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A PRODUÇÃO E A GESTÃO DE COMPETÊNCIAS: O CASO FIAT

AUTOMÓVEIS –MG 1
Ricardo Augusto Alves de Carvalho

Brasil

Introdução
As mudanças no mundo do trabalho, contextualizadas dentro de novos mercados
globais e regionais, têm determinado transformações significativas tanto no perfil
produtivo como no perfil de quem produz.Tais mudanças se fazem, sobretudo na forma
de gestão dos homens, na sua relação entre eles e na relação destes com o processo
produtivo. Muda-se a organização do trabalho e os processos formativos, frente a uma
competitividade global. Nesta direção vemos sendo configurado um perfil profissional
para responder às novas exigências laborais. Porém , é preciso ir mais a fundo na análise
destas mudanças e buscar compreender, a serviço de quem, em função do que, essas
mudanças vem sendo operadas, e sobretudo quais são as repercussões possíveis na vida
desses “novos” sujeitos trabalhadores.
Isto considerado, tomaremos a indústria automobilística como exemplo maior das
transformações em curso, no que se refere à introdução das Novas Tecnologias de
Gestão-NTG’s.
No estado de Minas Gerais, instalada em Betim desde 1976, a Fiat Automóveis,
passa desde de final da década de 80, por transformações aceleradas e radicais no que
tange aos novos processos de gestão do trabalho. Devido sobretudo a inovações na
organização no Brasil do trabalho do que inovações tecnológicas strito sensu, esta
empresa tem sido considerada como um modelo de performance no âmbito mundial.
Hoje com 9177 empregados, a FIAT do Brasil foi escolhida em 2000, segundo enquête
do Great Place Work/Exame, como a melhor empresa para se trabalhar no Brasil.
Senão vejamos:

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- Este artigo é originário de uma pesquisa realizada pelo NESTH/UFMG-(Nucleo de Estudos sobre o
Trabalho Humano-Universidade Federal de Minas Gerais), coordenada pelo Prof.Dr. Ricardo Augusto
Alves de Carvalho, graças ao apoio da FAPEMIG (Fundacao de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais).
Carvalho (UFMG).

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Assistiremos nesta empresa, o início de um projeto de racionalização com a
introdução da Qualidade total em 1989, e logo a seguir, no princípio da década de 90, a
implantação da fábrica integrada ou racionalizada, na configuração de células produtivas:
as Unidades Tecnológicas Elementares- UTE´s. Estas mudanças elevaram esta empresa
para o ranking de 2º lugar de vendas , desde então, no Brasil numa disputa acirrada que
perdura até hoje com sua concorrente maior, a Wolkswagen.
Os princípios sócio produtivos implantados na Fiat se manifestam pela integração
e interação de novos conceitos advindos da introdução da PQT (Programa de Qualidade
Total), seguido da “lean-production”, just-in-time, integração em processo, organização
do trabalho pautada na concepção de times de trabalho. Estas mudanças almejam uma
maior competividade (global), a partir de uma concepção internacional do produto e uma
(nova) concepção também global de trabalhador (o novíssimo “Global Player” é um
exemplo). Vemos assim alterado, a maneira de se produzir, em suma, de se trabalhar.
Estamos diante portanto, da construção de um novo sujeito trabalhador cujo novo perfil
de competência supõe como ingrediente a apreensão de sua interioridade, melhor
dizendo, de sua subjetividade. Para tanto, foi concebido, nesta empresa, um modelo de
gestão, onde as soluções tecnológicas estão ancoradas numa estreita relação entre os
sistemas de automação flexível e a capacidade dos trabalhadores nas novas formas de
organização do trabalho constituídas em redes de cooperação e na aprendizagem de
novas competências.
Como sabemos, a necessidade de se conceber novos arranjos sócio-produtivos,
visam a aumentar a produtividade e a competitividade ao mesmo tempo em que se reduz
custos, elevando desta forma a margem de lucro. No entanto a nova moeda em voga,
capaz de otimizar os lucros, é a capacidade empresarial de cada vez mais agregar valor
sob a forma de conhecimento: transformar o capital intelectual dos sujeitos trabalhadores
em capital organizacional. Ou melhor, são os próprios sujeitos que têm que ser
“competentes” para fazer a auto-gestão de sua competência. Nesta guerra, é capital ser
“competente” na gestão de (suas) competências, onde um novo trabalho ou um trabalho
“outro” está em questão.

Problematização: um “novo” trabalho em questão

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O trabalho hoje, coloca uma problemática para o próprio sujeito que é a
problemática do “si” (SCHWARTZ,1994). Ou seja, mesmo que o trabalho seja
formalizado em conceitos técnicos, procedimentos, prescrições, signos, normas
organizacionais, este novo trabalho não deixa de ser a gestão das singularidades, que se
encontra implicada na mobilização da subjetividade dos trabalhadores. Os “novos”
trabalhadores têm de antecipar as condições de variabilidades. Vemos então a classe
trabalhadora ser nomeada com como “mão de cabeça”, “colaboradores”, jogadores,
parceiros, etc. Mas isto significa a produção de um quadro discursivo que tenta “ocultar”
as diferenças de classes, desnaturalizando, por assim dizer a noção de força de trabalho e
de classe trabalhadora, criando uma ilusão de igualdade (parceiro, colaborador),
omitindo, as relações de exploração e dominação. Ora, a análise das condições e práticas
socio-organizacionais têm que considerar os sujeitos nelas inseridos como produtores
ativos dos “sentidos” dados à essas mesmas práticas, e é nesta direção o objetivo deste
artigo.
Para uma melhor clareza e elucidação das práticas sócio-organizacionais nesta
empresa, é necessário explicitar os princípios e pressupostos das políticas de recursos
humanos desta multinacional, a partir de suas diretrizes básicas. A partir do estudo do
Manual de políticas do grupo Fiat, assim como a partir da investigação “in
loco’’,tentaremos relevar algumas categorias que consideramos importantes como eixo
de referência analítico. Nos interessa sobretudo, analisar os processos formativos e
requalificadores em curso no âmbito do sistema Fiat, principalmente no que concerne à
aplicação de políticas e estratégias empresariais para seus trabalhadores face às
exigências das novas realidades de trabalho. Constatamos a “transnacionalização” dos
processos formativos na construção de um trabalhador global, que tem sido nesta ‘’nova
ordem’’ denominado de Global Player. Se não, vejamos:
1) Competitividade como estratégia. Fator estratégico com implicações diretas para o
processo de criação de valor e satisfação dos clientes. Significa ter "recursos humanos
motivados e com profissionalismo elevado". Vemos aqui a explicitação dos novos
ingredientes de competência desejados para o “novo” trabalhador Fiat: criatividade, a
formação contínua, a inteligência e participação. Assim cada indivíduo pode contribuir
com o máximo de sua inteligência e seu empenho, objetivando "o envolvimento e a
participação de todas as pessoas na (...) empresa" (id.,ib., p.25).

