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MÉTODOS E TÉCNICAS DA PESQUISA: modelando as ciências

empresariais
Organizadores: Duilio de Avila Bêrni e Brena Paula Magno Fernandez

Os Autores
Antônio Marcelo Fontoura: Bacharel em ciências econômicas pela UFSC. Economista do
Bureau de Estudos Empresariais e Políticas Públicas.

Brena Paula Magno Fernandez: Doutora em Ciências Humanas pela UFSC. Professora do
Departamento de Economia da UFSC.

Carmen Gelinski: Doutora em Engenharia da Produção pela UFSC. Professora do Departamento


de Economia da UFSC.

Cecília Schmitt: Mestre em Economia do Desenvolvimento pelo Programa de Pós-Graduação


em Economia da PUCRS. Economista da Petrobrás.

Claídes Abegg: Doutora em Epidemiologia pela University of London. Professora do


Departamento de Odontologia Social da UFRGS.

Duilio de Avila Bêrni: Doutor em Economia pela University of Oxford. Professor dos
Departamentos de Economia da UFSC e PUCRS (aposentado).

Eduardo Pontual Ribeiro: Doutor em Economia pela University of Illinois at Urbana-Champaign.


Professor do Instituto de Economia da UFRJ.

Eva Yamila da Silva Catela: Doutora em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. Professora do
Departamento de Economia da UFSC.

Helton Ricardo Ouriques: Doutor em Geografia Humana pela UNESP. Professor do


Departamento de Economia da UFSC.

João Rogério Sanson: Doutor em Economia pela University of Vanderbilt. Professor do


Departamento de Economia da UFSC.

José Antonio Fialho Alonso: Mestre em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em


Economia da UFRGS. Economista da Fundação de Economia e Estatística.

Luiz Carlos de Carvalho Jr.: Doutor em Engenharia da Produção da UFSC. Professor do


Departamento de Economia da UFSC.

Magda Chagas: Doutora em Linguística pela UFSC. Professora associada do Departamento de


Ciências da Informação/CIN da UFSC.

Pedro Alberto Barbetta: Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC. Professor dos
Departamentos de Informática e de Estatística da UFSC.

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Roberto Meurer: Doutor em Engenharia da Produção pela UFSC. Professor do Departamento
de Economia da UFSC.

Soraya M. Vargas Cortes: Doutora em Políticas Sociais pela London School of Economics and
Political Science - University of London. Professora do Departamento de Sociologia e do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS.

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SUMÁRIO RESUMIDO

Prefácio

Capítulo 1 Fundamentos da Ciência Moderna e as Origens do Conhecimento Científico


(Fundamentos)

Brena Paula Magno Fernandez e Duilio de Avila Bêrni

Capítulo 2 Os Métodos da Ciência (Métodos)

Brena Paula Magno Fernandez e Duilio de Avila Bêrni

Capítulo 3 A Epistemologia: principais concepções (Epistemologia)

Brena Paula Magno Fernandez e Duilio de Avila Bêrni

Capítulo 4 Como Fazer Monografias (Monografias)

Duilio de Avila Bêrni e Helton Ricardo Ouriques

Capítulo 5 Como Fazer Anotações de Leituras, Redação de Críticas e Resenhas


Bibliográficas (Anotações)

Roberto Meurer e Luiz Carlos de Carvalho Jr.

Capítulo 6 Como Fazer Levantamentos de Dados (Dados)

Duilio de Avila Bêrni, Claídes Abegg e Adalmir Marquetti

Capítulo 7 Como Fazer o Planejamento e Cálculo de Tamanhos de Amostras (Amostras)

Pedro Alberto Barbetta

Capítulo 8 Como Fazer Pesquisa Bibliográfica e Formatar Referências e Ilustrações


(Bibliográfica)

Magda Chagas

Capítulo 9 Como Fazer Descrição e Análise Quantitativa de Dados (Quantitativa)

Eva Yamila da Silva Catela, Duilio de Avila Bêrni e Brena Paula Magno Fernandez

Capítulo 10 Como Fazer Análise Qualitativa de Dados (Qualitativa)

Soraya M. Vargas Cortes

Capítulo 11 Como Fazer Projetos de Pesquisa e seus Relatórios de Acompanhamento


(Projetos)

3
José Antonio Fialho Alonso e Duilio de Avila Bêrni

Capítulo 12 Como Organizar um Plano de Estudos (Plano)

Duilio de Avila Bêrni

Capítulo 13 Como Melhorar o Desempenho nos Estudos, Exames, Apresentações de


Seminário e Monografias (Desempenho)

Carmen Gelinski

Capítulo 14 Como Recompor as Fórmulas de Economia Matemática (Matemática)

João Rogério Sanson e Antonio Marcelo Fontoura

Capítulo 15 Como Recompor as Fórmulas de Estatística e Econometria (Estatística)

Eduardo Pontual Ribeiro e Cecília Schmitt

REFERÊNCIAS

ÍNDICE ANALÍTICO

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SUMÁRIO

Prefácio

Introdução
Ana Maria Bianchi

Capítulo 1 Fundamentos da Ciência Moderna e as Origens do Conhecimento


Científico (Fundamentos)
Brena Paula Magno Fernandez e Duilio de Avila Bêrni

1.1 Primeiras Manifestações do Pensamento Científico na Modernidade

1.2 Conceito e Classificação das Ciências


1.2.1 Ciência: caráter e finalidade

1.2.2 Ciências formais (ou não empíricas) e ciências factuais (ou empíricas)

1.2.3 Ciência Pura e Ciência Aplicada

1.3 Caracterização do Conhecimento Científico


1.3.1 Linha Divisória entre Ciência e Não-Ciência

1.3.2 Hipóteses, Leis, Teorias e Modelos

1.3.3 Lógica e Cálculo Proposicional Clássico

1.3.4 Modus Tollens e a Falácia da Afirmação do Consequente

Capítulo 2 Os Métodos da Ciência (Métodos)


Brena Paula Magno Fernandez e Duilio de Avila Bêrni

2.1 O Método Indutivo


2.1.1 A Natureza da Indução

2.1.2 O Problema da Indução

2.1.3 Indutivismo na Ciência Econômica

2.2 O Método Dedutivo


2.2.1 A Natureza da Dedução

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2.2.2 Formas das Explicações Científicas: o método hipotético-dedutivo

2.2.3 Explicação Causal

2.2.4 O Método Dedutivo na Ciência Econômica

2.3. Singularidades Metodológicas das Ciências Sociais


2.3.1 Especificidade dos Fenômenos Sociais e Humanos

2.3.2 Tipos de Explicação

2.3.3 A Hermenêutica e a Busca de Compreensão dos Fenômenos Sociais e Humanos

Capítulo 3 A Epistemologia: principais concepções (Epistemologia)


Brena Paula Magno Fernandez e Duilio de Avila Bêrni

3.1 O Positivismo Lógico

3.2 O Falseacionismo de Popper


3.2.1 Critérios de Demarcação e Falseacionismo

3.2.2 O Papel das Conjeturas no Falseacionismo

3.2.3 O Anti-Indutivismo

3.2.4 O Racionalismo Crítico

3.2.5 O Realismo

3.2.6 O Crescimento do Conhecimento

3.2.7 A Influência de Popper na Economia e a Tese de Friedman

3.3 Os Paradigmas de Kuhn


3.3.1 Refutação versus Revolução

3.3.2 As Fases da Ciência: pré-científica, normal e revolucionária

3.3.3 Paradigmas como Visões de Mundo

3.3.4 Incomensurabilidade e o Critério da Verossimilhança

3.3.5 A Influência de Kuhn na Economia

3.4 Os Programas de Investigação Científica de Lakatos


3.4.1 O Núcleo Rígido e o Cinturão Protetor

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3.4.2 A Influência de Lakatos na Economia

3.5 Discussões Metodológicas na Atualidade e uma Palavra sobre o


Pluralismo
4. Como Fazer Monografias (Monografias)
Duilio de Avila Bêrni e Helton Ricardo Ouriques

4.1 Considerações Iniciais

4.2 Dando a Partida


4.2.1 Primeiras Medidas Operacionais

4.2.2 Escolhendo o Tema

4.2.3 Localizando as Fontes de Informação

4.2.4 Elaborando um Roteiro Preliminar

4.2.5 Pesquisando a Bibliografia

4.3 Escolha do Tema da Pesquisa Econômica


4.3.1 Escolha e Consequências

4.3.2 As Seis Perguntas Capitais

4.3.3 Reforçando os Contornos da Escolha

4.3.4 Temas Estruturados e Não-Estruturados

4.3.5 A Extensão da Pesquisa

4.4 Apresentação e Redação


4.4.1 O Alfa e o Ômega da Escrita

4.4.2 O Texto: 10 Regras

4.4.3 Composição: a Regra dos 7 Cs

4.4.4 Novos Regramentos

4.5 Sobre a Formatação do Ensaio


4.5.1 Termos Essenciais

4.5.2 Termos Integrantes

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4.5.3 Termos Acessórios

4.5.4 O Tipo (fonte) de Letra e Outros Aspectos Formais

5. Como Fazer Anotações de Leituras, Redação de Críticas e Resenhas


Bibliográficas (Anotações)
Roberto Meurer e Luiz Carlos de Carvalho Jr.

5.1 Considerações Iniciais

5.2 A Leitura

5.3 Utilizando o Microcomputador

5.4 Tipos de Leitura

5.5 Alguns Princípios e um Único Fim

5.6 Tipos de Anotações


5.6.1 Sublinhando ou colorindo, ou ambos

5.6.2 Sumários

5.6.3 Esquemas

5.6.4 Resumos

5.6.5 Notação Matemática: sentenças e equações

5.7 Resenhas Bibliográficas


5.7.1 O Conhecimento é o Começo

5.7.2 Algumas Definições

5.8 Resenhas: Curtas e Longas


5.8.1 Sobre o Livro e o Autor

5.8.2 Aspectos Formais

5.8.3 Apreciação Crítica do Livro

5.9 Fazendo Crítica a Trabalhos Científicos

6. Como Fazer Levantamentos de Dados (Dados)

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Duilio de Avila Bêrni, Claídes Abegg e Adalmir Marquetti

6.1 Considerações Iniciais

6.2 Tipos de Levantamento de Dados

6.3 Escalas de Medida e Erros Associados à Mensuração

6.4 Levantamento de Dados Primários


6.4.1 Entrevista Pessoal

6.4.2 Entrevista em Grupo (ou grupos focais)

6.4.3 Pesquisa pelo Telefone

6.4.4 Pesquisa pelo Correio

6.4.5 Pesquisa Preenchida pelo Próprio Entrevistado

6.4.6 Uso do E-mail e da Rede Mundial de Computadores

6.4.7 Experimentos de Laboratório

6.4.8 Observações sobre o Uso de Entrevistas

6.5 Dados Primários: Sugestões para a Elaboração de Questionários


6.5.1 Afunilamento: Normal e Invertido

6.5.2 Questões Fechadas e Abertas

6.5.3 Check List para a Busca de Dados Primários

6.6 Levantamento de Dados Secundários


6.6.1 Caracterização Geral da Busca dos Dados Secundários

6.6.2 Sistemas Online de Disseminação de Dados

6.6.3 Check List para a Busca de Dados Secundários

6.7 Controlando a Qualidade da Coleta dos Dados Coletados


6.7.1 Dados Primários ou Dados Secundários

6.7.2 A Importância do Estudo Piloto na Montagem de Questionários

7. Como Fazer o Planejamento e Cálculo de Tamanhos de Amostras


(Amostras)

