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I

Newton Tambara

Elizabeth Freire
© Copyright Tambara, Newton
Freire, Elizabeth Participação Especial:
Ia edição: 1999 Jerold D. Bozarth
1500 exemplares

ATENÇÃO: evite fotocópias, em respeito aos direitos dos autores

TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE


Este livro pode ser encomendado: Teoria e Prática
Humanas Livraria
Av. Cristóvão Colombo, 1634 - Porto Alegre
UM CAMINHO SEM VOLTA...
Fone: (51) 222.5130 - Fax: 395.3739

Edições:
Editoração e diagramação:
Norberto Coronel Garcia - Fone: (51) 983.9748
DELPHOS
Porto Alegre - 1999
AGRADECIMENTOS

A meu irmão Ricardo, por ter sempre acreditado em mim.


A minha filha Ana Cristina, a Fernando e Júlia, que iluminam minha
vida com a sua presença.
Ao mestre e amigo Mauro Amatuzzi pelo incentivo, pelos questiona-
mentos e por me orientar no caminho do pensamento científico.
Elizabeth Freire

A minha filha Marina Rolim Tambara e a Suzana Rolim Tambara com


quem aprendi um caminho sem volta...
Agradeço aos colegas João Carlos Karling, Lisandra Oliveira, Marlene
de Ávila, Verena Augustin Hoch, Angela Machado, Cátia Stumpf, Rose
Bertolin, Anísio Meinertz, Gilberto Kronbauer, Eva Lúcia da Silva, Tânia
Reis, Jeferson Irazoqui, Sérgio Gobbi, Aldo Meneghetti, Silvia Wudarcki,
Lúcio Schossler e a todos que compartilharam do sonho de um Instituto
Humanista que hoje é realidade.
Newton Tambara

A Jerold D. Bozarth, pelo apoio e estímulo recebidos. Por sua


colaboração especial que a muito nos honra.
A João Carlos Karling, pela cuidadosa e zelosa revisão dos originais.
A Marcos Vinícius Beccon pela tradução do artigo de Bozarth.
Os autores
SUMÁRIO

Apresentação 13
Prefácio 15
1. As origens e o desenvolvimento da terapia centrada-no-cliente 33

2 . 0 nascimento da terapia centrada-no-cliente 35

3. Uma relação essencialmente não-diretiva 38

4. A aceitação como a essência do processo terapêutico 39

5. O cliente não é um paciente 42

6. O desenvolvimento pioneiro de pesquisas em psicoterapia 44

7. A confiança na capacidade do cliente 46

8. A tendência direcional formativa 53

9. A atitude centrada-no-cliente 56

10. As objeções ao diagnóstico psicológico 62

10.1. O psicodiagnóstico é desnecessário para o sucesso da

psicoterapia 63.

10.2. O psicodiagnóstico é prejudicial para o indivíduo 64

11. A Teoria do Auto-conceito 66

12. A mudança terapêutica 75

13. As atitudes facilitadoras da mudança terapêutica 80

13.1. Consideração positiva incondicional 80


13.2. Compreensão empática 82 16.4.0 desvelamento 141

13.3. Congruência 86 16.5. Diferença entre atitudes e técnicas terapêuticas 145

13.4. Condições mais que necessárias: suficientes 87 16.6. A estruturação da relação terapêutica 146

13.5. As pesquisas sobre as atitudes facilitadoras 88 17. O desenvolvimento do terapeuta 150

13.6.0 conceito de experienciação 90 17.1. As dificuldades para centrar-se no cliente 153

14. A abordagem centrada-na-pessoa 92 17.2. As atitudes diretivas 156

14.1. Grupos de Encontro 93 17.3. As atitudes tutelares 162

14.2. O ensino centrado no aluno 95 17.4. A racionalização 165

14.3. Workshops de comunidade 96 17.5.0 silêncio 166

14.4. Relação entre a terapia centrada-no-cliente e a abordagem 17.6. As perguntas do cliente 169

centrada-na-pessoa 99 17.7. Falsificando a experiência do cliente: "o contrabando" 172

14.5.Umjeitodeser 102 17.8. As etapas no desenvolvimento do terapeuta 173

14.6.0 desenvolvimento de uma comunidade centrada-na-pessoa... 103

14.7. Publicações atuais 105

15. Mitos, incompreensões e distorções 108

Além da Teoria. 123

"Você me tirou da lata do lixo" 125

16. A comunicação entre terapeuta e cliente 127

16.1. A reiteração 128

16.2.0 reflexo de sentimentos 131

16.3. A elucidação 199


APRESENTAÇÃO

Ao longo de muitos anos de intensa prática clínica desenvolvida


no Delphos - Instituto de Psicologia na área da terapia centrada no
cliente, tanto no curso de formação de terapeutas, quanto no ensino de
pós-graduação e no oferecimento de estágio supervisionado para
estudantes de graduação de diversas universidades, temos investigado
e praticado a abordagem proposta por Carl Rogers em toda sua
originalidade. Desejosos de compartilhar o aprendizado que obtivemos,
a partir dessa experiência, com as pessoas que se interessam pela
abordagem humanista em psicologia, decidimos escrever este livro.
Na busca incessante de nosso aperfeiçoamento profissional,
em nossas reuniões clínicas de supervisão e estudo, perguntávamo-
nos: "Por que em alguns momentos o processo terapêutico flui muito
bem e em outros não?" Buscando responder a esta pergunta, sentimos
a necessidade de escutar a gravação de nossos atendimentos para
tentarmos acessar um nível mais profundo de compreensão de nossa
prática. Nossas reuniões clínicas se transformaram, assim, em um
espaço privilegiado onde, num clima de aceitação e compreensão, e
a partir da escuta destas gravações, pudemos falar de nossos
sentimentos e de nossas dificuldades em relação à experiência de
sermos terapeutas. No clima facilitador destas reuniões, fomos
percebendo que as dificuldades que surgiam no processo terapêutico
de nossos clientes, se originavam de nossas dificuldades em vivenciar
plenamente as atitudes facilitadoras da terapia centrada no cliente.
Escutando nossos atendimentos e escutando-nos uns aos outros,
percebemos que se não estamos abertos à experiência, os nossos
medos e as nossas defesas impedem que o processo terapêutico do
cliente flua em direção à mudança significativa. Compreendemos,
assim, que se a nossa prática clínica não puder ajudar a nós, terapeutas,
então não seremos capazes de ajudar os nossos clientes.

Dessa forma, concluímos que a nossa impossibilidade em


ajudar alguns clientes não se deve às limitações da abordagem que
utilizamos, mas às nossas limitações em vivenciar esta abordagem
plenamente. Se não conseguimos ser facilitadores com determinado
cliente, não será acrescentando à nossa prática outros referenciais PREFÁCIO
(como gestalt-terapia, psicanálise, focusing, terapia sistémica e etc.)
com suas "técnicas", que conseguiremos. Enquanto não trabalharmos
as nossas dificuldades pessoais, nenhuma "técnica" nos tornará
capazes de ajudar este cliente. Paradigma revolucionário em psicologia

Para sermos terapeutas centrados no cliente precisamos de uma Henrique Justo*


certeza interna que não pode ser obtida apenas através de treinamento
ou de aquisição de informações teóricas. A vivência das atitudes
Meus primeiros contatos com a teoria rogeriana remontam aos
facilitadoras exige de nós uma confiança inabalável nas forças de
idos de 1950. Discretamente, gradativamente, fui substituindo partes
crescimento do cliente e na sua capacidade de crescer com autonomia. do meu edifício psicanalítico com 'material' humanista... De ambos,
Esta confiança não pode ser apenas uma "hipótese", não pode ser confesso, desconhecia então o embasamento epistemológico, a
apenas um conceito ou uma "teoria", ela precisa ser uma certeza se filosofia que lhes nutria as entranhas. Meu prediozinho modesto,
quisermos ser terapeutas centrados no cliente. Mas esta certeza daquela, época misturava dois estilos inteiramente diferentes. Pouco
interna, como todo verdadeiro conhecimento, é intransferível: só a pouco, foi recebendo uniformidade de traços e estrutura.
poderemos obtê-la através de uma expansão de nossa consciência.
Certo dia, estudante de psicologia (pós-graduação, pois
Na Antiga Grécia, o oráculo de Delphos trazia nas paredes graduação nesta área não havia ainda), senhora de seus quarenta anos,
do vestíbulo que dava acesso ao templo as famosas palavras: me disse: "O senhor é o único professor com linguagem diferente."
"Conhece-te a ti mesmo". Para entrar no templo, era necessário Pensei comigo: "Só linguagem? E toda a visão diversa de pessoa por
conhecer a si mesmo. Assim também o nosso "Ser" é um templo detrás dessa fachada!?"
sagrado. Diz Rollo May' :
Não tinha eu segurança nem coragem suficiente para me
declarar abertamente humanista-rogeriano. Imagine, leitor, em Porto
"As indicações do oráculo, como as dos sonhos, não deviam
Alegre, Vaticano da psicanálise no Brasil, psicanálise chegada a nós
ser recebidas passivamente; os beneficiários tinham de viver
via Buenos Aires.
a mensagem... o efeito da ambiguidade das profecias de
Delphos forçava os suplicantes a rever a situação, reconsiderar Após um ano de curso em Paris (1966-67), com ex-estagiários
os planos feitos e estruturar novas possibilidades" franceses junto a Rogers e equipe, de volta, iniciei a expor a teoria
desse grande psicólogo. A apostila de 1968, transformou-se em livro
Todos nós, sejamos terapeutas ou clientes, estamos, de certa em 1973, o primeiro a ser publicado entre nós sobre essa teoria. A 6a
forma, diante deste oráculo. Entretanto, a chave para abri-lo está edição encontra-se no prelo, melhorada.'
dentro de cada um, ninguém poderá abri-lo por nós... Quando entramos O contraste entre a psicanálise aprendida - pessimista,
no templo, iniciamos uma jornada da qual só sabemos o início. Para patoligizante, determinista, 'regressiva'2 — e a visão rogeriana -
onde vamos, aonde vai dar esse processo, ninguém sabe... No entanto, otimista, aberta, 'progressiva', apostando na liberdade da pessoa - é
este é um caminho sem volta. Diz uma canção nativista do Rio Grande de imediata evidência.
do Sul que "quando a gente abre as asas, nunca mais, nunca mais...".
Podemos nunca mais abrir as asas novamente, mas jamais poderemos
* Dr. em psicologia e educação
negar que abrimos uma vez...
1. "Carl Rogers: Teoria da Personalidade - Centrada no Aluno". A 5a edição levou o título: "Cresça e Faça
Crescer: Lições de um dos maiores psicólogos; C. Rogers". - A 6a pretende dar maior destaque ao nome
CARL ROGERS.
1 2. Cf.. Assoun, 1983; Fromm, 1980; Allers, 1979
May, 1992.
Livros de um revolucionário tranquilo Quanto à família, expôs seu pensamento em outro best-seller:
"Tornar-se Cônjuges: o Matrimonio e suas Alternativas".4
Rogers apresentou mais sistematicamente sua teoria, apoiada
em cuidadosa observação e comprovação experimental, em duas Atento ao mundo atual e suas necessidades, enveredou briosa-
publicações: no ano de 1959, na obra de Koch (Psychology: a study mente por outras áreas no livro "Sobre o Poder Pessoal: dinamismo
of science, 3o vol.) e, nos inícios dos anos sessenta, retomou-lhe o interno e seu impacto revolucionário" (1977), cujos originais tive a
conteúdo na conhecida obra de Rogers/Kinget, "Psicoterapia e honra de manusear no curso intensivo de verão do ano anterior em
Relações Humanas ".3 La Jolla e, quando, três psicólogos brasileiros (Eduardo Bandeira à
frente) conseguimos articular a primeira e fecunda vinda de Rogers e
No decénio de quarenta, incubou Rogers um de seus livros membros da equipe ao Brasil. Nessa obra — talvez a melhor para um
fundamentais (havia publicado outros anteriormente): "Terapia primeiro contato com o pensamento 'incendiário' de Rogers,— refere-
Centrada no Cliente " (editado em 1951). Exatamente dez anos após, se ele às potencialidades da pessoa, em grande porcentagem
lançou o best-seller "Tornar-se Pessoa" (1961), título significativo inaproveitadas. Despertadas e medrando provocarão 'revoluções',
anunciando a matéria do volume. isto é, mudanças na vida pessoa, familiar e social mais ampla.
Com sua equipe pesquisou os meandros penumbrosos da mente O incansável 'revolucionário tranquilo, discreto' (como foi
de pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas. Resultado: volume chamado), 'militar de paz armada, diria Agrippino Grieco' já entrado
de 600 páginas relatando os resultados do imenso trabalho. Tema: em anos e com invejável fecunda experiência, enfrentou outro desafio:
"A Relação Terapêutica e seu Impacto: estudo psicoterapêutico de a reconciliação, com êxito, de grupos antagónicos, conflitivos: negros
esquizofrênicos" (1967). e brancos nos Estados Unidos e na África do Sul; católicos e brancos
Dois anos após, com Dymond, publica as 400 páginas de na Irlanda; comunistas e não-comunistas em Varsóvia; políticos da
"Psicoterapia e Mudança de Personalidade"(1969a), contendo uma América Central em memorável workshop na Áustria. Sua 'escola'
série de investigações da equipe coordenada por ele. Embora cônscio (termo aborrecido por esse líder) e ele mesmo ousou entrar na União
das limitações, declara-se "ufano por se tratar do primeiro cuidadoso Soviética, percorrendo várias cidades, pronunciando palestras, fazendo
estudo objetivo dos resultados psicoterápicos com adequado controle" demonstração de terapia individual e de 'grupos de encontro'. Peretti
e de "ser das mui poucas tentativas para testar, em grande escala, conjunto (1977) refere-se a essa 'cruzada' de um democrática em nação ditatorial
coerente de hipóteses de consistente teoria da personalidade (P. 6). com o subtítulo 'Recepção entusiasta na União Soviética'. Que não
constituiu passeio folclórico e fogo fátuo testemunha-o recente artigo
Professor universitário que foi durante muito tempo, transpôs de Bondarenko (1999), então jovem psicólogo russo, testigo ocular e
as atitudes básicas da terapia à aprendizagem centrada no estudante. auditivo da revoada triunfal do grupo de La Jolla em seu país.5
"Liberdade de Aprender" (1969b) é o fruto dessa experiência.
Em 1980 , aos 78 anos, surpreendeu o mundo da ciência com o
Saindo das quatro paredes protegidas do gabinete de
livro "Um Jeito de Ser". Advoga um jeito, um jeito desabrochado,
atendimento individual, aventurou-se a atuação em campo aberto, ao
humanizante de ser. Neste livro e em outros mostrou ser isso possível.
atendimento de grupos. Inicialmente pequenos, chegaram, após, a Um certo jeito ou modo de ser de alguém desperta a possibilidade de
mais de 200 pessoas, como em Arcozelo, RJ (1977). Condensou sua novas formas de ser em outros.
experiência no livro "Grupos de Encontro" (1970).

3. Ainda na década de sessenta, já de posse da 3* ed. desta obra, "revista e corrigida", cedi a 1* a um amigo.
4. No Brasil, foi o livro editado com o título um tanto ambíguo, mas chamativo, "Novas Formas de Amor".
"Trata-se de trabalho novo, lemos no Prefácio, e não de tradução de obra inicialmente escrita para o leitor
americano" (Nuttin). 5. "My encounter with Carl Rogers: a retrospective view from the Ukraine", in Journal of Hjumanistic
Psychology.n. 1, 1999.
- Do apanhado sistemático de 1959, cito a edição em castelhano (Ver Bibliografia).

I
Na Introdução confessa: "Às vezes fico espantado com as Qual é esse "jeito de ser" rogeriano?
mudanças ocorridas em minha vida e trabalho" (P. VII).
Fundamentalmente consiste em certas atitudes que, por sua
Após se referir ao livro escrito em 1941 (publicado em 42):
vez, emanam da adoção de certos valores, de certa visão da pessoa -
"Psicoterapia e Consulta Psicológica"), 'deu-se conta de estar
isto é, da visão de si e dos outros. Do eu-tu.7
pensando e trabalhando com pessoas de modo diverso de outros
profissionais'); em 1951 e 1961, confessa, o impacto causado por Em 1957, expôs Rogers as condições necessárias e suficientes
Tornar-se Pessoa "obrigou-me a abandonar a estreita perspectiva, para a psicoterapia.8 São três as indispensáveis (e bastantes) quanto
pensando interessar o que escrevia somente a terapeutas. Essa reação ao terapeuta:
alargou os horizontes da minha vida e pensamento. Creio o que havia Ia Consideração positiva incondicional do cliente, atitude que
escrito até então era válido igualmente ao casal, à família, à escola, à resulta em aceitação (não significa necessariamente aprovação)
administração ou relações entre cultura e países" (P. VIII). incondicional do outro. Embora não 'aprove' a fratura do paciente, o
O leitor perceberá, agora, a razão da abertura do leque de médico o recebe, 'aceita' o acidentado como este lhe aparece, pondo
interesses de Rogers a partir dos anos sessenta, abertura retratada em organismo em condições de reagir favoravelmente à situação. O
artigos e livros, como as publicações citadas acima de 1969 e 1970. psicoterapeuta não põe condições. Por ex., se for gentil, agradecido,
A expansão dos horizontes afetou, inclusive, a terminologia, espe- bem educado, se puder pagar integralmente os honorários... eu lhe
lhando os pontos de vista atuais: terei consideração positiva. O fato de o indivíduo ser a maravilha de
uma pessoa é que, naturalmente, o leva a essa valorização. O outro
Assim, "o velho conceito anterior de 'terapia centrada no possui, como eu, as mesmas necessidades fundamentais (entre elas,
cliente' cedeu lugar à 'abordagem centrada na pessoa'. Em outras a de ser valorizado), sentimentos idênticos, desejo de bem-estar e
palavras, já não falo mais simplesmente em psicoterapia, mas em felicidade, de crescer como pessoa, etc. Afinal, colegas de viagem
ponto de vista, numa filosofia, enfoque de vida, um jeito de ser, com no trem (ou aeronave) da vida, sonhando ambos com bela e longa
aplicação a qualquer situação na qual crescimento — quer de uma jornada. Minha presença pode tornar o trajeto mais agradável para o
pessoa, de um grupo ou comunidade - faz parte do objetivo" (P IX). outro desfrutar toda a riqueza possível de experiências satisfatórias
Depositava Rogers inquebrantável confiança nas possibilidades desses 'dias', quer dizer, anos de existência.
e na bondade 'fundamental' da pessoa. Até o fim. O jeito de ser do
Peretti, um dos grandes seguidores de Rogers e um dos meus
interlocutor pode despertar tais potencialidades, avivar a bondade
significativos professores em Paris (1966-67), diz belamente: "O
adormecida.
terapeuta (o facilitador), apoiado em si mesmo e 'centrado no cliente',
Após sair para atuar em arena maior, tão solicitado era que é preciso que se distancie suficientemente de si mesmo a fim de cuidar
somente podia aceitar uma de cada vinte convites para conferências, do outro".9
entrevistas, debates ou grupos de crescimento.
Rogers, por sua vez, confessa:
Queda, com fratura óssea e complicações ulteriores, não
somente o impediu de atender a segunda viagem agendada à União "Eu escuto tão cuidadosa e atentamente, com toda a
Sul-Africana, mas no-lo arrebatou do convívio em 1987, aos 85 sensibilidade de que sou capaz, cada pessoa que diz algo de
frutuosíssimos anos de vida.6 si. Quer a mensagem seja superficial ou significativa, eu escuto.

I Cl Buber. Eu-Tu, s.d., e Tu individual ou comunitário, 1987.


6. A tradução brasileiro de "Um Jeito de Ser" contém 8 dos 15 capítulos do original. Os demais já haviam sido
publicados em "A Pessoa como Centro" (Rogers/Rosemberg, 1977). - A tradução espanhola tampouco 8. O leitor encontra o artigo no livro de Wood, 1995, p. 157-179.
reproduz integralmente o livro. 'i Peetti, 1997, p. 210.

18 19
-

Aumentará também a confiança em si mesma, pois descobrirá,


Para mim, a pessoa que fala é plena de valor (worthwhile), paulatinamente, o potencial de recursos armazenados e não
digna de ser compreendida [...] Colegas dizem que, neste reconhecidos, até então, ou só parcialmente percebidos e utilizados..
sentido, 'valido' a pessoa." w
O processo terapêutico fluirá mais fácil, rápido e frutuosamente.
2a Empatia - É decorrência da atitude anterior, de valorização Tornar-se-á o cliente, dia a dia, mais pessoa. Pessoa mais desabro-
incondicional, aliás, já anunciada na citação de Rogers. As duas chada, mais autónoma.
atitudes se imbricam. Atitude empática supõe alto grau de flexibilidade, de resiliên-
O mundo interior de cada pessoa é único, como é única sua cia. Rogers "deplora a inautêntica, mecânica, rígida, dogmática terapia
fisionomia. Aliás, muito mais, pois as vivências são milhões. centrada no cliente".12 São atitudes opostas às que ele pleiteia. Com
"Somente o indivíduo vive suas experiências. O centro desse mundo elas, haverá centração na pessoa do terapeuta, mas não do cliente.
é ela mesma. Esse mundo vivencial é 'realidade' para ela. A estímulos
idênticos, as pessoas reagem de modo distinto. Percebem significados 3. Congruência ou genuinidade. "O terapeuta é profundamente
diferentes, e sentem e agem, consequentemente, de forma diversa." ele mesmo, com sua experiência, precisamente representada em sua
(Tausch)." conscientização de si mesmo." I3
Isto não implica - é pensamento de Rogers - que ele seja um
O terapeuta se coloca na perspectiva da pessoa que escuta.
modelo de perfeição. O consulente deve sentir (e sente) se está em
Põe-se na sua pele, segundo a expressão de Cogswell (1993). Procura
face de pessoa 'real', autêntica, ou de alguém cumprindo um 'papel',
entrar em seu horizonte de compreensão. Tenta apreender o signifi-
com atitudes e gestos estudados. O terapeuta deve poder ser
cado, a importância do conteúdo da comunicação para o interlocutor.
espontaneamente aquilo que é e não um 'artista' ensaiado.
Diligencia por ser um pouco o outro, pois é impossível sê-lo
inteiramente.
"O que diz, seu modo de se haver, harmoniza com seu mundo
Pesquisas revelam que o indivíduo percebe essa atitude de interior, os sentimentos e ideias, seu self. Não se disfarça. Não
escuta: empática: "Ele (terapeuta) aprecia minhas experiências como nega parte de si. Disposto a ser e a agir como realmente é,
eu as sinto." Capta igualmente a não-escuta: "Ele entende minhas sem máscaras, sem camuflagens, sem couraça, sem comporta-
palavras, mas não o modo como eu sinto." mentos profissionais ensaiados." '4
Ao sentir-se valorizado e empaticamente compreendida, a O leitor perceberá que esta atitude requer transparência, coerência
pessoa terá acréscimo de confiança no terapeuta. Caem defesas.
entre pensar, sentir e agir; sintonia entre o processo interno e a palavra.
Terapeuta centrado na pessoa será autêntico. Esta forma de ser atuará
10. Rogers, 1970, p. 47. - Wood, (1995, p. 274), colega de pesquisa de Rogers e colaborador seu em Grupos,
direta ou subliminarmente no psiquismo do cliente. O mesmo se dará,
(inclusive no de Arcozelo em 1976), durante mais de vinte anos, nos transmite o parecer do próprio Carl infelizmente, também no caso de incongruência.
sobre questão importante: "Falar de uma 'Abordagem Centrada-no-Cliente' ou uma 'Abordagem Centrada-
na-Pessoa' como se fossem entidades opostas entre si é, na minha opinião, caminho certo para disputas A congruência não supõe, comunique o terapeuta ao cliente, o
fúteis e para o caos.[...] Espero que me permitam ser uma pessoa inteira, quer seja chamado para ajudar
num relacionamento destinado a ser centrado-no-cliente ou num que seja rotulado centrado-na-pessoa. Eu
que se passa nele. Não. Quer dizer que deve ser, primeiramente,
trabalho do mesmo modo nos dois." - Comenta Wood (p. 275): "Ele (Rogers) se aproximava de cada transparente (tanto quanto possível) para si mesmo. Atento aos
situação com o mesmo desejo de ouvir e compreender, as mesmas atitudes, o mesmo bom humor, a mesma
humildade, a mesma genuinidade e aceitação não-julgadora do indivíduo ou do grupo, a mesma curiosidade
e abertura à descoberta, a mesma crença de que ele poderia ajudar e que isso era a coisa mais importante
do mundo a fazer naquele momento." 12. Rogers, 1987, p. 38.
13. Rogers, 1957, in Wood, p. 163.
11. Tausch, 1981, p. 187.
14. Tausch, 1990, p. 86).

21
20
próprios processos psicológicos, mas, sobretudo, mais atento às 5. O terapeuta tem confiança nas possibilidades, nos recursos
comunicações do interlocutor. À medida em que avançar na do cliente. Essa confiança ele a transmite através de atitudes, palavras
experiência profissional também ele "se tornará mais pessoa". e mímica.
Chegará o dia em que, habitualmente, pequena réstia sobre si mesmo Um cliente com problema sério, melhorara com inesperada
será suficiente, sendo progressivamente mais disponível ao cliente.15
rapidez, a ponto de ele mesmo se espantar, pois estivera consultando
outros profissionais durante anos, e só piorando seu estado. Certo
4. É postulada uma quarta condição: da parte do cliente,
dia, após meio ano de atendimento, perguntou ele:
percepção das condições acima no terapeuta, ao menos no grau
mínimo (que pode ser elevado!) exigido pela situação do interlocutor - Doutor, a que se deve esta melhora rápida?
à procura de solução de problema ou problemas: melhor - de
- Você que acha?
crescimento como pessoa. Caso as condições não fossem percebidas
- Sabe, quando, na primeira entrevista, após haver exposto
é como se não existissem e, de fato, não existem para o consulente.
minha situação, perguntei: Meu estado tem cura? O senhor
De um lado, as condições devem ser de nível suficiente para serem
respondeu com muita espontaneidade e convicção: Meu Deus,
captadas pelo outro; e este não deve ser tão perturbado que não consiga
por que não? - Esta sua reação reacendeu minha esperança.
apreendê-las. Remédio não ingerido não pode curar. Surdo não ouve
Ademais, disse-me: Você não está doente. Portanto, não precisa
vozes e ruídos.
de cura. O que tem é um problema, e todo problema tem
"Desde que as atitudes não podem ser diretamente percebidas, solução. Juntos procuraremos essa solução.
seria mais correto estabelecer que os comportamentos do A confiança do terapeuta no cliente, este a percebe consciente ou
terapeuta e suas palavras são percebidas pelo cliente como subrepticiamente, crescendo a confiança em si mesmo, alavanca para
significando que, em algum grau, o terapeuta o aceita e a superação do problema. "Ousai, em primeiro lugar, ter fé em vós
compreende." '6 próprios." n
Até prova em contrário, o terapeuta centrado no cliente aposta
Daí a hipótese: se essas condições estiverem presentes na relação na solução dos conflitos através da mobilização dos recursos da
terapêutica, ocorrerá alguma mudança na personalidade do cliente. pessoa, talvez menos preocupado na resolução de problemática
Se uma delas faltar, não acontecerá o efeito esperado, pois se trata de pontual do que no crescimento global do 'organismo'. Ele (terapeuta)
condições necessárias e suficientes. Quanto maior o grau de sua é o catalisador, o facilitador do processo. Quem o dirige é o cliente.
presença, tanto mais será a possibilidade de mudança da persona-
lidade, já que, neste clima, ela goza de liberdade experiencial, isto é, 6. A essência da terapia centrada na pessoa, escreve Bozarth,
sente que tudo o que exterioriza é levado em consideração, sem é o empenho do terapeuta em caminhar
julgamentos, sem avaliação. Não precisa, por isso, recorrer a defesas.
Deixa cair eventuais máscaras. Pode reconhecer e reelaborar suas ° com a direção do cliente,
0
vivências sem negação ou deformação. O clima terapêutico no ritmo do cliente
I8
'permissivo' favorece essa elaboração. • e n a modalidade única de ser do cliente.

