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Universidade Federal do Piauí

Centro de Educação Aberta e a Distância

ONTOLOGIA I

Elnôra Gondim
Osvaldino Marra Rodrigues
Ministério da Educação - MEC
Universidade Aberta do Brasil - UAB
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Universidade Aberta do Piauí - UAPI
Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD

Ontologia I

Elnôra Gondim
Osvaldino Marra Rodrigues
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad
GOVERNADOR DO ESTADO Wilson Martins
REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior
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PRESIDENTE DA CAPES Jorge Almeida Guimarães
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Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa
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Profª. Francisca Maria Soares Mendes
Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima
Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho

COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira


TÉCNICA EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS Elis Rejane Silva Oliveira
PROJETO GRÁFICO Samuel Falcão Silva
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Francinaldo da Silva Soares
REVISÃO Djanes Lemos Ferreira Gabriel
REVISOR GRÁFICO Carmem Lúcia portela Santos

G637o Gondin, Elnora/Rodrigues, Osvaldino Marra


Ontologia I/ Elnora Gondin, Rodrigues, Osvaldino Marra -
Teresina: EDUFPI/UAPI
2010
122 p.

ISBN: 978-85-7463-325-1

1- Ontologia I. 2 - Filosofia. 3 - Educação a Distância


I. Título

C.D.D. - 111

© 2010. Universidade Federal do Piauí - UFPI. Todos os direitos reservados.

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Este texto é destinado aos estudantes aprendizes que participam
do programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí
(UAPI) vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI), Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Instituto Federal
do Piauí (IFPI), com apoio do Governo do Estado do Piauí, através da
Secretaria de Educação.
O texto possui três unidades que tratam de: Unidade 1- A
especificidade da problemática Metafísica; Unidade 2- O problema do Ser
na Ontologia Clássica; Unidade 3- A crise da Metafísica no pensamento
moderno.
Na Unidade 1, apresentaremos ao leitor a visão geral da Metafísica,
sua divisão e os pré-socráticos (primeiros metafísicos da história do
saber).
Na Unidade 2, introduziremos o leitor no universo dos problemas da
Ontologia Clássica, tomando como referência Platão e Aristóteles.
Na Unidade 3, apontaremos para o leitor o histórico da Metafísica
Moderna e o seu declínio.
09 UNIDADE 1
A Especificidade da Metafísica

Considerações Iniciais 11
Metafísica Geral e Especial 13
Ontologia 13
Os pré-socráticos 14

UNIDADE 2
39 O Problema do Ser na Ontologia Clássica

Platão 41
Aristóteles 48

UNIDADE 3
55 A Crise da Metafísica no Pensamento Moderno

Considerações Iniciais 57
Descartes 62
Spinoza 74
Leibniz. 80
Locke 84
Berkeley 91
Hume 97
Kant 103
UNIDADE 1

A Especificidade da Metafísica
A ESPECIFICIDADE
DA METAFÍSICA
Considerações iniciais

De acordo com Hans Reiner, o nome Metafísica seria meramente


contingência e teria surgido pela classificação das obras de Aristóteles,
a compilação feita por Andrônico de Rodes no século I a.C.1 Tese
esta contestada por Giovanni Reale, pois o termo implicaria também o
conteúdo, não apenas a “classificação bibliográfica.2 SAIBA MAIS
Coforme a hipótese de Heiner, o termo metafísica é a contração
Metafísica não
de quatro palavras: “ta metá ta physiká”. Significa, basicamente, aquilo significa, apenas,
que está depois (meta) da física. Sob esta perspectiva, “ta metá physiká” aquilo que é
transcendente,
indica a posição catalográfica dos 14 livros que compõem o livro
mas, também, o
Metafísica, ou seja, os escritos que foram classificados após os livros que é universal,
sobre a Física. Para compreender essa hipótese, permita um exemplo: necessário e
verdadeiro.
suponha que alguém escreva sobre vários temas – Física, Antropologia,
Psicologia, ética, Teologia etc. Suponha que esta pessoa morra e seus
escritos não estejam organizados. Obviamente, se for o caso de serem
reconhecidamente importantes, seus descendentes ou discípulos
contratarão uma pessoa especializada para catalogar, ordenar esses
escritos esparsos de acordo com os temas neles trabalhados. Suponha
igualmente que essa classificação obedeça à determinada ordem.
Essa hipótese foi aplicada à classificação dos escritos de Aristóteles.
O título Metafísica foi conferido aos livros que sucediam imediatamente
aos estudos sobre a Física. Neste sentido: aqueles estudos que foram
catalogados após (meta), ou depois, daqueles que tratam da Física. O
problema: não existia um gênero que tivesse anteriormente classificado
como metafísica.
Não obstante, o termo consolidou-se como conceito central da

1
Cf., Hans Heiner, O surgimento e o significado original do nome Metafísica, p. 93.
2
Cf., Giovanni Reale, Ensaio introdutório, pp. 27 – 36.

Ontologia I 11
Filosofia. Reale chama a atenção que o título concerne, igualmente,
ao conteúdo dos livros que compõem a Metafísica. Sob esta hipótese,
a palavra Metafísica seria, simultaneamente, título e conteúdo. Essa
hipótese poderia, dentre outras, ser corroborada pela seguinte afirmação
de Aristóteles:

dado que existe algo que está acima do físico (de fato,
a natureza é apenas um gênero de ser), ao que estuda
o universal e a substância primeira caberá também
o estudo dos axiomas. A Física é, sem dúvida, uma
sapiência, mas não a primeira sapiência3.

Conforme Lima Vaz, o mundo físico seria, sob o ponto de vista
do conhecimento, o objeto primário do conhecimento sensível “e,
portanto, do mundo ‘sensível’ (to aisthetón)”. A este conhecimento opõe-
se aquele puramente inteligível (to noetón): a Metafísica seria, portanto,
o conhecimento do puramente inteligível. Por conseguinte, todo “objeto
que, na constituição da sua inteligibilidade, não seja considerado como
estruturalmente ligado a um tipo de experiência sensível, é objeto
da Metafísica.4” Em outras palavras: Metafísica seria o princípio de
inteligibilidade da totalidade do real.
Físicos são aqueles filósofos que procuravam o elemento
primordial de onde as coisas surgem e que permanece o mesmo nas
mudanças.
Nesta perspectiva, se fosse elaborada uma biografia da Filosofia,
esta seria permeada por questões metafísicas. Durante muito tempo
Filosofia e Metafísica foram sinônimos.
Segundo Mário Porta, “No período metafísico, a filosofia é um
discurso sobre objetos. Uma forma refinada dessa ideia, mas não a
única possível, é que se trata de um discurso sobre objetos de um tipo
particular (por exemplo, suprassensíveis ou não-empíricos)5”. É neste
contexto que se pode definir, tal qual Aristóteles, a Metafísica como o
estudo do “Ser enquanto Ser”.
A palavra metafísica surgiu como título de uma coletânea
de textos de Aristóteles, escritos no séc. IV a.C. O título foi dado por
Andrônico de Rodes no séc. I a.C., “Ta Meta ta Physika”, que significa “O
que vem depois dos escritos sobre a física”. Aristóteles, em seus textos,

3
Metafísica III, 1005 a 33 ss. (As citações da Metafísica serão conforme a edição de Bekker).
4
Lima Vaz, Raízes da modernidade, pp. 274 – 275.
5
Porta, Mário. A Filosofia a partir de seus problemas, p. 160.

12 UNIDADE 01
não utilizou o termo metafísica; aos estudos sobre o Ser ele designava
filosofia primeira. Em outras palavras, em alguns de seus textos, ele
afirma ter como finalidade o conhecimento das causas primeiras, neste
sentido, seu objetivo era a apreensão do Ser enquanto Ser.

Metafísica Geral e Especial

Grosso modo, a Metafísica pode ser dividida em Geral e em


Especial6. Esta corresponde aos estudos relacionados à alma, ao
mundo e a Deus. A Metafísica Geral refere-se à Ontologia e, por sua
vez, estuda o Ser enquanto Ser, isto é, aquelas questões relacionadas
com a universalidade das coisas, não levando em consideração as suas
características particulares nem empíricas7. Assim, a Ontologia é um ramo
da Metafísica que se preocupa com questões universais, necessárias8 e
verdadeiras.
A Metafísica Geral é a estrutura para a Metafísica Especial. Ela é
relativa ao ontológico, não ao ôntico; ao ser e não aos entes9. SAIBA MAIS

Christian Wolff
Ontologia enfatizou a
Metafísica Geral.
O termo Ontologia foi cunhado por Jacobus Thomasius, filósofo Ontologia: referente
alemão do século XVII, e sistematizado por outro filósofo alemão, Christian ao ser; ôntico:
Wolff. A palavra é composta e significa: onto, derivada do particípio ón- referente ao ente.
óntos, existir, e logia, discurso.
A Ontologia se ocupa do Ser em geral. Ao Ser é impossível uma
definição, porquanto definir é dizer o que é, demarcar um determinado
espaço hermenêutico. De outro modo, isso significa a mesma coisa de
colocar o Ser em um conceito estreito, fato impossível, tendo em vista que
ele é o conceito mais amplo de todos os outros. Contudo, por outro lado,
é possível afirmar a existência do Ser, porquanto é a existência10 em si,
embora do que é existir não se pode dizer nada, mas, tão somente, intuir11
diretamente. Em contrapartida, pode-se responder a questão sobre que

6
Divisão elaborada por Christian Wolff é a que vai ser utilizada aqui, embora alguns manuais
dividam a Metafísica em Ontologia e Teodiceia (do grego théos, Deus, e diké, justiça) significa
a defesa da justiça e da bondade de Deus em face das dúvidas ou objeções decorrentes dos
fenômenos do mal no mundo.
7
Empírica: relacionada à experiência oriunda dos sentidos.
8
Necessário: aquilo que é, e não pode ser de outra forma.
9
Ente: aquele existente em ato.
10
Existência: significa estar aí.
11
Intuição racional: saber de algo, imediatamente, somente através da razão.

Ontologia I 13
é consistir; tem-se uma infinidade de coisas que têm formas variadas de
consistir, pois se pode afirmar que os objetos consistem nisso ou naquilo.
Assim, a Ontologia é relativa ao Ser, onde este não se pode
conceituar, no entanto pode-se assinalá-lo, isto é, guiar a intuição para
um local onde está o conceito do Ser; e para responder a pergunta quem
é o Ser basta perguntar o que é o Ser. Se tal questão for respondida,
esse não é o Ser autêntico, pois deste não se tem nenhuma definição.
Parmênides pode ser considerado o primeiro a tratar da Ontologia
e da Metafísica na história da Filosofia, porque com ele a noção de Ser,
tal como é vista na tradição, foi colocada pela primeira vez.
O passo inaugural da Metafísica e a audaz entrada do pensador
eleata no mundo do inteligível puro revelaram-no dotado de propriedades
que o distinguem radicalmente do sensível. O inteligível na sua primeira
manifestação ao pensamento só pode ser pensado como Ser absoluto: o
absolutamente um, o que significa imediatamente a sua identidade com
o próprio pensamento12.
Porém, se for considerada a procura do Ser pela busca das
características universais das coisas, pelos princípios primeiros, os pré-
socráticos, embora realçando aspectos sobre a physis, fizeram algo
semelhante. Se assim o for, embora sob controvérsias, os pré-socráticos,
ou físicos, foram os primeiros metafísicos que se tem conhecimento na
história da filosofia.

Os pré-socráticos
SAIBA MAIS
Embora recebam a designação pré-socrático, muitos viveram
Pré-socráticos: no mesmo período histórico de Sócrates (desde o ano 624 a.C. até o
antigos filósofos
século V a.C.). Por conseguinte, esta designação é, sob o ponto de
gregos que não
são influenciados vista cronológico, artificial. Esses pensadores inauguraram a filosofia
por Sócrates. A como paradigma racional, contribuindo para o primeiro grande evento
classificação (não
o termo) remonta a
intelectual do Ocidente: o nascimento da razão grega. Por conseguinte,
Aristóteles. eles impuseram um novo caminho para o pensar, o Logos13 , rompendo
com o tipo anterior de pensamento - o mítico.
Isto pode ser constatado pelo fato de que na busca pela arché
(elemento primordial de todas as coisas), os pré-socráticos apelam para

12
Lima Vaz, Raízes da modernidade, p. 275.
13
Discurso racional em que as explicações são justificadas. Para os pré-socráticos a natureza
tem uma racionalidade, onde esta é captada pela razão humana.
14
Causalidade: conexão de causa e efeito entre fenômenos naturais.

14 UNIDADE 01
a noção de causalidade14; no entanto, cabe ressaltar: diferentemente do
pensamento mítico, esse processo causal não é infinito, porquanto eles
estabelecem um princípio primeiro ou um conjunto de princípios que dão
origem ao processo racional. SAIBA MAIS
No entanto, a observação da interpretação do nascimento da
filosofia como a passagem do mito ao Logos não é algo que essencialmente Os escritos dos
pré-socráticos
caracteriza a filosofia pré-socrática. A pergunta pelo princípio de todas sobreviveram
as coisas, pela arché, encontrado na physis é o elemento chave que em forma
caracteriza os filósofos pré-socráticos. Physis é um termo grego que fragmentária.
deriva do verbo phyo (fúw) que significa “fazer sair”, “nascer”, “crescer”,
“engendrar”, “produzir”. A raiz phy com o sufixo sis gera o substantivo
physis, que significa “nascimento”, “crescimento”, ou melhor, aquela
força por cuja ação as coisas nascem e crescem.
A physis, por conseguinte, é uma força dinâmica, não é algo
definitivo e acabado, mas é um processo em formação, por este motivo
há a associação da vida com a natureza. Assim, com a concepção de
physis como arché e como algo que tem uma alma, os pré-socráticos
tentaram entender a racionalidade do homem e do Cosmo15. Logo, neste
processo de abstração, eles buscaram respostas universais e princípios
primeiros para as questões. SAIBA MAIS
Dentre os pré-socráticos, ressaltam-se alguns:
1 -Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes e Heráclito; Escola Tales de Mileto:
a physis era a
jônica16.
água. Ele foi
2 - Pitágoras, Parmênides e Zenão: Escola italiana; visão de considerado um
mundo mais abstrata, monistas17. dos Sete Sábios
da Grécia.
3 - Empédocles; segunda fase do pensamento pré-socrático;
pluralista18.

Tales de Mileto

Tales de Mileto é o primeiro filósofo que se tem conhecimento na


história do saber. Ele iniciou a filosofia da physis, afirmando que a causa
de todas as coisas que existiam era a água. Neste sentido, é considerado
naturalista. Para ele, tudo vem da água; tudo sustenta a sua vida nela e,
por causa dela, tudo se acaba. Para tanto, ele baseia as suas afirmações

15
Cosmo: ligado à ideia de ordem; é o mundo natural hierarquizado pela razão, do qual seus
princípios e leis organizam e regem a sua realidade.
16
Interesse pela physis; teorias da natureza.
17
Monismo: corrente que acredita em uma só substância formadora das coisas.
18
Pluralista: corrente que acredita em mais de uma substância formadora das coisas.

Ontologia I 15
em puro raciocínio; no Logos. A água de Tales é a physis líquida de onde
tudo se origina; nela predomina a razão. A arché de Tales não é a água
tal qual se concebe no mundo físico; é princípio originário.

Anaximandro
SAIBA MAIS
Anaximandro: Anaximandro afirmava ser a água algo derivado, sendo assim,
discípulo e sucessor
de Tales na escola ela não poderia ser o princípio, pois a arché é o infinito, uma physis
milésia. indefinida através da qual todas as coisas existem. Nesta perspectiva,
Anaxímenes: seguiu
a tradição de Tales o princípio para ele era o apeiron; aquilo que não tem limites. Esse é,
e de Anaximandro. quantitativamente e qualitativamente, indeterminado. Ele é imortal,
Para ele, a origem
do cosmo é o ar.
indestrutível; sustenta e governa tudo. No entanto, o apeiron não é
diferente do mundo, porquanto é a sua essência. Quanto à gênese do
cosmo, ele afirma que isso ocorre de um movimento eterno que gera os
dois primeiros contrários; o frio e o calor. O frio sendo de natureza líquida
é transformado em fogo-calor que formava a esfera periférica no ar; a
esfera do fogo se dividiu na esfera do sol, da lua e dos astros; o elemento
líquido ficou nas cavidades da terra formando os mares.

Anaxímenes

Para Anaxímenes de Mileto (582 a.C.- 524 a.C.) a arché, isto é, o


princípio criador de todas as coisas, é o ar, que em ciclos infinitamente
SAIBA MAIS
repetidos, origina todos os seres e suas diferenças qualitativas. Ele é,
Heráclito também, a alma (feche), sopro divino similar ao ar que a tudo rodeia.
enfatizou o
logos: a unidade
na mudança. Heráclito

Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia. Ele escreveu um


livro Sobre a Natureza. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra
os filósofos de seu tempo e contra a religião. Heráclito é considerado
por muitos um eminente pensador pré-socrático por formular o problema
da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade
das coisas particulares e transitórias. Ele estabeleceu a existência de
uma lei universal e fixa (o Logos), regedora de todos os acontecimentos
particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de
tensões "como a do arco e da lira".
Para Heráclito, o Ser é o um, o primeiro; depois é o devir. O ponto-
chave e gerador de polêmicas da filosofia heraclitiana é a afirmação que

16 UNIDADE 01
"O Ser não é mais que o não-Ser" nem é menos; a essência é mudança.
O verdadeiro é apenas como a unidade dos opostos, onde o absoluto é a
unidade do Ser e do não-Ser. Para Heráclito: "Tudo flui (panta rei), nada
persiste, nem permanece o mesmo" e, por este motivo, ele compara as
coisas com a correnteza de um rio - que não se pode entrar duas vezes
na mesma corrente; pois nem o rio é o mesmo, nem a própria pessoa que
entrou naquelas águas é a mesma. Heráclito afirma que o verdadeiro é
o devir, mas apreendido pelo Logos, única coisa que permanece. Para
ele, os opostos estão ligados numa unidade; nesta encontra-se o Ser e
o não-Ser. Desta forma, o não-Ser é Ser, porque ele é. Os opostos são
características do mesmo, como, por exemplo, o mel é doce e amargo. A SAIBA MAIS
negatividade é imanente e, assim, ocorre a unidade do real e do ideal, do
objetivo e subjetivo; este é o processo do devir. Com isto Heráclito ligou Heráclito: no
conflito entre
o todo e o não - todo; o todo se torna parte e a parte o é para se tornar os opostos há
o todo. A parte é algo diferente do todo; mas é, também, o mesmo que harmonia.
o todo é; a substância é o todo e a parte. Este é o processo da vida tal
como ocorre a harmonia do arco e da lira.
Heráclito afirmou que o tempo é o primeiro ser corpóreo, a essência
e a primeira forma do puro devir, o puro conceito. Sua característica
básica é a unidade do Ser e não-Ser. Nesta mudança de Ser para não-
Ser, o tempo é visto de maneira objetiva para quem o está vivenciando,
embora seja, também, uma abstrata contemplação da mudança. No
tempo estão o Ser e o não-Ser. O tempo é intuição, porquanto não se
pode representá-lo no real.
O fogo é a arché - e esse é o modo real do processo heraclitiano,
a alma e a substância do processo da natureza. O fogo é o tempo SAIBA MAIS
físico e não é permanente. Ele é mudança, transformação em fumaça; Pitágoras: fundou
evaporação (anathymíasis) (fumaça, vapores do sol); e isto era a alma. associações
baseadas num
estilo de rigorosa
Pitágoras disciplina.

Pitágoras de Samos (580 a.C. - 500 a.C.), fundou em Critona uma


comunidade que tinha como objetivo a purificação (katarsis) da alma
das paixões do corpo através de certas práticas que não deveriam ser
reveladas a ninguém estranho à comunidade. Pitágoras considerou que
a alma era imortal, cuja união com o corpo significava uma prova de
que esta devia sofrer antes de sua definitiva liberação dos ciclos das
reencarnações.
Pitágoras foi um pensador envolto em elementos legendários, o

Ontologia I 17
que faz ficar difícil distinguir nele e em seus discípulos o histórico do
fantástico. Embora tudo isto, ele não deixa de ser uma pessoa muito
importante no desenvolvimento da história do saber. Ele não deixou
escritos, historiadores atribuem três textos trabalhados por ele que
versam sobre a educação, o homem de estado e a natureza.
Desta maneira, ele é considerado um reformador moral e religioso.
Algumas vezes ele é apresentado como um homem de ciência, outras
como o mentor de doutrinas místicas. Isto tudo se deve ao fato de ele
não ter escrito nada e dos acusmáticos terem divulgado a sua doutrina.
Portanto, desta maneira, ocorreu uma literatura advinda, em grande
parte, de testemunho histórico das doutrinas do próprio Pitágoras.
Atualmente, alguns trabalhos são considerados ficções, pseudônimos de
origem posterior.
O problema da arché é, precisamente, também, o de Pitágoras.
Para ele, o número é a arché de todas as coisas. Este é entendido tanto
no sentido quantitativo, isto é, matemático, como no sentido qualitativo,
ou seja, metafísico.
Nos números são distintos os pares (ilimitado) e o ímpar (limitado).
Eles são entre si opostos e esta oposição se encontra em toda a natureza
explicando, assim, os seus contrastes. Os números, desta forma, são a
razão do devir e da harmonia. Por este motivo, nas coisas há um princípio
de ordem e harmonia.
Neste sentido, o mundo é um cosmos, onde há, também, um
princípio de desarmonia, a matéria. Aqui cabe salientar que as leis da
natureza podem ser ditas em termos matemáticos, desta forma, é adotado
um princípio de inteligibilidade da ordem e da unidade do mundo.
Os números constituem a força geradora da natureza tanto em
relação ao devir quanto à harmonia, onde a harmonia das quantidades,
tais como limitado-ilimitado, é a fundamental.
Os números constitutivos do cosmos e de sua ordem têm um
princípio gerador, ou seja, o Um eterno e imutável. Portanto, desta
maneira, há um dualismo caracterizado por um lado o Um (princípio) e de
outro os números e as coisas das quais os próprios são leis intrínsecas.
A unidade se compõe de antíteses, estas sofrendo as suas mutações e
se aquietando.
O cosmos, para Pitágoras, é uno, sem partes, compacto e
limitado. Ele é uma esfera vivente dotada de respiração e ao respirar
algo penetra no seu interior, desagregando sua unidade, com isso se
origina a pluralidade numérica das coisas, onde cada uma é igual a

18 UNIDADE 01
unidade ou a um número. Neste sentido, surge o conceito do contrário,
pois ao respirar o cosmos provoca uma dualidade no conceito de todas
as coisas, gerando uma antítese de todos os elementos criados. Porém,
há um vínculo que os coordena, isto é, a harmonia e os números são
os princípios de todas as coisas. Sendo assim, o infinito e a verdade
são a essência das coisas. Através dos números Pitágoras explica as
realidades físicas e as qualidades morais, onde os números não são
abstrações e sim coisas concretas.
Para Pitágoras o mundo conhecido poderia ser explicado a partir
da matemática, pois o mais profundo nível da realidade é desta natureza,
onde todas as relações poderiam ser reduzidas a relações numéricas.
Em astronomia Pitágoras contribuiu com três importantes
paradigmas:
1ª - os planetas, o Sol, a Lua e as estrelas se movem em órbitas
perfeitas;
2ª - a velocidade dos astros é uniforme;
3ª - a terra se encontra no centro dos corpos celestes.
A alma é prisioneira do corpo. Ela, no cosmos, vai tomando
distintos corpos em todas as coisas, onde a forma mais alta são os
astros: a alma é eterna por ser semelhante aos astros e tem com eles
sua verdadeira morada. Ela, por sua vez, pode eleger em que corpo vai
encarnar como, por exemplo, o corpo de um animal, de uma planta, de
um homem, etc. Por este motivo, há um parentesco entre todos os seres
vivos. Em se tratando do homem, ele é composto de corpo e alma. As
almas são partículas depreendidas da pneuma19 infinita, elas vagam até
se encontrarem nos corpos, nos quais entram por respiração. A alma é um
número que move a si mesma. Ela é um princípio motor relacionado com
a respiração cósmica que é, também, um meio de conhecer a harmonia
universal onde a música tem um papel fundamental nisto, pois através
dela as paixões se acalmam e se eleva o espírito a perceber a harmonia
em todas as coisas.
Nos discípulos pitagóricos há a seguinte divisão:
1º - acusmáticos ou ouvintes- são aqueles que não poderiam ver
o mestre, porém, só poderiam escutá-lo.
2º - matemáticos- aqueles que poderiam ver o mestre e questioná-
lo.
Não se reconhece nenhum livro de autoria de Pitágoras, porém,
muitas histórias são atribuídas a ele.
19
Pneuma: sopro vital, espírito.

Ontologia I 19
Há um grande número de referências a Pitágoras e seus
seguidores. Estas têm três elementos principais:
1º - duvidosa reputação do sábio, tal qual mostra o texto seguinte:
Hermipo narra um episódio da vida de Pitágoras. Chegando à
Itália, construiu para si um abrigo subterrâneo e pediu à sua mãe que
anotasse numa plaqueta, com indicações quanto ao momento de todas
as ocorrências, e mandasse as notas para seu esconderijo subterrâneo
até seu reaparecimento. Sua mãe seguiu suas instruções. Passado algum
tempo, Pitágoras voltou tão magro que parecia um esqueleto. Entretanto,
no recinto de assembleia, declarou que estava no Hades e leu para os
presentes tudo que ocorrera durante sua ausência. Os participantes
da assembleia, perturbados com suas palavras, choravam e gemiam,
acreditando que Pitágoras fosse uma divindade.20
2º - ensinamentos sobre a psique: dizem que Pitágoras foi o
primeiro a revelar o que a psique, de acordo com o ciclo imposto pelo
destino, liga-se ora a um ser vivo, ora a outro.
Desta maneira, Pitágoras foi o primeiro sábio a pensar a psique,
trazendo-a para o campo da filosofia.
3º - impregnação com o mito de Orfeu: os pitagóricos, disse
Aristóxeno, recorriam à medicina para purificar o corpo, e à música para
purificar a psique.
Neste sentido, música, para Pitágoras, é sinônimo de harmonia
e está relacionada ao mito de Orfeu. Este era um poeta, casado com
Eurídice. Ele, sendo atacado por um cidadão, quem morre é ela. Orfeu,
inconformado, toca sua lira, a qual tem um poder formidável. Com isso,
ele vai ao mundo dos mortos e consegue encontrar os deuses dos
mortos, fazendo com que Eurídice o acompanhe. Porém, embora ele
tenha conseguido este feito, isso tem uma restrição: ele não pode olhar
para Eurídice. Ao fazer isso, quando ele volta para a terra, Orfeu não quer
saber de nenhuma mulher. As memphis não suportam ser descartadas e
cortam a cabeça de Orfeu, porém, sua boca continua cantando.
Deste modo, Pitágoras era impregnado pelo mito de Orfeu no
sentido de afirmar que a preocupação com a morte é um cegar para o
poder pensar e como, também, acreditar que há uma negação do olhar
para se filosofar.
Neste sentido, Pitágoras fala em uma vida incluída na morte,
onde no momento que o sopro acaba, acaba tudo. Assim, ele tem uma
indignação em relação ao pensamento mítico, criticando os poetas
20
Tradução do Prof. Dr. Donaldo Schüler.

