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TOPICO DE AULA 02 fonte Sindicato Necional dos Editors de Livros, a See. SuMARIO. itroducao MONUMENTO E MONUMENTO HISTORICO Capitulo 1 OS HUMANISMOS £ © MONUMENTO ANTIGO A MONUMENTOS REAIS E MONUMENTOS F Arte grega classic: nidades antigas Restos antigos ¢ humanitas medieval A fase “antigiiizante” do Quattracento lo UL POCA DOS ANTIQUARIOS — RADOS “Antigiiidades nacionais Ge Advento da imagem Huminismo Conservacdo real e conservacao iconogrsifica Capitulo TH A REVOLUGAO FRANCESA ‘Tombamento do patriméni Vandal 10 © conservacio: interpretacdes e secundérios Vv GRACAO DO MC MENTO HISTORICO (1820-1960) O conceito de monumento histérico em si mesmo Valor cognitivo e Preparacao romantica: o pitoresco, 0 abandono ¢ 0 culto da arte Revolugao Industrial: a fronteira do irremedi il 31 32 35 44 61 67 a 76 84 90 95 98, 105 116 125 128 128 132 135 139 143 Gostaria de saudar aqui aqueles cuja obra em favor do patri- ménio me serviu de estimulo para escrever este livro, especialmente Jacques Houlet, Raymond Lemaire e Michel Parent Agradeco também a Alexandre Melissinos, Michel Rebut Sarda Jean-Marie Vincent, que fizeram a gentileza de reler 0 manuscrito. Introdugao MONUMENTO E, MONUMENTO HISTORICO Patriménio*. Esta bela ¢ antiga palavra estava, na origem, ligada as estruturas familiares, econémicas ¢ juridicas de uma sociedade estiv zzada no espaco ¢ no tempo. Requalificada por diversos adjetivos (genético, natural, histsrico, etc.) que fize- ram dela um conceito “némade", ela segue hoje uma trajetéria diferente e retumbante. Patriménio histérico. A expresso designa um bem destina- do ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimens6es planetérias, constituido pela acumulagio continua de uma diversi- dade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras ¢ obras-primas das belas-artes ¢ das artes aplicadas, trabalhos produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos. Em nossa sociedade errante, constantemente transformada pela mobilidade ¢ ubiqitidade de seu presente, “patriménio histérico” tornou-se uma das palavras-chave da tribo midistica. Ela remete 4 uma instituicao e a uma mentalidade A transferéncia semantica sofrida pela palavra revela a opacidade da coisa. O patriménio hist6rico e as condutas a ele ssociadas encontram-se presos em estratos de significados cujas "Bem de heranca que é transmitid, segundo as leis, dos pais ¢ das mies aos filhos', Dicuionaraare de ta tangue frangaise de E. Liter science a Vautre, Des concepts nomades, so sso de. Stengers, Paris, ambigiiidades ¢ contradicées articulam e desarticulam dois mun- dos e duas visdes de mundo. ° Ito que se rende hoje a0 patriménio merecer de nés mais do que simples aprc questionamento, porque se constitui num elemento revelador, negligenciado mas brilhante, de uma condigéo da sociedade ¢ das questdes que ela encerra. £ desse pont de vista que abordo © tema aqui. Entre os bens incomensuraveis ¢ heterogéneos do patrimdnio hist6rico, escolho como categoria exemplar aquele que se relaciona mais diretamente com a vida de todos, o patriménio histérico representado pelas edificagées. Em outros tempos falariamos de monumentos histéricos, mas as duas expressdes nao so ma n6nimas. A partir da década de 1960, 0s monumentos hist6ricos jd nao repr sendo parte de uma heranga que néo para de crescer com a inclusao de novos tipos de bens ¢ com oalargamento do quadro cronolégico e das éreas geogrdficas no interior das q esses bens se inscrevem Quando criow-se, na Franca, a primeira Comissio dos Monumentos Histéricos, em 1837, as trés grandes categorias de monumentos hist6ricos eram constituidas pelos remanescentes da Antigiiidade, os edificios religiosos da Idade Média © alguns, castelos. Ego depois da Segunda Guerra Mundial, 0 nimero dos bens inventariades decuplicara, mas sua natureza era praticamente a mesma. Eles provinham, em esséncia, da arqueolo; téria da arquitetura erudita. Posteriormente, todas as formas arte de construir, eruditas € populares, urbanas ¢ rurais, todas as categorias de edificios, piblicos e privados, suntudrios ¢ utilitérios foram anexadas, sob novas denominagées: arquitetura menor, ter- mo proveniente da Itélia para designar as construcées privadas nao monumentais, em geral edificadas sem a cooperacio de arquitetos; arquitetura vernacular, termo inglés para distinguir os edificios marcadamente locais, arquitetura industrial das usinas, das esta- es, dos altos-fornes, de inicio reconhecida pelos ingleses?. Enfim, Ele requer um nt 2. A Franca eriow uma seco do patri Monumentos Fistécicos em 1986. ial da Com ior dos © dominio patrimonial nao se limita mais aos edi le agora compreende os aglomerados de edificagbes ea malha urbana: aglomerados de casas e bairros, aldeias, cidades inteiras € mesmo conjuntos de cidades*, como mostra “a lista” do Patrimonio Mundial estabelecida pela Unesco. Até a década de 1960, 0 quadro cronolégico em que se ins- creviam 05 monumentos histéricos era, como hoje, praticarnente ilimitado “a montante’, coincidindo, nesse aspecto, com o da pesquisa arqueolégica. “A jusante” ele nao ultrapassava os limites do século XIX. Hoje, os belgas lamentam o desaparecimento da Maison du Peuple (1896), obra-prima de Horta, demolida em 1968; ¢ 0s franceses, Les Halles, de Baltard, destruido em 1970, apesar dos vigorosos protestos que se levantaram em toda a Franca € no mundo inteito, Por mais prestigiosas que fossem, essas vozes eram de uma pequena minoria diante da indiferenca geral. Para a administracio e para a maioria do iiblico, os pavilhdes suspensos que Napoledo Iile Haussmann haviam construido tinham apenas uma funcao trivial, que nao lhes dlava acesso 8 categoria de monumentos. Além disso, eles pertenciam auma época famosa por seu mau gosto. Hoje, parte da Paris de Haussmann esta tombada e, em principio, intocavel daqui por diante. © mesmo se dé com a arquitetura “modern style” — representada, na Franca, na virada do século, por Guimard, Lavirotte e pela escola dle Nancy —, que foi muito efémera e, por isso, depreciada O préprio século XX forcou as portas do dominio patri- monial, Provavelmente seriam tombados e protegidas, hoje, 0 Hotel Imperial de Téquio, obra-prima de F. L. Wright (1915), que resistiu aos sismos naturais, mas foi demolido em 1968; os lers de Perret (1919), demolidos em 1960; as lojas de departamentos Schocken (1924) de Mendelsohn, em Stuttgart, demolidas em 1955; 0 dispensdrio de Louis Kahn, na Filadélfia (1954), demolido em 1973. Na Franca, uma recém-constituida| comissao do “patriménio do século Xx” estabeleceu critério: ¢ uma tipologia para nao deixar escapar nenhum testemunho historicamente significativo. Os préprios arquitetos interessam- se pela indicagao de suas obras para tombamento. Le Corbusier 3. Por exemy tna Austria sido de Wachs 13 fez que suas obras fossem protegidas; atualmente, onze delas esto tombadas e catorze inscritas num inventério suplementar. A mansio Savoye motivou varias campanhas pela restauraci sendo esta mais dispendiosa que a de muitos monumentos medievais Enfim, a nocio de monumento histérico e as praticas de conservagdo que lhe so associadas extravasaram os limites da Europa, onde tiveram origem e onde por muito tempo haviam ficado circunscritas. E verdade que a década dé 1870 assistira, no contexto da abertura Meiji, a discreta entrada do monumento histérico no Japao": para esse pais, que vivera suas tradigGes no presente, que nao conhecia outra hist6ria sendoa dinéstica, que nio concebia arte antiga ou moderna sendo a viva, que néo conservava seus monumentos sendo mantendo-os sempre novos mediante reconstrugio ritual, a assimilacao do tempo ocidental passava pelo reconhecimente de uma hist6ria universal, pela adocao do museu e pela preservacio des monumentos como testemunhos do passado. Na mesma 6poca, os Estados Unidos foram os primeiros a proteger seu patriménio natural, mas pouco se interessavam em conservar aquele constituido pelas edificagées, cuja protecdo é recente e comegou por levar em conta as residéncias individuais das, grandes personalidades nacionais. Por seu lado, a China®, que ig- norava esses valores, comecou a abrir e a explorar sistematicamente o filo de seus monumentos histéricos a partir da década de 1970. Da primeira Conferéncia Internacional para a Conservagao dos Monumentos Histéricos, que aconteceu em Atenas em 19319, 86 participaram europeus. A segunda, em Veneza, no ano de 1964, contou coma participagio de trés paises no europeus: a Tuiisia, 0 México ¢ 0 Peru. Quinze anos mais tarde, oitenta paises dos cinco continentes haviam assinado a Convengao do Patriménio Mundial. 4. Y. Abé. "Les dbuts de la conservation au Japon moderne: idéologie et histori- ite", in Wortd Art, Themes of Unity in Diversity, Acts of the XXVth Ci the History of Art (1986), editada por | University Press, 1989 P. Ryckmans, “The Chinese Attitude Towards the Past’ 6. Conferéncia sobre a conservacio art pela Sociedade das Nacoes (SDN), of. cap, IV, nota 117. Atripla extensio —tipolgica, cronolégica e geogrética — dos bens patrimoniais é acompanhada pelo crescimento exponencial de seu publico. O concerto patrimonial e © concertamento das praticas de deixam, porém, de apresentar algumas dissonan- cias. Esse crescimento recorde comega a provocar inquietagio. Resultard ele na destruicao de seu objeto’? Os efeitos negitivos do turismo nao sao percebidos apenas em Florenga e em Veneza. A cidade antiga de Kyoto se degrada a cada dia. Foi necessério fechar, no Egito, os tximulos do Vale dos Reis. Na Europa, como em outros lugares, a inflac3o patrimonial 6 igualmente comba- tida denunciada por outros motives: custo de manutenco, inadequacio aos usos atuais e paralisacao de outros grandes projetos de organizacao do espago urbano, Menciona-se também. a necessidade de inovar © as dialéticas da destruigdo que, a0 longo dos séculos, fizeram novos monumentos se sucederem aos antigos. De fato, sem remontar i Antigitidade ou a dade Média, € considerando apenas a Franca, basta lembrar as centenas de igrejas géticas destruidas nos séculos XVI e XVIII, fara fins de “embelezamento’, e substituidas por edificios barrocos ou clis- sicos. Pierre Patte, o arquiteto de Lufs XV, preconizava, em seu plano para restaurar e embelezar Paris, que se “abandonasse"™ todas as construgées géticas. Nem mesmo os monumentos da Antigiiidade, por mais prestigio que tenham tido na era classica, deixaram de ser demoliclos, como 0 famoso palicio de Tutele?, em conservacao 7. Charte du tourisme culturel, eomos, Be sure rourisme culturel, commas, docu GB, Universidade de Kent, 1990, 8. Monuments a la gloire de Louis XV, Paris, 1765. No que diz respeito fle de Cité, ele observa: "C ne, que continuaria sendo paréquia da cidade, e do edificio dos Enfants-Trouvés, no haveria nada a preservar nesse Dairro’, p. 226. 