais condições gerais contraditórias de globalização e global change, de
discursos de sustentabilidade e de desenvolvimento regional, entre lógicas de mercado e
governança de meio ambiente. Neste contexto, os três estudos de caso deste trabalho
representam fases diferentes de desenvolvimento de frontier e do processo de deslocamento
das regiões pioneiras brasileiras. Condições gerais individuais e vias diferentes de
desenvolvimentos marcam o seu processo espaço-temporal, deixando, no entanto, reconhecer
ligações com a história migratória dos atores e suas redes interregionais, existentes até hoje. O
objetivo é analisar as condições gerais dos frontiers no sentido do conceito do ciclo de vida e
avaliar, sob perspectiva histórica, as possibilidades de mudanças do desenvolvimento regional.
S'il y a des régions du monde où la frontière appartient aux grands récits spatio-temporels et
donc aux disciplines importantes de la recherche historique, aux sciences sociales et surtout à
la géographie, ce sont sans aucun doute les Amériques. Ne serait-ce que parce que
l'exploitation, par la colonisation, après l'indépendance des pays d'Amérique latine,
notamment l'Argentine, le Chili, le Paraguay et le Brésil est devenue l'outil indispensable
d'occupation, colonisation, sécurité géostratégique et mise en valeur économique des espaces
supposés vides et de peuplement de l'arrière-pays. Bien que l'avancée de la frontière agricole
brésilienne se soit concentrée dans le Sud jusqu'au milieu du siècle. XX, les régions pionnières
se sont ensuite progressivement déplacées jusqu'aux vastes étendues du Centre-Ouest et de
l'Amazonie. Il est clair qu'aujourd'hui le mythe d'origine des «histoires de succès» de la
frontière ne peut plus être rejoué dans les actuelles conditions contradictoires entre la
mondialisation et le changement global, les discours de durabilité et de développement
régional, entre les principes du marché et de gouvernance de l'environnement. Dans ce
contexte, les trois études de cas de ce travail représentent différentes étapes du processus de
développement de la frontière et de déplacement des régions pionnières brésiliennes. Des
conditions générales individualisées et différents modes de développements marquent leur
processus spatio-temporel, laissant toutefois apparaître des liens avec l'histoire migratoire des
acteurs et de leurs réseaux interrégionaux, existants jusqu'à aujourd'hui. L'objectif est
d'analyser les conditions générales des frontières au sens de cycle de vie et d'évaluer, dans une
perspective historique, les possibilités de changement du développement régional.
If there exists a world region, where the frontier constitutes one of the large socio-temporal
narratives and hence also an important field of inquiry in history, social sciences and
particularly geography, then it is the Americas. This holds particularly true inasmuch as the
incorporation of land through settler colonisation after Latin American countries’
independence – mainly in Argentina, Chile, Paraguay and Brazil – became one of the key
instruments for opening up and developing areas, for geostrategic securing, and for economic
valorisation of hinterland spaces discursively framed as free of settlements and populations.
Until the mid-20th century the regional focus of Brazilian agro- frontiers had been on
Southern Brazil. Afterwards, frontier regions gradually moved towards the wide peripheries of
the Middle West and the Amazon region. Today it becomes clear that the founding myth of
frontier “success stories” is not reproducible under the contradictory framework conditions of
globalization and global change, of sustainability and regional development discourses, or
between market logics and environmental governance. The three case studies analysed in this
contribution represent different phases of frontier development and of the spatial shift in
Brazilian frontier regions. Individual framework conditions and different development paths
mark their socio-spatial development; nevertheless, connections are visible in what concerns
the migration history of actors and the interregional networks that exist up to the present day.
The goal of the paper is 1) to analyse the framework conditions of frontier development by
applying the lifecycle approach, and 2) to assess the possibilities of identifying tipping points
in regional development through an historical perspective.