15. Cf. Kirschenbaum, 1979, p. 197. - Rogers narra (1969a, p. 349 e ss) um caso com êxito limitado. A
causa? "A pessoa era incapaz de aceitar meus sentimentos para com ela por não poder acreditar neles."
16. Rogers, in Wood, 1995, p. 169. 17. Nistzsche, 1988, p. 137.
18. Bozarth, 1998, p. 8.

22 23
Ouçamos o próprio Rogers: Tendência à atualização ou auto-realização

"A hipótese central do enfoque pode ser apresentado Lemos em Rogers dos últimos tempos de vida:
resumidamente (em 1959 encontra-se explanação mais "Quero destacar duas tendências correlatas que têm adquirido,
completa): os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos gradativamente, maior importância em meu pensamento no
para auto-compreensão e para mudar, modificar o auto- decorrer dos anos.
conceito, atitudes básicas e formas de agir pessoais: esses
recursos podem ser ativados se determinado clima de atitudes ° uma delas é a tendência à atualização, característica da
psicológicas facilitadoras lhes for propiciado. I9 vida orgânica.
o outra é a tendência formativa no universo como um todo.
No processo terapêutico centrado na pessoa, não há diagnóstico ° Juntas constituem os blocos basilares do enfoque centrado
prévio realizado pelo terapeuta ou auxiliares, pois seria ferir o na pessoa." 22
princípio central desse enfoque: centrar-se no cliente. O diagnóstico
é efetivado, paulatinamente, ao longo de todo o processo. Por quem? Várias vezes cita ele em livros e palestras (inclusive na União
Pelo cliente. O terapeuta procura facilitar-lhe a tarefa. Esse auto- Soviética) o caso de batatas inglesas guardadas no chão curo do porão,
diagnóstico culmina em mudança de percepção. Da mudança de na fazenda paterna, brotando em direção à luz: a vida procurando
percepção decorre mudança de comportamento, de atitude. Por isso expandir-se, tanto quanto possível, apesar das condições adversas. A
escreve Brazier que o trabalho de Rogers centrou-se, principalmente, observação de animais e plantas levou Carl Rogers à convicção de
em ajudar-nos a entender o quadro de referência do outro.20 Estamos que todo ser vivo tende a crescer, em direção a tornar-se indivíduo
longe do modelo médico: 'profissional-paciente'. Encontramo-nos adulto realizado da espécie, caso as condições lhe forem
em presença de 'profissional-cliente/pessoa', sendo a atividade suficientemente favoráveis. Demos a palavra ao mestre:
deste(a) o foco da nova orientação psicoterápica.
"Todo organismo é animado por tendência inerente a
O leitor terá notado ser a orientação rogeriana otimista com desenvolver todas as potencialidades, e a desenvolvê-las de
relação à pessoa. Por isso confia nela, embora com muitos problemas. maneira afavorecer-lhe a conservação e enriquecimento. " 23
Alerta importante de Mearns: "Trabalhar com o cliente 'todo',
quer dizer oferecer-lhe as condições básicas a todas as suas facetas, Em outra obra assegura: Este potencial será liberado quando o
mesmo conflituadas entre elas e mutuamente excludentes." 2I terapeuta puder criar clima psicológico caracterizado pela genuini-
dade, valorização incondicional e empatia. Então, "o cliente vai
reorganizar-se tanto em nível consciente como em níveis mais
Imagem de pessoa profundos da personalidade".24

As condições e convicções mencionadas se baseiam sobre


específica visão da personalidade, diferente de outras correntes em Auto-imagem (self)
psicologia. Quais suas principais características?
Com a facilitação do terapeuta, o cliente procura desobstruir

19. Rogers, 1980, p. 115.


22. Rogers, 1080, p. 114.
20. Brazier, 1997, p. 22.
23. Rogers, 1966, p. 172.
21. Mearns, 1994, p. 16.
24. Rogers, 1969 a p. 04.

24 25
ou ampliar o fluxo da tendência à atualização. Repetimos: o papel do "Existe estreita relação entre os modos preferidos do indivíduo
terapeuta não consiste em guiar o cliente pelo caminho 'certo' (na e os motivos psicológicos de sua conduta, seu relacionamento
perspectiva do profissional), mas criar condições favoráveis ao com os demais, seus gostos e repulsas e suas atitudes ante a
processo de auto-exploração e desenvolvimento.25 Objetivo: fazer vida. "29
desabrochar a pessoa no ser, como diz Levinas.26
Resumindo as principais conclusões sobre mudanças de personalidade
Essa exploração, possibilitada graças ao clima formado pelas na psicoterapia, Rogers enfatiza a correlação auto-imagem e vida
atitudes do psicoterapeuta, provocarão mudanças na auto-imagem, mais congruente, mais realista do cliente para consigo mesmo e os
no 'self. E, por sua vez, essa mudança no self fará com que o cliente demais.30
perceba a si e a situação de modo diferente. Encontrará 'saídas'.
Rogers: Outra observação importantíssima: o ambiente deve ser
suficientemente propício a fim de possibilitar a auto-realização da
"Sucesso na terapia é a percepção, da parte do cliente, de que pessoa, à semelhança de todo ser vivo: sem o mínimo de condições,
o self tem a capacidade de reorganização. [...] Quando a em vez de crescer, estiola e morre. Na terapia, as atitudes do
pessoa consegue se ver como agente perceptivo, organizador, profissional, muito mais que sua cultura, fazem surgir esse ambiente
então se dá a reorganização da percepção bem como a favorável. Quanto mais elevado o grau de existência dessas atitudes
consequente mudança nos padrões da reação. "21 no ambiente familiar e social - é bom repetir - tanto mais 'terapêutico'
será esse ambiente. Todo bom relacionamento é terapêutico, isto é,
A partir de certo patamar da terapia, o cliente terá enveredado num favorece o crescimento, segundo Maslow. Há, contudo, pessoas que,
"caminho sem volta". O self é outro; a percepção é outra; outra, embora vivam em ambiente assim, necessitam temporariamente da
melhor e desabrolhadora é a vida. Unamuno diria que a pessoa "sente- 'estufa' do gabinete psicoterapêutico para retomar o impulso do
se viver em estado de criação contínua: cada momento oferece uma crescimento, quiçá dar-lhe outro rumo.
visão nova .
A tendência à auto-realização e à auto-imagem (self) explicam Rumo à plenificação da pessoa
todo procedimento do indivíduo (atitudes, ações e reações). A tendên-
cia ao crescimento é o elemento dinâmico do psiquismo; o self o Certa noite de fevereiro de 1977, durante as maravilhosas três
orienta na direção de valores, objetivos que lhe interessam ou que, semanas passadas com Rogers e equipe de La Jolla (San Diego, USA)
erroneamente ou não, lhe parecem vantajosos e alcançáveis. A auto- em Arcozelo, RJ, John Wood entre eles, estávamos alguns sentados
imagem joga papel decisivo na vida. Conforme se julgar apta ou não, no alpendre da antiga fazenda transformada em local, rústico e singelo,
a pessoa orientará a tendência para este ou aquele rumo, podendo de teatro, encontro de estudantes. Pois bem: o grande autor de "Tornar-
subestimar ou superestimar suas possibilidades. Mas decidirá se Pessoa" estava discorrendo sobre a plenificação gradativa da
conforme se perceber. Por isso, a percepção que o indivíduo tiver de pessoa, quando surge, por entre o arvoredo, a lua cheia. Minutos
si, dos outros, do estudo, emprego, etc, é que lhe pilotará a vida. Eis depois, brilhava ela, dourada e silenciosa, por cima da floresta,
a razão por que o self constitui o centro do processo terapêutico. prateando o panorama bucólico da suavemente ondulada serra carioca
Escreve Goldstein, a quem devemos o termo auto-realização: de Pati do Alferes.

25. Guioordani, 1997, p. 104.


26. Levinas, 1988, p. 115.
29. 1961, p. 164.
27. Rogers, in Wood, 1995, p. 49-50.
30. 1969a, p.413ess.
28. 1952, p. 52.

26 27
Vinculei o crescer da lua à auto-realização da pessoa. Quanto
realização não estaciona: encontra-se
mais esta crescer, mais 'cheia', mais plena se tornará, dispondo de
mais luz para si e irradiando-a mais abundantemente aos outros. ° a caminho de sempre mais plena auto-direção;
° a caminho de ser um processo mais rico e dinâmico;
E convicção de Fromm de que "a existência identifica-se com
o desenvolvimento das potencialidades específicas de um organismo. ° a caminho da complexidade;
Todo organismo possui uma tendência inerente para a atualização ° a caminho de maior abertura à experiência;
das suas potencialidades próprias." 31 ° de maior aceitação dos outros;
° de relacionamento mais profundo com os demais;
Essa noção da tendência à auto-realização tomaram-na Rogers, ° de crescente confiança em si mesma;
Fromm, Maslow e muitos outros, dos minuciosos experimentos e ° de progresso em congruência, em autenticidade.
cuidadosas observações de Kurt Goldstein.
A pessoa em via de crescimento notabilizar-se-á por algumas Como fecho dessas considerações, dois pensamentos que mostram a
características:32 penetração de princípios da psicologia humanista na alta cúpula da
Igreja Católica:
Primeiramente é necessário observar não se tratar de 'estado',
mas de um 'processo'. Vida em fluxo de plenificação é processo, não "O homem não é verdadeiramente homem a não ser na medida
um estado de ser. Para Rogers, "vida em crescimento (good life) é o em que, senhor de suas ações e juízos de valor, é autor do seu
processo do movimento numa direção selecionada pelo indivíduo progresso, de acordo com a natureza que lhe deu o Criador,
quando interiormente livre de se mover para qualquer rumo". de que assume livremente as possibilidades e exigências." 34
Na opinião do autor, as características da seleção da direção
O Papa atual não é menos enfático:
tomada por tais pessoas têm certo grau de universalidade. Quais seriam
os traços distintivos de tais indivíduos? "Somos, de certo modo, os nossos próprios pais ao criarmo-
° Crescente abertura à experiência. nos como queremos e, pela nossa escolha, dotarmo-nos da
° Vida gradativamente mais existencial, isto é, de fluxo reno- forma que queremos. "35
vador.
Se as orientações da psicologia rogeriana atingissem as altas esferas
° Organismo digno de confiança, graças à abertura à expe-
dos poderes políticos, em poucos anos, a terra adquiriria fisionomia
riência.
bem mais humana...
° Vontade de ser processo.
° A pessoa é seu centro de avaliação.

O crescimento não termina, por mais rápido e organizado que seja.


Nunca atingirá o brilho de lua cheia.. Não deixa de ser constante lua
'crescente'. Escreve Paulo Freire: "Totalizando-se além de si mesma
(a consciência humana) nunca chega a totalizar-se inteiramente, pois
sempre se transcende a si mesma."33 Pessoa em processo de auto-

31. Fromm, s.d., p. 38.


32. Rogers, 1961, cap. 9. [Cap. 7 da edição brasileira.]
33. Freire, 1987, p. 16. 34. Paulo VI, 1967,. n. 16.
35. João Paulo II, 1993, p. 92.

28
29
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30 31
*

As ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO
DA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE
2. O Nascimento da terapia centrada no cliente

No dia 11 de dezembro de 1940, a Universidade de Minnesota


promoveu uma palestra sobre os "Os mais recentes conceitos em
psicoterapia". O palestrante convidado era um psicólogo e pesquisa-
dor da Universidade de Ohio chamado Cari Ransom Rogers. O
palestrante, seguindo a temática proposta, procurou apresentar uma
síntese do que havia de mais moderno, na época, no campo da
psicoterapia. A partir da sua experiência de doze anos de trabalho
clínico no "Rochester Society for the Prevention of Cruelty to
Children" e de acordo com os resultados das pesquisas que realizara
ao longo de todo o ano de 1940 na Universidade de Ohio (analisando
laboriosamente centenas de gravações de sessões de psicoterapia),
Rogers apresentou as quatro características de uma recente tendên-
cia em psicoterapia que ele supunha que vinha sendo praticada pela
grande maioria dos psicoterapeutas mais jovens:

° esta nova abordagem confiava intensamente na tendência


do indivíduo para o crescimento, para a saúde e maturidade.
A terapia era concebida como uma maneira de libertar o cli-
ente para o crescimento e desenvolvimento normal.
° esta terapia dava maior ênfase aos sentimentos do que à com-
preensão intelectual.
° esta nova terapia dava maior ênfase à situação imediata do
que ao passado do indivíduo.
° esta abordagem enfatizava a relação terapêutica em si mes-
ma como uma experiência de crescimento.

Por acreditar que estava simplesmente sumariando e apontando ten-


dências comuns aos psicoterapeutas de sua época, Rogers ficou ex-
tremamente surpreendido com a reação da plateia à sua apresenta-
ção. Ele foi duramente criticado, contestado e atacado, foi olhado
com espanto e perplexidade como foi também elogiado e aclamado.
Foi somente a partir deste dia que Cari Rogers percebeu que esta
nova tendência em psicoterapia não era uma tendência comum aos
profissionais clínicos de sua geração, mas era, pelo contrário, uma
abordagem criada por ele e que não apenas única e inovadora como
também era uma abordagem completamente revolucionária. Vinte e Durante cinco anos, Rogers trabalhou em Ohio lecionando para
quatro anos depois, Rogers1 escreveu: "Pareceria um tanto absurdo alunos da graduação e supervisionando os psicólogos que faziam
supor que se pudesse nomear um dia no qual a terapia centrada no formação em "counseling". Naquela época, a legislação americana
cliente tivesse nascido. No entanto, eu sinto que é possível nomear não permitia aos psicólogos atuarem como psicoterapeutas - era uma
este dia efoi o dia 11 de dezembro de 1940". atividade restrita a psiquiatras. Desta forma, para contornar as limi-
tações impostas pela legislação da época, Rogers denominava o seu
Cari Rogers, sem dúvida, foi uma das personalidades mais trabalho de "counseling" ao invés de "psicoterapia". O counseling,
geniais e marcantes de nosso século. Desde o início dos anos 30, que costuma ser traduzido para o português como '"aconselhamento"
quando começou a trabalhar como psicoterapeuta até o ano de sua é uma profissão regulamentada nos Estados Unidos e em muitos pa-
morte, em 1987 - quando foi indicado para receber o prémio Nobel íses da Europa, mas que não possui correspondente no Brasil.
da Paz - Rogers se dedicou intensamente ao desenvolvimento e apri-
moramento de uma abordagem das relações humanas promotora do Nos seus grupos de supervisão, Rogers introduziu uma
crescimento e da realização das potencialidades criativas do indiví- metodologia inovadora: a gravação das sessões terapêuticas. Atra-
duo, não somente no campo da psicoterapia, como também no cam- vés da utilização deste recurso, Rogers e seus alunos puderam anali-
po da educação, da sociologia e da política. sar, avaliar, investigar e questionar o trabalho que realizavam como
psicoterapeutas com uma profundidade que não teria sido possível
Em 1928, logo após ter obtido seu Ph.D em psicologia clínica,
se tivessem utilizado somente os relatos obtidos pela "memória" do
Cari Rogers começou a trabalhar como psicólogo no "Rochester
terapeuta:
Society for the Prevention ofCruelty to Children". Rogers trabalhou
doze anos nessa clínica, fazendo psicoterapia, psicodiagnósticos e "E impossível exagerar a excitação com que aprendíamos, à
encaminhamentos e sendo, por fim, nomeado diretor. Devido ao seu medida em que nos apinhávamos em torno do aparelho que
espírito pragmático e crítico, durante este período em Rochester, nos possibilitava ouvir a nós mesmos, repetindo inúmeras ve-
Rogers acabou desenvolvendo a sua própria forma de abordar a zes algum ponto intrigante no qual a entrevista fora clara-
psicoterapia. Perguntando-se constantemente se o que ele fazia era, mente mal conduzida ou as passagens em que o cliente pro-
de fato, eficaz, questionando-se sobre o quê, em tudo o que ele fazia, gredia significativamente. (Ainda considero que esta técnica
ajudava, de fato, os seus pacientes e em como ele poderia realmente é a melhor maneira de nos aperfeiçoarmos como terapeutas).
ajudá-los, Rogers acabou modificando radicalmente a forma de tra- Entre as muitas lições que estas gravações nos proporciona-
balhar como psicoterapeuta que aprendera em sua formação, que fora ram... descobrimos que era possível detectar a resposta do
basicamente psicanalítica. Assim, a partir dos seus constantes terapeuta que fazia com que um fluxo frutífero de expressão
questionamentos, durante estes doze anos de intensa experiência clí- significativa se transformasse em algo superficial e inútil. Do
nica em Rochester, Rogers começou a desenvolver a sua própria mesmo modo, podíamos nos deter na intervenção do terapeuta
abordagem em psicoterapia, que quarenta anos mais tarde seria cha- que levava a conversa tola e superficial do cliente a transfor-
mada de Abordagem Centrada na Pessoa. mar-se numa auto-exploração. "2
Em 1939, Rogers publicou o seu primeiro livro - O Tratamen-
to Clínico da Criança Problema -, fruto do trabalho desenvolvido A riqueza do material obtido com estas gravações possibilitou que
em Rochester. Devido ao interesse despertado por esta publicação, a Rogers investigasse com profundidade e rigor a sutil essência do
Universidade de Ohio contratou-o, em 1940, para ser professor-resi- processo terapêutico, dando origem à palestra que proferiu na Uni-
dente e supervisor de psicólogos em formação clínica. versidade de Minnesota em dezembro de 1940. As características

1. Rogers, 1974, p. 7. 2. Rogers, 1977, p. 70.

36 37
apontadas por Rogers, naquela ocasião, como constituindo a essên- liberdade oferecida ao cliente para se expressar espontaneamente,
cia de uma nova abordagem em psicoterapia, foram posteriormente sem que seja guiado, conduzido ou orientado pelo terapeuta, maior é
exploradas com maior rigor e profundidade através de um grande a rapidez e a intensidade com que ele traz para o processo terapêutico
número de pesquisas realizadas inicialmente em Ohio e, a partir de as questões realmente cruciais da sua existência. Quando é oferecida
1945, no Counseling Centerda Universidade de Chicago. As quatro ao cliente uma completa liberdade de expressão, ele é capaz de ex-
características citadas por Rogers: a confiança na tendência do indi- pressar conflitos e sentimentos que o terapeuta não poderia de forma
víduo para o crescimento e a maturidade; a ênfase nos sentimentos alguma supor ou conceber previamente. Dessa forma, Rogers che-
ao invés da compreensão intelectual; a ênfase na situação imediata, gou à conclusão de que o melhor guia para o processo terapêutico é
ao invés do passado e o reconhecimento de que a própria relação sempre o próprio cliente Ele é o único capacitado a reconhecer as
terapêutica é em si mesma uma experiência de crescimento perma- questões verdadeiramente importantes que precisam ser exploradas
neceram, ao longo de todos esses anos, como elementos essenciais e compreendidas na terapia. Toda orientação do terapeuta, ao contrá-
da terapia centrada no cliente. Entretanto, elas foram consideravel- rio, tende a inibir e bloquear este fluxo de auto-expressão do cliente.
mente ampliadas quanto ao seu alcance e profundidade e, como re- Por este motivo, o terapeuta deve deixá-lo completamente livre para
sultado do grande número de pesquisas realizadas, sua formulação escolher a direção e o ritmo do seu processo terapêutico. Rogers sin-
tornou-se mais precisa e rigorosa. tetizou admiravelmente a necessidade desta não-diretividade para o
sucesso da relação terapêutica com a máxima: o melhor guia é o
Em 1942, Rogers publicou Counseling and Psychotherapy:
cliente.
Newer Concepts in Practice, que foi traduzido para o português como
Psicoterapia e Consulta Psicológica (as traduções para o português "O caminho mais seguro para as questões importantes, para
das obras de Rogers encontram sempre dificuldade com a tradução os conflitos dolorosos, para as zonas que a terapia pode tra-
da expressão counseling). Neste livro, Rogers fundou, com admirá-
tar deforma construtiva é seguir a estrutura dos sentimentos
vel solidez e clareza, os alicerces de sua revolucionária concepção
do cliente tal como ele os exprime livremente. (...) O cliente é
teórica e prática no campo da psicoterapia. Estes alicerces que, cin-
o único que pode nos guiar para tais fatos e podemos ter a
quenta anos depois, ainda permanecem sendo a sólida base de sus-
certeza de que os padrões de conduta que são suficientemente
tentação da terapia centrada no cliente são a constatação de que a
importantes surgirão repetidamente no diálogo, desde que ele
não-diretividade e a aceitação do terapeuta são elementos terapêuticos
esteja isento de restrições e inibições. "3
essenciais numa relação de ajuda psicológica.

3. Uma relação essencialmente não-diretiva 4. A aceitação como a essência do processo terapêutico

Rogers constatou, desde o início de suas pesquisas, que quan- Rogers percebeu que para uma relação terapêutica ser eficaz
do o terapeuta se abstém de dar uma direção ao processo terapêutico, ela deve ser radicalmente distinta de todas as outras relações que o
quando ele não interfere no processo espontâneo do cliente, propici- indivíduo tem na sociedade, pois nela, não somente o cliente deve ter
ando-lhe, ao invés disso, total liberdade para escolher a sua própria a oportunidade de ser e de se expressar livremente, como também
direção e avançar no seu próprio ritmo, ocorre uma surpreendente
liberação das forças de crescimento do cliente. Quanto maior é a
3. Rogers, ]997a,pp. 131-133.

38 39
tudo o que ele expressa deve ser reconhecido e aceito pelo terapeuta. tém uma "parede defensiva ", para não precisarem olhar para
Independentemente dos valores morais do terapeuta, ele deve reco- esse seu "eu escondido".
nhecer e aceitar plenamente todos os sentimentos e atitudes expres- ° Numa relação terapêutica impregnada de liberdade e aceita-
sos pelo cliente - sem julgamentos ou críticas, como também sem ção, o indivíduo se sente "liberto de qualquer necessidade
elogios ou aprovação. Seja uma atitude positiva ou negativa, seja um de se por na defensiva" e tem "pela primeira vez, uma oportu-
sentimento agradável ou desagradável, doloroso ou prazeiroso, tudo nidade de olhar francamente para si mesmo", de ir para além
deve ser recebido da mesma forma pelo terapeuta - com reconheci- da "parede " defensiva e fazer uma apreciação autêntica de
mento e aceitação: si mesmo.
"Os sentimentos positivos são aceitos tanto quanto os senti- Dentro desta perspectiva, Rogers, em Counseling and Psychotherapy,
mentos negativos, como uma parte da personalidade. É esta esboça a seguinte descrição do processo terapêutico:
aceitação, tanto dos impulsos de imaturidade como os de ma-
turidade, das atitudes agressivas e de sociabilidade, de senti- Através de uma atitude amigável, interessada e receptiva o
mentos de culpa e de expressões positivas, que dá ao indiví- terapeuta estimula o cliente a expressar livremente os seus senti-
duo oportunidade pela primeira vez na vida de se compreen- mentos, levando-o a sentir que aquela hora é verdadeiramente sua e
der a si próprio tal como é. Não tem necessidade de uma ati- que pode usá-la como quiser. Devido à atitude de compreensão e de
tude de defesa em face dos sentimentos negativos. Não tem aceitação do terapeuta, o cliente se liberta da necessidade de se prote-
oportunidade de supervalorizar os sentimentos positivos. E ger e pode, muitas vezes, pela primeira vez na vida, ser autentica-
neste tipo de situação, surge o insight espontaneamente. (...) mente ele próprio. Ele percebe que pode expressar todos os seus
Esta compreensão, esta apreensão e aceitação de si constitu- sentimentos e que não necessita das suas defesas psicológicas habi-
em o aspecto mais importante de todo o processo. Aqui se tuais, pois não encontra nem censuras nem elogios por parte do
estabelece a base a partir da qual o íi.divíduo é capaz de as- terapeuta. Dessa forma, a atmosfera de aceitação criada pelo terapeuta
cender a novos níveis de integração. "4 permite que o cliente consiga expressar, reconhecer e aceitar os seus
sentimentos negativos como uma parte de si mesmo, em vez de
Nesta época, Rogers ainda não havia desenvolvido uma teoria da projetá-los nos outros ou de ocultá-los através de racionalizações ou
terapia e da personalidade que explicasse suficientemente por que a rejeições, isto é, o cliente torna-se capaz de enfrentar os diferentes
não-diretividade e a aceitação do terapeuta são fatores essenciais aspectos do seu eu sem a necessidade dos seus habituais mecanismos
para o sucesso terapêutico. Um desenvolvimento mais completo da defensivos. "À medida que descobre que seu eu não convencional, o
teoria só veio a ocorrer em 1951 com a publicação do livro Terapia seu eu oculto, é tranquilamente aceito pelo psicólogo, o cliente é
Centrada no Cliente. Contudo, em Counseling and Psychotherapy, igualmente capaz de aceitar como seu esse eu até então escondido.
Rogers já começara a esboçar os princípios e as explicações teóricas Em vez de lutar desesperadamente para ser o que não é, descobre
que seriam mais extensivamente elaboradas em 1951. Assim, já em que há muitas vantagens em ser o que é e em desenvolver as
1942, Rogers pode reconhecer que: possibilidades de crescimento que são autenticamente suas. "5
A descoberta mais importante de Rogers, portanto, não foi a
° os clientes possuem um "eu oculto" ou "eu não convencio- de que o indivíduo, num ambiente livre de críticas, aprovações e
nal" do qual se defendem através de racionalizações e rejei- orientações é capaz de reconhecer e expressar os aspectos mais "ocul-
ções. Nos seus relacionamentos pessoais, os clientes man- tos" do seu eu. A descoberta mais surpreendente e que deu origem às