9. Demelido em 1677 conservada pri palmente por J. A uecture, 1559} e por Cla Perrault (desenho, a Franga, manuscrites, F. 24713). Es ‘iltimo faz uma descric: 0 didrio de sua Voyage a Bordeaux en 1669 (publicado por P. Bonnefon, Paris, H. Laurens, 1909, com as ea faz gravar por Le Pautre, para sua Résolution’de Camtorbery por Icomos Bordéus, uma vez que atrapalhavam os projetos de modernizagao das cidades e dos territérios. Na Franca, a tradicio de destruigio construtiva ¢ de moder nizaco, de que dio provas esses exemplos, serve atualmente de justificativa o grande niimero de autoridades para sua oposigio aos pareceres dos arquitetos dos edificios frangeses, das Comis- s6es dos Monumentos Histéricos ¢ dos setores sob protegio do Estado. Foi em nome do progresso técnico e social e da melhoria das condicdes de vida de seu entorno que se substituiu 0 teatro de Nimes, elemento-chave de um conjunto neoclissico tinico na por ur centre cultural polivalente, Nos paises do Magreb e no Oriente Préximo ainda se usam os mesmos argumentos para justificar a destruicae ou a adulteracao dos bairros muculmanos: na Tunisia, assim como na Siria ou no Ira, a vontade politica de modernizac3o foj auxiliada pela ideologia do, movimento dos CIAM" e de suas vedetes. De sua parte, os arquitetos invocam 0 direito dos artistas & criacdo. Eles desejam, como seus predecessores, marcar 0 espaco urbano: nao querem ser relegados para fora dos muros, ou con. denados, nas cidades histéricas, ao pastiche. Lembram que, a0 longo dos tempos, os estilos também coexistiram, justapostos articulados, numa mesma cidade ou num mesmo edificio, A his- t6ria da arquitetura, da época romana ao g6tico flamejante ou a0 barroco, pode ser lida numa parte dos grandes edificios religiosos curopeus: catedrais de Chartres, de Nevers, de Aix-en-Provence, de Valencia, de Toledo. A seducao de uma cidade como Paris deriva da diversidade estilistica de suas arquiteturas e de seus espacos Arquiteturas e espagos nao devem ser fixados por uma idéia de conservagio intransigente, mas sim manter sua dindmica: este 6 © caso da pirdmide do Louvre. Os proprietarios, por stia vez, reivindicam o direito de dispor livremente de seus bens para deles tirar 0 prazer ou o proveito que bem entendam. O argumento se choca, na Franca, com uma 10. D. Abdelkali, La Madina de Tints, Po 11. Congresses Intermacionais de Arquitetura Moderna, f Sarraz, S , Presses duu CNRS, 1991 lads em 1928, em MorunwerTo£ NOKMBO HISTORIES legislagio que privilegia o interesse pablico. Ele continua, porém, a prevalecer nos Estados Unidos, onde a limitacao do uso do patriménio hist6rico privado € consicerada um atentado contra a liberdade dos cidadaos, As vozes discordantes desses opositores sio tao poderosas quanto sua determinagao. Cada dia traz uma nova mostra disso. Contudo, as ameacas permanentes que pesam sobre o patrirhOnio nao impedem um amplo consenso em favor de sta conservagio e de sua protegio, que sao oficialmente defendlidas em nome dos valores cientificas, estéticos, memoriais, sociais ¢ urbanos, representados por esse patrimOnio nas sociedades industriais avancadas. Um an- tropélogo americano pode afirmar que, pela mediagio do turismo de arte, 0 patrimdnio representado pelas edificacdes constituirs 0 elo feder 5 ‘0 da sociedade mundial” Consenso/contestagao: as razies ¢ 0s valores invocados em favor das duas respectivas posicdes requerem uma anélise e uma avaliagio criticas. Inflacdo: foi atribufda a uma estratégia politic comporta evidentemente uma dimensio econdmica e marca, com wediocridade da urbanizacao con- temporinea. Essas interpretagées das condutas patrimoniais nio bastam, porém, para explicar seu extraordinério desenvolvimento. Elas nao lhe esgotam o sentido. O que me interessa é precisamente o enigma desse sentido: zona semintica do patniménio construido durante sua constitui io, de dificil acesso, fria e a0 mesmo tempo abrasadora. Para me orientar, recuarei no tempo em busca das origens, mas nao de uma hist6ria; utilizarei figuras e pontos de referencia concretos, mas sem. a preocupagio de fazer um inventério, De antemo, € necessério precisar, a menos provisoriamente, o contetido & a diferenga dos dois termnos subentendidos no conjunto das pra monumento ¢ monumento histérico. Em primeiro lugar, o que se deve entender por monumento? © sentido original do termo é o do lati monumentum, que por sua vez deriva de monere (“advertir’, “lembrar”), aquila.que traz certeza, uma reagao contra a -as patrimoniais: 12. P. Mac Canell, The Tourist: A New Theory o Torque, McMillan, 1976. sisure Class, Londres-Nova Asuzcom no nora 4 lembranca alguma coisa. A natureza afetiva do seu propésito & essencial: nao se trata de apresentar, de dar uma informacéo neu- tra, mas de tocar, pela emocio, uma meméria viva. Nesse sentido primeiro, chamnar-se- monumento tudo o que for edificado por uma comunidade de individuos para rememorar ou fazer que ou- tras geragGes de pessoas rememorem acontecimentos, sacrificios, itos ou crencas. A especificidade do monumento deve-se precisa- mente ao seu modo de atuacio sobre a meméria, Nao apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediacio da afetividade, de forma que lembre o pasado fazendo-o vibrar como se fosse presente. Mas esse passado invocado, convocado, de certa forma encantado, nao € um passado qualquer: ele € localizado e selecionado para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta, contribuir para manter € preservar a identidade de uma comunidade étnica ow religiosa, nacional, tribal ou familiar. Para aqueles que edificam, assim como para os destinatérios das lembrancas que.veiculam, 0 monumento é uma defesa contra o traumatismo da existéncia, um dispositivo de seguranca. O monumento assegura, acalma, tran- guiliza, conjurande o ser do tempo. Ele constitui uma garantia das origens e dissipa a inquietagao gerada pela incerteza dos comecos. Desafio a entropia, 4 acdo dissolvente que o tempo exerce sobre todas as coisas naturais e artificiais, ele tenta combater a angtistia da morte e do aniquilamento. Sua relagao com o tempo vivido e com a meméria, ou, dito de outra forma, sua funcao antropolégica, constitui a esséncia do monumento, © resto é contingente e, portanto, diverso e variavel Ja o constatamos no que diz respeito aos seus destinatarios, ¢ 0 mesmo acontece em relagfo aos seus géneros ¢ formas: timulo, templo, coluna, arco de triunfo, estela, obelisco, totem. O monumento muito se assemetha a um universal cultural. Sob miiltiplas formas, ele parece presente em todos os continentes ¢ em praticamente todas as sociedades, dotadas ou nio de escrita, O mo- numento, dependendo do caso, recusa as inscrigGes ou as acolhe, ora com parciménia, ora de forma bem liberal, chegando as vezes a se deixar cobrir por elas, tendendo a acumular outras fungdes. © papel do monumento, porém, entendido em seu sentido original, foi perdendo progressivamente sua importancia nas 18 sociedades ocidentais, tendendo a se empanar, enquanto o préprio termo adquiria outros significados. Os léxicas atestam-no. Em 1689, Furetiére jé parece dar 20 termo um valor arqueol6gico, em detrimento de seu valor memorial: “Testemunha que nos resta de alguma grande poténcia ou grandeza dos séculos passados. As pirdmides do Egito, 0 Coliseu, so belos monumentos da grandeza dos reis do Egito, da Repiblica romana’. Alguns anos mais tarde, © Dictionnaire de Académie situa de forma clara o monumento e sua funséo memorial no presente, mas seus exemplos traem um deslocamento, desta vez em direcio a valores estéticos ¢ de presti- :“Monumento ilustre, soberbo, magnifico, durive sa evolugao se confirma um século mais tarde, com Quatremere de Quincy. Este observa que, “aplicada as obras de arquitetura’, essa palavra “designa um edificio construfdo para eternizara lembrana de coisas memoréveis, ou concebido, erguido ou disposto de modo que se torne um fator de embelezamento e de magnificencia nas cidades". E ele continua indicando que, "no tiltimo caso, a idéia de monumento, mais ligada ao efeito produzido pelo edificio que ao seu fim ou destinacao, ajusta-se e aplica-se a todos os tipos de edificagoes"™ E verdade que os revoluciondrios de 1789 nao pararam de sonhar com monuments ¢ de construir no papel os edificios pe- los quais queriam afirmar a nova identidade da Franca!®, Fmbora efetivamente destinados a servir 3 meméria das geragées futuras, ‘esses projetos funcionam também em um outro nivel. A evolucio que se depreende dos dicionsrios do século XVII era irreversive “Monumento” denota, a partir dai, 0 poder, a grandeza, a beley cabe-lhe, explicitamente, afirmar os grandes designios pablicos, promover estilos, falar 4 sensibilidade e: it um pouco mai Ao prazer suscitado pela beleza do edificio sucedeu-se 0 encan. tamento ou 0 espanto provocados pela proeza técnica ¢ por uma versio moderna do colossal, no qual Hegel viu o inicio da arte nos povos da alta Antigitidade oriental. A partir dai, o monumento se impée A atengio sem pano de fundo, atua no instante, substituindo seu antigo status de signo pelo de sinal. Exemplos: 0 edificio do Lloyd’s em Londres, a torre da Bretanha em Nantes, o Arco da Défense em Paris, A progressiva extingao da funcdo memorial do monumento certamente tem muitas causas. Mencionarei apenas duas, ambas vigentes em longo prazo. A primeira refere-se 3 importncia cres- cente atribuida ao conceito de arte!® nas sociedades ocidentais, a partir do Renascimento. A principio, os monumentos, destinados a avivar nos homens a meméria de Deus ou de sua condicio de riaturas, exigiam daqueles que os construiam 0 trabalho mais perfeito e mais bem realizado, eventualmente a profusao das luzes € 0 ornamento da riqueza. Nao se, pensava em beleza. Dando a beleza sua identidade e seu estatuto, fazendo dela o fim supremo da arte, 0 Quattrocento a associava a toda celebragio religiosa e a todo memorial. Embora © proprio Alberti, o primeiro teérico da beleza arquiteténica, tenha conservado, piedosamente, a nogio original de monumento, ele abriu caminho para a substituicio progressiva do ideal de meméria pelo ideal de beleza ‘A segunda causa reside no desenvolvimento, aperfeigoa- mento ¢ difusio das memérias artificiais, Platio fez da escrita seu paradigma venenoso”.A hegemonia memorial do monumento nao foi, porém, ameagada antes de a imprensa ter trazido a escrita uma orca sem precedentes no que diz. respeito 2 meméria © perspicaz, Charles Perrault se encanta por ver desaparecer, pela multiplicacio dos livros, as limitagGes que pesavam sobre a meméria: “hoje (..), ndo aprendemos quase mais nada de cor, porque habitualmente temos os livros que lemos e aos quais po- demos recorrer quando necessério, ¢ cujas passagens podem ser citadas de forma mais segura transcrevendo-as do que confiando 16. P.O. Kristeller, Renaissance Thought and the Arts, Collected Essays, Nova lorque, Harperand Row, 1965, em especial “The Mode in Journal of the History of Ideas, vol. XI 17. Oque ele chams, no mito do Fedo, de pharmakon. de Platon* in La Dissémination, Paris, Le $ 20 na memé6ria, como se fazia outrora' Entregue ao seu entusias- mo de letrado, ele no se dé conta de que o imenso tesouro do saber, colocado a 20 dos doutos, traz. consigo a pritica do esquecimento, nem que as novas préteses da meméria cognitiva so nefastas para a meméria organica. A partir do final do século XVIII, “hist6ria” designa uma disciplina cujo saber, acumnulado e conservado de forma cada vez melhor, the empresta as aparéncias da meméria viva, ao mesmo tempo em que a suplanté e Ihe tira as forcas. Contutlo, “a historia s6 se constitui quando é olhada, ¢, para olhé-la, € preciso colocar-se fora dela”: a f6rmula demonstra a diferenca e 0 papel inverso do monumento, encarregado, por sua presenca como objeto metaférico, de ressuscitar um passado privilegiado, mergulhando nele aqueles que o olham. Um século © meio depois da apologia de Perrault, Victor Hugo pronunciava a oragao finebre do monumento, condenado A morte pela invengio da imprensa”®. Sua intuicao visionaria foi confirmada pela criagao ¢ pelo aperfeigoamento de novas formas de conservagao do passado: meméria das técnicas de gravacao da nagem e do som, que aprisionam e restituem o passado sob uma concreta, porque se dirigem diretamente aos sentidos © A sensibilidade, “memérias” dos sistemas eletrénicos mais abs- tratos ¢ incorpéreos. Vejamos 0 caso da fotografia. Roland Barthes compreende que esse “objeto antropologicamente novo” nio vinha fazer con- corréncia, nem contestar, nem rejeitar a pintura. “Nao se trata de Arte, nem de Comunicacao: a ordem fundadora da fotografia é a la aparece assim como uma prétese de um género 1m novo tipo de provas’, “essa certeza que nenhum éscrito pode dar”. Esse poder de conferir autenticidade relaciona~ se certamente As reagdes quimicas zem da fotografia “uma 18. Paralléle des anc assagem inteira