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Pedro Alberto Barbetta

7.1 Considerações Iniciais

7.2 Classificação dos Diferentes Tipos de Amostragens

7.2.1 Amostragens Aleatórias ou Probabilísticas

7.2.2 Amostragem Aleatória Simples

7.2.3. Amostragem Sistemática

7.2.4 Amostragem Estratificada

7.2.5 Amostragem por Conglomerados

7.3 Amostragens Não Aleatórias ou Não Probabilísticas

7.3.1 Amostras Não Aleatórias: introdução

7.3.2. Amostragem por Cotas

7.3.3 Amostragem de Conveniência

7.3.4 Amostragem de Voluntários

7.3.5 Amostragem Acidental

7.3.6 Amostragem por Julgamento

7.3.7 Estudos de Caso

7.3.8 Observações Finais sobre o Estudo de Amostragens Não Aleatórias

7.4 Parâmetros e Estatísticas

7.5 Concepção Geral do Cálculo do Tamanho da Amostra: Exemplo da Estimativa de


uma Média com uma Amostra Aleatória Simples

7.6 Tamanho de Amostra para Estimar Proporções

7.7 Algumas Formulações para a Amostragem Estratificada

7.8 Estudos Comparativos

8. Como Fazer Pesquisa Bibliográfica e a Formatação de Referências e


Ilustrações (Bibliografia)
Magda Chagas

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8.1 Considerações Iniciais

8.2 Pesquisa Bibliográfica

8.3 Recuperação da Informação


8.3.1 Lógica Booleana na Pesquisa Eletrônica

8.3.2 Fontes de Informações Bibliográficas na Internet

8.4 Citações

8.5 Referências

8.6 Formatação de ilustrações e tabelas

9. Como Fazer Descrição e Análise Quantitativa de Dados (Quantitativa)


Eva Yamila da Silva Catela, Duilio de Avila Bêrni e Brena Paula Magno Fernandez

9.1 Considerações Iniciais

9.2 A Investigação Econômica Empírica


9.2.1 Os Estudos Teóricos

9.2.2. Os Estudos Históricos

9.2.3 Os Estudos Empíricos

9.3 As Variáveis Econômicas e o Mundo das Teorias


9.3.1 Primeiras Classificações

9.4 Tratamento das Variáveis e Descrição dos Dados


9.4.1 Indicadores e Índices

9.4.2 Deflacionamento de Variáveis Monetárias

9.4.3 Séries Temporais e seu Tratamento

9.4.4 O Método R e o Método RAS


9.5 Descrição e Explicação das Variáveis Econômicas
9.5.1 Descrição de Dados: análise univariada
9.5.2 Análise Bivariada: correlação

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9.5.3 Relação entre Variáveis: análise de regressão simples
9.5.4 Análise Multivariada: regressão múltipla

9.5.5 Análise Multivariada: análise de aglomerados (clusters ou conglomerados)

9.6 Resumo

Capítulo 10 (Qualitativa) Como Fazer Análise Qualitativa de Dados


Soraya M. Vargas Cortes

10.1 Considerações Iniciais

10.2 Análise Qualitativa de Dados: Definição e Interfaces com a Análise


Quantitativa

10.3 Quando Empregar a Análise Qualitativa de Dados

10.4 Principais Técnicas de Coleta de Dados para a Análise Qualitativa


10.4.1 A Entrevista: principal instrumento de coleta de dados qualitativos

10.4.2 Características e Convenções Relativas às Entrevistas

10.4.3 Coleta de Dados por Meio da Observação

10.4.4 Coleta de Documentos

10.5 Técnicas de Análise Qualitativa de Dados

10.6 Analisando o Conteúdo


10.6.1 Conteúdo e Comunicação

10.6.2 Análise Temática

10.6.3 Outros Tipos de Análise de Conteúdo

10.6.4 Analisando o Discurso

10.7 Aprofundando a Análise de Conteúdo


10.7.1 Definindo a Unidade de Análise

10.7.2 Construindo Categorias

10.8 Métodos de Análise Dados Qualitativos


10.8.1 Conceitos, Construções e Termos Teóricos

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10.8.2 A Indução Analítica

10.8.3 Teoria com Base no Campo

10.9 Análise de Regressão e Informação Qualitativa

10.10 Síntese Avaliativa

11. Como Fazer Projetos de Pesquisa e seus Relatórios de


Acompanhamento (Projetos)
José Antonio Fialho Alonso e Duilio de Avila Bêrni

11.1 Projetos de Pesquisa

11.2 Os Relatórios de Andamento de Pesquisa

12. Como Organizar um Plano de Estudos (Plano)


Duilio de Avila Bêrni

12.1 Considerações Iniciais

12.2 Plano de Estudos: identificação e objetivos da disciplina

12.3 Conteúdo Programático

12.4 Cronograma de Atividades

12.5 Considerações Finais

13. Como Melhorar o Desempenho nos Estudos, Exames, Apresentações


de Seminário e Monografias (Desempenho)
Carmen Gelinski

13.1 Considerações Iniciais

13.2 Como Estudar

13.3 Planejando os Períodos de Estudo

13.4 Como se Preparar para Exames e Como Neles se Comportar

13.5 Sobre a Apresentação Oral do Trabalho Científico

13.6 Como Preparar uma Apresentação

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14. Como Recompor as Fórmulas de Economia Matemática (Matemática)
João Rogério Sanson e Antonio Marcelo Fontoura

14.1 Considerações Iniciais

14.2 Matemática Pré-Universitária

14.3 Matrizes, Determinantes e Sistemas de Equações

14.13 Cálculo Integral e Diferencial

15. Como Recompor as Fórmulas de Estatística e Econometria (Estatística)


Eduardo Pontual Ribeiro e Cecília Schmitt

15.1 Considerações Iniciais

15.2 Estatística Descritiva e Probabilidade

15.3 Variável Aleatória

15.3.1 Uma Variável Aleatória

15.3.2 Mais de uma Variável Aleatória

15.4 Principais Distribuições de Probabilidade

15.5 Inferência Estatística

15.6 Econometria

15.6.1 O Modelo Clássico e o Método dos Mínimos Quadrados

15.6.2 Regressão Múltipla

REFERÊNCIAS

ÍNDICE ANALÍTICO

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Prefácio
PREFÁCIO

Este livro é uma segunda edição. Modificada e atualizada. Entraram e saíram capítulos, entraram
e saíram autores. Resultado: segunda edição revista e atualizada. A ficha catalográfica mudou
radicalmente por causa de cindo letras: a, b, e, n e r – Brena. Abrir mão da condição de
organizador exclusivo para dividir com Brena o trabalho pré-editorial foi uma glória. Abrir os
arquivos de uma parceria com Duilio – seis letras – foi estimulante. Ambos remexemos em tudo,
pois alguns autores remanescentes também o fizeram. Muita coisa, porém, agrupou-se na
cláusula ceteris paribus. Mutatis mutandis, o que segue recende ao prefácio da primeira edição,
com acréscimos de transição mais voltados à área da metodologia do que a não menos
importante das técnicas.

Mesmo nos dois casos – apenas metodologia ou apenas técnica de pesquisa – há muitas
comunalidades. Por exemplo, em ambas se aspira a chegar ao conhecimento verdadeiro. Tal
ambição é relevante, quando se consideram duas sentenças como

a) elevar o salário mínimo eleva o emprego ou


b) elevar o salário mínimo reduz o emprego.

Algo nestas duas proposições soará como conhecimento falso. Menos controverso, no mundo
das proposições falsas é a seguinte: o E.T. do filme “O Extraterrestre” era um extra-terrestre de
poderes tão especiais que levou-nos a pensar que se tratava de um ator ou uma animação
terráqueos. Mais preocupante, ainda, é nossa capacidade de diferenciarmos o bem do mal. Por
isto gostaríamos de ajudar o desenvolvimento da ética na vida societária e, em particular, no
exercício das profissões destinatárias deste livro.

Sobre o conhecimento falso, em nossas duas proposições opostas (chamadas de contrárias no


“quadrado lógico” que veremos no primeiro capítulo) sobre as consequências da adoção e
variação do salário mínimo que elas não podem ser simultaneamente verdadeiras. Ou a elevação
do salário mínimo faz-se acompanhar de uma elevação ou de uma redução – nunca as duas
simultaneamente – do nível de emprego. A mais confiável resposta que podemos dar a tal
pergunta é a que se origina de um tipo especial da sabedoria humana, o conhecimento científico.

Retornando às proposições sobre o salário mínimo, parece-nos evidente que, no máximo, uma
destas duas proposições será verdadeira, nunca as duas simultaneamente. Por que dissemos no
máximo? Porque o salário mínimo pode não ter qualquer tipo de relação com o emprego.

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Mas, se tiver, será que é relação direta ou inversa? Nunca poderá ser simultaneamente
responsável pela elevação e pela redução do emprego. A mais confiável resposta que podemos
dar a tal pergunta é a que se origina de um tipo especial de conhecimento, o conhecimento
científico, em particular, a ciência econômica, as demais ciências sociais, a psicologia, a
engenharia industrial, e por aí vai. Recortá-la como requerendo uma explicação econômica
significa reduzir os talvez bilhões de variáveis que influem sobre a elevação do emprego a meia
dúzia de variáveis manipuláveis sob o ponto de vista qualitativo e, acalentamos a esperança! –
também quantitativo. Assim, se nosso interesse for mesmo ter que contribuir para a implantação
de políticas públicas que contribuam para a elevação do bem-estar da sociedade, teremos que
optar: recomendamos a criação-manutenção? Recomendamos elevação ou redução? Qualquer
que seja a resposta errada haverá penosas consequências para um número expressivo de
pessoas. Dizemos penosas, pois nossa ética leva-nos a pensar nos despossuídos, nos
desprotegidos, nos pobres, nos jovens e velhos abandonados. Precisamos estudar, precisamos
de livros, ainda que estes não mais sejam produzidos à custa das árvores e do meio-ambiente,
cuja qualidade desejamos preservar – segunda declaração ética deste prefácio – para as
gerações futuras.

Na primeira edição, foi anunciado que o mundo maravilhoso dos livros estava com seus dias
contados, pois o computador e outras facilidades da vida moderna foram amplamente
disseminados para a vida cotidiana de estudantes, professores e outros – por definição –
estudiosos. Tudo ou quase tudo do que lemos está chegando a nós por meio da tela de algum
outro aparato eletrônico, não mais de papel. A hegemonia do papel na transmissão do
conhecimento terá, assim, durando bem menos de mil anos. Não é muito tempo, caso
consideremos que, cinquenta mil anos atrás, o homem nem sequer sabia que assim se
chamava. E é uma eternidade, caso se considere que a Revolução Industrial ocorreu há quase
250 anos, quando também surgiram os fundamentos daquilo que hoje chamamos de ciência
econômica. De qualquer modo, as pessoas seguirão lendo, pois a visão é uma forma muito
mais eficiente de se obter mais informação por unidade de tempo do que, por exemplo, a
audição. Hoje se sabe que a Internet tem feito aumentar, e não diminuir, o consumo de papel.

Ademais, o livro em si é um objeto de arte. Como tal, seus textos e gravuras são eternos.
Assim, a transmissão de conhecimento científico parece fadada a centrar-se na visão e
audição, que inclui as ciências experimentais e, obviamente, as ciências sociais. Neste sentido,
o livro destina-se a estudantes e profissionais das mais diversas áreas, como economia,
administração, contabilidade, finanças, engenharia econômica, ciências sociais, antropologia e
etnografia. Buscamos apresentar um panorama de como se faz pesquisa (técnicas e estudo) e

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como transformá-la em um ensaio, monografia, trabalho de conclusão de curso. Assim,
explica-se desde como construir a monografia — um trabalho versando sobre um único tema
—, até a apresentação de conceitos correlatos. As regras da monografia científica de boa
qualidade são razoavelmente assemelhadas, independentemente da área da pesquisa: o
importante é conhecer o método e não o objeto. Essencialmente, a monografia consta de
algumas partes razoavelmente fixas: apresentar uma idéia a ser defendida ou justificada,
argumentar e concluir. Hoje, a tarefa de escrever um artigo ou livro tem um caráter
nitidamente artesanal, que se resume a etapas: localizar, adquirir, ler, resumir, classificar e
elaborar. Todavia a prática do estudo e da pesquisa levarão fatalmente o investigador diligente
a expandir esse sexteto.

Dito isto, poderia parecer que se apresentam instruções rígidas a serem seguidas sem um
único pestanejar por parte do estudante-pesquisador. Nada mais falso! Este livro não se
propõe a ditar um novo cânone para o trabalho de conclusão de curso de economia e as áreas
correlatas recém mencionadas. Mesmo os grandes clássicos da literatura e as grandes revistas
exibem diferenciações formais, seja na numeração ou não da introdução, na bibliografia e
notas ou na forma de se fazer a apresentação das referências bibliográficas. O que se sugere
aqui, em resumo, não são regras, mas flexíveis indicações aos autores-estudantes para que o
próprio cânone possa ser infringido, mudando marginalmente, de modo a, com o tempo,
evoluir para a consolidação de um cânone moderno, incorporando novas mudanças marginais,
ad aeternum. Em qualquer caso, um único ponto é dogmático: deve ocorrer acordo, pelo
menos, sobre o que se esta estudando.