20 UNIDADE 01
míticos, punindo-os no mundo dos mortos: comenta-se que Pitágoras,
descendo ao Hades, viu a psique de Hesíodo presa a uma coluna de
bronze, gritando e a de Homero pendente de uma árvore cercada de
serpentes, pelo que esses poetas haviam dito dos deuses, e viu punidos,
também, aqueles que não queriam unir-se às suas mulheres.
Assim, Pitágoras é contra o pensamento mítico dentro de uma
linguagem metafórica, mas ele não é contra a poesia, pois esta tem um
caráter matemático, ela é calculável.
Neste sentido, está claro que o êxito de Pitágoras não foi o de
um simples mago ou ocultista que só chamava a atenção de pessoas
inseguras, mas ele poderia ter sido alguém que possuía um poder
psíquico não muito comum. Desta maneira, ele foi comparado com
diversos personagens visionários da idade arcaica tardia, tais como
Aristeas, Abaris e Epiménides, a quem se acreditava possuidor de um
número de fatos espirituais que incluíam profecias, exibições de poder
sobre o mal, desaparições e aparições misteriosas.
Muitas dessas afirmações se devem ao fato de que Pitágoras
acreditava que todos os conhecimentos que os gregos possuíam nada
mais eram do que fragmentos da grande sabedoria que se encontrava
nos templos egípcios.
Com isso, a fim de saber mais acerca dos mistérios da vida e do
universo, era necessário que se deslocasse para o Oriente, aos lugares em
que esses conhecimentos ainda permaneciam vivos. Assim, escolhendo
Esparta como partida, Pitágoras inicia uma grande viagem através das
maiores cidades e templos do mundo antigo que se prolongou por 40
anos. Nesta viagem, ele encontrou com as maiores personalidades do seu
tempo. Em Mileto, encontrou Tales e Anaximandro. Em Saís, encontrou o
faraó Âmasis que, reconhecendo as suas enormes capacidades, permitiu
a sua admissão nos templos iniciáticos do Egito, onde levando uma carta
de Polícrates que o recomendava a Âmasis, aprendeu a língua egípcia e,
também, esteve entre os caldeus e os magos. Posteriormente, enquanto
visitava Creta, penetrou na caverna do Ida com Epimenides, mas ainda
no Egito entrara nos santuários e aprendera os ensinamentos secretos
da teologia egípcia.
Logo, foi no Egito, onde permaneceu em torno de vinte e cinco anos,
que o filósofo de Samos extraiu os conhecimentos que fundamentariam
seu ensinamento futuro.
Existem ainda indícios de que teria sido discípulo de Zoroastro.
Contudo, uma coisa parece evidente, ele estudou com os maiores

Ontologia I 21
mestres daquela época.
Vários autores expõem máximas como partes da doutrina de
Pitágoras. Não há dúvida de que estas foram transmitidas verbalmente.
Aos iniciados, Pitágoras exigia, provavelmente, que as memorizassem.
Portanto, pode-se, em certo sentido, mas não com certeza, ter certo
crédito nos escritos atribuídos a Pitágoras.
Dentro dos ensinamentos aos seus seguidores, podemos citar
as regras da abstinência. Algumas destas regras parecem precauções
rituais prescritas aos iniciados; seus preceitos eram os seguintes: não
atiçar o fogo com a faca, não forçar a balança, não sentar sobre a medida
de grãos, não comer coração de pássaro, ajudar a depor a carga e não
agravá-la, ter sempre as cobertas enroladas juntas, não pôr a imagem de
um deus na placa de um anel, não deixar a marca das panelas nas cinzas,
não esfregar um vaso com uma tocha, não urinar voltado para o sol, não
caminhar por fora das estradas, não apertar mãos com facilidade, não ter
andorinhas sob o próprio teto, não criar animais com artelhos aduncos,
não urinar nem pisar sobre unhas e cabelos cortados, não voltar na
fronteira quando sair da pátria.
É plausível afirmar que Pitágoras jamais teve a intenção de ser
interpretado na íntegra. Estes dados refletem as preocupações pitagóricas
que, possivelmente, diz que as máximas assim expostas têm, em sua
origem, um sentido mais amplo, tal como informa Diógenes Laércio:
Com o preceito não atiçar o fogo com uma faca, Pitágoras queria
dizer: não se deve provocar a ira ou o orgulho inflado dos poderosos;
com não forçar a balança, não atentar contra a equidade e a justiça;
com não sentar sobre a medida de grãos, cuidar também do futuro, pois
a medida de grãos é ração para um dia; com não comer o coração de
pássaro, queria significar não consumir a psique com aflições e penas;
com não voltar na fronteira quando sair da pátria, advertia todos os que
partem da vida, a não se deixarem deter pelo desejo de viver nem se
deixarem atrair pelos prazeres desta vida. Poderíamos explicar também
os outros preceitos, mas isto nos levaria muito longe.
Além das regras acima citadas, pode-se constatar que, nas
informações que foram repassadas sobre o ensinamento de Pitágoras,
há muita coisa que foi divulgada e que não era dele. Um exemplo pode-
se constatar na seguinte passagem de Xenófanes:
Agora passo a outro tema e mostrarei o caminho. (...) Dizem
que, ao passar em uma ocasião junto a um cachorro que estava sendo
21
Texto apresentado pelo prof. Dr. Donaldo Schüler em sala de aula - PUC/RS

22 UNIDADE 01
espancado, sentiu compaixão e disse: - Para, pois a psique que reconheci
ouvindo-lhe a voz é a de um amigo.21
Porém, neste texto não é citado o nome de Pitágoras, onde a
observação de Xenófanes pode ter sido criada por ele pelo fato de
Pitágoras ser um transmigracionista. Por este motivo, é apenas provável
o fato de que Pitágoras acreditava em uma reencarnação, fazendo, assim,
surgirem amplas interpretações e criações a respeito da sua doutrina.
Pitágoras dividia em duas modalidades os tipos de alunos que
ele tinha; alguns de seus seguidores recebiam o título de matemáticos,
outros eram conhecidos como ouvintes (acusmáticos). Os matemáticos,
depois de assimilarem o discurso do saber, aprofundavam os estudos em
busca de rigor. Os acusmáticos contentavam-se com síntese de assuntos
tratados, desinteressados de exposições avançadas.
Dentro deste contexto, uma das inferências que se pode fazer
quanto à questão da divulgação do pensamento pitagórico é a de que ela
seria feita por acusmáticos, ou seja, ouvintes que não tinham o direito
de fazer perguntas ao mestre e que o entendiam na íntegra sem uma
preocupação maior com a interpretação daquilo que eles ouviam. Logo,
os acusmáticos eram pessoas que só ouviam, mas não questionavam,
porque isto era atribuído aos matemáticos.
Outro aspecto a merecer atenção: eram muitas pessoas que
ouviam as preleções de Pitágoras. Segundo Diógenes Laércio, embora
isto possa parecer exagero, não menos de 600 pessoas participavam e
escreviam a seus familiares contando o que ouviram. Então, isto já se
configura em um dado bastante relevante para considerar que muitas
destas pessoas poderiam ter se equivocado quanto àquilo que ouviram,
como, também, poderiam ter aumentado nas cartas a seus familiares
daquilo que presenciaram.
Pitágoras foi um cientista e um filósofo, antes de ser um místico.
Ele fundou uma escola filosófica e nela eram desenvolvidos temas
importantes para a humanidade, como:
1º. a realidade é matemática da natureza em seus níveis mais
profundos;
2º. a filosofia pode ser utilizada para purificação espiritual;
3º. colocação do problema entre unidade e a multiplicidade;
4º. conceito de cosmos;
5º. conceito de Psique;
6º. teoria heliocêntrica;
7º. pensamento como iluminação do homem;

Ontologia I 23
8º. música como harmonia para o pensar;
9º. respeito às mulheres;
10º. criador da palavra filósofo.
Em suma, Pitágoras não poderia ser classificado apenas como
místico e não como sábio. Acima de tudo, ele foi um filósofo e isto fica
evidente quando são mostrados os temas relevantes nos quais ele
SAIBA MAIS
refletiu.
A fama de Na sucessão dos filósofos, Sosícrates diz que Pitágoras, quando
Pitágoras
cresceu com Leon, tirano de Fliús, perguntou-lhe quem era ele, respondeu: ‘um filósofo.
o passar dos ’ E comparava a vida ao aglomerado humano nos jogos: uns correm para
tempos. competir; outros, para comercializar, os melhores vêm, entretanto, para
observar; assim é na vida, uns comportam-se como escravos, são os
caçadores de glória e luxo; os filósofos, ao contrário, procuram a verdade.
Logo, alguém que procura a verdade como um filósofo não pode
ser considerado como um místico em detrimento do sábio, como, também,
alguém que faz apologia às matemáticas, como sinônimo de perfeição,
não deveria ser designado somente místico. Ademais, a sua doutrina do
número que concebe este como a arché, o princípio de todo o presente
e de tudo o que é pensável, do número entendido qualitativamente e
ontologicamente, dos tetraktys, isto é, a série numérica 1 +2 + 3 + 4,
cuja soma é igual a 10, tomando isto como parâmetro em relação aos
princípios dos opostos, incluindo os corpos celestes, do movimento dos
planetas e das estrelas, produzindo uma música celestial; isto tudo não
pode ser resumido ao nível somente do místico.
SAIBA MAIS
Parmênides de Eleia
Platão refere-se
a Parmênides
como venerável Parmênides nasceu na cidade de Eleia, colônia grega fundada
e terrível. pelos foceus e situada ao sul da península itálica, provavelmente
(Teeteto 183e-
184a). entre os anos de 515 – 510 a.C.; o filósofo teria sido médico. Achados
arqueológicos em Vélia, nome dado a Eleia no período romano e
conservado até hoje, comprovariam a memória a Parmênides no período
romano de uma escola de medicina local.
Conforme testemunho de Platão, Sócrates teria conhecido
pessoalmente Parmênides: “Na verdade, encontrei-me com o homem
quando eu era muito novo e ele muito velho, e pareceu-me que tinha a
profundidade de uma grande raça.”22

22
Teeteto, 183 e – 184a
23
Ibid.

24 UNIDADE 01
Ainda conforme referido testemunho, Sócrates teria afirmado que,
provavelmente, “não compreendamos as suas palavras e que em muito
nos ultrapasse o que pensava.”23 O mesmo testemunho é encontrado em
outro diálogo de Platão, intitulado Parmênides: “Sócrates nessa época
era bastante jovem.”24
Conforme testemunhos antigos, Parmênides teria elaborado
quatro consideráveis avanços científicos à época:
A – a terra é dividida em cinco zonas, delimitadas pelos dois
trópicos e pelos círculos Ártico e Antártico;
B – a terra é esférica; Saiba Mais
C – a lua recebe sua luz do sol;
D – a estrela vespertina e a matutina seriam o mesmo planeta. Muitos
movimentos
Além disso, os sistemas filosóficos e científicos que postulam filosóficos foram
princípios de conservação (de substância, matéria, matéria-energia) influenciados de
são herdeiros do princípio de dedução postulado por Parmênides, cujo diferentes modos
por Parmênides.
pensamento foi conservado num único poema, “Sobre a Natureza”, do
qual não temos acesso em sua forma integral, mas apenas aos 160
versos conservados por seus comentadores.
Originalmente o poema seria, provavelmente, dividido em duas
partes: a primeira trata do Ser e a segunda, da física ou sistema do mundo.
Neste poema filosófico a ênfase recai sobre os problemas relacionados
ao “Ser” e aos princípios do conhecimento verdadeiro. Nele, Parmênides
faz uma distinção entre a verdade (aletheia) e aparência (doxa). A razão,
pela primeira vez denominada Logos, nos conduziria à verdade, enquanto
os dados obtidos pelos sentidos, à aparência. Estas são as duas vias do
Ser; a do não-Ser seria uma terceira, mas é inacessível, dirá a deusa:
Pois nunca à força será mantida a demonstração de que existe o
que não é, mas deves afastar o teu pensamento desta via de investigação,
e não permitir que o hábito, filho da muita experiência, te obrigue a seguir
este caminho, ao fazer com que uses um olhar que para nada se dirige
ou um ouvido e uma língua cheia de sons e significados: julga com a
razão a prova muito contestada, a que me referi.25
A deusa que dita a Parmênides as palavras de Sabedoria, o
esclarece:

Te direi os únicos caminhos da investigação em que


importa pensar. Um, <aquilo> que é e que é impossível

24
Parmênides, 127 c.
25
KR, § 294.

Ontologia I 25
não ser, é a via da Persuasão (por ser companheira da
verdade); o outro, <aquilo> que não é e que forçoso
se torna que não exista, esse te declaro eu que é uma
vereda totalmente indiscernível, pois não poderás
conhecer o que não é – tal não é possível – nem
exprimi-lo por palavras.26

Zenão de Eleia
SAIBA MAIS
Discípulo mais conhecido de Parmênides, Zenão também nasceu
Zenão: um
dos principais em Eleia, provavelmente por volta de 489 a.C. De sua vida sabe-se
representantes pouquíssimo: que seu pai seria Teleutágoras, que teria passado toda a
da Escola de sua vida na sua cidade natal; que teria participado de uma conspiração
Eleia.
contra um tirano; que ficou conhecido pela coragem pela qual foi
submetido a torturas, fruto dessa conspiração; que desprezava Atenas e
que teria escrito um único livro.
É conhecido, sobretudo, por seus intricados argumentos sobre o
paradoxo do movimento, melhor: sobre a ilusão do mesmo. É possível
relacionar os problemas elaborados por Zenão em defesa das teses de
Parmênides: “esses escritos prestam uma assistência ao argumento de
Parmênides contra os que tentam caricaturá-lo, <dizendo que>, se o um
é, resulta para o argumento ser afetado por coisas múltiplas e ridículas,
e mesmo contrário e ele próprio. Assim sendo, esse escrito contesta os
que dizem <haver> o múltiplo, e lhes devolve na mesma moeda, com
juros, ao querer demonstrar que a hipótese deles, de que há múltiplas
coisas, seria afetada por coisas ainda mais ridículas do que <a hipótese>
de que um é, se elas fossem desenvolvidas suficientemente.”27
Várias referências sobre Zenão encontram-se na obra de Platão.
Aqui destacamos uma, quando Sócrates teria afirmado, comparando
Zenão ao lendário inventor da aritmética: “Não sabemos que o Palamedes
eleático falava com tanta arte que a mesma coisa parecia aos seus
ouvidos semelhantes e dessemelhantes, unidade e diversidade, imóvel e
em movimento?”28
Também pela doxografia platônica sabe-se, resumidamente,
do tema do único tratado que teria sido escrito por Zenão (embora,
provavelmente, o encontro com Sócrates nunca tivesse efetivamente
ocorrido):

26
KR, §291.
27
In: Platão, Parmênides, 128 c – d.
28
Fedro, 261 d.

26 UNIDADE 01
– que queres dizer com isso, Zenão? Que, se os seres
são múltiplos, então é necessário que eles sejam tanto
semelhantes quanto dessemelhantes, mas que isso
é impossível, pois nem as coisas dessemelhantes
podem ser semelhantes nem as semelhantes,
dessemelhantes? Não é isso que queres dizer? – É
isso mesmo, disse Zenão. – Então, se é impossível
as coisas dessemelhantes serem semelhantes, é
também impossível haver múltiplas coisas, não é?
Pois, se houvesse múltiplas coisas, seriam afetadas
pelo que é impossível. Será isso que querem dizer
teus argumentos: não outra coisa senão sustentar
decididamente, contra tudo o que se afirma, que não
há múltiplas coisas? E disso mesmo crês ser prova
para ti cada um dos argumentos, de sorte que também
acreditas apresentar tantas provas de não há múltiplas
coisas quantos argumentos escreveste? É isso que
queres dizer, ou não estou entendendo direito? – Ao
contrário, disse Zenão, compreendeste muito bem o
que, no todo, o escrito visa.29

A dialética: instrumento da razão

Conforme estudiosos, caberiam a Parmênides e a Zenão a


inspiração do método utilizado por Sócrates, o elenchus30, oriundo da
dialética. Inicialmente, dialética estava vinculada à política. Sua aplicação
visava ao propósito de vencer as disputas públicas e derrotar publicamente
o adversário. A dialética atingiu a maturidade com os sofistas, filósofos
itinerantes e livres, sobretudo com a antiologia, um recurso discursivo
que sustenta simultaneamente teses opostas ensinadas àqueles que
procuravam destaque no espaço público e que precisavam, portanto,
combater as oposições dos adversários e derrotá-los.
Cabe ressaltar que, para um antigo, a humilhação imposta pela
derrota numa disputa pública era um fato insuportável. É possível,
sobretudo pelo respeito devotado à memória devida a ambos, que
Parmênides e Zenão nunca tenham sido derrotados numa discussão
pública, num ágon. Giorgio Colli explica que o

29
Parmênides, 127 d – 128a.
30
O termo significa, em linhas gerais: questionar o que o outro afirma com vista a pôr à
prova ou examinar a força ou credibilidade do que o outro diz ou afirma. Em Sócrates, o
elenchus tinha, quase sempre, a intenção de demonstrar as confusões, contradições e
outros defeitos nas posições de seus oponentes. Em Sócrates, portanto, o termo veio a
significar a refutação de alguma concepção ou tese.

Ontologia I 27
perfeito dialético se encarna no interrogante: ele
coloca as perguntas, dirige a discussão dissimulando
armadilhas fatais para o adversário, através de longos
rodeios argumentativos, solicitações de anuências
sobre questões óbvias e aparentemente inofensivas,
que acabarão se revelando essenciais para o
desenvolvimento da refutação.31

Com Zenão a dialética tornou-se um organon, um instrumento da


razão, um método do pensamento, uma arte que consiste em confrontações
de teses constituídas por intermédio de perguntas e respostas, procurando
entre elas contradições que minam os argumentos falaciosos, ou seja,
argumentos que não resistam à refutação e, por consequência, sejam
comprovadamente não verdadeiros ou inconsistentes. Portanto, a
dialética deixou de ser uma técnica meramente política para se tornar
uma teoria geral do Logos.
Ante os argumentos zenonianos, toda crença e convicção, religiosa
ou cientifica, e toda racionalidade construtiva mostram-se ilusórias e
inconsistentes: qualquer objeto, sensível ou abstrato, expresso em um
juízo pode ser demonstrado contraditório, como ser e não ser, ao mesmo
tempo possível e não possível. Esse resultado, a cada etapa obtida por
meio de rigorosa argumentação, demonstra a fragilidade e até mesmo a
possibilidade de ser pensável o objeto.
Por consequência, em sua dialética Zenão procurou demonstrar o
ilusório do mundo capturado pelos sentidos e impor um novo olhar sobre
as coisas que percebemos pelos nossos sentidos, demonstrando que
o mundo sensível é mera aparência. Em outras palavras, o movimento
percebido pelos sentidos não pode ser compreendido senão pela razão;
caso contrário envolve contradições que levam a conclusões absurdas,
resultando em aporia, ou seja, dificuldade de raciocínio e de argumentação
que desemboca num “beco-sem-saída”.

Ontologia e Metafísica

Outra dívida da filosofia posterior a Parmênides: este fundamentou


as bases do conceito Ontologia. Esta palavra foi elaborada por Jacobus
Thomasius, filósofo alemão do século XVII, e sistematizado por outro
filósofo alemão, Christian Wolff. A palavra é composta: onto, derivada do

31
Giorgio COLLI, O nascimento da filosofia, p. 68
32
In: Gilbert RYLE (et al.), Ensaios, p. 217.

28 UNIDADE 01
particípio ón-óntos, existir, e logia, discurso. Nas palavras de Willard van
Ormam Quine, o conceito de Ontologia poderia receber uma formulação
em três monossilábicos, resumidos à pergunta: “O que há?”32. Em outras
palavras, a Ontologia é um discurso conceitual que visa à compreensão
do que existe na totalidade, tanto as características do que existe quanto
as causas e os princípios da existência do todo.
A Ontologia, conforme célebre formulação de Aristóteles, seria o
núcleo duro, o cerne da Filosofia, o problema por excelência:
Existe uma ciência que considera o ser enquanto ser e as
propriedades que lhe competem enquanto tal. Ela não se identifica com
nenhuma das ciências particulares: de fato, nenhuma das outras ciências
considera universalmente o ser enquanto ser, mas, delimitando uma
parte dele, cada uma estuda as características dessa parte.33
Com Parmênides e Zenão o sentido do mundo seria estabelecido
como uma ordem de conceitos conforme a razão: “pois o mesmo é pensar
e ser”. Nesta perspectiva, tal a sentença parmenidiana é o fundamento
do primeiro princípio para o conhecimento, pois implica uma lógica da
não-contradição, o princípio do terceiro excluído: o que pode ser pensado
não pode, simultaneamente, não ser pensado e, inversamente, o não
pensado não pode ser pensado; em outras palavras: não pode ser objeto
de pensamento. É na razão que se concebe e se resolve o discernimento
sobre as questões do vir-a-ser.
Em Parmênides, se alguma coisa existe e é, não pode nascer ou
perecer, transformar-se ou mover-se e nem estar sujeita às imperfeições;
esta ideia foi magistralmente resumida a uma célebre formulação
escolástica: “ex nihilo nihil fiat” [do nada se faz]. Em Parmênides o que
“é ingênito e imperecível existe; por ser completo, de uma só espécie,
inabalável e perfeito.”34
A mudança, ou movimento, ao contrário, é o que não é, porquanto
na mudança o que é deixa de ser, o que era já não é, deixou de ser e o que
será não será o que é atualmente. Na mudança, ou movimento, não há
permanência e o vir-a-ser não pode ser adequadamente compreendido
pelos sentidos. Pode-se apenas compreender a mudança se há algo
que nela permaneça e nos permita conhecer algo enquanto tal. Para
Parmênides o movimento percepcionado é, portanto, mera aparência,
um aspecto superficial da realidade.
Portanto, para Zenão e Parmênides, assim como para Heráclito, os

33
Metafísica, IV, 1, 1003a.
34
KR, § 295.

Ontologia I 29
sentidos não constituem instrumentos adequados para o conhecimento
verdadeiro, e a mera opinião não pode ser o critério para a verdade,
porquanto estritamente vinculada às percepções individuais. Essa tese
foi magistralmente exposta por Platão, no diálogo Teeteto: “se a verdade
é para cada um que opina através da percepção e ninguém pode julgar a
experiência de outro melhor que ele, ninguém será melhor a examinar a
opinião de um outro, se é correta ou falsa.”35 Consequentemente, o acesso
à verdade deve ser procurado numa instância distinta aos sentidos.
Deve-se ressaltar que Parmênides, conforme Aristóteles, teria sido
“forçado a levar em conta os fenômenos” e supôs que “o um é conforme a
razão, enquanto o múltiplo é conforme os sentidos.”36 Essa característica
implica uma hierarquia necessária na ordem do conhecimento, na qual a
razão tem precedência sobre os sentidos.

O movimento é real? O paradoxo de Zenão

A experiência do movimento é, dentre os dados da sensibilidade,


um dos fenômenos mais imediatos e universais quanto ao nosso
contato com o mundo efetivo. Os argumentos mais conhecidos de
Zenão, preservados, mas reformulados por Aristóteles, são aqueles que
problematizam o conceito de movimento. Cabe ressaltar que o filósofo
de Eleia não negou a percepção que temos do movimento, do múltiplo e
da variação. Seu objetivo foi submeter os dados oriundos dos sentidos
às exigências lógicas da razão, demonstrando que a experiência do
movimento e da multiplicidade, obtidos pelos sentidos, são, aos “olhos
da razão”, irracionais e absurdos. Em outras palavras, os argumentos
propostos por Zenão afrontam o senso comum (doxa), pois procuram
defender a tese da imobilidade do ser do ente.
Deve-se, como afirmado no parágrafo acima, a Aristóteles o
testemunho dos quatro argumentos relacionados a Zenão: “Quatro são os
argumentos de Zenão sobre o movimento, que causam tais dificuldades
aos que tentam solucionar os problemas que eles apresentam.”37 Os
argumentos zenonianos elencados por Aristóteles serão expostos
sucintamente a seguir, embora restritos à formulação geral, porquanto
as interpretações propostas pelo estagirita são suscetíveis de múltiplas
interpretações e parecem não corresponder a contento os objetivos de

35
Teeteto, 161 d.
36
Metafísica, I, 5, 986 b.
37
Física, VII, 9, 239 b.

30 UNIDADE 01
Zenão.
Ressaltamos, igualmente, que a compreensão do primeiro
argumento é um passo metodológico importante, porquanto conseguimos
entrever nele as teses zenonianas sobre o movimento.

O estádio

De acordo com Aristóteles, “O primeiro argumento sustenta a


não-existência do movimento com base no princípio de que aquilo que
está em movimento deve chegar ao meio do caminho antes de chegar
à meta final”38. Suponha que um corredor (C) parte da extremidade (A)
para outra extremidade (B). Ao partir, terá de alcançar a metade desse
mesmo estádio; em seguida a metade da metade; em seguida a metade
da metade da metade, assim sucessivamente, sem nunca conseguir
atingir a outra metade do estádio (B). Este argumento é classicamente
denominado reductio ad absurdum:

A |----------------C → --------------------| B (A → B)
A |------------C →A’|---------------------| B (A→ A’ → B)
A |------C →A’’|------A’|---------------| B (A → A’’ → A’ → B)
A |---C → A’’’|---A’’|---A’|------| B (A→ A’’’→ A’’ → A’ →B)

Para melhor compreender o argumento, observe as seguintes


considerações:
A – o espaço AB é composto por um número infinito de pontos;
B – o corredor C não poderá atingir o ponto B num tempo finito, já
que o espaço AB é composto por um número infinito de pontos;
C – pode-se inferir que o tempo e o espaço aqui considerados são
infinitamente divisíveis. Portanto, seria impossível percorrer num tempo
finito um espaço pressuposto como infinitamente divisível.

Aquiles e a Tartaruga

Este paradoxo é o mais conhecido de Zenão. Assim o enuncia


Aristóteles: “O segundo argumento é chamado ‘Aquiles’ e consiste
no seguinte: numa corrida, o corredor mais rápido jamais consegue
ultrapassar o mais lento, visto o perseguidor ter de primeiro atingir o

38
Física, VII, 9, 239 b.
39
Física, VII, 9, 239 b.

Ontologia I 31
ponto de onde partiu o perseguido, de tal forma que o mais lento deve
manter sempre a dianteira.”39
Esta aporia objetiva demonstrar que, caso a tartaruga saísse na
frente, Aquiles jamais a alcançaria. Aquiles, símbolo da velocidade, e a
tartaruga, símbolo da lentidão, fazem uma corrida, tendo Aquiles dado
uma vantagem à sua concorrente. Quando Aquiles parte, a tartaruga já se
encontra num ponto mais avançado. Quando o herói pretende ultrapassar
a tartaruga, terá de chegar ao ponto do qual ela partiu. Não obstante, a
tartaruga já terá atingido um ponto mais avançado, a que Aquiles terá de
chegar, e assim sucessivamente, sem que Aquiles consiga ultrapassar
a tartaruga. Para que a tartaruga seja ultrapassada, Aquiles teria de
ultrapassar o infinito, o que seria impossível:

A |C’’’’|A’’’’---C’’’|A’’’---C’’|A’’------C’|A’------------------------| B

O segundo argumento é mais complexo, porquanto:


A – Introduz um segundo corpo, havendo assim um movimento
relativo entre dois corpos;
B – O movimento aqui considerado não é contínuo, mas uma
sucessão de pequenos saltos.