Entrées d’index
Index de mots-clés : Frontière, Post-Frontière (?), Changement socio-économique et
territorial, Transformation socio-écologique
Index by keywords : Frontier, Post-Frontier, Socio-Economic and Territorial Change, Socio-
Ecological Transformation
Index géographique : Norte do Paraná, Norte do Mato Grosso, Sudoeste do Pará
Índice de palavras-chaves : Fronteira, Pós-Fronteira, Mudança socioeconômica e territorial,
Transformação Sócio-ecológica
Texte intégral
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Crédits : Hervé Théry 2009
38 Grande parte das terras da CMNP com solos de terra roxa foi explorada até 1950
numa altitude entre 400 e 850 m s.n.m., favorável para o plantio da Coffea arabica na
periferia dos trópicos. 39% das terras da CMNP foram vendidas de 1945 a 1950
(Nicholls, 1970) com aumento drástico da infraestrutura (até 1950: 3.000 km de
estradas). O avanço específico do frontier do café considerava o ciclo de vegetação da
planta do café. Depois das extensas queimadas – as madeiras nobres eram vendidas,
quando possível, antes das queimadas – as sementes do café eram colocadas em covas
nas terras parcialmente limpas e as mudas eram utilizadas somente mais tarde. Entre
as fileiras das jovens plantas do café eram plantados milho, feijão e arroz seco até a
primeira colheita do café depois de quatro anos com o objetivo do fornecimento de
gêneros alimentícios. Rápidas queimadas das florestas era condição para o plantio do
café. O “tempo de espera” até a primeira colheita exigia determinada base de capital.
39 Um aspecto especial da estrutura social do frontier do café era o empreiteiro
(também chamado de formador), um sub-empresário especializado que realizava a
primeira implementação do plantio do café para o proprietário e cuidava da plantação
até a fase de produção. Os contratos entre o proprietário e o empreiteiro eram fixados
entre quatro e seis anos. Com duração mais longa de contrato, as condições prévias do
proprietário reduziam-se e as do empreiteiro aumentavam. A forma de contrato
adotada em propriedades de médio e grande porte dava aos proprietários a
possibilidade de iniciar o plantio do café com menos capital. No final do contrato, o
proprietário ficava com a plantação produtiva de café. Em contra-partida, as plantas
intermediárias dos tres primeiros anos pertenciam ao empreiteiro e, conforme
contrato, a primeira até a terceira colheita do café a partir do quarto ano. Com o lucro
da venda do café, o empreiteiro podia adquirir terras também para seus filhos no
avanço da frente pioneira (fig. 4). A exploração das zonas pioneiras do noroeste do
Paraná foi realizada principalmente por esta camada social.
40 Fig. 4: Mobilidade social e espacial segundo grupos e classes sociais no cultivo do
café no Norte do Paraná
57 Depois da mudança agrária estrutural, o Norte Novo apresentou, na maior parte, uso
da terra diversificado e condições sociais relativamente boas. Em parte, os atores da
agricultura modernizada eram proprietários de plantações de café de médio porte e
dispunham de capital assim como fazendeiros do oeste do Paraná ou do Rio Grande do
Sul que haviam iniciado o plantio de soja e de trigo dez anos mais cedo. Quase sempre
as pequenas propriedades eram vendidas a bons preços, arrendadas ou anexadas a
outras propriedades maiores. Com isso surgiu a repressão das pequenas propriedades e
das de médio porte que tinham formado a “espinha dorsal” social no Norte Novo. O
tamanho mínimo de propriedades lucrativas é hoje de 150 a 200 ha. Com base nas
condições naturais favoráveis e tecnologia agrária moderna (plantio direto, rotação de
culturas adequadas, entre outras), as propriedades puderam se adaptar às novas
condições de economia de mercado. O absentismo dos proprietários de terras
aumentou consideravelmente. Muitos proprietários de antigas propriedades com
plantio de café mudaram-se para os centros urbanos regionais onde, muitas vezes, a
geração seguinte exercia as profissões de advogados, médicos, arquitetos ou agentes
imobiliários.
58 A mudança estrutural da agricultura provocou graves consequências sociais para a
mão de obra rural. Ao contrário do plantio de café, a agricultura altamente mecanizada
e sobretudo a criação de gado necessitavam de pouca mão de obra. Nos anos de 1970 e
1980 foi registrado desemprego rural catastrófico. De 1970 a 1990, a população rural no
Norte do Paraná diminuiu em 57%, nos anos de 1970-80, para quase um milhão de
pessoas (Kohlhepp, 1989). Alguns municípios passaram por um esvaziamento quase
que total e perderam até 90% de sua população, verificado também em pequenas
povoações com função central.
59 Como a frente pioneira no Norte do Paraná havia alcançado as fronteiras do Estado,
deu-se primeiramente a emigração de pessoas que buscavam terras e de trabalhadores
rurais para as regiões periféricas vizinhas de Mato Grosso do Sul (Iguatemi) - o novo
Estado depois da separação do Estado de Mato Grosso em 1977 - como também para as
florestas subtropicais do leste paraguaio onde as tentativas de plantio de café no
planalto do Amambay haviam fracassado por causa de geadas. Entre 1972 e 1981,
320.000 migrantes do Norte e do Oeste do Paraná e do Rio Grande do Sul (Kohlhepp,
1984) estavam envolvidos na exploração dos Departamentos paraguaios de Amambay,
Canendiyu e Alto Paraná.