R. Ba et des moddernes, ° cia ser citada, hes, La chambre capitulo“ le 1832. © poder de ressuscitar, Porque pela mediago de uma emulséo de prata “a foto do ser desaparecido chega até mim como os raios de uma estrela”. Barthes conseguiu perceber ¢ analisar a duplicidade da fo- tografia, as duas faces desse novo pharmakon que tem o singular poder de jogar com os dois planos da meméria: abonar uma histéria € ressuscitar um passado morto. Daf vém os riscos de confusio e de usurpagio. Barthes os denuncia nomeando as duas formas como a fotografia atua sobre nés, O studi designa um atrati- vo sensato, um interesse externo, mas de qualquer modo afeto, O éxtase, que faz voltar A consciéncia “a prépria letra do tempo”, sivo, alucinatérie, a propésito do qual se evoca, muitas vezes, a palavra loucura. Ora, essa loucura da foto- grahia que faz coincidir o ser e afeto é da mesma natureza que © encantamento pelo monumento. Vamos contrabalancar, entio, a afirmacio de La Chambre claire, segundo a qual a sociedade moderna renunciou a0 monumento, afirmando que a fotografia é uma de suas formas adaptada ao individualismo de nossa época: 0 monumente da sociedade privada, que permite a cada um conse- guir, em particular, a volta dos mortos, privados ou pablicos, que fundam sua identidade. © encantamento imemorial realiza-se doravante de forma mais livre, a custa de um trabalho modesto sobre essas imagens que conservam uma parte de ontologia. ‘A fotografia contribui, além disso, para a semantizagao do monumento-sinal. Com efeito, € cada vez mais pela mediagao de sua imagem, por sua circulagio e difusio, na imprensa, na inais se dis € um momento rey televisdo © no cinema, que esse: contemporaneas. Eles s6 se constituem signo quando metamor- foseados em imagens, em réplicas sem peso, nas quais se acumula seu valor simbélico assim dissociado de seu valor utilitério, Toda construgio, qualquer que seja o seu destino, pode ser promovida a monumento pelas novas técnicas de “comunicagao”. Enquanto tal, sua funcao é legitimar e conferir autenticidade ao ser de uma réplica visual, primeira, frigil e transitiva, a qual doravante se delega seu valor. Pouco importa que a realidade construida 21. Todas as citagbes foram extraidas de op. cit, p. 120, 125, 134, 126, 183, 2 owner we nao coincida com suas representagées miditicas ou com suas imagens sonhadas. A pirimide do Louvre existia antes que se iniciasse sua construgao. Ela continua a fazer rebrilhar, hoje, luzes € transparéncias com que a ornava a fotografia de seus desenhos € maquetes, ainda que, na realidade, ela lembre antes a entrada de um centro comercial e que sua opacidade tire a visio, a partir do patio quadrado, das Tulherias ¢ de Paris. As fotografias do Arco da Défense ainda Ihe conservam um atrativo simbélico, ndo obstante a rugosidade do edificio real ¢ o desconforto dos escritérios nele instalados. Nao se poderia melhor do esvaziamento do que se chama hoje monumento € de seu modo de existir que a do arquiteto da “Grande Biblio- teca”, Perguntado sobre a insercao desse edificio em Bercy, ele responde: “E preciso que, daqui a dez ou vinte anos, se facam 05 mais belos cartes postais deste lugar”? Nessas condigGes, os monumentos, no sentido primeiro do termo, ainda teriam um papel nas sociedades ditas avancadas? Afora 0s numerosos edificios de cult que conservam seu uso, (05 monumentos aos mortos € os cemitérios militares das tltimas ‘guerras, significam eles mais que uma mera sobrevivéncia? Ainda se edificam novos deles? Os monumentos, dos quais se tornou necessirio dizer que sio “comemorativos’, seguem, levados pelo habito, uma carreira formal e insignificante. Os Ginicos exemplares auténticos que nossa €poca logrou edificar ndo dizem seu nome e se dissimulam sob formas insélitas minimalistas € no metaféricas. Eles lembram um passado cujo peso e, no mais das vezes, cujo horror proibem. de confi-los somente & meméria histérica. Entre as duas guerras mundiais, 0 campo de batalha de Verdun constituiu um prece- dente: imensa parcela da natureza, retalhado e torturado pelos combates, bastou demarcar um percurso, como uma via-cricis, para fazer dele o memorial de uma das grandes catastrofes humanas eruma descrigio 22. Le Quotidien de Paris, 1 de setembro de 1989, Ele continas: “O turista que se encontrar no jardim de Bercy poder tirar fotos realmente inesquectveis dessa biblioteca (..). O sucesso do projeto seria possbilidade de se fazeremn magnificos ‘cartbes postais desse lugar” 23 da histéria moderna. Depois da Segunda Guerra Mundial, o centro de Viirs6via, fielmente reconstruido, lembra ao mesmo tempo a identidade secular da nacao polonesa ¢ a vontade de aniquilagio que animava seus inimigos. Do mesmo modo, as sociedades atuais quiseram conservar viva, para as geracoes futuras, a lembranga do judeocidio da Segunda Guerra Mundial. Melhores que simbolos abstratos ou imagens realistas, melhor que fotografias, porque parte integrante do drama co-memorado, sio os préprios campos de concentracao, com seus barracdes ¢ suas cimaras de gas, que se tornaram monumentos. Bastou arrumar um pouco e aplicar algu- mas etiquetas: de sua antiga morada, abandonada para sempre, os mortos e seus carrascos haverdo de advertir eternamente aqueles que vio a Dachau ou a Auschwitz". Nao seré necessiria a inter- vengao de nenhum artista — uma simples operacao metonimica. Aqui, 0 peso do real, de uma realidade intimamente associada a dos acontecimentos comemorados, € mais poderoso que o de qualquer simbolo. O campo, transformado em monumento, é da mesma natureza da reliquia” Esses memoriais gigantes, reliquias ¢ relicérios ao mesmo tempo, continuam, no entanto, sendo excepcionais, assim como os fatos que eles trazem 3 memsria dos homens. Marcas que basta es- colher e saber nomear, elas testemunham, além disso, a progressiva dissociagao que se opera entre a meméria viva e o saber edificar. cmbadlo pelo Comité do Patriménio Mundial da Unesco em 1979. rma jude iid, ata de palavea 4 "solution finale” dans Ukistoire, traduzido por io. Também af 0 pela contigtidade a esse ambiente que ele escalheu ¢ organizou. Essa forma de celebracio é especialmente apreciada nos Estados Unidos, onde as residéncias dos heréis nacionais, como a de Jefferson, em Monti exemplo, foram, depois sua morte, transformadas em monumentos 2 sua glGria, Ela esté ber de acordo com o temperamento de um povo que sempre praticou o culto de individu. 24 Mesmo 0 novo centro de Varsévia sé é um monumento porque é uma réplica: ele substitu, com uma fidelidade comprovada, entre outras coisas pela fotografia, a cidade destruida. O monumento simbélico erigido, ex nihilo, para fins de rememoracio, esta pratica- mente fora de uso em nossas sociedades desenvol A que estas dispunham de técnicas mneménicas mais eficientes, a0 poucos deixaram de edificar monumentos ¢ transferiram 0 entusiasmo que eles despertavam para.os monumentos hist6ricos. ‘As duas nogdes, que hoje muitas vezes se confunilem, sio, porém, em muitos aSpectos, oponiveis, senio antinémicas. Em. primeiro lugar, longe de apresentar a quase universalidade do ‘fhonumento no tempo € no espago, 0 monumento histérico ¢ uma invengao, bem datada, do Ocidente. Vimos com que sucesso 0 conceito foi exportado e como progressivamente se difundiu fora da Europa a partir da segunda metade do século XIX Os telat6rios das organizacdes internacionais mostram, co tudo, que esse reconhecimento planetirio continua sendo superfi O sentido do monumento hist6rico anda a passos lentos. A nogio njo pode ser dissociada de um contexto mental e de uma visio de mundo, Adotar as priticas de conservacao de tais monumentos sem dispor de um referencial histérico, sem atribuir um valor particular ao tempo e a duragdo, sem ter colocado a arte na his- t6ria, 6 tio desprovido de sentido quanto praticar a ceriménia do ché ignorando o sentimento japonés da natureza, 0 xintoismo e a estrutura nipdnica das relacdes sociais. Dai vém esses entusiasmos que multiplicam os absurdos ou ainda dissimulam élibi Outra diferenca fundamental observada por A. Riegl?, no comego do século XX: 6 monumento € uma criagéo deliberada (gewollte) cuja destinacao foi pensada a priori, de forma imediata, enquanto monumento histsrico nao , desde o principio, desejado (ungewollte) ¢ criado como tal; ele é constituido a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte, que 0 selecionam na massa dos edificios existentes, dentre os quais os ‘monumentos representam apenas uma pequena parte. Todo objeto 25. A. Riel, Der moderne Denkmalkultus, Viena, 1903, traducio francesa de D. Wieczorek, Le Culte 1984. 25 do passado pode ser convertido em testemunho hist6rico. sem a isso tenha tido, na ori De mode inverso, cumpre lembrar ser deliberadamente investido de 20 prazer proporcionado peli arte, tampouco do monumento. ‘© monumento tem por finalidade fazer reviver um passado mergulhado no tempo. O monumento hist6rico, relaciona-se de" cepgio linezr do tempo — neste ca: inexoravelmente 20, passadi 26 meméria ou da histéria. As relagées diferentes que mantém entre si, respectivamen-| te, 0s monumentos € os monumentos histéricos com o tempo, a meméria ¢ © saber, determina uma dil conservaca0. Aparentemente, essa nocao é consubstancial aos dois. Contudo, os monumentos so, de modo permanente, expostos as afrontas do tempo vivido. O esquecimento,o desapego, a falta de ‘uso faz que sejam deixados de lado e abandonados. A destruicao deliberada® ¢ combinada também os ameaga, inspirada seja pela vontade de destruir, seja, a0 contrario, pelo desejo de escapar A acio do tempo ou pelo anseio de aperfeicoamento. A primeira forma, negativa, 6 lembrada com mais freqiiencia: légica, ela prova a contra monumento na preserva ade dos povos e dos grupos sociais. A destruicao positiva, também generalizada, chama me- nos a atengio. Ela se apresenta sob modalidades di cap. [Ve nota 1089, p. 169, 27, L. Rémy, Hache oire du vandalisme. Les monuments 1959, de Lart francais, Paris, 26 MOMENTO E MOMUNENTO HSTORCO prépria de certos povos, tais como 0s japoneses, que, sem reverenciar, como nibs, as marcas do tempo em seus monumentos, constroem periodicamente réplicas exatas de cujas cépias anter las. A outra, criativa, tem muitos exemplos na Europa. Para engrandecer e dar mais esplendor ao santuério onde o "bem-aventurado Denis permaneceu durante qliinhentos anos”, Suger mandou destruir em parte, no decorrer da década de 1130, a basilica carolingia que a tradigéo atribuia a Dagoberto’. O mais precioso e venerivel monumento da cristan- dade, a catedral de Sao Pedro, em Roma, nio foi demolida depois de quase doze-s uma decisio de substitu(la por um edificio grandioso, cuja magnificéncia ¢ ceno- grafia pudessem lembrar 0 poder conquistado pela Igreja desde a época de Constantino e as novas inflexdes de sua doutrina, Em contrapart insere em um lugar imu- téyel e definitivo num conjunto obj ¢€ fixado pelo saber, 0 ‘monumento historico exige, dentro da l6gica desse saber, ¢ ao menos teoricamente, uma conservagi nal O projeto de conservacio dos monumentos histéricos € sta execucio evoluiram com 0 tempo € nio podem ser dissociados da prépria hist6ria do conceito. Invencao do Ocidente, dizfamos nés, € bem datada. Mas ainda é preciso determinar os critérios dessa datacio. A incorporagao de um neologismo pelos léxicos marca o reco- nhecimento oficial do objeto material ou mental que ele designa. Essa consagracio apresenta, pois, um descompasso cronolégico, maior ou menor dependendo do caso, em relagio aos primeiros tusos do termo e ao aparecimento, repentino ou longamente prepa- rado, de seu referente. A expressio monumento histérico s6 entrou mplos originais, res so entio di ‘© cuidade com que paredes nas quais, segundo 0 fosso Senhor Jesus Cristo colocou sta mio" is interessantes testemunhos remanescentes mnamento” do monumer sky nos ofereces uma edigho, io