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2) Comunicação rápida e contextual. Aqui se pretende a velocidade da comunicação
que a partir da matriz deve ser aplicada ao nível regional/local, para transmitir as
estratégias e os objetivos do grupo, assim também como ao nível interlocal, no interior
de cada fábrica.
3)Desenvolvimento das capacidades/competências. atualização constante e
multidisciplinar de conhecimento; oportunidades de formação oferecidas pelo próprio
Grupo Fiat (em nível internacional): treinamento e formação. Com o sistema de
avaliação de pessoal orientado para o aperfeiçoamento das competências, é definido
como o conjunto de conhecimentos, de capacidades e de qualidades próprios da
profissão e da ocupação que a pessoa exerce na empresa e que deve ser utilizado para
atingir os resultados empresariais.
4) Processo de Recrutamento. Processo que envolve análise criteriosa de pessoal, além
da divulgação da cultura da empresa.
Podemos constatar que empresa se “auto percebe” como promotora de pessoas
de talento, como podemos observar em seu próprio discurso.
O Grupo Fiat favorece o desenvolvimento das pessoas com talento e potencialidade"
"Estes Princípios confirmam o valor do respeito pelo indivíduo, assegurando a eqüidade
da gestão e excluem qualquer tipo de discriminação, particularmente de sexo, idade,
nacionalidade, origem étnica e fé religiosa. Ao pôr em prática estes princípios o Grupo
Fiat opera de acordo com as leis, os cumprimentos contratuais, as praxes habituais de
Organismos Industriais e Sindicais, os usos e as culturas de cada um dos países onde está
presente (ibidem,2000:.26).

Os mecanismos de formação vêm sendo considerados como uma dinâmica onde


os métodos e técnicas têm servido de um lado para reestruturar as
empresas/organizações atuais em função de novos paradigmas produtivos e de outro, e
em decorrência, produzir uma subjetividade adequada a uma nova forma de se trabalhar.
O que há em comum é a exigência de um padrão global para o sujeito trabalhador,
dentro também de um padrão global de competitividade. O confronto contínuo com as
performances do concorrente leva, na lógica do Grupo, ao aperfeiçoamento contínuo do
trabalhador. Notaremos neste sentido a subsunção da categoria competitividade,
anteriormente aplicada a processos e instrumentos em uma dimensão subjetiva. Ou seja,
ser competitivo é nesta nova perspectiva ser competente. Veremos então como a noção
de competência, agora enquanto uma categoria subjetiva é “definida” pela empresa e se
desdobra em “ingredientes” que devem ser “produzidos” e internalizados pelos sujeitos
trabalhadores.

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A competitividade entre empresas, chamada de livre concorrência, é
compreendida nos tempos atuais como algo extremamente “saudável” dentro da lógica
do capital concorrencial: melhora a qualidade dos produtos, dos serviços, do
atendimento ao consumidor, abaixa-se os preços, provoca-se uma verdadeira “corrida
ao ouro” na busca por um produto cada vez melhor, mais eficiente, com a melhor
tecnologia, logo com maiores possibilidades de concorrência. Esse é o ideal da chamada
qualidade concorrencial. Esse é o ideal da chamada qualidade concorrencial. Esta nova
competitividade é percebida, por muitos, como uma das dádivas da pós-modernidade,
uma “conquista” coletiva, como podemos constatar no próprio discurso empresarial:
“produzindo sempre mais, com melhor qualidade, todos saem ganhando”. No entanto, o
trabalhador que após as terceirizações já não consegue mais se identificar com um
produto -o carro- , deixa também de se identificar com o objetivo - suas metas no
trabalho (hoje) serão consideradas insuficientes em um futuro próximo num “moto-
contínuo” estressante .
O staff gerencial da FIAT percebe a infindável necessidade de se melhorar o
produto como uma conseqüência natural dos desdobramentos da economia mundial.
Essa exigência por um nível de qualidade é percebida como inerente ao modo como o
mercado se estrutura, o sentimento de angústia que resulta disso tende também a ser
percebido da mesma forma.
Instala-se uma nova ordem, na qual todos são clientes, noção que se estendeu ao
processo produtivo. Por outro lado, o discurso enfatiza o aspecto pessoal do
trabalhador, configurando a relação trabalhador-empresa como algo íntimo, pessoal,
pertencente à dimensão de “interioridade”, que como sabemos é uma dimensão
construída na vida privada. Neste sentido percebemos como hoje é cada vez mais tênue
o limite entre o mundo do trabalho e o mundo da vida “privada”:
Constamos uma clivagem entre o discurso formal e a prática empresarial que
prega uma gestão da igualdade, pois na sociedade capitalista os princípios de divisão
social já estabelecem as diferenças onde condições de acesso não são igualitárias. Por
outro lado, este discurso de igualdade assegura por “eficácia simbólica” um ideal a ser
perseguido, como se no final do horizonte se pudesse “igualar” os trabalhadores dentro
das relações sociais- e desiguais- de produção.
Para que o discurso se estruture, a comunicação interna, reforça o sentido de se
pertencer ao Grupo e a adesão a seus valores contribuindo para realçar o sentido de

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realização profissional e pessoal; A empresa realiza pesquisas em termos de “prospecção
do clima psicológico”. Desta forma na monitoração do clima psicológico, a comunicação
interna tem papel chave, assim como na divulgação de estratégias e informações que
conformatam a ideologia difundida no discurso oficial. No entanto a comunicação entre
os trabalhadores é tolhida, ou melhor regulada. Comunica-se nos espaços determinados
para tal fim como o são as reuniões do “Bom Dia”.
Uma outra função na comunicação interna, é a de criar as premissas para a
efetivação de todo tipo de mudança e acompanhar seu desenvolvimento, objetivando a
constituição de um patrimônio comum de conhecimentos e a difusão de Know-how. A
eficácia na comunicação - rápida, explícita e completa - é obtida através de processos
homogêneos para o Grupo, baseado em suas necessidades identificadas, mas coerente
com as peculiaridades de cada unidade, setor ou país. Neste sentido, o uso de
tecnologias apropriadas e facilitadoras – as chamadas “Novas Tecnologias da
Informação - estão em sintonia com que se adota atualmente nos meios difusores”,
através das s novas infovias comunicacionais em todo o mundo e tal é o caso desta
empresa, que tem acumulado vários prêmios da Associação Brasileira de Propaganda.
No entanto a pretensão da universalização de conhecimentos nega, como sabemos, os
mecanismos que diferenciam aqueles que detêm o acesso ao conhecimento enquanto
poder e aqueles outros subordinados a este “conhecimento”.
Notamos, em termos do que foi “comunicado” em entrevistas, que o discurso em
geral era bastante institucionalizado e entrecortado por frases, como por exemplo : “O
que é que eu posso falar mesmo ?” Neste caso é importante salientar, a postura do
trabalhador que “veste a camisa da empresa”, de modo que a única crítica à empresa
girava em torno da questão dos critérios de ascensão profissional. É interessante ressaltar
que as críticas eram direcionadas a pessoas específicas : chefes de UTE, CPI,(Controle
do Processo Integrado) antigos chefes e nunca à instituição como um todo. O
entrevistado se mostrou desconfortável quando a entrevista dava brechas para críticas à
FIAT e se esquivou de diversas perguntas reproduzindo um discurso institucionalizado,
o que denota a produção de um imaginário de caráter paranóico e persecutório, como se
a empresa pudesse tudo “saber”, inclusive, o que ele estava sendo dito naquele momento,
da entrevistada. Ao ser questionado sobre os pontos negativos da empresa, o
entrevistado respondeu: “Eu não sei falar de mim.”. Tentando fazer uma análise dessa
frase, pode-se inferir que ele se considera o “ponto negativo” da empresa, que é

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percebida como tendo um nível insuperável de qualidade cujo capital humano, percebido
como independente, não consegue alcançar.
O discurso do entrevistado (assim como o discurso da empresa) é permeado por
contradições que permitem a coexistência de dois ou mais pontos de vista antagônicos, o
que pode trazer prejuízos em termos de uma clivagem para o sujeito, que de um lado se
não abala num primeiro momento a sua crença em relação à empresa, pode afetar a sua
saúde mental.
Já entrando no cerne de nosso tema, veremos a seguir, de forma mais
aprofundada, como as “competências” são valoradas e valorizadas pelo grupo.

