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INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
A vitória de Cristo sobre o pecado e a morte
CAPÍTULO 2
Satanás e os anjos caídos
CAPÍTULO 3
O culto a Satanás e suas manifestações
CAPÍTULO 4
A ação extraordinária de Satanás: possessão, vexação, obsessão e infestação
CAPÍTULO 5
Corpo a corpo com Satanás: o exorcismo
CAPÍTULO 6
Os outros meios de luta contra os demônios
CAPÍTULO 7
Princípios de escatologia cristã: morte, juízo, Paraíso, Purgatório, Inferno
INTRODUÇÃO
“No ocaso da vida, seremos julgados pelo amor.” Com esta fulgurante expressão, São
João da Cruz, grande místico carmelita do século XVI, quis exprimir teologicamente
a mesma realidade misteriosa que Jesus, pouco antes de oferecer a sua vida pela
redenção dos homens, expôs aos seus discípulos. Ao fazê-lo, traçou um
extraordinário e apocalíptico quadro do último juízo de Deus no que diz respeito à
história e à existência individuais, tal como está “retratado”, de forma grandiosa, pelo
apóstolo Mateus, no capítulo 25 de seu Evangelho: “Em verdade, eu vos declaro:
todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim
mesmo que o fizestes” (v. 40).
É o amor, portanto, o fundamento da sentença que se pronunciará sobre a nossa
vida. Mais ainda, quando comparecermos perante Deus, será o que a nós caberá
exprimir, diante da verdade nua e crua de nossa realidade. Eis o cerne da vida cristã:
caridade, misericórdia, acolhimento. No declínio de nossa vida, só permanecerá o
acréscimo de amor que tivermos sabido imprimir a cada coisa que fizemos.
Há também o reverso da medalha: além de sermos julgados quanto ao amor,
seremos julgados pelo Amor, isto é, por Deus. Ao anunciar o Jubileu Extraordinário
da Misericórdia, o Papa Francisco procurou exprimir à Igreja inteira, e mais
propriamente a todo o mundo, esta assombrosa verdade, jamais enunciada por
inteiro: o julgamento que nos aguarda é um julgamento de misericórdia. “A
misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um
limite ao amor de Deus que perdoa.”1 A todos os homens é comunicada a esperança,
segundo a qual não existe pecado nem condição de vida tão deplorável ou falha
humana tão irremediável que não possam ser encobertos plenamente pelo amor de
Deus. Há uma condição exclusiva para isso: que se manifeste o arrependimento no
pecador e o desejo de perdão.
Por ocasião do feliz evento do Ano Jubilar, também desejo fazer minha essa
mensagem repassada de confiante espera, propondo-a novamente, sob a ótica dos que
(como eu) exercem na Igreja o ministério de exorcista, isto é, da batalha face a face
com o Diabo, para erradicar a ação extraordinária deste na vida dos homens. O
inimigo da raça humana, que se rebelou contra Deus e almeja levar todo ser criado à
perdição e à destruição, deseja com volúpia extrema que todos percam a esperança de
amar e de regozijar-se — agora e em cada momento da nossa vida, inclusive no
instante final — com a misericórdia do Deus-Amor, que se encarnou em Cristo Jesus
e que, mediante sua morte e ressurreição, readmitiu-nos no caminho da salvação,
mesmo após o pecado original haver provocado a total ruptura de nossa comunhão
com o Criador. Por meio da ação ordinária de Satanás, que é a tentação, e por meio
da ação extraordinária, que constitui o objeto especifico deste livro, o Diabo tenta
destruir a confiança, depositada em cada homem e mulher, de amar e ser amado.
Este texto, que redigi com a colaboração do Pe. Stefano Stimamiglio, subchefe de
redação do semanário Credere e meu confrade na Pia Sociedade de São Paulo, onde
hoje exerce a função de secretário-geral, teve origem no desejo de preencher o vazio
dos corações com a esperança que encontra fundamento na rocha da Palavra de Deus,
que nem as piores tempestades ou o transbordamento dos rios, nem o violento furor
dos ventos (cada qual imagine a figura que lhe aprouver, por mais terrível e
dramática que seja) conseguem derrubar (cf. Mateus 7,25). Isso põe em relevo um
assunto muito tratado nos últimos anos — já era mais do que tempo, diga-se de
passagem! — pelos jornalistas: possessão, vexação, obsessão e infestação diabólica.
O material colhido por ocasião de nossos encontros — como fruto de várias
entrevistas que propiciaram que inaugurássemos a sessão Diálogos sobre a outra vida,
da Credere, que se manteve de abril de 2013 até agosto de 2014, ano em que encerrou
as atividades — é inequivocamente mais amplo e guarnece esse tema com outros
aspectos de nossa doutrina, o que permite situá-lo numa perspectiva bem ajustada. De
fato, o encadeamento lógico desse material, na sucessão de números do supracitado
semanário da revista, foi realizado com o objetivo de apresentar, numa linguagem
simples, mas sem simplismos, as noções básicas sobre o obscuro conjunto de
fenômenos ligados a Satanás. Tudo para que o leitor pudesse dispor das coordenadas
gerais sobre o tema, e conhecer também os respectivos remédios espirituais,
permitindo que esse estudo se insira na perspectiva necessária do juízo final de Deus
sobre os homens e sobre a história, iluminada pela obra salvadora de Cristo. Nisso
reside a sua originalidade, isto é, no intento de proporcionar um compêndio essencial
sobre a matéria, tornando-a acessível ao grande público.
Tomando como ponto de partida os ensinamentos centrais a respeito da vitória
de Cristo sobre o pecado, pretendo discorrer a seguir sobre a doutrina católica com
relação aos anjos caídos, passando depois a analisar os fundamentos do satanismo,
bem como as inumeráveis manifestações de culto demoníaco. Também analiso as
consequências espirituais que podem proceder daí, assim como, em contraposição, os
remédios adequados contra o mal. Por fim, pretendo expor algumas noções básicas da
escatologia cristã. Trata-se de um percurso que, tendo início no sacrifício de Cristo,
percorre as vias tenebrosas da atuação de Satanás, retomando, em seguida, a solução
salvadora — motivos de grande esperança para todos, especialmente para os que
sofrem as graves consequências dos males de feitiçaria, pessoas que sinto serem meus
amigos e companheiros de trajetória.
Nota
3 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a cura, n°
1.
4 Cf. João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici doloris, n° 19.
O ocultismo
A Enciclopédia Treccani define o ocultismo como “conjunto de doutrinas fundadas
numa concepção religiosa, metafísica e física do universo, que pressupõe a existência,
para além da realidade, de forças dinâmicas, pessoais ou impessoais, físicas ou
psíquicas, não acessíveis pelos instrumentos da lógica ou das ciências matemáticas ou
experimentais (desse ponto de vista, mantêm-se ‘ocultas’), mas com as quais podemos
estabelecer correlações, mediante instrumentos cognitivos ou técnicas de natureza
prática, cujo conhecimento é reservado a poucos sábios”. Em outros termos, o
ocultismo é um grande “guarda-chuva”, sob o qual se abrigam todas as sequelas da
adoração a Satanás, tendo como objetivo conquistar benefícios. As mais significativas
formas de ocultismo são: magia, astrologia, cartomancia e espiritismo. Na base do
ocultismo há a crença na existência de entidades espirituais que não podem ser
alcançadas mediante os sentidos, senão por meio de algumas técnicas (por isso se fala
paralelamente de esoterismo) devidamente exercitadas, com as quais se pode exercer
domínio sobre a realidade. Segundo veremos, tais seres ou entidades são os espíritos
imundos, mais comumente conhecidos como “demônios”.
Contudo, importa acrescentar, a realidade é mais complexa do que isso. Em
última análise, para que os ocultistas possam desfrutar de seus poderes, acabam por
ficar na dependência dos superiores hierárquicos: o chefe das seitas nas quais entram e
que, em suma, é o próprio Diabo, sendo que este exige um preço bem alto em troca
dos serviços que presta. Evidentemente, os ocultistas recusam-se a admitir isso e, ao
mesmo tempo, odeiam o cristianismo, embora os seres a que recorrem e aos quais
estão vinculados, que são os demônios, não procedam de Deus, mas do inimigo do
Criador, isto é, de Satanás.
O satanismo
O satanismo é a prática do culto a Satanás. Contudo, será que os satanistas e o
satanismo realmente existem, ou somente povoam a imaginação dos diretores de
cinema particularmente fantasiosos? É indubitável que existem! Para sermos mais
exatos, satanista é o indivíduo que explicitamente resolve entregar-se ao Diabo, isto
é, a ele consagrar-se, mediante a prática de um rito, entrando numa seita. Trata-se de
casos efetivamente muito raros: por isso, fazemos menção a milhares, não a milhões
de pessoas... São proporcionalmente poucos, mas extremamente prejudiciais às almas.
Trata-se dos que, levando uma vida de pecado e exclusivamente voltados para si,
seguem ao pé da letra os ensinamentos do príncipe das trevas.
Geralmente, podemos distinguir entre duas correntes: satanismo pessoal (ou
ocultista) e satanismo impessoal (ou racionalista). O primeiro caso admite a natureza
pessoal de Satanás, que é invocado pelos seguidores e adorado e honrado como um
deus. O segundo caso não crê na natureza pessoal — isto é, individual, na acepção
metafísica — de Satanás; entretanto, identificam-no mais propriamente como uma
energia cósmica, a qual estaria subjacente a cada um de nós e ao mundo inteiro, que
irromperia mediante a execução das perversões mais absurdas e horripilantes, que
devem sempre vir associadas a ritos esotéricos.
O que pretendem os satanistas? Promover o crescimento dessa espécie ou gênero
de devoção difundindo a teoria e a prática dos três princípios que são a base do
satanismo: “você pode fazer tudo que desejar”, “ninguém tem direito de obrigá-lo a
fazer nada”, “você é o deus de si mesmo”. O primeiro princípio tem como finalidade
proporcionar inteira liberdade ao adepto em relação a tudo o que deseja fazer; é a
filosofia do viver uma liberdade sem freios, sem limites. O segundo princípio
desvincula o homem do conceito de autoridade; graças a isso, a pessoa se acha no
direito de não mais obedecer a ninguém, tanto no que se refere aos pais, à Igreja, ao
Estado ou a qualquer outro detentor de autoridade, recusando-se a admitir a noção de
bem comum, em qualquer esfera da vida. O terceiro princípio renega todas as
verdades que provém diretamente de Deus: o Paraíso, o Inferno, o Purgatório, o
Juízo, os Dez Mandamentos, os preceitos da Igreja, Maria Santíssima...