Este livro pode ser objeto de variados tipos de planos de estudos e sequências alternativas de
leitura. Em parte, ele se baseia no que dizem ter sido feito por Graciliano Ramos: por um lado,
seu "Vidas Secas", um romance desmontável, e, por outro lado, o famoso relatório de suas
atividades como prefeito de Palmeira dos Índios. Espera-se estar apresentando aqui um livro-
texto desmontável. Seu ponto central consiste em associar o aprendizado com alguns tópicos
críticos para a arte da transformação da curiosidade em conhecimento: o de ler, o de pensar, e
o de escrever.

Debruçando-se sobre questões intrincadas, como as metodológicas, e bastante amplas, como


o que é uma teoria e os fundamentos da teoria da medida, a obra é adequada a cursos formais
ou não de metodologia científica, técnicas de pesquisa em economia, ciências sociais ou
administração, redação técnica e outros. Além disso, também é obra de apoio de outras
disciplinas, como auxilio, por exemplo, na elaboração de plano de seus estudos e ensaios

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monográficos curtos. Não se pretende ensinar métodos quantitativos, mas obviamente
questões relacionadas com estas áreas são aqui esmiuçadas. A preocupação com a expressão
formalizada do pensamento ganhou novo empuxo nesta edição, pois avança nas preocupações
epistemológicas tão correntes no meio do ensino, tão negligenciadas e agora tão visíveis nos
três capítulos iniciais.

Concluindo este prefácio, iniciamos nossos agradecimentos endereçando-nos aos autores que
prestigiaram a primeira edição: Adelar Fochezatto, o finado prof. Amilcar Bruno Soares Loureiro,
Ana Lúcia Tatsch, Cláudia Maria Herrlein Pereira, Jorge Ussan, Luiz Augusto Finger Maluf, Sílvia
Horst Campos, Sílvia Maria Berté Volpato e Vera Regina Carvalho. Nunca cansaremos de
agradecer-lhes por terem participado daquele empreendimento. O trabalho artesanal da equipe
da primeira edição comercial, coordenado pela Dra. Flávia Alves Bravin, valorizou
enormemente o material que lhes foi submetido. Uma vez que este originou-se em cursos
ministrados por alguns colegas em diversas universidades brasileiras, foi necessário reciclá-lo e
acrescentar-lhe alguns capítulos para fechar o cerco sobre a pesquisa econômica de qualidade.

De sua parte, a primeira edição recebeu boa acolhida, permitindo-nos identificar mais lacunas,
excessos e imprecisões, o que resultou na atual obra, ainda mais valorizada pelo esforço
artesanal de nossos novos editores. Neste sentido, agradecemos aos leitores que contribuíram
com comentários diversos que levaram à detecção de erros e imprecisões. Tanto naquela
oportunidade como agora, trabalhamos com o conceito de “erro zero”, mas temos a humildade
de reconhecer que receberemos feed-backs dos leitores diligentes, o que muito nos
enriquecerá.

Repetindo o que está dito na primeira edição, gostaríamos de apresentar preitos de gratidão
aos seguintes alunos, colegas, orientadores e professores com quem tivemos a ventura de
conviver: Aaron Dehter, Achyles Barcelos, Costa, Alain Lipietz, André Contri, André Minella,
Andrew Glyn, Antonio Carlos Fraquelli, Beatriz Regina Zago de Azevedo, Carlos Augusto
Crusius, Carlos Henrique Horn, Elizabete Simão Flausino, Enéas Costa de Souza, Eugénio
Cánepa, Fernando Seabra, Francisco Gelinski, Gerônimo Machado, Haralambos Sirnionidis,
Hélio Riograndense, Hugo Ramirez, Jorge Accurso, Julia Hebden, Layr Ceroni, Leonora Lundt,
Maria Aparecida Grendene, Maria de Lourdes Pereira Dias, Marialice de Moraes, Otilia Beatriz
Kroeff Carrion, Pedro Cézar Dutra Fonseca, Pedro Silveira Bandeira, Ricardo Brinco, Roberto
Campos Moraes, Roger Celeste, Ronaldo Herrlein Jr., Sérgio Fischer, Silvia De Gan, Simone
Assumpção, Walter Hahn, Walter N. Teixeira e Zilá Mesquita. Quanto aos estudantes
envolvidos, o número não é menos expressivo: Felipe Brito Vasconcellos, Gustavo Homrich

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Hickman e Luiz Augusto Finger Maluf. Infeliz e indesejadamente, há muitas omissões, além dos
nomes escondidos nas entranhas de nossos corações. Isentando-os da responsabilidade pelos
erros remanescentes, pedimos críticas e sugestões a todos os leitores: estudantes,
pesquisadores, professores, profissionais e o público leitor em geral.

DdAB e BPMF

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Capítulo 1
Fundamentos da Ciência Moderna
e as Origens do Conhecimento Científico
Brena Paula Magno Fernandez e Duilio de Avila Bêrni

1.1 Primeiras Manifestações do Pensamento Científico na Modernidade


A Economia é uma ciência! Um forte indício de que este é um fato, e não mais apenas uma
aspiração, é a inscrição nos diplomas de graduação dos economistas: “Bacharel em Ciências
Econômicas”. Entretanto não é muito usual, infelizmente, que os cursos de graduação em
economia ou de outras áreas científicas, ofereçam uma disciplina específica voltada à
discussão de algumas questões referentes ao caráter da ciência. Falou-se em “infelizmente”,
porque existe um abismo entre duas situações possíveis. De um lado, posta-se aquilo que o
estudante pode aprender explicitamente sobre os aspectos relativos ao método e à origem do
conhecimento envolvidos na investigação científica. De outro, coloca-se aquilo que o
estudante comumente aprende de modo tácito (“por osmose”, como ele mesmo diria...) junto
com os conteúdos científicos específicos das disciplinas. Esta seção deve funcionar como um
ponto de partida para a discussão de questões dessa natureza, começando por um plano
bastante geral, para que, logo em seguida, o leitor possa avançar em tópicos mais específicos
relacionados à ciência econômica.

Hoje em dia, a ciência, etimologicamente scientia (do latim, “saber”), é sinônimo de


conhecimento impessoal, imparcial, desinteressado, confiável, rigoroso, numa palavra,
objetivo, dos fenômenos do mundo. Enquanto processo sistemático de investigação, ela
permite – segundo se passou firmemente a acreditar a partir do advento da Revolução
Científica – distinguir o conhecimento falso do verdadeiro, o acidental do necessário, o
subjetivo do objetivo. Em última instância, essa concepção de ciência permitiria distinguir o
joio do trigo. Mas como se chegou a tal convicção? Por que a ciência assegura um acesso
privilegiado aos fenômenos do mundo, sejam eles físicos, biológicos, sociais ou econômicos? O
que a distingue de outras formas de conhecer, que cronologicamente a antecederam, como o
conhecimento do senso comum ou popular, o conhecimento religioso, o conhecimento
tradicional, o conhecimento mítico, e outras formas de conhecer? Ou, ainda, exatamente o
que confere aos seus resultados fidedignidade e rigor? A resposta que congrega o maior
número de adeptos é uma: o método científico.

A busca por um método que pudesse assegurar algum grau de confiança ao conhecimento é
antiga, e sua história remonta à Grécia. O significado de “Metodologia” é o “estudo do
caminho” (em grego, Mεθοδο, método, “caminho”, “via de acesso a” + λογία , logia, “o estudo
de”). O caminho para se chegar a algum fim predeterminado, que, no caso, era o
conhecimento seguro (ἐπιστήμη, epistēmē), em oposição à mera opinião (όξδα, doxa). Então,
o que hoje se entende por Metodologia é um sub-ramo da filosofia, que nasce
indissoluvelmente ligado seu sub-ramo irmão, a epistemologia, o “estudo do conhecimento”

20
(ἐπιστήμη, epistēmē, “conhecimento”, “ciência” + λογία, logia, “o estudo de”). É nesse sentido
originário que preferencialmente o termo será utilizado, ao longo dos três primeiros capítulos
deste livro.

Feita essa digressão, pode-se voltar à ciência propriamente dita, pensando, por exemplo, no
caso da física. Sendo esta o exemplo mais paradigmático de Ciência (com “C” maiúsculo),
quase sempre se chega a um lugar comum. A física, em particular, e a ciência, em geral, é um
dos empreendimentos cognitivos humanos mais exitosos de que historicamente se tem
notícia. Em primeiro lugar, a ciência provê os resultados teóricos que, aplicados ao âmbito
tecnológico, possibilitaram, possibilitam e devem seguir possibilitando o aparecimento e a
disseminação de inovações tecnológicas inimagináveis em sociedades anteriores, pré-
científicas. Além disso, como resultado da precedência histórica da revolução científica do
século XVII em relação ao capitalismo industrial do século XVIII, a ciência provocou também
uma consequência indireta. Com efeito, a aliança entre uma economia orientada para o
mercado e os frutos do desenvolvimento científico-tecnológico resultou num incremento na
produção de riquezas materiais também incomparável a qualquer outro sistema econômico
anterior.

Para além de suas consequências pragmáticas e econômicas, a ciência foi também responsável
por transformações profundas, que vieram a moldar o moderno senso de realidade. A
atmosfera científico-tecnológica que hoje impera é tão ostensivamente presente em todos os
aspectos cotidianos que é extremamente difícil tomar consciência do modo como essa
cosmovisão impacta sobre a maneira do homem encarar e se posicionar frente à natureza, à
sociedade e, em última instância, frente à própria vida. Por exemplo, quando se toma
conhecimento de alguma nova descoberta científica, não é incomum uma difusa sensação de
“inevitabilidade”. O próprio vocábulo “des-cobrir” – tirar a cobertura, revelar algo que já
existia e que estava oculto –, remete a tal sensação. A ciência “descobre” coisas, ao passo que
outras atividades, também tipicamente humanas, como as artes, a música e a literatura,
inventam, criam, ou seja, dão existência a algo que antes não havia1. Assim, não parece um
absurdo pensar que, se William Shakespeare (1564-1616) tivesse falecido ainda menino, o
mundo jamais teria conhecido Hamlet. Usando o mesmo exercício de imaginação, porém, caso
Isaac Newton (1642-1727) tivesse sofrido o mesmo infortúnio, parece aceitável a ideia de que,
mais cedo ou mais tarde, outro cientista viria em seu lugar, e fatalmente as leis de Newton
hoje teriam apenas outro nome. Essa sensação de “inevitabilidade” relacionada às descobertas
científicas e, consequentemente, ao próprio desenrolar futuro da ciência, faz parte da herança
cultural moderna da humanidade e, enquanto tal, possui uma história que pode ser resgatada.

É possível identificar alguns marcos decisivos na formação desta maneira de perceber o


mundo, esculpida pela ciência e pelo seu método próprio de investigação da realidade. Em
1623, por exemplo, Galileu Galilei (1564-1642) publicou uma das obras primas do período
barroco – Il Saggiatore (O Ensaísta). Nas páginas desse livro encontram-se dois grandes pilares
metafísicos da ciência moderna, congregados na ideia de que a natureza traz em seu interior
uma ordem e uma harmonia intrínsecas. Essa convicção foi imortalizada na célebre passagem:

1Esta ênfase na ideia de “descoberta” envolvendo o conhecimento científico será retomada na subseção 2.1.1 do
capítulo 2 (Métodos), quando as principais teses do método indutivo serão apresentadas.

21
[...] a filosofia está escrita nesse grandíssimo livro que está continuamente aberto
diante de nossos olhos (refiro-me ao universo), mas não se pode entender sem antes
aprender a entender a língua e conhecer os caracteres nos quais está escrito. Ele está
escrito em linguagem matemática, e os caracteres são triângulos, círculos e outras
figuras geométricas, de maneira que sem tais meios é humanamente impossível
entender qualquer palavra; sem tais recursos é como caminhar inutilmente por um
labirinto escuro. (Galilei apud. Rossi, 1997:167. Ênfase acrescentada).