A produção de competências como “valor” competitivo concorrencial

O grupo Fiat tem como política aumentar a capacidade na criação de novas


competências, de difundi-las no seu interior e de transformá-las com rapidez numa maior
competitividade dos produtos e serviços . A empresa em sua concepção de “Política e
Valores”, propõe “um sistema de gestão e de desenvolvimento das pessoas centrado nas
competências”. Assim, o planejamento de quadro de pessoal, seleção, atribuição de
tarefas, avaliação, salários, formação e comunicação são orientados conforme esse
sistema centrado na competência. O Grupo privilegia os conhecimentos de caráter
interfuncional, baseado na idéia de “time” e para tanto, utiliza-se da formação e da
mobilidade funcional:
As competências são classificadas e medidas ao nível de Empresa, de grupo e de pessoa.
(...) A avaliação (...) exprime-se num indicador sintético válido para todas as Empresas
do Grupo (...)O grupo define as competências necessárias para os processos atuais e
identifica o profissionalismo e a capacidade futura, planejando seu desenvolvimento.

O líder tem um papel central, pois ele deve transmitir com competência (pessoal e
técnica) conhecimentos, experiências e valores.

O sistema de avaliação dos recursos humanos


A Avaliação de competências é igual à profissionalidade adquirida, à
remuneração fixa e à mobilidade de carreira. Já a Avaliação de desempenho vincula a
consecução dos resultados aos prêmios variáveis. Nas palavras do Responsável geral do
grupo:

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No contexto altamente dinâmico desses últimos anos, caracterizado por complexidades
crescentes, surgiram novos fatores de sucesso para a competitividade e novas formas de
funcionamento e gestão das empresas. Complexidade, integração, e flexibilidade
provocaram um decisivo deslocamento no foco de atenção dos aspectos meramente
estruturais do trabalho para aqueles mais relacionados às características das pessoas que
atuam dentro da empresa. (...) Hoje existe a consciência de que os resultados que
garantem a competitividade da empresa dependem menos da organização formal
desenhada para atingi-los, e sempre mais de pessoas enquanto tais; menos condicionadas
a certos limites e protegidas por uma posição, e mais orientadas a papéis em contínua
evolução. Nessa perspectiva torna-se vital identificar, manter e desenvolver o que as
pessoas sabem, o que sabem fazer e como sabem fazer para garantir a excelência das
competências necessárias para manter os desafios dos negócios.

Neste contexto, a Fiat se propõe a desenvolver um sistema de avaliação de


competências para identificá-las e, por meio de cursos, potencializá-las junto a cada setor
da empresa que já deve ter bem claro, como parte desse processo, que tipo de
competências são necessárias para o seu desenvolvimento em direção aos resultados
esperados. O Trabalhador deve ter um perfil “menos condicionado a limites”,
incentivando assim a busca contínua da comparação competitiva, criando um paradoxo
com uma outra iniciativa da própria empresa, a necessidade de cooperar. Neste sentido
cooperar e competir deixam de ser antinômicos para se reunirem numa única e só forma
de competência. Esse processo visa um claro investimento por parte do trabalhador no
seu processo formação, colocando sobre si próprio a responsabilidade para atingir os
resultados, tirando da empresa, que se restringe a dar cursos de formação, parte da
responsabilidade de fornecer as condições necessárias para atingir os resultados, pois
estes agora dependem mais do de que nunca da competência individual.
A busca para se identificar competências parece deixar de lado a questão do
processo. Como sabemos, não se nasce trabalhador; tornar-se trabalhador. Isto se refere
a um processo de produção de sentido que não começa na fábrica, nem termina nela, mas
passa por ela. Quando a empresa propõe que cada setor deve buscar selecionar qual as
competências que determinado trabalhador deve ter para assim desempenhar bem o seu
papel, coloca para o trabalhador as características de um posto de trabalho que pede do
homem não só habilidades técnicas mas também e principalmente habilidades
comportamentais, esse aspecto ficara mais claro quando definirmos cada uma das
competências. Cabe ressaltar que nem sempre essas diretrizes serão suficientes pois a
diferença entre o trabalho prescrito e do trabalho real continua a existir e coloca
problemas para sua normalização.

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Outra justificativa que faz parte da política do grupo Fiat elaborada acerca da
valorização das competências, diz respeito à concepção do que vem a ser
harmonização das contribuições individuais. Se não, vejamos:
A complexidade dos problemas enfrentados, a redução do tempo de resposta e o elevado
numero de variáveis a considerar, impõem a harmonização de contribuições profissionais
de todos, através de sistemático e organizado recurso de trabalho. Isso permite que se
concentrem nos problemas e informações de natureza e origem diferentes, para usufruir
de imediato da contribuição profissional.

O resultado econômico, e não fatores como a satisfação, bem estar, ou até


desenvolvimento pessoal, é o retorno esperado do investimento sobre a
profissionalidade das pessoas, sobre os seus conhecimentos, sobre suas capacidades e
sobre seus modos de contribuir para a competitividade, em todos os níveis da
organização. Em nenhum momento é citado como a empresa concebe a formação dessas
competências, o trabalhador deve tê-las e se não as têm, tem que “correr atrás”.
A avaliação de competências tem como objetivo avaliar as competências
individuais através da análise dos conhecimentos técnicos- funcionais e das capacidades e
qualidades pessoais que orientem a convergência dos comportamentos para a
consecução dos resultados organizacionais.

A definição de competências:o discurso institucional

Parte-se do pressuposto de que está sendo superada a fase dicotômica papéis


gerenciais/papeis específicos de cada função, passando da adequação em relação a
posição para a excelência em relação ao papel, visto em termos de evolução contínua. O
trabalhador jamais estará pronto, sempre existirá algo a ser feito diante de sua formação,
que agora não visa mais o cargo mas sim o papel desse sujeito diante da organização e
suas políticas, vivendo na tensão de um melhoramento contínuo, e buscando uma maior
amplitude de visão da sua função e papel. Assim o capital humano estaria assumindo
uma relevância estratégica para a competitividade da empresa. A Competência Pessoal é
colocada como um conjunto de fatores, tais como conhecimento, capacidades
profissionais e qualidade. Neste sentido o programa Gestão de Conhecimento,envolve
uma rede de comunicação entre os trabalhadores, colocando que “quanto mais aumenta
o raio de comunicação da pessoa, mais aumenta a sua força e seu raio de influência”.
Os novos profissionais são definidos como:

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pessoas que mediante as próprias competências, fornecem uma contribuição qualificada e
reconhecida aos processo empresariais exercendo um grau significativo de assertividade
nas decisões(...) As competências podem ser definidas como o conjunto de
conhecimentos, de capacidades e qualidades próprios da profissão e da ocupação que a
pessoa exerce na empresa e que deve utilizar para o atingimento dos resultados
empresariais.