notavel sobre ele em Abbot Suger on the Abbey Church of Saint-Denis and is Art Treasures, Princeton University Press, 146 27 nos dicio1 ios franceses na segunda metade do séc 1uso, contudo, ja se difundira desde © comego do s consagrado por Guizot, quando, recém-nomeado Mi Interior, em 1830, criou 0 cargo de inspetor dos Mc Historicos. Devemos, porém, recuar ainda mais no tempo. A ex- vez, na pena de L. A. Millin®, no momento em que, no contexto da Revolugao Francesa, elaboram-se 0 conceito de monumento histdrico e es instrumentos de preservacao (museus, inventérios, lento, reutilizacao) a ele associados™. Nem por isso o vandalismo da Revolugao de 1789 de bestimado. © punhado de homens que o comba dos Comités ¢ Comissées revolucionari géncia do perigo, as idéias comuns aos amantes da arte, arquitetos © eruditos da época do Huminismo. sses letrados cram, eles préprios, herdeiros de uma tra intelectual que tem origem no Quattrocento e na grande revohicio humanista dos saberes e das mentalidades. A origem do monumento hist6rico deve também ser buscada bem antes da aparicio do termo 1e 0 nomeia, Para rastrear a genese desse conceito, € necessirio remontar ao momento em que surge 0 projeto, até entao impensavel, de estudar e conservar um edificio unicamente pelo fato dele ser um testernunho da histria e uma obra de arte. Alberti, nas fronteiras de dois mundes, celebra entao a ar tempo fazer reviver nosso passado, assegurar a gloria do arquiteto~ artista e conferir autenticidade ao testemunho dos historiadores". Querer, como é 6 meu desejo, colocar o patriménio hist6rico™ no centro de uma reflexdo sobre 0 destino das sociedades atuai ‘A. Millin, Antiguicés nationales ou Recweil de monuments, Paris, 179 6v. Ch p. 77 1erde la conservation des monuments historiques en France, tentar, portanto, avaliar as motivagbes — assumidas, confessadas, radas — que estiio na base das condutas patrimo- tal projeto nio pode d 1s origens. Nao podemos nos debrucar sobre o do patriménio nem inter- pretar as imagens que nele se ref tualmente sem procurar, previamente, compreender como a gr: desse| espelho foi pouco a pouco se imo ¢ pela| fusao de fragmentos a principio chamados de antigitidades, depois | de 1umentos histéricos. E por esse motivo que tentei, em primeiro lugar, definir um momento de ia e.reconstituir as etapas essenciais dessa progressiva instauracao do patriménio hist6rico edificado, da fase “antigtiizante” do Quattrocento, em que os monumentos escolhidos pertencem exclusivamente & Antigiiidade, 3 fase de consagracdo, que estabele- lo da restauragéo uma porém, escavacdo exaustiva ou mesmo extensiva. Nao esmiucei, pois, a historia e as particularidades® de cada na sua relagio com os conceitos de monumento e imOnio histéricos. Nao me debrucei sobre o contetido das onservacao, nem sobre 9 universo complexo da restaurac0, no retirando dela senao a matéria necesséria para minha demonstracao. Meus exemplos freqiientemente referem-se menos exemplares: como invengao ico deriva de uma mesma mental los os paises da Europa, Na medida em que se tor ico planetéria, se defrontarem com as mesmas int 29 Capitulo IV A CONSAGRAGAO DO. MONUMENTO HISTORICO (1820-1960) “Qs monumentos da Franca antiga tem um cardter ¢ um interesse particulares; eles pertencem a uma ordem de idéias © le sentimentos eminentemente nacionais que, contudo, nao mais te renovam": primeiras linhas do primeiro volume de Voyages pittoresques et romantiques dans Vancienne France, publicado en 1820 por Charles Nodier 0 bario Taylor. Essa constatacio die um esgotamento irremedivel ¢ a abservacto, que logo se aerescentou, de que 0s autores nao percorrem a Franga “na qua- Tidade de eruditos (..), mas como viajantes curiosos dos aspectos interessantes e Avidos de nobres lembrancas’, em suma, que se trata de “uma viagem de impressées’ traduzem uma mudanca Ye mentalidade. Nodier € um dos primeiros a pressentir que © século XIX atribuiré uma nova importancia as antigitidades. ‘© monumento hist6rico entra entdo em sua fase de consigracio, ajo término pode ser fixado por volta da década de 1960 oy, s¢ Gesejarmos um outro marco simbélico, em 1964, data da redacso da Carta de Veneza” Ty Op cit, “Introducio’, p. 4 2, Esye documento, publicado em 1966, is te6ricos rel depois da Segunda Guerra wos 3 protec dos monumentos histéricos, tional mais amplo. © primeiro texto interna ‘onal desse genero Fo rn 1931, sob a €gide da Sociedade das Nagbes {El p. 12), mss ainda era estritamente europeu. 125. Esse recorte cronolégico pode parecer muito grande a pri- meira vista. Ele engloba acontecimentos, fatos ¢ diferencas que poderiam, a0 que parece, dar margem a uma periodizagao mais detalhada. © caso, por exemplo, das contribuigdes originais e sucessivas dos diferentes paises europeus para a teoria e as prati- cas de conservagdo do monumento histérico: 0 avango da reflexio briténica mantém-se até as tiltimas décadas do século XIX, quando a Itilia e os paises germanicos tomam as rédeas da inovagao. E 0 ca também, das descobertas das ciéncias fisicas e quimicas, das in- vengGes las técnicas ou ainda dos progressos da hist6ria da arte & da arqueologia que, em conjunto, marcaram o desenvolvimento da restauracio dos monumentos como disciplina auténoma. E ainda da evolugao € das revolugses da arte ¢ do gosto, cujos interditos € entusiasmos determinaram fases distintas no tratamento € na selecio dos monumentos hist6ricos a serem protegidos, chegando até, no caso das vanguardas arquitet6nicas do século XX, a militar contra a conservacio dos monumentos antigos: o Plan Voisin, de Le ‘Corbusier (1925), destrufa a velha Paris, poupando apenas uma meia dazia de monumentes. Esse manifesto do movimento moderno fez. escola depois da Segunda Guerra Mundial e inspirou a renovacao! destruidora levada a efeito até a década de 1960 e ainda depois. Os critérios nacionais, mentais ou epistémicos, técnicos, estéticos ou éticos permitem assinalar os momentos marcantes € 0s momentos significativos na hist6ria do monumento hist6rico. As divisoes cronolégicas que eles introduzem tém, no entanto, um alcance meramente relativo € secundério em comparacdo com a unidade do perfodo (1820-1960) que os engloba: unidade soberana que impde, por seu reconhecimento, coeréncia e estabilidade, 0 status adquirido pelo monumento histérico com o advento da era industrial. Esse status pode ser definido por um conjunto de de- terminagdes novas € essenciais, relativas & hierarquia dos valores, 3. E preciso notar, porém, que no Brasil os membros dos Congress. de Arquitetura Moderna estio na origem da conservaco da arqui 4. Este termo designs, de forma imprépri a “demoligio, tendo em vista uma construcdo 1 ‘or urbano", Dictionnaire de Vurbanisme et de tarséaagement, publicado soba directo de P. Merlin ¢ F. Choy. Paris, PUF, 1988. 126 A consicaaco DO MONUMENT HISTORIC de que 0 monumento hist6rico € investido, suas delimitagdes espaco-temporais, seu estatuto juridico e seu tratamento técnico. ‘Com efeito, o advento da era industrial como processo de transformagdo —mas também de degradao — do meio ambiente contribuiu, ao lado de outros fatores menos importantes, como 0 romantismo, para inverter a hierarquia dos valores atribuidos aos monumentos hist6ricos ¢ privilegiar, pela primeira vez, os valores da sensibilidade, principalmente estéticos. A revolugio industrial, como ruptura em relacio aos modelos tradicionais de produgio, abria um fosso intransponivel entre dois periodos da criacao humana. Quaisquer que tenham sido as datas, que variam de acordo com cada pais, o corte da industrializagio continuou sendo, durante toda essa fase, uma linha intransponivel entre um antes, em que se encontra 0 monumento hist6rico isolado, e um depois, com © qual comega a modernidade. Em outras palavras, ela marca a fronteira que limita, a jusante, campo temporal do conceito de monumento hist6rico — este pode, ao contrério, estender-se indefinidamente a montante, a medida que avangam os conhecimentos histérico © arqueolégico. ‘A revolucao industrial como processo em desenvolvimento planetério dava, virtualmente, uma dimensio universal ao concei- to de monumento hist6rico, aplicével em escala mundial. Como processo irremediével, a industrializago do mundo contribuiu, por um lado, para generalizar e acelerar 0 estabelecimento de leis visando a protecio do monumento histérico e, por outro, para fazer da restauracao uma disciplina integral, que acompanha os progressos da histéria da arte. ‘A década de 1820 marca a afirmacio de uma méntalidade que rompe com a dos antiquirios e com a politica da Revolucao Francesa, Jé na década de 1850, apesar do descompasso de sua industrializacio, a maioria dos paises europeus consagrou 0 monu- mento hist6rico. Tal consagracio poderia ser definida, para todo o periodo, a partir de dois textos simbolicos e complementares, um oficial e administrativo, outro contestador e poético: o Rapport “apresentado ao rei em 21 de outubro de 1830 por Guizot, Mi- nistro do Interior, sugerindo a criagio do cargo de inspetor geral dos monumentos histéricos da Franca’; e © panfleto publicado em 127 1854 por John Ruskin sobre “A abertura do Palicio de Cristal e suas relagdes com o futuro da arte ; A virada do século XIX € marcada, sobretudo na Itilia € na Austria, por um questionamento complexo, de uma fucidez raramente igualada dat por diante, dos valores e das praticas do monumento. Contudo, quando em 1964 a assembléia do Ieomos’ redige a Carta internacional sobre a conservagao e a restauragao dos monumentos e das sitios, 0 quadro teérico e pritico no interior do qual se inscreve 0 monumento histérico continua sendo o que se criou no século XIX. O conceito de monumento histérico em si mesmo Valor cognitivo e valor artistico Jéreconhecido de longa data, 0 valor cognitive do monumen- to histérico permanece solidamente ligado a ele durante todo 0 periodo de que tratamos. Simbolo brilhante da permanéncia do laco que unia a historiografia ¢ os estudos de antigaidades, foi Francois Guizot — autor de Essais sur Uhistoire de France ¢ um dos historiadores notaveis da época — quem criow na Franca 0 cargo de inspetor dos monumentos histéricos. ; Campre obsecvar, porém, que no século XIX a economia dos saberes centrou a funGio cognitiva do monumento histérico no dominio, recém-determinado ¢ ainda em fase de organizacio, da istOria da arte, FC ea et a earelidavebatenciay aca, see o da histéria tomou uma certa distancia em relacdo aos antiquarios®, A histéria politica e a das instituicoes voltam toda sua atengio para 0 docu- mento escrito, sob todas as suas formas, e dio as costas ao mundo abundante dos objetos que desafiavam os eruditos dos séculos sala ings para Ci umentos ¢dlos Sitios, criado 5. Dasigla ingles para Consetho Internacional dos Mon 4 fem 1964 por cecomendacio da Unesco. = ; 16. Nem por isso estes desapareceram, Numerosas associagoes de antiqurios exis- tem ainda hoje, fils 9 sua voeacio de erudigio, 128 XVII e XVII A ligagao com o universo do fazer diminui. No século XIX, 0s historiadores que queriam e sabiam olhar os monumentos antigos eram excegées ¢ continuaram sendo por muito tempo. Em seu Rapport au roi [Relatério ao rei], Guizot destaca bem a nova importancia que se atribui & arte ¢ ao seu estudo cientifico, sa- lienta 0 valor dos monumentos para os especialistas, entre os quais ele nao se inclui. Seus conhecimentos pessoais sobre o assunto néo constituem um progresso, em comparagio com os de Grégoire. Em sua visio, o g6tico continua sendo sinénimo de arte nacional, Esse estilo precedido por outros “bastardo[s] ¢ degradado[s}", gue ele qualifica, de um modo geral, como “intermedisriofs]": cinco anos antes, o jovem Victor Hugo jé Falava de arte romdnica’. compensagio, jé na primeira linha do Rapport, “o solo da Franca"® €simbolizado por seus monumentos. Para Guizot, assim como para a maioria dos historiadores de seu tempo, os edificios antigos jé nao contribuem para fundar um saber, aquele que é construide por sua disciplina, mas para ilustrar e com isso servir a um determinado sentimento, 0 sentimento nacional De fato, o lugar dos antiquarios € tomado pelos recém- chegados a0 mundo do saber, que sio os historiadores da arte. Para eles, as criagoes da arquitetura antiga doravante serio objeto de uma pesquisa sistemitica relativa a sua cronologia, técnica, morfologia, génese ¢ fontes, sua decoragao constituida de afrescos, esculturas e vitrais, assim como sua iconografia. 