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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO:


AS ETERNAS APORIAS E A UBERDADE DA ABDUÇÃO
TÓPIC AND CONSTITUTIONAL LAW THEORY:
THE ETERNAL “APORIAS” AND THE EMERGENCY OF THE ABDUCTION

Luiz Augusto Lima de Ávila*

Recebido para publicação em agosto de 2005

Resumo: A determinação da natureza do conhecimento jurídico tem se mostrado um dos mais re-
levantes e controversos temas em Filosofia do Direito. Este tema, dada a generalidade pertinente a
uma teoria do conhecimento, é dimensionando na perspectiva de THEODOR VIEHWEG que, em
“Tópica e Jurisprudência” e em “Tópica e Filosofia do Direito”, resgata aspectos do pensamento
jurídico que, até então, haviam ficado, por séculos, à margem da cientificidade da ciência jurídica.
Theodor Viehweg retoma a questão do método jurídico à luz da experiência grega e romana, com a
tópica aristotélica e a tópica ciceroniana, respectivamente, e, paralela à exigência de convergência
entre estabilidade e flexibilidade a partir da antinomia entre dogmática e zetética, agrega a proposta
de conciliação, de Gian Battista Vico, entre o método antigo (retórico ou tópica) e o método mo-
derno (crítico cartesiano) como uma condição indispensável para a perfeita utilização do método
crítico cartesiano. A partir de então e dadas as tessituras da contemporaneidade, busca atualizar o
método jurídico com os instrumentos contemporâneos da lógica, da teoria da comunicação e da lin-
güística. Entre muitos, THEODOR VIEHWEG, a partir da década de 50, estabeleceu as bases para
uma teoria da argumentação jurídica contemporânea. No entanto, não há uma só abordagem que
tenha por objetivo incursões mais aprofundadas no campo da lógica, da teoria da comunicação e
da lingüística, ou seja, ao que CHARLES SANDERS PEIRCE passou a chamar de lógica abdutiva
que, junto com a lógica de dedutiva e com a lógica indutiva, corresponde à semântica de Charles
Morris, cuja teoria é citada por Theodor Viehweg. E se a lógica abdutiva é invenção ou criação
e, portanto, correspondente á poética aristotélica poder-se-á afirmar que o raciocínio jurídico é a
consideração possível de um todo que abrange quatro partes diversas desde a sugestão poética até
a demonstração rigorosa e apodítica em uma escala de credibilidade, ou seja, trata-se do princípio
da sucessão dos discursos apodítico, dialético, retórico e poiético que, na perspectiva da unidade do
diverso, fundamenta a teoria da argumentação em Theodor Viehweg. Ou seja, uma coisa qualquer
na ótica do pensamento jurídico é como que por um buraco de fechadura se pretendesse descrever
todo o cômodo do outro lado da porta como o mundo inteiro.
Palavras-chave: Jurisprudência. Filosofia do direito. Lógica abdutiva. Conhecimento jurídico. Te-
oria do conhecimento. Apodítica. Dialética. Retórica. Poiética.

Abstract: The determination of the nature of juridical knowledge became one of the most relevant
and controversial themes in law philosophical theory. This theme, due the pertinent generality to the
knowledge theory, is shaped in THEODOR VIEHWEG’s perspective that in “Topic and Jurispru-
dence” and “Topic and Law Philosophy” remembers aspects of the legal thought that, until then, had

* Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Mestre em Teoria do
Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Especialista em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais; Especialista em Direito Empresarial, Direito do Trabalho e Direito Processual pela Faculdade de Direito do
Oeste de Minas – FADOM, Minas Gerais; Professor de Filosofia do Direito, Metodologia da Pesquisa Jurídica, Direito Cons-
titucional, Direito Internacional e Relações Internacionais do Comércio na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais;
Coordenador de Monografia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em Arcos; Professor de Técnica de Redação
e Argumentação Jurídica na Faculdade de Direito de Pedro Leopoldo, Minas Gerais.

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been in the margin of concept of science of legal science for centuries. Theodor Viehweg takes again
the question of the legal method in the light of the Greek and Roman experience with the Aristotelian
and the Ciceronian topic respectively and parallel the requirement of convergence between stability
and flexibility from the antinomy between dogmatic and basic investigation (zetetic). He also adds the
proposal of conciliation of Gian Battista Vico between the old method (rhetorical or topic) and the mo-
dern method (critical Cartesian) as an indispensable condition for the perfect use of the Cartesian cri-
tical method. Since then, due to the peculiarity of the contemporary world, he searches to bring up to
date the legal method with the contemporary instruments of the logic, communication theory and the
linguistics. THEODOR VIEHWEG, among others, in the 50’s, established the bases for a theorie of
the contemporary legal argument. However, there isn’t any approach aiming to deepened incursions in
the field of logic, communication’s theory and linguistics, in other words, to CHARLES SANDERS
PEIRCE passed to name abductive logic together with deductive logic and with the inductive logic
corresponds to the semantics of Charles Morris, whose theory is cited by Theodor Viehweg. If the
are invention or creation and, therefore, correspondent to the Aristotelian poetic, it would be able to
affirm that the legal reasoning is the possible consideration of the sum of everything that encloses four
diverse parts since the poetical suggestion until the rigorous and apodictical demonstration in a credi-
bility scale, in other words, this concerning the principle of the succession of the speeches apodictical,
dialectic, rhetorical and poietical that, on the perspective of the unit of the diverse, bases the theory of
the argument in Theodor Viehweg. Thus, something regarding to the juridical aproach, it is like when
we see something through a key hole and intend to describe the entire place in the other room across
the door as it would be the world.
Key Words: Jurisprudence. Law philosophical theory. Abductive logic. Juridical knowledge.
Knowledge theory. Apodictical. Dialectic. Rhetorical. Poietical.

Introdução paralela a exigência de convergência entre


estabilidade e flexibilidade a partir da an-
A motivação para a investigação do tinomia entre dogmática e zetética, agrega
tema em questão é originada pelas dúvi- a proposta de conciliação de Gian Battista
das adquiridas através do estudo de um Vico entre o método antigo (retórico ou
dos mais relevantes e controversos temas tópica) e o método moderno (crítico car-
em Filosofia do Direito: a determinação tesiano) como um condição indispensável
da natureza do conhecimento jurídico na para a perfeita utilização do método crítico
dialética secularização pela escatologia e cartesiano.
simbiose. Este tema, dada a generalidade A partir de então, acentuando a dife-
pertinente a uma teoria do conhecimento, rença entre empirismo, como experiência
é dimensionando na perspectiva de THE- do passado, e pragmática, como experiên-
ODOR VIEHWEG que, em “Tópica e Ju- cia pró-futuro, dadas as tessituras da con-
risprudência” e em “Tópica e Filosofia do temporaneidade na dialética entre secula-
Direito”, resgata aspectos do pensamento rização pela escatologia e simbiose, busca
jurídico que, até então, haviam ficado, por atualizar o método jurídico com os instru-
séculos, à margem da cientificidade da ci- mentos contemporâneos da lógica, da teo-
ência jurídica ou logocentrismo. ria da comunicação e da lingüística.
Theodor Viehweg retoma a questão Entre muitos, THEODOR
do método jurídico à luz da experiência VIEHWEG, a partir da década de 50, es-
grega e romana, com a tópica aristotélica tabelece as bases para uma teoria da argu-
e a tópica ciceroniana, respectivamente, e, mentação jurídica contemporânea a partir

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da tópica aristotélica. A natureza do conhe- VIEHWEG não concebeu, ou seja, uma


cimento jurídico, a partir de THEODOR distinção entre o discurso ou raciocínio
VIEHWEG, não é só o resultado de uma apodítico ou demonstrativo e o discurso
subsunção do fato à norma, nos moldes do ou raciocínio analítico, por ser o primeiro
silogismo clássico, mas, também, de um uma espécie do segundo, ou seja, que se
raciocínio tópico que coloca em evidência diferencia, não pela forma, mas, pelo con-
o problema que clama por uma solução, teúdo (verdadeiro ou falso) das premissas
ambos de origem aristotélica. empregadas.
Da inteligibilidade da teoria de THE- Na teoria de THEODOR VIEHWEG,
ODOR VIEHWEG se destacam duas di- a prática do Direito consiste na inovação e
retrizes que convergem, uma como pers- discussão de tópicos ou argumentos solidi-
pectiva crítica e outra como perspectiva ficados em fórmulas que gozam de aceita-
construtiva, com fundamento na lingü- ção entre os juristas, pois, a interpretação,
ística. Na perspectiva crítica, a tópica de a aplicação e o uso da linguagem natural
Viehweg toma como pressuposto a crítica são três modos de irrupção da tópica em
ao logicismo jurídico, à lógica formal apli- um sistema jurídico lógico-dedutivo, o que
cada ao raciocínio jurídico ou, simples- propicia a referida inovação e discussão em
uma perspectiva dialético-retórica e, por
mente, à teoria do silogismo jurídico. Na
conseguinte, a compreensão da argumenta-
perspectiva construtiva, a teoria da argu-
ção a partir da situação discursiva, ou seja,
mentação dialético-retórica de VIEHWEG
de um modo de falar situacional e outro não
propõe a compreensão do raciocínio ju-
situacional. Neste sentido, a interpretação,
rídico e, a princípio, a inteligibilidade da
a aplicação, o uso da linguagem natural e a
natureza desse conhecimento entre ciência
flexibilização na busca de novos pontos de
e prudência, tomando a lingüística como vista denotam a maneira tópica.
instrumento de comunicação e ação. Theodor Viehweg, com sua teoria e
A convergência de ambas as diretri- investigações crítico-linguísticas, resga-
zes propostas, na perspectiva crítica e na tando a questão dos argumentos ou tópi-
perspectiva construtiva com fundamen- cos jurídicos, propicia a reestruturação de
to na lingüística, podem ser reduzidas às toda a teoria do método jurídico até então
investigações crítico-linguísticas e neo- vinculada ao logicismo jurídico, ou seja, à
retóricas se considerarmos a retomada de lógica formal aplicada ao raciocínio jurídi-
ARISTÓTELES e o princípio da sucessão co ou, simplesmente, à teoria do silogismo
dos discursos apodítico, dialético, retórico jurídico.
e poético, na perspectiva da unidade do di- Daí a pretensão de poder afirmar que
verso, ou seja, esta como pressuposto para a tópica não se exaure na jurisprudência ou
a irredutibilidade do particular para o geral, ciência do direito, pois, do ponto de vista
que só é inteligida a partir da metáfora da da tese de Theodor Viehweg, o mesmo de-
linha como base fundamental para a unida- fendia a busca por um enfoque completo do
de do verdadeiro ou certo (apodítico), do direito, que deveria incluir a exigência de
provável (dialético), do verossímil (retóri- convergência entre estabilidade e flexibili-
co) e do possível (poético) como discurso, dade a partir da antinomia entre dogmática
guardadas as diferenças enquanto modali- e zetética, ou seja, não só um enfoque da
dades deste mesmo discurso. tópica, mas, também, para além da investi-
Esta retomada de ARISTÓTELES gação básica e contingente do direito, um
impõe aquilo que a teoria de THEODOR enfoque do que é evidente ou necessário

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no direito, pois, assim como a tópica está 1. Da relação dialética entre Liberdade e
para a dogmática a zetética está para evi- Determinismo na guinada para a moder-
dência (demonstração; analítica). nidade: A morte do “ser” ou a desconsti-
Esta é a hipótese que pretendemos tuição do Cogito como base fundamental
provar no decorrer da investigação, ou para o dimensionamento da contempora-
seja, a natureza do conhecimento jurídico neidade ou pós-modernidade
é, essencialmente, ciência e prudência, e
A contemporaneidade (pós-moder-
isto, equivale dizer, é tanto razão teorética
nidade) ou mesmo a modernidade não po-
como é razão prática em Theodor Viehweg.
dem ser inteligidas na perspectiva da his-
E, as respectivas virtudes de cada uma des-
tória da filosofia, mas, sim, na perspectiva
sas partes da alma racional são as formas
da filosofia da história como proposto por
perfeitas com que se apreende a verdade
Blumenberg.1 Com a filosofia da história,
prática e a verdade teorética (Ética a Nicô-
Blumenberg recusa a secularização como
maco. 1139 b, 10). A ciência e a opinião,
hermenêutica daquilo que é modernidade
que compõem a racionalidade na perspec-
e, dada a incapacidade explicativa do an-
tiva da unidade do diverso, são o princípio
tigo sistema teológico, propõe a tese da
primeiro (dianoética) da ética, dimensão
reocupação, afirmando que se trata de uma
do direito. reocupação da função e não da substância
No entanto, não há uma só aborda- (que não tem identidade), a tomada da ra-
gem que tenha por objetivo incursões mais zão como projeto da modernidade, pois,
aprofundadas no campo da lógica, da te- não se trata de uma evolução e sim de uma
oria da comunicação e da lingüística, ou revolução2.
seja, ao que Charles Sanders Peirce pas- A secularização, como a ruptura en-
sou a chamar de lógica abdutiva que, junto tre a lei (ordem) e o ser (com um finalismo
com a lógica dedutiva e com a lógica indu- interno), não pode tomar a modernidade
tiva, corresponde à semântica de Charles como causa dessa ruptura, mas, sim, o
Morris, cuja teoria é citada por Theodor conceito de teologia cristã originária do
Viehweg. E se a lógica abdutiva é inven- nada ou criatio ex nihilo. Daí Blumenberg
ção ou criação e, portanto, correspondente afirmar não haver uma secularização3 da
à poética aristotélica poder-se-á afirmar escatologia4 e sim uma secularização pela
que o raciocínio jurídico é a consideração escatologia, ou seja, a morte do ser onto-
possível de um todo que abrange quatro lógico.
partes diversas desde a sugestão poética Se a razão é o grande projeto da mo-
até a demonstração rigorosa e apodítica em dernidade, ela o é no sentido cartesiano da
uma escala de credibilidade, ou seja, tra- dúvida metódica e/ou propedêutica. Não
ta-se do princípio da sucessão dos discur- se trata de duvidar por duvidar, mas, sim,
sos apodítico, dialético, retórico e poético do Self ou Cogito como estrutura de ra-
que, na perspectiva da unidade do diverso, cionalidade. É o Cogito como princípio de
fundamenta a teoria da argumentação em certeza, ou seja, eu penso e não posso du-
Theodor Viehweg que, a partir de então, vidar do meu próprio ato de pensar. Trata-
possibilita a cognição das eternas aporias se, ainda, do pensamento pensando, pois, o
e do caráter contraditório do pensamento sujeito empírico não pode ser a base para a
universal – a natureza da teoria constitu- universalidade. Nesta perspectiva, o Cogi-
cional do direito é, tão somente, uma pre- to descobre a autonomia do próprio Cogito
dicação. em contra-posição à heteronomia5. A auto-