A flecha disparada

Assim apresenta Aristóteles o argumento da flecha: “diz que a


flecha em movimento está em repouso. Este é fundado sobre a premissa
de que o tempo é composto de instantes.”40 Neste argumento atribuído a
Zenão, o paradoxo do dobro da metade do tempo consiste na afirmação
de que uma flecha disparada pelo arqueiro está em repouso contínuo. Um
objeto está em repouso quando ocupa um espaço igual às suas próprias
dimensões, em outras palavras: uma coisa está sempre em repouso
quando ocupa um lugar idêntico a si mesmo. Desta forma, uma flecha
disparada vai paulatinamente ocupando sucessivamente uma série de
espaços iguais às suas dimensões, implicando que o movimento seja
uma série de repousos.

O quarto e último argumento de Zenão é, provavelmente, o mais


40
Física, VII, 9, 239 b.

32 UNIDADE 01
complexo e assim foi descrito por Aristóteles: “O quarto argumento é
o que se refere a corpos iguais que se deslocam num estádio a igual
velocidade, passando em direções opostas por corpos iguais, uma das
fileiras a partir do estádio <em direção a nós> e a outra a partir do centro
<afastando-se de nós>. Pensa ele que, neste caso, a metade do tempo
é igual ao <seu> dobro.”41
Observe atentamente o diagrama seguinte, elaborado por
Aristóteles a representar uma hipotética situação inicial, no qual há
três séries constituídas de igual número de corpos do mesmo tamanho,
sendo que os corpos A se encontram em repouso e B e C correm, mas
em direções opostas, (B = D → E); (C = D←E):

A = Corpos em repouso (A)


B = Corpos em movimento de D para E (D → E)
C = Corpos em movimento de E para D (D←E)
DE = Estádio
Cabe ressaltar que os corpos A, B e C são de igual tamanho.
Enquanto os corpos A estão em repouso, os corpos B e C estão em
movimento contrário e à mesma velocidade.
Conforme Zenão, os corpos C avançam dois A e, ao mesmo
tempo, avançam também quatro B. Ou seja, os corpos C, ao mesmo
tempo em que avançam metade do corpo A, avançam a totalidade do
corpo B. Portanto: 2A = 4B, ou seja, a metade é igual ao seu dobro.
Transferindo-se estas unidades espaciais para temporais, podemos
dizer que a metade do tempo é igual ao seu dobro. Ou seja, num dado
momento as três séries estarão emparelhadas e, como resultado final,
teríamos o seguinte diagrama:

41
Física, VII, 239 b.

Ontologia I 33
Enfim, podem-se destacar os esforços de Zenão em demonstrar
que os conceitos referentes ao movimento apresentam-se como
paradoxais ao senso comum. É frequente a suposição que o movimento
ocorre no tempo presente e está submetido a uma medida absoluta.
Uma alternativa, e parece ser esse o caso de Zenão, consiste em
analisar o movimento de um corpo a partir de uma posição relativa: seja
suas posições anteriores e posteriores compreendidas como instantes
indivisíveis; ou das posições relativas à de outros corpos em movimento.
De uma forma ou de outra o movimento não é acessível a uma experiência
direta e, enquanto tal, não possui os sentidos que a ele atribuímos.

Argumentos de Zenão contra a pluralidade

A argumentação contra as teses da pluralidade feita pelo Eleata foi


importante, porquanto no seu tempo surgiram não apenas as concepções
de movimento e de infinito (apeiron), como a concepção pluralista do real.
Zenão vai criticar o pluralismo levando os argumentos destes às últimas
consequências e demonstrando logicamente os absurdos contidos nas
teses sobre as quais se fundamentavam a defesa da multiplicidade e do
movimento: “Se a pluralidade existe, as coisas serão igualmente grandes
e pequenas; tão grandes que serão infinitas em tamanho, tão pequenas
que não terão qualquer tamanho”42.
Nesta passagem, coisas devem ser entendidas como conjuntos
de unidades, ou seja, de corpúsculos. Se os corpúsculos não têm
dimensão, as coisas, por consequência, deverão ser iguais a zero, isto
é, inexistentes – o que constitui um absurdo. Se os corpúsculos, que
serão infinitos em cada coisa, têm dimensão, então, neste caso, cada
coisa será infinita. Ora, se existe um conjunto de coisas em que cada
uma é infinita, encontramos o absurdo ao contemplar um mundo cheio
de infinitos. Ao que parece, esse argumento poderia ser confirmado
por outro fragmento, considerado pelos estudiosos contemporâneos
inquestionavelmente autêntico, e que chegou a nós intacto: “Se há muitas
coisas, são ilimitadas as coisas que existem; pois há sempre outras entre
as coisas que existem, e de novo outras no meio delas. E assim as coisas
que existem são ilimitadas”.43
Resumindo, parece que os argumentos de Zenão contra a
pluralidade deduzem-se sistematicamente das premissas que afirmam a

42
Frg. B 1.
43
KR, § 315.

34 UNIDADE 01
pluralidade das coisas:
A) Se há muitas coisas, estas devem ser grandes e pequenas
(pequenas o bastante para não terem tamanhos e tão grandes como para
serem infinitas. Quanto a este ponto, caberia destacar um subargumento,
que emprega o princípio de “dicotomia”, ou divisão: tudo aquilo que
possui tamanho pode ser dividido em duas coisas, em três, quatro etc.,
num processo infinito; e a redução ao infinito é logicamente absurda – em
outras palavras: a unidade não possui “grandeza”;
B) Se existe pluralidade, o total das coisas deve ser, ao
mesmo tempo, finito e infinito em número: finito porque pluralidade
implica um número definido e, portanto, finito; infinito porque duas ou
mais coisas requerem limites ou, generalizando, marcas distintivas: com
isto iniciamos outro argumento de progressão e regressão ao infinito –
também um absurdo lógico;
C) Se há muitas coisas, devem ser simultaneamente SAIBA MAIS
semelhantes e dessemelhantes. Mas este é um argumento suscitado por
Empédocles: criou
Platão e desenvolvido, sobretudo, no seu diálogo Parmênides. uma teoria física
em resposta a
Empédocles Parmênides.

Empédocles foi filósofo, médico e poeta, nasceu em Agrigento.


Sua filosofia recebeu influências da teoria pitagórica quando:
1 - ele admite uma inteligência divina difundindo uma alma
universal no cosmos;
2 - concede uma importância considerável à unidade; esta vista
como o princípio primeiro das coisas e como algo que contém os quatro
elementos materiais delas;
3 - crê na importância das formas simbólicas e faz uso de termos
mitológicos, tais como: Edoneu (Hades) que significa Terra; Nestis, a
água; Hera ao ar e Zeus ao fogo.
Em relação à physis, Empédocles pode ser classificado, grosso
modo, elementar, porquanto atribui a ela quatro elementos constituidores
das coisas: terra, água, ar e fogo. Igualmente a Heráclito, Empédocles
concedia a este último elemento um papel fundamental em relação à
constituição das coisas.
A linguagem simbólica e a forma poética que Empédocles utilizou
não permitem discernir quais eram as suas reais opiniões; por um lado, ele
fala dos quatro elementos atribuindo-lhes uma pluralidade de substâncias;
por outro lado, ele se refere a uma unidade superior que absorve todas

Ontologia I 35
as coisas. Porém, conforme as afirmações mais correntes, o filósofo de
Agrigento tem como fundo essencial de sua teoria a constatação de que
os quatro elementos são substâncias de todas as coisas, inclusive não
só dos corpos, mas, também, dos espíritos, isto é, da alma humana.
Empédocles não pode ser considerado um materialista, porquanto a
força e a matéria, para ele, são separadas. A força é dividida em dois
aspectos: o amor e o ódio. Estes são encarregados da formação e da
destruição do mundo, sendo relacionados à repulsão e a atração. Estas
forças são independentes da matéria. Desta forma, quando o amor reina
tudo fica em harmonia, em contrapartida, se for o ódio, tudo se dissipa.

1. Qual a divisão da Metafísica? Explique.


2. Por que a Metafísica faz parte da biografia da Filosofia? Explique
3. Qual é o problema geral dos pré-socráticos? Explique.
4. Qual a diferença da physis para a física moderna? Pesquise.
5. Escreva com suas palavras as diferenças entre o monismo e o pluralismo
pré-socrático. Justifique sua resposta.
6. Em que sentido pode-se afirmar que o pensamento de Pitágoras foi um
marco em relação aos pré-socráticos ? Pesquise.
7. Por que há um diferencial entre a teoria de Heráclito em relação aos
outros pré-socráticos? Explique.
8. Explique quais as influências que Parmênides obteve de Heráclito.
9. Relacione: Zenão e o movimento.
10. Defina o ser de Parmênides. Explique.

36 UNIDADE 01
Ontologia I 37
UNIDADE 2

O Problema do ser na
Ontologia Clássica
O PROBLEMA DO
SER NA ONTOLOGIA
CLÁSSICA
Platão

Pode-se plausivelmente constatar que Platão é influenciado por


Parmênides em três aspectos:
1- o método para o filosofar é aquele que tem como paradigma a
intuição racional;
2- a teoria dos dois mundos; isto é, as ideias são modelos dos
quais participam os objetos concretos; a ideia é o primeiro modelo que
os objetos sensíveis imitam;
3- a dialética; onde esta visa expor e estabelecer o caráter de
aparências das opiniões, fazendo com que as pessoas tenham, por si só,
consciência disso.
No entanto, Platão vai inquirir sobre o que há de imutável e
verdadeiro no Ser, a ousía (ideia ou forma); aquilo que há de universal
e é susceptível de definição. O Ser é o gênero supremo de que todas
as ideias participam, embora elas mesmas sejam distintas dele. Platão
vai lidar com o discurso ontológico; isto é, aquele que procura o Logos
para definir as coisas. Assim, o Logos platônico é unidade sintética, isto
é, aquilo que define a essência dos objetos. Neste sentido, as ideias
constituem as essências das coisas do mundo sensível, onde neste não
reside a verdade, mas apenas sombra do mundo inteligível, aquele das
ideias. Assim, a Ontologia Clássica tem início com Platão, através da sua
teoria das Formas ou das Ideias. Desta maneira, para Platão, aquilo que
se convencionou designar sob o conceito Ontologia deve ser entendido
como a doutrina sobre a natureza última e essencial da realidade. Por
consequência, para se ter uma compreensão das coisas, a teoria do
conhecimento deve ser pré-requisito para a teoria sobre a natureza da
realidade a ser conhecida (a Ontologia).
Neste sentido, a filosofia platônica é algo racional que tem como

Ontologia I 41
pressuposto uma teoria reguladora que, abstraindo-se aos fenômenos
do mundo sensível, passa a constituir a ordem do especulativo e do
contemplativo, isto é, passa a ser uma realidade ideal e abstrata.
Para se falar de Platão tem-se como referência, de uma forma
aleatória, algumas obras dele, tais como: Fédon, Hípias Maior, Cármides
e A República.

Fédon

O Fédon é um diálogo que começa com Sócrates recebendo


amigos na manhã de seu último dia, portanto, no dia da sua condenação
pela polis Atenas. Daí surge a questão: que atitude o filósofo deve ter
perante a morte?
Platão começa o diálogo com Fédon afirmando que estava junto
SAIBA MAIS
de Sócrates no dia em que ele tomou a cicuta. Isto significa que, no
Fédon: primeiro presente diálogo, Sócrates já estava ausente.
diálogo que Aqui é bom enfatizar que Sócrates, entre a sentença e a sua morte,
postula a
existência das passou algum tempo no cárcere sendo visitado por amigos. Em uma das
Formas. suas falas, Sócrates afirma acreditar que os filósofos estariam prontos a
morrer de bom grado; ele tem a certeza de que o discurso sobrevive, ele
não se dissolve gerando discursos.
O discurso é, assim, vida, é algo constituído, é Logos. Desta
maneira, pensar de forma filosófica é fazer discurso que tem como ponto
de partida o que disseram os poetas.
Contudo, com o acima exposto, não se quer afirmar que o filósofo
deve ter um desprezo pelo sensível. Quem crer que Platão despreza o
corpo não o entendeu corretamente, como ele mesmo afirma:

“nós conhecemos a igualdade antes daquele momento


que, vendo pela primeira vez as igualdades nas coisas,
temos a ideia de que todas elas querem ser idênticas
à igualdade (...). Seja como for, através das sensações
é que temos que compreender que toda a igualdade
sentida aspira à essência da igualdade em si, mas lhe
fica aquém (...) aquela reflexão não tem outra origem,
nem mesmo seria possível concebê-la senão partindo
do emprego da visão, do tato ou de um dos outros
sentidos.”44

44
Fédon, p.199.

42 UNIDADE 02
Desta forma, Platão parte do sensível para atingir o inteligível,
parte da doxa (opinião) para a episteme (conhecimento verdadeiro). Ele
sempre se preocupou com a construção da vida até alcançar o mundo
inteligível.
Sendo assim, Platão parte do sensível para refleti-lo. Porém, o
que o autor do Fédon faz é a diferença entre o corpo e a psique, onde o
corpo é prisão da psique. Para isto, no entanto, ele começa com o corpo
para atingir a racionalidade. Onde, neste caso, ela é Logos, discurso, e
este é imortalidade.
Assim, como o corpo discursivo está unido à psique, a função do
filósofo é criar argumentos e é, desta forma, que ele ultrapassa o corpo.
Então, o filósofo parte do não saber e, de alguma maneira, através do
discurso, a psique se liberta da opinião. A psique, então, atinge a verdade.

Hípias Maior

Hípias Maior é outro diálogo de Platão que vincula Sócrates com


a Polis. A teoria platônica é eminentemente política, onde o homem deve
manter uma posição crítica frente aos discursos.
Aqui o conceito de virtude é político e é relacionado ao físico,
desta forma, o pensador ético é o homem que funciona bem como o olho
funciona, onde na infinidade das várias coisas que se apresentam, há
uma justiça central. Assim, julgar com justiça é um ponto central para
tudo e, então, o problema passa a ser de construção de uma sociedade
mais justa, porque todos os homens têm uma noção de justiça, o que falta
para eles é atingir a forma da mesma e isto ocorre através do discurso
(Logos).
Por conseguinte, poder-se-ia levantar a hipótese que a dificuldade
platônica tem como seu ponto de partida a doxa, mas diferentemente
dos sofistas. Os sofistas fazem do discurso uma arma para persuadir,
e sobre isto Platão discorda, porquanto ainda que o discurso filosófico
tenha como objetivo a persuasão, esta característica não é a finalidade
dele em si mesmo, mas seria a própria verdade quem persuade pelo
discurso. Neste sentido, Sócrates afirma, ironicamente: “és um homem
feliz [Hípias]. Sabes como se deve agir e praticas o que ensinas. Quanto
a mim, por uma maldição divina, ando por aí sem eira nem beira, numa
incerteza atroz”45.

45
Hípias Maior, 281c.

Ontologia I 43
Desta forma, a ironia aqui ocorre pelo fato da objeção platônica
aos sofistas. Assim, os sofistas não passam do nível do discurso, porque
estão presos a ele, e Sócrates ironiza: “O quê? Então os lacedemônios
não sabem valorizar a sutileza com que distingues letras, sílabas, ritmos
e harmonia, arte em que é imbatível? (...) Praticas a mnemônica. Sabes
tudo”.46
Entretanto, Platão admite que todos os homens estão presos a
um discurso, o que Sócrates crê é que é que os homens têm que pensar,
refletir, buscar a verdade sob o discurso – se houver; não no sentido da
mnemônica47 , mas da anamnese48 , partindo do mundo das sombras até
às verdades indiscutíveis.

Cármides

Neste diálogo é afirmado que o problema do homem é o


aprimoramento, mas a physis tem que ser o ponto de origem de tudo, porém
o pensamento é um elemento fundamental para resolver os problemas
humanos. É necessário, então, superar a sedução dos sentidos. Neste
caso, ideia é eidos, e é coisa vista pelo olho, inicialmente. Assim, no
processo dialético há etapas a serem vencidas, uma delas é saber que o
corpo tem que se encontrar em um âmbito mais geral e que a verdadeira
procura está na psique.
Platão começa este diálogo exaltando a beleza de Cármides,
Sócrates perdendo, de certa forma, a prudência e afirmando: “Ao
Cármides aproximar-se de mim, ofuscou-me o esplendor de sua
formosura, escondida pelo manto que se abria. Perdi a cabeça”.49
Em outras palavras, isso significa que os sentidos podem ofuscar a
procura pela verdade, ao ponto de o homem ficar tal qual um embriagado,
sem nenhuma noção da realidade. Também isto implica que o filósofo tem
que superar a sedução dos sentidos e buscar algo mais além, embora o
mundo sensível seja o ponto de partida para o saber.
Assim, Platão fala de como um médico deve tratar os seus
pacientes e diz:

um médico trácio (...) me disse que os olhos não devem


ser tratados sem considerar a cabeça, nem a cabeça

46
Ibidem, 285e.
47
Relativo à memória.
48
Relativo à reminiscência. Ligada às Formas; ideias.
49
Cármides, 147c.

44 UNIDADE 02
sem observar o corpo e a psique (...) a psique é origem
das enfermidades quanto à saúde do corpo. Convém,
portanto, ir à fonte. Discursos salutares, origem da
sensatez, são o remédio da psique50.

Desta forma, o pensamento é um elemento fundamental para


resolver os problemas humanos. Logo, um indivíduo que não pensa
corretamente não está sadio e se o homem não sabe lidar com o corpo,
ele não tem entranhas sadias e é isto que se tem que refletir.
Neste sentido, Platão parte do sensível, do que é visto, fato
corroborado na seguinte afirmação de Sócrates: “Não vás pensar que
saiba o que eu examino (...) Examino minhas próprias ideias. Temo supor
saber o que, na realidade, não sei. Discuto no meu próprio interesse e no
dos meus amigos”51.
Então, o “conhece-te a ti mesmo” deve ser entendido no sentido
de colocar o conhecimento dentro da totalidade, porém sem se deixar
seduzir por nenhuma visão sensível.

A República

Na República de Platão o ponto essencial é a pergunta sobre o


SAIBA MAIS
que é a justiça e que valor esta tem para o homem. A República procura
demonstrar qual a estrutura e qual o conteúdo de uma teoria que A República:
pudesse, racionalmente, justificar a compreensão sobre a justiça. Para a teoria moral
e metafísica
tanto, a República constitui numa apresentação, num programa para a
centrada nas
construção de tal teoria. Nela a definição de justiça é investigada a partir Formas é
do Estado ideal (Polis), onde esta palavra pode significar cidade, cidade- desenvolvida.
estado, sociedade ou Estado.
A República está dividida em dez livros: o Livro I gira em torno
da pergunta “o que é justiça”, os Livros II e III continuam as discussões
sobre a justiça, descrevendo a formação do Estado, o Livro IV discorre
sobre a estrutura do Estado, estabelecendo uma relação entre cidadão
e cidade, nos Livros V, VI e VII Platão descreve as formas de vida da
classe dirigente e a natureza do governo, nos Livros VIII e IX é ilustrada
a decadência de vários tipos de Constituição e no Livro X é feita uma
crítica à ineficácia educativa das poesias de Homero.
Platão inicia A República mostrando o que a justiça não é. Neste

50
Ibidem, 148b.
51
Ibidem, 159c.

Ontologia I 45
sentido, ele aponta que não é justo dar a cada um o que lhe é devido,
não é justo dar ao amigo o que não lhe é adequado e prejudicar inimigos,
não é justo, também, salientar apenas o interesse do mais forte. A partir
daí, Sócrates parece começar a apresentar os aspectos que envolvem o
problema da justiça. Posterior a isto, então, Sócrates pergunta: “Bem –
continuei eu – mas, uma vez que parece que a justiça e o que é justo não
eram nada disso, que outra coisa poderá dizer que são?”52.
Sócrates explica que a justiça é boa, por causa dos efeitos que
ela faz surtir na alma e, ao ser perguntado por Gláucon, afirma ser a
justiça: “Acho que na mais bela a que se deve estimar por si mesma
e pelas consequências quem quiser ser feliz”.53 Seguindo esta linha,
Sócrates procura demonstrar que a justiça é boa e a injustiça é algo ruim.
Porém, ela não reside nas condutas individuais, mas nas comunidades,
porquanto para se saber o que é a justiça no Estado, tem-se, também,
que saber o que é um homem justo, e para que se saiba o que é justiça,
tem-se que investigar o surgimento do Estado. Segundo Sócrates, ele
surge porque o homem não é autossuficiente como indivíduo:
- Ora, pois – disse eu – se considerássemos em imaginação a
formação de uma cidade, veríamos também a justiça e a injustiça a surgir
nela?
- Em breve o veríamos- retorquiu ele.
- Portanto, se assim sucedesse, havia esperança de mais
facilmente vermos o que indagamos.
- Muito mais, com certeza.
- Parece-vos então que devemos tentar levar a cabo essa
empresa? É que se me afigura que não é trabalho de pequena monta.
Vede, pois.
- Já está visto – respondeu Adimanto – E não faças de outro modo.
- Ora – disse eu – uma cidade tem a sua origem, segundo creio,
no fato de cada um de nós não ser autossuficiente, mas sim necessitado
de muita coisa. Ou pensas que uma cidade se funda por qualquer outra
razão?54.
Pelo fato de o homem não ser autossuficiente, ele precisa manter
uma relação de reciprocidade e, no caso do Estado justo, ao ser humano
impõe-se a plena responsabilidade pela justiça, onde os homens justos
vivem em confiança recíproca e eles são reciprocamente dependentes.

52
A República, 336 b, p. 19.
53
Ibidem, 358 a, p. 54
54
Ibidem, 369 b, p.72.

46 UNIDADE 02
Agindo desta forma, não há oposição entre indivíduos e Estado,
eles se completam e devem auxílio mútuo, onde tudo gravita em torno da
justiça. Por causa da sua tarefa ordenadora, ela é a virtude cardeal. Ela
responde pela ordem social e da alma. Desta forma, a justiça como uma
virtude cardeal diz respeito à própria vida da alma.
Nestas circunstâncias, A República é uma teoria racional do
Estado. Assim, Platão quer conhecer e formar o Estado perfeito para
poder conhecer e formar o homem perfeito. O Estado é a alma ampliada e
a verdadeira Cidade é a interior, onde: “... a justiça (...) não diz respeito à
atividade externa do homem, mas à interna, aquilo que é verdadeiramente
ele e o que lhe pertence”.55
Assim, a justiça é realizada na Cidade pelos homens e tem como
objetivo a ordem no convívio. A justiça, então, liga o indivíduo ao Estado.
É através dela que se pode compreender o político, isto é, conforme
a justiça pode-se compreender a fundamentação racional da ordem
externa. Ela só atinge sua realidade no Estado onde a polis deve ser
governada pela razão. Assim, a práxis dos que vivem na Polis, a maneira
do homem ser político, é a constituição.
Platão diz que o Estado ideal não precisa de muitas leis, porquanto
os cidadãos que têm uma boa formação tendem a viver de forma
disciplinada e racional e quem é sábio, corajoso e moderado pode ser
considerado justo e “diremos que o homem justo o é da mesma maneira
que a cidade é justa”.56 Desta forma, Sócrates demonstra a possibilidade
de pôr a justiça em prática e isto ocorre através das competências de
cada cidadão e:

O princípio que de entrada estabelecemos que deveria


observar-se em todas as circunstâncias é, segundo me
parece, ou ele ou uma das suas formas, a justiça. (...) e
repetimo-lo muitas vezes, se bem te lembras, que cada
um deve ocupar-se de uma função na cidade, aquela
para qual a sua natureza é mais adequada.57

Assim, o Estado é relacionado à estrutura do homem, fundando


um paralelismo entre Estado justo e homem justo. Desta forma, a razão
preside tanto um quanto as ações do outro.

54
Ibidem, 369 b, p.72.
55
Ibidem, 443 d, p. 204.
56
Ibidem, 441 d, p. 201
57
Ibidem, 433 a, p. 186.

Ontologia I 47
O Estado ideal é, então, caracterizado pelo domínio da
racionalidade com a qual coincidem a virtude e a liberdade (à da razão).
Para Platão, sem areté58 não se pode ser racional nem em termos teóricos
nem em práticos.
A República platônica exprime um ideal realizável, mesmo
se historicamente o Estado perfeito não existe, ele há no interior do
homem e talvez haja um modelo no céu, para quem quiser contemplá-lo
e, contemplando-o, fundar um para si mesmo. De resto, nada importa
que a cidade exista em qualquer lugar, ou venha a existir, porquanto
é pelas normas, e pela de mais nenhuma outra, que ele pautará o seu
comportamento59.
Deste modo, Platão, mais uma vez, acentua a prioridade do racional
em relação ao sensível, aspecto que pode ser constatado com maiores
detalhes em uma alegoria que Platão faz intitulada “O Mito da Caverna”,
contida do livro VII da República. Neste texto é sintetizado o processo que
se tem que seguir para que se possa adquirir o conhecimento verdadeiro
das coisas, isto é, parte-se de um nível inferior (doxa) e, através da
dialética, atinge-se à verdade (episteme). Assim, Platão estabelece o
dualismo dos dois mundos: inteligível e sensível.
SAIBA MAIS
Aristóteles
Aristóteles: os
diferentes sentidos
do Ser referem-se Substância: aspectos essenciais e acidentais.
à forma primária Em linhas gerais, pode-se afirmar que o objetivo maior de
do Ser. Aristóteles é pôr as ideias de Platão nas coisas reais da experiência
sensível. Neste sentido, vê-se que a substância aristotélica tem vários
significados:
- é a unidade como estrutura para todas as qualidades das coisas;
tudo o que se fala da substância é o que se pode chamar de essência;
porquanto esta é tudo o que se pode predicar da substância e, se caso
um desses predicados faltasse, a substância não seria o que ela é.
- é o acidente, algo contrário à essência. Ele convém à substância,
embora à falta dele não comprometa o sentido do todo. Assim, a
substância contém aspectos essenciais e acidentais.
E quando Aristóteles fala sobre o Ser, ele afirma:

O ser se diz em múltiplos sentidos, mas sempre em

58 
Arete: relativa à virtude ou excelência.
59
Ibidem, 92c, p. 449

48 UNIDADE 02
referência a uma unidade e a uma realidade determinada.
O ser não se diz por mera homonímia, mas do mesmo
modo em que dizemos sadio tudo o que se refere à
saúde: ou enquanto a conserva, ou enquanto a produz,
ou enquanto é o seu sintoma, ou enquanto é capaz
de recebê-la; ou também do modo em que dizemos
médico tudo o que se refere à medicina: ou enquanto
possui a medicina ou enquanto é bem disposto a ela por
natureza, ou enquanto é obra da medicina; e podemos
aduzir ainda outros exemplos de coisas que se dizem
do mesmo modo destas. Assim, portanto, também o ser
se diz em muitos sentidos, mas todos em referência a
um único princípio60.

Então, para Aristóteles, contrariamente a Platão, a resposta


para a pergunta quem existe seria que existem as coisas individuais
com suas determinadas características acidentais e essenciais; o Ser
é ser substância, onde dele se pode falar de muitas formas: ou como
essência ou como acidente. A necessidade61 é relacionada à essência e
o contingente62 é relacionado ao acidente.

O processo do conhecer

Pode-se, plausivelmente, afirmar que a metafísica aristotélica


trouxe para o mundo sensível a teoria platônica. Aristóteles vê no sensível
o ponto de partida para o conhecimento e afirma:

Todos sabem que algumas coisas sensíveis são


substâncias; portanto deveremos desenvolver a nossa
pesquisa partindo delas. De fato, é de grande utilidade
proceder gradualmente na direção daquilo que é mais
cognoscível. Com efeito, todos adquirem o saber desse
modo; procedendo através das coisas que são menos
cognoscíveis por natureza <as coisas sensíveis> na
direção das que são mais cognoscíveis por natureza
<as coisas inteligíveis>63.