60 No começo de 1970, as áreas alvo da emigração eram especialmente os projetos de
colonização em Rondônia, como no Cerradão de Mato Grosso, onde companhias de
colonização do Paraná (Sinop entre outras) tinham dado início a um dinâmico
desenvolvimento. Neste contexto e no final do plantio do café, sobretudo no Norte
Novíssimo, foram recrutados inúmeros antigos arrendatários ou donos de pequenas
propriedades e minifúndios como colonos dando-lhes expectativa de obtenção de
propriedades maiores (cf. estudo de caso seguinte). Na fase inicial, o plantio de café
(coffea robusta) foi incentivado com know how paranaense o que não foi levado
adiante devido a baixa fertilidade do solo e altos preços de transporte (Coy & Lücker,
1993). Capital, modelo de colonização e fundadores de cidades (Rosaneli, 2013), assim
como o espírito pioneiro de líderes e colonos do Norte do Paraná encontraram novas
perspectivas em Mato Grosso. A venda de terrenos nas cidades pioneiras, de rápido
crescimento, mostrou-se lucrativa (Coy, 1990) para as companhias de colonização.
61 Depois do final do ciclo do café, grandes partes do Norte Novíssimo mostravam
indícios de “hollow frontier” (James, 1938), conhecida de São Paulo, isto é, solos
exauridos, diminuição da produção agrícola, degradação das áreas de plantio por
erosão, mudança para economia de pasto e perda dramática de população. O ciclo
econômico floresta-café-pasto, de 50 a 60 anos e conhecido em São Paulo, foi
encurtado para menos de 20 anos na região dos solos arenosos no Noroeste do Paraná
(Margolis, 1972). As geadas certamente contribuíram para a mudança da estrutura
agrícola, tendo ambas iniciado quase ao mesmo tempo. Nos últimos 15 anos, o
agrobusiness do plantio da cana-de-açúcar e processamento industrial no âmbito do
programa do etanol do governo que, no início era altamente subvencionado (Kohlhepp,
2014), causou nova mudança de estruturas. A cana-de-açúcar era plantada em áreas de
pastos no Noroeste do Estado onde havia menor probabilidade de geadas e modernos
métodos de plantio (plantio direto, intensa fertilização, controle de erosão). 55% da
área cultivada com cana-de-açúcar no Paraná (2015: 670.000 ha) existem hoje nessa
região.
62 Os grandes centros urbanos eram, cada vez mais, alvo do êxodo rural. No Norte do
Paraná, a percentagem da população urbana em todas as partes da região era de mais
de 85% em 2010. As antigas cidades pioneiras de Londrina (2010: 507.000 habitantes)
e Maringá (2010: 360.000) lucraram pelo afluxo de proprietários de terras, portadores
de considerável capital bem como com a migração interurbana fazendo com que
expandissem intensamente seu equipamento funcional e processamento industrial de
produtos agrícolas. Grande parte dos lucros pelo boom do café foi aplicado no Norte
Novo, cujos centros regionais também atraíam capital externo tornando-se as cidades
mais importantes do Paraná, depois da capital Curitiba. Com a migração de
trabalhadores rurais demitidos e que estavam à procura de novas chances de trabalho,
surgiram bairros marginalizados na periferia das cidades.
63 O Norte do Paraná, na periferia tropical, foi ligado ao “antigo” Paraná no começo dos
anos de 1960 com estradas asfaltadas e ligação direta da linha férrea (Nicholls, 1970). O
Porto paranaense de Paranaguá ultrapassou a influência do seu concorrente, o Porto de
Santos como líder na exportação de café. Depois do final do abrangente plantio do café,
a soja conseguiu se impor como primeiro produto de exportação na agricultura
modernizada, tanto no Norte Novo como na área subtropical do oeste do Paraná.
64 O ciclo do café significou a total devastação da floresta tropical do Norte do Paraná. A
legislação florestal, que antigamente previa 25% da área da propriedade como reserva
florestal, não foi respeitada no tempo do boom do café e os resultantes problemas de
meio ambiente foram igualmente ignorados. A extensão e rapidez das queimadas de
49.000 km² em 23 anos (1937-1960) (Kohlhepp, 1990) ultrapassaram os dados de São
Paulo nos decênios da virada dos séculos XIX e XX. No Norte Novíssimo foi devastada
grande parte das áreas florestais ainda existentes nos vales dos Rios Ivaí e Piquirí nos
anos de 1960 (fig. 5).