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nomia representa a ruptura com a raciona- cionismo imprime uma mudança paradig-
lidade antiga; é a lei de si para si mesmo mática pautada pelo pluralismo com tantas
em detrimento de uma dimensão teológica verdades quanto leitores. É o surgimento
em que Deus é o fundamento para a racio- da filosofia da linguagem, onde os jogos
nalidade. Nesta perspectiva podemos ob- de linguagem marcam a não possibilida-
servar que Descartes não chega à idéia de de de uma hermenêutica última. Trata-se
Deus pela revelação, mas, sim, pelo Cogito do retorno à poiética que, distinta da prá-
que é tão amplo e infinito que ele (finito) xis, traduz-se como techné ou arte sem a
não poderia ter criado. perspectiva de se chegar a dialética ou ao
Para se chegar ao Self como estru- apodítico, dada a não inserção da raciona-
tura de racionalidade e, por conseguinte, lidade como princípio primeiro para a ação
paradigma da modernidade, Blumenberg humana.6 A filosofia, então, não é uma ci-
firma as raízes ou origens do Self tanto na ência e sim uma figura de linguagem para
Grécia como na idade média. A ruptura retratar a realidade.
com a racionalidade antiga propicia a pro- Assim, o pensamento contemporâneo
posta do Self como um princípio de certeza é contrário à possibilidade de uma herme-
no próprio ato de pensar. No entanto, no nêutica da realidade ou de uma narrativa
próprio projeto do Self há a sua descons- dessa realidade, dada a perspectiva plura-
trução, ou seja, na perspectiva da filosofia lista da filosofia da linguagem. Se o Self,
da história, a história da subjetividade, do na modernidade, é e constitui, ele mesmo,
Self ou da consciência, só pode ser contada o paradigma da estrutura da racionalidade,
com a morte (negação e o fim) da própria o desconstrucionismo do Self, na pós-mo-
subjetividade, ou seja, se a síntese é uma dernidade ou contemporaneidade, acarreta
simbiose entre tese e antítese, a moderni- a perda de substancialidade e da autopre-
dade como síntese ou simbiose é originá- servação como estruturas da autonomia.
ria da racionalidade antiga como tese e da Na pós-modernidade, cada um (indi-
proposta do Self como princípio de certeza víduo) quer uma resposta específica a um
no próprio ato de pensar, esta última como projeto específico. A desconstituição do
antítese. Self propicia o surgimento, não do cristia-
Assim, passando de uma dialética nismo do medievo, mas, sim, de um mer-
entre determinismo heterônomo (tese) e cado religioso. O pensamento contempo-
liberdade (antítese) para uma liberdade em râneo ou pós-moderno questiona a ciência
que o determinismo é o germe determinan- e seu status privilegiado na modernidade.
te da desconstrução dessa liberdade (sín- Na pós-modernidade a consciência nada
tese ou simbiose), há a morte da própria mais é do que um termo técnico ou algo a
subjetividade. Trata-se, dado o raciocínio ser firmado.
e como veremos mais adiante, de um de- Assim, segundo DERRIDA, se o
terminismo absoluto quantitativo e não pensamento unívoco, que marca a mo-
mais qualitativo e, ainda, posteriormente, dernidade, é determinado pelo pensar que
de um indeterminismo ou acaso absoluto leva à lógica, daí à filosofia e à ciência que
que leva, necessariamente e em ambos os dá conta conceitual do ser (determinação
casos, à uma não-liberdade. conceitual de algo) ontológico (com domí-
E dada à ambivalência, se no projeto nio conceitual), é na pós-modernidade que
do Self há a desconstrução do próprio Self, ocorre a desconstituição desse ser com a
esse desconstitucionismo ou desconstru- conseqüente negação desse domínio con-

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ceitual (ontológico) ou morte do sujeito. lógica vs. retórica. Ou seja: A filosofia


Uma coisa é a morte do sujeito (ser) e ou- pode ser lógica ou será sempre retórica?
tra coisa é a morte do Cogito. Na pós-mo- Ela pode ser levada a sério ou trata-se ape-
dernidade há a morte do sujeito (ser) como nas de um gênero literário? O que há de
domínio conceitual ou universal, a morte apodítico no vasto campo do que somente
do Cogito e não do sujeito empírico. E será é dialético e no campo do que somente é
que na perspectiva de uma determinada erístico? Como justificarmos a volição hu-
ordem cronológica, como, por exemplo, mana somente a partir da possibilidade e
mitos-logos-mitos, segundo Focault, po- da verossimilhança?
deríamos inferir uma filosofia do ser, uma Assim, então, é que podemos afirmar
filosofia da consciência e, conseqüente- que o germe da guinada para a moderni-
mente, uma filosofia da linguagem? E se dade está em Copérnico com uma teoria
afirmativa a resposta, poderíamos conside- (De Revolutionibus) que traz em seu bojo
rar a filosofia da linguagem, que dá lugar a fundamentação racional para a negação
a uma lógica modal, como a verdade em de uma leitura instrumentalista, ou seja, a
uma linguagem e em um modelo oposto a convergência entre ciência e técnica que
uma hermenêutica última e universal? propicia, dada uma perspectiva realista e
Neste caso, se a resposta for afirma- neoplatonista de Copérnico, a percepção
tiva e dada a inteligibilidade dessa afir- convergente de finitude do universo mate-
mação, não poderíamos, então, admiti-la rial com a concepção infinita de um Deus
como uma hermenêutica última e univer- geometrizante.7 Daí poder afirmar tratar-se
sal, ou seja, dada a inteligibilidade das de um germe ou de uma aparente tensão
questões, se estas mesmas afirmações não entre tradição e revolução, pois, não se tra-
podem ser tomadas (elas mesmas) como ta de uma evolução. Uma tensão que irá
uma hermenêutica última e universal, por encontrar seu cume somente com a teo-
não se esgotar as interpretações, a afirma- ria heliocêntrica em Galileu e a teoria da
ção de se poder ter uma hermenêutica úl- inércia em Newton. Galileu com a luneta
tima e universal é também uma afirmação e outros instrumentos supera a leitura ins-
verdadeira. Daí podermos afirmar que a trumentalista8 dada à teoria copernicana,
filosofia da linguagem, que dá lugar a uma exaltando a concepção, hoje, de tratar-se
lógica modal, denota a verdade em uma de uma revolução e não de uma evolução.
linguagem e em um modelo oposto a uma As transformações produzidas a
hermenêutica última e universal como, partir da concepção heliocêntrica são: a
também, denota a verdade em uma lingua- secularização do pensamento científico, a
gem e em um modelo convergente a uma descentralização do cosmo, a geometriza-
hermenêutica última e universal. ção do universo e o mecanicismo e o deter-
Se não se está buscando mais a uni- minismo de Newton. Por secularização do
versalidade, esta perspectiva transforma a pensamento científico podemos entender
filosofia em um gênero literário. A morte o fenômeno de enfraquecimento, no caso,
do sujeito como concebido ou a descons- de uma determinada postura científica que
trução dessa estrutura que eleva o saber à dá lugar à revolução heliocêntrica ou ga-
universalidade se dá pelo motivo de não lileana. Esta revolução propiciará a des-
se buscar uma hermenêutica última e uni- centralização do cosmo e a conseqüente
versal, pois, não se esgota a interpretação. geometrização do universo, dada a relati-
A ambivalência é tratada no problema da vização do espaço. Neste sentido, passa-se

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a trabalhar, não com qualidades, mas, sim, burguesia, são dimensionadas, inicialmen-
com quantidades que podem ser mensura- te, a partir das soluções radicais do no-
das. KOYRÉ fala em dessacralização do minalismo do séc. XIV. Esta perspectiva
espaço e, por conseguinte, um pressuposto nominalista culmina em uma interminável
para o mecanicismo e o determinismo de discussão que, segundo LIMA VAZ, aca-
Newton. A teoria da inércia em Newton bou degenerando no que se chamou de
coloca o cosmo como análogo à máquina. escolástica decadente que, por sua vez,
Mas, ainda, há a revolução da física marca a virada para a modernidade com a
quântica, do cálculo probabilístico, e, as- simbiose entre ciência e técnica, conver-
sim, de um determinismo absoluto ou la- gentes em uma metodologia com um cará-
placiano9, que leva necessariamente a uma ter mais rigoroso.
não liberdade, para um indeterminismo10 A convergência da ciência e da tec-
absoluto11 ou para um acaso absoluto no nicidade propicia um marco teórico para
qual não se pode prever nada. Em decor- a revolução científica em detrimento das
rência de não se poder prever nada, isto chamadas leituras instrumentalistas ou
nos leva, também, a uma não liberdade. perspectiva de uma simples evolução
A solução dada à questão está na de teorias e verdades até então aceitas.
relação dialética entre liberdade e de- A revolução científica é pautada pelo di-
terminismo. Uma dialética concebida a mensionamento mecânico do mundo e
partir do dimensionamento tese, antítese não mais pelo dimensionamento finalista
e síntese em uma infinita correlação, ou – uma perspectiva que atende os interesses
seja, para toda síntese, tomada como tese, das então chamadas revoluções burguesas.
haverá, necessariamente, uma antítese e, Já a perspectiva de uma leitura instrumen-
conseqüentemente, uma outra síntese ou talista atende os interesses daqueles que
simbiose. E, ainda, podemos inferir argu- pretendem a manutenção das verdades
mentativamente que, dado o pressuposto fundadas nas teorias finalistas e na concep-
da não-liberdade como conseqüência tanto ção de uma ordenação que Deus, em sua
do determinismo como do indeterminismo infinitude, dá a finitude do mundo.
absoluto, qual o princípio primeiro da ra- Dada a escolástica decadente deter-
cionalidade? Ou seja, se o determinismo e minando o contexto no qual estava inseri-
o indeterminismo absoluto são a justifica- do Copérnico, a identificação do realismo
tiva racional para a não-liberdade, qual a e do neoplatonismo atribuído a Copérni-
base fundamental para esta racionalidade? co é clara com a afirmação de que “fica
Nesta perspectiva, como poderá ser o ho- evidente que os cálculos que determinam
mem dado a não-liberdade? E articular a posições e movimentos dos corpos celes-
dialética entre o determinismo ou indeter- tes não são puros e simples instrumentos
minismo absoluto e a liberdade com uma úteis, mas muito mais elementos revela-
filosofia da linguagem, que dá lugar a uma dores daquelas estruturas ordenadas e
lógica modal, como a verdade em uma daquelas imutáveis simetrias impressas ao
linguagem e em um modelo oposto a uma mundo pelo Deus que geometriza.” (REA-
hermenêutica última e universal? LE; ANTISERI, 1990:220)
A amplitude e as exigências que se Se Galileu fundamenta em Deus os
apresentam à ciência, antes mesmo de se sentidos, discursos e intelecto como os
falar em atendimento das necessidades meios pelos quais “podemos chegar àque-
práticas dado o surgimento e ascensão da las conclusões naturais que podem ser ob-

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tidas pelas sensatas experiências ou pelas em discurso retórico e discurso poético em


necessárias demonstrações” (REALE; virtude dos diversos graus de persuasão,
ANTISERI, 1990:262 e 263), pergunta-se: desde a sugestão poética até a demonstra-
Deus integra o universo finito (no sentido ção rigorosa, como exposto no Órganon ou
de presente no mesmo espaço que o ho- instrumento. Não se trata de uma hierarquia
mem) em que estamos ou preserva a infini- de valores ou de uma forma progressiva de
tude originária do realismo ou neoplatonis- erro ou de conhecimento deficiente, mas,
mo presentes em Copérnico? sim, de que os quatro modelos de discurso,
Para se falar em natureza da teoria raciocínio ou argumento, apresentam uma
constitucional do direito devemos consi- diferença de funções articuladas entre si e,
derar tanto o termo teoria quanto o termo portanto, necessárias à construção do co-
constitucional e direito como uma simbiose nhecimento.
originária de uma exaustiva sucessão de te- Ou seja, se a “virtude de uma coisa
ses e antíteses acima mencionadas. Ou seja, é relativa ao seu funcionamento apropria-
para a determinação da natureza da teoria do.” (Aristóteles. Ética a Nicomaco. 1139
constitucional do direito e, conseqüente- a, 15), segundo Aristóteles, podemos en-
mente, das dicotomias conexas na unidade tender que, em não havendo uma divisão
do diverso, deve-se responder as questões por partes reais e incomunicáveis13, há,
que pesam sobre as simbioses originadas sim, uma divisão por funções, pois, a vir-
pela dialética entre o dimensionamento me- tude correspondente a cada uma das partes
cânico e finalista do mundo, entre liberdade é a virtude ou o funcionamento apropriado
e determinismo ou indeterminismo absolu- de cada uma dessas partes para a apreen-
to, entre finitude e infinitude. são ou da verdade prática ou da verdade
Se podemos afirmar que a filosofia teorética.
da linguagem, que dá lugar a uma lógica Neste sentido, CARVALHO, conver-
modal, denota a verdade em uma lingua- gindo com a unicidade e a divisão por fun-
gem e em um modelo tanto oposto como ções, ensina que:
convergente a uma hermenêutica última e “A essa idéia denomino Teoria dos
universal, isto só é possível dada a desse- Quatro Discursos. Pode ser resumida em
melhança entre verdade e opinião a partir uma frase: o discurso humano é uma po-
da inteligibilidade da racionalidade em tência única, que se atualiza de quatro ma-
Aristóteles. Então, alcance do signo “teoria neiras diversas: a poética, a retórica, a dia-
constitucional do direito”, a partir de uma lética e a analítica (lógica)” (CARVALHO,
argumentação primária em detrimento de 1996. P. 29).
uma argumentação secundária, é determi- E a compreensão da unidade propos-
nado na dimensão do questionamento ou ta para o pensamento de ARISTÓTELES é
da problematização.12 análoga à inteligibilidade do ato que:
Daí, o que é, essencialmente, a na- “implica respeitar cuidadosamente o
tureza da ou de uma teoria constitucional inexpresso e o subentendido, em vez de su-
do direito? É possível uma justificação ra- focá-lo na idolatria do ‘texto’ coisificado,
cional para um juízo aparentemente moral túmulo do pensamento” (CARVALHO,
ou moderno? Assim, para dimensionarmos 1996. P. 28).
esse conhecimento, passamos a analisar, Assim, das quatro modalidades de
em ARISTÓTELES, os raciocínios ou dis- discursos, raciocínios ou argumentos, que
cursos apodíctico, dialético e erístico, ado- se diferenciam, basicamente, por funções
tando o desdobramento do discurso erístico articuladas entre si e, portanto, necessárias

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 17

à construção do conhecimento, ou seja, por totélicos se justifica na medida em que o


seus graus de prova ou credibilidade: o dis- positivismo legalista toma o discurso ou
curso apodíctico, operando com demons- o raciocínio somente em uma perspectiva
trações, assegura sempre uma prova plena, analítica, quando muito apodíctica, e na
uma certeza indestrutível; o discurso dia- medida em que a teoria retórica da argu-
lético lida com a demonstração provável, mentação, ou tópica de Theodor Viehweg,
com a verificação dos erros e das verdades assinala e exalta as idéias de Aristóteles
nas opiniões ou nas crenças, aspirando o como marco teórico.
convencimento por conclusões prováveis, Esta análise impõe, então, como não
ou seja, trata-se da “lógica da descoberta: poderia deixar de haver, a análise da lógica
o verdadeiro método científico, do qual a aristotélica ou analítica (silogismos) que
lógica formal é apenas um complemento constitui uma propedêutica à todas as ciên-
e um meio de verificação” (CARVALHO, cias teóricas, práticas ou poéticas. A lógica,
1996. P. 38); o discurso retórico, através então, demonstra, sobre a base de determi-
da produção e apresentação de determina- nados elementos e segundo determinadas
das convicções e/ou crenças, procura per- estruturas, como se dá o pensamento.
suadir por razões verossímeis e produzir Assim, a verdade ou a falsidade não
uma decisão, ou seja, “tem por objeto o
se tem nas definições, mas, sim, no julga-
verossímil e por meta a produção de uma
mento e na sua proposição ou enunciação
crença firme que supõe, para além da mera
(juízo lógico), onde se aplicam nexos pre-
presunção imaginativa, a anuência da von-
cisos (afirmativos ou negativos) entre um
tade” (CARVALHO, 1996. P. 40) e, por
predicado e um sujeito. A proposição ver-
fim, o discurso poético, lida com a imagi-
dadeira decorre da correspondência destes
nação, sugestiona o ouvinte a suspender o
nexos com os que existem na realidade;
juízo e aceitar, provisoriamente, situações
possíveis como situações verdadeiras, ou caso contrário, a proposição será falsa.
seja, “versa sobre o possível, dirigindo-se O professor GIOVANNI REALE en-
sobretudo à imaginação, que capta aquilo sina que:
que ela mesma presume” (CARVALHO, “a expressão lógica do juízo é a
1996. P. 40). enunciação ou proposição. O juízo e a pro-
Não se pode raciocinar demonstrati- posição constituem a forma mais elemen-
vamente como no campo da moral, da polí- tar de conhecimento, a forma que nos dá
tica ou do direito, pois, dado o fato de serem a conhecer diretamente um nexo entre um
uma questão do fazer ou do agir (das ações), predicado e um sujeito. O verdadeiro e o
não se trata de certeza ou de necessidade ló- falso, portanto, nascem com o juízo, isto é,
gica ou o que não pode ser de outro modo, com a afirmação e com a negação: temos o
mas, sim, do que é provável14.No entanto, verdadeiro quando, com o juízo, conjuga-
na tentativa de garantir a certeza dos racio- mos aquilo que realmente é conjugado (ou
cínios jurídicos, principalmente no positi- se separa o que é realmente separado); já
vismo legalista do século XIX, negando ou o falso temos quando, ao contrário, com o
desconhecendo a perspectiva Aristotélica, juízo, conjugamos aquilo que não é conju-
trazem ao direito, à política e à moral as gado (ou se separa o que não é separado)”
incertezas que se pretendia evitar somente (REALE. 2003. P. 228/229).
com o raciocínio demonstrativo. E se o raciocínio verdadeiro consiste
Por isto, uma análise das quatro mo- em uma seqüência de julgamentos, a co-
dalidades de discursos ou raciocínios aris- nexão desses julgamentos constitui o silo-