A ciência moderna, personificada aqui na figura de um de seus mais ilustres representantes,


parecia ter descoberto que os fenômenos do mundo material, bem como suas entidades
constituintes, existem e apresentam uma ordem subjacente que independe de qualquer
interação com as práticas ou com a consciência humana. Passou-se a supor, desde então, que
todos os objetos e entidades constituintes do mundo material (ou do mundo dos fatos puros)
são caracterizáveis em termos quantitativos. Como tal, todas as suas interações são regidas
por leis, e todas essas leis são passíveis de tradução para equações matemáticas. Remonta,
portanto, a Galileu a ascendência dos dois valores metafísicos que nortearam o
desenvolvimento da ciência moderna, nomeadamente o realismo2 e o materialismo3. Como
consequência, remonta também à herança galileana a propagação da tese, ainda hoje
extremamente atual, da ciência livre de valores sociais, ou axiologicamente neutra, como preferem expressar
alguns epistemólogos.
A influência do realismo e do materialismo repercute em dois níveis. O primeiro
deles é o nível cognitivo. Se o mundo é regido por leis independentes da história, desde que o
cientista aprenda o alfabeto correto, ou seja, o da matemática, a apreensão dos fenômenos é
algo acessível ao intelecto humano. Talvez por esse motivo pareça inevitável que, cedo ou
tarde, fenômenos cujo comportamento ainda sejam desconhecidos venham a fazer parte do
cabedal de conhecimentos científicos já acumulados.

O segundo nível de influência desses valores metafísicos faz-se notar no âmbito prático.
Costuma-se esperar que pessoas razoáveis, no sentido de seres dotados de racionalidade,
moldem suas escolhas, ações e comportamentos de acordo com os resultados obtidos pelas
pesquisas científicas. Isto porque, supostamente, esses resultados são objetivos e não
subjetivos (no sentido de relativos aos sujeitos individuais). Logo, são também independentes
das perspectivas de valores que possam ser mantidas por quaisquer dos grupos de sujeitos, ou
de pessoas razoáveis. A sensação de inevitabilidade revela aqui sua face pragmática: uma vez
obtido o conhecimento, parece simplesmente inevitável que ele seja aplicado. Em outras
palavras, considera-se “irracional” não agir em consonância com aquilo que informam os
resultados da ciência.

O projeto civilizatório instaurado pela Filosofia das Luzes do século XVII disseminou a
cosmovisão científica. Trata-se da concepção segundo a qual a razão e o método científico são
as únicas fontes de conhecimento válido, devendo-se rejeitar qualquer concepção de mundo

2 Por realismo entende-se aqui a perspectiva metafísica segundo a qual o mundo existe independentemente da
consciência dos indivíduos, e é acessível ao conhecimento humano. Como perspectiva epistemológica, o realismo
costuma afirmar que as teorias até então corroboradas descrevem o mundo, de forma aproximadamente
verdadeira. Com isto, ela se opõe à perspectiva do instrumentalismo, para o qual as teorias nada mais são do que
meros “instrumentos” ou ferramentas de cálculo e predição.
3
O chamado materialismo científico, aqui tratado, refere-se à doutrina segundo a qual a explicação de todos os
fenômenos da natureza poderia ser reduzida a processos que se explicam pelas leis dos movimentos dos corpos e
por mudanças puramente quantitativas.

22
derivada do dogma e da superstição. Além disso, este projeto propagou simultaneamente a
ideia de que o conhecimento científico engendra poder sobre a natureza. A conhecida
afirmação de Francis Bacon (1561-1626), em sua obra Religious Meditations (Meditações
Religiosas) de 1620, é seu exemplo mais contundente: “Pois o próprio saber é poder”. Tem-se
então, para além do realismo e do materialismo, um terceiro valor presente quando do
nascimento da ciência moderna. A partir das contribuições baconianas, firmou-se a convicção
de que, por meio da combinação entre a ciência e seus desdobramentos tecnológicos, este
“saber” estaria vinculado ao controle do homem sobre seu meio (“poder”). Por extensão, a
ciência e a tecnologia estariam avalizando o desenvolvimento material da humanidade.

Ao homem coube a dupla tarefa, portanto, de desvendar os “segredos” dessas engrenagens


causais previsíveis para, de posse desses conhecimentos, intervir no curso dos acontecimentos
futuros. Seu poder permitir-lhe-ia moldá-los, presumivelmente para melhor, de acordo com
seus interesses e expectativas. Hoje em dia entende-se com ainda maior clareza que esse
saber científico muito frequentemente desdobra-se num saber-fazer, que é do âmbito prático
das tecnologias. Estas se tornaram as aliadas mais poderosas da ciência, no esforço de
transformar racionalmente a realidade. Eis a segunda parte do legado científico do século XVII
do qual a sociedade contemporânea é beneficiária.

Não é por acaso que hoje, segundo critérios metodológicos já bem estabelecidos, se prega que
a “boa prática científica” resulta em conhecimentos teóricos que precisam, necessariamente,
incluir pelo menos dois elementos: a explicação e a previsão. A explicação reflete a herança
galileana de explicar racionalmente um mundo que se oferece para ser decifrado, enquanto a
previsão reflete a herança baconiana por controlá-lo e transformá-lo, segundo as necessidades
humanas.

É neste caldo cultural que surge a ciência econômica, incorporando a essas funções as de
descrição, compreensão e recomendação, como será visto com mais vagar nos capítulos 2
(Métodos) e 3 (Epistemologia). Caso seja analisada a partir de uma perspectiva histórica
ampla, a ciência econômica integrou-se a um projeto comum, que norteou o desenvolvimento
das mais variadas disciplinas que aspiravam ao status de ciência à maneira da física. Tendo se
instituído como disciplina independente no último quartel do século XVIII, seu
desenvolvimento foi fortemente norteado pela concepção de cientificidade instaurada na
modernidade, aos mesmos moldes do que foi apresentado acima. Mas essa já é outra
história...

A proposta subjacente desta primeira parte do livro é, por meio de uma exposição sistemática
de algumas questões centrais da epistemologia e da metodologia, estimular o estudante a
pensar a ciência a partir de um ponto de vista filosófico. Parte-se da premissa que um estudo
bem conduzido das principais correntes da metodologia e da epistemologia pode levar o
estudante à elaboração de uma visão mais acurada acerca da natureza do empreendimento
científico, de seus procedimentos e dos processos por meio dos quais o conhecimento

23
científico muda. Tem-se por objetivo encorajá-lo a formar um juízo sobre a ciência baseado em
argumentos críticos4.

Isto acarreta repercussões muito importantes, como, por exemplo, encorajar o estudante a
formar um julgamento sobre as possibilidades da ciência, entendida tanto no sentido mais
amplo, quanto também no sentido mais restrito da ciência econômica. Mas, além disso, e
especialmente, a argumentação crítica deve incentivá-lo a nunca deixar de se perguntar sobre
as limitações do conhecimento científico e, como tal, das previsões e das recomendações dele
derivadas. Em particular, a ciência econômica, por lidar com seres humanos, mostra-se
especialmente sensível ao problema das recomendações, pois estas podem – ou não –
contribuir para melhorar o bem-estar humano e a busca pela liberdade.

Como tal, o próprio julgamento sobre o potencial cognitivo da ciência que abraça requer que o
estudante também busque formação para sustentar suas posições filosóficas sobre a justiça
social, a redistribuição da renda, a preservação do meio-ambiente e a própria liberdade
individual. Neste contexto, é muito importante que se tenha e sempre se renove a consciência
sobre os limites das teorias, bem como sobre suas repercussões éticas e morais. Estas
reflexões funcionam como um excelente exercício de modéstia teórica com relação àquilo que
é, e o que não é, legítimo e possível esperar de cada abordagem. Assim, a confluência entre o
grau de conhecimento da realidade oferecido pela teoria (explicações, etc.) e a postura ética
do profissional da ciência econômica (recomendações de implementação de políticas) servirá
como um bom antídoto contra o desânimo e o desencanto que, vez por outra e por motivos
diversos, costumam se abater sobre os economistas.

1.2 Conceito e Classificação das Ciências


1.2.1 Ciência: caráter e finalidade

Ciência é um vocábulo que costuma designar uma ampla variedade de aspectos. Geralmente
fala-se em ciência, a fim de indicar:

a. um método característico por intermédio do qual o conhecimento é gerado,


b. um acervo de conhecimentos acumulados, referentes aos mais variados domínios do
saber,
c. uma prática/profissão ou um ofício humano e
d. qualquer combinação dos itens anteriores.

Não obstante a utilidade didática de divisões desse tipo, nem sempre é fácil tratar de cada um
desses aspectos de forma pura. A abordagem mais comum parte da concepção encapsulada
no item (d), tratando exclusivamente de alguma combinação entre os dois primeiros
significados. Ainda assim, como este é o momento de propor uma classificação das ciências, o
termo deve ser alinhado com o segundo aspecto, ou seja, um conjunto de conhecimentos
pertinentes às mais diversas áreas de investigação alcançados mediante o uso de um método
específico.

4
O termo “crítico” aqui não significa uma atitude de censura, negativa ou reprovadora. Pelo contrário, a
expressão é usada no sentido etimológico original do grego (κρίσις - krisis), que designa o poder de
distinguir, decidir e julgar.

24
O Quadro 1.1 apresenta duas classificações convencionais do conhecimento científico. Dentro
de cada uma, os requisitos de extaustão e mútia exclusão são obedecidos, ao passo que, lado a
lado, elas devem ser entendidas como complementares. O cabeçalho "conteúdo" volta-se a
aprofundar a primeira e mais notável diferença: aquela que se apresenta entre as ciências
formais (ou não-empíricas) e as ciências factuais (ou empíricas). As primeiras estudam ideias,
seguindo-se daquelas que estudam fatos. De sua parte, o cabeçalho "caráter" elabora sobre a
resposta à questão relativa ao "para quê" das ciências: quais são suas finalidades, a que fim se
direcionam? Voltam-se a conhecer o mundo ou a transformá-lo?

Quadro 1.1 Classificação das ciências quanto ao conteúdo empírico e às finalidades

C o n t e ú d o C a r á t e r

Formais (não empíricas) Empíricas (factuais) Puras Aplicadas


:: lógica Naturais :: física :: busca do conhecimento :: busca de um sistema de
:: matemática :: química puro por meio de enuncia- ação de caráter operatório.

:: biologia dos. Tem finalidade Tem finalidade pragmática.


Sociais :: sociologia cognitiva.
:: ciência
econômica
e :: ciência política
:: história
Humanas :: psicologia

Na próxima subseção, estas duas classificações são exploradas, abrindo caminho tanto para a
caracterização do conhecimento científico quanto para o exame dos métodos usados na
avaliação de sua qualidade.

1.2.2 Ciências formais (ou não empíricas) e ciências factuais (ou empíricas)

A lógica e a matemática são ciências formais, tendo em vista que seus objetos de investigação
não se referem a nenhum fenômeno que se encontre na realidade factual e, como tal, seja
percebido pelo intelecto humano. A física e a ciência econômica, por contraste, constituem
algumas das ciências empíricas, inserindo-se a primeira no ramo das naturais, cabendo à
ciência econômica um lugar nas ciências sociais. Em ambos os casos, o que dá ensejo a todo o
processo de investigação é algum problema ou pergunta não respondida que surge na
realidade, ou no mundo fenomênico, e que requer uma resposta. Tal resposta é articulada por
meio da criação de uma hipótese que encaminhe o tratamento do problema ou pergunta. As
ciências factuais ou empíricas, portanto, são aquelas que dizem respeito aos fatos, às relações
entre os fenômenos observados ou percebidos no mundo, e que possuem por objetivo
explicá-los e predizer futuros acontecimentos5.

Muito embora o procedimento metodológico das ciências formais compartilhe alguns padrões
com aquele das ciências empíricas, existem também algumas diferenças dignas de nota, em

5 Esta concepção estrita com relação aos objetivos da ciência (explicação e previsão) reflete a linha mais
tradicional/ortodoxa da filosofia da ciência, de corte positivista, que pressupõe que todos os âmbitos da
investigação humana, caso se pretendam científicos, devem obedecer aos mesmos cânones metodológicos. Na
seção 2.3 do capítulo 2 (Métodos), esta posição será revista, e os objetivos da ciência serão ampliados.