Trata-se de princípios que, à primeira vista, têm um ar sedutor, sobretudo para os
mais jovens. Com efeito, são estes mais propensos a crer na ilusão de que a vida seria
apenas um belo passeio num país dos sonhos, onde tudo é permitido, sem contenção
de qualquer natureza, onde o “eu” de cada um, na busca de uma fruição ilimitada,
desconhece quaisquer barreiras. Por isso, à maneira de conselho penoso que indico
aos pais, estou convencido de que, para evitar que os filhos se deixem fascinar por
essa perspectiva teórica e prática de vida tão destrutiva, é indispensável que os
genitores saibam educá-los desde cedo, orientando-os para a vida de fé, mediante a
oração, a Missa, a participação em algum grupo de oração ou movimento católico.
Importa sobremaneira levá-los a adquirir um senso de Deus e a ter consciência da
existência do pecado e do Diabo, um espírito tentador que deseja conduzir-nos ao
afastamento de Deus e, portanto, à morte. Agindo assim, quando os filhos crescerem,
provavelmente terão criado mecanismos de autodefesa que os impeça de serem
fisgados pelas seitas e práticas satânicas. Estou certo de que se trata de uma forma de
educação trabalhosa; todavia, procuro sempre frisar que, nos dias atuais, os jovens
estão mais expostos a esses perigos pela ausência quase completa dos ideais bons e
belos. Quando a fé desaparece, as pessoas entregam-se em massa às superstições e ao
ocultismo.
Retomemos o assunto dos satanistas. Quando fazemos referência aos cristãos
batizados, comumente utilizamos a expressão “filho de Deus”. Em face disso, cabe
perguntar: podemos denominar os satanistas de “filhos de Satanás”? No tocante a
estes, não é concebível tal epíteto. De fato, Satanás não deseja filhos, nem mesmo
irmãos ou amigos. Quer apenas escravos, cuja fidelidade arrebanha, prometendo-lhes
um prazer ilimitado — e nisso reside a grande mentira — graças a uma liberdade
desregrada, base do próprio satanismo.
A consagração a Satanás
Como uma pessoa se torna satanista? Por meio de um ritual de consagração a
Satanás, mediante o qual o indivíduo a ele se entrega de corpo e alma, solicitando ser
acolhido em suas fileiras e, concretamente, entrando em uma seita. Habitualmente
esse pacto é escrito com sangue, mais ou menos nos seguintes termos: “Satanás, de
agora em diante a ti pertenço, na vida e na morte e depois desta. Recebe-me como teu
servidor. Ofereço-te meu corpo e minha alma. Farei tudo o que desejares e mandares.
Em troca, dá-me prazeres, êxito, prazer sexual, riqueza.” Comumente, a consagração
é realizada durante um rito coletivo, muitas vezes durante uma missa negra, quando a
pessoa é iniciada na seita e nas práticas do satanismo.
O pacto de sangue pode ser feito individualmente. Não é diferente do que se faz
em relação aos votos religiosos: existem os votos públicos, votos oficiais formulados
diante do povo de Deus, que comumente se realizam durante uma celebração
comunitária; e os votos particulares ou privados, que cada qual pode fazer
individualmente, e em segredo, diante de Deus.
No tocante ao satanismo, em um ou outro caso, trata-se de uma verdadeira e
própria entrega da alma a Satanás o qual mantém a trágica promessa, embora jamais
conceda a felicidade prometida. Em troca desse pacto, recebem-se apenas
inumeráveis sofrimentos. Em uma palavra, a quem se consagra ao Diabo, o que este
assegura ao infeliz é um verdadeiro inferno nessa vida e um inferno eterno na outra.
A minha experiência pessoal dá conta de que tais pessoas jamais comunicam
serenidade, e deixam por onde passam um sulco de dor, solidão e morte.
A difusão do satanismo não se faz apenas de indivíduo a indivíduo. Entre os
jovens circulam muitos livros, opúsculos ou, ainda mais comumente, os sites da
internet que ensinam fórmulas de consagração ao príncipe das trevas. Trata-se de
uma prática perigosíssima — feita seriamente ou por brincadeira, sozinho ou em
grupo —, porque pode trazer consequências muito graves. Isso pode acontecer bem
mais tarde, estando, por exemplo, a pessoa casada e vivendo ao lado da esposa ou do
marido e dos filhos, com um bom trabalho, quando vê-se às voltas com uma pesada
possessão diabólica a enfrentar. Por isso, convém refletir sobre as consequências de
tal escolha — em muitos casos irreversível, ou, pelo menos, sendo muito difícil
retomar o caminho de volta. Com efeito, conheço várias pessoas que se
desvencilharam, mas, à custa de um imenso esforço, frequentemente sob a ameaça
dos adeptos do satanismo, seja como for, com muitas sequelas na mente e no corpo,
carregando muitas vezes graves possessões diabólicas e tendo de submeter-se,
durante anos, a exorcismos para ficarem livres. Péssimo negócio, em última análise.
Recentemente, vieram a lume diversos casos bombásticos de homicídio, em cujos
crimes claramente se denotava influência particular de Satanás, talvez até em
consequência de algum pacto contraído com o Maligno. Refiro-me, como exemplo,
ao caso dos três rapazes de Chiavenna que, em junho do ano 2000, assassinaram a
Irmã Maria Laura Mainetti. Baseando-me no que pude ler a respeito, não posso
afirmar que estivessem possuídos por demônios, mas que provavelmente teriam agido
sob uma possante inspiração satânica: o cinismo, a ferocidade, a ausência de freios
inibitórios na violação perpetrada contra a religiosa, tudo isso leva a inferir estarmos
em presença de uma mesma “marca de fábrica”. Imediatamente após o crime, dentre
os assassinos, dois dirigiram-se a uma casa de shows, enquanto o terceiro retomou o
caminho de casa, para limpar a lâmina da faca com a qual assassinaram a freira,
recolocando-a depois no faqueiro. Uma história inacreditável que comprova o risco
no qual incorrem os jovens de hoje.
Quantas são as seitas satânicas existentes hoje em dia na Itália? Relacionam-se
algumas centenas, geralmente constituídas por poucos membros. É difícil fazer um
mapeamento exato, pois agem sempre na sombra.
Concluirei com uma observação importante: para que alguém venha servir ao
Diabo, tornando-se seu seguidor, não é preciso, forçosamente, que tenha aderido ao
satanismo. Muitos há que, mesmo sem se consagrar oficialmente a Satanás, escolhem
como norma de vida os princípios fundamentais do satanismo. E, igualmente, em tais
casos, essas almas correm grande risco.
O espiritismo
O espiritismo ou necromancia (do grego necrós, morto e manzia, adivinhação) —
atividade comumente praticada pelas culturas ditas tradicionais, sobretudo africanas e
sul-americanas e muito difundidas no Ocidente, a partir de meados do século XIX —
é a invocação dos mortos por meio de um médium. Este, por sua vez, é uma espécie
de “sacerdote” do espiritismo. Atua como um “canal” que se comunica com o mundo
dos espíritos, a fim de captar coisas desconhecidas ou fazer conhecer o destino dos
“entes queridos” já mortos. Há muitos que, realmente, tendo falecido um ente
querido, ou movidos pelo desejo desenfreado de conhecer o futuro, quiçá tomados
pela desesperança e certamente não iluminados pela fé cristã, voltam-se para os
sensitivos (outro nome pelo qual se denominam os médiuns), trazendo consequências
frequentemente nocivas sobre as respectivas existências.
Como se opera a invocação dos mortos? Mediante várias técnicas que, embora
provenientes de tradições muito antigas — aliás, não diversamente do que se refere à
magia —, foram desenvolvidas e aperfeiçoadas pelos movimentos espíritas, estudadas
e praticadas a fundo desde meados do ano 1800, considerando-as como a base de uma
religião universal que, conduzida pelos espíritos, inauguraria a era da superação das
religiões tradicionais, fazendo convergir a humanidade para uma nova época de
confraternização.8 Um projeto cultural e político que se assemelha ou praticamente
coincide com o da maçonaria, a cujas fileiras, digamos superficialmente, muitos
membros do espiritismo filiavam-se. Dado que, em sua maior parte, são de fácil
assimilação, tais técnicas constituem uma isca ideal para os curiosos que por aí
queiram aventurar-se.
A mais corrente é a das mesinhas em volta das quais se sentam as pessoas, dando-
se as mãos ou apoiando-se sobre a superfície da mesa, de tal modo que os dedos
mínimos toquem na madeira, a fim de manter um contato físico “em cadeia”. Quando
a invocação do espírito é bem-sucedida, a mesinha começa a dar sinais de movimento,
emitindo sons de batidas que obedecem a um código convencional (por exemplo, uma
só batida significa “sim” e duas, “não”). O espírito invocado pode falar por meio do
médium, o qual, estando em transe, “empresta” a sua voz a ele.
Há outros meios: o teste do pêndulo, a escrita automática (mediante a qual o
médium, sob o influxo do transe, escreve o que lhe é ditado pelo espírito) e o
tabuleiro ouija. Sobre este, um pires ou uma moeda se movem, passando de uma letra
a outra do alfabeto para formar palavras e, desse modo, exprimir conceitos que os
espíritos pretendem “revelar”.
Naturalmente, assim como no caso da magia, há muitos charlatões que esperam
lucrar financeiramente espoliando os que sofrem. Entretanto, existem médiuns que
“funcionam”, isto é, que estão realmente em condições de pôr-se em contato com tais
entes espirituais. Não é incomum que, por meio destes, as supostas “almas dos
mortos” revelem coisas desconhecidas ao próprio médium; percebendo isso, uma vez
convencido da credibilidade da “voz”, o cliente facilmente tende a crer em todas as
outras “revelações” nas sessões consecutivas.
Frequentemente, as vozes comunicam coisas boas, mensagens edificantes, sendo
difícil não dar atenção. Em suma, o espiritismo, num caso assim, parece funcionar!
Por essa razão é que atrai muitos. Com efeito, a circunstância de que se possa obter
informações acerca de fatos efetivamente ocorridos e ignorados pelo médium induz a
imputar a tais comunicações uma causa racional extrínseca, isto é, relacionada aos
espíritos.
Entretanto, cabe perguntar: qual o ponto específico que analisamos aqui?