No entanto, como os sentidos são insuficientes para todo o


processo do conhecer, ele fala sobre a memória, isto é, a faculdade
que o ser humano tem e que faz dele alguém capaz de reter os dados

Metafísica, III, 1003 a 33 ss.


60 
61
Necessidade: aquilo que é dessa forma e só assim pode ser.
62
Contingente: aquilo que muda; que pode ser de uma forma ou de outra.

Ontologia I 49
sensoriais. Então, assim, partindo dos dados dos sentidos e da memória,
tem-se a experiência. Logo após vem a téchne, ou seja, conhecimento
prático que envolve as regras do conhecer e produz resultados. A última
etapa é a episteme; saber teórico. Este é contemplativo, abstrato, geral,
verdadeiro, livre e não visa um fim determinado, onde a Metafísica é
sua forma mais elevada de expressão, sendo, portanto, denominada
de filosofia primeira, onde ela examina o real em seu mais alto grau de
abstração e pureza.

Matéria e forma

A metafísica de Aristóteles concebe o ente como um ser composto


de matéria (hylé) e forma (eidos); ele afirma:

O que é composto de alguma coisa, de tal modo que


o todo constitui a unidade, não é um amontoado, mas
é como uma sílaba. E a sílaba não é só as letras das
quais é formada, nem BA é idêntica a B e A, nem a
carne é simplesmente fogo e terra: de fato, uma vez
que os compostos, isto é, carne e sílaba, tenham-se
dissolvidos, não mais existem, mas as letras, o fogo
e a terra continuam a ser. Portanto, a sílaba é algo
não redutível unicamente às letras, ou seja, às vogais
e consoantes, mas é algo diferente delas. E assim a
carne não é só fogo e terra, ou quente e frio, mas algo
diferente deles. Ora, se esse algo devesse ser, também
ele, um elemento ou um composto de elementos,
dar-se-ia o seguinte: se fosse um elemento, valeria
o que dissemos acima (a carne seria constituída por
esse elemento com fogo e terra e por algo diferente,
de modo que iríamos ao infinito); se fosse, ao invés,
um composto de elementos, seria, evidentemente,
composto não de um só, mas de vários elementos (do
contrário estaríamos ainda no primeiro caso), de modo
que deveríamos dizer, também aqui, o que dissemos
a propósito da carne e da sílaba. Por isso, deve-se
reter que esse algo não é um elemento, mas a causa
pela qual esta coisa determinada é carne, esta outra é
sílaba, e assim para todo o resto. E isso é a substância
de todas as coisas: de fato, ela é a causa primeira do
ser.64

Ibid. VII, 1041 b 11-28.. .


64 

50 UNIDADE 02
Neste sentido, a matéria significa aquilo de que é feito algo. A forma
é a figura dos corpos; aquilo que faz com que a coisa seja o que é; aquilo
que fornece unidade à matéria. A forma se confunde com a essência da
coisa; aquilo que a define, que dá sentido ou finalidade (telos- palavra
grega que significa fim). Assim, não existem, para Aristóteles, ideias
puras no mundo inteligível; a forma só há para a matéria e vice-versa. É
pelo processo de abstração que se pode saber o que a coisa é, ou seja,
só se formam tipos gerais em virtude da abstração das características
particulares das coisas. Só se conhece o homem, porque esta ideia é
algo comum a todos os homens. Então, as substâncias existem.
A gênese de tudo que é composto consiste em uma matéria
informe com uma forma que a fornece unidade, dando-lhe inteligibilidade.
A matéria sempre objetiva voltar à sua forma original e desvencilhar-se
da forma.

As causas do Ser

As causas através das quais existe a mudança e a transformação


das coisas são: material, formal, eficiente e final. A causa em Aristóteles
é o que contribui para o conhecimento do Ser. A ciência superior do Ser
enquanto Ser, portanto, seria, também, a ciência dos primeiros princípios
e das primeiras causas.
A causa material é a matéria na qual a coisa é feita, a formal
é a forma que a coisa toma, a eficiente são os fatores externos que
contribuem para a transformação da coisa e a final é o objetivo e o
propósito da coisa. O ser composto, também, tem como características a
potência; capacidade de vir a ser algo, e o ato; quando uma das potências
se atualiza. Todas as coisas passam de potência para o ato, em uma SAIBA MAIS
relação causal; de causa e efeito, até atingir a um princípio imóvel que
Aristóteles: a
move todas as coisas, embora não se movimente. Este é chamado de estrutura do ser
primeiro motor imóvel ou substância pura. é a estrutura do
pensar.
Mundo inteligível

Para a filosofia aristotélica o mundo é inteligível, onde o Ser é


igual ao pensar e, assim, pode-se compreender a natureza e o mundo a
partir de suas essências, onde, para isto, é constatado que a substância
existe; o mundo sensível é um mundo inteligível em que define as coisas
através de uma razão. As coisas são concebidas metafisicamente,

Ontologia I 51
porquanto estão impregnadas de inteligibilidade. Assim, a estrutura do
Ser é a estrutura do pensar; onde esta pode ser definida como aqueles
pontos através dos quais qualquer ser pode ser considerado. Neste
sentido, existem maneiras de se predicar o Ser; a primeira delas é
a substância (aquele aspecto que diz o que o Ser é, onde as outras
categorias dependem dela e é em virtude da substância que as outras
coisas existem), a segunda é a quantidade, a terceira é a qualidade, a
quarta é a relação, a quinta é o lugar, a sexta é o tempo, a sétima é a
ação e a oitava é a paixão. Estas são categorias (predicados do sujeito;
atributos mais gerais que se podem fazer na formação dos juízos e são
formas gerais da matéria) e elas contribuem para o conhecimento do ser.
Enfim, a Metafísica para Aristóteles é ciência primeira que
estrutura todas as outras e busca encontrar o Ser enquanto Ser, ou
seja, a substância no sentido de procura das características mais gerais
da humanidade para responder às questões espirituais. Assim, o Ser
enquanto Ser significa a substância e tudo que, de múltiplos modos, se
refere a ela. Então, Aristóteles afirma: “Que é a substância (...) por isso
também nós, principalmente; fundamentalmente e unicamente, por assim
dizer, devemos examinar que é o ser entendido nesse sentido”.65
Assim, na Ontologia de Aristóteles, embora o Ser possa ser dito
de muitas formas (essência, acidente, qualidades, quantidade etc.), há
nele um sentido através do qual ele é uno, necessário e estável, onde
o princípio de contradição66 é que garante isso. Essa impossibilidade
ontológica67 é o que sustenta que o Ser é e não pode ser de outra forma.
O princípio de contradição é a fundamentação da Ontologia aristotélica,
onde esta afirma que o Ser enquanto Ser é necessário.
O Ser é, por conseguinte, substância; a causa e princípio de todo
ente determinado e o real é a união entre a matéria e forma, onde por
mais que tenha mudança no ente, algo fica; a substância.

Ibid., VII, 1028 b 2-7.


65 
66
Princípio de Contradição: é impossível que uma mesma coisa seja e não seja ao mesmo
tempo.
67
Não se pode enunciar o ser e o não ser de uma mesma coisa, porquanto isto gera algo
contraditório; é logicamente impossível.

52 UNIDADE 02
1.Qual o problema filosófico visto em Parmênides e Platão? Explique.
2.Que papel desempenha a Ideia na filosofia de Platão?
3.Quando é afirmado que a filosofia platônica é transcendente; o que isso
significa?
4.Relacione: Platão, discurso ontológico, mundo sensível, mundo
inteligível.
5.Pesquise sobre A Alegoria da Caverna de Platão (República- VII) e
faça uma análise da mesma conforme a filosofia platônica. Justifique sua
resposta.
6.Por que a filosofia aristotélica tem a característica da imanência?
Pesquise.
7.Comente sobre os significados da substância aristotélica.
8.Relacione as diferenças entre o ser platônico e o aristotélico.
9.Comente sobre o princípio de causalidade aristotélico.
10. Relacione Aristóteles e Parmênides.

Ontologia I 53
54 UNIDADE 02
UNIDADE 3

A Crise da Metafísica
no Pensamento Moderno
A CRISE DA METAFÍSICA
NO PENSAMENTO
MODERNO
Considerações iniciais

Para contextualizar o período moderno filosófico é fundamental


que se faça referência à Idade Medieval para que se possam compreender
as rupturas e, também, as influências que a modernidade sofreu.
Ao nível do discurso filosófico não se pode falar em rupturas
SAIBA MAIS
bruscas e radicais. Isto, além de ter ocorrido com a modernidade em
relação aos medievais, ocorreu, também, com a Idade Medieval e a A filosofia moderna
Antiguidade, porquanto a tradição oriunda de Parmênides, Platão e é, basicamente,
caracterizada pela
Aristóteles perdura em textos de autores como Agostinho e Tomás de atividade do sujeito.
Aquino. A filosofia medieval
Nesta perspectiva, a fusão da doutrina cristã com a filosofia é, basicamente,
caracterizada pela
antiga forma o tema essencial da Filosofia na Idade Média. Esta é, junção da fé com a
primordialmente, dividida em dois períodos principais: razão.
1° a patrística (do latim pater=pai, refere-se aos padres da Igreja);
ela vai do período apostólico até o século VIII.
2° a escolástica (do latim sholastici, empregado como referência
aos professores, aos missionários e aos padres da Igreja). Ela começa
no século VIII e vai até o fim da filosofia medieval, em torno de 1500.
A patrística caracteriza-se, basicamente, em uma tentativa de
unir a razão e a fé, ficando, assim, a Filosofia subordinada à Teologia.
Na patrística são estabelecidos os dogmas fundamentais cristãos e a
reinterpretação da tradição filosófica, sobretudo o platonismo, pela
Teologia. Essa reconfiguração alcança seu ponto de inflexão através
das obras de Agostinho, porquanto nesta foram configurados os dogmas
fundamentais da fé que conduziram a um sistema unificado de dogmática
e de Filosofia cristã.
Um dos principais, senão o principal, representantes da patrística
é Santo Agostinho, pois, devido ao seu pensamento, todo o período

Ontologia I 57
seguinte da Alta Idade Média teve como paradigma a Teologia, onde esta
levava em consideração temas como Deus e a alma.
Para Agostinho, há uma realidade em si mesma, independente
do pensamento humano; essa é diferente da existência. Neste sentido,
o real é a ordem e a realidade de Deus, onde a substância divina existe
na forma da Trindade: Pai, Filho e o Espírito Santo. Para explicar isso,
Agostinho elabora uma analogia com a alma humana, pois ela forma uma
substância unificada do ser, do saber e da vida e, assim sendo, é símbolo
da Trindade onde o homem é criado à imagem de Deus. Com isso,
Agostinho acredita que há uma realidade que é diferente da existência e
é ela que se deve buscar, pois, segundo ele, quando esquecemos algo
e tornamos a procurá-lo, onde devemos fazer isto? Na memória que é
falha? Se esse algo foi encontrado novamente é porque alguma coisa
nos levou a encontrá-lo e a reconhecê-lo. Então, pode-se constatar que o
espírito tem uma abrangência maior do que ele mesmo imagina. A prova
disso é que, quanto mais se mergulha no interior da alma, mais se tem a
certeza de que pouco se conhece dela. Este fundamento da alma, para
Agostinho, reside na indubitável crença que ele tem na razão, embora,
isto não signifique que a verdade e o conhecimento sejam produtos do
espírito humano, porquanto a verdade e a luz estão em Deus. Portanto,
não é o ser humano que produz o conhecível, mas há uma realidade que
é constituída por si mesma, uma instância superior de grandeza própria,
onde Nela se encontram a verdade e a luz - Deus.
A escolástica, por sua vez, é dividida em três períodos, foi o
segundo momento do processo de assimilação da filosofia pela Teologia
Cristã. É necessário, porém, uma ressalva: com a entrada dos árabes
na Europa, a própria Teologia Cristã receberá influências decisivas pela
retomada do aristotelismo. Nesse período a filosofia é denominada
escolástica, e pode ser subdividida em três períodos, pelo menos para
fins pedagógicos: primitiva (do século IX ao XII), alta escolástica (século
XIII) e a escolástica tardia (séculos XIV e XV).
Tem-se em Santo Tomás de Aquino um dos seus principais
representantes da escolástica.
Segundo Tomás de Aquino, a existência de Deus pode ser
demonstrada através da razão. No entanto, ele rejeita o argumento
ontológico de Santo Anselmo.
O argumento ontológico da prova da existência de Deus, elaborado
por Santo Anselmo, aparece em sua obra Proslogion68 entre 1077 e 1078.
68
Proslogion significa colóquio, alloquium, isto é, um conversar com Deus.

58 UNIDADE 03
...No Proslogion Anselmo procura algo muito sólido, que
não precise se apoiar em qualquer realidade externa que seja ou em
multiplicidade de argumentos, mas evidente na pura interioridade do
homem.69
Desta forma, no Proslogion, Anselmo objetiva que a própria fé
procure uma luz transparente e pura que a ilumine. Ela é, portanto,
aquilo com o qual se crê e da qual se deseja iluminar o ato do crer. É
ela própria que procura o intelecto exigindo o pensamento, desejando a
compreensão e participando da fé em si mesma.
Assim sendo, a ideia de Deus ou o nome de Deus não se encontra
a posteriori70; ela é outorgada pela revelação.
No Proslogion, Anselmo demonstra a existência de Deus enquanto
Deus é. Ele é um ser tão perfeito que, por causa disso, é incluída na
sua perfeição a existência. Deus é um Ser necessário71 e, a partir disto,
demonstra-se a sua existência; pois Ele é um Ser necessário pelo próprio
pensamento. Ele só pode ser pensado como existente. No momento em
que se pensa em Deus, deve-se incluir nessa ideia a sua existência,
porque não se pode pensar em nada maior do que Deus. Enfim:
Trata-se, pois, de manter interligado o ser no intelecto e o ser na
coisa. A ideia de Deus implica a ideia da própria existência, sendo Deus
aquele ser perfeitíssimo que inclui em si todas as qualidades possíveis,
também a da existência, porque ele - de modo exclusivo, único - é
perfeito...72
Assim, para Anselmo é possível ter algo no intelecto que não
ocorra na realidade, porém isto não se aplica à ideia de Deus como Ser
perfeitíssimo, ou seja, como aquilo que não se pode pensar em algo
maior, perfeito e necessário. Desta forma, a ideia de Deus é entendida
como aquilo que é maior do que qualquer outra coisa, que é necessário
pensá-lo como existente, isto é, ao pensá-lo, necessariamente, pensa-se
como sendo Ele existente. Ele é o único Ser que a essência é confundida
com a existência.
Em suma:

Deus não só é maior em relação a qualquer ideia nossa,


mas também em relação ao esse (ao ser), à existência
real exigida pela nossa ideia de ser perfeitíssimo. Em

69
 Francesco TOMATIS, O argumento ontológico: a existência de Deus de Anselmo a
Schelling, p 12.
70
Relativo à experiência.
71
Necessário: aquilo que é; aquilo só pode ser desta forma e não de outra.
72
Ibidem, p.19.

Ontologia I 59
Deus ser e pensamento, esse (ser) e ideia coincidem
perfeitamente, mas não porque Deus se reduza a uma
identidade lógica, antes, porém, porque ele transcende
a própria identidade de ser e pensamento que, no
entanto, intransitivamente, causalmente enquanto é
sujeito não objetável e inexaurível. Só porque Deus
existe e se apresenta na Revelação – mostra-se a nós
como id quo maius cogitari nequit (aquilo de que não
se pode pensar nada de maior) – podemos, então,
compreender o que significa que em seu ser essência
e existência, ideia e realidade estão indissociavelmente
unidos...73

Nestes termos, Santo Tomás de Aquino critica e rejeita a prova


ontológica da existência de Deus de Santo Anselmo.
Segundo Tomás de Aquino a prova ontológica de Santo Anselmo
só é válida no sentido absoluto relativo a Deus, no entanto, para o ser
humano, esse argumento não é utilizável, pois não se pode compreender
nem ver a essência de Deus. O intelecto do homem é frágil, tornando-o
incapaz para conhecer a Deus como é em si mesmo. Assim, Ele só pode
ser conhecido através dos efeitos causados por sua essência e, só pode
assim fazer de forma a posteriori, pelo raciocínio, demonstrando, através
dos efeitos, a sua existência. Portanto, o Ser de Anselmo é um Ser no
intelecto e não se pode conhecer a existência de Deus no próprio Deus
nem na sua ideia que se apresenta ao intelecto do homem. Assim sendo,
para Tomás de Aquino, a existência de Deus é compreendida através dos
seus efeitos a posteriori, elaborando-se demonstrações baseadas nesses
efeitos, onde essas se fundamentam, além de na realidade sensível, na
realidade inteligível do pensamento, da vontade, do coração e da fé do
homem.
Desta forma, para Santo Tomás, o real é o Ser. Assim, Santo
Tomás distingue a essência da existência. Nesta perspectiva, tudo o que
é é Ser; no entanto, tem-se que diferenciar entre as coisa criadas e Deus.
A matéria, a forma, a essência e a existência estão em relação de
potência e ato. A essência é tudo o que contém a definição da coisa, isto
é, ela é tanto matéria quanto forma.
A existência, por sua vez, é diferente da essência (potência). Ela
é ato, onde a passagem da potência para o ato é advinda de Deus. Só
Ele existe por essência e a relação das criaturas com Deus é aquela de
analogia e semelhança, pois as criaturas, por terem a essência separada
73
Ibidem, p. 22.

60 UNIDADE 03
da existência, são seres criados ou contingentes, no entanto, Deus é
idêntico a sua essência; é eterno e necessário. Ele é o Ser essência.
Para Santo Tomás de Aquino, a metafísica é a ciência dos entes
criados construída sobre princípios evidentes da razão. Os quatro
primeiros princípios da realidade são:
1- princípio de identidade: o Ser é aquilo que é;
2- princípio de contradição: o Ser não pode ser e não ser ao
mesmo tempo;
3- princípio do terceiro excluído: um ser ou é ou não é;

4- princípio da causalidade: todo existente reporta-se a um outro


Ser que é a sua causa.
Então, tendo na filosofia tomista a representante de um aristotelismo
cristão, isto não fez com que essa corrente conservasse a sua influência
perene. O aristotelismo começa a se desgastar; o declínio da escolástica
(século XIV) tem como referência a filosofia de Guilherme de Ockham; o
nominalismo, isto é, corrente que considera os universais como um termo
correspondente a um conceito; isto significando que não se deve supor a
existência das entidades metafísicas, pois estas não explicam a natureza
das coisas particulares, onde somente termos e conceitos são suficientes
para tal fato. Tal questão é retomada por Locke e o seu conceitualismo.74
Portanto, a filosofia moderna inicia com a necessidade de serem
colocados os mesmos problemas filosóficos anteriores, porém, estes
tendo uma nova abordagem, isto é, uma preocupação com a maneira
segundo a qual os temas seriam tratados.
As questões prioritárias na Idade Moderna passam a ser aquelas
de encontrar um método seguro para a filosofia que fosse universalmente
válido, seguro e a prioridade da subjetividade, passando, então, o sujeito
a ser o ponto central de toda discussão moderna. Assim, embora temas
como Deus, a alma, a substância permaneçam, eles são enfatizados de
forma diferente; têm uma ancoragem baseada no sujeito.
Neste contexto, tem-se a filosofia de Descartes; a partir dele,
a filosofia moderna é inaugurada, opondo-se à filosofia medieval e a

74
A teoria que nega a existência de universais é chamada de nominalismo. Para o nominalismo,
existem termos universais, utilizados apenas no uso linguístico que se faz e não em algo
que diz respeito à realidade. No séc. XVII, a teoria das ideias gerais de Locke defendia a
existência dos universais, e ela foi combatida por Berkeley e Hume, que afirmavam ser todas
as ideias particulares. Mesmo admitindo que existam ideias gerais, o nominalismo afirma que
tais propriedades não existem no mundo real, mas apenas na linguagem (nominalismo) ou
mente (conceitualismo).

Ontologia I 61
autoridade da fé, valorizando o poder crítico da razão humana individual.
Embora partindo de um novo enfoque; a subjetividade, a Metafísica
atinge o seu apogeu. Ela tem como representantes disso o sistema de
Descartes, Spinoza e Leibniz.
Em contrapartida, se com os racionalistas da Idade Moderna a
Metafísica atinge o seu ápice, com os empiristas viu-se um questionar,
paulatino, dos seus fundamentos. Neste sentido, tem-se a filosofia de
Locke, Berkeley e Hume.
No entanto, com Kant, no século XVIII, nota-se uma tentativa de
resgatar a Metafísica e colocá-la sobre novas bases. Assim, o objetivo
de Kant é restabelecer o conhecimento racional ou a priori começando
através da pergunta: como é possível a Metafísica como ciência? É
possível conhecer somente através da razão pura? Desta forma, partindo
desse ponto, Kant consegue uma via segura para a Metafísica.

SAIBA MAIS Descartes

Na filosofia
de Descartes:
A Metafísica de Descartes
razão e mundo
são instâncias Contextualização geral
distintas.

Como fonte da modernidade, deparamo-nos com Descartes


(1596 – 1650), cujas formulações teóricas tornaram-se paradigmáticas
e constituem o cerne da emergência da modernidade. Por este motivo
Heidegger afirmou sobre Descartes que este somente poderia ser
“ultrapassável através da ultrapassagem daquilo que ele próprio fundou,
através da ultrapassagem da metafísica moderna, isto é, ao mesmo
tempo da metafísica ocidental.”75
Pelo termo “modernidade” poder-se-ia, seguindo os passos de Lima
Vaz, definir como o “universo simbólico formado por razões elaboradas
e codificadas na produção intelectual do Ocidente nesses últimos quatro
séculos e que se apresentam como racionalmente legitimadas.76” O
fenômeno da modernidade representa o terceiro grande evento intelectual
do Ocidente: o advento da razão moderna. Outra característica ligada
a essa mudança no-la apresenta Étiene Gilson: “A filosofia moderna
foi criada por leigos, não por homens da Igreja, e para dar respostas

75
Martin Heidegger, Caminhos de Floresta, p. 124.
76
Henrique C. de Lima Vaz, Raízes da modernidade, p. 7.
77
Étiene Gilson, Deus e a filosofia, p. 61.

62 UNIDADE 03
à cidade natural dos homens, e não à cidade sobrenatural de Deus.77”
Esse período histórico da filosofia é, pois, marcado pela secularização
do pensamento e, por consequência, pelo distanciamento dos temas
preponderantes da Escolástica.
Esse processo de secularização tem como ponto de partida uma
nova concepção da razão e do homem, e do espaço ocupado por este no
universo. É a razão humana, demasiado humana, para utilizar um termo
de Nietzsche, que caracteriza e impulsiona as novas questões formuladas
no interior da filosofia. Como bem observou Gilson, essa mudança recebe
explícita formulação no Discurso do método de Descartes: “tão logo
a idade me permitiu sair da sujeição de meus preceptores, abandonei
inteiramente o estudo das letras. E, decidido não buscar mais outra
ciência senão a que se poderia encontrar em mim-mesmo, ou bem no
grande livro do mundo”.78
Por razão moderna deve-se entender a mudança operada
na perspectiva da própria razão: esta se eleva como fonte e critério
da verdade, e esta passa a ser compreendida a partir do conceito de
certeza. Em outras palavras: a razão moderna passa a ser a fonte e o
critério constitutivo da verdade, elevando-se atomisticamente em relação
ao mundo e submetendo este aos critérios por ela estabelecidos. É o
período que denominamos “racionalismo-idealismo”. É plausível afirmar
que a pergunta essencial desse período, no qual ainda estamos, seja:
Como é possível o conhecimento?

A Filosofia de Descartes

A partir da filosofia elaborada por Descartes foi instalado o


estranhamento entre razão e mundo, que passaram a ser compreendidos
como duas instâncias absolutamente distintas e, no qual, a natureza
passa a ser mediada pela razão. É a razão que representa o real.
De acordo com Guiraldelli: “Mundo e verdade passam, então, a ser
subjetivados – passam a ser objetos (do conhecimento) enquanto postos
pelo sujeito. Isso é o que os historiadores da filosofia em geral chamam
de ‘subjetivação do mundo’79. Até mesmo o empirismo e o realismo são
herdeiros diretos dessa mudança de perspectiva sobre a razão.
A Metafísica de Descartes radica-se no princípio de que o
conhecimento não procede da contingência, da mutabilidade das coisas

78
DESCARTES, Oeuvres et lettres, p. 131. Doravente OL.
79
Paulo Guiraldelli, Introdução à filosofia, pp. 44 – 45.

Ontologia I 63
extensas ou da experiência oriunda dos sentidos, mas somente da razão.
Entretanto, deve-se ressaltar: não pelos mesmos motivos da razão
clássica, porquanto o conhecimento adquirido pelos sentidos sempre
constituiu um problema na tradição filosófica. A questão é, pois, da
“natureza” da razão, e pode ser resumida à pergunta: que é razão?
Sob a perspectiva do mundo antigo, verdade não era algo
constituído pela razão, ao contrário, era a verdade quem qualificava
e constituía a causa da razão. A partir das mudanças operadas pela
filosofia de Descartes, entretanto, não há mais um critério de verdade
externo, extrínseco e anterior no qual a razão encontra seu ponto de
referência e sua causa. Ao contrário, verdade passa a ser aquilo que é
constituído, construído e reconhecido pela razão. Não é gratuito, pois, que
para Descartes era plausível e matematicamente demonstrável o ideal
uma ciência universal no qual se efetivaria o tríplice ideal da ciência, do
método e da certeza, porquanto a razão passa a ser compreendida como
essencialmente una e, por consequência, uno também o entendimento
que produz a ciência.
Em Descartes, pois, ocorre uma inversão no quadro da metafísica
tradicional, porquanto metafísica passa a ser compreendida em relação
ao sujeito que conhece ou coisa pensante (res cogitans), relacionada aos
primeiros princípios originados do entendimento puro. Metafísica passa a
ser da ordem da subjetividade:
Se o homem torna-se potencialmente sujeito, no sentido daquele
ou daquilo que subjaz, no sentido de fundamento do real, então o
próprio real, como representação, passa a ser necessariamente objeto.
A modernidade é a época marcada pela ciência, cuja base filosófica seria
uma metafísica particular: a ‘metafísica da subjetividade’.80
Assim, pois, o critério de verdade emana e é constituído pela
razão: “Ainda que nosso espírito não seja a medida nem das coisas,
nem da verdade, ele deve seguramente ser a medida do que afirmamos
ou negamos.”81 Em outras palavras, a verdade é gerada pela razão
mesma. Nesse sentido podemos afirmar que o fundamento da verdade é
subjetivo. É o critério oriundo da certeza posta pela coisa pensante que
passa a determinar o que é ou não verdade.
Se, antes, a razão era o efeito da verdade, e por esta avaliada,
com Descartes há uma inversão do processo: a verdade passa a ser o
efeito da razão; noutras palavras: a razão passa a ser a causa da verdade.