65 A economia cafeeira no Norte do Paraná trouxe – surpreendente no Brasil – “the rise
of a rural middle class in a frontier society” (Willems, 1972), até hoje existente no
Norte Novo do Paraná perdendo significância no desenvolvimento operacional da
agricultura moderna nos setores das propriedades de pequeno e médio porte.
66 O decurso espaço-temporal do ciclo do frontier do café levou à derrubada das
últimas florestas tropicais não-amazônicas no Norte do Paraná, findando com isso a
frente pioneira de café que avançou dinamicamente durante 130 anos, do Rio de
Janeiro através de São Paulo para o Paraná. Os consequentes efeitos sócio-ecológicos
da monocultura de café fizeram surgir expectativas com projetos de colonização
estatais e privados nas novas zonas pioneiras em Rondônia, Mato Grosso e na
Amazônia central. A globalização orientada pelos cash crops que foi realizada com
considerável mão-de-obra durante o plantio de café, segue hoje em grandes
propriedades altamente mecanizadas e pouca mão de obra, tendo o boom da soja como
modelo.
A transição ao pós-frontier
96 Para Novo Progresso o dilema do “progresso” reflete hoje, de forma exemplar, a
implementação de modelos orientados pela modernização sob consideração da
existência paralela de estratégias de sustentabilidade. Neste contexto, o papel do
governo é fortemente ambivalente. Por um lado e como reação à exigência da lobby
agrária pela enorme ampliação da infraestrutura e do fomento e instalação de polos de
desenvolvimento, o governo assumiu a função estratégica na exploração e valorização
capitalista do frontier da BR-163. Além disso, os fatores de influência econômica, de
politica de meio ambiente e institucionais concentram- se progressivamente no
processo de negociação de valorização da natureza que aparecem como reguladores na
forma de implementação das unidades de proteção, controle e monitoramento de posse
ilegal de terra e intervenções de mercado. Por outro lado, a questão ainda não
solucionada do acesso à terra e dos direitos de disponibilidade bloqueia o objetivo de
impedir, a longo prazo, o desmatamento ilegal e de atividades especulativas do
processo de tomada posse de terra mas também o de indicar alternativas econômicas
práticas. Assim pode ser constatado que as descritas dinâmicas do desenvolvimento do
frontier continuam a aguçar as contradições de interesses de valorização da natureza.
Acresce ainda que discursos supraregionais sobre devastação das florestas tropicais,
emissões CO₂, ameaça ao espaço vital indígena ou cadeias de valor sustentáveis
(exemplo TAC da pecuária sustentável) ganham cada vez mais significado no processo
de negociação do uso da terra no frontier. A nível local, os atores de Novo Progresso são
mais do que nunca incorporados simultaneamente nas lógicas globais das cadeias de
valor acrescentado internacionais por um lado e no discurso de sustentabilidade por
outro, não podendo, cada vez mais frequentemente, tomar decisões sobre ações de
forma independente e responsável devido aos direitos limitados de disponibilidade.
Além disso, pode ser verificada uma certa estigmatização discursiva dos habitantes de
Novo Progresso que não mais são vistos como “heróis” ou “vítimas” do frontier sendo,
outrossim, acusados de “bandidos” e “criminosos do meio ambiente” do bioma da
Amazônia. Assim, as constelações de atores e de conflitos diferenciaram-se
frequentemente nas últimas décadas no que diz respeito ao campo de tensões entre
interesses locais e regionais e influências globais, entre desenvolvimento regional
intensificado e esforços “sustentáveis” pela proteção do meio ambiente e do clima. Em
seguida à consolidação, as antigas frentes pioneiras da Amazônia continuam a se
transformar em novas fases do desenvolvimento do frontier que aqui deve ser chamada
de pós-frontier (vide fase IV e V da fig. 9).