O conhecimento é considerado o saber geral, organizacional e o know-how


técnico funcional e disciplinar. Já qualidades e capacidades são definidas pela empresa
como um conjunto de habilidades profissionais e qualificações mais pessoais,
indispensáveis para orientar os comportamentos organizacionais no desenvolvimento das
atividades do trabalho.
Os trabalhadores recebem um questionário para avaliação das competências, no qual é
explicitado que:
- buscar excelência no desempenho implica a disponibilidade e a generosidade
para atuar com elevado nível de investimento pessoal, envolvimento pessoal e
motivação;
- atuar a serviço do grupo de trabalho implica a sensibilidade necessária para uma
constante aplicação da própria contribuição para o resultado global da equipe,
compreendida como time, ou unidade organizacional;
- gerir o tempo como fator competitivo implica a sensibilidade do nível de
urgência ligado à obtenção dos resultados, compreendida como fator crítico de
sucesso;
- simplificar as soluções e decisões implica a sensibilidade na forma de trabalho
caracterizada pela determinação, pela orientação para resultados e pela
eficácia;
- melhorar/aprender continuamente implica a disponibilidade necessária para o
aprendizado continuo,a curiosidade e a humildade profissional;
- .ser uma referência profissional implica o reconhecimento da importância da
própria contribuição profisional, orgulho profissional, orientado ao resultado
global da equipe;
- buscar a inovação implica a sensibilidade necessária para a superação de
esquemas e comportamentos organizacionais consolidados, a elaboração de
novos percursos e a valorização dos aspectos positivos de mudança;
- assumir os riscos das decisões/escolhas é a capacidade de atuar no sentido da
propositividade e da sustentação ativa e determinada das escolhas efetuadas,

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mesmo em situações de incertezas e assumindo pessoalmente a responsabilidade
pelas conseqüências. O sucesso é do grupo, o erro é pessoal, é interessante
observar que a busca da inovação implica que o trabalhador deva assumir os
riscos de suas decisões. Aqui ressaltamos a questão da “autonomia controlada”
em função das conseqüências e resultados econômicos. Neste caso, por exemplo,
as decisões são tomadas, mesmo que exista carência de informações para tal, pois
são impelidas em função da dimensão econômica, como reza a cultura
empresarial: as decisões são para ontem;
- Comunicar com eficácia implica a disponibilidade de escutar, sensibilidade para
o diálogo, e a orientação para examinar com profundidade fatos e
comportamentos, objetivando compreender os reais significados, mesmo aqueles
menos evidentes;
- Assimilar diversas experiências culturais implica a disponibilidade de questionar
a si mesmo, no confronto com experiências culturais diferentes.

A Gestão das contradições: Família FIAT x Empresa-Rede na ciranda das


terceirizações

O Manual de Políticas e Valores do Grupo FIAT, descreve as mudanças


acontecidas atualmente na empresa e a conseqüente onda de terceirizações como
“atividades estratégicas que geram valor diretamente para cliente e acionista”, onde
para assegurar a competitividade"A evolução para a “short company” e para a empresa
rede, como estratégia de Grupo, é parte integrante do sistema de gestão
empresarial"(op.cit.,1999:27). Para tanto, o Grupo concentra sua atividades naquelas de
função estratégica, essencial (core business), firmando parcerias com terceiros para os
demais negócios.
Apresentaremos agora de forma sintética, as linhas diretivas, no sentido de
oferecer um quadro descritivo para melhor compreensão dos atuais processos de
formação: "O grupo procura a inovação das formas organizacionais”, sendo a redução
dos níveis hierárquicos pré-requisito para a empresa rede. Assim, tem-se maior
integração de atividade, maior autonomia das pessoas, mais clareza e rapidez na
comunicação. Distinguir entre atividades core e non core (isto é, essenciais ou não);
estabelecer os instrumentos e as formas de interligação das unidades que compõem a

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rede, assim expresso: "Os componentes singulares da empresa (centros autônomos de
competências e de excelência profissional) são concebidos como os nós das redes,
ligados entre si através de conexões que permitem uma integração operacional estreita
entre os componentes singulares dos processos de negócio".
A questão da liderança na empresa rede: entre o “capo” e o “delegado”

Devido à forma de organização desenvolvida pela Fiat em redes de trabalho, a


figura do líder torna-se central nessa nova configuração. O trabalho em times, ao mesmo
tempo em que demanda cada vez maior autonomia de seus componentes, traz a
necessidade de uma “figura” que una o trabalho desenvolvido. Pensando nisso, a Fiat
está trabalhando com a idéia do líder e não mais de chefe:
Líder é aquele que aconselha, inspira entusiasmo, diz “nós”, se referindo ao trabalho que
é feito por todos, preocupa-se com seus companheiros de trabalho, distribui suas vitórias
e contempla o amanhã. Já o chefe tem tendência a conduzir as pessoas, inspira medo, diz
eu, preocupa-se com as coisas, colhe os louros sozinho e não faz planejamentos para o
futuro, pensando no hoje(...).

Outra grande mudança vinda com a reestruturação da fábrica é a diminuição dos


níveis hierárquicos. As decisões são tomadas no chão de fábrica, assim torna-se
necessário um líder que saiba ouvir, delegar ações, e ter noção dos processos e
conteúdos construídos pelo seu grupo. É um líder que deve, acima de tudo, saber gerir
pessoas, mais que a tecnologia:
O líder é um sujeito que faz com que as pessoas sob seu comando gostem de executar o que
ele quer, consegue que os subordinados queiram ajudá-lo e se sintam realizados com isso, não
tem subordinados, tem seguidores, não dá ordens, mas todo mundo faz o que ele deseja,
transmite segurança, confiança, inspira lealdade, faz com que as pessoas se sintam à vontade
para falar a verdade, transmitindo senso de justiça, dando o exemplo de como agir(...)O líder
é um sujeito que faz com que as pessoas sob seu comando gostem de executar o que ele quer,
consegue que os subordinados queiram ajudá-lo e se sintam realizados com isso, não tem
subordinados, tem seguidores, não dá ordens, mas todo mundo faz o que ele deseja, transmite
segurança, confiança, inspira lealdade, faz com que as pessoas se sintam à vontade para falar
a verdade, transmitindo senso de justiça, dando o exemplo de como agir.

Segundo a cartilha da empresa, o líder não nasce pronto, é uma habilidade que pode
ser trabalhada, portanto, “se você não se enquadra no perfil de líder não se preocupe”,
pois:
1- Ser líder requer apenas motivação, habilidades de comunicação e alguns conhecimentos
rudimentares sobre liderança
2- A liderança não é um traço genético, nem resultado da personalidade
3- A liderança não está gravada em um gene, nem um código secreto

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4- Envolva-se em organizações ou comunidades como líderes comunitários. Você estará
aprendendo a comandar pessoas sem usar do poder conferido por cargos.
5- Desenvolva habilidades de comunicação escrita e falada
6- Seja honesto, trate as pessoas com justiça. Não dá para se líder sem gostar de pessoas.
A “autonomia controlada’’ com a “participação incitada”: velhas/novas formas de
regulação de conflitos