Conforme uma corrente importante do espiritismo, que é a de Allan Kardec, essas
seriam almas que, achando-se num estado passageiro entre uma reencarnação e outra,
com vistas a uma progressiva elevação espiritual (por aí se vê a natureza sincrética de
tais formas religiosas, inteiramente opostas à doutrina cristã), estariam “vagando”
pelo espaço, porque desencarnadas e, portanto, aptas a falar. Distinguem-se, nessa
ordem de ideias, espíritos bons de outros menos positivos, mas isso dependeria do
respectivo grau de aperfeiçoamento.
Outra corrente, por exemplo, como os cultos tradicionais afro-americanos (dos
quais o candomblé brasileiro é o mais conhecido), afirma que esses supostos espíritos
“vagantes” fariam parte da divindade da natureza, a qual, durante os rituais,
dominaria o médium que, sob o influxo da possessão, voltado em direção a este ou
àquele, pronunciaria os oráculos ou as denominadas bênçãos ou maldições.
No Ocidente espalhou-se também o denominado channeling, forma de
espiritismo que se insere na nebulosa da Nova Era e que pretende fazer com que
entremos em contato por meio de um “canal” — que pode ser qualquer pessoa,
enquanto componente da Única Mente universal — com as entidades invisíveis da
natureza: anjos, gnomos, duendes, elfos, fadas, espíritos da natureza, espíritos do
fogo e da água, o grande espírito da Terra. Fenômeno claro do neopaganismo, a
Nova Era vem conquistando espaços sempre mais vastos em muitas almas
desorientadas ultimamente.
Esboçamos aqui um simples quadro panorâmico desse amplo fenômeno,
delineado somente em algumas formas particulares, no que concerne à
parapsicologia, às projeções do inconsciente e a outros fenômenos de caráter
psicológico, sem uma correspondência efetiva com a realidade. Outra é a minha
concepção: tais espíritos invocados, a não ser que se trate de grosseira fraude, não
passam de demônios.
Primeiramente, vejamos o que diz a Igreja a respeito. Tomando como base
muitas passagens do Antigo Testamento — quando se proibia aos israelitas a
necromancia, ou seja, a invocação dos mortos, as adivinhações e os sortilégios (cf., p.
ex., Deuteronômio 18,10-12; Levítico 19,31; 20,6) enquanto práticas supersticiosas
que afastam o coração da fé em Javé, Deus que tudo provê —, o Catecismo (e,
igualmente, muitos pronunciamentos do Magistério, ao longo dos séculos), no
número 2116, diz: “Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a
Satanás ou aos demônios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente
‘reveladoras’ do futuro. A consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a
interpretação de presságios e de sortes, os fenômenos de vidência, o recurso aos
‘médiuns’, tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e,
finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio com os poderes
ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e o respeito,
penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.”
À luz do exposto, e de minha longa atividade como exorcista, afirmo como
inteiramente certo que as supostas almas dos mortos invocadas (as que acima
denominei “vagantes”), na realidade são espíritos imundos despertados, chamados,
ainda que “forçados” pelas invocações, a se manifestar. Considero que promover ou
simplesmente presenciar tais práticas, ainda que só ocasionalmente, além de ser
pecado mortal, pode provocar prejuízos concretos e graves ao espírito. A minha
agenda de trabalho está repleta de apontamentos colhidos junto a pessoas que se
dirigiram aos médiuns. Contam-me estes que, após tais experiências, mesmo que
muito tempo depois, passaram por um recrudescer de mal-estar: da dificuldade de
dormir devido à percepção de “presenças” estranhas nos ambientes em que vivem; da
dificuldade de se concentrar nos estudos a um desejo crescente de suicidar-se; de a um
ódio inexplicável em relação a outros a pensamentos obsessivos repentinos. A lista
seria bem longa, abrangendo, além do risco de contrair uma grave enfermidade
espiritual, a possessão diabólica. Parecem-me tão frequentes as correlações entre a
causa e os diagnósticos, que seria muito difícil deixar de concluir que o espiritismo
tem vinculação com o Diabo. Também o testemunho de muitos colegas exorcistas
leva-me a confirmar o que já asseverei, ou seja, que esses males somente podem ser
curados por intermédio da “medicina da alma” — portanto, recorrendo-se a
exorcismos, bênçãos, orações, sacramentos.
Há muitos casos de jovens — reporto-me aqui propriamente ao índice de 25%
dos jovens que, pelas estatísticas, ao menos uma vez na vida envolvem-se nessas
práticas — que, seja por diversão, seja por distração, expõem-se às seduções do
espiritismo.
É interessante assinalar o fato de que, numa época secularizada e cientificista
como a nossa, na qual só se admite acreditar no que é provado experimentalmente,
haja muitos indivíduos mergulhados nesse gênero de experiências, que tão fortemente
tangem o mundo do invisível. Numa primeira análise, a resposta é simples: onde é
silenciada a fé em Deus, cresce a idolatria, a irracionalidade. De um ou de outro
modo, o homem deve encontrar respostas a suas indagações sobre o sentido das
coisas. Contudo, há outra resposta que me parece ir mais a fundo: uma sociedade
altamente tecnológica acostuma os indivíduos a obter tudo quanto queiram por meio
de um clique no computador, isto é, servindo-se da técnica. Ora, isso vem a calhar no
sentido de fornecer respostas a perguntas mais intrincadas: basta ter o domínio de
uma técnica apropriada e, pronto: o espírito se materializa...
Para maior clareza, acrescento uma palavra quanto aos “sensitivos” e aos
“videntes”. Como observei há pouco, podem ser charlatães, ou pior ainda, feiticeiros.
Entretanto, existem outros que, inspirados pelo bem, “sentem” ou “veem” a realidade
espiritual. Supondo que ajam de boa fé, não busquem glórias nem vantagens e que,
uma vez postos à prova, mereçam ser tomados em consideração, podem ser muito
úteis. Dentre estes, conheço vários, aos quais, em caso de necessidade, recorro.
Analisando a foto de uma pessoa, o conteúdo de uma carta ou um objeto de qualquer
natureza, conseguem remontar com certa precisão a existência do feitiço e a origem
deste, permitindo assim caracterizar e destruir a causa material em questão — isto é,
o objeto que se prestou para a prática do feitiço ou para a técnica utilizada. Desse
modo, permitem identificar com maior facilidade o “remédio” espiritual mais
apropriado a cada caso. Não poucas vezes, graças a tais indicações, pude identificar a
parte do corpo que deveria ungir, porque afetada diretamente pelo feitiço, ou ainda
descobrir há quanto tempo a pessoa sofria as consequências do ritual praticado.
O rock satânico, exaltação coletiva que destrói a alma
Uma das formas mais difundidas para veicular os princípios do satanismo é, sem
sombra de dúvida, o rock satânico. Esse gênero reaviva o satanismo por meio da
música, que, de si, é uma forma corriqueira e louvável de entretenimento. De fato,
esses sons malignos representam grande e real perigo, sobretudo para os jovens que
em grande número são atraídos por tais espetáculos, sendo, em certo sentido, os mais
sujeitos a isso. Nas mensagens transmitidas por meio dos sons, encontra-se uma
combinação das três regras do satanismo — “faça tudo que quiser”, “ninguém tem o
direito de lhe dar ordens”, “você é seu próprio deus” —, em associação com o
espetáculo e o frenesi coletivo, concebidos de caso pensado para um estádio, uma sala
de exibições ou discoteca. Trata-se de uma espécie de ambientação cultural que hoje
em dia entra muito em consonância com as aspirações dos jovens.
O rock satânico é uma música contagiosa, pois comunica um falso sentido de
alegria, plena posse de si, inteira e ilimitada liberdade em relação aos pais,
professores, educadores. Se, de um lado, é verdade que seria um exagero ver o Diabo
“até debaixo da cama”, e que, para alguns, essa música constitui somente uma paixão
(embora doentia), não creio ser menos verdade que, na maioria dos casos, os adeptos
mais convictos desse gênero musical pertençam às seitas satânicas. A todos, pois,
recomendo, de todos os modos, não permitir que o seu espírito fique intoxicado por
esses sons.
Correrá o risco de possessão diabólica quem ouve essa música? Nunca me foi
dado atestar com absoluta segurança que tenha havido algum caso de possessão
diabólica causada diretamente pelo rock satânico. Entretanto, parecem-me
relacionados com isso outros distúrbios — aliás, não menos consternadores —, tais
como as vexações e obsessões diabólicas que suscitam propensão obsessiva ao
suicídio ou homicídio. Quanto a este último, com efeito, é importante recordar que o
rock satânico transmite mensagens — retiradas dos manuais de missa negra, do
ocultismo — em que estão presentes a invocação de Satanás. Certos trechos dessas
músicas contêm verdadeiras formas de apologias e de adoração ao príncipe das trevas,
talvez expressas em poucas palavras, por vezes pronunciadas ao contrário ou
mediante flashes (projeções instantâneas feitas numa tela) que induzem, de modo
subliminar, a seguir os conselhos dos que apregoam a violência, o suicídio, as
perversões sexuais, a revolta contra o Estado, contra a ordem estabelecida, contra a
Igreja, contra Deus.
Trata-se de um condicionamento que vai além dos sentidos externos — visão e
audição — e atinge diretamente o subconsciente, elidindo, durante esse meio tempo,
os freios inibitórios. A repetição obsessiva dessas mensagens altera literalmente o
modo de pensar e conceber a vida, contaminando a alma e o espírito. E provoca a
ruína da vida.
Os objetos pagãos
Cabe dizer uma palavra sobre os denominados objetos pagãos: artesanatos de culturas
pagãs, tais como máscaras ou outros objetos que facilmente se compram em qualquer
esquina. Podem “ocultar” algum influxo maligno? Trata-se de um tema que requer
atenção, mas para o qual não temos resposta a dar. Existe o risco, sim, desde que a
pessoa esteja ciente de que sobre determinado objeto possa ter sido praticado um
ritual mágico, com o objetivo de prejudicar a um futuro possuidor do mesmo. Numa
primeira análise, aconselho a não dramatizar as coisas, sobretudo se a pessoa que o
presenteou com certo objeto procurou fazê-lo com espírito sincero e reto. Contudo,
um pouco de vigilância não faz mal a ninguém.
A essa altura, desejo fazer uma complementação sobre o que foi dito acima a
respeito da magia. Recordando o que já comentei, tem origem antiquíssima,
marcando presença em todas as culturas. A magia consiste em valer-se de forças
sobrenaturais, isto é, demoníacas, para influir sobre os acontecimentos humanos, quer
em detrimento, quer em benefício de outro. Quem, pois, adere a essa prática — do
feiticeiro ao “cliente” — deposita sua confiança no Diabo; por isso é pecado grave.