7. V. Hugo, “Guerre aux démolisseurs” artigo escrito em 1825, publicado quarto ‘anos mais tarde na Revue de Paris. Reeditad com: m 1832 na Revue des dewcx mondes, ele figura no volume Littérature et philosophic ‘mélées clas suas obras completas. No artigo de 1825, Hugo fala em duas passagens sobre "igrejas romdnicas" (Saint-Germain- dos homens. A'segunda, andnima ¢ estandardizada, recusa a duragio e suas marcas —a arquitetura doméstica € substitufda por aparta- mentos precirios, por onde se passa como se fossem albergues; ¢ a arquitetura pablica cede lugar a espagos de ferro e vidro, na superficie dos quais o tempo nio tem permissio para pousar. ‘A consagracao do monumento hist6rico aparece, pois, direta- mente ligada, tanto na Gra-Bretanha quanto na Franca, ao advento da era industri no so interpretados de forma idéntica nos dois paises, no que se refere a sua influéncia sobre © destino das sociedades ocidentais, Daf resultam diferencas quanto aos valores atribuidos por um ¢ outro aos monumentos hist6ricos. Na Franga, que, no entanto, € um pais de tredigao rural, o proceso de industrializacio ¢ legitimado pela consciéncia da modernidade, independentemente de scus efeitos negativos ou perversos. S40 a marcha da histéria, a idéia de progresso e a perspectiva do futuro que determinam o sentido os valores do monumento histérico: em seu manifesto contra o vandalismo, Hugo reclama a criagio de “uma lei para q passado", “aquilo que uma nacao tem de mais sagrado, depois do futuro”. Mas esse advento € suas conseqiién: 23. “Signs of the Culture and Society, Londres, 24, renciadas de forma clara, esse sentido no inglés corrente. Para oque ses 25.0 papel da diferenca é salient ‘obra dedicada a “Lampada da 26. Op. cit. p. 166 (gifo nosso). 137 apesar de ser o bergo da igada a suas tradicées, mais Em contrapartida, a Inglaterra, Revolucio Industrial, mantém-se mais yoltada para 0 passado: a idéia de rei Franca, inspira af um movimento sua adesao as idéias de Karl Marx, William Morris no deixou de acreditar em uma reversibilidade da hist6ria e de preconizar uma retomada do trabalho manual como fundamento de uma arte popular. Nao 6, pois, de surpreender que os ingleses tenham dado ao monumento hist diversos e com mais influéncia sobre o presente, Confrantados com ai Imente pelo valor nacional ¢ histérico antigos e tendem a promover uma concepgao museolégica deles. ictor Huge da © tom: “Se é verdade, como julgamos, que a ar- quitetura, de todas as artes, € a Gnica que jé nio tem futuro, empreguem seus milhdes para conservar, manter e eternizar os monumentos nacionais ¢ hist6ricos que pertencem ao Estado, € para adquirir os que esto em mios de particulares”’. O culto do monumento passado cocxiste com aquele que logo seria nomea- do “culto da modernidade”. O pessimismo de Balzac Jonge. Prevé a destruicio completa do patriménio antigo, que, ‘a tempo, s6 subsistird na “iconografia literéria”, de que ele dé o exemplo na Comédia humana. Diferentemente dos antiquérios, concebe 0 monumento antigo, antes de tudo, como um precioso jeto concreto que merece ser conservado, mas, diferenciando-se de seus contemporaneos ing! \-0 condenado, dentro de um certo tempo, pela marcha da hist6ria”, , a despeito de -A.consAo84¢40 00 Monae nis¥co Os defensores ingleses dos monumentos hist6ricos ignoram esse fatalismo. Eles no se conformam com o desaparecimento dos edi zaio, que, encarnada pela América, constr6i “um mundo sem uma lembranca, nem uma ruina"®. Para eles, os monumentos do passado sio necessérios 3 vida do presente; nio so nem ornamento aleat6rio, nem arcaismo, nem meros portadores de saber e de prazer, mas parte do cotidiano. O valor de reveréncia Ruskin atribuiu 4 meméria uma destinagio ¢ um valor novos do monumento histérico. "Nés podemos viver sem [a arquitetural adorar nosso Deus sem ela, mas sem ela nfo podemos nos lembrar”. Essa afirmacio do famoso capitulo V1 (“The Lamp of Memory”), da obra The Seven Lamps of Architecture, continua a atribuir 4 arqui- tetura uma fungdo ¢ um sentido que estio em contradicao com as idéias de Hegel e de Victor Hugo de que “Isto mataré aquilo’, Sobretudo, ela tem origem em uma outta intencionalidade. Para o autor de As pedras de Veneza, a arquitetura 60 tinico meio de que dispomos para conservar vivo um lago com um passa- do ao qual devemos nossa identidade, e que € parte de nosso ser?! P u por uma hist6ria, esse passado € em primeiro lugar € essencialmente definido pelas geracoes humanas que nos precederam. Se as vezes acontece-a Ruskin ‘consimidor quanto da do artesdo (..). Ora, para ain ae (3. Ora, para a ind ‘uns poucos anos, ‘conogealin que Balzac - compreendida no pracesso de produgao e © termo “antigo” ¢ entendido aqui no recialmente § X em que Ruskin evoca “the strength ings] which, through the lapse of seasons and times, and the decline connects forgotten and following ages with each tes the identity, as it concentrates the sympathy, of 139 interrogar os monumentos pela meméria objetiva da histéria, ele prefere uma abordagem afetiva. Contudo, nele, 0 puritano des- confia sempre do esteta’ e teme cair nas armadilhas hedonistas da arte. Por isso, é pela intermediagao de sentimentos morais, a reveréncia € o respeito, que ele entra sem dificuldade no pasado. © que lembram, entao, os edificios antigos? O valor sagrado dos trabalhos que homens de bem, desaparecidos e desconhecidos, realizaram para honrar seu Deus, organizar seus lares, manifestar suas diferencas. Fazendo-nos ver e tocar 0 que viram e tocaram as geragoes desaparecidas, a mais humilde® habitacdo poss mesma forma que 0 mais glorioso edificio, o poder de nos por em comunicage, quase em contato, com elas. Ruskin utiliza uma me- téfora com a qual Bakhtin mais tarde nos haveria de familiarizar: 08 edificios do pasado nos falam, eles nos fazem ouvir vozes™ que nos envolvem em um didlogo. E. preciso, contudo, lembrar que os monumentos histéricos no so 0 ponto de partida da reflexdo de Ruskin sobre a arqui- tetura. Em Seven Lamps, assim como em As pedras de Veneza 32. Ble teme © eariter elitista do esteta e, nesse sentido, postula uma arquitetura acessfvel a todas. F por isso que transfere deliberadamente a importincia da obra de arte pars aqueles que a realizaram e para suas qualidades morais: “We take pleasure, orshould take pleasure, in architectural construction, altogether as the ‘manifestation of aa admirable hurnan intelligence (..) again in decoration or beauty ess the actual loveliness of the thing produced, than the choice and! intention ‘concerned in the praduction which are to delight us; the love and thoveghts of the workman raore than his work", The Stones of Venice, Londres, 1851, 1, cap. IL, § 5, p. 37 (grifo n0a33). Cf. também “The Lamp of Memory", op. cit, § IV, p. 185. 33, “True domestic architecture, the beginning ofall other, which does not disdain to treat with respect and thoughtfulness the small habitation as well asthe Large, and which invests with the dignity of contended manhood the narrowness of ‘wordly circumstance’, Seven Lamps, ibid., §TV, p. 185; cf também § V. 34, Em Seven Lamps, op. cit, §X,P. 190, ele cunha osoberbo neologisme veicefulness ( senhor Bakhtin fard de sua voz aquilo gue diferencia os objetos das ciéncias humanas des objetas dasciéncia fisicas, “Epistémologic des sciences humaines” in T- Toderoy, Mikhail Bakhtin, te principe dialogique, Paris, Le Seuil, 1981). ‘A mesma idéia € retornads em As pedras de Veneza, com a distingio entre as dduas funcoes da arquitetura: a acao (“acting, as to defend us from weather or violence”) € 0 discurso ("ialking, as the duty nents or tombs to record facts and express feelings, or of churches, temples, public edifices, treated as books of history.."), op. eit, eap. Il, §1, p. 35. 140 ou nas muitas conferéncias que deu a partir da década de 1850, ele se indage sobre a construgio de sua época, em particular, ¢ sobre a natureza da arquitetura, em geral. Ele se pergunta como, na crise aberta pela Revolucao Industrial, ela poderia recuperar 6 valor de reveréncia que the € consubstancial, Qu, em outras palavras, como, segundo uma férmula aparentemente sibilina, “a arquitetura do presente [poderia] se tornar hist6rica”®. Ela s6 poderia merecer essa qualificagao, segundo Ruskin, se readlq sua esséncia e seu papel memorial pela qualidade do trabalho e do investimento moral de que seria objeto. Ve-se que Ruski do presente e do passado, nao ests longe de restituir a0 monumento hist6rico 0 valor e a funcio do monumento original. Com efeito, abstraindo © valor histérico que lhe é inerente, o primeiro nio se distingue mais do segundo senio pelo carter impreciso, geral e mesmo genérico, daquilo que, pelo sentimento difuso de reveréncia, ele evoca —a figura intacta da obra, solidaria e manualmente realizada pelas geracées humanas. As idéias de Ruskin enriqueceram o conceito de monumento histérico, fazendo que nele entrasse, de pleno dircito, a arquitetura doméstica. Além disso, criticando aqueles que se interessem ex- clusivamente pela “riqueza isolada dos palécios””, sonha também com a continuidade da malha formada pelas residéncias mais humildes: ele é o primeiro, logo seguido por Morris, a incluir os “conjuntos urbanos"™, da mesma forma que os edificios isolados, no campo da heranga hist6rica a ser preservada ‘Trazendo a meméria afetiva a dimensio sagrada das obras hu- _manas, o monumento histérico adquire, além disso, uma universalidacle sem precedentes. O monumento tradicional, sem qualificativos, era universalmente difundido, mas fazia reviver os passados particulares de comunidades especificas; © monumento histérico fazia até proximando assim os edifi 35 Seven Lamps, op-ct, $1, p 182. 36. CE. nota 27, citagio das Pedvas de Veneza, Em Seven Lamps, Ruskin joga, de resto, com a sinonimia de monumental e memorial 37. Grifo nosso, Seven Lamps, op. cit, §V, p. 185, 38, Especialmente em: “On the Opening of the Crystal Palace” ui | A auzcoms bo rINONID entao referéncia a uma concepcio ocidental da histéria e a suas dimens6es nacionais. Em contrapartida, na quaisquer que tenham sido a civilizagao ou 0 grupo social que 0 erigiram, ele se dirige igualmente a todos os homens Ruskin e Morris sao os primeiros a conceber a protegio dos monumentos histéricos em escala internacional e a mobilizar- se pessoalmente por essa causa. Na imprensa e em campo, eles militam ¢ lutam pelos monumentos e pelas cidades anti Franga, da Suica, da Itélia. Ruskin se preocupa: “Sera preciso que esta pequena Europa, este canto no globo semeado de tantas igrejas antigas, tingido pelo sangue de tantas batalhas, sera pre- ciso que este pequeno fragmento do pavimento do mundo, gasto pelos passos de tantos peregrinos, seja integralmente varrido e decorado novamente para a mascarada do Futuro"? Ele chega a propor, jé em 1854, a criacao de uma organizagao européia de protecio, dotads das estruturas financeiras e técnicas adequadas, € cria o conceito de “bem europeu™®, Quanto a Morris, depois, de se ter levantado contra a destruigao de um bairro popular em Napoles"’, estende o combate para além das fronteiras européias, 39. Op. dt, § 1 40.1 taco Inglaterra. Administrada com fundos pri devia ser representada em cada cidade de alguma im rantigos dignos de int levantamento de sus si poderiam softer, “A sociedade forneceria assim os fundos para comprar ou alugar todos os edificios ou todos os iméveis desta nagdo suscetiveis a todo momento de serem postas i-venda, ou, aind: ‘seus proprietérios, privados ou piiblicos, na tarefa de conservacéo indispensével & fot atualizado sob a forma do National Tru tra 0 essencial do patti idos os monumentos dduas vezes por ano, um 1evstes falar ce destrvigio de casas que atualmente se di em Napolesa pretexto de destruir os pardicios desta cidade ereconstru-los em seguida, Mas nioéa existéncia desses edificies erguidas por nossas ancestrais a causa da degradacdo da habitacio anes essa mesma ignorancia crass ¢fatalista que de uma perspectiva social. Nesse sentido, podemos relacionar esse texto 20 de ‘um espantoso artigo escrito por Edmond About em 1867 para o Paris-Guide. 