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TADEU GOULART DE ALMEIDA COSTA

JORNALISMO INVESTIGATIVO: UMA ANÁLISE


DO PROGRAMA PROFISSÃO REPÓRTER

UERJ
2014
JORNALISMO INVESTIGATIVO: UMA ANÁLISE DO
PROGRAMA PROFISSÃO REPÓRTER

Tadeu Goulart de Almeida Costa

Monografia de conclusão de curso de


Comunicação Social, apresentada ao
Departamento de Jornalismo da Faculdade
de Comunicação Social da UERJ.

Orientador: Me. Rafael Orazem Casé


Prof. Adjunto - UERJ

Rio de Janeiro, 1. sem. de 2014


UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
JORNALISMO INVESTIGATIVO: UMA ANÁLISE DO
PROGRAMA PROFISSÃO REPÓRTER

TADEU GOULART DE ALMEIDA COSTA

Monografia submetida ao corpo docente da Faculdade de Comunicação Social da


Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________
RAFAEL ORAZEM CASÉ – ORIENTADOR
Professor Adjunto FCS / UERJ

__________________________________________
FÁBIO MARIO IÓRIO
Professor Adjunto FCS / UERJ

__________________________________________
PATRÍCIA DE MIRANDA IÓRIO
Professora Adjunta FCS / UERJ

Resultado:____________________
Conceito:_____________________
Grau obtido:__________________
Rio de Janeiro,___ / ___ / _______
DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia a minha irmã,


Mariany Bittencourt, por acreditar na minha
capacidade, em meu sonho e ter a certeza de
que, independente do que o futuro guarde para
nós, mesmo com o tempo e a distância,
continuaremos os mesmos roqueirinhos
sonhadores de All Star xadrez de sempre.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que estiveram ao meu lado durante os anos de graduação.

Aos familiares, que me confortaram com palavras de incentivo e carinho em momentos


de dúvida para que jamais desistisse de realizar este sonho. Aos meus pais, Karla e
Marcio, professores por vocação, que me mostraram o quão longe podemos ir quando
mantemos nossos pés no chão e investimos em nossa educação.

Agradeço a minha irmã, Mariany Bittencourt, que mesmo longe fisicamente é uma das
presenças mais marcantes na minha vida, cedendo sempre mais do que pode por mim.

Aos mestres, que por toda minha vida acreditaram em meu potencial e se dispuseram
para me auxiliar. Principalmente, ao meu orientador Rafael Casé, que com sua
experiência e paciência me guiou da melhor forma para a realização deste trabalho.

Agradeço especialmente aos amigos que tive a sorte de conhecer dentro da UERJ e me
guiaram com sabedoria e afeto nessa jornada: Fabíola Duarte, Thayz Guimarães,
Fernando Borges, Lina Soares, entre muitos outros. Agradeço também aos que conheci
nesse período e foram essenciais para a minha formação: Diego Schueng, Lucas Veloso,
Cassio Matos, Filipe Brandão e Marvin Duarte.

Aos colegas do universo da comunicação, que me abriram as portas, ensinaram o ofício


e ofereceram oportunidades para dar meus passos iniciais como jornalista: Paulo
Newton Tiengo Demoraes, Maria Ester Rabello, Karla Freire, Claudia Conteville,
Eduardo Nunes, Leandro Elias e Ronaldo Santiago.
RESUMO

Este trabalho busca analisar o programa jornalístico da TV Globo, Profissão Repórter.


Dentro da perspectiva do jornalismo investigativo, tem como objetivo principal dissecar
o que é um programa de reportagem aprofundada e apontar características da atração
que confirmam sua inserção dentro de parâmetros básicos do formato. Nele, serão
apresentadas as definições do termo, um panorama teórico e metodológico que guia
programas televisivos brasileiros de jornalismo investigativo. E também será estudado o
Profissão Repórter para entender como ele contribui na construção de um jornalismo
transparente e de valor para a sociedade.

Palavras-chave: Jornalismo, Investigativo, Profissão Repórter, TV Globo

ABSTRACT

This paper aims to analyze the journalistic program Profissão Reporter, from TV
Globo. Inside the perspective of investigative journalism, it has as its main objective
dissect what is a deep report program and point out characteristics of the attraction that
confirm its insertion inside the basic parameters of the format. In it, the term definitions
will be presented, a theoretical and methodological panorama that guides brazilian TV
shows of investigative journalism. And also will be study the Profissão Reporter to
understand how it contributes in the construction of a valuable and transparent news
reporting to society.

KeyWords: Journalism, Investigative, Profissão Reporter, TV Globo.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8

1 ABORDAGEM TEÓRICA SOBRE JORNALISMO INVESTIGATIVO ....... 11


1.1 Critérios de noticiabilidade e ética profissional
1.2 Especificidades da televisão e o seu poder representativo
1.3 Experiências iniciais
2 PROGRAMAS INVESTIGATIVOS DE DESTAQUE NO BRASIL .............. 23
2.1 O Documento Especial e a “televisão verdade”
2.2 Aqui Agora e o papel do jornalista policial
2.3 Globo Repórter: documentarismo e grande reportagem
2.4 Fantástico: infoentretenimento e as denúncias dominicais
2.5 Conexão Repórter e a busca pela verdade
3 PROFISSÃO REPÓRTER: OS BASTIDORES DA NOTÍCIA NA
INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA................................................................. 45
3.1 Caco Barcellos: uma aula de jornalismo investigativo
3.2 Os jovens focas e as provações
3.3 Análise do conteúdo do programa
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 58
ANEXO ............................................................................................................. 61
8

INTRODUÇÃO

Tarefa rotineira dos profissionais do jornalismo, a apuração transformou-se em


uma atividade mais simples com o desenvolvimento de novas tecnologias
comunicacionais. Silenciosas, as redações abraçaram um novo modo de fazer notícia, a
partir de notas curtas, atualizadas constantemente pelos veículos na internet, e do
aproveitamento dos press-releases. Esta é uma ferramenta muito usada por assessorias
de imprensa de órgãos públicos e empresas privadas, que consiste em enviar
informações de divulgação, previamente apuradas por terceiros, a jornalistas de
emissoras de TV, rádios, impresso ou quaisquer veículos que possam divulgar o
assessorado. Contudo, uma área de especialização intelectual e atuação do repórter em
campo tem resistido como símbolo de status e sucesso de um nicho mais voltado para a
função social do jornalismo.

A prática do jornalismo de investigação avançou com o passar da história e, com


isso, permitiu que diversos repórteres e seus veículos de comunicação colhessem frutos
de um esforço incansável para trazer ao público fatos que vão além do superficial na
pauta das notícias diárias. A televisão, como símbolo de exploração intensa da vida
cotidiana, experimentou em alguns momentos a ousadia de lançar mão do jornalismo
investigativo em programas especializados. Dentro dessa linha, o Profissão Repórter da
TV Globo, é uma aposta recente para trazer aos espectadores mais do que a simples
exibição de informações compiladas dos telejornais.

O programa, que nasceu como um quadro dentro da revista eletrônica Fantástico


e ali permaneceu por dois anos aos domingos, tornou-se, em junho de 2008, uma
produção consolidada na emissora, considerando o fato de ainda se manter no ar depois
de todos esses anos como líder de audiência do segmento. Os assuntos são mostrados de
forma multiangular: os temas podem ser trabalhados através de diferentes pontos de
vista em consonância com a ação da reportagem e suas descobertas, exibindo
simultaneamente ao público o trabalho jornalistas recém-formados em ação. Isto
confere à atração uma ousadia extrema e questionamentos a respeito do que é este
9

jornalismo feito pelo programa comandado pelo veterano Caco Barcellos, o que
despertou o interesse por esta pesquisa.

A metodologia deste trabalho será baseada na dissertação-argumentativa, com


base na interpretação, comparação e compreensão do conteúdo apresentado. Será
analisado o material bibliográfico teórico-conceitual a respeito de Jornalismo
Investigativo, Teoria do Jornalismo, Teoria da Comunicação e os conteúdos de texto e
audiovisual disponibilizados na rede mundial de computadores, além de entrevistas com
experientes profissionais da área.

Para embasar esta pesquisa, são usados como fundamento teórico principal os
livros “Jornalismo Investigativo”, de Leandro Fortes e, em especial, “Jornalismo
Investigativo: o fato por trás da notícia” da pesquisadora Cleofe Monteiro de Sequeira.
Pretende-se com isso compreender a postura da série diante do campo de ação do
jornalista investigativo, diferenciar e analisar outras estratégias de reportagem
aprofundada, tais como: o livro-reportagem, o jornalismo interpretativo e o jornalismo
policial; e como estes modelos podem inserir-se uns nos outros para gerar material de
impacto na sociedade perante preceitos básicos de ética.

A escolha por esta pesquisa está baseada, principalmente, em minha curiosidade


pela área, despertada por acompanhar com paixão ao longo dos anos de formação
profissional trabalhos excepcionais de jornalismo investigativo na televisão, como o de
Tim Lopes, repórter da TV Globo morto em junho de 2002 por traficantes do Complexo
do Alemão no Rio de Janeiro, na busca por revelar mais uma história de abuso de poder
do crime nas grandes cidades. E também por poder acompanhar através do acervo da
antiga TV Manchete episódios do Documento Especial, programa que se autointitulava
como “televisão verdade” por exibir temas ignorados pelas câmeras.

Além de, é claro, perceber que o baixo custo de se realizar uma reportagem
dessas para um veículo impresso comparado ao audiovisual é gritante, já que para
televisão é necessário investir em equipamentos de alta tecnologia além de equipe de
câmera, áudio, produção e reportagem, o que justificaria um menor número de
reportagens desse nível em televisão. No entanto, percebe-se também que apesar de
demandar maior despesa para as emissoras, o valor do espaço comercial no horário
10

destes programas é bem mais alto se formos comparar com outros produtos exibidos no
mesmo horário, possibilitando, de certa forma, financiar mais trabalhos investigativos
para televisão.

Desse modo, este trabalho será dividido em três capítulos: “História e preceitos
do jornalismo investigativo”, com o objetivo de esmiuçar as definições do termo, a
história da imprensa investigativa, quais critérios noticiosos e éticos balizam a ação do
repórter investigativo e as primeiras experiências no campo da grande reportagem;
“Programas investigativos de destaque no Brasil”, que é uma análise de diversas
atrações especializadas que foram ao ar em nosso país; “Profissão Repórter: os
bastidores da notícia na investigação jornalística”, que visa entender o programa e o
método de trabalho da equipe de Caco Barcellos e como o jornalismo investigativo tem
se transformado a partir do que foi visto.

Este trabalho vai buscar entender como o jornalismo investigativo atua, seus
objetivos e história, para, então, mapear, analisar e compreender os métodos de
construção de enredos no formato executado pelo programa da TV Globo e como ele
contribui para o engrandecimento do jornalismo investigativo no Brasil. Tomo como
premissa que a multiplicidade de olhares, abordagem definida para o programa, é
determinante na execução deste projeto para TV e define que tipo de jornalismo ele
pretende ser.

O objetivo é contribuir para ampliar o entendimento do que é o jornalismo


investigativo no audiovisual, seus limites e impasses; refletir sobre questões éticas que
se relacionam com o método empregado pelo Profissão Repórter, avanços e desafios
para pautar os episódios, compreender o que o programa foi, o que se tornou e o que
trouxe de novo para o conceito e formato.
11

1 ABORDAGEM TEÓRICA SOBRE JORNALISMO INVESTIGATIVO

O termo “jornalismo investigativo” sintetiza mais do que a apuração da pauta


diária em si. Trata-se do desenvolvimento de “reportagens que abordem de maneira
extensiva um determinado assunto” 1 decorrente de um olhar especial à luz de versões
ainda não reveladas. Dessa forma, é preciso desprender-se da simplista definição,
embora verdadeira, de que todo jornalismo é investigativo por si só, pois isso não é uma
verdade absoluta. Muitos “furos” podem ser mostrados ao público como escândalos
momentâneos e não estarem nem próximos de serem considerados como tal por não
seguirem o princípio básico de ouvir dois ou mais lados sobre determinado fato. Ou até
mesmo por não possuírem a profundidade e tempo de investigação necessários para
serem chamados de uma “reportagem especial”, expressão usada por alguns veículos
como a Folha de São Paulo. Sobre o “denuncismo”, termo que se refere a uma
deformação do jornalismo investigativo pela predominância do sensacional e a total
ausência de isenção, Dines explica que

O jornalismo investigativo não é apenas jornalismo de sensações ou escândalo.


Relaciona-se como o jornalismo interpretativo ou analítico, pois, ao inquirir
sobre as causas e origens dos fatos, busca também a ligação entre elas e oferece
a explicação de sua ocorrência. (1974, p. 110)

O jornalismo de denúncia ou jornalismo declaratório nada se relaciona com o


investigativo, uma vez que "vazamentos de dados, documentos ou imagens são recursos
para-jornalísticos que passam a ter valor quando devidamente contextualizados e
verificados"2. A cobertura apressada dos fatos para causar sensação em torno de um
acontecimento não os torna relevantes ao interesse público e é um problema sério que
descredibiliza o repórter e a empresa para a qual ele atua.

Um exemplo que ilustra essa afirmação é um caso que ganhou muito destaque na
imprensa no ano de 1994, o da Escola de Educação Infantil Base. No dia 28 de abril,
duas mães acusaram os proprietários Icushiro Shimada e sua esposa Aparecida Shimada

1
O endereço eletrônico da definição é: http://www.abraji.org.br/?id=78
2
DINES, Alberto. Uma incursão no denuncismo comparado.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/uma_incursao_no_denuncismo_comparado.
Acessado pela última vez em 25 de maio de 2014.
12

e os sócios Paula Alvarenga e Maurício Alvarenga, que administravam a instituição


localizada na região de Aclimação em São Paulo, de abusarem sexualmente de seus
filhos com idades, na época, de 4 a 5 anos, durante o período em que estudaram na
escola. Segundo as mães, foram promovidas orgias e sessões de fotos com as crianças
nuas, tendo sido exibido também material pornográfico durante o ato.

Da imprensa, apenas o jornal Diário Popular estava presente no local, mas este
decidiu não publicar nada no dia e nem nos três meses seguintes de inquérito policial
devido às declarações em juízo das crianças, que provaram-se contraditórias durante a
investigação da polícia. Porém, Cléa Patente, mãe de uma das crianças, na delegacia,
ligou para a TV Globo passando os detalhes do ocorrido e, com a história nas mãos, o
Jornal Nacional transmitiu a informação da mãe para todo o Brasil, com repercussão em
outros veículos no dia seguinte.

Mesmo após sair o laudo do Instituto Médico Legal (IML) atestando


inconclusividade no exame de corpo de delito nas crianças, ainda assim, a imprensa
continuou a oferecer ao público diversas manchetes tendenciosas como "Kombi era
motel na escolinha do sexo"3e "Uma escola dos horrores"4.

Meses depois de muito assédio dos repórteres aos acusados, famílias,


funcionários da escola, pais de alunos, e diante da falta de provas, o Ministério Público
interferiu no caso da Escola Base e afastou o delegado Edélcio Lemos, entrando em seu
lugar Gersom de Carvalho, que arquivou o processo por falta de provas em 22 de junho
de 1994. Gersom declarou a imprensa no final do inquérito “(...) Eu não ousaria dizer
que não houve um crime, mas se houve este crime aconteceu em outro local e tendo
outros protagonistas...”5

Como resultado, a vida social dos acusados foi esmagada pelo descrédito.
Ocorreram ameaças de morte pelo telefone, saques e depredação à escola. Diante disso,
Paula e Maurício moveram uma ação no ano de 1995 contra a Fazenda Pública e,
posteriormente, contra a Rede Globo, SBT, Folha de São Paulo, Revista Veja, Record,

3
Publicado no jornal Notícias Populares em 31 de março de 1994.
4
Publicado na revista Veja em 6 de abril de 1994.
5
Entrevista concedida a TV Cultura em 22 de junho de 1994. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ba7WOYfPbm0. Acessado pela última vez em 26 de maio de 2014.
13

Rede Bandeirantes e Revista Istoé, gerando indenizações em dinheiro no valor de até


R$450 mil. Muitas não foram pagas até hoje.

Pode-se perceber que a apuração equivocada é um problema grave no


jornalismo, combatido pelo código de ética em seu 7º artigo, que afirma que “O
compromisso fundamental do Jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se
pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”.