97 Segundo Larsen (2015, p.2), o pós-frontier é descrito como “the host of new
regulatory technologies, practices and institutions that nominally close, yet more
accurately characterize and restructure, contemporary resource frontiers”. Esta
definição expande o entendimento de Browder et al. (2008) que, em sequência à
consolidação do frontier, identificam o pós-frontier como fase de ocupação neoliberal
de terra com grande percentagem de propriedade empresarial e fortes entrelaçamentos
internacionais no agrobusiness. A pesquisa brasileira sobre frontier dos anos de 1970 já
associava as lógicas de ações geoestratégicas do governo com a tese marxista da
chamada acumulação original continuada que é entendida como execução ou
reestruturação das relações capitalistas de propriedade e de produção (Martins, 1972;
Martins, 2012; Velho, 1972). Segundo este entendimento, a exploração e ocupação da
frente pioneira, apoiada pelo Estado é diretamente ligada à mobilidade espacial dos
colonos que, como instrumento da produção capitalista, incorporam espaços não-
capitalistas através de mecanismos orientados por uma economia de mercado. Sem
dúvida, as tardias estratégias de desapropriação, enclosure e de privatização de terras
manipulam em alta escala o mito individual do frontier, isto é, a imagem da potencial
criação de um “espaço livre de alternativas“ (Becker et al., 1990, p.17). A primeira fase
do desenvolvimento da frente pioneira é portanto interpretada como uma forma
ampliada de reprodução que, no decorrer da neoliberalização, é crescentemente
substituída pela acumulação através de desapropriação (cf. Harvey, 2004). Nisto, a
“doutrina do neoliberalismo” (vide Harvey, 2005, p.2) legitima a privatização forçada e
a subsequente mercantilização de recursos naturais como um processo que Noel
Castree chama de neoliberalização da natureza (2010a; 2010b). Sob esta perspectiva, o
fenômeno da globalização não somente influencia o aumento do capitalismo neoliberal
extensivo à periferia da Amazônia - no sentido do alargamento, aceleração e
modificação da acumulação de capital, ela associa igualmente a disponibilização de
infraestruturas territoriais abrangentes (vide Iniciativas sobre a Integração Regional da
América do Sul [IIRSA]) que, segundo Harvey (1982) servem à aceleração da circulação
de capital. Com isso fica claro que a produção capitalista, a reconfiguração e a
transformação de formas de organização territorial estão situadas cada vez mais em
processos de negociação de múltiplas escalas (cf. “Politics of scale”, Neumann, 2009).
Como resultado, nota-se uma reestruturação do Estado, que por um lado é influenciada
pelo redimensionamento espacial supranacional (influência externa de regulamentação
por atores internacionais – ONU, FMI, Banco Mundial, IPCC, etc.) e por outro lado,
pelo redimensionamento espacial subnacional (descentralização de áreas de
competência e deslocamento a nível estadual ou nível local- regional).
98 O pós-frontier deve ser visto igualmente como uma recontextualização da
governança do frontier tendo em vista a dinâmica da incorporação espacial como as
condições de constituição em forte processo de mutação dos entrelaçamentos locais-
globais de processos de negociação de acesso, uso e controle da terra. O conceito do
pós-frontier dirige, neste contexto, a mudança narrativa que a governança do frontier
discute entre exploração orientada pela modernização e valorização até modalidades de
proteção sócio-ecológicas do “desenvolvimento sustentável” (Larsen, 2015). Na fase do
pós-frontier, as florestas tropicais da Amazônia tornaram-se há muito “political
forests” (Vandergeest & Peluso, 2015, p.162) que mostram classificações detalhadas
entre categorias florestais produtivas e necessitadas de proteção, demarcadas em zonas
territoriais de uso. Para a área de influência da BR-163 devem ser citados
principalmente a primeira zona de desenvolvimento florestal– DFS (Distrito Florestal
Sustentável) e os planos de macro-zoneamento - ZEE (Zoneamento Ecológico-
Econômico da Zona Oeste do Estado do Pará) e o ZSEE (Zoneamento Sócio-econômico
e Ecológico de Mato Grosso) que representam os princípios territoriais de governança e
gestão de meio ambiente. Com isto, fica claro que crises ecológicas no exemplo de
devastação e degradação de florestas tropicais constituem áreas de problemas políticos,
não podendo ser vistas fora das relações de poder sociais e transnacionais (atuais
campos temáticos de ecologia política vide especialmente Bryant, 2015; Perreault et al.,
2015). O peso político-social considerado no processo decisório da avaliação e
demarcação de zonas “ecológicamente” relevantes reflete-se na quantidade de
programas de monitoramento com apoio estatal e internacional para desmatamento e
degradação das florestas tropicais na Amazônia (cf. PRODES, SAD, DETER, DEGRAD,
TerraClass).