Há dois gêneros de magia: por “imitação” ou por “contágio”.
A primeira baseia-se na semelhança da forma do objeto sobre o qual se executa o
ritual mágico. É o que ocorre, por exemplo, quando se enfia uma agulha num boneco
com o fim de prejudicar a pessoa ali representada. Neste caso, verifica-se uma espécie
de transferência do objeto para a pessoa.
A segunda — magia de espécie “contagiosa” ou “infectante” — é exercida por
via de contato. Neste caso, o ritual se realiza sobre parte do corpo da pessoa que
desejamos prejudicar — por exemplo, cabelo, unhas ou dentes —, ou então, fazendo-
a ingerir alimentos enfeitiçados. Também pode ser sobre objetos que pertencem ou
pertenceram a essa pessoa: peças do vestuário, roupas brancas, tais como meias,
calças, camisetas ou agasalhos; sobre a mobília da casa, objetos étnicos, por exemplo,
como já mencionamos. Tais objetos, uma vez enfeitiçados, transferem o respectivo
potencial negativo para a pessoa em questão.
Voltemos a tratar dos objetos propriamente ditos. Podem ocultar um efeito
prejudicial? A resposta: sim, “podem”, mas “não necessariamente”. É por conta e
risco de quem aceita comprá-los. Quanto a mim, é certo que não desejo ter esses
pertences comigo, no local onde vivo. Como é possível perceber quando esses objetos
estão enfeitiçados? Eis alguns sinais: súbita aversão às coisas sagradas, distúrbios
localizados, certas “presenças” enigmáticas, odores nauseabundos, barulhos não
naturais, persistência de sintomas físicos desfavoráveis sobre a pessoa, vínculos de
trabalho ou de vida afetiva que inesperada e inexplicavelmente começam a se
deteriorar. No caso dos problemas claramente apresentados, é preciso livrar-se
imediatamente do objeto, providenciando, quando possível, que sejam queimados, ou
jogados na água corrente (mar, rio ou canal).
7 Cf. Gabriele Amorth; Paolo Rodari. L’ultimo esorcista, Piemme, Milano 2012.
8 François-Marie Dermine fala disso de maneira difusa em seu livro Carismatici, sensitivi e medium. I
confini della mentalità magica [Carismáticos, sensitivos e médiuns: os confins da mentalidade mágica],
ESD, Bologna 2010, pp. 56ss. O texto fornece uma ótima base para aprofundar o tema do espiritismo e,
de modo geral, o dos fenômenos paranormais, e também cristãos.
CAPÍTULO 4
A AÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE SATANÁS: POSSESSÃO, VEXAÇÃO,
OBSESSÃO E INFESTAÇÃO
1) A possessão diabólica
Distingue-se a ação diabólica ordinária da extraordinária. Acerca desta, a forma mais
visível e grave, sem dúvida, é a possessão. Em que consiste? É a influência invencível
de um demônio sobre uma pessoa, da qual “toma posse”, no sentido de que dirá e fará
aquilo que quiser. Deve-se observar desde logo que nunca o demônio pode tomar
posse da alma de um homem (a menos que expressamente consinta nisso, porém aqui
tratamos mais propriamente da “venda” da alma ao Diabo), mas somente do corpo.
Além disso, desejo esclarecer que são raros os casos de verdadeira e inequívoca
possessão. Mais frequentes são os casos de vexação, obsessão e infestação, que
analisarei em seguida.
Quando se manifesta a possessão, o possesso entra em transe e perde a
consciência, cedendo lugar à ação do espírito do mal, que faz uso do corpo dessa
pessoa para falar, mover-se, blasfemar, vomitar imprecações, pregos, vidros ou
outros objetos, vez por outra também para manifestar uma força hercúlea. A este
propósito, o Pe. Candido relatou-me o caso de uma moça muito magra e de aparência
franzina, endemoninhada, e que, durante os exorcismos, conseguiu resistir à ação de
quatro homens muito fortes que a amarraram com cintos de couro. Mesmo amarrada,
conseguiu rasgar o cinto, dando muito trabalho até o término do ritual. Também a
mim coube presenciar, há dez anos, o caso de uma mocinha muito frágil — não devia
ter mais de 13 anos —, que estava acompanhada da mãe e de uma amiga desta.
Durante as sessões de exorcismo, o demônio dera-lhe uma força inacreditável.
Empenhamo-nos todos, e necessário se fez recorrer aos meus sete “anjos da guarda”,
que estavam presentes na sessão de exorcismo, para procurar contê-la.
Durante a crise, a manifestação dos fenômenos anormais opera-se de forma
intermitente. A pessoa perde a consciência de forma imprevista. Há momentos do dia
em que parece inteiramente normal. É muito difícil que a possessão se manifeste sem
interrupção. O mais comum é que as crises sejam provocadas por motivos
extrínsecos, por exemplo, durante um contexto de “estresse espiritual”, como é o caso
específico do exorcismo, da Missa, de uma bênção, da oração, ou simplesmente pelo
fato de entrar num lugar sagrado. Em outras ocasiões, desencadeia-se sem nenhuma
causa aparente. O demônio age quando, como e onde quer: durante o dia, à noite, ou
até num logradouro público, quando a pessoa se acha na presença de amigos, para
que todos possam ver. Nesses casos, opera a vontade demoníaca de agir, em razão da
força espiritual de sua natureza angélica. Na prática, nenhuma dessas situações pode
ser imputada ao possesso, isto é, à vítima da possessão.
No caso de uma pessoa possessa que, em tempos passados, tenha ingerido
alimentos enfeitiçados — a isso remonta o seu mal —, durante o exorcismo ou a
Missa pode ocorrer que seja acometida de espasmos de tosse, ou que comece a salivar
abundantemente. Nessas circunstâncias, a ingestão de água, sal e óleo bentos ou
exorcizados pode auxiliar. Compete-me observar que cada possessão — isso se aplica
a outras formas de influência extraordinária do Diabo — é um caso único. Presenciei
libertações que ocorreram em poucas sessões, ao passo que outras somente depois de
anos de exorcismo; dentre estas, manifestações evidentes e grosseiras, além de uma na
qual a pessoa não pronunciava nenhuma palavra. Casos como estes são os mais
difíceis de tratar.
A quem atinge a possessão? Ninguém pode julgar-se excluído: jovens e velhos,
homens de fé e ateus, cristãos e membros de outras religiões, até mesmo os religiosos.
Menciono o caso da irmã Angela, vítima da obsessão da blasfêmia que ressoava
constantemente em sua mente. Quem se acha distante da fé certamente é mais
vulnerável a esse risco; contudo, isso é apenas uma indicação de princípio, a fim de
explicar que o demônio atua com mais desembaraço quando não se depara com
oração, jejum, prática eucarística ou sacramental, por parte das pessoas que “gozam”
de sua particular atenção.
Em anos recentes, ocorreram casos de pessoas muçulmanas com graves
problemas de possessão diabólica. Satanás não faz acepção de pessoas. Acrescento
ainda que os demônios preferem exercer uma ação, em longo prazo, por meio das
tentações, a pôr em execução a sua ação extraordinária. Neste caso, as manifestações
externas claramente desmascaram a sua existência. Já no caso da ação ordinária,
ocultando-se por detrás da ignorância e da pouca fé, os demônios colhem maior êxito,
agindo sem maiores obstáculos. O Diabo fica contente quando não cremos em sua
existência, ou a consideramos uma reminiscência medieval. Dessa maneira pode atuar
com mais tranquilidade!
As tentações são vencidas pela vigilância, quando fugimos das ocasiões próximas
de pecado, e rezamos, pois, sem o auxílio de Deus, não somos capazes de vencer a
enorme sedução da iniquidade. Disso ninguém está isento, pois até alguns santos
tiveram tentações tremendas no leito de morte. Pelos testemunhos de vida que deles
recolhemos, deduzimos que, enquanto estivermos respirando e com vida, nunca
ficaremos livres.
É útil saber que também existem possessões múltiplas, as quais consistem na
atuação de vários espíritos de forma concomitante na mesma pessoa. Tal foi o caso de
Giovanna, senhora casada havia trinta anos e com filhos. Desmaiava com frequência
e sentia fortes dores de cabeça, sem causa natural aparente. Após vários encontros,
certificou-se que estava possuída por três demônios, que nela entraram com três
feitiços diversos, um dos quais fizera uma mulher que cobiçava o seu futuro marido,
ao tempo em que ainda não eram casados. Os dois primeiros feitiços logo foram
desfeitos; o terceiro, porém, com mais dificuldade. Finalmente, também este último
foi vencido. Era uma família de fé, por isso creio ter sido relativamente fácil libertá-la.
Trata-se de casos muito frequentes, conforme atesta o próprio Evangelho de São
Marcos, quando Jesus se depara com um endemoninhado possuído verdadeiramente
por uma legião de demônios (cf. Marcos 5,1-20). Esses termos, tipicamente da
organização militar romana, sugerem uma realidade com a qual nós exorcistas muitas
vezes nos confrontamos: quando a possessão é múltipla, enfrentamos espíritos
organizados hierarquicamente, à maneira de um corpo militar. Imagino não provocar
surpresa quando afirmo que os demônios possuem uma organização interna
semelhante à de uma legião militar: existem os chefes, os subchefes e os “simples
soldados”. Cada um é dotado de um poder específico. Assim que iniciamos o
procedimento dos exorcismos, abandonam a luta primeiramente os espíritos com
menos poder, os menos fortes. A vitória, isto é, a libertação, só é completa após
havermos conseguido dominar o chefe supremo da legião, o mais poderoso e
opressivo, o último a deixar o navio, aquele pelo qual os outros demônios sentem
verdadeiro e particular terror.
Como se descobre se alguém está sob o efeito de uma possessão? Há pessoas que
descobrem estar sob esse efeito ao entrar num local sagrado, como um santuário
mariano, ou quando participam de retiros, procissões, grupos de oração ou adorações
eucarísticas. Também pode ser o caso de a pessoa estar passando por um transtorno,
para o qual não dá muita importância, embora seja nessas ocasiões que a possessão se
manifeste de modo mais claro e inequívoco. É sinal de que o demônio está escondido
(ele pode esconder-se durante muito tempo, dissimulando a sua presença), até que,
diante do poder de Deus, se veja compelido a revelar-se. Contrariamente ao que se
possa imaginar, um fato assim deve ser entendido como uma graça, porque somente
conhecendo a doença é que se pode intervir. O mesmo vale no que diz respeito a
outros distúrbios extraordinários, dos quais trataremos em breve.