4. Rogers, 1997a, p. 40. 5. Rogers, 1997a, p. 172.

40 41
implicações mais radicais e revolucionárias desta abordagem foi a fato, implicações filosóficas e sociais extremamente importantes.
constatação de que o indivíduo, após reconhecer estas facetas obscu- Entretanto, a explicitação dos motivos pelos quais Rogers e seus co-
ras e "negativas" do seu eu, descobre também dentro de si impulsos laboradores optaram pela expressão cliente só veio a aparecer em
e características extremamente positivas, saudáveis e maduras: 1951, no livro Terapia Centrada no Cliente. Basicamente, são duas
as razões pelas quais esta abordagem utiliza o termo cliente ao invés
Quando os sentimentos negativos do indivíduo se exprimem
de paciente:
totalmente, segue-se a expressão receosa e hesitante dos im-
pulsos positivos que promovem a maturidade. Essa expressão 1. A palavra paciente denota um sentido de passividade. Nada
positiva é um dos aspectos mais certos e previsíveis de todo o mais distante do que ocorre na relação terapêutica da terapia centrada
processo. Quanto mais violentas e profundas forem as expres- no cliente. Nela, o indivíduo não recebe nada passivamente do
sões negativas (desde que sejam aceitas e reconhecidas), tan- terapeuta: não recebe a solução para o seu problema, não recebe uma
to mais certas serão as expressões positivas de amor, de im- interpretação para o seu conflito, não recebe uma orientação, não
pulsos sociáveis, de auto-respeito profundo, de desejo de ma- recebe respostas, não recebe conforto ou encorajamento, nem
turidade. (...) Uma relação terapêutica centrada no cliente li- tampouco críticas. Muito pelo contrário, devido à não-diretividade e
berta forças dinâmicas de uma forma não conseguida por ne- à aceitação experenciadas plenamente na relação terapêutica, o indi-
nhuma outra relação, (o grifo é nosso)6 víduo descobre os seus próprios recursos e desenvolve sua autono-
mia. Ou seja, nesta relação terapêutica o indivíduo se torna, literal-
A descoberta de que forças dinâmicas positivas eram liberadas atra- mente, agente e não paciente.
vés do clima aceitador e permissivo da relação terapêutica tornou-
se, posteriormente, o postulado fundamental da terapia centrada no 2. A expressão paciente está vinculada ao modelo médico de
cliente. (Veremos, mais adiante, como esta ideia, a princípio vaga e doença e cura. Paciente é o indivíduo que tem uma doença e que
genérica, foi se desenvolvendo até culminar no conceito de tendên- precisa ser curado. No entanto, os conceitos de doença e cura não
cia atualizante). são aplicáveis à psicoterapia7. Uma doença é uma entidade que pode
ser identificada de forma Objetiva através de procedimentos diagnós-
Assim, com a publicação de Counseling and Psychotherapy, a ticos precisos. Ela possui uma etiologia definida e pode ser "remo-
abordagem proposta por Rogers recebeu a denominação de Terapia vida" do organismo através de intervenções médicas também defi-
Não-diretiva, justamente por enfatizar a permissividade e a aceita- nidas de forma Objetiva. Isto é, toda doença possui uma "existência"
ção como os fatores essencialmente terapêuticos da relação. Objetiva, mensurável e possui causas, tratamentos e prognósticos que
podem ser identificados objetivamente. Mas os conflitos existenciais,
as dificuldades emocionais e o sofrimento psíquico que levam um
indivíduo a procurar ajuda através da psicoterapia não possuem as
5. O cliente não é um paciente características "objetivas" de uma doença. Por este motivo, não pode-
mos afirmar que a psicoterapia cura doenças, assim como as ques-
tões existenciais que geram sofrimento psíquico no indivíduo não
Já em Counseling and Psychotherapy surge também outra ca- podem ser consideradas como doenças*. Ou seja, o indivíduo que
racterística inovadora da terapia centrada no cliente (na época, ainda procura auxílio na psicoterapia não está doente e, portanto, não pode
chamada de Terapia Não-Diretiva): os indivíduos auxiliados através ser chamado de paciente.
da psicoterapia eram considerados como clientes e não como pacien-
tes. O que pode parecer uma simples questão semântica, possuí, de 1. No livro Terapia Centrada no Cliente, Rogers dedica grande parte do capítulo cinco à análise da
incompatibilidade entre o modelo médico e o processo psicoterapêutico.
8. Szasz afirma que o conceito de "doença mental" é uma falácia: "Doenças cerebrais são doenças cerebrais e
6. Roges, 1997a, p. 39 e p.242. as doenças mentais não são absolutamente doenças". (Szasz, 1978, p. 116)

42 43
6. O desenvolvimento pioneiro de emocional. É sobre os nossos conflitos neste aspecto - a per-
pesquisas em psicoterapia cepção vigorosa de que o processo terapêutico é rico em
nuances, complexidades e sutilezas, e a nossa crença, igual-
mente vigorosa, de que a descoberta científica, a generali-
Em 1945, Rogers foi convidado a lecionar na Universidade de zação, é fria, sem vida, destituída da plenitude da experiên-
Chicago e a estabelecer, nesta universidade, um centro de aconselha- cia. Mas o livro também expressa, confio eu, a nossa crescen-
mento baseado nos princípios da abordagem não-diretiva. Em Chi- te convicção de que, embora não possa formar terapeutas, a
cago, junto com uma grande equipe de colaboradores, na maior par- ciência pode auxiliar a terapia; de que, embora seja fria e
te, seus alunos, Rogers desenvolveu um trabalho pioneiro para a sua abstraía, a descoberta científica pode nos assistir na libera-
época: a pesquisa científica em psicoterapia. Rogers já inovara em ção de forças que são quentes, pessoais, complexas; e de que
Ohio ao ser o primeiro psicoterapeuta a registrar através de grava- embora seja lenta e hesitante, a ciência representa o melhor
ções sonoras as sessões de terapia e a torná-las disponíveis para a caminho conhecido para a verdade, mesmo numa área tão
comunidade profissional, contribuindo, desta maneira, para a "desmis- delicadamente intricada como a das relações humanas. "n
tificação"9 da psicoterapia. Nat Raskin, um dos seus colaboradores
mais próximos em Chicago afirmou que Rogers atravessou completa- A concepção de ciência que Rogers tinha nesta época era estritamen-
mente o labirinto de mistério que rodeava o trabalho dos psicotera- te positivista. No meio cultural e académico em que vivia, esta era a
peutas em geral.w única concepção de ciência aceita e reconhecida. Assim, as pesqui-
sas que Rogers e sua equipe desenvolveram na Universidade de Chi-
Entretanto, a busca deste conhecimento científico e objetivo cago consistiam basicamente em "testes" ou "verificações" de hipó-
sobre a psicoterapia representava, para Rogers, um grande conflito, teses, seguindo um modelo rigorosamente experimental e estatístico.
pois a sua experiência como terapeuta possuía uma qualidade essen- Contudo, estas hipóteses, que eram descritas de forma operacional e
cialmente subjetiva que ele sabia que não poderia ser adequadamente testadas com métodos estritamente quantitativos se originaram,
traduzida ou simbolizada através da conceituação fria e rigorosa da primariamente, da sua experiência pessoal e subjetiva como terapeuta.
ciência. Rogers sentia-se dividido entre o mundo da sua experiência Ou seja, Rogers utilizava inteiramente a sua subjetividade, na sua
subjetiva, "quase mística", de terapeuta e o mundo objetivo do seu experiência pessoal com os clientes, como fonte e origem de suas
trabalho como cientista." Assim, no prefácio do livro Terapia Centra- hipóteses sobre a psicoterapia. No entanto, ele considerava que este
da no Cliente, Rogers tenta esclarecer o significado que tinha, para conhecimento, obtido através da sua experiência subjetiva, não teria
ele e para sua equipe, a busca deste conhecimento científico: valor se não fosse "comprovado" ou verificado pelos métodos da
ciência.
"Mas é também um livro sobre mim e os meus colegas, que
empreendemos a análise científica desta experiência viva, No campo da pesquisa em psicoterapia, Rogers foi tremenda-
mente inovador. Até então, as hipóteses sobre a psicoterapia jamais
haviam sido "postas à prova" por nenhuma outra abordagem. Rogers
e sua equipe foram também extremamente criativos ao inventarem
9. Bozarth (1998) afirma que "Rogers foi a principal figura na desmistificação da psicoterapia, principalmente novos procedimentos para verificação de hipóteses, como a técnica
através do uso de gravações sonoras e filmes. Rogers e seus colegas foram o primeiro grupo a usar
gravações para examinar as sessões de terapia e torná-las disponíveis à comunidade profissional. De
fato, eles começaram com o uso de gravadores de "rolo" e discos de vidro, que eram incómodos e
<213 de Stephenson e o Relationship Inventory de Barret-Lennard.
desajeitados para o uso. Na verdade, Rogers foi um dos primeiros indivíduos a tornar suas próprias
sessões de terapia disponíveis para averiguação pública em gravações sonoras e filmes." p. 14
10. Raskin, (1948). 12. Rogers, 1992, p. 4

11. Rogers escreveu um artigo "Pessoa ou Ciência:? Uma Questão Filosófica", onde descreve precisamente 13. No livro Terapia Centrada no Cliente, numa nota de rodapé à página 163, (na edição de 1992) Rogers
este seu conflito. Este artigo encontra-se publicado no livro de John Wood, Abordagem Centrada na descreve sucintamente a aplicação da técnica Q à pesquisa sobre a alteração da percepção do eu na
Pessoa e também no livro Tornar-se Pessoa. psicoterapia.

44 45
Estas pesquisas eram realizadas no Centro de Aconselhamento da É a nítida e disciplinada confiança do terapeuta nessas forças
Universidade de Chicago, dirigido por Rogers, que atendia uma mé- internas do cliente que parece explicar a ordenação do
dia de 800 a mil pessoas por ano. processo terapêutico, bem como sua consistência de um cliente
para outro. "i5
Esta brilhante atividade de Rogers como pesquisador lhe pro-
piciou um enorme prestígio junto à comunidade científica e profis- Neste pequeno trecho aparecem duas ideias muito importantes que
sional americana, tornando-se editor de duas prestigiadas revistas foram progressivamente sendo desenvolvidas por Rogers e seus co-
científicas de psicologia - o "Journal of Counsulting Psychology" e laboradores tanto através de pesquisas como através de novas e mais
o "Aplied Psychology Monographs - e sendo eleito presidente da completas elaborações teóricas. A primeira ideia é a descoberta de
Associação Americana de Psicologia (American Psychological que existem, em todos os indivíduos, forças construtivas de cresci-
Association), em 1943. mento que até então não haviam sido reconhecidas por nenhuma
abordagem psicoterapêutica. A segunda ideia presente aqui é a de
que a confiança do terapeuta nestas forças internas do cliente, uma
confiança nítida e disciplinada, é o que propicia o processo
7. A confiança na capacidade do cliente terapêutico.
A descoberta da existência de poderosas forças internas de
crescimento e a firme confiança do terapeuta nestas forças, represen-
Desde a conferência proferida em Minnesota, em 1940, Rogers
tam, hoje, o aspecto mais revolucionário da terapia centrada no cli-
já considerava que uma das características essenciais dessa nova
ente. Lendo o que Rogers escreveu em 1946 em referência aos mo-
abordagem em psicoterapia era a confiança na tendência do indiví-
delos psicoterapêuticos vigentes naquela época, podemos constatar
duo para o crescimento e para a maturidade. Com o passar dos anos,
que Rogers continua sendo tão revolucionário em relação aos pa-
esta confiança foi se fortalecendo ainda mais. Rogers percebeu que
drões atuais do pensamento psicológico quanto fora há cinquenta
quanto mais ele confiava na capacidade do seu cliente para superar
anos atrás. Depois de analisar diversos estudos de caso publicados
autonomamente suas dificuldades, mais o cliente correspondia a essa
por psiquiatras e psicanalistas, Rogers concluiu que a confiança que
confiança, liberando as forças internas de crescimento que até então
estes terapeutas tinham em seus clientes era uma confiança muito
tinham permanecido bloqueadas.
limitada:
Assim, num artigo publicado em 1946, chamado "Aspectos
significativos da terapia centrada no cliente"14, Rogers dedicou uma "É uma confiança de que o cliente pode assumir responsa-
especial atenção ao que ele denominou de " a descoberta da capaci- bilidade, se for guiado pelo especialista; uma confiança de
dade do cliente": que o cliente pode assimilar insight, se este lhe for propiciado
primeiro pelo especialista; de que pode fazer escolhas, se nos
"Basicamente, a razão para a previsibilidade do processo pontos cruciais lhe for dada uma direção. E, em suma, o mes-
terapêutico está na descoberta - e uso esta palavra intencional- mo tipo de atitude que uma mãe tem para com seu filho
mente - de que no interior do cliente residem forças construti- adolescente, que ela acredita ser capaz de tomar decisões pró-
vas cujo poder e uniformidade não têm sido reconhecidos prias e guiar seu próprio caminho, contanto que ele tome a
inteiramente, como também têm sido bastante subestimados. direção por ela aprovada. "w

15. Rogers, 1995a, p. 24


14. Rogers, C. R. (1946). Significam Aspecls of Client-Centered Therapy. The American Psycholoeist, 10,
415-422. 16. Roges, 1995a, p. 26.

46 47
Esta confiança do terapeuta nas forças internas de crescimento do movimento para frente do organismo humano é a base na qual
cliente tornou-se posteriormente o postulado fundamental da terapia ele se apoia de maneira mais firme e fundamental. "I9
centrada no cliente e a principal característica que a diferenciaria de
todas as outras abordagens em psicoterapia. Em 1951, no livro "Te- No livro "Terapia Centrada no Cliente", Rogers apresentou a pri-
rapia Centrada no Cliente", Rogers formulou de uma maneira mais meira formulação da sua teoria da personalidade e do comportamen-
precisa o significado destas "forças de crescimento"'. A partir dos to, na forma de dezenove proposições. Na IV Proposição ele afirma
estudos de Snygg, Combs, Angyal, Goldstein e outros, Rogers consta- que todo organismo possui uma tendência básica à auto-realização,
tou que existe, em toda vida orgânica, uma. força direcional básica auto-manutenção e aperfeiçoamento. Posteriormente, em 1959,
que se manifesta como uma tendência do organismo para preservar- Rogers publicou a versão final da sua teoria da terapia e da persona-
se e para mover-se na direção da maturação e da auto-realização de lidade entitulada "Uma teoria da terapia, personalidade e relacio-
suas potencialidades. Esta força direcional também se expressa como namentos interpessoais desenvolvida segundo a perspectiva centrada-
uma tendência do organismo para mover-se na direção de uma maior no-cliente"20 Nesta formulação de 1959, Rogers denominou esta ten-
independência, autonomia e auto-regulação como também na direção dência direcional de "actualizing tendency", que foi traduzida para o
de uma maior socialização. Esta tendência direcional está presente português como tendência atualizante.
na vida de todo organismo individual "desde a concepção até a A tendência atualizante está presente em todas as ações do
maturação, em qualquer nível de complexidade orgânica"11. indivíduo pois ela representa o fluxo natural da vida. Ela é o movi-
Rogers considerou, então, que a tendência para o crescimento, mento, o processo direcional que caracteriza a própria natureza da
para a maturidade e para a autonomia que ele observara em todos os vida. Isto é, a presença da tendência atualizante é o que nos permite
seus clientes quando era oferecida, na relação terapêutica, uma atmos- distinguir um organismo vivo de um morto. Isto significa que a ten-
fera de aceitação e liberdade, era, na realidade, a expressão desta dência atualizante pode ser frustrada, impedida ou desvirtuada, mas
força direcional básica originada no próprio funcionamento orgâni- não pode ser destruída sem que se destrua também o organismo21.
co (ou organísmico) do indivíduo: Em 1977, no livro "Sobre o Poder Pessoal"22 Rogers utilizou
uma imagem originada de suas lembranças da infância, a imagem de
"Na terapia centrada no cliente, a pessoa é livre para esco- uma caixa de batatas que brotaram mesmo na escuridão gelada do
lher qualquer direção, mas, na realidade, ela seleciona cami- porão de sua casa, como uma metáfora da maneira como a tendência
nhos positivos e construtivos. Eu só posso explicar isto em atualizante se manifesta mesmo sob as condições mais desfavorá-
termos de uma tendência direcional inerente ao organismo veis. Esta metáfora tornou-se bastante conhecida devido à beleza,
humano - uma tendência para crescer, se desenvolver e reali- profundidade e sensibilidade como foi apresentada por Rogers:
zar plenamente seu potencial"\1S
"Lembro-me de que, na minha infância, a lata na qual arma-
E a confiança do terapeuta nesta tendência do indivíduo para a auto-
preservação, crescimento, maturação, independência e socialização
que caracteriza a relação terapêutica centrada no cliente:

"O terapeuta torna-se muito consciente de que a tendência de 19. Rogers, 1992, p.556.
20. A theory of therapy, personality, and interpersonal relationships as developed in the client-centered framework.
Publicado em S. Koch (ed) Psychology: A study of science: Vol. 3 Formulation of the person and the
social context: New York: McGraw Hill. (este trabalho foi publicado no Brasil em 1977 no livro
"Psicoterapia e Relações Humanas" - escrito em conjunto com Marian Kinget)
17. Rogers, 1992, p. 555 21. Rogers, 1983, p. 40.
18. Rogers. 1986, p. 127. 22. Título original em inglês: Cari Rogers on Personal Power

48 49
zenávamos nosso suprimento de batatas para o inverno ficava motivação básica de todas as ações humanas é sempre a de buscar
no porão, quase um metro abaixo de uma pequena janela. As mais vida. Por trás de gestos destrutivos, anti-sociais e irracionais
condições eram desfavoráveis, mas as batatas começaram a está presente ainda, mesmo que de uma forma distorcida e irreconhe-
brotar - brotos brancos, pálidos, tão diferentes dos brotos cível, este anseio de vida e crescimento. Um exemplo clássico e
verdes saudáveis que exibiam quando plantadas no solo na paradigmático deste tipo de distorção na expressão da tendência
primavera. Porém, esses brotos espigados, tristes, poderiam atualizante é o da pessoa que tenta o suicídio. Pode-se olhar para
crescer de 60 a 90 centímetros de comprimento à medida que esta pessoa como sendo alguém que apresenta um forte impulso auto-
buscavam a luz distante da janela. Em seu crescimento fútil, destrutivo ou que age movida por um irresistível impulso de morte.
bizarro, eram uma espécie de expressão desesperada da ten- No entanto, o que Rogers percebeu, na sua experiência como psico-
dência direcional que estou descrevendo. Nunca se tornariam terapeuta, foi precisamente o contrário: quando esta pessoa vivenciava
uma planta, nunca amadureceriam, nunca preencheriam suas uma relação terapêutica na qual se sentia incondicionalmente aceita
potencialidades reais. Entretanto, sob as mais adversas cir- e empaticamente compreendida por uma pessoa congruente2*, este
cunstâncias, lutavam para tornar-se. Não desistiriam da vida, anseio auto-destrutivo revelava ser, na verdade, um anseio de vida!!
mesmo se não pudessem florescer. Ao tratar de clientes cujas Na segurança da relação terapêutica, a pessoa conseguia expressar
vidas têm sido terrivelmente emaranhadas, ao trabalhar com que o que ela queria, na verdade, era mais vida, era uma vida com
homens e mulheres em relegadas enfermarias de hospitais afeto, com compreensão, com trocas significativas com outros seres
públicos, penso frequentemente naqueles brotos de batata. humanos, uma vida em que pudesse crescer e desenvolver seus po-
Eoram tão desfavoráveis as condições nas quais essas pesso- tenciais. Entretanto, o suicídio se tornara, paradoxalmente, a única
as se desenvolveram, que suas vidas muitas vezes parecem maneira com que ela conseguia expressar este anseio de vida.
anormais, distorcidas, dificilmente humanas. Entretanto, deve-
Esta é uma maneira de olhar para o ser humano completamen-
se confiar na tendência direcional que nelas existe. O indício
te distinta da maneira tradicional com que a psicologia clínica e a
para entender seu comportamento : de que estão lutando, do
psiquiatria olham para os indivíduos que não se comportam de ma-
único modo que lhes é possível, para alcançar o crescimento,
neira "normal". Ao invés de conceber as atitudes e os comportamen-
para tornar-se alguém. Para nós, os resultados podem pare-
tos destrutivos, anti-sociais ou irracionais como sintomas de trans-
cer bizarros e inócuos, mas são tentativas desesperadas de
tornos25 afetivos ou de personalidade, a terapia centrada no cliente
vida para tornarem-se elas próprias. É esta potente tendência
os vê como expressões distorcidas de uma tendência positiva e cons-
que constitui a base subjacente à terapia centrada no cliente
trutiva que não obteve as condições necessárias para realizar sua fun-
e tudo o que se desenvolveu a partir dela. " 23
ção de crescimento, auto-realização e socialização. Por este motivo,
a função da psicoterapia deve ser simplesmente a de oferecer ao indi-
Todo ser humano possui uma força interna de crescimento, de víduo as condições necessárias para a liberação da sua tendência
integração e de socialização que está sempre presente, mesmo quan- atualizante. Consequentemente, o terapeuta não precisa controlar o
do suas atitudes e o seu comportamento tornam-se destrutivos ou comportamento do cliente, não precisa condicioná-lo, guiá-lo, con-
anti-sociais. O que ocorre, nestes casos, é que a tendência atualizante duzi-lo ou orientá-lo na direção da maturidade e do crescimento. O
do indivíduo teve a sua expressão impedida ou distorcida pelas con- cliente possui dentro de si todos os recursos e toda a orientação que
dições desfavoráveis de sua existência. O anseio básico de todo indi- necessita - é preciso apenas facilitar a liberação deste poder, desta
víduo é sempre o de buscar o crescimento, o desenvolvimento de
suas potencialidades e a integração com os outros seres humanos. A 24. A consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a congruência são as três atitudes
facilitadoras da terapia centrada no cliente, conforme veremos no capítulo 13.
25. O conceito de "transtorno mental" é somente um eufemismo criado pelo paradigma médico para substituir
23. Rogers, 1986, p. 17. a criticada expressão "doença mental".

50
51
ganismo digno de confiança, a abordagem centrada no cliente cons-
força de crescimento que teve a sua expressão* distorcida ou
titui-se como um paradigma revolucionário no campo da psicologia.
enfraquecida.
As implicações políticas e sociais desta confiança radical no ser hu-
Ou seja, a concepção de homem na abordagem centrada no mano são muito profundas:
cliente leva a uma subversão completa da concepção tradicional de
psicoterapia. Ao invés do terapeuta ser um especialista (expert) que "É óbvio que esta premissa da terapia centrada no cliente (...)
procura controlar o comportamento e as atitudes do cliente com uma tem enormes implicações políticas. Nosso sistema educacio-
miríade de técnicas psicodiagnósticas e interventivas, a terapia nal, nossas organizações industrias e militares e muitos ou-
centrada no cliente propõe uma inversão completa do locus de poder tros aspectos de nossa cultura assumem o ponto de vista de
na relação terapêutica. Nela, o cliente é que é considerado o expert, que a natureza do indivíduo é tal que não se pode confiar nele
pois ele é a pessoa melhor capacitada para compreender o significa- - ele deve ser guiado, instruído, recompensado, punido e con-
do de suas atitudes e para modificá-las da maneira que lhe for mais trolado por aqueles que são mais sábios ou possuem status
apropriada. O terapeuta mantém a autoridade e o locus de poder da superior. (...) Portanto, a simples descrição da premissa fun-
relação do lado do cliente porque confia que ele é a pessoa melhor damental da terapia centrada no cliente significa fazer-se uma
capacitada para tomar as decisões relacionadas tanto ao rumo da ses- afirmação política contestadora "2S
são quanto ao rumo da sua própria vida. É como disse Rogers: "não
é que esta abordagem dê poder à pessoa, ela nunca o tira"26
Rogers inicia o livro "Sobre o Poder Pessoal" com o depoi-
mento de um estudante de psicologia (Alan Nelson, que posterior- 8. A tendência direcional formativa
mente tornou-se um de seus mais íntimos colaboradores) a respeito
da revolução realizada pela abordagem centrada no cliente no cená-
rio das psicoterapias tradicionais: A tendência para o crescimento e o auto-aperfeiçoamento dos
organismos vivos também pode ser considerada a expressão de uma
"Passei três anos na graduação, aprendendo a ser um especi- tendência evolutiva de caráter mais geral, presente no universo como
alista (expert) em psicologia clínica. Aprendi afazer avalia- um todo. Com este objetivo, Rogers publicou, em 1978, um artigo
ções diagnosticas precisas. Aprendi as várias técnicas para entitulado "A tendência formativa"29 no qual o conceito da tendência
alterar atitudes e comportamentos do sujeito. Aprendi modos atualizante é visto numa perspectiva mais ampla como a manifesta-
sutis de manipulação, sob os rótulos de interpretação e orien- ção de uma tendência evolutiva cósmica, que atua tanto no nível
tação. Então, comecei a ler sua obra, que virou de cabeça inorgânico como no orgânico, na direção de uma ordem e complexi-
para baixo (upset) tudo o que havia aprendido. Você dizia que dade crescentes.
o poder encontra-se, não na minha mente, mas no organismo
Os físicos conhecem muito bem o fenómeno da entropia, que
do cliente. Você inverteu completamente o relacionamento de
é a tendência que todos os sistemas físicos fechados apresentam de
poder e controle que havia se desenvolvido em mim durante
se degenerarem em direção a estados cada vez maiores de desordem
três anos. "27
e caos. O fenómeno da sintropia, entretanto, é menos conhecido. A
sintropia é a tendência do universo para gerar formas de complexi-
Neste sentido, ao afirmar que todo indivíduo é, em essência, um or-
dade e ordem crescentes. Por exemplo, todas as galáxias e objetos

26. Rogers, 1986, p. 10 28. Rogers, 1986, p. 17-18


29. Rogers, CR. (1978) The formative tendency. Journal of Humanistic Psychology, 18(1), 23-26.
27. Rogers, 1986, p. 13

53
52
estelares foram formados a partir de simples partículas que se orga- Neste sentido, a capacidade de autotranscendência da consci-
nizaram em formas de extrema complexidade. Os organismos vivos ência humana, isto é, a aquisição de uma "consciência transcendente
da Terra também surgiram a partir de simples microrganismos que, da harmonia e da unidade do sistema cósmico"31', foi considerada
através de um processo evolutivo incessante, geraram as formas como a expressão de um nível ainda mais elevado nesta escala
complexas de vida animal e vegetal que hoje conhecemos. Cada ser evolutiva. Certos estados especiais de consciência, como as experi-
humano, considerado individualmente, também evoluiu de um sim- ências místicas de transcendência ou de dissolução na unidade do
ples óvulo fertilizado para uma estrutura orgânica extremamente cosmos, são as expressões mais elevadas desse fluxo evolutivo da
complexa e organizada. Essa tendência do universo para gerar for- consciência. A fim de ilustrar esta ideia, Rogers relatou a sua experi-
mas de ordem e complexidade crescentes, que foi denominada de ência pessoal com certos estados especiais de consciência que ocor-
sintropia pelo biólogo Szent-Syoergyi e de tendência mórfiça pelo riam em seus melhores momentos como terapeuta ou facilitador de
historiador Lancelot Whyte, Rogers a denominou tendência grupos. Esta descrição de sua experiência de um nível espiritual de
direcional formativa: consciência no seu trabalho como terapeuta tornou-se bastante co-
nhecida e tem sido repetidamente citada por diversos autores que
investigam as dimensões espirituais da terapia centrada no cliente:
"Defendo a hipótese de que existe uma tendência direcional
formativa no universo, que pode ser rastreada e observada no
"Quando estou em minha melhor forma, como facilitador de
espaço estelar, nos cristais, nos microorganismos, na vida or-
grupo ou como terapeuta, descubro uma nova característica.
gânica mais complexa e nos seres humanos. Trata-se de uma
Percebo que quando estou o mais próximo possível de meu eu
tendência evolutiva para uma maior ordem, uma maior com-
interior, intuitivo, quando estou de algum modo em contato
plexidade, uma maior inter-relação. "3U
com o que há de desconhecido em mim, quando estou, talvez,
num estado de consciência ligeiramente alterado, então tudo
A partir de 1980, com a publicação de "Um Jeito de Ser", Rogers
o que faço parece ter propriedades curativas. Nessas ocasiões,
passou a analisar o fenómeno da consciência humana sob esta pers-
a minha presença, simplesmente, libera e ajuda os outros. Não
pectiva evolutiva da tendência direcional formativa. Assim, ele consi-
há nada que eu possa fazer para provocar deliberadamente
derou a existência de níveis inferiores de consciência, no qual o indi-
essa experiência, mas quando sou capaz de relaxar e de ficar
víduo age "na escuridão", sem consciência de sua experiência
próximo do meu âmago transcendental, comporto-me de um
organísmica, isto é, sem consciência de seus sentimentos, emoções e
modo estranho e impulsivo na relação, que não posso justificar
reações fisiológicas. No nível inferior deste processo evolutivo, o indi-
racionalmente e que não tem nada a haver com meus processos
víduo possui uma autoconsciência mínima e por este motivo, sua ações
de pensamento. Mas esses estranhos comportamentos acabam
não são escolhas bem fundamentadas, mas são determinadas pelos
sendo corretos, por caminhos bizarros: parece que meu espírito
valores e crenças introjetados do qual não tem consciência. Subindo
alcançou e tocou o espírito do outro. Nossa relação transcende
nesta escala evolutiva, o indivíduo vai se tornando progressivamente
a si mesma e se torna parte de algo maior. Então, ocorrem
consciente de seus processos organísmicos, de seus sentimentos e
uma capacidade de cura, uma energia e um crescimento
emoções, com uma capacidade cada vez maior de simbolizar a sua
profundos. "32
experiência. Dessa forma, Rogers concebeu a aquisição da
autoconsciência como o resultado de um processo evolutivo gerado
por esta tendência direcional formativa do universo.