As principais formas de controle que observamos na fábrica estão,


indiscutivelmente travestidas sob a capa da participação. Sendo, portanto, difíceis de
serem percebidas como tais. Os trabalhadores geralmente consideram os modos de
participação propostos como atrativos, uma vez que asseguram a coesão grupal, a
maximização da produtividade e os benefícios sociais e econômicos, como a PLR
(Participação nos Lucros e Resultados).
No entanto, seria ilusório acreditar que as propostas “participacionistas” trazem
em seu bojo uma mudança nos princípios Tayloristas-fordistas na base da organização do
trabalho. Ao contrário, o dilema para as empresas, e justamente fazer coabitar novos
métodos de gestão à ferramentas de controle que sempre foram usadas, só que agora
mascaradas pelo sentimento de “viver o clima participativo da empresa”. O controle e a
regulação, sobre a gestão do trabalho e do trabalhador, apesar dos processos
modernizantes, não evidenciam mudanças concretas e significativas quanto à autonomia
e controle do trabalhador sobre sua própria atividade e muito menos em termos das
relações de poder. A reorganização produtiva, baseada na lean-production, transformou
o trabalho em gestão. Criou novos signos, nomenclaturas e o trabalho em células. O
trabalho aumentou em complexidade, não no que se refere ao conteúdo operacional, mas
sim relacionado à responsabilidade implicativa e ao engajamento do pensamento como
condição para a realização do trabalho com qualidade. O trabalhador adaptável,
maleável, flexível e transformável. Trabalhar é, cada vez mais, gerir. A gestão deixa de
ser parte que integra o trabalho para ser ele mesmo. Criou-se uma tecnologia de gestão
em que a gestão do humano, a gestão do fluxo produtivo e a gestão dos “objetos
maquinais” devem ser uma só única gestão. Os homens, assim como as máquinas, devem
se auto-regularem numa rede de cooperação programada. Para que a produção flua de
forma prevista, sem interrupção e introduzindo modificações constantes na especificação
dos produtos, é preciso o estabelecimento do clima de cooperação e a existência do que
chamaremos de autonomia controlada, onde a função da comunicação tem o papel
chave: dominar novos símbolos, linguagens e códigos que irão modificar as mediações

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que são feitas entre os trabalhadores, onde a confiança passa a ser mais que uma
demanda, é uma exigência. As novas tecnologias de gestão reordenam e controlam o
sujeito, a técnica e o objeto a ser trabalhado em novas solicitações cognitivas, psíquicas e
sociais em um novo tipo de trabalho. A formação transforma-se então em instrumento de
coesão produtiva. Os métodos de busca de soluções para os impasses produtivos devem
ser internalizados por todos para que se estabeleça uma cooperação de caráter
dependente. Neste sentido, e tal é o caso desta empresa, o saber, tido anteriormente
como competência, passa a incluir o saber psicológico dos trabalhadores sobre eles
mesmos. Os trabalhadores adquirem um novo papel: além de simples multiplicadores de
conhecimento e controladores do fluxo produtivo, eles passam também a exercer o papel
de controladores do clima psicológico. Nós nos confrontamos, assim, a uma concepção
de gestão que se apoia em duas lógicas em relação de interdependência, onde produzir é
gerir o produto e gerir as inter-relações entre os homens. Isto significa em outras
palavras, gerir os estados de alma, objetivando estes estados em quantus produtivos,
onde o pensamento dirigido passa a ser incorporado como tarefa. Em resumo, estamos
diante da construção de um ideal grupal de caráter integrativo e controlado. Os
indivíduos são, desta forma, assimilados a um só corpo. E é justamente esse o maior
método de regulação de conflitos usado hoje, na fábrica, onde as relações de trabalho
são transformadas em relações pessoais e encoraja-se desta forma, as pessoas a falarem
de seus problemas pessoais. Assim, encontramos um quadro em que cada trabalhador
deve medir seu “estado de humor”. Existe para tal um “quadro emocional ou
emociograma” (é o nome que lhe é dado na fábrica) onde cada operário tem sua
fotografia e deve assinalar ao lado desta, sua auto-percepção do nível emocional no qual
se encontra. O trabalhador deve afixar a cor que corresponde a seu humor no momento.
Assim vemos: verde significa “tudo bem”, enquanto vermelho é um pedido de
“ajuda”.Vemos nesta direção que interioridade que pressupunha até então estar no
domínio do íntimo e do privado, não existe mais, ou pelos, não da mesma forma. Os
problemas, sejam eles ligados à produção ou ao estado de humor do trabalhador, fazem
parte do operativo de resolução. A racionalidade que se aplica aos objetos é aquela que
se estende aos homens. Os sujeitos têm que exteriorizar sua vida subjetiva e isto é, sem
dúvida, um trabalho suplementar que lhes é exigido.
Assim, com uma nova maneira de gerir os homens e o trabalho, passa a ser
necessário que os sujeitos trabalhadores sejam, não só um corpo produtivo dócil, mas

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ainda uma “psique” que não cria problemas. Uma psique dócil, numa reinterpretação
foucaultiana. Versão moderna do mens sana in corpore sano.
Percebemos que, para estes sujeitos, a atividade de gestão também engloba a
gestão dos próprios conflitos internos. Interessante é notar que na percepção dos líderes
das UTE’s não existe nenhum conflito com os operadores de produção. Com efeito,
como demonstramos, o controle dos conflitos passa basicamente por mecanismos de
prevenção e antecipação. O mais elaborado entre estes mecanismos é o controle
emocional e psíquico dos sujeitos trabalhadores, que tentaremos descrever e analisar a
seguir.

A “Alma” em trabalho ou a “psiquê” instrumentalizada

Nós pudemos ser testemunhas de uma certa vulgarização/banalização e de uma


utilização instrumental da psicologia nesta empresa. A emoção estaria “sob controle”
graças ao “emociograma”. Como dissemos anteriormente, sob cada foto do trabalhador,
pode-se ver três cores: verde, amarelo e vermelho.O verde significa que tudo está bem, o
amarelo, “eu não estou bem” e o vermelho, “preciso de ajuda”.Na fábrica, escutamos
expressões e termos emprestados do vocabulário da psicologia: ansiedade, clima
psicológico, etc. que indicam uma subjetividade sempre “em exame”. Em outras
palavras, hoje, mais do que nunca, pressente-se que, além da prescrição das tarefas,
existe uma prescrição da subjetividade. Assiste-se então a uma psicologização do mundo
produtivo. Um líder da UTE diz:“O chefe de UTE deve ser um psicólogo. Ele deve ser
um pai. Todos os dias de manhã eu olho o quadro emocional para ver quem precisa de
ajuda”. Não somente os homens são medidos através de seu estado psicológico e
psíquico, mas também as máquinas. Assistimos desta forma à uma antropomorfização
das máquinas. Objetivação do homem (domínio subjetivo) uma subjetivação das
máquinas (domínio objetivo). Não há uma simples existência das máquinas, existe-se
com elas. Um campo semântico de significações psicológicas é assim criado, tomando
forma na linguagem dos trabalhadores da fábrica. Há uma exteriorização da
interioridade: interioridade dos homens, sua alma, interioridade das máquinas, suas
engrenagens expostas. Há um interessante chamamento ao diálogo, mas um nível de
diálogo que pressupõe uma dimensão imaginária razoavelmente forte sustentada por um
código de signos compartilhados. Enfim, os sujeitos e as máquinas corporificadas fazem
parte de um conjunto que dá corpo a um objeto de desejo: o automóvel. Esta exposição

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da cena de uma “outra cena” do sujeito se apoia sobre todos os mecanismos de
implicação postos em operação na fábrica. Assim encontra-se a instância ideológica que
vai cercar a dinâmica subjetiva. Este quadro permite interpretar a mudança das táticas
operárias atuais. Este é, por exemplo, o caso da limpeza da máquina e dos espaços de
trabalho, e é neste contexto que iremos agora interrogar as táticas operárias.