Em outros casos, como me referi no caso de Giovanna, tratam-se de incômodos
de ordem física, para os quais os médicos não conseguem encontrar explicação: isso
faz soar o mecanismo de alarme. Tal se deu com Marcella, moça de 19 anos, que
sofria de mal-estar estomacal, perturbação que se manifestava em casa e no trabalho,
e que não conseguira vencer. Assim que alguém lhe tocava a pálpebra, os seus olhos
ficavam totalmente brancos e as pupilas convergiam para baixo. Mal tive tempo de
avaliar isso, e a moça, com uma risada debochada, exclamou: “Sou Satanás!”
Conseguimos libertá-la em dois anos, mas é preciso dizer que ela se empenhou muito
pela oração.
Destaco que nenhuma das formas de males de feitiçaria — portanto, não apenas a
possessão — é contagiosa. Ou, em outros termos, não se corre o risco de ser atingido
pelo “contato” visível, auditivo ou tátil com a pessoa endemoninhada. Do mesmo
modo, um endemoninhado pode casar-se ou ter filhos sem perigo de “infectar” a
prole. Digo isso de modo especial para tranquilizar parentes e amigos, que, quando
empenhados também nessa luta, ficam ao lado das pessoas que sofrem, pela oração e
por uma atitude de compreensão, ditada pela caridade. Às vezes, o convívio com tais
pessoas endemoninhadas é verdadeiramente difícil e nos põe diretamente à prova. O
que digo aplica-se, principalmente, aos sacerdotes. Já fizemos ver isso: quanto maior
o nosso medo do Diabo, mais ele se volta contra nós. O contrário, porém, não é
verdadeiro. Isso porque, se deixamos o Diabo em paz, será ele, por sua vez, que,
comprovada nossa fraqueza, nos arrebatará a paz.
Dito isso, é igualmente verdade que as pessoas que passaram por uma experiência
de possessão, em seguida adquirem, o mais das vezes, grande sensibilidade quanto a
situações nas quais a presença satânica é evidente.
2) A vexação diabólica
O segundo gênero de agressão espiritual extraordinária do Diabo recebe o nome de
“vexação” diabólica. São de longe os casos mais numerosos, causados por
imprudências pessoais (consultar bruxos, atração pelo espiritismo, reincidência e
insistência nos pecados graves), ou por feitiços dirigidos a estas ou àquelas pessoas.
De fato, o Diabo pode atuar, mesmo sem que haja uma influência predominante e
decisiva sobre a mente da vítima, como ocorre no caso da possessão. Não obstante,
são casos de agressão verdadeira e efetiva, de ataques físicos ou psíquicos que o
demônio desfere contra uma pessoa. Daí, por vezes, derivam arranhaduras,
queimaduras, contusões ou, em casos mais graves, até fraturas ósseas. Em outros
casos, pedras e outros objetos são arremessados. Casos característicos de
perturbações são certas enfermidades nos órgãos internos ou nas articulações, mesmo
na ausência de uma patologia clínica que revele que a pessoa esteja sentindo dores, e
também sem a presença de sinais visíveis em presença de uma análise mais
aprofundada. Tais casos podem dizer respeito à esfera da saúde, das relações afetivas,
ou do trabalho.
Não é raro que a vexação venha conjugada com algum mal de feitiçaria
extraordinário, no sentido de que a pessoa possuída ou perturbada pode apresentar
também incômodos de ordem física e psíquica. Já me aconteceu libertar uma pessoa
endemoninhada, a qual, simultaneamente, ficara curada de um grande tumor.
Claramente, neste caso, o feitiço produziu um dano que, no infeliz, acarretara duplo
efeito, espiritual e físico. O mesmo Evangelho atesta casos de cura física ligados à
cura espiritual de um mal de feitiçaria; por exemplo, quando Jesus cura o mudo
endemoninhado (cf. Mateus 9,32-42) e o cego-mudo igualmente endemoninhado (cf.
Mateus 12,22-24).
As vexações podem ocorrer numa dimensão onírica: enquanto dormimos,
formam-se pesadelos terríveis, mediante os quais temos sonhos com blasfêmias,
praguejando contra Deus, tornando-nos perversos e malvados. Nestes casos, estamos
nos confins de uma obsessão diabólica.
No que diz respeito à vida dos santos, também podemos dar exemplos. São Pio
de Pietrelcina era surrado pelo Diabo. Por sua vez, Satanás frequentemente
derrubava o Cura d’Ars da cama. Em tais casos, afirmo que se trata de verdadeira e
efetiva vexação diabólica, não de possessão.
Conforme disse, nem sempre as vexações se manifestam num patamar físico.
Algumas podem atingir a pessoa nos laços afetivos. Pode ocorrer, por exemplo, que
dois noivos ou dois cônjuges se separem ou, ao contrário, que fiquem noivos, apesar
de terem gênios incompatíveis. Outras formas de perturbação manifestam-se no
trabalho. Assim, pode ocorrer que não seja localizada a pessoa que se procura, ou que
desapareça a pessoa junto da qual estamos; também, que se criem grandes
dificuldades com os colegas de trabalho ou com o chefe. Por vezes, o demônio pode
agir a fim de destruir amizades e isolar uma pessoa. É impossível elencar
completamente os casos.
Como discernir se estamos em presença de doença física ou vexação diabólica?
Como sempre, devemos ser muito criteriosos na avaliação dos sintomas. Pode
acontecer que pessoas facilmente impressionáveis fiquem inquietas sem fundamento.
De fato, muitas vezes a doença ou o mal-estar psicológico é de raiz natural e,
identificável pelos sintomas patológicos, seja facilmente caracterizado pelo
especialista médico ou psiquiatra, aos quais, conforme indicamos acima, é sempre
conveniente dirigir-se. O discernimento espiritual pode ser efetuado quando se nota a
presença de fenômenos vexatórios associados a uma inexplicável aversão pelas coisas
sagradas, por Deus e pela oração. O fato de haver frequentado anteriormente locais
de práticas ocultas ou de magia, médiuns, cartomantes ou personagens do gênero,
ainda que de boa-fé, ou a certeza de ter sido alvo de feitiço, tudo isso pode ser indício
significativo para um bom discernimento.
3) A obsessão diabólica
A obsessão diabólica é uma forma de agressão espiritual que leva o demônio a
comunicar pensamentos ou alucinações fortíssimas, muitas vezes invencíveis, à mente
da vítima. Em tais casos, a pessoa já não tem domínio sobre os próprios pensamentos.
O indivíduo fica sujeito a uma poderosa força mental, que lhe introduz pensamentos
repetitivos, obsessivos, superiores à sua capacidade de resistir. Tais pensamentos e
representações da realidade, por mais estranhas que sejam ao seu modo de pensar,
fixam-se profundamente na sua psiquê. Os objetos das alucinações podem ser visões,
vozes ou murmúrios de personalidades obscuras, de figuras monstruosas, animais
horripilantes ou de demônios. Em outros casos, pode manifestar-se o impulso para
fazer mal aos outros, ou procurar o suicídio, ou cometer profanação. Em outros casos
ainda, sobretudo em indivíduos mais jovens, pode ocorrer confusão mental sobre a
própria identidade de gênero. A casuística é muito extensa, sendo impossível fazer o
rol de todas as formas existentes de obsessão diabólica.
Habitualmente, isso não subtrai por inteiro a capacidade de a pessoa pensar ou
querer, permanecendo o indivíduo consciente e vigilante. Todavia, a sua mente fica
fortemente controlada em sua relação com o mundo. Tais fenômenos podem dar-se
indistintamente à noite ou durante o dia, e podem tornar a vida impossível, levando,
em casos extremos, ao desespero e até ao suicídio. Por razões óbvias, essas situações
provocam, na pessoa atingida, tristeza e desesperança.
Também a vida dos santos não está isenta disso. É o caso, por exemplo, do já
citado São Pio de Pietrelcina, quando o Diabo lhe aparecia sob a forma de um cão
feroz arremessando-o ao solo, ou tomava a aparência de seu diretor espiritual ou
superior de sua ordem, transmitindo-lhe uma diretriz errada.
Para evitar um possível equívoco, importa esclarecer que os distúrbios obsessivos
são muito semelhantes às patologias mentais. Por isso, é preciso sempre fazer uso de
um sadio discernimento para o fim de compreender, com o auxilio de um psiquiatra,
se não seria mais propriamente o caso de uma doença natural. Em razão da
dificuldade de discernir com clareza, nesse elenco de casos, também a conversa com
um diretor espiritual pode ajudar muito. De fato, não raramente acontece que os
efeitos de ordem clínica de uma patologia demoníaca possam ser facilmente
confundidos com problemas psiquiátricos. Nesse caso, deve-se proceder no mesmo
ritmo, conjugando a cura médica com a espiritual. Sobre isso discorreremos mais
adiante.
4) Infestação diabólica
Chegamos à última tipologia de distúrbios do gênero espiritual: as infestações
diabólicas. Aqui se trata de distúrbios que, ao invés de influir sobre os homens, atuam
sobre a casa, objetos ou animais. Isso não quer dizer, é claro, que a pessoa destinatária
do mal não sofra também, visto que é a vítima última da ação satânica. De forma
particular, a infestação da casa provoca grandes sofrimentos, e às vezes também
prejuízos desmedidos aos que passam por isso. Em tais casos, podem quebrar-se
aparelhos elétricos, automóveis, fornos.
Mais alguns exemplos? Portas e janelas que, noite e dia, se abrem e fecham,
batendo inesperadamente e sem causas aparentes; luzes, lâmpadas, televisão ou
computador que ligam ou desligam sem nenhuma intervenção humana; explosão de
bombinhas, sons de passos, vibrações no solo como de um terremoto, vozes
misteriosas ou gritos, batidas na parede (às vezes, fortíssimas), sendo que todas essas
manifestações, como se intui de imediato, podem tornar difícil a vida de quem mora
no local. Em alguns casos, faz-se necessário até pedir intervenção da polícia, alertada
previamente por chamadas telefônicas. Os policiais, num desses casos, foram
obrigados a comprovar a presença de fortes batidas na parede, embora sem identificar
o “culpado”. Também pedras jogadas contra a janela, sem que os vidros se quebrem,
além de intensos odores desagradáveis. Invasão de insetos, como gafanhotos ou
formigas que, em poucos dias, são capazes de roer a madeira da janela. Também aqui,
os exemplos são muitos.