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18 Luiz Augusto Lima de Ávila

gismo como forma perfeita do raciocínio, deve cortar a secção do inteligível” (...) “a
ou seja: considerado sob um ponto de vista alma, servindo-se, como se fossem ima-
apenas de coerência formal, sem se preo- gens, dos objetos que então eram imitados,
cupar com o conteúdo, se tem o silogismo é forçada a investigar a partir de hipóteses,
geral ou analítico; se considerar o conteúdo sem poder caminhar para o princípio, mas
de verdade de suas premissas ter-se-á, en- para a conclusão; ao passo que, na outra
tão, o silogismo científico ou demonstrati- parte, a que conduz ao princípio absoluto,
vo; se as premissas não forem verdadeiras, parte da hipótese, e, dispensando as ima-
mas verossímeis e prováveis, o silogismo gens que havia no outro, faz caminho só
é dialético e, se forem as premissas ambí- com o auxílio das idéias” (...) “aqueles que
guas e enganadoras, que na aparência pa- se ocupam da geometria, da aritmética e
recem verdadeiras, o silogismo é erístico, ciências desse gênero, admitem o par e o
isto é, retórico ou poético. ímpar, as figuras, três espécies de ângulos,
Na fase do platonismo, os conceitos e outras doutrinas irmãs destas, segundo o
dogmáticos e as opiniões irredutíveis dei- campo de cada um. Estas coisas dão-nas
xavam de ser o norte para aqueles que se por sabidas, e, quando as usam como hipó-
propunham à busca da verdade, fundada na teses, não acham que ainda seja necessário
maiêutica como tradição socrática, em que prestar constas disto a si mesmos nem aos
princípios e teorias eram partilhados e o outros, uma vez que são evidentes para to-
argumento de autoridade era descartado e, dos. E, partindo daí e analisando todas as
em razão da maiêutica, a independência e o fases, e tirando as conseqüências, atingem
amadurecimento intelectual de Aristóteles o ponto a cuja investigação se tinham aba-
era determinado, também, pela denomina- lançado”. (ARISTÓTELES.REPÚBLICA.
da metáfora da linha, ou seja, um diagra- 509 d até 510 d)
ma que, exposto por Platão na República15, Para a compreensão sintética dos as-
designa a gnoseologia platônica. pectos, até então apresentados, da filosofia
A metáfora da linha consiste em: aristotélica é preciso compreender a base
“uma linha cortada em duas partes fundamental que representa a metáfora da
desiguais; cortada novamente cada um dos linha no pensamento aristotélico. Assim,
segmentos segundo a mesma proporção, o Aristóteles tomando como ponto de partida
da espécie visível e o da inteligível; e ob- ou princípio primeiro a unidade do diver-
terás, no mundo visível, segundo a sua cla- so, cujo fundamento, para ele, se encontra
ridade ou obscuridade relativa, uma sec- na contemplação dos organismos vivos,
ção, a das imagens. Chamo imagens, em e, por conseguinte, afirmando que não é
primeiro lugar, às sombras; seguidamente, o conhecimento que segue os modelos da
aos reflexos nas águas, e àqueles que se linguagem, mas, sim, esta que se apresenta
formam em todos os corpos compactos, segundo àquele, procura resolver
lisos e brilhantes, e a tudo o mais que for “todos os problemas que depara:
do mesmo gênero” (...) “a outra secção, da desde os problemas do método (como as
qual esta era imagem, a que nos abrange a famosas resoluções dialéticas segundo as
nós, seres vivos, e a todas as plantas e toda diferentes acepções de uma mesma pala-
a espécie de artefactos” (...) “o visível se vra) até os da física (segundo os diferentes
divide no que é verdadeiro e no que não pontos de vista por que se pode enfocar,
o é, e que, tal como a opinião está para o por exemplo, a alma), e até as questões
saber, assim está a imagem para o mode- supremas da metafísica”(CARVALHO.
lo” (...) “examina agora de que maneira se 1996. P. 129)

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 19

Como já visto, se só são suscetíveis os objetos que Aristóteles designa aos qua-
de conhecimento científico os objetos ne- tro discursos, não desqualifica a metáfora
cessários, invariáveis e que, portanto, não da linha como a base fundamental para a
podem ser de outra maneira, estando os filosofia aristotélica, embora tenha Aristó-
acidentes e as individualidades sujeitos a teles, na superação do platonismo e a partir
variações, ao contrário, fora do conheci- das críticas aos sofistas, restaurado o valor
mento científico e de qualquer possibilida- da opinião e a sua desvinculação do arqué-
de de demonstração apodíctica, nos depa- tipo da mera arbitrariedade. A assimetria
ramos com a afirmação de irredutibilidade acima indicada é, então, entendida como:
do individual ao geral. uma exata correspondência no quadro es-
Assim, a unidade do diverso como quemático16 da metáfora da linha, ou seja,
pressuposto para a irredutibilidade do in- “se as imagens são o objeto do discurso
dividual ao geral só é inteligida a partir da poético, os entes vivos não são objetos do
metáfora da linha como base fundamental discurso retórico”, pois, na concepção aris-
para a unidade do certo (apodíctico), do totélica, o são do dialético como “método
provável (dialético), do verossímil (retóri- próprio da física”; “os entes matemáticos,
co) e do possível (poético) como discursos, por sua vez, são para Aristóteles objetos
guardadas as diferenças enquanto modali-
de demonstração apodíctica” e não do dis-
dades destes mesmos discursos. Dada a
curso dialético; por fim, na seqüência de
abstração da metáfora da linha e de um
uma análise ascendente no referido quadro
quadro esquemático a ela relacionado e ar-
esquemático da metáfora da linha, os prin-
ticulado por Sócrates em “A República”,
cípios supremos ou primeiros “não são,
o professor OLAVO DA CARVALHO ex-
no sistema aristotélico, objetos de discur-
põe que:
so nenhum”, pois, o são de um “conheci-
“Na extrema esquerda e de baixo para
cima a primeira coluna diz doxa (opinião) mento intuitivo auto-evidente”, como, por
e epistéme (ciência), isto é, a modalidade exemplo, a unidade dos diversos, ao qual
inferior e a superior de conhecimento. Na se chega, pela lógica abdutiva ao discurso
extrema direita, os objetos respectivos des- dialético. (CARVALHO. 1996. P. 132).
sas modalidades de conhecimento: doxasta Daí podermos, então, afirmar que en-
e noeta. Nas colunas do meio, à esquerda tre uma lei geral e um fato particular não
aparecem as faculdades cognitivas, duas pode haver uma relação somente dedutiva,
da opinião (eikasia ou faculdade imagina- dadas as peculiaridades próprias de cada
tiva; pistis, ou faculdade de crer), duas da fato em particular. A dedução só se justi-
ciência (dianoia ou pensamento; noesis ou, fica se ambos, uma lei geral e um fato par-
digamos assim para abreviar, intuição in- ticular, forem essencialmente iguais, ou se
telectual), formando uma escala ascenden- o fato particular for uma parte da lei geral.
te. À direita, os objetos de conhecimento No entanto, entre o fato e a lei não há uma
correspondentes a essas faculdades: eiko- relação de pertinência, dada as particula-
nes ou imagens; zoa ou entidades vivas e ridades que escapam ao âmbito de abran-
moventes; mathematika ou entidades ma- gência da lei que só aponta as característi-
temáticas; e, por fim, arkhai, princípios ou cas gerais do fato.
modelos supremos”(CARVALHO. 1996. Se entre uma lei geral e um fato par-
P. 130/131). ticular não pode haver uma relação somen-
A não simetria exata entre os objetos te dedutiva, dada as peculiaridades pró-
que Platão designa às quatro faculdades e prias de cada fato em particular, é porque

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20 Luiz Augusto Lima de Ávila

entre ambas há uma proporção de cunho dade e flexibilidade de um sistema jurídico


analógico e/ou antístrofo, pois, se assim lógico-dedutivo.
não fosse, a existência dos operadores do
direito e sua participação no discurso seria Em Tópica e Jurisprudência,
desnecessária e sem sentido. 17 VIEHWEG faz uma análise da tópica,
Assim, respondidas as questões per- caracterizando-a não como um método,
tinentes às ambivalências, tratadas no pro- no sentido aristotélico, mas como uma
blema da lógica Vs. Retórica (ou seja: A técnica do pensamento problemático, e,
filosofia pode ser lógica ou será sempre re- assim, se conciliando mais com a Tópica
tórica? Ela pode ser levada a sério ou trata- Ciceroniana do que com a Tópica Aris-
se apenas de um gênero literário? O que há totélica. Neste sentido, se os objetos dos
de apodítico no vasto campo do que somen- raciocínios jurídicos são os problemas que
te é dialético e no campo do que somente se apresentam em quaisquer situações, ou
é erístico? Como justificarmos a volição seja, se o direito é, essencialmente, pauta-
humana somente a partir da possibilidade do por argumentações que giram em torno
e da verossimilhança?), a determinação da de problemas práticos, VIEHWEG afirma
natureza da teoria constitucional do direi- que a Tópica ou a atitude espiritual a ela
to é algo sempre a ser determinado dada a subjacente é algo que o raciocínio jurídico
diversidade infinita de tempo e espaço e, deve, necessariamente, possuir. Assim, se
neste sentido, por se tratar de contingentes VIEHWEG nega o direito como um siste-
são açambarcadas como coisas que podem ma dedutivo, nega, também, a tópica como
ser de outra maneira. Já em um determina- um método.
do espaço e tempo, o dimensionamento da A tópica, como técnica do pensamen-
natureza da teoria constitucional do direito to que se orienta para o problema objetivo
se dá no referido quadro esquemático da e concreto, pretende fornecer indicações de
metáfora da linha, onde os princípios su- como se comportar em situações de apo-
premos ou primeiros, mesmo que de uma ria, ou seja, uma situação que designa uma
ciência específica como o direito, são ob- questão que, dada a dificuldade e dúvida,
jetos do discurso18, embora sejam de um é estimulante e iniludível19, “a fim de não
conhecimento auto-evidente, como, por se ficar preso, sem saída” (VIEHWEG.
exemplo, a unidade dos diversos, à qual 1979. P. 33). A tópica é uma busca de um
se chega pelo discurso dialético, onde se caminho para a resolução de uma situação
busca a probabilidade ou verdade provável problemática, cujo próprio problema é
pela lógica dedutiva, indutiva e abdutiva “algo previamente dado, que atua sempre
ou intuitiva. como guia” (VIEHWEG. 1979. P. 34) E
problema, a partir de VIEHWEG, é
2. A lógica abdutiva e a tópica na fun- “toda questão que aparentemente
damentação do direito em Theodor permite mais de uma resposta e que requer
Viehweg. O princípio da sucessão dos necessariamente um entendimento prelimi-
Discursos Apodíctico, Dialético, Retóri- nar, de acordo com o qual toma o aspecto
co e Poético na perspectiva da unidade de questão que há que levar a sério e para a
do diverso. qual há que buscar uma resposta como so-
lução. Isto se desenvolve abreviadamente
2.1 A Tópica de Theodor Viehweg. A tech- do seguinte modo: o problema, através de
né do pensamento problemático, a axiomá- uma reformulação adequada, é trazido para
tica e a satisfação da exigência de estabili- dentro de um conjunto de deduções, pre-

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 21

viamente dado, mais ou menos explícito e Se todo problema exige uma solu-
mais ou menos abrangente, a partir do qual ção, pois, do contrário, não se configu-
se infere uma resposta. Se a este conjun- raria como uma aporia, a diferença entre
to de deduções chamamos sistema, então pensamento problemático e pensamento
podemos dizer, de um modo mais breve, sistemático só ganha clareza, segundo
que, para encontrar uma solução, problema MANUEL ATIENZA, a partir da inteli-
se ordena dentro de um sistema”(Viehweg, gibilidade de que a distinção reside em
1979: 34). uma questão, tão somente, de ênfase ou,
Se colocarmos, então, a ênfase no segundo VIEHWEG, acento. A resolução
sistema, que opera uma seleção de pro- do problema dar-se-á naturalmente através
blemas, os problemas insolúveis e não de um sistema que lhe servirá como ajuda.
selecionados serão desprezados como Assim, segundo MANUEL ATIENZA,
meros problemas aparentes. No entanto, “todo pensamento - toda disciplina
ao contrário, se colocarmos a ênfase no – surge a partir de problemas e dá lugar a
problema, cujo caráter permanece sempre algum tipo de sistema, mas a ênfase pode
confirmado, resultará em uma seleção de recair em um ou outro elemento. Se a ên-
sistemas. fase é posta no sistema, então este realiza
Assim, essa noção de problema se uma seleção dos problemas e, assim, os
contrapõe à de sistema, e VIEHWEG, na que não recaem sob ele são afastados e fi-
esteira de Nicolai Hartmann, distingue cam simplesmente sem ser resolvidos. Se,
pensamento problemático ou aporético e pelo contrário, a ênfase é posta no proble-
pensamento sistemático, ou seja: ma, então se trata de buscar um sistema que
“O modo de pensar sistemático pro- ajude a encontrar a solução; o problema
cede do todo. A concepção é nele o princi- leva assim a uma seleção de sistemas e em
pal e permanece sempre como o dominan- geral a uma pluralidade de sistemas; aqui
te. Não há que buscar um ponto de vista. O se trataria, portanto, de algo assim como
ponto de vista está adotado desde o princí- um sistema aberto no qual o ponto de vis-
pio. E a partir dele se selecionam os proble- ta não é adotado de antemão”(ATIENZA.
mas. Os conteúdos do problema que não se 2000. P. 67).
conciliam com o ponto de vista são rejeita- Se os raciocínios jurídicos tomam
dos. São considerados como uma questão como objeto os problemas práticos, a ên-
falsamente colocada. Decide-se previa- fase deve ser dada ao pensamento proble-
mente não sobre a solução dos problemas, mático e não ao pensamento sistemático,
mas sim sobre os limites dentro dos quais e, nesta perspectiva, VIEHWEG não nega
a solução pode mover-se (...) O modo de a existência de um sistema no qual o pro-
pensar aporético procede em tudo ao con- blema possa buscar uma solução, mas, sim
trário. A isto se acrescenta uma série de e tão somente, a possibilidade de conhecer
considerações, que termina com a seguinte previamente aquele sistema. A alternativa
frase: (O modo de pensar aporético) não é, então, proceder de um modo em que se
põe em dúvida que o sistema exista e que vai
para sua própria maneira de pensar talvez “rodeando o problema, mais de uma
seja latentemente o determinante. Tem cer- vez; ir iluminando as várias facetas ou ver-
teza do seu sistema, ainda que não chegue tentes do problema, ir ponderando, sope-
a ter dele uma concepção”(HARTMANN sando, apreciando, estimando os diversos
apud VIEHWEG. 1979. P. 35). componentes e as várias dimensões que no