99 Eles determinam, por fim, o estabelecimento espacial de hotspots para fiscalização,
controle e combate ao desmatamento ilegal (vide PPCDAm) marcando a base para
sanções por infrações meio-ambientais. Desta maneira, as áreas com altas taxas de
desmatamento e ocupação ilegal são registradas nas blacklists dos municípios
prioritários da Amazônia (Rocha et al., 2014). Isto suscitou inúmeros esforços que se
manifestaram prioritariamente em maior presença local de repartições governamentais
no combate ao desmatamento ilegal correspondendo assim ao primeiro objetivo do
programa estatal de controle de desmatamento PPCDAm. O êxito do “naming and
shaming policy” (Cisneros et al., 2015), ligado a restrições econômicas e acesso
limitado ao mercado é demonstrado pela diminuição de 26% de desmatamento ilegal
nas blacklists dos municípios. Mesmo que a dinâmica de desamatamento em Novo
Progresso tenha sido igualmente reduzida desde 2005 e registrada a mudança
discursiva da percepção local de meio ambiente e sustentabilidade, fomentada pela
política, Novo Progresso não compartilha, nem aproximadamente, a história bem
sucedida de Paragominas - o “porta estandarte” (inter)nacional (Aviz & Albagli, 2011;
Oliveira et al., 2012; Viana et al., 2012). A hesitante participação nos programas de
meio ambiente “sustentável” também documenta a reação local perante os restritivos
mecanismos estatais top-down que são representados através de ações dirigidas pelo
IBAMA, (command & control) no âmbito da PPCDAm. O resultado é o balanço de
1.650 embargos entre 2002-2014 e punições de meio ambiente que ameaça seriamente
a existência sócio-econômica de agricultores. Com isso, faltam os investimentos
necessários para a regeneração de pastos degradados por bloqueio de acesso aos
créditos agrários e a proibição de comércio com matadouros internacionais. Por isso, a
sociedade civil local de Novo Progresso critica os planos de estratégias alternativas de
desenvolvimento regional fazendo referência concreta às experiências negativas na
implementação dos objetivos de desenvolvimento fixados participativamente do Plano
para o Desenvolvimento Regional Sustentável da BR-163 e às baixas quotas de títulos
definitivos de propriedade de terra atribuídos no âmbito do contínuo programa para a
regulamentação de terras Terra Legal (Brito & Barreto, 2011; Schönenberg et al.,
2015). Neste contexto, as medidas baseadas em imagens de satélites de governança do
pós-frontier possuem igualmente um grande potencial em atiçar conflitos de meio
ambiente devido aos diferentes interesses de uso: “Yet such imagery, rather than
reducing the contentiousness of landscape change claims, actually reinforces it”
(Robbins, 2003, p.181).
100 Com referência ao modelo de fase de transformação sócio-ecológica do frontier (Fig.
9), Novo Progresso não pode ser associado como inteiramente consolidado, ou seja a
uma situação de estrutura resiliente duradoura pelo alcance de um “nível de produção e
organização diferenciado e competitivo” (Coy, 1992, p.107). Não obstante, as transições
observáveis na mira do pós-frontier refletem modelos potenciais de uma mudança
regional, nos quais tornam-se visíveis a intensa diminuição de desmatamento até o
crescimento de vegetação florestal como também processos de intensificação e
diversificação agrícola. Portanto, o pós-frontier apresenta uma série de estímulos, nos
quais não somente a mudança do uso da terra mas também o modo de vida
“sustentável” podem ser causados tanto no espaço rural como urbano, e o potencial dos
processos de transformação sócio-ecológica pode ser estendido.
Conclusão
101 Quais são então as igualdades e quais as diferenças entre os três casos de estudos que
apresentam cada qual, caráter emblemático do fenômeno frontier no Brasil em
diferentes épocas e em diferentes regiões com diferentes constelações políticas.