80
Paulo Guiraldelli, op. cit., p. 45.
81
OL, p. 1317.

64 UNIDADE 03
Esse princípio cartesiano é levado às últimas consequências pela
filosofia de Immanuel Kant, no processo que este denomina “revolução
copernicana” do conhecimento. Como consequência dessa mudança o
próprio conceito de experiência sofre uma inflexão sobre si mesmo: é
o subjetivo que passa a determinar o que quer que seja, em qualquer
direção do conhecimento: a razão só passa a reconhecer aquilo que ela
mesma supõe e sustenta. Pela matematização do mundo externo (res
extensa), ou seja, o mundo tornado imagem, inteligível, Descartes passou
a conceber a “realidade” enquanto sistema de pensamento submetido à
consciência e, dessa, à razão.
Sob essa nova ótica, o conceito metafísico da unidade da razão
encontra formulação explícita na figura da árvore, contida na Carta-
prefácio dos Princípios da Filosofia: “toda a filosofia é como uma árvore,
donde as raízes são a metafísica, o tronco é a física, e os galhos que
saem de seu tronco são todas as outras ciências, que se reduzem as três
principais, a saber: a medicina, a mecânica e a moral.”82
Contudo, para se atingir essa unidade metafísica do critério de
certeza e, em consequência, da verdade, é necessário um método,
um instrumento para bem conduzir por ordem nossos pensamentos,
eliminando previamente todas as fontes possíveis de erro e incerteza,
vinculadas a duas fontes primárias: os sentidos e a imaginação. O
método de Descartes é exposto, sumariamente, no Discurso do método,
e é composto em quatro passos:
Le premier était de ne recevoir jamais aucune chose pour vrai
que je ne la connuse évidentemment être telle; c’est-à-dire d’éviter
soigneusement la précipitation et la prévention; et de ne comprendre rien
de plus em mês jugements que ce que présenterait se clairement et si
distinctement à mon esprit que je n’eusse aucune occasion de lê mettre
em doute
Le second, de diviser chacune des difficultés que j’examinerais
em autant de parcelles qu’il se purrait et qu’il serait requis pour les mieux
résoudre.
Le troisième, de conduire par ordre mes pensées, en commeçant
par les objets les plus simples et les plus aisés à connaître, pour monter
peu à peu, comme par degrés, jusques à la connaissance de plus

82
OL, p. 566.

Ontologia I 65
composés; et supposant même de l’odre entre ceux qui ne se précèdent
poit naturellement les uns les autres.
Et le dernier, de faire partout des dénombrements si entiers, et des
revues se générales, que je fusse assuré de ne rien omettre...83
Como na infância vivemos sob os domínios desordenados dos
sentidos e da imaginação, adquirimos muitos preconceitos, acentuados
pela tutela de preceptores, aos quais fomos submetidos. Todos esses
fatores contribuem efetivamente para a razão perder sua potência
natural, porquanto embotada pelos sentidos e adestrada por outras
razões, também adestradas, criando um círculo vicioso de heteronomias
que necessita ser rompido.84 Neste sentido, não é gratuita, na primeira
parte do Discurso do Método, a clássica formulação de Descartes:
O bom senso é, das coisas do mundo, a melhor partilhada, pois
cada qual julga estar tão bem provido dele que, mesmo os mais difíceis
de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais
do que já têm. E não é verossímel que todos se enganem nesse ponto;
pelo contrário, isso mostra que a capacidade de bem julgar e distinguir
o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama bom senso
ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e assim que a
diversidade de nossas opiniões não se deve de uns serem mais racionais
que outros, mas tão somente a que conduzimos nossos pensamentos por
vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não basta ter
bom espírito, mas aplicá-lo bem.85
Pelos motivos elencados por Descartes, tornar-se-ia, pois,
imprescindível uma correta metodologia para eliminar previamente
todas as fontes de erros, uma espécie de ascese da razão que permita
desvencilharmo-nos de todos os preconceitos oriundos da experiência
sensível, da imaginação e da heteronomia, fazendo com que nos
refugiemos exclusivamente em nossa razão se, evidente, quisermos

83
OL, pp. 137 – 138. “O primeiro era não aceitar jamais alguma coisa como verdadeira que eu
não conhecesse evidentemente como tal, isto é, evitar com todo o cuidado a precipitação e a
prevenção, e nada incluir em meus julgamentos senão o que se apresentasse de modo tão claro
e distinto ao meu espírito que eu não tivesse nenhuma ocasião para dele duvidar. O segundo,
em dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas parcelas possíveis
e necessárias para melhor resolvê-las. O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos,
iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para, gradativamente, como
por degraus, chegar ao conhecimento dos mais complexos (compostos), e supondo também,
naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros. E o último, em fazer
em cada passo, enumerações tão gerais que me assegurasse de nada ter omitido.” (tradução
livre).
84
OL, pp. 127 – 128.
85
OL, p. 126.
86
Cf. nota 84.

66 UNIDADE 03
chegar à verdade e à certeza,86 porquanto o ser humano entrou ignorante
no mundo, e o conhecimento de seus primeiros anos na infância apoiam-
se sobre a debilidade dos sentidos e sobre a autoridade dos preceptores,
eis o porquê é impossível que a sua imaginação não se encontre repleta
de uma infinidade de falsos pensamentos, antes que sua razão em
potência empreenda a conduta: de sorte que depois terá necessidade de
muito bem natural, ou bem das instruções de algum sábio, tanto para se
desfazer das más doutrinas das quais se preocupou, que para lançar os
primeiros fundamentos de uma ciência sólida, e descobrir todas as vias
pelas quais possa elevar seu conhecimento até aos mais altos graus que
ele possa alcançar.87
Sob a rubrica da teoria metafísica cartesiana, o ser humano deve
empreender a busca pela verdade apenas pelo único fundamento que lhe
é claro e distinto, independente de qualquer critério exterior ao sujeito que
conhece. Por consequência, o critério de verdade se desloca do objeto
para o sujeito cognoscente, no qual o fundamento da verdade encontra-
se latente no intelecto do agente, e do qual a correta aplicação do método
permitiria o acesso à “razão segundo a pureza de sua natureza”88.
Esse deslocamento epistêmico, e seus desdobramentos
posteriores, modificaram a perspectiva ontológica do e sobre o ente,
porquanto a teoria cartesiana não parte das coisas, tais como são
apreendidas pelos sentidos, para chegar à verdade, senão desta para
chegar ao conhecimento das coisas.
Não obstante, voltamos a ressaltar: embora essa perspectiva
pareça, à primeira vista, semelhante à da tradição, dela se distancia
consideravelmente, porquanto não pressupõe nenhuma ideia arquetípica
de orientação gnosiológica, como também não dispõe de uma crença
em um critério extrínseco à razão e, muito menos, que o critério de
racionalidade esteja em conformidade ou congruente com uma ordem em si
distinta da subjetividade89. Em consequência, poder-se-ia plausivelmente
afirmar que a nova configuração de racionalidade “não se define mais em
termos substantivo, segundo a ordem do ser, e sim procedimentalmente,
segundo os modelos de acordo com os quais construímos ordens na
ciência e na vida.”90
Dentre outras consequências, o referido quadro metafísico do

87
OL, p. 879.
88
OL, p.880.
89
Cf. Charles Taylor, As fontes do self, p. 206. Doravante Fontes do self.
90
Fontes do self, p. 206.
91
Cf.: Fontes do self, pp. 209 – 229.

Ontologia I 67
desprendimento da razão, aprofundado posteriormente na filosofia
nominalista ad extremum do self pontual de Locke91, gerou “uma visão
de nós mesmos como consciência pura independente”92, estabelecendo
uma relação hierárquica e dualística entre o mundo das coisas (inclusive
o corpo, coisa entre coisas) e a razão. Por esse motivo, o testemunho dos
sentidos foi desqualificado enquanto critério para se constituir o critério
da verdade. Em outras palavras: o conhecimento advindo do “senso
comum” passou a ser completamente desqualificado quanto aos critérios
estabelecidos pelo conhecimento exato. Eis porque, nesse sentido, a
Metafísica de Descartes implica o “desprendimento em relação ao mundo
e ao corpo e a adoção de uma postura instrumental em relação a eles. É
da essência da razão, tanto especulativa quanto prática, impelir-nos ao
desprendimento.93”
Portanto, na filosofia de Descartes está explícito um dualismo
hierárquico, no qual coisa pensante (res cogitans) e coisa extensa (res
extensa) não compartilham uma e a mesma natureza, mas pertencem
à natureza distinta: o sujeito cognoscente não participa da esfera do
mundo dos objetos e este não participa daquele, duas esferas teórico-
referenciais distintas e não convergentes e no qual a razão tem primazia
sobre a coisa extensa, puro objeto passivo. Cabe ressaltar ainda que o
procedimento do desprendimento racional é “sobretudo uma propriedade
do processo do pensar, e não o conteúdo substantivo do pensamento.94”
Outro aspecto dentro desse novo quadro teórico merece atenção
especial: nessa perspectiva a linguagem não possui um critério intrínseco,
mas está submetida ao serviço do empreendimento da certeza sobre a
verdade, ou seja, a linguagem possui um status puramente instrumental.
Por esses motivos, na perspectiva da Metafísica moderna o mundo se
torna imagem, é objetivado como imagem. Nas palavras de Heidegger,
“A era, que se determina a partir deste acontecimento, não é nova apenas
numa consideração retrospectiva relativamente ao já passado, mas é ela
que se coloca a si mesma propriamente como nova. Ser novo faz parte
do mundo que se tornou imagem.95” Por isso Heidegger é enfático ao
afirmar que na Metafísica, para ele sinônimo da modernidade, há uma
ruptura no quadro de compreensão do mundo. Nesse aspecto, pois, não
tem qualquer sentido opinar que a ciência moderna é mais exata que

92
Fontes do self, p. 225.
93
Fontes do self, p. 205.
94
Fontes do self, p. 220.
95
Caminhos de floresta, p. 115.

68 UNIDADE 03
a da antiguidade. Assim, também não se pode dizer que a doutrina de
Galileu da queda livre dos corpos é verdadeira, e que a de Aristóteles, que
ensina que os corpos leves tendem para cima, é falsa; pois a concepção
grega da essência do corpo, do lugar, assim como a relação entre ambos
assenta numa outra interpretação do ente e condiciona, por isso, um
modo correlativamente diferente de ver e de questionar os processos
naturais96.
Essas mudanças operadas pela emergência da razão moderna
modificaram a perspectiva sobre a filosofia, porquanto esta passou,
gradativamente, a ser compreendida enquanto fundamento das ciências,
ou seja, o cerne da filosofia passou a ser compreendido como teoria do
conhecimento, ou epistemologia. Essa perspectiva é, portanto, crítica em
relação aos fundamentos do conhecimento. Realidade não é aquilo que
enxergamos, provamos, sentimos, cheiramos, ou seja, realidade não é
nada daquilo que percebemos através dos sentidos, mas aquilo que é
apreendido e elaborado pela razão:

Com efeito, tudo o que admiti até agora como o que há


de mais verdadeiro, eu o recebi dos sentidos ou pelos
sentidos. Ora, notei que os sentidos às vezes enganam
e é prudente nunca confiar completamente nos que,
seja uma vez, nos enganaram.97

Em outras palavras: o conhecimento é produzido; melhor, a


experiência de realidade é produzida, ou seja, realidade é tão somente
aquilo que é produto do pensar configurado pela razão, através de
conceitos e ideias, sobremaneira na filosofia de Kant.
Talvez o exemplo da “cera”, contido nas Meditações Metafísicas,
de Descartes, sirva como ilustração às afirmações feitas até aqui:

Tomemos, por exemplo, esta cera. Foi retirada faz


pouco dos favos, ainda não perdeu todo o sabor do
mel, retém um pouco do aroma das flores de onde a
recolheram; sua cor, figura, tamanho são manifestos;
é dura, fria, é fácil tocá-la e, golpeada com os dedos,
produz um certo som; está nela presente tudo o que
parece exigido para que o conhecimento de um corpo
seja distinto.98

96
Caminhos de Floresta, pp. 98 – 99.
97
René Descartes, Meditações sobre filosofia primeira, p. 17. doravante Meditações.
98
Meditações, p. 49.

Ontologia I 69
Observe que o exemplo de Descartes possui todas as
características que podem ser apreendidas pelos sentidos: paladar
(sabor do mel), olfato (o aroma das flores), visão (cor, figura, tamanho),
tato (dura, fria), audição (quando golpeada pelos dedos, produz um certo
som). Aparentemente, tudo o que precisamos para conhecer o objeto em
questão. Nesse aspecto, a realidade e a verdade parecem estar no objeto,
extrínseca, pois, à razão. Aparentemente há uma correspondência entre
as minhas sensações, percepções, e a verdade oriunda destas. Contudo,
o exemplo continua:

Mas, eis que, enquanto falo, ela é levada para perto do


fogo: o que restava de sabor se desvanece, o aroma
se dissipa, a cor muda, desfaz-se a figura, o tamanho
aumenta, torna-se liquida, fica quente, pode apenas ser
tocada e, se a golpeio, já não produz nenhum som. A
mesma cera ainda remanesce? Deve-se confessar que
remanesce, ninguém o nega, ninguém pensa de outra
maneira99.

E, continua, “Que havia nela, portanto, que era compreendido tão


distintamente? Nada, por certo, do que eu atingia pelos sentidos, pois,
tudo o que caía sob o gosto ou o olfato ou a vista ou o tato ou o ouvido já
se modificou: e, a cera remanesce.” Eis o problema: embora não possa,
sob os sentidos, saber se trata ou não do mesmo objeto, devo confessar
que é, efetivamente, a mesma cera antes de ser levada ao fogo. Mas,
como posso saber se meus sentidos não são mais testemunhos do
objeto? Se não o reconheço mais sob o ponto de vista dos sentidos,
como posso afirmar que é o mesmo objeto? Realidade, pois, não é
aquilo que se apresenta e é capturada pelos sentidos, mas aquilo que é
constituído e construída na razão. Ou seja, a “compreensão não pode ser
alcançada pela faculdade de imaginar.”100 Essa perspectiva é reforçada
pelo exemplo oriundo da astronomia:

mesmo que [as ideias] procedessem de coisas


diversas de mim, disto não se seguiria que devessem
ser semelhantes àquelas coisas. Ao contrário,
frequentemente me pareceu notar em muitas uma
grande discrepância entre o objeto e sua idéia. É o

99
Meditações, p. 49.
100
Ibid., p. 51.

70 UNIDADE 03
caso, por exemplo, das duas ideias diversas do sol que
encontro em mim: uma, como que haurida dos sentidos,
– e que há de ser listada, como a que mais o seja, entre
as que reputo adventícias, – pela qual o sol me parece
muito pequeno; e a outra, tirada em verdade das razões
da Astronomia, – isto é, obtida de noções que me são
inatas ou, de algum modo, feitas por mim, – pela qual
o sol se mostra várias vezes maior do que a terra. É
seguro que essas duas ideias não podem ser uma e
outra semelhantes ao mesmo sol existente fora de mim.
E, a razão me persuade de que a que mais diretamente
parece dele emanar é a que menos se assemelha. Tudo
isso demonstra suficientemente que não foi a partir de
um juízo certo, mas somente por algum impulso cego,
que até agora acreditei na existência de coisas diversas
de mim, as quais, por intermédio dos órgãos dos sentidos
ou por um outro modo qualquer, enviavam suas ideias
ou imagens para dentro de mim e ali imprimiam suas
similitudes.101

A imaginação, porque vinculada aos sentidos, não pode ser o


critério para o conhecimento claro e distinto. Descartes chegou mesmo a
afirmar que “nada do que posso compreender com a ajuda da imaginação
pertence ao conhecimento que tenho de mim”102, e, consequentemente,
nada das coisas extensas, externas à razão, à “coisa pensante” (res
cogitans). A causa do conhecimento é intrínseca à razão, procede da
razão; nas palavras de Descartes, a causa eficiente do conhecimento:
“é manifesto à luz natural que na causa eficiente e total deve haver pelo
menos tanto quanto há em seu efeito. Pois, pergunto, de onde o efeito
poderia receber sua realidade senão da causa? E, como esta poderia
lhe dar, se não a possuísse também?”103 Em outras palavras: “sei que
os próprios corpos são percebidos não propriamente pelos sentidos ou
pela faculdade de imaginar, mas, pelo intelecto somente.”104 Conhecido
é apenas aquilo que é produzido pela razão. É a essa perspectiva que
denominamos idealismo e a pergunta central é: como podemos ter acesso
às ideias e qual a relação destas com as coisas? Sob certo aspecto o
idealismo sustenta que:

101
Ibid., pp. 73 e 75. Os negritos são aditamentos da tradução francesa ao texto originário
latino.
102
Ibid., p. 45.
103
Ibid., p. 75.
104
Meditações, p. 57.

Ontologia I 71
Todas as propriedades que caracterizam existentes
físicos assemelham-se a propriedades sensoriais
fenomenais ao representar disposições para afetar, de
certa maneira, criaturas dotadas de mente, de modo que
essas propriedades não têm existência sem referência
às mentes.105

Nas palavras de Heidegger é a interpretação do ente e da verdade


por Descartes é o que cria o pressuposto para a possibilidade de uma
teoria ou metafísica do conhecimento. Só Descartes coloca o realismo
na situação de provar a realidade do mundo exterior e de salvar o ente
em si.106
Entretanto, o racionalismo-idealismo gera um problema: como
posso passar da razão ao mundo, uma vez que ambos são, absolutamente,
distintos? Como posso verificar se o conhecimento produzido diz respeito
à coisa extensa? Como a correspondência entre coisa pensante e coisa
pensada pode ser garantida? A resposta de Descartes ao problema do
solipsismo e do dualismo gerados pelo cogito foi Deus, ou argumento
ontológico. Este, na metafísica de Descartes, representa uma adequação,
uma ponte que liga o cogito ao mundo, uma ponte que garante a passagem
das hipóteses do cogito à “verdade” do mundo: “a certeza de todas as
outras coisas dependem desse conhecimento [a existência necessária
de Deus], de modo que, sem ele, nada pode ser jamais perfeitamente
conhecido.107
O argumento da prova da existência de Deus em Descartes
encontra referência e está assentado na perspectiva da física mecanicista
do mundo:

isto é ilustrado pela comparação com uma máquina


muito perfeita, cuja ideia está na mente de algum
artífice. Pois, assim como o artifício objetivo dessa ideia
deve ter alguma causa, – ou a ciência de seu artífice ou
de outrem, de quem a recebeu, – da mesma maneira, a
ideia de Deus, que está em nós, não pode não ter Deus
ele mesmo por sua causa.108

105
Robert Audi, Dicionário de filosofia de Cambridge, pp. 491 – 492.
106
Caminhos de Floresta, p. 123.
107
Meditações, p. 69.
108
Meditações, pp. 59 – 61.

72 UNIDADE 03
Aqui haveria, conforme interpretação feita por Gilson, uma
considerável diferença entre a perspectiva do Deus da escolástica e a
de Descartes: o Deus de Descartes é uma infinita e poderosa fonte de
existência. E não é difícil perceber por quê. Como a única função filosófica
do seu Deus era ser uma causa, o Deus cartesiano tinha de possuir todos
os atributos para o criador do mundo cartesiano.109
Cabe ressaltar, embora as críticas de Gilson, que a prova da
existência necessária de Deus na filosofia de Descartes possui uma
centralidade explícita. De acordo com Fraile:
1º. Deus é a unidade suprema, o ponto de unificação ao qual tende
a multiplicidade dos seres, e no qual encontram sua explicação.
2º. É a causa de todos os seres, o creador110 do mundo e o
conservador de todas as coisas.
3º. É o autor da natureza e das leis imutáveis que a regem, nas
quais se baseia nossa ciência do universo sensível.
4º. É a causa e a garantia de nossas ideias inatas, que para
Descartes são as únicas verdadeiras.
5º. Não somente garante nossas ideias claras e distintas, senão
também nossos juízos e o processo da dedução e da demonstração111.
Sobre o argumento ontológico na obra de Descartes, deve-
se ressaltar, ainda, que o conceito de substância, não obstante a
autossubsistência, incluindo o cogito, está vinculado à dependência do
conceito da existência necessária de Deus enquanto fonte de existência.
Como explica Descartes nos Princípios de filosofia, por substância não se
deve entender “nenhuma outra coisa senão a que existe de tal maneira
que não necessita de nenhuma outra para existir”.
O argumento de Descartes sobre a substância apresenta dois
níveis: Deus, que na ordem ontológica é causa sui, ou seja, única
substância que não necessita de nenhuma outra coisa para existir, em
outras palavras, é “mantido e conservado por seu próprio poder”112 ; e o
cogito e as substâncias corpóreas em geral, que necessitam do concurso
de Deus para existirem.113

109
Étienne Gilson, Deus e a filosofia, p. 68.
110
Embora em desuso, o termo creador é o verbo adequado ao conceito de Deus. Creador
é a causa eficiente que gera e mantém todas as criaturas, inclusive criadores. Criador, ao
contrário, e um termo que se usa para aqueles que cuidam da vida – criador é, pois, criatura
entre criaturas, não a causa da vida e da existência. O espanhol conserva essa distinção, por
isso resolvi manter o verbo, além da explicação oferecida.
111
Guillermo Fraile, Historia de la filosofia, vol. III, p. 522.
112
OL, p. 594.
113
Cf. OL, pp. 594 – 595.

Ontologia I 73
Em outras palavras: as substâncias criadas, embora sejam
autossuficientes, dependem e se conservam sob privações, porquanto
necessitam de Deus enquanto “infinita e poderosa fonte de existência”.
Ou seja, o que se retém do conceito do cogito, como substância criada,
é o conceito de substância enquanto modalidade da existência. Sob
esse aspecto, o cogito, substância pensante, designa uma forma de
autossuficiência autônoma no interior da criação sustentada por Deus,
pois, conforme Descartes:

Na ideia ou conceito de cada coisa, a existência é


contida, porque não podemos nada conceber senão sob
a forma de uma coisa que existe; mas com a diferença
que, conforme o conceito de uma coisa limitada, a
existência possível ou contingente é somente contida,
e no conceito de um ser soberanamente perfeito, a
perfeição é necessária e é contida.114

SAIBA MAIS
Spinoza
Aspectos
fundamentais Baruch Spinoza nasceu em Amsterdã (1632-1677); ele é um
da filosofia de
Spinoza:substância filósofo de inspiração racionalista e monista. Embora tenha influência
modos e atributos de Descartes, em sua obra principal, Ética, pode-se constatar um
distanciamento das teses cartesianas.

Ética e Ontologia

O principal livro de Spinoza é a Ética115: demonstrada pelo método


geométrico116 (texto escrito de 1665 a 1675); ele começa com um capítulo
sobre ontologia. Nestes termos, esta obra fundamenta a ética sobre uma
ontologia, ou seja, ela inicia com a questão do Ser; da substância (tema
metafísico por excelência). No livro II, Spinoza trata do problema do
conhecimento; algo que não pode ser dissociado da sua ontologia. O
livro III, por sua vez, concentra o núcleo da ética spinoziana, onde são
tratados temas como: o bem, o mal, o vício e a virtude. Neste texto, ele
faz uma análise da natureza humana atingindo, por causa disso, uma
ética, onde esta parte do conhecimento. Aqui se encontram entrelaçadas:
ontologia, ética e epistemologia, gerando, assim, uma unidade filosófica.

114
OL, p. 395.
115
Livro composto de cinco partes.
116
Daqui em diante o livro de Spinoza será chamado de Ética.

74 UNIDADE 03
O método da Ética pode ser considerado como um procedimento
que parte de demonstrações, axiomas, proposições e explicações. Pode-
se afirmar que é um método, genuinamente, matemático ou, como diz
o subtítulo do livro, geométrico. Sendo assim, Spinoza, ao adotar uma
forma matematizante de abordagem, rejeitou o procedimento silogístico
(formal e abstrato), priorizando o rigor e a objetividade.
Desta maneira, a ideia de uma única substância é a base
ontológica da filosofia de Spinoza, onde o tripé fundamental é constituído
pela substância, pelos atributos e pelos modos, onde Spinoza afirma que
”... tudo o que existe, existe em si ou noutra coisa...”117. Neste sentido,
a substância (Deus ou Natureza) é infinita, única; porquanto Spinoza,
utilizando-se do argumento ontológico, afirma:

...A substância não pode ser produzida por outra coisa


(...); por conseguinte, será causa de si mesma, isto é, a
sua essência envolve necessariamente a existência, ou,
por outras palavras, o existir pertence à sua natureza...
118


Neste contexto, Deus manifesta a sua essência em formas
que são os atributos, isto é, a extensão e o pensamento (substâncias
criadas). Estes são os únicos conhecidos pelo homem, embora Deus
seja a substância que consta de infinitos atributos.
Deus, também, manifesta a sua essência através dos modos (do
latim modus = maneira) que são as afecções da substância, ou seja, aquilo
que é em outro e que é concebido através do outro como, por exemplo,
os simples pensamentos, as manifestações empíricas e as coisas
extensas. Os modos só podem ser concebidos por meio dos atributos.
Os modos são finitos (por exemplo: simples pensamento) e infinitos (por
exemplo: o intelecto infinito, a vontade divina, a quietude, o movimento
e o mundo como totalidade). Os modos infinitos são imediatos (derivam
imediatamente da natureza dos atributos como, por exemplo, o intelecto
infinito, o movimento e o repouso) e mediatos (formam a essência imutável
das coisas mesmas; são as possibilidades cuja atualização constitui a
coisa como existente). Os modos infinitos mediatos e imediatos estão
entre os atributos (infinitos por definição) e modos finitos. Neste sentido,
como tudo está em Deus, segundo Spinoza:

117
SPINOZA, Ética, p. 79.
118
Ibidem, p. 83.

Ontologia I 75
...As coisas particulares não são mais que afecção dos
atributos de Deus, ou, por outras palavras, modos pelos
quais os atributos de Deus se exprimem de maneira
certa e determinada (...) Deus não é somente causa
eficiente da existência das coisas, mas também da
essência delas...119

Nesta perspectiva, todo ser individual deve ser considerado sob o
ponto de vista do pensamento. Assim, corpo e alma são referentes a uma
única substância, embora:
...nenhum ser finito resulte diretamente de Deus, mas tudo
dele resulta indiretamente, então deve existir ainda entre Deus, como
a substância infinita, e os diversos modos, um elo intermediário. Qual
é o elo? (...), por exemplo, (...) Um determinado quadrado na área é
determinado pelos quadrados vizinhos que o envolvem. Estes, por sua
vez, são determinados por seus quadrados envolventes. Se formos
assim sempre em frente, terminaremos por nos deparar com o conjunto
infinitamente grande de todos os quadrados possíveis, um conjunto que
permanece o mesmo, qualquer que seja a forma como a divisão da área
seja feita. Esta soma absoluta de todos os modos é chamada por Spinoza
de modificação infinita, e ela resulta imediatamente de Deus...
Cabe ressaltar que o infinito só faz gerar o infinito e o finito é
gerado pelo finito, Spinoza afirma:

Qualquer coisa singular, ou, por outras palavras,


qualquer coisa que é finita e tem existência determinada,
não pode existir nem ser determinada à ação se não
é determinada a existir e a agir por outra causa, a
qual é também finita e tem existência determinada;
e, por sua vez, esta causa também não pode existir
nem ser determinada à ação por outra causa, a qual
também é finita e tem existência determinada, e assim
indefinidamente...120

Spinoza não deixa clara a origem dos modos finitos e afirma:

...isto não pode resultar de Deus ou de qualquer atributo


seu, enquanto é afetado por uma modificação que é
eterna e infinita, por consequência, deve resultar, ou
por outras palavras, ser determinado a existir e a agir,

119
Ibidem, p. 104.
120
Ibidem, p. 105.

76 UNIDADE 03
de Deus ou de algum atributo dele, enquanto é afetado
por uma modificação que é finita e tem existência
determinada (...) esta causa ou este modo deve também
ter sido determinado por outra, que é também finita e
tem existência determinada, e por sua vez esta última
é determinada por outra, e assim sucessivamente ao
infinito... 121

Desta forma, Spinoza apenas diz que os modos finitos derivam


uns dos outros em uma série infinita, onde isto significa que um finito tem
como causa última Deus; em contrapartida, Ele é a causa imediata das
coisas infinitas122. Embora os modos finitos não venham imediatamente
Dele, não poderiam proceder de outra instância. Logo, é Deus a causa
última dos modos finitos, entretanto estes são afetados por outras causas
finitas e, assim, indefinidamente. Desta forma, o infinito geraria somente
o infinito e o finito somente o finito. Aqui cumpre salientar que Spinoza
encontra-se em uma aporia, pois não torna claro como apareceu o finito
dentro do contexto da infinitude. No entanto, sendo Deus causa imanente
e não-transitiva, ele é inseparável das coisas que procedem Dele:
...Tudo o que existe em Deus deve ser concebido por Deus, pelo
que Deus é a causa das coisas que nele existem (...) fora Deus não pode
haver substância alguma, isto é, uma coisa que, fora de Deus, exista em
Deus (...), por conseguinte, Deus é a causa imanente de todas as coisas,
e não causa transitiva...
Assim, Deus age em si mesmo e nada existe fora dele, onde Ele é
causa imanente, isto é, produz efeito em si mesmo. Em contrapartida, a
causa transitiva é aquela que produz efeito fora de si. Portanto, como tudo
está em Deus, por este motivo, Ele é causa imanente e não transitiva.
O mundo, por sua vez, é conhecido como consequência necessária
de Deus, é natura naturada (efeito) e tem como causa a natura naturans
(Deus), onde tal efeito mantém a sua causa como imanente; a causa, por
sua vez, também, já tem como imanente os seus efeitos. Spinoza afirma
que:

O que entender-se por Natureza Naturante e por


Natureza Naturada (...) Natureza Naturante o que existe
em si e é concebido por si, ou, por outras palavras,

Ibidem, p. 106.
121

Aqui cumpre ressaltar que Leibniz afirma que este aspecto da teoria de Spinoza tem
122

decorrências absurdas, porquanto as coisas jamais procederiam de Deus; oferecendo Ele,


apenas, uns princípios absolutos e gerais.