31. Rogers, 1983, p. 46 e p.50.


32. Rogers, 1983, p. 47
30. Rogers, 1983, p. 50

54 55
9. A atitude centrada no cliente sível e autêntica centralização no cliente que considero como
a terceira característica35 da terapia não-diretiva que a dis-
tingue das demais abordagens. "36
Durante os anos em que Rogers esteve na Universidade de
Chicago (de 1945 a 1957), dirigindo o Counseling Center, junto com Centrar-se no cliente ou assumir o referencial da estrutura interna do
uma grande equipe de pesquisadores, formada na maioria por seus cliente significa perceber o cliente da maneira como ele próprio se
alunos, ele dedicou-se intensamente a investigar quais os elementos percebe, isto é, mergulhar profundamente no mundo do cliente para
verdadeiramente facilitadores da mudança terapêutica na psicoterapia. poder vê-lo como ele próprio se vê e compreendê-lo como ele pró-
Como vimos no capítulo 7, a primeira descoberta importante formu- prio se compreende. Quando olhamos para uma pessoa a partir de
lada por Rogers neste período foi a da existência de insuspeitadas nossa própria visão de mundo, a partir de nossos conceitos, ideias e
forças de crescimento no cliente que eram liberadas através do clima valores, estamos adotando nosso próprio referencial, que é externo a
aceitador e compreensivo da relação terapêutica. Outra descoberta esta pessoa. Estamos, assim, nos colocando numa postura de obser-
importante que foi sendo gradualmente formulada e desenvolvida vadores externos. Mas se, ao contrário, tentarmos perceber esta pes-
por Rogers e sua equipe foi a descoberta da importância do referencial soa da forma como ela mesma se percebe, tentando senti-la como ela
da estrutura interna (internai frame ofreference) do cliente. Assim, se sente, tentando entrar na sua pele e ver com os seus olhos, estare-
em 1946, Rogers 33 escreveu: mos adotando o seu referencial, isto é, estaremos centrados nela.
Deixaremos de ser observadores para sermos participantes, para vi-
vermos junto com ela os sentimentos e as atitudes que ela está ten-
"Com o passar do tempo, fomos colocando uma ênfase cada
tando expressar. Raskin, um dos colaboradores mais próximos de
vez maior na natureza desse tipo de relação, "centrada no
Rogers durante os anos de Chicago, considerou que esta atitude de
cliente ", pois sua eficácia será maior quanto mais completa-
centralização no cliente "produz uma mudança radical na nature-
mente o conselheiro34 se empenhar em tentar compreender o
za do processo de aconselhamento37. Nesse nível, a participação do
cliente da forma como o cliente vê a si próprio. (...) Começa-
conselheiro torna-se um experimentar ativo, junto com o cliente, dos
mos a reconhecer que, se pudermos compreender a maneira
sentimentos que ele expressa; o conselheiro esforça-se ao máximo
como o cliente vê a si próprio nesse momento, ele poderá fa-
para entrar na pele da pessoa com quem está se comunicando, ten-
zer o resto. O terapeuta deve deixar de lado sua preocupação
tar chegar dentro e viver as atitudes expressas, em vez de observá-
com o diagnóstico e sua argúcia diagnostica, deve livrar-se
las (...) numa palavra, absorve-se completamente nas atitudes do
da tendência de fazer avaliações profissionais, deve parar com
outro. E, no esforço de conseguir isso, simplesmente não há espaço
suas tentativas de formular um prognóstico acurado, deve re-
para qualquer outro tipo de atividade ou atitude de aconselhamento;
nunciará tentação de guiar sutilmente o indivíduo e deve con-
se ele estiver tentando vivenciar as atitudes do outro, não poderá
centrar-se num único propósito: a compreensão e a aceitação
estar diagnosticando-as, não poderá estar pensando em acelerar o
profundas das atitudes conscientemente assumidas nesse mo-
processo. Por ser ele outro, e não o cliente, a compreensão não é
mento pelo cliente, enquanto ele explora, passo a passo, as
áreas perigosas que tem negado à consciência.(..) É essa sen-

35. As outras duas características a que Rogers se refere, que distinguem a abordagem não-diretiva das outras
abordagens são a previsibilidade do processo terapêutico (isto é, a ocorrência de um padrão previsível
33. Rogers, (1946). Significam Aspects of Client-Centered Therapy. The American Psychologist, voi 1 (10): de desenvolvimento terapêutico) e a confiança na capacidade do cliente.
415-422. Este artigo encontra-se publicado em português no livro do John Wood, Abordagem Centrada
na Pessoa. 36. Rogers, 1946, pp. 420-421

34. Rogers utilizava a expressão "conselheiro" nos seus primeiros escritos devido à legislação americana da 37. Lembrando mais uma vez que a expressão "aconselhamento" e "conselheiro" são utilizadas aqui no sentido
época que não permitia aos psicólogos atuarem como psicoterapeutas. Em algumas traduções para o de "psicoterapia" e "terapeuta". Nesta época, a profissão de psicoterapeuta, nos EUA, só podia ser
português o termo "counselor" foi traduzido como "orientador" ao invés de "conselheiro". Entretanto, exercida por médicos psiquiatras, por este motivo, Rogers e seus colaboradores utilizavam a expressão
o sentido da expressão "counselor", nos textos de Rogers, é sempre o de "terapeuta". "aconselhamento" em referência ao seu trabalho para poderem se adequar a esta legislação.

56 57
espontânea, devendo portanto ser adquirida - e isto através da mais ° Adotando o referencial interno do cliente:
intensa, contínua e ativa atenção aos sentimentos do outro, com a Você se sente transbordando com sentimentos infantis...
exclusão de qualquer outro tipo de atenção."^
C: Adoro crianças. Quando eu estava nas Filipinas - sabe,
A fim de tornar mais claro o significado desta atitude de centrar- quando eu era mais jovem jurei que jamais me esqueceria
se no cliente, apresentaremos alguns exemplos extraídos do livro de minha infância infeliz - então, quando vi aquelas crian-
"Terapia Centrada no Cliente"39. A partir de frases comunicadas pelo ças nas Filipinas, tratei-as muito bem. Costumava dar sor-
cliente, mostraremos duas maneiras possíveis de tentar compreendê- vetes a elas e levá-las ao cinema. Foi só um período - eu
lo: adotando um referencial externo a ele (o referencial do terapeuta) tinha voltado para trás - e isso despertou algumas emo-
ou adotando o referencial do próprio cliente. ções em mim que eu acreditava já ter enterrado há muito
tempo. (Uma pausa. Ele parece prestes a chorar)
C: "Achei que teria alguma coisa para falar... mas de repente
tudo parece andar em círculos. Fiquei tentando imaginar ° Adotando um referencial externo ao cliente:
o que iria dizer. Mas quando cheguei aqui isso não funci- Em algum momento ele provavelmente precisará mexer com
onou... Sabe, antes de eu vir parecia que ia ser bem mais essas experiências infelizes da infância. O que significa esse
fácil... interesse por crianças? Identificação? Uma vaga homosse-
xualidade?
° Adotando um referencial externo ao cliente:
Talvez eu devesse ajudá-lo a começar a falar. ° Adotando o referencial interno do cliente:
Ser muito bom para as crianças teve, de alguma forma, um
o Adotando o referencial interno do cliente:
significado para você. Mas foi, e ainda é, uma experiência
É realmente difícil para você começar...
perturbadora para você.
C: Sabe, não consigo tomar uma decLão. Não sei o que quero.
Tentei raciocinar logicamente sobre isso... tentei descobrir O reconhecimento da importância fundamental desta atitude de ado-
que coisas são importantes para mim. tar o referencial interno do cliente levou Rogers e seus colaborado-
res a modificarem, no final dos anos 40, a maneira com que se refe-
° Adotando um referencial externo ao cliente riam à sua abordagem: o termo não-diretivo, desta forma, acabou
Por que essa indecisão? Qual poderia ser a causa? sendo substituído gradativamente pela expressão centrado-no-cli-
ente. Entretanto, a utilização da expressão terapia centrada no cli-
° Adotando o referencial interno do cliente
ente foi recebida com bastante crítica pelos expoentes de outras abor-
A tomada de decisões parece simplesmente impossível para você.
dagens porque eles afirmavam que todas as psicoterapias são
"centradas no cliente" na medida em que o cliente é sempre o centro
C: Então me vejo com meus pensamentos voltando para a
do interesse de qualquer terapeuta. Assim, para explicitar o verda-
época em que eu era criança, e choro com muita facilidade.
deiro sentido da expressão terapia centrada no cliente e diferenciá-
A represa fica a ponto de estourar.
las das outras abordagens, Raskin afirmou, em 1948:
° Adotando um referencial externo ao cliente:
O choro, a "represa " parecem indicar que há muita repressão "O ponto de vista não-diretivo neste aspecto é o de que na
medida em que outros referenciais que não o do cliente são
introduzidas na situação terapêutica, a terapia não é centrada
38. In Rogers, 1992, pp. 38-39 no cliente. O freudiano introduz seu próprio referencial na
39. Rogers, 1992, pp.42-44

58 59
hora terapêutica em virtude da sua crença de ele.tem um co- A partir desta descoberta de que o comportamento do indivíduo só
nhecimento do inconsciente que é superior ao do seu paciente pode ser compreendido de maneira significativa a partir do referencial
o qual tem que ser utilizado para poder compreendê-lo. (...) do próprio indivíduo, Rogers formulou o conceito central da sua teo-
O terapeuta não-diretivo acredita que enquanto o conselheiro ria da personalidade e do comportamento, que é o conceito de campo
estiver envolvido com o seu próprio referencial ele será inca- perceptual ou campo da experiência. O campo da experiência é o
paz de prover uma compreensão plena e profunda das percep- mundo de experiências do indivíduo, do qual ele é o centro 42 . "O
ções e sentimentos do cliente".40 mundo da experiência é, para cada indivíduo, num sentido muito
significativo, um mundo particular", é um mundo que "só pode ser
Mas qual a vantagem de adotar o referencial interno do cliente ao conhecido, num sentido completo e autêntico, pelo próprio indiví-
invés de adotar o referencial do terapeuta, como sempre foi a atitude duo"43. Entretanto, este mundo particular, que só pode ser conhecido
tradicional nas outras abordagens psicoterapêuticas? Para que ou por pela própria pessoa, é a realidade para esta pessoa. Ou seja, a reali-
que adotar esta atitude centrada-no-cliente? dade é tudo aquilo que a pessoa percebe - e da maneira como ela
Rogers e sua equipe descobriram, na prática clínica, que a percebe - no seu campo de experiência.44 É por este motivo que o
melhor maneira de compreender um indivíduo é a partir do seu pró- comportamento só pode ser compreendido, de maneira significativa,
prio campo perceptual. A adoção do referencial da estrutura interna a partir do referencial da estrutura interna do indivíduo e que a
do indivíduo permite uma compreensão muito mais profunda e sig- utilização de qualquer referencial externo é completamente ineficaz
nificativa da dinâmica da sua personalidade e do seu comportamento para compreender as motivações e o sentido da sua conduta.
do que aquela que é obtida através de categorias diagnosticas ou con- As implicações destas descobertas para a psicoterapia são re-
ceitos teóricos externos ao seu campo de experiência. Esta ideia foi volucionárias e radicais. Adotar o referencial interno do cliente ao
posteriormente desenvolvida e apresentada na teoria da personalida- invés de adotar referenciais externos representa, de fato, uma revolu-
de e do comportamento publicada em 1951 na forma de dezenove ção tão profunda na forma de compreender o ser humano quanto a
proposições, no livro Terapia Centrada no cliente. Neste sentido, a revolução realizada por Copérnico no campo da astronomia. Ainda
proposição VII diz que: em 1947, em palestra proferida ao término do seu mandato como
presidente da Associação Americana de Psicologia, (posteriormente
"O melhor ponto de observação para compreender o publicada com o título "Some observation on the Organization of
comportamento é o referencial da estrutura interna do próprio Personality"45), Rogers apresentou algumas destas revolucionárias
indivíduo ". implicações tanto para a prática clínica quanto para a pesquisa teórica
sobre personalidade. Rogers afirmou que as histórias de caso, as
Rogers afirma, nesta proposição, que "a única maneira significati-
avaliações psicométricas e os rótulos diagnósticos deveriam ser
va" de se compreender o comportamento de uma pessoa é
minimizados e até mesmo descartados da prática clínica e de pesqui-
compreendê-lo da forma como a própria pessoa o percebe:
sa, já que estes procedimentos são baseados em referenciais exter-
"Quando isto é feito, os vários comportamentos estranhos e
sem sentido são vistos como sendo parte de uma atividade
significativa e dirigida para uma meta"4i. 42. Esta ideia está expressa na Proposição I da teoria da personalidade de 1951: "Todo indivíduo existe num
mundo de experiências em constante mutação do qual ele é o centro". (Rogers 1992, p. 549)
43. Rogers, 1992, p. 550.
44. Esta ideia está expressa na Proposição II: "O organismo reage ao campo da maneira como este é experimentado
40. Raskin, 1948. e percebido. O campo perceptivo é, para o individuo, a realidade" (Rogers, 1992, pp.550-551)
41. Rogers, 1992, p. 562 45. Publicado em The American Psychologist, vol 2(9): 358-368 e traduzido e publicado em português no livro
do John Wood (1995), Abordagem Centrada na Pessoa, pp. 39-69

60 61
nos, que não expressam a maneira como o indivíduo experencia a si 10.1. O psicodiagnóstico é desnecessário
mesmo. As elaboradas histórias de caso, "cheias de informações so- para o sucesso da psicoterapia
bre a pessoa como um objeto ", as avaliações psicométricas e os ró-
tulos diagnósticos são, na realidade, inúteis e irrelevantes, pois não
fornecem uma compreensão do indivíduo a partir do referencial da O conhecimento intelectual que o terapeuta obtém sobre as
sua estrutura interna46. causas do comportamento do cliente não tem qualquer utilidade do
ponto de vista terapêutico. Como veremos no próximo capítulo (a
teoria do auto-conceito), a mudança terapêutica somente ocorre a
partir da experiência que o cliente tem da inadequação de seus ve-
lhos modos de percepção e não do conhecimento intelectual sobre
10. As objeções ao diagnóstico psicológico
essa inadequação. Neste sentido, diz Rogers:

As descobertas revolucionárias de Rogers no campo da "Para que o comportamento mude, é necessário que seja ex-
psicoterapia - a existência da tendência atualizante e a constatação perimentada uma mudança na percepção. O conhecimento in-
de que a melhor perspectiva para se compreender o comportamento telectual não pode ser um substituto para essa experiência. "5I
de um indivíduo é a partir do referencial da sua estrutura interna -
O psicodiagnóstico fornece ao terapeuta um conhecimento intelectu-
conduziram-no à conclusão inevitável de que o diagnóstico psicoló-
al obtido a partir de um referencial externo ao cliente. Consequente-
gico não somente é desnecessário como é também prejudicial ao
mente, é um tipo de conhecimento que não contribui para a mudança
desenvolvimento do processo terapêutico47.
terapêutica, pois o processo de reorganização do eu que ocorre na
A aplicabilidade e a necessidade do psicodiagnóstico está ba- psicoterapia é um processo que reside essencialmente na experiên-
seada na pressuposição de que o modelo médico de doença - toda cia do cliente e, portanto, não pode vir de fora dele. O conhecimento
doença possui causas específicas, procedimentos terapêuticos espe- intelectual obtido pelo terapeuta a partir do diagnóstico não ajuda o
cíficos e prognósticos previsíveis - é da mesma forma aplicável e cliente a perceber a inadequação de suas percepções nem tampouco
necessário no campo dos transtornos de personalidade e de compor- o ajuda a experimentar novas percepções, mais exatas e adequadas.
tamento48. Entretanto, o paradigma médico não pode ser aplicado à Se o terapeuta comunica ao cliente um conhecimento intelectual sobre
compreensão da personalidade e do comportamento porque, como as causas do seu comportamento ou se lhe dirige a atenção para as
vimos anteriormente49, o comportamento de um indivíduo é causado áreas que ele diagnosticou como problemáticas, o cliente será incapaz
pela sua percepção particular da realidade e, portanto, somente o de fazer um uso terapêutico dessas informações. Ao contrário, tenderá
próprio indivíduo é "capaz de conhecer completamente a dinâmica a resistir ou a se defender, pois este conhecimento pode ser percebido
de suas percepções e de seu comportamento"50. Por este motivo, se- como uma ameaça52. O cliente só conseguirá explorar as áreas de
gundo Rogers, o verdadeiro diagnosticador, na terapia centrada no conflito de sua experiência quando se sentir capaz de suportar essa
cliente, é o próprio cliente. experiência. É inútil tentar apressá-lo, explicando-lhe as causas do
seu comportamento, pois o conhecimento que vem de fora (do
terapeuta) não substitui o conhecimento que se origina da própria
46. Rogers, 1995, p. 66
experiência do cliente, pois é somente este conhecimento que gera a
47. Ver capítulo 5 de Terapia Centrada no Cliente sobre as objeções de Rogers ao diagnóstico psicológico.
mudança terapêutica.
48. Ver capítulo 5 , O cliente não é um paciente.
49. No capítulo 9, A atitude centrada no cliente.
51. Rogers, 1992, p. 255
50. Rogers, 1992, p. 255.
52. Sobre o conceito de "ameaça" e "defesa", ver capítulo 11, a teoria do auto-conceito.

62 63
O psicodiagnóstico também tem sido utilizado para definir o ° A colocação do locus do julgamento nas mãos do terapeuta
tipo de psicoterapia a ser indicada para o "paciente". Esta utilização acarreta um certo grau de perda de identidade à medida em
do psicodiagnóstico parte da pressuposição de que "existem terapias que o cliente passa a acreditar que só o terapeuta "pode
específicas para transtornos mentais específicos"57,. Mas a terapia avaliá-lo com exatidão e que, portanto, a medida de seu
centrada no cliente, ao contrário das outras abordagens, utiliza um valor pessoal encontra-se nas mãos de uma outra pessoa.
único tipo de tratamento para todos os casos54. Portanto, o psicodiag- Quanto mais assume essa atitude, mais distante parece es-
nóstico, também por esta perspectiva, continua sendo totalmente tar de qualquer resultado terapêutico sólido, de qualquer
irrelevante para o sucesso da terapia centrada no cliente. crescimento psicológico real."
° A colocação do locus da responsabilidade pela compreen-
são do cliente nas mãos do terapeuta reforça as tendências
dependentes que possam existir no cliente. "Quando o cli-
10.2. O psicodiagnóstico é prejudicial para o indivíduo ente sente que o locus de julgamento e responsabilidade está
claramente nas mãos do terapeuta, ele se encontra mais dis-
tante do progresso terapêutico do que quando começou. "
O psicodiagnóstico é uma avaliação feita a partir de um
referencial externo ao indivíduo. Portanto, ao realizar um psicodiag- Além das consequências prejudiciais do ponto de vista do progresso
nóstico, o terapeuta está assumindo o locus da avaliação na relação terapêutico, o psicodiagnóstico também possui consequências noci-
com o cliente. Esta avaliação implica também, inevitavelmente, num vas num sentido social mais amplo. Rogers considera que a coloca-
julgamento por parte do terapeuta. As atitudes, comportamentos e ção do locus da avaliação do indivíduo nas mãos do especialista
sentimentos do indivíduo são julgados, através do psicodiagnóstico, acarreta uma situação social em que poucos passam a ter o controle
como adequados ou inadequados, saudáveis ou patológicos, madu- sobre muitos:
ros ou imaturos e etc. Além disso, ao fazer u. I diagnóstico o terapeuta
também está assumindo a responsabilidade pela compreensão do "Não se pode assumir a responsabilidade de avaliar as capa-
cliente. Ou seja, o diagnóstico psicológico coloca claramente o locus cidades, os motivos, os conflitos, as necessidades de uma pes-
da avaliação, do julgamento e da responsabilidade pela compreensão soa, o ajustamento que ele é capaz de alcançar, o grau de
do cliente nas mãos do terapeuta, e isto acarreta graves prejuízos ao reorganização que deve enfrentar, os conflitos que deve resol-
desenvolvimento do processo terapêutico. No capítulo 5 do livro ver, o grau de dependência que deve desenvolver em relação
Terapia Centrada no Cliente, Rogers descreve algumas das conse- ao terapeuta, e as metas da terapia, sem que um grau signifi-
quências prejudiciais do diagnóstico psicológico para o processo cativo de controle sobre o indivíduo seja inevitável. A exten-
terapêutico55: são desse procedimento a um número cada vez maior de pes-
soas (...) significa um controle sutil de pessoas, seus valores e
° O psicodiagnóstico gera no cliente a desestimulante metas por um grupo que se elegeu para exercer esse controle.
constatação de que ele "não é capaz de conhecer a si mes- O fato de se tratar de um controle sutil e bem-intencionado
mo", acarretando uma perda da sua confiança básica. apenas dificulta que as pessoas percebam o que estão acei-
tando... "56

53. Bozarth considera esta pressuposição como uma falácia e a denomina de " o mito da especificidade". Ver
o capítulo 19 do livro de Bozarth (1998), Person-Centered Therapy: a revolutionary paradigm.
54. Shlien, 1989.
56. Rogers, 1992, p.258
55. Rogers, 1992, p. 257

64 65
11. A teoria do auto-conceito Para compreender este fenómeno, Rogers considerou que uma
dimensão do campo total da experiência do indivíduo se diferencia-
ria e se estruturaria como um padrão organizado de percepções do eu
Desde a publicação de Counseling and Psychotherapy, em e do eu-em-relacionamento com os outros e com o ambiente. Este
1942, as formulações teóricas da terapia centrada no cliente foram padrão organizado de percepções do eu recebeu o nome, na teoria
continuamente aprofundadas e pesquisadas até serem finalmente ar- da personalidade de Rogers, de autoconceito58. Assim, o autoconceito
ticuladas, em 1951, numa estrutura teórica consistente publicada na de um indivíduo seria composto dos seguintes elementos:
forma de 'dezenove proposições' no livro Terapia Centrada no Cli-
ente. Os conceitos e princípios teóricos desenvolvidos por Rogers e ° suas percepções das próprias características e habilidades;
seus colaboradores surgiram diretamente da experiência clínica e de ° percepções e conceitos em relação aos outros e ao ambiente;
pesquisa vivenciada nas salas de atendimento do Counseling Center ° qualidades de valor que são percebidas nas experiências;
da Universidade de Chicago. No prefácio do livro Terapia Centrada ° metas e ideais que são percebidos como tendo valor positivo
no Cliente, Rogers explicita esta relação existente entre a prática da ou negativo.
terapia e a sua teoria afirmando que a frágil flor da teoria deve sem-
pre brotar do sólido terreno da experiência e que reverter esta ordem O indivíduo sempre procura agir de uma maneira coerente com as
natural seria uma atitude insensata51 suas percepções e valores. Dessa forma, o auto-conceito constitui
um quadro de referência para as suas escolhas, atitudes e comporta-
mentos. Consequentemente, para se obter uma mudança no compor-
O auto-conceito
tamento e na personalidade, que é o objetivo de toda psicoterapia, é
O conceito de eu surgiu na teoria da terapia centrada no clien- necessário que ocorra, primeiramente, uma mudança no auto-con-
te pelo fato dos clientes, durante a terapia, frequentemente se referi- ceito. Segundo Rogers, as modificações no comportamento ocorrem
rem ao seu eu e focalizarem seus problemas e progressos em termos "automaticamente e sem esforço consciente tão logo a reorganiza-
do seu "eu real". Era bastante comum o cliente dizer que não estava ção perceptual ocorra"59. Ou seja, à medida que o auto-conceito
sendo seu verdadeiro eu ou que nem sequer sabia qual era de fato muda, o comportamento também muda a fim de tornar-se coerente
seu verdadeiro eu e, quando sentia que estava progredindo, dizia com esta nova organização do campo perceptual.
que estava se tornando mais verdadeiramente ele mesmo. Rogers Mas como o auto-conceito pode ser alterado? Para responder
observou que algumas expressões eram usadas com bastante frequên- a esta pergunta é necessário compreender, primeiramente, de que
cia pelos seus clientes, como, por exemplo: maneira ele é construído:

"Sinto que não estou sendo meu eu real" O auto-conceito começa a ser formado desde as primeiras ex-
periências do bebé, à medida em que vai interagindo com outros seres
"Foi bom abandonar-me a mim mesmo e ser somente eu, aqui" humanos. Uma das experiências mais importantes para a criança é a
de ser aceita e amada. À medida em que vai se relacionando com as
Rogers se perguntava qual o significado destas experiências, tão co- pessoas que lhe são significativas - geralmente, os pais - a criança
muns ao longo do processo terapêutico. O que significaria, para um vai estruturando a sua percepção de si mesma e do mundo a fim de
indivíduo, ser o seu verdadeiro eul O que seria um eu não-real, um
eu não-verdadeirol
58. A noção de auto-conceito (self-concept) foi formulada inicialmente por Raimy, aluno de Rogers, em 1943,
na sua dissertação na Universidade de Ohio entitulada 'The Self-Concept as a Factor in Counseling and
Personality Organization".