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22 Luiz Augusto Lima de Ávila

problema intervêm, para chegar finalmente há somente a distinção, vislumbrada por


ao encontro de uma conclusão que apareça CÍCERO, entre invenção e formação do
como a mais plausível, a que ofereça me- juízo.
lhores visos de prudência, de adequação, A tópica como uma arte da inven-
de maior acerto a respeito dos resultados ção ou ars inveniendi assim se caracteriza
práticos”(RECASÉNS SICHES. 1971. P. pela constante vinculação ao problema,
356). um procedimento constante e dinâmico de
A tópica, segundo VIEHWEG, do busca de premissas, e não só uma opera-
ponto de vista do objeto, é a techné do ção puramente lógica, ou ars iudicandi,
pensamento problemático, do ponto de pois, segundo VIEHWEG, “não é possível
vista do instrumento com que opera, tem- liquidar totalmente a problemática que se
se a noção de topói ou cadeia de argumen- quer dominar, e esta aparece por toda a
tos ou lugares-comuns, e do ponto de vista parte com uma forma nova.” (VIEHWEG.
do tipo de atividade, é a busca e exame de 1979. P. 39)
premissas. (ATIENZA. 2000. P. 65). Se a tópica como ars inveniendi se
A tópica se caracteriza, assim, como diferencia da lógica demonstrativa ou ars
uma arte da invenção ou ars inveniendi, um iudicandi é possível distinguir, segundo
VIEHWEG, “uma reflexão que busca o
procedimento de busca e exame racional
material para pensar, de outra que se ajus-
de premissas ou tópicos sem término pre-
ta à lógica.”. E, dada a convergência com
visto, que só se interrompe ou acaba, de-
o raciocínio aristotélico22 acima citado,
pendendo do problema, quando se alcança
complementa com a afirmação de que: “É
uma solução considerada satisfatória para
igualmente claro que na prática esta última
o problema em questão. A tópica como art
deve vir depois daquela.”. A tópica, con-
inveniendi se contrapõe à formação do juí- clui, “é uma meditação prelógica”, pois
zo ou ars iudicandi que, tanto em CÍCERO busca as premissas ou proposições ou to-
como em VIEHWEG, não tem por objeti- pói que a lógica irá receber para elaborar
vo ou função a descoberta das premissas, uma solução com uma constante vincula-
mas, sim, o seu recebimento para a obten- ção ao problema ou uma formação de ju-
ção de conclusões logicamente fundadas, ízo com a característica desvinculação do
ou seja, para a formação do juízo. problema. Neste sentido, como função, “a
Os tópicos são concebidos como inventio é primária e a conclusio secundá-
premissas compartilhadas que, não sendo ria” (VIEHWEG. 1979. P. 39/40).
absolutamente verdadeiras e evidentes, A tópica ou techné do pensamento
possuem uma carga de probabilidade20 que problemático é esquiva às vinculações23,
os torna instrumentos adequados para um sem, no entanto, renunciar por completo
convencimento racional sobre a melhor àquelas vinculações, dado o interesse em
solução para uma situação problemática. estabelecer determinadas fixações. 24 O
Neste sentido, se pode observar que, na aparente paradoxo é dirimido a partir da
tópica em ARISTÓTELES, em CÍCERO e inteligibilidade de um acordo recíproco ou
em VIEHWEG, a dialética, sem qualquer entendimento comum, ou seja, mediante
distinção, assegura a probabilidade a par- perguntas e respostas adequadas à indica-
tir do que foi apresentado como verossí- ção do que é e do que aparentemente possa
mil em um discurso retórico21, embora as ser digno de uma reflexão mais profunda.
premissas ou proposições de ambos sejam Neste sentido, também se pode observar a
fundadas em opiniões amplamente aceitas; contínua vinculação ao problema.

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 23

THEODOR VIEHWEG nos dá um A legitimação ou prova de uma pre-


exemplo desse aparente paradoxo: missa é, para Viehweg, diferente da sua
“A atividade processual, por exem- demonstração ou fundamentação, pois,
plo, ensina isto diariamente ao jurista. São esta é uma questão puramente lógica, que
exemplos clássicos os diálogos platônicos exige um sistema dedutivo. E a tópica,
em que Sócrates vai criando, por meio de pressupondo a não existência da formação
uma técnica de perguntas, de efeito bastan- do juízo desvinculado do problema, cujo
te peculiar, aqueles acordos de que necessi- procedimento, segundo GIAN BATTISTA
ta para suas demonstrações” (VIEHWEG. VICO e THEODOR VIEHWEG, designa
1979. P. 41). o “methodus critica” fundado no “primum
O acordo recíproco ou entendimento verum”, é que designa a constante vincu-
comum, a partir de perguntas e respostas lação ao problema com a manutenção da
adequadas à indicação do que é e do que redução e dedução “em limites modestos”.
aparentemente possa ser digno de uma re- (VIEHWEG. 1979. P. 43)
flexão mais profunda, pode ser originário Neste ponto, podemos observar que
da interpretação que, abrindo novas pos- VIEHWEG enfatiza, em termos ideais, a
sibilidades de entendimento, não lesam o distinção e a contraposição entre sistema
que é, até então, um ponto de vista fixado.
dedutivo e tópica, afirmando que: “quando
Assim, ao mesmo tempo em que os pontos
se logra estabelecer um sistema dedutivo,
de vista fixados são mantidos, são, tam-
a que toda ciência, do ponto de vista lógi-
bém, dadas as conexões distintas, subme-
co, deve aspirar, a tópica deve ser abando-
tidos à novos pontos de vista que se produ-
nada.” (VIEHWEG. 1979. P. 43). Em um
zem, dando aos pontos de vista já fixados
sistema lógico ideal ou negando que, na
uma nova direção.
prática, existam conexões essenciais en-
Se as premissas fundamentais se le-
gitimam só pela aceitação do interlocutor tre sistema e problema, a tópica perde sua
no procedimento descrito25, fica claro que funcionalidade diante da inexistência de
a tópica ou invenção, ou aquilo que Aristó- premissas a descobrir.
teles designa como dialética, se configura Na modernidade, em razão do méto-
a única instância possível de controle e dis- do crítico de caráter axiomático dedutivo,
cussão dos problemas. No entanto, o que citado por VICO, a tópica é gradativamen-
na tópica, dada a discussão dos problemas, te rechaçada. Um método que designava
ficou provado como aceitável ou relevante uma série de princípios e axiomas dotados
é admissível como premissa, e se isto, se- de plenitude, compatibilidade e indepen-
gundo THEODOR VIEHWEG, pode pare- dência, como ponto de partida. Um méto-
cer muito arriscado, do que não podia ser aplicado ao campo da
“é menos inquietante se se tem em jurisprudência, uma vez que esta, dada a
conta que os que disputam dispõem de um tópica, não podia converter-se em um mé-
saber que já experimentou prévia compro- todo, pois faltava-lhe a qualificação de um
vação, seja ela qual for, e que entre pesso- procedimento que fosse lógico e rigorosa-
as razoáveis só pode contar com aceitação mente verificável e que criasse um nexo
se tiver um determinado peso específico. unívoco de fundamentos; um sistema de-
Desta maneira, a referência ao saber dos dutivo. (VIEHWEG. 1979. P. 71 e ATIEN-
melhores e mais famosos encontra-se tam- ZA. 2000. P. 68/69)
bém justificada” (VIEHWEG. 1979. P. A pretensão de se fazer da Jurispru-
42/43). dência uma Ciência do Direito, dado um

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24 Luiz Augusto Lima de Ávila

raciocínio sistemático-dedutivo, estava perdem sua qualidade de tentativa27. Como


fadada a se malograr, pois, neste sentido, tentativa, as figuras doutrinárias do Direito
VIEHWEG afirma que o Direito não é uma são abertas, delimitadas sem maior rigor
disciplina sistematizável e, mesmo dada a lógico, assumindo significações em função
axiomática, portanto, capaz de encontrar dos problemas a resolver, constituindo ver-
princípios seguros e objetivos, ou seja, o dadeiras fórmulas de procura de solução
Direito, marcado pela possibilidade, ve- de conflito. Noções-chave como interesse
rossimilhança e probabilidade infinita de público, vontade contratual, autonomia
novas situações fáticas e soluções de pro- da vontade, bem como princípios básicos
blemas, caracteriza-se por ser uma contí- como não tirar proveito da própria ilicitu-
nua discussão de problemas. 26 de, dar a cada um o que é seu, in dubio
A afirmação de não ser o Direito uma pro reo guardam um sentido vago que se
disciplina sistematizável e que, portanto, determina em função de problemas como
é incapaz de encontrar princípios seguros a relação entre sociedade e indivíduo, pro-
e objetivos, não tem a conotação de des- teção do indivíduo em face do Estado, do
prezo ou rechaçamento a qualquer tipo de indivíduo de boa fé, distribuição dos bens
estabilidade ou segurança jurídica, pois, numa situação de escassez etc., problemas
se consideramos a tópica uma constante estes que se reduzem, de certo modo, a
vinculação ao problema que, dada a techné uma aporia nuclear, isto é, a uma questão
do pensamento problemático e o entendi- sempre posta e renovadamente discutida e
mento comum, abre novas possibilidades que anima toda a jurisprudência: a aporia
de entendimento não lesando o que é, até da justiça”(VIEHWEG. 1979. P. 03/04)
então, um ponto de vista fixado, temos que Daí, se pode inferir, como evidente,
a constante re-elaboração do direito leva que o rechaçamento ou eliminação da tó-
em conta que toda a estrutura das ações pica não ocorre na escolha dos axiomas,
jurídicas conserve sua estabilidade, porém pois, a determinação e seleção do topos,
sem perder sua flexibilidade. dos conceitos fundamentais ou dos princí-
Segundo VIEHWEG, dadas as si- pios objetivos, é, na perspectiva da lógica,
tuações cambiantes, se faz uso de novos uma posição arbitrária. Trata-se, segundo
tópicos, ora pela legislação, ora pela in- VIEHWEG, no que diz respeito ao topos,
terpretação jurisdicional, e ao mesmo tem- de uma invenção que deve satisfazer as
po em que os pontos de vista fixados são exigências de estabilidade e flexibilidade.
mantidos, são, também, dadas as conexões Assim, para o rechaçamento ou eli-
distintas, submetidos à novos pontos de minação da tópica, que não ocorre na es-
vista que se produzem, dando aos pontos colha dos axiomas, seria necessário tan-
de vista já fixados uma nova direção. to uma rigorosa axiomatização quanto a
Assim, servir às exigências de estabi- proibição de interpretação, aplicação e o
lidade e de flexibilidade constitui tanto um uso da linguagem natural dentro de um
paradoxo quanto a própria razão ou mio- sistema jurídico lógico-dedutivo. Segundo
lo da arte jurídica. E o professor TÉRCIO VIEHWEG, esta empresa:
SAMPAIO FERRAZ Jr. nos ensina que: “se alcançaria de um modo mais
“um campo teórico como o jurídico, completo mediante o cálculo; alguns pre-
pensar topicamente significa manter princí- ceitos de interpretação dos fatos orientados
pios, conceitos, postulados, com um cará- rigorosa e exclusivamente para o sistema
ter problemático, na medida em que jamais jurídico (ou cálculo jurídico); não impedir

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 7 - Jan./Jun 2006 - Vol.2 (Artigos)


TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 25

a admissibilidade das decisões non liquet; A Tópica, como objeto desta investi-
conseguir uma ininterrupta intervenção gação, evidencia o raciocínio dialético que
de um legislador, que trabalhe com uma se caracteriza partindo de proposições con-
exatidão sistemática (ou calculadora) forme as opiniões geralmente aceitas. A
para tornar solúveis os novos casos que Tópica ou raciocínio dialético se diferen-
surgem como insolúveis, sem perturbar a cia do raciocínio apodíctico, que se carac-
perfeição lógica do sistema (ou cálculo” teriza partindo de proposições verdadeiras,
.(VIEHWEG. 1979. P. 84). e do raciocínio erístico, que se caracteriza
A referida interpretação, aplicação e por partir de opiniões que parecem ser ge-
o uso da linguagem natural são designados ralmente aceitas, quando realmente não o
como sendo três modos de irrupção da tópi- são, ou seja, quando a natureza da falácia
ca em um sistema jurídico lógico-dedutivo. é de uma evidência imediata ou de fácil
Assim, se o pensamento interpretativo se apreensão.
move no estilo da tópica e se o ordenamento O raciocínio dialético prima pela
jurídico está submetido a constantes modifi- índole de suas premissas, pelas opiniões
cações temporais, a interpretação e, portan- geralmente aceitas, acreditadas e verossí-
to, também a tópica tornam-se penetrantes. meis, pois são proposições que parecem
A aplicação, que eventualmente pode con- ser verdadeiras a todos ou à maior parte ou
servar a perfeição de um sistema jurídico aos filósofos, sábios, notáveis ou eminen-
lógico-dedutivo, se depara com uma quan- tes. Assim, as demonstrações da ciência
tidade indeterminada de casos que não se são apodícticas ao passo que as argumen-
pode solucionar dentro do dito sistema, o tações retóricas são dialéticas. Esta última
que só é possível, segundo VIEHWEG, a se apresenta como uma arte de trabalhar
partir “de uma interpretação adequada que com opiniões postas e, dada a perspectiva
modifique o sistema através de uma exten- de persuasão e um procedimento crítico, é
são, redução, comparação, síntese, etc.”. instaurado entre elas um diálogo ou con-
No só uso da linguagem natural se apreende frontação ou disputa, mas não no sentido
a unificação de “uma pletora quase ilimi- contencioso ou erístico.
tada de horizontes de entendimentos, que
variam continuamente” e, por conseguinte, 2.2 Aristóteles, Theodor Viehweg e o prin-
a flexibilização na busca de novos pontos de cípio da sucessão dos discursos apodíctico,
vista que, por si só, denota a maneira tópica. dialético, retórico e poético, na perspectiva
(VIEHWEG. 1979. P. 81/82) da unidade do diverso
Segundo VIEHWEG, se “para um
observador desprevenido”, ou seja, para Da inteligibilidade da teoria de THE-
o observador desprovido de resistência a ODOR VIEHWEG, destacam-se duas di-
algo que possa abalar a segurança prove- retrizes que convergem como perspectiva
niente de um sistema jurídico lógico-dedu- crítica e como perspectiva construtiva,
tivo, “o quadro estrutural não se modifi- ambas com fundamento na lingüística. Na
cou de um modo básico, em comparação perspectiva crítica, a tópica de Viehweg
com o dos tempos pré-sistemáticos.”, este toma como pressuposto a crítica ao logi-
poderá “ver reafirmada a mesma techné cismo jurídico, à lógica formal aplicada ao
que através dos séculos foi cultivada de raciocínio jurídico ou, simplesmente, à te-
modo manifesto e reconhecido em estrei- oria do silogismo jurídico. Na perspectiva
ta conexão com a retórica.”. (VIEHWEG. construtiva com fundamento na lingüísti-
1979. P. 83) ca, a teoria de argumentação dialético-re-