É preciso, neste caso, examinar se o fenômeno concretamente pode ser atribuído
a uma causa natural e circunscrita, ou não. Diante de uma resposta negativa, é útil
saber — embora muitas vezes seja difícil fazê-lo concretamente — se, nessa mesma
casa, em épocas passadas, foram realizadas sessões espíritas, rituais de magia, reuniões
de seita satânica ou maçônica ou coisas similares. Também, neste caso, são úteis a
bênção da casa e a bênção dos objetos, e os exorcismos localizados, ainda que
geralmente sejam muito longos, difíceis e complicados de realizar. Nos casos mais
graves, cabe-me aconselhar às pessoas envolvidas que se mudem da casa. Às vezes,
nas novas moradias nenhum destes fenômenos se manifesta. Em outros casos, porém,
as vexações continuam. Reporto o caso de uma pessoa que, ao se deitar, sentia a cama
sacudir-se violentamente. Perguntei-lhe se quando dormia fora de casa o mesmo
distúrbio se manifestava. Respondeu-me que, em outros lugares, o fenômeno
persistia. Aqui era o caso evidentemente de uma vexação pessoal. Outras vezes, ao
contrário, o distúrbio cessava. É importante, pois, fazer a seguinte verificação: se,
mudando de cama ou casa, o distúrbio desaparece. Em tal caso, isso significa que o
mal está vinculado à cama, à moradia, ao quarto ou à parede. Quando uma pessoa
apresenta sempre os mesmos incômodos, significa que o problema reside nela e que é
sobre ela que se deve agir. O receituário é sempre o mesmo: exorcismos, oração, vida
sacramental.
10 Cf. capítulo 2.
11 Cf. Francesco Vaiasuso; Paolo Rodari. La mia possessione. Come mi sono liberato da 27 legioni di
demoni [A minha possessão. Como fui libertado de 27 legiões de demônios, Piemme, Milano 2013.
12 www.famigliadellaluce.it.
13 Cf. Lucia e Francesco, A tu per tu con il diavolo. Una famiglia perseguitata dal Maligno [Face a
face com o Diabo: uma família perseguida pelo Maligno], San Paolo, Cinisello B. (MI) 2009.
CAPÍTULO 5
CORPO A CORPO COM SATANÁS: O EXORCISMO
A minha experiência
Quando a pessoa não consegue encontrar exorcistas, aconselho que procure um
grupo da Renovação Carismática Católica, para que se façam sobre a pessoa orações
de libertação. Nem sempre é fácil encontrar um grupo desse gênero nas proximidades
de nossa casa. Em casos assim, na tentativa de compreender melhor os sintomas,
costumo conversar inicialmente com os respectivos parentes.
Exijo às vezes — repito aqui o que afirmei acima — que a pessoa seja
primeiramente conduzida à presença do psiquiatra, a fim de averiguar se não é um
caso de doença mental. Faço essa afirmação, mesmo reconhecendo por experiência
própria que os sintomas são parecidos em ambas as situações — doença espiritual e
doença psiquiátrica —, que por vezes se interpenetram e misturam, não sendo fácil
perceber com perfeita clareza qual a verdadeira natureza do mal. Aqui entra em cena
um princípio elementar: quando o tratamento traz bons resultados, que haja
continuidade, intensificando-se o procedimento; caso contrário, será oportuno fugir
da armadilha, pensando noutra solução.
Em 1993, defrontei-me com isso na presença de quarenta psiquiatras.
Formularam-nos a seguinte questão: “Como distinguir um mal psiquiátrico de um
espiritual?” Recordo-me de haver dito, em tal oportunidade, o seguinte: a diferença
se mostra mais clara quando o nosso intento é aplicar a cada paciente o melhor
tratamento. O mal psíquico é tratado com remédios, com meios naturais e
procedimentos de cunho psicológico. Ao contrário, quando o mal-estar é de origem
maligna, se não recorrermos aos meios sobrenaturais — orações, vida sacramental,
exorcismos, bênção, etc. —, dificilmente será possível livrar efetivamente dessa
doença. Algumas vezes será conveniente combinar as duas terapias.
Outro aspecto merece destaque especial. Por vezes, ao mal espiritual se
acrescenta, como consequência indireta, um distúrbio físico: tumores, dor de cabeça,
dores lancinantes nas articulações, no estômago, etc. Conforme já foi exposto acima,
ao tratarmos das vexações, pode ocorrer que, após serem feitos os exames clínicos,
contrariamente ao que seria de presumir, os resultados sejam negativos, sem
nenhuma evidência fisiológica de anormalidade. Então, os males podem cessar por
meio do procedimento dos exorcismos. Trata-se, nestes casos, de vexações diabólicas,
às vezes até muitos fortes, provavelmente causadas por um feitiço. Nem sempre,
porém, o discernimento é fácil. Deve-se analisar caso por caso, com muita oração.
A priori é impossível dizer a frequência com que descubro uma pessoa assim, pois
isso é muito variável, depende da situação de cada um. Habitualmente, deparo-me a
cada mês com um caso semelhante. Nas situações mais críticas, quando o tempo e as
minhas condições de saúde permitem, identifico mais alguns. Perguntará alguém: e se
o diagnóstico falhar e os problemas não forem de natureza espiritual? Respondo que
o exorcismo nunca faz mal.
Por vezes, perguntam-me acerca da maior ou menor eficácia de minha oração, se
tenho alguma ideia sobre isso. A minha resposta é negativa. Somente Deus age por
meio da oração. O exorcista, isto é, o que faz uma oração de libertação, normalmente
não se dá conta desde logo se a pessoa foi libertada ou se recebeu o benefício da
oração. É a própria pessoa exorcizada que me dá ciência disso — às vezes, muito
tempo depois de nosso último encontro.
Os ajudantes do exorcista
Já fiz alusão anteriormente ao fato de que o exorcista pode ser assistido por algumas
pessoas durante o ritual. Em meu caso, dificilmente dispensaria essa ajuda, embora
cada qual seja livre para agir como melhor lhe pareça. A presença de pessoas
qualificadas, isto é, comprovadas e preparadas para enfrentar tudo quanto possa
ocorrer durante o exorcismo, é muito importante por dois motivos. Primeiramente,
porque, graças às suas orações e presença, encarnam a presença viva da Igreja, a qual
ama e acolhe seus filhos, por estes intercedendo, sobretudo em favor dos que mais
sofrem. Em segundo lugar, para efeito de uma assistência material às pessoas que
estão sendo exorcizadas, visto que estas podem manifestar transtornos, tais como
provocar vômito ou movimentos bruscos e violentos, que possam machucar a si
mesmo e a outros. Prestar ajuda, no sentido de administrar fisicamente a situação, eis
o que entra na esfera de ação própria dos ajudantes.
Seja como for, eis o que o Ritual em uso diz a tal propósito: “Quando não há
nenhum grupo de fiéis presente, nem sequer um grupo pequeno — que é uma
situação também recomendada pela prudência e a sabedoria fundada na fé —, recorde
o exorcista que em si mesmo e no fiel atormentado já está a Igreja, e lembre isso ao
próprio fiel atormentado. Se algumas pessoas escolhidas forem admitidas à celebração
do exorcismo, sejam exortadas a orar instantemente pelo irmão atormentado, quer
privadamente quer do modo indicado no rito.”
Os assistentes dos exorcistas devem ser escolhidos com critério: importa que
tenham uma intensa vida espiritual, nervos em ordem, não sejam impressionáveis em
excesso, sejam capazes de guardar o segredo sobre a identidade das pessoas possuídas
e sobre as particularidades ouvidas durante a prática do ritual. Em que sentido?
Ocorre, por vezes, que durante o exorcismo o espírito maligno venha a falar.
Naturalmente, em se tratando de um demônio, na maior parte das vezes, contará
mentiras ou lançará insultos e blasfêmias. Seja como for, a respeito de tudo que diz, é
conveniente manter respeitoso sigilo. Isso também é válido, claro, para o exorcista.
Referindo-se aos assistentes, complementa o Ritual: “Esses [assistentes],
entretanto, devem abster-se de toda fórmula de exorcismo, seja por meio de oração,
seja por meio de ordem imperativa, pois essa função é reservada ao exorcista
exclusivamente.” Solicita-se, portanto, que jamais alguém se dirija ao espírito
maligno, direta ou indiretamente. Limitem-se, pois, a rezar.
O exorcismo local
Nas infestações locais (que analisamos, ao examinar a ação extraordinária de
Satanás), já foi comentado que esse gênero de atuação do Maligno atinge locais de
habitação e objetos de uso comum. Dispõe a esse respeito o Ritual de 1998: “A
presença do Diabo e de outros demônios manifesta-se ou concretiza-se não somente
nos casos de pessoas tentadas ou possuídas, mas também em relação a coisas e locais
que, desse ou daquele modo, são objetos da ação diabólica.”
Algumas vezes apresentam-se sinais evidentes de que certos ambientes e objetos
de uso doméstico estão infestados por Satanás. O elenco de exemplos é tão grande
que seria impossível fazer uma enumeração completa: aparelhos eletrônicos que
deixam de funcionar (fogão, televisão, computador); luz que, sozinha, acende e
apaga; estalos inesperados; gritos, pancadas na parede, tremores no chão ou na cama;
manchas de líquidos no lençol ou no travesseiro; invasão de insetos. Num caso assim,
inicialmente, pode-se pedir a um sacerdote que benza a casa, iniciativa que em
qualquer casa será recomendável. Após a bênção e ação de um sacerdote, também os
habitantes da casa poderão aspergir água benta e sal bento nos locais.
Para males extremos, grandes remédios: o exorcismo local. Como é feito o
exorcismo local? O Ritual prescreve um procedimento similar ao exorcismo dirigido
a uma pessoa, desde que a oração seja feita de forma imperativa. Cada exorcista
procura adaptar a oração a uma situação específica. No que diz respeito a mim, após
haver rezado com os anfitriões um Pai-nosso, uma Ave-maria e uma Glória ao Pai,
adapto a fórmula do Ritual de 1614, rogando a Deus que liberte a casa das infestações.
Em seguida, percorrendo cada recinto, rezo mais de uma vez a primeira parte do
exorcismo tradicional. Segue-se a aspersão do ambiente com água benta. Por fim,
faço o mesmo com incenso exorcizado, isto é, incenso bento com a fórmula oficial da
Igreja, mediante a qual se invoca a intercessão do arcanjo Miguel. Faço uso também
do sal, igualmente bento e exorcizado, borrifando-o nos quatro ângulos do cômodo,
especialmente naqueles em que os sinais da manifestação diabólica são mais visíveis.