Depois disso, o caso da escola Base tornou-se emblemático como exemplo do


jornalismo de denúncia, em que “a manifestação de ideias e opiniões por meio da mídia,
em casos de delação tem como função constituir espetáculos massificados, obter altos
índices de audiência, e inibir a reflexão e a analise de um acontecimento social com
discernimento e prudência”. (SILVA, 2009, p. 138)

1.1 Critérios de noticiabilidade e ética profissional

Para entender como atua o repórter investigativo e o desenvolvimento de seu


trabalho, deve-se definir o referencial teórico empreendido para esta pesquisa. Dentro
do amplo campo de estudos na Comunicação Social sobre as Teorias do Jornalismo, a
compreensão de notícia como “construção narrativa da realidade social” (TRAQUINA,
2005, p. 168), é a mais adequada para dissecar o jornalismo investigativo como campo
de atuação profissional. Isto porque, caso contrário, deveríamos nos basear na
perspectiva ultrapassada de teorias que apontam as notícias como “espelhos da
realidade”, amplamente rejeitadas pelos estudos de parcialidade das notícias. Nos anos
1970, emergiu um paradigma teórico que rejeita esta visão: os construcionistas, que
acreditam através da Teoria do Newsmaking de que todo noticiário seleciona os fatos
importantes de forma não-subjetiva em critérios previamente claros do que é uma
notícia importante e publicável. Estabeleceram-se, então, os critérios de noticiabilidade,
que são

“Um conjunto de regras práticas que abrange um corpus de conhecimento


profissional que, implícita e explicitamente, justifica os procedimentos
operacionais e editoriais dos órgãos de comunicação em sua transformação dos
acontecimentos em narrativas jornalísticas.” (HOHLFELDT, 2008, p. 209)
14

Sendo estes critérios definidores do que é quantitativa e qualitativamente


interessante para ser publicado, a aplicação se dará por meio dos valores-notícia, que
são “a resposta para a questão central da prática jornalística: quais os acontecimentos
considerados suficientemente interessantes e relevantes para serem transformados em
notícia?” (AGUIAR, 2006, p. 78). Entre muitos deles, Mauro Wolf (1995, p. 180)
enumera quatro critérios dentro do campo da importância, que são:

I- O grau e o nível hierárquico dos envolvidos no acontecimento noticiável;

II- O impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional;

III- Quantidade de pessoas que o acontecimento (de fato ou potencialmente)


envolve;

IV- Relevância e significatividade do acontecimento quanto à evolução futura de


uma determinada situação.

Os valores-notícia são importantes para percebermos que a seleção do que será


pautado em uma reportagem investigativa não é uma escolha aleatória, contudo estes
parâmetros são flexíveis diante de uma realidade social multifacetada. Ainda mais para
o jornalista investigativo. Cleofe Monteiro de Sequeira, analisando os estudos de Mauro
Wolf (2005, p.38) sobre os processos produtivos na comunicação de massa,

[...] reportagens investigativas estão na contramão do fluxo da informação, quer


pela apuração entre as fontes utilizadas (já que nessa categoria as fontes estáveis
são descartadas), quer pelo tempo que o repórter necessita para concluir seu
trabalho (que não se enquadra nos processos de fechamento diário dos jornais),
quer pelo tamanho das reportagens investigativas, geralmente extensas, pois
necessitam, também, de espaço para a publicação de documentos, provas e
declarações, que dão credibilidade às denúncias.

Por isso, o trabalho de todo repórter investigativo tem como pano de fundo o
contexto político de uma sociedade democrática e segue o princípio de responsabilidade
mútua, revitalizando o espaço público (AGUIAR, 2006, p. 75). Uma de suas intenções é
contribuir para o desenvolvimento dessa sociedade democrática e o fortalecimento do
sentimento de cidadania. A ação da reportagem investigativa em campo traz como
discussão questionamentos a respeito da ética profissional. A partir de então, somos
forçados a elaborar mais perguntas do que respostas, que são importantes reflexões
15

direcionadas para compreender a legitimidade de reportagens ditas "investigativas”.


Isto, porque, a construção dos critérios de noticiabilidade está inserida na discussão
sobre ética e responsabilidade social (Ibid, p. 75). Segundo Waisbord e Marchetti (Apud
Aguiar, 2006, p. 75),

A problemática ética central, nesse caso, é examinar se o assunto investigado é


de legítimo interesse público. Outros questionamentos éticos também devem
estar presentes: a sociedade vai se beneficiar com o resultado das reportagens
investigativas? Qual deve ser o comportamento do repórter investigativo, já que
muitas vezes seu trabalho está situado na fronteira entre o direito à privacidade
e o direito de informação da sociedade? Quais são os interesses afetados com a
divulgação da reportagem investigativa?

1.2 Especificidades da televisão e o seu poder representativo

Lançando um olhar atento à história da Humanidade, percebemos que desde os


tempos mais remotos, o homem sente necessidade de criar símbolos representativos
para descrever, interpretar e interagir com a realidade que o cerca. Na pré-história,
nossos ancestrais desenvolveram um modo de registrar o tempo e seus acontecimentos:
a pintura rupestre. O desenvolvimento da escrita e outras tecnologias nos
impulsionaram para diferentes invenções que fazem parte de um mundo mais prático
nos qual vivemos hoje.

Seja oral, escrita ou hipertextual, a comunicação humana é baseada em


mensagens que visam decodificar a realidade que nos cerca através do registro.
Estudiosos das Teorias da Comunicação ligados ao Interacionismo Simbólico
determinaram no século XX as bases filosóficas para entender porque os meios de
comunicação e outras tecnologias podem ser vistos como uma lupa em busca do
significado das coisas. Assim, George Mead e Hebert Blumer criaram na Escola de
Chicago as bases da teoria que disserta sobre "como ocorrem as interações humanas
mediadas por símbolos, sua inserção no processo de formação das identidades
individuais, seu reflexo na sociedade e o impacto na realidade social vigente" (VIEIRA
& PENTEADO, 2008, p. 2). Pensando no texto A natureza do interacionismo
simbólico, Blumer (Apud VIEIRA & PENTEDO, 2008, p. 8) apresenta as premissas
básicas sobre como o homem interpreta e significa o mundo. São elas:
16

1. Os seres humanos agem em relação às coisas, tomando por base o


significado que as coisas têm para eles;

2. O significado destas coisas pode surgir através da interação que o


indivíduo tem com seus semelhantes;

3. Esses significados são manipulados e modificados através de um


processo interpretativo, usado pela pessoa para lidar com as coisas que ela encontra.

A formação de significados humanos depende das diferentes organizações


sociais que cercam o indivíduo e o uso que ele faz destas interpretações. Percebendo
isso, o sociólogo canadense Marshall McLuhan observou a tecnologia comunicacional
como produto da nossa cultura e também instrumento de transformação social. Autor da
frase célebre "o meio é a mensagem" (1967), foi ele quem desenvolveu pesquisas a
respeito dos efeitos provocados pela comunicação mediada sobre os indivíduos. Com o
avanço das tecnologias comunicacionais, McLuhan notou que independente da forma
pela qual se apreende uma mensagem (livro, rádio, cinema, televisão, etc), ela sempre
estará sujeita a ação humana e diferentes meios oferecem diferentes modus operantis de
manipulação da mensagem. Assim, o McLuhan (Apud VIEIRA & PENTEADO, 2008,
p. 9) crê que

a tecnologia do alfabeto e da impressão fomentou e encorajou um processo de


fragmentação, um processo de especialização e desvinculação. A tecnologia
eletrônica fomenta e encoraja a unificação e o envolvimento. É impossível
entender as mudanças sociais e culturais sem um conhecimento de como
operam os meios.

O desenvolvimento de diversas técnicas de simbolismo, como a escrita, a pintura


e a fotografia permitiram que essa característica humana se adaptasse a novos
momentos. É impossível pensar no desenvolvimento da imprensa e não argumentar
sobre a importância da eletricidade para a sua consolidação. A partir dela, foi inventado
em 1844 o telégrafo, numa época em que a velocidade da informação viajava a pé. O
invento de Samuel Morse permitiu que mensagens codificadas chegassem a outros
pontos dos planetas, através dos mares. Anos após, em fins do século XIX, as ondas
radiofônicas e a consequente criação do telefone entrou para a leva dos experimentos
que mudaram o jeito como as pessoas se comunicavam. O italiano Guglielmo Marconi
17

ficou conhecido por criar o primeiro aparelho voltado para transmitir a voz humana
através de ondas eletromagnéticas, o rádio. Este formidável invento tomou conta dos
lares de grande parte do mundo, aproximando as pessoas e proporcionando maior
velocidade no recebimento de notícias.

Contudo, o surgimento das primeiras imagens em movimento causou espanto e


desconfiança dos espectadores, inaugurando uma era de olhos atentos às telas e
permitindo o desenvolvimento de novos modos de apreender a realidade. O rádio trouxe
grandes mudanças no contexto sócio-político do mundo, com a transmissão mais veloz
de notícias sobre a Primeira Guerra, a popularização do radioteatro e da radionovela e a
consolidação da voz do locutor como símbolo retórico do século passado. Porém, o
incremento da imagem em movimento aliada ao som viria redefinir o apelo pela
proximidade com o público e melhorar a retratação dos acontecimentos. Nesse
processo, surge a televisão, que apesar de ter sido gestacionada por cientistas do século
XIX, teve toda sua evolução no século XX, tornando-se um veículo de massa após os
anos 1950. Para a pesquisadora Vera Íris Paternostro (2006, p. 20),

Muito popular, já que abrange todo o arco da sociedade, a televisão é um meio


de comunicação que transforma a vida das pessoas: muda conceitos, forma
opiniões, cria hábitos, inspira comportamentos, reduz distâncias, aproxima. É
um veículo de informação e entretenimento

Ainda de forma receosa, esse meio demorou a ter grande aceitação e criação de
um público fiel e massivo. Porém, com o tempo, telenovelas, programas de auditório e
telejornais tornaram-se audiência certa para emissoras que cresciam cada vez, a
exemplo da TV Tupi, no Brasil. McLuhan desenvolveu uma tese que sintetizava o efeito
dos meios de comunicação massivos na vida em sociedade. Para ele, "a tecnologia
reduziria o planeta de tal forma que ele se transformaria em uma pequena aldeia, na qual
todos teriam conhecimento de tudo que nela acontecesse" (PATERNOSTRO apud
MCLUHAN, 2006, p. 21). A profética definição não englobava o contexto dos dias
atuais, em que a internet está ao alcance das mãos de qualquer pessoa, mas retrata bem a
sensação de estar cercado por meios de comunicação a todo o momento e sentir-se parte
de um grupo social que compartilha e multiplica valores.

Com a popularização da televisão nas décadas seguintes, o mundo viu-se


impulsionado para dentro de uma arena de espetacularização da vida social. A ideia de
18

espetáculo não é recente e atinge não somente o modo de produção das notícias como
também a economia e a política. Na Grécia Antiga, por exemplo, houve a efervescência
da poesia, da dramaturgia e da retórica. Assim como atraíam espectadores, os Jogos
Olímpicos e os gladiadores de Roma. Porém, o conceito formal de "sociedade do
espetáculo" só foi ser desenvolvido no ano de 1967 pelo teórico francês Guy Debord.
Debord descreve o espetáculo como "uma grande diversidade de fenômenos aparentes
[...] de uma sociedade de mídia e de consumo, organizada em função da produção e
consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais" (KELLNER apud DEBORD,
2004, p. 5).

Este conceito desenvolve a ideia de que o espetáculo tornou-se parte da


sociedade contemporânea e a cultura midiática o reforça ao retratar e dramatizar o
comportamento dos indivíduos, suas controvérsias e lutas, oferecendo modelos prontos
para a solução de conflitos. Exemplos disso seriam os escândalos sociais e políticos,
reality shows, tudo sempre bem amarrado à publicidade. Com o desenvolvimento de
diferentes formas de mediação, o “fazer ver” do espetáculo tornou-se uma constante e

Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens se


transformam em seres reais e motivações eficientes de um comportamento
hipnótico [...] O mundo que já não se pode tocar diretamente, serve-se da visão
como sentido privilegiado da pessoa humana - o que em outras épocas fora o
tato. (DEBORD, 2003, p. 18)

Ainda que um tanto generalista, a ideia de espetáculo é aceita por diferentes


autores ao se pensar na influência da televisão como mediadora de informação de
interesse público. A objetividade é considerada valor singular para o jornalismo há
anos, porém a junção de informação e entretenimento tem sido justificada por dar mais
paupabilidade à notícia. O chamado "infoentretenimento" apenas cresce, na ideia de que
os telejornais e programas especializados devem tratar o espectador com proximidade,
oferecendo informação aliada a recursos gráficos ou de demonstração adicional para a
compreensão do que está sendo falado.

Alguns teóricos justificam que há uma necessidade de nos alfabetizarmos para a


imagem cada vez mais, já que esta faz parte de uma linguagem específica que
acompanha o homem há séculos e que ganhou muito mais força com o incremento do
cinema, da televisão e da internet. Para Martine Joly, pesquisadora na área da
19

comunicação visual, analisar imagens é também uma tarefa de função pedagógica, pois
desmistifica contextos inventados e abre um leque de possibilidades a respeito de como
e porquê uma mensagem visual é mediada de tal maneira. Assim,

Interpretar uma mensagem, analisá-la, não consiste certamente em tentar


encontrar ao máximo uma mensagem preexistente, mas em compreender o que
essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca de significações aqui e agora, ao
mesmo tempo em que se tenta separar o que é pessoal do que é coletivo (2007,
p. 44)

Ela sugere que para isso, nós devemos aprender a "desmontar" a imagem a ser
analisada e ver como funcionam seus mecanismos dentro do contexto inserido. É
preciso percebê-la como uma linguagem específica e heterogênea, portadora de signos
particulares e detentora de ferramentas perceptíveis à visão humana. A televisão carrega
diferentes formas de transmissão de uma mensagem, que vão além da palavra falada na
voz do locutor em off. A escolha de imagens, enquadramentos, planos e edição fazem
parte dessa gama que compõe a mensagem final a ser estudada. No caso desta pesquisa,
a análise de um programa é "a busca ou verificação das causas do bom ou do mau
funcionamento de uma mensagem visual." (Ibid., p.47). Para isso,

Devemos dizer que as representações da mídia são mais do que discursos. Elas
são um amálgama complexo de texto escrito ou falado, imagens visuais e várias
técnicas para modular e sequenciar a fala, as fotografias e a localização de
ambas. [...] A dimensão visual implica técnicas de manejo de câmera e direção,
que são apenas secundariamente texto. Elas produzem sentidos, certamente,
mas esses sentidos são gerados por técnicas de especialistas (BAUER &
GASKELL, 2011, p. 345)

Por isso, torna-se impossível em uma pesquisa descrever todos os elementos


intrínsecos a um programa de televisão, mas esta deve ser baseada em uma escolha. E
essa escolha pode ser baseada na temática ou periodização do objeto de estudo a ser
estudado.

1.3 Experiências iniciais

As primeiras matérias que podem ser consideradas trabalhos de jornalismo


investigativo, segundo Sequeira (2005, p. 11), surgiram após a segunda Guerra
Mundial, nos Estados Unidos, em 1955. Com a Guerra do Vietnã, os jornalistas
20

estadunidenses passaram a analisar criticamente a situação política local em revistas


como a Life e a Look.

Contudo, muitos autores concordam que o jornalismo investigativo relaciona-se


também ao literário, dentro de uma corrente que quebrou paradigmas quando se
acreditava que as notícias só poderiam ser feitas de forma pasteurizada e objetiva.

Entre as décadas de 1960 e 1970, um grupo seleto de autores surgiu para contar
histórias de caráter jornalístico com uma roupagem literária, na busca de fornecer uma
visão ampla do mundo que os cercava e romper a estratégia narrativa do lead – as cinco
perguntas básicas para a composição de uma notícia (o quê-quando-como-onde-por
quê?).