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº7 - Jan/Jun 2006 - Vol.2


26 Luiz Augusto Lima de Ávila

tórica de Viehweg propõe a compreensão mentação a partir da situação discursiva,


do raciocínio jurídico e, a princípio, a in- ou seja, de um modo de falar situacional
teligibilidade da natureza desse conheci- e outro não situacional. Neste sentido, a
mento entre ciência e prudência, tomando interpretação, a aplicação, o uso da lingua-
a lingüística como instrumento de comuni- gem natural e a flexibilização na busca de
cação e ação. novos pontos de vista denotam a maneira
A convergência de ambas as diretri- tópica.
zes propostas, na perspectiva crítica e na THEODOR VIEHWEG, com sua
perspectiva construtiva com fundamen- teoria e investigações crítico-linguísticas,
to na lingüística, podem ser reduzidas às resgatando a questão dos argumentos ou
investigações crítico-linguísticas e neo- tópicos jurídicos, propicia a reestrutura-
retóricas se considerarmos a retomada de ção de toda a teoria do método jurídico até
ARISTÓTELES e o princípio da sucessão então vinculada ao logicismo jurídico, ou
dos discursos apodíctico, dialético, retó- seja, à lógica formal aplicada ao raciocínio
rico e poético, na perspectiva da unidade jurídico ou, simplesmente, à teoria do silo-
do diverso, ou seja, esta como pressuposto gismo jurídico.
para a irredutibilidade do particular para o Assim, reconhecendo a importância
geral, que só é inteligida a partir da metá- desse aparato investigativo crítico-linguís-
fora da linha como base fundamental para tico, é que se objetiva mostrar a partir da
a unidade do certo (apodíctico), do prová- reflexão das fórmulas conceituais da nova
vel (dialético), do verossímil (retórico) e semiótica, dada a teoria que se irá apresen-
do possível (poético) como discurso, guar- tar de CHARLES SANDERS PEIRCE e
dadas as diferenças enquanto modalidades CHARLES MORRIS, a uberdade da ló-
deste mesmo discurso. gica abdutiva como integrante do princí-
Esta retomada de ARISTÓTELES pio da sucessão dos discursos apodíctico,
impõe aquilo que a teoria de THEODOR dialético, retórico e poético, na perspectiva
VIEHWEG não concebeu, ou seja, uma da unidade do discurso, e como funda-
distinção entre o discurso ou raciocínio mentação de uma teoria retórica da argu-
apodíctico ou demonstrativo e o discurso mentação em THEODOR VIEHWEG; a
ou raciocínio analítico, por ser o primeiro fundamentação do Direito em THEODOR
uma espécie do segundo, ou seja, que se VIEHWEG.
diferencia, não pela forma, mas, pelo con-
teúdo (verdadeiro ou falso) das premissas 2.3 A reflexão semiótica como a relação de
empregadas.28 reciprocidade e convergência entre retóri-
Na teoria de THEODOR VIEHWEG, ca e pragmática lingüística. A uberdade da
a prática do Direito consiste na inovação e abdução em Charles S. Peirce
discussão de tópicos ou argumentos solidi-
ficados em fórmulas que gozam de aceita- A problemática que se apresenta à
ção entre os juristas, pois, a interpretação, concepção de uma fundamentação com-
a aplicação e o uso da linguagem natural pleta e determinada por ações lingüísti-
são três modos de irrupção da tópica em cas, nos leva à uma reflexão semiótica que
um sistema jurídico lógico-dedutivo, o que responde, em muitos aspectos, a práxis do
propicia a referida inovação e discussão pensamento ou da argumentação primária,
em uma perspectiva dialético-retórica e, ou seja, distinguindo entre uma forma de
por conseguinte, a compreensão da argu- pensamento ou uma argumentação situ-

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 27

acional, dialética e moderna e outro pen- acional, mas, se o ponto de partida for a
samento ou argumentação não situacional, sintaxe teremos o pensamento não situa-
restrita e dedutiva, com o objetivo de tor- cional. Daí, podemos afirmar que a argu-
nar compreensível a argumentação, como mentação retórica coincide com o pensa-
um todo, desde a situação do discurso, mento situacional, dialético e moderno, e,
THEODOR VIEHWEG, busca tornar in- portanto, com a pragmática, pois esta é o
teligível as fórmulas conceituais modernas ponto de partida. A argumentação retórica
da referida semiótica e seus aspectos sintá- é a inversão da seqüência sintaxe, semânti-
tico, semântico e pragmático. ca e pragmática, acima apresentada.
Segundo THEODOR VIEHWEG, Começar com a pragmática significa
sobre estes aspectos da semiótica moder- não perder de vista a conexão da argumen-
na, afirma que: tação em uma situação comunicativa, ou
“La sintaxis significa, pues, la cone- seja, o diálogo ou as ações lingüísticas. E,
xión de los signos entre si; la semántica, assim, se tem a concepção de uma funda-
la conexión entre signos y objetos cuya mentação completa que, determinada pela
designación se afirma, y la pragmática, el mencionada ação lingüística, se difere do
contexto situacional en el que los signos procedimento convencional ou do pensa-
son utilizados por los respectivos partici- mento não situacional, restritivo e deduti-
pantes. Se puede contatar que, en la práxis vo, que busca sua fundamentação em uma
de pensamiento hoy habitual, el aspecto teoria axiomática, como um sistema de
sintático-semántico goza de preferencia. fundamentação dedutivo.
Se entiende la sintaxis con la ayuda de THEODOR VIEHWEG, sobre as
la semántica, mientras que la pragmática peculiaridades dos aspectos da semiótica
funciona sólo como ayuda de emergen- moderna, afirma que:
cia, para corregir algunas imprecisiones “es obvio que la retórica ha tenido
que puedan haber quedado”(VIEHWEG. siempre primordialmente en mira la men-
1991. P. 177). cionada pragmática y también es fácil de
O modelo de pensamento que toma comprender que el nuevo interés en la re-
tanto a sintaxes como esta entendida com tórica há vuelto a concentrarse en esta pers-
a ajuda da semântica, como isoladas em pectiva. La consecuencia de ello es que la
um âmbito independente, recorrendo à serie convencional de reflexiones indicada
pragmática só como ajuda e se obrigado, más arriba es ahora invertida; éste es un
supõe, nesta exata seqüência, somente que cambio de fundamental importancia. Pues
a rigidez do pensamento diminui. Então, se ahora se vuelve a intentar, con nuevos me-
a pragmática é o campo da menor rigidez dios, reflexionar sobre la situación pragmá-
de pensamento e, portanto, retórico, a ar- tica, de la que procede el discurso, como
gumentação jurídica também o é, por per- situación inicial, a fin de volver compren-
tencer à este campo da menor rigidez. sible desde ella todos los demás resultados
No entanto, o pensamento situa- del pensamiento. Se remiten, pues, todos
cional, dialético e moderno, bem como o los produtos del pensamiento a su origen si-
pensamento não situacional, restritivo e tuacional para, desde allí, aclararlos nueva-
dedutivo, só são assim caracterizados por mente. Si a una tal forma de pensar – que se
indicarem o ponto de partida a partir da se- mueve dentro de la situación pragmática del
qüência relativa aos aspectos da semiótica discurso – se la llama situacional y a la que
moderna, ou seja, se o ponto de partida for no toma en cuenta la situación del discurso,
a pragmática teremos o pensamento situ- no situacional”(VIEHWEG. P. 177).

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28 Luiz Augusto Lima de Ávila

A perspectiva retórica ou pragmática dem aspirar renovados interesses e pontos


deixa posta de uma forma clara toda a pro- de vista ou partida. E, assim, para melhor
blemática do método axiomático-dedutivo, inteligirmos outra conexão, agora, entre
pelo qual não é possível assegurar a valida- argumentação primária e argumentação
de de seus axiomas. A perspectiva retórica secundária ou entre lógica operativa e ló-
apresenta a penetração lógica de uma ati- gica apodítica ou, ainda, entre pragmática
vidade discursiva ou dialógica como uma e o conjunto semântica e sintaxe, ou seja,
relação de implicação recíproca entre a a conexão entre a invenção comunicativa e
lógica operativa e a lógica formal ou apo- os aspectos reflexivos que definem a dia-
dítica, e conduz, portanto, à reflexões que lógica.
se referem à filosofia prática. Se assim se Até, então, THEODOR VIEHWEG,
regressa à atividade da fundamentação, a para a inteligibilidade de uma fundamen-
tópica, como uma forma de pensar ou de tação completa e determinada por ações
argumentar por problemas, revelar, então, lingüísticas, dada a dicotomia entre os
a atividade que precede ao sistema de fun- referidos elementos cuja conexão busca-
damentação axiomático-dedutivo. mos inteligir, nos leva a uma reflexão se-
Pode-se, ainda, afirmar que, a dia- miótica moderna que responde, em muitos
lógica, designando uma fundamentação aspectos, a práxis do pensamento ou da
completa, caracteriza o que THEODOR argumentação primária, mas, distinguindo
VIEHWEG determina como tópica formal os aspectos conceituais dessa referida se-
ou ars inveniendi, cuja função é tanto de miótica em sintaxe, semântica e pragmá-
descobrimento quanto de fundamento; a tica, o faz, tão somente, na perspectiva de
tópica material, que apresenta um somató- CHARLES MORRIS que, em 1938, subs-
rio de diferentes topói, está vinculada ao tituiu as designações de CHARLES SAN-
social, ou seja, assim como a dogmática DERS PEIRCE, feitas à semiótica, pelas
está para a zetética ou esta para a dogmáti- designações elencadas por THEODOR
ca, a tópica material está para a tópica for- VIEHWEG, ou seja, a sintaxe, a semântica
mal e esta para a tópica material. e a pragmática, que hoje constituem os três
Postular a perspectiva retórica ou grandes domínios da Semiótica Moderna.
pragmática como base fundamental da se- (NÖTH. 1998. P. 57)
mântica e da sintaxe e, ainda, como ponto No entanto, é com o recurso às refle-
de partida para posteriores investigações, xões de CHARLES SANDERS PEIRCE
impõe a transposição de algumas dificul- que, mais claramente, poderemos inteligir
dades, como o fato de que as investigações a conexão entre a invenção comunicativa e
lingüísticas, freqüentemente, tomam como os aspectos reflexivos que definem a dialó-
ponto de partida um pensamento não si- gica, isto é, com o recurso, mais propria-
tuacional, restritivo, dedutivo e, portanto, mente, à lógica abdutiva.
formalista, deixando o referido postulado A semiótica29, para CHARLES SAN-
de base fundamental da semântica e da DERS PEIRCE, idêntica à lógica, ou seja,
sintaxe em uma “posición de un agregado “Em seu sentido geral, a lógica é, como
introducido posteriormente” (VIEHWEG. acredito ter demonstrado, apenas um outro
1991. P. 186). nome para semiótica, a quase-necessária,
Em conexão com a investigação da ou formal, doutrina dos signos”, no sentido
comunicação e da semiótica moderna, a de que procede por observações abstratas,
perspectiva retórica ou pragmática po- partindo dos signos particulares ou do que

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 29

são os signos, para as afirmações gerais objetivo é o de incorporar um significado


ou o que os signos devem ser. (PEIRCE. qualquer. A lógica se denomina como o
1977. P. 45) E, para melhor inteligirmos âmbito da semântica em que se concebe,
a questão, devemos considerar a concep- pela relação ou conexão dos signos com
ção de signo que, para CHARLES SAN- os objetos, a perspectiva do que é quase
DERS PEIRCE, é “algo que está no lugar necessariamente verdadeiro em relação ao
de [representa] outra coisa para alguém” representamen, cujo objetivo é o de apli-
(PINTO. 1995. P. 50) ou algo que está para car-se a qualquer objeto; uma lógica que, a
alguém por algo sob algum aspecto ou ca- partir da unidade do diverso, compreende a
pacidade trata-se de uma definição que tra- teoria unificada da dedução, indução e re-
duz de modo mais articulado o clássico ali- trodução, esta última como uma inferência
quid stat pro aliquo, ou seja, uma coisa que hipotética ou abdução31. Já a retórica refe-
esta por outra, como um conceito tradicio- re-se à eficácia da semiose, cujo objetivo
nal de signo cunhado por Santo Agostinho. é o de estabelecer os procedimentos para
(NÖTH. 1998. P. 65/66 e ABBAGNANO. que um signo possa dar origem a outro sig-
2003. P. 894) no. (PEIRCE. 1977. P. 45/46.)
O signo, para CHARLES SANDERS A semiótica, que responde em muitos
PEIRCE, designa, em um sentido lato, o aspectos à práxis do pensamento e, princi-
próprio signo, o objeto e o interpretante, ou palmente, aos aspectos da argumentação
seja, o signo, a coisa significada e a cog- primária e argumentação secundária, esta
nição produzida na mente. E é a partir da como pertencente a este âmbito, designa
relação do signo com o objeto que se de- uma rigidez decrescente do pensamento ou
termina ou se produz um interpretante ou, argumentação, ou seja, da gramática à re-
dado o processo de continuidade, um repre- tórica, tal qual, da sintaxe à pragmática.
sentamen que é o nome do objeto percep- Para que possamos inteligir os dife-
tível que serve como signo para o receptor. rentes aspectos da lógica, como um aspec-
Este processo se designa como semiose e to geral da semiótica, é imprescindível a
se caracteriza como um processo infinito30, delimitação das diferenças entre empiris-
dada a produção de um interpretante que, mo e pragmatismo32. Assentados ambos
por sua vez, é um signo ou representamen na noção de experiência, o empirismo e o
que produz um interpretante e assim por pragmatismo se diferem pelo modo como
diante. (NÖTH. 1998. P. 66/68 e PINTO. entendem essa noção de experiência.33 As-
1995. P. 49) sim, enquanto o empirismo toma a experi-
Para CHARLES SANDERS PEIR- ência como experiência passada, ou seja,
CE, a semiótica se caracteriza pela desig- como um patrimônio limitado que pode
nação de três aspectos, como a gramática, a ser inventariado e sistematizado de forma
lógica e a retórica; designações que foram absoluta, o pragmatismo entende a experi-
substituídas, respectivamente, pela sinta- ência como abertura para o futuro, ou seja,
xe, semântica e pragmática, na perspectiva como possibilidade de fundamentar a pre-
de CHARLES MORRIS. visão, não em confronto com a experiência
A gramática se denomina como um passada, mas em relação com o possível
âmbito independente em que se concebe, uso futuro dessa experiência passada. Tra-
pela relação ou conexão de signos, a tarefa ta-se de uma máxima pragmatista. (PEIR-
de determinar o que deve ser verdadeiro CE. 1977. P. 225/227 e PINTO. 1995. P.
quanto ao representamen utilizado, cujo 13)

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30 Luiz Augusto Lima de Ávila

Então, delimitada as diferenças en- indução, como se dá a criação das premis-


tre empirismo e pragmatismo, para que sas e das teorias, como fundamentadoras,
possamos inteligir os diferentes aspectos respectivamente, da dedução e da indu-
da lógica, como um aspecto geral da se- ção? Em resposta, CHARLES SANDERS
miótica, CHARLES SANDERS PEIRCE, PEIRCE, apresenta a retrodução ou lógica
dando uma resposta lógica ao problema da abdutiva que é uma inferência hipotética
máxima pragmatista, ou seja, quanto a pro- e, provando que algo pode ser, é o méto-
va determinante de que os efeitos práticos do que cria novas hipóteses explicativas
de um conceito constituem a soma total do (PEIRCE. 1977. P. 229/230).
conceito, o mesmo afirma que o pragmatis- A lógica abdutiva como inferência
mo não é mais que uma questão de abdu- hipotética é tomada como uma lógica da
ção. (PEIRCE. 1977. P. 227/229) descoberta, da invenção ou da criação, e,
A máxima pragmatista como uma neste sentido, trata-se de um argumento
questão de retrodução ou lógica abdutiva que supõe que um termo, dado um certo
tem por fundamento o juízo perceptivo número de caracteres a ele atribuído, pode
como fonte do conhecimento. Os juízos ser predicado de qualquer objeto que pos-
perceptivos contêm elementos gerias, ou sua aqueles caracteres; uma afirmação ca-
seja, embora os juízos perceptivos sejam tegórica de algo ainda não experimentado,
singulares, considerando o sujeito (p.ex. observando, para tanto, a rigidez decres-
Este livro é ...), não deixam de envolver cente do pensamento ou argumentos, ou
a generalidade, considerando o predicado seja, da gramática à retórica ou da sintaxe
(... preto), o que possibilita a dedução de à pragmática (PINTO. 1995. P. 13).
proposições gerais, e, assim, a concepção, A lógica tradicional, que só distingue
como apresentada, de juízo perceptivo, que dedução e indução, atribui à esta última,
é um juízo particular, ser suficiente para não só o caráter de experimentação, mas,
responder a indagação de como se passa também, o caráter de descobrimento, cria-
deles para os juízos universais. ção e invenção. No entanto, considerando a
Sob uma outra perspectiva, para lógica indutiva, fundada no empirismo, e a
a questão posta acima, podemos, ainda, lógica abdutiva, fundada no pragmatismo,
afirmar que é pela lógica abdutiva que a dada a diferenciação posta por CHARLES
generalidade é introduzida nos juízos per- SANDERS PEIRCE, podemos observar
ceptivos, ou seja, na criação das premissas, que o caráter de experimentação só cabe à
como fundamento para a dedução, e das te- indução (toma a experiência como experi-
orias, como fundamento para a indução. ência passada), ao passo que, o caráter de
Mais especificamente, sobre esta descobrimento, criação e invenção cabe,
outra perspectiva, temos que a lógica tra- então, à abdução (toma a experiência como
dicional ou silogismo formal concebe a abertura para o futuro).
distinção somente entre dedução, como Neste sentido, o exemplo da saca de
uma inferência necessária que extrai uma feijões dado por CHARLES SANDERS
conclusão já contida nas premissas, e in- PEIRCE permite uma maior apreensão e
dução, como uma inferência experimental inteligibilidade da questão posta acima,
que não consiste em descobrir ou criar algo ou seja: Todos os feijões daquela saca são
de novo, mas, sim, em confirmar uma te- brancos. Esses feijões são daquela saca.
oria através da experimentação. Daí, se a Logo, esses feijões são brancos. (Dedu-
lógica tradicional só distingue dedução e ção); Esses feijões são daquela saca. Esses