57. Rogers, 1992, p.24 59. Rogers, 1995b, p. 52

66 67
conseguir a satisfação dessa necessidade básica de se sentir aceita e é avaliada em termos das atitudes de seus pais, ou de outras
amada. Assim, o seu auto-conceito vai sendo formado de acordo com pessoas que estejam intimamente associadas a ela. Esses va-
as condições com que o amor e a aceitação lhe são oferecidos. As lores passam a ser aceitos como tão 'reais' quanto os valores
"condições" aqui têm o sentido de "o que é necessário ser para conectados a experiências diretas (,„) É neste ponto que o
receber amor e aceitação " e que a criança percebe como "eu somente indivíduo entra no caminho que, mais tarde, descreverá como
sou amada e aceita SE...". Por exemplo, a criança que sente ciúmes 'eu, na verdade, não me conheço direito'. As reações sensori-
do seu irmãozinho mais novo pode experimentar grande satisfação ais e viscerais primárias são ignoradas, ou não têm permis-
no comportamento de agredi-lo. No entanto, ela pode também ter a são para vir à consciência, exceto em forma distorcida. Os
experiência de ameaça da perda do amor dos pais quando eles lhe valores que poderiam ser desenvolvidos a partir delas não
comunicam, seja em palavras ou em atitudes não-verbais, que este podem ser admitidos à consciência. Um auto-conceito basea-
comportamento é mau e que ela não é amada quando se comporta do, em parte, numa simbolização distorcida tomou o lugar
dessa maneira. Para se defender desta ameaça, para satisfazer a sua deles..."6"
necessidade primordial de se sentir aceita e amada, a criança poderia
negar ou distorcer a simbolização da sua experiência original de Um outro exemplo, retirado da experiência clínica de Rogers, é o
satisfação ao agredir o seu irmão. A negação ocorreria se ela caso da sita. Har61. No início do processo terapêutico, ela afirmava: -
simbolizasse que não experimenta nenhuma satisfação em agredir o "Eu sinto apenas ódio pelo meu pai e estou moralmente certa ao
seu irmão. A distorção da experiência aconteceria se ela simbolizasse sentir isso". Seu pai havia abandonado a sua mãe quando a srta. Har
que considera este comportamento mau quando a sua verdadeira era criança e ela introjetou o ódio pelo seu pai e o valor a ele associa-
experiência fora que os seus pais consideram este comportamento do {"estou moralmente certa ao sentir isso "), originados da experi-
mau. Através da negação e da distorção da experiência, portanto, a ência de sua mãe, como se fossem baseados na sua própria experiên-
criança vai incorporando ao seu auto-conceito percepções e valores cia. Entretanto, ao final da terapia, ela pôde perceber e reconhecer
que não estão de acordo com a sua experiência sensorial e visceral, que a sua mãe odiava seu pai e esperava que ela sentisse o mesmo e
introjetando as atitudes dos pais como se fossem realmente suas, e que ela não gostava de seu pai em alguns aspectos mas também gos-
não como atitudes oriundas de outras pessoas. Fazendo isso, consegue, tava dele em outros aspectos e que essas duas experiências eram
ou pelo menos tenta conseguir, a satisfação da sua necessidade mais uma parte aceitável dela mesma.
importante: se sentir aceita e amada. Dessa forma, devido às condições
Assim, para satisfazer a sua necessidade primária de se sentir
nas quais o amor e a aceitação são oferecidos à criança, vários
amado e aceito o indivíduo acaba incorporando ao seu auto-conceito
elementos do seu auto-conceito podem se tornar incongruentes com
percepções, atitudes, crenças e valores que estão em desacordo com
a sua experiência direta, organísmica. Neste exemplo, a criança
a sua experiência sensorial direta. Se as novas experiências que vão
incorporaria ao seu auto-conceito apenas a percepção de que gosta
ocorrendo na vida do indivíduo forem coerentes com este auto-con-
do seu irmãozinho quando a sua experiência primária apresentara
ceito, serão percebidas e simbolizadas, mas se forem contraditórias,
um espectro muito mais amplo, que ia desde "eu gosto do meu
serão percebidas como ameaças ao eu e, dessa forma, terão seu aces-
irmãozinho" até "eu o odeio!".
so negado à consciência ou serão simbolizadas de uma maneira distor-
Rogers analisa este processo através do qual o auto-conceito cida. O indivíduo seleciona, entre suas muitas experiências sensori-
se torna incongruente com a experiência real do indivíduo na propo- ais, aquelas que se encaixam em seu auto-conceito e só reconhece e
sição X de sua teoria da personalidade:

"Assim, os valores que a criança liga à experiência dissociam- 60. Rogers, 1992, p.569
61. Citado no capítulo 3 do livro Terapia Centrada no Cliente.
se de seu próprio funcionamento organísmico, e a experiência

Í.S 69
simboliza estas experiências. Ou seja, a negação e a distorção são as ° angústia ou ansiedade;
defesas utilizadas pelo indivíduo para preservar o seu eu da ameaça ° sentimento de insegurança;
representada pela experiência da incongruência. ° sentimento de não estar integrado (ou sentimento de dissociação);
° ausência de controle sobre o próprio comportamento.
Mas como uma pessoa pode reconhecer uma experiência como
ameaçadora sem ainda ter tido consciência dela? Rogers e seus cola- A falta de controle consciente sobre o comportamento ocorre porque
boradores ficaram intrigados com esta questão, que parecia envolver o organismo da pessoa reage às experiências e luta para satisfazer as
um processo de 'conhecer sem conhecer' ou de 'perceber sem per- suas necessidades mesmo que elas não tenham sido admitidas na
ceber'. Após realizarem algumas pesquisas sobre a relação entre consciência. Neste caso, o indivíduo faz afirmações como65:
percepção e consciência, eles puderam concluir que, de fato, um in-
divíduo é capaz de discriminar um estímulo como ameaçador e rea- o "Não sei por que faço isso. Eu não quero fazer, no entanto
gir a ele mesmo sem ter reconhecido conscientemente o estímulo a eu faço"
que está reagindo62. o "Eu simplesmente não sou eu mesmo quando faço essas
Neste sentido, McCleary e Lazarus63 deram uma contribuição coisas "
fundamental à teoria ao criarem o conceito de "subcepção" para se o "Eu não sabia o que estava fazendo "
referir a este processo de "pré-percepção" no qual o indivíduo reage ° "Não tenho controle sobre essas reações"
a um estímulo antes que este seja reconhecido na consciência. A
A incongruência entre o auto-conceito e a experiência organísmica
subcepção é, assim, uma reação organísmica fisiológica avaliatória
(a experiência sensorial e visceral) também pode ser experimentada
e discriminatória à experiência, que pode preceder a percepção cons-
pelo indivíduo como um sentimento de não ter um eu ou de que o
ciente dessa experiência. O processo da subcepção explica, portan-
to, como um indivíduo pode negar experiências à consciência sem seu eu consiste apenas em procurar fazer o que os outros acreditam
jamais ter estado consciente delas64. que ele deve fazer. Isto ocorre quando o indivíduo constrói o seu
auto-conceito quase que inteiramente a partir das avaliações de ex-
É importante salientar que as experiências que são negadas à periência emprestadas de outras pessoas, com um mínimo de apreci-
consciência ou distorcidas na sua simbolização são aquelas incoe- ação organísmica direta.
rentes com o auto-conceito, e que estas não são necessariamente
experiências negativas ou depreciativas para o individuo. Assim, até
mesmo as experiências valorizadoras e positivas podem ser excluí-
das do campo perceptual do indivíduo, se forem contraditórias com
O processo terapêutico:
o seu auto-conceito.
Entretanto, esta incongruência ou discrepância entre aquilo que
o indivíduo experencia em nível sensorial e visceral e aquilo que ele Como vimos nos capítulos 3 e 406, a relação terapêutica centrada
simboliza na sua consciência gera uma tensão psicológica que pode no cliente caracteriza-se pela total liberdade oferecida ao cliente para
ser experimentada como: explorar o mundo da sua experiência no ritmo e na direção que esco-
lher e na total aceitação do terapeuta em relação a tudo o que é ex-

62. Rogers, 1992, p. 575.


63. McCleary, R. & Lazarus, R. (1949). Autonomic discrimination without awareness. Journal of Personality 65. Rogers, 1992, p. 579.
Change, 18, 171-179. Este estudo foi citado nas capítulo 11 do livro Terapia Centrada no Cliente. 66. "Uma relação essencialmente não-diretiva" e "A aceitação como a essência do processo terapêutico"
64. Rogers, 1992, p. 576

70 71
presso pelo cliente. Como consequência desta atitude do terapeuta afeição" - que conduziram, finalmente, a uma modificação e ampli-
de aceitação e acolhimento e diante da total liberdade de expressão, ação do seu auto-conceito: - "Eu me dou bem com ela. É uma coisa
o cliente sente o seu eu livre de ameaças, sendo capaz, portanto, de incrível a maneira como tirei a mamãe de meu sistema. Posso recebê-
considerar as percepções até então rejeitadas (por serem incoerentes la ou despedir-me dela sem tanta tensão".
com o seu auto-conceito) e modificar o seu auto-conceito a fim de A experiência que o cliente tem de ser aceito exatamente como
incluir e integrar estas percepções. Rogers descreve este processo da ele é, e de que cada novo aspecto do seu ser que é descoberto e reve-
seguinte maneira: lado na terapia é igualmente aceito pelo terapeuta, leva ao reconheci-
mento de experiências profundamente negadas ou distorcidas por
"Aos poucos, o cliente experimenta uma sensação decidida- serem ameaçadoras ao eu. Quando estas experiências se tornam cons-
mente nova de estar livre de ameaças. É a percepção de que cientes, o cliente, então, modifica o seu auto-conceito a fim de poder
cada aspecto que ele expõe do seu eu é igualmente aceito, inclui-las como partes de um todo coerente. O processo terapêutico
igualmente valorizado. A afirmação quase beligerante de suas é, portanto, essencialmente, um processo de desorganização e reor-
virtudes é tão aceita, porém não mais, quanto o desestimulante ganização do eu, assim descrito por Rogers:
quadro de suas qualidades negativas. Sua certeza sobre al-
guns aspectos de si mesmo é aceita e valorizada, da mesma "À medida que o processo avança, uma configuração nova ou
forma que sua incertezas, suas dúvidas, sua vaga percepção revisada do eu está sendo construída, contendo percepções
de contradições internas. Nessa atmosfera de segurança, pro- anteriormente negadas; envolvendo uma simbolização mais
teção e aceitação os limites rígidos do autoconceito relaxam. exata de uma gama muito mais ampla de experiências senso-
(...) O cliente começa a explorar seu campo perceptivo cada riais e viscerais; envolvendo uma reorganização de valores
vez mais completamente. (...) Descobre experiências das quais em que a experiência pessoal do organismo é claramente re-
nunca fora consciente, experiências que contradizem profun- conhecida como a fonte que proporciona as evidências para
damente a percepção que tem de si mesmo - e isto é de fato as valorações. Lentamente, começa a emergir um novo eu,
ameaçador. Ele se recolhe temporariamente para a confortá- muito mais próximo do verdadeiro, porque se baseia muito
vel gestalt anterior, mas depois, lenta e cautelosamente, sai mais na experiência global do cliente, percebida sem
do refúgio e assimila a experiência contraditória num padrão distorção. "69
novo e revisado. "A7
O novo eu que surge a partir da desorganização do antigo auto-con-
Rogers 68 apresenta um exemplo de uma cliente que odiava a sua mãe ceito é muito mais congruente com a totalidade da experiência. Con-
e que tinha a justificativa para esse ódio rigidamente estruturada no sequentemente, as experiências tornam-se menos ameaçadoras e o
seu auto-conceito. Ao longo do processo terapêutico, contudo, ela indivíduo, sem precisar mais de tantas defesas, torna-se mais aberto
pôde reconhecer a existência de outros sentimentos e comportamen- à sua experiência direta, sensorial e visceral. Nesse novo eu há, por-
tos além do ódio - "Insisto em limpar minha casa quando ela vem tanto, muito menos ansiedade e mais segurança. Rogers salienta que
me visitar, como se quisesse mostrar a ela como sou boa, como se é devido à presença da tendência atualizante que o indivíduo em
tentasse obter as graças dela" -, conseguindo, a seguir, admitir terapia, ao invés de seguir para uma desintegração, move-se na dire-
certas experiências diretamente contraditórias com o seu auto-con- ção de uma reorganização promotora do crescimento e de uma reali-
ceito - "Sinto um carinho real por ela, uma espécie saudável de zação mais completa das suas potencialidades.

67. Rogers, 1992, p.222


69. Rogers, 1992, p.222
68. Este exemplo encontra-se no livro Terapia Centrada no Cliente, à página 588 da edição de 1992.

72 73
Como vimos anteriormente, o comportamento de um indiví- uma maior aceitação do outro. No exemplo anterior, da mulher que
duo se mantém sempre coerente com o auto-conceito70. Assim, quan- odiava a sua mãe, vimos que quando ela conseguiu aceitar todos os
do o cliente, ao longo do processo terapêutico, modifica o seu auto- seus sentimentos de afeto e de ódio, ela pôde perceber a mãe de uma
conceito, o seu comportamento se modifica espontaneamente, acom- maneira muito mais realista, compreendendo-a e aceitando-a pelo
panhando as mudanças no auto-conceito. Por este motivo, as mudan- que de fato era, e construindo com ela um relacionamento real, ao
ças de comportamento são mais fáceis e menos dolorosas que as invés de defensivo.
mudanças no auto-conceito.
Outra cliente de Rogers expressou esta experiência de aprimo-
ramento das suas relações interpessoais com as seguintes palavras:

"Eu sou eu mesma e sou diferente dos outros. Estou me sen-


O aprimoramento das relações interpessoais
tindo mais feliz em ser eu mesma e percebo que, cada vez mais,
estou deixando que as outras pessoas assumam a responsabi-
Uma aluna de Rogers, Elizabeth Sheerer, em sua tese de dou- lidade por serem elas mesmas "72
torado defendida na Universidade de Chicago em 194971, compro-
vou cientificamente um fato que já havia sido largamente constatado
por Rogers e sua equipe na prática clínica: que um indivíduo, ao
12. A mudança terapêutica
aceitar a si próprio, aprimora suas relações interpessoais com os
outros. Rogers considerou este fato como uma das mais surpreen-
dentes descobertas da terapia centrada no cliente, formulando-a na A teoria do auto-conceito, publicada em 1951 no livro Terapia
proposição XVIII da sua teoria da personalidade: Centrada no Cliente, já esboçara algumas considerações a respeito
dos resultados de uma terapia bem-sucedida. Como vimos no capítulo
"Quando o indivíduo percebe e aceita, num único sistema coe- anterior, o processo terapêutico conduziria o indivíduo a uma
rente e integrado, todas as suas experiências sensoriais e reorganização do seu auto-conceito promovendo uma maior
viscerais, ele adquire necessariamente uma compreensão e uma integração entre o eu e a experiência organísmica. Como consequên-
aceitação maior dos outros como indivíduos diferenciados ". cia desta reorganização do campo perceptual, o cliente viveria com
menor tensão psicológica ou ansiedade, aprimoraria seus relaciona-
Quanto menos atitudes defensivas a pessoa utiliza para preservar o mentos interpessoais e desenvolveria seu próprio sistema de valores,
seu auto-conceito, mais realista ela se torna não somente em relação baseado diretamente na sua experiência. Após a publicação de Tera-
a si mesma como também em relação aos outros. A pessoa que vive pia Centrada no Cliente, Rogers prosseguiu suas investigações a res-
de maneira integrada, congruente com a sua experiência sensorial e peito da natureza da mudança terapêutica e das suas condições facilita-
visceral, consegue perceber o outro como ele realmente é, com todas doras e, em 1952, escreveu um artigo entitulado "A pessoa em funci-
as suas diferenças, sem que estas diferenças sejam percebidas como onamento pleno" onde procurou responder precisamente a esta ques-
ameaças. Desta forma, a auto-aceitação acaba promovendo também tão: "Se fossemos tão bem sucedidos como terapeutas, que espécie
de pessoa teria se desenvolvido em nossa terapia ? Qual o hipotético
ponto final, o ponto máximo do processo terapêutico?". Entretanto,
70. Pag. 30: "O indivíduo sempre procura agir de uma maneira coerente com as suas percepções e valores. (...)
à medida que o auto-conceiío muda, o comportamento também muda a fim de tornar-se coerente com
esta nova organização do campo perceptual".
71. "An analysis of the relationship between acceptance of and respect for self and acceptance of and respect for
others in seven couseling cases" 72. In Rogers, 1992, p. 591

74 75
o artigo foi rejeitado para publicação pois o editor o considerou "sub- mente ser uma palavra-baú que se presta a acolher todos aque-
jetivo" demais, sendo que somente dez anos mais tarde Rogers con- les aspectos da personalidade que os diagnosticadores como
seguiu publicá-lo73. Posteriormente, Rogers escreveu pelo menos mais um todo temem em si mesmos. Por essas e outras razões, a
três artigos sobre o tema: "A Psicoterapia considerada como um mudança no diagnóstico não é uma descrição de resultado
Processo"1*, em 1957, "A Equação do Processo da Psicoterapia"15, psicoterapêutico que me satisfaça. "77
em 1961 e "Towardbecomingafullyfunctioningperson"16,em 1962.
Assim, insatisfeito com estes critérios, Rogers procurou uma outra
Como avaliar os resultados de uma terapia bem-sucedida? Que forma de avaliar a mudança terapêutica. A partir de sua própria ex-
critérios, que parâmetros utilizar na avaliação da mudança terapêuti- periência clínica e das pesquisas realizadas por sua equipe na Uni-
ca? Na época em que Rogers escreveu seu primeiro artigo a respeito versidade de Chicago, ele descobriu três características básicas na
deste tema, existiam apenas duas maneiras de se avaliar o sucesso de pessoa que emerge de uma terapia centrada no cliente bem-sucedida.
um processo terapêutico. Ou considerava-se que a terapia deveria Para descrever, então, o resultado da mudança terapêutica, Rogers
promover um melhor ajustamento do indivíduo à sociedade ou, en- apresentou estas características no seu limite máximo, isto é, partin-
tão, utilizavam-se critérios psicodiagnósticos e as decorrentes no- do de uma condição hipotética na qual a terapia centrada no cliente
ções de "patologia" e "normalidade". Rogers, entretanto, questionou tivesse atingido o seu nível ótimo ou ideal e denominou a pessoa
a validade destes conceitos de "saúde mental": com estas características de uma pessoa em funcionamento pleno:

"Penso na noção, comumente aceita, de que a pessoa que com-


pletou a psicoterapia estará ajustada à sociedade. Mas a qual
sociedade ? Qualquer sociedade, não importam suas caracte- Crescente abertura à experiência
rísticas? Não posso aceitar isso. Penso no conceito, implícito
em muitos escritos psicológicos, de cue a psicoterapia bem
sucedida significa que uma pessoa passou de uma categoria Após uma terapia centrada no cliente bem-sucedida, a pessoa
diagnostica considerada patológica para outra considerada se tornaria aberta à experiência, a todos os estímulos externos e
normal. Contudo, estão se acumulando evidências de que existe internos, sem necessidade de ser defensiva. Ela viveria plenamente a
escasso acordo quanto às categorias diagnosticas, o que as experiência de seu organismo total. Não haveria barreiras, não have-
torna praticamente sem sentido enquanto conceitos científi- ria inibições que pudessem evitar o pleno experienciar do que quer
cos. E mesmo se uma pessoa se torna "normal", este será um que estivesse organismicamente presente. A pessoa conseguiria
resultado adequado da terapia ? E mais, nos últimos anos te- vivenciar totalmente os seus sentimentos, no momento mesmo em
nho conjeturado se o termo psicopatologia não pode simples- que ocorressem, sem precisar distorcê-los. Tal pessoa também esta-
ria sensivelmente aberta aos outros indivíduos com quem estivesse
se relacionando.
73. Foi publicado com o título "The Concept of the Fully Functioning Person." Em Psychotherapy: Theory,
Research and Practice, vol. 1: 17-26, 1963. Em português, foi publicado no livro de John Wood:
Abordagem Centrada na Pessoa, 1995, p. 71-95
74. "A Process Conception of Psychotherapy", artigo apresentado em 1957 na Convenção Americana de
Psicologia e publicado em 1958 na American Psychologist, 13, pp. 142-149. Em Português foi publicado
no livro Tornar-se Pessoa, capítulo 7.
75. "The Process Equation of Psychotherapy' publicado no American Journal of Psychotherapy, vol. 15(1): 27-
45, 1961. Em Português foi publicado no livro de John Wood, Abordagem Centrada na Pessoa, 1995,
pp. 97-123.
76. Publicado em Perceiving, Behaving and Becoming: A New Focus for Education, pp. 21-33. 77. Rogers, 1995c, p. 73

76 77
A fim de integrar estas três características, compondo um todo uni-
Tornando-se um processo ,
ficado, Rogers fez a seguinte descrição da pessoa em funcionamento
pleno:
Para esta pessoa totalmente aberta à experiência, completa-
mente sem defesas, cada momento seria novo. Ao invés de distorcer "Tal pessoa é um ser humano em fluxo, em processo, em vez
a experiência a fim de encaixá-la numa estrutura de eu ou de perso- de ter alcançado algum estado. ..Tal pessoa experencia o pre-
nalidade já pronta, fixa e imutável, ela constituiria o seu eu e a sua sente com imediação. Ela é capaz de viver nos seus sentimen-
personalidade dinamicamente a partir da experiência. Assim, a pes- tos e reações do momento. Ela não está presa às estruturas
soa viveria no momento presente, sem rigidez. Ela estaria sempre das aprendizagens passadas, mas estas são recursos presen-
mudando, em processo, flexível e adaptativa. A vida para ela seria tes para ela na medida em que estejam relacionados à experi-
fluida, não fixa. ência do momento. Ela vive livremente, subjetivamente, num
confronto existencial deste momento na vida... Tal pessoa é
uma pessoa criativa. Com sua sensível abertura ao seu mun-
do e sua confiança na sua própria habilidade para formar
Crescente confiança no próprio organismo novos relacionamentos com seu meio, ela é o tipo de pessoa
do qual produtos criativos e vida criativa emerge. Por fim, tal
pessoa vive uma vida que envolve uma extensão mais ampla,
Essa pessoa confiaria no seu próprio organismo para chegar uma maior riqueza do que a vida constrita na qual a maioria
ao comportamento mais adequado em cada situação existencial. Pelo de nós nos encontramos. Parece-me que o cliente que se mo-
fato de estar aberta à experiência, todos os dados relevantes que ela veu significativamente em terapia vive mais intimamente com
precisasse para orientar adequadamente o seu comportamento estari- seus sentimentos de dor, mas também mais vividamente com
am disponíveis à sua consciência. Assim, s-us sentimentos e suas seus sentimentos de êxtase. Que a raiva é mais claramente
reações organísmicas seriam guias competentes e confiáveis para o sentida, mas também é o amor. Que o medo é uma experiência
seu comportamento. Segundo Rogers, esta pessoa passaria a "viver que eles conhecem mais profundamente, mas a coragem tam-
sua experiência, confiar nela, e usá-la como referência para guiá-lo bém é. E que a razão pela qual eles podem assim viver plena-
em seu confronto com a vida ". Ela agiria de acordo com o seu locus mente numa extensão mais ampla é que eles têm esta confian-
interno de avaliação, isto é, seu comportamento seria baseado em ça básica neles mesmos como instrumentos confiáveis para ir
sua própria experiência e não mais nas atitudes ou nos desejos de ao encontro da vida. "79
outros.
Em suma, a pessoa em funcionamento pleno estaria completamente
"....Há uma mudança no processo de valoração durante a te- engajada no processo de ser e tornar-se ela mesma. E sendo ela mes-
rapia, e uma característica dessa mudança é que o indivíduo ma, ela descobriria que é uma pessoal socialmente orientada, sensí-
move-se de um estado em que seus pensamentos, sentimentos vel ao seu meio e criativa. Este tipo de pessoa, segundo Rogers, não
e comportamento são governados pelos julgamentos e expec- estaria necessariamente "ajustada" à sua cultura e com certeza não
tativas dos outros em direção a um estado no qual baseia seus seria uma pessoa conformista.
valores e padrões em sua própria experiência. "7S

78. Rogers, 1992, p. 183 79. Roges, 1962, p.33

78 79
13. As atitudes facilitadoras da noção mais complexa de "consideração positiva" (positive regard).
mudança terapêutica De acordo com a teoria do auto-conceito, o desajustamento
psicológico existe quando o indivíduo tem que negar ou distorcer
certas experiências porque elas são inconsistentes com seu auto-con-
A teoria da terapia centrada no cliente continuou sendo aper- ceito. Mas o auto-conceito em relação ao qual estas experiências estão
feiçoada por Rogers e sua equipe de pesquisadores mesmo após a em conflito está baseado em valores que foram tomados das pessoas
publicação das dezenove proposições, pois os avanços na experiên- significativas para o indivíduo quando ele era criança. É a perda, ou
cia clínica e nas pesquisas científicas permitiram o surgimento de a ameaça da perda, do amor (ou "aceitação") dessas pessoas que
novas e mais complexas formulações de antigos conceitos da teoria. conduziu a criança a introjetar estes valores e agir de acordo com
A aceitação, um dos conceitos essenciais da abordagem centrada no eles como se fossem seus próprios. Assim, a causa do desajustamento
cliente, foi substituída, a partir da sugestão de Standal, um aluno de psicológico está na falta de aceitação da criança pelas pessoas que
Rogers, pelo conceito mais complexo de consideração positiva. A lhe são significativas. Na medida em que a falta de aceitação é o
noção de que o terapeuta deve adotar o referencial interno do cliente fator crucial na causa do desajustamento psicológico, Standal pro-
foi aperfeiçoada no conceito de compreensão empática, e a pôs que a restauração da aceitação fosse considerada como o fator
genuinidade do terapeuta passou a ser melhor compreendida através crucial na causa do reajustamento psicológico. Dessa forma, Standal
da utilização do conceito de congruência. enfatizou que a função primária do terapeuta é a de comunicar acei-
Em 1957, com a publicação do artigo "As condições necessá- tação e não a de facilitar a simbolização acurada, pois é a percepção
rias e suficientes para a mudança terapêutica da personalidade"*0, a do cliente dessa aceitação que é crucial para a mudança terapêutica.
consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a
Standal propôs, então, que esta necessidade de aceitação fosse
congruência passaram a ser denominadas de "atitudes facilitadoras"
concebida como uma necessidade de "consideração positiva". Com
e acabaram se tornando os conceitos mais conhecidos e divulgados
o surgimento da consciência do eu, desenvolve-se no indivíduo uma
da teoria de Rogers no mundo todo.
necessidade de que as suas experiências relativas a si mesmo afetem
o campo experencial dos outros de uma maneira positiva. Esta ne-
cessidade é a necessidade de consideração positiva. Esta considera-
ção positiva envolveria, dessa forma, os sentimentos e atitudes de
13.1. Consideração positiva incondicional: calor, acolhida, respeito e aceitação.
A consideração positiva é incondicional quando não existem
Como vimos no capítulo 4, a aceitação por parte do terapeuta condições para que ocorra a aceitação. Portanto, é o oposto de uma
de cada aspecto da experiência do cliente, seja positivo ou negativo, atitude de apreciação seletiva ("eu aceito você apenas se você for
se constituiu como um dos elementos essenciais da terapia centrada dessa ou daquela maneira"). A consideração positiva incondicional
no cliente desde a sua primeira formulação, ainda em 1942. Contu- é um tipo de atitude em relação a outra pessoa na qual tudo o que esta
do, a partir de um aprofundamento da teoria do auto-conceito, um pessoa exprime sobre si mesma é igualmente aceito com calor, esti-
aluno de Rogers chamado Stanley Standal, propôs em 1954, em sua ma e respeito. Esta é, precisamente, a atitude do terapeuta centrado
tese de doutorado81, a substituição da noção de "aceitação" para a no cliente: tudo o que o cliente exprime (verbalmente ou não-verbal-
mente, direta ou indiretamente) sobre si mesmo, sejam sentimentos
80. The Necessary and Sufficient Conditions of Therapeutic Personality Change. Journal of Consulting Psychology,
negativos, dolorosos, confusos, defensivos ou irracionais, sejam sen-
21, 95-103. Este artigo encontra-se publicado em português no livro de John Wood, Abordagem
Centrada na Pessoa.
timentos positivos, maduros e socializados, tudo é recebido com a
81. "The need for positive regard: a contribution to client-centered theory"
mesma aceitação calorosa pelo terapeuta.