Ontologia I 77
aqueles atributos da substância que exprimem uma
essência eterna e infinita, isto é, Deus, enquanto
é considerado como causa livre. (...) Por Natureza
Naturada, porém, entendo tudo aquilo que resulta
da necessidade da natureza de Deus, ou, por outras
palavras, de qualquer dos atributos de Deus, isto é,
todos os modos dos atributos de Deus, enquanto são
considerados como coisas que existem em Deus e não
podem existir nem ser concebidas sem Deus...123

O mundo, então, é dado através dos modos (finitos; infinitos).


Todos os modos têm uma relação com dois atributos infinitos (res cogitans
e res extensa); porquanto o homem só conhece esses dois.
Sendo assim, Deus é causa imanente e não transcendente
do mundo, porquanto nada existe além de Deus; tudo está Nele.
Portanto, o mundo das ideias de Platão tem, na filosofia de Spinoza,
um significado novo, porque as coisas não são cópias das ideias; elas
procedem necessariamente de Deus; onde a coisa extensa e pensante,
diferentemente de Descartes, não são substâncias, mas atributos de
uma mesma substância, embora conservem as suas características
peculiares.
Neste contexto, a ética spinoziana é imanente à constituição dos
entes, implicada na própria natureza das coisas, fundamentando, assim,
uma ontologia e uma epistemologia. A ética spinoziana não é puramente
racional como a de Descartes, porquanto, para Spinoza, a res pensante
e a res extensa são atributos igualmente essenciais, indissociáveis da
substância, onde não há hierarquia de um sobre o outro. Sendo assim, o
conhecimento é algo que engloba os sentidos e que parte do conhecimento
particular para aquilo que é geral; embora esta generalidade não se
apresente como uma universalidade.
Desta forma, a ética se apresenta a partir de uma compreensão
epistemológica da natureza ontológica das coisas. Essa natureza, por
sua vez, é a mesma para as coisas e para o todo, onde as coisas são
modos de ser e, assim, a substância é única, os indivíduos são modos e
a extensão e o pensamento são atributos de uma única substância.
Então, só há uma substância; ela é Deus: a causa de si, em si e
por si. Assim, Ele é uma substância única, causa de si, ou seja, é o em
si e por si. Por este motivo, é uma realidade existente necessariamente
e as suas criações não existem fora dela. As coisas são criadas pela

123
Ibidem, p, 108.

78 UNIDADE 03
substância e na substância. Elas são constituídas essencialmente da
substância, sendo denominadas de modificações ou modos da substância.
Assim sendo, como todas as coisas são advindas de Deus, pensamento
e extensão são dois atributos essenciais da substância. Portanto, Deus
é o todo; é a substância de todas as coisas da natureza, onde esta, por
sua vez, é concebida como matéria e pensamento.
O homem, por sua vez, é um modo de ser da Natureza, de Deus;
no ser humano, embora corpos e pensamentos sejam distintos; a sua
mente e o seu corpo não se separam, sequer hierarquicamente. Assim
sendo, o ser humano não é algo que pensa, mas algo que tem afecções.
O homem não é só razão; ele não é separado do mundo nem das coisas.
Isto é que faz gerar o conhecimento. Assim, a razão não é separada do
corpo nem dos sentidos.
Deus ou a Natureza são sinônimos; significam substância que
engloba tanto o mundo sensível quanto o mundo inteligível, onde estes
são atributos de uma mesma e única substância que a tudo constitui.
Assim sendo, não há nada fora da substância; ela é infinita.
Os atributos da Natureza são: o pensamento e a extensão,
onde entre eles não há hierarquia de um em relação ao outro; eles são
indissociáveis, embora distintos.
Desta forma, na concepção ontológica do real como substância
única, o pensamento e a extensão não são dissociados.
Deste modo, a natureza de algo não está fora deste algo. A
natureza de algo diz respeito à sua constituição, onde o pensamento e a
extensão advêm de uma única substância.
Enfim:

...A Ética é uma ontologia universal, uma lógica e


uma antropologia. Uma ontologia universal, porque
é a teoria do Ser; uma lógica, porque a teoria do
Ser é a explicitação da inteligibilidade deste Ser;
uma antropologia, porque define o ser humano. Se
conhecer é conhecer pela causa, o homem só poderá
ser conhecido se forem explícitas as causas de sua
essência, de sua existência e de sua ação. A causa
da sua existência singular é a existência de outros
homens singulares que o produzem. A causa de sua
essência é Deus: o homem é uma modificação (modus)
dos atributos divinos, pensamento e extensão. (...) a
Ética é a definição do ser do homem tal como ele é.

124
Marilena Chauí, “Espinosa: vida e obra” in: Espinosa, p. XVII.

Ontologia I 79
Assim procedendo, Espinosa recupera o sentido grego
do ethos: modo ou maneira de ser...124

Leibniz

A filosofia de Leibniz é racionalista-construtiva. Ele busca um


método seguro para a Metafísica, tentando superar o dualismo cartesiano,
encontrando, para isto, um recurso em Aristóteles. Leibniz utiliza a noção
aristotélica de Enteléquia, ou seja, força originária de cada coisa; onde,
SAIBA MAIS baseado nesta, ele encontra o ponto de partida para apreensão de uma
unidade como unidade. Assim, o tema fundamental da teoria leibniziana
Aspectos
é a relação entre a unidade e a multiplicidade, pois, para ele, a solução
fundamentais
da filosofia de de Spinoza não satisfaz, tendo em vista que a sua noção de substância
Leibniz: mônada; conduz a um panteísmo.
elementos
Em 1714, Leibniz elabora um texto pequeno, mas complexo, com
metafísicos,
forças. noventa teses, que é intitulado de Monadologia. Embora ele tenha uma
obra extensa, a Monadologia expressa com clareza e profundidade todo
o sistema metafísico do citado filósofo.
A teoria leibniziana sofreu, basicamente, influências de Aristóteles,
dos escolásticos e de Descartes125. Do cartesianismo recebeu a herança
de tentar fornecer ao mundo uma explicação dentro dos moldes
matemáticos; do aristotelismo e da escolástica, a concepção que afirma
ser o universo organizado de maneira teleológica126. Essas doutrinas
foram sintetizadas no pensamento de Leibniz através da noção de Deus
como unidade que dela são deduzidos princípios sobre o mundo, sobre
a ética e sobre o homem.

Monadologia

Todo o sistema monadológico leibniziano tem a concepção de


mônada como núcleo central.
As mônadas, para Leibniz, são substâncias simples (sem partes,
indivisíveis), são forças e não matéria; são elementos metafísicos, são
Enteléquias (contém em si certa perfeição), onde a prova dessas suas
características ocorre através do existir dos compostos, ou seja:

125
Embora Leibniz tenha influências de Descartes, ele tem uma concepção de mundo oposta
ao cartesianismo. Descartes é dualista, Leibniz é monista.
126
Tudo o que acontece, acontece para cumprir determinados fins.

80 UNIDADE 03
...Visto que há compostos, é necessário que haja
substâncias simples, pois o composto é apenas a
reunião ou aggregatum dos simples. Ora, onde não há
partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade
possíveis, e, assim, as Mônadas são os verdadeiros
Átomos da Natureza, e, em uma palavra, os Elementos
das coisas...127

Assim, como há compostos (algo divisível), há, também, simples


(algo indivisível); estes, por sua vez, formam os compostos. A partir de
tal constatação, pode-se afirmar que as mônadas não têm extensão nem
figura e nem divisibilidade; elas são os simples que formam os compostos.
Leibniz, então, parte da constatação dos entes compostos (multiplicidade)
para provar a existência das mônadas (a unidade) juntamente com as
suas características, tais como: substância (aquilo que é, permanece)
e simples (sem divisão). Assim, as mônadas formam os compostos, isto
levando a constatar que há algo de simples nos compostos; no divisível,
há uma indivisibilidade.
As mônadas, além de sua simplicidade, elas não se dissolvem;
não começam nem terminam, por conseguinte:

...Delas não há a temer qualquer dissolução: é


inconcebível que uma substância simples possa perecer
naturalmente. Pela mesma razão, é inconcebível que
uma substância simples possa começar naturalmente,
pois não poderia formar por composição. Assim,
pode dizer-se que as mônadas só podem começar
ou acabar instantaneamente ou, por outras palavras,
só lhes é possível começar por criação e acabar por
aniquilamento, ao passo que todo o composto começa
e acaba por partes...128

Assim como as mônadas não começam e não acabam por


composição, elas, também, no seu interior, não são modificadas por
nenhuma coisa e Leibniz afirma que as mônadas não têm portas nem
janelas; contrariamente aos compostos, nenhum movimento interno
pode ser alterado por algo exterior; como ela não tem partes; não pode
acontecer o movimento tal qual ocorre nos compostos onde estes se
deixam afetar pelo exterior e Leibniz complementa:

127
LEIBNIZ, Monadologia, p. 106
128
Ibidem, p. 106.

Ontologia I 81
...Os acidentes não podem destacar-se, nem passar fora das
substâncias, como outrora as espécies sensíveis dos Escolásticos.
Assim, nem substância, nem acidente podem vir de fora para dentro da
mônada...
As mônadas têm qualidades, por este motivo elas diferem entre
si, porquanto na natureza não há dois seres iguais. Elas, também, estão
sujeitas às mudanças, onde estas ocorrem devido a um princípio interno
contido na própria mônada, isto é ocasionado porque como ela não
se deixa influenciar por nada externo, o que justifica a sua mudança,
só pode ser algo interno. Porém, na mônada há algo que muda e algo
que permanece. Este algo que envolve a multiplicidade na unidade,
realizando uma mudança natural gradativa, chama-se Percepção
(representação). As mônadas, também, têm apetição (vontade); elas são
Autômatos incorpóreos, porquanto têm uma suficiência (autárkeia). No
entanto, as representações nas mônadas podem não vir acompanhadas
de consciência, então:
Se quisermos chamar de Alma a tudo o que tem percepções e
apetências (...), todas as substâncias ou mônadas criadas poder-se-iam
chamar Almas. Mas (...) concordo em ser suficiente a designação geral
de mônadas e enteléquias para as substâncias simples possuidoras
apenas desta percepção, e que se denominem Almas somente aquela
cuja percepção é mais distinta e acompanhada de memória...
Desta forma, há diferença entre as mônadas: aquelas que só têm
percepção (representação de todo o universo) e apetição são chamadas
de mônadas simples; em contrapartida, as que têm apetição, percepção
e memória são as Almas; estas estão presentes nos animais e enquanto
aquelas, nos outros seres da natureza (como por exemplo, pedras, rios,
plantas). Por fim, as mônadas que têm a capacidade de percepção,
apetição, raciocínio e apercepção (consciência) são chamadas de
Espírito; estas estão presentes nos homens; embora, às vezes, eles,
também, não têm consciência das suas representações. No entanto, nos
seres humanos há a presença de todos os tipos de mônadas como, por
exemplo, as mônadas das pedras, porquanto elas são forças e vivem em
constante movimento umas com as outras. Porém, em cada tipo de ente
há uma enteléquia dominante, ou seja, nos animais (Alma), nos homens

129
O espírito faz com que o homem pense no Ser, na substância, no simples, no composto,
no imaterial, em Deus e faz com que o homem tenha o conhecimento das verdades eternas
como, também, alcance a Razão e as ciências.
130
Uma criatura é mais perfeita que a outra se ela encontra a causa priori - relativo à razão- do
que se passa em outra criatura. Neste sentido, ela atua sobre a outra.

82 UNIDADE 03
(Espírito129), nos outros seres (mônada bruta).
Aqui cumpre ressaltar que como todas as mônadas representam
todo o universo, elas podem formar todos os tipos de corpos, sem
afetar o nível de perfeição130 de cada um, porquanto embora todos os
tipos de mônadas formem todos os corpos e almas, para cada tipo de
viventes, criaturas e animais há uma enteléquia dominante; isto é que
vai apontar as diferenças entre os seres. Daí, pode-se inferir o princípio
dos indiscerníveis, ou seja, na natureza não existem duas coisas iguais.
Portanto, o princípio dos indiscerníveis, da continuidade (nada no
universo acontece através de rupturas, pois as mônadas são forças e,
como tal, estão em constante movimento) e da razão suficiente (tudo na
natureza tem uma razão para ser da forma que é e não de outra forma),
eles mudam o estado da metafísica, porquanto explica a individualidade
de cada substância como, também, a variedade das substâncias e da
harmonia no universo.
Há, também, uma unidade primitiva de onde todas as mônadas
derivam: Deus. Portanto:
...Só Deus é a unidade primitiva, ou a substância simples originária
de que todas as mônadas são criadas ou derivadas; são produções e
nascem de momento a momento, digamos assim, por Fulgurações
contínuas da Divindade (...) Há em Deus a Potência, origem de tudo;
depois o Conhecimento, contendo a particularidade das ideias; por fim
a Vontade, que provoca as mudanças ou produções segundo o princípio
do melhor.131 (...) Em Deus esses atributos são infinitos e perfeitos,
nas mônadas criadas ou nas enteléquias não passam de imitações
proporcionais à perfeição nelas contidas...132
Além de Deus ser a substância criadora, Ele é o responsável pelo
que Leibniz denomina de harmonia preestabelecida, isto é, aquilo que
faz com que as mônadas constituam corpos com certas formas e não de
maneira desordenada. Então, poderia se perguntar: já que as mônadas
são definidas como força e vivem em constante movimento, como elas
adquirem formas? Por que existe uma relação da alma e do corpo se
ambos são distintos? Para tudo isto, Leibniz responde:
...A alma segue as suas próprias leis, e o corpo também as
suas, e se ajustam devido à harmonia preestabelecida entre todas as
substâncias, pois todas são representações de um só universo. As almas

131
Para Leibniz, na mente de Deus, há vários mundos possíveis que podem existir sem con-
tradição; Deus escolheu o mundo em que vivemos por ser ele o melhor dos mundos pos-
síveis.
132
Ibidem, p.110.

Ontologia I 83
atuam por apetições, fins e meios, segundo as leis das causas finais.
Os corpos, segundo as leis das causas eficientes ou dos movimentos.
E ambos os reinos, o das causas eficientes e o das causas finais, são
harmônicos entre si...
Assim, para Leibniz, Deus, que é substância necessária, é a
Razão suficiente de todas as coisas que existem no mundo. Leibniz,
então, prova a existência de Deus através do argumento ontológico e
afirma:
...Pois se há alguma realidade nas essências ou possibilidades,
ou então nas verdades eternas, é absolutamente necessário fundar esta
realidade em algo existente e atual, e, por conseguinte, na existência do
Ser necessário, em que a essência contém a existência, ou no qual é
suficiente ser possível para ser atual. Assim, só Deus (ou o Ser necessário)
possui este privilégio: se é possível tem de existir necessariamente. Ora,
como nada pode impedir a possibilidade do que não tem qualquer limite,
qualquer negação e, por conseguinte, contradição, isto é suficiente para
se conhecer a priori133 a existência de Deus. Demonstramo-la, também,
pela realidade das verdades eternas, mas igualmente acabamos de
prová-las134 a posteriori135 pela existência de seres contingentes, que não
podem ter a razão última ou suficiente senão no ser necessário, que em
si mesmo possui a razão de existir...136
Assim, constata-se em Leibniz o ideal da pura racionalidade, onde
o dualismo cartesiano é descartado, embora na filosofia leibneziana ainda
se continue enfatizando a matemática como uma forma de raciocínio
rigoroso que tratará de forma semelhante corpos e almas como ambos
SAIBA MAIS pertencentes a uma realidade que tem como paradigma apenas o
aspecto racional. Com Leibniz, tal qual Spinoza, a Metafísica atingiu o
Aspecto
fundamental da seu apogeu, no sentido de, tanto um quanto o outro privilegiarem a razão
filosofia de Locke: em detrimento da experiência.
crítica ao inatismo.
Para ele somos um
quadro em branco Locke
que é preenchido
ao longo da vida. O problema do conhecimento

131
Relativo à razão.
132
Prova: se as criaturas têm uma natureza imperfeita, devem suas perfeições à influência
divina.
133
Relativo à experiência.
134
Ibidem, p. 109.
135
Relativo à experiência.
136
Ibidem, p. 109.

84 UNIDADE 03
O empirismo inglês tem o seu início com Locke. O ponto de partida
da filosofia lockeana é investigar sobre o problema do conhecimento, com
isto, a Metafísica sofre o seu primeiro abalo quando Locke, ao procurar
a origem e o alcance do conhecimento, critica o princípio de identidade,
o princípio de contradição e a existência das ideias inatas. Locke afirma
que:

...O acordo universal não prova o inatismo. O argumento


derivado do acordo universal comporta o seguinte
inconveniente: se for verdadeiro que existem certas
verdades devido ao acordo universal entre os homens,
isto deixará de ser uma prova de que são inatas, se
houver outro meio qualquer para mostrar como os
homens chegam a uma concordância universal acerca
das coisas merecedoras de sua anuência. Suponho
que isso pode ser feito. (...) Mas, o que é pior, este
argumento da anuência universal, usado para provar
princípios inatos, parece-me uma demonstração que tal
coisa não existe, porque nada é passível de receber
de todos os homens um assentimento universal.
Começarei pelo argumento especulativo, recorrendo a
um dos mais glorificados princípios da demonstração,
ou seja, “qualquer coisa que é, é” e “é impossível para a
mesma coisa ser e não ser”, por julgá-los, dentre todos
os que mais merecem o título de inatos. Estão, ademais,
a tal ponto com a reputação firmada de máximas
universalmente aceitas que, indubitavelmente, seria
considerado estranho que alguém tentasse colocá-
las em dúvida. Apesar disso, tomo a liberdade para
afirmar que estas proposições se encontram distantes
de receber um assentimento universal, pois não são
conhecidas por grande parte da humanidade.... 137

Aqui é conveniente ressaltar que como o pensamento cartesiano


predominava na filosofia europeia, Locke tentou, então, combater os
alicerces de tal teoria, negando para a alma qualquer ideia138 que fosse
inata; assim nem princípios lógicos (princípio de identidade; de não-
contradição) nem princípios morais seriam ideias inatas, pois se elas
assim o fossem, as crianças e os idiotas teriam uma concepção delas.
Assim, para Locke, a alma era como um papel em branco
(tábula rasa); todas as palavras, todos os conceitos, todos os princípios

137
LOCKE, Ensaio acerca do entendimento, p.146.
138
Ideia, para Locke, é o que é objeto do entendimento quando o homem pensa. Tudo o que
se passa na mente do homem.

Ontologia I 85
abstratos, todos os princípios universais são adquiridos, onde os seus
conteúdos deveriam ser preenchidos pela experiência. No entanto, o que
é experiência? O que isto significa? Locke ampliou o significado do termo
experiência, isto é, algo que é tanto interno quanto externo. Para ele, as
ideias têm duas fontes: a sensação (experiência externa) e a reflexão
(experiência interna).
Nesta perspectiva, as ideias ou têm sua origem no sentido interno
(ideias simples de reflexão – cor, som, extensão, etc.) ou no externo
(percepção, volição, etc.) ou na combinação da reflexão com a percepção
(representação). As ideias podem ser, também, compostas, isto é, podem
resultar de várias ideias simples, porquanto o espírito é passivo ao receber
ideias simples, no entanto, em relação às compostas, ele é ativo, pois
tem o poder de gerar síntese, analisar, abstrair, formando, então, ideias
gerais. As ideias compostas podem ser de modos (são dependentes
ou sensações da substância – ex: a gratidão), de substâncias (quando
certas ideias simples sempre estão juntas, isto leva a se considerar um
“não sei o quê” que é subjacente a essas como uma realidade em si) e
de relações (quando uma ideia é colocada frente à outra; comparadas
pelo intelecto). Neste sentido, a ideia de substância (essência real), para
Locke, é uma realidade; ele não a nega, porém o homem não a tem como
uma ideia clara e distinta; assim, ela permanece desconhecida para o ser
humano e Locke afirma:

...quando mencionamos ou pensamos em qualquer


espécie particular de substâncias corporais, como
cavalo, pedra, etc., embora nossa ideia de qualquer
uma delas seja apenas a complicação ou coleção de
várias ideias simples de qualidades sensíveis que
costumamos encontrar unidas na coisa denominada
cavalo ou pedra, e, ainda, porque não podemos
imaginar como podem subsistir sozinhas, nem uma
na outra, supomos que existem e são sustentadas
por algum substrato geral, cujo suporte denominamos
substância, mesmo sendo evidente que não possuímos
nenhuma ideia clara e distinta disto que conjeturamos
como suporte...139

Em contrapartida, o que o ser humano conhece é a essência


nominal: as qualidades que alguma coisa tem para ser chamada de
tal modo e não de outro, por exemplo; uma bola só pode ser chamada

139
Ibidem, p. 207.

86 UNIDADE 03
assim, se ela tiver determinadas características tal como ser esférica e,
desta forma:

...a linguagem passou por outros aperfeiçoamentos


pelo uso dos termos gerais, pelos quais uma palavra
é formada para indicar uma multidão de existências
particulares. Obtinha-se um uso vantajoso dos sons
apenas por diferenciar ideias por eles indicados,
tornando-se esses nomes gerais, que foram formados
para indicar ideias gerais, as quais permanecem
particulares, onde as ideias para as quais são usadas
são particulares...140

As qualidades, sejam elas da percepção que se tem das coisas


ou da substância, podem ser primárias (pertencem aos corpos mesmos
como, por exemplo, a extensão e a forma) ou secundárias (não estão nas
coisas mesmas; são modificações do espírito como, por exemplo, uma
cor ou um odor).
Portanto, as ideias, para Locke, são o material do conhecimento.
Este só ocorre quando há concordância ou discordância entre as ideias.
A concordância pode ser: por intuição (evidência imediata) ou por
demonstração (o espírito percebe a concordância entre as ideias, mas
isto não é algo imediato, tem que ter a intervenção de outras ideias,
cada uma destas é evidente, como, por exemplo, no caso dos teoremas
matemáticos).

O problema moral e político

Locke acredita que a Filosofia tem uma finalidade prática, isto


é, moral. Assim, ela deve favorecer aspectos morais para a conduta do
homem.
Pode-se afirmar que filosofia lockeana se limita ao problema do
conhecimento para depois partir para a questão moral e política com
resquícios, ainda bem evidentes, da Metafísica, embora ele tenha
questionado princípios metafísicos tradicionais como o da identidade e
o das ideias inatas. No entanto, Locke continuou afirmando a ideia de
substância, esta sendo algo não conhecido. E, também, ele acreditava
nos universais e nas abstrações. Por este motivo, pode-se falar de Locke
como um empirista moderado, porquanto embora a sua filosofia não

140
Ibidem, p. 221.

Ontologia I 87
tenha como ponto de partida a questão do ser, ele continuou com alguns
conceitos remanescentes da filosofia tradicional; onde, também, pode
ser constatado em seus estudos sobre política.
Na teoria lockeana surge a questão da igualdade como estrutura
para toda a ordem normativa. A igualdade, então, é a condição para o
direito natural e o estado de natureza lockeano tem como características
a liberdade e a igualdade.
Desta forma, para a filosofia lockeana, se os homens fossem
somente racionais, eles seguiriam as leis da natureza, porém os seres
humanos não o são, incidindo, contudo, ser o estado de natureza perfeito
na teoria e imperfeito na prática.
Assim, a liberdade, para Locke, é tanto natural quanto social.
Nestes termos, a liberdade natural é aquela em que o homem encontra-
se totalmente livre, somente submetendo-se às leis da natureza. Quanto
à liberdade na sociedade, isto significa que os homens estão sujeitos
somente ao que foi estabelecido por consentimento da comunidade. Em
ambos os aspectos, a liberdade é irrenunciável. Aqui cumpre ressaltar
que a liberdade natural não basta, porque os homens nem sempre agem
como seres racionais e, neste caso, o homem no estado de natureza
é um juiz em causa própria, assim, eles começam a guerrear, daí a
necessidade de se instaurar o estado civil no intuito de conservar a vida
e a propriedade que são direitos naturais fundamentais. Todavia, eles
não renunciam ao seu estado natural. O que ocorre é que no estado civil
os homens têm os seus direitos naturais garantidos.
O Estado surge como uma finalidade fundamental: o de conservar
os direitos naturais dos indivíduos. A forma como isto acontece é através
de um consenso. Aqui cumpre ressaltar que o poder estatal é limitado,
porquanto não pode violar os direitos naturais; aos governantes é dado
o poder dentro de limites estabelecidos. Neste sentido, há, também,
o direito de resistência quando há tirania e abusos, pois quem realiza
injustiça não é quem se rebela contra um opressor, mas quem oprime os
seus governados.
Desta maneira, Locke é, então, um defensor dos direitos e da
liberdade e ele afirma:

...Nenhuma sociedade, por mais livre que seja, ou


por mais superficial que possa ser o motivo de sua
organização (...) pode subsistir e permanecer unida, e

141
LOCKE, Segundo tratado sobre o governo civil, p. 156.

88 UNIDADE 03
logo se dissolverá e se fragmentará, a menos que seja
regulamentada por algumas leis e que todos os seus
membros consintam em observar certa ordem (...) o
direito de fazer suas leis pertence a toda a sociedade
em si; ou, pelo menos (o que é a mesma coisa), àquelas
a quem a sociedade em comum acordo consentiu em
autorizar... 141

Em consonância com o acima referido, constata-se que Locke


estabelece uma ordem política para evitar as inconveniências. Assim, a
lei direciona os agentes livres e racionais para o seu próprio interesse e
sua prescrição não vai além do bem geral. Aqui é conveniente lembrar
que ela não é um bem substancial, por conseguinte, a lei somente serve
para assegurar a segurança da pessoa, das suas ações e possessões.
Os princípios morais, por sua vez, não são inatos, pois o homem
não é movido mecanicamente por seus desejos. O ser humano é livre
e possui a capacidade de evitar a ação, então, o homem é livre, mas a
vontade não o é. Ela é o poder de considerar ideias, de suspender e decidir
sobre a ação. Desta forma, as ideias morais podem todas ser obtidas
a partir de dados conferidos pela experiência e elas são construídas
pelo homem, então não há princípio moral autoevidente com conteúdo
substancial. Portanto, o contrato social é um acordo entre cidadãos e
suas leis, onde isto decorre em uma liberdade igual. No contrato estão
presentes todos os meios necessários à preservação dos homens com
integridade. O homem, então, deve instituir um contrato para que este
corrija as deficiências do estado natural através de um governo. O homem
deve obedecer a este governo e obedecer, também, ao primeiro princípio
da lei natural que é aquele da liberdade. Locke afirma, assim, que as
instituições coercitivas se justificam quando as mesmas promovem a
liberdade.
Neste sentido, conforme a teoria lockeana, a proteção dos direitos
fundamentais como o direito à vida, à liberdade e à propriedade não é
renunciado; o que o indivíduo renuncia é o direito de fazer justiça por si
mesmo.
Em consequência disso, para Locke, a liberdade é relacionada
com os direitos naturais e para ela ser efetivamente realizada é preciso
um consenso onde todos consintam em se submeter às determinadas
leis.
Em consonância com o acima referido, é constatado que o modo
como Locke concede o estado de natureza é ambíguo. De um lado, ele

Ontologia I 89
afirma que o estado de natureza nada tem a ver com o estado de guerra
e, por outro lado, diz que este o é potencialmente. Sendo assim, para
ele, o estado de natureza não é um estado de guerra originalmente, mas
pode vir a transformar-se.
Desta forma, para a filosofia lockeana, se os homens fossem
somente racionais, eles seguiriam as leis da natureza, porém isto não
ocorre e o estado de natureza é perfeito na teoria e imperfeito na prática.
Para Locke, o estado de natureza é uma situação de liberdade e
igualdade; sendo a liberdade entendida como: “a liberdade consiste em
não se estar sujeito à restrição e à violência por parte de outras pessoas”. 142
Quanto à igualdade, segundo Locke, esta é jurídica e “consiste, para
cada homem, em ser igualmente o senhor de sua liberdade natural, sem
depender da vontade nem da autoridade de outro homem”.143
Contudo, no estado de natureza, como o homem faz a sua própria
justiça, isto pode gerar conflitos e um estado de guerra. Logo, no estado
de natureza há a inconveniência da ausência de um juiz imparcial.
Desta forma, falta uma instituição capaz de julgar as controvérsias que
aparecem.
Neste sentido, o estado civil aparece para sanar as inconveniências
do estado de natureza e o Estado é uma instituição com o objetivo
de possibilitar a conveniência natural entre os homens, fazendo ser
respeitadas as leis naturais.
Assim, o estado de natureza lockeano é um estado ideal e
um estado de fato. Quanto ao estado de fato, pode-se chamá-lo de
sociedade civil. Desta forma, o estado civil tem o objetivo de eliminar o
mal e conservar o bem do estado de natureza. Assim, ele deve proteger
os direitos naturais e:

...É dever do magistrado civil, por meio de execução


parcial de leis iguais, assegurar a todo povo em geral, e
a cada um de seus súditos, em particular, a posse justa
dessas coisas que pertencem a esta vida...144

Contudo, com o aparecimento da sociedade civil isso não significa


o desaparecimento do estado de natureza, pois quando o estado civil
entra em colapso reaparece o estado de natureza e, sendo assim, os
dois estados formam algo totalmente interligado.

