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Fé Nórdica:

Mito E Religião Na Escandinávia Medieval


Johnni Langer
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Reitora MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ


Vice-Reitor EDUARDO RAMALHO RABENHORST
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Conselho Editorial
FÉ NÓRDICA:
MITO E RELIGIÃO NA
BERNARDINA Mª JUVENAL FREIRE DE OLIVEIRA (CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS)
PRPG
ELIANA VASCONCELOS DA SILVA ESVAEL (LINGUÍSTICA E LETRAS)

FABIANA SENA DA SILVA (MULTIDISCIPLINAR)

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ESCANDINÁVIA MEDIEVAL
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MARIA DE LOURDES BARRETO GOMES (ENGENHARIAS)

MARIA PATRÍCIA LOPES GOLDFARD (CIÊNCIAS HUMANAS)

MARIA REGINA DE VASCONCELOS BARBOSA (CIÊNCIAS BIOLÓGICAS)

Editora da UFPB
João Pessoa
2015
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qualquer meio. A violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998)
é crime estabelecido no artigo 184 do Código Penal. Os estudos medievais no Brasil de há trinta anos eram, senão
O conteúdo desta publicação é de inteira responsabilidade do autor. um deserto, pelo menos um território em que poucos se aventuravam.
Impresso no Brasil. Printed in Brazil. Quem estudava a cultura medieval, fosse na História, na Filosofia,
na Literatura ou nas Artes sabia que contava com poucos parceiros,
Projeto Gráfico Editora da UFPB bibliotecas limitadas geralmente em conventos e mosteiros, descrédito
Editoração
Eletrônica e
por parte de colegas de outras áreas, desinteresse das autoridades
Design de Capa Sâmella Arruda acadêmicas, e, é claro, ausência de financiadores de projetos. Os
ousados (atrevidos...) e solitários pioneiros sabem que muitas vezes
Catalogação na fonte: lhes faltou onde trabalhar e ganhar a vida. Parecia que os intelectuais
Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba
brasileiros, que não negavam suas origens culturais greco-romanas,
L276f Langer, Johnni. e mesmo judaicas, relutavam em se considerar ocidentais, ao
Fé nórdica: mito e religião na Escandinávia medieval /
Johnni Langer.- João Pessoa-PB: Editora da UFPB, 2015. negligenciar esse cordão umbilical que é a Idade Média européia.
168p.
ISBN: 978-85-237-1110-8 Este panorama começou a mudar quando outras idéias
1. Cultura medieval. 2. Estudos medievais - Brasil.
3. Mitologia escandinava.
surgiram no Brasil porque alguns estudiosos fizeram cursos na
CDU: 008:7.035.3
França, na Alemanha, na Itália onde tomaram conhecimento de
pesquisas e publicações européias (e norte-americanas) com novas
perspectivas sobre a Idade Média, vista mais como uma cultura do
que como um período distante. Alguns intelectuais perceberam
que há muito de espírito medieval na cultura popular brasileira,
EDITORA DA UFPB Cidade Universitária, Campus I ­­– s/n
João Pessoa – PB na literatura de cordel, nas festas religiosas, e, seguindo esse fio de
CEP 58.051-970
www.editora.ufpb.br Ariadne, encontraram uma cultura que vinha de longe, mas que era
editora@ufpb.br
Fone: (83) 3216.7147 nossa porque nosso povo se apropriou dela. Esses poucos brasileiros,
estudiosos e acadêmicos, criaram entidades que reuniram professores,
Editora filiada à: atraíram alunos, e abriram no Brasil os caminhos para entender
como nos relacionamos com a Idade Média. Entre essas entidades
podemos contar, como mais conhecidas, a Sociedade Brasileira de
Livro aprovado para publicação através do Edital da Chamada Interna
Filosofia Medieval, que evoluiu de um primeiro embrião em 1981, até
PRPG/UFPB Nº 10/2013, financiado pelo Programa de Apoio
a Produção Científica - PRÓ-PUBLICAÇÃO DE LIVROS
realizar quinze congressos internacionais, a Associação Brasileiras de
da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa.
Estudos Medievais (ABREM, criada em 1996 e sua revista Signum); quadrinhos, literatura, música (lembrem-se as óperas de Wagner)
destas entidades se foram ramificando outras, como o Grupo de o despertar do interesse pelas culturas nórdicas teve especial apelo
Estudos de Celtas e Germânicos (1999), mais conhecido pela revista entre os jovens, e entre alguns estudiosos que há cerca de vinte anos
Brathair e seus simpósios internacionais, e o NEVE, Núcleo de Estudos vêm se destacando.
Vikings e Escandinavos (2010 com a revista Notícias Asgardianas). Diversas particularidades podem ser apontadas nos estudos
Outras revistas e grupos já existiam, ou foram sendo criadas, que têm nórdicos realizados e publicados no Brasil. Em primeiro lugar, voltando
colaborado com os medievalistas, sobretudo as dedicadas a estudos a uma questão enunciada antes, o envolvimento de brasileiros com
da Antiguidade. as culturas da Escandinávia é uma demonstração relevante de que
Esta revisão das atividades dos medievalistas no Brasil nos a consciência nacional, dos pontos de vista históricos e culturais, se
últimos trinta anos (aproximadamente) poderia ser completada com considera inserida numa realidade que designamos como ocidental
muitas outras indicações e lembranças, mas o que importa é que e que, para além do mosaico de povos que a compõem, tem um
deste modo tais estudos em pouco tempo amadureceram, ao mostrar fundo comum que estamos não só revelando como assumindo e
que quem se interessava pela Idade Média não era principiante, mas incorporando como nosso. Pouco importa se no Brasil os descendentes
pessoas que abordavam a cultura medieval sabendo que ela não de escandinavos são uma pequena minoria: nós entendemos que
foi uniforme: as diferenças de época e de região são tão grandes somos participantes da cultura ocidental e portanto todos somos
que é impossível imaginar uma catedral gótica no século VII ou na nórdicos e eslavos, celtas e germanos, como todos somos também
Ibéria muçulmana, ou uma universidade na Rússia do século IX. africanos e ameríndios. Isso não deve admirar, pois na Europa, de
A especialização em povos e grupos lingüísticos impôs-se como forma semelhante, cada povo é europeu e ocidental a seu modo,
uma necessidade científica, que por sua vez trouxe para os estudos com suas “adições” e genes peculiares, e assim nós o somos de uma
medievais as diferenças de época: certas regiões podem ser estudadas maneira que é só nossa.
em períodos diferentes da Idade Média, e em muitos casos um divisor Daqui decorrem muitas conseqüências, mas vamos salientar
se impõe entre o período pré-cristão e o período posterior à conversão. apenas duas: se somos ocidentais e escandinavos, de um modo que nos
Em todos os casos mais conhecidos a criação e desenvolvimento é próprio, também será especial a maneira de ver e as tendências dos
de estudos medievais foi obra de um grupo, onde certamente se estudos escandinavos e vikings no Brasil, e alguns capítulos, sobretudo
destacou alguma liderança, e na maioria se desenvolveu em várias o último, acerca da história desses estudos, levantam sugestões
formas: intenso intercâmbio epistolar (hoje por email) entre os importantes, que os especialistas podem discernir e desenvolver. Entre
interessados, criação e lançamento de revistas, e realização de elas pode estar o notável interesse dos escandinavistas brasileiros,
encontros e congressos – além da organização de associações ou de sobretudo do autor deste livro, pela religião e tudo o que a ela se
grupos de pesquisa (CNPq). refere ou com ela se relaciona, particularmente a feitiçaria ou bruxaria.
É neste contexto que devemos entender o sucesso peculiar Esta mesma tendência aponta outra: o Ocidente a que nos
dos estudos escandinavos e vikings no Brasil. Estimulados por referimos hoje era designado há mil anos como a Cristandade, e
uma abundante criação artística e internacional – cinema, jogos, a inclusão dos povos não cristãos nessa sociedade que sucedeu
ao Império Romano foi de grande importância. Daí o destaque
dos processos de conversão ao cristianismo, e sobretudo, como
SUMÁRIO
frequentemente aparece nesta obra de Johnni Langer, o contraste
da fase cristã com a pagã e a permanência do paganismo dentro do PREFÁCIO.................................................................................................................. 5
cristianismo. Esta preservação de crenças e práticas tradicionais no
seio da nova Fé, tão peculiar a outros sincretismos brasileiros, está INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11
bem explicitada, por exemplo, no capítulo sobre o conto de Völsi. Esta O CONTO DE VÖLSI:
questão do confronto entre cristão e não-cristão é importante ainda ASPECTOS DO PAGANISMO NA ERA VIKING.......................................... 18
quando se estudam os textos medievais sobre a Fé Nórdica, uma vez O ZODÍACO VIKING:
que eles foram redigidos por cristãos, e tanto podem distorcer traços REFLEXÕES SOBRE ETNOASTRONOMIA E MITOLOGIA
antigos introduzindo neles idéias cristãs, como relegar o paganismo às ESCANDINAVA...................................................................................................... 35
obras diabólicas. Sobre esses problemas o autor está bem prevenido
e nos põe de sobreaviso, até pelo fato de em alguns casos ser difícil VALQUÍRIAS E GIGANTAS:
chegar ao cerne autêntico da religião escandinava. MODELOS MARCIAIS FEMININOS NA MITOLOGIA
Por todo o livro, como pelas demais obras de Johnni Langer, ESCANDINAVA...................................................................................................... 61
perpassa uma ideia que poderíamos interpretar da seguinte maneira: A MORTE DE ODIN?
a Fé Nórdica, como antiga religião não cristã, deve ser tomada não REPRESENTAÇÕES DO RAGNARÖK NA ARTE DAS ILHAS
apenas como referência e contraste com o cristianismo, mas pelo seu BRITÂNICAS.......................................................................................................... 85
valor próprio. Estuda-se, pois, o paganismo não apenas por oposição
COMETAS, ECLIPSES E RAGNARÖK:
ao cristianismo, mas como algo que incorporava uma determinada
UMA INTERPRETAÇÃO ASTRONÔMICA DA ESCATOLOGIA
vivência humana. A Fé dos escandinavos da Alta Idade Média revela
NÓRDICA PRÉ-CRISTÃ....................................................................................101
um modo peculiar de realizar a humanidade comum a todos nós,
e perdê-la, ou esquecê-la, seria abandonar um pouco de realidade O CÉU DOS VIKINGS:
humana. Mas ao procurar compreendê-la a assumimos como parte UMA INTERPRETAÇÃO ETNOASTRONÔMICA DA PEDRA RÚNICA
de nós mesmos (ainda que de forma incompleta ou parcial), porque DE OCKELBO (Gs 19)......................................................................................121
é uma cultura, como tal é nossa, já que somos humanos. ERAM OS VIKINGS ASTRÔNOMOS?
UMA REVISÃO CRÍTICA DOS MAPAS CELESTES DA
Prof. Dr. João Lupi (UFSC) ETNOASTRONOMIA ESCANDINAVA ........................................................137
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................145
INTRODUÇÃO

Apesar da sua importância para o imaginário medieval, a


mitologia e a religião ainda constituem um assunto pouco estudado
pelos acadêmicos contemporâneos, especialmente os historiadores. De
um lado, isso é explicado pela pouca experiência metodológica para o
tratamento de fontes advindas, muitas vezes, dos tempos pré-cristãos.1
De outro, os temas vinculados à teologia, filosofia e religiosidade
clerical constituem assuntos mais aprazíveis, e num primeiro
momento, mais institucionalizados nas pesquisas acadêmicas. Este
panorama vem sendo modificado com novas abordagens, temas
e olhares diferenciados para as fontes tradicionais. Sem dúvida,
as investigações dos escandinavistas especializados na Era Viking
constituem algumas das contribuições mais promissoras: o estudo de
mitos nórdicos, seja com documentos literários ou com monumentos
contendo imagens míticas, revela as imbricações entre imagem e
escrita no período medieval.
Neste sentido, a Europa Setentrional é um local muito especial,
pois preservou centenas de representações visuais esculpidas em
rochas e monumentos durante a Alta Idade Média. Apesar desta grande
quantidade de fontes, poucos estudos sobre imagética escandinava
foram realizados até o momento, sendo as imagens pagãs geralmente
tratadas como meros conteúdos ilustrativos nos estudos de mitologia
desde o século XIX. O estudo da religiosidade nórdica ainda possui
poucas publicações e estudos em nosso país, apesar de sua extrema
importância para a compreensão da formação das crenças religiosas
ocidentais durante o medievo e renascimento. Também os estudos
1 “Entre os vários campos dos estudos medievalísticos (...) a mitologia é dos menos estudados. Fato em
certa medida compreensível, diante das dificuldades teóricas que apresenta, vindas tanto do presente
do estudioso como do passado estudado”. FRANCO JÚNIOR, Hilário. Os três dedos de Adão: ensaios de
mitologia medieval. São Paulo: Edusp, 2010, p. 21. “(...) um terreno historiográfico que permanece ainda em
grande parte por desbravar”. SCHMITT, Jean-Claude. Prefácio. In: FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Eva barbada:
ensaios de mitologia medieval. São Paulo: Edusp, 1996, p. 13.

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

de religiosidade nórdica vem contribuindo muito para o avanço nas mesclando ainda elementos de simbologia, arte e racismo, originando
pesquisas e debate teóricos sobre história comparada das religiões diversas reinterpretações contemporâneas do passado Viking.
e do próprio fenômeno da crença, do ritual e dos mitos. Uma segunda fase foi inaugurada com as obras do mitólogo
Nestes quase 160 anos de investigação acadêmica sobre francês Georges Dumézil, com sua famosa teoria da tripartição dos
religiosidade nórdica, deparamo-nos com pelo menos três fases povos de origem indo-européia. Utilizando a metodologia da mitologia
distintas deste processo investigativo. A primeira fase foi influenciada comparada, Dumézil estabeleceu um padrão genérico para algumas
tanto pelo romantismo nacionalista, típico do Oitocentos, quanto das principais culturas que influenciaram o Ocidente (os hindus, os
pelas teorias clássicas da antropologia inglesa e dos teóricos do mito. gregos, os romanos, os germanos e os celtas): a de que a sociedade
Autores como Rudolph Keyser entendiam as antigas religiosidades da seria dividida entre três grupos sociais principais, a dos guerreiros,
Escandinávia enquanto manifestações bucólicas de uma sociedade a dos trabalhadores e a dos governantes. Os deuses, desta forma,
idealizada, que deveria ter seus valores resgatados dentro de um novo claramente seriam estruturados neste esquema e refletiriam os valores
contexto social, auxiliando a construção das novas nacionalidades das sociedades. Essa ideologia social seria manifestada tanto nos mitos
escandinavas. Ou então, a sistematização de fontes orais e literárias quanto na estrutura religiosa, teoria que o francês demonstrou com
pelos irmãos Grimm (Deutsche Mythologie, 1825), auxiliando a grande e profunda erudição em diversas obras (especialmente Mythes
futura criação de uma unidade nacional alemã, algo que de certo et dieux des germains, 1939 e Les dieux des Indo-Européens, 1952).
modo foi realizado com o ressurgimento do neo-paganismo nórdico, Durante os anos 1970 e 1980, o modelo dumeziliano foi criticado,
especialmente durante o século XX. A principal limitação desta especialmente por pesquisadores britânicos, entre os quais o filólogo
perspectiva foi tentar conceder uma visão estritamente monolítica Raymond Ian Page. Utilizando fontes da Escandinávia Viking, Page
a um fenômeno muito complexo e variável, criando um equivocado questionou este modelo principalmente em aplicações lingüísticas,
quadro geral de uniformidade, tanto no nível de prática quanto nos demonstrando que variações regionais teriam outros enfoques sociais.
aspectos metafísicos. Se este modelo pode ser aplicado sem problemas Apesar disto, as teorias de Dumézil ainda encontraram fôlego na obra
para a mitologia nórdica, enquanto integrante de um amplo sistema de outros pesquisadores, especialmente Régis Boyer, aplicando essas
mítico-cosmogônico germânico, encontra sérias dificuldades para em uma perspectiva simbolista da iconografia religiosa e mitológica,
explicar variações regionais típicas dos diversos períodos da história abrindo um vasto campo de investigação para o estudo específico
escandinava durante a Era Viking. Ainda dentro desta primeira fase, de deidades nórdicas (como nos livros Yggdrasill: La religion des
que podemos denominar de romântico-nacionalista, surgiu a clássica anciens scandinavies, 1981 e La grande déesse du Nord,1995). Outra
obra O ramo dourado (1890), de James Frazer, que apesar de ainda mitóloga conceituada, Hilda Davidson, em suas últimas obras vem
muito atual pela magistral sistematização de fontes, justamente aplicando a tripartição numa profícua aproximação comparativa entre
mostra-se limitada pela ampla utilização da imagem de uma unidade a religiosidade celta e nórdica (especialmente em Myths and symbols
na fé nórdica. As principais idéias deste período posteriormente in pagan Europe, 1988 e The lost beliefs of Northern Europe, 2001).
vão ser utilizadas quase que literalmente pelos teóricos nazistas, A mais recente tendência dos estudos de religiosidade
escandinava vem demonstrando ser muito interessante e promissora.
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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Trata-se da aplicação de conceitos e metodologias antropológicas, Uma questão fundamental a respeito do mito é a sua relação
tanto para o estudo de fontes literárias e históricas quanto de com as imagens e com a produção iconográfica de uma época. Sendo
vestígios arqueológicos e de cultura material. O fenômeno religioso uma relação ainda pouco pesquisada e teorizada, as possibilidades
nórdico não é mais pensado em termos puramente internos, mas de investigação ainda são muito vastas, especialmente para a
buscam-se conexões externas, uma dinâmica que procure explicar as Escandinávia medieval. Cada período possui imagens que possuem
variações, conflitos e permeabilidades sociais ao longo da História. especificidades sincrônicas – de base cultural, histórica e social - mas
Para isto, empregam-se desde metodologias que utilizam a fonte que resultaram de um processo de transformação de um material
literária como relato puramente etnográfico (a exemplo de Gísli mais antigo, de base diacrônica e atemporal. Acreditamos que nossas
Pálsson em The textual life of savants, 1995) e as Sagas enquanto fontes possuem um modelo mais antigo, de origem pan-germânica,
produtos de conexões inter-culturais externas entre finlandeses/ que foi submetido a variações em momentos históricos específicos.
lapões e escandinavos (como Thomas Dubois em Nordic religions Uma imagem visual pode originar imagens textuais, mas também
in the Viking Age, 1999 e Jenny Blain no livro Nine worlds of Seid- ocorre o contrário. Geralmente as imagens são produtos de sua própria
Magic, 2002). Um dos pesquisadores que vem alcançando melhores intertextualidade, completam, esclarecem, identificam ou modificam
resultados nesta perspectiva de aplicação antropológica no estudo o discurso verbal. Mas a relação entre tradição iconográfica européia,
da religiosidade Viking é o arqueólogo inglês Neil Price, que busca nórdica e as narrativas mitológicas ainda não são claras,3 sendo um
entender o dinamismo das comunidades nórdicas em seus aspectos de nossos principais pontos de reflexão.
de conflitos relacionados a práticas mágicas, refletidas em fontes Desde a pré-história, as imagens religiosas desempenham um
arqueológicas e iconográficas (The Viking way: religion and war in papel fundamental nas culturas e sociedades, refletindo sua razão
the later Iron Age of Scandinavia, 2004). de ser, exprimindo valores, sentimentos, ideologias, e especialmente,
O futuro da pesquisa acadêmica na temática aponta para crenças religiosas e mágicas. Aqui entendemos imagens como
uma total interdisciplinaridade, onde as obras clássicas não serão as representações visíveis de alguma coisa ou de um ser, real ou
simplesmente colocadas de lado, mas percebidas em um referencial que imaginário, tendo como suportes diferentes objetos materiais4 e
concede às fontes o privilégio de ditar a condução das investigações, expressando a diversidade social.5 Na Escandinávia da Era Viking, as
e não meros objetos de aplicação de teorias, um referencial onde a
Antropologia ainda tem muito a ensinar aos historiadores da religião.2 original e arcaica – encontro entre a profetisa e Odin – foi preservada, sendo somente 20 das 66 estrofes
com influência diretamente cristã. MCKINELL, John. Both one and on many: essays on change and variety in
late norse heathenism. Roma: Il Calamo, 1994, p. 105-112; MCKINELL, John. Völuspá and the feast of Easter.
Alvíssmál 12, 2008, pp. 3-28.
2 Algumas das perspectivas mais recentes propõem a idéia de uma interpretatio norrœna – os poetas
pagãos reinterpretaram imagens cristãs, transformando seus cultos e mitos originais. Desta forma, tradições 3 FUGLESANG, Signer Horn. Iconographic traditions and models in Scandinavia imagery. The Thirteenth
mitológicas, como o Ragnarök, teriam se formado no momento de uma tradição oral e pagã (ainda que em International Saga Conference. Dhuram University, 2006, p. 3. http://www.dur.ac.uk/medieval.www/sagaconf/
sua forma final e derradeira), não sendo uma adição posterior à narrativa definitiva por parte dos escritores fuglesangekphrasis.pdf
cristãos (que deram forma definitiva aos poemas éddicos em seu formato manuscrito). Mesmo assim, a 4 SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
idéia da recriação do mundo seria genuinamente pré-cristã. Neste sentido, os estudos mais exaustivos Edusc, 2007, p. 12. “Toda imagem é tentativa de revelar um certo modelo, seja psicológico, seja social”. FRANCO
foram publicados pelo britânico John Mckinnell. Em 1992, o pesquisador comparou as imagens do Ragnarök JÚNIOR, Hilário. O fogo de Prometeu e o escudo de Perseu: reflexões sobre mentalidade e imaginário. Signum
presentes nos poemas éddicos Vafþrúðnismál e Völuspá, concluindo que o primeiro mantém uma tradição 5, 2003, p. 96. “O sentido de uma imagem é a sincronia de um espaço que é preciso aprender na sua estrutura,
pagã original e seus valores guerreiros e éticos intrínsecos, enquanto o segundo também é um poema pagão, na disposição das figuras sobre a superfície, nas relações formais e simbólicas que mantém”. SCHMITT, Jean-
mas eticamente influenciado pelo cristianismo e seus critérios morais – ambos coexistindo na mesma região Claude. Imagens. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude (org.). Dicionário temático do Ocidente
e época. Posteriormente, Mckinnell reforça sua perspectiva que a Völuspá refletia idéias da nova religião, mas Medieval. São Paulo: Edusc, 2002, p. 595.
que seu compositor não era cristão – ele manteve uma estreita circularidade entre rituais, possuía experiência 5 KNAUSS, Paulo. O desafio de se fazer história com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura 8(12), 2006,
catecumênica, conhecia os escritos latinos e germânicos (especialmente o poema Muspilli, c. 870). A situação p. 99.

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

imagens com conteúdos religiosos dominavam totalmente o cotidiano dependendo de certa interpretação racional e carregadas de
- elas estavam presentes nas vestimentas, na arquitetura das casas e afetividade e dinamismo. O símbolo tem natureza indefinida e ao
aposentos reais, nas esculturas, na escrita, nas embarcações, enfim, mesmo tempo exprime-se pela emoção – no caso religioso, da vivência
atuantes praticamente em todo o espaço físico e social ocupado pelos de fé - e revela sua função primordial, uma revelação existencial e
nórdicos e diretamente associadas com a tradição oral e poética. individual da experiência cosmológica. O dinamismo simbólico estaria
Qual a função destas imagens? A exemplo de outras representações estreitamente relacionado com funções explicatórias; substitutivas;
visuais da Antiguidade e alto medievo, podemos seguir perfeitamente mediadoras; unificadoras; pedagógicas; terapêuticas.10 Dentro do
o modelo proposto por Schmitt6 para o Ocidente medieval: dar universo pagão germânico, podemos afirmar que os símbolos foram
significado ao drama escatológico, e portanto, existencial do ser meios de comunicação, instrumentos para conhecimento e construção
humano; são presenças vivas do invisível; são mediadoras entre o do mundo e suportes de dominação.11
divino e o humano; refletem o ser, o sonho e a experiência visionária; Alguns problemas de ordem metodológica se impõe ao
fornecem conteúdo psicológico para a memória e a tradição oral.7 Em nosso trabalho: analisar profundamente simbolismos presentes
específico para o caso nórdico, podemos ainda citar o uso das imagens em contextos materiais, como estelas e inscrições rúnicas, requerem
como exemplum, referenciais de identidade para uma sociedade maiores detalhamentos entre a relação dinâmica das cenas (conjunto
baseada na guerra e na obtenção de favores divinos após a morte.8 de imagens, muitas vezes em sequência e com inter-relação visual), o
Em nossa pesquisa não pretendemos fornecer um quadro suporte e a espacialidade de toda a estrutura (localização, visualização
completo das imagens religiosas dos vikings, que aliás, ainda é um e recepção social), algo bem diferente do que analisar simples
campo pouco explorado e escasso de sistematização.9 Vamos nos pingentes com conteúdo simbólico.
deter em alguns símbolos e narrativas visuais que tiveram maior
relevância, especialmente do ponto de vista de sua abrangência e
recorrência material. Conceituamos símbolos como representações
visuais que transcendem o simples signo, sinal, e o seu significado,

6 SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007, p. 14-22.
7 Para um panorama teórico, metodológico e analítico ao estudo das imagens no medievo, consultar:
BASCHET, Jérôme. Fécondité et limits d´une approche systématique de l´iconographie medieval. Annales ESC
mars-avril 1991, pp. 375-380; BASCHET, Jérôme. A expansão ocidental das imagens. A civilização feudal. São
Paulo: Globo, 2006, pp. 481-522; LADNER, Gerhart B. Medieval and modern understanding of symbolism: a
comparasion. Speculum 54 (2), 1979, pp. 223-256; GARNIER, François. Le language de l´image au Moyen
Âge: signification et symbolique. Paris: Le Léopard D´Or, 1982; BONNE, Jean-Claude. À la recherché des
images médiévales. Annales ESC mars-avril 1991, pp. 353-373.
8 FUGLESANG, Signer Horn. Iconographic traditions and models in Scandinavia imagery. The Thirteenth
International Saga Conference. Dhuram University, 2006, p. 3. http://www.dur.ac.uk/medieval.www/sagaconf/
fuglesangekphrasis.pdf
9 Em língua inglesa, existem poucas discussões sobre imagética na Era Viking: FUGLESANG, Op.cit.; 10 CHEVALIER, Jean. Introdução. In: CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain (org.). Dicionário de símbolos.
HUPFAUF, Peter R. Signs and symbols represented in Germanic, particularly early Scandinavian, iconography Rio de Janeiro: José Olympio, 2002, pp. XII-XLI.
between the migration Period and the end of the Viking Age. Thesis submitted for the degree of Doctor of 11 Em sociedades não-literárias, os simbolismos pictóricos possuem um papel muito importante, servindo
Philosophy, University of Sydney, 2003. Sobre o papel dos simbolismos religiosos entre os vikings existem também como elementos de identidade étnica, construção de uma nova realidade e relacionados com objetivos
escassos estudos, uma exceção é: BOYER, Régis. Héros et dieux du Nord: guide iconographique. Paris: políticos específicos. RICHARDS, J. D. Anglo-saxon symbolism. In: CARVER, M. (org.). The Age of Sutton Hoo:
Flammarion, 1997. the seventh century in North-Western Europe. London: Boydell Press, 2006, p. 147.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

O CONTO DE VÖLSI: construir seu modelo comparativo, Eliade buscava a essência dos
ASPECTOS DO PAGANISMO NA ERA VIKING. fenômenos de crença, criando generalizações, regras a-históricas e
interpretações irracionalistas (HERMANN, 2010, p. 321).
Um pequeno conto do final da Idade Média revela uma Instaurada como disciplina no Oitocentos, a Etnologia dedicou-
surpreendente narrativa sobre a religiosidade de personagens pouco se a sistematizar as diferentes sociedades, sendo as crenças uma chave
estudados, tanto na história das religiões quanto nos estudos medievais fundamental para a organização destas. Mas nesta época, as teorias
de maneira geral: os camponeses. Desde a sua publicação nos tempos evolucionistas, os modelos biológicos e as ideias político-sociais
modernos, o Völsa þáttr vem gerando muita polêmica: constitui um eurocêntricas referendavam as religiões enquanto partes de um
caso verídico de práticas religiosas da Escandinávia da Era Viking processo de evolução espiritual. Foi com o surgimento da sociologia
(c. 973-1066 d. C.)? Ou seria uma invenção posterior de autores que o papel social das religiões passou a ocupar um patamar mais
cristãos para desmoralizar o antigo paganismo? No presente estudo, importante nas reflexões acadêmicas. Ainda assim, pesquisadores
pretendemos refletir sobre essa fonte através de novas abordagens, como Émile Durkheim buscavam as características essenciais de
esperando alargar os debates para além dos estudos escandinavísticos, todas as religiões: uma explicação genérica ainda era o objetivo das
abrangendo também o fenômeno religioso em seu caráter cultural. A investigações (HERMANN, 2010, p. 316-318).
primeira parte do trabalho aborda questões teóricas e metodológicas, As interpretações mais recentes questionam a existência
enquanto na segunda analisamos em detalhes a narrativa medieval, de uma natureza humana e se preocupam muito mais com sua re-
e na conclusão, voltamos a refletir sobre a relação entre cultura e elaboração histórica. Também não se busca mais a origem dos mitos ou
religiosidade para o caso nórdico. das crenças, objetivos comuns ao positivismo, cientificismo e ideologias
Cultura e religiosidade oitocentistas (HERMANN, 2010, p. 323-324). A visão antropológica e
Desde o Iluminismo, o fenômeno religioso ocupou o interesse histórica tem se multiplicado desde a segunda metade do século 20,
dos acadêmicos, mas levaria muito tempo para que se fosse instaurada enfatizando os aspectos culturais do fenômeno das crenças coletivas.
uma disciplina configurada como história das religiões. No século Mas temos que levar em conta que se as interpretações sobre cultura
XVIII predominava a crença em uma essência universal do sentimento se modificaram, obviamente, os enfoques culturais da religião também.
religioso, atrelada a idéia de uma natureza humana. Apesar de viajantes Tradicionalmente, o social é pensado enquanto a totalidade das
europeus já registrarem formas diferenciadas de crenças pelo mundo, relações que os grupos mantêm entre um mesmo conjunto, enquanto
a abordagem teológica ainda imperava plenamente (HERMANN, a cultura seria o social visto de seus aspectos individuais: “cultura é o
2010, p. 315). A idéia do Homo religiosus foi o substrato fundamental conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos
dos estudos oitocentistas e de grande parte da fenomenologia, a de um grupo humano ou de uma sociedade” (LAPLANTINE, 1999, p.
exemplo de Mircea Eliade. Este último, em suas obras, procurou mais 120). Por sua vez, os estudos de aculturação levaram a uma redefinição
um sistema descritivo do que explicativo, buscando uma tipologia de cultura, recebendo esta um referencial mais dinâmico e deixando
genérica das formas e práticas religiosas (CARDOSO, 2005, p. 211). de ter um caráter monolítico. Ela não existiria em estado puro, sempre
A essência da religião era mais buscada do que a sua história. Ao igual: toda cultura estaria em permanente processo de construção,
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

desconstrução e reconstrução, sendo a aculturação universal. Com entre mitos e ritos, recusando a interpretação fenomenológica que
isso não existiriam culturas puras nem mestiças, mas mistas. E buscava uma essência religiosa e empregando um método comparativo
essa dinâmica é construída sincronicamente, isto é, historicamente historiográfico (HERMANN, 2010, p. 329).
(CUCHE, 2002, p. 137-142). E justamente, o campo das pesquisas sobre cultura e religião
A Antropologia cultural define a religião como uma crença no popular foi onde se abriu o enfoque da história religiosa de um
sobrenatural, atuando como uma força coercitiva de uma sociedade. campo tradicional, institucional, para o estudo das sensibilidades:
Criam-se pessoas qualificadas para tratar esse sobrenatural, os “os sentimentos religiosos fortemente enraizados não podem ser
sacerdotes e suas técnicas, e também templos e hierarquias, originando alcançados a não ser através de suas expressões culturais” (FRANCO
os aspectos institucionais que são característicos das religiões (TITIEV, JÚNIOR, 1996, p. 33). Além disso, os historiadores culturais estão
1979, p. 290-298). E o quanto de uniformidade teria uma religião adotando um conceito de religião mais amplo, que permita sair
em uma dada sociedade? Os sentimentos, sonhos, mitos, utopias, a dos discursos da tradição judaico-cristã; que possibilite estudar
magia, os medos passaram a ser estudados especialmente pela Nova as manifestações de crença de pessoas não filiadas a nenhuma
História Cultural, originando as pesquisas de religiosidade folclórica: instituição; abandono da busca de uma essência nas religiões e
“a religião popular é um momento essencial da cultura popular” entender os sentimentos de crença a partir de recortes históricos;
(FRANCO JÚNIOR, 1996, p. 33). Mas o que seria exatamente uma que crie condições para ir além da teologia e pensar as crenças e
cultura popular? práticas, tanto comunitárias quanto individuais, entrando no campo
Existem diversas interpretações, as mais importantes giram das religiosidades (BELLOTTI, 2004, p. 100). Para outros, o conceito de
em torno de dois referenciais: o que concebe as culturas populares religiosidade substitui o de “superstição”, com forte carga pejorativa,
como sem criatividade e marginais, e outra, que identifica nela e o de “religião popular”, que implica em radicalismos com relação
autonomia e autenticidade. Hoje em dia, os antropólogos percebem à crenças oficiais. Com isso, poderíamos ter com esse conceito
que elas não são totalmente dependentes, nem autônomas, e sim, três níveis de análise: a religião formal; os sentimentos, atitudes e
uma reunião de elementos originais, importados, emprestados ou comportamentos do religioso; as práticas e manifestações concretas
inventados. Como qualquer cultura, não é homogênea, mas construída (CARDOSO, 2005, p. 222-223).
numa situação de dominação e contestação (CUCHE, 2002, p. 146- Em outro viés, podemos entender a religiosidade como um
156). Uma das noções mais importantes da nova historiografia, a campo de articulação entre a religião, a magia e o mito – conceitos
circularidade e o hibridismo cultural – no caso das pesquisas de Carlo tradicionalmente opostos ou com vínculos, dependendo do enfoque
Ginzburg – demonstraram que crenças populares e de elite, apesar de teórico. A Antropologia Cultural tradicionalmente separa as crenças
diferentes, quando em contato realizam trocas e re-significações. Um no sobrenatural em dois tipos básicos: naquelas realizadas em épocas
dos grandes estereótipos religiosos modernos, o sabá (a reunião das específicas do ano (religiosas) das feitas em momentos de crise
bruxas), nasceu efetivamente do cruzamento conflituoso entre cultura (mágicas). Quase sempre os ritos mágicos não possuem estrutura
folclórica e erudita durante o final da Idade Média (GINZBURG, 2001, p. institucional e igrejas, mas nem sempre são realizados no ambiente
22). Desta maneira, o autor conseguiu identificar relações diacrônicas domésticos ou individual (existem ritos mágicos públicos, como em
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