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 7 - Jan./Jun 2006 - Vol.2 (Artigos)


TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 31

feijões são brancos. Logo, todos os feijões zos perceptivos, como já mencionado, um
daquela saca são brancos. (Indução); To- caso extremo de lógica abdutiva, pois, não
dos os feijões daquela saca são brancos. se limitam a ser um mero dado.
Esses feijões são brancos. Logo, esses fei- Segundo a professora THEREZA
jões são daquela saca (Abdução) (PINTO. CALVET DE MAGALHÃES sobre a
1995. P. 13/14). uberdade da abdução:
A partir do exemplo dado acima e se- “Para Peirce, essa interpretatividade
gundo o professor JÚLIO PINTO, se pode do juízo perceptivo é apenas ‘o caso extre-
observar que: mo dos Juízos Abdutivos’. Os nossos juí-
“a abdução compartilha com a de- zos perceptivos – as primeira premissas de
dução o fato de ter a regra geral como todo pensamento crítico e controlado – são
premissa inicial (todos os feijões, etc). um caso extremo das inferências abduti-
Entretanto, como a indução ela arrisca um vas, das quais diferem por estar absolu-
palpite que pode dar errado. Olhada desta tamente além de toda crítica (‘A sugestão
maneira, a abdução está, portanto, entre a abdutiva advém-nos como num lampejo. É
indução e a abdução. Contudo, ela difere um ato de insight, embora ... extremamen-
das duas também pela maior possibilidade te falível’).” (...) “Os nossos juízos percep-
de erro implícita na hipótese que ela lança, tivos são as primeiras premissas de todo
porque é fácil perceber como tanto a in- pensamento crítico e controlado e ocupam,
dução quanto a dedução estão baseadas na assim, um lugar privilegiado na ordem da
experiência.” (...) “Dos tipos possíveis de investigação. O processo da investigação é
inferência, portanto, a abdução constitui o considerado por Peirce como um proces-
único que se projeta para o futuro, já que so de raciocínio, que vai da abdução, via
tanto a dedução quanto a indução dizem do dedução, à indução, e cujo objetivo é o de
passado, do já conhecido, na medida em estabelecer uma crença verdadeira. A ab-
que se referem à experiência. Como pal- dução – o primeiro estágio da investigação
pites, os processos abdutivos podem levar – consiste na invenção, seleção e conside-
a erros, mas a falibilidade de uma hipótese ração de uma hipótese. Na medida em que
não quer dizer que a abdução seja um pro- é ‘o processo de formação de uma hipótese
cesso de ensaio e erro. Fundamentalmente, explanatória’, a abdução ‘é a única opera-
o que acontece é que uma hipótese é for- ção lógica que introduz uma idéia nova’.
mulada com base na experiência, através Esta forma de argumento não oferece se-
da escolha de um interpretante logicamen- gurança (a segurança quanto à sua verdade
te possível para os signos que se oferecem é baixa), mas sua uberdade (ou o seu valor
à observação” (PINTO. 1995. P. 13/14). em produtividade) é alta; a abdução ‘sim-
Assim, podemos inferir que a lógica plesmente sugere que alguma coisa pode
abdutiva é um descobrimento, uma cria- ser’” (MAGALHÃES. 1998. P. 75).
ção ou uma invenção bem fundamentada Assim, podemos afirmar que, o
acerca de uma semiose qualquer, possibi- que é ausente na teoria de THEODOR
litando, a partir da relação do signo com VIEHWEG, ao considerar a pragmática e
o objeto, a produção de um interpretante a dialógica como lógica operativa que for-
e, dada a infinitude do processo, um repre- mula a correção e a conclusão das inferên-
sentante que é outro signo (objeto percep- cias dentro da situação discursiva, é a re-
tível pelo receptor) que produz um outro ferência à lógica abdutiva como elemento
interpretante e assim por diante. E os juí- de conexão entre a argumentação primária

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº7 - Jan/Jun 2006 - Vol.2


32 Luiz Augusto Lima de Ávila

e argumentação secundária ou entre lógi- mens a medida de todas as coisas, menos


ca operativa e lógica apodítica ou, ainda, para o homem “inteligente” e que se ca-
entre pragmática e o conjunto semântica e racteriza como aquele que mantém o mo-
sintaxe, ou seja, a conexão entre a inven- vimento como causa de tudo o que devém
ção comunicativa e os aspectos reflexivos e parece existir. Se assim é, o conhecimen-
que definem a dialógica. to não pode ser, então, nem sensação, nem
opinião verdadeira, nem explicação racio-
Conclusão nal acrescentada a essa opinião verdadeira,
Na argumentação, até então, desen- pois correria o risco do repouso.
volvida, pôde-se observar que o raciocínio, E não podemos caracterizar o que é
principalmente o raciocínio jurídico, não é diverso sem consideramos o todo, ou seja,
designado somente por um silogismo ou se a alma racional, na perspectiva prática e
lógica formal, de cunho estritamente de- teorética, é apenas uma como a alma é, por
dutivo. Trata-se, antes de tudo e dada a inteiro, no aspecto racional e irracional, o
unidade do diverso, de uma sucessão de movimento e repouso, portanto, dada esta
discursos apodíticos, dialéticos, retóricos unidade do diverso, também o é. Para Aris-
e poéticos, que se traduz, desde a pers- tóteles, a idéia de Movimento é o impres-
pectiva socrática da maiêitica, em idas e cindível elemento de conexão que une o
vindas ou em destruição e construção, não diverso para a formação do todo.
necessariamente nesta ordem, para uma No entanto, hoje, dado o desenvolvi-
aproximação em relação a verdade. Nes- mento contemporâneo da lógica, da teoria
te sentido, segundo Sócrates, inteligindo o da comunicação, da teoria lingüística etc.,
conhecimento e a sabedoria, é o movimen- devemos buscar o elemento corresponden-
to a causa de tudo o que devém e parece te de conexão entre o que é necessário e
existir e o repouso o não-ser. invariável e o que é contingente e variável,
Mais precisamente, o raciocínio jurí- ambos com o objetivo da apreensão da ver-
dico evidenciado como raciocínio dialético dade, e que possa, esse elemento, remontar
- em um sentido mais amplo e, portanto, a idéia de movimento em Aristóteles. Este
erístico, que se caracteriza por primar pela elemento é a lógica abdutiva de Charle
índole de suas premissas, pelas opiniões ge- Sandres Peirce, dada a imersão na teoria
ralmente aceitas, acreditadas e verossímeis, de Theorodor Viehweg.
se faz somente em razão de uma exigida De fato, Theodor Viehweg constrói
ponderação e razoabilidade para realização suas teorias valendo-se de uma distinção
e concretização do discurso, pois, a referên- fundamental da filosofia aristotélica, ou
cia à todos ou à maior parte ou aos filósofos, seja, a partir da dessemelhança entre ver-
sábios, notáveis ou eminentes, é uma refe- dade e opinião que dá forma ao pensamen-
rência à capacidade de abstração do homem to teórico e prático e assegura ao predica-
relacionada às proposições que parecem do da racionalidade, próprio do homem,
ser verdadeiras. Aristóteles assim o faz na os instrumentos poderosos e decisivos
restauração da opinião, desvinculando-a do para que ele possa, por sua vez, modelar o
arquétipo da mera arbitrariedade. mundo segundo as exigências da razão. E
Assim, a natureza do conhecimento assim o faz ao pensar uma teoria constitu-
jurídico, entre ciência e prudência, se dis- cional do direito.
tinguindo da sabedoria, pode inicialmente No entanto, só a consideração possí-
ser demarcada pelo fato de que são os ho- vel de um todo que possa abranger quatro

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 7 - Jan./Jun 2006 - Vol.2 (Artigos)


TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 33

partes diversas desde a sugestão poética tórica de Viehweg propõe a compreensão


até a demonstração rigorosa e apodítica do raciocínio jurídico e, a princípio, a in-
em uma escala de credibilidade, ou seja, teligibilidade da natureza desse conheci-
a diferença entre o discurso apodítico (de- mento entre ciência e prudência, tomando
monstrativo), o discurso dialético (pro- a lingüística como instrumento de comuni-
vável), o discurso retórico (verossímil) e cação e ação.
o discurso poético (possível), não se tra- A convergência de ambas as diretri-
tando de uma hierarquia de valores ou de zes propostas, na perspectiva crítica e na
uma forma progressiva de erro ou de co- perspectiva construtiva com fundamen-
nhecimento deficiente, mas, sim, de quatro to na lingüística, podem ser reduzidas às
modelos de discurso, raciocínio ou argu- investigações crítico-linguísticas e neo-
mento, que apresentam uma diferença de retóricas se considerarmos a retomada de
funções articuladas entre si e, portanto, im- ARISTÓTELES e o princípio da sucessão
prescindíveis, cada uma, à construção do dos discursos apodíctico, dialético, retóri-
conhecimento, é que se é possível, a partir co e poético, na perspectiva da unidade do
de Theodor Viehweg, imergir na busca da diverso, ou seja, a consideração possível
lógica abdutiva como o elemento de cone- de um todo que possa abranger quatro par-
xão entre o que é necessário e invariável tes diversas desde a sugestão poética até a
e o que é contingente e variável, ou, mais demonstração rigorosa e apodítica em uma
precisamente, entre uma invenção comuni- escala de credibilidade.
cativa e os aspectos reflexivos que definem Esta retomada de ARISTÓTELES
a dialógica em Theodor Viehweg. impõe aquilo que a teoria de THEODOR
Como o Direito é um fenômeno prá- VIEHWEG não concebeu, ou seja, uma
tico e contingente, e, por conseguinte, mar- distinção entre o discurso ou raciocínio
cado por discussões argumentativas, não apodíctico ou demonstrativo e o discurso
pode ser abarcado por uma racionalidade ou raciocínio analítico, por ser o primeiro
demonstrativa ou um discurso lógico. Daí uma espécie do segundo, ou seja, que se
a possibilidade de se ter na tópica a base diferencia, não pela forma, mas, pelo con-
fundamental e determinante para uma teo- teúdo (verdadeiro ou falso) das premissas
ria constitucional do direito. empregadas.
Da inteligibilidade da teoria de THE- Considerando, ainda, a unidade na
ODOR VIEHWEG, destacam-se duas di- ciência do direito e a diferença quanto a
retrizes que convergem como perspectiva estrutura e função das formas de pensa-
crítica e como perspectiva construtiva, am- mento dogmático e zetético esboçados
bas com fundamento na lingüística – um por Theodor Viehweg, podemos observar
paralelo com a perspectiva socrática da que, em uma perspectiva diferenciada da
maiêutica, de destruição e construção para unidade do diverso, na praxis, ambas as
uma aproximação em relação a verdade –. forma de pensamento estão entrelaçadas,
Na perspectiva crítica, a tópica de Viehweg ao passo que, na teoria, ambas as formas
toma como pressuposto a crítica ao logi- permanecem separadas. E, para além des-
cismo jurídico, à lógica formal aplicada ao sas diferenciações teóricas, devemos con-
raciocínio jurídico ou, simplesmente, à te- siderar, também, que a primeira forma de
oria do silogismo jurídico. Na perspectiva pensamento pode ser facilmente transfor-
construtiva com fundamento na lingüísti- mada na segunda forma de pensamento, e
ca, a teoria de argumentação dialético-re- esta na primeira, ou seja, basta questionar

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº7 - Jan/Jun 2006 - Vol.2


34 Luiz Augusto Lima de Ávila

uma proposição que até o momento era mática, a lógica e a retórica. Daí a relação
inquestionável ou declarar inquestionável de reciprocidade e convergência entre re-
uma proposição que até o momento era tórica e pragmática e, por conseguinte, o
questionável; trata-se da desdogmatização alcance da lógica abdutiva como elemento
e da dogmatização, respecitvamente. de conexão entre retórica e lógica ou entre
E, dada a importância desse aparato pragmática e semântica, e como inferência
investigativo crítico-lingüístico, é que, re- hipotética é uma lógica da descoberta, da
correndo a CHARLES SANDERS PEIR- invenção ou da criação.
CE e CHARLES MORRIS, podemos in- A lógica abdutiva designa a devolu-
teligir a uberdade da lógica abdutiva como ção da lógica ao contesto retórico no qual
intrínseca à uma consideração possível de foi originada e, neste sentido, é que pode-
um todo que possa abranger quatro partes mos inteligir uma convergência com a filo-
diversas desde a sugestão poética até a de- sofia aristotélica na consideração possível
monstração rigorosa e apodítica em uma de um todo que possa abranger quatro par-
escala de credibilidade, ou seja, o princí- tes diversas desde a sugestão poética até a
pio da sucessão dos discursos apodíctico, demonstração rigorosa e apodítica em uma
dialético, retórico e poético, na perspec- escala de credibilidade.
tiva da unidade do diverso ou discurso, De tudo, pudemos identificar que,
e como fundamentação de uma teoria re- o que é ausente na teoria de THEODOR
tórica da argumentação em THEODOR VIEHWEG, ao considerar a pragmática e
VIEHWEG. a dialógica como lógica operativa que for-
Assim, uma reflexão semiótica, de- mula a correção e a conclusão das inferên-
flagrada com a tópica de Theodor Viehweg, cias dentro da situação discursiva, é a re-
dada a relação de reciprocidade e conver- ferência à lógica abdutiva como elemento
gência entre retórica e pragmática lingü- de conexão entre a argumentação primária
ística, responde em todos os aspectos, a e argumentação secundária ou entre lógi-
práxis do pensamento ou da argumentação ca operativa e lógica apodítica ou, ainda,
primária na busca de uma fundamentação entre pragmática e o conjunto semântica e
completa que é determinada por ações lin- sintaxe, ou seja, a conexão entre a inven-
güísticas, e determina a possibilidade na ção comunicativa e os aspectos reflexivos
aspiração de renovados interesses e pontos que definem a dialógica.
de vista. E nesse sentido, vem atender as Assim, em princípio, podemos inferir
exigências da máxima justificação racional que a lógica abdutiva é um descobrimento,
à uma teoria constitucional do direito. uma criação ou uma invenção bem funda-
E, só o fato de Theodor Viehweg, mentada acerca de uma semiose qualquer,
para a inteligibilidade de uma fundamen- mesmo sendo esta semiose o raciocínio
tação completa e determinada por ações jurídico, pois, possibilita, a partir da rela-
lingüísticas, nos levar à uma reflexão se- ção do signo com o objeto, a produção de
miótica, cujos aspectos conceituais são a um interpretante ou uma decisão e, dada a
sintaxe, a semântica e a pragmática, na infinitude do processo, um parâmetro para
perspectiva de Charles Morris, nos possi- futuras decisões que é outro signo (obje-
bilita, dadas essas designações, chegarmos to perceptível pelo receptor), diferente do
à Charles Sanders Peirce e, por conseguin- primeiro, que produz um outro interpretan-
te, conhecer as designações conceituais te ou outra decisão e assim por diante. E
que deram origem àquelas, ou seja, a gra- nesse sentido é que podemos afirmar que