O modelo foi implantado, inicialmente, nos Estados Unidos, no começo do


século XX. Tom Wolfe, Gay Talese, Truman Capote, Hunter Thompson, entre muitos
outros, consagraram-se como autores da geração do New Journalism. Eles
preconizavam uma fuga da tentativa de “cientificidade do jornalismo” escutando fontes
diversas além das “oficiais”, não permanecendo aprisionados a cumprir o deadline, que
força o repórter a fornecer o texto final o mais próximo possível ao ocorrido do fato, e
mantendo o princípio básico da boa apuração. "A ideia básica do Novo Jornalismo
americano [...] é evitar o aborrecido tom bege pálido dos relatórios que caracteriza a tal
'imprensa objetiva' " (WOLF, 2005, apud PENA, 2006, p. 54).

Vieram, então, os livros-reportagem, chamados por Capote como “romances de


não-ficção”. Estes jornalistas tinham liberdade criativa, mas precisavam relatar os fatos
com foco no real, de forma aprofundada e verossímil. Truman Capote, por exemplo,
escreveu A Sangue Frio, o relato a respeito do assassinato de uma família da área rural
do Kansas, em 1959. No local, ele entrevistou parentes das vítimas e dos assassinos,
coletou documentos e cartas e, inclusive, presenciou o enforcamento dos culpados. O
romance ficou consagrado como a primeira obra e marco inicial do New Journalism.

Já no meio televisivo, em 1968, um dos primeiros programas a dar ao público


uma visão ampliada dos fatos traduzidos como notícias foi o Sixty Minutes, da rede
norte-americana CBS (Columbia Broadcasting System). Criado por Don Hewitt, a
21

atração permanece no ar pouco mudou em sua estrutura temática e de abordagem, é


elogiado pela crítica como um programa que tem por tradição apresentar denúncias de
irregularidades e desmentir versões ditas “oficiais”. Um dos exemplos dessa ousadia foi
apresentar ao mundo a fotos da tortura praticada por militares americanos em campos de
concentração iraquianos. O Sixty Minutes também já teve um programa especial sobre o
Brasil, evidenciando nosso potencial como indústria e revelando características de nosso
povo. Para compor este trabalho, foram ouvidos cidadãos, jornalistas, o empresário Eike
Baptista e, inclusive, o ex-presidente Lula. Sobre o programa, Antonio Brasil (2014)
acredita que

O 60 Minutes desafia e contraria as tendências consideradas ‘inevitáveis’ do


mercado. Em tempos de um jornalismo ‘embutido’ que confunde autocensura
com patriotismo, os velhinhos da CBS ainda conseguem surpreender o público
e a crítica. Eles enfrentam as pressões do todo-poderoso governo americano e
ainda conseguem bater os concorrentes com furos de reportagem.6

Contudo, muitos especialistas consideram que o caso Watergate pode ser


compreendido como o grande modelo de jornalismo investigativo da história da
imprensa. Em junho de 1972, o diário The Washington Post publicou uma reportagem
com as assinaturas dos jornalistas Carl Bernstein e Bob Woodward a respeito da prisão
de cinco homens que tentaram instalar aparelhos de espionagem no comitê do Partido
Democrata. Após meses de uma apuração minuciosa, ambos os repórteres ligaram a
Casa Branca e o comitê para reeleição do presidente Richard Nixon ao caso. Com a
imagem arranhada, em agosto de 1974, Nixon renunciou. Carl e Bob ficaram
conhecidos por redefinirem o fazer do repórter em todo o mundo e inspiraram milhares
de outros profissionais a seguirem na profissão com paixão e determinação para
desvendar verdades pouco convenientes à sociedade.

Neste período, os brasileiros viviam os duros anos da ditadura militar (1964-


1985) e a imprensa encontrava-se sob censura prévia nas redações e emissoras. A
abertura política inicia-se com a posse do general Ernesto Geisel, em 1974. No ano de
1976, o jornal O Estado de São Paulo publica uma série de reportagens intitulada
"Assim vivem os nossos superfuncionários". Os profissionais da equipe do jornalista

6
BRASIL, Antonio. 60 Minutes
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/antonio_brasil__25863. Acesso pela última vez
em 28 de maio de 2014.
22

Ricardo Kotscho denunciaram a boa vida de membros do alto escalão do governo em


Brasília. E isso incomodou muita gente.

Porém, o boom das reportagens investigativas chega após a redemocratização do


país, com o fim do militarismo no poder. Como esclarece Fortes (2012, p. 10),

Foi na Era Collor, no entanto, que os métodos de investigação tornaram-se


organizados dentro das redações. Os sucessivos escândalos ocorridos entre 1990
e 1992, durante a gestão do presidente Fernando Collor de Mello, resultaram em
uma febre investigatória francamente disseminada na imprensa nacional. Pode-
se dizer que o impeachment de Collor é o marco zero do jornalismo
investigativo no Brasil.
23

2 PROGRAMAS INVESTIGATIVOS DE DESTAQUE NO BRASIL

Muitos programas televisivos no Brasil se dedicaram à cobertura noticiosa por


meio de um olhar especial, mais aprofundado da realidade, com base na pesquisa
extensiva e na imersão dentro dos acontecimentos. Alguns direcionam-se para o
caminho do documentário, do jornalismo de bancada ou surgem por conta de modelos
que já vinham se definindo ao longo da história da televisão. No capítulo a seguir,
vamos analisar alguns desses programas, o que propiciou seu desenvolvimento, e como
eles se relacionam com o jornalismo investigativo e sua importância para o
engrandecimento deste conceito.

2.1 O Documento Especial e a “televisão verdade”

No começo dos anos 1980, com a crise nos Diários Associados, pertencentes ao
empresário Assis Chateaubriand, e a consequente falência da TV Tupi perante uma série
de dívidas trabalhistas, a concessão foi transferida pelo governo militar ao gráfico
Adolpho Bloch, que lançou após três anos de planejamento e montagem, a Rede
Manchete de Televisão. Conhecida por slogans famosos entoados na voz do locutor
Eloy Decarlo como “a TV do ano 2000” e “TV de Primeira Classe”, a Manchete caiu no
gosto do público por firmar-se como uma emissora que priorizava a qualidade da
programação, a independência e a ousadia criativa. Essa fórmula foi essencial para fazer
frente à TV Globo, famosa por suas telenovelas e jornais, detentora da maior fatia de
lucros e audiência da época. Esse conteúdo, porém, contrastava com outro Brasil pouco
explorado em narrativas midiáticas. Para a pesquisadora em comunicação Beatriz
Jaguaribe,

Brilhando na superfície da telinha, as narrativas da realidade cristalizaram-se


nos lugares comuns do Jornal Nacional, enquanto as ficções da telenovela
alimentavam o imaginário cotidiano de uma Scherazade eletrônica de
infindáveis noites. (2007, p. 111)

Contudo, mudanças em diversas áreas acompanharam o novo pensamento para


permitir o desenvolvimento de ideias diferentes para a televisão brasileira. Entre elas, a
24

pesquisadora destaca: a entrada da TV a cabo, diversas flutuações econômicas no setor e


também a disseminação do consumo globalizado. Assim, novos códigos realistas
trouxeram narrativas mais vivas e próximas do que ela acredita ser o "choque do real",
que é

a utilização de estéticas realistas visando suscitar um efeito de espanto catártico


no leitor ou espectador. Busca provocar incômodo e quer sensibilizar o
espectador-leitor sem recair, necessariamente, em registros do grotesco,
espetacular ou sensacionalista. O impacto do "choque" decorre da representação
de algo que não é necessariamente extraordinário, mas que é exacerbado e
intensificado. São ocorrências cotidianas da vivência metropolitana, tais como
violações, assassinatos, assaltos, lutas, contatos eróticos, que provocam forte
ressonância emotiva. (Ibid, p. 100)

E, de fato, esta forma de realismo pode permitir transfigurar-se em um código


comunicativo de fácil entendimento para o público comum (Ibid, p. 112), já que se
acredita que

como a vasta maioria do público brasileiro não tem acesso aos enredos literários
e não se engaja nas explicações sociológicas ou antropológicas da realidade
social, a realidade produzida pelas imagens e narrativas midiáticas é uma fonte
crucial de constituição de mundo.

Por isso, visando resignificar o potencial narrativo da televisão em agosto de


1989, surgiu o "Documento Especial", da TV Manchete. Com o slogan de "televisão
verdade", entrava no ar semanalmente às 23h30, apresentado por Roberto Maya, uma
atração, que convidava o telespectador a conhecer o “lado B” de realidades antes
rejeitadas pela televisão brasileira. O programa incorporou temas típicos do jornalismo
popular, mas oferecia um tratamento diferenciado à pauta. Na Manchete, o programa ia
além, ao mostrar os submundos, seus códigos e signos para traduzir o que vivencia e
sente um ser humano pertencente a situações consideradas do mais inferior nível
hierárquico da sociedade de consumo. Segundo Bucci (2000, p. 61), o brasileiro pôde
sair de uma zona de conforto de anos porque

A TV brasileira, com sua mania de bajular as elites, de parecer ‘chique’, de colunice


social, não costumava abrir suas câmeras para miseráveis, para travestis, para excluídos
– enfim, para o feio. De repente, surgem na Manchete documentários sobre o mundo
cão e seus subúrbios, mas com um detalhe que mudava tudo: não se tratava de
jornalismo mundo cão.

A vida de prostitutas, pobres e marginalizados transformou o programa em um


sucesso de público, passando de 1 ponto para alcançar uma média de até 13 no Ibope da
25

época, equivalente a 45 mil domicílios no estado de São Paulo no ano de 19907. A


atração foi agraciada com diversos prêmios, como o Troféu Imprensa, o Supercap de
Ouro, o Prêmio Príncipe Rainier III do Festival de Televisão de Monte Carlo e
considerado Melhor Programa Jornalístico pela Sociedade Paulista de Críticos de Arte.
Isto pode ser explicado pela busca incessante da equipe do programa em fazer um
produto inspirado no cinema vérité, muito valorizado pelos apreciadores e pouco
explorado nos meios massivos de comunicação, na televisão daquele momento.

O cinema vérité ou cinema verdade surgiu nos anos 1960, marcando um dos
grandes momentos do documentarismo no mundo. Para Nichols, o cinema vérité pode
ser conceituado como um modo observativo no qual as formas de controle do cineasta
na “composição de uma cena foram sacrificadas à observação espontânea da
experiência vivida” (CHIOQUETTA apud NICHOLS, 2005, p. 146-147)

Desse modo, essa proposta de trabalho era privilegiada com a evolução


tecnológica, que trouxe câmeras e gravadores de áudio mais leves, como o Nagra8. Seu
objetivo era retratar a vida tal qual ela é, sem narrador, sem músicas ou efeitos sonoros e
legendas. Os planos eram maiores e o silêncio era mais bem aproveitado nas sequências.
Acreditava-se que a imagem deveria ser transmitida ao espectador sem interferências de
quem conta. Dessa fase, destaca-se o filme Crônica de um Verão (Chronique d'um été,
França), de Jean Rouch e Edgar Morin. Nele, o espectador é agraciado com uma série
de entrevistas que problematizam a dialética entre ficção e realidade e discute a questão
da representação na vida cotidiana.

Assim, a Manchete investiu na ideia de “televisão verdade”, com cerca de 200


programas entre 1989 e 1992. No início, o Documento era separado em três reportagens.
Pouco tempo depois, foram feitas edições temáticas, aproveitando material para até dois
programas. Pode-se destacar episódios emblemáticos, como a prostituição masculina, a
vida dos gordos, os até então desconhecidos surfistas ferroviários e até mesmo um
especial sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, com o uso de uma Bíblia falsa de
madeira com uma câmera escondida dentro dela para que fosse possível a exibição de
um culto neopentecostal.

7
Informação do site do IBOPE: www.ibge.gov.br
8
O Nagra apesar de ser considerado leve pesava cerca de 8,5 quilos.
26

Um dos episódios do Documento Especial de maior sucesso teve o título “Os


pobres vão à praia”, uma matéria de Aldir Ribeiro que trazia à tona a saga em busca do
lazer dominical daqueles que vivem longe de da orla da Zona Sul carioca, o desprezo
dos que se sentem ameaçados com a chegada das camadas populares em seu território e
o descaso do governo em fornecer condições seguras de transporte à população.

Contudo, o recorde de audiência despertou o olhar dos concorrentes de Adolpho


Bloch. Em 1992, com uma proposta financeira tentadora, o idealizador do Documento
Especial, Nelson Hoineff, levou a atração e quase toda sua equipe para o SBT de Silvio
Santos, fazendo muito sucesso na nova emissora. A Manchete decidiu reinventar o
programa com outro nome - Documento Verdade. O repórter Aldir Ribeiro e o produtor
Domingos Mattei Neto, que tiveram muito destaque na primeira versão, foram
convocados para a tarefa. O programa da Manchete, porém, teve pouca adesão do
público e logo foi cancelado.

Para Bucci (2000, p. 61), o Documento Especial,

ao chafurdar pela vida dos marginalizados, conseguiu a proeza de nos brindar


com um meta-sensacionalismo. Eram vistos sangue, sexo, nudez, palavrões e
todo submundo que antes, era vergonhoso para a TV. Mas também os
bastidores e a trama ideológica que fabrica o sensacionalismo.

E isso preparou um terreno fértil de histórias que seriam profundamente


exploradas mais à frente por outras atrações.

2.2 Aqui Agora e o papel do jornalista policial

O que é comumente chamado de jornalismo policial pode ser entendido como


toda a reportagem que aborde fatos criminais, judiciais, de segurança pública e que se
relacione com a investigação oficial da polícia sobre estes temas. O jornalista Eduardo
Fuccia escreveu em seu livro Reportagem Policial: Um Jornalismo Peculiar que a
cobertura de crimes já existia desde meados do século XIX em diários sensacionalistas
dos Estados Unidos e Inglaterra, porém aumentou consideravelmente na imprensa após
os anos 1990 e que isto está ligado a fatores diversos como a globalização do crime e a
sofisticação das práticas criminosas.
27

Com a proliferação de delitos e a consequente preocupação dos moradores das


grandes metrópoles em se manterem informados a respeito de áreas perigosas da cidade
e próximas a suas residências, vários veículos impressos e radiofônicos investiram em
trazer uma cobertura popularesca e dramática sobre esses acontecimentos, como os
diários O Dia, Notícias Populares e O Povo. Eduardo esclarece que uma das razões para
essa temática ter ganhado espaço no gosto dos leitores, ouvintes e telespectadores foi o
próprio interesse do público.

Claro que existem mais razões para o crescente aumento da cobertura policial e
todas elas somadas geram, talvez, o principal motivo para os meios de
comunicação dedicarem cada vez mais espaço ao noticiário criminal: o interesse
pelo assunto por grande parte da audiência. (FUCCIA, 2008, p. 15)

Mesmo que das formas mais peculiares, foram vários os programas de televisão
no Brasil que investiram na abordagem de assuntos que poderiam deslanchar em
reportagens investigativas, nascidas da vigilância diária da rotina policial. Um deles foi
o Aqui Agora, lançado pelo SBT no ano de 1991, às 18h de uma segunda-feira. A
atração nasceu sob a autoclassificação de "jornalismo-verdade", conceito inspirado no
Documento Especial trazido da TV Manchete e tirado do ar pelo SBT pouco tempo
antes da estreia do Aqui Agora. Além disso, trazia como lema uma frase imortalizada
pelo escritor Nelson Rodrigues: “a vida como ela é”. O programa ficou conhecido por
dar destaque a reportagens que valorizavam imagens de impacto e histórias de crimes,
roubos e assassinatos, narrados pela voz de repórteres e apresentadores que buscavam
dar mais dramaticidade às notícias, aproveitando muito mais do sensacional do que os
jornais de bancada concorrentes no horário. Um formato que a emissora de Silvio
Santos destaca como “o modelo para a concorrência até hoje”9.

Segundo Alice Dutra Bablé, essa atração representa objetivamente “a


transposição do jornalismo popular do rádio para a televisão. Inclusive, porque usa
modelos e algumas das mais conhecidas vozes dos polêmicos programas radiofônicos”
(Apud SQUIRRA, 1993, p.142). Isso exemplifica o caso de Gil Gomes, jornalista
paulistano que trabalhou desde os 18 anos em rádios como locutor, passando por
diversas emissoras, como a Rádio Progresso, Rádio Record e Rádio Marconi, na qual

9
Citação disponível no site SBT: http://www.sbt.com.br/institucional/32anos/default.asp?ano=1991.
Acessado pela última vez em 15 de junho de 2014.
28

era repórter policial desde 1968, quando foi trazido para o SBT para integrar a equipe
do Aqui Agora. Com ele, apareciam na tela outros repórteres: Sônia Abrão, Celso
Russomanno, Wagner Montes e Jacinto Figueira Júnior, que ia encarnar a figura do
“Homem do Sapato Branco”.