O dilema da criação sob a égide do “pensamento único”

Podemos afirmar que “o pensamento”, como dizem os trabalhadores, ou ato de


pensasr é, sem dúvida, uma categoria central. Mas, em todo caso, o que se pode ver é
um “pensamento único”, homogêneo, produtor de um sentido que deve ser comum a
todos:
“Pensa-se, mas só se pensa sobre o trabalho”.
“Nós pensamos o tempo todo em como dar satisfação ao cliente”.
“Trabalha-se todo o tempo pensando no que nós podemos pôr na cabeça dos nossos
operários. É preciso mudar a cabeça deles para que eles cheguem à perfeição”.

Mas como surge o pensamento para estes sujeitos? Como nascem as idéias de um
pensamento voltado para o trabalho?
Eu penso no trabalho porque isto me dá idéias. Quando a cabeça está preocupada com os
problemas da produção, a gente começa a ficar preocupado. Então as idéias saem. Como
se diz? A gente fica inspirado, é isso? Pois é assim.

O pensamento é uma tarefa. Nós poderíamos dizer neste contexto, que o


pensamento é um trabalho. E para chegar a isto é preciso estar “ pré-ocupado”. Não se
trata de explicar o processo mental subjacente ao pensar. Para estes sujeitos a inspiração
dá sentido ao pensar e, quando eles falam disso, é com entusiasmo. Assim, o que, além
da inspiração, permite a emergência do pensamento, é um estado de vigilância que
orienta a atividade em si. É preciso estar preocupado. Antecipa-se o que ainda não é
trabalho, ou seja, reinventa-se o trabalho. É preciso pensar sobre o trabalho para chegar-
se a ele. Neste caso, a subjetividade evoca um sujeito absorto, cuja cabeça rumina o
pensamento sobre o pensamento do trabalho.
Neste sentido, a formação que eles tiveram – “liderança” e comunicação” – se
mostra muito eficaz. Assim nos diz um chefe de UTE:
Nós fizemos uma formação em relações humanas com um psicólogo famoso. Nós
aprendemos a nos relacionar com as pessoas. A gente não sabia nada disso. Nós
começamos a nos dar conta que “a cabeça” dos homens é um mundo! Nós aprendemos a
valorizar o operário, a lhe dar satisfação, a compreendê-los. Nós aprendemos a tentar
saber o que eles sabem.

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Por outro ângulo, os chefes de UTE devem pensar a comunicação e seu
desenvolvimento como um mecanismo de incentivo e motivação. Eles devem, por
exemplo, se perguntarem sobre o que dirão no “café bom dia FIAT”. Para isso, a UTE
dispõe de quadros gigantes, de acordo com o método flag system, ou seja, “a gestão à
vista”. Estes quadros agrupam toda a informação sobre a UTE: dados objetivos sobre a
produção e o orçamento, máquinas em preparação, etc e dados subjetivos, o estado
emocional dos operários.É necessário pensar sobre o pensar dos operários já que se deve
“mudar a cabeça deles”. Para os chefes de UTE o pensar é uma tarefa que dá acesso à
perfeição. Por outro lado, as UTEs são postas em competição com umas com as outras:
as melhores idéias, os melhores parâmetros produtivos, o melhor grupo de CCQ, etc .As
Unidades vencedoras deste tipo de concurso, exibem o cartão de “campeã”. Um outro
exemplo é a ligação entre o pensar e a responsabilidade: “Nós tentamos colocar na
cabeça deles que são eles os responsáveis do que eles fazem”.Estamos aqui num tipo de
injunção paradoxal: de um lado ele é parte do grupo que é solicitado pelo conjunto de
performances produtivas e, de outro, o trabalho da cadeia é um trabalho que solicita o
indivíduo enquanto indivíduo. Além disso, a noção de cliente indica uma
responsabilidade grupal e assim, há uma responsabilidade coletiva pelas falhas. Por outro
lado ainda, a autonomia evocada tachando cada um de ser responsável solicita e implica
um sujeito individual. Ele passa a ser individualmente responsável pelas suas falhas,
como já assinalamos anteriormente.
Examinemos de mais perto esta modalidade de gestão. Esta que nos permite
anunciar as relações entre o sujeito coletivo e o sujeito individual no interior da célula
produtiva.

A clivagem entre o Sujeito individual e o sujeito coletivo: a impossível totalização das


diferenças
A noção de responsabilidade que acabamos de evocar nos permitirá aprofundar
razoavelmente nossa análise através da dicotomia indivíduo/coletivo presente na gestão
das UTE’s.Esta responsabilidade é não somente obrigatória, mas de também caráter
individual. Se o trabalho se sustenta na idéia de coletivo, o erro, pelo contrário é
individual. Os sujeitos se encontram encurralados num universo de contradições: por um
lado, trabalha-se com uma concepção de trabalho coletivo, do outro, a realidade de um
trabalho que continua parcial, taylorizado.De uma parte, a idéia de responsabilidade

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coletiva pelo processo, da outra a responsabilidade individual pelo que é
valorizado.Estas dimensões contraditórias fazem os sujeitos viverem em um estado de
conflito permanente. Por um lado a concepção de gestão é baseada na idéia de sujeito
coletivo, que se ancora eventualmente na noção de família, por outro, é o sujeito
individual que é convocado no ato concreto do trabalho. Eles devem, por exemplo, ser
responsáveis pelos procedimentos de autocorreção produtiva e ainda guardar um bom
moral.
O sujeito coletivo é convocado em todo lugar. Contudo, a realidade é outra.
Fala-se muito da noção de time e de equipe desde o discurso dos gerentes até o chão de
fábrica. Deve-se saber que time ou equipe correspondem ao conjunto da UTE. Como já
dissemos anteriormente, a UTE é composta pelo chefe/líder, o condutor de processo
integrado e automatizado e os tecnólogos (manutenção técnica, produtivo e de
processo) e os operadores de produção. Ora, o que se constata é que o time não leva em
conta os operadores (operários). Existe certamente uma rede de interações entre os
diversos papéis, mas esta acaba no nível dos operadores.Três fatores principais são aqui
determinantes:
− o número relativamente grande de operadores que impede sua participação integral
nas atividades de interação;
− o fato que o processo, não podendo ser interrompido, não lhes permite intervalos
freqüentes para interação;
− a estrutura rígida do processo de trabalho, rígida por natureza, não permite a
flexibilidade necessária para as interações.
A noção de time encontra-se assim extremamente limitada mesmo não aparecendo
desta forma no discurso dos chefes:“O time tecnológico (é assim que nós o chamamos)
se reúne todo o tempo. É um processo contínuo, assim como para as atividades de
avaliação individual”.Toda avaliação passa necessariamente por um chefe que possui e
que tem a ultima palavra. Se o chefe, líder, é mais aberto, ele pode instalar em sua UTE
modalidades de gestão mais abertas. As relações são muito personalizadas, já que desde
sempre muito presentes, na cultura empresarial tanto italiana quanto brasileira. Estas
relações que misturam sujeito trabalhador e sujeito enquanto indivíduo se encontram
sustentadas pela noção de família. Isto é o que nós tentaremos evidenciar.