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 7 - Jan./Jun 2006 - Vol.2 (Artigos)


TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 35

falarmos de uma coisa qualquer na ótica FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica
do pensamento jurídico é como que por e comunicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
um buraco de fechadura se pretendesse FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao
descrever todo o cômodo do outro lado da estudo do direito. Técnica, decisão, dominação.
4º edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
porta ou mesmo o mundo. E, neste sentido,
FILHO, Willis Santiago Guerra. Autopoiese do
só a indeterminação ou relativização dos direito na sociedade pós-moderna. Introdução
termos “teoria constitucional do direito” à uma teoria social sistêmica. Porto Alegre: Li-
possibilitaria a transcendência ou supera- vraria do advogado, 1997.
ção do buraco da fechadura ou predicações GARCIA AMADO, Juan Antonio. Tópica, de-
possíveis. recho y método jurídico. Doxa, nº 4, 1987, p.
161 – 187.
REFERÊNCIAS GALUPPO, Marcelo Campos. A virtude da jus-
tiça. Extensão PUC Minas. Belo Horizonte: v.
AGUILLAR, Fernando Herren. Metodolo- 10 – 11, p. 67 a 78, 2001.
gia da ciência do direito. São Paulo: Max Li- GALUPPO, Marcelo Campos. Da idéia a de-
monad, 2. ed. 1999. fesa. Monografias e teses jurídicas. Belo Hori-
ARISTÓTELES. Tópicos. Tradução de Leonel zonte: Mandamentos, 2003.
Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa GALLUPO, Marcelo Campos. Os princípios
de W. A. Pickard - Cambridge. São Paulo: Vic- jurídicos no Estado Democrático de Direito:
tor Civita (Abril Cultural), 1973. Coleção: Os ensaio sobre o modo de sua aplicação. Revista
Pensadores. da Faculdade Mineira de Direito, Belo Hori-
ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio,
zonte, v. 1, n. 2, 2º sem./1998.
introdução, comentário e apêndices de Eduardo
HOBBES, Thomas. Diálogo entre um filósofo e
de Souza. Lisboa: Editora Imprensa Nacional
um jurista. São Paulo: Landy, 2001.
Casa da Moeda. 7º edição. 1998.
KUHN, Thomas S. As estruturas das revolu-
ARISTÓTELES. Retórica. Introdução e tra-
ções científicas. Tradução de Beatriz e Nelson
dução de Manuel Alexandre Júnior. Lisboa:
Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1994.
Editora Imprensa Nacional Casa da Moeda. 7º
LACERDA, Bruno Amaro. Justiça, razão prá-
edição. 2003.
tica e analogia em Aristóteles: fundamentos
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradu-
para uma compreensão do processo de con-
ção de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora
UNB. 3º edição. 2003. cretização jurídico. Dissertação de mestrado
ASSIS, Olney Queiroz. Interpretação do direi- defendida em 2002 junto ao curso de Pós-gra-
to: estilo tópico-retórico X Método sistemático- duação em Filosofia do Direito da UFMG.
dedutivo. São Paulo: Editora Lúmen, 1994. LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Fenomenologia
ATIENZA, Manuel. As razões do direito. Teo- e axiologia da modernidade. In: LIMA VAZ,
rias da argumentação jurídica. São Paulo: Lan- Henrique Cláudio. Raízes da modernidade. São
dy, 2000. Paulo: Loyola, 2003, p 11-30. Cap. 1.
AUBENQUE, Pierre. A prudência em Aristó- LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Problemas de
teles. Tradução de Marisa Lopes. São Paulo: fronteira. São Paulo: Loyola, 2003, p 71-85.
Discurso Editorial. 2003. Cap. III.
CARVALHO, Olavo de. Aristóteles em nova MAGALHÃES, Thereza Calvet de. Sobre a
perspectiva. Rio de Janeiro: Topbooks editora percepção e a abdução: Charles S. Peirce e a
e distribuidora de livros ltda, 1996. uberdade da abdução. Filosofia analítica, prag-
DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. Tra- matismo e ciência. Belo Horizonte: Editora
dução de Rogério da Costa. 3. ed. São Paulo: UFMG, 1998. P. 71 a 80.
Editora Iluminuras Ltda. MATURANA, Humberto R. e VARELA, Fran-
DESCARTES. Discurso de método: para bem cisco J. A Árvore do Conhecimento. As bases
conduzir a própria razão e procurar a verdade biológicas da compreensão humana. 2º Edição.
nas ciências. São Paulo: Editora Paulus, 2002. São Paulo: Editora Pala Athena. 2002

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº7 - Jan/Jun 2006 - Vol.2


36 Luiz Augusto Lima de Ávila

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. NOTAS


São Paulo: Martins Fontes, 2001.
NERY, Prudente. Apenas um outro olhar ... .
1
SOUZA, José Carlos Aguiar de. A configura-
Belo Horizonte. 1999 ção estrutural do paradigma da racionalidade
NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica de moderna. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte,
Platão a Peirce. São Paulo: Annablume. 1998. v.25, n.82, p.391-401, 1998. SOUZA, José Car-
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Pau- los Aguiar de. Modernidade, secularização e a
lo: editora Perspectiva. 3º edição. 2003. crise de legitimidade: uma introdução a Blu-
PINTO, Júlio. 1,2,3 da Semiótica. Belo Hori- menberg. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte,
zonte: Editora da UFMG. 1995. v.22, n.70, p.301-319, 1995.
PLATÃO. A República. Tradução, introdução e
2
KUHN, Thomas S. As estruturas das revolu-
notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lis- ções científicas. Tradução de Beatriz e Nelson
boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 9º edição, Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1994.
1949.
3
Fenômeno de enfraquecimento.
PLATÃO. Teeteto e Crátilo. Tradução de Car-
4
Ciência ou teoria do destino ou propósito úl-
los Alberto Nunes. Belém: Editora e Gráfica timos da humanidade e do mundo. Doutrina do
Universitária (UFPA), 1988. destino último do homem (morte, ressurreição,
PLATÃO. Diálogos. Tradução de Jaime Bruna. juízo final) e do mundo (estado futuro).
São Paulo: Editora Cultrix, 2002.
5
Subordinação ou sujeição à vontade de outrem ou
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. His- a uma lei exterior, dada uma dimensão teológica
tória da Filosofia. Vol. 1. São Paulo: Paulus, em que Deus é o fundamento para a racionalidade.
2003.
6
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 2003.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Histó-
7
Pitágoras (530 aC) deu-se conta da forma esfé-
ria da filosofia. V.2. São Paulo: Paulinas, 1990, rica da terra. Aristarco de Samos (310-230 aC),
p.185-198; p.212-227; p.248-290. mais de 1500 anos antes de Nicolau Copérnico
RECASÉNS SICHES, Luis. Experiencia jurídi- (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642), já
ca, naturaleza de la cosa y Lógica “razonable”. tinha o conhecimento de que a terra girava em
México: Fondo de Cultura Económica, 1971. torno do sol. Heráclides do Ponto (388-310 aC),
SOUZA, José Carlos Aguiar de. A configura- apelidado pelos seus contemporâneos de para-
ção estrutural do paradigma da racionalidade doxólogo por causa de suas inusitadas idéias, já
moderna. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, tinha o conhecimento de que a terra girava em
v.25, n.82, p.391-401, 1998. torno de si mesma. Eratóstenes (276-196 aC),
SOUZA, José Carlos Aguiar de. Modernidade, administrador da biblioteca de Alexandria, cal-
secularização e a crise de legitimidade: uma culou a circunferência da terra com uma preci-
introdução a Blumenberg. Síntese Nova Fase, são admirável. (O mundo em que vivemos. Ed.
Belo Horizonte, v.22, n.70, p.301-319, 1995. Abril, São Paulo)
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência.
8
Neste sentido, a leitura instrumentalista se dis-
Coleção Pensamento Jurídico Contemporâneo, tingue de uma leitura fundamentalista e fechada
Vol. 01. Ministério da Justiça em co-edição com a qualquer argumentação de evolução.
a Editora Universidade de Brasília, Brasília:
9
Que diz respeito a Laplace, astrônomo e geô-
Departamento de Imprensa Nacional, 1979. metra francês (1749-1827), à sua vida, obra e
VIEHWEG, Theodor. Tópica y filosofía del de- teorias. Seguidor das teorias de Laplace
recho. Barcelona: Gedisa, 1991.
10
O princípio da indeterminação ou princípio
ZINGANO, Marco. Particularismo e universa- da incerteza de HEISEMBERG é aquele pelo
lismo na ética Aristotélica. Revista Analytica. qual não se pode determinar a posição e velo-
(A ética de Aristóteles e o destino de ontologia) cidade de uma partícula de elétron ao mesmo
Vol. 01, número 03, pág. 75 a 100, 1996. tempo. Trata-se de uma indeterminação física e,
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao conseqüentemente, também abstrata.
pensamento jurídico crítico. 4º Edição. São 11
Se eu posso tudo, dado o indeterminismo ab-
Paulo: Editora Saraiva, 2002. soluto, e outros também, como impedir qual-

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 7 - Jan./Jun 2006 - Vol.2 (Artigos)


TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 37

quer interferência no meu querer e, conseqüen- 17


“que nenhuma coisa é uma em si mesma e
temente, na minha liberdade. que não há o que possas denominar com acerto
12
Dada a importância e a impossibilidade do ou dizer como é constituída. Se a qualificares
homem compreender o termo limite de forma como grande, ela parecerá também pequena; se
dialética, ou seja, como elo de fato, espaço de pesada, leve, e assim em tudo o mais, de forma
realização e não como cerceadura, a determi- que nada é uno, ou algo determinado ou como
nação da natureza da teoria constitucional do quer que seja. Da translação das coisas, do mo-
direito e, conseqüentemente, se o ser é sempre vimento e das misturas de umas com as outras
mais do que suas possíveis concretudes, na dia- é que se forma tudo o que dizemos existir, sem
lética do limite o limite se revela como limita- usarmos a expressão correta, pois a rigor nada
ção, ou seja, não havendo outra forma para nos é ou existe, tudo devém.” (...) “De fato, o calor
expressarmos e convivermos senão na media- e o fogo que geram e coordenam todas as coi-
ção de nossa corporeidade, é na precariedade de sas, são gerados, por sua vez, pela translação e
alguns gestos ou quando as palavras se nos re- pela fricção, que também consistem em movi-
cusam que se faz visível a transcendentalidade mento.” (...) “A constituição do corpo não se
do humano. Assim, é preciso que aceitemos o deteriora com o repouso e a preguiça e não se
humano e sua errância, não como manifestação conserva admiravelmente bem com a ginástica
de uma inconsciência ou uma irresponsabilida- e o movimento?” (PLATÃO, Teeteto. 1988.)
18
A dialética de Sócrates confundia-se com o
de, mas, sim, como expressão legítima de sua
seu próprio dialogar, ou seja, “Ao fazê-lo, Só-
transcendentalidade. (NERY, Prudente. Apenas
crates valia-se da máscara do ‘não saber’ e da
um outro olhar ... . Belo Horizonte. 1999)
temida arma da ‘ironia’”. Pois, se “Os sofistas
13
Não se trata de um ARISTÓTELES sistemáti-
mais famosos punham-se em relação aos ou-
co, mas, sim, de um ARISTÓTELES aporético
vintes na soberba atitude de quem sabe tudo.
que parte do particular para o geral, como se
Sócrates, ao contrário, punha-se diante dos in-
pode observar, ainda, na ilustração da Escola de
terlocutores na atitude de quem não sabe, tendo
Atenas. Na pintura, Escola de Atenas de Rafa- tudo para aprender. Porém muitos equívocos
el, percebe-se Platão e Aristóteles como as duas foram cometidos em relação a esse ‘não saber’
figuras centrais. Platão, com o indicador ergui- socrático, a ponto de se ver nele o início do ce-
do para o alto, simbolizando o poder das idéias ticismo. Na verdade, ele pretendia ser uma afir-
abstratas e a descoberta da transcendência, e mação de ruptura.” (Reale. 1990. P. 96/97)
Aristóteles, com a mão espalmada para baixo 19
“Trata-se, em suma, do que se chama aporías
e para o mundo, indicando a realidade material ou pensamento aporético, isto é, o pensamento
da natureza ou os fenômenos, não perde a pers- que vem provocado pelo problema que asse-
pectiva do geral, quando olha para Platão, afir- dia e do qual não se pode esquivar, suscitando
mando que os fenômenos sensíveis se salvam aquela situação de ânimo que Boécio chamou
somente se compreendemos o metassensível. dubitatio. Percebe-se o problema – de conduta
Seria o que foi denominado, na época de Rafa- humana prática – como algo dado e como algo
el, a Pax Filosófica. A Escola de Atenas é parte que nos dirige, isto é, como o que suscita ou
de uma série de obras em várias salas próximas põe em marcha o pensamento” (RECASÉNS
à Capela Sistina (Vaticano). Estas salas são hoje SICHES. 1971. P. 353).
chamadas Stanze di Raffaello. 20
Dada a etimologia do termo, podemos infe-
14
O que hoje chamamos de julgamento de valor. rir que dialética é a arte da palavra ou a arte
15
A República, 509 a, d até 511 e. da discussão; não no sentido de retórica cujo
16
“Pega agora nas quatro operações da alma e fundamento está na verossimilhança, mas, sim
aplica-as aos quatro segmentos: no mais eleva- no sentido de arte da palavra que convence e
do, a inteligência, no segundo, o entendimento; que leva à compreensão, cujo fundamento é a
ao terceiro entrega a fé, e ao último a suposição, probabilidade. Neste sentido abrange tanto a
e coloca-os por ordem, atribuindo-lhes o mesmo demonstração quanto a refutação, a partir da
grau de clareza que os seus respectivos objetos adoção do princípio de contradição.
têm de verdade” (Platão. A REPÚBLICA. 509 e) O princípio de contradição ou de não-contra-

