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17/08/2016 Quatro perguntas para Olavo de Carvalho

Quatro perguntas para Olavo de Carvalho sobre
jornalismo cutural
Entrevista realizada via e­mail por Talita Nóbrega, Kátia Portugal e Karla Szabados, alunas da Faculdade da
Cidade do Rio de Janeiro.

O que o sr. entende por Jornalismo Cultural?

Olavo: O jornalismo cultural é, ao mesmo tempo, um reflexo jornalístico da criação cultural e
ele mesmo um tipo de criação cultural. Por definição, e aliás como qualquer outro tipo de
jornalismo, ele tem de atender a duas ordens de exigências, simultâneas e ambas igualmente
legítimas: as exigências da produção jornalística (prazos, normas de redação, etc.) e as
exigências do seu assunto (no caso, a cultura em geral). Mas é evidente que aquelas devem
ser postas a serviço destas, e não ao contrário. Uma analogia tornará isso mais claro: o
jornalismo médico é jornalismo, isto é, tem de atender às imposições da técnica industrial
jornalística, mas por outro lado seria absurdo que alterasse o conteúdo da ciência médica
para adaptá­la a essas imposições: o que tem de ser amoldado à técnica jornalística é a
difusão da medicina, e não a medicina mesma. Caso contrário, o jornalismo médico seria
uma espécie de cópia inferior da medicina ­ uma falsa medicina amoldada ao gosto
jornalístico. Ora, o que acontece nos nossos suplementos culturais é que, em vez de amoldar­
se às exigências mais altas da cultura, eles procuram espremê­las no padrão jornalístico de
cada publicação, isto é, nos critérios de interesse vigentes no noticiário geral. Assim, por
exemplo, entre um livro excelente sobre assunto alheio ao noticiário geral e um livro ruim
sobre assunto de interesse jornalístico, este último é que é valorizado. Com isto, o jornalismo
cultural torna­se apenas "jornalismo geral de assunto cultural", perdendo o que é específico
do jornalismo cultural. O específico, em cada área de jornalismo, reside precisamente em
incorporar critérios que, em si, não são jornalísticos, mas são próprios do assunto como tal.
Uma página de turfe, por exemplo, não privilegiará um jóquei por ser um tipo bonitão ou por
ter matado a mãe (destaques que seriam legítimos no noticiário geral), mas por ter se
desempenhado bem segundo critérios estritamente turfísticos. Isto é tão óbvio que nem
deveria precisar ser explicado, mas o nosso jornalismo está tão doente que tem dificuldade
em entender essas coisas.

Concorda com a idéia de que o Jornalismo Cultural tornou­se uma instituição?
Por quê?

Durante os anos da ditadura, a imprensa, paradoxalmente, melhorou muito, ao tornar­se o
centro dos grandes debates nacionais, chegando a superar, em certos pontos, o debate
universitário. O prestígio cultural de alguns jornais e revistas subiu às nuvens. Os atuais
suplementos culturais são o efeito materializado desse prestígio, são prestígio
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17/08/2016 Quatro perguntas para Olavo de Carvalho

institucionalizado. Infelizmente, a força que os constituiu desde dentro já se extinguiu, e eles
são apenas uma cópia de si mesmos.

Como são realizados os trabalhos numa editoria cultural?

Isso mudou muito. Antigamente, quem escrevia para os suplementos culturais eram as
pessoas de real valor nas diferentes áreas da criação cultural. Vale a pena vocês darem uma
espiada nos antigos suplementos do Estadão, do JB, de O Jornal, etc. Eram uma coisa
assombrosa. A partir do momento em que os critérios jornalísticos gerais começaram a
predominar sobre as exigências específicas de cada área da cultura, julgou­se que qualquer
repórter deveria ser capaz de fazer matérias culturais ­ o que é um critério absurdo, que não
se ousa adotar, por exemplo, no jornalismo esportivo, onde ainda se respeita o conhecimento
especializado. No antigo jornalismo cultural, não havia pauta, exceto para uma ou duas
matérias: para o resto, formava­se um grande corpo de colaboradores especializados, cada
qual capaz de acompanhar as novidades no seu próprio setor, e respeitava­se o material que
enviassem. No estilo atual, os editores de suplementos (em geral eles próprios gente de
formação apenas jornalística e sem nenhum mérito especial em literatura ou ciências, por
exemplo) se tornaram tiranetes e a pauta se tornou uma régua destinada a tudo nivelar pela
altura da cabeça deles. Para piorar, adotou­se nas páginas culturais a medida padrão das
matérias do noticiário geral, sempre curtinhas porque se destinam a um público que
supostamente odeia ler. Hoje em dias os ensaios brilhantes de Otto Maria Carpeaux ou
Álvaro Lins seriam recusados sob a alegação de falta de espaço (tanto mais absurda e
demagógica quanto mais os jornais cresceram em número de páginas desde a década de 50).
E o mais deprimente de tudo é que esses editores, quanto menos se exige deles em preparo
cultural, mais autoridade adquirem: eles têm hoje até mesmo o direito de meter a caneta no
texto alheio, como se um escritor profissional fosse um foquinha necessitado da sábia
assistência de um copy desk. Os suplementos culturais de hoje assinalam, enfim, uma
usurpação da cultura pela classe jornalística ­ gente tão prepotente quanto a casta militar que
nos governou por vinte anos.

Quais os critérios usados nas críticas culturais?

É difícil generalizar, mas acho que a importância jornalística, o apelo político imediato e as
preferências de grupos reivindicantes acabaram por predominar sobre o critério do interesse
profundo, que subentende uma visão histórica muito mais abrangente do que, em geral, a
dos resenhistas. O que acaba vigorando é uma concepção redutivista, onde só tem
importância nas páginas culturais aquilo que poderia ser transferido tal e qual para as
páginas de noticiário geral, comportamento, diversões, etc. Aquilo que tenha importância
somente intelectual, filosófica ou científica, sem se traduzir em conseqüências políticas ou
comportamentais imediatas, é como se não existisse.

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