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Terceirizações e impasses sócio-produtivos: o custo da “Qualidade Competitiva”

As contradições organizacionais acobertadas por um discurso ideológico, que por


mostrar apenas um recorte da realidade é coerente e poderoso, têm um papel
esquizofrenizante no cotidiano dos trabalhadores. Tentaremos fazer uma análise de
algumas das contradições entre o discurso das empresas, representadas nesse trabalho
pela FIAT e o que se percebe no cotidiano dos trabalhadores de nível médio da mesma .
O fio condutor do trabalho é um questionamento do modo como a lógica neoliberal é
tida como natural e seus efeitos nefastos na vida dos trabalhadores tolerados como um
“mal menor” onde a máxima é: “ produzir-se sempre mais, com melhor qualidade, assim
todos saem ganhando” . No entanto, o que se coloca é a difícil gestão da ‘identidade
organizacional’ num quadro de esfacelamento advindo com a onda de terceirizações.
O staff gerencial da FIAT percebe a infindável necessidade de se melhorar o
produto como uma conseqüência natural dos desdobramentos da economia mundial : “a
empresa nunca vai ficar satisfeita com seus indicadores de qualidade, sempre vai exigir
cada vez mais” (...) “se a empresa se acomodar com um nível de qualidade, a
concorrência a suplanta”. Se essa exigência por um nível de qualidade é percebida
como inerente ao modo como o mercado se estrutura, o sentimento de angústia que
resulta disso tende também a ser percebido da mesma forma.
Com a mudança da empresa total (família) para a empresa-rede e a onda de
terceirizações que se seguiram a essa necessidade de mercado, o nível gerencial da Fiat
tem sentido que sua estrutura identitária está de certa forma fragmentada. O aspecto
objetivo dos prejuízos resultantes das terceirizações foi a perda de inúmeros benefícios
materiais , mas , muito mais do que isso, existem as perdas subjetivas: eles sentem como
também tendo perdido um importante motivo pelo qual dedicaram parte de suas vidas,
abalando desta forma, o imaginário “Família Fiat”. Se um dos aspectos mais importantes
que davam um sentido para o trabalho era o fato de trabalharem pela qualidade dos
produtos e serviços da Fiat, com as terceirizações isso foi retirado. Eles não se sentem
mais como parte da ilha de excelência chamada Fiat.
Segundo um gerente do ISVOR, ex-Fiat, é passível de terceirização qualquer
outro serviço da fábrica que não seja montar carros. Este definiu o objetivo das
terceirizações como a redução dos custos de produção , de tudo o que impacta no preço
do produto. Essa afirmação coloca esse gerente, assim como todas as pessoas que não
trabalham na linha de produção como alguém cujo trabalho impacta no preço do

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produto. Esse pensamento pode fazer crer que o produto da FIAT é um carro e
desconsiderar todo o aparato que possibilita que este carro seja colocado no mercado;
aparato este que vai desde o treinamento dos operários até o serviço de atendimento ao
cliente. Todas as pessoas terceirizadas, que trabalham sob a pressão de buscarem esses
níveis inalcansáveis de qualidade e produtividade , sob essa ótica, foram consideradas
como algo que aumentava o preço do carro e não o seu valor.
Vamos neste momento tentar delinear, à guisa de conclusão, a partir das
categorias analíticas sublevadas, considerando a metodologia empregada, o que entende
e se configuraria como o novo perfil profissional do trabalhador Fiat.

A guisa de conclusão: A configuração de um novo perfil profissional na produção


e gestão das “auto-competências”

Os trabalhadores na Fiat, são separados em trabalhadores horistas e mensalistas.


Os trabalhadores horistas se dividem em operadores e trabalhadores especializados e os
mensalistas estão divididos em administradores técnicos, Elos e gerentes, situados numa
estrutura matricial da empresa rede, com responsabilidades por projetos. Os
trabalhadores horistas ganham por hora trabalhada e quando a linha está parada voltam
para casa e não ganham as horas perdidas. Os mensalistas, mesmo que a linha pare, ficam
na fábrica cumprindo o horário e, muitas vezes, desenvolvem outras atividades como
limpeza de máquinas e do local de trabalho. A seleção dos operadores é feita através de
uma carta de indicação de algum trabalhador da empresa, testes de aptidão e entrevista.
Não é exigido nenhum conhecimento técnico desses trabalhadores. As características
comportamentais exigidas nesta seleção são: atenção, rapidez, dedicação, assiduidade,
disponibilidade de aprender.
A seleção dos trabalhadores especializados é feita, num primeiro momento,
internamente e se dá através de indicação por área. Quando não há trabalhadores que
possam ocupar o cargo, é feita uma convocação externa. Neste caso é feita a análise de
currículo, testes de inteligência e aptidão específica. Os aspectos de personalidade são
observados através de entrevistas e são exigidos controle emocional e maturidade
afetiva além de disponibilidade para aprender e dedicação. Os trabalhadores mensalistas
são selecionados através da análise do currículo, da especialização necessária para o
trabalho que vai realizar, de testes e entrevistas.

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Em relação aos horistas, normalmente nos finais de semana, estes vão ao clube da
empresa que é uma extensão da fábrica. A exigência em relação a estes trabalhadores
também é muito alta. Os trabalhadores devem se dedicar ao trabalho, fazer horas extras,
e, além disso, devem mostrar interesse contínuo em estar aprendendo e estudando.
Diferente dos outros empregados, os horistas não levam serviço para casa, já que são
trabalhadores de chão-de-fábrica. Após sair do trabalho, esses trabalhadores “enchem a
cara”, constrõem sua casa ou estudam tentando almejar uma promoção dentro da
empresa. Constatamos que novas ‘demandas’ em termos de um novo perfil no desenho
de um quadro de competências, apontam sobretudo para um tipo disponibilidade física e
mental integral. Senão vejamos:
O perfil do trabalhador exigido hoje pela empresa, independente do cargo que o
trabalhador vai ocupar, deve corresponder ao trabalhador que tenha as seguintes
características: atenção, rapidez, dedicação e disponibilidade para aprender.
Alguns testes de aptidão e de personalidade são feitos no processo de seleção,
mas essas características são avaliadas e checadas na entrevista. Mesmo a rapidez: se a
pessoa responde rápido, é inquieta, é dinâmica, logo “cabe” no perfil demandado.
Entre todas as características, a mais importante é a disponibilidade (nesta idéia
está contida a disponibilidade para aprender e a dedicação total à empresa).
Não se trata de uma disponibilidade qualquer, mas de uma disponibilidade total.
Pode se dizer que é uma “entrega” em relação à atitude do trabalhador frente ao trabalho
e à empresa. Ao mesmo tempo, a empresa não ajuda em nada o trabalhador. O
trabalhador que quer se especializar, “tem que correr atrás”, fazer tudo por conta
própria. A empresa ajuda dando cursos e treinamentos àqueles que são indispensáveis a
ela: uma secretária que precisa falar italiano, empregados que precisam de treinamento
para realizar determinado trabalho e não estão treinados, etc.
Como lembra Carvalho (2001):
É o conjunto socio-psiquico-historiográfico de cada individuo que o faz portar um
“capital humano" diferenciado. Os anos de formação e as aquisições "apreendidas",
assim como a capacidade de cada um de transformar este "capital" adquirido em
competência que se adequa ao trabalho requerido. Trata-se aqui não somente de atributos
cognitivos e fatores de inteligência, mas atributos psíquicos e afetivos: a chamada
inteligência emocional torna-se aqui um exemplo do que se tem definido e praticado nas
novas práticas de recrutamento e seleção de pessoal. É necessário, aqui, reunir
conhecimentos, habilidades e atitudes como uma competência integrada.