Uma das características desse tipo de jornalismo é o tom de inconformismo


diante da crueldade na violência urbana. Isto, é claro, está ligado às escolhas do campo
jornalístico, sendo valorizado por muitos autores como um de seus critérios de
noticiabilidade. Percebe-se que “em muitos momentos não há como fugir do conteúdo
violento, principalmente quando nosso foco é falar do segmento do jornalismo que
convive com a rotina de tudo que é considerado trágico e muito violento muitas vezes."
(ALVEZ, MENEZES & MENEZES, 2010, p. 6)

Contudo, o repórter policial especializado tem em diversas ocasiões a chance de


desenvolver reportagens investigativas. E a busca pela especialização por parte do
jornalista é um diferencial para quem atua neste campo, já que a linguagem dos
tribunais pode ajudá-lo a lidar com seu público, como explica Fuccia (2008, p. 27),

Pela crescente difusão de notícias policiais e pelo grande interesse que elas
despertam, a reportagem policial requer especialização dos profissionais,
embora isso seja desejável aos jornalistas de todos os segmentos. Aliás, além do
jornalismo, os demais ramos de atividade exigem cada vez mais especialização.

Também é preciso atentar para que o compromisso social do repórter policial


durante sua apuração vá além do factual em si, já que independente dele exercer sua
função para investigações aprofundadas ou não, o jornalista que envereda pela pauta
diária dos telejornais de polícia tem a responsabilidade de manter um olhar específico a
situações de violência que podem gerar outras pautas de maior interesse público. Por
isso é preciso ter bom-senso para obter confiança das fontes, já que

sejam estes vítimas, testemunhas ou a sociedade de forma geral [...], recebendo


destas informações privilegiadas [...] saberá o momento de divulgá-las. Ao
contrário, quem não observa essa regra ficará alheio aos fatos que, futuramente,
lhe renderiam furos de reportagem" (MENEZES, ALVES & MENEZES, 2010,
p. 7)

Dessa forma, em sua corrida rotina produtiva, ao fazer uso muitas das vezes de
técnicas de apuração do jornalismo investigativo, a reportagem policial também
29

compartilha de valores que são indispensáveis à área. Repórteres policiais também


buscam promover a cidadania e a responsabilidade social ao expor injustiças,
mecanismos burocráticos do Estado, cobrar reformas e detectar indivíduos e instituições
que não cumprem seus deveres.

Cabem a eles também ser a linha de frente de situações de alto risco de vida,
principalmente aos que se expõem nas ruas, favelas e delegacias às mais inusitadas
adversidades, sofrendo muitas das vezes retaliações e ameaças de bandidos e da própria
polícia, em frequentes casos de corrupção.

2.3 Globo Repórter: documentarismo e grande reportagem

O Globo Repórter é um dos mais antigos programas da Rede Globo de


Televisão, no ar desde abril de 1973. A atração carrega em sua história mais de mil
diferentes edições, gravadas no período de 41 anos de existência e exibidas atualmente
às sextas-feiras, a partir das 21h45. Inicialmente, ele foi um programa-piloto lançado
pela emissora em 1971, com o nome de Globo Shell, uma série de documentários para
TV. Nos primeiros meses após sua a estreia, a exibição era mensal, porém em agosto do
mesmo ano, a atração passou para a faixa semanal, sobrevivendo de recursos aplicados
pela multinacional petrolífera Royal Dutch Shell, a exemplo de outro programa
jornalístico de muito sucesso, o Repórter Esso.

A ideia do Globo Repórter surgiu da mente de João Carlos Magaldi, diretor da


TV Globo na época. A emissora estava saturada do modelo de telejornal de bancada, a
exemplo do Jornal Nacional, em que o apresentador fornece apenas as notícias factuais
do dia com as reportagens, exibidas em videotape (VT) no momento seguinte, sem
aprofundar-se expressivamente nos temas abordados. Por isso, a ideia de Magaldi era
"analisar com mais profundidade os principais acontecimentos jornalísticos nacionais e
internacionais do mês, que por uma questão de tempo não podiam ser detalhados nos
telejornais"10. Outro diretor da emissora que acompanhou o lançamento do programa na
época, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), o descreve como "um programa
10
Disponível em: http://globoreporter.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGR0-2698,00.html. Acessado
pela última vez em: 03 de setembro de 2014.
30

semanal de jornalismo investigativo e de grandes reportagens nacionais e


internacionais" (SOBRINHO, 2011, p. 151).

Antônio Claudio Brasil, pesquisador em comunicação e professor de jornalismo


da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sempre sonhou em trabalhar com
imagem. Sua carreira no telejornalismo iniciou-se em 1973, quando ainda aluno da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), trabalhou na TV Globo
em um estágio como assistente cinegrafista. Ao ser contratado pela emissora, atuou no
Globo Shell e ali viu se desenhar um novo capítulo da história dos documentários
televisivos no país.

Produzir bons documentários para o grande público já foi mais do que um


sonho no Brasil [...] ver como se lapidavam verdadeiras obras-primas durante
semanas e que, ainda por cima, abordavam temas fortes, coerentes e perigosos
era mais do que uma simples oportunidade – era uma escola de cinema verdade
para a TV [...] Era isso que representava o Globo Repórter. [...] Os jornalistas de
TV ofereciam em troca a experiência voltada para a agilidade nas notícias e a
criatividade nas soluções imediatas. Era um casamento difícil e delicado, mas
muito produtivo. (BRASIL, 2012, p. 173)

Trabalhando até 1979 como repórter do programa, percebeu que a linguagem e o


aprofundamento dos assuntos no Globo Repórter “buscava um jornalismo mais
investigativo, ousado, que aprofundava em temas políticos e sociais em tempos que,
como hoje, limitavam as ideias e transformações tão urgentes”. (Ibid, p. 19)

A TV Globo atesta que o este é um dos programas mais assistidos na televisão


brasileira, com mais de 30 milhões de espectadores por semana (MEMÓRIA GLOBO,
2008).

Existem muitas razões para entender o resultado destes números na atual


configuração de formato do programa. Uma delas é a estratégia de disputa pela
audiência. O Globo Repórter se vale de diferentes recursos para captar espectadores. A
proposta do programa baseia-se em investir na credibilidade da informação, ou seja,
valorizar a presença de especialistas de universidades e institutos de pesquisa, vistos
como amplos detentores do conhecimento de determinado assunto. Já o repórter
também é costumeiramente mostrado como testemunha dos fatos e a presença no local
gera a sensação de fidedignidade. As personagens das matérias, fontes primárias, têm
suas histórias exibidas como pano de fundo de uma tese já determinada pelo repórter. A
31

informação é transformada em algo espetacular, exclusiva e sempre associada a


estratégias narrativas de entretenimento. Entre tantos fatores, podemos crer que o Globo
Repórter faz uso do valor notícia de ineditismo para despertar o interesse do público,
além de ser um conhecido programa da audiência, exibido em uma faixa de horário
privilegiada.

Inicialmente, a ideia geral do Globo Repórter era abordar a cada semana um


tema para ser desenvolvido dentro de cinco blocos, seguindo o rodízio semanal de
quatro grandes editorias prioritárias:

Globo Repórter Atualidade – trataria dos principais assuntos do mês;

Globo Repórter Pesquisa – abordaria temas como música, arte e história;

Globo Repórter Futuro – a ciência de hoje prevendo o mundo de amanhã;

Globo Repórter Documento – exibindo programas da série Globo Shell Especial.

Nos primeiros anos, a direção do programa estava a cargo de Paulo Gil Soares,
muito ligado a indústria do cinema. Com ele, vieram para a Globo profissionais
renomados da área como Eduardo Coutinho, Walter Lima Júnior, Luiz Carlos Maciel,
Maurice Capovilla e João Batista de Andrade. A busca por estes profissionais tinha o
objetivo de transformar a atração semanal em um programa de bom gosto, com
informações aprofundadas. Para isso, foi importado o estilo e a técnica do documentário
para a televisão.

Nos seus primeiros 10 anos, o Globo Repórter possuía um vínculo maior com o
cinema. Dos profissionais que ali trabalharam, a maioria vinha da experiência do
Cinema Novo e na TV Globo puderam por em prática seus conhecimentos na televisão,
o que permitiu uma aproximação pioneira das duas mídias no Brasil. Muitos
trabalhavam por meio da produtora Blimp Films, produzindo documentários para o
programa. Eduardo Coutinho, ao contrário, era contratado da TV Globo e nela firmou-
se como importante diretor da primeira fase do programa. Neste período, ele conviveu
com diferentes brasileiros e deles ouviu seus cantos, paixões, crenças e produziu em sua
linguagem característica seus documentários, como Teodorico, Imperador do Sertão
32

(1978). Estes profissionais tinham em mente alcançar mais espectadores, além de ter
acesso a recursos de gravação com maior frequência, o que não era possível trabalhando
em cinema, devido a recursos financeiros e técnicos limitados.

Contudo, muitos profissionais renomados que desenvolveram suas carreiras no


Globo Repórter foram duramente criticados por intelectuais da esquerda, pois estes
viam na TV Globo um símbolo midiático da opressão do regime militar. Buscando
superar isso, o programa ofereceu espaço amplo para a experimentação frequente da
linguagem, a fim de aproximar o espectador do que era retratado na tela a partir da
captação de modos diferentes de enxergar a realidade sociocultural brasileira.

A emissora também preconizava que o jornalista Sérgio Chapelin deveria ser o


narrador oficial do programa, estabelecendo uma imposição ao formato que seria
trabalhado. O cineasta Hermano Penna esclareceu ao site do Festival Internacional de
Documentários “É Tudo Verdade”, em 2002, que “o que se conseguiu de expressão
pessoal numa TV daquela, num momento como aquele, foi um milagre. Mas havia
regras – e uma delas é que tinha que botar o Sérgio Chapelin. Como superar isto?”
(COSTA, 2011, p. 153)

Hermano Penna, diretor do documentário Mulheres do Cangaço (1976), viu seu


filme ser narrado todo pela voz escolhida pela TV Globo, dando vez apenas às falas dos
entrevistados. Com o tempo, notou-se que a narração era um recurso sem necessidade
para o formato trabalhado naqueles moldes e a participação do narrador foi reduzida e
até eliminada em alguns programas, uma vez que os diretores buscavam novos formatos
e modos de representação em seus filmes que quebrassem o uso da locução. Um dos
exemplos disso é o filme de Coutinho já citado, Teodorico, o Imperador do Sertão
(1978). Nele, o entrevistado é quem conta sua própria história e costura o filme.

Já nos anos 1980, com mudanças técnicas previstas pela emissora - o fim do uso
da película para a gravação e a transição do filme para o vídeo - a produção das edições
do Globo Repórter passou a ser controlada internamente, com uma equipe própria de
jornalistas. O documentarismo típico da primeira fase perde força. Em 1983, quando o
programa passou a ser dirigido por Roberto Feith, correspondente da Globo em
Londres, traçou-se uma linha divisória da substituição do modelo cinematográfico para
33

uma direção estratégica de consolidação do documentário televisivo e jornalístico, o


atual padrão deste tipo de programa na emissora. Para Antônio Brasil (2012, p. 174),
essa nova tentativa deu uma baixa na qualidade da atração e representou um retrocesso,
pois

O projeto pioneiro do Globo Repórter sobreviveu à ditadura, mas não


sobreviveu ao peso da sua própria história de sucesso, criatividade e inovação
[...] Os temas passaram a privilegiar a vida dos animais estranhos e o turismo
em locais exóticos, em programas burocráticos e pouco criativos. Os temas
sociais e denúncias de um jornalismo mais investigativo e impessoal,
características fundamentais do gênero documental, foram substituídos pela
produção institucional tímida e bem comportada.

Embora ainda sofra críticas, esse formato novo permitiu que o tratamento dos
temas fosse mais solto, ou seja, independa da ação do diretor cinematográfico e até
mesmo do conteúdo do programa, que poderia abrigar mais de um assunto por edição.
Isso reconfigurava a estratégia de “contação de histórias” para grandes reportagens
especiais. O assunto abordado semanalmente é inserido em uma das temáticas
fundamentais, ou selos do programa, que são: aventura, comportamento, ciência e
atualidades (MEMÓRIA GLOBO, 2008). O tema semanal pode ser aprofundado em
diferentes ângulos e equipes de reportagem presentes em qualquer parte do mundo. A
partir desse modelo, o jornalista é o investigador e condutor da matéria que ele tem em
mãos, não mais os diretores de cinema focados no documentário que querem produzir.
E qualquer que seja o tema, ele é tratado como uma novidade, descoberta e
exclusividade do programa (COSTA, 2011, p. 158). Veja no exemplo, nas locuções do
apresentador do Globo Repórter em diferentes datas:

Sérgio Chapelin – “Uma nova descoberta médica: quem tem amigos corre
menos risco de ficar doente”11;

Sérgio Chapelin – “Pela primeira vez, uma equipe de TV brasileira chega às


pequenas aldeias das montanhas mais altas do planeta”12;

Sérgio Chapelin – “Quantas revelações! A ciência derrubou um mito que durou


séculos. As células nervosas podem sim se regenerar”13.

11
Globo Repórter, programa exibido em 19 de setembro de 2008. Selo Comportamento
12
Globo Repórter, programa exibido em 19 de setembro de 2008. Selo Aventura
34

Em muitos programas, o telespectador é convidado a conhecer países


estrangeiros e longínquos, intermediados pelo repórter como desconhecido para quem
assiste. São mostradas imagens panorâmicas de pontos turísticos e lugares típicos da
região. Frequentemente, a narrativa é focada no desbravamento e na aventura de se
visitar terras com culturas ímpares e que pouco se assemelham à brasileira. Adjetivos
como “fascinante”, “deslumbrante” e “incrível” são frequentemente empregados na
narração da reportagem. Assim, foram feitas séries de viagens com o selo aventura:
Dubai, Miragem no Deserto14, Japão, o País dos Mistérios15 e África, o Berço da Vida16.

Alguns autores acreditam que esta mudança opcional por jornalismo na TV


“afastou a emissora cada vez mais de outros campos, como o cinema e o rádio, em
direção a uma linguagem que fosse mais apropriada ao meio televisivo" (Ibid., p. 154).

Mesmo que trabalhando um tema por semana, a ideia do programa é permitir a


multiangularidade da reportagem. Em blocos, a matéria feita por um mesmo repórter ou
vários jornalistas é exibida sob diferentes óticas. A cobertura do tema se amplia para
mostrar implicações do assunto sobre pessoas que não se conhecem. Um exemplo: em
um programa sobre como viver bem com pouco dinheiro foi mostrado no bloco de
abertura a faxineira que viajou para a Europa com suas economias; no segundo bloco,
uma família de classe média que planejava sua viagem de férias; já no terceiro, um
jovem recém-formado que aplicava tudo que ganhava na Bolsa de Valores. Dessa
forma, o telespectador pode distinguir os cenários e experiências que se inter-
relacionam simbolicamente.

O Globo Repórter foi agraciado com muitos prêmios, como o Prêmio Líbero
Badaró, na categoria de telejornalismo, pela reportagem Roubo de automóveis (1989),
de Domingos Meirelles, o Prêmio Vladimir Herzog e Prêmio Volvo de Segurança no
Trânsito para a reportagem Morte no trânsito (1994), do repórter Carlos Dornelles, com
direção de Suzy Altmann. Em 1995, Caco Barcellos, ainda repórter do programa, recebe
o Prêmio Caixa Econômica Federal de Jornalismo Social, pela reportagem

13
Globo Repórter, programa exibido em 26 de agosto de 2008. Selo Ciência
14
Globo Repórter exibido em 24 de maio de 2012. Selo Aventura
15
Globo Repórter exibido em 13 de junho de 2008. Selo Aventura
16
Globo Repórter exibido em 1º de agosto de 2008. Selo Aventura
35

Desaparecidos Políticos17. Na reportagem de 8 minutos e 55 segundos, Caco visitou o


Cemitério de Perus, localizado na zona norte de São Paulo. E contou a história dos
desaparecidos políticos durante o regime militar brasileiro. Aproveitando de recursos
gráficos, de pesquisa e de simulação com atores, apresentou um pedaço da história
encoberta daqueles que foram assassinados pela ditadura militar: guerrilheiros que eram
enterrados como indigentes. Desaparecidos, para sempre sem identidade. No curto
tempo de reportagem, Caco explorou a dor das famílias, a provação para se conseguir
enterrar dignamente seu ente querido e o desejo de retratação moral pelo Estado.