épocas de guerra ou catástrofes, TITIEV, 1979, p. 307). A oposição “consagrado” durante a cerimônia em seus lares (GERRIERO, 2003,
entre essas duas formas de crenças, entre uma mais complexa, com p. 26). Com isso, percebemos que no medievo:
conteúdo teológico (religião) e outra de caráter mais simples ou 1 – Os indivíduos de uma mesma cultura compartilhavam dos
pré-científica (magia), também vem sendo descartada entre os mesmos mitos (na Era Viking, a mitologia escandinava; no
pesquisadores. Na realidade, ambas se interpenetram. As duas são cristianismo medieval, essencialmente as narrativas de origem
sistemas simbólicos e de conhecimento, de forte caráter social, mas bíblica), mas nem sempre com conotações, interpretações e
diferenciando-se quanto ao seu exercício: a magia tende ao individual sentidos idênticos;
e é fonte de imoralidade, anomia, enquanto a religião tem forte 2 – As pessoas de uma mesma cultura compartem genericamente
conotação moral e coesão (MONTEIRO, 1986, p. 15). Quanto aos mitos, da mesma religião, mas selecionam as categorias míticas
são narrativas orais e imagéticas que fundam/explicam a realidade conforme sua categoria social ou a rede de relações sociais da
natural por meio de sentidos culturais (MASSENZIO, 2005, p. 141); qual fazem parte (na Era Viking, existiam cultos específicos
operando como modelo de comportamento, guia para o cotidiano e o para deuses da fertilidade entre os camponeses - os Vanes,
transcendente, e como discurso metafórico sobre o divino, o natural enquanto a elite perpetuava mais os ritos odínicos. Mas em
e o humano (FRANCO JÚNIOR, 1996, p. 38-39). momentos sazonais, existiam celebrações que envolviam todos
Em nosso referencial, magia, religião e mito fazem parte dos os membros da sociedade);
mesmos sistemas de crença e cosmovisão de uma sociedade em dada 3 – Os integrantes da mesma cultura partilham de crenças
época, mas podem diferir em sua visão de mundo. A diferença não está mágicas, mas elas podem se diferir em sua estrutura pelo
tanto em seu instrumental, na estrutura da prática, e sim no contexto viés social (No mundo cristão, ocorria a magia popular, de
de sua operacionalidade. Na Inglaterra tardo-medieval, as cerimônias origem folclórica, e a erudita, que mesclava a tradição oriental
católicas não possuíam a mesma devoção para todos os membros: e eclesiástica entre os letrados. Ambas podiam utilizar a Bíblia
enquanto os sacerdotes e aristocratas seguiam o missal dentro da como repertório mágico).
estrutura teológica vigente, a maior parte do público, constituído A relação entre apreensão cultural e social da religiosidade
por camponeses analfabetos, aguardava ansiosamente o momento é uma perspectiva que necessita sempre ser equalizada: o conceito
da consagração da hóstia, que para eles, era um momento mágico. de cultura pode ser muito útil para objetos materiais, normas de
Após o ritual, a hóstia (que não era engolida pelos comungantes) era comportamento e processos de pensamento, enquanto sociedade
utilizada para operações mágicas, como cura a doentes ou proteção se distingue das outras por apresentar configurações específicas
contra má sorte (THOMAS, 1991, p. 42). Até hoje, muitos católicos em uma rede fechada de relações sociais (CARDOSO, 2005, p. 278).
fervorosos recorrem em ambiente doméstico, a serviços de benzeções Tanto a religião quanto a magia utilizam o mito como instrumento
e práticas de curas mágicas (não totalmente aceitas pelos eclesiásticos de controle do sobrenatural, com variações ao nível social Na religião
e pela instituição católica), enquanto padres rezam missas pelo pagã nórdica, as divindades podem ser celebradas em oferendas e
rádio ou TV e seus devotos bebem um copo de água, supostamente sacrifícios públicos e sazonais (como Odin, nos cultos escandinavos,
neste caso enfatizando sua auto-imolação na árvore cósmica de
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Yggdrasill, LANGER, 2005, p. 7), mas também invocadas em rituais A religiosidade deve ser sempre pensada como um sistema
privados, a exemplo da utilização de deuses para aplacar doenças em simbólico extremamente dinâmico, produto constante de hibridismos
inscrições de amuletos (a placa rúnica de Ribe conclama Odin para e resignificações culturais, de preservação ou inovação de elementos
combater a dor e anões maléficos, MACLEOD, 2006, p. 25). Neste autóctones e estrangeiros. Sem apelarmos para uma ideia de
caso, as narrativas míticas são selecionadas conforme o contexto natureza humana universal, inconsciente e anistórica (seja o Homo
operacional dos praticantes. Estelas com cenas mitológicas foram symbolicus, o Homo religiosus ou os arquétipos do inconsciente
muito empregadas para demarcar sepulturas de guerreiros na ilha de coletivo), empregamos aqui com muito mais propriedade um enfoque
Gotland. Sendo membros da aristocracia nórdica, os temas que mais sincrônico, onde os hibridismos religiosos são refletidos a partir de
aparecem representados nestes monumentos foram vinculados ao conexões, embates e mesclas socioculturais em um dado momento
triunfo marcial do morto chegando ao palácio do Valhala, onde reina histórico.
Odin (LANGER, 2003, p. 93-129). Enquanto as práticas funerárias
são terrenos típicos da religião, por sua vez os rituais envolvendo O conto de Völsi
algum tipo de auxílio são da magia. Aqui a seleção da narrativa oral
mitológica pode envolver outros aspectos da mesma deidade – nos A narrativa de Völsi é encontrada inserida na Oláfs saga hins
rituais de seiðr, Odin surge relacionado à magia da deusa Freyja, em helga, e denominada de Völsa þáttr (o conto de Völsi), preservado
seus aspectos xamânico e psicopombo (LANGER, 2010, p. 3). no manuscrito Flateyjabók, datado do século XIV.13 Basicamente, o
O conceito de religiosidade pode tornar esse quadro muito relato descreve uma fazenda ao norte da Noruega, onde vivia uma
mais instrumental aos historiadores, possibilitando perceber os família de nórdicos pagãos. Durante o final de outubro, no momento
espaços específicos de cada prática, sem perder de vista a dinâmica e que morre o cavalo do fazendeiro, este foi utilizado como alimento.
o contexto de relação entre elas. Com a cristianização da Escandinávia Logo após, um escravo corta o pênis do cavalo (víngul) e o filho do
(no século XI), os relatos míticos desaparecem dos cultos públicos, senhor o leva para sua mãe e irmã, que o secam com muito cuidado e
substituídos pela tradição judaico-cristã, mas não da oralidade e o envolvem em um pano de linho juntamente com alho poró e outras
do mundo privado. O folclore dará sobrevivência às narrativas dos ervas. Toda noite os moradores da casa realizavam uma oração ao
antigos deuses, preservados em vários tipos de literatura no período pênis, que era repassado para cada indivíduo após pronunciar uma
cristão (séculos XIII a XV), e atuando ininterruptamente no universo estrofe. O rei Ólaf o santo estava visitando aquela região no ano de
da magia mesmo com o desabrochar dos tempos modernos (século 1029, com dois homens de confiança, e entram na fazenda durante a
XVI, LANGER, 2009a, p. 66-90).12 Seja com operações mágicas dos noite. Após sentarem-se em um banco, observam a entrada da filha
tempos vikings que ainda sobrevivem no mundo camponês, seja do fazendeiro. Saudados, todos os três homens identificam-se pelo
com ritos mesclados ao universo ocultista de origem oriental, o mito nome de Grim (mascarado). Logo após entra o senhor, o seu filho
adapta-se aos novos tempos. e o escravo, e a mesa de jantar é preparada. Em seguida, o pênis
13 O Flateyjabók (livro de Flatey) é um manuscrito escrito pelos padres John Þórðarson e Magnus Þorhalsson
12 O surpreendente ressurgimento de um culto individual ao deus Odin em Estocolmo, que levou Ragvald entre 1387-1390. Consiste em 225 grandes fólios, agora reunidos em dois volumes, contendo grande coleção
Odinskarl para a inquisição em 1484 (MITCHELL, 2009, p. 263-286). de sagas islandesas (HOLMAN, 2003, p. 96).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

embalsamado (Völsi) é repassado para cada membro da casa pela De qualquer maneira, mesmo que o conto seja uma invenção
mulher, primeiro para o seu marido, em seguida para o filho, a filha, cristã tardia, ele foi baseado essencialmente em uma tradição folclórica
o escravo e a escrava, que recitam uma estrofe cada um. Quando o que remete a crenças dos tempos pagãos, ainda conhecidas pela
pênis é passado para o rei, este o atira para o cachorro da casa, que audiência da saga no momento em que foi composta – uma ideia
imediatamente o devora. Olaf retira sua capa, revelando sua identidade que mesmo os pesquisadores céticos mais recentes vêm admitindo
e convertendo todos para o cristianismo. (TOLLEY, 2009, p. 14; MITCHELL, 2011, p. 56). Procuraremos
Essa pequena narrativa sempre foi muito polêmica nos estudos analisar alguns pontos do conto, confirmando ou questionando
escandinavos. A grande maioria dos pesquisadores inclinou-se a alguns referenciais da historiografia, mas essencialmente procurando
identificar nela a preservação literária de um ancestral rito dos articular como eles podem servir para o estudo da religiosidade da
tempos pré-cristãos. Turville-Petre associou a narrativa com o culto Escandinávia na Era Viking e nos primeiros tempos do cristianismo.
do deus Freyr, enquanto Folke Ström relacionou a mesma com a O primeiro elemento a ser considerado é a estrutura
deusa Skadi e as divindades da fertilidade (SIMEK, 2007, p. 365). O do objeto. O pênis mumificado do cavalo, denominado de
mitólogo francês Régis Boyer acredita que Völsi representava um Völsi, foi envolto em linho e coberto com alho poró (“líni gæddr
rito sacrificial mágico da Era Viking (BOYER, 1986, p. 155), enquanto en laukum studdr”, Völsavísur 4). O linho (Linum usitatissimum) é uma
Gro Steinsland considera uma referência a um culto para gigantas planta herbácea utilizada tradicionalmente para fabricação de fibras
(Steinsland, 1986, p. 216), idéia compartilhada por BERNÁRDEZ, têxteis na Escandinávia desde a pré-história, especialmente no leste
2010, p. 186. Neste caminho, baseando-se nas perspectivas dos da Suécia, e também era um símbolo de riqueza (DAVIDSON, 1998,
estudos de cultura material de Neil Price, cogitou-se a narrativa como p. 98-99). O alho-poró (Allium porrum) é uma planta europeia muito
uma demonstração na crença do falo enquanto símbolo de valores utilizada na alimentação, mas ao mesmo tempo, é um das ervas mais
hierárquicos sociais, políticos e religiosos (HEDEAGER, 2011, p. associadas à tradição fálica e sexual no mundo germânico, utilizada
104-114). Quanto aos críticos, temos K. Düwel na década de 1970, em encantos para amuletos desde a Antiguidade (MACLEOD, 2006,
que considerava este conto uma invenção cristã do século XIV para p. 103). A poesia éddica emprega esta erva como metáfora para a
desmoralizar o paganismo (SIMEK, 2007, p. 366). Mais recentemente, virilidade, a exemplo do herói Sigurd que é comparado a um alho poró
em um denso estudo bibliográfico e documental, voltou-se a cogitar a crescendo acima da grama (“sem væri grænn laukr”, Guðrúnarkviða
Völsa þáttr como um produto mais próximo da época de composição in forna 2).
do Flateyjabók que a do paganismo (TOLLEY, 2009, p. 1-18), ou Estas duas plantas aparecem inseridas na inscrição rúnica de
seja, um produto literário da Idade Média Tardia. Num caminho uma faca de Fløksand, Noruega, datada do século IV d.C e encontrada
intermediário, cogitou-se que os fazendeiros relatados pela saga não numa sepultura feminina: “Lina, laukaz, fehu” (Linho, alho poró,
eram mais pagãos, mas “tradicionalistas passivos”, isto é, cristãos prosperidade) (MACLEOD, 2006, p. 103). Evidentemente aqui temos
que perpetuavam práticas dos tempos pagãos através do folclore uma fórmula mágica intentando a abundância de comida, protegendo
(DUBOIS, 2006, p. 76). assim toda a fazenda. Essa conexão de fertilidade ctônica tem sentido
com outras referências éddicas desta erva, como no momento após
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a criação de Midgard por Odin, Vili e Ve, onde “brotaram do chão Assim, fertilidade a abundância foram simbolizadas pelo
verdejantes alhos porós” (“þá var grund gróin grænum lauki”, Völuspá membro masculino ereto. Na célebre descrição de Adam de Bremen,
4). existia uma estátua do deus Freyr em Uppsala com um imenso
Em algumas inscrições rúnicas, o nome da erva é abreviado falo (“cum ingenti priapo”, Gesta Hammaburgensis 26), do mesmo
para vários l, como na inscrição de Gjersvik, Noruega, e em vários modo que a estatueta sueca de Rällinge, século XI, considerada uma
amuletos surge também a runa n, Ing, o nome de uma antiga divindade representação deste deus com membro enrijecido.14 O falo não é
da fertilidade, associada a Freyr nas fontes nórdicas. Cavalos e reis meramente uma metáfora para os cultos de fertilidade, mas um
relacionam-se a este deus, e aqui, obviamente, nos remetemos símbolo do poder de penetração, ocupando aqui um código social de
novamente ao exemplo de Völsi. Não somente a carne dos cavalos era dominação e submissão relacionado com as diferenças de hierarquia
consumida em rituais, mas o próprio rei era conectado à fertilidade social e sexual. Deste modo, a sexualidade não é uma esfera separada
de todo o reino, sacrificado em tempos de fome (como Domaldi na da política no mundo nórdico, atuando no cotidiano religioso e social
Ynglinga saga 15). Também encontramos uma conexão entre cavalos, (HEDEAGER, 2011, p. 115, 118).
fertilidade, soberania e reis em comum com outras antigas tradições O segundo aspecto a ser considerado no conto de Völsi é o
europeias. A maior similitude ritualística entre o mundo nórdico ritual. No momento em que todos recebem o Völsi e recitam poemas,
representado por Völsi é com o culto de Reitia, no norte da Itália, uma das estrofes repete-se por nove vezes: “Receba mörnir este objeto
cujo santuário tinha cabeças de cavalo e era alcunhada de Pora (alho sagrado” (“Þiggi mörnir þetta blæti”, Völsavísur 4). A tradução da
poró), enquanto sua equivalente romana, a deusa da magia Carmentis, palavra mörnir é muito debatida, recebendo duas conotações: espada,
recebia o título de Porrima (MACLEOD, 2006, p. 104-105, 107-108). num sentido similar a pênis (nos poemas mnemônicos þulur); e
Mas se neste contexto mediterrânico a fertilidade é representada giganta (como no poema éddico Haustlöng 6, refererindo-se a Skaði
por deusas, na área escandinava ela é eminentemente relacionada e no poema escáldico þórsdrápa 7 relacionada a seres combatidos
com a virilidade masculina. Em pinturas rupestres da idade do pelo deus Thor). Dentro deste último referencial, a pesquisadora Gro
bronze (especialmente Buhuslan, Suécia), imagens masculinas fálicas Steinsland intentou perceber no conto de Völsi a prova de um antigo
surgem em diversos contextos: sagrando a união entre um homem culto para gigantas, onde o pênis do cavalo representa o deus Freyr e
e mulher, segurando armas, remando, etc. Monumentos pétreos mörnir uma giganta (STEINSLAND, 1986, p. 216-222). Concordamos
imitando pênis são conhecidos na região de Vestlandet, Trondelag com a pesquisadora quando concebe as gigantas como integrantes de
e Helgeland (Noruega), e são associadas a regiões sagradas de culto uma cosmovisão nórdica (portanto mítica), onde esses seres femininos
(hov) (HEDEAGER, 2011, p. 112). A maioria das estelas gotlandesas da foram considerados muito importantes, tanto como mantenedores do
Era Viking (com caráter funerário) possuem um formato nitidamente
14 Pesquisadores estão contestando a interpretação de que esta estatueta seja de Freyer (SANMARK, 2004,
fálico. Duas das mais famosas destas estelas, Tjängvide I e Ardre VIII, p. 160; TOLLEY, 2009, p. 15). Neil Price afirma que ela pode se tratar tanto da representação de Freyr como de
Odin, Loki, um anão, um gigante, um rei, um homem – ou seja, qualquer figura masculina libidinosa apontada
representam um cavaleiro (Odin ou um herói falecido) entrando no pelas fontes nórdicas (PRICE, 2006, p. 179-180). Questionamos esse ponto de vista: Odin geralmente é
representado como um caolho nas esculturas e pingentes; a única evidência concreta de uma imagem de Loki
Valhala com o pênis ereto, sendo recebidos por uma valquíria e seu é a pedra de Snaptun (um homem de bigode com a boca costurada). Se considerarmos que outras estatuetas
(como a do deus Thor de Eyrarland, Islândia) possuem exatamente a mesma dimensão (6,9 centímetros),
indubitavelmente trata-se de amuletos relacionados às principais divindades. E levando em conta o relato de
hidromel. Adam de Bremen, a maior probabilidade é de que a estatueta seja mesmo a representação de Freyr.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

casamento quanto da ordem e do caos no universo, como os deuses. enfatizado pelos pesquisadores como um reflexo da importância
Mas aqui temos que separar mito de rito, algo que já debatemos no feminina nos cultos domésticos, equivalente a uma sacerdotisa
início deste artigo. Reiteramos Tolley (2009, p. 17) e Dumézil (1992, (BERNÁRDEZ, 2010, p. 184). Esse papel feminino preponderante
p. 112-113) de que não existiu no mundo nórdico uma veneração a seria um reflexo do culto às gigantas (STEINSLAND, 1986, p. 216-218)
gigantas e também baseado em pesquisas toponômicas, o acadêmico ou da oposição do poder feminino na esfera privada, oposto ao poder
Brink (2007, p. 125) cita que únicos seres femininos que receberam masculino da esfera pública (ritos odínicos) (BOROWSKY, 1999, p.
culto na Era Viking foram as deusas Freyja e Frigg. 25). Esta última pesquisadora ainda compara os rituais de seidr16
As figuras de Gerd e Skadi constituíram importantes elementos e as perfomances femininas pagãs (como a da poetisa Steinunn17)
nos simbolismos hierogâmicos, onde a figura de um deus casando com o controle da fazendeira com o Völsi, e do mesmo modo que
com uma giganta foi um elemento central nos rituais de fertilidade. Steinsland opõe esse ritual doméstico com a esfera dos cultos a Odin,
Pequenas placas de ouro descobertas na Escandinávia e retratando representado pelos guerreiros e elite aristocrática. Nas concepções
um homem abraçando uma mulher, vem sido considerados oferendas destas duas pesquisadoras, temos evidentemente um referencial
votivas simbolizando Freyr e Gerd – como o local do achado feminista, que consideramos um tanto anacrônico.
originalmente era o salão real, esse casamento pode ter sido conectado
a uma origem mítica da dinastia real (SØRENSEN, 1999, p. 215). Tabela 1: Esquema diacrônico da narrativa de Völsi (para a região da
Mas isso não significa que a giganta (no caso, Gerd) foi cultuada, e Escandinávia)
sim, de que ela era parte importante de um ritual que na realidade,
Período cristão tardio
prepondera a importância de uma divindade masculina, o deus Freyr. Era Viking Período cristão inicial
(século XV)
(793-1066) (século XI-XII)
Do mesmo modo, o conto de Völsi enfatiza a conservação e celebração Forma literária definitiva do
Origem do ritual Composição oral do conto
conto
de um pênis de cavalo, que deve ter representado originalmente um
Ritual hierogâmico Ritual hierogâmico Celebração de um pênis de
vínculo direto com este deus. Neste caso, a frase “Receba mörnir este desconhecido, empregado durante cavalo em todas as noites
objeto sagrado”, somente reforça uma sacralidade relacionada ao envolvendo o cerimônias de casamento durante o Outono, pelos
simbolismo da e colheitas no mundo membros de uma fazenda. O
membro animal. A tradição falocêntrica de um amor mágico pode união entre um rural, de origem pagã e objeto é destruído pelo rei
ser conferida em outras fontes nórdicas durante o medievo, como deus e uma giganta, preservado pelo folclore. cristão Oláf. A intenção objetiva
na inscrição rúnica de Bergen (século XIII) e no poema Buslubæn15 possivelmente Irreverente e humorado, do conto é desmoralizar o
conectado à figura essencialmente paganismo, mas empregando
e também está conectada a um imaginário onde o pênis de cavalo do cavalo, à plantas empregado para fecundar uma antiga narrativa conhecida
desempenha um papel central tanto na difamação pública quanto (linho, alho poró) e simbolicamente a noiva. da audiência.
ao deus Freyr.
no conceito de masculinidade escandinava (MITCHELL, 2011, p. 57).
O último elemento a ser considerado no conto de Völsi são as Em primeiro lugar, não há como relacionar diretamente os rituais
pessoas envolvidas. A mulher do fazendeiro ocupa um lugar central,
16 O seidr era um ritual da Era Viking essencialmente feminino e praticado tanto para fins curativos, quanto
15 Para uma análise da relação entre falicentrismo e gigantas no poema Buslubæn, consultar: LANGER, amorosos, maléficos e para auxílio em época de escassez (LANGER, 2010, pp. 177-202).
2009b, p. 66-90. 17 A respeito da performance pagã de Steinunn na Njáls saga, consultar LANGER, 2011, pp. 3-22.

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de seidr ao conto de Völsi:18 a maioria das fontes literárias, inclusive a Grim, mascarado), versus um culto a fertilidade feminino e doméstico
que contém mais detalhes, a Eiríks saga rauða 19, não ocorre qualquer (representado pela mulher do fazendeiro) também é mais um
menção a falo ou cavalos. Em segundo, apesar de não sermos contrários referencial anacrônico, portanto, contemporâneo.21 Como já vimos
antes, diversos aspectos dos rituais de fertilidade envolviam
a ideia da importância do papel feminino na esfera doméstica e na
aspectos masculinos como femininos. Se por um lado, tanto Freyr
religiosidade20 e das gigantas na mitologia nórdica em geral, e mais quanto Njord podem encarnar simbolismos propiciatórios, paz e
especificamente nas concepções hierogâmicas, não há como negar a casamentos, também Thor é uma importante deidade masculina
preponderância de um pênis de cavalo na narrativa – um detalhe omitido que protege a vida na terra para quem depende da caça, pesca e
por Borowsky em toda a sua argumentação. A essência da narrativa é a fazenda.22 Mesmo entidades tipicamente femininas, como as dísir,
tanto encarnam a fertilidade da terra quanto possuem conexão com
de um culto falocêntrico e não de um ritual a um ser feminino. Mesmo
casas reais (DAVIDSON, 2001, p. 101-106, 113).23 Numa fazenda, tanto
no mundo rural nórdico, onde as narrativas orais de fertilidade eram
o fazendeiro como a sua esposa podiam conduzir ou liderar os cultos
essenciais para a sobrevivência cotidiana (especialmente nas colheitas), religiosos (ROESDAHL & SØRENSEN, 2008, p. 130), não havendo
os deuses ocupam um lugar privilegiado. Não há uma separação tão necessariamente uma especialidade de gênero neste quesito. Neste
nítida entre o espaço da lavoura, da criação dos animais ou do ambiente sentido, concordamos com Tooley (2009, p. 17) quando afirma que
doméstico. Todos são conectados e cada deus ou deusa ocupa um lugar apesar do conto basear-se no conhecimento da antiga tradição nórdica
de mulheres liderando cultos e práticas religiosas, foi elaborado
dependendo da situação e não do contexto espacial. Assim, deuses são
dentro do referencial cristão de que a autoridade feminina é diabólica.
relacionados a organização das comunidades, a guerra, ao trabalho, ao Como conclusão, podemos apontar alguns caminhos para
campo e terra, as viagens, negócios e heranças, leis, enquanto que as futuros debates, persistindo no referencial de que existem ainda
deusas se concentram em aspectos particulares da vida (nascimento, muitas possibilidade reflexivas para se pensar as fontes medievais. A
crescimento, cura, amor, sexo). De maneira nenhuma as deusas eram ideia de que o conto de Völsi é um produto tardio do cristianismo pode
ser questionada em um dado omitido pelos pesquisadores céticos
concebidas como “campeãs” e defensoras das mulheres oprimidas em
(como TOOLEY, 2009). Nas ilhas Féroe (de colonização norueguesa),
um mundo masculinista (DAVIDSON, 1998, p. 189-190). foi preservado um folclore relacionado ao casamento, denominado
Em terceiro lugar, essa oposição entre um culto odínico de Drunnur. Um osso do rabo de um boi ou ovelha decorado com fitas
caráter masculinista, ligado à realeza e aos guerreiros (supostamente é passado durante esta cerimônia, momento no qual o participante
representando pelo mesmo nome dos três visitantes na narrativa,
21 Para este referencial na narrativa de Völsi consultar especialmente: BERNÁRDEZ, 2010, p. 185; BOROWSKY,
1999, p. 24-25.
22 Thor é conectado diretamente com a fertilidade da terra (ROESDAHL & SØRENSEN, 2008, p. 130).
18 A não ser o fato que o termo Völsi pode ser relacionado a volr (bastão), utilizado pelas volvas e praticantes 23 Também deidades masculinas relacionadas com o sexo e a fertilidade possuíam conexões com a soberania
de seidr (HEDEAGER, 2011, p. 107). e a liderança aristocrática, como Freyr. “No contexto nórdico, Odin é associado com o alto escalão de poder,
19 Para detalhes sobre o episódio de seidr nesta fonte, consultar: LANGER, 2010, pp. 177-202. com reis e nobres; Freyr e Thor são deuses do nível da chefia local (...) Tanto Thor quanto Freyr representam
20 Concordamos com Borowsky (1999, p. 32) quando afirma que as performances femininas eram importantes a fertilidade para as chefias locais”. Mas também temos que estar atentos às variações regionais dos cultos:
em situações de crise para manter o equilíbrio entre a fazenda e a esfera pública; e com Jochens (1998, p. 163) enquanto Odin é preponderante na alta aristocracia do oeste nórdico, Freyr e Thor são mais importantes no
que considera que o cristianismo colaborou para declinar a importância do papel feminino do período pagão. mundo islandês (STEINSLAND, 2001, p. 38, 39).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

deve proferir um verso pequeno antes de passar para a próxima O ZODÍACO VIKING: REFLEXÕES SOBRE
“vítima”. Geralmente os versos possuem insinuações de jocosidades ETNOASTRONOMIA E MITOLOGIA ESCANDINAVA
sexuais (DUBOIS, 2006, p. 76). O detalhe de um membro animal
com fitas sendo passado para outra pessoa após uma versificação é Nos dias de hoje, uma grande quantidade de livros e sites
estruturalmente idêntico à narrativa de Völsi. Com isso, os detalhes do divulgam a ideia de que existiu um zodíaco entre os nórdicos da Era
humor (especialmente as estrofes do irmão passando o objeto para a Viking. Nossa principal intenção neste presente artigo é realizar um
irmã e a dos escravos, Völsavísur 6 e 9), não se devem a um referencial balanço historiográfico do tema e demonstrar que essa teoria não
do cristianismo debochando do paganismo, mas de uma característica é nova, nasceu durante o século XIX e prosperou equivocadamente
própria do humor sexual da Era Viking, que pode ser observado em mesmo entre os estudiosos de mitologia e Astronomia escandinava.
outras fontes literárias mais antigas, como nas cenas de casamento Aqui não tencionamos desqualificar as crenças vigentes na
da þorgils saga ok Halfliða 10. Práticas similares também podem ser credibilidade da Astrologia ou respaldar referenciais supostamente
conferidas em outras fontes folclóricas da Europa Setentrional, como racionalistas frente a concepções ditas irracionais ou fantasiosas, mas
festas das colheitas da Escócia e Bavária (DAVIDSON, 2001, p. 105). antes utilizar os referenciais da Etnoastronomia, isto é, perceber que
Existe uma grande probabilidade de que o conto de Völsi seja toda interpretação e interesse pelos fenômenos celestes possuem
um eco de ritos hierogâmicos efetuados ainda na Era Viking, mas conotações culturais, mas também sociais, políticas, econômicas,
que desconhecemos maiores detalhes (ver tabela 1). Essas crenças religiosas e ideológicas (Campion, 2004, p. xxiii). Ao mesmo tempo em
sobreviveram pelo folclore da Idade Média Central, associadas a que procuramos entender a própria percepção (ou não) dos nórdicos
casamentos e festas das colheitas, mas já numa sociedade cristianizada. medievais em torno do zodíaco, refletiremos sobre os mecanismos
Com o tempo, a literatura do medievo tardio transformou-se num contemporâneos de releitura e compreensão do passado.24
instrumento eficaz de conversão, adaptando a narrativa para um
efetivo controle ideológico da audiência. As antigas crenças pagãs são A origem do zodíaco
agora desmoralizadas pela figura triunfante do santo, que substitui
a adoração de objetos idólatras pela salvação cristã, mas que ainda
“Em todos os países e em todas as épocas exploradas
persistem na memória coletiva. Com isso a literatura ao mesmo tempo pela ciência histórica, encontramos o zodíaco mais ou
em que é produto da história, também é agente transformadora dela.
Mas de qualquer modo, é um reflexo do dinamismo cultural em que 24 A Etnoastronomia é uma disciplina recente, formada originalmente dos estudos de Arqueoastronomia,
que reúne as metodologias da Astronomia, da Etnologia e da análise iconográfica (Baity, 1973, p. 340).
a religiosidade está inserida. Ela surgiu no final dos anos 1960 e foi utilizada essencialmente por autores como John Carlson, Anthony
Aveni, entre outros. Mais recentemente, também nos Estados Unidos, surgiu a ciência da Astronomia
Cultural, que supostamente seria mais conceitualmente flexível, sendo preferida por vários pesquisadores
à antiga Etnoastronomia - algumas críticas que foram executadas para a utilização conceitual dela, incluem
a suposta discriminação de saberes universais em detrimento dos locais e o uso do termo etno (Borges,
2012, p. 3). Para outros, a Astronomia Cultural derivaria da Arqueoastronomia, ou mesmo seria a substituta
moderna desta (Campion, 2003, p. xvi). Em sistematização recente, o pesquisador Clive Rugges aponta
que a fronteira entre Arqueoastronomia e Etnoastronomia não é muito clara e que alguns acadêmicos estão
usando o termo Astronomia Cultural para substituir a ambos (Rugges, 2005, p. 152). Apesar desta polêmica,
preferimos conservar o conceito e a terminologia da Etnoastronomia, aos moldes de sua discussão nos anos
1970, moldados essencialmente pela metodologia advinda das discussões entre fontes e sua recuperação
contemporânea pelos pesquisadores (Rugges, 2005, p. 261-265).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

menos idêntico, com sua forma circular, suas dozes sub- relacionadas ao zodíaco eram em número de sete29 (Búfalo, Leão,
divisões, seus doze signos com os mesmos nomes e seus Escorpião, o Carreteiro da água, Peixes, Carneiro, Bode), datadas do
sete planetas. A Babilônia, o Egito, a Judéia, a Pérsia, a
período 3200 a 2000 a.C. A forma final com 12 asterismos (Búfalo,
Índia, o Tibete, a China, as Américas do Norte e do Sul,
os países escandinavos, os países muçulmanos e muitos Leão, Escorpião, Carreteiro de água, Gêmeos, Virgem, Arqueiro, Peixe,
outros conheceram o Zodíaco e praticaram a astrologia”. Carneiro, Caranguejo, Balança, Bode) surge em 700 a.C. (Thompson,
M. Senard. Le zodiaque, 1948, citado por Chevalier, 2002, 2012, p. 1-12). O horóscopo e o registro regular do movimento
p. 973. planetário surgiram entre 750 a 60 a.C. (Rogers, 1998a, p. 10).
De modo geral, podemos classificar a história deste
Esse referencial de que o zodíaco foi uma idéia comum a quase desenvolvimento de uma fase mais primitiva, com intenções apenas
todos os povos antigos, incluindo os escandinavos, é uma constante em observacionais, passando em seguida para o registro e formulações
grande parte da bibliografia sobre o assunto, algo que debateremos de livros. A fase do registro diário e a formulação de horóscopos é
ao longo do artigo e em especial para a Era Viking. Mas o que vem um processo bem tardio e recente, tendo finalmente como desfecho
a ser o zodíaco? É uma construção cultural (Baity, 1973, p. 390), a transferência deste conhecimento para a área grega e árabe. O
uma área imaginária do céu, determinada pelo movimento anual famoso zodíaco de Dendera, no Egito (datado do séc. I a.C.), possuía
do Sol e planetas em uma faixa conhecida como eclíptica25 (Mourão, constelações idênticas ao padrão mesopotâmico (Rogers, 1998a, p.
1995, p. 146). Inicialmente, os povos mesopotâmicos organizavam 10-11). Mas não existem evidências do uso de um zodíaco completo
suas constelações26 em dois sistemas, um zodiacal – relacionado à pelos gregos antes do século V a.C., diretamente influenciado pela área
agricultura, e outro equatorial – utilizado para navegação. O zodíaco mesopotâmica (com exceção dos signos de Áries e Libra, Thompson,
foi também utilizado como demarcador de estações, pois tinha 2012, p. 3). O mais provável é que a região mediterrânica absorveu
relação direta com a agricultura. E a sua divisão em 12 partes foi a tradição do Oriente Médio via Egito, adaptando observações
um processo posterior à formação dessas constelações, cujos nomes celestes com influências supostamente advindas de planetas e signos
foram associados aos mitos da região27 (Mourão, 1995, p. 20-23). – a base da tradição astrológica. Muitos cultos religiosos, como o
Inicialmente o zodíaco nasce na Babilônia entre 1300 a 500 mitraísmo (já no período romano), estavam associados a concepções
a.C., mas a forma final com 12 signos só foi estabelecida no século zodiacais (Rogers, 1998b, p. 81). Mas além das zodiacais, os gregos
VII, e mais tardiamente, no V, foi estabelecida a relação entre meses também utilizavam constelações próximas à eclíptica (chamadas de
do ano e as constelações zodiacais.28 As mais antigas constelações
foi usado apenas como abstração matemática para calcular o movimento lunar e planetário (Thompson, 2012,
25 Eclíptica é a trajetória aparente do Sol entre as estrelas (Mourão, 1995, p. 138). Ela é importante para os p. 10-11).
povos do passado para poder determinar a posição do Sol e dos planetas (Rugges, 2005, p. 142).
29 A equivocada ideia de que o zodíaco mais antigo já teria a forma completa de 12 signos e também de que
26 Constelações são agrupamentos de estrelas, classificadas de acordo com a sua posição celeste: boreais os mesopotâmicos conheciam a precessão dos equinócios foram promovidas por acadêmicos oitocentistas e
(situadas no hemisfério norte); austrais (situadas no hemisfério sul) e zodiacais (situadas no Zodíaco) (Mourão, do início do século XX, mas foram questionados por matemáticos, historiadores, assiriólogos e astrônomos
1995, p. 137). (Thompson, 2004). “A precessão dos equinócios é um movimento do equinócio (ponto da esfera celeste,
27 As constelações mesopotâmicas representavam os deuses e seus símbolos (animais heráldicos e figuras intersecção da eclíptica com o equador) que consiste em uma ação retrógada (ou precessão) sobre a eclíptica,
divinas, transpostos ao zodíaco) e de outro lado, as atividades relacionadas com o mundo rural. Apesar do da ordem de 50.256 segundos por ano, ou seja, uma volta completa do equinócio em 26.000 anos” (Mourão,
número de constelações mesopotâmicas ser muito grande, apenas as zodiacais foram transpostas ao ocidente 1995, p. 143). Nos primeiros zodíacos, era a constelação de Touro que era considerada o primeiro signo, a
(Rogers, 1998a, p. 9). partir de 2.500 a. C. o equinócio teve lugar em Áries e no primeiro século de nossa era deslocou-se para Peixes
28 “O zodíaco de signos equalizados (os signos zodiacais são divisões abstratas do céu sem intervalo entre (Mourão, 1995, p. 20). Também as constelações zodiacais possuíam um tamanho variável, somente definido
as fronteiras de dois signos vizinhos) nunca foi utilizado pelos babilônicos como sistema de coordenadas. Ele para intervalos de 30º depois do século V d. C. para finalidades astrológicas (Rogers, 1998a, p. 9).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

paranatellonta) para determinar datas (Baity, 1973, p. 390). Além das O nascimento da teoria zodiacal Viking
regiões da Ásia (China e Índia) e do Oriente Médio e Mediterrâneo,
Em 1821, o acadêmico islandês Finn Magnússen30 publicou
somente a Mesoamérica desenvolveu sistemas zodiacais. As alegações
o primeiro volume de sua tradução comentada da Edda Poética,
dos cronistas latinos de que os celtas e ibéricos teriam um zodíaco
Den Ældre Edda. Nesta obra, Magnússon considerava em rápidos
são vistos hoje como pura interpretattio romana, apesar destes povos
comentários, que o poema éddico Grímnismál31 seria uma alusão aos
terem desenvolvido observações e cultos celestes (Baity, 1973, p.
12 signos zodiacais, supostamente vistos pelos nórdicos da Era Viking
391). A difusão destas construções culturais em áreas tão distintas
como meses de um calendário (Magnússen, 1821, p. 19, 140, 194).
tem levado os acadêmicos a amplos debates. Sendo o zodíaco uma
Posteriormente em outro livro, publicou um detalhado capítulo sobre
construção altamente subjetiva (a única constelação que tem a forma
essa teoria. De maneira geral, o referencial mitológico de Magnússen
do que representa é Escorpião), a utilização de figurações semelhantes
pode ser enquadrado em dois aspectos concomitantes: o uso frequente
em áreas distintas pode deixar margem para a teoria de um centro
do método da mitologia comparada, e de outro lado, interpretações
original de difusão, mas alguns pontos polemizam essa questão:
naturalistas e românticas dos mitos nórdicos. Fazendo especialmente
por exemplo, na Índia – do mesmo modo que nos primórdios da
uso de diversas comparações entre os panteões clássicos e orientais,
Mesopotâmia – o zodíaco era baseado em oito figurações (e suas
inclusive tibeteano, hindu, budista e egípcio (Magnússen, 1824, p.
respectivas casas) e não em doze (Baity, 1973, p. 406), enquanto
1-282), o acadêmico chega inclusive a comparar linguisticamente
que entre os maias acreditava-se em treze constelações zodiacais
termos como Ask e Embla com o hebraico antigo (p. 74) ou a citar
(Schele, 1993, p. 9).
o alquimista Paracelso (p. 37). Sua maior influência teórica foi a
De qualquer forma, percebemos que a ideia do zodíaco foi
obra de Friedrich Creuzer, Symbolik und mythologie, citada diversas
desenvolvida acima de alguns parâmetros: primeiro, em torno
vezes (p. 19, 55, 216). O mito é tratado como a personificação de
de culturas antigas que se localizavam em torno de 15 a 45º de
um símbolo – e no caso das perspectivas de Magnússen, um símbolo
latitude norte e sul do equador (o que permite uma observação
completa das constelações da eclíptica); segundo: todas as culturas 30 Também conhecido como Finnur Magnússon (1781-1847), acadêmico nascido na Islândia, mas fixado na
Dinamarca. Foi professor de mitologia e literatura escandinava em Copenhagen. Famoso por sua tradução
com zodíaco (chineses, hindus, mesopotâmicos, egípcios, gregos, comentada ao dinamarquês da Edda Poética (Den Ældre Edda, em quatro volumes, de 1821 a 1823) e posterior
coleção de análises da mitologia (Eddalæren og dens Oprindelse, em quatro volumes, de 1824 a 1826), mas
romanos e maias) tinham um nível urbano sofisticado e um complexo ficou conhecido pela polêmica em traduções runológicas. Também publicou vários livros sobre arqueologia
nórdica na Groelândia e Rússia (Ripley, 1879; Helgason, 1938, p. 236). Foi amigo do escandinavista Carl Rafn,
da qual compartilhava a teoria de que a pedra de Dighton nos EUA era de origem nórdica (sobre o tema ver
domínio de matemática, engenharia e arquitetura, além é claro, Langer, 2012)
31 O Grímnismál (As palavras de Grímnir) é um poema éddico encontrado no principal manuscrito da Edda
do registro de observações celestes e formação de calendários; Poética (Codex Regius e AM 748 I 4to) e citado extensivamente por Snorri Sturlusson na sua obra Edda
Menor. Consistem em 54 estrofes, muitas delas compostas no estilo ljóðaháttr, outras no galdralag. O núcleo
terceiro: o conhecimento astronômico seja básico (simples registro do poema representa um catálogo de conhecimento mitológico, cosmológico, visionário e xamanístico e não é
difícil imaginar a performance oral do poema durante o período pagão (Lindow, 2005, p. 150-151). A maior parte
de vários fenômenos celestes) ou mais complexo (como a construção das interpretações tradicionais do poema foi influenciada pelos estudos de A. Hamel e M. Olsen, onde a maior
parte didática de Grímnismál seria um produto típico do fim do século X, na fase final do paganismo nórdico,
de monumentos alinhados com os solstícios e equinócios) não e a tortura de Odin vista como um ritual para obter conhecimento, aos moldes do xamanismo. Outros autores,
como J. Fleck, interpretaram o poema em relação à realeza sagrada. Mais recentemente, a origem cultual do
necessariamente levou uma cultura a desenvolver o zodíaco, a exemplo poema vem sendo descartada, em detrimento de uma utilização tardia como poema didático pagão (Simek,
2007, p. 119). Mas alguns autores ainda insistem na origem cerimonial desta fonte poética (especialmente
dos anazazi, incas, indígenas brasileiros e latino-americanos, africanos, conectada a cerimônias de iniciação do paganismo), como Gunnell (2000). Em outra perspectiva, a geografia
mítica constante do poema é vista como um reflexo direto da sociedade e do mundo dos homens (Larrington,
2002, p. 73-74). Para uma pequena síntese dos debates das ideias entre realeza sagrada versus xamanismo
polinésicos e outros povos. no poema, ver Harris, 2005, p. 81 e Larrington, 2002, p. 60.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