80 81
13.2. Compreensão empática: A atitude empática, dessa forma, se opõe frontalmente à atitude
diagnostica ou avaliativa. Para poder perceber o mundo do cliente
com empatia, o terapeuta não pode assumir uma postura crítica, pelo
A atitude de centrar-se no cliente ou de assumir o referencial contrário, a atitude empática está intrinsecamente relacionada a uma
interno do cliente, como vimos no capítulo 9, constitui-se num ele- postura de aceitação e não-julgamento. Kinget85 reconhece que essa
mento fundamental da abordagem centrada no cliente desde, pelo postura é muito díficil de ser posta em prática pelos profissionais da
menos, 1946. Com o correr dos anos, Rogers foi sentindo necessida- psicoterapia, na medida em que toda a sua formação académica
de de definir melhor esta atitude, até chegar à formulação do concei- enfatiza justamente o oposto, a atitude diagnostica e avaliativa:
to de "compreensão empática". Na definição de Rogers, compreen-
der empaticamente o cliente significa "sentir o mundo privado do " Infelizmente, a compreensão empática é muito difícil de ser
cliente como se ele fosse o seu, mas sem perder a qualidade como posta em prática, principalmente no início, pois exige a ado-
se"n. Em 1975, Rogers 83 definiu a compreensão empática também ção do ponto de referência de uma outra pessoa - o que é
como uma "maneira de ser": pouco natural. A dificuldade é particularmente grande para o
indivíduo deformação académica, principalmente para o pro-
"A maneira de ser em relação a outra pessoa denominada fissional de psicoterapia, qualquer que seja sua escola, pois
• empática tem várias facetas. Significa penetrar no mundo sua formação está centrada quase exclusivamente na função
perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro de diagnóstico... Por isso é raro que o encontremos apto - e,
dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças principalmente desejoso! - de despojar-se de seus conheci-
que se verificam nessa pessoa em relação aos significados mentos e técnicas profissionais, de sua inclinação para exer-
que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao cer seu julgamento crítico, enfim, de renunciar à satisfação
que quer que ela esteja vivenciando... Passamos a ser um com- de suas necessidades intelectuais de ordem lógica e de expli-
panheiro confiante dessa pessoa eia seu mundo interior. ... cação. "
Estar com o outro dessa maneira significa deixar de lado, neste
momento, nossos próprios pontos de visto, e valores, para en- Para ilustrarmos esta diferença entre a compreensão diagnostica e a
trar no mundo do outro sem preconceitos. Num certo sentido, compreensão empática, apresentaremos um exemplo extraído do li-
significa pôr de lado nosso próprio eu, o que pode ser feito vro Terapia Centrada no Cliente. Trata-se de um trecho da terceira
apenas por uma pessoa que esteja suficientemente segura de entrevista feita com um jovem internado numa enfermaria psiquiá-
que não se perderá no mundo possivelmente estranho ou bi- trica:
zarro do outro e de que poderá voltar sem dificuldades ao seu
próprio mundo quando assim o desejar... a empatia é uma "Muitos pensamentos, muitos sentimentos estão ali na minha
maneira de ser complexa, exigente e intensa, ainda que sutil e cabeça. Eu só os coloco... eu só... não sei... eu os sinto ali
dentro, eles entopem minha cabeça. (Breve pausa). Eu me con-
centro nas coisas da minha cabeça e pensamentos e mente,
mas é que eu... é que eu... não sei... o que acontece, acontece
diferente, acontece lá dentro, é isso que me trava... me trava
82. Rogers, I995e,p.l67 depressa. É que eu... fico pensando de verdade se eu poderia
83. Rogers, CR. (1975). Empathic: an unappreciated way of being. The Counseling Psychologist, 5,2-10. Ksle
artigo foi publicado em português no livro A Pessoa como Centro.
84. Rogers, 1977, p. 73.
85. Rogers & Kinget, 1977, vol.l, pp. 127-128.

82 83
voltar para aquela minha enfermaria e realmente viver, real- Como vimos no capítulo 10, Rogers percebeu que a compreensão
mente ser alguém. Eu só... Saiu tudo de repente da minha ca- diagnostica, no contexto da psicoterapia, é não somente desnecessá-
beça. Eu imaginava se poderia voltar para lá e fazer isso, ria como inclusive é prejudicial ao processo terapêutico. Já a com-
realmente ser alguém lá. (Breve pausa). Fico imaginando, fico preensão empática, pelo contrário, é promotora das forças de cresci-
pensando nisso, e se um dia eu serei... apenas voltar direto mento do cliente. O caráter não avaliador e aceitador do clima
para alguma coisa e fazer algo e ser alguém lá. (Breve pau- empático possibilita à pessoa assumir uma atitude de estima e inte-
sa). Provavelmente me ajudaria a continuar sendo diferente, resse por si mesma. Sentindo-se compreendida, ela se torna capaz de
um homem diferente, uma pessoa diferente lá. Aqui neste con- ouvir a si mesma de modo mais correto, com maior empatia em rela-
sultório eu geralmente saio com alguns pensamentos que fa- ção às suas experiências organísmicas e aos seus significados que
zem sentido e ideias, algo com sensações reais, uma mente percebe apenas vagamente. A maior auto-compreensão e auto-esti-
real, pensamento real. Ontem quando cheguei aqui estava vi- ma proporcionadas, dessa forma, pela atitude empática possibilita à
vendo e... vou estar hoje. Tenho certeza disso. Eu posso ser... pessoa integrar estes aspectos da experiência agora reconhecidos num
eu não posso aguentar mais do que isso aqui, então eu., é novo conceito de eu, mais congruente com a totalidade da sua expe-
demais para mim. "stf riência.

Numa palestra proferida em 1964, Rogers descreveu, para um


Um psicólogo que tentasse avaliá-lo ou diagnosticá-lo, pensaria algo público leigo em psicologia, como a compreensão empática pode
como:
ajudar uma pessoa a despertar suas forças internas de crescimento,
relatando a sua própria experiência pessoal de ser escutado dessa
"Seu pensamento é confuso e as expressões inarticuladas. forma empática:
Parece haver sentimentos de irrealidade. Possivelmente é
esquizofrénico. Seu self consciente está lutando para recupe- "Várias vezes em minha vida me senti explodindo diante de
rar uma sensação de controle sobre o organismo. Ele reage problemas insolúveis ou andando em círculos atormentada-
com algum pânico à ideia de viver e ser uma pessoa. " mente, ou ainda, em certos períodos, subjugado por sentimen-
tos de desvalorização e desespero. Acho que tive mais sorte
Ao passo que uma pessoa que tentasse compreendê-lo empaticamente
do que a maioria, por ter encontrado, nesses momentos, pes-
pensaria algo como:
soas que foram capazes de me ouvir e assim resgatar-me do
caos de meus sentimentos. Pessoas que foram capazes de per-
"Parece que sentimentos e pensamentos bloqueiam você . ceber o significado do que eu dizia um pouco além do que eu
Existe uma dúvida quanto à possibilidade de ser alguém. Você era capaz de dizer. Estas pessoas me ouviram sem julgar, di-
fica imaginando se poderia ser uma pessoa ao voltar à enfer- agnosticar, apreciar, avaliar. Apenas me ouviram, esclarece-
maria. Você sente que algumas de suas reações são reais e ram-me, responderam-me em todos os níveis em que eu me
sensatas e tem a impressão de que ali, na hora da terapia, está comunicava. Posso testemunhar o fato de que quando estamos
realmente vivo. Mas este pensamento é forte demais para você numa situação psicologicamente dolorosa e alguém nos ouve
- é mais do que você pode encarar." sem nos julgar, sem tentar assumir a responsabilidade por nós,
sem tentar nos moldar, sentimo-nos incrivelmente bem! Nes-
ses momentos, esta atitude relaxou minha tensão e me permi-
tiu pôr para fora os sentimentos que me atemorizavam, as
culpas, a angústia, as confusões que tinham feito parte de
86. Rogers, 1992, p. 55

85
minha experiência. ... Quando sou ouvido, torno-me capaz de
rever meu mundo e continuar. É incrível como alguns aspec- cias podem ser acuradamente simbolizadas na consciência sem
tos que antes pareciam insolúveis tornam-se passíveis de so- distorções ou negações, ou seja, a pessoa congruente é uma pessoa
lução quando alguém nos ouve. É incrível como as confusões sem defesas, aberta à totalidade da sua experiência. Rogers perce-
que pareciam irremediáveis transformam-se em correntes que beu, então, que para o processo terapêutico ser bem-sucedido é ne-
fluem com relativa facilidade quando somos ouvidos. "S7 cessário não apenas que o terapeuta seja genuíno e autêntico. Mais
do que isso, é necessário que ele esteja congruente na relação com o
cliente. Se o terapeuta não estiver aberto à experiência de si mesmo,
isto é, se ele estiver defensivo, se sentindo ameaçado, a sua
genuinidade não será terapêutica. Se o terapeuta estiver incongruen-
13.3. Congruência: te e tentar ser autêntico, ele só vai conseguir expressar ao cliente a
percepção de sua experiência distorcida por suas defesas88. Dessa
forma, Rogers percebeu que a congruência do terapeuta é um ele-
Desde o início da abordagem centrada no cliente, Rogers per- mento essencial para a promoção da mudança terapêutica no cliente.
cebera que a aceitação do terapeuta em relação ao cliente deveria ser
autêntica, genuína e não simplesmente uma "fachada". Não adianta-
ria ao terapeuta "fingir" que confiava nas forças de crescimento do
cliente, pois esta confiança precisaria ser "real", ser verdadeira, para
13.4. Condições mais que necessárias: suficientes
ser eficaz terapeuticamente. Isto é, uma aceitação e uma confiança
apenas aparente, ou inautêntica, não promoveria a mudança terapêu-
tica. Por este motivo, a genuinidade (genuineness) ou autenticidade Devido ao seu incansável espírito científico, Rogers procurou
foi considerada por Rogers como uma atitude essencial para um definir, de forma mais precisa possível, as condições que seriam ne-
terapeuta centrado no cliente. cessárias e suficientes para a promoção das mudanças construtivas
Entretanto, esta ideia de autenticidade, inadvertidamente, aca- da personalidade na relação terapêutica. A partir da sua experiência
bou gerando uma grave distorção na prática da terapia centrada no clínica com as atitudes facilitadoras, e baseado nas pesquisas reali-
cliente. Muitos terapeutas entenderam que ser autêntico significava zadas por sua equipe na Universidade de Chicago, Rogers89 formu-
dizer ao cliente tudo o que estivesse pensando ou sentindo no mo- lou a seguinte hipótese acerca da mudança terapêutica:
mento. Assim, terapeutas começaram a "despejar" os seus próprios
sentimentos sobre o cliente, justificando esta atitude como uma ex- "Para que uma mudança construtiva de personalidade ocor-
pressão de "autenticidade". A fim de evitar este mal-entendido e tor- ra, é necessário que as seguintes condições existam e persistam por
nar mais claro o sentido da genuinidade enquanto atitude terapêuti- um período de tempo:
ca, Rogers passou a utilizar o conceito mais específico de 1. Que duas pessoas estejam em contato psicológico;
"congruência".
2. Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja num
Como vimos no capítulo 11, a congruência é um estado de estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa;
acordo entre o auto-conceito de um indivíduo e as suas experiências
organísmicas. Uma pessoa está congruente quando as suas experiên-
88. Sobre esta distorção no entendimento da genuinidade no contexto terapêutico, sugerimos a leitura do artigo
de Barbara Brodley "Congruence and Its Relation to Communication in Client-Centered Therapy" que
foi publicado no Person-Centered Journal, 1998,5, 83-106.
87. Rogers, 1983,pp. 7-8
89. Rogers, 1995e, pp. 159-160.

86
87
3. Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de terapeuta, hipóteses de Rogers. Em 1971, Truax e Mitchell, ao revisarem as
esteja congruente ou integrada na relação; pesquisas sobre as atitudes facilitadoras concluíram que:
4. Que o terapeuta experencie consideração positiva incondi-
cional pelo cliente; "Terapeutas e conselheiros que são acuradamente empáticos,
5. Que o terapeuta experencie uma compreensão empática do não-possessivamente calorosos em atitude e genuínos são ver-
dadeiramente eficazes. Ademais, estes resultados parecem se
referencial da estrutura interna do cliente e se esforce por
manter para uma ampla variedade de terapeutas e conselhei-
comunicar esta experiência ao cliente;
ros, independentemente de seu treinamento ou orientação te-
6. Que a comunicação ao cliente da compreensão empática do órica, e com uma ampla variedade de clientes ou pacientes,
terapeuta e da consideração positiva incondicional seja efe- incluindo estudantes de graduação, jovens delinquentes,
tivada, pelo menos, num grau mínimo. esquizofrênicos hospitalizados... pacientes neuróticos bran-
dos ou severos e uma variedade mista de pacientes hospitali-
Nenhuma outra condição é necessária. Se estas seis condições zados. Mais do que isso, a evidência sugere que estes resulta-
existirem e persistirem por um período de tempo, isto é suficiente. O dos se mantêm numa variedade de contextos terapêuticos tan-
processo de mudança construtiva da personalidade ocorrerá " to na terapia individual quanto na de grupo e no aconse-
lhamento".92
Quando o cliente se sente aceito incondicionalmente e com-
preendido empaticamente por um terapeuta congruente, então a mu- Em 1986, Orlinsky e Howard também realizaram uma ampla revisão
dança terapêutica ocorre. Nada mais é necessário. O terapeuta não das pesquisas sobre as atitudes facilitadoras e concluíram que 50 a
necessita utilizar técnicas, não necessita fazer um diagnóstico ou 80% dos estudos nesta área tiveram resultados significativamente
adquirir um conhecimento intelectual específico. Segundo Rogers, positivos, indicando que estas dimensões estão relacionadas de ma-
estas seis condições são suficientes para a promoção da mudança
neira muito consistente ao resultado positivo da terapia93.
terapêutica.
Entretanto, alguns autores, entre o final dos anos 70 e o início
dos anos 80, questionaram a validade destas pesquisas, concluindo
que as condições postuladas por Rogers não são suficientes para a
promoção da mudança terapêutica94. Stubbs e Bozarth95, contudo, ao
13.5. As pesquisas sobre as atitudes facilitadoras
revisarem estas pesquisas, não encontraram um só estudo que apoi-
asse diretamente a afirmação de que as condições postuladas por
As pesquisas sobre as condições necessárias e suficientes Rogers são insuficientes em si mesmas.
hipotetizadas por Rogers são volumosas e constituem um corpo de A visão de que as atitudes facilitadoras não são suficientes se
pesquisa que está entre os maiores no campo da psicologia90. Nas origina em outros marcos de referência (comportamental ou psicanalí-
décadas de 60 e 70, a maior linha de pesquisa sobre eficácia em psico- tico) que não se baseiam na pressuposição da tendência atualizante.
terapia se constituiu das investigações que procuravam relacionar as O modelo operacional nestas abordagens predispõe o terapeuta a agir
atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão
empática e congruência com a mudança terapêutica da personalida-
92. Truax & Mitchell, 1971, p. 310.
de91. Os resultados destas pesquisas apoiaram consistentemente as
93. Orlinsky &Howard, 1986.

90. Patterson, 1984. 94. Patterson, 1984; Bozarth et ai., 1999.

91. Patterson, 1984; Stubbs & Bozarth, 1994 95. Stubbs & Bozarth, 1994.

88 89
ou intervir para influenciar o cliente, pois, neste modelo, a responsa- Entretanto, surgiram muitos conflitos, de caráter pessoal, en-
bilidade do terapeuta é "colocar o cliente na direção apropriada". A tre a equipe de pesquisadores o que acabou comprometendo seria-
postura revolucionária de Rogers, que identifica o cliente como o mente o desenvolvimento da pesquisa. Ademais, segundo Bozarth98,
melhor expert sobre sua vida não é compreendida ou assimilada por muitos dos terapeutas envolvidos no projeto não estavam identifica-
estes pesquisadores96. Devido a esta falha na compreensão da posi- dos com a abordagem centrada no cliente e não demonstravam con-
ção de Rogers, e ao não reconhecimento da premissa da tendência fiança na tendência atualizante dos "pacientes". Os resultados da
atualizante, estes autores se referem às atitudes facilitadoras como pesquisa, publicados em 1967 no livro "The Therapeutic Relationship
sendo apenas as condições preparatórias para as 'intervenções' do andlts Impact: a study of psychotherapy with schizophrenics", mes-
terapeuta97. Na perspectiva da terapia centrada no cliente, ao contrá- mo tendo ficado muito aquém do esperado, ainda assim relacionaram
rio, as atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão a presença das atitudes facilitadoras com a mudança terapêutica.
empática e congruência são suficientes para a mudança terapêutica
porque elas promovem a liberação da tendência atualizante do cliente. Gendlin99, a partir de sua experiência com estes clientes silen-
ciosos e passivos, propôs o conceito de "experienciação" (experien-
cing) para descrever o fluxo de significados sentidos, interiores e
pré-verbais da experiência. Rogers incorporou este conceito de expe-
rienciação às suas investigações teóricas, o que lhe permitiu abando-
13.6. O conceito de experienciação nar o modelo positivista que até então utilizava, que enfatizava os
"conteúdos da experiência", por um referencial fenomenológico-exis-
tencial que enfatizava o experienciar enquanto um processo.
Em 1957, Rogers foi convidado a trabalhar na Universidade
de Wisconsin, num grande projeto de pesquisa sobre a aplicação da Contudo, enquanto Rogers concebia a "experienciação" como
terapia centrada no cliente a indivíduos considerados "esquizofrê- um resultado ou consequência do processo terapêutico, Gendlin pas-
nicos" e hospitalizados há longo tempo. Est.' pesquisa envolveu um sou a ver a "experienciação" como a causa da mudança terapêutica.
trabalho interdisciplinar entre os departamentos de psicologia e psi- Assim, ele desenvolveu um método para orientar a atenção do clien-
quiatria da universidade e teve como colaboradores Gendlin, Truax te na direção do seu processo de experienciação, denominado focali-
e Kiesler. zação (focusing), composto de "passos" propostos pelo terapeuta ao
longo da sessão. Este método deu origem, então, à chamada Terapia
Ao longo dessa pesquisa, Rogers pôde confirmar que a vivência
Experiencial. Apesar de ter as suas origens na terapia centrada no
das atitudes facilitadoras não se restrige à interação verbal entre
cliente, a terapia experiencial, contudo, se constitui como um para-
terapeuta e cliente mas se dá muito mais em nível de uma experiên-
digma completamente distinto e até mesmo "dissonante"100 do para-
cia organísmica, visceral, pré-verbal. Os sujeitos da pesquisa eram
digma centrado no cliente.
indivíduos apáticos, desmotivados, silenciosos, que dificilmente to-
mavam alguma iniciativa de expressão verbal. Rogers e seus colegas Na terapia experiencial, o terapeuta tem a intenção de guiar o
de pesquisa tiveram, então, que enfatizar a comunicação do calor cliente em direção ao seu processo de experienciação. O terapeuta é
não-possessivo e da aceitação incondicional ao invés de se restringi- um expert em processo e a sua escuta empática é uma escuta seletiva
rem à comunicação de "reflexos de sentimentos". em relação ao "significado sentido" (felt sense) do cliente. A confi-
ança do terapeuta experiencial é uma confiança no processo de expe-

96. Bozarth, 1998. 98. Bozarth, 1998.

97. Lazarus, 1993; Norcross, 1992; Quinn, 1993. 99. Gendlin, 1974.
100. Prouty, 1999.

90 91
\
rienciação do cliente e não uma confiança na pessoa total do cliente. dos relacionamentos interpessoais", a "Teoria da personalidade", a
Na terapia centrada no cliente, ao contrário, o terapeuta "entrega" ao "Teoria da pessoa em funcionamento pleno" e as "Implicações
cliente a direção do processo terapêutico, pois o cliente é que é con- teóricas para diversas atividades humanas" que incluíam a vida
siderado o expert na relação. Ademais, o terapeuta procura compre- familiar, a educação e aprendizagem, a liderança de grupos e conflitos
ender empaticamente a pessoa total do cliente e não apenas o seu grupais.
"processo experiencial". Estas são basicamente as principais dife-
Rogers, dessa forma, acreditava que suas ideias seriam úteis a
renças entre a terapia experiencial e a terapia centrada no cliente,
outros campos do conhecimento e aplicáveis a outras áreas profissi-
apontadas por Prouty101, Brodley102 e Bozarth103.
onais além da psicoterapia. Entretanto, os seus artigos só eram aces-
síveis ao público muito especializado das revistas científicas de psi-
cologia. Assim, em 1961, com o objetivo de divulgar suas ideias
para um público mais amplo, Rogers publicou "Tornar-se Pessoa"
14. A abordagem centrada na pessoa (On Becoming a Person). No prefácio do livro, ele afirma: "...embo-
ra o público para o qual esse livro poderá ter significado provenha
de diferentes disciplinas e tenha interesses muito diversos, o fio co-
Rogers percebera que a teoria da terapia centrada no cliente mum pode ser sua preocupação a respeito da pessoa e do seu tornar-
tinha implicações em todas as atividades humanas que envolvessem se, num mundo moderno que parece procurar ignorá-la ou diminuí-
relacionamentos interpessoais. No livro Terapia Centrada no Clien- la ". Este livro acabou sendo um verdadeiro best-seller: vendeu milhões
te, já havia capítulos a respeito das "aplicações" da terapia centrada de cópias e tornou o trabalho de Rogers conhecido no mundo todo.
no cliente a outros contextos, escritos por alguns de seus colaborado-
res do Counseling Center de Chicago: ludoterapia (aplicação da
terapia centrada no cliente a terapia de crianças), escrito por Elaine
Dorfman; psicoterapia centrada no grupo, por Nicholas Hobbs; li-
derança e administração centradas no grupo, por Thomas Gordon e 14.1. Grupos de Encontro
ensino centrado no aluno, este escrito pelo próprio Rogers.
Em 1959, Rogers sistematizou esta perspectiva num artigo Em 1964, Rogers, então com 61 anos de idade, decidiu se apo-
escrito a convite da Associação Americana de Psicologia para um sentar da vida académica e trabalhar no "Western Behavioral Sciences
conjunto de publicações sobre teorias da percepção, aprendizagem e Institute" (WBSI), um centro de pesquisa de orientação humanista,
personalidade. Nesse artigo104, que é a exposição mais completa, pre- localizado na Califórnia. Com o apoio do WBSI, Rogers desenvol-
cisa e rigorosa da teoria da terapia, da personalidade e das relações veu uma nova abordagem no trabalho com grupos, os chamados
humanas na perspectiva da abordagem centrada no cliente, Rogers "Grupos de Encontro". Os Grupos de Encontro eram grupos peque-
representou a estrutura de sua teoria através de um diagrama, no qual nos (de oito a doze pessoas), relativamente não-estruturados, que
a "Teoria da terapia" foi colocada no centro, com quatro grupos de duravam de vinte a sessenta horas de sessões intensivas, e se desen-
teorias circundando a teoria central e se originando dela: a "Teoria volviam de acordo com os princípios centrados no cliente. No livro
"Grupos de Encontro " (On Encounter Groups), publicado em 1967,
101. Prouty, 1999. Rogers descreveu algumas características destes grupos e a sua ex-
102. Brodley, 1990. periência pessoal como facilitador.
103. Bozarth, 1998.
Os objetivos do Grupo de Encontro são "o crescimento pesso-
104. Rogers, CR. (1959) A theory of therapy, personality, and interpersonal relationship as developed in the
client-centered framework. Em S. Koch (Ed) Psychology: a study of science, vol. 3: Formulation of the al e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação e rela-
person and the social context. New York: McGraw Hill. pp. 184-256

92 93
ções interpessoais, através de um processo experiencial"°[05. As mes- Os Grupos de Encontro disseminaram-se rapidamente por todo os
mas atitudes facilitadoras da terapia centrada no cliente são vi venda- Estados Unidos durante as décadas de 60 e 70, inserindo-se no movi-
das pelo facilitador no contexto grupai: uma aceitação incondicional mento da contracultura americana e no movimento do Potencial
do grupo e dos indivíduos que o compõem, uma compreensão empá- Humano da psicologia humanista.
tica de cada membro do grupo e uma atuação congruente com os
seus sentimentos e percepções. Cria-se, dessa forma, um clima psi-
cológico de segurança e aceitação que possibilita a liberdade de ex-
pressão e a redução das defesas: 14.2. O ensino centrado no aluno

"Desenvolve-se a partir desta liberdade mútua de expressar


os sentimentos reais, positivos e negativos, um clima de confi- Em 1970, Rogers publicou "Liberdade para Aprender"
ança mútua. Cada membro caminha para uma maior aceita- (Freedom to Learn) onde sistematizou suas experiências no campo
ção do seu ser global, emotivo, intelectual e físico - tal como do ensino e aprendizagem e propôs um ensino centrado no aluno.
ele é, incluindo as suas potencialidades. "m(p.l7) Rogers se inseriu, assim, na promoção de uma educação inovadora,
humanística e vivencial, que subvertia a relação de poder da educa-
Com maior liberdade e menos rigidez defensiva, aumenta a comuni- ção tradicional. No ensino centrado no aluno, o professor confia na
cação entre os participantes. Eles conseguem se ouvir uns aos outros capacidade do aluno para pensar e aprender por si mesmo e, por este
e surgem, então, movimentos de feedback, de maneira que cada pes- motivo, compartilha com ele a responsabilidade pelo processo de
soa aprende como é vista pelos outros e que efeito tem nas relações aprendizagem. O professor se torna, então, um facilitador da apren-
interpessoais: dizagem, na qual a avaliação e a disciplina externas são substituídas
pela auto-avaliação e auto-disciplina.