Exorcismos por telefone?
A oração de exorcismo é sempre feita presencialmente; eis, porém, uma pergunta que
formulam com frequência: é possível fazer exorcismo a distancia — isto é, por
telefone ou por outro meio de comunicação, fazendo comunicarem-se, por meio de
áudio ou vídeo, o exorcista e a pessoa possuída? Respondo afirmativamente, mas não
para os casos da via ordinária. De fato, a regra básica consiste sempre em encontrar-
se pessoalmente, como prescreve o Ritual. O contato físico é sempre preferível: não
fosse por outra razão, bastaria lembrar que, no caso do exorcismo, derramam-se sobre
a pessoa os sacramentais do óleo e da água benta, e se efetua a insuflação. Feito a
distância, obviamente, revela-se impossível fazê-lo. Além do mais, durante o
exorcismo irrompe todo o poder da oração e frequentemente acontece que alguém
precise conter o possesso, a situação mais difícil de ser imaginada a distância.
Dito isso — levando em consideração que muitos dos meus “pacientes” vêm de
longe, a caminho de Roma, onde moro —, recorro por vezes aos exorcismos
telefônicos. Obviamente, somente o faço se a pessoa já é conhecida, e quando estou
assegurado de que se trata de uma possessão diabólica ou de outro transtorno
espiritual. Sem dúvida, não me disponho a exorcizar o primeiro que me telefona.
Que resultados se obtêm com isso? Em relação aos que recebo em meu domicílio,
quando procedo ao ritual diante das pessoas, praticamente o mesmo. Acontece
também que, quando o indivíduo cai em transe e o demônio começa a falar, eu o
interrogo e exijo, em nome de Jesus, que deixe o corpo do infeliz. Exatamente como
se dá pessoalmente. Todavia, quando estou a distância, para o caso eventual de a
pessoa vir a perder a consciência, exijo que se poste alguém ao lado da mesma,
segurando-a firme e impedindo-a de fazer mal a si mesma.
A Igreja autoriza o exorcismo por telefone? O exorcismo é um sacramental, e não
um sacramento. Este, evidentemente, não pode ser administrado a distância: não pode
haver confissão por telefone, nem casamento... No caso do exorcismo, digamos que
não é de uso corrente: é o dever pastoral de assistir essas pessoas, que muitas vezes
não conseguem encontrar um exorcista nas proximidades do respectivo domicílio,
que me compele, excepcionalmente, a fazê-lo. Se todos os bispos cumprissem o seu
dever e nomeassem, como é de obrigação, pelo menos um exorcista em cada diocese,
jamais se teria tal problema.
À procura do exorcista
Qual o meio de localizar o exorcista encarregado pelo bispo da própria diocese a fazer
o acompanhamento dos casos de possessão? A primeira coisa é recorrer aos ofícios da
cúria e pedir informações. Lá devem constar os nomes dos sacerdotes aos quais foi
conferido esse encargo. Algumas vezes, porém — conforme me dizem muitas pessoas
que acompanho —, há o risco de não encontrar resposta concreta, sobretudo se as
pessoas às quais nos dirigimos não forem exorcistas. Nesse caso, é preciso procurar
alguém de fora da diocese. E, então, começa uma longa peregrinação, talvez de
centenas de quilômetros. E, talvez, sejamos obrigados a fazê-lo, anos a fio, até a
libertação. Com cansaço e despesas consideráveis.
A esse propósito recordo que é dever estrito de todo bispo nomear um exorcista
ou, não havendo, a ele mesmo cabe fazer essa oração na Igreja, da qual é o titular por
excelência. De fato, quando não é providenciado pelo bispo, não há outro que possa
preencher essa lacuna. A consequência é que — realidade que eu e meus colegas
exorcistas comprovamos diariamente — as pessoas que sofrem de males espirituais se
veem na necessidade de empreender não sei quantas “viagens de peregrinação
forçadas”, à procura dos exorcistas. Quanto a estes, por sua vez, sendo pouco
numerosos, ficam onerados de trabalho, uma vez que acolhem pessoas de fora da
diocese. Fico angustiado quando penso que há nações inteiras nas quais os exorcistas
sequer dão o ar de sua presença.
Note-se, pois, que, da parte dos escritórios da Cúria, podemos receber respostas
evasivas. Neste caso é uma procura meio às escuras sobre o nome dos exorcistas e os
lugares em que atendem. Em meio a muitos impostores e falsos libertadores que estão
em circulação, aconselho que, delicadamente, procurem ter certeza de que se trata
mesmo de um sacerdote encarregado pelo bispo. Com efeito, não é raro o caso de
que, na ausência de exorcistas, pessoas sem escrúpulos e com muita ânsia de lucros —
obviamente mediante polpudas contribuições — prometam destruir malefícios ou
feitiços com “ritos em direção contrária”. E, por esse modo, acaba-se agregando
feitiçaria a feitiçaria, o que só leva a piorar a situação.
O que fazer quando não se encontrar nenhum exorcista? O último recurso é
endereçar-se aos grupos da Renovação Carismática Católica que atuam na região.
Embora seja verdade que nem todos gozam de igual confiabilidade — o que depende
principalmente de quem os dirige —, mesmo assim são lugares nos quais,
geralmente, por meio da oração, podem ser obtidos benefícios concretos e imediatos.
14 O título da editio typica, promulgada pelo decreto da Congregação para o Culto Divino e para a
Disciplina dos Sacramentos, 22 de novembro de 1998, é De exorcismis et supplicationibus quibusdam.
21 Ibidem, n° 5.
22 Cf. Lumen Gentium n°. 49.
23 Ibidem.
As almas no Purgatório
O Purgatório é o lugar, ou melhor, o estado onde se encontram as almas que não
foram admitidas imediatamente à contemplação da face de Deus, mas que necessitam
antes de uma purificação. Por que há necessidade de uma purificação? Para chegar à
santidade, condição indispensável para o Céu. O número 1030 do Catecismo
menciona as almas que estão sendo purgadas como “os que morrem na graça e na
amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação
eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade
necessária para entrar na alegria do Céu”. Podemos considerar que há graus ou
estados diversos no Purgatório, conforme a situação de cada alma quando ali chega.
Há estados inferiores, tremendos e dolorosos porque mais próximos do Inferno; e
também estados mais elevados, muito próximos à felicidade do Paraíso. Os vários
graus de purificação estão ligados ao diversos estados de alma.
No Purgatório, as almas encontram-se, de modo geral, numa condição de
enorme sofrimento. Nossa Senhora, em Medjugorje, numa mensagem para a qual
julgo devermos ter a atenção voltada, pediu que rezássemos muito por essas almas.
Com efeito, sabemos que podem interceder por nós e obter-nos muitas graças, ao
passo que, para si mesmas, não podem mais obter nenhum merecimento. Com a
morte, o tempo para granjear méritos na terra acaba. Contudo, as almas que estão no
Purgatório podem receber o nosso auxílio para abreviar o respectivo período de
purificação. Isso ocorre de modo superlativo por meio de nossas orações, com a
oferta de nossos sacrifícios, Missas por essa intenção, assim como se faz mais
especificamente nos funerais e nas Missas gregorianas, que consistem na celebração
de trinta Missas diárias e consecutivas por um falecido. Essa prática foi introduzida
por São Gregório Magno, no século VI, com fundamento numa visão que teve de um
confrade que morreu sem confissão. Este, tendo ido ao Purgatório, apareceu
solicitando que celebrassem Missas em seu favor. O papa celebrou por muitos dias
consecutivos, até atingir o total de trinta. Nesse ponto, o falecido apareceu de novo,
feliz por ter sido admitido no Paraíso. Bem analisado, daí não se depreende que
“funcione” como um “botão mágico”: pensar assim seria uma atitude de ritualismo
mágico, inaceitável e errônea no que se refere ao sacramento. De fato, tudo sempre se
acha nas mãos da misericórdia divina.
A propósito das Missas, é preciso dizer ainda que podem ser aplicadas a todos os
mortos, mas, em última análise, é Deus que as destina aos que realmente necessitam.
Quanto a mim, por exemplo, celebro frequentemente por meus pais, a respeito dos
quais, em consciência, acredito já estarem no Paraíso. Somente a Deus, em sua
misericórdia, compete, porém, atribuir os benefícios das minhas Missas aos que estão
mais necessitados, conforme critérios de justiça, bondade e — por que não? —
também de virtudes, tendo como base os méritos de cada um, em consonância com o
respectivo grau de fé, esperança e caridade que granjearam em vida.
De tudo quanto foi exposto, surge um afetuoso conselho: mais vale expiar nessa
vida, sofrendo, procurando santificar-se, do que, de um modo simplista, aspirar ao
Purgatório, onde os sofrimentos são longos e penosos.
As penas do Inferno
O livro do Apocalipse afirma textualmente que “foi precipitado aquele grande
dragão, aquela antiga serpente, que se chama o Diabo Satanás, que seduz todo o
mundo; e foi precipitado na terra e foram precipitados com eles os seus anjos”
(Apocalipse 12,9). Por que foram precipitados na terra? Porque a finalidade a que se
consagraram foi a de perseguir os homens, procurando conduzi-los à perdição eterna,
transformando-os em infelizes companheiros por toda uma eternidade carregada de
sofrimentos e penas. Como se pode admitir que esse enredo, que abarca a todos,
esteja nos planos de Deus? Conforme já foi observado, a razão de ordem imediata
reside na liberdade concedida por Deus a cada criatura. Sem dúvida, ninguém ignora
que a missão de Satanás e de seus seguidores consiste em desgraçar o homem,
seduzindo-o e fazendo-o pecar, isto é, levá-lo à infelicidade, longe da plena
participação da vida para a qual fomos chamados — ou seja, o Paraíso.
O Inferno, pois, é o estado na qual os demônios e os homens condenados, por sua
explícita e irrevogável escolha de se rebelar contra Deus, ficam distantes do Criador,
dos anjos e dos santos, numa condição permanente e eterna de condenação, isto é, de
tribulação. O Inferno é uma exclusão voluntária da comunhão com Deus, conforme
diz o Catecismo no número 1033: “Não podemos estar em união com Deus se não
escolhermos livremente amá-lo.” E como fazer para amá-lo? “Mas não podemos
amar a Deus se pecamos gravemente contra Ele, contra o nosso próximo ou contra
nós mesmos.” Ao Inferno, portanto, vai o que morre em pecado mortal sem estar
arrependido; o que, de forma impenitente, não amou. Não é Deus quem predestina
uma alma ao Inferno, mas a própria alma que o escolhe pela vida que levou.