essencialmente provindo de fenômenos naturais, a exemplo das Tabela 1: o zodíaco da obra Eddalæren (Magnússen, 1825, p. 244)
valquírias, vistas enquanto a personificação das auroras boreais,
ʘ Indgangderi
cometas ou meteoros (Magnússen, 1825, p. 20). Os cinco planetas Solhus 35 Guddom 36 Himmeltegn 37
1825 38
visíveis a olho nu seriam as projeções das principais divindades (Odin Ydale Uller Skytten 22 Novembr
como o planeta Mercúrio, Tyr identificado a Marte, Frigg a Vênus, Alfheim Freyr Stenbukken 22 Decembr
Thor como Júpiter e Loki como Saturno) (Magnússen, 1821, p. 138). Valaskjalf Vale Vandmanden 20 Januar
Esse referencial naturalista foi particularmente desenvolvido Söckqvabeck Odin (og Saga) Fiskene 18 Februar
em sua teoria zodiacal. No poema éddico, o deus Odin tem uma visão Gladsheim Hropt (eller Odin) Væderen 20 Marts
e começa a descrever as moradas dos deuses, que implicitamente Thrymheim Skade Tyren 20 April
se supõe serem todas em Asgard. Diversos deuses são nomeados Breidablik Baldur Tvillingerne 21 Mai
assim como os nomes de suas moradias, com algumas descrições de Himmelbjerg Heimdall Krebsen 21 Junii
atividades (Grímnismál 4-17). O autor considera que cada moradia Folkvang Freya Löven 23 Julii
dos deuses corresponde a uma casa solar (Solens 12 Huse), sendo o Glitner Forsete Jomfruen 23 August
Noatun Njord Vægten 23 Septembr
trono de Odin (Hlidskjalf) situado no zênite,32 visto que o início do
Landvide Vidar Skorpionen 23 October
poema alude ao fato que a partir deste trono qualquer deus poderia
observar todos os mundos (Hliðskjálfu ok sáu um heima Allá33). Deste 35 36 37 38

modo, cada localidade dos deuses corresponderia a um período de A teoria de Magnússen apresenta vários problemas. Em
30 dias, somando-se a 12 moradias, encontra-se o referencial de um primeira instância, o poema Grímnismál não descreve exatamente
zodíaco completo34. Baseando-se no referencial astrológico presente 12 moradias, e sim 13, mas o contexto geral do poema é confuso. A
nos almanaques de sua época, o pesquisador elabora um calendário partir da oitava estrofe é que as moradias recebem uma contagem, de
completo, adaptado para o período de 1825 (Magnússen, 1825, p. número cinco (Glaðsheimr heitir inn fimmti), até a décima primeira
243-244) (ver tabela 1). (Nóatún eru in elliftu). Antes da contagem, logo no início da visão
de Odin, é descrita a morada de Thor (Þrúðheimi), que não entra na
contagem do poema, e na estrofe 17, a moradia de Vídar também
não é sequenciada (Víðars land Viði). Mas se levarmos em conta o
contexto geral do poema, narrando descritivamente a terra dos deuses,
o conjunto da visão de Odin que se estende das estrofes 4 a 17 deve
ser considerado como contendo 13 casas de divindades, portanto,
desqualificando a ideia de um zodíaco. Também em nenhum momento
35“Casa do Sol” (mês zodiacal), no caso, as 12 casas dos deuses nórdicos.
32 “Ponto situado na esfera celeste na vertical acima de um observador” (Mourão, 1995, p. 146, grifo do autor). 36 “Divindade”
33 Grímnismál, edição de Guðni Jónsson, 1954. 37 “Sinais do céu”, os signos do zodíaco (seguindo a ordem da tabela: Sagitário, Capricórnio, Aquário, Peixes,
34 No original: “svarende til et Zodiakaltegn, eller et saadant Stykke af Ekliptiken, som Solen læger tilbage i en Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Balança, Escorpião).
Maaned paa 30 Dage” (Magnússen, 1825, p. 243-244) 38 “Data de início” da casa zodiacal para 1825. O símbolo ʘ, que consta na tabela original, refere-se ao Sol.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

na fonte existe a menção ao percurso do Sol – a ideia fundamental da revalorização da história nórdica esteve inserido essencialmente em
eclíptica – que o mitólogo insiste em estar explícita no Grímnismál39. motivações nacionalistas, onde os deuses servem como guias heroicos
O Sol é visto na mitologia escandinava como uma entidade feminina de um passado idealizado. Os artistas e intelectuais, buscando estas
e é citado em outras estrofes do mesmo poema (38 e 39), mas sem raízes, apelam para a Era Viking assim como os seus deuses e heróis.
nenhuma associação direta com as moradias divinas. Copenhagen, em particular, havia sido bombardeada pelos ingleses
Como já expusemos no início deste artigo, a ideia do zodíaco em 1807, originando um período efervescente do renascimento
foi desenvolvida essencialmente por povos antigos que estavam escandinavo na primeira metade do século XIX. Muitos intelectuais,
localizados entre as latitudes 15 a 45º de latitude norte e sul do inclusive, apelam nesta época para interpretações filosóficas
equador. Utilizando o programa de planetário Sttelarium40 (Oslo, ano e esotéricas da mitologia escandinava (Lönnroth, 1999, p. 236).
800 d. C.41, 59° de Latitude Norte, 10° de Longitude), percebemos Enquanto as ciências exatas (como Física e Astronomia) haviam
que durante o transcurso de um ano, duas constelações zodiacais abandonado as crenças astrológicas há pelo menos dois séculos,
não são bem visíveis na Escandinávia: Escorpião (Sco) e Sagitário diversos setores das ciências humanas ainda abrigavam suas ideias
(Sgr). Escorpião é vislumbrado somente até a estrela Antares (alpha), essenciais. Neste caso, o zodíaco surge como um contraponto para
ou seja, menos da metade do asterismo tradicional. Sagitário, a revalorização da cultura Greco-romana (o neo-classicismo), que
devido à forte iluminação do Sol nascendo praticamente no mesmo desde o final do Setecentos vem também sendo agregado aos mitos
momento em que suas estrelas começam a surgir no horizonte sul, nórdicos pela intelectualidade escandinava (Mjöberg, 1980, p. 231).
não é visível.42 Nas regiões onde foi desenvolvido o zodíaco clássico Para os modelos comparativos de Finn Magnússen, a existência
(Mesopotâmia, Egito, Grécia, latitudes entre 10 e 45º a norte do de um zodíaco na Era Viking só confirmaria o nível de civilização que
Equador), as constelações relacionadas à eclíptica eram totalmente os nórdicos deveriam ter em seu passado, de modo semelhante aos
visíveis. Assim, a possibilidade dos nórdicos da Era Viking terem povos orientais e mediterrânicos. E esse passado pagão em nada
desenvolvido um zodíaco com doze constelações é praticamente nula. contrariava uma sociedade cristã. Ao revelar a existência de 12 casas
E também não existem outras fontes mitológicas, registros rúnicos, zodiacais na Escandinávia alto-medieval, Magnússen apenas seguia
descrições literárias ou materiais que possam validar essa teoria. uma tradição mais remota. No século XVII, o astrônomo alemão Julius
Mas o que levou Magnússen a essa surpreendente interpretação? Schiller publicou o atlas celeste Coelum Stellatum Christianum, no
Temos que refletir primeiramente as condições sociais em que os mitos qual os signos tradicionais do zodíaco foram substituídos pelos 12
foram editados, traduzidos e reinterpretados. O ambiente geral dessa apóstolos de Cristo (Schiller, 1627, p. 31, 33, 59, 65), mas na própria
Idade Média a convivência dos simbolismos pagãos da astrologia
39 “I Grimmnsemaal skildres vel ethvert af disse Solhuse som en Gudebolig”, Magnússen, 1825, p. 243, grifo com o cristianismo era frequente, sendo aplicada na medicina e em
do autor.
40 Chereáu, 2012. várias esferas da sociedade, praticada pela cultura erudita e tolerada
41 Ano estabelecido para o início da Era Viking em toda a Escandinávia.
42 Escorpião é parcialmente visível de janeiro a março (ano 800 d. C.), e Sagitário entre fevereiro a março
pelos teólogos oficiais da Igreja (Petrosian, 1972, p. 20).43 Apesar
– mas o horário em que esta última supostamente começaria a nascer acima do horizonte sul (03 horas da
manhã), o Sol aparece próximo, a Leste, bloqueando a sua visibilidade (até hoje, o sol em Oslo durante o verão
surge entre as 3 e 4 horas da madrugada e se põe próximo das 22 horas da noite). Para as mesmas datas em 43 Em 1647 foi publicado o livro Christian astrology, de Lilly, demonstrando a forte ligação da tradição
Reykjavík (Islândia, 64º Latitude Norte), a constelação de Sagitário é completamente invisível. astrológica com a cultura ocidental (Thomas, 1991, p. 269).

42 43
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

deste forte simbolismo do número doze para a tradição ocidental,44 bispo em Estocolmo, Esaias Tegner concebe uma obra que revaloriza
em especial para o cristianismo e a Igreja (Chevalier e Gheerbrant, o antigo ideal de vida e heroísmo, mas também transferindo para o
2002, p. 348-349), ele não desempenhou nenhum papel religioso, cristianismo a herança desse passado pagão. Assim, a teoria zodiacal
ritual ou simbólico na Era Viking - sendo muito mais importante encaixa-se perfeitamente nessa transferência, como já aludimos
para os nórdicos os números 3 e o 9. Estes dividiam o universo na antes, devido à forte ligação histórica da tradição astrológica com a
cosmologia escandinava: três níveis verticais atrelados a nove mundos cultura cristã.
(Sołtysiak, 2003, p. 231-242).45 Essa imagem poética de Tegner faz muito sucesso, sendo citada
em 1839 como integrante do próprio Grímnismál49 pelo antiquário
A recepção da teoria zodíacal Bror Emil Hildebrand50. Para ele, as moradas dos deuses citadas
nas Eddas não eram uma mera suposição irracional, sendo antes
Devido ao contexto que expusemos - do referencial civilizatório uma representação alegórica do zodíaco – portanto, uma imagem
que o zodíaco propiciava - as ideias de Magnússen encontraram pré-científica e civilizada. Hildebrand aprofunda o modelo zodiacal
grande eco nos estudos escandinavos durante o início do Oitocentos. do poema éddico, respaldado em seu conhecimento sobre folclore,
Um dos mais conhecidos artistas que resgatou os valores heroicos do arqueologia e runologia. Baseando-se na periodização de Magnússen
homem nórdico medieval, Esaias Tegner,46 cita diretamente a teoria (ver tabela 1), o antiquário considera Ýdalir o início do inverno para os
de Magússen na terceira parte de seu famoso poema, Frithiof saga, de antigos escandinavos, sendo Uller, filho de Sif e enteado de Thor, o deus
1825. As moradas divinas passam a serem representações dos meses do inverno (Hildebrand, 1839, p. 34), representado originalmente com
em que o Sol transcorre por elas, mencionado pelos escaldos como arcos e esquis – deste modo, identificado a Sagitário, o antigo portador
casas solares.47 Tegner não menciona o nome de Magússen e o fato de do arco na tradição mesopotâmico-clássica. Apesar da coincidência
citar os escaldos (poetas), transfere a concepção do zodíaco não mais do equipamento, o restante é puramente aleatório: originalmente,
para o mundo contemporâneo, mas para o próprio medievo.48 Sendo Magnússen ignorou a morada de Thor (Þrúðheimi51) no poema, tanto
44 O número 12 foi a base da numeração primitiva, a duodecimal, da qual a medida da dúzia é derivada. para manter a ideia do número 12, quanto para que este detalhe do
Simbolicamente, o doze era o numero da plenitude e da perfeição, resultado do número divino (3) e do número
terreno (4), assim como na tradição judaica foi o número das doze tribos de Israel e dos meses do ano para arco equaliza-se ambos os simbolismos zodiacais. Mas dificilmente
o computo do calendário. Cada constelação zodiacal corresponde a 30° da faixa zodiacal, ou seja, 1/12 da
eclíptica (Donato, 1978, p. 14, 18, 29). Apesar do ano ser uma medida astronômica (a média de 365 dias devido
ao movimento de translação da Terra em torno do Sol), a sua divisão em 12 partes é cultural: os Maias, por
uma constelação que recebeu conotações de um homem-cavalo em
exemplo, dividiam o ano religioso em 28 períodos de 13 dias cada e o ano civil em 18 meses de 20 dias cada
(contados de 0 a 19). E o sistema de contagem dos Maias era o vigesimal (Donato, 1978, p. 142-143).
uma região oriental,52 seguiria a mesma interpretação do asterismo
45 Segundo o pesquisador alemão Otto Siegfried Reuter, na Era Viking o dia era dividido em duas partes
simples (e não em duas partes de 12 horas como no mundo cristão); seis divisões do ano (e não em 12
meses como na tradição clássica) e o firmamento celeste sendo dividido em 8 seções (Reuter, 1982). Com a 49 “It is founded on one of the chaunts in the Elder or Poetic Edda, Grimnismal, Grimner´s song, in whose
penetração da cultura latina e cristã no mundo escandinavo, todas estas concepções modificaram-se, adotando description of the XII castles or dwelling of the gods (…) that the find an allegorical representation of the
essencialmente o simbolismo do número 12. Segundo outros pesquisadores, o ano solar nórdico era dividido knowledge possessed by the olden north respecting the zodiac, and the sun´s annual course though its XII
em 8 seções, chamadas de rodas solares (ou uma cruz solar com oito rodas) e o calendário era baseado nos constellations called by the scald sun-houses” (Hildebrand, 1839, p. 33, grifo da edição).
solstícios, no qual o deus Balder era especialmente associado (Bhatnagar e Livingston, 2005, p. 2). 50 Antiquário, numismata e fundador do Museu Nacional da Suécia (1806-1884), introdutor da classificação das
46 Professor, bispo e escritor sueco (1782-1846), um dos grandes responsáveis pela idealização romântica do três idades da Pré-História nas coleções arqueológicas suecas (Oxford Reference, 2013). Hildebrand insere-se
Viking – tanto o termo quanto o conceito (Mjöberg, 1980, p. 229). no amplo movimento de pesquisa arqueológica, histórica e cultural que a Escandinávia estava inserida entre o
47 “Himlen var tecknad därpå med de tolv odödligas borgar, växlande månaders bild, men av skalderna final do Setecentos e início do Oitocentos, onde as pesquisas de pré-história ou o resgate dos mitos medievais
nämndes de solhus” (Tegner, 1876, canto terceiro). era fomentada tanto pelos interesses políticos quanto de uma identidade nacional (Bahn, 1996, p. 87-91).
48 Como já afirmamos antes, em nenhum momento do poema Grímnismál (nas estrofes 4 a 17) existe qualquer 51 “A casa do poder”, Simek, 2007, p. 329.
referência ao fato do Sol estar em alguma moradia celeste (Solhuse em dinamarquês, Solhus em sueco), 52 Originalmente conhecida como Pabilsag, identificado com uma deidade sumeriana e depois a Ninurta.
tratando-se de uma afirmação fantasiosa de Magnússen e de Tegner. (Rogers, 1998a, p. 26).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

no mundo nórdico. Além disso, como já aludimos, a constelação de simbolismos figurativos da deidade nórdica com o signo oriental, o
sagitário não era visível na Escandinávia da Era Viking. Outro equívoco pesquisador sueco apela para a coincidência de datas entre a festa
de Hildebrand é de ter associado astrologicamente o início do inverno católica com o mês zodiacal.
em 21/22 de dezembro com Sagitário, mas na tradição oriental e A próxima moradia, Sökkvabekkr58, da deusa Saga, na qual para
clássica, este momento era com o signo de Capricórnio (Chevalier o mitólogo seria visitada diariamente pelo deus Odin, simbolizando a
& Gheerbrant, 2002, p. 184), e os próprios nórdicos consideravam o ascendência do sol sobre as ondas do mar (Hildebrand, 1839, p. 35)
início do inverno durante o segundo solstício53 do ano (Reuter, 1982). – sendo uma coincidência perfeita para sua associação com o signo
A morada seguinte, Álfheim 54, do deus Freyr, filho de de Peixes. Trata-se aqui de uma total licença poética do pesquisador,
Njord, foi relacionada com a festa de Yule, comemorada entre os pois não existem referências nas fontes mitológicas para associar
nórdicos pagãos no final do ano. Também Álfheim foi associada estas duas divindades com as ondas do mar.59
com signo de Capricórnio, mas neste caso, o autor não cita nenhuma A quinta moradia, Glaðsheimr60, situada no Valhalla, é a moradia
correspondência direta entre ambas as tradições. Talvez devido ao de Odin, coberta de escudos, lanças e cotas de malhas e para todos
fato desta constelação, a cabra marinha,55 representar uma figura aqueles que tombam em batalha. A correspondência que o autor
totalmente diversa do “sábio” deus nórdico das colheitas. encontra para relacioná-la com o signo de Áries seria a data da casa
Do mesmo modo, ao citar a terceira suposta casa zodiacal, zodiacal, de 21 de março a 20 de abril, supostamente a época em
Valaskjálf56, o antiquário concentra-se apenas em descrever as que as expedições marítimas eram iniciadas. Mais uma vez, o autor
características deste local e do deus Váli (filho de Odin com Rinda), buscando relacionar o local mítico com o mês zodiacal por meio de
sendo sua correspondência com Aquário citada rapidamente ao final referências totalmente aleatórias.
do parágrafo. A preocupação principal de Hildebrand, neste caso, é Já com Þrymheimr61, a moradia de Tiazi, herdada por sua filha
apresentar o deus e seus festivais pagãos que celebravam a vitória Skadi, recebe um detalhamento das narrativas éddicas sobre este
da luz contra as trevas e sua continuidade cristã, com o festival da gigante, mas ao final, o autor não concebe nenhum tipo de associação
Candelária no dia 2 de fevereiro.57 Não tendo como relacionar os direta para com o signo de Touro, do mesmo modo que a moradia
de Breiðablik62. Identificada com Balder, Hildebrand glorifica esta
53 “Instante no qual o Sol está mais afastado do equador (22 ou 23 de junho para o solstício de inverno e 22 ou
23 de dezembro para o solstício de verão, no hemisfério sul)” (Mourão, 1995, p. 144). Para o hemisfério norte,
invertem-se as datas. “O solstício é o tempo em que o Sol, tendo chegado aos trópicos, parece estacionar
antiga deidade, afirmando que ele seria a maior herança pagã para
alguns dias” (Donato, 1978, p. 47).
54 “Mundo dos elfos”, Simek, 2007, p. 8.
o mundo moderno.63 Totalmente imerso em um referencial típico
55 A mais antiga das constelações zodiacais, identificada ao deus Ea (Enki), o senhor das águas abaixo da
terra (Rogers, 1998a, p. 28). Mais recentemente, a imagem do Capricórnio passa a ser associada somente
com montanhas e sua morfologia perde a cauda de peixe. Mas ainda no medievo essa simbologia original era
conservada, com a imagem de uma cabra dentro de uma concha. anacrônico, sendo muito mais uma característica da tradição judaico-cristã e oriental.
56 Termo de tradução polêmica. Alguns o traduzem como “Salão dos guerreiros mortos”, devido a sua 58 “Sala do tesouro”, Simek, 2007, p. 297.
associação com o deus Odin (que só ocorre em Gylfaginning 16), mas baseado na toponímia, Simek (2007, p. 59 Alguns pesquisadores, através de similitudes linguísticas, acreditam que Saga e Frigg (a esposa de Odin),
346) o considera um antigo lugar de culto que hoje é desconhecido. seja a mesma deusa com nomes diferentes. Mas em todo caso, as referências a Saga são bem escassas nas
57 “(...) was a symbol of the victory of light over darkness. His month, in consequence of his, was called fontes primárias (Lindow, 2005, p.264-265; Simek, 2007, p. 273-274).
Liósberi (Lucifer, Light-bearer) and festivals were held to celebrated the increasing daylight” (Hildebrand, 60 “Casa brilhante”, Simek, 2007, p. 112.
1839, p. 24, grifo do autor). Desconhecemos estes festivais pagãos associados a Vali que o autor menciona,
não constante dos rituais públicos que conhecemos sobre a Era Viking (ver Davidson, 2001, p. 87-126). No 61 “Reino do estrondo”, Lindow, 2005, p. 293.
levantamento toponímico feito por Stefan Brink, Vali não é mencionado, indicando que não existia culto a essa 62 “Aquele que brilha distante”, Simek, 2007, p. 44.
divindade (Brink, 2007, p. 124-125), ou seja, ela foi somente incluída no panteão mitológico e na tradição oral. 63 “It is the glory of the Mithology of the North, and no heathen people has anything more beautiful to present
Essa associação do autor para um simbolismo pagão que oporia as luzes contra as trevas também é muito us” (Hildebrand, 1839, p. 36).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

de sua época, onde o deus Balder seria uma espécie de antevisor do da Suécia. Depois, realiza um detalhado estudo sobre o calendário
cristianismo, ou o próprio Cristo.64 O signo correspondente é Gêmeos. rúnico medieval, correlacionando efemérides solares e lunares com
Para a moradia de Himinbjörg65, relacionada com Heimdal, as tradições festivas, folclóricas e religiosas do medievo (Hildebrand,
o acadêmico sueco recupera as narrativas sobre seu papel como 1839, p. 38-46).72
guardião da ponte Bifrost e no crepúsculo dos deuses durante o Com isso, percebemos que as ideias de Hildebrand concentram-
Ragnarok. O Caranguejo é o signo correspondente. Por sua vez, se muito mais no folclore medieval e contemporâneo do que em
Fólkvangr66 é a morada da deusa Freyja, relacionada ao signo de evidências presentes nas Eddas ou em outras fontes da mitologia:
Leão. Mas neste momento, Hildebrand associa esta deusa ao planeta o zodíaco viking pretende ser uma verdade assentada unicamente
Vênus, algo já descrito anteriormente por Magnússen.67 O período de pelo conhecimento que os escandinavos tinham de Astronomia,
Leão (23 de julho a 23 de agosto) também é citado pelo autor como herdado dos antigos germanos e preservado até o século XIX,
sendo os dog-days, período de muito calor no hemisfério norte.68 As como no uso de almanaques73 e da observação visual no meio rural
três últimas moradas descritas são as de Glitnir69, ocupada pelo deus (para fins de controle de sazonalidade das colheitas). Mas como
Forseti (filho de Balder e Nana), correspondente a Virgem; Nóatún70, já demonstramos até aqui, observações e registros de fenômenos
residido por Njord e associado ao signo de Libra; Land Við71, ocupado celestes não necessariamente levaram os povos antigos a elaborarem
por Vidar, filho de Odin, identificado a Escorpião. a ideia de constelações zodiacais. De qualquer maneira, a teoria
No desfecho da pesquisa de Hildebrand, o antiquário enuncia seguiu adiante, sendo defendida por outros autores,74 mas geralmente
as evidências de uma grande tradição do povo sueco na observação descrita sem maiores análises ou outros detalhamentos. É o que ocorre
astronômica, desde os tempos de Jordanes (século VI d. C.), referindo- com o famoso historiador e poeta Erik Geijer,75 que em Svea rikes
se aos Godos e seu conhecimento sobre 346 estrelas, até o folclore häfder, um exaustivo compêndio de geografia, história e literatura
moderno e as tradições de calendário dos camponeses do interior da Escandinávia Medieval, cita rapidamente o Grímnismál como um
relato do percurso anual do Sol (Geijer, 1825, p. 347-348).
64 A ideia de Balder vivendo de acordo com a fé cristã foi popularizada pelo escultor sueco Bengt Erland
Fogelberg no início do Oitocentos (Mjöberg, 1980, p. 232), apresentando em uma famosa escultura da Já o historiador Rudolph Keyser em seu estudo sobre a
divindade, padrões de bondade semelhante a Cristo.
65 “Castelo celeste”, Simek, 2007, p. 147. religiosidade pagã nórdica (Nordmændenes religions forfatning i
66 “Campo do povo”, Simek, 2007, p. 87.
67 Magnússen, 1821, p. 138. A identificação dos cinco planetas visíveis a olho nu com divindades nórdicas
hedendommen), aceita a interpretação do poema éddico como as
é um dos grandes debates da Etnoastronomia Escandinava, mas geralmente os pesquisadores tendem a
seguir o padrão da Germânia de Tácito até nossos dias (Odin a Mercúrio; Frigg/Freyja a Vênus; Thor a Júpiter;
12 casas divinas que o Sol transcorre no ano, devido a esse número
Tyr a Marte), como Ogier, 2012. Magnússen foi um dos poucos que associou Loki a Saturno (Magnússen,
1821, p. 138). Neste artigo, não trataremos dessa polêmica, a ser aprofundada em trabalho futuro, mas
adiantamos algumas questões do ponto de vista da Astronomia observacional: porque os nórdicos da Era 72 A questão dos usos de calendários na Era Viking e do calendário rúnico do medievo cristão, será analisado
Viking continuariam a tradição oriental e clássica de associar o planeta Vênus com uma deusa? Porque o deus por nós em outro trabalho futuro. Por motivo de espaço, não entraremos em maiores detalhes neste momento.
Odin teria sido associado a um planeta pouco brilhante e extremamente difícil de ser observado (Mercúrio)? 73 Os almanaques foram os responsáveis pela popularização da astrologia entre as comunidades rurais e nas
Sendo o planeta mais brilhante, porque Vênus não teria sido associado a Thor ou Odin? Porque o brilhante e classes menos abastadas das cidades, a partir do século XVII (Thomas, 1991, p. 244-250).
importante planeta Saturno ficou de fora das considerações de Tácito?
74 Hildebrand (1839, p. 37) aponta outro autor que defendia o zodiaco Viking (certamente influenciado por
68 É o fenômeno conhecido como Canícula, o momento quando a constelação do Cão Maior está visível (a Magnússen), mas não conseguimos ter acesso a essa obra: F. L. Studach, Sæmunds Edda des Weisen oder
sua estrela alfa, Sirius, a mais brilhante do céu, tem o nome latino de Canicula, pequeno cão) e coincide com o die ältesten norränischen, Nurnberg, 1829.
verão no hemisfério norte, de julho a agosto (Aupí, 2010). Não conseguimos determinar se o folclore do mês do
cachorro louco (associado no Brasil ao mês de agosto) tem relação com essa tradição astronômica. 75 Erik Gustav Geijer (1783-1847), um dos mais influentes historiadores e poetas suecos do Oitocentos. Foi
líder do grupo patriótico Götiska förbunder (A sociedade gótica), uma comunidade de acadêmicos e intelectuais
69 “Aquele que brilha”, Simek, 2007, p. 113. de Estocolmo que pesquisavam a Era Viking, além de encontros com recitações e reconstituições de rituais
70 “Local dos navios”, Simek, 2007, p. 235. com pessoas caracterizadas e brindes com cornos de hidromel. Também editou o periódico deste grupo, Iduna
71 “Terra descomunal”, Hollander, 2008, p. 57. (Lönnroth, 1999, p. 236-237).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

ser também o número de nomes de Odin,76 coincidindo com o conjuntamente com um ano solar de 12 meses, repetindo as ideias
zodíaco. Keyser repete toda a tabela de Magnússen, mas ao final do e a tabela zodiacal de Finn Magnússen (Thorpe, 1851, p. 130).
capítulo comenta que a ideia de um calendário pagão pode estar Percebemos na obra deste mitólogo que existe uma preocupação
equivocada (Keyser, 1854, p. 138-140). Outros pesquisadores, apesar em unificar uma tendência interpretativa mais antiga (os símbolos
de acreditarem na teoria zodiacal, acabaram criando interpretações da astrologia), com padrões científicos que se tornam cada vez mais
diferenciadas de calendário. O mitólogo alemão Franz Mone em seu populares – a Astronomia observacional, além da Física e Química.
livro Geschichte des heidenthums im nördlichen Europa, por exemplo, O mito aqui é a metáfora de uma natureza ordenada que somente o
associou os mesmos deuses de Grímnismál com outros meses e signos conhecimento científico pode ter acesso.
astrológicos, de forma diferente de Magnússen e seus seguidores.77
Na segunda metade do século XIX, a teoria zodiacal prosseguia As críticas e o renascimento do zodíaco nórdico
incólume. Em uma das primeiras grandes sistematizações do período
romântico, Northern mythology, do alemão Benjamin Thorpe, somam- Durante a segunda metade do século XIX, as críticas ao modelo
se as tradicionais interpretações dos mitos como personificações zodiacal surgem, como as do periódico britânico Frazer´s magazine,
de fenômenos da natureza, mas também algumas das primeiras especializado em folclore e mitologia comparada. Num de seus
considerações sobre o antigo conhecimento astronômico na Europa artigos, comenta-se que as ideias dos signos e dos 12 meses não
Setentrional. No primeiro caso, para citar somente alguns exemplos, seriam próprias do nórdico antigo, mas das ingênuas especulações
Thor seria a personificação da eletricidade, Freyja o gás carbônico e astronômicas de Finn Magnússen (Lotner, 1861, p. 191).
Magni o magnetismo.78 A observação do céu pelos antigos nórdicos O interesse pelo tema diminui tanto das interpretações
seria manifesta nos mitos pela presença do curso do Sol durante o mitológicas quanto dos editores e tradutores das Eddas logo no
ano, a menção aos dias, a memória e os signos astrológicos. Algumas início do século XX. Esporadicamente foi incluída em alguns estudos,
estrelas são citadas, como os olhos de Tiazi e os dedos de Aurvándil.79 como Semantik mysteriereligion, de Sigurd Agrell, durante a década
Mas o que realmente ocupa a atenção do mitólogo é a questão do de 1930,81 mas foi somente a partir dos anos 1970 que ela ressurgiu
calendário. Para Thorpe, os nórdicos teriam utilizado um ano lunar80 plenamente na obra de pesquisadores independentes. Em 1978
o intelectual islandês Einar Pálsson publica o livro Rammislagur,
76 Na realidade o historiador cometeu um grande equívoco, pois somente no poema Grímnismál, são citados
mais de 50 cognomes para o deus Odin. Mais uma vez, percebemos a utilização do simbolismo do número 12 novamente associando as moradas divinas presentes no Grímnismál
para confirmar a teoria zodiacal viking.
77 Balder seria Escorpião (outubro); Freyja o signo de Capricórnio (dezembro); Forseti seria Aquário (janeiro); com as 12 casas zodiacais (Sigurðsson, 1998, p. 72; 2009, p. 854-
Njord o signo de Peixes (fevereiro), etc. (Mone, 1822, p. 387-389).
78 Odin, Vili e Ve seriam as três leis da natureza (gravidade, movimento e atração); os cavalos dos deuses 855; 2010).
seriam as vibrações do ar; as jornadas de Thor no mundo dos gigantes seriam uma alusão ao magnetismo
terrestre (Thorpe, 1851, p. 123-127). Logo depois, o médico de origem islandesa Björn Jónsson,
79 Na realidade, trata-se aqui dos dois únicos mitos estelares preservados pelas Eddas: Tiazi, um gigante
que teria sido morto por Thor (ou Odin, dependendo da fonte) e cujos olhos foram arremessados ao céu, residente no Canadá, publica o livro Star myths of the Vikings: a new
nomeando duas estrelas (Hárbarðzljóð 19); e outro gigante, Aurvándil, cujo dedo foi transladado para o céu
(Skáldskaparmál 17). Para Thorpen, os olhos de Tiazi seriam as duas estrelas da cabeça da constelação do concept of norse mythology (1994), baseado diretamente nas ideias de
Touro (beta e zeta), enquanto o dedo de Aurvándil poderia ser a estrela polar ou uma das estrelas da Ursa
Maior (Thorpe, 1851, p. 127). Não entraremos aqui no amplo debate interpretativo e de identificação estelar
sobre esses dois mitos celestes presente na Etnoastronomia Escandinava, a ser tratado futuramente por nós
Einar Pálsson. O livro de Jónsson é até hoje uma das poucas publicações
em outro estudo.
80 Baseando-se essencialmente no poema éddico Vafþrúðnismál 25 (Thorpe, 1851, p. 127). 81 Comstock, 1985, p. 852.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

voltadas exclusivamente para o estudo da Astronomia na Escandinávia repete na área nórdica (Thor contra Jörmunganðr), mas sem nenhuma
medieval, sendo citado pelos escassos estudos da área, mas não base mítico-folclórica para assegurar esta interpretação celeste.84
recebendo nenhuma crítica sistemática ou detalhada. Algumas de
suas interpretações celestes foram debatidas superficialmente,82 Tabela 2: o zodíaco de Bjorn Jónsson (baseado no mapa Celestial mirror
mas a teoria zodiacal não foi incluída em nenhuma destas avaliações. of the Eddas)85
Jónsson realizou uma série de mapas celestes, reconstituindo
Morada divina Divindade Signo zodiacal
as constelações supostamente conhecidas pelos nórdicos. Um destes Thrudheimur Thor Pisces
mapas, com o nome de Celestial mirror of the Eddas, apresenta doze Noatum Njordur Aquarius
divisões zodiacais, baseadas na interpretação de Pálsson do poema Glitnir Forseti Capricornius
éddico Grímnismál 83 mas a sua correlação dos signos com as moradas Folkvangur Freyja Sagittarius
Niflheimur Heimdallur Scorpius86
divinas é diferente da proposta criada anteriormente por Finnur
Breidablik Baldur Libra
Magnússon. Em primeira instância, Jónnson inicia a sua divisão levando Thryheimur Skati Virgo
em conta a morada do deus Thor, Þrúðheimi, algo que foi omitido no Gladsheimur Odinn Leo
século XIX como já verificamos, e retirou a terra de Vidar, land Viði, Sokka Berkur Saga Cancer
permitindo assim que permanecessem exatamente doze moradias, Valaskjalf Vali Gemini
Alfheimur Freyr Taurus
para equalizar com os signos do zodíaco (tabela 2). Para reforçar sua
Ydalir Ullur Aries
interpretação, Jónsson considerou que Þrúðheimi, na constelação de 86
Peixes (Psc), estava situado na mesma área que a serpente do mundo De maneira geral, a carta celeste de Jónsson apresenta vários
– identificada pelo autor com o asterismo de Cetus (Cet, o monstro problemas. Apesar de conter a maior parte das constelações próximas
marinho que Perseu enfrentou na mitologia grega). Assim, a tradição ao polo celeste norte (incluindo a estrela Polaris ao centro), como
do herói enfrentando uma besta do mar (Perseu contra Cetus), se a Ursa Menor (UMi), Cefeu (Cep), Dragão (Dra) e Cassiopéia (Cas),
o problema é que apresenta algumas constelações visíveis até uma
82 As maiores críticas ao livro de Jónsson vieram de astrônomos: no periódico Journal for the history of
Astronomy o resenhista critica sua postura de transferir os padrões clássicos de figurações das constelações
declinação de aproximadamente 45° sul – o que é um grande erro,
e planetas para o mundo nórdico, sem maiores respaldos em fontes primárias; sua interpretação da Yggdrasill
como sendo a Via Láctea e objetos celestes situados nela; erros de citação bibliográfica e de fontes primárias
visto que Sagitário, Eridano (Eri) e Cão Maior (CMa) não podem ser
(Krupp, 1997, p. 353-354); alguns erros de referência bibliográfica foram apontados, evidenciando falta de
maiores conhecimentos em história da Astronomia (Thompson, 2001); a sua associação de figuras míticas com visíveis da latitude da Escandinávia (acima de 55°) (Ridpath, 2011,
fenômenos celestes é questionada por falta de metodologia (Ogier, 2002); sua interpretação de que a narrativa
de Thor pescando a serpente do mundo seria uma alegoria da passagem dos planetas Saturno e Júpiter na p. 192, 200, 204, 208).
constelação de Cetus durante o início da Era Viking foi totalmente questionada por falta de evidências em
fontes primárias (Sołtysiak, 2005, p. 175). Já para com folcloristas, mitólogos e historiadores, sua obra foi A ausência dos registros de uma tradição astronômica e de
mais aceita: a base de sua teoria – de mitos que refletiriam um conhecimento astronômico e cosmológico e
que foram preservados incólumes até o século XIII pelas Eddas, apesar de artificial (especialmente com os
seus mapas celestes), teria coerência e base folclórica (Kuperjanov, 2006, p. 55-58); Mais recentemente, o
mitos celestes mais desenvolvidos entre os nórdicos da Era Viking, fez
renomado professor Gísli Sigurðsson vem aceitando a principal ideia de base de Jónsson: o conhecimento
preservado na obra de Sturlusson sobre mitologia seria um reflexo direto das experiências islandesas de 84 O melhor e mais documentado estudo procurando determinar que constelação teria sido Jörmunganðr (a
observação do firmamento (Sigurðsson, 2009, p. 859; 2010; 2012). Não tivemos acesso ao livro original de serpente que Thor enfrentou na mitologia) na Era Viking, é o de Sottisyak, 2005, p. 175-178, na qual conclui que
Jónsson. Para nossa crítica a seu referencial sobre zodíaco, utilizamos as suas cartas celestes disponíveis na se trata do asterismo da Hidra (Hya), localizado entre Virgem, Touro, Cancer e Centauro.
web (Jónsson, 1994; Sigurðsson, 2010) e as interpretações astronômicas disponíveis pelo próprio autor em 85 As terminologias usadas na tabela seguem o padrão de Jónsson.
documentário na web (Jónsson, 2012). 86 O nome do signo não consta no mapa de Jónsson, apenas o desenho da constelação de Escorpião – neste
83 A base do mapa contém o comentário: “Zodiac by Einar Pálsson´s interpretation of Grimnismal”. caso, utilizamos o seu nome latino.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

com que Jonssón realizasse uma reconstituição totalmente arbitrária e Mais deficiências dos estudos de Jónsson podem ser percebidas
em algumas vezes, confusa. A constelação de Pégaso (Peg) é associada em outro mapa celeste de sua autoria87 (The ash of Yggdrasill, figura
a Loki, enquanto Sagitário é tanto associado à deusa Freyja quanto ao 2), desta vez tendo os asterismos a forma de desenhos, além das linhas
coração do gigante Hrungnir. Asterismos tradicionais na Antiguidade, entre as estrelas. A Via Láctea é identificada com a árvore cósmica
como Touro (Tau) e Dragão (Dra), conservaram a mesma forma animal, Yggdrasill – uma idéia atualmente seguida por diversos acadêmicos
sem que existam fontes para confirmar essa hipótese interpretativa. (ver Langer, 2013a) e referendada pelo folclore de outros povos
Algumas ausências do mapa celeste de Bjorn Jónsson são europeus, como os finlandeses. O problema são as constelações.
injustificáveis. O mito celeste do gigante Tiazi, que foi morto por Em primeiro lugar, Jónsson realiza a configuração dos asterismos
Thor e teve seus olhos arremessados aos céus (Hárbarðzljóð 19) não Escorpião (Sco) e Lobo (Lup) da mesma forma que receberam na
foi reconstituído em nenhum momento. A constelação da Ursa Maior tradição oriental e clássica. Comparando as mesmas constelações
(UMa), um dos mais importantes agrupamentos de estrelas para nas mais diversas culturas do mundo, percebemos que geralmente
muitas culturas, pois é visível em praticamente quase todo o mundo, receberam referenciais diferentes. Não há motivo para que os nórdicos
não recebeu nenhuma reconstituição, apesar de uma forte tradição percebem-se a constelação de Escorpião exatamente como este
no mundo germânico desde a Alta Idade Média (Sá e Langer, 2013). A animal, pois ele nem mesmo ocorre nas latitudes setentrionais. E
impressão geral desta carta celeste é a de que para o nórdico medieval, apesar da importância da figura do lobo na mitologia escandinava,
praticamente todos os objetos celestes receberam a transposição não existem indícios de que eles interpretaram esse asterismo (Lup)
de algum mito contido nas Eddas, mesmo que não tenha relação do mesmo modo que os gregos e orientais – aliás, estes últimos o
direta com fenômenos astrais. Sendo certo que existiu uma tradição percebiam como um animal selvagem não especificado, sendo depois
astronômica e mitos celestes na Escandinávia da Era Viking, ela foi do Renascimento que ele passou a ser identificado com um lobo
perdida parcialmente, e sua reconstituição é algo que deve ser inferido (Ridpath, 2011, p. 170).
por alguma fonte comparativa, como os estudos de literatura, história, De qualquer modo, nem a constelação de Lobo e nem Centauro
folclore e mitologia comparada. A associação do autor com conceitos (Cen) (definidas no mapa de Jónsson como Lobo e Mimir) são visíveis
modernos de Astronomia, também beira o anacronismo total, como na Escandinávia. O detalhe mais controverso deste mapa é a referência
denominar a linha do Equador de muralha fortificada (em referência ao poço de Mimir (Mimisbrunnur), que recebeu o desenho de uma
aos muros de Asgard), a eclíptica de Asgardur e o zodíaco de Hlidskjalf espiral abaixo de Mimir (a constelação de Centauro), o que pode ser
(o trono de Odin). No próprio poema Grímnismál, o trono é situado inferido como a suposta interpretação nórdica para a nebulosa saco
em um ponto elevado de Asgard (algo próximo do conceito do zênite), de carvão (situada entre Centauro e Cruzeiro do Sul, Cru) – conhecida
mas tanto a linha da eclíptica quanto a faixa zodiacal envolvem uma entre os gregos até certo período na Antiguidade, mas totalmente
boa parte do céu e não se fixam em apenas uma região específica do invisível para as latitudes nórdicas (Ridpath, 2011, p. 128).
firmamento celeste no hemisfério norte.