1a até a Turquia € o Egito, onde procura fazer que se protejam as arquiteturas érabe e copta®® Em todos esses dor ito de “arquite- tura menor’, que, numa perspectiva mais geral, menos mor: historica e estética, ultrapassa e engloba o conceito de arquitetura doméstica. A arquitetura menor torna-se parte integrante de um. novo monumento, o Conjunto urbano antigo: "Uma cidade hist6rica constitu em si um monumento, tanto por sua estrutura topogri- fica como por seu aspecto pa pelo carter de suas vas, aplicar-Ihe as mesmas leis de proteo ¢ os mesmos critéri tauragio, desobstrugio, recuperacao ¢ inovagio™*, Constataremos 1es de Giovannoni no capitulo, a nosso ver mais que justificado, sobre a complexa histéria da invengao do patriménio urbano histérico desde as primeiras lutas de Ruskin. Praticas: legislagdo e restauracao A consagracao do monumento hist6rico ndo mereceria esse nome caso se limitasse ao reconhecimento de c novos. Ela é, além disso, baseada num conjunto de préticas cuja institucionalizagdo foi catalisada pelo poder das forcas destrutivas, 143 | nao mais deliberadas © ideol6gicas, mas inerentes Igica da era industrial, ue doravante ameagam os monumentos histéricos ‘A mutagio que transforma ao mesmo tempo os m © a organizaco espacial das sociedades urbanas européias torna obsoletos os aglomerados urbanos antigos. Os monumentos que neles se encontram afiguram-se subitamente como obsticulos ¢ entraves a serem eliminados ou destruidos para vagar lugar a0 novo modo de urbenizacio, a seu sistema ¢ suas escalas vidrias ¢ parcelares. Além disso, a manutencio dos edificios antigos vai sendo cada vez. mais negligenciada e sua restauracao nao obedece mais a técnicas normatizadas, Defrontamo-nos, assim, com dois ss de vandalismo, que na época foram designados, na Franca e na Inglaterra, com os mesmos qualificativos: destruidor e restaurador. Montalembert claborou para cada um deles uma mordaz lista de laureados. Atribui o primeiro prémio de “vandalismo segundo aos “prefeitos ¢ [2s] eimaras municipais”, 0 terceiro aos “proprietari quarto aos “conselhos de administragao de bens r quinto lugar, e bem atrés dos precedentes, [vem] 0 tumulto”. No que se refere ao “vandalismo restaurador”, a palma vai para o clero, do pelo governo, pelas cimaras municipais e pelos proprietéi © tumulto tem ao menos “a vantagem de nfo restaurar nada” “Tais so os protagonistas, praticamente nessa ordem de im- portiincia, com que se defrontaré Mérimée quando de seus giros de inspecio, no departamento da Vienne, por exemplo, onde durante vinte anos ele travard uma luta homérica para preservar da 45. Op. ct, 46. Em 1835 e 1840, §. Fouché — Poitiers et la Commission des monuments histori- ques entre 1830 et 18CO, dissertagio para DESS, Inst Paris, 1989 — mostra clarsmente, em parte com a ajuda de doc srguvos ine into a natureza das opcies ideoligicas ‘quantoas diferentes forcas conjunturais com as quais el 19,0 pmo lugar cabe,na verdad, & tragado de uma neve rua (do centro porta de 2 demeliio do batstrio Saint-Jean, em squid, levaota os maiores obetéculos razives, ela tenta condenar a torre S Maa ‘A CONSACINGO DO MONRMIEEO HESTORCO demolicao (batistério Saint-Jean, torre Saint-Porchaire de Poitiers) ou da deterioragao (Saint-Savin, Notre-Dame de Poitiers) as pecas maiores do patriménio da regiao de Poitou. No contexto do século XIX, a ago dos defensores do patri- 16 podia ser eficaz. assumindo as duas formas espectficas © complementares de uma legislacao protetora e de uma disciplina de conservagio. méni Origem da legislacao francesa referente aos monumentas hist6ricas Independentemente do interesse que possam ter, no posse aqui examinar o contetido e as particularidades das diferentes legis- laces nacionais"”, Lembrarei apenas os trabalhos que precederam o lacao Francesa, que durante muito t O caminho fora aberta pelo Comité de Instrugio Revolugo, Contudo, foi érduuo 0 caminho que levou a promulgagio, ;obre os monumentos histéricos. Entre. Jot criou por decreto 0 cargo de inspetor dos monumentos histéricos,e 1887, houve uma longa e hersica fase (ie sasitcen, esinteresasdainen nem de instrumentos especificos, nem de servigos espe para ajudé-los a cumprir a missio que assumiram, primeiro a ocupar o cargo de inspetor foi Demite-se em 1834, em favor de Mérimé car-se & carreira de deputado, que Ihe perm inspetor € determinar, ou, dito de outro modo, a partir de agora, “combar” os edificios que devem ser considerados monumento hist6- rico. Logo ele € aurxiliado, nessa tarefa e na distribuigao dos fundos do Estado'*, alocades para a manutencio ¢ restauracio dos e¢ tombados, pela Comissio dos Monumentos Histéricos, criada pela circular de 10 de agosto de 1837. Os abnegados membros dessa comissio ¢ do Ci iado em 1830®, haveriam de desenvolver, durante décadas, com entusiasmo, com: peténcia e regularidade, um trabalho de discriminagio, ao mesmo € pritico, de que foram os primeiros profissionais lado de Victor Hugo, Montalembert © Victor in, © bare Taylor foi uma das figuras mais originais e ativas. Vantagens do sistema: 0 procedimento de tombamento, investido da autoridade do Estado, completamente centralizado € na dependéncia imediata do Ministro do Interior, torna-se um formidavel instrumento de balizamento ¢ controle. O niimero de monumentos tombados passa de 934 a 3.000 entre 1840 ¢ 1849", As regras de sua selegao nao sao ditadas por critérios de erud mas pelos imperativos pragmaticos e econds de conservacao e de protecio™. Elas permitem, de de acao impossivel as associagoes inglesas, 206, a primeira alocagio de recursos p icos data de 1831. Vitet sexi 8, Segundo Ricker, op. pees eal ora Contes de Pneage da Oks seu Viee-presicente foi Vitet; dep om Taylor e Lenormant. 189-1879), gravador, dos Mu fem segundo -Aconstcanche no Mente wesco ideologias e por suas posigGes doutrinais. Inconveniente do siste- ma: a tarefa do inspetor é muito penosa, Prova disso ¢ o primeiro Rapport [relatério] de L.. Vitet — menos de um ano depois de sua nomeagao — a0 Ministro do Interior sobre “os monumentos, as bibliotecas, os arquivos e os museus dos departamentos da Oise, da Aisne, da Marne, do Norte do Pas-de-Calais". As condigoes ‘em que se fazem as viagens de inspecio so is. Na sua cor- respondéncia, Mérimée deixa entrever os efeitos da situagdo das estradas e da hotelaria sobre a satide™ Os trabalhos que cabem a comissio também sio consideraveis. Além disso, como bem mostrou F, Bercé™, essa centrali em detrimento das associagées locais de a de arqueologia, recém-fundadas® sob mont. Em lugar de desenvolver suas competéncias e estimular suas iciativas, num trabalho de colaboracio, a estrutura central criada por Guizot as marginaliza. Apesar da pentiria de seus meios, 0s ho- mens de Paris tém citimes do poder dessas instituigées. Eles temem os que intervém localmente, ¢ os confinam a tarefas de erudicao que desejariam subalternas. E, beirando a inconseqiiéncia, acusam-nos, 8 ocasido, de nao estarem empenhados nos circuitos préticos da conservagio ¢ da restauracao dos monumentos, que cles mesmos ibuiram par Ihes fechar. E 0 inverso da situacdo inglesa, em que as associagées de protec3o™ continuam a prosperar e a se engajar, 53. Carta a Viollet-le-Duc de 27 de setembro de 1852: "Quase morri para ir ver famosa rotunda de Simiane. Senti por voc®, nio pelo sol que voc’ poderia -omigo, mas pela singularidade do monumento (..)", ou ainda a ‘mesmo de 17 de dezembro de 1856: "Sa que no S80 conheci (e contrapor essa situaci ‘supra ers Travaux de la Commission des monuments historiques, fem 1823 a Associagio dos Antiquirios da Normandia, que lo Associagio dos Antiquérios do Oeste, Em 1834, ele criow a Associagio Francesa de Arqueologia, Church Building Society, que tiveram origem no 3 tural ridge Camden Society, 1839, Cambridge Antiquariam, 1840, al Society, 1843). A variedade de suas doutrinas naa interfere fem sua cficacia, que, entretanto, se manifesta sob formas muita diversas, 147 sem intermedidirios, nas tarefas de conservagao. Exemplo: W. Morris cria em 1877 a Society for the Protection of Ancient Buildings. Um ano depois, ele jé havia reunido uma documentagao sobre 749 igrejas intactas. Ultima desvantagem da Franga, em relagio as associagées de protegio britinicas, privadas e locais: financiamentos magros do Estado, que nao receber ajuda de nenhum mecenato. O inspetor © a comissio s30 obrigados a sacrificar numerosos monumentos. Os salvos so em geral tirados aleatoriamente do uso destinados ‘a0 mesmo tipo de “visita” que os objetos de museu. Uma primeira lei foi finalmente promulgada em 1887. Uma regulamentagao vem completé-la em 1889. Em 1913, dao-The uma forma definitiva, que hoje constitui o texto legislativo de referén- cia da lei sobre os monumentos hist6ricos”: é a instituigdo de um Grgio estatal centralizado, dotado de uma poderosa infra-estrutura administrativa ¢ técnica, Servico dos Monumentos Histéricos, ‘ede uma rede de procedimentos juridicos adaptados ao conjunto dos casos passiveis de previsao. Essa legislag3o confirma a centralizagao, a unidade € a coe- réncia da politica francesa de conservagao dos monumentos his- t6ricos, que se v2 em seguida dotada de meios de aco préprios. De acordo cama tradigao centralizadora da Franca, ela nao deixou de funcionar como modelo em outros paises em que o papel do Estado era menos preponderante e a descentralizagao era parte da tradic3o (Alemanha, Itélia). Na Inglaterra, a intervengi Estado na administragao e conservagao dos monumentos 86 aconteceu tardiamente, com o Ancient Monuments Protection Act, de 1882, permanece reduzida®, Alei de 1913 nao deixaria, porém, de apresentar alguns incon venientes: morosidade da burocracia; reduco progressiva do papel ativo, estimulante ¢ anticonformista dos voluntérios, substituidos por funcionSrios — a comisséo dos monumentos mantém apenas um poder consultivo e, em muitos casos, suas recomendagées nao so seguidas —, enfim, fraqueza maior, o vazio doutrinal que 57. CE. P. Dussaule, op. cit, e seu 58, N, Boulting, “The Law's Delays, Conservationist Legislation in the British Isles”, in J, Fawcett, op. it. pertinente comentério. 1s. Acoveacancho bo woweTo sre constitu o contexto administrativo, técnico e juridico dos proce- dimentos. Disso dé provas a definicio do monumento hist6rico: mével ou imével “cuja conservacio apresenta, do ponto de vista da histéria ou da arte, um interesse piblico”®. nao se fz acompanhar nem de uma andlise do conceito, nem de critérios de discriminagao pratica. Essa caréncia, cujas causas mereceriam ser buscadas e analisadas, ¢ provavelmente responsavel pelo atraso da Franca nesse dominio no século XX. Em 1825, Victor Hugo se indignava com 0 abandono em que se encontravam os monumentos franceses. E.acrescentava: “E preciso deter o martelo que mutila a face do pais. Uma lei bastaria. Que seja feita. Independentemente de quaisquer direitos de proprieda- de, nao se deve permitir a destruigéo de um edificio histérico”. Linhas significativas. Elo de um longa cadeia, elas antecipam as restrigies que o legislador francés, herdeiro da Revolucio de 1789, viré impor ao direito de propriedade dos detentores privados do patriménio histérico. Mas elas dio mostras de um oti exagerado: mesmo combinada com medidas penais, uma basta. Hoje isso € patente. A preservacio dos monumentos 6 antes de tudo uma mentalidade. A restauraco como disciplina Querer e saber “tombar” monumentos é uma ¢oisa, Saber conservé-los fisicamente e restauri-los € algo que se baseia em ou- tros tipos de conhecimento. Isso requer uma pratica especifica ¢ pessoas especializadas, os “arquitetos dos monumentos hist6ricos", que o século XIX precisou inventar. 