Podemos, portanto, entender o Globo Repórter como uma das experiências mais
relevantes da grande área do jornalismo de investigação. Mesmo que transitando em
diferentes modos e temáticas para a elaboração de seus programas,

o trabalho do repórter que vai fundo para captar informações, entrevistando


várias fontes para interpretar um fato social, mas tem na narração descritiva o
ponto forte da matéria [...] e o texto fica no limiar entre jornalismo e a literatura
é entendido como jornalismo investigativo descritivo (SEQUEIRA, 2005, p. 63)

O Globo Repórter abriu caminhos, ideias e experiências profissionais que


frutificaram em outros programas, como Profissão Repórter, objeto desse estudo.

2.4 Fantástico: infoentretenimento e denúncias dominicais

O programa Fantástico é uma das atrações mais antigas da TV brasileira ainda


no ar e que apresenta em sua estrutura traços do jornalismo investigativo. Sob o slogan
que evidencia o seu posicionamento dentro desse meio comunicativo e sua
representação simbólica - "Fantástico, o Show da Vida" -, o programa apresenta em
duas horas da grade de programação de domingo na TV Globo uma extensa cobertura
de variedades.

No dia 5 de agosto de 1973, o diretor de operações da Rede Globo, José


Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) lançou o Fantástico em substituição ao
jornalístico Só o Amor Constrói (1973), um programa provisório sobre a importância do

17
Globo Repórter exibido em 21 de julho de 1995. Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-
globo/memoria-globo/v/globo-reporter-desaparecidos-politicos-1995/2559993/
36

amor na vida e carreira profissional de personalidades da mídia. Na concepção da


emissora, o Fantástico é "uma revista eletrônica de variedades que reúne jornalismo e
entretenimento para levar até o telespectador os assuntos mais relevantes do Brasil e do
mundo" (MEMÓRIA GLOBO, 2014).

Segundo Boni, o Fantástico “é o primeiro magazine para TV”. Da mesma forma


que as revistas impressas de variedade de sucesso da época, como a Manchete e Fatos e
Fotos, o Fantástico priorizava a abordagem de uma gama de assuntos distintos em um
único programa de TV. Diferente do Globo Repórter, Boni não buscava dirigir um
programa de reportagens especializadas, e sim uma combinação de tudo que televisão
produzia: notícias, música, humor, circo, dramaturgia e curiosidades.

Ainda na instável fase de transição da televisão preto e branco para a colorida, o


Fantástico começou a ser exibido com quadros e reportagens sem cores. Sua primeira
edição trouxe aos telespectadores uma matéria exclusiva com o jogador de futebol
Tostão, craque da seleção brasileira de futebol de 1970, sobre o laudo médico
informando que não poderia mais entrar em campo. Também uma reportagem com duas
estrelas hollywoodianas homenageadas por Marília Pêra e Sandra Breá: Carmen
Miranda e Marlyn Monroe. O programa mostrou em Nova Iorque uma reportagem de
Cidinha Campos sobre os primórdios da criogenia, que consiste no congelamento de
doentes terminais com o objetivo de preservá-los até que seja descoberta a cura para
suas doenças. A promessa da época era um verdadeiro milagre: trazer à vida pessoas
depois de congeladas (MEMÓRIA GLOBO, 2014). Além disso,

entraram para a história as séries exibidas a partir de 1978 sobre David Vetter, o
‘menino da bolha’, condenado por uma doença rara a viver dentro de um
ambiente estéril, semelhante a uma bolha de plástico, em um hospital em
Houston, Massachusets. Mais tarde, cientistas desenvolveram uma vestimenta
que permitiu ao garoto sair da bolha. Hélio Costa acompanhou o drama de
David até sua morte, aos dez anos, em 1984.18

Os critérios de noticiabilidade do Fantástico seguem a lógica do jornalismo


como entretenimento e, como muitos autores discutem, o de informação como
mercadoria (KELLNER, 2003, p. 6). Como esclarece a Rede Globo, o Fantástico inova

18
Memória Globo. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-
jornalisticos/fantastico/jornalismo-cientifico-e-reportagens-internacionais.htm. Acessado pela última vez
em 19 de setembro de 2014.
37

por ser um mix de reportagens investigativas, humor, esportes, entre outros segmentos,
tudo em um mesmo programa. Analisando seu endereçamento e angulação, percebe-se
que o Fantástico busca estabelecer uma relação comunicativa construída através da
conversa entre o social e o entretenimento (COSTA, 2011, p. 14) de forma dinâmica
desde 1973.

Contudo, o "showrnalismo" (ARBEX JR., 2002, p. 130), ou jornalismo de


espetáculo, não é algo exclusivo de programas especializados. Ele surgiu como uma
contracorrente ao conservadorismo da imprensa. Segundo José Arbex Júnior, a notícia
como entretenimento existe desde o século XIX e tem sua origem nos Estados Unidos.
Para o pesquisador, isso se tornou um padrão de imprensa de massa e, no país norte-
americano, o periódico New York Times simboliza um contraponto a essa tendência.
Assim, ele crê que esse é um caminho inevitável, pois "o fato é que o público gosta de
pão e circo, o que põe em xeque o intelectual que trabalha na mídia. Ele tem de decidir
se vai ou não se basear naquilo que dá Ibope"19

Como programa que visa misturar jornalismo com entretenimento, o Fantástico


permite-se a veiculação de programas-pilotos, projetados para o programa como meros
quadros. Dois exemplos são o Minha Periferia, transformado em Central da Periferia,
com apresentação de Regina Casé, e o Profissão Repórter com direção de Caco
Barcellos e reportagens de sua equipe de jornalistas recém-formados. Ambos
permaneceram tempo suficiente no programa para que a direção da emissora percebesse
que podiam ter lugar na grade fixa. Outros permanecem dentro da atração dominical,
tornando-se quadros fixos, como o Repórter por 1 Dia. Nele, um ator da TV Globo é
convidado para exercer a função de repórter guiando a matéria a seu modo, com
entrevistas, passagens, locuções em OFF e com a tradicional finalização semelhante ao
dos jornalistas de rádio: "Mariana Ximenes, repórter por um dia, para o Fantástico"20.

Por se tratar de uma revista, o Fantástico não é um programa inteiramente


investigativo. Mas, frequentemente, investe em reportagens que trazem à tona
informações de interesse público que acabam por provocar punições administrativas e

19
LIMA, Nathalie. Disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp3110200192.htm Acesso pela última vez em 19 de
setembro de 2014.
20
Fantástico exibido em 19 de março de 2006.
38

criminais aos envolvidos. Uma das marcas evidentes do jornalismo investigativo no


Fantástico é apresentar reportagens de denúncias de escândalos de corrupção, falhas na
segurança nacional e o descaso com o bem público.

Em fevereiro de 1992, o repórter Domingos Meirelles trouxe com exclusividade


informações do desaparecimento do pianista Francisco Tenório Júnior, visto pela última
vez em Buenos Aires, no ano de 1976. O músico estava na Argentina para uma turnê
com Toquinho e Vinícius de Moraes, porém sumiu dias antes da queda do governo de
Isabelita Perón, vítima do golpe militar no país. Por décadas, sua localização era
desconhecida para familiares e amigos. Segundo o site da Memória Globo,

Meirelles esteve em Buenos Aires com a viúva de Tenório e conseguiu


documentos secretos que seriam da marinha argentina. Os papéis comprovavam
a prisão e a morte do pianista brasileiro e mostravam que os fatos haviam sido
comunicados a agentes do antigo serviço nacional de informações do Brasil, o
SNI. 21

Outro momento que marcou a cobertura investigativa do Fantástico foi um golpe


de azar dos criminosos. Em abril de 2007, um casal que atuava com falsos sequestros
ligou para a redação do programa sem saber. Atento a situação, um repórter identificou-
se como tio da suposta vítima e teve acesso ao esquema dos bandidos. Após colher
todas as provas e exibir a negociação e a entrega do falso resgate, a fita com a
reportagem foi despachada para a Delegacia Anti-Sequestro do Rio de Janeiro e exibida
no domingo. A matéria foi intitulada de O golpe do falso sequestro22.

Eduardo Faustini é conhecido na TV Globo e no meio profissional como o


"repórter sem rosto". Seu caminho para a reportagem investigativa começou na TV
Manchete, onde trabalhou no programa Documento Especial entre 1989 e 1995 e de lá
foi para a Globo apurar os fatos de forma anônima como repórter especial para o
Fantástico. Seu apelido é resultado do esforço de anos para omitir sua identidade a fim
de preservar sua vida e de sua família. As reportagens assinadas por ele consagraram-se
por resultarem em prisões de corruptos e criminosos e fizeram com que ele levasse para
casa os principais prêmios do jornalismo no Brasil, como o Esso, Líbero Badaró de

21
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-
jornalisticos/fantastico/denuncias-e-reportagens-investigativas.htm
22
Fantástico exibido em 29 de abril de 2007.
39

Telejornalismo, Embratel de Imprensa, Direitos Humanos de Jornalismo, entre vários


outros.

Além de não revelar seu rosto ao espectador, Eduardo Faustini faz uso frequente
de identidades falsas para flagrar e denunciar diversos crimes que acontecem pelo
Brasil. Devidamente autorizado pelo Ministério Público e em acordo com instituições
que querem punir corruptos que atuam travestidos de funcionários honestos, este
repórter investigativo não hesita em se valer de estratégias pouco convencionais para
exercer seu trabalho.

No começo do ano de 2011, após o anúncio do Brasil como sede da Copa do


Mundo de 2014, Faustini embarcou em voos domésticos nos seis maiores aeroportos do
Brasil durante as festividades do Natal e Ano Novo de 2010. A época é de intenso
movimento em ponte-aéreas e viagens internacionais. Na mala, o repórter sem rosto
despachou uma réplica de metal de um fuzil AR-15, R$100 mil em dinheiro cenográfico
e um pacote de açúcar embalado simulando cocaína. Na reportagem, ele não foi
descoberto em nenhum momento, chegando a exibir a réplica do fuzil dentro do avião
para que o cinegrafista filmasse. A matéria Teste de segurança dos aeroportos
brasileiros23 expôs a precária vigilância das malas nos aeroportos, que não são
inspecionada por equipamentos de Raio-X ou semelhantes. Na época, a Empresa
Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) ligou a redação da TV Globo
pedindo que a reportagem não fosse ao ar.

No ano de 2002, a pedido de George Calvert, secretário de governo,


planejamento e controle interno do município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro,
Faustini o substituiu para gravar com câmeras e microfones escondidos as negociatas
durante o fechamento de contratos com dinheiro público. A reportagem da série “A cara
da corrupção” nomeada de Corrupção em São Gonçalo24 levou a prisão de diversos
corruptores representantes de empresas que desviavam dinheiro da merenda escolar e
serviços básicos do município, compradas a partir de licitações de “cartas marcadas”.

23
Fantástico exibido em 9 de janeiro de 2011.
24
Fantástico exibido em 21 de abril de 2012.
40

Em entrevista à revista Trip, Eduardo Faustini revelou que não se incomoda com
o uso das câmeras, uma vez que para ele isso não é um crime, apesar das retaliações que
sofreu.

Acredito que a relevância de um fato é sempre mais importante que a infração


que estou cometendo. Já tomei diversos processos, mas nenhum me acusando
de criminoso. O interesse público é o meu foco. Pra mim, ele é mais importante
do que qualquer lei ou regra.25

Ainda sobre esse método de trabalho, o estudioso em comunicação social e


jornalismo, Nilson Lage, recomenda que os próprios repórteres sigam o Código de Ética
dos Jornalistas que afirma que é dever do jornalista "combater e denunciar todas as
formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a
informação"26.

No entanto, para ele, ao seguir esse preceito ético o repórter deve ter cautela.
Lage ressalta a necessidade de analisar as balizas éticas que norteiam os profissionais e
o quão é importante para o repórter investigativo o uso de câmeras e gravadores
escondidos durante o tempo de estudo de viabilidade da reportagem. Também ele
afirma que o profissional não deve agir por conta própria, e sim, sempre com o aval da
empresa jornalística, a fim de medir o impacto da matéria para o jornalista e como
resguardá-lo em caso de uma retaliação legal (SEQUEIRA apud LAGE, 2005, p. 96).

Assim, podemos ver que o Fantástico anuncia-se em chamadas e no seu próprio


endereçamento como um programa espetacular. Seu caráter informativo foge do padrão
estabelecido para os telejornais cotidianos, porém o seu conteúdo tem ligação direta
com o que é visto nas manchetes dos jornais, de serviços, e também em novelas e séries
da emissora e no que está na moda frequentemente relacionado à cultura jovem. O
gênero revista eletrônica permite a ele o uso assumido de programa com reportagem de
jornalismo investigativo, num pacto híbrido da informação com o entretenimento,
abarcando uma ampla e variada audiência nacional.

25
Reportagem disponível no site da revista Trip: http://revistatrip.uol.com.br/revista/196/paginas-
negras/o-cara-sem-cara-da-globo.html. Acessado pela última vez em 19 de setembro de 2014.
26
Código de Ética dos Jornalistas. Disponível em:
http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf. Acessado
pela última vez em 19 de setembro de 2014.
41

2.5 Conexão Repórter e a busca da verdade

O programa Conexão Repórter do SBT, exibido todas as quintas-feiras, às 21h,


pode ser considerado uma das muitas tentativas da emissora de Silvio Santos para
ganhar credibilidade no telejornalismo. Isso porque até 1998 a emissora mantinha a
tradição em telejornais, quando, devido a uma "crise financeira", desativou seus
principais escritórios jornalísticos e demitiu mais de cem profissionais (BALBÉ apud
MATTOS, 2002, p. 219.). Apesar da crise, o SBT contratou o apresentador Ratinho
para desenvolver um programa popularesco, com poucas notícias e voltado para casos
que envolvem brigas familiares e recorrentes quadros de resultado de exames de
paternidade, conhecidos por "exames de DNA".

Contudo, em 2005, Silvio Santos voltou a investir timidamente no jornalismo em


telejornais locais e nacionais. Em 2010, com a proposta de apresentar ao espectador a
"busca pela verdade", teve início o primeiro programa de assumido jornalismo
investigativo do canal, o Conexão Repórter. Segundo o site da emissora,

O nome surgiu pela modernidade que sugere que a informação nos tempos de
hoje viaja por conexões cada vez mais velozes e sofisticadas. O uso da palavra
“repórter” foi estrategicamente usado para destacar o formato e a disposição do
apresentador. [...] A exclusividade é o lema do programa. 27

Roberto Cabrini é quem apresenta a atração. Ele aparece no vídeo com o papel
de repórter, mediador da informação, analista e juiz da “verdade dos fatos” para o
telespectador. O jornalista tem longa carreira na televisão, iniciada aos 17 anos de idade,
quando foi trabalhar na TV Globo. Já atuou como correspondente em Londres e Nova
Iorque para a emissora e por seu trabalho ganhou os principais prêmios na categoria
jornalismo investigativo: Esso, Líbero Badaró, Imprensa, Tim Lopes e Vladmir Herzog.
No ano de 1993 descobriu a localização do fugitivo da justiça Paulo César Farias, mais
conhecido como PC Farias, em Barcelona, na Espanha, tomando a frente até mesmo da
investigação polícia brasileira. O criminoso foi indiciado em 41 processos por tráfico de
influências e corrupção no governo Collor (MEMÓRIA GLOBO, 2014). 28

27
Definição disponível em: http://www.sbt.com.br/conexaoreporter/programa. Acessado pela última vez
em 20 de setembro de 2014.
28
Definição disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/roberto-cabrini.htm. Acessado
pela última vez em 20 de setembro de 2014.
42

Desde que foi criado, o Conexão Repórter provocou a abertura de três


Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) com suas reportagens sobre tráfico de
crianças29, pedofilia na igreja30 e crimes de preconceito e intolerância racial31.