87 Para mais detalhes sobre os mapas celestes de Bjorn Jónsson e outros pesquisadores, consultar Langer,
2013b.

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Apesar de sua influência nos novos estudos de Etnoastronomia, artigo, analisamos em separado alguns casos presentes na web,
a obra de Bjorn Jónsson recebeu várias críticas. Em primeiro lugar, a devido a sua ampla difusão e a falta de maiores reflexões por parte
sua falta de metodologia para o tratamento de questões da Astronomia dos pesquisadores acadêmicos.
cultural, fixando-se extremamente nos modelos oriental-clássicos e Temos uma das primeiras tentativas em se fundir a teoria
não procurando estabelecer padrões nativos para o reconhecimento zodiacal viking com as runas germânicas. Para compensar a existência
de fenômenos astronômicos (Ogier, 2002). Em segundo, apesar de de 16 runas da Era Viking, o autor associou em alguns casos, mais
suas reconstituições da Yggdrasill como a Via Láctea e as supostas de um símbolo rúnico para cada casa zodiacal. A associação entre
constelações nórdicas de Cisne, Águia e Ratatosk serem possíveis, divindade nórdica, signo astrológico e runa é uma abstração do autor,
todo o restante de seus mapas celestes são puramente hipotéticos não existindo nenhuma fonte primária medieval que respalde esse
e artificiais – sem correspondência ou respaldo em material antigo, modelo. Apesar de alguns deuses e narrativas mitológicas estarem
medieval ou folclórico. relacionadas com a magia rúnica, não existe associações entre esta
e o mundo celeste, ao menos no paganismo da Era Viking. O mais
O zodíaco Viking e o esoterismo antigo registro rúnico com referências astrológicas é da Suécia do
século XII, referente a um ritual a ser executado no dia de Frigg/
Com o advento do século XX, novas percepções sobre o passado Freyja (sexta) durante os auspícios do signo de Leão – mas neste
se ampliaram, mesclando-se a interpretações místicas e filosóficas caso, trata-se de uma influência da astrologia ocidental provinda da
sobre o mundo e os homens. Aqui nomeamos de esoterismo todas essas Europa continental e já num período cristianizado, não tendo relação
ideias que envolvem a natureza e o sobrenatural e não levam em conta direta com alguma prática dos tempos pagãos (Macleod e Mees,
o discurso e o método científico – aliás, em alguns casos se apropriam 2006, p. 56). Mas mesmo assim, um calendário como o proposto por
do próprio conhecimento científico para reforçar suas convicções. Bülowe não existia na Idade Média. Temos um calendário com uma
A falta de um esquema de obtenção do saber universalmente aceito proposta muito mais ousada: tenta inserir em um mesmo contexto
por parte do esoterismo acabou criando uma infindável gama de a astrologia clássica, as runas germânicas, os ogamos e os festivais
diferentes formas de interpretação do universo. No caso da Astrologia, celtas. No mundo esotérico atual, não há limites para a imaginação
ela tanto acabou sendo utilizada por pesquisadores de uma forma e a criatividade inventiva!
dita científica e rigorosa (em alguns casos, utilizada pela Psicologia Esta é a mais popular forma de astrologia utilizando o mundo
e Psicanálise, como na obra de Carl Jung), como também largamente nórdico, a saber, associando os 12 signos astrológicos clássicos com
empregada pelo esoterismo e simbolismo mágico contemporâneo algumas runas selecionadas do sistema de 24 runas germânicas
(Defrance, 1972, p 83-94). Com a popularização da cultura de massa, (anteriores à Era Viking). Neste caso, a seleção é puramente aleatória
e em especial, com o triunfo global da rede mundial de computadores, e depende de critérios abstratos do autor. Outros escritores esotéricos,
diversas ideias esotéricas acabaram fundindo a antiga teoria zodiacal como Mirella Faur e Liliane Decker, utilizam associações diferentes
dos nórdicos com outros temas muito caros ao misticismo moderno, entre runas e astrologia: Ur, por exemplo, é considerada como
como as runas e a magia iniciática. A seguir, como desfecho de nosso influenciada pelo planeta Marte (Decker, 1997, p. 46), enquanto que
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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Fehu teria associações com “o asteroide Ceres” (Faur, 2007, p. 143). aleatórias, como o dia de Yggdrasill, o blot de Vali e o blot aos ancestrais.
Além de Ceres não ser um planeta (do ponto de vista astronômico e O objetivo deste arbitrário esquema é o de criar um calendário anual
da astrologia clássica), não é visível a olho nu, portanto, não poderia com 12 repartições, ajustando ele ao mundo contemporâneo (e assim,
ser conhecido na Idade Média e muito menos ter qualquer tipo de aos meses solares e ao zodíaco). O seu desenho interno, portando uma
associação com as runas. Outras associações dos sinais rúnicos com cruz com roda solar e a intersecção da runa Geofu, lembra muito mais
astrologia (como a suposta divisão do céu por meio das runas Beorc, as reconstituições nazistas dos simbolismos religiosos escandinavos,
Ken, Jera e Dag e a associação de “constelações odínicas” com as 24 durante os anos 1930, do que as gravuras equivalentes do medievo
runas do futhark antigo, Duane, 1997, p. 52) também são puramente pagão. O resultado geral é de uma reconstituição altamente ideológica
fantasiosas. e despropositada.
Uma curiosa e totalmente abstrata tentativa de relacionar AGRADECIMENTOS: Aos pesquisadores Thomas DuBois
o mundo celeste com as runas. Sem nenhum tipo de respaldo em (University of Wisconsin), James Ogier (Roanoke College) e
fontes medievais, o autor afirma que algumas constelações teriam especialmente a Gísli Sigurðsson (University of Iceland) pelo envio
sido associadas a runas, devido ao contato que os vikings tiveram de material. Todas as ideias expressas são de responsabilidade do
com a Astronomia árabe (Webber, 2000). Apesar deste contato ter autor.
existido, não ocorre nenhum tipo de evidência de que os nórdicos
tenham assimilado algum tipo de conhecimento astronômico da
área oriental. Algumas interpretações de Webber beiram o cômico:
para o asterismo da Ursa Maior, o autor interpreta que seria a runa
do deus Tyr, Tiwaz, devido ao poema rúnico saxão o identificar a
uma estrela e o fato da Ursa Maior ter sido usada pelos navegantes
para orientação. Como a runa possui uma forma de seta, nada mais
óbvio do que ser uma espécie de direcionador estelar para o Polo
Celeste Norte! Mesmo este poema originalmente citando a runa Tiwaz
como uma estrela guia (ver tradução de Dickins, 1915, p. 19), isso
não significa que a ela tenha sido considerada uma constelação pelo
mundo germânico medieval, pois esta envolve um número muito
maior de estrelas. O mais lógico, no contexto da fonte, seria teorizar
que a estrela Polar seria identificada com a runa Tiwaz entre os
anglo-saxões (mas neste caso, se trata de uma estrela da constelação
da Ursa Menor e não Maior).
Aqui o autor reconstituiu festivais religiosos que realmente
ocorreram no mundo germânico antigo, com datas totalmente
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VALQUÍRIAS E GIGANTAS: MODELOS
MARCIAIS FEMININOS NA
MITOLOGIA ESCANDINAVA

Desde que foi popularizada no século XIX, as investigações


em mitologia germânica (incluindo a área escandinava) foram
privilegiadas pela abundante quantidade de fontes documentais,
iconográficas e materiais, fato percebido pelo famoso pesquisador
Mircea Eliade. Apesar da sua diversidade, os estudos de mitos sempre
preponderaram pelas fontes escritas e somente nas últimas décadas os
acadêmicos estão tentando articular de modo mais dinâmico a relação
entre os tipos diferentes de materiais disponíveis. Assim, fontes visuais
e arqueológicas da Era Viking passaram a ser entendidas em conexão
com os documentos escritos, estes preservados após a cristianização
e muitas vezes repleto de referenciais sincrônicos. Também as novas
interpretações do fenômeno da religiosidade ampliaram as discussões
sobre o papel do mito, da magia e dos rituais nas crenças pré-cristãs.
Estudos mais recentes, preocupando-se com as categorias sociais e as
redes de relações sociais das crenças, concederam aos pesquisadores
a possibilidade de entenderem as religiosidades antigas de modo
mais dinâmico, escapando de visões estáticas e as limitações de
interpretações institucionais ou meramente políticas (Langer, 2006a,
2006b). Deste modo, o presente artigo procura refletir sobre um tema
muito comum nas fontes mitológicas nórdicas, as mulheres guerreiras,
procurando perceber como as fontes visuais e escritas se articulam
neste assunto, e em outro viés, quais as motivações sócio-culturais
presentes nas representações. Com isso, nosso principal referencial
teórico é a interpretação cultural do mito, tentando entender os
mecanismos simbólicos que a sociedade nórdica criou sobre o tema

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

do marcial feminino, mas sem fugir aos referenciais históricos que entre os irlandeses (na figura da deusa Morrigan). Como dito
lhes são inerentes.88 anteriormente, as valquírias são servas de Odin, prontas para obedecê-
lo sob qualquer circunstância. Normalmente eram retratadas no
As valquírias89 século VIII como guerreiras, portando escudo, espada e elmo. Elas
obedeciam as ordens de seu deus e senhor, decidindo os vitoriosos
Dentro da perspectiva do mundo escandinavo, as valquírias e os derrotados segundo o que lhes era dito, além de conduzir heróis
sempre foram motivo de temor e fascínio aos homens. Com uma clara e reis para o Valhalla (Davidson, 1988, p. 92).
associação com o combate, essas servas de Odin são a representação Esta autora também nos descreve diversos aspectos das
ideal quando tratamos das representações da mulher guerreira. Ao valquírias, em várias fontes, demonstrando a diversidade existente. A
entrar na esfera que é normalmente caracterizada como masculina primeira delas é talvez a mais notável: o combate. Interessante é notar
(a citar, a guerra), veremos que tais personagens possuem diversas que estas funções variam de acordo com a fonte. Na poesia éddica, por
facetas que lhes concedem poderes tanto dentro e fora do mundo exemplo, podemos encontrar o segundo aspecto, o papel de esposa
marcial. espiritual do herói (Davidson, 1988, p. 92). Outra faceta que podemos
O termo deriva-se do original nórdico valkyrja (pl. valkyrjar), citar é a associação com as donzelas cisnes, e por fim, com a figura
que significa “Aquela que escolhe os mortos” (Simek, 2007, p. 349). das profetisas, especialmente as nornas, as equivalentes germânicas
Entre suas diversas atribuições, essas guerreiras iam de encontro das parcas, entidades que presidiam sobre o destino dos homens,
aos combatentes que pereceram no campo de batalha para levá-los que nem mesmo o pai dos deuses, Júpiter, seria capaz de cometer
ao Valhalla e assim esperar pelo Ragnarök, o fim do mundo. Mas as tal ato de interferir no próprio destino dos homens e dos imortais. A
valquírias também eram as mulheres que serviam estes mesmos interação com os mortos também é algo extremamente característico
homens, retratando uma subserviência de certo modo incoerente à tais mulheres, pois em diversos poemas da Edda Poética vemos
com seu status. a figura da valquíria manifestando essa faceta, seja para convocar
Mas o que realmente caracteriza a Valquíria? Hilda Davidson, guerreiros para Odin ou até mesmo para acompanhar o funeral de
em seu livro Myths and Symbols in Pagan Europe, nos traz a idéia alguém sob as ordens da mesma deidade (Langer, 2009a, p. 59-78).
que sucintamente responde tal indagação. Ela afirma que o aspecto Em síntese, temos quatro aspectos essenciais relacionados com estas
da mulher sobrenatural, capaz de mudar o rumo de uma batalha, é personagens: atendentes (servindo no Valhala), amantes/esposas,
apresentado não somente na tradição escandinava, mas igualmente lutadoras (escolhendo e protegendo os heróis e reis), profetisas (em
88 Nossas principais influências da nova História Cultural são Jacques Le Goff, Carlo Ginzburg, Peter Burke
conexão com o destino) (Davidson, 1988, p. 97).
e Ernest Gombrich. Pensamos a religiosidade como um sistema simbólico extremamente dinâmico, produto
constante de hibridismos e ressignificações culturais, de preservação ou inovação de elementos autóctones O aspecto relacionado à batalha é complexo, ainda que nos soe
e estrangeiros. Sem apelarmos para uma idéia de natureza humana universal, inconsciente e anistórica (seja
o Homo symbolicus, o Homo religiosus ou os arquétipos), empregamos aqui com muito mais propriedade um exatamente o oposto. Elas parecem efetivamente entrar no campo
enfoque sincrônico, onde os hibridismos religiosos são refletidos a partir de conexões, embates e mesclas
sócio-culturais em um dado momento histórico. e batalhar junto com os guerreiros, além de presidir o sucesso ou a
89 No presente texto, adotamos para as deidades e termos mais comuns da mitologia escandinava as
suas nomenclaturas equivalentes para o português contemporâneo. Fontes e termos menos comuns foram queda de um guerreiro a seu bel-prazer. É dito que elas utilizavam
conservados em nórdico antigo. Detalhes e informações básicas sobre deidades, cultos e mitos do panteão
nórdico foram omitidos do texto por motivos de espaço. Sobre esses aspectos, recomendamos a leitura de cavalos para cavalgar pelos céus. Mas, por mais poderoso que seja o
Langer, 2009a, p. 17-186; Langer, 2005, p. 55-82.

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

temor que inspiravam no campo de batalha, uma valquíria não estava outro aspecto fundamental que não pode ser deixado de lado, em
acima das leis de Odin. Uma valquíria que ousasse desobedecer era momento algum.
severamente punida. O exemplo mais claro disso encontra-se em Kristina Bergen em sua dissertação de mestrado propõe uma
Brynhild90, a valquíria despertada por Sigurd na Völsunga saga.91 forma de percebermos a valquíria, caracterizando-a como a “amazona
Sua condenação acontece por uma transgressão: Odin a enviou ao germânica”, nomenclatura que está de acordo com a comparação
campo de batalha de modo que ela proporcionasse a vitória para realizada por Régis Boyer, um desafio ao mundo masculino, aonde a
um rei. Mas Brynhild, em um descuido, acaba por tirar a vida do rei mulher transpõe o que lhe cabe na sociedade, entrando em combate
que o deus escolhera vencedor. Furioso, ele a condena a um sono e possuindo proficiência em armas. A valquíria em si é uma figura
eterno, que apenas se encerraria quando um homem passasse pelo transcendente, capaz de ir e voltar de seu mundo de serventia para
local e a libertasse, e a prende em um salão protegido por escudos. A o mundo masculino do sangue e da guerra, tornando-a assim uma
valquíria, em reposta ao ato, promete apenas casar com um homem imagem muito popular na literatura nórdica (Bergen, 2006, p. 5-39).
que não conheça o significado do medo, e ela o encontra em Sigurd, Existem diversas facetas que devem ser destacadas quanto
que a desperta (Völsunga saga 21-22). Régis Boyer, em seu artigo ao aspecto combativo destas mulheres. A primeira é dar ênfase aos
Mulheres Viris, compara de forma precisa os mitos das amazonas e das poderes mágicos que lhe são concedidos por Odin. Sob a benção de
valquírias, trazendo estas ultimas sob o conflito representado entre uma valquíria, um guerreiro era completamente protegido de qualquer
o masculino e o feminino. Ao realizar uma breve comparação destes dano mortal que poderia lhe ser causado durante uma contenda,
mitos, ele nos permite claramente analisar a tentativa de combate ao bem como causar-lhe a derrota e a morte. É válido lembrar que tais
sentimento dominador que ocorre quando se busca compreender as dons são providos diretamente por Odin: desobedecer suas ordens
relações de poder dentro da sociedade. Por mais poderosa que seja a implica na punição máxima dada à uma valquíria, o confinamento ao
mulher ou, como diz o autor, as valquírias “serem capazes de realizar casamento. Podemos analisar tal situação com a Völsunga saga, com
todos os gestos que executam o herói, capazes até de ridicularizá-lo Brynhild. Ao ceifar a vida daquele a quem Odin prometera a vitória
(no Nibelunglied)” (Boyer, 1997b, p. 745), a mulher acaba sempre em combate, ela é punida com o casamento e com a promessa que
em uma situação degradante, impossível de superar o homem. Essa jamais venceria nenhuma outra batalha que porventura viesse a
representação dualista de fraqueza e força, masculino e feminino é travar. Como uma resposta à maldição que lhe fora dada, ela afirma
90 Em nenhum momento da narrativa Brynhild é denominada de valquíria, mas de skjaldmær, donzela do que jamais se casará com alguém que conheça o medo (Völsunga saga
escudo (Völsunga saga 25). Esse termo não foi empregado somente para guerreiras relacionadas com o
deus Odin, mas para mulheres belicosas em geral, mesmo estrangeiras como as do povo Huno, citadas no 21). Desde a revolta contra o deus até o fato de ter sido encontrada
poema éddico Atlakviða 16 e 43 (skjaldmeyjar). Outro tipo de mulher guerreira descrita na literatura nórdica
medieval são as meykóngar (donzelas reis, comuns nas riddarasögur, as sagas de cavaleiros), onde mulheres por Sigurd utilizando uma cota de malha, Brynhild está totalmente
aristocráticas, geralmente filhas de reis, se recusam a casar e vão para batalhas (Ross, 2010, p. 121). No
presente artigo, não levaremos em conta esse tipo de personagem, por acreditarmos que não seja um modelo
mítico arcaico, mas um tema criado em convergência com a literatura continental do período. Em outra fonte
investida do modelo marcial feminino.
(o conto Norna-Gests þáttr 8), Brynhild se autodenomina de viking (Í víkingu), no sentido de ter participado de
expedições de saque e pirataria (uma esfera tipicamente masculina).
A segunda faceta que consideramos importante é o armamento
91 A Völsunga saga (Saga dos volsungos) é a mais famosa e influente saga lendária, escrita na Islândia
entre 1260 e 1270, e preservada em um único manuscrito de 1400, mas incorporando material lendário e
da valquíria. Na iconografia da Era Viking, percebemos dois tipos
mitológico anterior à Era Viking. A saga inclui figuras heróicas do período de migração (400-550), incluindo o
rei Jormunrek, Átila dos hunos. O tema central da saga é a morte do dragão Fáfnir pelo herói Sigurd, amante de representações básicas destas personagens, a de servidoras do
da Valquíria Brynhild (Holman, 2003, p. 281-282). A respeito das sagas lendárias, consultar: Langer, 2009b, p.
2-4; Langer, 2010a, p. 147-152. Valhala (em estelas, esculturas e pingentes) – seguindo um modelo
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

feminino e doméstico, e a de mulheres armadas – um modelo datado do século X, as valquírias são descritas portando elmos
somente encontrado em pingentes do século IX, especialmente da (hjalmaðar), escudos (hlífar) e lanças (geirs) (estrofes 10 e 11),
Inglaterra. Nestes últimos, podemos perceber claramente seres enquanto somente o rei Hakon Haraldsson, seus inimigos e aliados
femininos portando elmos, lorigas, escudos, espadas e lanças. Mas masculinos em todo o poema combatem com espada (sverð) (estrofes
nas representações visuais do final da Era Viking e do início da 5 a 7). Além de obviamente elogiar os feitos do rei fundindo os crânios
cristianização, as cotas de malha, os escudos, as espadas e os capacetes inimigos, o poema relaciona a sua morte gloriosa em batalha com a
desaparecem, permanecendo apenas a lança. Sem a loriga, surgem entrada no Valhala, cujas principais intermediárias são duas valquírias
longos vestidos tipicamente femininos. Em pesquisa anterior (Langer, denominadas Göndul e Skögul (esta última, inclusive é denominada de
2011), já havíamos percebido certos padrões na cultura visual do Geirskögul, Skögul a lanceira). Neste caso a espada é tanto um símbolo
guerreiro, onde a supremacia da lança (entre os séculos V a VIII no real, como um instrumento de virilidade, enquanto a lança torna-se
mundo germânico continental e escandinavo) concede um espaço um atributo valquiriano e feminino (apesar de seu vínculo com Odin).
muito maior para a espada, especialmente conectada aos mitos do Em outro poema escáldico, Darraðarljóð,93 essa idealização é ainda
herói Sigurd. Tanto na confluência do imaginário artístico quanto nas mais acentuada: o termo geirfljóða (estrofe 10), moças da lança, reflete
fontes orais (que se tornam escritas a partir do século XI), denotam que esse aspecto diretamente relacionado com o simbolismo da principal
a espada torna-se um instrumento simbólico tipicamente masculino arma do deus Odin, Gungnir. Além de instrumento ofensivo nas lutas,
e aristocrático, identificado ao herói, ao guerreiro, ao rei – ou seja, a lança é utilizada pelas guerreiras deste poema como instrumento
ao mundo do homem, viril e bélico. Não queremos dizer com isso para tecer um pano feito de entranhas, cabeças e membros de pessoas
que a lança e outros equipamentos desaparecem do mundo “real” mortas – ligada essencialmente a uma concepção de destino e de
da guerra, muito ao contrário, pois ela se torna a arma da principal morte bélica.94 É por esta arma que as valquírias tecem o porvir
técnica de combate após o ano mil, com a cavalaria feudal. Apesar das dos eleitos, ao mesmo tempo em que protegem os reis e heróis em
evidências iconográficas privilegiarem a espada enquanto símbolo situações de perigo.
de poder, status e riqueza, as evidências arqueológicas sugerem que
a lança esteve muito próxima de um grande significado religioso,
málaháttr (Lerate, 1993, p. 139-140).
político e social na Era Viking (Pedersen, 2012, p. 204-209). 93 A Darraðarljóð (a canção da lança) é um poema escáldico-éddico anônimo, integrante da saga de Njál
(datado do século XI), mas se refere a um acontecimento histórico, a batalha de Clontarf (travada em 1014
Mas a separação idealizada entre estes dois tipos de objetos próximo a Dublin, Irlanda, entre tropas irlandesas e escandinavas). O poema foi composto na métrica éddica
fornyrðislag pouco depois da batalha e ainda sob a influência das suas impressões diretas. É possível que o
ofensivos é muito clara nas fontes: no poema escáldico Hákonarmál,92 escaldo tenha sido associado aos condes das Órcades (Simek, 2007, p. 56). Para alguns, o poema originalmente
se refere à outra batalha irlandesa (Davidson, 1988, p. 94). O escritor da saga equivocou-se com o título do
poema, criando um personagem que é citado no prólogo em prosa (Dörruð), mas Darraðar é o genitivo de
92 O Hákonarmál (Os ditos de Hakon) é um poema escáldico, de autoria de Eyvind Finnsson skáldaspillir. É darrað (um heiti para lança) e não um suposto nome próprio (Lerate, 1993, p. 55). Para outros, Dörruðr se
uma fervorosa elegia em memória do rei Hakon Haraldsson (c. 920-960, irmão de Eirík Bloodax) - geralmente refere a um epíteto para Odin, o deus da lança, diretamente relacionado às atividades das valquírias (Davidson,
descrito como “o bom”. O poema é encontrado no manuscrito da Heimskringla de Snorri, citado parcialmente 1998, p. 118). Enquanto alguns mitólogos percebem uma influência do cristianismo e da poesia anglo-saxã na
na Edda Menor e no manuscrito da Fagrskinna, datado do século X. Eyvind compôs seu poema imitando composição do poema, como Holtsmark (Davidson, 1998, p. 12), outros são unânimes em reforçar uma objetiva
diretamente o Eiriksmál, obra anônima descrevendo a entrada de Hakon Haraldsson no Valhala (Lindow, 2001, conexão com a tradição de deusas da morte dos irlandeses, como Morrigan (Davidson, 1988, p. 94-101). Uma
p. 159). Algumas passagens de Hákonarmál criticam o sucessor de Hakon, chamado Harald gráfeld, refletindo das mais recentes e detalhadas análise do poema foi realizada por Jochens, 1998, p. 136-140.
os interesses políticos dos chefes políticos da região de Hladir, da qual Eyvind era associado. As linhas finais 94 O mitólogo alemão Rudolf Simek afirmou que na tradição escandinava, somente as valquírias estão
do poema foram influenciadas pelo Hávamál (Lindow, 2001, p. 159). No poema com 21 versos é narrada a relacionadas com o motivo da tecelagem e fiação como símbolo de determinação do futuro, não existindo
morte heróica de Hakon na batalha de Stord, Noruega, em 961, fatalidade designada pelas valquírias, e seu fontes deste tema para com as nornas (até mesmo o número três que surge em Snorri teria sido influenciado
recebimento por Odin no Valhala. É considerada uma das mais criativas composições escáldicas, utilizando pelas Parcas clássicas), conforme Simek, 2007, p. 237. Mas no poema éddico Helgakviða Hundingsbana in
elementos de ambientação mitológica da poesia éddica e foi composto com estrofes do tipo ljóðaháttr e fyrri 3, as nornas tecem cordões de ouro durante o nascimento do herói Helgi, que depois são fixados no céu.

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

A poesia éddica também reforça esse tratamento. Donzelas honra e a de sua família.95 Já Brynhild luta por interesses particulares
cavalgam seus cavalos pelo céu, com cotas manchadas de sangue, e que não possuem ligação alguma com a manutenção da honra de
portando elmos e lanças reluzentes (Helgakviða Hundingsbana in fyrri outros. Sua paixão pelo combate é visível, e de modo algum ela o
15, 54). Além de proteger e dar o nome ao herói Helgi, a valquíria nega ou permite ser tomada como uma mulher qualquer: seu nome
Svava lhe presenteia com uma espada com ornamentos na lâmina lhe fora dado porque ela armara-se e fora combater como todos os
(Helgakviða Hjörvarðzsonar 8-9). Nas sagas lendárias, um tipo de fonte homens (bryn: cota de malha; hildr: batalha). Outra característica
literária posterior aos poemas escáldicos e éddicos, as representações destacável de Brynhild (e que podemos ver representada em outras
ainda mantém os padrões básicos que examinamos até o momento, mulheres da literatura) é a capacidade de transição nas armas de
mas com algumas pequenas diferenças. Novamente utilizando-nos de combate. Quando ela é descrita no campo de batalha sua ferocidade e
Brynhild, podemos examinar essa circunstância: quando encontrada equipamentos são suas armas. Já quando ela perde tal característica
por Sigurd, ela é descrita usando um elmo (o qual ele retira para vê- ela continua a lutar com um equipamento tão ou ainda mais mortífero:
la) e uma cota de malha (Völsunga saga 21). Mas como nos poemas suas palavras. Brynhild ao longo da Völsunga saga usa de todas as
éddicos do ciclo nibelungiano, em nenhum momento Brynhild é armas necessárias para recuperar a honra que lhe fora tomada, e
descrita com lanças. A novidade fica por conta da única arma ofensiva sua astucia e capacidade de manipulação revela uma guerreira que,
associada a ela em toda a narrativa. No momento em que Sigurd mesmo perdendo parte de seus dons, jamais perderá a honra da
ultrapassa a barreira de fogo (transmutado em Gunnar), cavalgando amazona germânica. Rompendo com Odin (sua desobediência levou-a
Grani e portando a espada Gram, encontra a valquíria sentada dentro para a prisão de escudos), a trama trata de retirar de seu arsenal o
de uma casa. Para falar com ela, apóia-se sobre a guarda de Gram, símbolo máximo da submissão feminina das valquírias, a lança, e
enquanto Brynhild está portando elmo, cota e uma espada na mão transforma-a em uma transgressora ao utilizar a espada - tanto para
(Völsunga saga 29). As fontes divergem no momento da morte da o diálogo com Sigurd após a transmutação quanto para executar
heroína: enquanto Snorri, poemas éddicos e contos afirmam que ela o seu próprio suicídio. Essa substituição reforça o simbolismo da
se suicidou com uma espada (Skáldskaparmál 41; Guðrúnarkviða in espada enquanto instrumento aristocrático do maior herói do mundo
fyrsta 26; Norna-Gests þáttr 8), a Völsunga saga 23 descreve que ela germânico medieval, Sigurd.
caminhou até a pira funerária de Sigurd e entrou no fogo. Mas a submissão feminina se daria apenas pelo uso da lança? A
Mas qual o significado desta anomalia literária? Brynhild mulher guerreira possui todas as características que lhe assemelhariam
parece ser o exemplo perfeito de amazona germânica, da qual diversos aos homens, tanto em ferocidade quanto em capacidade de combate.
estudos e análises sobre as valquírias acabam por serem voltados Porém também existe outra forma de subjugar completamente tais
exclusivamente a ela, nas diversas formas que ela é apresentada personagens: a retirada de sua virgindade. Ao deitar-se com um
nos mitos. A proposta de Bergen ao afirmá-la como o estereótipo é 95 Em outro artigo, discutimos a questão da existência histórica da mulher guerreira na Era Viking (Langer,
deveras interessante, pois segundo a autora a mulher dentro do mundo 2012). Alguns autores citam registros de mulheres que participaram de atividades piratas e de batalhas, mas
não diferenciam sagas islandesas de lendárias e de material semi-histórico como os de Saxo. Mas ainda assim,
nórdico pode até mesmo pegar em armas, mas para defender a sua defendem a ocorrência de mulheres na arte da guerra germânica por meio de evidências de autores clássicos
(como Procópius, Jordanes, Paulo diácono, Adam de Bremen) e de leis islandesas. Segundo essa concepção,
pode ter existido mulheres que utilizaram armamentos em conflitos, mas independente de serem figuras
ficcionais ou históricas, são mulheres que assumiram papéis culturais masculinos (Hedeager, 2011, p. 119-121).

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homem, ela perde todas as suas características excepcionais e torna- realizar atividades próprias do mundo feminino “real”, a exemplo
se uma mulher comum.96 E quando isso acontece não lhes resta outro da descrição de Brynhild tecendo com ouro (Völsunga saga 25), ou,
modo de combate a não ser aquele próprio ao mundo feminino, que de maneira mais fantástica, as valquírias tecendo com entranhas
seria justamente o uso das palavras para condicionar e levar outros humanas (Darraðarljóð 2). Modelos eróticos, certamente, mas também
a atenderem seus desígnios. Brynhild novamente pode ser usada manifestações femininas de proteção, acompanhando a jornada do
como um exemplo em que algumas valquírias não são exceção a tal herói desde seu nascimento até a sua morte – neste caso, ocorre uma
regra. Após tornar-se comum, ela jamais permite que sua honra seja mescla com outras entidades sobrenaturais, como as dísir (deusas
abalada, infringindo danos com suas declarações tão intensas que relacionadas com a fertilidade e consagradas no ritual dísablot,
decerto a espada não seria menos mortífera. Simek, 2007, p. 62), na qual a própria poesia éddica faz uma citação.97
Naomi Bennett, outra estudiosa que se focou no papel da Talvez as valquírias sejam também manifestações de fylgja, entidades
mulher no mundo escandinavo, também destaca uma informação tutelares que acompanham os indivíduos (Boyer, 1995, p. 104).
deveras curiosa dentro da literatura nórdica. Em sua dissertação de Sem querermos estabelecer padrões unilaterais de interpretação
mestrado, ela afirma categoricamente que é um insulto a um homem de um mito extremamente multifacetado, a interpretação de que as
ser comparado a uma valquíria (Bennett, 2009, p. 99), a exemplo valquírias são produtos de fantasias masculinas (ver debate Langer,
de Sinfiotli acusando Gúdmund de ter sido uma mulher horrível, 2012) pode se aplicar a seus aspectos marciais, mas não explica
barulhenta e valquíria (Helgakviða Hundingsbana in fyrri 38). Mas outras facetas, como a sua subserviência. Em tumbas femininas da
se as servas de Odin possuem habilidades de combate ao ponto de Era Viking, foram encontrados pingentes de mulheres com e sem
superar os homens, porque a sua imagem torna-se deteriorada neste corno de bebida nas mãos, de forma muito semelhante às valquírias
contexto? retratadas nas estelas gotlandesas, sem nenhum tipo de armamento
Na realidade, os aspectos marciais das valquírias são em (Price, 2012, p. 180).98 Neste caso, as mulheres reafirmam o aspecto
parte herdeiras de uma arcaica associação das mulheres enquanto doméstico e subserviente do mito, contrapondo-se ao referencial
sacerdotisas de ritos de morte e guerra do mundo germânico pré- da poesia escáldica, essencialmente masculinista e aristocrática?
viking (Boyer, 1995, p. 103), e em parte influenciadas pelas divindades Por outro lado, porque as estelas gotlandesas (muita delas erigidas
femininas da morte da tradição irlandesa, como Morrigan (Davidson, em homenagem a guerreiros falecidos, Langer, 2006a, 13-14) não
1988, p. 97). Apesar de nunca serem separadas de conotações odínicas, representaram valquírias armadas, seguindo o modelo escáldico?
as valquírias foram transformadas pela poesia dos escaldos em
princesas guerreiras (como Svava), extremamente maravilhosas aos 97 O poema Guðrúnarkviða in fyrsta 19 utiliza um kenning para valquírias com esta expressão (Herians disi),
olhos dos heróis das narrativas. Embora modelos idealizados, visto ou seja, as dísir de Odin.
98 O arqueólogo Neil Price questiona a interpretação clássica de que pingentes de seres femininos encontrados
que as mulheres da Era Viking não adentravam ao campo marcial em tumbas de mulheres sejam de valquírias. Segundo ele, estes objetos podem também ser relacionados
à outras entidades encontradas na mitologia, como as dísir e as nornas, ou ainda, a serem simplesmente
propriamente dito (Langer, 2012), as valquírias não deixam de representações de mulheres históricas que desconhecemos a identificação (Price, 2006, p. 180). Apesar deste
alerta ser muito interessante, não concordamos em parte com ele. Realmente alguns pingentes, como simples
representações de seres femininos, podem levar a interpretações duvidosas, mas aqueles que representam
96 Isso nem sempre ocorre. Alguns poemas éddicos relatam que após se casarem, essas personagens mulheres portando cornos de bebidas são praticamente idênticos às esculturas encontradas nas estelas
continuam suas atividades valquirianas, como foi o caso da princesa Svava depois da união com Helgi gotlandesas, como Hammar III e Klinte Hunninge I, o que nos permite uma identificação muito segura de que
(Helgakviða Hjörvarðzsonar 30-31). sejam valquírias. Sobre isso, ver Langer, 2009a, p. 58-78; 2006a, p. 10-41.