142
Ibidem, p. 115.
143
Ibidem, p. 114.
144
Idem, Carta sobre a tolerância, p. 243.

90 UNIDADE 03
Quanto ao retorno ao estado de natureza, isto implica que a
lei natural tem prioridade, onde a obrigação ocorre perante somente a
consciência e, sendo assim, um povo não se rebela por motivos mínimos.
Neste caso, o povo não é rebelde, mas, sim, o governo que abusa do
poder e a resistência dos governados é uma resposta de uma força justa
para uma injusta, dessa forma, ela é um ato de justiça.
Assim, a liberdade natural, para Locke, deveria vir antes do que a
ordem, isto é, a ordem, nesse caso, seria um meio para fazer prevalecer
a liberdade e quando a ordem é opressora, a liberdade tem prioridade.
Para que ocorra a paz, os homens têm que ter liberdade religiosa,
onde isto envolve a questão da tolerância.
Relacionado ao aspecto da tolerância, Locke argumenta que tem
de haver uma separação entre a sociedade política e a igreja, embora
SAIBA MAIS
a origem de ambas seja a mesma, isto é, elas formam uma tendência à
vida sociável e um consentimento ao elo de associação que são a lei e Aspecto
a ordem nelas associadas. Conquanto, tanto a sociedade civil quanto a fundamental
da filosofia de
igreja, cada uma tem que atuar em sua própria esfera.
Berkeley: ser é
ser percebido.
Berkeley

George Berkeley é um autor central para o desenvolvimento do


empirismo e do idealismo moderno. Ele rompeu, em parte, com a filosofia
lockeana e estabeleceu as bases do instrumentalismo.
O principal da filosofia de George Berkeley é o seu núcleo
religioso. Ele pretendeu demonstrar que a sua teoria era uma resposta
aos céticos. Neste sentido, a referência a Deus surge como um conceito
para solucionar questões metafísicas, porquanto estas não poderiam
ser respondidas apenas através das percepções. Assim sendo, o
argumento sobre Deus é útil para a solução de problemas que decorrem
dos fundamentos da sua teoria. Aqui cumpre salientar que Berkeley não
oferece uma prova ontológica da existência de Deus.

Berkeley: sua filosofia e críticas a Locke

Embora Berkeley tenha recebido influências da filosofia de Locke


quanto ao empirismo e quanto à certeza na falibilidade das crenças, ele
critica a filosofia lockeana quanto à questão do papel da abstração e
quanto à distinção entre qualidades primárias e secundárias. Ele afirma
que:

Ontologia I 91
...Houve quem fizesse distinção entre qualidades
primárias e secundárias, contando nas primeiras
a extensão, forma, movimento, repouso, solidez
ou impenetrabilidade e número; nas segundas, as
qualidades sensíveis, como cor, som, sabor, etc. Destas
concordam não terem semelhança com algo existente
fora do espírito, ou impercebido, mas pretendem que
as ideias de qualidades primárias sejam imagens de
coisas existentes fora do espírito em uma substância a
que dão nome matéria. Por matéria há de entender-se
uma substância inerte e não sensível em que subsistem
atualmente extensão, figura e movimento. Mas, como
vimos, é evidente que extensão, figura e movimento são
apenas ideias existentes no espírito, e a ideia só pode
assemelhar-se a outra ideia; portanto, nem elas nem
os seus arquétipos podem existir em uma substância
incapaz de perceber. De onde a verdadeira noção da
chamada matéria ou substância corpórea envolver
contradição... 145

Locke levou em consideração um substrato ontológico no


seu argumento: a noção de qualidade primária, onde as qualidades
secundárias não existiriam nos objetos se não fossem provocadas em
nós através da ação das qualidades primárias.
Berkeley, por conseguinte, procurou demonstrar que o fundamento
epistemológico da distinção das qualidades primárias e secundárias era
incompatível com o empirismo.
Berkeley faz uma crítica a Locke no sentido de que este afirma
que as qualidades primárias deveriam poder ser percebidas diretamente
e imaginadas de modo isolado. Berkeley procurou demonstrar, ainda,
que as qualidades primárias só podem ser pensadas juntamente com
as qualidades secundárias. Ele afirma que, por exemplo, as cores,
extensão, figura e movimento podem ser percebidos de modo distinto
por distintos homens, porquanto os sentidos não sustentam a distinção
entre qualidades primárias e secundárias. Assim, se elas não podem
ser sustentadas de outra maneira, são inaceitáveis. Sob esse aspecto,
Berkeley constata que não há fundamento epistemológico possível para
a distinção entre qualidades primárias e secundárias: o ser humano
só pode perceber as coisas e nada mais. Então, só se pode falar nas
percepções ou, em última análise, pode-se falar, também da existência

145
BERKELEY, Tratado sobre o conhecimento humano, p. 15.

92 UNIDADE 03
de objetos não percebidos atualmente.
Embora Berkeley tenha criticado Locke, recebeu, ainda, influências
da filosofia tradicional, porquanto se preocupa com diversas questões
metafísicas, por exemplo, explicar o modo segundo o qual as ideias
são produzidas na mente (através da ação de Deus) e a regularidade
das percepções sobre a natureza. Portanto, a pesar do empirismo, ser
é ser percebido, Berkeley continua conforme a tradição metafísica. Por
conseguinte, para ele, é Deus que produz ideias diretamente na mente
do homem, garantindo, assim, a regularidade de suas percepções, etc.
No entanto, cabe ressaltar, embora a filosofia berkeleiana sofra
influências da metafísica clássica, ela questiona alguns princípios
metafísicos fundamentais: os da substância material e das ideias
abstratas.
Contudo, um dos objetivos de Berkeley foi negar as afirmações
dos céticos. Neste contexto, ceticismo consiste em uma desvinculação
da filosofia em relação aos sentidos, priorizando, assim, a razão. Para
endossar esse pressuposto, a constatação de erros dos sentidos contribui
para a crença de que esses têm uma suposta deficiência; isto tudo faz
com que o ceticismo encontre um campo fértil para as suas assertivas,
ampliando-se, em virtude disso, para todas as questões filosóficas. Este
tipo de fato é o que Berkeley chama de ceticismo genérico. Assim, o
ceticismo não só permanece no âmbito do conhecimento sensível como,
também, amplia-se para o âmbito racional, porquanto a razão, ao tentar
corrigir os erros dos sentidos, não consegue, pois, ao se desconfiar
do sensível, generaliza-se a desconfiança. Deste modo, é o ceticismo
genérico que Berkeley refuta, pois para os céticos não se pode ter
confiabilidade em nenhum saber como: a metafísica, a filosofia natural, a
matemática, a moral, a religião, e nem no conhecimento do espírito.
Assim, o ceticismo em relação às coisas sensíveis abre espaço
para um ceticismo generalizado. Aqui cumpre ressaltar que a não
aceitação do conhecimento das coisas sensíveis é decorrência do fato de
uma aceitabilidade em torno da doutrina das ideias abstratas. Então, com
base nisso, o cético nega a realidade e a verdade das coisas sensíveis.
Portanto, o cético é aquele que ignora as coisas sensíveis; onde somente
os sentidos são questionados por ele. Este tipo de cético surge com o
cartesianismo.
Nesta perspectiva, o surgimento do ceticismo é decorrente
da teoria que afirma a realidade ou a existência das coisas sensíveis
independentemente da percepção, isto é, surgindo de uma matéria

Ontologia I 93
ou substância corpórea. Nesse aspecto, o ceticismo, igualmente ao
cartesianismo, critica o realismo. Assim, a causa de todos os problemas
relativos às ideias ocorre, porquanto o conhecimento dessas é obscurecido
pelas teses sustentadas pelo realismo, levando, assim, a erros. Ao
supor a dupla existência dos objetos dos sentidos, um inteligível e outro
sensível, isto conduz à certeza de que as coisas têm uma subsistência
própria, distinta da percepção; isto, então, gera a origem do ceticismo.
Assim sendo, é a teoria das ideias abstratas o grande problema
da filosofia. Entretanto, não é explícito de que forma a abstração distorce
o entendimento. No entanto, para Berkeley, a teoria das ideias abstratas
é a causa do erro dos filósofos e céticos, então, tem-se que criticá-la e
eliminá-la para afastar todas as dificuldades e paradoxos presentes na
filosofia. Sob esse aspecto, Berkeley afirma:

...a doutrina da substância corpórea foi verdadeiro


pilar ou suporte do ceticismo e sobre a mesma base
assentaram os sistemas do ateísmo e da irreligião. Tão
grande era a dificuldade de conceber a matéria produzida
do Nada, que os mais célebres filósofos antigos, até os
crentes em Deus, pensavam ser a matéria incriada e
coeterna com Ele. Inútil dizer o grande apoio dado aos
ateístas em todos os tempos pela substância material.
Os seus monstruosos sistemas tanto e de tal modo
dependem disso, que, se examinem particularmente os
absurdos de cada seita miserável de ateístas..146

O problema seria, pois: a filosofia separou indevidamente o ser


das coisas do seu ser percebido. A afirmação de Berkeley, ser é ser
percebido, tenta corrigir isso. A separação do ser das coisas da percepção
que se tem delas pressupõe a doutrina das ideias abstratas. Apenas
constatar que o ser das coisas reside na percepção que se tem delas
não basta; é necessário, também, erradicar a teoria das ideias abstratas,
porquanto, se assim não o for, sempre vai haver um dualismo entre ser
e percepção. Nesse aspecto, se a existência das coisas não decorresse
da percepção, vai-se continuar, ainda, com a tese das ideias abstratas
como, por exemplo, a extensão abstrata ou movimento abstrato como
forma de explicar a noção de matéria ou substância corpórea.
Assim, a doutrina de substâncias extensas depende da doutrina
das ideias abstratas e, portanto:

146
Ibidem, p. 31.

94 UNIDADE 03
... Além da existência externa dos objetos perceptíveis,
outra grande fonte de erros e dificuldade para o
conhecimento ideal é a doutrina das ideias abstratas
(...) As coisas mais claras do mundo, mais habituais
e perfeitamente conhecidas, quando tratadas
abstratamente, parecem extraordinariamente difíceis
e incompreensíveis. Tempo, lugar, movimento, em
particular ou concreto, todos os compreendem; mas
passados pela mão de um metafísico ficam abstratos
e sutis demais para o entendimento do homem vulgar.
Mandai um criado ir ter convosco em certo lugar
e tempo e não terá de refletir sobre o sentido das
palavras; concebendo em particular lugar e tempo,
ou o movimento que não o leva lá, não tem a menor
dificuldade; mas se o tempo for tomado com exclusão
das ações e ideias particulares diferenciadoras, mera
continuação de existência ou duração em abstrato,
então, mesmo a um filósofo será difícil de compreendê-
lo...147

A crítica de Berkeley a Locke centra-se na distinção que Locke


sustenta entre as qualidades primárias e secundárias. Segundo Locke,
as qualidades secundárias (subjetivas) existem apenas na mente,
enquanto as qualidades primárias (objetivas) existem também no objeto.
Contrapondo-se a isto, Berkeley acredita que Locke, ao afirmar tal
distinção, constatou que tais qualidades só existiriam na mente e não nas
coisas. Aqui cumpre salientar: para Berkeley, a mente humana não tem
a capacidade da abstração, pois as ideias, apenas, são sensações. No
entanto, se as qualidades primárias estivessem indissoluvelmente unidas
às coisas, e se é impossível apreender ou reconhecer separadas umas
das outras e se as qualidades das coisas existissem sempre juntas na
realidade, então, se isto for assim, a distinção lockeana não é pertinente,
porquanto ela impossibilitaria a existência de qualquer objeto exterior e
os objetos só existiriam na mente.
Da mesma maneira que é impossível constatar a distinção entre
as qualidades primárias e as secundárias, também, com a noção de
substância material ocorre esta impossibilidade. A substância material
é relacionada à doutrina das ideias abstratas. Nesse sentido, a noção
de substância material é fonte inesgotável para o desenvolvimento do
ceticismo.

147
Ibidem, p. 32.

Ontologia I 95
Se a doutrina das ideias abstratas consiste na fonte última de
um ceticismo generalizado, a doutrina materialista será responsável pelo
ceticismo em um tópico muito específico: o problema da existência e
realidade das coisas sensíveis. Todas as ciências, portanto, são presas
fáceis do argumento cético, uma vez que se admita uma existência
externa absoluta, pois, tendo-se aceito essa existência, os argumentos
céticos tornam-se imediatamente fortes e decisivos. Berkeley mostra
como o imaterialismo, que recusa essa existência externa absoluta,
protege as várias ciências do ataque do ceticismo.
Na filosofia natural, a crença na matéria nos conduz a uma infinidade
de obscuridades e contradições: sobre a continuidade, divisibilidade,
homogeneidade, gravidade da matéria; sobre a operação da matéria
sobre a matéria: como uma move a outra, como um ser passivo pode agir
sobre outro; sobre a relação das leis do movimento com as qualidades
secundárias.
Berkeley afirma que o conhecimento que se tem é aquele das
ideias e não aquele dos fatos, onde o uso do termo ideia significa tudo
aquilo que é objeto imediato da mente; as sensações impressas nos
sentidos são chamadas de ideias e as coisas sensíveis de coleções de
ideias; então, as ideias são equiparadas aos objetos do conhecimento.
É nesse sentido que o conhecimento é definido como algo feito das
sensações, isto é, a mente percebe as sensações e as relaciona, pois não
há percepção do nada; só pode haver percepção a partir das sensações.
Portanto, Berkeley emprega o termo ideia com o sentido de tudo o
que existe. Ele afirma que o que existe é somente o que se percebe.
Assim, a substância material é desfeita, porém, Berkeley continua com
a concepção da substância espiritual, onde, para ele, o homem é aquilo
que pensa, conforme as suas vivências e, para Berkeley:

...pode-se objetar que, se aos termos “alma”, “espírito”,


“substância”, não corresponde uma ideia, eles não têm
sentido. Respondo: significam algo real que nem é
ideia nem semelhante a uma ideia, mas percebe ideias,
vontades e razões a respeito delas. O que eu sou, o que
designo por “eu”é o mesmo que “alma” ou substância
espiritual; se se chama a discussão de palavras e
se o significado imediato de outros termos se chama
comumente “ideias”, não há razão de proceder de outro
modo com os nomes espírito”ou “alma”, respondo: todos
os objetos não-pensantes do espírito são inteiramente

148
Ibidem, p. 41.

96 UNIDADE 03
passivos e a sua existência só consiste em serem
percebidos; ao passo que a existência do espírito, ser
ativo, não consiste em ser percebido mas em pensar
e perceber ideias. É necessário, para evitar equívocos
ou confusão de naturezas diferentes e incompatíveis,
distinguir entre espírito e ideias... 148

Hume

Hume e o conhecimento SAIBA MAIS

Aspecto
Para Hume, a origem do conhecimento ocorre com as fundamental
percepções; elas são divididas em impressões (vivências atuais) e ideias da filosofia de
Hume: crítica
(representações), onde se tem muito mais ideias do que impressões. ao princípio
As representações são elaboradas através da memória, imaginação ou metafísico de
da associação de ideias. As impressões é aquilo que é dado; elas não causalidade.
acarretam nenhum problema metafísico, no entanto, as ideias sim. A
questão surge quando é perguntado de que impressões as idéias provêm,
já que essas constituem aquilo que é dado. Se a ideia é simples, como por
exemplo, a cor, isto não acarreta problemas, tendo em vista que ela tem
uma realidade correspondente. No entanto, se ela for complexa, como
por exemplo, a idéia de substância, então, tem-se que analisá-la para se
constatar quais são as suas impressões correspondentes. Mas, se ela
não tiver algo assim, não se justifica, pois, para Hume, tudo é impressão.
Assim sendo, a ideia de substância, para Hume, é algo que
não tem uma impressão correspondente na realidade, algo que não é
uma soma de impressões, porquanto ela é um “não sei o quê” que está
subjacente às impressões; logo, como ela não tem uma impressão que a
fundamente, é uma ideia da imaginação do homem.
A ideia de existência, por sua vez, também não tem qualquer
impressão na realidade, pois se é afirmada a existência de um corpo, o
que se encontra, ao analisá-lo, são as características do próprio corpo,
isto é, as impressões dele próprio e, sendo assim, não se encontra
impressão da existência. Logo, a existência é uma ideia imaginada pelo
homem. E assim Hume argumenta da mesma forma sobre a ideia do eu;
o que se constata são vivências das pessoas e não algo real que remeta
ao eu. Desta forma, a substância pensante também é uma imaginação.
Hume, paulatinamente, causa uma ruptura com a Metafísica,
questionando e demonstrando a implausibilidade dos seus princípios.
Neste sentido, um dos princípios fundamentais metafísicos é o da

Ontologia I 97
causalidade, onde Hume, também, analisa:

...Todos os nossos raciocínios que se referem aos


fatos parecem fundar-se na relação de causa e efeito.
Apenas por meio desta relação ultrapassamos os dados
da nossa memória e de nossos sentidos. Se tivéssemos
que perguntar a alguém por que acredita na realidade
de um fato que não se constata efetivamente (...) ele vos
diria uma razão, e esta seria um outro fato (...) Todos
os nossos raciocínios sobre os fatos são da mesma
natureza. E constantemente supõe-se que há uma
conexão entre o fato presente e aquele que é inferido
dele. Se não houvesse nada que os ligasse, a inferência
seria inteiramente precária. (...) Portanto, se quisermos
satisfazer-nos a respeito da natureza desta evidência
que nos dá segurança acerca dos fatos, deveremos
investigar como chegamos ao conhecimento da causa
e do efeito...149

Então, mediante o acima exposto, Hume coloca o problema e


constata a necessidade de se obter informação sobre o conhecimento
da relação de causa e efeito. Aqui cumpre salientar que ele não nega
a importância de tal relação; o que ele objetiva é saber de onde esta
procede, se ela pode ou não ser legitimada, se ela é necessária e em que
bases isto pode ser feito.
A experiência, para ele, é o fundamento de todos os raciocínios.
No entanto, nem a razão nem a experiência conseguem legitimar a
necessidade do princípio de causalidade; prová-la.
A relação de causa e efeito ocorre na experiência; ela não
acontece ao nível de razão, sendo assim, esta não pode legitimá-la. A
experiência, por sua vez, não tem o poder de colocar tal relação como
algo necessário, pois os dados empíricos são contingentes. Portanto,
nem a razão nem a experiência podem demonstrar a necessidade do
princípio de causalidade. No entanto, se é constatado que há efeitos que
remetem a causas, por que isto ocorre? Por que ao ver fumaça relaciona-
se a fogo? Hume responde: por causa da crença que advém do hábito ou
costume; da associação de ideias, pois

...todas as vezes que a repetição de um ato ou de

149
Hume, Investigações acerca do entendimento humano, p. 49.
150
Ibidem, p. 63.
151
Ibidem, p. 241.

98 UNIDADE 03
uma determinada operação produz uma propensão
a renovar o mesmo ato ou a mesma operação, sem
ser impelida por nenhum raciocínio ou processo do
entendimento, dizemos sempre que esta propensão é
o efeito do costume (...) Portanto, todas as inferências
tiradas da experiência são efeitos do costume e não do
raciocínio...150

Hume e as questões sobre a moral, a justiça e a política

Quanto às questões sobre a moral, a justiça e a política, Hume,


no seu livro Investigações151 sobre os princípios da moral, afirma que
é supérfluo provar que a justiça é útil à sociedade; porém, a utilidade
pública é a única origem da justiça, onde somente vista desta forma é
possível ocorrer as reflexões sobre as consequências benéficas dessa
virtude. Assim, a justiça é derivada de seu indispensável uso para o
relacionamento humano e a vida em sociedade.
Portanto, as regras da justiça dependem das situações particulares
em que os homens se encontram e quanto a sua origem, esta vem da
utilidade que ela proporciona ao público pela sua observância estrita e
regular.
No seu livro Tratado da Natureza Humana, Hume afirma que o
homem é o único animal que contém em si a fraqueza e a necessidade.152
Neste sentido, a sociedade compensa o homem dessas suas
inconveniências. Desta forma, ela se torna vantajosa e nela vemos que
a união das forças aumenta o nosso poder, a divisão de tarefas aumenta
a nossa capacidade e a ajuda mútua faz com que estejamos menos
expostos à sorte e aos acidentes.
Assim, para se formar uma sociedade é necessário que ela
seja vantajosa e que os homens tenham consciência dessa vantagem.
Para isto acontecer é preciso que nela ocorra uma melhoria dos bens que
possuímos, que são eles:
1°-satisfação interior.
2°-vantagens exteriores
3°-gozo dos bens.153
Logo, a melhoria destes bens é a principal vantagem da
sociedade e os seus principais obstáculos são a instabilidade da posse
dos bens e a escassez. Esses obstáculos advêm dos bens exteriores, por

152
HUME, Tratado da natureza humana. p. 559
153
Ibidem, p. 562.

Ontologia I 99
isto, para dar estabilidade à posse destes e deixar cada pessoa desfrutar
em paz o que pode adquirir, é que é realizada por todos os membros da
sociedade uma convenção. Esta é um senso geral de interesse, o qual
todos os membros de uma sociedade exprimem uns aos outros e que os
leva a regular a sua conduta por certas regras.
Sendo assim, o interesse próprio é o motivo do estabelecimento
da justiça, porém a simpatia que se tem com o interesse público é a
origem da aprovação moral que acompanha a justiça.
Desta forma, o homem tem como características o egoísmo e a
generosidade limitada e é disso que a justiça tira a sua origem. Portanto,
o senso de justiça não se baseia na razão, pois uma alteração no caráter
e nas circunstâncias em que os homens vivem alteraria os seus deveres
e obrigações, pois foi a preocupação com o nosso próprio interesse e
com o interesse público que fez estabelecer as leis da justiça.
Logo, o senso de justiça se baseia nas impressões e a justiça, por
sua vez, tem origem no artifício e nas convenções humanas. Assim, a
razão somente pode afirmar sobre a falsidade e a verdade, donde disto
decorre que não há provas a priori do princípio moral, pois a moralidade
é mais sentida do que pensada. Ela nos move à ação, nos coloca em
movimento.
A moralidade requer virtudes artificiais e naturais. As virtudes
naturais são as de humildade, caridade, clemência, moderação e
equidade. As virtudes artificiais (a justiça, a fidelidade às promessas e
a obediência ao governo) preenchem as reivindicações que podem ser
impostas pela lei e requerem distinções claras e nítidas; elas, também,
são indispensáveis para a existência da sociedade.
A justiça, por sua vez, é considerada como uma virtude artificial,
porque para ela são requeridas distinções claras e nítidas, como, também,
não há motivo natural para segui-la. Desta forma, é o interesse próprio
juntamente com o controle da avidez que formam o motivo inicial que nos
move a agir com justiça e:

... é unicamente do egoísmo do homem e da sua


generosidade limitada, juntamente com a parcimônia
com que a natureza providenciou a satisfação das suas
necessidades, que a justiça tira a sua origem...154

Neste sentido, a justiça somente pode ser chamada assim quando

154
Ibidem, p. 571.

100 UNIDADE 03
os agentes refletem sobre o seu comportamento moral e aqui cabe
ressaltar que não há uma referência à natureza humana. Assim, o que
torna a justiça possível é a capacidade para estender a nossa percepção
do self de forma a passarmos a desenvolver um interesse pelo interesses
das outras pessoas com as quais compomos uma sociedade cooperativa.
Sob esta ótica, os sentimentos morais dão a cada um de nós toda a
orientação que precisamos e não há necessidade de sanções.
Em consequência disso, nós inventamos a noção da lei envolvida
na justiça e fazemos nós mesmos as leis. Logo, a moralidade não requer
transcendência em relação ao mundo e, assim, Hume oferece sua teoria
como uma explicação pra os nossos julgamentos morais, onde ter a
obrigação moral é perguntar que papel desempenha os sentimentos
morais em nos mover a ser justos, então, a justiça está no centro das
necessidades da sociedade.
Rawls, no seu livro História da Filosofia Moral, afirma que Hume
não é hedonista nem egoísta, isto porque os propósitos e objetivos das
paixões não têm essas características155; ele não supõe que as paixões
dizem respeito a objetivos egocêntricos. Hume, também, não julga que
temos um único princípio para fazer os nossos julgamentos morais e,
igualmente, não diz que o objetivo da moralidade é produzir um máximo
de prazer e um mínimo de sofrimento. Aqui parece que Rawls objetiva
afirmar o caráter não-utilitarista de Hume como, também, o seu caráter
não-fundacionista e Rawls afirma:

...Pergunto também se o apetite geral pelo bem é o que


denomino um desejo dependente de um princípio, isto
é, um desejo cujo conteúdo é dado por um princípio
da razão prática. Concluo que não: Hume parece
concebê-lo (...) não por juízos que empregam um ou
mais princípios...156

Desta forma, Hume não crê que existe um procedimento racional


para se chegar a conclusões práticas por meio das quais, através do
seu uso, poderíamos neutralizar todos os desacordos; a deliberação
é uma atividade que o homem tem que aprender a fazer; então, faz-
se a pergunta: como os seres humanos, partindo do estágio primitivo,
alcançam o estágio civilizado? Hume, então se utiliza da noção de virtude

155
RAWLS, História da filosofia moral, p.40.
156
Ibidem, p. 44.
157
Ibidem, p. 70.

Ontologia I 101
como característica própria do ser humano. Segundo Hume, a justiça
cumpre o seu papel quando há escassez e as pessoas não são movidas
espontaneamente por vínculos de afeição e benevolência mútua, isto é:

...uma vez que adquirimos estima pela sociedade e


uma vez que observamos que o seu principal distúrbio
provém da instabilidade da posse de bens externos,
buscamos um remédio (...) uma convenção assumida
por todos os membros da sociedade...157.