102 As ligações entre os três exemplos de casos são óbvias. Encontram-se numa sucessão
espaço- temporal do deslocamento das regiões pioneiras que, como apresentado no
início, pode valer como especialmente típico para o Brasil. Em todo caso, é atribuído
significado e função especiais ao Paraná, pois para grande parte dos colonos das regiões
de colonização do Norte de Mato Grosso, o Paraná é o seu lugar de origem e de
referência. Mesmo que para muitas familias de colonos, o Paraná (sobretudo o norte e,
em parte, o oeste) tenha sido “apenas” uma fase na longa história da migração por
etapas, realizada, em parte em uma só geração, estendeu-se às vezes por diversas
gerações. Assim, nas regiões de colonização no Norte de Mato Grosso, o Paraná
desempenha papel dominante por ser muitas vezes a última etapa da migração antes da
chegada. Redes de entrelaçamento familiares, sociais, culturais, mas sobretudo
econômicas de compra e venda são da maior importância. Empresas do Paraná fundam
filiais nas cidades pioneiras no norte matogrossense, serrarias concentram seu
fornecimento à indústria madeireira no sul do Brasil etc. A maioria das companhias de
colonização são oriundas do Paraná e especialmente neste Estado foram “recrutados” o
grupo alvo da colonização matogrossense, companhias de ônibus como por exemplo o
“Expresso Maringá” (sic!) que se “especializaram” no transporte entre as antigas e
novas regiões do frontier – distantes alguns mil quilômetros uma da outra -
contribuindo assim para redes duradouras do frontier. E o Paraná é sempre o exemplo
“bem-sucedido”, a região de sucesso e para muitos finalmente o “local da saudade”,
usado até como orientação de nomes para os novos povoados do frontier
matogrossense: Sinop, Nova Maringá e naturalmente todos os “locais da esperança”
como Nova Esperança, Novo Eldorado, Novo Horizonte do Norte, Terra Nova do Norte,
e assim por diante. Os últimos nomes mencionados mostram claramente a atitude de
esperança quanto ao “novo” no Norte”, um topos, de atratividade e histórias bem
sucedidas que não deixam de ser essenciais para o frontier. Isto tem continuidade
também no deslocamento da frente pioneira para o sudoeste do Pará, sendo que uma
lógica de entrelaçamento parecida se reproduz em Mato Grosso (sobretudo para a
região Sinop) – embora de forma mais fraca. Aqui, no frontier ao sudoeste paraense,
Novo Progresso torna-se o centro e o ponto crucial: “novo progresso” – o ”novo”
duplicado. Deste modo, o “espírito” da frente pioneira encrava-se na paisagem, como
caracterizado por Leo Waibel – comum nas três regiões de exemplo. Atualmente falar-
se-ia do poder do efeito de discursos apoiados pelo Estado e dirigidos por interesses
econômicos com fins de êxito em negócios e gravado profundamente como “mito da
frente pioneira” na “visão própria” dos atores no frontier, influenciando suas ações.
Isto traz consequências para a “relação societal com a natureza”, que marcam o frontier
constatado igualmente nas três regiões de exemplo. No final dos anos de 1980, a maior
serraria do Sinop cumprimentava seus visitantes no portão de entrada com a plaqueta
”transformamos a natureza em progresso”. Mesmo achando que se trata de cinismo
sem fim – o texto expressa a percepção dominante de sempre de “natureza” no frontier
como um recurso valorizado e com isso é legitimado de forma discursiva o que sempre
foi e o que continua a ser feito nos frontiers: Exploração – desmatamento –
“valorização”. O objetivo é a incorporação das antigas periferias na “via de
desenvolvimento” dominante sob as condições prevalecentes. Jürgen Osterhammel
refere-se ao historiador Immanuel Wallerstein que, neste sentido, interpreta o frontier
como “propagação irreversível de mercadorias e economia monetária e visão européia
de propriedade em “espaços remotos de além-mar” (Osterhammel, 2009, p. 470).
103 São as condições específicas sócio-naturais do frontier que também influenciam o
curso de desenvolvimento do tipo de ciclos de vida das regiões de frentes pioneiras –
como também os dos três exemplos aqui debatidos: introdução/ascensão -
diferenciação/maturidade - consolidação e/ou degradação/decadência. Naturalmente,
a adoção do modelo do ciclo de vida, introduzida e comprovada nas ciências
econômicas e na geografia econômica, corresponde muitas vezes a uma simplificação
rudimentar na aplicação concreta em casos individuais. Para a análise e entendimento
do desenvolvimento do frontier, no entanto, o pensamento do ciclo de vida oferece
vantagens: ele previne quanto à “ingenuidade” e na realidade a visão linear raramente
pertinente (a saber, positiva) que teria a tendência de subestimar conflitos de interesse
internos, disputas por recursos e o jogo desigual das relações de poder. Além disso, o
pensamento do ciclo de vida oferece a possibilidade de considerar mais fortemente
“pontos de virada” no decorrer das fases. Isto também está presente nos três exemplos
de caso: fases de cursos não lineares podem ser sempre constatadas e momentos de
transição da mesma forma, que poderiam significar mudança de direção no ciclo – sem
que com isso, no entanto, a direção já tenha sido determinada. O motivo desses
momentos pode ser, por exemplo, a modificação de condições econômicas gerais e
sobretudo políticas e significar sua mudança – para tal os exemplos de caso também
oferecem suficientes provas. O conceito do ciclo sugere sobretudo o pensamento do
dimensionamento temporal de um curso de ciclo nas suas mais variadas fases e
corresponde com isso ao caráter do frontier como um construto espaço-temporal.