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Teorizamos que, mesmo sendo a perfeita representação de mal, de gigante monstruoso, sendo a forma etimológica normalmente
um ideal feminino da guerra, a valquíria ainda possui um aspecto adotada pelo folclore (Simek, 2007, p. 107). Mas nem sempre os
servil que a liga mais ao pensamento do homem ao ser levado para o gigantes e gigantas possuem tamanho superior ao humano nas fontes
Valhalla e por elas serem servidos do que a importância do aspecto (Christiansen, 2006, p. 42), porém algumas vezes isso é explícito,
guerreiro propriamente dito. Atiçar o imaginário é algo desejável, mas como o imenso Skrýmir descrito em Gylfaginning 44. Para alguns
até determinado ponto. A valquíria que conseguisse ser superior ao acadêmicos, no entanto, o gigantismo nórdico surgiu tardiamente,
homem atestaria apenas uma mensagem: uma ideia de superioridade a partir do século XIV (Bérnardez, 2010, p. 140), o que para nós é
feminina, que entraria em conflito direto com a sociedade em questão. um grande exagero.
Se existe realmente algo que a valquíria não consegue fazer de forma De forma genérica, a literatura entre os séculos X e XIII descreve
contundente e eficaz, é justamente afastar-se o suficiente do mundo esses seres como sujos, cabeludos, feios e estúpidos (Simek, 2007, p.
feminino para ser aceita pelo homem como sua igual. A subserviência 107). A maior parte das representações de gigantas refere-se a sua
no Valhalla sempre será sua maior característica e, dentro de nossas capacidade profética e necromântica (Helreið Brynhildar 1-14) ou
análises de um ser voltado absolutamente para o combate, sua maior hierogâmica, como na união entre Gerdr e Freyr (Skirnísmál 1-42) e
“transgressão”. entre Gunnlod e Odin (Hávamál 104). Assim, temos as gigantas como
seres providos de muita sabedoria, e em alguns casos, de atração e
As gigantas guerreiras beleza para os deuses e mesmo para os humanos. Contrariamente
à visão masculinista presente nas fontes sobre Asgard e Valhala,
De modo geral, as fontes literárias e mitológicas representam algumas mitólogas feministas conclamam a importância crucial das
os gigantes como criaturas sobrenaturais conectadas à natureza e ao gigantas na fundação de dinastias humanas, guardiãs das regiões e
universo. Seja como expressão da origem cósmica ou as manifestações guias da família e dos heróis (Christiansen, 2006, p. 42). Talvez a
naturais ou interferindo na genealogia de várias divindades, os gigantes única referência icônica alto-medieval destas personagens99 seja um
podem encarnar valores positivos ou caóticos tanto para os homens desenho esculpido de Hyrrokkin, da pedra de Hunnestad, Suécia,
quanto aos deuses (Simek, 2007, p. 107). Com a crescente influência datada do ano mil, mostrando a feiticeira (gýgi) de Jötunheim que
cristã na conservação das fontes literárias, os gigantes passaram a compareceu no funeral de Balder (Gylfaginning 49), montada em
ter no imaginário, de uma inicial sabedoria e temeridade, para uma um lobo e portando duas serpentes na mão, outra saindo pela boca
transformação em seres grotescos e perigosos do folclore (Boyer, 1997, e um dragão acima de sua cabeça. Uma figura enigmática, terrível e
p. 62-63). Neste sentido, também concorda o mitólogo alemão Rudolf ameaçadora.
Simek, que percebe no termo jötunn a palavra original para gigantes, Quanto a gigantas como seres bélicos, as referências são muito
mas sem conotações especiais. Na transição do paganismo para o pequenas e ao contrário das valquírias, não existem fontes visuais no
cristianismo, o termo þurs tem relevância, especialmente conectado medievo. Essas representações marciais surgem no poema éddico
à runa de mesmo nome, aplicada à magia negativa (Skírnismál 36).
Na Idade Média central, o termo tröll passa a designar um tipo de
99 Uma representação de giganta foi incluída no manuscrito Flateryjarbók, de 1290 (Kress, 2002, p. 87).

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Hárbarðsljóð100 (A canção de Harbard), no momento em que o deus após a morte) enfrenta fisicamente suas oponentes. Enquanto a
Thor é confrontado com Odin por meio de disputas gnômicas (que personagem Hlébard possui um caráter hierogâmico (ou ao menos
no contexto nórdico é denominado de flyting ou mannjafnaðr). No erótico), as habitantes da ilha de Hlésey - ao mesmo tempo em que
meio da querela, Thor se gaba de ter matado o gigante Tiazi, enquanto são obstáculos para o transcurso do herói pelo Leste - representam
Odin responde que após aventuras amorosas, ganhou um bastão a outra faceta das gigantas, menos aprazíveis que os seres femininos
mágico (gambantein) da giganta Hlébard.101 Mais adiante, o deus domesticados (as valquírias no Valhala, Gerd, Gunnlod, Hlébard),
vermelho alude a malignas gigantas de montanhas (iotna) que teria utilizando armas de extrema força física.
matado em sua jornada ao Leste. Mas o principal momento é quando Ao contrário da lança, da espada e do punhal (que além de
descreve as gigantas que enfrentou na ilha de Hlésey, que faziam cortarem, também penetram pela cutelada, mas todas sendo armas
muito mal às pessoas e eram feiticeiras. Odin o interpela jocosamente aristocráticas), o bastão de ferro e a maça só podem desempenhar
afirmando que lutou apenas contra mulheres, mas ele responde algum resultado com o uso de muita força física. Duas imagens
que não eram seres comuns e sim terríveis como lobas (vargynior, reforçam isso: de um lado, a destruição do navio de Thor, e de
no sentido pejorativo de proscritas), pondo seu servo Tialfi para outro, o uso do termo brvþir berserkia (noivas de berserkir) para
correr e destroçando seu barco com bastões de ferro (iarnlvrki) se referir às gigantas. Se nos atentarmos à representação destes
(Hárbarðsljóð 37-39). guerreiros como sendo muito fortes (comparados a ursos e touros,
Sendo pertinente ao restante do poema, a diferença entre Ynglinga saga 6), então estas criaturas femininas seriam também
estas gigantas reflete também a dicotomia entre os deuses, sendo idealizadas como seres muito robustos e descomunais (portanto,
Odin (deus da magia e receptor dos guerreiros nobres após a morte) feias para o referencial masculinista nórdico). E Thor sendo um
representado tendo um caso amoroso e ganhando um objeto mágico, deus popularizado com uma arma mitológica e não histórica (o
enquanto que Thor (inimigo dos monstros, receptor dos escravos martelo), também deve combater seres que sejam adversários com
equipamentos semelhantes (lembremos da pedra usada por Hrungnir,
100 O poema Hárbarðsljóð foi preservado de forma completa no manuscrito Codex Regius (Gl.kgl.sml.
2365, 4to.) e parte do poema, da estrofe 19 à 60 foi conservado no Codex Arnamagnæanus (AM 748). É
consenso geral dos pesquisadores datarem o poema como sendo do século IX e composto na Noruega, visto
Skáldskaparmál 17). A maior parte dos estudos escandinavos não
que a oposição entre nobreza e camponeses (representada pela oposição e disputa entre Odin e Thor no
poema) não era muito forte na Islândia (Hollander, 2008, p. 74). Para outros, a forma de versificação e certas
inclui bastões ou maças entre as armas da Era Viking102 – mas neste
peculiaridades lingüísticas levam a creditar uma data mais tardia, século XI, para a composição do poema na
forma preservada (Bellows, 2004, p. 122). A composição do poema para o final do período pagão (talvez em caso, temos que pensar na idéia de uma arma não aristocrática, na
Hålogaland, Noruega), também vem sendo defendida quando confrontada com a Lokasenna, outro momento
da poesia éddica que alude à ironia para com as divindades (Simek, 2007, 130). E ainda, o caráter humorístico representação de um instrumento marcial extremamente simples
destes poemas os leva a serem considerados como escritos com influências cristãs (Gunnell, 2007, p. 94).
Para o famoso mitólogo norte-americano John lindow, o Hárbarðsljóð pode refletir que a literatura escáldica e que não compõe o armamento tradicional do guerreiro, portanto,
do período pagão foi realizada por poetas de alta aristocracia, resultando na humilhação de Thor por Odin
no poema em questão. Mas também ele levanta uma séria problemática: se Odin é um deus de príncipes e
guerreiros, porque a poesia escáldica o representa muito pouco (em detrimento de Thor)? (Lindow, 2005, p.
condizente com a oposição elite versus homem comum que o poema
33). Também existe a possibilidade de tanto o Hárbarðsljóð quanto a Lokasenna terem sido baseados em
um poema anterior, atualmente perdido (Lindow, 2005, p. 43) e de que ambos podem ter sido compostos
no período pagão, sendo o humor uma constante da mentalidade politeísta e não uma mera crítica burlesca 102 As publicações especializadas em armamentos nórdicos da Era Viking não incluem maças ou bastões,
do pensamento cristão que preservou documentalmente as fontes (Harris, 2005, p. 99). Em classificação nem mesmo nas referências literárias anacrônicas dos séculos XIII a XV, referindo-se a armas posteriores,
diacrônica do poema realizada por Sveisson, a Hárbarðsljóð recebeu uma datação antiga (Gunell, 2007, p. 97). como bestas e alabardas (Short, 2009, 175-178). O uso deste tipo de armamento surge em uma representação
101 O mitólogo alemão Rudolf Simek equivocou-se quando citou essa giganta como tendo lutado com Thor no na tapeçaria de Bayeux (datada de 1067, com o bispo Odo utilizando um bastão de ferro na batalha de Hastings,
Hárbarðsljóð 20 (Simek, 2007, p. 151). Na realidade, o poema em questão somente cita a criatura em relação sul da Inglaterra) e na Escandinávia, existem vestígios de pontas de maças de bronze do século XIII (Lindholm
ao deus Odin. Nos poemas posteriores (23 e 37-39), Thor realmente luta com gigantas, mas não tem relação & Nicolle, 2003, p. 22). Enquanto a maça faz sucesso no mundo feudal e entre cavaleiros nobres (popularizada
com Hlébard. Talvez o pesquisador tenha confundido o nome dela com a ilha de Hlésey, citada como sendo o pelos normandos, Filho, 1996, p. 64), o uso de bastões era muito comum no Leste Europeu, como na Polônia
local do confronto (Hárbarðsljóð 37). e Rússia, especialmente entre camponeses.

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representa no confronto entre Odin e Thor (Essa oposição pode (quando entram em furor de gigantas, jötunmóði) enquanto as noivas
ser pensada também no tipo de bastão relacionado com cada deus: dos berserkir atacam Thor na ilha de Hlésey.
enquanto Odin ganha um bastão mágico, Thor é atacado por bastões Ameaça ou temeridade, conotações sobre as gigantas
de ferro das gigantas). guerreiras que também aparecem nas sagas islandesas. A Haralds
Algumas destas representações das gigantas guerreiras saga Siguðarsonar 80104 cita que quando o rei Harald Hardradi estava
também aparecem em outro poema éddico, a Grotassöngr103 (A junto a sua armada próximo à ilha Sólund, um homem presente na
canção de Grotti). A narrativa baseia-se na visita do rei Fródi ao rei tripulação chamado Gyrth, tem um sonho premonitório, antevendo
da Suécia, onde teria adquirido duas escravas, Fenja e Menja, irmãs sua morte em Yorkshire. Em uma ilha defronte ao barco real, ele
de gigantes das montanhas (bergrisa), muito corpulentas e fortes, identifica uma enorme giganta (tröllkona mikil), segurando uma
sendo empregadas para mover um moinho mágico (Grotti) existente espada na mão e uma gamela na outra. Quando ele olha para as
na Dinamarca. Sem descanso, elas trouxeram ouro, paz e bem estar embarcações, águias e corvos sentam-se sobre as proas. A giganta
para o rei, enquanto moíam e cantavam o poema. Após nove anos de profere uma poesia, afirmando que os corvos festejarão (isto é,
trabalho, eles se rebelam e marcham até a Suécia, guerreando e fazendo muitos morrerão na batalha). Estes pássaros possuem uma óbvia
inimigos, mas também organizando um exército que ataca o reino de associação com o deus Odin, enquanto a gamela simboliza o sacrifício
Frodi e acaba com seu período de paz e tranqüilidade. No contexto (Davidson, 1988, p. 95). Em outro sonho, desta vez de um homem de
do poema, as gigantas refletem claramente o contexto dúbio que elas nome Thórth, o rei está em um exército na Inglaterra, preparando-se
representam no imaginário: possuindo características mágicas (como para a batalha, quando se aproxima uma grande giganta montada em
o poder do conhecimento, framvísar), elas são utilizadas para trazer um lobo. Na boca deste animal, jazem os corpos de homens atirados
prosperidade ao reino, mas ao mesmo tempo, representam uma pela gigante. A criatura também profere um poema, afirmando que
ameaça ao se rebelarem. Sua força e poder são positivos, utilizados porta um escudo vermelho (possivelmente de sangue) (Haralds saga
para remodelar a cultura material humana ou dos deuses, mas ao Siguðarsonar 81).
mesmo tempo, tornam-se perigosos em certo limite (a exemplo do No caso destes dois sonhos, percebemos que as duas gigantas
gigante que constrói as muralhas de Asgard, cujo prêmio almejado estão relacionadas com as previsões funestas do futuro da batalha,
quase chega a concretizar-se e colocar os deuses em situação drástica, na qual o rei Harald Hardradi perecerá na Inglaterra. Elas associam-
Gylfaginning 41). Com isso, existe uma imensa ameaça na figura das se com o sanguinolento porvir (tanto a gamela quanto os pássaros
gigantas marciais, tanto para humanos quanto para as divindades: identificam-se com a idéia do sacrifício por Odin), como a morte
a enorme força de Fenja e Menja parte a pedra do moinho de Frodi (no contexto, o lobo é um monstro com as mesmas características
que Fenrir, ao abocanhar a deidade citada). Ao contrário da visão
103 A Grottasöngr é um poema éddico preservado em um dos manuscritos da Edda em Prosa (Codex Regius
n. 2367), mas não no principal manuscrito da Edda Poética (Codex Regius Gl. 2365, 4to.). O poema possui
sanguinolenta das valquírias na poesia éddica e escáldica, neste caso
24 versos, mesclando material lendário com folclórico, em particular os aspectos enfatizados por Snorri no
Skáldskaparmál 40. Também o poema combina o motivo pan-europeu do moinho mágico, no qual Snorri fundiu 104 A Haralds saga Siguðarsonar (Saga de Harald Sigurthason) é uma saga real, integrante da coleção
com as tradições do rei Frodi e motivos etiológicos. O nome do moinho e das duas gigantas pode ser um denominada Heimskringla (Círculo do mundo), composta supostamente pelo islandês Snorri Sturluson em
acréscimo do poema (Simek, 2007, p. 120). Alguns acadêmicos pensam que “It is hardly open to doubt that 1220 (apesar de nenhum manuscrito conter seu nome). O nome Heimskringla somente foi utilizado a partir
the version of the lay is the more autentic” (Hollander, 2008, p. 153). Em classificação diacrônica do poema do século XVII. A saga narra a vida do famoso Harald Hardradi, rei da Noruega entre 1046 a 1066, morto na
realizada por Sveisson, a Grottasöngr recebeu uma datação antiga (Gunell, 2007, p. 98). batalha da ponte Stamford, Inglaterra (Holman, 2003, p. 121, 130).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

os agouros oníricos possuem um padrão muito mais temeroso, ligado á saga ok Ölvis107 (Saga de Hjálmther e Ölvir). No relato, o príncipe
angústia dos acontecimentos que ainda estão por acontecer. Significam Hjálmther vive diversas aventuras com seu escravo Hord, em busca da
muito mais uma ameaça do destino que as crenças mortuárias de filha do rei Hunding. A dupla chega em uma terra com grandes fiordes,
Odin e suas mensageiras. durante o outono, acampando em terra. Após beberem e comerem,
Existem também outros caminhos de interpretação. Do mesmo eles avistam próximo ao mar uma giganta (tröllkonu), escovando seus
modo que os sonhos associados a Harald Hardadri, uma mulher troll cabelos com um pente de ouro. Hjálmther interpela-a de maneira
surge para Hedin (filho do rei Hiórvard) em uma floresta durante a desagradável, causando sua indignação, cortando em seguida sua
véspera do Jól, montada sobre um lobo e levando serpentes, pedindo mão. Gritando, ela promete vingança por meio de suas irmãs, que
para acompanhá-lo. Com a recusa, a criatura o amaldiçoa (Helgakviða matarão todos os guerreiros da expedição. Logo os homens avistam
Hjörvarðzsonar 30-31). Obviamente é fácil compará-las com o modelo as nove gigantas, grandes e de aspecto horripilante: com um olho
da giganta Hyrrokkin surgindo no funeral de Balder, montada em na cabeça, corcundas, narizes e garras de ferro, dentes projetados,
um lobo.105 Nestas três narrativas, todas envolvem fêmeas e um lábios inferiores tocando o peito. Além disso, portavam vestidos
animal totêmico, mas nem todas estão armadas. A idéia de uma muito curtos e não eram mais velhas que 12 anos (tólf vetra). Elas
mulher de grande estatura surgindo em sonhos durante a morte de seguem até ao acampamento e após algumas interpelações, atacam.
algum personagem, como a descrita em Víga-Glúms Saga 9, sugere Utilizando longos punhais (sax), elas fazem duelos formidáveis com os
a aproximação de uma hamingja (citada literalmente nesta saga), guerreiros, mas Hord acaba derrotando sete delas. Hjálmther enfrenta
espírito tutelar da família, uma espécie de fylgjur coletiva e associada uma difícil batalha com Hergunn (alcunhada de flagð, ogra), até que
a mudança de forma (Simek, 2007, p. 129). Mas se percebermos a consegue infringir golpes mortais nela. As sobreviventes fogem para
hamingja estreitamente relacionada a valores de proteção, encarnados uma montanha, mas são perseguidas pelos expedicionários. Hord
na figura da mãe (Boyer, 1995, p. 97) ou então a uma boa sorte e acaba cortando a cabeça de Hergunn e decepa Margerd pela metade
força familiar repassada para o herói da narrativa (Davidson, 2001 (Hjálmþés saga ok Ölvis 12).
p. 119)106 , nem todas as gigantas que examinamos se encaixam neste Percebemos a influência da literatura clássica e oriental na
referencial. Nem Hyrrokkin e nem as gigantas do sonho de Hardradi composição deste episódio da saga, em especial as referências a
parecem conotar algum tipo de proteção, apesar de relacionadas seres monstruosos e ciclópicos, inexistentes nas fontes mitológicas
com a morte, sendo antes muito mais uma ameaça ao principal originais. Aproximando-se muito mais do folclore originado da
personagem da narrativa. Idade Média Central, a descrição das gigantas é apenas uma das
Essa idéia de giganta atemorizando o transcurso do herói diversas situações de perigo freqüentes nas sagas lendárias, além dos
também é perceptível em outras sagas islandesas, como a Hjálmþés recorrentes encontros com berserkir, feiticeiras, dragões, fantasmas e
105 O lobo é o animal mais comum nos nomes pessoais da Escandinávia alto medieval. Como em muitos
outros grupos xamanísticos europeus, este animal é um tradicional guia espiritual (talvez sua maior expressão 107 A Hjálmþés saga ok Ölvis é uma saga lendária tardia, composta no século XV, com alguns versos
na mitologia escandinava sejam os lobos Geri e Freki de Odin) (Hedeager, 2011, 90-92) intercalados do século XIV e que possui cerca de 30 manuscritos datados do século XVII. A mais importante
106 A hamingja é repassada de um membro a outro de uma família, no momento da morte. Nem sempre é versão manuscrita é a inserida no Vígrarbók, folios 77-104, do ano 1680, conservado na Biblioteca Nacional
representada como uma mulher de grande estatura, mas muitas vezes por animais. Alguns pesquisadores da Islândia. A Hjálmþés saga ok Ölvis foi influenciada por outras sagas lendárias mais antigas, pela literatura
conclamam que a distinção entre fylgja e hamingja não é muito clara, mas ambas são conectadas diretamente clássica latina e oriental (Lluch, 2009, p. 27-39). A respeito das sagas lendárias, consultar: Langer, 2009b, p.
com referenciais do xamanismo nórdico (Hedeager, 2011, 83) 2-4; Langer, 2010a, p. 147-152.

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criaturas pavorosas ou obscuras. Elas também podem ser percebidas possuem representações diferenciadas no contexto de cada fonte.
enquanto um clichê literário, uma necessidade da trama para realçar Não podemos concordar com a mitóloga Hilda Davidson quando
a intensidade dramática tanto do perigo quanto na trajetória dos comparou indistintamente as duas formas femininas como entidades
protagonistas. Assim, a literatura reaproveita um tema nativo – as monstruosas, a começar pelo Hákonarmál contraposto aos sonhos
figuras femininas marciais existentes na poesia éddica e escáldica, presentes no Haralds saga Siguðarsonar (Davidson, 1988, p. 95).
portanto, originárias da tradição oral – e a atualiza para fins de Como vimos, as gigantas neste segundo caso certamente são criaturas
entretenimento aristocrático. Esteticamente também influenciada que trazem sinais de mau agouro, mas as valquírias presentes no
pelo romance europeu da época, a Saga de Hjálmther e Ölvir reafirma Hákonarmál não contém idealizações negativas, pelo contrário,
o caráter da superioridade do nobre (o príncipe Hjálmther ao derrotar são as agentes de um presente sanguinolento (mas almejado pelos
as gigantas), mas também de sua virilidade, ao matar as adversárias aristocratas) e realizado para concretizar o futuro glorioso ao lado
com sua espada. O escravo Hord – que no meio da trama revela-se de Odin. Mesmo apresentando uma visão muito mais sinistra sobre
um imbatível guerreiro, na realidade acaba sendo uma pessoa de a guerra, nem mesmo o Darraðarljóð pode ser visto como um lado
alta estirpe social, revelada no final da saga. Tanto Hjálmther quanto horrendo das valquírias, pois identicamente como o Hákonarmál,
Hord também resistem aos apelos sexuais das gigantas, revelando apresenta as guerreiras de Odin como protetoras dos príncipes e
sua superioridade masculina. Com isso, verificamos que as belicosas reis, cantando a vitória para os escolhidos.
entidades desta saga distanciam-se dos modelos que examinamos Talvez o melhor exemplo da dicotomia dos modelos marciais
nos poemas éddicos, passando de fêmeas fortes e ousadas (com certo femininos em toda a mitologia escandinava, seja o momento em que
caráter mágico e positivo) para figuras horripilantes, asquerosas e os heróis Helgi e Atli entram em disputa verbal com Hrímgerd, filha
luxuriosas. As próprias palavras utilizadas nos tipos de fontes indicam do gigante Hati. Por meio de magia, ela consegue parar os navios do
uma diferença diacrônica, passando de um padrão mítico arcaico rei, mas seu intento de afundá-los é frustrado pelo surgimento de
para um modelo literário deformado: iotna (Hárbarðsljóð); bergrisa uma lança, talvez uma alusão à ajuda das valquírias. Após chamar Atli
(Grotassöngr); tröllkona (Haralds saga Siguðarsonar e Hjálmþés saga de castrado, conclama-o para uma batalha no golfo de Varin, onde
ok Ölvis). Mas de qualquer maneira, a literatura ainda preserva um ela o colocaria de costas e o rasgaria com suas garras. Mas o centro
elemento original destas personagens: a sua imensa habilidade no da disputa é com Helgi, interpelado pela giganta a pagar a morte de
manuseio de armas tipicamente masculinas, demonstrando que o seu pai, por meio de uma noite de amor com ela. Após a resposta
perigo das mulheres adentrarem na esfera dos homens era uma repugnada do herói, Hrímgerd afirma consternada que Svava e 27
temeridade constante no imaginário nórdico. valquírias salvaram a frota real da morte certa, utilizando muita
força e magia (Helgakviða Hjörvarðzsonar 12-30). Ao contrário do
Conclusão: confrontando valquírias e gigantas modelo das gigantas hierogâmicas (como Gerd, Gunnlod e Skadi)
e as protetoras (Skinnhúfa) - todas lindas, desejadas e totalmente
Em nosso presente estudo, pudemos observar que as valquírias femininas – e neste sentido, semelhantes ao papel das valquírias
e gigantas, apesar de ambas encarnarem mulheres guerreiras,

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

(incluindo o conhecimento do futuro108), as gigantas belicosas são surgiu com as amazonas clássicas, onde elas encarnavam a barbárie e
figuras hediondas, indo do grotesco da força até a monstruosidade selvageria, contraposta à civilização dos heróis que sempre as vencem
pura. Em alguns casos, elas intentam favores sexuais com os heróis, (como Hércules e Teseu) (Lissarrague, 1993, p. 266). Quando não são
mas são rechaçadas pela sua feiúra. Constituem a antinomia das derrotadas por seres masculinos, elas retornam ao mundo natural.
servas do deus caolho, que em qualquer aspecto (servil, profético Isso é claro com as gigantas descritas em Grotassöngr, escravizadas
ou marcial), são altamente desejadas pelos homens. pelo rei Frodi (um homem), auxiliaram na prosperidade do reino por
E é justamente neste referencial que devemos perceber os meio de um moinho (elemento da cultura), mas rebelaram-se por meio
mitos. As gigantas podem ser reflexos da natureza física – um
109
da guerra (elemento da cultura, aqui uma grave subversão do limite
espelho dos aspectos femininos, enquanto que os elementos culturais entre natureza e cultura), destruíram o reino e fugiram, afundando
são simbolizados pelo mundo masculino. As montanhas e cavernas um navio com sal (mito etiológico: deram origem ao mar salgado,
(na qual os gigantes são diretamente relacionados110), o clima, o ou seja, retornaram à natureza). Percebermos assim, que boa parte
campo para cultivo, etc, são personificações do feminino, enquanto das narrativas mítica foram tentativas de controle da cultura sobre a
que a cultura é essencialmente um terreno do homem. Neste sentido, natureza, mas ao mesmo tempo, esse modelo de contraposição é uma
reiterando pesquisas consagradas, concordamos que na mitologia, o ilusão, pois o homem tende a se auto-representar “fora da natureza,
mundo dos deuses é masculino, enquanto o dos gigantes é feminino mas a própria natureza se torna, na experiência histórica, um modelo
(Quinn, 1998, p. 43). E num mundo ditado por regras masculinistas, cultural consciente, uma escolha intelectual alternativa á da cultura”
é óbvio que quando a natureza se apropria da esfera cultural, ela (Montanari, 2008, p. 31). Quanto às valquirias, apesar de seu exotismo,
deve ser dominada. Assim, no momento em que entidades femininas elas pertencem ao mundo da cultura e não da natureza (Ross, 2010,
causam o caos, ao assumirem um papel típico da cultura, a saber, a p. 122), e por isso mesmo foram abstraídas de sua marcialidade nas
guerra - deve ser subjugada pelos próprios guerreiros (as gigantas da estelas gotlandesas, os epitáfios dos grandes guerreiros odinistas:
ilha de Hlésey são derrotadas por Thor e outras são vencidas pelos num mundo após a morte como o Valhala, não há lugar para mulheres
heróis Hjálmther e Hord). Esse modelo primordial, na realidade, belicosas, somente donzelas para o deleite masculino. Em última
instância, a cultura sempre prevalece.
108 As gigantas hierogâmicas e protetoras em algumas situações (como Skadi no Lokasenna 49 e Vargeisa
em Hjálmþés saga ok Ölvis 10) possuem a capacidade de conhecer o futuro, devido a sua natureza feminina,
arcaica e de alteridade (Quinn, 1998, p. 30, 46).
109 Existem outras abordagens do mito, como referenciais sociais sobre a figura da gigante, que não pudemos
vislumbrar por falta de espaço. Outros pesquisadores já atentaram para isso, como a perspectiva de que o
mito de Gerd e Freyr representava uniões exogâmicas na antiga sociedade islandesa, convencionada para
designar as garotas casando, como também a combinação de duas idéias básicas: as mulheres admiradas
pela afirmação de seus desejos como indivíduos, mas também suas limitações nas regras do casamento
(Orton, 2007, p. 316-317) ou ainda, a união de Gerd e Freyr como um mito genealógico de legitimação de
algumas famílias aristocráticas e da realeza, conectando-se a motivos políticos e ideológicos (Steinsland, 2012,
p. 227-230). Também o mito de Gerd e Freyr foi analisado como a subordinação feminina e da mulher pelo
patriarcalismo, mas ao mesmo tempo, como controle da cultura (dos homens e deuses) com relação às forças
da natureza (as gigantas e o feminino) (Kress, 2002, p. 81-92).
110 As volvas (profetisas) das sagas lendárias geralmente estão relacionada aos mundos ctônicos (cavernas,
rochas ou o fundo do mar) e possuem conhecimento do futuro do herói (Quinn, 1998, p. 43). Do mesmo modo,
algumas gigantas com clara funções gnômicas, moram em covas, como a que encontra a valquíria Brynhild
em sua jornada por Hel (Helreið Brynhildar 1-14; Norna-Gest þáttr 8). Recentemente, Gerd é vista como a
representação do território assumido pelo rei nórdico (Steinsland, 2012, p. 229).

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A MORTE DE ODIN?
REPRESENTAÇÕES DO RAGNARÖK NA
ARTE DAS ILHAS BRITÂNICAS

Fontes literárias e historiografia


O termo Ragnarök significa “consumação dos destinos dos
poderes supremos”, e parece ter significado mais antigo que a outra
forma islandesa (sing. ragnarökkr “Crepúsculo dos poderes supremos”)
e se refere a uma série de acontecimentos que culminariam com a
morte dos deuses nórdicos mais importantes e a destruição de parte
do universo, após o qual algumas deidades e humanos sobreviveriam
em uma nova e renovada ordem cósmica. A palavra existe somente
na poesia éddica, não ocorrendo em nenhuma fonte escrita da Era
Viking (793-1066 d.C.).
As principais referências escritas sobre o Ragnarök são
passagens da Edda Poética, especialmente os poemas Völuspá 44-66
e Vafþrúðnismál 44-54. A Völuspá (“profecia da vidente”) é encontrada
nos manuscritos Codex Regius (GKS 2365 4to, c. 1270) e noHauksbók
Codex (A 544 4to, c. 1310), com algumas variações. É o primeiro poema
anônimo do manuscrito Codex Regius e geralmente está inserido nesta
ordem nas edições modernas. Contem aproximadamente 66 estrofes
escritas no estilo fornyrðislág, cujo conteúdo se refere basicamente
às visões de criação e destruição do mundo por uma profetisa,
ressuscitada pelo deus Odin para esta finalidade. A composição
do Völuspá é geralmente datada por volta do ano 1000, de autoria
islandesa e obedece a seguinte estrutura básica: o passado (estrofes
3-27), o presente mítico (30-43), o futuro até o Ragnarök (44-58),
o futuro após o Ragnarök (59-65). O Vafþrúðnismál (A canção de

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Vafþrúðnr) é o terceiro poema éddico inserido no manuscrito GKS da tradição nórdica, tendo um fundo em comum especialmente
2365 4to, (c. 1270), possuindo também uma versão parcial no AM 748 entre os povos europeus mais antigos. Assim, o livro The Celtic
I 4to, datado de início do século XIV. Sua estrutura básica refere-se a and scandinavian religions, de 1948, apesar de evidenciar certas
diálogos entre os deuses Odin e sua esposa Frigg e o gigante Vafþrúðnr, influências cristãs na Edda de Snorri, acreditava que o poeta anônimo
comentando sobre acontecimentos do universo, dividindo os poemas da Völuspá era totalmente pagão.
entre o passado (vv. 20-35), o presente (36-43) e o Ragnarök (44-54). Mas um dos teóricos que mais propagou a imagem das fontes
A data de composição do poema é creditada como sendo a mesma nórdicas como pertencentes a um passado europeu em comum foi
do Völuspá, em meados do século X. Georges Dumézil. Para ele, a batalha escatológica entre os deuses e
Em um ponto de vista historiográfico, podemos separar as monstros, os cataclismos e a volta de Balder são imagens presentes
concepções sobre o Ragnarök na academia em três idéias principais: no mundo iraniano, persa, zoroastriano – baseando-se numa
os que acreditavam que as narrativas sobre o destino dos deuses comparação entre as Eddas e o Mahabharata dos hindus. Com isso,
germânicos seriam de base totalmente pagã; os autores que perceberam os germanos possuiriam imagens míticas pertencentes ao patrimônio
interferências cristãs sobre uma composição pagã e a recontaram cultural de todos os indo-europeus, não sofrendo variação em sua
após o registro escrito; e mais recentemente, os que defendem que estrutura básica - a denominada tripartição, altamente contestada
o compositor original foi um pagão que sofreu influências de idéias pela historiografia contemporânea. Dumézil não incluiu em seus
cristãs durante o período de conversão. estudos uma avaliação contextual das fontes, nem possíveis variações
Desde o século 19, com a publicação das principais fontes da de conteúdo do período oral ao momento em que foram preservadas
história e literatura escandinava, os antigos mitos foram valorizados por escrito, nem mesmo influências sociais do momento histórico
dentro de uma perspectiva nacionalista e folclórica, não recebendo os em que a poesia éddica foi preservada literariamente.
manuscritos que foram preservados nenhum tipo de crítica interna A partir dos anos 1920, os estudos sobre o Ragnarök
ou que ligasse ao momento histórico e social de sua composição. começaram a incluir a possibilidades das fontes escritas terem sido
Deste modo, os primeiros estudos sobre o Ragnarök não realizaram influenciadas pelo referencial cristão (interpretatio christiana), numa
questionamentos sobre interferências literárias ou de outras trilha iniciada anteriormente por Axel Olrik – mas que somente neste
religiosidades em uma suposta narrativa de origem pagã. O sueco momento começa a ter maior respaldo acadêmico. Em sua edição
Rudolph Keyser, em seu livro Normændenes Religions Forfatning da Völuspá de 1923, o professor Sigurdr Nordal realizou alguns
í Hedendommen, descreveu o relato do fim dos deuses de forma ensaios críticos que se tornaram muito influentes. Ele reconhecia no
muito próxima as das fontes, de forma descritiva e sem qualquer poema éddico diversos elementos advindos da Bíblia, especialmente
reflexão histórica sobre o contexto de preservação desta tradição. o Apocalipse, mas ao contrário de Olrik, acreditava que estes não
Essa tendência seguiria as publicações da primeira metade do século poderiam ser facilmente compreendidos, apontando caminhos para
seguinte, que influenciados pelos estudos de mitologia comparada, análises estruturais e comparativas.
procuravam ver nas narrativas de destruição do mundo pelos persas, Outros mitólogos continuaram a perspectiva criada por
gregos, celtas e outros povos, um suposto indício da autenticidade Olrik e Nordal. Em seu livro mais famoso, Hilda Davidson admitia
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

os efeitos da visão de fim do mundo bíblico sobre o imaginário nórdico não sendo uma adição posterior à narrativa definitiva por parte dos
durante o século X e XI e na composição da Völuspá, mas insiste em escritores cristãos (que deram forma definitiva aos poemas éddicos
um fundo originalmente pagão. Para isso, recorre a alguns pontos em seu formato manuscrito). Mesmo assim, a idéia da recriação do
essenciais: A – a semelhança entre as narrativas escatológicas celtas mundo seria genuinamente pré-cristã. Neste sentido, os estudos mais
e germânicas; B – referências ao fim do mundo em inscrições rúnicas exaustivos foram publicados pelo britânico John Mckinnell. Em 1992,
e poemas escáldicos do século XI; C – imagens do Ragnarök em o pesquisador comparou as imagens do Ragnarök presentes nos
esculturas britânicas alto-medievais; D – sobrevivência de narrativas poemas éddicosVafþrúðnismál e Völuspá, concluindo que o primeiro
escatológicas nórdicas no folclore. Posteriormente, a autora admite mantém uma tradição pagã original e seus valores guerreiros e éticos
maiores influências cristãs também na arte anglo-escandinava e nas intrínsecos, enquanto o segundo também é um poema pagão, mas
narrativas escritas e rúnicas, mas ainda insiste na continuidade de eticamente influenciado pelo cristianismo e seus critérios morais
uma tradição arcaica dos indo-europeus: após um terrível inverno, – ambos coexistindo na mesma região e época. Posteriormente,
ocorrerá a deterioração da vida na terra e o abandono da lei e da Mckinnell reforça sua perspectiva que a Völuspá refletia idéias da nova
realeza. religião, mas que seu compositor não era cristão – ele manteve uma
Outro mitólogo muito influente, o francês Régis Boyer, segue estreita circularidade entre rituais, possuía experiência catecumênica,
na mesma perspectiva de Hilda Davidson, inclusive com as mesmas conhecia os escritos latinos e germânicos (especialmente o
influências teóricas de Dumézil e Mircea Eliade. Para Boyer, o poeta poema Muspilli, c. 870). A situação original e arcaica – encontro
da Völuspá fundiu ao referencial pagão, diversas crenças mitológicas entre a profetisa e Odin – foi preservada, sendo somente 20 das 66
ocidentais e orientais, incluindo as idéias maniqueístas persas, a estrofes com influência diretamente cristã.
idade de ouro clássica e os motivos apocalípticos bíblicos.
Além das análises mitológicas, também estudiosos da conexão  As fontes iconográficas
entre literatura, história e sociedade conseguiram perceber os
manuscritos em outras perspectivas. A Völuspá, por exemplo, não A mitologia escandinava possui muitas representações
teria sido apenas uma mera adaptação racionalista dos mitos pagãos visuais, especialmente as produzidas na área sueca durante os
para o imaginário cristão, mas um reflexo objetivo da política dos séculos VIII e IX. Mas não existem imagens originalmente pagãs
séculos XII e XIII na Islândia e Noruega, sendo uma narrativa que produzidas na Era Viking sobre o Ragnarök. Em nossos estudos
previa o surgimento de um novo governante para novamente conceder anteriores sobre imagética da ilha báltica de Gotland – a mais rica
ordem no mundo. área com fontes iconográficas míticas – percebemos que a grande
Algumas das perspectivas mais recentes propõem a idéia maioria das representações diz respeito ao deus Odin – a chegada ao
de uma interpretatio norrœna– os poetas pagãos reinterpretaram Valhalla, a recepção das valquírias, o sucesso nas batalhas, a morte
imagens cristãs, transformando seus cultos e mitos originais. Desta honrosa na guerra. Outras narrativas míticas ocupam um espaço
forma, a mitologia do Ragnarök teria se formado no momento de menor, mas significativo na área sueca, como as representações
uma tradição oral e pagã (ainda que em sua forma final e derradeira), de Gunnar e a pesca da serpente do mundo por Thor. Porém, em