Este é, então, o melhor esquema na prática. Assim, uma convenção


tem o seu conteúdo que é dado por suas regras, envolve a consciência
de interesse comum, expressando, assim, uma ideia de reciprocidade,
onde o senso compartilhado seja expresso publicamente: as suas regras
sejam publicamente conhecidas e que todos aceitem tais regras. Essa
convenção é estável, normativa e se impinge por si mesma. Assim, neste
sentido, a justiça é o melhor esquema praticável de sociedade. Nota-se,
então, que a teoria humiana em relação à justiça é um artifício e que “...
As regras da equidade ou da justiça dependem, portanto, inteiramente
do estado e situação particulares em que os homens se encontram...”158,
Hume, quando fala de uma concepção da justiça, afirma que esta, como
virtude artificial, está baseada no sentimento de simpatia para com o
interesse comum, diz que a justiça é construída a partir da satisfação que
o homem tem em relação à aprovação das suas ações e vê a obrigação
moral partindo deste paradigma. Desta forma, a concepção de justiça de
Hume não advém de uma natureza humana e sim de uma convenção, de
um artifício que é normativo e construído.
Portanto, com Hume, a fundamentação metafísica sofre um abalo;
questões como o eu, a substância, a natureza humana, o princípio de
causalidade são, amplamente, questionadas. Se em Descartes tais temas
eram condições sine qua non para as respostas sobre todo o saber; em
Locke, embora constasse a crítica das ideias inatas; a substâncias, a
extensão, os universais foram preservados; em Berkeley, por sua vez,
há críticas em relação à substância material e aos universais, contudo
a crença em Deus e na substância espiritual persistiu; contudo, o que
se vê em Hume é uma total negação de todos os princípios metafísicos,
passando, assim, este saber ao nível da pura abstração, sem nenhuma
fundamentação sólida.

158
HUME, Uma investigação sobre os princípios da moral, p. 247.
159
Relativo à razão.

102 UNIDADE 03
Immanuel Kant

O problema geral de Kant

O problema geral kantiano é aquele que pergunta sobre a


possibilidade do a priori159. A grande preocupação de Kant sempre foi
com a razão. Nos textos pré-críticos esta preocupação já era vista. SAIBA MAIS
Nos Sonhos de um visionário explicados pela metafísica, datado
de 1766, Kant já parece ter uma diretriz para alcançar a solução da Aspecto
fundamental da
possibilidade da razão quando ele afirma, neste livro, a impossibilidade filosofia de Kant:
de se explicar a relação entre a alma e o corpo. preocupação
Nos Sonhos, ele compara o sistema leibniz-wolffiano com os com os limites da
razão.
resultados alcançados por Swedenborg. Este acreditava que via e
falava com espírito. Ele dizia que os espíritos moviam objetos e que lhes
transmitiam mensagens sobre catástrofes e pessoas.
Nos Sonhos, Kant qualifica as conclusões swedenborguianas de
loucuras dos sentidos e relaciona com as conclusões de Leibniz e Wolff,
chamando-as de loucuras da razão. Nestes termos, Kant critica todos
os neocartesianos e afirma, veementemente, que nunca vamos poder
solucionar os problemas da relação entre a alma e o corpo.
A alma, para Kant, é substância imaterial que tem características
próprias e diferentes do corpo, que é substância material. Com isto,
então, em seu escrito de 1766, Kant já começava a fazer uma distinção
dos caracteres entre mundo inteligível e mundo sensível.
Na dissertação de 1770, Kant faz a diferença entre mundo
fenomênico e mundo noumênico, com uma concepção propriamente sua
de espaço e tempo.
Logo, o problema kantiano, desde 1766 até as suas últimas obras,
foi sempre com a razão. Neste sentido, no problema kantiano, há uma
unidade interna que origina vários outros problemas articulados entre si,
dentre eles o problema teórico e o prático.160

Problema teórico

O problema teórico kantiano pode ser dividido em duas questões:


1ª. A metafísica é possível como ciência?
2ª. Como são possíveis a física e a matemática como ciência?
Em outras palavras, Kant objetivava perguntar como o
160
Mário Ariel González PORTA, Uma aula sobre Kant, p.245

Ontologia I 103
conhecimento a priori é possível na matemática e na física e não na
metafísica. A preocupação kantiana com a possibilidade do a priori é
indicada até mesmo pela forma como Kant elabora as perguntas: para
a matemática e a física, Kant fornece um tratamento diferente daquele
da metafísica; para esta é perguntado sobre a sua possibilidade e para
aquelas é afirmado serem elas conhecimento científico, portanto o que
ele indaga é sobre o modo de efetuar tal conhecimento.
É conveniente lembrar que, para a filosofia kantiana, ciência
é conhecimento universal e verdadeiro. Logo, ele não poderia ser a
posteriori, pois este é baseado, unicamente, na experiência, aspecto
que não garante a universalidade nem a necessidade de nenhum
conhecimento. Então, o conhecimento científico só pode ser a priori.
Por que o conhecimento a priori é possível na matemática e na
física e não na metafísica? Saber a resposta sobre a questão é se fazer
a pergunta sobre a possibilidade de juízos sintéticos a priori, ou seja,
juízos que têm uma necessidade diferente daquela da lógica formal
e, por conseguinte, não se baseiam no princípio de não-contradição.
Portanto, essa é a constatação de Kant da existência de juízos universais
e necessários, mas que também são juízos de ampliação. E Kant afirma:
“... a experiência nos ensina que uma coisa é isto ou aquilo, mas não que
tal coisa pode ser de outro modo...”161
E ainda acrescenta: “...não conhecemos a priori nas coisas senão
aquilo que nós mesmos nelas colocamos...”162
Com isto, nós vimos que o sujeito só pode conhecer a priori algo
que ele representa. O que ele conhece da natureza é o modo como a
realidade lhe aparece, isto é, ele só pode conhecer os fenômenos163 e
não os noumênos164. Neste sentido, a física e a matemática vão se ater
a fenômenos. A metafísica, pelo contrário, objetiva conhecer as coisas
através da razão pura e, por este motivo, na sua busca incessante por
razões, ela produz antinomias.
Desta forma, na parte da Crítica da Razão Pura intitulada Dialética
Transcendental, Kant nos fornece o resultado da busca incessante da
razão e uma destas respostas torna-se um problema importante para que
Kant funde a sua ética. Aqui ocorre a ligação que há entre a Crítica da
Razão Pura e a Crítica da Razão Prática.

161
KANT, Crítica da Razão Pura, p. 3
162
Ibidem, p. 19
163
Aquilo que se representa.
164
O conhecimento da coisa em si.
165
Ibidem,p. 343

104 UNIDADE 03
É na parte da Dialética Transcendental que trata sobre o mundo
que Kant vai abordar a questão da liberdade, mostrando as antinomias
cosmológicas, ou seja, aquelas que sustentam que o problema
cosmológico é o da causalidade, e afirma:

...A causalidade, segundo as leis da natureza, não é


a única donde possam derivar-se todos os fenômenos
do mundo. Para explicá-los, é necessário admitir-se,
ainda, uma causa livre... 165

Como também: “Não há liberdade, mas tudo se dá, no mundo,


exclusivamente segundo as leis da natureza.” 166
Logo, com o acima exposto, o que Kant detecta é que a Metafísica
consegue demonstrar, para um só tema, respostas contraditórias. A
contradição sobre o determinismo e a liberdade põe Kant em dificuldades,
pois se ele recusa a causalidade, não há lei para a natureza e nem a
ciência; se Kant refuta a liberdade, não há ética. Caso ele não dissolvesse
tal questão, nós teríamos que abrir mão do pensamento racional incluindo
o ético.167
A solução de Kant para o impasse acima mencionado tem como
fundamento aquilo que ele denominou de inversão copernicana, isto é,
o conhecimento fundado na análise do sujeito cognoscente, onde este é
parte ativa no processo, impondo as suas intuições puras de espaço e
tempo e os seus conceitos.

O problema prático

O problema teórico kantiano assentado sob a concepção da


inversão copernicana parece resolvido, mas a grande preocupação de
Kant sempre foi com a ética.
Em relação à ética kantiana é acentuada uma forte influência de
Rousseau e isto é constatado desde a fase pré-crítica de Kant. O texto
Observações Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime já evidencia tal
fato. Porquanto, neste momento, é interessante aqui expor a filosofia
rousseauniana, embora vamos comentá-la, apenas, panoramicamente.
Rousseau traça uma linha contínua de pensamento desde o seu
escrito O Discurso sobre a Desigualdade entre os Homens até o seu livro

166
Ibidem,p. 349
167
Mário Ariel González PORTA, Uma aula sobre Kant, p.247

Ontologia I 105
intitulado Do Contrato Social.
No Discurso sobre a Desigualdade entre os Homens, Rousseau
argumenta que o homem nasceu livre e a prática da ideia de propriedade
privada fundou uma sociedade onde a desigualdade é a sua característica
fundamental. Contudo, o homem é essencialmente bom e, sendo assim,
deve buscar o “bom selvagem” que há nele. No Do Contrato Social,
Rousseau mostra as formas de buscar tal natureza e pôr em prática
uma nova sociedade, baseada em uma racionalidade, que é a moral.
Somente, a partir daí, vão ser formadas novas formas de melhor convívio
em sociedade. Logo, na filosofia rousseauniana, a razão passa a ser o
sentimento moral e a metafísica deixa de construir castelos no ar para ter
uma aplicabilidade.
É neste sentido que Kant vai constatar um novo caminho para a
Metafísica. Embora Kant não acreditando que a moral seja um sentimento,
a filosofia rousseauniana aponta para ele a possibilidade de fundar uma
ética sem as falhas que a filosofia dogmática168 tinha.
Pelo motivo acima assinalado, Kant pretendeu fornecer uma
objetividade do dever, isto é, buscar uma universalidade e uma
necessidade para a ética.
Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, livro de Kant
publicado em 1785, ele parte dos juízos da consciência comum procurando
alcançar o princípio racional que os fundamentam, porque para ele:
…as leis morais, com seus princípios, em todo o conhecimento
prático diferenciam-se de tudo o que contenha algo de empírico; e (...)
toda a filosofia moral (...) quando aplicada ao homem (...) fornece-lhe leis
a priori...169
O método que Kant utiliza na Fundamentação é, inicialmente,
analítico: parte do conhecimento vulgar para determinar o princípio
supremo do mesmo. Em seguida, procede ao inverso; sinteticamente,
inicia com a análise desse princípio e das suas fontes e o direciona para
conhecimento do senso comum.
Kant começa afirmando que todas as qualidades superiores do
homem estão relacionadas com a boa vontade. Ela é vontade de agir
por dever. Logo, para se ter o verdadeiro valor moral, é preciso que
toda a ação seja executada por dever. Onde o valor moral de uma ação

168
Corrente que tenta responder todos os problemas somente tomando como paradigma a
razão.
169
KANT, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, p.15
170
Ibidem,p. 60
171
Ibidem,p. 60

106 UNIDADE 03
reside na intenção, porque:“o valor moral (...) depende (...) unicamente
de princípio do querer...” 170 e” o dever é a necessidade de cumprir uma
ação por respeito à lei...”171
Neste sentido, segundo Kant, o homem deve se portar de modo
que sempre queira que a sua máxima seja transformada em lei universal.
Então, o dever, para Kant, não é um conceito empírico e sim
uma ordem a priori. Porém, no homem, a vontade não é perfeita, pois
ele, além de ser racional, encontra-se submetido às inclinações da
sensibilidade. Por este motivo, as leis da razão se apresentam como
imperativos categóricos. Estes podem ser definidos da seguinte forma:
o homem deve proceder como se a máxima de sua ação devesse ser
erigida, por sua vontade, em lei universal da natureza.
Há uma ligação entre a Fundamentação e a Crítica da Razão
Prática. Na terceira seção da Fundamentação, Kant vai se preocupar em
justificar a possibilidade do imperativo categórico, porém na Crítica da
Razão Prática ele vai tomar este aspecto como central para este escrito.
Na Crítica da Razão Prática, Kant objetiva mostrar que a razão
pura é prática no sentido em que ela fornece a lei em que toda moralidade
vai se fundamentar, na qual a lei moral é totalmente independente da
experiência. Neste sentido, a vontade determina a si mesma. Isto significa
que ela é só a forma da lei; isto é o que garante a sua universalidade. Para
tanto, ela precisa ser livre, logo: “a liberdade e a lei prática incondicionada
implicando-se mutuamente...”172 .
Por este motivo, a lei moral deve ser formulada da seguinte maneira:
“age de modo tal que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao
mesmo tempo como princípio de uma legislação universal...”173.
Para Kant, a lei moral é um fato da razão, pois a consciência
do dever é comum a todos os homens. Isto nos mostra que a razão é
legisladora e que ela é livre, porquanto: “a autonomia da vontade é o
princípio único de todas as leis morais e dos deveres conforme a ela.”174.
Na filosofia kantiana, a característica da autonomia é realçada,
porque se o homem partisse dos conceitos de bem ou mal para determinar
a lei moral, ele teria que buscá-los na experiência, esta, contudo, não
garante a necessidade e nem a universalidade de tais conceitos, logo: “o
conceito do bem e do mal não devem ser determinados antes da lei moral

172
KANT, Crítica da Razão Prática, p.52.
173
Ibidem, p.54.
174
Ibidem, p.58.
175
Ibidem,p.125
176
Ibidem, p.73

Ontologia I 107
(...), mas somente depois desta lei e por ela...” 175.
A decorrência da explicação acima é que os conceitos do bem e
do mal são a priori e daí vem o problema de como o bem e o mal podem
ser aplicados a objetos sensíveis, portanto, Kant responde:
... só o racionalismo do juízo se mostra adequado ao uso dos
conceitos morais, pois que não toma a natureza sensível senão aquilo
que também a razão pura pode conceber por si mesmo, a saber,
a conformidade com a lei, e não introduz na natureza supra-sensível
senão aquilo que, por seu turno, possa realmente traduzir-se em ações
no mundo dos sentidos, segundo a regra formal de uma lei natural em
geral...176 .

As conclusões do problema prático

A pergunta central do problema prático kantiano é: por que eu


devo? A resposta de Kant é: eu devo, porque sou um ser racional. O
dever tem a sua fundamentação na razão, onde esta dita as suas próprias
leis. As suas leis vêm através de um imperativo; isto ocorre porque o
homem não é, somente, um ser racional, ele é, também, sensível. Neste
sentido, o ser humano é livre, pois ele impõe para si mesmo as suas
leis, onde a vontade é o seu modo de causalidade. Ela é livre quando se
autodetermina, com isto, ela é autônoma.

A relação entre o problema teórico e prático

O ponto de ligação entre o problema teórico kantiano e o problema


prático é a questão da fundamentação. Na questão teórica eram evidentes
o crescimento da ciência no século XVII e o decréscimo da metafísica,
mas o que não ficava claro era por que um conhecimento a priori como
o científico alcançava verdades e o conhecimento metafísico, também a
priori, não as alcançava. Logo, Kant constatou que a ciência considerava,
apenas, os fenômenos e seus juízos eram sintéticos a priori e a metafísica
gerava antinomias e, desta maneira, contrariava até mesmo um de seus
princípios mais fundamentais: o princípio da não-contradição.
Constatada a questão de que a metafísica não poderia ser
considerada como conhecimento, Kant ainda acreditava que os seus
temas eram fundamentais para o ser humano, como, por exemplo, o da
liberdade.
Assim, tanto como foi feito na ciência, Kant procurou fundamentar

108 UNIDADE 03
a metafísica em algo que não fosse transcendente. A razão passa a ser
tratada, então, de outra forma.
No caso da ciência, o sujeito só conhece apenas fenômenos,
no caso da moralidade há uma necessidade de caráter intelectual, com
validade para todo o ser racional.
Enfim, a pergunta que Kant se colocou foi: como pode a razão
teórica determinar o conhecimento e a razão prática determinar a
vontade?
Para tanto, a razão determina o conhecimento através de intuições
puras de espaço e tempo e de categorias. Por conseguinte, isto remete a
um sujeito, a um eu penso e a uma necessidade fenomênica.
No âmbito da razão prática, as noções de legalidade, vontade,
autonomia e liberdades estão vinculadas. Onde a vontade é um modo de
causalidade, na qual a liberdade é sua propriedade, por este motivo ela
se autodetermina e é autônoma. A sua validez é para todo o ser racional.
Logo, Kant só chega à ideia fundamental da filosofia prática
que é aquela causalidade por liberdade, porque discutiu a causalidade
fenomênica.
O que constatamos é que a questão não-ética para a filosofia
kantiana vai remeter ao fato de que isto será considerado uma instância
a qual vai auxiliar, inicialmente, a solução da possibilidade Ética. Porém,
este aspecto só tem como objetivo esta constatação inicial.
O filósofo de Koenigsberg crê que a razão prática é autônoma,
assim ele procurará um princípio justificador para algo que o senso
comum já sabe, mas não conhece o porquê. Daí é que surge o título da
sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Tanto na Fundamentação da Metafísica dos Costumes quanto
na Crítica da Razão Prática é afirmado que a tradição filosófica prática
sempre utilizou imperativos hipotéticos como a felicidade, a beatitude,
o prazer, o bem-estar, a perfeição ou a glória de Deus. Baseado nisto,
podemos inferir que a tradição não tinha uma Ética. Ela era desprovida
de tal saber, pois, além de não fundamentá-lo coerentemente, restringia-
se a um princípio subjetivo da vontade, decorrendo disto uma pluralidade
de matérias ou fins usados em função da realidade de um fim particular,
qual Kant denomina de material. Isto é relacionado como algo subjetivo,
válido, somente, para uma vontade humana incapaz de fornecer a
universalidade e a necessidade requeridas para uma lei moral, mostrando-
se, assim, insuficiente como princípio supremo de moralidade onde o
caráter universal e necessário tem que prevalecer.

Ontologia I 109
Em suma, a razão prática pura descobre o seu princípio na forma
pura da razão, de maneira autônoma, a partir do imperativo categórico.
Só, desta maneira, pode-se fundamentar a moralidade.
O fato da razão é apoditicamente certo. Ele é visto através do
senso comum, mas não é por este fundamentado. Os seus fundamentos
são a priori, eles estão estabelecidos por si mesmos. Caso contrário, não
há princípios para o juízo moral, pois eles, desta forma, não podem ser
universalizados e se não forem assim, não se pode falar da existência de
tais princípios.
Tudo o que é não-ético na filosofia prática kantiana pode-se,
panoramicamente, afirmar que é o todo caracterizado pela palavra
heteronomia. Com ela se entende a decorrência e a dependência da
vontade às causas e aos interesses externos. Os princípios heterônomos
podem ser empíricos ou racionais. Os primeiros baseados no sentimento
físico ou moral. Os segundos baseados na perfeição relacionada à vontade
do homem ou baseados em um conceito de perfeição independente
advindo de Deus o qual é causa determinante da vontade do ser humano.
Neste caso, quando a ação do homem é vista determinada
diretamente através da inclinação heterônoma da vontade para
objetos sensíveis, a noção de causalidade não fundamenta a lei moral,
neste sentido, ela será pressuposto de procedimentos antiéticos, um
fundamento subjetivo da apetição, afirmando a liberdade relacionada
ao mundo sensível. Sendo desta maneira, o sujeito é desprovido de
espontaneidade, reagindo, somente, a estímulos, debilitando a liberdade
da vontade, determinando-a por objetos fora dela, através de determinação
a posteriori ou combinando elementos puros com empíricos. Segue-se
daí que, se o homem age desta forma, a sua consciência age de acordo
com o dever e, assim, a ação do ser humano é motivada por uma vontade
patologicamente determinada, com isto, a moralidade não é baseada
na intenção, pois, se determinadas ações ocorrem por dever, elas não
podem ser consideradas como princípios morais e, sendo assim, são
antiéticos.

A prioridade do justo em Kant

O projeto kantiano é deduzir, tomando como parâmetro o imperativo


categórico, a ética e o direito. Para tanto:

177
Otfried HÖFFE, O que é justiça? p. 77.

110 UNIDADE 03
...O pertinente princípio de justiça, o da liberdade igual, é
formulado por Kant na sua Rechtslehre/ Doutrina do direito (§ B). O seu
conceito moral do direito retoma o cerne da ideia de justiça, vale dizer a
rigorosa imparcialidade. Ele vincula o princípio moral geral (“lei universal
da liberdade “) à condição de aplicação do direito, isto é, ao convívio (...)
E Kant considera esse direito das pessoas a “menina dos olhos de Deus
sobre a Terra... (Vorlesung über Pädagogik/Preleção sobre pedagogia, p.
490).177
Há uma distinção entre ética e direito: o fundamento da ética é o
próprio dever; em contrapartida, o direito é determinado por elementos
sensíveis. Nele é somente considerada a exterioridade das ações e
“... O Direito é, pois, o conjunto das condições sob as quais o arbítrio
de cada um pode conciliar-se com o arbítrio de outrem segundo uma
lei universal da liberdade...”178. Assim, o direito está inscrito entre as
relações intersubjetivas e ele encontra-se presente no campo das
relações práticas do homem com outros homens, onde cumpre salientar
que a ligação é entre dois arbítrios e ela não ocorre segundo desejos,
porquanto o arbítrio é a consciência da possibilidade de alcançar um fim
determinado. Então:

...para constituir-se uma relação jurídica é necessário


que aconteça o encontro não somente de dois desejos
ou de um arbítrio com um simples desejo, mas de duas
capacidades conscientes do poder que cada um tem de
alcançar o objeto do desejo...179.

A relação de um arbítrio com o outro considera, apenas, a forma


e não a matéria na relação dos dois arbítrios. Assim, o direito não vai se
preocupar com os fins individuais ou utilitários do sujeito, mas, somente,
em prescrever as formas na relação dos arbítrios; a preocupação é a de
como se deve fazer.
Nestes termos, o problema kantiano é o que o direito deve ser,
isto é, Kant vai se preocupar com a questão da justiça, isto é, “... do
critério com base no qual seja possível distinguir o que é justo do que é
injusto...180”. Assim, a preocupação kantiana é com o que deveria ser o
direito e sua correlação com o ideal de justiça. Isto leva a considerar que
mesmo que não exista nenhuma legislação que corresponda ao seu ideal

179
Norberto BOBBIO, Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, p. 69.
180
Ibidem, p. 71.
181
KANT, Metafísica dos costumes, p. 43.

Ontologia I 111
de justiça, a definição kantiana do que é justo continuará verdadeira,
porquanto ela só indica o ideal que o legislador deveria adequar-se.
O ideal de justiça de Kant pode ser definido como justiça
e liberdade. Desta forma, o direito é, assim, entendido como limite à
liberdade individual, só assim todos os membros da associação podem
usufruir de igual liberdade sempre compatível com a do outro. O que
importa é a relação mútua dos arbítrios e a universalidade da lei. Nisto
ocorre a coexistências de liberdades externas e Kant afirma:
...Se, portanto, a minha ação ou, em geral, o meu estado pode
coexistir com a liberdade de cada um segundo uma lei universal, aquele
que me coloca impedimentos comete perante a mim um acto injusto;
pois que esse impedimento (essa resistência) não pode coexistir com a
liberdade segundo leis universais..181).
Portanto, continua Kant:

...a lei universal do Direito é: age exteriormente de tal


modo que o uso livre do teu arbítrio possa coexistir com
a liberdade de cada um segundo uma lei universal; esta
é, na verdade, uma lei que me impõe uma obrigação,
mas que de todo não espera, e muito menos exige,
que deva eu próprio restringir a minha liberdade a
essas condições em virtude dessa obrigação, mas,
pelo contrário, a razão diz apenas que a liberdade, na
sua idéia, encontra-se limitada a tal requisito e que ela
pode, no plano dos factos, ser limitada por outros...182

Neste sentido, o direito de cada um vai até onde começa o do outro,


onde a universalidade da lei é dada a priori, fundada na liberdade que é
autonomia e o problema que se apresenta aqui é o de conciliar liberdade
com coação. Assim, a coação não invalida a liberdade, porquanto ela
vai de encontro ao que é injusto. Ela é contrária a tudo que é contra a
liberdade e a noção de direito é relacionada à noção de coação, pois o
dever jurídico é a ação conforme o dever. A obrigação jurídica, então,

182
Ibidem, p. 44.

112 UNIDADE 03
deve basear-se na razão prática, onde a autonomia é a exigência de
participação de todos na legislação.
Assim, segundo Kant, a passagem do estado de natureza ao
estado civil é um dever para o homem; é a constituição do Estado, onde
esta é uma exigência prática. Isto tudo acontece por meio de um contrato
originário.
O contrato originário não é um fato histórico, mas uma ideia da
razão, um princípio ideal que justifica racionalmente o Estado. Então,
nele todos deixam a liberdade externa para retomá-la novamente
como membro do Estado, abandonando uma liberdade selvagem para
conseguir uma liberdade que advém da vontade de legislar. Trata-se,
então, de submissão à lei que o próprio homem se dá, ou seja, trata-se
de ter liberdade com autonomia.

Ontologia I 113
1.Qual o problema filosófico visto em Descartes? Explique.
2.A partir do texto sobre Descartes, qual a diferença entre razão moderna e
antiga? Explique.
3. Qual a importância do argumento da existência necessária de Deus na
filosofia de Descartes?
4.Qual é o significado de Deus na teoria de Spinoza? O que isto significa e
quais as decorrências?
5.Por que em Berkeley o ceticismo decorre, também, de Descartes e Locke?
6.Pesquise sobre a influência da filosofia de Leibniz no pensamento kantiano.
Justifique sua resposta.
7.Por que a filosofia de Locke ainda tem resíduos metafísicos? Pesquise.
8.Comente sobre os significados da substância em Descartes, Spinoza,
Locke, Berkeley e Hume.
9.Em que sentido Hume questionou o princípio de causalidade?
10.Pesquise e comente sobre a relação entre o princípio de causalidade,
Hume e a filosofia kantiana.
11.Comente e relacione os problemas que norteiam a Crítica da Razão Pura
de Kant.

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