59. Ver os dois primeiros capitulos dale. Essa definicdo nao seré mais aperfeigoada com a introduglo de noves tipos de objetos no corpus dos nto. s, desfigurados ow 60. Op. cit, p. 155-6 (grifos nossos). Entre os edificios demol deixados ao abandono, ele cita as pressas e sem preparagio, escolhendo sa acaso [embrangas de uma excursio recente}: as igrejas de Saint-Germain-des-Prés fem Paris, de Autun, de Nevers, de La Charite-sur-Loire, a catedeal de Lyon, os castelos de Arbresle, de Chambord, de Anet (..)". 149 Na Franca, essa invencao foi obra de Vitet e de Mérimée. Evocar, mesmo ligeiramente, sua aventura particular faz aflorar um conjunto de probler ‘ira, o sent a sua ma ao exemplo da Vienne. JA em sua primeira viagem, Mérimée determina que a Igreja de Saint-Savin seja tombada. © edi cuja abébada esta cheia de fissuras, precisa com urgéncia de re- paros ¢ consolidacSes. Mérimée nio é arquiteto. Diferentemente dos antiquarios ¢ dos historiadores da arte, categoria de que alids ele faz parte, sua missio o faz defrontar-se com questées praticas e técnicas relativas truco e a arq serve de correia de transmissao entre o saber dos € 0 conhecimento dos arquitetos ¢ se choca, nesse papel, com trés obsticulos maiores. primeiro ¢ comum ao conjunto dos paises europeus, com relativa excecio da Inglaterra: € a ignorancia dos arquitetos, es- pecialmente dos arquitetos dos departamentos e das comunas, ‘em matéria de construgdes medievais"'. A partir da era classica estudo da construgao antiga faz parte da formagao dos arquitetos. Mais que isso, estes contribuiram ativamente para 0 avanco da arqueologia greco-romana. Na trilha dos So , Hittorf e Garnies, por exemplo, conseguiram as provas da poli- cromia da arquitetura antiga. Em compensacio, tudo esti por aprender no que diz respeito ao gotico. A situacio da arquitetura romdnica é ainda pior: esta é desprezada e julgada sem valor, nao 61. A situagio é analisada com lucidez por Vitet: "Nao basta decid que se restaurem dorwvante os monumentos dentro de um espiti preciso ter arquitetos bastante versados em historia da arte pata no co impericias nem absurdos. Quando se trata de monumentos antigos, nio exi uta dificuldade, visto que o estudo desses monurentos € 0 tema quase excli- sivo em nossa escola, €a arte das restauragses é precisamente um des exercicios a0 quis os shunos se aplicam com maior sucesso. lade Média e de nossos monument: ‘piantes; ¢ 05 préprios professores teriain muita dif -comcingho no MONEMECO TORO apenas pelos arquitetos, mas também por historiadores da arte da estatura de Caumont®. Mérimée sofre exemplarmente as © juando de suas ida: s desse desco- Gracas a subvengoes do lo departamen- itudinal da abobada da Igreja de Saint Savin, sem se preocupar com “Esse crime, escreve Mérimée a Vitet, é obra do demissionério, Seu sucessor nio me inspira nenhuma confianga. Ble tem a infelicidade de ser terrivelmente estipido e ignorante”®. em razio de uma temersria reconstituicdo do e% paleocristio origi Segundo obstaculo, pro entre Paris ¢ 0 interior do inspetores e da Comissao dos Monumentos Historicos faz. que se escolham arquitetos formados na Escola de Belas-Artes de Paris. Estes enfrentam a hostilidade e mesmo a malevoléncia local®, Obstéculo mais grave, enfim, o trabalho de consolidagio ¢ 62. “A arquitetura dos primeiros séculos da Idade Média aprese odos os caracteres da arqy romana, num avangado estado de decs mane [rominica}. O tipo romanico persi "Abécédaire ou rudiment d’archéologie, Pai 63. sse Dulin é membro da Associacio dos Antiquirios 64, entaque aqueles se interessam apenas pela jo (ama parte do qual deve ser de ‘estado em que se encontram atualmes de “conservacio" desfigurando a ‘do ponte de vis logico e hist6rico! (65, Emesmo quando, como na Vienne, Mérimée escolhew um pritico da regido, nem por issoo gesto deixa de sigificar a ingeréncia de Paris nos assuntos da provincia Ele acaba po concentrar a animosidade de todos os agentes locais, do Conselho Municipal aos ant irios, pasando até pelo prefeito. Ibid, p.80.¢5. 151 restauragéo jd nio satisfaz os restauradores. Ele no dé pre: no requer 0 “genio criador” do artista e tampouco remunera bem. E, Labrouste, o célebre criador da sala de leitura d. joi escothido, em razio de sua competi cultura eclética, para restaurar a igreja colegiada de Mantes. Alguns meses mais tarde, 0 campanirio desta desmorona. Descobre-se que Labrouste, ocupado com misses mais gloriosas, delegara a obra a um colega local. Nio bastava aos inspetores dar mostras de perspicicia psico- Iogica para descobrir, entre os arquitetos laureados de Pa quando de suas viagens ao interior, os poucos homens capazes de dedicar sua atividade profissional conservagio do pasado. Era preciso também formé-los: inicid-los na histéria da arte ¢ da construgio, entao ainda embrionéria, fazer que transformassem em método a circunspecgio ¢ a humildade. Os préprios Mérimée da arquitetura medieval, que eles ndo conseguiram fazer na Escola de Belas-Artes®. No curso do século XX, os estudos preparats vacio e restauragéo das monumentos hist6ricos exigiram a suplementar de novos € numerosos conhecimentos cientificos F. Bereé, op. it ‘Ver os consethos dados por um e outro a seus arquit pode entender que a Escola de Belas-Artes tenha se preo- ‘cupado apenas ern se opor a essa criagio, obrigando assim o gov . op. cit, p. 293. Na verdade, apesar da gjuda da forea publica, 0 governo por o curso de hi igado a porardepois de alg que dedicou 20 generale de Varckis balango da contribuigio do governo ‘A consacaacho 00 NENUMENT MTEC ados sobretudo a degradagao dos materiais®*, Masa his- ‘ontinuou sendo absolutamente fundamental. nd, onde muitas vezes foi retura. Na Franca, esse ensino sempre esteve ausente na Escola de Belas-Artes. tervencio de restauradores especializados nos monumien- imentos seguros, hist6ricos, 2 também uma doutrina que pode articular de forma muito diferente esses saberes @ esses a natureza da intervengao ina que se constituiu a partir da déca- a conservacao dos monumentos antigos, reconhece ariamente os valores © 0s novos sig monumento histérico. nec As aporias da restauracdo: Ruskin ou Viollet-le-Duc E dessa for que o debate sobre a restauragio, que havia di- vidido os antiquérios e os arquitetos ingleses antes dos demais, no fim do século XVIII, vé-se enriquecido e ampliado em dimensées que abarcam a cena européia, Esquematicamente, duas doutrinas se defrontam: uma, intervencionista, predomina no conjunto dos paises europeus; a outra, antiintervencionista, é mais propria da Inglaterra. Seu antagonismo pode ser simbolizado por aquele dos dois homens que as defenderam com mais conviccéo e talento: Viollet-le-Duc e Ruskin, respectivamente. Na Gra-Bretanha, os termos da lado do: mica endureceram. Do de Ruskin e Morris. O conhecimento de arquitetura medieval muito superior ao de seu predecessor ndo impede que Scott defenda, em de Pesquisa dos Monumentos Histéricos. Cf. também o papel da fotogrametria 153 nome da fidlelidade histérica, posicdes “corretivas”. Ele publica, em 1850, Defesa da restentragdo fiel de nossas igrejas antigas,® apés ter declarado, oito anos antes, que gostaria de expurgar a palavra “restauragio” do vocabulério arquitetonico”, Dé-se ao luxo até de criticar a posigo de Viollet-le-Duc, de que sua prépria doutrina é, s defendida pela Sociedade iu-lhe intervir na maioria das iveram praticamet na Gré-Bretanha até a década de 1890. De sua parte, Ruskin, seguido por Morris, defende um anti tervencionismo radical, de que até entao ainda nao havia exemplo, e que deriva de sua concepgao do monumento histérico. O trabalho das ‘geracées passadas confere, a0s edi ema segundo uma argumentagio jpotese otimista de um revival da arte antiga: 0 valor dos monumentos do passado deriva menos da grande ruptura des savoir Jaire provocada pela Revolucio Industrial do que de uma tomads de consciéncia propria ao século XIX. O desenvol- vimento dos estudos histéricos permitiu a esse século pensar, pel: primeira vez, o cariter nico e insubstituivel de todo acontecimento, assim como de toda obra que pertence ao passado”. 69. A Plea forthe Faithful Restoration of our Ancient Churches, completado em 1864 ‘corn um codigo ce restauragio com vinte pontos, “General Advice ro Promotors of Ancient Buildngs”, pblicado em 1864-1805 in Sessional Paper of the Riba, Aidéia (pretensamente conservadora) é Fazer que os dificis voltem a0 sew estado Para isso, € preciso supei “Duc € 0 alya das 2omberias dos eclesilogos que 0 tomam com: ;peeensio francesa em matéria de restauracio. CF. nota 93, ai wrem conta a grande mudanga que se rem de seu sentimento e de sex con Nossos antepassados consideravam tudo 0 mente como os mesmos fatos se thes afigurariam em sua propria épaca. Eles julgavam o pasado e os homens do passado segundo os crtérios de seu proprio 154 Aconsxcmeio vo wonaMenTO HIsrNCD Conclusdes: é-nos proibido tocar nos monumentos do pas- sado. “Nés nao temos 0 minimo direito de fazé-lo, Eles no nos pertencem. Pertencem em parte aqueles que os edificaram, em parte ao conjunto das gerac s que vi € um sacrilégio. as Contra a restauragio Memory’, reflete-se nas conferéncias posteriores do critico ¢ repercute de forma vibrante em parte da imprensa inglesa’®. No sentido préprio, restauragao signifi ipleta destruicdo que um edificio pode sofirer", Restaurar é impossivel. r talvez melhor que Ru io € identificar-se completamente com o artista’®. Para Ruskin © Morris, querer restaurar um objeto ou um edificio 6 atentar contra a autenticidade que constit Ao que parece, para eles o destino de todo monumento hi €a ruina e a desagregacao progressiva. tempo, E esses tempos antigos er lenos que eles no tinham momentos nucessos do passado ou do Futuro. Vale a lou hoje. A tomada de consciéneia, cada “Repito: nds, que pertencemos a este as épocas precedentes: sabemos moderna alguma pode st para nds a perda de um trabalho intigo que seja uma auténtica obra de he Builder, artigo sobre “The Restauration, of Ane lings", 28 de dezembro de 1878. 