O programa Conexão Repórter foi desenhado por Roberto Cabrini e uma equipe
contratada pelo SBT. Em 2010, o programa levou a premiação mais importante do
jornalismo no Brasil, o Prêmio Esso, pela reportagem Sexo, intrigas e Poder na Igreja
Católica32. Durante uma hora de programa foram revelados casos ocultos de pedofilia
dentro da Igreja Católica na cidade de Arapiraca, em Alagoas, envolvendo religiosos.
Fazendo uso de câmeras e microfones escondidos com o aval do Ministério Público, a
equipe de produção se infiltrou na rotina de um grupo de religiosos que abusavam de
menores de idade frequentadores da Igreja. Como resultado, três sacerdotes da ordem
foram presos e condenados a até 21 anos de reclusão por abuso sexual de menores. A
partir desse caso, o Vaticano assumiu publicamente que existia pedofilia na Igreja
Católica.

Já em 2012, com a reportagem A casa dos esquecidos33, Cabrini denunciou os


excessos que aconteciam dentro de um hospital psiquiátrico na cidade de Sorocaba, em
São Paulo. A equipe de produção do programa acessou o local disfarçada de
funcionários e registrou imagens que mais lembravam campos de concentração nazistas
da Segunda Guerra Mundial. Os internos, além de estarem abandonados à própria sorte
e doenças, eram obrigados a realizar tarefas destinadas a funcionários da instituição. A
investigação levou a punições administrativas e criminais. Dois anos depois, na
reportagem A casa dos esquecidos - O Retorno34, a situação era outra. Com uma
reforma administrativa e física do ambiente, a situação se reverteu em qualidade de vida
e saúde para os pacientes. Em diversos momentos, Roberto Cabrini sintetiza os valores

29
Conexão Repórter exibido em 24 de maio de 2010. Reportagem “Tráfico de Crianças”.
30
Conexão Repórter exibido em 11 de março de 2010. Reportagem “Sexo, Intrigas e Poder na Igreja
Católica”.
31
Conexão Repórter exibido em 11 de junho de 2011. Reportagem “No rastro do preconceito”.
32
Conexão Repórter exibido em 11 de março de 2010.
33
Conexão Repórter exibido em 23 de agosto de 2012.
34
Conexão Repórter exibido em 3 de setembro de 2014.
43

do Conexão Repórter e os resultados desse trabalho: "o jornalismo e a sua função social
no mais alto grau"35.

Diante disso, podemos ver que o Conexão Repórter coloca o jornalismo


investigativo na posição de "imprensa watchdog". Segundo a pesquisadora Eliama
Fontoura Brun, essa atitude "é a representação do profissional de jornalismo como um
verdadeiro cão de guarda da sociedade, perante os desvios, as prepotências e as
injustiças". Mais do que isso, é a legitimação do jornalismo como meio de expor as
injustiças sociais está no imaginário popular e

provém justamente da crise no sistema político mundial. Em uma sociedade


confrontada diariamente por escândalos, corrupção e desvios de valor, nada
mais natural, que a imprensa se posicione, ou seja, posicionada como uma
instituição vigilante da máquina pública. Uma verdadeira uma ponte entre os
abusos, a cobrança por justiça e o julgamento dos 'culpados'. (BRUN, 2011) 36

Essa perspectiva expõe que a imprensa muitas vezes é vista como parte do
sistema de pesos e contrapesos característicos dos regimes democráticos. O contra poder
aqui é o que tem força para barrar o poder autoritário e as injustiças sociais. Isto é, a
imprensa é a força existente para impedir os excessos públicos. (Ibid apud MESQUITA,
2011).

Muitos autores acreditam que essa visão apenas serve para alimentar o ego dos
jornalistas, mais ainda dos que trabalham com reportagens investigativas. Porém, é
preciso ressaltar que estar atento aos interesses da sociedade e servi-la perante injustiças
e crimes é dever do jornalista, informado no Código de Ética Profissional, ainda que de
forma pouco detalhada.

Art.9º - É dever do jornalista: a) Divulgar todos os fatos que sejam de interesse


público [...] e) Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como
defeder os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do
Homem; f) Combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial
quando exercida com o objetivo de controlar a informação.37

35
CABRINI, Roberto. Disponível em: http://www.sbt.com.br/conexaoreporter/noticias/14795/Roberto-
Cabrini-volta-a-Casa-dos-Esquecidos.html#.VB-iofldWSo. Acessado pela última vez em 20 de setembro
de 2014.
36
Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_cao_de_guarda_da_sociedade
37
Código de Ética dos Jornalistas Profissionais. Disponível em:
http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros..pdf. Acessado
pela última vez em 20 de setembro de 2014.
44

O Conexão Repórter também aborda conteúdos que não se relacionam com as


denúncias. Isso é visto em reportagens documentais, como o programa Catra, o Poeta da
Contramão38. Nele, Roberto Cabrini contou a história do cantor de funk Wagner
Domingues da Costa, mais conhecido como Mr. Catra, famoso por ser adepto à
poligamia. No episódio, ele aborda temas polêmicos da vida do cantor, como uso de
drogas, de ser assumidamente adepto de uma visão machista do mundo e de como virou
um guru de conceitos e incertezas em cima do palco.

38
Conexão Repórter exibido em 10 de outubro de 2013.
45

3 PROFISSÃO REPÓRTER: OS BASTIDORES DA NOTÍCIA NA


INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA

Como vimos anteriormente, o Profissão Repórter estrou na TV Globo no dia 7


de maio de 2006 ainda como um quadro da revista eletrônica Fantástico, apresentado
todos os domingos em um bloco inteiro do programa. Após passar um ano como
projeto-piloto da emissora, em junho de 2007, passou a ser exibido mensalmente às
terças-feiras, no horário das 23h30. Contudo, a partir de 3 de junho de 2008 estreava
uma nova versão do programa, que passou a ser transmitida semanalmente na grade fixa
da TV Globo. Idealizado pelo jornalista Caco Barcellos e com direção de Marcel Souto
Maior, a ideia inicial do programa era recrutar jovens talentos da profissão para
produzirem reportagens investigativas que mostrariam muito mais do que a notícia em
si.

A promessa anunciada semanalmente por Caco Barcellos na chamada e em toda


escalada da atração sintetiza o estilo narrativo do Profissão Repórter: “os bastidores da
notícia. Os desafios da reportagem”. O jornalista revela que pensar o Profissão Repórter
"foi um projeto de características inovadoras, que navegava mais ou menos na
contramão daquilo que é a tradição da dinâmica de trabalho nas redações" (MEMÓRIA
GLOBO, 2014). Sobre o formato da atração, Caco Barcellos explicou ao portal Folha
Online que a missão do Profissão Repórter não é ser inteiramente um programa de
denúncias, porém segue uma linha de trabalho que ele sempre acreditou. "A ideia do
programa é antiga, do tempo em que eu fazia reportagens de denúncia, matérias
investigativas. Buscamos um formato mais equilibrado, que tratasse nem sempre de
denúncia, mas abordasse um assunto com maior profundidade.”39

Diferente de matérias especiais do jornalista sem face do Fantástico, Eduardo


Faustini, o programa revela aonde quer chegar: colocar o repórter como protagonista e
narrador das histórias, sem perder o sentido da investigação, apresentando ao espectador
os caminhos para se realizar uma reportagem, os erros, acertos e questionamentos do

39
BARCELLOS, Caco. Disponível no site: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2008/08/437538-
olhar-do-jovem-gera-material-mais-rico-diz-jornalista-caco-barcellos.shtml. Acessado pela última vez em
23 de setembro de 2014.
46

profissional. No programa, o jornalista deixa de ser coadjuvante durante a gravação das


matérias e assume papel de protagonista, tomando as decisões e guiando o espectador
pelos “caminhos da reportagem”.

Existem muitos modos de se contar uma história, mas no telejornalismo, o relato


e os momentos em que o repórter aparece na matéria representam para muitos autores
uma interferência ao sentido do que se quer relatar. No caso da TV Globo, existe um
manual que restringe o modo de se produzir reportagens para os telejornais, que segue a
tendência do jornalismo estadunidense. Este orienta que o repórter não seja o foco da
matéria, mesmo que apareça em algum momento dela, oferecendo a chance dele
"assinar" o trabalho por meio do recurso conhecido no pelo jargão profissional como
“passagem”.

De preferência, a matéria deve começar em off. O corte direto do apresentador


para as imagens melhora muito o ritmo do telejornal. A passagem, no meio da
matéria, só é necessária se o repórter acrescentar alguma coisa à reportagem
com a sua presença. [...] É bom que os repórteres se lembrem sempre que o que
precisa aparecer, e bem, é a notícia. (MANUAL DA REDE GLOBO, 1986,
p.17 - 23).

O Profissão Repórter inova quando quebra este padrão e muitos outros do


telejornalismo. O programa oferece espaço para que o profissional apareça não como
agente supostamente neutro, mecânico e distanciado da notícia. Ele apresenta um
enredo, em que o repórter é parte integrante do momento em que se desenvolve a ação a
ser captada, que passa por dificuldades, tece comentários e se questiona antes de realizar
as passagens ou até mesmo pensar na locução da matéria. Faz-se presente a todo o
momento o processo de criação da notícia em consonância com o fato jornalístico,
disponível para análise e apreciação do espectador quando o produto final vai ao ar.

Este tipo de trabalho (a exibição das dificuldades para se encontrar uma fonte ou
revelar "a verdade dos fatos") transfere ao Profissão Repórter uma aura do profissional
da notícia como "herói da informação". Este é colocado em uma posição frequente
daquele que não teme correr riscos ou viajar a lugares distantes para conseguir um dado,
uma entrevista, uma resposta. De acordo com Tatiana Vieira Lucinda, existe uma
tentativa evidente de angulação do Profissão Repórter em fazer uma analogia entre o
jornalista e o herói clássico em sua jornada, proposto por Christopher Vogler.
47

Herói porque lida com qualquer desafio em prol de um bem coletivo. Passa por
dificuldades, mas as vence. E quando devolve o resultado de seu trabalho (a
informação) à comunidade, seu “elixir” (= troféu, prêmio) é o aprendizado
conquistado durante a aventura e também o reconhecimento pelo bem social
que proporcionou" (LUCINDA apud VOGLER, 2008, p. 36)

Assim, assumindo papéis de protagonistas, como os personagens heroicos da


ficção, o jornalista "cresce e se transforma, fazendo de um modo de ser para o outro: o
desespero à esperança, da fraqueza à força, da tolice à sabedoria, do amor ao ódio e
vice-versa". (Ibid apud VOGLER, 2008, p. 28).

Logo na estreia, ainda como quadro do Fantástico, o apresentador Pedro Bial


anunciou que começava uma atração que trazia "o jornalismo a flor a pele. O repórter
Caco Barcellos entra em campo com uma equipe de jovens jornalistas para mostrar com
quantas informações, com quantas imagens, com quanta emoção se faz uma
reportagem"40. Em seguida, era apresentada, por Glória Maria, a matéria Os pichadores
em ação41, como o modo de expressão de um grupo de jovens das periferias de São
Paulo e do Distrito Federal que passam suas noites sujando muros de casas, prédios e
monumentos, enquanto alimentam conflitos entre gangues. Longe de ser uma
reportagem de denúncia, Caco Barcellos e sua equipe encontraram os grupos de
pichadores e passaram noites com eles para revelar seus anseios, medos e estilos de
vida. Ao mesmo tempo, também havia questionamentos dos repórteres em situações da
rotina profissional que acontecem “atrás das câmeras”. A iniciativa rendeu a atração
com apenas dois meses no ar, o V Prêmio Jovem Brasileiro como melhor quadro de
conteúdo jornalístico produzido e apresentado por jovens. (MEMÓRIA GLOBO, 2008).

Mesmo com maior tempo para realização do trabalho, escritório próprio e


começando com a mesma equipe da primeira versão, o programa pouco mudou com o
tempo. Ele apenas passou por alterações casuais da ordem visual. Mais tarde, abriu-se
espaço para a entrada de outros jornalistas, com a saída dos que começaram ali. O
programa continua sem uma apresentação em estúdio, tradicional dos programas de
telejornalismo diário e outros de reportagem especial, como o Globo Repórter e o
Fantástico. Caco Barcellos costura o programa com sua narração, que liga as
reportagens, de modo a parecer que estão acontecendo simultaneamente, e uma

40
Fantástico exibido em 07 de maio de 2006.
41
Fantástico exibido em 07 de maio de 2006. Quadro Profissão Repórter.
48

apresentação in loco. Como objetivo desse capítulo final faz-se necessário desnudar o
seu formato, equipe, discurso e recursos imagéticos, analisando a atração pela
perspectiva do jornalismo investigativo e fazendo uso do embasamento prático-teórico
apresentado, para então compreendermos de que forma o Profissão Repórter contribui
para um jornalismo transparente e de valor para a sociedade.

3.1 Caco Barcellos: uma aula de jornalismo investigativo

Cláudio Barcelos de Barcelos, mais conhecido como Caco Barcellos, é um dos


nomes mais citados quando se fala de jornalismo investigativo na televisão brasileira.
Gaúcho, começou a trabalhar na profissão quando ainda cursava faculdade de
Matemática. Sem nem imaginar que um dia fosse fazer Comunicação Social, Caco teve
seu primeiro contato com reportagem ao dirigir o jornal do Centro Acadêmico da sua
faculdade ainda nos anos 1970. De temática "underground", ele se reunia diariamente
com seus amigos "hippies" para discutir os principais acontecimentos da semana. E foi a
partir desse veículo experimental que um jornalista de Porto Alegre o convidou para
trabalhar em sua empresa como estagiário. Na época, a exigência da graduação
específica em jornalismo era algo dispensável para o exercício da profissão.

Seu chefe era Carlos Alberto Kolecza, jornalista experiente e que o ensinou os
rumos da reportagem investigativa. Após um semestre como estagiário, Caco largou a
área de Exatas e passou a se dedicar integralmente ao jornalismo. Nos primeiros anos da
profissão trabalhou nas revistas Veja, Isto É e Repórter Três. A carreira televisiva foi a
que mais demorou a chegar à vida de Caco. Isso porque ele acreditava que a televisão
não era um bom espaço para desenvolvimento de reportagens aprofundadas. Para ele, a
TV , “era oficiosa demais. Desprezava a reportagem, evitava a investigação, nunca
perseguia a informação exclusiva, o furo jornalístico”. (BARCELLOS, 1994, p.21)

Longe da ditadura militar brasileira, durante os anos que passou nos Estados
Unidos, Caco Barcellos manteve contato direto com a imprensa local que e se
diferenciava muito do jornalismo do Brasil. Eram os anos de grandes reportagens
investigativas, do Caso Watergate, da valorização do profissional como "cão-de-guarda"
da sociedade, de grandes documentários e de jornalismo investigativo na TV. Isso o
49

impulsionou a se tornar repórter de vídeo e trazer para a imprensa brasileira a essência


do que ele sentiu fora do Brasil. Essa experiência permitiu a Caco a certeza de que o
jornalismo investigativo é também uma chance de se aproveitar mais do que a notícia
tem a dizer e que isso é algo que deve ser projetado para as próximas gerações em
qualquer mídia, independente dos impedimentos momentâneos.

Eu gosto de contar a notícia em todos os seus detalhes, explicá-la um pouco


mais, e isso, ao vivo, às vezes é impossível. Prefiro um envolvimento maior
com as histórias. Não gosto simplesmente de narrar a cena que todos já estão
vendo acontecer. Preciso desenvolver melhor a técnica. É a tendência natural do
telejornalismo futuro. (BARCELLOS, 1994, p.22).

Seu começo na televisão foi a partir da São Paulo na TV, da produtora Abril
Vídeo. Não demorou muito para que o seu talento o levasse à Rede Globo, trabalhando
como correspondente internacional. Contratado para atuar no exterior, cobriu o atentado
terrorista de Madri, em 2003, e a morte do papa João Paulo II. Durante a produção dessa
última cobertura, em 2005, Caco esperou por 18 horas em uma fila de fiéis que
aguardavam para dar o último adeus ao Papa42. A matéria foi exibida como destaque do
Jornal Nacional daquele dia. Na Globo, Caco também no Globo Repórter, Fantástico e
em sua criação mais recente, o Profissão Repórter (MEMÓRIA GLOBO, 2014).