25
especial no que se refere aos testes das hipóteses criadas para dar conta dos fenômenos
observados nos dois âmbitos de investigação. Como este assunto será tratado com maior
detalhamento na subseção 1.3.4, por ora basta registrar uma diferença. As hipóteses nas
ciências empíricas são proposições que designam algum aspecto do universo natural ou social.
Por contraste, as hipóteses lógicas ou matemáticas são proposições sobre as relações entre
entidades mentais, ou seja, que não existem no mundo real. Sendo assim, a demonstração de
validade ou falsidade dos dois tipos de hipóteses é distinta. Diferentemente das ciências
formais, nas ciências empíricas o teste de hipóteses se dá por meio do confronto de suas
predições com a realidade, ou seja, no chamado “teste empírico”. Com efeito, no caso das
hipóteses formais, por motivos óbvios, o mesmo não pode ocorrer. Por isso, seu ajuizamento
em geral se restringe a dois pontos. O primeiro diz respeito à coerência interna, ou seja, à
prova de que o argumento se encontra livre de erros estruturais lógicos. O segundo se refere à
coerência externa, ou a prova de que a hipótese consegue se enquadrar, de forma consistente,
no sistema abstrato mais abrangente – lógico ou matemático – ao qual pertence.

1.2.3 Ciência Pura e Ciência Aplicada

Contrastando com o enquadramento da ciência nos blocos formal e factual do lado esquerdo
do Quadro 1.1, a segunda categorização das ciências se estabelece a partir dos objetivos que
norteiam a investigação. Diz-se que o cientista faz ciência pura quando seu objetivo é
aumentar o conhecimento que já existe, seja no mundo factual, seja no mundo das ideias.
Trata-se de um objetivo intrínseco ao próprio empreendimento científico, e justamente por
isso acredita-se que a ciência pura atende a valores estritamente cognitivos, ou seja, típicos do
próprio conhecimento.

O cientista faz ciência aplicada quando tem por objetivo aumentar, de algum modo, o poder
de intervenção do homem sobre o mundo e sobre as coisas. Nesse caso, o objetivo da
pesquisa científica será extrínseco, encontrando-se fora dos domínios da própria ciência. Por
ser utilitário, o resultado deste tipo de pesquisa extrapola o âmbito do desejo do aumento do
conhecimento enquanto simples conhecimento e se dirige ao âmbito social, almejando
controle sobre o meio-ambiente que abriga o homem: conhecimento é poder. E é por este
motivo que se diz que a ciência aplicada atende a algum valor social validado pela
possibilidade de debelar necessidades humanas.

Existe, deste modo, um tipo de atitude e de motivação que move o investigador para tentar
ampliar o conhecimento, com o intuito de saber por que o mundo funciona da forma como
efetivamente funciona. De outra parte, a motivação pode ser a busca de conhecimentos
visando a produzir um novo objeto ou prestar um novo serviço, ou ainda desenvolver uma
nova tecnologia para sua produção. Deseja-se entender cada vez mais e melhorar o domínio
humano sobre a natureza. A ciência aplicada utiliza o mesmo método geral da ciência pura e
várias técnicas especiais, aplicando-os a fins pragmáticos.

Diz-se ainda, que os cientistas que fazem ciência pura buscam uma compreensão do mundo
“tal qual ele realmente é”, ou seja, que trabalham no âmbito da ciência positiva. Já com
relação aos cientistas aplicados, como estes buscam a apreensão de um saber que possui
objetivos eminentemente práticos, diz-se que trabalham na esfera da ciência normativa, ou
seja do mundo “tal qual ele deveria ser”. Essa busca por conhecimento, sendo bem sucedida,

26
deve transformar algum aspecto da realidade considerado passível de ser modificado de uma
determinada maneira, normalizando-o. Por exemplo, de acordo com Hessen (1931) nos
séculos XVI e XVII havia uma necessidade prática/econômica premente, que era o
desenvolvimento de equipamentos de ventilação para as minas de carvão. Essa necessidade
pragmática passou a requerer respostas teóricas, e a influenciar diretamente o
desenvolvimento de um ramo da física próprio para responder esse tipo de problemas: a
aerostática. Se a ordem dos acontecimentos foi de fato esta, então a aerostática foi
fortemente impulsionada por um valor social, ou seja, extracientífico, voltado, como na visão
de Bacon, a controlar o meio-ambiente. Supõe-se, pelo menos tacitamente, que um mundo
com minas de carvão “deve ser” melhor do que um mundo no qual não houvesse energia fóssil
disponível para o homem.

Na modernidade, há uma tendência de se valorizar a ciência predominantemente pelo seu


valor instrumental e prático. Não é difícil compreender o porquê dessa valorização, uma vez
que as tecnologias “funcionam”, e o fazem magnificamente6. De fato, o homem é capaz de
voar, sem ter asas, e perscrutar os abismos mais insondáveis dos oceanos, sem ter guelras.
Essas façanhas são a prova mais cabal de que os frutos do desenvolvimento científico, quando
aplicados ao âmbito tecnológico, têm conseguido realizar as mais otimistas expectativas
baconianas. Sem dúvida alguma, saber também é poder.

No entanto de maneira alguma essa visão deveria eclipsar o valor intrínseco da geração do
conhecimento. Como a ciência é uma arquitetura conceitual que permite ao ser humano
entender o mundo de uma forma adequada, essa apreensão justa constitui, per se, uma não
menos nobre finalidade do saber, como bem destaca Carl Hempel (1966:12):

O enorme prestígio desfrutado pela ciência hoje em dia é certamente devido em


grande parte aos sucessos espetaculares e à rápida expansão do alcance de suas
aplicações. Muitos ramos da ciência empírica vieram a constituir a base para
tecnologias associadas, que colocam os resultados da investigação científica em uso
prático, e que por sua vez fornecem frequentemente à pesquisa pura ou básica novos
dados, novos problemas e novos instrumentos para a investigação. Mas, além de
auxiliar o homem em sua busca de um controle sobre seu ambiente, a ciência
responde a uma outra necessidade, desinteressada, mas não menos profunda e
persistente: a de ganhar um conhecimento cada vez mais vasto e uma compreensão
cada vez mais profunda do mundo em que ele se encontra.

Segundo essa concepção7, mais conhecimento científico à disposição do homem será sempre
preferível a menos conhecimento, independentemente de sua finalidade. A utilidade prática
de uma teoria poderia ser encarada como algo desejável, uma recompensa pelo acréscimo do
conhecimento humano sobre o mundo. Ainda assim, desdobramentos práticos não deveriam
ser entendidos como necessários, nem, menos ainda, imprescindíveis para o estatuto de

6
Em que pese a força da expressão, não se pretende entrar aqui em julgamentos de valor com relação
aos supostos “desenvolvimentos” tecnológicos. Ou seja, se eles geraram exclusivamente resultados
positivos para a humanidade.
7
A tradição de valorização da ciência pura perpassou não apenas os empiristas lógicos, como é o caso
de Hempel e dos demais autores a serem estudados na seção 3.1 do Capítulo 3 (Epistemologia), mas
marcou também outros grandes nomens da epistemologia contemporânea, como Bunge (1969),
Ladrière (1977) e Popper (1956).

27
cientificidade de uma teoria. O não reconhecimento da separação entre ciência pura e ciência
aplicada é, de acordo com esse enfoque, um grave equívoco epistemológico e metodológico.

É importante observar que, enquanto a ciência formal é sempre pura, já que não lida com
entidades existentes no mundo real, a ciência factual (ou empírica) pode ser tanto pura quanto
aplicada, como ilustra a Figura 1.1.

formal é sempre pura

Ciência
factual (1) pura
(2) aplicada

Figura 1.1 Interrelações entre duas classificações da ciência


Um interessante exemplo de ciência factual pura é a astronomia. Os problemas ou as
perguntas importantes que dão ensejo a diversas linhas de investigação nesse sub-ramo da
física nascem no mundo real – físico – e não no mundo das ideias. Considerem-se as
perguntas: como surgiu o universo? Quantas galáxias existem nele? Como nascem as estrelas?
Como morrem as estrelas? O que é um sistema solar? Todas elas referem-se a acontecimentos
e fenômenos que ocorrem de fato no mundo astronômico, caracterizando a astronomia como
uma ciência empírica. Não obstante, num primeiro momento, o tipo de conhecimento
alcançado não se presta à utilização prática, no sentido instrumental de gerar novas
tecnologias que possam transformar esse mundo. O objetivo central foi puramente cognitivo:
atender a um anseio humano ancestral, que é conhecer cada vez mais sobre o mundo que o
cerca, atemoriza ou fascina, não importando muito se esse conhecimento gerado será útil ou
não. Por isso, várias das questões que a astronomia procura responder também a caracterizam
como uma ciência pura8.

Considerando a física como exemplo das ciências factuais aplicadas, destacam-se alguns
exemplos. Os problemas técnicos relacionados à artilharia – trajetória de uma bala no vácuo,
no ar, desvios da bala de sua trajetória – são investigados pela balística, um dos ramos da
mecânica. Os problemas relacionados à navegação – movimento de corpos num meio
consistente, no caso a água – são tratados pela hidrodinâmica, que estuda as propriedades
dos líquidos em movimento. Os problemas relacionados ao cálculo das forças que agem sobre
as aeronaves ou, ainda, questões relacionadas às previsões metereológicas, são investigadas
pela aerodinâmica, que estuda o ar e outros gases em movimento (Hessen, 1931).

Como não poderia deixar de ser, a ciência econômica também contempla o caráter ora de

8Além da astronomia, também a ótica, outro sub-ramo da física, é pródiga em exemplos de investigação
pura. Existe alguma coisa em toda a ciência mais poética e menos “útil” do que a investigação das cores
do arco-íris? A esse respeito, ver o artigo de Lee (1991), intitulado “What are all the colors of the
rainbow?”, ou o de Tragtenberg (1986), cujo título não é menos imponente: “A beleza do arco-íris e seus
segredos”.

28
ciência pura, ora de ciência aplicada. Sendo uma ciência empírica por natureza, a ciência
econômica não é “pura” no mesmo sentido que a Figura 1.1 dá à lógica ou à matemática.
Ainda assim, a realidade econômica inspirou a construção de modelos que, uma vez
articulados logicamente, podem deslocar-se para um plano puramente abstrato, permitindo a
problematização de aspectos paralelos e inexistentes neste mundo. Por exemplo, a teoria da
formação do preço num mercado ocupado por um único ofertante. Dificilmente a realidade vai
confrontar o economista com um monopólio puro e, menos ainda, o preço é definido
exclusivamente por considerações em torno do par preço-quantidade. Não obstante este
modelo permite que se façam recomendações a empresas específicas sobre a combinação que
maximiza vendas ou lucros, a discriminação de preços e a regulamentação governamental da
empresa privada.

De modo análogo, quando se lida com a abordagem multissetorial no estilo dos modelos de
equilíbrio geral computável, têm-se como referências o modelo de equilíbrio geral walrasiano
ou os esquemas marxistas de reprodução simples e ampliada do capital. Ainda que inspirados
numa conformação pura e formal, estes modelos requerem as chamadas regras de
fechamento que levam em conta determinadas concepções sobre o funcionamento do sistema
econômico e, como tal, sobre próprios valores éticos e morais dos pesquisadores.

1.3 Caracterização do Conhecimento Científico


1.3.1 Linha Divisória entre Ciência e Não-Ciência

Voltando agora para o primeiro sentido do termo ciência sugerido na subseção 1.2.1 – como
processo sistemático de investigação –, acredita-se que o método científico, tal como a
expressão é entendida hoje, teve suas estruturas lançadas no século XVII. Sua grande novidade
consistiu na união até aquele momento inusitada de três componentes. Trata-se do raciocínio
hipotético-dedutivo, o tratamento matemático da experiência e o recurso à experimentação,
muito embora nenhum deles, tomado isoladamente, representasse uma inovação absoluta em
si mesmo (Blanché, 1972). Na mesma época, firmou-se também a convicção de que um
aspecto importante que permeava essa nova maneira de se inquirir a realidade envolvia a
necessidade de que qualquer alegação que aspirasse ao caráter de científica precisaria ser
publicada, isto é, tornada pública. Isto porque, com a publicação, o achado científico torna-se
passível de controle por parte dos pares do cientista e poderá ser discutido, enquanto a
experimentação eventualmente será repetida em outros ambientes e períodos, e submetida a
críticas e contestações. Finalmente, e em grande medida em decorrência das exigências
metodológicas, Rossi (1997) salienta que a verdade das proposições passaria a não mais
depender da autoridade pessoal de quem as pronunciasse, e nem de qualquer tipo de
“revelação”, fosse do tipo religiosa, fosse mística.