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

nenhum momento ocorreram representações visuais do fim do – alguns pesquisadores perceberam isso como um sinal da derrota
mundo nórdico. Isso nos leva a duas perspectivas neste momento: eminente da divindade, o que pode ser confirmado pela presença
ou realmente o Ragnarök não fazia parte da cosmologia escandinava da mesma situação em figuras da cruz de Gosforth (cavaleiros com
pré-cristã – mais especificamente, a morte dos principais deuses -, a ponta da lança para baixo). Do outro lado do monumento, ocorre
ou ocupava um espaço não muito importante, sem grande relevância a representação de uma figura masculina segurando um objeto
para a religiosidade e para a expressão icônica e social, sobrevivendo quadrado com a mão direita (possivelmente uma Bíblia) e com a
apenas em algumas narrativas orais que foram depois definitivamente outra uma cruz. Ele pisa em uma serpente entrelaçada, enquanto em
compostas, reelaboradas e preservadas já em um contexto cristão. sua frente ocorre a imagem de um peixe. Alguns analistas quiseram
As duas representações visuais mais antigas e importantes ver nesta figura a representação de Cristo, mas acreditamos que se
do Ragnarök surgem em monumentos cristãos das ilhas britânicas: a trata de algum missionário ou evangelizador, derrotando o demônio
cruz de Thorwald na Ilha de Man (Andreas 128) e outra na Inglaterra pela palavra de Deus.
(Gosforth 1, Cumbria), ambas datadas na primeira metade do século Qual o sentido da cruz de Thorwald? Simplesmente a
X. A maior parte dos estudos analisou suas imagens apenas relevando representação da derrota do deus nórdico mais importante e a vitória
seu conteúdo temático. Neste momento, faremos três níveis de de Cristo em um monumento claramente propagandístico? Em primeiro
interpretação: primeiro, analisando estes monumentos dentro do lugar, temos que analisar este objeto junto ao contexto artístico da Ilha
contexto da ocupação escandinava no mundo britânico; em segundo, de Man. Os vikings chegaram a esta região durante o final do século
comparando suas imagens (temas, estilo, contexto espacial) com IX, vindos da Noruega via Escócia e Irlanda e rapidamente foram
a cultura visual e mitológica da área escandinava; e em terceiro, o cristianizados. Não há neste local nenhum tipo de representação
conteúdo temático dentro do contexto da cristianização dos nórdicos, pictórica, escultural e simbólica que ateste monumentos religiosos
a composição da Völuspá e as diferentes fontes literárias sobre o totalmente pagãos. Mas isso não quer dizer que a tradição artística
Ragnarök. escandinava não tenha sobrevivido. Muitos dos nórdicos instalados
A cruz de Thorwald (Andreas 128) é um bloco de rocha na ilha tornaram-se latifundiários que encomendaram a fabricação
fragmentado contendo gravuras em alto relevo em ambas as faces. de cruzeiros em pedra, e algumas inscrições atestam como escultores
Na face mais preservada, na base da cruz de formato celta-irlandês, das obras também escandinavos, como Gaut Björnsson (c. 950). As
ocorre um entrelaçamento de duas linhas de formato serpentiforme, cruzes possuem influências estéticas provenientes da Irlanda e da
cujo cimo se transforma em uma suástica ao centro. Também ocorrem Inglaterra, sendo que a maioria dos motivos esculpidos são temas da
mais três representações de suásticas e três símbolos entrelaçados mitologia nórdica. Algumas destas cenas já haviam sido retratadas
mais acima, entre os quais uma serpente. Ao lado da cruz, ocorre na área escandinava, como representações de valquírias e Gunnar
a famosa representação do deus Odin, em cujo ombro direito se no fosso das serpentes (ver tabela 1), mas outras são exclusivas das
assenta a figura de um pássaro (possivelmente, um de seus corvos). ilhas britânicas, a exemplo de Loki junto a Otr e Heimdall tocando
A figura de um lobo, Fenrir, abocanha a sua perna direita. A lança seu corno.
de Odin se posiciona para baixo, tocando a base da perna do lobo
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Comparando a cruz de Thorwald com as cenas dos outros do guerreiro nórdico, não desaparecendo após a mudança religiosa,
monumentos das ilha britânicas, podemos ter algumas constatações. motivo pelo qual eles sobrevivem por meio das representações míticas
Primeiro, a imagem de que Odin como deus supremo e inspirador na arte de objetos cristãos.
da guerra ainda reinava soberana no imaginário dos escandinavos Acreditamos que os monumentos da Ilha de Man e grande parte
do local, recentemente cristanizados. Em um fragmento de Jurby das cruzes inglesas atestam a cristianização dos escandinavos, mas
125 (Man), em um dos lados da base da cruz, vemos a escultura de não sua total conversão: eles ainda conservaram o ideário religioso
uma valquíria, e logo abaixo, um homem carrega um enforcado por e ético do paganismo, convergindo numa dinâmica transformação
um bastão entre os ombros. Do outro lado da base da cruz, ocorre a e adaptação de valores. Conforme conheciam cada vez mais a nova
figura de um alce ou cervo. Mesmo que não se trate objetivamente religiosidade, procurava-se adaptar os antigos mitos à cultura bíblica
da figura do deus caolho, como queria Kermode, a cena está ligada e missionária. Assim, percebemos a causa de antigas representações
aos cultos odínicos – o ato de morrer (seja por sacrifício ou por tradicionais não serem mais incorporadas nesta realidade – por
morte em batalha), seguido da recepção pelas donzelas no Valhala. O exemplo, não ocorrem na área britânica imagens de navios - símbolos
quadrúpede galhado é símbolo do êxtase xamânico, inerente aos ritos de status e prestígio, além de representação da passagem da vida
desta deidade, presente também em moedas da Era Viking. Ou seja: para a morte. E ao contrário da iconografia na área nórdica, a arte
o conjunto cênico concede ao paganismo um sentido eminentemente britânica tendia a selecionar cenas relacionadas com o fim do mundo.
positivo. As deidades não são representadas de forma pejorativa ou Talvez o exemplo mais refinado desta tendência seja a cruz de
depreciativa: em outras cruzes da área britânica, como Yorkshire, Gosforth 1 na região da Cumbria, Inglaterra. Trata-se de um complexo
o deus Odin foi representado com elmo e dois corvos pousados em monumento com gravuras nas quatro laterais, decorado no estilo Bore
seu ombro, da mesma forma que em contextos tipicamente pré- da tradição nórdica. As imagens seguem uma narrativa seqüencial, com
cristãos da Escandinávia. Temos que ter em conta que a maioria cenas de grande drama cósmico unindo o mundo nórdico e cristão,
destes monumentos, apesar de terem sido preservados em sítios mas destacando símbolos e mitos relacionados com o derradeiro
eclesiásticos, originalmente foram concebidos como monumentos momento dos deuses e homens.
funerários – ou seja, eles possuíam a finalidade de reforçar os O motivo dominante de Gosforth é a cabeça de um lobo, cujo
principais elementos vinculados à cultura e a ideologia guerreira corpo entrelaça-se, terminando em outra cabeça canídea, ou com
pré-cristã: a força (simbolizada pelos equipamentos para batalha, estrutura corpórea transformando-se em pequenas asas. Uma das
cujo exemplo mais famoso é a base da cruz de Middleton, onde ao cabeças foi esculpida defrontando a boca aberta contra um cavaleiro
lado de um guerreiro, foram retratados um escudo, lança, espada, armado de lança, possivelmente o deus Odin (Face norte); em outro
machado e uma adaga), a coragem (o enfrentamento das bestas, lado da cruz, duas cabeças de monstros são seguras por uma lança
como as várias cenas do ciclo de Sigurd, especialmente a morte de de um guerreiro, que em outra mão porta um corno (Face Oeste).
Fáfnir por este herói: cruzes de Jurby 119 e Malew 120), e a lealdade/ Alguns pesquisadores acreditam que se trata do deus Heimdall. No
honra (Gunnar no fosso das serpentes, cruz de Andreas 121). Estes mesmo conjunto, um cavaleiro é representado de ponta cabeça – uma
elementos constituíam a essência do comportamento aristocrático e alusão à queda de Odin? Logo abaixo, em um nicho formado por linhas
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

entrelaçadas, uma figura feminina segura um corno defronte a outra ornamentados com triquetras, símbolos de Odin presentes na área
figura, presa no pescoço e nas mãos. Com certeza, uma representação escandinava de Gotland – mas também no mundo anglo-escandinavo,
do castigo de Loki e da companhia de sua mulher, Sygni. A face frontal ocorrendo em hogbacks – pedras tumulares construídas na área
mais famosa da cruz apresenta duas cena separadas (Face Leste). escocesa e inglesa, que contém símbolos e imagens do paganismo
A primeira, onde uma cabeça lupiniana é segura por um guerreiro nórdico especialmente na região da Cumbria, datados do início do
portando lança, cuja mão abre a mandíbula superior e a perna adentra século X. O hogback de Brompton apresenta além de triquetras,
a língua bifurcada e estende a mandíbula inferior – uma alusão a ursos ladeando o monumento - animais também relacionados aos
Vithar matando Fenrir durante a batalha de Vígríd. A segunda cena, cultos odínicos, especialmente a elite guerreira conhecida como
na base, mostra a crucificação de Cristo. berserkir. Dentro do imaginário escandinavo, o urso simboliza a
Alguns pesquisadores acreditam que a cruz de Gosforth não força, enquanto que a representação de alguns mitos reforçou outros
seja um produto sincrético entre as duas religiosidades, mas um aspectos da ideologia guerreira: o deus Týr colocando sua mão na
monumento com clara conotação e mensagem cristã. Dentro de nossa boca do lobo Fenrir (a lealdade/honra, hogback de Sockburn); a
linha interpretativa, percebemos este em um contexto diferente: figuração de um homem lutando conta serpentes (a coragem, hogback
na realidade trata-se de uma obra artística que revela o enorme da Igreja de St. Mary).
hibridismo cultural que vivia a sociedade neste momento, atestando Ao contrário de outros acadêmicos, pensamos que o
a adaptação de valores pagãos ao cristianismo. Dois aspectos da monumento de Gosforth possui uma sequência de leitura e ordem
cruz são primordiais para este ponto de vista e foram totalmente cronológica. A narrativa se inicia na Face Sul, onde percebemos dois
negligenciados pelos analistas. Primeiramente, na cena de crucificação animais, um cervídeo, e mais abaixo, um canídeo entrelaçado a várias
– que ocupa um nicho retangular formado por linhas trançadas - vemos linhas. Depois, surge a figura de um cavaleiro, e próximo à base,
Cristo sendo perfurado pela lança de Longinus, que se encontra abaixo uma figura humanóide sendo atacada por uma besta, que alguns
deste nicho. Em frente ao guerreiro romano, uma mulher oferece um interpretaram como sendo o deus Týr. Esta lateral da cruz deve
corno de bebida. Quando a cena é vislumbrada apenas olhando para aludir a fuga dos monstros Fenrir e Garm, relacionados ao início do
Longinus e Cristo (de cima para baixo ou ao contrário), percebemos Ragnarök. A sequência é o lado Oeste da cruz, onde Heimdall anuncia
uma imagem cristã. Mas quando o observador se concentra apenas pelo toque de seu corno a eminente queda da ordem, ao mesmo
na cena inferior (da esquerda para a direita ou vice versa), vai olhar tempo em que Loki está preso, mas deve se libertar brevemente.
para uma típica representação presente na área pagã escandinava – Imediatamente, o lado Norte representa a morte de Odin, enquanto
uma valquíria recebendo o herói morto no Valhalla. Para o referencial que a face Leste é a final, mostrando o combate de Vithar com Fenrir,
de um ex-politeísta, os diferentes mundos podem se ligar de alguma a morte de Cristo e a chegada ao Valhalla. O Leste é o ponto onde o sol
forma, sendo uma inteligente justaposição de imagens capaz de levar nasce e possui simbolismos específicos no imaginário cristão, como
o sentimento ambíguo presente no patrocinador do monumento. a representação do galo, emblema da luz e da ressurreição. Por isso
Outros elementos reforçam nosso ponto de vista. Os braços encontramos este animal gravado em cruzes da Ilha de Man, como
no cimo do cruzeiro de Gosforth (face Oeste e face Leste) são Grim em Michael, logo acima de Cristo crucificado.
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Comparando a relação ambígua entre a mitologia nórdica Neste momento, vamos realizar uma análise geral das fontes
e cristã no imaginário das ilhas britânicas, podemos ter algumas iconográficas das ilhas britânicas, comparando-as com os relatos
similitudes e diferenças entre as cruzes de Gosforth e Thorwald. sobre o Ragnarök. Começando pela Völuspá, temos como temas
As semelhanças ocorrem no sentido de entender quais tradições sequenciais (vv. 44-66): o latido e a fuga de Garm; discórdia e morte
e elementos dos mitos escandinavos foram recuperados para dar entre parentes; Heimdall toca seu corno; fuga de Fenrir; a serpente do
sentido aos princípios da religiosidade imperante naquelas regiões. mundo se desata; Loki foge e avança sobre o mundo com monstros;
A morte de Odin é a principal, sendo retratada de modo objetivo em Surt chega com fogo; Odin é morto por Fenrir; Vithar vinga o pai;
Thorwald e figurativo em Gosforth (na Face Norte). Na primeira ocorre Thor mata a serpente do mundo, porém cai envenenado; o Sol se
a representação do ataque de Fenrir, enquanto que na segunda a morte escurece, a terra submerge, as estrelas caem; Balder regressa com
é apenas sugerida pela inversão da imagem do cavaleiro com lança. Hodr; o salão Gimle passa a ser a nova casa dos deuses; o dragão
Mas as diferenças também são muito representativas. Em Thorwald Nidhogg voa sobre os mortos.
a figura da serpente é fundamental – ela está entrelaçada ao lado Sem dúvida, o tema que mais aparece representado é o do
de Odin, e do outro lado da cruz, acima e abaixo do missionário. Em lobo, seja Garm e Fenrir fugindo de suas prisões (Gosforth 1), Hati
Gosforth não ocorrem representações de serpentes. Neste sentido, e Skol devorando o Sol e a Lua (Hogback de Tyninghame) ou Fenrir
houve uma adequação muito maior ao imaginário cristão por parte devorando Odin (Andreas 128). Apesar de todas estas cenas não
do escultor da Ilha de Man, que procurou demonstrar a vitória sobre terem sido representadas iconograficamente na área escandinava
o demônio de forma muito contundente. Já no monumento inglês, durante o período pagão, elas refletem objetivamente uma tradição
o animal destacado é o lobo. Em três faces da cruz ocorrem duplas baseado no culto e simbolismo do lobo, sem maiores relações com o
representações de canídeos, o que reforça a idéia de que nos últimos cristianismo (ver tabela 2). Discordamos dos acadêmicos que pensam
tempos, algumas das grandes ameaças surgirão na forma de lobos que elas foram associadas à pesca do Leviatã e a Jonas e a Baleia pelo
monstruosos, seja no céu – com Hati e Skol devorando o sol e a Lua imaginário cristão. São cenas que possuem um apelo muito grande
(imagem também presente no hogback de Tyninghame), e na terra para povos advindos de regiões onde os animais selvagens ainda
dos deuses e dos homens com a libertação de Garm e Fenrir. Nada tinham grande impacto no cotidiano e na religiosidade.
mais natural para a mente escandinava, visto que o próprio Odin Uma ausência icônica perceptível são as narrativas do mito de
possuía dois lobos de estimação (representação presente na cruz Balder. Sua morte, que na Völuspá (Codex Regius) antecede a sequência
de Rumund, Michael, Ilha de Man). Mesmo se pensarmos que neste do Ragnarök, também não ocorre na versão do Hauksbók e no poema
caso o(s) lobo(s) foi destacado para representar a figura do mal, o éddico Vafþrúðnismál. Nestes dois últimos, o fim dos tempos aparece
conjunto cênico de Gosforth é muito mais próximo da cultura pré- sem uma motivação objetiva. A ressurreição de Balder, morando
cristã do que o da cruz de Thorwald. com seus filhos no palácio de Gimle, após o Ragnarök, aparece
também no Gylfaggining de Snorri Sturlusson, mas é inexistente
A iconografia do Ragnarok e as fontes literárias no Vafþrúðnismál - aqui quem herda a terra após a morte dos deuses
são Vídar e Vali. Como a Völuspá (versão do Codex Regius) é posterior
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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

às cenas da cruz de Gosforth 1, acreditamos que o seu autor fundiu personagem Loki seja dimensionado em uma nova importância. Se
duas tradições míticas diferentes, a do fim dos tempos e a de Balder, antes ele não era relevante para a imagética guerreira – totalmente
procurando conceder maior dinamismo, coerência e semelhança com ausente nas estelas de Gotland – agora ele se torna um dos arautos
a mitologia cristã. Balder, neste caso, surge como uma corruptela ou do fim dos tempos, na forma do mal preso que deve em breve se
antecessor da figura do Cristo ressurreto. libertar. Apesar de presente em Gosforth 1 e Great Clifton 1A , é em
Neste sentido, concordamos com o pesquisador John Mckinell, Kirby Stephen 1A que sua forma se torna ainda mais próxima de Satã:
que percebe o poemaVafþrúðnismál tendo uma estrutura mais próxima um ser barbado, com as mãos e pernas presas e um par de chifres
da tradição pré-cristã que aVöluspá - apesar de conter menos detalhes (inexistente na mitologia original). Aliás, essa idéia do mal preso,
sobre o Ragnarök que as outras fontes literárias, certamente seu prestes a se libertar, também figura em outro tema relacionados ao
sentido é muito mais pagão. Por exemplo, a cena em que Vithar Ragnarök: o lobo Fenrir no hogback de Sockburn é um dos vários
mata o lobo Fenrir destroçando e abrindo sua mandíbula, ocorre canídeos com as pernas presas sob argolas e correntes de forma
emVafþrúðnismál e na face Leste da cruz de Gosforth 1, mas não muito semelhante as de Loki. O medo e as angústias coletivas do ano
na Völuspá. Vários pesquisadores já analisaram este episódio do mil, as concepções otimistas dos milenaristas, as pessimistas dos
monumento britânico como uma simples similaridade entre filhos de apocalípticos e as inúmeras versões bíblicas do fim dos tempos que
deuses vitoriosos, associando diretamente Vithar a Cristo. Apesar desta cercavam a véspera do ano mil certamente influenciaram as visões
associação ter sido possível na mente do escultor ou patrocinador, nós de mundo dos anglo-escandinavos.
pensamos outra perspectiva. A morte de Fenrir nas mãos de Vithar Existem ainda muitas questões, vários desafios interpretativos
representa um dos sentimentos máximos da ideologia guerreira e da e diversas fontes iconográficas e literárias a serem analisadas. A
própria sociedade pré-cristã: a vingança, especialmente de um ente relação entre texto e imagem na Alta Idade Média ainda é pouco
familiar. Neste sentido, Gosforth possui os mesmos elementos que investigada pelos historiadores. Nesta nossa pequena incursão a estes
constituem a base ideológica de Vafþrúðnismál: a admiração da força limites, alguns pontos ficaram bem claros: um deles, que a morte de
(Odin e Heindamll), da coragem (Týr com a mão na boca de Fenrir), Odin fazia parte das concepções originais do paganismo, assim como a
da resistência e da vingança justificada (Vithar matando Fenrir). maioria dos episódios ligados ao Ragnarök. Sofrendo transformações
A proximidade do escandinavo pagão com uma nova realidade estruturais a medida que os escandinavos iam sendo cristianizados, as
cultural e religiosa – o mundo celta e anglo-saxão cristianizado, o levou idéias sobre o fim dos deuses foram dando continuidade à tradição oral
a reelaborar e selecionar elementos de sua mitologia que antes não e imagética pagã, mas aos poucos transformaram-se pelo hibridismo
tinham tanta relevância social e iconográfica (ver tabelas 1 e 2). A cultural, já não sendo tanto pagãs, mas também, em alguns casos, nem
chegada do ano mil iria definir novos parâmetros para a iconografia tanto cristãs. Se a cruz de Thorwald pode transmitir uma idéia mais
dos mitos nórdicos, especialmente os relacionados ao Ragnarök. objetiva do triunfo cristão, isso não é detectado na cruz de Gosforth,
A aproximação com a figura de Satã - antes secundária e com que transita entre dois mundos de forma complementar e harmônica.
elementos mal definidos no imaginário, mas que a partir do século Se alguns estudiosos podem hoje afirmar que a Völuspá foi produto de
X ganha perfil central e mais freqüente na arte cristã - faz com que o um poeta pagão que foi influenciado pela cultura cristã, nosso estudo
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Johnni Langer

nos leva a considerar que muitos hogbacks e cruzes da área britânica


foram produzidos por pagãos ou semi-convertidos que criaram uma
COMETAS, ECLIPSES E RAGNARÖK:
nova identidade para as antigas narrativas de deuses que possuem UMA INTERPRETAÇÃO
uma finitude. Dentro das várias transformações em que a sociedade ASTRONÔMICA DA ESCATOLOGIA
medieval estava passando na virada do século IX para o X, certamente
as narrativas do Ragnarök ao menos trouxeram conforto a guerreiros NÓRDICA PRÉ-CRISTÃ.
vivendo em um novo mundo. Pois uma das funções básicas do mito
é conceder respostas às inquietudes do cotidiano, ao mesmo tempo
em que se transforma junto com a dinâmica cultural. Com o passar
dos anos, o fim dos deuses já não possuirá a importância dos tempos Astronomia cultural e Mitologia: alguns conceitos e
de conversão, mas não devemos nos iludir quanto a sobrevivência de problemáticas
seus simbolismos: em uma pequena igreja do interior da Inglaterra A relação entre fenômenos astronômicos e mitologia não é algo
(St. Mary, Canfield, Essex), no século XII, um escultor habilmente novo na academia. Durante o início do século XIX, vários estudiosos
elaborou acima de uma coluna, a deidade maior dos escandinavos, tentavam estudar a origem de narrativas míticas a partir do vislumbrar
ladeado com seus dois corvos e várias suásticas. Os tempos já eram da natureza, como Max Müller, A. Krappe e Paul Decharme. Mesmo
normandos e totalmente cristãos, mas Odin ainda fazia parte da vida entre os escandinavistas a teoria naturalista era muito comum, sendo
dos homens. frequentes as sistematizações dessa época - a exemplo de Northern
mythology de Benjamin Thorpe – que consideravam os deuses
como personificações de eventos metereológicos, astronômicos
ou atmosféricos. Essa visão simplista e determinista dos mitos
foi sendo deixada de lado pouco a pouco. Durante o século XX,
mas especialmente após os anos 1960, estudiosos começaram a
descobrir que muitos monumentos de povos europeus antigos, como
Stonehenge, Carnac e Avebury, continham orientações astronômicas,
dando início à disciplina da Arqueoastronomia. Em seguida, os
pesquisadores começaram a aplicar os referenciais antropológicos
para o estudo do conhecimento astronômico entre povos ágrafos,
como os indígenas americano, africanos e polinésios (mais tarde
ampliando essa perspectiva para culturas com escritas), originando
a Etnoastronomia.111
111 Alguns acadêmicos preferem utilizar o termo Astronomia Cultural, que englobaria a Arqueoastronomia e a
Etnoastronomia e ainda segundo alguns a tradicional História da Astronomia (Polcaro & Polcaro, 2009, 223).

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Atualmente podemos definir alguns paradigmas em torno destas arqueoastrônomos norte-americanos. Para o famoso pesquisador
duas disciplinas congêneres: a perspectiva arqueo/etnoastronômica Anthony Aveni (1993, 96-148), o céu era um reflexo da sociedade,
pode auxiliar a resolver alguns problemas da pré-história ao medievo, sendo as mitologias astronômicas algumas das unidades que
sendo seu principal método a comparação (mas sem cair em esquemas regulavam o cotidiano individual e coletivo. Segundo Jean-Pierre
generalizantes, universalistas ou psicológicos) e considerando o céu Verdet (1987, 11-23) os mitos astronômicos são constituídos
uma categoria abstrata e cultural. Também é necessário o auxílio da basicamente de imagens simbólicas que se modificam dinamicamente
linguística, literatura e folclore: Baitty, 1973, 389-422. É conveniente conforme o contexto histórico. Diretamente vinculado ao nosso
uma abordagem interdisciplinar que possibilite compensar a ausência objeto, alguns mitos podem ser reflexo diretos de fenômenos celestes
de teorias aceitas universalmente entre os acadêmicos das ciências anormais (eventos cataclísmicos segundo o referencial antigo, como
humanas e exatas: Iwaniszewski, 1994, p. 12. A Arqueoastronomia o vislumbrar de cometas e eclipses, mas especialmente impactos
deve manter uma linha de investigação muito além das ciências exatas, físicos de meteoritos), cuja interpretação social foi definida por
sendo demarcada dentro dos estudos de Arqueologia da paisagem, da valores religiosos e simbólicos em uma dada época, resultando em
história das religiões e da Arqueologia do poder: Avilés, 2005-2006, uma mitologia preservada iconograficamente, arquitetonicamente
25. O referencial arqueoastronômico pode conceder importantes ou literariamente (Bon et al, 2010, 221-222).
elementos aditivos para o estudo da cultura material da religiosidade Promissores estudos sobre a área clássica efetuados por Amanda
antiga: Polcaro & Polcaro, 2009, 242. A Arqueoastronomia não pode Laoupi demonstram o referencial da análise do mito como fonte
utilizar somente os referenciais modernos da Astronomia porque para estudos de eventos astronômicos. Além de farta documentação
é produto da racionalidade ocidental e fragmenta os conceitos de sobre o uso das Plêiades (aglomerado da constelação de Touro)
natureza e cultura. Assim, é necessário aproximar os eventos celestes em orientação náutica, demarcador de sazonalidade e calendário,
da visão social da época estudada, indo além das fontes puramente periodicidades de equinócios e solstícios, esse aglomerado estelar
materiais: Serrano & Caderot, 2009, 11-21. também foi relacionado com mitologias relacionadas a desastres.
Quanto aos referencias da Astronomia Cultural em relação A arqueóloga Laoupi (2011, 1-32; 2010, 1-18; 2006a, 1-15; 2006b,
aos mitos, eles geralmente partem de estudos de caso referendados 129-142; 2006c, 5-22) também vem realizando uma série de estudos
pela Antropologia e História das Religiões – especialmente entre os sobre as periodicidades de eventos catastróficos no mundo clássico
e sua presença em dados arqueológicos e mitológicos (cometas,
Alguns também consideram que na realidade a Arqueoastronomia é uma divisão da História da Astronomia e supernovas, emissões solares, etc) e seus efeitos na dinâmica social
com metodologia não muito definida, enquanto que para outros a Arqueoastronomia seria uma subdivisão da
Arqueologia (Polcaro & Polcaro, 2009, 223). Para uma perspectiva histórica dos estudos de Arqueoastronomia e dos povos antigos do Mediterrâneo, dentro do que ela denomina de
Etnoastronomia, consultar Iwaniszewski, 1994, 5-20. Segundo esse autor, os pesquisadores norte-americanos
tentam explicar as causas das antigas atividades astronômicas, partindo de fontes literárias, artísticas e Astromitologia e Arqueologia do desastre.
culturais, enquanto que os europeus se preocupam com a precisão das antigas atividades astronômicas (em
uma metodologia quantitativa e estatística), Iwaniszewski, 1994, 11. Para o arqueólogo espanhol Juan Antonio
Belmonte Avilés (2005-2006, 26) a Arqueoastronomia é qualquer investigação das práticas de observação do
De nossa parte, consideramos mito um sistema de
céu com finalidades culturais (religião, adivinhação, arquitetura, decoração, pintura, engenharia, calendário,
navegação, etc) em qualquer região do planeta que não se considera uma contribuição direta ao estudo da
representações baseado no cotidiano e na religiosidade, estruturado
História da Astronomia moderna. Neste caso, a divisão entre Arqueoastronomia norte-americana e europeia
dentro do modelo de Iwaniszewski já não se sustenta mais. O folclorista estoniano Andres Kuperjanov (2006, de acordo com as práticas sociais e cujo sentido é organizado na
37-62) vem adotando o termo Astronomia folclórica para definir o estudo do conhecimento astronômico em
povos medievais e modernos. adequação da experiência individual com os significados simbólicos
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

definidos pela cultura de uma dada época (Langer, 1997, 116). Para vem investigando de modo comparativo as tradições astronômicas
o estudo dos mitos astronômicos, acreditamos que a abordagem da Escandinávia e as do báltico, por meio dos mitos e folclore, mas
comparatista seja a mais adequada, não somente para entendermos ainda sem publicações disponíveis.112
melhor o impacto dos fenômenos astronômicos nas sociedades Nas próximas seções, demonstraremos nossas interpretações
antigas, mas também para percebermos as interações e redes que de como o aglomerado das Hiades em conjunção com eclipses totais
os mitos possuem em um dado campo cultural. O mitólogo Marcel do Sol e Lua e cometas durante o século VIII e IX contribuíram para
Detienne (2004, 109-120) argumentou sobre o uso de uma abordagem a explosão de referências literárias e iconográficas sobre o Ragnarök
experimental que demonstrasse a ligação entre a mitologia com os nas ilhas britânicas e na Escandinávia próximas do ano mil.
objetos e fenômenos da vida social e do mundo natural, demonstrando
que os simbolismos inerentes aos mitos também possuem uma faceta O Ragnarök e a figura do lobo
objetiva relacionada diretamente aos aspectos materiais e concretos
de uma cultura, não sendo apenas metáforas ou produtos teológicos O termo Ragnarök significa “consumação dos destinos dos
abstratos. poderes supremos” e se refere a uma série de acontecimentos que
Os estudos de mitologia astronômica da área escandinava culminariam com a morte dos deuses nórdicos mais importantes e
medieval já produziram alguns resultados, mas ainda pouco a destruição de parte do universo, após o qual algumas deidades e
significativos em comparação com outras áreas e épocas. O melhor humanos sobreviveriam em uma nova e renovada ordem cósmica.113 O
estudo ainda é o de Otto Siegfried Reuter (1982, 47-50), originalmente Ragnarök foi pouco representado imageticamente até a Era Viking, ao
publicado em 1934, relacionando mitos com fenômenos celestes, contrário de outras narrativas míticas, sendo mais conhecido em fontes
mas sem maiores aprofundamentos sobre a relação entre mitologia literárias e iconográficas a partir do século X. Sendo originalmente
e sociedade. O único livro publicado sobre a temática, Star myths of parte da cosmovisão pagã, porque o Ragnarök foi pouco representado
the vikings, de autoria do médico islandês Bjór Jonsson (1994) sofreu visualmente antes do século IX? Em nosso trabalho anterior (Langer,
pesadas críticas de astrônomos e de escandinavistas, mas possui 2012, 1-30) sugerimos que o “despertar” das representações artísticas
o mérito de ter despertado o interesse pela Astromitologia da Era deste tema foram causadas pelo confronto dos dinamarqueses
Viking. Alguns estudos de caso foram publicados mais recentemente pagãos em um mundo cristão repleto de referências apocalípticas e
pelos astrônomos James Ogier (2002) e Timothy Stephany (2006), milenaristas (a Inglaterra anglo-saxônica durante o século IX). Sem
com resultados pouco satisfatórios, pelo desconhecimento mais negarmos essa via interpretativa, incluindo o uso ideológico por
profundo em mitologia escandinava, suas fontes e seus debates 112 Dubois realizou a conferência Underneath the self-name Sky: comparative perspective on Sámi, Finnish,
Medieval Scandinavian Astral Lore no evento Nordic Mythologies da Universidade da Califórnia em 2012. Para
acadêmicos. Ao contrário do escandinavista Gísli Sigurðsson (2009, um enfoque bibliográfico mais detalhado sobre os estudos de Astromitologia, Etnoastronomia e História da
Astronomia na Escandinávia Medieval, consultar: Langer, 2013a; 2013b, 97-112; 2013c, 1-32.
851-861) com uma excelente crítica sobre os mitos nórdicos, mas 113 Para um vislumbrar das principais fontes literárias e iconográficas, bem como das interpretações
acadêmicas sobre o Ragnarök, consultar Langer, 2012, 1-30. Christopher Abram (2011, 157-168) considera que
carente de um enfoque da Astronomia Cultural (em termos de teorias, a principal fonte sobre o Ragnarök , o poema Völuspá é um produto cultural de uma época de instabilidade, da
coexistência entre o paganismo e o cristianismo – que influenciaram simultaneamente o sincretismo cultural
problemáticas e hipóteses) e mesmo de um conhecimento mais dos poetas e audiência da época. Para um debate recente sobre escatologia nórdica pré-cristã, especialmente
em torno do poema éddico Völuspá, consultar Gunnel & Lassen, 2013.
técnico em efemérides celestes. Outro escandinavista, Thomas Dubois,
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