Caco Barcellos também se dedica a outra paixão profissional: os livros-


reportagem. Seguindo a tendência de jornalistas que ficaram conhecidos por
desenvolverem enredos literários sobre fatos reais, como Truman Capote e Gay Talese,
Caco escreveu três romances: Rota 66 - a história da polícia que mata; O abusado - o
dono do Morro Santa Marta; e A revolução das crianças. Os livros possuem temas
relacionados com a sociedade brasileira, suas mazelas e conflitos que frequentemente
estampam as capas de jornais. Em Rota 66, por exemplo, Caco conta a história de três
jovens de classe alta de São Paulo mortos por policiais nos anos 1980. Acusados de
assassinato, os policiais foram ao tribunal e absolvidos. Após uma longa investigação
envolvendo dias e mais dias em necrotérios, imagens exclusivas de policiais torturando
pessoas sem nenhuma prova de crime, Caco consegue que estes sejam presos, abrindo
margem para que pressões sobre maus policiais sejam colocadas em pauta na mídia e

42
Jornal Nacional exibido em 07 de abril de 2005.
50

sociedade. Caco assume que se não fosse pela criteriosa checagem de informação, a
checagem frequente de fontes e a perseverança, seu trabalho nunca seria bem feito.

Há armadilhas muito mais sutis que podem nos levar ao erro. A própria fonte do
jornalista, por exemplo, pode representar um grande perigo. [...] Antigamente
eu investigava para encontrar provas, levar adiante a denúncia. Hoje,
frequentemente sou obrigado a investigar para descobrir as mentiras embutidas
nas falsas denúncias. (BARCELLOS, 1994, p.20).

Dissecando a história de Caco Barcellos, vemos que existem razões evidentes


para o Profissão Repórter se constituir no formato que tem. No programa, Caco é editor,
apresentador e narrador principal. É ele quem edita com os novatos e explica os
elementos de uma boa apuração, permitindo à equipe o trabalho em conjunto,
indispensável na mídia televisiva. Ele assume o papel de condutor, aquele que aponta
erros, acertos e momentos em que os "aprendizes" poderiam ter ousado mais. Caco
retransmite o que aprendeu na época como estagiário, propondo sempre aos jovens
jornalistas um desafio a ser cumprido. E tudo que os "focas" encontram no caminho se
assemelha às experiências que o tutor Caco Barcellos passou e que o ajudaram a seguir
e encontrar um caminho no jornalismo investigativo.

3.2 Os jovens focas e as provações

Um dos elementos fundamentais do Profissão Repórter são os repórteres


novatos, contratados após uma seleção interna da Rede Globo. Estes atuam como
estagiários da emissora em diferentes departamentos durante um ano. E no final desse
período, cada programa ou telejornal busca o indivíduo que se encaixa no melhor
projeto. Em entrevista a revista Veja, Caco Barcellos esclareceu que, apesar de ele não
participar de toda etapas da “peneira”, faz questão de decidir quem vai trabalhar no
programa idealizado por ele. "A equipe inicial saiu daqui, mas eu vou com foco no
indivíduo que tem jeitão para reportagem"43.

43
Canal da Revista Veja publicado em 28 de novembro de 2011. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Hc7JwVCuf3w
51

Na temporada 2014 do programa, Danielle França, Felipe Bentivegna, Fernando


David, Paula Akemi, Thiago Jock, Valéria Almeida e Victor Ferreira são os
responsáveis por apurar as histórias que vão ao ar toda terça-feira. Além deles, existem
equipes de edição de texto, finalização e uma equipe técnica de vídeo e áudio. Mesmo
havendo uma equipe de cinegrafistas, sempre há espaço para o repórter realizar a
matéria com uma segunda câmera portátil, a fim de mostrar a ação do jornalista.

Na prática, o trabalho dos jornalistas iniciantes divide-se na cobertura de


diferentes histórias de vida, denúncia ou acompanhamento da rotina de uma personagem
de forma documental. A gravação dessas reportagens acontece em momentos distintos,
porém, na roteirização do programa é evidente que as histórias são recortadas e
encaixadas como um quebra-cabeça a fim de compor um produto único. Isso é feito
propositalmente, de modo que esses pedaços façam sentido, retroalimentando as
histórias e reforçando para o espectador a tensão pela qual os repórteres passam durante
seu trabalho. O Profissão Repórter poderia ser encarado como um reality show da
notícia, mas de acordo com a produção, o formato é um modo de humanizar o jornalista,
visto muitas vezes como um ser dotado de privilégios e glamour. Nessa missão, os
“focas” desnudam o modo de fazer notícia investigativa para o público. De acordo com
as pesquisadoras Luciane Bistante e Luciana Bacelar, experientes profissionais de
televisão que atuaram na Rede Globo e TV Bandeirantes, cursar jornalismo em busca de
reconhecimento e se tornar famoso pode ser um erro grave.

Se o que desperta a sua vontade de se tornar jornalista é a possibilidade de se


tornar uma celebridade só porque você aparecerá no vídeo, é melhor
reconsiderar. Você está na profissão errada. Até porque não basta ter boa
aparência, é preciso mostrar serviço. Claro que repórteres são reconhecidos na
rua. Mas, se o objetivo for só esse, convenhamos, não compensa o investimento
que é preciso fazer. A rotina do jornalismo é cansativa, e isso se aplica à
maioria dos meios. (2005, p. 96)

Poderíamos fazer uma analogia entre a investigação jornalística dos "focas" do


Profissão Repórter ao de um detetive. O cliente em questão seria o público, ávido por
informações frescas, fornecidas com eficácia e critério em busca de uma verdade que
precisa vir à tona. O gênero de jornalismo interpretativo é frequentemente associado ao
trabalho do investigador particular. Caberia a ele, se ausentar da imparcialidade e
chafurdar onde apenas as notas oficiais não bastam. Contudo, o repórter de um
52

programa como Profissão Repórter, não tem a tarefa de fornecer juízos de valor, e sim
os dados que guiarão a opinião do público ao qual ele serve. Segundo Beltrão (1980, p.
82),

Cada testemunho, cada documento que se recolhe é uma mescla de dados e


pontos de vista, uma trama de fatos e opiniões. Separar uns dos outros até
formar uma imagem nítida de ambos exige esforço, requer experiência, supõe
frieza. [...] O jornalista pode e deve apresentar todos aqueles dados, mas não
pode nem deve desqualificar uma ou outra opinião, porque esta tarefa
corresponde ao leitor.

Pode se perceber o espaço do programa como uma chance única de jornalistas


recém-formados trabalharem na contramão do fluxo de informação atual. Esta se
apresenta cada vez mais veloz e na "busca frenética diária por novidades impactantes
desencadeia distorções" (BACELAR & BISTANTE, 2005, p. 82). Dois valores do
jornalismo investigativo que o Profissão Repórter resgata mostram que é preciso nadar
contra essa corrente: a pesquisa e a vivência nas ruas. Os repórteres que são lançados
pelo programa nunca apresentam reportagens apenas com dados ou imagens coletadas
dentro da redação. Na emissora, acontece o processo de apuração com os “focas”,
assumindo papel de produtores e buscando informações, por meio de telefonemas, e-
mails ou outros meios. Depois, eles vão às ruas encontrar os personagens que vão
ganhar voz. Caco Barcellos viveu os velhos tempos da imprensa no século XX, antes da
popularização da internet, quando o trabalho de pesquisa mais simples levava até
mesmo dias por conta da burocracia e da falta da tecnologia informacional que existe
hoje. Porém, ele percebe que o contato com o indivíduo, a conversa presencial e a
vontade de acompanhar as histórias ainda é um desejo dos novatos que ele orienta.

Eles são muito mais bem informados. [Na minha época] Para buscar uma
informação qualificada, aprofundar a sua pesquisa, tinha entrar em uma
biblioteca pública, enfrentar um sistema... E esse povo pode fazer isso em
poucos segundos, em qualquer biblioteca do mundo. E eles fazem. Eu acho isso
fundamental para iniciar o trabalho. Outra coisa é a rua. Buscar o inusitado, o
novo, o exclusivo lá fora. Esse background [a pesquisa] é fundamental até
mesmo para selecionar o que é novo na história.44

Para se produzir uma reportagem investigativa é necessário que o profissional


tenha um certo envolvimento com a matéria. Mais do que interlocutor, ele deve se fazer

44
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Hc7JwVCuf3w. Acessado pela última vez em 24 de
setembro de 2014.
53

presente e encarar os fatos para entender melhor o universo a ser retratado. De posse
dessas informações, os “focas” do Profissão Repórter permitem-se entregar à notícia e
emocionam-se com os dramas humanos e a dor alheia. Ocasionalmente essas reações
são exibidas durante o programa, derrubando também o mito da objetividade no
jornalismo. Um exemplo aconteceu no programa Estrangeiros45, que mostrava a jornada
de pessoas que querem recomeçar a vida no Brasil. Em sua primeira reportagem para o
Profissão Repórter, o jornalista Estevan Muniz foi encarregado de procurar refugiados
da Guerra Civil da Síria. O conflito foi iniciado a partir de uma série de protestos em
janeiro de 2011 e, na época, já havia matado mais de 130 mil pessoas. Ao entrevistar
Hifa Alshaar, refugiada síria em São Paulo, que teve que escapar para o Brasil deixando
sua família para trás, Estevan se abraçou à entrevistada quando ela começou a chorar.
Logo em seguida, ele justificou dizendo que entendia a situação de Hifa e imaginou
como seria se aquilo acontecesse com a mãe dele. A série, como se vê, aproveita
momentos como este da subjetividade adjacente ao mediador, em que ele relata seus
sentimentos aos telespectadores e coloca-se no lugar da vítima para refletir a respeito e
promover uma maior comoção do público, sem dúvida, já que essas cenas dificilmente
estariam em um jornal tradicional que se baseia na “imparcialidade”.

O apelo emocional também é matéria-prima na elaboração do espetáculo. Isto


porque o discurso espetacular prioriza a aparência em detrimento ao real, tende
a tornar visível uma dimensão que não se pode tocar. Para que esta nova versão
da realidade seja, de certa forma, “palpável” ao receptor, ele precisa senti-la.
Por isso, o despertar da sensibilidade e da emoção é fundamental. (LUCINDA
apud GUY, 2008, p 86)

3.3 Análise do conteúdo do programa

Para compreender de que forma a atração da TV Globo insere os métodos do


jornalismo investigativo semanalmente, é preciso analisar uma amostragem do
programa pontualmente. Dessa forma, serão estudados momentos distintos em que as
marcas desse modo de produção de notícias se fez presente. O conteúdo escolhido para
análise se refere aos programas Hemodiálise46 e Adolescentes no Crime47.

45
Profissão Repórter exibido em 3 de junho de 2014.
46
Profissão Repórter exibido em 13 de agosto de 2013.
54

Em todas as edições, o Profissão Repórter abre o programa com uma escalada


semelhante a dos telejornais. Inicialmente, informa-se o tema do programa e são
apresentadas vários “sobe-sons” dos destaques da edição. Cabe ao jornalista Caco
Barcellos finalizar com o slogan "os bastidores da notícia, os desafios da reportagem.
Agora, no Profissão Repórter".

Em seguida, entra a vinheta, que tem 12 segundos. Da primeira versão até hoje
pouca coisa mudou. Nela, imagens em tom de azul e amarelo transitam rapidamente em
diversos momentos. São vistos equipamentos da rotina do repórter, como computadores,
câmeras, refletores e microfones com canoplas. Apresenta-se um plano geral da redação
do programa, que foge para a rua, onde passos apressados sugestionam o movimento. A
imagem some em fade-out e aparece a logomarca do programa. A trilha sonora que
acompanha a vinheta é vibrante e semelhante ao som emitido por modens de internet. A
vinheta estabelece um sinal de alerta. Essa estratégia é pertinente ao meio televisivo,
uma vez que o programa é na sua maioria recepcionado no ambiente doméstico,
marcadamente dispersivo.

No programa sobre hemodiálise, a equipe de reportagem de Caco Barcellos


visitou hospitais para mostrar a rotina de pessoas que esperam por um transplante de
rim. A reportagem foi sugestão de Valéria Almeida, jornalista do programa. Em uma
visita a um centro avançado de hemodiálise de São Paulo, Valéria conheceu Gislene
Silva, uma dona de casa baiana que perdeu o funcionamento dos rins após a 4ª gestação.
Valeria se identificou com a história de sua entrevistada, que viveu algo semelhante a
sua mãe, que faleceu mesmo após exaustivas sessões do tratamento.

O apelo emocional já mencionado é aproveitado neste momento também. A


repórter se volta à câmera e conta sua história, enquanto segura o choro. Na sequência,
Caco Barcellos aparece na redação ao lado de Valéria, questionando se ela permitira o
uso desse momento como exemplo de casos de falência dos rins em que a morte foi o
seu epílogo. Dessa forma, percebe-se o jornalista lado a lado da história, como agente
mediador e parte da investigação. A postura aproximada com as fontes é comum para

47
Profissão Repórter exibido em 12 de agosto de 2014.
55

jornalistas que realizam reportagens aprofundadas e interpretativas, diferente de


matérias factuais. Segundo Sequeira (2005, p. 80),

Com base nas rotinas de trabalho dos repórteres investigativos, pode-se concluir
que, se cada reportagem investigativa é única necessita de técnicas e
metodologia próprias durante uma apuração, cada repórter também é único, na
sua forma de avaliar e se relacionar com suas fontes.

Muitos autores vistos afirmam que para se realizar uma reportagem investigativa
é preciso revelar versões escondidas dos fatos. E isso não se aplica somente às
denúncias. Jornalistas como Caco Barcellos estão acostumados a buscar o "outro" lado
da informação, que seria a versão do réu. Sem a necessidade de apontar culpados, ele
assume que "nós quando fazemos matéria investigativa com teor de denúncia damos a
oportunidade de o acusado falar das circunstancias que o levou a cometer determinado
delito e compor a história com mais equidade"48.

Um exemplo disso é o episódio Adolescentes no Crime. O programa fala sobre


os assassinatos cometidos por adolescentes e o funcionamento do sistema judiciário,
como ele pune e o que se tira da tentativa de recuperação. Ao invés de buscar o crime
cometido, a equipe do Profissão Repórter deu vez ao mundo da pessoa condenada,
revelando abusos do sistema penal brasileiro. Em Belo Horizonte, o repórter Victor
Ferreira acompanhou o juiz Marcio Alexandre do Conselho Nacional de Justiça que foi
fazer uma fiscalização em um presídio da cidade. No local, eles encontraram menores
de idade presos em celas de adulto, superlotadas e em condições irregulares. Vê-se,
portanto, que ao buscar o outro lado do acusado, foi possível fazer questionamentos de
problemas diversos, evidenciando que a reportagem investigativa é também seguir
pistas como um detetive.

48
Entrevista concedida a Veja: https://www.youtube.com/watch?v=Hc7JwVCuf3w. Acessado pela última
vez no dia 25 de setembro de 2014.
56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No mundo em que vivemos, a posição do jornalista como mediador dos fatos e


intérprete da realidade social recebe importância tal que este muitas vezes é enxergado
como um ser dotado de um talento único e inquestionável. Porém, percebe-se que a
prática e muitos estudiosos já derrotaram a ideia de que as notícias diárias são
imparciais e objetivas. Todo processo comunicacional envolve interesses, seja em
benefício próprio ou pelo desenvolvimento da cidadania, da cultura e da liberdade; seja
contra injustiças, preconceitos e descriminações.

Com a emergência de novas mídias comunicacionais e a chegada da internet, o


fluxo de informação apenas cresceu e rompeu os moldes clássicos de transmissão e
recepção, permitindo o desenvolvimento da seletividade e produção de conteúdo
passasse também para as mãos dos que antes eram consumidores de notícias. A
televisão, como mídia audiovisual ciente de seu impacto representativo na vida das
pessoas, tem uma característica singular. Ela se transforma rapidamente, acompanhando
tendências e anseios do público, ávida por audiência. Ciente disso, esta pesquisa
apresentou de que modo essa mudança ocorre em programas que carregam a tradição do
jornalismo investigativo, uma categoria profissional que realiza um trabalho
diferenciado e de grande valor para instituições e o poder punitivo do Estado.