29
Mas, afinal, por que razão o método científico fornece boas razões para que se deva preferir as
teorias científicas às especulações míticas ou ao conhecimento tradicional, que vem sendo
passado de geração a geração? Transcorridos hoje quase quatro séculos do advento da
Revolução Científica, é possível afirmar que existe algum grau de consenso na resposta a essa
pergunta, que poderia ser sistematizado em quatro elementos. A ciência:

a) encontra-se mais próxima da “verdade” sobre o mundo do que qualquer modelo não
científico de explicação, muito embora não se possa comprovar que essa verdade tenha sido
atingida, de uma vez por todas;

b) é capaz de colocar à prova essa pretensão de verdade, submetendo-a à contrastação


empírica;

c) é capaz de descobrir suas próprias deficiências; e

d) é capaz de desenvolver mecanismos autocorretores para superar e corrigir suas deficiências,


o que a habilita a construir representações das estruturas do mundo que sejam cada vez mais
adequadas.

Talvez sua característica mais notável seja a última, configurando um processo de


aproximações sucessivas a um objeto, seja ele associado às formas puras do conhecimento,
seja sua relação com o conhecimento aplicado e suas derivações tecnológicas. De modo
pragmático, pode-se afirmar que a aplicação do método científico depende de oito passos,
cuja razão de ser será explicitada na subseção 1.3.2 (Bunge, 1969:25-26):

a) enunciar perguntas bem formuladas (específicas) e fecundas;

b) arbitrar conjeturas, fundadas e contrastáveis com a experiência (formulação de hipóteses);

c) derivar consequências lógicas das hipóteses;

e) arbitrar técnicas para submeter as hipóteses a prova;

f) submeter, por sua vez, essas técnicas a prova para comprovar sua relevância;

g) levar a cabo a comprovação e interpretar seus resultados;

h) estimar a pretensão da verdade das hipóteses e a fidelidade de suas técnicas; e

i) determinar os domínios dentro dos quais valem as técnicas e as hipóteses e formular os


novos problemas originados pela investigação.

1.3.2 Hipóteses, Leis, Teorias e Modelos

Esta subseção procura esclarecer os conceitos de hipótese, leis, teorias e modelos que
compõem o corpus do conhecimento científico. Seu bom entendimento é imprescindível,
tendo em vista que eles desempenham um papel central na compreensão dos métodos da
ciência, assim como na discussão das questões metodológicas e epistemológicas específicas da
ciência econômica, que serão tratadas nos capítulos 2 (Métodos) e 3 (Epistemologia),
respectivamente.

30
O conceito e significado de hipótese é crucial para a construção da ciência. Ao contrário do
que imagina o senso comum, a ciência não possui o objetivo de eliminar hipóteses, no sentido
de descartar tudo aquilo que não está provado. Nem pode fazê-lo, caso queira resguardar o
ideal de apreensão cada vez mais acurada dos fenômenos do mundo. A investigação científica
não é capaz de transformar uma hipótese numa certeza absoluta que tenha deixado de ser
mera conjetura e se transformado em verdade.

Diante deste argumento, o que o cientista precisa fazer é lançar mão de uma série de critérios
que o auxiliem a determinar o estatuto ou a relevância das hipóteses. Quer dizer, utilizar
critérios a partir dos quais se torne possível formar um juízo acerca das diversas hipóteses
enquanto pretendentes à condição de verdade. Em outras palavras, as hipóteses podem ser
encaradas como respostas tentativas às questões propostas pela investigação do fenômeno
que se tem em mente.

Algumas hipóteses darão lugar a leis científicas, ou seja, enunciados possuidores de um peso
diferente daquele atribuído às hipóteses. Feita a transição, já se acredita que expressem algum
comportamento pleno de regularidades (paralelismos e simetrias). Dependendo de sua força,
a descrição de tal comportamento deve refletir, em maior ou menor medida, uma parcela da
realidade. As leis mais fortes, ou seja, aquelas que podem ser verificadas num percentual
muitíssimo elevado dos casos observados, caso se trate de uma lei geral, normalmente se
encontram na física. Como exemplo mais representativo, pode-se citar a Lei da Gravitação
Universal, base da Teoria da Gravitação, de Isaac Newton, enunciada em sua obra Principia
Matematica Philosophia Naturalis, de 1687. A chamada lei da gravidade pode ser expressa
conforme segue: todo corpo atrai outro corpo com uma força diretamente proporcional a sua
massa e inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa. Uma lei
representativa da ciência econômica é a chamada Lei Geral da Demanda: a quantidade
demandada de qualquer bem ou serviço varia em relação inversa ao seu preço, ceteris paribus.
Note-se que, no caso da ciência econômica, a Lei Geral da Demanda possui pelo menos duas
classes de bens que aparentam ser exceções9 (bens de Giffen/inferiores e bens de
Veblen/luxo), ao passo que a Lei da Gravitação Universal não abre espaço para exceções. Ou
melhor, a única exceção imaginável é uma situação na qual não houvesse gravidade, o que não
conta, pois a lei só se propõe a contemplar os casos com gravidade.

As leis são imprescindíveis para a sistematização das teorias e, como tal, as antecedem
temporalmente. Com efeito, a teoria não prescinde de qualquer lei subjacente. As teorias são
sistemas coordenados de hipóteses, que devem fornecer explicações e previsões de
determinada parcela da realidade10. Qualquer teoria é uma abstração ou simplificação da
realidade. Em outras palavras, há inevitavelmente, no modo de proceder da ciência, por meio
da proposição das teorias, certa redução da realidade, ou seja, do mundo da percepção dos
fenômenos e dos comportamentos vividos.

9
Caso se possa isolar as causas da variação do preço de um e outro em efeito renda e efeito substituição, ver-se-á
que o último atenderá à regularidade sustentada pela lei. Ou seja, variações positivas nos preços fazem-se
acompanhar de efeitos substituição negativos.
10 Volta-se a remeter o leitor à seção 2.3, quando serão destacadas outras funções desempenhadas pelas teorias,

especialmente no caso das ciências sociais.

31
Ao reduzirem a complexidade do mundo real, vale dizer, ao deixarem de lado elementos
considerados acessórios e se concentrarem apenas naquilo que se julga essencial, as teorias
enfrentam duas funções importantes. De acordo com a primeira, elas devem ser capazes de
explicar as relações empíricas por meio de seu sistema de hipóteses e com o auxílio das leis
subjacentes. A explicação é um salto para trás: como se o pesquisador olhasse para o passado,
com as lentes da sua teoria, e o reconstruísse. Além desta, a segunda função crucial de uma
teoria é prever. A previsão é um salto para algum momento ainda não vivido, no futuro
(Wright, 1980). Uma teoria – se for uma boa teoria – precisa, necessariamente, também deste
segundo momento, que é simétrico ao primeiro, como se fossem dois lados da mesma moeda.
Essa proposição é conhecida em epistemologia como a tese da simetria11.

Mas qual é exatamente o mecanismo que leva a explicação, ou seja, a reconstrução racional de
uma relação entre fenômenos do mundo, e a previsão, que exprime uma projeção dessa
reconstrução para o futuro, a funcionarem? A resposta a essa pergunta, num número
considerável de vezes, é o princípio da causalidade. Tanto na física clássica quanto na
epistemologia, a existência deste princípio era dada como assente desde a Revolução
Científica. Como foi referido brevemente na seção 1.1, essa concepção remonta à tradição
galileana, segundo a qual o funcionamento do universo baseava-se em leis subjacentes aos
fenômenos – ou seja, em relações de causa/efeito. Caso fosse possível isolar certos processos
de sua conexão com a totalidade da natureza, então essas regras de causalidade seriam
inteligíveis ao cérebro humano e passíveis de tradução para a linguagem matemática12.

As teorias, finalmente, propiciam ainda a montagem de representações simbólicas e


simplificadas da realidade, denominadas modelos. Um modelo é uma representação formal de
uma teoria, vale dizer, um objeto complexo, de natureza ideal. Pelo menos a título provisório,
o modelo é considerado uma representação esquemática aceitável do tipo de objeto
estudado. Os modelos compreendem estruturas, sendo cada uma das quais uma
caracterização bem definida daquilo que se pretende explicar.

Por contraste, uma teoria “é um corpo de proposições que descreve as propriedades do


modelo e permite fazer raciocínios a seu respeito, por exemplo, predizer seu comportamento
futuro ou prever como ele reagirá caso modifiquemos sua estrutura desta ou daquela
maneira” (Ladrière, 1977:43). Uma teoria sobre o funcionamento de um sistema integra um ou
vários modelos que procuram expressar suas principais relações. Neste sentido, as teorias não
são modelos, mas contêm modelos. A ciência econômica, assim como as demais ciências,
costuma desenvolver modelos específicos para sua aplicação a sistemas reais: os modelos
econométricos e os modelos de equilíbrio geral computável. Estes modelos devem,
necessariamente, estar baseados numa formulação econômica geral e ser completados com os
aspectos próprios do sistema que está sendo estudado.

A validade de um modelo, de uma hipótese ou de uma teoria pode ser ajuizada com base em
alguns critérios. Em epistemologia, é comum que eles sejam denominados de valores
epistêmicos ou cognitivos, ou seja, valores próprios do conhecimento. Uma lista

11 Com relação à concepção de que a explicação e a predição conseguiriam contemplar plenamente os objetivos do
conhecimento científico, volta-se a endereçar o leitor à seção 2.3.
12 O princípio da causalidade será tratado com maior detalhamento na subseção 2.2.3.

32
representativa de tais critérios precisaria incluir a simplicidade, a abrangência, a coerência
lógica (interna e externa), a capacidade preditiva e o poder explicativo. Não há um consenso
acerca de qual dentre os critérios é o mais importante: haverá quem defenda, como Milton
Friedman (1953), que a capacidade preditiva é o atributo mais relevante de uma teoria. Mas
também haverá outros, como Paul Samuelson (1963), para quem o realismo dos pressupostos
e o poder explicativo deverão ser os preponderantes.

Uma vez explicados esses conceitos, e feita essa ressalva, é necessário precisar o que se
entende pela expressão “contrastar” ou “submeter a teste” uma hipótese (e/ou uma teoria).
Cabe ressaltar que o procedimento de contrastação ou de teste de hipóteses pode ser de dois
tipos: direto ou indireto. O procedimento de teste será direto, se for possível confrontar a
hipótese com fatos diretamente observáveis. O procedimento indireto ocorre quando houver
a necessidade de que o cientista crie as condições para que determinados eventos observáveis
aconteçam, a fim de testar a validade de uma hipótese.

Além disto, para que possa desfrutar do status de científica, a teoria deve obedecer a um
conjunto de requisitos lógicos. Primeiramente, é preciso definir o que é uma sentença bem
formada, como é o caso de “todo homem é mortal”, ou “todo salário é renda”. Depois é
importante conhecer as regras que permitem a ligação entre duas sentenças, com a esperança
de evidenciar algum conhecimento adicional àquele originalmente contido nas sentenças que
estão sendo ligadas. A expor alguns dos principais requisitos lógicos é que se propõem as duas
seções finais deste capítulo.

1.3.3 Lógica e Cálculo Proposicional Clássico

Quando duas proposições são unidas e forma-se uma terceira, a validade dessa transição
dependerá de certas regras – lógicas – que foram organizadas e formalizadas originalmente
por Aristóteles, no século IV a. C. (384-322 a. C.). A lógica aristotélica representa a raiz daquela
que hoje é conhecida como a Lógica Clássica.

Desde os seus primórdios, a lógica estuda e sistematiza as regras de inferência, cuja finalidade
é fundamentar uma argumentação válida. Isto significa que, quando se diz que um argumento,
do ponto de vista lógico, está correto, o que se está afirmando é que ele é válido. Ou seja, que
ele está formalmente livre de erros estruturais. Entretanto, o fato de ser válido não implica
que ele seja, necessariamente, verdadeiro. Verdade e validade são dois conceitos distintos, e o
que se pode esperar de uma estrutura logicamente válida é que ela transmita a verdade das
premissas (caso estas sejam verdadeiras) para a conclusão, e apenas isso. Em resumo, poder-
se-ia dizer que, assim como os metais são bons transmissores de eletricidade, a lógica é uma
boa transmissora de verdade das premissas para a conclusão. O Quadro 1.2 sistematiza o
conjunto das combinações possíveis entre validade, invalidade, verdade e falsidade13.