parte da Igreja para com as narrativas da morte dos deuses nórdicos, pássaros, enquanto um terceiro animal de formas canídeas o ataca
acreditamos que houve motivações anteriores para essa eclosão pelas costas (talvez uma imagem precoce de Odin no Ragnarök). Para
imagética, todas relacionadas com a constelação da Boca do Lobo. Aleks Pluskowski (2001, 113-131) essas imagens são evidências da
A figura do lobo é de extrema importância na história das origem da imagem do lobo como inimigo dos deuses e desmente
religiosidades europeias pré-cristãs e assim como o cachorro, possui a ultrapassada visão oitocentista de Sophus Bugge em considerar
relação simbólica com a morte. Além disso, ambos os animais possuem o Ragnarök como uma construção totalmente cristã. Também em
ligação com a ideologia guerreira (como os ulfheðnar e os dois lobos inscrições rúnicas (como a de Ribe, século VIII), temos a associação
de Odin, Freki e Geri) e com as batalhas, originando nomes de família entre lobo, Odin e Týr.
relacionados a lobos em inscrições rúnicas e iniciações ritualísticas de Dois poemas escáldicos do século X confirmam a presença do
jovens guerreiros, como atesta Anne-Sofie Gräslund (2004, 124-129). lobo Fenrir como um animal inimigo dos deuses e também respaldam
Outra associação muito importante e também conectada à morte e a antiguidade do Ragnarök no imaginário pagão nórdico:115
a guerra é o tema do lobo na caçada selvagem de Odin.
A principal figura lupina da mitologia escandinava é Fenrir,114 Eiríksmál 7
lobo inimigo dos deuses, filho de Loki e da giganta Angrboda. “Hvi namt þu hann sigri þa
Originalmente, Fenrir significava habitante do Pântano, um termo er þer þotti hann sniallr vera
apropriado para monstro. Fenrir também é chamado de Fenrisúlf þvi at ovist er at vita sagðe Oðenn
(o lobo de Fenrir), mas esse uso nunca foi devidamente explicado ser ulfr enn hausve
segundo John Lindow (2001, 111), que ainda atribui a essa entidade a siot goða.”
dois papéis na mitologia: como esfacelador de Týr e matador de
“Então, por que privas ele da vitória,
Odin no Ragnarok. Já segundo Rudolf Simek (2007, 80), o mito de
quando você mesmo pensou sê-lo bravo?
Fenrir teria sido dividido por Snorri Sturlusson em quatro narrativas
Não prevejo o que deveria para saber, diz Óðinn,
independentes: a prisão do lobo; a batalha do Ragnarök e sua morte
entretanto, o lobo cinza olha
por Vidar; a fuga de Hel, na mesma via que Garm; o devorar do Sol
sombriamente para a morada dos deuses.”
e da Lua. Assim, Simek (2007, 81) acredita que Fenrir, Garm, Skoll e
Hati são nomes diferentes para a mesma entidade. Hákonarmál 20
A antiguidade do mito de Fenrir pode ser conferida em imagens “Mun óbundinn
do período de migração, em bracteados realizados entre os séculos V a á ýta sjöt
VI d. C., como o de Trollättan, Suécia, que apresenta um homem sendo Fenrisulfr of fara,
atacado na mão por um canídeo. Em outro bracteado (Skrydstrup, áðr jafngóðr
Dinamarca), um homem encontra-se cercado por um cavalo e dois á auða tröð
114 Langer, 2014. Principais referências aos canídeos nas fontes mitológicas nórdicas: Völuspá 40, 44, 49, 51,
56, 58; Grímnismál 19, 39, 44; Gylfaginning 11, 33, 37, 49, 50; Lokasenna 38; Fjölsvinnsmál 14; Hákornarmál
20; Eiriksmál 7. 115 Tradução de Pablo Miranda com base na edição de Finnur Jónsson, 1908 e 1911.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

konungmaðr komi.” inexistente na cosmologia cristã e com várias referências tardias


na tradição nórdica, cujo maior período de representações visuais
“Deve ir sem amarras e literárias foi a partir do século X. Desenvolvemos uma hipótese
aos assentamentos dos homens que pode elucidar alguns aspectos desse problema. Partindo da
o lobo Fenrir, ideia criada por Otto Siegfried Reuter (1982) em 1934 e seguida
tão bom como foi antes por Jonas Persson (2003), consideramos que o aglomerado das
do caminho desguarnecido Híades120 (constelação do Touro, Tau) foi interpretado pelos nórdicos
surge um homem da realeza.” pré-cristãos como sendo o asterismo da Boca do Lobo: trata-se de
um conjunto de estrelas brilhantes que formam um V (com dez
O poema Eiríksmál116 faz referencia ao Ragnarök por meio da vezes a largura aparente da Lua) oblíquo em redor da brilhante
citação do lobo Fenrir, que observa os deuses esperando o momento estrela Aldebarã. Este aglomerado é bem perceptível durante quase
de ser libertado. A sua coloração citada, cinza, também revela possíveis todo o ano nas regiões escandinavas, especialmente entre outubro
implicações com a noção de vulcanismo (típicos na Islândia)117 ou a março, sendo mais de uma dúzia de estrelas visíveis a olho nu em
de eclipses totais do sol. Uma das estrofes mais famosas do poema seu conjunto.
Hákonarmál118 (a vigésima) é uma referência ao lobo Fenrir, que se Não existe uma referência direta da associação nas fontes
soltará brevemente – uma evidência de que o Ragnarök não foi uma escandinavas entre as Híades e o lobo Fenrir, tendo Reuter baseado-se
invenção cristã tardia, mas sim baseado numa autêntica tradição na descrição do Gylfaginning 51: “Fenrisúlfr ferr með gapandi munn,
nativa pré-cristã.119 ok er inn neðri kjöftr við jörðu, en in efri við himin. Gapa myndi hann
A maior dificuldade dos pesquisadores é encontrar a origem meira, ef rúm væri til. Eldar brenna ór augum hans ok nösu” (Fenrir
da imagem do lobo como monstro apocalíptico, uma representação o lobo corre com a boca aberta, sua mandíbula superior alcança o
116 Eiríksmál (Os ditos de Eirik) é um poema escáldico fragmentado e anônimo, composto após 954 e céu e a inferior a Terra; ele bocejaria ainda mais se houvesse espaço.
narrando a morte do rei Eiríkr Bloodaxe. O poema utiliza intensamente narrativas da mitología escandinava
para descrever a chegada do rei no Valhalla (Langer, 2014). Fogo sai de seus olhos e narinas121). Como veremos a seguir, existem
117 Em recente conferência, o arqueólogo Neil Price (2013) discorreu sobre a possibilidade do inverno que
antecede o Ragnarök (Fimbulwinter) na mitologia escandinava, ter sido originado por uma erupção de um evidências do envolvimento astronômico das Híades com cometas e
vulcão em 536 d. C., com impacto devastador no clima mundial, inclusive com um prolongado obscurecimento
do disco solar. eclipses, que somados à iconografia da mandíbula lupina na Europa
118 Hákonarmál (Os ditos de Hakon) é um poema escáldico, de autoria de Eyvind Finnsson skáldaspillir. É
uma fervorosa elegia em memória do rei Hakon Haraldsson (c. 920-960, irmão de Eirík Bloodax) - geralmente
descrito como “o bom”. O poema é encontrado no manuscrito da Heimskringla de Snorri, citado parcialmente
na Edda Menor e no manuscrito da Fagrskinna, datado do século X (Langer, 2014). 120 O aglomerado estelar aberto das Híades desenha a face do Touro e a estrela mais brilhante desta
119 Outra evidência da origem pagã do Ragnarök é a inscrição rúnica de Skarpåker (Sö 154, Suécia, datada constelação, Aldebarã (na realidade não pertence ao aglomerado) era o olho deste animal para os povos da
do início do século XI): “kunar raisþi stain at lyþbiurn sun sin iarþ sal rifna uk ubhimin” (Gunnar ergueu essa Mesopotâmia, Grécia, Egito e Roma, tendo continuidade deste simbolismo no mundo medieval e árabe. A 150
pedra em Lydbjörn; a Terra deve abrir-se e o céu acima...”) (Tradução de nossa autoria, com base na edição de anos luz da Terra, as Híades são o aglomerado estelar mais próximo de nós. No braço das Híades, situa-se
Alain Marez, 2007). É praticamente impossível que uma narrativa – supostamente “inventada” pelos cristãos Theta Tauri, uma estrela dupla visual, mas a estrela mais brilhante do conjunto é Theta 1 (com magnitude
– pudesse ter tido um divulgação tão ampla entre os anos 930 a 1020 e conter tantas referências literárias e 3.1). As Híades cobrem 5° do firmamento celeste. Na mitologia grega, as Híades foram as filhas de Atlas e
iconográficas em contextos pagãos tão diferentes (na Inglaterra dinamarquesa, na Islândia e na Suécia). Como Aethra e irmãs das Plêiades (Ridpath, 2011, 172-173). O aglomerado das Híades sempre foi muito importante
demonstramos em estudo anterior (Langer, 2012, 1-30) a escatologia nórdica pré-cristã talvez originalmente para as sociedades asiáticas, do Oriente Médio, do Mediterrâneo e da América do Sul. Ela foi associada com
não tivesse a importância de outras narrativas míticas, mas o contato com a tradição cristã alterou esse quadro marcações de calendário no templo de Mnajdra I na ilha de Malta; na Índia e no Egito antigo; no Peru pré-
– somado aos motivos que apresentamos no presente estudo – e ela passou a ter uma importância muito incaico (Keley & Milone, 2011, 202, 271, 294, 444). Num instigante estudo, os classicistas Boutsikas & Hannah
maior. Também não negamos aqui o fato das narrativas terem sofrido acréscimos por parte dos escritores (2011, 342-348) demonstraram que as Híades eram relacionadas com as narrativas do rei mítico de Atenas,
cristãos e de que alguns simbolismos terem sido utilizados como meio propagandístico e ideológico para a Erechtheus, mas também conectadas a festivais religiosos durante a visibilidade deste aglomerado acima da
melhor conversão dos pagãos. Mas isso não permite considerar a escatologia nórdica pré-cristã como produto Acrópolis, envolvendo jovens meninas de 7 a 11 anos.
totalmente tardio da nova religião. 121 Tradução de nossa autoria, com base na edição de Guðni Jónsson, 2013.

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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Setentrional da Alta Idade Média, tornam essa hipótese altamente Se com relação à realeza não podemos realizar nenhuma
convincente. evidência direta no mundo nórdico em se tratando de cometas, a
ideia básica de desordem cósmica talvez possa ser remetida também
Os cometas e a Boca do Lobo na Alta Idade Média na sociedade escandinava da Era Viking. Em grande parte das
culturas do mundo, os cometas semeavam o terror, assim como os
Os cometas constituem alguns dos mais formidáveis espetáculos eclipses, seguindo uma tradição milenar de medo e angústia, que não
que o céu proporciona ao homem desde a aurora dos tempos. Não desapareceu mesmo nos tempos modernos (Verdet, 1987, 77-91).
importando o período, grandes cometas sempre despertaram o A maior parte dos pesquisadores de Etnoastronomia escandinava
interesse das culturas, criando as mais diversas interpretações não desenvolveu nenhum estudo sobre o tema dos cometas. Mas
sobre estes astros. Mais especificamente na Europa Setentrional eles surgem esporadicamente em alguns trabalhos amadores, como
durante a Era Viking (793-1066 d. C.), ocorreu a passagem de alguns o de Ignatius Donnely, o famoso teórico da Atlântida. Em um estudo
cometas. Quais teriam sido as percepções dos escandinavos sobre publicado no século XIX, ele defendeu a ideia de que um grande
estes astros? Nas fontes primárias, tanto as Eddas quanto as sagas cometa havia se chocado com a Terra há cerca de 12.000 anos
islandesas e as crônicas históricas anteriores ao século XI, não atrás, produzindo grande parte dos mitos conhecidos, e entre eles,
encontramos diretamente nenhuma alusão a eles, mas podemos a da serpente do mundo dos mitos nórdicos (Donnelly, 1885, 144-
utilizar a metodologia comparada da Astronomia Cultural para aventar 145). A teoria do impacto cósmico na história voltaria em voga com
algumas hipóteses interpretativas. Immanuel Velikovsky em 1950 e mais recentemente, com grupos
Os maiores cometas registrados na Era Viking foram as de geólogos e astrônomos também referendando o pressuposto de
passagens do 1P/Halley em 837, 912 e 1066 e do grande cometa de que o impacto de cometas ou meteoros teria originado grande parte
891 – observados na Inglaterra, França e Alemanha – o que nos leva das mitologias – incluindo a escandinava (Carlson, 1986, 71; Hense,
a acreditar que também foram acompanhados na Escandinávia. A 2012). De nossa parte, apesar de considerarmos o estudo da relação
maior parte das fontes, de documentos francos a normandos (todos já entre catástrofes celestes e história uma perspectiva extremamente
cristianizados), associam estes astros com a morte de reis, seguindo promissora - acreditamos que ela vem sendo exagerada em alguns
uma tradição secular de serem considerados sinais de augúrios pontos.123 Nem sempre é possível explicar a origem dos mitos pelo
negativos ou trazendo calamidades e catástrofes para os homens simples contato dos fenômenos naturais, pois eles possuem outras
(Gomes & Navarro, 1985, 158-165; Mourão, 1985, 375), ou a exemplo motivações sociais, políticas e mesmo religiosas. Esta relação, muito
da Crônica Anglo-Saxã, os associando com surtos de fome.122 O famoso mais que causal ou determinista, é dinâmica. Alguns mitos foram
registro de 1P/Halley na tapeçaria de Bayeux em 1066 é um exemplo criados pela observação da natureza, mas também muitos mitos
deste imaginário. são projetados na natureza, e no caso, sobre o firmamento celeste.
123 O arqueoastrônomo Clive Ruggles (2005,72-74, 110-112) enunciou o debate atual sobre a questão de
eventos astronômicos catastróficos na História humana, separando o avistar de cometas e meteoros e seu
impacto na ordem social e política das sociedades como elemento de desordem cósmica, e de outro lado,
122 Para uma análise dos registros anglo saxônicos e irlandeses de cometas e meteoros durante a Alta Idade o impacto físico de meteoritos no planeta (com devastadoras consequências geográficas, climatológicas e
Média consultar: Brazell, 1984, 56-57; Mardon & Mardon, 1991, 385-393; McCarthy & Breen, 1997, 1-23. desastres físicos nas comunidades).

110 111
Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Assim, consideramos que apesar das ideias de Donnely serem cometas, eclipses, meteoros e auroras – o caos revelado, que era objeto
muito fantasiosas, sem maiores evidências físico-astronômicas e de temor e que anunciava presságios maléficos. Tudo aponta para
sem análises mais contextuais e acadêmicas das Eddas – a sua base uma concepção negativa dos cometas pelos nórdicos, e se tratando
essencial permanece correta, a de que os nórdicos da Era Viking especialmente do aparecimento de 1P/Halley em 837 (estimado
interpretaram os cometas como sendo manifestações da serpente com uma magnitude de -3, extremamente brilhante) ou do grande
do mundo (Jormungand). Em diversas outras culturas próximas à cometa de 891, ambos possivelmente atingiram um grande tamanho
Escandinávia, como as do Báltico medieval e moderno, ocorrem nas suas caudas e comas em certos momentos de suas visibilidades
antigos folclores associando meteoros e cometas com serpentes (ver tabela 1). Ou seja, provavelmente os escandinavos interpretaram
voadoras (Avilin, 2007, 113). Na Idade Média, além destes dois esses astros como grandes serpentes/dragões celestes – e talvez,
fenômenos, também as auroras eram vistas como dragões voadores associando estes com Jormungand e o despontar do Ragnarök.
de fogo, geralmente portadoras de pestilências e da fome, como os
registrados na Crônica Anglo-Saxã, nos Anais Irlandeses (McCarthy,
1997, 7; Brazell, 1984, 57) e em dezenas de outros manuscritos Tabela 1: Fenômenos astronômicos da Alta Idade Média125
(Dall´Uomo, 1980, 13, 21). Alguns relatos medievais e renascentistas
apresentam a caracterização medieval dos cometas como grandes Tipo de fenômeno
Descrição dos Área de
Data do (fonte primária
serpentes cuspindo veneno ou fogo pelos céus (Delumeau, 2009, 111). fenômeno manuscrita citada
principais astros visibilidade
visíveis. do fenômeno
No Ragnarök, a destruição do mundo e dos deuses está quando existir)
associada com a libertação de dois monstros, a serpente do mundo

01/03/713
– que sai do oceano – e o lobo Fenrir – que foge de sua prisão no Visibilidade (durante a
totalidade do eclipse)
submundo e abre sua mandíbula abarcando a Terra e o céu. O sol e a Eclipse total do Sol
das Hiades e das
Escandinávia
lua são devorados pelos lobos filhos de Fenrir, as estrelas caem e logo estrelas Castor e Pólux
depois surge de uma fenda no céu os filhos de Múspell e o gigante
Visibilidade das
Surt cavalgando pelo céu envolto em fogo - sendo sua espada mais

24/01/734
Hiades, do planeta
brilhante que o Sol124 (Gylfagginning 51). Eclipse total da Lua Júpiter e das estrelas Inglaterra e
Ou seja, antes da batalha no campo de Vigrid, a destruição (Crônica Anglo-Saxã) Castor e Pólux – todos Escandinávia
em alinhamento com
provém essencialmente do firmamento celeste. Se pensarmos que a Lua.
os escandinavos tinham um grande conhecimento de Astronomia,
preservado essencialmente pela mitologia (Sigurðsson, 2009, 851-
861), então a sazonalidade dos fenômenos celestes refletia uma 125 Os dados para os eclipses totais do Sol (data e áreas de visibilidade da totalidade, incluindo detalhamento
geográfico com mapas) foram obtidos no site da NASA (http://eclipse.gsfc.nasa.gov/solar.html Acesso em 05
organização divino-cósmica que era quebrada pelo aparecimento de de janeiro de 2014). Para reconstituição regional dos eclipses da Lua e passagens de cometas empregamos
também os planetários de código aberto para computadores: Redshift 7 Launcher e Stellarium 0.11.3. As
referências de fenômenos astronômicos constantes em fontes da época (datas e tipos de fenômenos) foram
obtidas em: Brazeul (1984, 56-57); Mardon & Mardon (1991, 385-393); McCarthy (1997), 1-23. Para uma lista
124 Possivelmente a descrição de Surt seja mais uma referência a antigos cometas vislumbrados na detalhada de fenômenos astronômicos, metereológicos e climatológicos da Alta Idade Média, com referência
Escandinávia. bibliográfica secundária, consultar: Chatfield, 2013.

112 113
Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

23/11/755 Visibilidade (durante a


Eclipse total da Lua/ O eclipse e a ocultação Eclipse total do totalidade do eclipse)

16/06/885
Ocultação do planeta ocorreram entre as Sol (The Chronicon das Hiades, dos Ilhas
Escandinávia
Júpiter pela Lua Hiades e as estrelas Scotorum: as estrelas planetas Júpiter, Vênus, britânicas e
(Simeon de Durham) Castor e Pólux foram vistas no céu Saturno, Mercúrio e Escandinávia
durante o eclipse) das estrelas Castor e
Visibilidade (durante Pólux.
12/04/758

a totalidade do
Sul da

04/04/891
eclipse) das Hiades, Visibilidade das
Eclipse total do Sol Dinamarca e Grande cometa de
dos planetas Júpiter, Hiades e dos planetas Europa e
Alemanha 891 (Crônica Anglo-
Vênus e Mercúrio e das Mercúrio, Vênus e Mediterrâneo
Saxã)
estrelas Castor e Pólux Marte

Visibilidade (durante a

08/08/891
04/05/813

totalidade do eclipse) Visibilidade do Sol e Inglaterra e


Escandinávia Eclipse parcial do Sol
das Hiades, do planeta sombra da Lua Escandinávia
Eclipse total do Sol e Europa
Júpiter, Marte, Vênus
Setentrional
e Mercúrio, e das
estrelas Castor e Pólux.
Visibilidade (durante
Visibilidade das a totalidade do
Centro-
25/12/828

Hiades, dos planetas eclipse) das Hiades,

07/06/894
Eclipse total do Sol norte da
Eclipse total da Lua Júpiter, Marte, Saturno Escandinávia dos planetas Vênus,
Escandinávia
e das estrelas Castor e Marte e Mercúrio, das
Pólux. estrelas Castor e Pólux.
18/04/837

Cometa Halley
Visibilidade das Europa Europa

03/07/912
(registros alemães, Visibilidade das Hiades
Hiades e dos planetas Setentrional e Cometa Halley Setentrional e
belgas e asiáticos) e e do planeta Saturno
Mercúrio e Vênus Mediterrâneo Mediterrâneo
cometa Machholz 1

Visibilidade (durante a
05/05/840

totalidade do eclipse)
Eclipse total do Sol Alemanha
das Hiades, dos Eclipses totais e a Boca do Lobo na Alta Idade Média
(Andreas Bergomatis e centro da
planetas Júpiter, Vênus,
Chronicon) Europa
Marte e Mercúrio, das
estrelas Castor e Pólux
Ao analisarmos a ocorrência de dez eclipses solares e lunares
durante a Alta Idade Média (visíveis na Escandinávia), constatamos
que nove destes fenômenos ocorridos entre 713 e 894 d. C. estiveram
próximos do aglomerado das Híades (interpretados por nós como

114 115
Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

sendo a constelação da Boca do Lobo para os nórdicos). No caso dos Assim, a grande ocorrência de efemérides interpretadas
eclipses totais do Sol, que transcorreram de dia, durante quase dez tradicionalmente pelas culturas do mundo como causadores de caos
minutos o aglomerado foi visível (no momento da totalidade, quando e desordem, reforçaram os simbolismos apocalípticos no imaginário
todo o céu fica escuro), e no caso de eclipses da lua, foi visível durante escandinavo durante os séculos VIII e IX, culminando com as explosões
quase toda a noite. Além disso, também as passagens de grandes de referências literárias e visuais do século X. Isso explicaria as raras
cometas (como Halley em 837 e 912) também estiveram próximas representações visuais do Ragnarok na Escandinávia pré-cristã e seu
do asterismo da Boca do Lobo. Os eclipses totais do sol de 755, 840 repentino surgimento a partir dos anos 9300 a 1000 d. C.
e 885 e os eclipses totais da lua de 734 e 755 foram registrados em No relato mítico, o primeiro acontecimento cósmico que
crônicas inglesas e alemãs. Em particular, o eclipse total da lua de precede a batalha no campo de Vigrid é o momento em que os lobos
828 ocorreu durante o solstício de inverno (25 de dezembro). engolem o Sol e a Lua127 (Gylfaginning 51), uma clara referência a
Recentemente, o arqueólogo Mike Parker Pearson (2004, eclipses de ambos os astros. No momento da totalidade do eclipse do
86-91) comparou diversos sítios da Idade do Ferro em áreas disco da lua, ela geralmente ganha tons rubros, criando no imaginário
pangermânicas que possuem alinhamentos voltados para eclipses a ideia da “lua de sangue” (ideia contida em Völuspá 41 e Gylfaginning
totais da lua durante o solstício de inverno, demonstrando que além de 12). Após Jörmungandr (também denominada de “lobo do mar” em
observações, também ocorreram registros destes fenômenos celestes. alguns poemas) sair do mar e adentrar na terra, Fenrir corre com a
Também o pesquisador Göran Henriksson (1996, 475-485) analisou boca aberta, e sua mandíbula projeta-se da terra ao céu. Esse é um
várias pinturas rupestres da Suécia da Idade do Bronze, concluindo detalhe fundamental no relato, pois logo depois de Odin ser morto
que algumas destas figurações podem ser registros da passagem do pelo lobo, seu filho Vídar pisa com o pé em sua mandíbula e depois a
cometa Encke próximos do aglomerado das Plêiades (Constelação parte com suas mãos, causando a morte da besta (Gylfaginning 51).
do Touro), durante um eclipse total do Sol ocorrido em 1595 a. C., o Anteriormente, durante sua prisão, os deuses haviam inserido uma
que confirmaria o interesse e o registro por este tipo de fenômeno espada na boca de Fenrir (Gylfaginning 34). Todos esses detalhes
astronômico na Escandinávia, muito tempo antes da Era Viking.126 convergem para o forte simbolismo da mandíbula lupina (visualmente
O vislumbrar de eclipses e a passagem de cometas constituem presente nos bracteados do período de migração e esculpida na
os dois fenômenos astronômicos mais impressionantes do ponto 127 A personificação da Lua (Máni) e do Sol (Sól) na mitologia escandinava: ao contrário da maioria das
de vista social e histórico, e certamente causaram grande impacto narrativas mundiais, a Lua é vista como um ser masculino no mundo nórdico pré-cristão, assim como na
mitologia irlandesa (Ealhada), lituana (Meness) e eslava (Jarilo). E o Sol (Sól, Sunna) era visto como um ser
feminino, como nos mitos eslavos (Solntse), lituanos (Saule), finlandeses (Beiwe) (Langer, 2014). No poema
na sociedade nórdica. Não defendemos aqui que o vislumbrar da éddico Vafthrúdinismál 22-23, Odin questiona o gigante sábio Vaftrúdinir porque o Sol e a Lua percorrem o
céu acima dos homens e a resposta é que ambos são filhos de Mundilfeari (aquele que se move de acordo
natureza originou os mitos, mas que esses foram reforçados, pois com o tempo), realizando este percurso pelo céu todo dia e medindo os anos. Em Gylfaginning 11, Snorri
concede outra versão para estes astros: Mundilfari é o pai de dois filhos muito bonitos, chamados Máni e Sól.
já existiam no imaginário. Transferidos para a abóbada celeste, os Os deuses enfurecem-se com o ato e colocam os dois na abóbada celeste – permanecendo assim guiando
duas carruagens transportando os discos do Sol e Lua. Durante o Ragnarök, ambos serão devorados pelos
mitos ganham um novo significado e um novo dinamismo. lobos Skoll e Hati, mas é somente em Snorri que isso é explicitado, especialmente no caso da Lua – um
lobo chamado Managarm (devorador de Máni) se alimentará com a vida de todos os humanos e manchará
o céu com o sangue da Lua e fará o Sol perder o brilho (Gylfaginning 12). Com certeza, trata-se de uma
alusão ao eclipse total da Lua, que é denominada em várias culturas europeias de Lua de sangue - fenômeno
causado pela refração da luz solar pela atmosfera durante o encobrimento total do disco lunar. O poema éddico
Grimnismál 37-38 reforça alguns elementos de Snorri, como a menção aos cavalos Árvak e Álsvid, que puxam
126 O espetacular, porém raro fenômeno envolvendo a visibilidade de cometas durante eclipses foi também as carroças dos irmãos, mas cita o detalhe do escudo Svalin, que protege as montanhas e mares do calor
registrado em Paris em 5 de fevereiro de 817 (Chatfield, 2013). solar (Langer, 2014).

116 117
Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

cruz de Gosforth na Inglaterra), mais uma evidência do asterismo Conclusão: céu, mito e ciência
da Boca do Lobo.
Os estudos do conhecimento astronômico e da recepção social
O apocalipse pagão, desta maneira, é centrado no surgimento de
dos fenômenos celestes no mundo antigo e medieval ainda é uma
monstros, especialmente lupinos, conferindo o nome desse momento
área repleta de problemáticas, dúvidas, mas também, de diversas
para Vargöld (Era do lobo, Völuspá 45), ou seja, o momento do caos
possibilidades investigativas. Existem muitos relatos, crônicas, fontes
cósmico. Com isso, a figura de Fenrir torna-se preponderante no
iconográficas e testemunhos oculares de fenômenos considerados
imaginário escandinavo devido ao seu status como animal predador,
conhecidos (como cometas, eclipses e chuvas de meteoros) e
cujo poder devorador é transferido para a constelação da Boca do
desconhecidos (dragões de fogo no céu, espadas reluzentes, coroas
Lobo. E por sua vez, o imaginário cristão adapta prontamente todo
de fogo – que podem ser auroras, parélios, halos no Sol e Lua e outros
esse simbolismo a seus próprios referenciais apocalípticos, refletidos
tipos de acontecimentos celestes, metereológicos ou geoclimáticos).
na monstruosidade animal como transgressora do domínio humano
Personalidades conhecidas, como Carlos Magno e Harald Godwinson,
sobre a natureza, como atesta Aleks Pluskowski (2005, 141-160).
além de cronistas anônimos, emitiram opiniões objetivas sobre alguns
Algumas esculturas britânicas conservaram a imagem de
destes acontecimentos. Outros fatos podem ter sido interpretados
lobos perseguindo um disco cósmico: no hogback de Ovingham 1C
dentro de simbolismos específicos do imaginário, agregando-se à
um canídeo ataca um disco; também no hogback de Tyninghame,
narrativas mitológicas ou religiosas, ou mesmo originando novos
dois canídeos permanecem ao lado de um círculo, tocando o mesmo
mitos.
com as patas.128 Esses dois monumentos foram realizados pelos
Diversos fenômenos astronômicos e metereológicos foram
dinamarqueses pagãos na Inglaterra durante os anos 900 a 950 d. C.
registrados na Irlanda, Inglaterra (especialmente na Crônica Anglo-
e demonstram a ideia de que o caos cósmico era um tema presente
Saxã) e Alemanha alto medieval, como auroras boreais (c. 765), halos
no imaginário pré-cristão e que acabou sendo adaptado à escatologia
no Sol e Lua (c. 773; c. 806), tornados (c. 793), erupções solares intensas
do cristianismo. Assim, o lobo nórdico também é encontrado nas
(c. 807), chuvas de meteoros (c. 810; c. 823), invernos extremamente
cruzes de Andreas e Gosforth e na runestone de Lidberg, datadas do
rigorosos na Europa (com formação de gelo até no Egito, c. 829), duplo
século X ao XI: em todas elas um canídeo ataca o deus Odin. Nestes
disco do Sol (c. 909).129 Esses acontecimentos tiveram alguma relação
casos, a morte do deus escandinavo também serve como instrumento
com o surto escatológico da Europa Setentrional no século X? Como
ideológico para a conversão, sendo a figura lupina um instrumento
esses fenômenos foram interpretados no imaginário escandinavo pré-
de reconciliação entre a nova e velha religião, na visão de Aleksander
cristão? Essas e muitas outras questões são originadas pelo estudo
Pluskowski (2003, 155-176; 2001, 113-131).
da Astronomia Cultural aplicada à Antiguidade e Medievo. Mesmo
os vikings podem ter sido interpretados por outros povos dentro
do referencial astronômico (durante os primeiros ataques nórdicos

129 Conforme Brazeul (1984, 56-57); Mardon & Mardon (1991, 385-393); McCarthy (1997, 1-23), Chatfield
128 Para imagem destas fontes medievais, consultar Langer, 2012, 16 e 19. (2013).

118 119
Johnni Langer

na Inglaterra em 793, a Crônica Anglo-Saxã relacionou os mesmos


com sinais de dragões de fogo nos céus e relâmpagos, possivelmente
O CÉU DOS VIKINGS:
auroras boreais, também registradas na Irlanda nessa mesma data).130 UMA INTERPRETAÇÃO
Esperamos ter concedido algumas reflexões que possam ETNOASTRONÔMICA DA PEDRA
auxiliar os futuros investigadores nesta temática. Existem muitas
perguntas, mas também muitas fontes e documentos a serem RÚNICA DE OCKELBO (Gs 19)
desbravados pelos historiadores e acadêmicos que se interessam
pelo estudo do mito, da religiosidade e do imaginário social. A trilha
está aberta.

INTRODUÇÃO
Agradecimentos: Alexandre Amorim (NEOA-JBS) pelo auxílio técnico;
aos professores doutores Gísli Sigurðsson (Universidade da Islândia)
A Escandinávia da Era Viking (793-1066 d. C.) foi um momento
e Aleksander Pluskowski (Universidade de Reading) pelo envio de
extremamente rico em produções imagéticas. Tanto objetos cotidianos,
material bibliográfico; Ms. Pablo Miranda (NEVE) pelo auxílio em
como joias, adornos, utensílios e ferramentas, como em gravuras de
traduções da poesia escáldica; Ms. Munir Lutfe Ayoub (NEVE) pela
monumentos e inscrições são repletos de referenciais visuais. Seja
identificação de alguns bracteados; profa. Ms. Luciana de Campos
na forma de símbolos puramente ornamentais como em complexas
(UFPB/NEVE) pela revisão do texto.
cenas advindas da mitologia, da história e da sociedade nórdica,
estas imagens ainda são pouco estudadas, sendo tradicionalmente
preteridas às fontes escritas e documentais. A relação entre texto
e imagem neste contexto histórico também é incipiente, mas uma
nova disciplina acadêmica vem oferecendo algumas interessantes
opções metodológicas, a Etnoastronomia. Apesar disso, sua aplicação
tem sido mais comum entre os países do Leste europeu, sendo a
área nórdica medieval ainda sujeita a inúmeras possibilidades de
investigação. O objetivo principal deste artigo é fornecer algumas
hipóteses interpretativas a um material ainda muito pouco estudado:
os vestígios visuais da mitologia escandinava.
Entendemos Etnoastronomia dentro de uma perspectiva que
procura reconstituir o conhecimento astronômico dos povos antigos
130 Sendo os anglo-saxões já cristianizados, mas ainda interpretando estes fenômenos dentro do referencial
mitológico, como foi a reação dos vikings a esses mesmos acontecimentos? Eles devem ter sido também
e sua relação na religiosidade, na sociedade e na arte. A associação
visíveis em toda a Escandinávia.

120 121
Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

entre iconografia, texto e ritual é uma das determinantes neste estudo, de uma serpente, em cujo interior foram realizadas cenas, símbolos
procurando encontrar o ponto de convergência entre a tradição de e ornamentos, e em cujo corpo foram esculpidas runas. A serpente
observação do céu e o registro monumental e ou visual (BAITY, 1973, entrelaça-se com sua cauda formando um semicírculo oblongo, sendo
p. 403). Apesar de não adotarmos um referencial de determinismo da fechada com uma espécie de argola dupla, e tendo tanto a cabeça
natureza sobre a cultura, acreditamos que os fenômenos cósmicos e quanto o rabo projetadas com ornamentos espiralados. A figura
astronômicos foram muito importantes na criação e desenvolvimento central do monumento é a representação de uma árvore, constituída
de diversas narrativas mitológicas, e é basicamente pelas imagens por nove ramos também terminados com a ponta em semiespiral.
que estas cenas foram preservadas pela tradição folclórica, lado a No topo do tronco foi gravado um pássaro.
lado com a oralidade (VERDET, 1987, p. 19). A cena superior é a que apresenta maiores desgastes, mas
pode-se perceber uma perna e um braço segurando uma espada e
Iconografia sendo esta introduzida no dorso superior da serpente. Logo abaixo
foi representada uma carroça e um cavalo, sendo conduzida por
Nossa principal fonte de estudo é o monumento sueco um homem (do qual só são visíveis a cabeça e as pernas). À frente
conhecido como pedra rúnica (runestone) Gs 19, erigido durante o da carroça temos duas pessoas onde só é perceptível a perna de
século XI d. C. e preservado na igreja de Ockelbo, Gästrikland, Suécia, ambos, mas o primeiro parece estar portando uma lança. Abaixo
sendo descoberto em 1795 e destruído durante um incêndio em 1904. da carroça, um homem inclina-se e denota estar segurando flechas
Atualmente ele foi reconstituído a partir de ilustrações oitocentistas e ou um objeto não identificado. Ainda abaixo, surge a representação
fotografias do início do século XX. Devido ao fato de ter sido destruído, de dois homens sentados, divertindo-se com um jogo de tabuleiro e
não tivemos acesso aos detalhes materiais do monumento original um deles porta um corno, sendo o mesmo levado à sua boca. Ao lado
(como peso, altura, composição, etc.). As runestones foram erigidas direito da árvore, surge um cavalo, preso a um dos ramos por meio
como memoriais de mortos, registro de patrocínios e comemorações de um anel/argola. Lobo abaixo, a figura de um homem, segurando
da memória individual, apresentando imagens que na maioria das um dos ramos com a mão direita e portando um anel com a outra.
vezes não tem relação direta com o conteúdo das inscrições rúnicas Do lado oposto da árvore, na mesma altura, percebemos uma mulher
(como é o caso de Gs 19) (SAWYER, 2003, p. 2; 20). Runas são as portando um corno e logo atrás dela, surge a figura de um galo.
letras do alfabeto dos povos germânicos, utilizadas até o advento do
período moderno.
Interpretação
O padrão artístico de Gs 19 é denominado de Ringerike (Pr2),
uma estética desenvolvida entre o final do século X a início do XI d. Basicamente, o monumento em questão apresenta um
C. Sua principal característica é a retratação de temas animais, como tradicional motivo de serpente entrelaçando várias cenas mitológicas
pássaros e leões, mesclados a linha sinuosas e espiraladas. O estilo – um padrão genérico da maioria das runestones suecas - e imagens do
da pedra rúnica de Eckelbo é o formato olândico, cuja rocha possui cotidiano durante a Era Viking – estas, por sua vez, totalmente escassas
formato semicônico e afunilando-se na ponta. O motivo principal é o da iconografia nórdica. A estela foi tradicionalmente interpretada