"Os participantes sentem uma aproximação e intimidade que


nunca sentiram, nem mesmo com os respectivos cônjuges ou "Neste clima de promoção do crescimento, a aprendizagem
membros da família, porque se revelaram aqui de um modo tende a ser mais profunda, processar-se mais rapidamente e
muito mais fundo e completo do que com as pessoas do seu ser mais penetrante na vida e no comportamento dos alunos
círculo familiar. Assim, num grupo destes, o indivíduo acaba do que a aprendizagem realizada na sala de aula tradicional.
por se conhecer a si próprio e a cada um dos outros mais Isso se dá porque a direção é auto-escolhida, a aprendizagem
completamente do que o que lhe é possível nas relações habi- é auto-iniciada e as pessoas estão empenhadas no processo
tuais ou dè trabalho. Toma conhecimento profundo dos outros de uma forma global, com sentimentos e paixões tanto quanto
membros e do seu eu interior, o eu que, de outro modo, tende a com o intelecto"'08 (p. 97).
esconder-se por detrás da fachada. A partir daqui, relaciona-
se melhor com outros, não só no grupo mas também mais tar-
de, nas diferentes situações da vida de todos os dias. ""'7

105. Rogers, 1994, p. 14


106. Rogers, 1994, p. 17
107. Rogers, 1994, p. 19 108. Rogers, 1983, p.97

94 95
14.3. Workshops de comunidade mos então encontrado uma verdade com muitas, muitas impli-
cações... Em um grupo, no qual o controle é compartilhado
por todos, em que, por meio de um clima prévio facilitador
Para explorar experiências com os processos de crescimento (nos pequenos grupos), cada pessoa adquire poder, torna-se
grupais, Rogers e um grupo de colaboradores fundaram, em 1968, o viável um novo tipo de comunidade, um tipo defluxo orgâni-
Centerfor Studies of the Person (CSP), em La Jolla, Califórnia. Uma co, com indivíduos vivendo juntos em um estilo ecologicamente
das atividades desenvolvidas pelo CSP era a formação de facilitadores relacionado. Neste grupo, cada um manda e ninguém manda.
de grupos de encontro, realizada em workshops de duas semanas O locus de escolha reside em cada pessoa, e intuitivamente, a
com grupos de 200 a 300 pessoas, no chamado La Jolla Program. escolha da comunidade torna-se um consenso, levando em
Estes workshops eram estruturados de maneira a permitir que todos consideração cada uma dessas escolhas individuais. Poder,
os participantes se encontrassem juntos, a cada manhã, por três ho- liderança e controle fluem facilmente de uma pessoa para
ras. Havia grupos de encontro à tarde e as outras atividades eram outra, à medida que surgem diferentes necessidades."""
programadas pelos próprios participantes no transcorrer da primeira
semana. Um dos resultados mais importante destes workshops foi a De 1974 a 1979, o Centerfor the Studies of the Person promoveu
descoberta de que nas reuniões de toda a comunidade as pessoas sete workshops atraindo pessoas de diversos países da Europa, Ásia
eram capazes de se comunicar e de compartilhar de maneira íntima, e América Latina. Estas experiências foram tão bem-sucedidas que,
apesar do grande número de participantes. em poucos anos, workshops de comunidade inspirados no modelo de
La Jolla passaram a ser realizados também em muitos outros países.
Inspirado nessas experiências, Rogers e alguns colegas do
Atualmente, estes workshops são promovidos em todos os continentes,
Centerfor the Studies of the Person promoveram, a partir de 1973,
com o número de participantes variando de trinta a trezentos,
workshops nos quais as reuniões do grande grupo passaram a ser o
reunindo-se de dois dias a duas semanas. A reunião do grande grupo
centro das atividades e não mais um elemento periférico. Nestas reu-
de todos os participantes (community meeting), que no Brasil é cha-
niões da comunidade, os participantes decíuiam o formato e a pro-
mada de "grupão", é considerada a principal atividade dos workshops
gramação das atividades do workshop. Os organizadores (convenors),
de comunidade. Jerold Bozarth relata que nestas reuniões "ocorrem
dessa forma, não se colocavam à parte do grupo, mas juntavam-se a
períodos de silêncio, raiva, tentativas de organização, criticismo em
este como simples participantes109. Nesta época, mais precisamente
relação aos organizadores e expressão de várias emoções como tam-
em 1977, Rogers escreveu o livro "Sobre O Poder Pessoal" (On
bém, às vezes, longos diálogos entre os participantes... Encontros
Personal Power), no qual ele analisa as profundas implicações de
pessoais entre os indivíduos e lutas de poder entre grupos ou facções
natureza social e política destes workshops:
ocorrem com frequência.''"' Os grupões se reúnem pelo menos uma
vez ao dia e o desenvolvimento das atividades formais do workshop
"Observo, com medo, as dores do parto de algo novo no mun- (apresentações individuais de trabalhos teóricos, painéis, pequenos
do... Se conseguirmos encontrar uma verdade, mesmo parci- grupos de encontro, vivências, atividades recreativas) normalmente
al, sobre o processo pelo qual 136 pessoas podem viver em emergem a partir destas reuniões.
conjunto sem se destruírem umas às outras, podem viver jun-
tas com um interesse voltado para o desenvolvimento comple- Nestes workshops, existe a possibilidade do grupo como um
to de cada pessoa, podem viver juntas na riqueza da diversi- todo desenvolver um sentido de comunidade." 2 Para muitos partici-
dade, ao invés de viverem na esterilidade da submissão, tere-
110. Rogers, 1986, pp. 168-169
111. Bozarth, 1998, p. 152
109. Wood, 1984.
112. Raskin, 1996; Wood, 1994; Wood, 1999.

96 97
pantes, este senso de unidade ou comunhão com outros membros do 14.4. Relação entre a Terapia Centrada no Cliente
grupo é um dos resultados mais gratificantes dos workshops. Segun- e a Abordagem Centrada na Pessoa
do Coulson"3, este sentimento de comunhão pode se expandir para
além do grupo e abranger uma sensação de conexão com toda a hu-
manidade, com a natureza e até mesmo com todo o universo: A aplicação do termo "Abordagem centrada na pessoa", con-
tudo, acabou gerando muitas controvérsias. John Wood"6 cita diver-
sos significados confusos, contraditórios e inconsistentes que a ex-
"Parece que esta experiência no workshop pode iluminar mais
pressão "Abordagem Centrada na Pessoa" foi adquirindo ao longo
claramente a identidade do indivíduo e ao mesmo tempo pode
dos anos, como, por exemplo: uma escola de pensamento, um mode-
incorporá-la numa nova totalidade que, de alguma maneira,
lo de treinamento para relações humanas, uma família de pratican-
é maior que o seu próprio eu ". "*
tes, uma tradição, uma filosofia, um conjunto de valores, um meio de
comunicação, um conjunto de atitudes ou um tema a ser combinado
Inspirado nessas experiências, Rogers e uma equipe de colaborado-
com outras filosofias e técnicas. Por este motivo, segundo Wood, na
res (formada por Charles Devonshire, Ruth Sanford, Alberto Zucconi
discussão atual sobre o que é a Abordagem Centrada na Pessoa,
entre outros), desenvolveram workshops para a comunicação trans-
chegou-se a uma situação na qual ela se tornou "tudo e nada" ao
cultural entre nações e para a resolução de conflitos inter-grupais e
mesmo tempo.
raciais nos Estados Unidos e Europa. Foram estas experiências com
grandes grupos que, em 1977, levaram Rogers a utilizar pela primei- Da mesma forma, a relação entre a Abordagem Centrada na
ra vez a expressão "Abordagem Centrada na Pessoa" (no livro "So- Pessoa e a Terapia Centrada no Cliente também tem gerado contro-
bre o Poder Pessoal"): vérsias. Segundo Wood, alguns veteranos da Abordagem Centrada
na Pessoa "rejeitam a terapia centrada no cliente como indolente,
"Esta perspectiva desenvolveu-se primeiro no aconselhamento ineficaz ou apenas irrelevante. Um experimentado praticante da
e na psicoterapia, em que foi conhecida como centrada no Abordagem Centrada na Pessoa, por exemplo, descarta com arro-
cliente, significando que uma pessoa que procurou ajuda não gância a terapia centrada no cliente e se gaba de não ter se importa-
era tratada como um paciente dependente, mas como um cli- do em ler nenhum livro de Cari Rogers."111 Por outro lado, também
ente responsável. Aplicada à educação, foi denominada ensi- há os "fundamentalistas" que consideram a terapia centrada no cli-
no centrado no aluno. Na medida em que essa abordagem pro- ente como a única representante da Abordagem Centrada na Pessoa
grediu em direção a uma ampla variedade de campos, longe e descartam todas as outras atividades profissionais em que Rogers
de seu ponto de origem - grupos intensivos, casamento, rela- se engajou como sendo apenas heresias.
cionamentos familiares, administração, grupos minoritários, Mas, de uma maneira geral, a Abordagem Centrada na Pessoa
relacionamentos inter-raciais, interculturais e mesmo inter- tem sido considerada como uma extensão ou uma aplicação das ati-
nacionais — parece melhor adotar-se um termo o mais amplo tudes facilitadoras da terapia centrada no cliente a outros campos de
possível: centrado na pessoa. ""5 atividade. Entretanto, esta concepção não é adequada. Nos workshops
de comunidade, por exemplo, devido ao grande número de partici-
pantes no grupo, a atitude de "compreensão empática" não pode ser

113. Coulson, 1999


114. Coulson, 1999, p. 169. 116. Wood, 1995.
115. Rogers, 1986, pp. 149-150. 117. Wood, 1995, p.272.

98 99
"A abordagem centrada na pessoa é, então, primordialmente,
vivenciada da mesma maneira que numa psicoterapia individual ou
uma maneira de ser que encontra sua expressão em atitudes e
num pequeno grupo de encontro"8. Também nos grandes grupos, o
comportamentos que criam um clima promotor de crescimen-
papel de facilitador não pode ser designado a priori para um indiví-
duo como é feito na terapia individual, pois "nós nunca sabemos to"'23
quem vai dizer ou fazer alguma coisa que será facilitador para mais Para Wood124, este "jeito de ser" que constitui a Abordagem Centrada
alguém"n9. MacMillan & Lago120 consideram que conceber o gran- na Pessoa possui as seguintes características: uma perspectiva de vida
de grupo como apenas um teatro para a atuação das três atitudes positiva, uma crença numa tendência direcional formativa, uma
facilitadoras não permite capturar a sua inerente complexidade. intenção de ser eficaz, um respeito pelo indivíduo e pela sua autono-
Portner'21, por outro lado, considera que a identidade e os fundamen- mia e dignidade, uma flexibilidade de pensamento e ação, uma tole-
tos da terapia centrada no cliente tem sido distorcidos pela influên-
rância quanto às incertezas ou ambiguidades, senso de humor, hu-
cia das aplicações da Abordagem Centrada na Pessoa.
mildade e curiosidade. Bozarth125 considera que o princípio funda-
Nesse sentido, para esclarecer a relação entre a terapia centrada mental da Abordagem Centrada na Pessoa, que é verdadeiro tanto na
no cliente e a Abordagem Centrada na Pessoa, Wood'22 sugere que a terapia individual quanto nos grupos de encontro, organizações, gru-
imagem tradicional da Abordagem Centrada na Pessoa como a fo- pos de comunidade ou qualquer outra atividade humana, é a dedica-
lhagem colorida e superficial de uma árvore cujas raízes são a tera- ção dos facilitadores ao processo natural de crescimento dos indiví-
pia centrada no cliente (por causa da origem cronológica do termo), duos e do universo.
deveria ser invertida e a Abordagem Centrada na Pessoa deveria ser Freire126 sugere uma definição para a Abordagem Centrada na
concebida como a raiz da árvore, cujo principal galho seria a terapia Pessoa suficientemente ampla para abranger todas as nuanças e suti-
centrada no cliente. Wood considera que a Abordagem Centrada na lezas de suas expressões e ao mesmo tempo suficientemente precisa
Pessoa, enquanto uma abordagem, esteve sempre presente na forma para superar as ambiguidades e confusões atualmente existentes:
como Rogers se relacionava com seus clientes, no setting terapêutico.
Para Wood, a Abordagem Centrada na Pessoa não é uma teoria, uma
psicologia, uma filosofia ou um movimento, mas é simplesmente um "Tendo como fundamento a confiança na tendência direcional
"jeito de ser", ao contrário da terapia centrada no cliente, que tem formativa, isto é, a confiança na capacidade de todo organismo
uma teoria específica e coerente, um método e um corpo substancial para se desenvolver, crescer e realizar construtivamente todas
de pesquisa. suas potencialidades, a Abordagem Centrada na Pessoa se cons-
titui como um jeito de estar, ou uma forma de estar-em-relação
Rogers, em 1987, também definiu a Abordagem Centrada na com o outro e de estar-no-mundo caracterizada por duas atitu-
Pessoa como uma "maneira de ser": des básicas: uma atitude de "deixar ser", isto é, de ausência de
controle, de entrega ao fluxo do organismo, ao fluxo da vida e
do universo; e uma atitude de "estar presente", que consiste
numa abertura ao outro, numa atitude de estar junto na busca
de uma unidade e comunhão com o outro ".
118. Numa pesquisa qualitativa realizada por Stubbs (1992) com participantes de workshops de comunidade
centrados na pessoa, não houve nenhuma referência à experiência de ser compreendido empaticamente
por outros membros do grupo
119. Comunicação pessoal de Coulson citada em MacMillan & Lago, 1996, pp.604-605. 123. Rogers, 1987, p. 71
120. MacMillan & Lago, 1999. 124. Wood, 1995.
121. Portner, 1994. 125. Bozarth, 1998.
122. Wood, 1999. 126. Freire, 1998.

101
100
»
Nos últimos anos de sua vida, Rogers dedicou-se inteiramente à pro-
14.5. Um jeito de ser moção da paz através da realização de workshops para a resolução
de conflitos inter-grupais e para diminuição da tensão internacional
Em 1980, Rogers publicou seu último livro, "Um Jeito de Ser" entre nações. Em 1984, ele promoveu, na Áustria, um workshop com
(A Way ofBeing), no qual faz referências às dimensões espirituais da líderes e altos funcionários do governo de países em conflito da
Abordagem Centrada na Pessoa. Rogers cita pesquisas sobre "esta- América Central. Em 1985, participou de um workshop na Irlanda
dos alterados de consciência" em que o indivíduo vivência o fluxo do Norte e em 1986 participou de workshops na África do Sul e
da evolução como um movimento que o aproxima de uma experiên- União Soviética. Rogers foi reconhecido por todo este esforço rece-
cia transcendente de unidade com o cosmo: "É como se o eu se dis- bendo uma indicação para o Prémio Nobel da Paz. Infelizmente,
solvesse numa região de valores superiores, especialmente de bele- quando ele recebeu essa nomeação, já estava em coma, um pouco
za, harmonia e amor. A pessoa sente-se como se ela e o cosmo fos- antes de sua morte, em fevereiro de 1987.
sem um só"™. Rogers descreve, então, a sua própria vivência de um
estado alterado de consciência que ocorre no seus melhores momen-
tos como terapeuta ou facilitador de grupos:
14.6. O desenvolvimento de uma comunidade
"Quando estou em minha melhor forma, como facilitador de centrada-na-pessoa
grupo ou como terapeuta, descubro uma nova característica.
Percebo que quando estou o mais próximo possível de meu eu
Em 1982, realizou-se o I Fórum Internacional da Abordagem
interior, intuitivo, quando estou de algum modo em contato
Centrada na Pessoa, em Oaxtepc, México. Segundo Fonseca129, a pro-
com o que há de desconhecido em mim, quando estou, talvez,
posta inicial deste Fórum, baseada no modelo comunitário dos
num estado de consciência ligeiramente alterado, então tudo
o que faço parece ter propriedades curativas. Nestas ocasi- workshops centrados na pessoa, era a de ser "HBI encontro de troca
ões, a minha presença, simplesmente, libera e ajuda os ou- de experiências e de informações centrado na atualidade vivida das
tros. Não há nada que eu possa fazer para provocar deliberada- pessoas participantes. Sem burocratização e sem institucionalização
mente essa experiência, mas quando sou capaz de relaxar e artificiais, com o máximo de espaço para o encontro e troca inter-
de ficar próximo do meu âmago transcendental, comporto-me pessoal, inter subgrupal e inter grupai, para a originalidade e para
de um modo estranho e impulsivo na relação, que não posso a criatividade." Desde então, realizaram-se mais seis Fóruns inter-
justificar racionalmente e que não tem nada a ver com meus nacionais, em diversos países: Inglaterra, Estados Unidos, Brasil,
processos de pensamento. Mas esses estranhos comportamen- Alemanha, Grécia e África do Sul. O próximo Fórum Internacional
tos acabam sendo correios, por caminhos bizarros: parece que será no Japão, em 2001.
meu espírito alcançou e tocou o espírito do outro. Nossa rela- Com esta mesma proposta, vêm sendo realizados, desde 1983,
ção transcende a si mesma e se torna parte de algo maior. Encontros Latinos bi-anuais da Abordagem Centrada na Pessoa. O
Então, ocorrem uma capacidade de cura, uma energia e um próximo Encontro Latino será realizado na Argentina, no ano 2000.
crescimento profundos. "m Segundo Fonseca130, os Encontros Latinos desenvolveram caracte-
rísticas singulares, originais e inesperadas:

127. Rogers, 1983, p.47 129. Fonseca, 1999


128. Rogers, 1983, p.47 130. Fonseca, 1999.

103
102
"Valoriza-se a atualidade do encontro efetivo das participan- pesquisa científica nas áreas da terapia centrada no cliente e da tera-
tes, que são a instância de decisão sobre a programação do pia experiencial.
encontro... A parte mais vivencial do Encontro é o espaço con-
Com o objetivo de promover o intercâmbio pessoal e profissi-
tinente para as relações mais imediatas entre os participan-
onal entre a comunidade de indivíduos interessados na Abordagem
tes, para as trocas de experiências pessoais e profissionais,
Centrada na Pessoa, foram criadas duas redes de comunicação por
vivenciais e teóricas, grupais, sub-grupais e interpessoais...
e-mail na Internet da qual participam centenas de pessoas do mundo
Além da troca e do desenvolvimento teórico e filosófico dos
todo. A rede gerida pelo norte-americano Marco Temaner engloba
participantes e das comunidade da ACP de que eles partici-
participantes dos EUA, Canadá, Europa, Rússia, América Latina,
pam, o Encontro serve como um rico espaço de vivência e de
Japão, África do Sul e Austrália. A outra rede, gerida por Alberto
regeneração pessoal e coletiva. Uma de suas principais fun-
Segrera, da Universidade Ibero-Americana do México inclui partici-
ções está ligada ao consumo compartilhado, puro e simples, e
pantes de diversos países da América Latina, Portugal e Espanha.
uma oportunidade existencial de vivência grupai, sem a míni-
ma preocupação produtivista. Além disso, o Encontro tem sido Segundo Nat Raskin132, como resultado desta ampla variedade
uma importante instância de socialização de principiantes in- de interações e atividades desenvolve-se uma comunidade internaci-
teressados em desenvolverem-se na cultura da Abordagem " onal centrada-na-pessoa com relacionamentos que crescem em am-
plitude e profundidade, profissionalmente e pessoalmente.
Além dos Fóruns Internacionais e Encontros Latinos, existem diver-
sos outros eventos que se realizam regularmente e que promovem
um sentido de comunidade entre os indivíduos que partilham inte-
resses comuns pela Abordagem Centrada na Pessoa, como, por exem- 14.7. Publicações atuais
plo, os encontros anuais da ADPCA (Association for the Develop-
ment of the Person-Centered Approach), qu° se iniciaram em 1986,
os workshops também anuais de Warm Springs, organizados por Jerold A Associação para o Desenvolvimento da Abordagem Centrada
Bozarth nos EUA, os Fóruns Brasileiros, os Encontros Argentinos, na Pessoa (Association for the Development of the Person-Centered
os Encontros regionais no Brasil (Encontro Nordestino131, Regional Approach - ADPCA) edita o Person-Centered Journal, uma revista
Sudeste, ENORTE e ACPampa) e um grande número de workshops semestral que publica, basicamente, artigos de caráter científico re-
de programas de formação na Abordagem Centrada na Pessoa que lacionados à Abordagem Centrada na Pessoa. Nos mesmos moldes é
são realizados em toda a Europa. publicado também o Person-Centred Practice pela Associação Bri-
Em 1988, Germain Lietaer fundou a Conferência Internacio- tânica da Abordagem Centrada na Pessoa (British Association of the
nal em Psicoterapia Centrada-no-cliente e Experiencial (International Person-Centered Approach - BAPCA).
Conference on Client-Centered and Experiential Psychotherapy - Dentre os livros publicados nos últimos três anos relaciona-
ICCCEP), em Leuven, Bélgica. Desde então, já foram realizadas mais dos tanto à terapia centrada no cliente, especificamente, quanto à
três ICCCEP: na Escócia em 1991, na Áustria em 1994, em Portugal abordagem centrada na pessoa, de uma maneira geral, citaríamos:
em 1997 e a próxima conferência se realizará em Chicago no ano
2000. Estas conferências possuem um formato académico tradicio- ° Client-Centered and Experiential Psychotherapy: A paradigm
nal, pois objetivam primeiramente o desenvolvimento da teoria e da in motion (1996) — Este livro, editado por Hutterer,
Pawlowsky, Schmid e Stipsits é uma coletânea de diversos
131. Até o ano de 1999, já haviam sido realizados nove Encontros Nordestinos. Éo pioneiro dos encontros
regionais da ACP no Brasil.
132. Raskin, 1996.

104 105
trabalhos apresentados na III Conferência Internacional em centered theory and the Rogerian hypothesis" de Jerold
Psicoterapia Centrada-no-Cliente e Experiencial realizada Bozarth. Shlien conta a história do surgimento do conceito
na Áustria, em 1994. de "compreensão empática" na teoria da terapia centrada
no cliente, como alguém que participou diretamente de dis-
° Person-Centred Psychotherapy: Twenty Historical Steps
cussões com Rogers sobre o tema na Universidade de Chi-
(1996) — Este artigo, escrito por Nat Raskin, é o primeiro
cago, na época em que o conceito foi acrescentado à teoria.
capítulo do livro "Developments in Psychotherapy:
Shlien e Bozarth também apontam as diferenças entre o
Historical Perspectives", editado por Windy Dryden.
conceito de empatia na terapia centrada no cliente e nas
Raskin, que foi amigo e colaborador de Rogers ao longo de
outras abordagens.
quarenta e sete anos e que assistiu o desenvolvimento da
terapia centrada no cliente desde os seus primórdios, como Prá-Therapie (1998) — Este livro apresenta a Pré-Terapia,
aluno de Rogers na Universidade de Chicago, apresenta a uma aplicação da abordagem centrada na pessoa no trata-
sua concepção do desenvolvimento histórico da psicoterapia mento de indivíduos diagnosticados como "esquizofrê-
centrada na pessoa em vinte "passos". nicos" ou "psicóticos", desenvolvida por Garry Prouty. O
livro é escrito pelo próprio Prouty com a colaboração de
° The Psychotherapy of Cari Rogers: cases and commentary Dion Van Werde e Marlis Põrtner. Van Werde é psiquiatra
(1996) - Este livro, editado por Barry Farber, Débora Brink e e descreve em detalhes a aplicação da Pré-Terapia no con-
Patrícia Raskin, apresenta comentários de dezessete conceitu- texto de uma instituição psiquiátrica da Bélgica. O relato
ados psicoterapeutas a respeito de dez sessões terapêuticas de Van Werde é apaixonante, mostrando como a utilização
realizadas por Cari Rogers e registradas em áudio ou vídeo. das atitudes básicas da Pré-Terapia pelos enfermeiros e
° Successful Psycotherapy: acaring, loving relationship (1997) atendentes, no dia-a-dia da clínica, ajuda os pacientes a
— Livro de Cecil Patterson e Suzanne Hidore, apresenta os saírem de surtos ou a retomarem o contato com a realidade
princípios da terapia centrada no cliente como elementos sem a utilização de medicação ou contenção física.
presentes em qualquer abordagem psicoterapêutica bem-
"Person-CenteredTherapy: a revolutionary paradigm" (1998)
sucedida. Os autores inserem-se na chamada tendência
integrativa em psicoterapia, buscando os elementos co- — Este livro reúne vinte artigos revisados de Jerold Bozarth
muns às diversas abordagens. Os princípios da terapia e alguns textos inéditos não apenas sobre a terapia centrada
centrada no cliente são apresentados de uma forma extre- na pessoa, mas também sobre grupos de encontro,
mamente clara e didática e ilustrados com situações da prá- workshops de comunidade e questões filosóficas e sociais
tica clínica. relativas à Abordagem Centrada na Pessoa.
"Trabalhando o legado de Rogers: sobre os fundamentos feno-
° Empathy Reconsidered: new directions in psychotherapy
menológico-existenciais" (1998) — Afonso Fonseca anali-
(1997) — Este livro é uma compilação de artigos sobre
sa os aspectos fenomenológico-existenciais da Abordagem
empatia a partir de diversos referenciais teóricos, editado
Centrada na Pessoa e seus desdobramentos na era pós-Rogers.
por Bohart e Greenberg. Na perspectiva da terapia centrada
no cliente, dois capítulos são de especial interesse: "Diálogo e Psicoterapia: correlações entre Cari Rogers e
"Empathy in psychotherapy: a vital mechanism? Yes. Martin Buber" (1998) — Adriano Holanda, psicoterapeuta
Therapisfs conceit? AU too often. By itelf enough? No", e pesquisador brasileiro, apresenta uma investigação filosó-
de John Shlien e "Empathy from the framework ofClient- fica a respeito das relações entre o pensamento de Cari Rogers
e a filosofia de Martin Buber no contexto do humanismo.

107
° "Abordagem Centrada na Pessoa: vocabulário e noções "A abordagem leva muito tempo"
básicas" (1998) — Primeiro vocabulário da Abordagem "A abordagem trabalha somente com neuróticos da classe
Centrada na Pessoa, foi organizado por Sérgio Gobbi e
média"
Sinara Missel, com a colaboração de Adriano Holanda.
"A abordagem é mais importante no início da relação de
° "Cari Rogers" helping system: Journey & Substance {1998)
— Neste livro, Barret-Lennard apresenta o sistema teórico aconselhamento"
desenvolvido por Cari Rogers e suas implicações nas ques- "A relação cliente-terapeuta não pode ser de igual para igual"
tões sociais e de comunidade.
"A abordagem é limitada à cultura dos Estados Unidos"
° "Experiences in Relatedness: Groupwork and the Person-
Estas e outras asserções, eu acredito, são viéses e incompreensões
Centred Approach"(1999) — Este livro, editado por Colin
primárias que surgem a partir de outras bases de referências. Ade-
Lago e Mhairi MacMillan apresenta diversos artigos sobre as
experiências de grupo na Abordagem Centrada na Pessoa. mais, há diversas distorções fundamentais do paradigma centrado na
pessoa que são periodicamente alimentadas por indivíduos que ale-
gam serem defensores ou simpatizantes da abordagem. Este capítulo
revisa e responde a diversos destes mitos e distorções. Os mitos prin-
133 cipais são os seguintes:
15. Mitos, incompreensões e distorções "

Por Jerold D. Bozarth


Mito 1: A abordagem leva muito tempo
Jerold D. Bozarth é professor emérito da Universidade da
Geórgia, onde possui a Cátedra do departamento de Aconselhamento
e Desenvolvimento humano e é diretor do programa de Aconselha- Esta crítica aparentemente vem da lógica de que uma vez que
mento e Reabilitação e diretor do Projeto de Estudos Centrado na o terapeuta não está "fazendo" nada para apressar o cliente, a terapia
Pessoa. É consultor de programas de treinamento centrado na pes- levará mais tempo. O fato é que não existe evidência que dê apoio a
soa na República da Checoslováquia e Portugal; diretor científico este raciocínio. Um dos poucos estudos sobre o tempo de terapia
do programa de aprendizagem centrada na pessoa no Instituto de descobriu que a terapia centrada no cliente e a terapia Adleriana eram
Aprendizagem Centrado na Pessoa na Inglaterra, e faz parte do pro- igualmente efetivas (Shlien, Mosak e Drekhurs, 1962). Clínicos em
grama "Conexões Centradas na Pessoa", também na Inglaterra. consultório particular que se dedicam à abordagem centrada no cli-
Atualmente, está desenvolvendo um programa de pesquisa para tra- ente relatam uma ampla variedade de tempo gasto com seus clientes.
balhar com indivíduos que foram considerados "impossíveis " por De fato, a demonstração de Rogers com Gloria é um exemplo clássi-
outras organizações de ajuda. co de uma sessão de apenas 40 minutos que teve um impacto positi-
vo. Shlien (1998), que se encontrou com a filha de Glória, oferece
Durante anos, a terapia centrada no cliente tem suportado nu-
informações adicionais que apontam para a recuperação de Glória
merosos mitos sobre a abordagem que estão baseados em asserções
como uma pessoa que seguiu em uma direção construtiva e positiva.
infundadas. Estes mitos incluem asserções tais como:
Gloria e Rogers desenvolveram um relacionamento naquele espaço
de tempo que levou a uma periódica troca de cartas e telefonemas
133. Tradução de Marcos Vinícius Beccon.

108 109
rem o suficiente para receberem alta de um hospital de saúde mental
por vários anos. Glória mostrou considerável crescimento e progres-
público. No entanto, numa avaliação feita ao longo de mais de dois
so para lidar com os problemas em sua vida. Ela reconheceu o seu
anos, mais de oitenta por cento dos indivíduos com quem trabalhara
relacionamento com Rogers como de muita ajuda para este "ganho"
haviam recebido alta e estavam trabalhando fora do hospital quatro
de forças próprias. Como Rogers afirma: "É bom saber que apenas
anos após sua colocação. Além disso, o problemático projeto de
um encontro no qual nos encontramos como pessoa a pessoa pode
fazer diferença" (Rogers, 1984 p.425). pesquisa de Wisconsin, planejado para examinar a efetividade da
terapia centrada no cliente com "psicóticos" hospitalizados, forneceu
evidências suficientes para indicar, pelo menos, que a presença das
condições necessárias e suficientes da hipótese de Rogers teve algum
impacto positivo sobre os clientes (Rogers, Gendlin, Kiesler e Truax,
1967).
Mito 2: A Abordagem somente trabalha com
indivíduos neuróticos da classe média.