Quadro 1.2 Estrutura lógica e verdade das premissas da união de duas proposições
Verdade das Premissas

13 Tabela adaptada de Alchin (2003:79).

33
Componentes Verdadeira Falsa

Validade da Válida Conclusão precisa ser V Conclusão pode ser V ou F

estrutura lógica Inválida Conclusão pode ser V ou F Conclusão pode ser V ou F

Dois pontos precisam ser destacados. Note-se que:

a) de estruturas logicamente inválidas, chamadas de falácias ou sofismas, pode-se derivar


conclusões que tanto sejam verdadeiras quanto falsas. Ou seja, mesmo se as premissas forem
verdadeiras, a conclusão poderá ser falsa, uma vez que a estrutura não possui a capacidade de
transmitir a verdade entre a premissa e a conclusão; e

b) a lógica não se pronuncia com relação à falsidade factual. Caso as premissas sejam falsas,
mesmo que a estrutura seja válida, mais uma vez poderá resultar uma conclusão verdadeira ou
falsa.

São três os princípios fundamentais pressupostos por qualquer raciocínio logicamente válido:

a) Princípio da Identidade: “o ser é idêntico a si mesmo” ou, “toda proposição é idêntica a si


própria”: A  A;

b) Princípio da não Contradição: “é impossível ser e não ser”, ou “uma proposição não pode
ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo”:  (A   A), que se lê como “não (A e não-A)”, ou
seja, não se pode aceitar simultaneamente a validade de uma proposição que assegura a
validade simultânea de A e de seu oposto; e

c) Princípio do Terceiro Excluído: “ou o ser é ou não é” ou “toda proposição ou é verdadeira ou


é falsa, não havendo uma terceira possibilidade”. Ou ainda, “dadas duas proposições
contraditórias, uma delas é verdadeira”: A   A, que deve ser lida como “A ou não-A”,
significando que ou se aceita a proposição A ou se aceita a proposição B.

Segundo acreditava Aristóteles, com a sistematização das regras lógicas na sua Teoria dos
Silogismos14, pode-se encapsular todas as formas relevantes de argumentação em quatro tipos
de proposições, A, I, E e O, as chamadas proposições categóricas (no sentido de
incondicionais). Todas elas devem seguir um formato predeterminado, onde “S” representa o
termo sujeito e “P” o termo predicado, e obedecer às seguintes estruturas:

(A) Todos os S são P,

(I) Algum S é P,

(E) Nenhum S é P ou

(O) Algum S não é P.

14 Um silogismo é uma regra de inferência que deduz, a partir de duas proposições, chamadas premissas, uma
terceira proposição, distinta das anteriores, chamada conclusão.

34
Por exemplo, “todo homem é mortal” e “todo salário é renda” são proposições universais
afirmativas, chamadas de A. Sua negação recebe o seguinte fraseamento, também de caráter
universal: “nenhum homem é mortal”, ou “nenhum salário é renda”, representadas por E. A
universalidade de A pode ser particularizada: “algum homem é mortal” e “algum salário é
renda”, gerando-se uma sentença particular afirmativa I. Por fim, pode-se conceber uma
proposição particular negativa, como “algum homem não é mortal” e “algum salário não é
renda”, simbolizada por O.

Quadro 1.3 As quatro proposições categóricas de Aristóteles

P r e d i c a d o

Componentes Afirmativo Negativo

Universal Todo salário é renda Nenhum salário é renda

Sujeito Particular Algum salário é renda Algum salário é não é renda

Esta informação é reunida no chamado quadrado lógico. Mnemonicamente, as proposições


alinhadas no primeiro lado vertical do quadrado são designadas com “AfIrmo”, e as duas do
segundo lado vertical, por nEgO.

Quadro 1.4 O quadrado lógico e seus vértices A, E, I e O.

A E

I O

Já as relações entre os quatro tipos de proposições categóricas foram estabelecidas por


Aristóteles em seu célebre quadrado das oposições:

Quadro 1.5 O quadrado das oposições


A Contrárias E

Subalternas Contraditórias Subalternas

I Subcontrárias O

35
As duplas de proposições A e O, e I e E são contraditórias. Significa que ambas não podem ser,
simultaneamente, verdadeiras e nem falsas. A e E são contrárias. Ou seja, não podem ser
ambas verdadeiras, mas podem ser ambas falsas. I e O são subcontrárias, i. e. não podem ser
ambas falsas, porém podem ser ambas verdadeiras. I é subalterna de A e O é subalterna de E.
Isto significa que, se A for verdadeira, então I é verdadeira e se E for verdadeira, então O é
verdadeira, necessariamente.

O exemplo clássico e mais conhecido de silogismo é o seguinte:

Todo homem é mortal Premissa maior

Sócrates é um homem Premissa menor

_______________________

Sócrates é mortal Conclusão

Nesse caso específico, a premissa maior é uma proposição categórica do tipo A, universal
afirmativa, e a conclusão uma proposição do tipo I, particular afirmativa. Como se acabou de
ver, como I é subalterna de A, se A for verdadeira, então I também o será, necessariamente.
Observe-se que foi a inserção da premissa menor, que particulariza o sujeito que a premissa
maior está expressando de modo universal, que torna possível que se designe por dedução a
uma conclusão particular afirmativa I. Observe-se ainda que uma proposição universal
negativa E, para esse caso, precisaria ser “Nenhum homem é mortal”, que equivale
exatamente à negação de A. A conclusão válida de um silogismo construído a partir de O
precisaria ser a proposição “Sócrates não é mortal”. Como A e E são proposições contrárias,
ambas não podem ser, simultaneamente, verdadeiras, porém podem ser ambas falsas. Em
outras palavras, pode ser que não haja nenhuma relação entre sujeito e predicado.

A criação da teoria dos silogismos, ou seja, do primeiro sistema dedutivo conhecido, colocou
Aristóteles entre os maiores pensadores da antiguidade. Naturalmente, porém, o alcance
desta teoria é muito restrito, em vista dos desenvolvimentos ulteriores da disciplina. Hoje o
que se conhece por Lógica Clássica engloba a lógica aristotélica, porém vai muito além dela.
Uma parte destes desenvolvimentos mais recentes contempla o chamado Cálculo
Proposicional Clássico.

Os três princípios fundamentais do raciocínio logicamente válido recém examinados também


são incorporados pelo Cálculo Proposicional Clássico (CPC). Este consiste num sistema de
lógica simbólica que alcançou a forma como hoje é utilizado entre o final do século XIX e o
começo do século XX. Ele possibilita a conversão de uma sentença da língua natural passível
de ser ajuizada como verdadeira ou falsa, numa fórmula proposicional. As fórmulas
proposicionais, por sua vez, são constituídas por:

a) letras sentenciais: usa-se qualquer letra maiúscula do alfabeto romano para representar as
proposições. Além de A, E, I e O, usam-se também B, C, D, E, etc.; e

36
b) os operadores lógicos já vistos: negação “”, conjunção “”, disjunção “”, implicação
“→”, e bi-implicação “↔”.

O objetivo, assim como na teoria dos silogismos, continua sendo o de propor um sistema para
testar a validade de um argumento. A diferença com relação ao sistema aristotélico é que o
Cálculo Proposicional Clássico consegue adequar-se a um número mais abrangente de
argumentos. O teste de validade lógica das estruturas dos argumentos é feito por meio da
construção de Tabelas de Verdade. Estas constituem tabelas matemáticas compostas por uma
primeira linha contendo todos os termos e sub-fórmulas de uma fórmula proposicional. As
demais contêm linhas com todas as combinações das valorações (V ou F) que os termos das
fórmulas podem receber. O Quadro 1.6 reúne cinco painéis representando as tabelas de
verdade das cinco principais operações do Cálculo Proposicional Clássico, passando-se a
examinar cada um desses operadores isoladamente.

Quadro 1.6 Cálculo Proposicional Clássico e Tabelas de Verdade

A B (A  B) A B (A  B)
V V V V V V
V F F V F V
F V F F V V
A  F F F F F F
V F Painel (b) - conjunção Painel (c) - disjunção
F V
Painel (a) - A B (A  B) A B (A  B)
Negação V V V V V V
V F F V F F
F V V F V F
F F V F F V
Painel (d) - implicação Painel (e) - bi-implicação

Negação: o painel (a) resume as relações de verdade e falsidade entre as proposições A e A.
Denomina-se negação de uma proposição A àquela proposição representada por A: “não A”,
“não é o caso de A”, ou ainda “a proposição A é falsa”. O valor lógico de A é a verdade (V),
quando A é falsa, e a falsidade (F), quando A é verdadeira. Por exemplo, a proposição:
“Impostos indiretos são regressivos” pode ser expressa pela letra sentencial R. Sua negação é:
“Impostos indiretos não são regressivos”, que pode ser expressa por  R. Ora, como se sabe
que impostos indiretos redistribuem a renda numa sociedade, favorecendo os mais ricos em
detrimento dos rendimentos reais dos mais pobres. Então R possui valor de verdade (V) e  R,
como é falsa, receberá o valor de verdade (F).

37
Conjunção: no painel (b), a conjunção é representada por A  B. Trata-se aqui de proposições
que podem ser expressas como “A e B”, “tanto A quanto B”, “ambas proposições A e B são
verdadeiras”, etc. A conjunção é verdadeira se e somente se ambos, A e B, forem verdadeiros.
Por exemplo, as proposições “o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços é um
imposto direto” e “o imposto sobre produtos industrializados é um imposto indireto” podem
ser representadas pela fórmula D  I. Por definição, tributos diretos são aqueles que incidem
diretamente sobre os rendimentos ou sobre a riqueza dos agentes econômicos, sejam pessoas
físicas, sejam pessoas jurídicas. Seus exemplos mais representativos são o Imposto de Renda
Pessoa Física (IRPF) e o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). Já os tributos indiretos são
aqueles que incidem sobre os bens e serviços que satisfazem as necessidades dos indivíduos.
Ou seja, o comprador do produto antecipa o pagamento do imposto ao vendedor, que apenas
faz a intermediação, recolhendo-o ao governo. Como tal, o IPI encontra-se nesta categoria.
Logo, D possui valor de verdade (F) e I valor (V). A conjunção D  I é, portanto, falsa,
correspondendo a uma situação como a da terceira linha do painel (b).

Disjunção: “A ou B”, “Entre as proposições A e B, ao menos uma é verdadeira”. A disjunção


entre duas fórmulas é verdadeira quando uma delas for verdadeira. Considere-se a
proposição: “O governo adotará uma política fiscal expansionista ou contracionista”.
Traduzindo para a linguagem do Cálculo Proposicional Clássico, tem-se E  C. De fato, uma das
duas situações apresentadas deverá ser verdadeira. Caso a conjuntura de um país seja de
crescimento econômico e pressão inflacionária, então o governo adotará uma política fiscal
contracionista (ou seja, governo aumenta impostos, retirando dinheiro de circulação, o que
reduzirá o consumo, contraindo assim a atividade econômica). Nesse caso, deve-se atribuir
valor de verdade (V) a C e (F) a E. Na situação oposta, de recessão econômica com pressão
deflacionária, a escolha será por uma política fiscal expansionista (ou seja, governo diminui
impostos, deixando mais dinheiro à disposição dos agentes econômicos, o que elevará o
consumo e expandirá a atividade econômica). O valor de verdade (V), nesse caso, deve ser
atribuído para E, e o valor de verdade (F) para C. Em ambas situações, a fórmula E  C será
verdadeira.

Implicação: no quarto painel, representa-se a tabela de verdade da proposição A  B. A


implicação é usada para representar proposições do tipo “Se A, então B”, “A implica B”, “se a
proposição A é verdade, então a proposição B também é verdade”, “a partir de A infere-se B”.
A implicação entre duas formulas só será falsa se o antecedente for verdadeiro e o
consequente falso. Em todos os demais casos, ela possuirá valor de verdade (V). A proposição:
“se há uma situação de excesso de demanda agregada numa economia, então existe uma
pressão inflacionária em curso (inflação de demanda)” pode ser traduzida para a o Cálculo
Proposicional Clássico como a fórmula D → I. Se o antecedente de fato ocorrer na realidade,
sabe-se que o consequente, ou seja, a pressão inflacionária, também ocorrerá. Então, nesse
caso, ocorre uma situação representada pela primeira linha da tabela, com D, I e a fórmula D
→ I recebendo valor de verdade (V).