122 123
Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

como contendo várias alusões ao ciclo nibelungiano ou do herói Fáfnir, obtém o dom de reconhecer a fala dos pássaros de um bosque
Sigurd, incluindo a morte do dragão Fáfnir, um episódio extremamente (DÜWEL, 1988, p. 135).
importante para o paganismo nórdico e que foi preservado em vários Com isso, de maneira genérica, os estudos acadêmicos
outros monumentos da Europa Setentrional ao final da Alta Idade interpretam essa fonte imagética como o registro do ciclo nibelungiano
Média, inclusive em igrejas cristãs. Os escassos estudos que citam e a inclusão das cenas cotidianas não teria relação direta com as
Eckelbo apresentam duas perspectivas básicas, geralmente separadas mesmas. De nossa parte, partimos de uma hipótese geral de que
umas as outras: a de cenas do cotidiano, como a da mesa de jogo este monumento, independente das intenções do artista ou do
– considerada uma situação de inverno na Escandinávia - caça e patrocinador, podia ser percebido em termos cosmológicos mais
transporte com carroça; e outra, a de imagens mitológicas do herói gerais: o cotidiano estava inserido em um drama cósmico. Ao mesmo
Sigurd, presentes nas fontes literárias e em muitas outras iconografias tempo em que algumas cenas podem ser percebidas em um contexto
europeias (STERN, 2009; p. 899-900; DÜWELL, 1988, p. 133-156). individual e ter relação com um contexto cosmológico e vínculos
Até o presente momento não houve uma associação das cenas deste analógicos, como veremos em detalhes mais adiante.
monumento com interpretações astronômicas ou de uma comparação Não negamos a interpretação de algumas cenas de Ockelbo
sistemática com outras imagens de cunho cosmológico no mundo como sendo nibelungianas. Mas em outros monumentos, os dados
escandinavo. dessa narrativa mitológica são muito mais individualizados e restritos
O cavalo geralmente é identificado a Grani (o corcel de Sigurd) ao seu contexto imagético, como as cruzes britânicas de Maughold e
e também surge amarrado a uma árvore nas inscrições rúnicas de Sö Halton, onde os dois pássaros e os cavalos são única e exclusivamente
327 e Sö 101. O homem portando anel é associado com o anão Andvari alusões ao ciclo nibelungiano. Em Ockelbo a soma de várias cenas como
ou o próprio Sigurd portando o anel Andvaranaut. O elemento mais o pássaro acima da árvore, o cavalo preso, o homem portando o anel
objetivo de identificação com os mitos nibelungianos é o detalhe e a morte do dragão correspondem, sem dúvidas, a uma leitura visual
parcialmente destruído em Eckelbo, bem acima da figuração da possível: uma transmissão imagética de um importante narrativa oral
árvore, onde se percebe um braço portando uma espada. Esta cena do paganismo nórdico - a história de Sigurd. Mas ao mesmo tempo, a
corresponde à morte do dragão Fáfnir por Sigurd, e surge claramente centralização da árvore no conjunto, com somente um único pássaro
nas figurações de U 116, U 1175, Gs 2, Sö 327 e Sö 101. Em Eckelbo, em seu topo, também pode ser interpretada visualmente como a
o corpo deste dragão contorna todo o conjunto imagético da estela, árvore do mundo, a Yggdrasill, aos olhos do escandinavo medieval.
formando um círculo imperfeito e em cujo interior do dorso foram Nas fontes mitológicas nórdicas, temos a figura de uma árvore
inscritas runas. As menções ao ciclo são completadas com a figura que seria o centro do mundo e ligando todo o cosmos, antevista
de uma mulher portando um corno com as mãos, uma alusão a uma pelos germanos antigos como Irminsul (coluna gigantesca). Além de
valquíria, talvez Sigdrífa - situada no lado oposto ao homem com fonte da vida, do saber e do destino, ela era transfigurada em cultos
anel na árvore. Esta mesma cena aparece no monumento U 116. religiosos de árvores (BOYER, 1981, p. 212-222). A mítica árvore era
A árvore de Ockelbo e o pássaro em seu topo foram interpretados habitada por diversos animais, entre os quais uma águia (identificada
como sendo o momento em que Sigurd, logo após matar o dragão a Odin) que ficava situada em seu cimo (Grímnismál 31). Existem
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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

poucas imagens da Era Viking que podem aludir diretamente a esse Cosmologia
mito. Uma delas é a tapeçaria de Överhogdal, originada da Suécia
O nome Yggdrasill (“cavalo de Odin”) é uma referência ao
entre os anos 800 a 1000. Cercada em meio a dezenas de animais,
fato de Odin ter se autoimolado nesta árvore (Hávamál 138). Ela é o
principalmente cavalos, renas e alces, situam-se duas representações
centro do universo e o divide em três regiões cósmicas distintas em
de árvores na tapeçaria – separadas em níveis diferentes. Ambas
um eixo vertical: o plano celestial dos deuses, o plano intermediário
foram tecidas com aspecto geométrico e possuindo um pássaro no
dos humanos e gigantes, o plano inferior dos mortos – o submundo.
topo. Um dos cavalos desta tapeçaria possui oito patas, uma alusão
Apesar deste quadro cósmico ser tradicionalmente inferido pelas
direta a Sleipnir, o corcel de Odin. Algumas pingentes e braceletes
fontes, a relação de Yggdrasill com os nove mundos não é muito
da Escandinávia antiga e alto medieval também trazem figuras de
clara, sendo difícil estabelecer as fronteiras entre eles (DAVIDSON,
árvores, com formas muito semelhantes a de Eckelbo e Överhogdal,
2004, p. 161).
sem alusão a qualquer animal mas portando três raízes, o que às
Muitas pinturas e ilustrações desde o Oitocentos colocam
vincula ao contexto mitológico da árvore cósmica. Em outras estelas
em uma única imagem a concepção cosmológica dos escandinavos
rúnicas, como U 1163, G 2 e Gs 9, surgem figurações de árvores com
(essencialmente dentro do quadro que nos referimos acima: um
a mesma estética de Eckelbo (especialmente os ramos terminados
eixo vertical estruturado pela Yggdrasill e outro eixo, horizontal,
em gancho), mas de forma mais simples e sem o pássaro no topo
definido pela Terra Média, oceano e Terra dos gigantes), mas alguns
(com exceção de Sö 327).
escandinavistas atualmente estão questionando esse modelo de
Outras fontes visuais confirmam nosso referencial. Na
interpretação. Para eles, tanto a ideia de uma axis vertical, quanto
runestone Gs 9, que também contém dois elementos nibelungianos
de três níveis e a posição celeste dos deuses foi influenciada pelo
(Sigurd matando Fáfnir e um homem portando o anel Andvaranaut),
cristianismo, não tendo base pagã (WELLENDORF, 2004, p. 51-53),
a árvore do monumento prolonga-se acima de uma cruz, formando
ou ainda, as referências astronômicas da poesia escáldica foram
vários galhos e um tronco central (como em Gs 2). No bloco de
influenciadas pela tradição clássica (ROSS, 2012, p. 199-207). Não
Ledbeg (Ög 181), a base da gravura de uma cruz possui várias raízes.
concordamos com esses pontos de vista, tendo como respaldo duas
Em U 1163 uma cruz é toda envolvida pelos ramos de uma árvore,
perspectivas: a de fontes visuais da Escandinávia da Era Viking e
enquanto que em U 1175 repete-se o mesmo motivo, além de um
mitos de outras culturas.
anel centralizar a figura do símbolo cristão. No bloco de Gårdby, ao
Na pedra de Altuna (Suécia, século XI), em uma das faces
contrário, uma ramificação arbórea aparece na base de uma cruz.
gravadas, percebemos nitidamente três cenas agrupadas em sentido
Com isso, verificamos que a conversão à nova religião não destituiu
vertical. A primeira, situada no topo, com uma figura masculina com
os simbolismos anteriores, sendo a árvore/cruz identificada ao
um pássaro no ombro e cortado por três linhas horizontais (sendo
centro, ao eixo do mundo - reguladora do destino, da ordem cósmica
que na terceira ele apoia os pés) é interpretada como Odin (a esfera
e do homem.
divina); o segundo nível, intermediário, contém a representação
de um homem montado em um cavalo; no terceiro nível, temos a

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

figura de Thor pescando a serpente do mundo – considerada o nível em grande parte das culturas euro-asiáticas (ELIADE, 1998, p. 289-
do submundo (SØRENSEN, 2002, p. 127). Na runestone de Sanda 295) e na Escandinávia da Era Viking (DAVIDSON, 2001, p. 69).
1 (Suécia, Era Viking), logo acima de três figuras masculinas em
movimento, no topo da monumento, foi gravado um nicho retangular, Astronomia
representado uma mulher e um homem sentados, além de um pássaro,
possivelmente Odin e Frigg em seus tronos em Asgard. Em outras Vários pesquisadores de Etnoastronomia já sugeriram que
estelas gotlandesas, como Hammar I, Ardre VIII e Taengelgaerda, para o referencial nórdico medieval, a árvore Ygdrassill seria a Via
também podemos perceber claramente um conjunto de imagens Láctea (STEPHANY, 2006, p. 5; OGIER, 2002; JÓNSSON, 2011). A Via
em níveis, sendo que o inferior é ocupado por embarcações e cenas Láctea apresenta-se no céu (em condições de boa visibilidade e céu
de morte, enquanto que as superiores contém representações do escuro) como uma faixa pálida por toda a abóbada celeste (RIDPATH,
Valhalla e de Odin. 2011, p. 74), e não é difícil imaginar um tronco de árvore com diversos
A existência de um pilar cósmico separando três zonas ramos. Apesar de não existirem fontes documentais da Era Viking
distintas, a celestial dos deuses, a intermediária dos homens e a que possam confirmar diretamente essa hipótese, nós também
inferior dos mortos, ocorre em diversos povos asiáticos, orientais, a utilizamos, baseados em material comparativo. Algumas áreas
europeus, polinésicos, africanos e americanos (ELIADE, 1998, p. geográfico-culturais estreitamente conectadas com a Escandinávia,
287-317). A base comum a todos eles seriam mitos xamânicos, como a região finlandesa, a báltica e a estoniana, preservaram diversos
mas sua difusão não seria necessariamente por contato cultural cantos populares e tradições folclóricas com essa associação (ELIADE,
direto ou tendo uma origem fenomenológico-arquetípica, mas 1998, p. 300; KUPERJANOV, 2002, p. 55-56).
pela simples observação de fenômenos astronômicos. A ideia de Partindo da hipótese de que a Yggdrasill seja uma figuração
morada celestial dos principais deuses de quase todas as culturas do da Via Láctea, então a árvore gravada no bloco de Ockelbo pode ser
mundo é resultado da constatação da imensidão da abóbada celeste, também uma representação da extremidade de nossa galáxia. A
do qual o cristianismo apenas referendou: “O simbolismo da sua pedra rúnica em questão ainda apresenta um importante detalhe
transcendência se deduz da simples tomada de consciência da sua – a serpente que envolve o conjunto apresenta sua cauda e cabeça
altura infinita. O ser ´altíssimo´ é algo que se torna necessariamente projetando-se abaixo da árvore. Aqui reiteramos nossas pesquisas
um atributo de divindade” (ELIADE, 2010, p. 40). E o simbolismo anteriores, que demonstram a tendência nórdica em associar o
do centro (manifestado em montanhas, pilares e árvores cósmicas) simbolismo da serpente-dragão de forma dinâmica (LANGER, 2007,
seria basicamente advindo da observação da estrela polar (alfa p. 106-141), isto é, as narrativas míticas podem ser percebidas de
da constelação da Ursa Menor) – que no hemisfério norte é quase forma analógica no pensamento medieval (“o semelhante evoca
fixa, pela sua proximidade com o polo celeste boreal – sendo que as o semelhante,” FRANCO JÚNIOR, 2010, p. 107). A similitude entre
constelações parecem se movimentar em seu entorno, criando as bestas no imaginário mítico foi algo muito utilizado na iconografia da
figurações de prego, estaca, pilar, buraco no céu, centro do mundo, Escandinávia medieval, mesmo após a cristianização (como a serpente
de Thor assimilada ao Leviatã bíblico: a mesma imagem pagã passou a

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

ter outro sentido, definido pela analogia, LANGER, 2007, p. 106-141). de fora. Uma das mais surpreendentes similitudes visuais com a área
Em Ockelbo, o detalhe superior do corpo da serpente sendo perfurado nórdica surge com os Maias. Na estela 25 de Izapa, no topo da árvore
pela espada, remete à narrativa de Sigurd matando o dragão Fáfnir. cósmica (interpretada como a Via Láctea), pousa o pássaro divino
O fato da serpente do bloco contornar todo o conjunto de gravuras Vucub Caquix (visto como a constelação de Ursa Maior), enquanto
associa, por sua vez, ao detalhe de Jormungand entrelaçar toda a que na base, o tronco transforma-se em um crocodilo (percebido
Terra Média. E o fato da sua cabeça e rabo estar abaixo da árvore, como a constelação de Escorpião) (AVENI, 2011, p. 37). Em outra
vincula-se com a narrativa de Nidhogg, o dragão que se localizava imagem dos Maias, mas desta vez a pintura de um codex, também foi
logo abaixo das raízes de Hel em Yggdrassill, devorando os mortos representada a árvore cósmica, ocupada pelo pássaro, mas na base
(Grimnísmál 32). Em outros conjuntos visuais, como em Sanda IV foi representado um escorpião – neste caso, os Maias interpretaram
(Gotland, Súecia pré-Viking), o centro do monumento é ocupado o agrupamento estelar da mesma forma que no mundo oriental e
pelo desenho esquemático de uma árvore com nove ramos, cujas clássico (AVENI, 2011, p. 37).
raízes são fixadas em uma linha horizontal, separando a mesma da Do mesmo modo, alguns escandinavistas acreditam que a
figura de uma besta, semelhante aos dragões-serpentes de outros Yggdrasill seja a Via Láctea, enquanto que a constelação de Cisne
conjuntos. Um barco abaixo deste animal pode reforçar o simbolismo possa ser a águia e o dragão Nidhogg a constelação de escorpião
da morte ou do reino dos mortos que tradicionalmente se localizava (STEPHANY, 2006; OGIER, 2002). Compartilhamos deste referencial,
abaixo de Yggdrasill (o submundo). mas com alguns adendos. Utilizando o programa de planetário
A imagem de uma árvore cósmica cujo topo é habitado por um Stellarium (CHEREÁU, 2012) reconstituímos o céu da Escandinávia
pássaro e em sua base/raiz por uma serpente-dragão é fundamental para o ano mil d. C. (final da Era Viking), tomando como localidade
em nossa interpretação. Ela é comum a diversos povos espalhados a cidade de Estocolmo (59º de latitude norte. Durante todo este
pelo mundo, da Eurásia à América pré-colombiana, e como nas fontes ano, tanto a Via Láctea quanto Cisne são visíveis, e especialmente
nórdicas, ambos os animais que a habitam são inimigos, sendo a nos meses de maio a julho esta constelação está situada no zênite
serpente assimilada à terra e a ave ao céu (BOYER, 1981, p. 210). (ponto mais vertical e elevado sobre o observador), o que parece
Como no caso escandinavo, a forma mais usual do pássaro inimigo confirmar a posição do pássaro no topo da árvore cósmica no bloco de
da serpente nos diversos mitos euro-asiáticos é a de uma águia Eckelbo. Cisne (Cygni, Cyg) é uma das mais destacadas constelações
(ELIADE, 1998, p. 302). Na inscrição rúnica de Ramsundsberget (Sö do céu setentrional, facilmente identificada em forma de uma grande
101), temos um detalhe que alude a essa representação: no topo cruz, cuja principal estrela (Deneb), localiza-se na cauda (RIDPATH,
de uma árvore, repousa uma ave cujo bico é retorcido para baixo e 2011, p. 164). Vários folclores astronômicos, como os das regiões do
com ponta – de forma muito semelhante aos pássaros de rapina – Leste europeu e Báltico, associam essa constelação com um pássaro
enquanto que um galho voltado para baixo transforma-se na cabeça migratório (KUPERJANOV, 2002, p. 53). Quanto à constelação de
de um dragão. Em um bloco que segue esse padrão icônico (Sö 327, Escorpião (Scorpii, Sco), constitui uma das mais belas, brilhantes e
mas realizado depois da cristianização), a mesma árvore, só que sem facilmente reconhecíveis agrupamento de estrelas do firmamento
o detalhe do pássaro, transforma-se em uma serpente com a língua (TIRION & RIDPATH, 1986, p. 220). Um importante detalhe de nossa
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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

reconstituição astronômica do céu nórdico favorece sua identificação a representação de outro pássaro, semelhante à águia, quanto a
com a serpente Nidhogg. Escorpião emerge no horizonte sul entre representação de um galo (presente em Ockelbo e em outros conjuntos
os meses de janeiro a julho, primeiramente de madrugada, passando nibelungianos, como Gs 2). O galo é mencionado nos poemas éddicos
depois para horários crepusculares, mas sempre sendo visível por como sendo um animal presente tanto em Asgard (Gullimkambi)
poucas horas e minimamente elevado cima do horizonte. Isso quanto em Hel, anunciando presságios (Völuspá 43). De todo modo,
corresponde à ideia de um animal situado no submundo, ctônico algumas representações visuais da Era Viking retratam dois pássaros
e associado aos mortos. Assim, temos uma constelação situada em na Ygdrasill (como em Sö 101), assim como o folclore astronômico
posição muito elevada no céu (Cisne), enquanto outra está sempre euro-asiático, sugerindo que os dois agrupamentos estelares da
visível na linha do horizonte (Escorpião), o que parece confirmar o Via Láctea (Cisne e Águia), retomaram simbolismos específicos da
mito presente no mundo nórdico e em várias partes do mundo, da duplicidade das aves na mitologia escandinava: dois corvos de Odin;
oposição entre a águia celeste e a serpente do submundo. uma águia com um pássaro em sua fronte; dois galos; dois pássaros
Outros detalhes do bloco de Ockelbo merecem atenção. O que conversam com Sigurd em um bosque.
homem segurando um anel e com a outra mão um ramo inferior da O último detalhe de Ockelbo que nos interessa de um ponto de
árvore, ao lado da cabeça da serpente, é comumente interpretado vista etnoastronômico é a carroça situada acima da árvore. Pode ser
como o anão Andvari ou o próprio Sigurd. Em nossa reconstituição que seja uma simples gravura do cotidiano, mas a representação deste
do céu escandinavo, pela posição em relação à constelação de Cisne tema é muito rara nas fontes visuais escandinavas. Correlacionada às
e do Escorpião, podemos considerar a constelação de Coroa Boreal outras imagens em volta da árvore, talvez seja uma referência à carroça
como tendo sido interpretada como o anel de Andvari (Andvaranaut), de Odin – identificada com a constelação de Ursa Maior (Ursa Majoris,
visto que ela é brilhante, formando uma espécie de argola com sete UMa). A parte mais famosa desta destacada constelação são sete
estrelas. estrelas que formam uma espécie de concha com cabo, interpretada de
Alguns pesquisadores interpretaram a mesma como sendo o diversas maneiras pelas mais variadas culturas (panela pelos escravos
dedo do gigante Aurvándil (PERSSON, 2003), um mito estelar presente dos Estados Unidos, urso pelos indígenas norte-americanos, entre
no Skáldskaparmál 17, mas acreditamos que este se trata do nome de outros, VERDET, 1987, p. 31-33). Alguns povos germânicos da Europa
uma estrela, ao qual ainda é motivo de debate para sua identificação, Alto medieval interpretaram esse agrupamento como sendo o carro de
e não de uma constelação. O símbolo do anel é presente em várias Carlos Magno ou do rei Artur, enquanto que os eslavos e anglo-saxões
estelas e monumentos da Era Viking, como Taengerlgaerda, Ardre III, a denominaram de carroça do camponês (KUPERJANOV, 2010, p. 55).
Martebo I, e mais especificamente em Gs 9, Gs 2 e Drävle temos sua O fato de Ursa Maior ser o desenho estelar mais famoso dos céus se
associação com os mitos nibelungianos e Yggdrasill. A proximidade deve a sua utilização como guia para a estrela Polaris (ou Cynosura)
da constelação da Coroa Boreal com a Via Láctea e sua forma circular, – essencialmente para orientação, devido a sua proximidade com o
com certeza, deve ter chamado muito a atenção dos escandinavos. Polo Norte Celeste (TIRION & RIDPATH, 1986, p. 242, 246) e como
Outra constelação que impressiona é a de Águia, abaixo de demarcador de tempo e calendário (KUPERJANOV, 2010, p. 51). Os
Cisne e também situada acima da Via Láctea. Ela pode ser tanto vikings foram muito conhecidos por sua perícia náutica pelo alto
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Mito e Religião na Escandinávia Medieval

mar, além de explorações em diversos pontos da Europa, incluindo Também acreditamos em outras possibilidades interpretativas.
o Mediterrâneo. Como outros povos exploradores do hemisfério Como relatamos no início deste texto, a inclusão de cenas cotidianas,
norte, a exemplo dos polinésicos, eles podem ter utilizado a estrela mesclada ao ciclo nibelungiano (com possíveis sentidos cosmológicos
Polaris para orientação astronômica, enfatizando as constelações da e astronômicos em nossa perspectiva), são vistas em um primeiro
Ursa Maior e Menor em narrativas míticas que infelizmente foram instante, como cenas desconexas (STERN, 2009, p. 900). Mas
perdidas. No final da Idade Média, algumas regiões germânicas para o escandinavo, beber e estar jogando em sua casa, durante
preservaram a tradição de identificar esse agrupamento como as sete o inverno, não era visto como algo necessariamente separado dos
estrelas do carro de Wotan (Odin) (WARD, 2012) e entre os suecos deuses e heróis míticos. Assim, o mundo dos homens fazia parte de
como Odin vagn (carroça de Odin), que possivelmente foi contraído um cosmos estruturado pelos deuses, onde o espaço laico não era
pelos finlandeses para Otava (KUPERJANOV, 2010, p. 55). O poema isolado do espaço sagrado. Esse universo era mutável e dinâmico,
éddico Sigrdrífumál 15 utiliza a expressão Reið Rôgnis, carro de Rognis incorporando o macro e micro conjuntamente – sendo a analogia a
(Odin), o que parece indicar a mesma tradição, só que mais antiga. base do pensamento nórdico: “Entre o homem e o mundo não havia
Na área Maia, o deus Sete Araras (Vucub Caquix) é identificado com diferença estrutural” (FRANCO JÚNIOR, 2010, p. 99).
a Ursa Maior, e do mesmo modo que na gravura de Eckelbo, aparece Apesar das fontes escandinavas medievais terem preservado
relacionado com a árvore do mundo (AVENI, 2011, p. 37), a exemplo alguns mitos estelares, o folclore e as tradições astronômicas da
da estela 25 de Izapa. Era Viking ainda necessitam de muitas pesquisas. A relação
entre fontes visuais e literárias ainda demanda muitas questões
Conclusão: o sentido das imagens nórdicas
e problemáticas. Resta aos pesquisadores futuros a utilização de
pesquisas interdisciplinares, unindo as áreas da História, Mitologia,
O bloco de Ockelbo, enquanto fonte visual produzida na Era Folclore e Astronomia. Certamente nosso entendimento da percepção
Viking, possui muitas semelhanças de sentido com outros monumentos do nórdico sobre o cosmos será ampliado: “Nessa relação que funde
da mesma época e região, a saber – denotam principalmente modelo e imagem, e que constantemente inverte e subverte toda
um sentido de força, destreza, coragem e virtudes exigidas pela tentativa doutrinária de causalidade, apenas o pensamento analógico
sociedade escandinava, constituindo-se basicamente em modelos possibilitava o pleno mergulho, ao mesmo tempo emocional e racional
de comportamento social. A mescla de cenas sem sequência ou nas profundezas do mistério cosmológico” (FRANCO JÚNIOR, 2010,
a justaposição de diferentes narrativas míticas e símbolos nestes p. 128).
monumentos, tem sido geralmente interpretado como um padrão
normal na confecção destas imagens (FUGLESANG, 2006, p. 9). A
seleção de algumas cenas específicas da tradição mitológica oral
permite perceber que as imagens acabam funcionando conectadas
às exigências e finalidades da sociedade na qual a linguagem visual
tem curso (GOMBRICH, 2007, p. 78).

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ERAM OS VIKINGS ASTRÔNOMOS?
UMA REVISÃO CRÍTICA DOS MAPAS
CELESTES DA ETNOASTRONOMIA
ESCANDINAVA

A Etnoastronomia é uma ciência originada pelo interesse


acadêmico em determinar o conhecimento dos povos do passado nos
fenômenos celestes. Inicialmente, o interesse pelo tema se restringia
aos estudos arqueológicos de monumentos orientados por fenômenos
celestes (a Arqueoastronomia), especialmente o sítio de Stonehenge
na Inglaterra, Carnac na França e a área dos Maias. Com o tempo, a
disciplina da Etnoastronomia desenvolveu diversas investigações
procurando determinar a relação entre iconografia, textos e rituais
entre as antigas culturas de quase todo o mundo.131 Em relação à Europa
medieval, os estudos são escassos, concentrando-se atualmente muito
mais na área eslava e báltica do que ocidental. Mesmo assim, algumas
investigações foram realizadas na região escandinava, procurando
determinar especialmente o conhecimento astronômico da Era Viking.
Nesta presente sistematização historiográfica, vamos nos concentrar
especificamente numa crítica sobre as investigações em torno das
constelações nórdicas. Constelações são divisões da esfera celeste,
agrupadas em torno de estrelas. Esses padrões são imaginados
a partir de convenções mitológicas, sociais ou históricas.132 Esse
agrupamento é totalmente arbitrário, sendo sua definição, contorno
ou delimitação extremamente variável conforme a cultura e o período.

131 BAITY, Elisabeth Chesley. Archaeoastronomy and Ethnoastronomy so far. Current Antropology 14(4), 1973,
pp. 389-449.
132 RIDPATH, Ian. Astronomia. São Paulo: Zahar, 2011, p. 147.

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

Alguns agrupamentos são mais característicos, encontrados em quase modo que a Carroça da Mulher (que no folclore escandinavo tardio
todo o mundo, como a Ursa maior, as Plêiades em Touro e Órion.133 é associada à Ursa Menor).
A grande e pequena mandíbula do lobo, reconstituídas como
A reconstituição alemã do céu nórdico constelações, foram inferidas por uma passagem da Edda Menor
(Gylfaginning 51), onde o lobo Fenrir, após se soltar de sua prisão,
O alemão Otto Siegfried Reuter realizou um dos primeiros mapas corre com sua mandíbula aberta do céu até a terra. No caso, seria uma
celestes (Der Nordliche Sternhimmel in germanischer Uberlieferung, passagem aludindo ao tamanho descomunal da boca desta entidade,
1934) reconstituindo as constelações nórdicas, em parte utilizando o e não necessariamente uma constelação. De qualquer modo, Reuter
sistema de projeção e o catálogo estelar de Johann Elert Bode (1747- reconstrói dois agrupamentos, um maior – constituído por uma
1826) e de outro lado, as idéias de Jacob Grimm sobre o conhecimento vasta área celeste abaixo de Pégaso – e outro bem menor, composto
astronômico entre os vikings (Deutsche Mythologie, 1835). pela ferradura das Híades. Seria muito mais lógica a interpretação
O autor segue o padrão geral das constelações gregas, nórdica de que somente este último aglomerado seria a boca do
adaptando-as para uma possível e hipotética configuração nórdica. lobo, pelo seu formato e relevância, do que interpretar duas áreas
A área do firmamento elegida são os agrupamentos de estrelas ao distintas no céu. Ainda no mapa celeste de Reuter, o centro da grande
redor da Via Láctea, tendo como centro o Pólo Norte Celeste. A mais mandíbula apontaria exatamente uma linha reta para a estrela Polaris.
destacada constelação em tamanho é a que denomina de A grande Algumas estrelas foram identificadas a deuses nórdicos, como Sirius
boca do lobo (Trober/Wolfsrachen), um grande semicírculo formado ao fogo de Loki (Lokis Brand) e Polaris a Tyr, mas somente ocorre
pelas constelações de Cisne, Pégaso e Andrômeda, tendo como estrela fonte para assegurar esta última associação (O poema rúnico anglo-
central Scheat (ß de Pégaso). Relacionada a ela, surge a Pequena boca saxão, relacionando a runa Tiwaz com uma estrela guia). A única
do lobo (Ki/Wolfsrachen), formada pelo aglomerado das Híades em reconstituição que Reuter realizou que contém uma base mais segura
Touro. é relativa à constelação de Órion, associada a roca de Frigg (Friggs
Reuter segue principalmente as fontes mitológicas para Roden) – assegurada pelo folclore medieval tardio.
realizar seu esquema astral. Os dois únicos mitos celestes conhecidos
das Eddas foram reproduzidos. O primeiro, referente ao dedo de
A teoria do Zodíaco dos Vikings
Aurvandil (Aurvandilstá), foi interpretado como sendo a constelação
de Coroa Boreal (CrB), enquanto os olhos de Tiazi (Thiazis Augen) Em 1821, o acadêmico islandês Finn Magnússen publicou
foram transferidos para as estrelas Castor e Pollux de Gêmeos (Gem). uma tradução comentada da Edda Poética, considerando que o
Para as demais configurações, Reuter utilizou comparações com poema éddico Grímnismál seria uma alusão aos 12 signos zodiacais,
fontes de outras épocas ou regiões germânicas. Assim, a constelação supostamente vistos pelos nórdicos da Era Viking como meses de
da carroça de Carlos Magno (Karlswagen) – que aparece nas fontes um calendário.134 A teoria alcançou grande repercussão, sendo
germânicas identificada à Ursa Maior – foi conservada, do mesmo
134 MAGNÚSEN, Finn. Den Ældre Edda, vol. I. Kjöbenhavn: Gyldendalske, 1821, p. 19. Sobre este tema,
consultar: LANGER, Johnni. O zodíaco Viking: reflexões sobre Etnoastronomia e Mitologia Escandinava.
133 VERDET, Jean-Pierre. O céu: mistério, magia e mito. SP: Objetiva, 1987, p. 31. História, imagens e narrativas n. 16, 2013.

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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

incluída em alguns estudos também no século XX, como Semantik repete na área nórdica (Thor contra Jörmunganðr), mas sem nenhuma
mysteriereligion, de Sigurd Agrell, durante a década de 1930, mas base mítico-folclórica para assegurar esta interpretação celeste.
foi somente a partir dos anos 1970 que ela ressurgiu plenamente na De maneira geral, a carta celeste de Jónsson apresenta vários
obra de pesquisadores independentes. Em 1978 o intelectual islandês problemas. Apesar de conter a maior parte das constelações próximas
Einar Pálsson publica o livro Rammislagur, novamente associando as ao polo celeste norte (incluindo a estrela Polaris ao centro), como
moradas divinas presentes no Grímnismál com as 12 casas zodiacais. a Ursa Menor (UMi), Cefeu (Cep), Dragão (Dra) e Cassiopéia (Cas),
Logo depois, o médico de origem islandesa Björn Jónsson, residente o problema é que apresenta algumas constelações visíveis até uma
no Canadá, publica o livro Star myths of the Vikings: a new concept declinação de aproximadamente 45° sul – o que é um grande erro,
of norse mythology (1994), baseado diretamente nas ideias de Einar visto que Sagitário, Eridano (Eri) e Cão Maior (CMa) não podem ser
Pálsson. O livro de Jónsson é até hoje uma das únicas publicações visíveis da latitude da Escandinávia (acima de 55°).
voltadas exclusivamente para o estudo da Astronomia na Escandinávia A ausência dos registros de uma tradição astronômica e de
medieval, sendo citado pelos escassos estudos da área, mas não mitos celestes mais desenvolvidos entre os nórdicos da Era Viking, fez
recebendo nenhuma crítica sistemática ou detalhada. Algumas de com que Jónsson realizasse uma reconstituição totalmente arbitrária e
suas interpretações celestes foram debatidas superficialmente, mas em algumas vezes, confusa. A constelação de Pégaso (Peg) é associada
a teoria zodiacal não foi incluída em nenhuma destas avaliações. a Loki, enquanto Sagitário é tanto associado à deusa Freyja quanto ao
Jónsson realizou uma série de mapas celestes, reconstituindo coração do gigante Hrungnir. Asterismos tradicionais na Antiguidade,
as constelações supostamente conhecidas pelos nórdicos. Um destes como Touro (Tau) e Dragão (Dra), conservaram a mesma forma animal,
mapas, com o nome de Celestial mirror of the Eddas, apresenta doze sem que existam fontes para confirmar essa hipótese interpretativa.
divisões zodiacais, baseadas na interpretação de Pálsson do poema Algumas ausências do mapa celeste de Bjorn Jónsson são
éddico Grímnismál, mas a sua correlação dos signos com as moradas injustificáveis. O mito celeste do gigante Tiazi, que foi morto por Thor
divinas é diferente da proposta criada anteriormente por Finnur e teve seus olhos arremessados aos céus (Hárbarðzljóð 19) não foi
Magnússon. Em primeira instância, Jónnson inicia a sua divisão reconstituído em nenhum momento. A constelação da Ursa Maior
levando em conta a morada do deus Thor, Þrúðheimi, algo que foi (UMa), um dos mais importantes agrupamentos de estrelas para
omitido no século XIX como já verificamos, e retirou a terra de Vidar, muitas culturas, pois é visível em praticamente quase todo o mundo,
land Viði, permitindo assim que permanecessem exatamente doze não recebeu nenhuma reconstituição, apesar de uma forte tradição no
moradias, para equalizar com os signos do zodíaco. Para reforçar sua mundo germânico desde a Alta Idade Média. A impressão geral desta
interpretação, Jónsson considerou que Þrúðheimi, na constelação de carta celeste é a de que para o nórdico medieval, praticamente todos
Peixes (Psc), estava situado na mesma área que a serpente do mundo os objetos celestes receberam a transposição de algum mito contido
– identificada pelo autor com o asterismo de Cetus (Cet, o monstro nas Eddas, mesmo que não tenha relação direta com fenômenos
marinho que Perseu enfrentou na mitologia grega). Assim, a tradição astrais. Sendo certo que existiu uma tradição astronômica e mitos
do herói enfrentando uma besta do mar (Perseu contra Cetus), se celestes na Escandinávia da Era Viking, ela foi perdida parcialmente,
e sua reconstituição é algo que deve ser inferido por alguma fonte
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Johnni Langer Fé nórdica:
Mito e Religião na Escandinávia Medieval

comparativa, como os estudos de literatura, história, folclore e ao poço de Mimir (Mimisbrunnur), que recebeu o desenho de uma
mitologia comparada. A associação do autor com conceitos modernos espiral abaixo de Mimir (a constelação de Centauro), o que pode ser
de Astronomia, também beira o anacronismo total, como denominar inferido como a suposta interpretação nórdica para a nebulosa saco
a linha do Equador de muralha fortificada (em referência aos muros de carvão (situada entre Centauro e Cruzeiro do Sul, Cru) – conhecida
de Asgard), a eclíptica de Asgardur e o zodíaco de Hlidskjalf (o trono entre os gregos até certo período na Antiguidade, mas totalmente
de Odin). No próprio poema Grímnismál, o trono é situado em um invisível para as latitudes nórdicas.
ponto elevado de Asgard (algo próximo do conceito do zênite), mas Apesar de sua influência nos novos estudos de Etnoastronomia,
tanto a linha da eclíptica quanto a faixa zodiacal envolvem uma boa a obra de Bjorn Jónsson recebeu várias críticas. Em primeiro lugar, a
parte do céu e não se fixam em apenas uma região específica do sua falta de metodologia para o tratamento de questões da astronomia
firmamento celeste no hemisfério norte. cultural, fixando-se extremamente nos modelos oriental-clássicos e
Mais deficiências dos estudos de Jónsson podem ser percebidas não procurando estabelecer padrões nativos para o reconhecimento de
em outro mapa celeste de sua autoria (The ash of Yggdrasill), desta fenômenos astronômicos. Em segundo, apesar de suas reconstituições
vez tendo os asterismos em forma de desenhos, além das linhas da Yggdrasill como a Via Láctea e as supostas constelações nórdicas de
dos grupos estelares. A Via Láctea é identificada com a árvore Cisne, Águia e Ratatosk serem possíveis, todo o restante de seus mapas
cósmica Yggdrasill – uma idéia atualmente seguida por diversos celestes são puramente hipotéticos e artificiais – sem correspondência
outros acadêmicos e referendada pelo folclore de outros povos ou respaldo em material antigo, medieval ou folclórico.
europeus, como os finlandeses. O problema são as constelações.
Em primeiro lugar, Jónsson realiza a configuração dos asterismos Novos mapas celestes
Escorpião (Sco) e Lobo (Lup) da mesma forma que receberam na
tradição oriental e clássica. Comparando as mesmas constelações Uma das mais recentes reconstituições celestes nórdicas é a de
nas mais diversas culturas do mundo, percebemos que geralmente James Ogier. Este autor concentra seu mapa na Via Láctea, abrangendo
receberam referenciais diferentes. Não há motivo para que os nórdicos uma região que cobre as constelações de Escorpião a Órion. Muitos
percebem-se a constelação de Escorpião exatamente como este aspectos seguem as reconstituições de Otto Reuter, associando os olhos
animal, pois ele nem mesmo ocorre nas latitudes setentrionais. E de Tiazi a Castor e Pólux em Gêmeos e a roca de Frigg a Órion. Mas no
apesar da importância da figura do lobo na mitologia escandinava, caso da Ursa Maior, associada por Reuter a Carroça de Carlos Magno,
não existem indícios de que eles interpretaram esse asterismo (Lup) o mapa de Ogier a nomeia como Carroça de Hel – ambas as versões
do mesmo modo que os gregos e orientais – aliás, estes últimos o são respaldadas por tradições folclóricas germânicas, registradas
percebiam como um animal selvagem não especificado, sendo depois ao final do medievo. Mas indo além da comparação folclórica, Ogier
do Renascimento que ele passou a ser identificado com um lobo. interpreta o asterismo de Escorpião como a serpente Nidhogg – uma
De qualquer modo, nem a constelação de Lobo e nem Centauro conclusão obtida pela análise morfológica deste agrupamento estelar
(Cen) (definidas no mapa de Jónsson como Lobo e Mimir) são visíveis (assemelha-se a uma forma serpentiforme) e sua relação com a Via
na Escandinávia. O detalhe mais controverso deste mapa é a referência Láctea (vista como a árvore cósmica Yggdrasill). Pelo menos seis

142 143
Johnni Langer

asterismos interpretados pelo autor não tem base comparativa com BIBLIOGRAFIA:
outras fontes, a exemplo dos cervos Dvalin, Dain, Duneyr e Durathror,
além do esquilo Ratatosk. Geirrod (o nome de um gigante e de um rei FONTES PRIMÁRIAS:
na mitologia escandinava) foi associada à constelação de Cisne pelo
fato da palavra Garuda significar águia entre os hindus – uma clara ANÔNIMO. Eiríksmál. In: Fagrskinna – nóregs kononga tal. Edição em
influência da teoria indo-européia de Georges Dumézil. Mas neste caso, nórdico antigo de Finnur Jónsson. Copenhagen: S. L. Møllers Bogtrykkeri,
uma simples semelhança lingüística não explica devidamente porque 1908, pp. 27 – 30.
esse asterismo seria conhecido entre os nórdicos com este nome. Em ANÔNIMO. Grímnismál, século X d. C., edição em nórdico antigo de Guðni
todo caso, Ogier segue a tendência mais recente dos pesquisadores, Jónsson, 1954. Germanic Mythology: http://www.germanicmythology.
como Bjórn Jónsson e Andres Kuperjanov135 em associar a constelação com/PoeticEdda/GRMJonsson.html Edição comentada em islandês de
de Cisne com um pássaro (águia) que era concebida como habitante Gísli Sigurðsson: Eddukvæði. Reyjavík: Mál og mennin, 1998 (enviado
pelo autor).
no topo de Yggdrasill.
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Diagramado pela Editora da UFPB em 2016.
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