O jornalista ao adentrar em uma investigação, amplia o seu olhar e faz uso de


diferentes técnicas para por a notícia a serviço da sociedade. Este profissional existe e
precisa ver mais do que fato, e sim histórias; ver pessoas, e não fontes. Nesta pesquisa,
vimos que existe diferentes modo de se realizar reportagens investigativas no
audiovisual. E no Brasil, ainda que tardia, ela encontra na contação de histórias, na
rotina policial, na denúncia e na espetacularização da informação modos distintos de se
fazer presente. Foram encontradas dificuldades em selecionar uma amostragem temática
do que seriam os programas investigativos, tendo com base de que eles não se fecham
em apenas uma característica, ou se baseiam em um único resultado. Alguns não
buscam punir nem julgar. Outros, apontam acusados e acompanham a história até que
seja feita “justiça”. Contudo, a busca por este panorama esclareceu que a reportagem
57

aprofundada por receber diferentes tratamentos e segue cada vez mais uma tendência da
junção de informação com entretenimento. Emergem, portanto, novos modelos, híbridos
e que buscam no novo o modo de se fixarem e ganharem o gosto do público.

Entre eles, se destaca atualmente o Profissão Repórter. O programa é uma escola


para novos profissionais que buscam aprender mais do que a produção da notícia diária.
Eles querem conhecer pessoas, se envolver com as histórias, fazer parte da reportagem e
assumem a postura de verdadeiros “herois da informação”. Orientados pelo veterano
Caco Barcellos, aclamado jornalista investigativo que guia o programa. A série
desenvolve do espectador uma característica mais voyerista, na rotina semanal de
invadir o privado, os bastidores de trabalho, em um conteúdo público. Em consonância,
são realizadas grandes reportagens investigativas, ganhadoras de prêmios e
reconhecimento de profissionais e instituições.

Dessa forma, o programa apresenta um modelo que responde aos "novos


tempos" da era da velocidade comunicacional e do desejo do público em busca de obter
informação bem apurada. Mais do que o olho na fechadura ou numa janela aberta para
os bastidores da reportagem aprofundada, o Profissão Repórter é um programa de
jornalismo investigativo. Com temas trabalhados de forma dinâmica, sustentados pela
mesma carga dramática do real que antes era aproveitada em outros formatos de
policiais ou documentários, a atração se alia à uma forte conversação cada vez mais
presente com o espectador, que precisa estar, conhecer e sentir-se parte do processo
produtivo da informação que ele consome. Isso permite ver que não é fácil ou simples
de se fazer um bom trabalho jornalismo investigativo. Exige esforço, estudo e
sensibilidade. Mas ele existe e tem seu espaço para a construção de uma sociedade mais
justa e democrática.
58

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www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf.

Roberto Cabrini volta à Casa dos Esquecidos. In:


www.sbt.com.br/conexaoreporter/noticias/14795/Roberto-Cabrini-volta-a-Casa-dos-
Esquecidos.html#.VB-iofldWSo. SBT, 2014.
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PEREIRA, Jhonatan. “O olhar do jovem gera material mais rico”, diz jornalista Caco
Barcellos. In: www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2008/08/437538-olhar-do-jovem-gera-
material-mais-rico-diz-jornalista-caco-barcellos.shtml. Folha Ilustrada, 2014.

“O Profissão Repórter tenta abordar todos os lados”. In:


www.youtube.com/watch?v=Hc7JwVCuf3w. Canal Revista Veja, 2014.
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ANEXO

Entrevista com o criador e diretor do programa “Documento Especial” da TV


Manchete, SBT e Band, Nelson Hoineff.

Como nasceu o Documento Especial?

Eu fui para a Manchete alguns meses antes da emissora entrar no ar. Lá, eu participei da
organização do jornalismo. Como eu estava insatisfeito e já querendo sair, fui mandado
para o núcleo de Projetos Especiais, onde eu criei o Documento Especial, que ficou na
Manchete até 1992, quando eu fui para o SBT. Nesse núcleo eu tinha duas funções:
receber os projetos que chegavam à Manchete, avaliar e mandar um relatório disso para
o diretor geral. E a outra era criar, ter novas ideias. Eu sentia falta de um programa na
televisão brasileira que fosse ousado, investigativo, que fugisse dos parâmetros normais.
E algumas situações me incomodavam muito na televisão brasileira - e na Manchete, em
especial. Uma delas era um estreitamento muito grande das possibilidades temáticas da
televisão. Por exemplo: você bota o nariz para fora de casa e tem bandidagem, existe
sexo... Na televisão não existia nada disso. Havia um mundo fora da televisão e outro
dentro que não tinha nada a ver com o mundo real. Daí eu disse: eu vou fazer um
projeto nesse sentido. Então, eu fiz uma coisa que era literal mesmo. Peguei uma folha
de papel e nela escrevi algumas coisas que eu não gostava na Manchete, como "não
pode aparecer gente feia, não pode prostituta, travesti, religião, corrupção, drogas..." E
eu levei esse projeto para o superintendente da Manchete na época, que era o Jaquito.
Supreendentemente, ele veio me dizer: "O que você precisa para fazer um piloto do
programa?" Eu disse: "preciso de um mês e sete pessoas". A gente fez o piloto e exibiu
para toda a direção. Então, quando acabou a exibição, o Jaquito veio me dizer que era a
melhor coisa que já foi produzida dentro da Manchete. Então, nós estreamos o programa
de agosto de 1989. A gente sabia que estava ousando muito. E eu tinha arranjado para
fazer o programa pessoas que já estavam para morrer dentro da Manchete - que já
estavam em vias de serem demitidas. Porque eu pensei que o programa não ia durar
nada. Eu produzi dois programas. Um falso e outro verdadeiro. Peguei o falso e a
direção da emissora aprovou. Daí eu troquei as fitas e mandei para a programação o
verdadeiro, que era bem mais pesado do que aquele que havia sido aprovado. Eu me
surpreendi com isso. Porque como a gente sabe, a televisão comercial vive de
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resultados. Ele estreou numa quarta-feira, às 19h. Nesse horário, a Manchete sempre
dava entre traço e 1 ponto no Ibope. Na primeira semana deu 7 pontos, na segunda 8 e
na terceira 13. E assim ele se consagrou. Na época, eu tive uma liberdade imensa. E
colocávamos chamadas fortes, instigantes. Assim ele foi se modificando aos poucos,
conforme os feedbacks que eu recebia do público. A gente recebia muita carta. E de 10
cartas que recebíamos, 9 gostavam do programa e 1 tinha restrição quando ao tempo das
matérias. As pessoas queriam matérias maiores. O programa tinha 30 minutos com 3
matérias. Passou a ter 1h com 1 matéria. A partir de quando começamos a conseguir
prêmios tivemos um retorno muito forte. Era mesmo um programa muito revolucionário
e fizemos uma coisa que nunca havia sido feita na TV. Odeio ser autorreferente, mas, de
fato, mudamos a televisão brasileira.

O que era considerado um programa pautável para o Documento Especial? A


busca de vocês era por temas que tracejassem o assunto dos telejornais ou a ideia
era fugir totalmente da pauta comum?

É interessante a sua pergunta porque quando a gente começou a fazer o Documento, eu


já tinha experiência muito grande em direção de telejornais e de jornais impressos,
como o Diário de Notícias e o Última Hora. Quando a gente começou, fizemos algumas
reuniões de pauta para definir os temas, mas sentíamos que elas eram meio frias.
Acontecia então o seguinte: eu ia para o banheiro e chegava um cara do meu lado com
uma ideia para o Documento Especial. No botequim, chegava outra pessoa e vinha com
outra ideia. Várias das reportagens de maior impacto surgiram de coisas que eu mesmo
nunca tinha ouvido falar. Uma vez, um de nossos colaboradores chegou e disse “olha,
Nelson, têm uns bailes no subúrbio com milhares de pessoas. Só tem homem, uns dando
porrada nos outros”. E eu dizia que isso não era possível, que não existia. E ele ia lá
com uma camerazinha, me trazia e a gente colocava no ar – essa foi primeira matéria
sobre bailes funk. Outro veio e me disse que havia pessoas que faziam um surf em cima
de trens. Eu nunca tinha andado de trem no subúrbio. Nunca ia imaginar que aquilo
acontecia. Fizemos uma matéria sobre surfistas ferroviários que foi um sucesso
retumbante. E tivemos vários temas mais ousados, como a Igreja Universal do Reino de
Deus. Na época não havia microcâmera, então pegamos a menor que achamos e a
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colocamos dentro de uma Bíblia de madeira. Para definir o tema do programa, a gente
tinha como parâmetros ampliação do universo temático da televisão e também o
tratamento horizontalizado com o espectador. Eu não queria ser o intelectual que olha
para as coisas de cima para baixo, como quem detêm um meio de comunicação. A gente
queria entrar e ter uma relação mais direta com os marginais que a gente estava
abordando ali. Isso era imperioso para eu fazer. Em muitas pautas eu ia, e em outros era
impossível. E, então, consegui montar uma equipe extraordinária de colaboradores, que
depois se dispersou.

Você considera um Documento Especial um programa de jornalismo


investigativo? Que classificação você daria para ele? E o que garantiu o sucesso do
programa?

O programa começou como um programa comportamental. Aos poucos, ele foi


migrando para outras vertentes. O jornalismo investigativo passou a ser uma vertente
muito forte do programa graças a repórteres muito bons como, André Ródi, Eduardo
Faustini e outros. E eu percebi que deveria haver uma convivência com essas
características. Então, alguns dos melhores programas que fizemos eram conceituais.
Fizemos uma vez um sobre “A Saudade” e outros sobre frases do Nelson Rodrigues –
“Todo amor eterno e se acaba não era amor”, “Toda família um dia começa a
apodrecer”. Fizemos muitos programas (e essa é a primeira vez que eu digo isso)
autobiográficos. Existia um cantor muito famoso na época chamado Wando com uma
música chamada “Eu acho que estou perdendo você”. Eu tinha uma namorada na época
que eu percebi que ela estava me deixando. Aí eu fiz esse programa que foi um
tremendo sucesso, baseado na música do Wando, mas era autobiográfico. E eu fiz três
ou quatro mais que também falavam sobre a minha vida. E no Documento, um traço em
comum entre todas essas vertentes do programa de jornalismo investigativo /
entretenimento era a verdade. Eu queria tratar o telespectador com respeito e todo
mundo que estivesse no programa com respeito. Por exemplo, antes das eleições de
1988, fomos entrevistar o Lula e ele disse “Se é para o Documento Especial, eu falo.
Porque sei que o Documento não altera nada”. E fomos falar com o Fernando Henrique
Cardoso e ele disse o mesmo. E eu acho isso essencial. Porque eu gosto de respeitar
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para ser respeitado. Se eu me sinto desrespeitado vendo um mero telejornal, eu não


quero desrespeitar ninguém. O povo é muito menos burro do que a maioria dos
executivos de televisão imagina. E ele reage muito bem às coisas boas. Executivos de
televisão que nunca leram nada sobre televisão e só estão preocupados com o salário no
fim do mês não conseguem avaliar que quando você coloca o povo em frente a si
mesmo, mas não o tratando com desdém, mas com respeito, ele reage muito bem. Eu
tenho a impressão de que isso que acontecia no Documento. Até mesmo nos
experimentos formais. Eu me lembro de quando a gente estava gravando sobre a Igreja
Universal e tinha uma menina em transe no Maracanã. Quando a gente foi editar,
experimentamos deixar 5 segundos dela e não funcionou como eu queria; 10 segundos,
não funcionou; 30 e não funcionou. Eu perguntei: “Quanto tempo tem esse plano?” E o
editor me respondeu: “mais de 4 minutos”. E eu disse “Vamos deixar o plano inteiro
então”. Na televisão, ninguém cogitaria um plano sequência desse tamanho. Isso só
existia em cinema. Mas isso não só deu a dramaticidade que eu queria como aumentou
em dois pontos a audiência. Os experimentos temáticos e formais, a ampliação do
universo temático, a horizontalidade, o respeito e o cuidado aos escolher os temas e o
tratamento que a gente dava foram os responsáveis por esse sucesso.

E os riscos de gravação? Como vocês lidavam com essa realidade?

Era perigoso gravar na rua sim, bastante. Nós tivemos alguns problemas. E isso é
interessante falar disso porque o Tim Lopes, que era muito meu amigo, pouco antes de
morrer, a gente estava almoçando e ele disse “Nelson, o que eu faço, eu me inspiro
muito em vocês”. E o Tim morreu exatamente ao fazer uma dessas reportagens ousadas
que ele fazia de forma extraordinária, brilhante e inteligente. A televisão sempre foi
muito oficialista. Primeiro porque ela é uma concessão, depois porque ela sempre
dependeu muito de verbas públicas. Ela tem um sentido que só agora está mudando. A
maneira da televisão de falar com o espectador ainda é muito oficialista, inclusive no
jornalismo. Se você separar o Ricardo Boechat ou o Bóris Casoy, percebe que todos os
outros falam com você como se fossem a expressão de algo maior ou te tratam como
um imbecil. Chegar nesse ambiente e, por exemplo, invadir com uma câmera oculta no
paletó do repórter o gabinete de um deputado, perguntar se ele estava lá numa quinta-
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feira e a secretária responder rindo “Numa quinta-feira, você acha que ele vem aqui pra
Brasília?” é realmente algo que muda essa perspectiva. Eu lembro que uma vez fizemos
um programa sobre prostituição masculina que foi um escândalo, já que ninguém nunca
tinha feito nada parecido. Tivemos acesso, conversávamos com vários garotos de
programa e tal e, logo depois, a Globo fez uma novela que tinha um personagem assim.

Você pode fazer um paralelo dos programas investigativos de hoje com os da


Manchete? É de hoje que se investe em temas polêmicos?

Hoje eu não vejo com tanto cuidado os programas investigativos que vão ao ar. E eu
tenho participado de júris e percebo que uma coisa que me desagrada é uma
manipulação formal – uma música forçando muito a barra, uma câmera lenta, uma
pergunta que foi obviamente colocada ali para causar um efeito desejado... E faz parte
disso que eu falei sobre ver o espectador como um ser inferior. Ele tem que ser
motivado por uma música, que é uma música que diz qual a emoção ela precisa ter
naquele momento. Já no Documento, o repórter não aparecia. E muito frequentemente
ele faz um papel de Deus. Esse é um personagem que eu não gosto muito. E ele não
aparecia porque a minha ideia era fazer um programa de material 100% jornalístico,
mas com uma linguagem ficcional. O meu desejo era que você assistisse ele como quem
segue uma obra de ficção. E esses programas todos, como Conexão Repórter e Profissão
Repórter eu não respondo bem porque eu não os conheço com profundidade. Mas eu
rejeito comparações com produções policiais como o Aqui e Agora, por exemplo. E o
Documento nunca foi assim. O programa policial sempre houve na televisão e o que
fazíamos ali não tinha nada a ver com isso.

Muita gente garante que a TV do futuro voltará a ter a programação toda ao vivo,
como acontecia antes do VT. Você acredita nessa tese? Vale a pena investir em
programas investigativos, que apesar da qualidade tem um custo alto na sua
produção?
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A televisão não pode se pasteurizar mais do que ela já está. O jornalismo hoje, na sua
própria natureza, é investigativo. Os grandes jornais brasileiros (Folha de S. Paulo / O
Globo / O Estado de São Paulo) eles são grandes pelas investigações que são capazes de
se produzir. Senão eles já teriam sucumbido também. E o mesmo que acontece com a
televisão. O custo para se produzir é alto, mas é necessário se investir.

Como foi o fim do Documento Especial?

O Silvio Santos me chamou para almoçar, eu avisei a direção da Manchete, e fui. Ele
perguntou quando eu ganhava lá e multiplicou esse valor por um bem mais alto.
Perguntou minhas exigências e eu falei: quero que leve toda a equipe ganhando mais e
quero fazer o programa no Rio com total liberdade. E, então, assinei o contrato na hora.
Foi um período ótimo, mas no finalzinho, o que motivou minha saída foi a interferência
do Luciano Callegari, que tirou o programa do ar e me mandou embora. Eu acho que,
visto hoje ainda, ele continua sendo incrivelmente inovador, verdadeiro, ousado. E não
tem paralelo nisso, passado esse tempo todo.

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