Bi-implicação: por fim, o painel (e) mostra a operação de bi-implicação, em que A  B pode
representar “A se e somente se B”, “A é equivalente a B” ou ainda “A e B possuem o mesmo
valor de verdade”. A bi-implicação entre duas fórmulas receberá valor de verdade (V) quando
ambas forem ou verdadeiras ou falsas. Pode-se representar a proposição “a elasticidade renda

38
da demanda pelos bens públicos será elevada se e somente se os bens públicos forem bens
superiores” por meio da notação E  S. Ora, bens públicos e de mérito (segurança pública,
saneamento, saúde, educação) possuem elevada elasticidade renda da demanda. Esta
peculiaridade permite que se diga que, quanto mais se eleva a renda per capita de uma
sociedade, mais aumenta a pressão para que o Estado ofereça esse tipo de bens e serviços de
excelente qualidade, como ocorre nos países nórdicos. Tem-se então uma situação
equivalente àquela representada pela primeira linha da tabela da bi-implicação, com E, S e a
fórmula E  S recebendo valor de verdade (V).

Encerrado este estudo introdutório à lógica, é possível retornar às questões metodológicas


propriamente ditas. Na subseção 1.3.4 ficará evidente como a utilização do Cálculo
Proposicional Clássico e das tabelas de verdade tornam mais clara a explicação seja dos erros
lógicos mais recorrentes na ciência, segundo a epistemologia, seja da prova de validade de
estruturas argumentativas corretas.

1.3.4 Modus Tollens e a Falácia da Afirmação do Consequente

No teste das hipóteses, ou melhor, na avaliação dos conjuntos estruturados de hipóteses que
se denominam teorias, a atenção deve se voltar para a relação entre a hipótese e a
experiência. Tal é particularmente importante no caso das ciências que requerem
experimentos controlados em laboratório, como a física, a química, a psicologia. Muito
embora no caso da ciência econômica a possibilidade de experimentos controlados seja mais
limitada, o contraste entre aquilo que descreve, explica e prevê a teoria e os dados da
realidade empírica não deixa de ser imprescindível.

Dada uma hipótese H e a implicação empírica I, o que se tem, nos casos típicos, é uma relação
lógica de implicação do seguinte tipo: “se tal coisa existe ou ocorre no mundo, então tal outra
coisa deverá ser observada na realidade”. Em notação lógica, H → I. Isso significa que H possui
implicações cuja veracidade pode ser testada empiricamente. Este é, de fato, o que se pode
qualificar como o critério fundamental para a avaliação de qualquer hipótese científica. Uma
hipótese que não possua qualquer consequência passível de ser contrastada com a realidade
não passa de uma suposição vã, ociosa do ponto de vista cognitivo, e que não pode ser aceita
como científica. Quando esse requisito básico é satisfeito, há duas situações possíveis como
resultado do teste empírico: ou a implicação I é verdadeira ou a implicação I é falsa.

O segundo desses casos é o mais fácil de analisar, pois se a observação do mundo mostra que I
de fato não ocorre, a lógica garante que a hipótese H precisa ser falsa também.
Esquematicamente, tem-se a estrutura lógica chamada modus tollens também conhecido
como modus tollendo tollens. Esta expressão latina significa que se trata do modo
argumentativo que nega pela negação15, conforme a Figura 1.2.

15
Na subseção 2.2.1 do capítulo 2 (Métodos), vai se examinar o modelo complementar, chamado de
modus ponens ou modus ponendo ponens, que significa que se está afirmando por meio de uma
afirmação.

39
Figura 1.2 Estrutura do modus tollens, o modo que nega pela negação
Na Figura 1.2, o traço horizontal divide as premissas, H→I e I, da conclusão H. Se a
proposição H implica I, mas I é falsa, então H não pode ser verdadeira. Em outras palavras,
considera-se H refutada, ou falseada, devendo ser rejeitada. O modus tollens é um argumento
logicamente válido e, como tal, conclusivo. Isso pode ser visualizado com a construção de uma
tabela de verdade para sua estrutura no Quadro 1.7.
Quadro 1.7 Tabela de verdade para o Modus tollens: { H→I,  I} ╞ H
H I H I H→I

V V F F V

V F F V F

F V V F V

F F V V V

Uma vez que o modus tollens é uma estrutura lógica correta, i. e. válida, há garantia de que a
verdade das premissas chegará intacta até a conclusão. Ou seja, pode-se confiar que a
hipótese é falsa e que deve ser rejeitada.

No passado, acreditava-se que a refutação de uma hipótese era algo indesejável, que não
contribuía para o progresso da ciência. Todavia hoje se considera que essa é uma impressão
enganosa. Da refutação de uma hipótese se aprende algo muito importante do ponto de vista
da ciência: que o mundo não é como aquela hipótese conjeturava. Esta é uma informação
valiosa, liberando um cientista seguidor de uma pista falsa, e redirecionando sua pesquisa para
outras hipóteses mais frutíferas. Um dos mais importantes filósofos da ciência do século XX,
Karl W. Popper (1902–1994), desenvolveu sua visão de ciência justamente baseado nessa
ideia: a ciência progride por meio de um processo de conjeturas e refutações. Sendo o
conhecimento científico irredutivelmente hipotético e conjetural, ele vai se aperfeiçoando ao
longo do tempo por meio da sistemática refutação de hipóteses falsas16.

16 Esse assunto voltará a ser tratado na seção 3.2 do Capítulo 3 (Epistemologia), especificamente destinado a
discutir a proposta epistemológica e metodológica de Popper.

40
Em resumo, no caso da Figura 1.2, tomou-se por base a situação mais simples de refutação,
em que uma única hipótese H leva a uma implicação experimental I. Ocorre que, na ciência,
raramente uma hipótese é capaz de levar a implicações empíricas, se tomada isoladamente de
outras hipóteses. O normal é que as hipóteses se relacionem entre si, de um modo
logicamente articulado. Por exemplo, considere-se o argumento de microeconomia de que o
monopolista, na oferta de uma mercadoria, escolherá o preço que – dada sua estrutura de
custo – lhe maximize o lucro. Entender que este preço não pode ser infinitamente alto requer
a suposição prévia da vigência da lei da demanda, que associa cada quantidade a um preço
máximo que os consumidores do produto estarão aptos e dispostos a pagar. Ou, mais
radicalmente ainda, falar em monopolista, preço e custo requer que se suponha também a
existência de uma economia monetária em que os contratos entre as partes são perfeitos.

Isso equivale à afirmação que, dado esse encadeamento necessário para a representação de
uma situação da realidade, ao contrastar uma hipótese, o cientista precisa lidar
simultaneamente com outras, que guardam alguma relação lógica com a primeira. Essas outras
hipóteses são ditas hipóteses auxiliares, justamente porque contribuem para o
estabelecimento de situações de teste. Tais situações são mais próximas da prática científica
real, acarretando uma consequência importante: a inadequação operacional do modus tollens
simplificado, tal como apresentado acima. Ao invés disso, como se trata de um argumento
mais intrincado, torna-se necessária a construção de uma estrutura de modus tollens
complexo. Neste caso, uma hipótese ou um conjunto inteiro de hipóteses auxiliares A se junta
a H, conforme assinala a Figura 1.3.

(H  A) → I

I premissas

___________

 (H  A) conclusão

Figura 1.3 Inclusão das hipóteses auxiliares no modus tollens


A tabela de verdade pode ser útil para ajudar na explicação também desse ponto. É
importante notar que, neste caso, a conclusão é a negação de uma conjunção. Em termos
lógicos, no caso em tela isso pode significar tanto a falsidade de H quanto a falsidade de A, ou
de ambas simultaneamente. Com efeito, a fórmula (H  A) é logicamente equivalente a H 
A: “não H ou não A”. Esta equivalência lógica pode ser visualizada nas duas últimas colunas
da tabela de verdade do Quadro 1.8, que possuem exatamente os mesmos valores de verdade.

Quadro 1.8 Tabela de verdade para a fórmula: { (H  A) → I,  I } ╞  (H  A)


H A I H A I HA (H  A) → I  (H  A) HA

V V V F F F V V F F

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V V F F F V V F F F

V F V F V F F V V V

V F F F V V F V V V

F V V V F F F V V V

F V F V F V F V V V

F F V V V F F V V V

F F F V V V F V V V

A quinta, a sétima e a nona linhas do Quadro 1.8 (com sombreado mais claro) mostram os três
casos nos quais as premissas são verdadeiras, acarretando conclusões também verdadeiras.
Isso poderia levar a crer que a hipótese H deveria ser rejeitada. No entanto a segunda e a
terceira linhas (com sombreados mais escuros) expressam situações nas quais a conclusão é
falsa, indicando que o teste de hipóteses não funciona como uma refutação conclusiva. Ou
seja, não se pode inferir, com segurança, que a hipótese H tenha sido falseada e que deva ser
excluída. Algum cientista que insistisse em sustentar que H fosse verdadeira poderia atribuir a
falsidade de H  A à falsidade de A, em bloco, ou à falsidade de alguma das hipóteses
auxiliares (H’, H’’, etc.) que compõem A.

Em que pese essa dificuldade, a reação mais apropriada não deveria ser o ceticismo completo
e paralisante com relação à possibilidade de eliminação de hipóteses falsas na ciência. A lição
importante a ser tirada é que o conhecimento científico possui um caráter essencialmente
integrado. Como tal, ele não consiste de amontoados de proposições desconexas, cada uma
das quais podendo ser avaliada independentemente das demais.

Tendo concluído assim o exame do caso em que a implicação I é falsa, cabe examinar a
segunda possibilidade num de teste de hipóteses. Paradoxalmente, trata-se de uma situação
ainda mais complexa. Em tal caso a implicação experimental I mostra-se verdadeira, ou seja, as
observações do mundo mostram que I de fato ocorre. É intuitivo pensar que, se as implicações
experimentais de uma hipótese forem verificadas na realidade, a hipótese confirmada pela
experiência. Essa foi a ideia padrão sobre como deveria se dar o progresso na ciência até mais
ou menos a primeira metade do século XX. Nessa época, a corrente do chamado positivismo
lógico (ou empirismo lógico), a ser tratada na seção 3.1 do capítulo 3 (Epistemologia) era
preponderante nos círculos epistemológicos. Não obstante, uma dificuldade séria com a qual
se deparou essa escola é que a observação empírica de I não garante logicamente a verdade
de H. Formalmente, esse argumento possui a estrutura apresentada na Figura 1.4.

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Figura 1.4 Falácia da afirmação do consequente

A estrutura formal da Figura 1.4 representa um tipo de argumento logicamente não-válido,


denominada como falácia da afirmação do consequente. Trata-se de uma estrutura que não
garante a transmissão da verdade das premissas para a conclusão. A montagem de uma tabela
de verdade ajuda a visualizar que o valor de verdade da conclusão (f) não segue logicamente
dos valores de verdade das premissas (v) da quarta linha da tabela. Ou seja, as premissas H→I
e I são verdadeiras, mas mesmo assim a conclusão H é falsa. O Quadro 1.9 reproduz o painel
(d) do Quadro 1.6, diferindo deste último quanto às áreas sombreadas. No caso do painel (d),
as áreas sombreadas mostravam situações para as quais a implicação era verdadeira. Neste
momento, a construção da tabela de verdade teve por objetivo testar a validade da estrutura
do argumento. Ou seja, no caso do Quadro 1.9, a área sombreada mostra que se trata de uma
estrutura falaciosa, uma vez que as premissas H→I e I são verdadeiras e, não obstante, a
conclusão H é falsa.

Quadro 1.9 Tabela de verdade para a falácia da afirmação do consequente: { H→I, I} ╞ H

H I H→I

V V V

V F F

F V V

F F V

Nos casos de falácia da afirmação do consequente, mesmo que muitas implicações de uma
hipótese tenham sido observadas e sustentadas por testes empíricos cuidadosos, ainda assim
a hipótese pode ser falsa. Com tal, ela conterá apenas uma parte da explicação correta. Outras
hipóteses mais abrangentes do que aquela em pauta podem ser as verdadeiras responsáveis
pelas implicações empíricas, mas ainda não terem sido aventadas. Esse engano ocorre porque,
no caso das inferências indutivas, tem-se sempre a passagem de premissas sobre casos
particulares até uma conclusão que possui caráter geral. Em outras palavras, dá-se um salto de
um número finito de casos observados no passado e no presente até uma conclusão que se
refere a um número infinito de casos futuros, ou seja, ainda não observados. O capítulo 2
(Métodos) se dedica a tratar desta e de outras questões metodológicas tanto da ciência, em
geral, quanto da Ciência Econômica, em particular, de maneira mais aprofundada.

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