Acerca do Inferno, conhecemos alguns relatos que — tratando-se de revelações
ou experiências privadas, enquanto tais, a fé não nos obriga a crer — considero
merecedores de grande crédito. Em diversas ocasiões, em meus livros e entrevistas,
tenho feito alusão à experiência de Santa Faustina Kowalska, que, em seu diário, faz
um relato das “viagens” que fez ao Inferno.
“É um lugar de grandes tormentos, tendo em vista toda a sua extensão
pavorosamente grande. São diversos tormentos que eu vi: o primeiro tormento, o que
constitui o Inferno, é a perda de Deus; o segundo, os contínuos remorsos da
consciência; o terceiro, a certeza de que aquele destino não mudará nunca; o quarto, o
fogo que penetra na alma sem a destruir. Este é um tormento terrível: é um fogo
puramente espiritual, que é alimentado pela ira de Deus. O quinto tormento é a
escuridão contínua, um horrível e sufocante cheiro nauseabundo, em meio ao qual,
apesar das trevas, podem-se ver o Demônio e as almas condenadas, umas em face das
outras, e igualmente todos os males dos demais e os nossos próprios. O sexto
tormento: a companhia contínua de Satanás; o sétimo tormento é um tremendo
desespero; o ódio a Deus, as imprecações, maldições, blasfêmias. Esses são os
tormentos que todos os condenados sofrem juntos, mas essa não é a finalidade das
punições. Há formas de tormentos especiais para diversas almas, e são os tormentos
dos sentidos. Cada alma é afligida de maneira terrível e indescritível pelo pecado que
praticou. Há horríveis cavernas, precipícios e tormentos, sendo cada suplício
diferente do outro [...]. O pecador sabe que será punido pelo sentido que o levou a
pecar [...]. O que relatei é uma pálida imagem do que vi. Observei que a maior parte
das almas que lá se encontram são almas que não acreditavam que pudessem cair no
Inferno. Quando recobrei os sentidos, não consegui reerguer-me do pavor em face do
pensamento das almas que ali sofrem tão horrivelmente; por isso, rezo com maior
fervor pela conversão dos pecadores, e invoco incessantemente a misericórdia de
Deus em favor deles.”
É de assombrar.
Também desejo recordar, de forma resumida, o testemunho de Gloria Polo,
dentista colombiana que viveu uma experiência extraordinária, a qual pôs de ponta-
cabeça a sua vida.
No dia 5 de maio de 1995, essa senhora foi atingida por um raio, que quase
carbonizou o seu corpo. Gloria era uma católica “fria”, de espírito crítico em relação
a Igreja, favorável à eutanásia, muito preocupada com o próprio corpo e voltada para
a Nova Era. Era afeita a frequentar bruxos e cartomantes que prediziam o futuro.
Depois de ser atingida pelo raio, o seu corpo ficou por vários minutos sem vida por
causa de uma parada cardíaca. Durante esse tempo, Gloria passou por uma
experiência de quase morte. Encontrou-se num túnel, em cuja extremidade havia uma
forte luz. Nesta luz identificou os pais falecidos: era o Paraíso. Em contrapartida,
experimentava sempre sentimentos cada vez mais fortes de culpa pela fraca fé que
tivera em vida, o que a impedira de permanecer naquela luz. De repente, foi
precipitada no abismo mais profundo. Muitos demônios começaram a persegui-la,
tentando arrebatá-la. Ela relata ter percorrido muitos túneis que existiam mais abaixo,
organizados em forma de colmeias e habitados por muitos homens, jovens, velhos e
crianças que choravam e rangiam os dentes, com rugidos espantosos. Alguns destes
eram suicidas. Gloria está persuadida de que estava num lugar de morte espiritual, de
condenação eterna, sem retorno, sem esperança. Era o Inferno. Somente a
intervenção de São Miguel Arcanjo, que a segurou pelos pés trazendo-a para junto de
si, impediu que se precipitasse definitivamente. Eis como ela conta: “Foi um
momento terrível e verdadeiramente doloroso, quando cheguei àquele ponto, a luz
que ainda restava em meu espírito aborrecia aos demônios; esses horripilantes seres
imundos, que lá se achavam, prenderam-se a mim imediatamente [...]. Quanta coisa
queimava! Irmãos, são trevas vivas, é um ódio que arde e nos devora, que nos põe a
nu. Não há palavras para descrever aquele horror!”29
As visões e relatos aqui contidos, embora de forma bem sintética, devem fazer-
nos refletir. Por isso, em Fátima, a Virgem disse às crianças: “Rezai e fazei sacrifícios,
muitas almas vão para o Inferno, porque não há ninguém que reze e faça sacrifícios
por elas.”
Por sua vez, em Medjugorje, Nossa Senhora disse três coisas interessantes que
confirmam o que ensina o Catecismo, e que sumariamente já relatei: o Inferno é
eterno; impossível que alguém se converta no Inferno, porque, de nenhum modo,
ninguém desejaria fazê-lo; no Inferno, tornamo-nos partícipes da própria essência do
Inferno, isto é, a pessoa torna-se, por assim dizer, um “fragmento do Inferno”.
Como se deve entender, de modo mais exato, a afirmação acima? Sendo o reino
do ódio, as almas ali condenadas são submetidas ao tormento dos demônios e aos
sofrimentos que reciprocamente se infligem uma às outras. O Inferno é um lugar da
blasfêmia (onde se investe contra Deus e contra os santos) e do medo. No decorrer de
meus exorcismos, conforme fiz menção há pouco, certifiquei-me de que existe uma
hierarquia entre os demônios, assim como a que existe entre os anjos. Já abordei essa
realidade. Mais de uma vez, deparei com demônios que possuíam uma pessoa e que
manifestaram verdadeiro terror para com os respectivos chefes. Certo dia, após haver
feito vários exorcismos numa infeliz senhora, indaguei ao demônio “menor” que a
possuía: “Por que não vai embora?” Como única resposta, ouvi isto: “Porque se for,
Satanás, que é meu chefe, me castigará.” No inferno existe uma sujeição imposta pelo
terror e pelo ódio. Essa é a diferença abissal com o Paraíso, que é um local onde todos
se amam; lugar no qual quando uma alma encontra outra mais santa, sente imenso
gozo, porque da felicidade alheia também deriva, para ela, o mesmo benefício.
Alguns dizem que o Inferno estaria vazio. A resposta para essa afirmação está
contida no capítulo 25 do Evangelho de São Mateus, onde se fala do Juízo Final:
alguns são “benditos” e se aproximam eternamente de Deus; outros são “malditos” e
vão para o fogo eterno. Certamente desejaríamos que o Inferno estivesse vazio,
sabendo que Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf.
Ezequiel 33,11). Para esse efeito, a todos proporciona sua misericórdia e os meios da
graça necessários para se salvarem. Disse Jesus, no Evangelho de São João: “Àqueles
a quem perdoardes os pecados, e a quem não perdoardes, ser-lhes-ão retidos” (20,23),
insistindo em nossa conversão contínua, com o apoio da graça que vem dos
sacramentos.
Retomando a pergunta a respeito do Inferno, que consiste em saber se está mais
ou menos “vazio”, cabe-me afirmar que temo cairem ali muitas almas, precisamente
as que se obstinam até o fim na escolha do afastamento de Deus. Meditemos
frequentemente nisso! Bem dizia Pascal: “A meditação no Inferno encheu de santos o
Paraíso.”
O julgamento da vida
No número 1021, o Catecismo fala sobre o “juízo particular”. Que significa? Ali está
dito: “O Novo Testamento fala do julgamento, principalmente na perspectiva do
encontro final com Cristo na sua segunda vinda. Mas também afirma, reiteradamente,
a retribuição imediata depois da morte de cada qual, em função das suas obras e da
sua fé.” E, mais adiante no número 1022, acrescenta: “Ao morrer, cada homem recebe
na sua alma imortal a retribuição eterna, num julgamento particular que põe a sua
vida em referência a Cristo, quer através duma purificação, quer para entrar
imediatamente na felicidade do Céu, quer para se condenar imediatamente para
sempre.” Logo depois, diz o critério mediante o qual haverá esse julgamento,
desenvolvido nos escritos de São João da Cruz: “No ocaso da vida, seremos julgados
pelo amor.”
A primeira coisa a destacar é propriamente este último ponto: um derradeiro
critério do nosso julgamento será o amor que tivermos em vida por Deus e pelos
irmãos. Como se dará, então, o julgamento particular? Encontramos algumas vezes
pessoas convencidas de que, imediatamente após a morte, encontrarão Jesus em
pessoa, e lhe exprimirão o desejo de “falar com franqueza” sobre as vicissitudes
dolorosas que enfrentaram nesta terra. Não acredito positivamente que as coisas se
passem assim. Mais propriamente, acredito que, de imediato após a morte, cada qual
comparecerá diante de Jesus. Entretanto, não será o próprio Jesus quem passará em
revista a nossa vida, para efeito de avaliar o tanto de bem e de mal que praticamos em
vida. Falando com inteira objetividade e honestidade, seremos nós que o faremos.
Cada qual terá diante de si a visão completa da sua vida, conhecendo imediatamente o
verdadeiro estado espiritual de sua alma, e irá para onde a situação da sua alma
naturalmente deverá conduzi-lo. Será um momento solene de verdade sobre nós
mesmos, um momento tremendo e sem volta, assim como será sem volta o local que
perceberemos ser indicado para cada um. Consideremos, por exemplo, o caso de uma
pessoa que vá para o Purgatório. Quão grande será a dor por não conseguir subir
diretamente ao Céu, ao verificar que a purificação na terra não foi completa e
percebendo, por si só, a necessidade impreterível de se purificar! Contudo, o desejo
de ter acesso à visão de Deus será tão forte que, para essa alma, mais estimulante será
ainda o desejo de libertar-se do peso dos castigos acumulados durante a vida terrena...
26 Ibidem, n° 1026.
27 Veja-se o que diz a esse respeito o Catecismo da Igreja Católica, sempre no n°1026.
DIREÇÃO EDITORIAL
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EDITOR RESPONSÁVEL
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PRODUÇÃO EDITORIAL
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REVISÃO
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