Também sob este aspecto, uma consulta destes três exemplos de caso é esclarecedora -
parece que as condições temporais no qual um ciclo do frontier decorre, não importa de
que maneira, é encurtado durante o processo de deslocamento.
104 Mesmo com todas as semelhanças, diferenciações e, em parte, até nítidas diferenças
não passam desapercebidas. A conotação predominantemente positiva do “modelo
bem-sucedido” do Norte do Paraná (o estudo de caso correspondente mostra os
fundamentos específicos para esta conotação) somente pode ser reconhecida
parcialmente no caso do Norte de Mato Grosso. “Êxito” é cada vez mais reduzido a
sucesso econômico de uma “orientação” sem compromissos com a globalização na
forma do plantio de soja altamente mecanizada, orientada pelo mercado mundial. Um
modelo que proporciona riqueza aos fazendeiros e ao agrobusiness integrados no
complexo da soja – no entanto, às custas do empobrecimento substancial no sentido
sócio-ecológico atuando como exclusão agro-social. No sudoeste do Pará, a situação é
ainda mais séria – o que já se esboçava em Mato Grosso – isto é, a confrontação
explícita entre a expansão do frontier e custos sócio-ecológicos expressa-se claramente
por choque da visão própria e externa dos atores do frontier como “heróis” por um lado
e “bandidos” por outro. Os ritmos temporais da transformação interna dos três
frontiers descritos distinguem-se. No Norte de Mato Grosso, este processo de
transformação interna, econômica, agro-social e de estrutura dos povoados foi muito
mais acelerado do que no Paraná. Sobretudo a orientação à lógicas globais de mercado
em conexão com inovações técnicas agrárias (no-tillage-farming) fêz com que o
frontier, muito mais do que antes, fosse dirigido das cidades. O espaço rural torna-se
cada vez mais uma “máquina de produção”, perdendo frequentemente suas qualidades
de “espaço vital”. Sobretudo no sudoeste do Pará, as mudanças de orientação política e
perspectivas sociais alteradas são determinadas pelos grandes desafios do global
change e discursos correspondentes que influenciam decisivamente o ritmo do
frontier. Como provavelmente nunca visto antes e mais intensamente sob “a visão do
momento” do público nacional e internacional, a Amazônia – como no caso do exemplo
simbólico da BR-163 - cai nos conflitos, negociados em múltiplas escalas, entre
“desenvolvimento” por um lado (situado no contexto do desenvolvimento regional
orientado pela modernização, de ampliação da infraestrutura, produção de energia e da
extração de recursos) e “preservação” de outro (situada no contexto de esforços de
proteção de recursos, pelo respeito dos interesses de sobrevivência de populações
tradicionais, pelos desenvolvimentos alternativos no sentido da sustentabilidade).
Estas constelações modernas acompanham as constelações modificadas de atores
(paralelamente aos place- based-actors aparecem frequentemente non-place-based-
actors), com lógicas de ação alteradas e potenciais de conflitos modificados. O frontier
passa a ser um objeto (provavelmente menos diretamente um local) das negociações de
múltiplas escalas que influencia claramente processos internos colocando em questão a
identidade do frontier como tal. Nada, ou pelos menos muita coisa não é mais como
antigamente. O “modelo de êxito” Paraná fica para muitos como orientação e “local da
saudade” mesmo que nos anos de 1970 e 80 tenham tido que sair do suposto paraíso,
como consequência dos efeitos da política da “modernização conservadora”. Mesmo
que ainda exista forte orientação nos seus critérios de sucesso, o Paraná, no entanto,
não é mais reprodutível sob as condições contraditórias de globalização e do global
change, de discursos de desenvolvimento regional e de sustentabilidade, entre lógicas
de mercado e governança ambiental. Apesar da sua territorialidade explícita, os
frontiers também mostram crescentemente aspectos de aceleração e de perda do
conceito de espaço. Eles se modificaram, como mostra a comparação dos três exemplos
de caso. Sobretudo as condições sob as quais eles surgem e sob as quais eles tem que se
instalar também são outras. Neste ponto é importante continuar a desenvolver o
conceito do pós-frontier a um conceito analítico talvez até de orientado para ações.
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Auteurs
Martin Coy
Institut für Geographie, Universität Innsbruck, Martin.Coy@uibk.ac.at
Gerd Kohlhepp
Professor Emeritus, Geographisches Institut, Universität Tübingen, gerd.kohlhepp@t-online.de
Droits d’auteur
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