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38 Luiz Augusto Lima de Ávila

dição é dimensionado dentre duas proposições mine”) e rebate pela dialética. Quando quer de-
contrárias, ou seja, que uma delas seja a nega- monstrar, por exemplo, que não há pluralidade
ção da outra e que uma delas deve ser falsa. Por das coisas, argumenta: se as coisas são plurali-
exemplo, dado um certo número natural “n” e dade (uma premissa pitagórica), elas devem ser
o dimensionamento dentre duas proposições te- grandes e pequenas. Pequenas a ponto de não
mos: o número “n” é par e o número “n” não é terem qualquer grandeza e grandes a ponto de
par, mas uma delas deve ser falsa. Em outros não serem infinitas. E sendo estas as premissas
termos, temos que proposições contrárias não para conhecer a pluralidade, nos deparamos
podem ser verdadeiras simultaneamente; uma com o que acaba por ser uma contradição, pois,
contradição, ou seja, uma proposição que é a a pluralidade implica divisibilidade. E se são as
conjunção de duas proposições contraditórias, coisas, então, infinitamente divisíveis, de forma
como  por exemplo o número “n” é par  e o nú- que aquilo de que fazem parte é infinitamente
mero “n”  não é par, não pode ser verdadeira. grande, logo: não pode haver pluralidade das
Aristóteles atribui a Zenão (490 A.C.) a dialé- coisas. Neste caso, a soma dos elementos em
tica, pois, a usa, pela primeira vez na história, grandeza não poderá dar qualquer coisa que te-
em defesa de seu mestre Parmênedis (540-470 nha uma grandeza (Por exemplo: dois mais dois
A.C.) que expõe uma filosofia diametralmente já não são quatro, dado o princípio de contradi-
oposta à de Heráclito (546-480 A.C.). Zenão ção, ou seja, 2+2 ≠ 4.).
formula a idéia de que uma coisa é, ou não é. 21
Os sofistas, que surgem no período de Pé-
Quanto ao vir-a-ser é de todo impossível, pois,
ricles, conhecem e dimensionam a dialética
não se pode dimensionar ou conceber uma mis-
como um “trunfo”, cujo objetivo é fazer com
tura de ser e não ser, ou seja, uma coisa que é
que seus discípulos vençam na vida política e
preta e vira branca, não é nem preta nem branca;
tomem conta do poder. A dialética não é mais
uma coisa, no caso, tem que ser preta ou branca.
um método em que se busca a verdade, mas
Assim, se pode inferir que a experiência parece
retórica e artística. Apenas uma habilidade em
indicar que tudo muda, mas, é um engano dos
sentidos; trata-se do campo da opinião que se se servir de argumentos aparentemente válidos
contenta com a aparência. Assim, entre opinião para iludir o adversário.
e verdade, o filósofo afirma que esta última não No entanto, à Sócrates (468 A.C.) coube o
pode ser se não una e imutável, pois, o ser é grande mérito de restabelecer a dialética, já
unidade e imobilidade. Zenão não se preocupa não tanto no sentido de uma dialética negativa
em provar uma tese, mas, sim, destruir a tese do como em Zenão, mas, como uma dialética po-
adversário. Esta dialética negativa só procura sitiva ou maiêutica, ou seja, criando um clima
demonstrar que a tese daquele com quem se ar- de cordialidade e dispondo o discípulo a aceitar
gumenta vai contra o princípio de contradição, um ponto de partida comum com o mestre, em
e, por isto, sua tese é absurda. Com o célebre vez de dar a resposta de uma vez , Sócrates fin-
paradoxo de Aquiles, Zenão ilustra bem o caso, ge desconhecer o que o discípulo lhe perguntou.
ou seja: perseguindo uma tartaruga, Aquiles A resposta de Sócrates é uma pergunta, o que
percorre uma infinidade de pontos que o separa leva o interlocutor, aos poucos, a descobrir, por
da tartaruga. Quando atinge o lugar de onde ela si mesmo, as verdades que indagou. Sócrates
havia partido, deve tornar a partir para atingir dá exemplos fáceis ao discípulo, obrigando-o a
o lugar onde ela está agora e assim por diante. um raciocínio que o leva do particular para o
Se ficarmos no mundo da razão, Aquiles nun- universal, ou seja, pela indução chega-se a uma
ca chegaria a apanhar a tartaruga. Entretanto, definição universal.
ele a alcança e, neste sentido, o movimento tal Platão (427 A.C.), discípulo de Sócrates,
como é demonstrado no mundo da experiência conservando, em parte, a arte do diálogo e da
é um absurdo. Zenão pouco se interessa pela discussão socrática, dimensiona, com a teoria
veracidade das premissas daquele com quem sobre as idéias, uma outra dialética que lhe é
argumenta, pois, certas ou erradas, o importan- própria, ou seja, pela dialética é possível que
te é que sejam admitidas. Zenão, então, parte certos homens ultrapassem o mundo das apa-
do mesmo ponto de vista (argumento “ad ho- rências. Mais especificamente, trata-se da alma

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 39

que viveu, outrora, no mundo das idéias, e que 22


Aristóteles distinguindo raciocínio dialético,
perdendo o mundo racional se rende a um cor- raciocínio apodítico e raciocínio erístico, bus-
po. A vista das coisas sensíveis, a alma se recor- cando dar maior consistência à retórica - ins-
da ou se lembra do mundo das idéias, e, assim, trumental preferido dos sofistas -, se coloca em
se eleva do mundo que a cerca (múltiplo e mu- uma perspectiva distinta da de seu mestre. Neste
tável) para as idéias unas e imutáveis, ou seja, período, se exaltavam as discussões doutrinárias
do mundo dos sentidos para o mundo da inteli- que polemizavam a teoria das idéias, discussões
gência, pela dialética. Segundo Platão, pela dia- como aquelas expostas na República de Platão.
lética o filósofo foge do mundo visível e passa O poder da técnica retórica ou a capacidade de
a conhecer a verdade, descobre a superioridade persuadir ou de convencer pelo discurso é de
da unidade sobre a multiplicidade, da harmonia demonstração própria dos sofistas. No entanto,
sobre a desordem (A aplicação prática da dialé- a relação do discurso com a verdade, para os
tica platônica aparece exposta no “República”, sofistas, era algo secundário, ou seja, não se
mais precisamente, nos livros I à V.). importavam em estabelecer uma distinção entre
Em meados do século IV a.C., a academia de verdade (aletheia) e opinião (doxa).
Isócrates, na perspectiva dos sofistas, propu- Na fase do platonismo, iniciada com o diálogo
nha ao educando o desenvolvimento da “virtu- de Teeteto, em que os conceitos dogmáticos e as
de” ou da capacitação para lidar com questões opiniões irredutíveis deixam de ser o norte para
aqueles que se propunham à busca da verdade.
pertinentes à polis a partir da arte de emitir
em que princípios e teorias eram partilhados e o
opiniões prováveis sobre coisas úteis (Na de-
argumento de autoridade (autos epha) era des-
mocracia ateniense, em que os destinos eram
cartado, a independência e o amadurecimento
definidos em grande parte pela atuação dos
intelectual de Aristóteles era determinado.
oradores, a arte da persuasão, como a palavra
Em Teeteto, Sócrates a partir da maiêutica (tra-
manipulada com os recursos retóricos, era um
ta-se de uma engenhosidade obstétrica para a
fator imprescindível à eficácia do desempe-
parturição de idéias.), questiona o conhecimen-
nho de um papel relevante na Cidade-Esta- to e a sabedoria; argumenta sobre o movimento
do.); já, a academia de Platão propunha que como a causa de tudo o que devém (O que vem
a base para a ação política ou para qualquer a ser ou o que pode vir a ser. O devir em oposi-
outra ação deveria ser a investigação científi- ção ao ser e ao dever ser.) e parece existir e o re-
ca (epísteme), de índole matemática. A ação pouso como o não-ser ou a destruição, de modo
humana, segundo Platão, pretendendo ser cor- que, se nada podemos admitir como existentes
reta e responsável, não pode ser norteada por em si mesmo, as cores, por exemplo, resulta-
valores instáveis, ou seja, formulada segundo riam do encontro dos olhos com o movimento
o relativismo e a diversidade das opiniões (Em particular de cada uma e a cor por nós desig-
Platão, a negação do relativismo e da diversi- nada como existente não é nem o que atinge o
dade de opiniões para a determinação da ação sentiente nem o que é atingido, mas algo inter-
humana como correta e responsável, ou seja, mediário e peculiar a cada indivíduo; que os
que a verdade, com um poder de coerção sem homens são a medida de todas as coisas (Protá-
violência, é mais forte que a argumentação – o goras), menos o homem inteligente. O conheci-
que vem a representar uma reação ao julga- mento não pode ser, então, nem sensação, nem
mento, à condenação e à morte (execução) de opinião verdadeira, nem a explicação racional
Sócrates descritos em Fédon.). O prof. TÉR- acrescentada a essa opinião verdadeira.
CIO SAMPAIO FERRAZ JR. argumenta que: O método socrático, de caráter ético e educa-
“após a morte de Sócrates, Platão passara a tivo, baseava-se na dialética. A dialética so-
descrer da persuasão como possibilidade de crática se desenvolvia pela “refutação” e pela
guiar os homens, descobrindo que a verdade “maiêutica”. A primeira parte do método era a
é mais forte que a argumentação, ou seja, re- destrutiva, com a qual Sócrates procurava levar
conhecendo que a verdade tinha um poder de seu interlocutor a uma situação de aporia, for-
coerção sem violência”(FERRAZ JR., 1980. çando-o, ao menos intimamente, a reconhecer
p. 12) sua própria ignorância em relação ao assunto

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examinado. Já a segunda parte do método era a “o que de fato existe?” Tales afirma: “a água”.
construtiva, pela qual Sócrates procurava, atra- Anaxímenes: “o ar”. Anaximandro: “a maté-
vés da maiêutica ou dialética bem conduzida, ria informe”. Pitágoras: “o número”. Empédo-
levar seu interlocutor a uma aproximação da cles: “os quatro elementos”. E dado o exame da
verdade sobre o problema posto, qualquer que filosofia, Heráclito afirma que nenhuma respos-
seja ele. ta lhe satisfaz, pois, nenhuma atinge a solução
Neste sentido, as pesquisas, as oitivas e as dis- final da grande questão. Então, examinando a
putas praticadas por Aristóteles eram direcio- natureza, descobre um elemento que é comum
nadas, a partir das críticas aos sofistas, para a à todas as coisas: o vir-a-ser ou devir, ou seja,
restauração do valor da opinião e a sua desvin- o ser é essencialmente movimento, tudo flui e
culação do arquétipo da mera arbitrariedade. nada permanece. O vir-a-ser é a única realidade
Aristóteles distinguindo raciocínio dialético, universal, e tudo o mais é apenas aparência. A
raciocínio apodíctico e raciocínio erístico, es- inteligência deve penetrar o âmago das coisas
tabelece a dessemelhança entre verdade e opi- e perceber o que o ser não é e que não-ser é
nião; e restaura o valor da opinião que fundada não-ser.
no consenso, dada a persuasão e a crítica, é des- O vir-a-ser dos seres é devido a um conflito dos
vinculada do arquétipo da mera arbitrariedade. contrários, que se opõem e se mantêm entre si,
Mas o que é, essencialmente, a natureza do co- pois, todo o vir-a-ser está ligado a uma destas
nhecimento jurídico? vias que na realidade não passam de uma só. Os
23
Mesmo os catálogos de topói ou pontos de
contrários, como duas forças cósmicas antagô-
vista satisfazem “tão pouco nosso espírito sis-
nicas, seguem a gênese e as destruições perió-
temático que nos sentimos impelidos a fazer
dicas das coisas. Uma desagrega: a discórdia e
urgentemente o trabalho dedutivo-sistemático.
a guerra, que é a causa e origem da pluralidade;
Sentimos o desejo de começar a estabelecer, por
A outra agrega: a concórdia e a paz, que reduz
uma parte, uma série de conceitos fundamentais,
todas as coisas à unidade.
com o fim de obter definições em cadeia, e, por
outra parte, a fixar proposições centrais, com a O vir-a-ser é colocado entre os contrastes e são
finalidade de fazer deduções em cadeia ou algo justamente as oposições que formam a fonte
parecido ao que aprendemos no que se relacio- desta dinâmica que produz o movimento. Os
na com uma investigação de princípios. Com contrários são, pois, a coisa fecunda, cheia de
isto, não obstante, alteramos a peculiar função vida. E assim, é a sucessão das coisas que nos
dos topói. Desligamo-los progressivamente de deixa, então, apreciar os contrastes, ou seja,
sua orientação para o problema quando tiramos sem a doença não haveria saúde; sem o mal, o
conclusões extensas e absolutamente corretas. bem; sem a fome, a abundância; sem a fadiga,
E, finalmente, notamos que estas conclusões se o repouso; sem o escuro, o claro; etc. E assim,
encontram muito longe já da situação inicial e Heráclito pôde afirmar que todas as antíteses
são, apesar de sua correção, inadequadas, razão são só aparentes. TUDO É NADA E NADA É.
pela qual somos levados a afirmar que entre o 25
Na tópica, o ponto de partida ou consenso so-
sistema que havíamos projetado e o mundo do bre o exame de uma premissa é mais importante
problema, que apesar de tudo não perdeu nada do que o ponto de chegada ou decisão. Trata-
de sua problemática, se abriu uma notável fissu- se do consenso sobre o ponto de partida e, por
ra” (VIEHWEG. 1979. P. 39). conseguinte, a fundamentação da racionalidade
24
A história da nova dialética, a partir de He- para posterior decisão ou solução do problema.
gel, tem Heráclito (546 – 480 A.C.) e Aristó- A tópica coleciona pontos de vista e os reúne
teles (384 A.C.) como seus precursores e Karl em catálogos que, não estando organizados por
Marx (com a dialética da alternativa) como um um nexo dedutivo, são especialmente fáceis de
expoente contemporâneo desta nova dialética. serem ampliados e completados.
Esta linha da dialética busca seu fundamento 26
A Escola da Exegese francesa e a Pandectísti-
na síntese dos opostos e não mais no princípio ca alemã, já no século XIX e dada a axiomática
da contradição. Heráclito que buscando desco- na determinação do raciocínio sistemático-de-
brir a razão última das coisas serem, pergunta: dutivo, foram tentativas fracassadas de recha-

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TÓPICA E TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO... 41

çar a tópica do Direito, mas, o espírito tanto pondente à tradição européia e iniciada por
sistematizante quanto tópico, já no século XX, SAUSSURE, e a Semiótica, correspondente à
culminou no normativismo de Hans Kelsen tradição anglo-saxónica e iniciada por CHAR-
que, contrariando os fracassos daqueles que o LES SANDERS PEIRCE. As duas palavras
antecedeu, teoriza o Direito como um sistema traduzem duas maneiras diferentes de enten-
fechado que, embora dinâmico, é uma ciência der a ciência dos signos, ou seja, como parte
avessa a quaisquer valorações ou considerações da psicologia social e geral para SAUSSURE
extra-lógicas. Daí se dizer que Hans Kelsen e como lógica para CHARLES SANDERS
afasta o político de sua teoria. Embora, nesse PEIRCE. (PEIRCE. 1977. P. 45/46 e NÖTH.
período tenham atravessado fases diversas, de 1998. P. 23/24)
apogeu e declínio, essas escolas podem ser ca- 30
Assim, se alguém acreditar que um determi-
racterizadas, em linhas gerais, por seu positivis- nado objeto é uma colher, então a utilizará para
mo legalista. levar alimentos à boca; mas, se for esse alguém
27
O topos ou fórmula, variável no tempo e no chinês, por exemplo, e acreditar que se trata de
espaço, dotado de força persuasiva, é usado mes- uma pazinha, a utilizará para tratar de flores.
mo nas argumentações não técnicas das discus- 31
O estabelecimento de uma ponte entre o mun-
sões cotidiana, como, por exemplo, o topos do do prático e o ideal. A opinião como uma pos-
tipo “a vontade da maioria decide”. Neste senti- sível verdade.
do, no direito, há o topos do interesse, legalida- 32
Segundo a professora THEREZA CALVET
de, legitimidade, soberania, direito individuais, DE MAGALHÃES, “uma teoria ‘semiótica’ do
autonomia da vontade, capacidade etc. conhecimento (essa teoria, segundo a qual todo
28
Esta distinção é necessária para uma análi- conhecimento é mediato, inferencial e articula-
se profunda do proposto princípio da sucessão do no tempo, envolve a rejeição não apenas de
dos discursos apodíctico, dialético, retórico e racionalismo cartesiano mas também do empi-
poético, na perspectiva da unidade do diverso, rismo inglês).” (MAGALHÃES. 1998. P. 72)
ou seja, da escala de credibilidade que, por sua 33
Ao contrário do que pretendia Descartes, a
vez, do possível ao verossímil, deste para o pro- clareza das idéias não resulta das idéias inatas,
vável e finalmente para o apodíctico, busca a mas da aplicação de uma máxima pragmatista,
demonstração, o certo ou o verdadeiro. Daí, a como formulada por CHARLES SANDERS
imersão no conhecimento científico e na teoria PEIRCE, ou seja, a idéia de um objeto é a idéia
aristotélica do silogismo. dos efeitos sensíveis que concebemos que esse
29
A semiótica moderna ou ciência dos signos objeto tem. A concepção de certos aspectos prá-
tem sua origem em duas diferentes vertentes ticos do objeto constitui a nossa concepção do
que, sintetizada, são a Semiologia, corres- objeto.

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