73. "The Lamp of Memory’, op. cit, § XX, p. 201. Os grifos sio de Ruskin. As itagoes seguintes so excertos dos § XVIII e XIX, p. 199 e 200, 74. A palavra é usada com mais freqiiéncia por Ruskin que por Morris, i €nfase, a paixio ruskiniana faz escola. "Restauration, ton nom est . Huggins, The Builder, 28 de dezembro de 1878, igo citado, 76. The Builder, 155. Percebe-se contuclo que, na realidade, esse fim pode ser retarda- do, ¢ que os dois campedes do ani manutengao dos monumentos ¢ desde que de forma impercept a qual condenam a restauragao se explica por sua na perenidade da arquitetura como arte; dai a afirmacio dog: tica de uma necessaria “arquitetura hist6ri skin, e de um revival necessdrio, em Morris. Para este tiltimo, os m¢ antigos fazem “parte do mobilisrio de nossa vida cotidiana’™. Acexpressio € boa, Ela demonstra bem a precariedade que os insere na grande cadeia temporal e situa-os, a0 contririo dos objetos de museu, no mesmo plano dos edificios do presente, chamados a desempenhar a mesma fungao e a ter o mesmo destino. Do lado franeés, a doutrina e a pratica da restauracao sio dominadas pela figura de Vi ‘Duc. Com base em seus es- critos sobre © assunto € em suas intervengdes nos monumentos, franceses, é facil tragar um perfil de sua obra, que se contrapée, ponto por ponto, a de Ruskin, Quase um século depois, a con- tribuicio de Vielle ‘em geral se reduz 2 uma definigio célebre de seu Dictionnaire: “Restaurar um edificio restitui-lo a um estado completo que pode nunca ter existido num momento dado”® e a uma concepcao “ideal” dos monumentos histéricos, que criam na pratica um intervencionismo militante cujo carater 77. “La Lampe de mémoire’, 2 parte. Para Ruskin, 9 atitude fr 08 edificios, para depois arbitrério é conveniente denunciar — fachada gética inventada da catedral de Clermont-Ferrand, Mlechas acrescentads & Notre- , esculturas destruidas ou as, reconstituicées fantasiosas do castelo de fonds, reconstituig6es compésitas das partes superiores da Igreja Saint-Sernin, em Toulouse. Esse retrato grotesco deve, porém, ser relativizado, ainda que nserindo-o no contexto intelectual da época ¢ lembrando 0 estado de degradacdo em que se encontravam, na Franca, a maioria dos monumentos sobre os quais pairavam suspeitas de desfiguracio. ‘Cumpre lembrar também os textos em que Viollet-le-Duc descreve a diversidade dos edificios religiosos do século XIII, “todos nascidos do mesmo prine ande familia em que cada membro possui, todavia, “um traco de originalidade bem maread: te a mao do artista e se reconhece sua individu: dye, igualmente, ignorar seu interesse pela histéria das técnicas € dos canteiros de obras, seus métodos de pesquisa in situ, o fato de ter sido um dos primeiros a valorizar os registros fotograficos ¢ a maneira como soube retirar das fachadas as esculturas demasiada- mente frageis e ameagadas. Além disso, L. Grodecki®" demonstro que 0 castelo de Pierrefonds, do qual sé restavam ruinas, servira de grande divertimento a Viollet-le-Duc: “um brinquedo gigantesco”®, deplorado por Anatole France, ele nos parece atualmente uma antecipacio das "Disneylindias”. ‘rogar-se sobre o senti istoricizantes” de Viol de W. Morris: estado em queos como e6pias suas; por toda a liberdad Pierrefonds", Les Mon 2, Paris, Flammarion, 1990. 1899, p. 172 Le Mayen Age retrouve, 82. P. Nozitve, Paris, A. Lemer 157 intervengdes corretivas e que Mérimée estava longe de poder ima- ginar na década de 1840. A leitura de Entretiens sur Varchitecture 0 de mont, que o fin 1 do Renascimento italiano dedicou a segunda metade de sua carreira a uma aposta no presente ¢ a busca de uma hipotética arquitetura moderna. Contrariamente as hipsteses continuistas de Ruskin e de Morris, mas em conformidade com sua prépria abordagem estrutu- ral da histéria, essa arquitetura nasceré, para ele, de uma ruptura Ela havers de se apresentar sob a forma de um sistema inédito em que os monumentos antigos, testemunhas dos sistemas hist6ricos obsoletos, tem come pri interesse sinalizar 0 espaco vazio. Encontra-se inapelayelmente morto esse passado que, segundo Ruskin e Morris, devernos manter vivo. A atitude do Viollet-le-Duc restaurador explica-se pela constatacio desse dbito. Viollet-le-Duc tem a nostalgia do futuro, € nio a do passa- do. Essa obsessao explica o endurecimento progressivo de sua abordagem de restauragdo, de que talvez nao se tenham apontado determinades tracos arcaicos A nocdo de estruturs, porém, levava-o a retomar, ao empreender a restauracio real dos edi pelos antiquarios e que davam continuidade as “restituigds Escola de Belas-Artes. Reconstituindo um tipo, ele se mune de uma ferramenta didatica que restitui a0 objeto restaurado um valor rico, mas ndo sua historicidade. Da mesma forma, a rudeza de suas intervengdes em geral prende-se ao fato de que, absorto em suas preocupacées didéticas, ele tende a esquecer-se da distancia constitutiva do monumento histérico. Um edificio s6 se torna “his- térico” quando se considera que ele pertence ao mesmo tempo a dois mundos: um mundo presente, ¢ dado imediatamente, 0 outro passado ¢ inapreensivel. Vitet dedicou a essa necesséria tomada de consciéncia linhas cuja vivacidade mostra que, 8 €poca, ela ainda 158 nao se tornara um hébito mental*. Apesar de sua experiéncia, 0 préprio Viollet-le-Duc muitas vezes di provas disso, Esse € 0 caso, por exemplo, da adverteéncia que ele dirige aos inspetores diocesanos 40 mesmo tempo, o conceito de monument hi uma abstracdo, ¢ o de restauragdo, que nao leva mais em conta a autenticidade do objeto restaurado. A Franca e a Inglaterra Ao lado das posigdes radicais de Viol muito mais nuangada de Vitet e de Mér omo da maioria de seus contemporaneos franceses ligados a defesa dos monu- mentos parece préxima da dos ingleses reunidos em torno de Ruskin e de Morris. Desde sua primeira viagem pelo Oeste, Mérimée observa, a propésito do “Templo Saint-Jean” de Poitiers, restaurado ou, antes, reconstituido segundo a tradicio dos antiquérios: “Gostaria que a nova restauragio nao acrescentasse nada ao que o tempo nos deixou, limitando-se a limpar e a consolidar. Em alguns lugares, cobriram os muros comum reboco novo, o que é um erro grave, porque se devia conservar religiosamente a aparéncia antiga das muralhas que outrora foram varias vezes reparadas”®*, Para ele, constitui um principio que © arquiteto reparador intervenha © minimo possivel, sempre que 0 estado do monumento o per e-Duc e com seus outros interlocutores. De resto, esse também & 0 Je-Duc, a atitude 83. “A restauracio [dos monumentos antigos] 6 uma invencio que 36 existe em nossa época (..). Essa idéia que todas as outras artes obser -adatuma a sua maneira, nunca foi posta em laarquiteeura, Cada m modo se imps a lei de 56 jr de determinsda maneira, 20 prprio gosto, aos préprios usos, quer construindo algo novo, quer concluindo ou reparando a ido, Se a moda mudou durante a simetria; fdo de acorda ‘com os planos em moda", Fragments, op. cit, p. 293. 84, 8. Fouché, op. cit, p. 33. 159 Ainico meio de conservar uma qualidade essencial dos monumentos, sua patina. Victor Hugo defende a mesma po: mentos histéricos que, tempo ou dos homens uma certa beleza’ nenhum pretexto se deve tocar, porque gastes © supressdes feitos pelo tempo ou pelos homens sto importantes para ¢ hist6: as vezes também para a arte. Consolidé-los, impedi-los de ca tudo 0 que podemos nos permitir”®. Vitet também preconiza um respeito que ele compara ao que se deve ter as jéias de fam E, aos franceses, ele chama a atencao para o exemplo ingles: seria necessdrio enviar os jovens arquitetos 3 Inglaterra, assim como so enviados a Roma, para aprender a conservar ¢ a restaurar™ A semelhanga de determinadas formas no nos deve enganar. (Os franceses concordam apenas em parte com as posigGes ruskinianas, Para eles, os monumentos “intocaveis” sio poucos. Victor Hugo irma que a maioria se constitu, a0 contririo, da categoria daqueles ‘que, longe de ganhar, perderam com 0 envelhecimento e con desgastes””. Com efeito, na Franga, um monumento histérico ni € visto como uma ruina, nem como uma reliquia que se destina & meméria afetiva. Ble é, em primeiro lugar, um objeto historicamen- te determinada e susceptivel de uma anslise racional, ¢ s6 depois objeto de arte. A abordagem francesa geralmente subentende um postulado impensvel para Ruskin: a restauracao 6 a outra face, obrigat da conservacio; necessdria, ela deve e pode ser fiel; trata-se, nesse caso, de uma questao de método e de savoir faire. E necessério, diz, Hugo, que os trabalhos “sejam feitos com cuidado, ciéncia ¢ inteligéncia”**. Vitet € mais preciso: “E necessirio 88, Ibid, p. 1248. CE. tamb ‘esses belos e praves edi ido, com inteligencia, cia e de gosto que vos sobretudo que o arquiteto restaurador bes, para que estude com curiosidacde © seja frugal ent suas préprias ima 160 NooNEACRAC Ao Ho MoH MENTO HES colocar-se num ponto de vista exclusivo, despojar-se de toda idéia atual e esquecer 0 tempo em que se vive para se fazer contemporaineo do monumento que se restaura, dos artistas que 0 construfram, dos homens que o habitaram. E preciso conhecera undo toclas os processos da arte, nio apenas de suas principais épocas, mas desse ou daquele periodo de cada século, a fim de restabelecer, se necesséirio, toda uma parte de wm edificio a vista de simples fragmentos, nao por capricho ou por hipstese, mas por wma rigorosa e conscienciosa indugao”® Nio se pode encontrar melhor forma de evitar colocar 0 pro- blema da autenticidade estética, que é conferida atum monumento hist6rico por sua singularidade e por sua idade, e que, reconhecida mais tardiament tipolégica. Pode-se verdadeiramente abstrair- se vive? Ser que se pode transpor o mét das ciéncias naturais para o da arte? Essas questées nio si abordad: os franceses transformam em yerdade uma mentira denunciada por Ruskin © Morris e revelam a importéncia que atribuem aos valores da meméria hist6rica®, em comparaciio com os da meméria afetiva e do uso piedoso. No mesmo espirito, critiquem de forma pertinente determinadas reutilizagées dos ed s, 08 franceses tendem a favorecer, mais ificagao dos monumentos hist6ricos. Vitet sintetiza, sem segundas intengSes, a légica dessa atitude quando lamenta que nossas catedrais continuem a servir ao culto, porqu espécie de vandalismo lento, insensivel, despercebido, que arr € deteriora quase t amu se encontram edificios religiosos que, despo- de sua (rif como objetos de arte e de curiosi Essa andlise das atitudes e dos comportamentos que contra- poem a Franga & Gra-Bretanha no que diz. respeito a restauracio tem apenas um yalor geral. Procurei determinar tendéncias. Desconsiderei, deliberadamente, as excegdes € 05 ¢ limite. Houve, na Inglaterra, rivais de Viollet-le-Duc, como alids 0 mostrou o exemplo de G. Scott e de seus partidérios eclesislogos. Da mesma forma, na Franca, Montalembert (talvez sozinho) defen- de uma ideologia revivalist em paginas de laivos ruskinianos’ Viollet-le-Duc, a quem Ruskin e Morris nunca perderam a oportuni- dade de denegrir ou vilipendiar”, foi defendido publicamente, com sutileza, por determinados arquitetos ingleses, enquanto Morris era taxado de fetichjsta e ridicularizado abertamente pelo editoria- a do Builder**. De forma anéloga, a carta enviada de Alexandria (18 de margo de 1851) ao Athenaeum por Wi im Morris também da imaginaco « da Fé, descalvado (..). Dir-se-ia que fontem e que vai acabac a ibém, na p. 67 es. a prop das igrejas: “LS se eroue ainda diante de né eee Tis date de née J". Compare-se com 0 textos de 94. Ibid. No curso da mesma ses colega dde ter suas sessses presidias p pensantes € subjugadas por sociedade, que vem sobretude de “um fe 162 a consucnho 0 woman HORICD e as restauracées de Viol 5 duramente, jé em 1844, por Annales archéologiques, bem antes que Anatole France se ocupasse do assunto”, E também fato que a doutrina de Ruskin nasceu e se difundia na Inglaterra, endo alhures, e que a Franca, na medida em que protegia seus monumentos, seguia na, maioria dos casos, os preceitos de ‘iollet-le-Duc. Como o préprio Ruskin compreendeu®, o desti- no desse antagonismo doutrinal era previsivel. Que podia a tese do deixar envelhecer (e perecer) e suas complexas consideracdes sobre a consolidacao contra 0 projeto racionalizado ¢ espetacular dos arquitetos e dos historiadores intervencionistas? A Europa intei estava pronta para aderir 's de Viollet-le-Duc. Estas reuniam especialmente as aspiracdes historicistas dos restauradores forma- dos nos paises de lema e da Europa central. Sinteses ‘Todo conhecimento em processo de formagéo provoca a critica de seus conceitos, de seus procedimentos e de seus proje- tos. As disciplinas afins quanto a conservacio e restauragio dos monumentos hist6ricos nao fugiram a regra. Depois do trabalho fundador da primeira geracao, veio, no fim do século, outra refle- x40, critica e complexa ‘que se criasse uma associago " op. ci nente, consertos desse tipo, exe inca, so.em geral desprovidos de carter espetacular€s40 pen- jos pelo grande pa

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