De acordo com funcionário da área de recrutamento e seleção, dentro da


empresa, existem aqueles que querem se disponibilizar, os que não querem e os “meio

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termos”. Esta idéia de disponibilidade já está institucionalizada, todos falam disso
informalmente. O próprio diretor da Fiat sempre diz que chegou a ser diretor porque
sempre trabalhou muito e perguntava aos empregados o que eles faziam de meia noite às
seis da manhã. Uma ética do trabalho, baseada no esforço contínuo para se alcançar a
graça da ascensão, no melhor estilo Weberiano. Apesar do entrevistado dizer que não se
fala diretamente das características que determinam o trabalhador ideal, de não haver
nenhuma indicação por parte dos diretores neste sentido para processos de seleção,
segundo o manual de Políticas e Valores, a empresa valoriza o mérito, a dedicação e a
potencialidade como critérios de ascensão profissional. A ascensão profissional é vista
pelos trabalhadores como determinada unicamente pela vontade de crescer, pela busca
constante pela excelência em cursos de qualificação , especialização e o aumento da
experiência no trabalho. Essa busca pelo saber formal é paradoxal no fato de que, o que
realmente determina a ascensão profissional são características percebidas como
inerentes à personalidade. Esse discurso , apesar de ambíguo, encontra consonância na
lógica da empregabilidade atual: é fundamental se qualificar, mas, muito mais do que
isso, é necessário ter as características de personalidade “certas”: disposição,
desenvoltura, ambição, etc.
Um trabalhador credita sua rápida ascensão profissional ao próprio esforço em
completar o 1º e 2º grau e ingressar na Universidade enquanto trabalhava na empresa
(ele foi contratado somente com o 1ª grau) e em fazer diversos cursos que a empresa
ofereceu ao longo desses anos . Este sujeito, orientado por sua historiografia, apresenta
sérias críticas aos trabalhadores que, segundo ele, “não buscam se aperfeiçoar e ficam
em casa à noite assistindo televisão ao invés de estudar” e cita a si mesmo como um
exemplo para muitos de seus companheiros de montagem que continuam trabalhando no
chão-de-fábrica porque não buscaram “correr atrás” dos cursos que a empresa oferece,
não buscaram se qualificar.
Segundo o coordenador de programas de formação e qualificação da empresa, a
demanda por qualidade é vista como um “eterno vir a ser” - “a empresa nunca vai ficar
satisfeita com seus indicadores de qualidade, sempre vai exigir cada vez mais”. Do
contrário, no caso da empresa se acomodar com níveis de qualidade estáticos, a
concorrência a suplanta , a empresa deve estar sempre atenta às oscilações do mercado.
Esse movimento de estar correndo atrás de algo que não se pode alcançar ( a qualidade
total, o nível Zero de erro, e outras grandes “ilusões” construídas pelas organizações

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pode ser extremamente frustrante . Esse “eterno vir a ser” é uma corrida sem ponto de
chegada. Para os gerentes esse desafio inalcansável pode até ser estimulante, mas para o
profissional de chão de fábrica esse eterno “vir a ser” pode dificultar que ele estabeleça
um sentido para seu trabalho. Essa exigência dá suporte à idéia de disponibilidade
incondicional descrita anteriormente que se concretiza cada vez mais nas diferentes
demandas da empresa. As operações pelas quais cada trabalhador é responsável são
definidas por rodízio. O rodízio é necessário para “não ficar muito cansativo, para não
forçar muito mentalmente a pessoa”. Para esse trabalhador o revezamento possibilita
que o interesse pelo trabalho, mais conhecimento e evite o erro, já que, segundo ele, “o
erro ocorre quando a pessoa desenvolve apenas uma operação e pode fazê-la até de
olhos fechados”. O trabalhador deve ser capaz de montar toda a parte interna do motor
que corresponde às atividades desenvolvidas naquela área e deve “Ter alguma coisa em
mente para passar”( no sentido de transmitir) se vier a ser questionado sobre qualquer
etapa de sua atividade. A princípio, a idéia de rotatividade parece sanar a questão da
repetitividade e do conteúdo empobrecido da tarefa. Entretanto, a qualidade é
apresentada posteriormente como motivo para explicar a necessidade do rodízio, já que
com tal conhecimento o trabalhador desenvolve melhor seu trabalho.
A visão de trabalhador ideal é aquele profissional autônomo, que “se abre para o
conhecimento,que modifique, que melhore”. Ao gestor não cabe fornecer mais
informações e sim “fazer com que ele mesmo ( o aluno, o trabalhador) consiga criar
novos caminhos”. Isso é o que tem sido exigido do trabalhador do Séc. XXI, mas esses
novos caminhos a serem criados estão diretamente relacionados a um aumento na
produção muito mais que caminhos que visem uma melhoria na qualidade de vida do
trabalhador. No atual momento onde se coloca como inequívoco o retorno do fator
humano, que se vê redefinido e revitalizado como elemento chave de competência, não
se permite ainda praticas de negociação efetiva por parte dos trabalhadores, revelando
que as relações de trabalho não avançaram no bojo das mudanças da reestruturação
produtiva. O controle e a regulação sobre a gestão do trabalho e do trabalhador, apesar
dos processos modernizantes, não evidenciam -pelo contrário- mudanças concretas e
significativas quanto à autonomia e controle do trabalhador sobre sua própria atividade.
De um lado porque não há rompimento dos padrões produtivos clássicos, mesmo com a
introdução das novas tecnologias de gestão e produção flexível. A questão, sobretudo
nos países em desenvolvimento é justamente fazer coabitar novos métodos de gestão,

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refutados por transformar a organização, à ferramentas eficazes de controle, mesmo que
transvestidas sob a dimensão participativa.
Um dos entrevistados vê a “obrigatoriedade” de se trabalhar aos sábados, a
disponibilidade exigida pela empresa para se mudar de turno sempre que necessária ,
como “condição” da relação capital-trabalho: “A empresa tem que olhar o seu lado
mesmo, né?”. Sob essa ótica, a exploração do trabalho pelo capital deve ser
“desculpada” como inerente à essa relação.
A empresa pode estar sendo percebida por um lado como assistencialista (cesta-
básica, descontos em medicamentos, transporte, etc.). Por outro lado, o preço desse
assistencialismo é a exigência de “características” como pontualidade, interesse,
disponibilidade que asseguram a “permanência no clã” e cria a sensação no trabalhador
que toda a sua vida gravita ao redor da empresa..
Hoje, mesmo tendo todas essas características, qualquer trabalhador é
“demissível/descartável”, o que gera uma procura constante de aperfeiçoamento
profissional por parte do trabalhador em detrimento de sua qualidade de vida. Entrar na
empresa, é como casamento: “quem está fora quer entrar e quem está dentro quer
sair”. (entrevistado do setor de recrutamento e seleção)
Segundo o coordenador dos programas de qualificação e formação o que a
empresa demanda é um trabalhador “sob medida”, um homem que se adeqüe física,
emocional e subjetivamente à empresa. No que podemos concluir, o novo trabalhador
Fiat, se por um lado qualifica-se e é de alguma forma “qualificado” nos novos processos
de formação, por outro lado existe nesta empresa um processo desqualificante, no
sentido do sujeito humano integral, cujos efeitos, merecem ser melhor aprofundados em
outro momento.

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