A base para esta asserção parece partir de duas inferências. A


primeira está baseada na lógica de que uma vez que Rogers e seus Mito 3: A abordagem é importante basicamente no
colegas trabalharam em um centro de aconselhamento universitário, início da relação de aconselhamento
a abordagem não funcionaria com clientes mais severamente pertur-
bados. A segunda suposição parece ser que a abordagem não lida
com a patologia dos indivíduos e é simples demais para ser eficaz Esta crítica parte da posição tomada de outras marcos de refe-
com psicóticos. Novamente, a experiência dos clínicos centrados- rências que vê as condições como o "solo" para as intervenções do
no-cliente contraria esta afirmativa. A equipe do centro de aconselha- terapeuta. Isto é citado, em parte, a partir da percepção de que as
mento da Universidade de Chicago trabalhava, em verdade, com cli- pesquisas decididamente falharam em apoiar que as condições são
entes mais perturbados. Shlien (1971) e Rogers (Kirschenbaum, 1979) necessárias e suficientes. Aparentemente, esta afirmação surgiu pri-
descrevem sessões de terapia de terapeutas do centro de aconselha- meiro nas pesquisas comportamentais, que tomaram a posição de
mento de Chicago com clientes "psicóticos". Rogers apresentou que o terapeuta comportamental necessitaria fazer mais e que, para o
exemplos de casos de clientes no projeto de Wisconsin. Truax desen- comportamental, as condições seriam necessárias, mas não suficien-
volveu uma duradoura amizade com um dos seus clientes no projeto tes (Krumboltz, 1967). Isto foi generalizado e levado adiante pelos
de Wisconsin (Truax, 1969 comunicação pessoal). Esta pessoa mudou revisores das pesquisas como sendo cientificamente provado.
de uma psicose imobilizadora de longa duração para um alto nível de
funcionamento. Há relatos de trabalhos bem sucedidos com clientes
mentalmente doentes e hospitalizados por curto ou longo prazo
(Brodley, 1988; Prouty, 1994). Eu aprendi a trabalhar na abordagem Mito 4: A relação cliente-terapeuta não
centrada na pessoa com clientes mentalmente doentes e há muito pode ser de igual para igual
tempo hospitalizados que estavam predestinados a nunca melhora-

Buber e Rogers tiveram um diálogo que se referia a este ponto


como sendo uma de suas discordâncias (Kirschenbaum e Henderson,

111
110
Mito 5: A abordagem centrada na pessoa está baseada
1989). Buber refere ao estado da terapia para Rogers: •
na cultura e filosofia norte-americanas

"...você tem necessariamente outra atitude para com a situa-


ção do que ele (o cliente) tem. Você tem condições de fazer Tem havido numerosas críticas à teoria de Rogers em relação
algo que ele não tem. Vocês não são iguais e não podem ser. a valores culturais, marcos de referência de várias raças, e até mes-
Você tem a grande tarefa, auto-imposta - uma grande tarefa mo posturas perceptuais de género (Holdstock, 1990; 0'Hara, 1997).
auto-imposta de suplementar as necessidades dele e fazer mais Frequentemente toma-se a posição de que os valores de Rogers eram
do que faria em uma situação normal... não há somente você, inicialmente valores da classe média americana, desenvolvidos den-
seu modo de pensar, seu modo de fazer, há também uma certa tro da cultura americana de valorização da independência, da auto-
situação - nós somos assim e assim - que pode às vezes ser suficiência individual e das conquistas materiais. Eu considero isto
trágica. Você não pode mudar isto... há uma realidade nos um argumento falho que deixa de considerar a essência da teoria
confrontando " (p. 50). como sendo organísmica, natural e universal. A teoria se aplica a
toda a espécie humana e na verdade a todos os organismos vivos
Rogers respondeu: (Rogers, 1980). Quando a teoria é colocada de uma maneira que é
considerada inapropriada para casos particulares, ela é sempre colo-
"...mas tem sido a minha experiência que a realidade, quando cada no formato em que os indivíduos aprenderam a "fazer" terapia
é vista do lado de fora, não tem realmente nada a ver com o centrada no cliente. Focalizar em como fazer terapia centrada na
relacionamento que produz terapia. Esta é algo imediato, igual, pessoa é um dos fatores mais inibidores na criação do ambiente li-
um encontro de duas pessoas em bases iguais, mesmo que no bertador para o indivíduo. Ademais, Rogers foi consistente quanto a
mundo do Eu-Isto, possa ser visto como um relacionamento desenvolver sua teoria a partir de sua observação de clientes da tera-
desigual." (pp. 51-52) pia que se moveram em direções positivas quando era fornecida a
oportunidade através de um atmosfera terapêutica facilitadora. Mais
A diferença de entendimento entre estas duas posições me parece ser tarde, ele manteve estas mesmas observações de indivíduos em gru-
uma diferença na visão do poder. A posição centrada na pessoa parte pos de encontro. Suas observações foram os fundamentos primários
de uma visão do poder com origem na etimologia latina, portiere, da teoria; a hipótese de crescimento emergiu destas observações. Ele
que significa essencialmente tudo o que você é capaz de ser. A posi- observou esse processo interno e natural em indivíduos no mundo
ção contrária parece focalizar na definição de poder como "posses- todo durante os anos em que esteve envolvido com workshops e gru-
são de controle, autoridade ou influência sobre os outros" (Dicioná- pos de encontro.
rio Americano Heritage, 1995). A igualdade do relacionamento está,
As distorções mais proeminentes que também parecem existir
de fato, na atitude disposta do terapeuta de confiar no cliente para ele
seguir em sua própria direção, caminho e ritmo. É a igualdade de em alguns terapeutas centrados na pessoa e em outros são as seguin-
dois indivíduos em relação. tes:
1 - O terapeuta tem uma intenção sistemática de ajudar a
mudança do cliente de uma determinada maneira;
2 - 0 terapeuta tem objetivos de ajudar o cliente a diminuir ou
erradicar problemas ou questões particulares;

113
112
3 - O terapeuta é um especialista na promoção de um 'processo' em relação à mudança particular ("de maximizar as potencialidades
particular no cliente; individuais") ao passo que também é universal em um nível mais
macro: qual seja, "o de manter e aperfeiçoar o organismo". Rogers e
4 - As condições citadas por Rogers são necessárias, mas não Sanford observam que a promoção da tendência atualizante através
são suficientes.
da incorporação das atitudes terapêuticas constitui um contínuo
Há outras distorções, mas, para mim, estas parecem ser as mais cor- "posicionamento radical... que advoga a completa confiança no cres-
rentes entre os indivíduos que se consideram alinhados com os prin- cimento e desenvolvimento individual sob determinadas condições"
cípios da abordagem centrada na pessoa, bem como daqueles que (Rogers e Sanford 1984, p.1388). A posição de Rogers quanto ao
mantêm diferentes alianças teóricas. Em uma crítica ao criticismo de locus de controle essencial para facilitar a tendência atualizante é
proeminentes autores em relação à abordagem centrada na pessoa, declarada com perspicácia (Rogers, 1977):
notei que o impulso básico de tais críticas é o seguinte (Bozarth,
1995):
"A política da abordagem centrada no cliente é uma renúncia
e uma evitação consciente do terapeuta a todo controle sobre
"Este processo é, em essência, o de dispensar a pressuposi- o cliente ou a tomadas de decisão por ele. É a facilitação da
ção fundamental da abordagem (aquela da tendência auto-apropriação pelo cliente e as estratégias através das quais
atualizante e da autoridade do cliente) como inatingível ou isto pode ser alcançado; a colocação do locus da tomada de
questionável e proceder com críticas à teoria a partir de ou- decisão e a responsabilidade pelos efeitos destas decisões. É
tros referenciais teóricos. Na posição tomada por estes auto- politicamente centrado no cliente." (p.14)
res está embutida em vários graus a pressuposição de que o
terapeuta é o especialista para o tratamento e mudança de Esta posição radical de facilitar o processo natural do cliente é o
comportamento do cliente. Portanto, o seu argumento teórico ponto crucial em relação ao qual a maioria das distorções são consi-
é um non sequiter do significado e entendimento da teoria de deradas. A abordagem centrada na pessoa é uma posição de vanguar-
Rogers (p.12)." da. As diversas distorções específicas que estão associadas com alguns
indivíduos que praticam a terapia centrada na pessoa são as seguintes:
Para recapitular a teoria ainda de outra maneira:

Quando o terapeuta pode incorporaras qualidades atitudinais


de congruência, consideração incondicional e compreensão Distorção 1: O terapeuta tem uma intenção sistemática
empática na relação terapêutica com o cliente de uma manei- de ajudar o cliente a mudar de uma
ra que o cliente possa perceber/experienciar estas qualidades determinada maneira
com o locus de controle pertencendo ao cliente, é que o pro-
cesso de atualização do cliente épromovido (Bozarth, 1997).
Esta intenção está explícita em pelo menos duas ramificações
A importância geral da definição teórica em cada distorção da abor- da abordagem centrada na pessoa. Uma destas ramificações é o trei-
dagem centrada na pessoa está no ponto crucial da teoria, de que o namento de relações humanas que se desenvolveu a partir do traba-
fornecimento das condições facilitadoras promove um processo na- lho conceituai de Rogers mas que, eu afirmo, é uma distorção de
tural no cliente, o processo de atualização. Este processo natural que suas hipóteses. Outra ramificação é a terapia experiencial que foi
existe nos seres humanos é, ao menos parcialmente, idiossincrático gerada a partir do trabalho de Rogers e é entretecida com o trabalho

114 115
de Gendlin sobre a teoria da experienciação (Gendlin^ 1974). No Distorção 3: O terapeuta é um expert na promoção de
treinamento de relações humanas, a distorção, dito simplesmente, um "processo" particular no cliente
está em que a intenção do terapeuta é a de mover (ou ajudar a mover)
o cliente, através do relacionamento, para a compreensão e daí para a
ação. Na terapia experiencial, a intenção do terapeuta é, em última Há um grupo de indivíduos que investiga o processo dos cli-
instância, a de mover os clientes a experienciar o seu sentido vivido entes em terapia num esforço de identificar respostas terapêuticas
("felt sense"). Então, a pessoa pode experienciar um determinado específicas que facilitem processos experienciais mais efetivos nos
fenómeno em si mesma (Gendlin, 1990). Em ambas ramificações, o clientes (Rice e Greenberg, 1990). Outros se dedicaram também ao
processo natural do cliente é substituído pela intenção do terapeuta. processo de terapia na visão do cliente (Barrett-Lennard, 1990). Es-
Há um sutil retorno à autoridade e conhecimento do terapeuta e a tes trabalhos aparentemente foram estimulados pela concepção de
autoridade do cliente fica comprometida. Rogers de processo, que emana dos "momentos de movimento" dos
clientes na terapia, como também do delineamento tipo "se-então"
de sua teoria (Rogers, 1951; 1959). A distorção está em que as obser-
vações de Rogers deste processo que ocorre em muitos clientes
tornam-se instruções para o terapeuta fazer um determinado proces-
so acontecer e/ou acreditar que este processo tem que necessaria-
Distorção 2: O terapeuta tem o objetivo de ajudar o mente acontecer. Como Brodley afirma: "A adoção de Rogers do
mecanismo das atitudes é incompletamente articulada porque impli-
cliente a diminuir ou erradicar problemas ou
ca numa variabilidade ainda não descrita de processos de mudança,
questões particulares
de acordo com as diferenças individuais"(Brodley, 1990, pg.12). A
base teórica da psicoterapia como uma teoria que capacita o cliente a
Um apelo para que os terapeutas centrados no cliente se dedi- promover o seu processo individual é ignorada. O terapeuta agora
cassem mais às questões clínicas, foi expresso num artigo editorial sabe aonde o cliente deve ir, ou conhece o processo idiossincrático
que sugeria que o fracasso dos autores centrados na pessoa em se natural de determinado cliente e (dependendo da tendência do
voltar às questões clínicas constitui "um sério descaso de nossa par- terapeuta em ser um expert) está agora, teoricamente, na posição de
te" (Cain, 1993, pg.134). Shlien, respondendo a um artigo sobre dirigir o cliente através de um processo "adequado e correto".
psicodiagnóstico, resume sucintamente a posição teórica centrada na
pessoa em termos de funcionamento concreto: "mas a terapia centrada
no cliente tem somente um tratamento para todos os casos" (Shlien,
1989, pg. 161). Rogers foi também bastante explícito quanto a este Distorção 4: O termo "centrado na pessoa" é
ponto. Ele afirmou (Rogers, 1942):
fundamentalmente diferente de
"centrado no cliente"
"O foco é o indivíduo e não o problema. O objetivo não é resolver
um problema específico, mas assistir o crescimento do indivíduo, de
forma que ele possa lidar com o problema atual e com os problemas Apesar do termo centrado na pessoa ser representativo das
vindouros de uma maneira mais integrada".(pp.28-30) manifestações que se desenvolveram a partir dos princípios da tera-
pia centrada no cliente, o termo é atribuído aos mesmos princípios
básicos da terapia centrada no cliente. Raskin comenta a respeito do

117
116
Existem outros mitos e distorções que têm sido equiparados à
significado da terapia centrada na pessoa referindo-se à confiança na
capacidade de auto-direção tanto do cliente quanto do terapeuta abordagem centrada na pessoa. A maioria deles é gerada pelo fracas-
(Raskin, 1988). Ele sugere que a confiança do terapeuta "...pode co- so em compreender e/ou assimilar a posição radical da abordagem
locar em cena diferentes maneiras de expressar empatia, o uso da centrada na pessoa, que centra na pessoa do cliente como sendo o
intuição ou a exposição de si mesmo... enquanto mantiver o mesmo melhor expert sobre sua própria vida, e na qual, o terapeuta opera
respeito básico pela capacidade de auto-direção do cliente"(p.l). sob a premissa de confiar que a direção construtiva é acentuada quan-
Raskin sugere que uma atividade terapêutica não sistemática "...pode do se cria um clima psicológico apropriado.
representar a terapia centrada no cliente no seu nível ótimo, com o
terapeuta trabalhando livremente, aceitando o cliente como alguém
que está na frente do caminho, sem estar limitado por um conjunto
de regras"(p-l). Ele diferencia as atividades terapêuticas sistemáti- REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
cas das não sistemáticas concebendo as abordagens sistemáticas como
tendo "...uma noção pré concebida de como elas desejam mudar o
cliente e funcionando de um modo sistemático, em contraste com o BARRETT-LENNARD, G. T. (1990) The therapy pathway reformulated. In
terapeuta centrada na pessoa que já começa aberto e permanece aberto G. Lietaer, J. Rombauts and R. Van Balen (eds) Client-Centered and
para o processo emergente orquestrado pelo cliente."(p.2). Em outro Experiential Therapies in the Nineties. Leuven: Leuven University Press,
pp. 123-153
artigo eu discuto os comportamentos do terapeuta como sendo de-
pendentes, em parte, das idiossincrasias do terapeuta, do cliente e da BOZARTH, J.D. (1984) Beyond reflection: emergent modes of empathy. In R.
situação (Bozarth, 1984). Estas diferenças, entretanto, são diferen- Levant & Shlien, J. (eds). Client-centered therapy and the person-centered
approach: nes directions in theory, research, and practice. New York:
ças na manifestação e não diferenças em relação à pedra fundamen-
Praeger. p. 59-75
tal da teoria centrada no cliente, isto é, a atualização; também não é
uma diferença relacionada às condições necessárias 0 suficientes que BOZARTH, J.D. (1995) Person-Centered Therapy: a misunderstood
paradigmatic difference? The Person-Centered Journal, 2, 12-17
permitem a promoção da tendência atualizante do indivíduo. Rogers
foi claro na sua posição como clínico: "...seja eu chamado para aju- BOZARTH, J.D. (1997) Empathy from the framework of Client-Centered
dar num relacionamento supostamente centrado no cliente ou num Theory and the Rogerian hypothesis. In A. Bohart and L. Greenburg
rotulado como centrado na pessoa. Eu trabalho da mesma maneira (eds).Empathy Reconsidered: new directions in psychotherapy. Washing-
ton: American Psychological Association. pp. 81-102
em ambos" (Rogers, 1987, pg.3).
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necessárias, mas não são suficientes different therapies. In G. Lietaer, J. Rombauts and R. Van Balen (eds) Client-
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University Press. pp. 87-107
De alguma maneira, tem se alegado que esta distorção é um CAIN, D.J. (1993) The uncertain future of client-centered counseling. Journal
dos resultados predominantes das pesquisas sobre as condições ne- of Humanistic Education and Development, 331, 133-139.
cessárias e suficientes. O fato é que não existe a mínima evidência GENDLIN, ET. (1974) Client-Centered and Experiential Psychotherapy. In
direta que dê apoio a esta afirmação (Stubbs e Bozarth, 1994). D. Wexler & L. Rice (eds.) Innovations in Client-Centered Therapy. New
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119
li»
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121
120
*
;

ALEM DA TEORIA.
"Você me tirou da lata de lixo"

Miguel pensou que estava ficando louco. Uma noite, assistin-


do televisão, ele teve a sensação de estar fora do seu corpo, de estar
fora dele mesmo e entrou em pânico. Ele viera do interior, de uma
família muito pobre e quando chegou à capital passou a trabalhar
como garoto de programa. Mas sentia-se muito limitado e sem pers-
pectivas na vida. Acreditava que tinha "raciocínio lento" como sua
mãe e suas irmãs. Até que um dia Miguel decidiu voltar a estudar. Ao
fazer um curso intensivo de informática, subitamente, descobriu que
podia entender que era capaz de interpretar um texto, que era capaz
de saber, de conhecer. Miguel sentiu que "despertava"...mas naquela
noite, a imagem da TV saíra para fora da tela e lhe dissera que ele
não iria conseguir e que voltaria a ser aquilo que era: uma pessoa
limitada, de "raciocínio lento"... Miguel pensou que enlouquecia...
Em pânico, Miguel procurou ajuda. Um amigo indicou-lhe um
psicólogo que, ao saber que ele era um garoto de programa, convi-
dou-o a tomar um cafezinho em sua casa... Mas, persistente, Miguel
continuou procurando ajuda. Foi a uma clínica psiquiátrica. O psi-
quiatra disse-lhe que ele "era um perigo" e quis interná-lo. Mas Miguel
não desistiu de encontrar alguém que pudesse ajudá-lo e, no dia se-
guinte, foi a uma psicóloga. Após ouvir a sua história, ela lhe disse:
"Pois é... você precisa fazer uma terapia para poder falar de seus
projetos de vida".
Miguel é um nome fictício, mas a história é verdadeira. Ela
aconteceu em meados de julho de 1999, nos dias terrivelmente frios
e úmidos do inverno de Porto Alegre. Foi assim, desesperado e em
pânico, que Miguel chegou a Delphos. Mas a terapeuta que o aten-
deu desta vez disse-lhe "apenas": "O que me passa, é como se você
estivesse se assistindo de fora"... Parece tão pouco... No entanto,
esta foi a primeira vez que Miguel se sentiu compreendido, e tudo o
que ele queria, tudo o que ele precisava era se sentir compreendido!
Emocionado, em prantos, Miguel ajoelhou-se agradecido diante da
psicóloga e lhe disse: "É isso! Você me entendeu!!". No dia seguin-
te, ele procurou novamente a psicóloga apenas para lhe dizer: "Voltei
para mim mesmo"... Disse também que estava conseguindo ver me-
lhor as coisas, que tudo estava ficando mais claro, que podia ter no-

125

>
vãmente controle sobre si mesmo e tomar o rumo da sua vida... atendimento psicológico na Delphos durante sete meses. Dois anos
Alexandre, um adolescente de 17 anos, chegou a Delphos tra- depois, ela voltou para dar notícias à psicóloga que a atendera. Isabela
zendo um papel na mão. Estava escrito: "O paciente apresenta dis- agora era uma mulher muito bonita. Contou que terminara os estu-
túrbios psicóticos, juntamente com agressividade. Encaminho para dos, que tinha um namorado e que estava trabalhando. E disse para a
psicoterapia sistemática"'. Alexandre perguntou se precisava tomar psicóloga uma frase que ela jamais esqueceria: "Você me tirou da
remédio para essa "doença" que ele tinha... Uma noite, Alexandre lata de lixo".
ficou muito bravo porque seu pai não quis deixá-lo sair e deu um Histórias como a de Miguel, Alexandre, Lígia e Isabela repe-
soco na parede, por isso o levaram ao psicólogo. Ele tinha conflitos tem-se diariamente nas salas de atendimento da Delphos, reforçando
normais de adolescente: rosto cheio de espinhas, se achava feio, de- em nós a certeza de que todo indivíduo é capaz de crescer e atualizar
sengonçado, não conseguia a namorada que queria, "não tinha jeito os seus potenciais quando se sente aceito e compreendido. Histórias
com as meninas". Depois de um ano e meio de terapia, Alexandre como estas também nos revelam, tristemente, a forma como o
conseguiu namorar, conseguiu um emprego e passou de ano na esco- paradigma dominante no campo da psicologia e da psiquiatria pode
la. Então, se deu "alta". colocar pessoas na "lata de lixo" ou transformá-las em "depressivos"
Lígia tomava cinco medicações para depressão e pânico. Ela e "psicóticos", de maneira que o diagnóstico se torna um estigma e
queria muito conversar com o seu terapeuta, mas cada vez que ela uma prisão. Entretanto, basta a estas pessoas se sentirem compreen-
tentava conversar, ele aumentava a dose da medicação. Lígia se sen- didas e aceitas na sua dor para acontecer a mudança e a libertação.
tia a pessoa mais infeliz do mundo. Não trabalhava e não tinha rela- Na segunda parte deste livro, apresentamos essa nossa práti-
ções sexuais com o marido há dois anos. Lígia se sentia um nada. ca na terapia centrada no cliente, tudo o que aprendemos ao tentar
Certo dia, numa reunião familiar, junto com mais quatro cunhadas, ajudar os Miguéis, os Alexandres, as Lígias e as Isabelas... Para
todas elas pacientes do mesmo terapeuta, tiraram uma foto com cada dar maior visibilidade a esta prática e facilitar a sua compreensão,
uma segurando a sua caixinha de anti-depressivo na mão. Naquele procuramos ilustrar cada tópico com exemplos reais, extraídos de
dia, Lígia decidiu que não queria mais fazer parte daquela foto. En- gravações de atendimentos. Para evitar que os exemplos fossem uti-
tão ela chegou à Delphos. Num período de apenas quatro meses, Lígia lizados como "modelos " a serem copiados, preferimos apresentar,
fez alguns cursos e hoje é gerente de uma loja e está ganhando um em vários momentos, alguns "contra-exemplos", provenientes da
salário melhor que o do marido. Alugou um apartamento sozinha e prática de nossos estagiários, porque não é nossa intenção dar "re-
está encaminhando um processo de divórcio. ceitas " de como ser um terapeuta centrado no cliente, mas, simples-
mente, apontar um caminho.
Isabela tinha 14 anos de idade e ficara internada por 40 dias
num hospital psiquiátrico. Estava tomando 4 medicações, inclusive
anti-psicóticos. Ela fazia terapia com em uma clínica muito concei-
tuada de Porto Alegre. A terapeuta pedia para Isabela levar os remé-
dios para tomar na sessão. Mas ela os escondia embaixo da língua. 16. A comunicação entre terapeuta e cliente
Um dia, a mãe de Isabela decidiu jogar fora toda a medicação. Como
ela gritava muito, sua mãe a levou para a casa da praia, em pleno
inverno, quando a cidade fica completamente deserta, e trancou-a no As atitudes facilitadoras de compreensão empática, conside-
banheiro dizendo-lhe que poderia gritar à vontade mas que só a tira- ração positiva incondicional e congruência se expressam e se tor-
ria de lá quando parasse de gritar. Isabela, então, parou de gritar e a nam presentes na relação terapêutica através da comunicação entre
mãe propôs levá-la a uma psicóloga. Ela concordou. Isabela recebeu terapeuta e cliente. Entretanto, esta comunicação não se restringe

126
127
«
somente ao intercâmbio verbal. O olhar, a expressão facial, a postura to e autonomia do cliente - se também estiverem presentes, é claro,
corporal, os gestos, o silêncio, e diversos outros sinais não-verbais as atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão
do terapeuta compõem um quadro vivo e dinâmico que comunica ao empática e congruência.
cliente o que o terapeuta está realmente vivenciando na relação. O
calor, a acolhida, a receptividade, a segurança e a confiança do
terapeuta são comunicadas ao cliente muito mais através de formas
não-verbais de expressão do que através de palavras. Exemplos de reiteração:
De uma forma um tanto esquemática, podemos considerar que,
na terapia centrada no cliente, a comunicação verbal do terapeuta
1) C: Ah! Eu bebo e coloco tudo, tudo... pra fora... Eu não
visa os seguintes objetivos:
bebi de ficar caindo, mas é isso... eu coloquei tudo! Eu não
° Facilitar o movimento de auto-exploração do cliente; lembro exatamente das palavras que eu usei, mas no outro dia
° Propiciar ao cliente o sentimento de que está sendo compre- eu acordei... mas eu nem me importei assim de eu ter falado
endido; tudo aquilo, sabe?
° Verificar se a compreensão do terapeuta está sendo verda- T: Tudo aquilo...
deiramente empática;
2) C: ...mas daí eu pensei, sabe? Nem estou ligando se ele ou
o Indicar ao cliente que o terapeuta está presente na relação.
alguém falou ou vai falar... eu não quero nem saber.
Se o cliente se sentir observado ou analisado, isto é, se sentir que o
terapeuta o está olhando "de fora", como se ele fosse um "objeto" a T: Não quer nem saber...
ser conhecido, não se estabelecerá o clima necessário à mudança
terapêutica. O cliente precisa sentir que o terapeuta está com ele, 3) C: É assim que me sinto... ( silêncio)... Culpada... e todos
acompanhando-o em sua difícil, dolorosa e imprevisível jornada de me dizem isso: mas ela tem problemas de coração....(silêncio)...
auto-descoberta. Apesar do cliente perceber esta "presença" do isso estava sujeito a acontecer. Claro, não é porque eu briguei
terapeuta através de formas de expressão não-verbais, as palavras do com ela... é a culpa...
terapeuta também contribuem para a criação desse clima facilitador.
T: Culpa...
T: É, me sinto culpada por inúmeras coisas, quer ver...

16.1. A reiteração 4) C: ...tá demorando um pouco pra mim... sabe, eu me encaixar...


T: Encaixar...
A reiteração é uma forma de comunicação na qual o terapeuta C: É, não sei se é impressão minha, mas tem dias que eu estou
não acrescenta nenhum elemento verbal novo ao que fora comunica- melhor, estou mais animada, mas, de repente, parece que...sei
do anteriormente pelo cliente. Basicamente, a reiteração consiste em lá, me desanimo.
resumir ou reproduzir algumas palavras significativas da comunica- T: Desanima...
ção do cliente. Esta forma de comunicação, aparentemente muito
simples, possui um grande poder para ativar as forças de crescimen- C: É, assim, acho que é meio... perco a motivação... Tem hora

128 129
que eu estou bem animada, quero fazer, quero acontecer... Um 16.2. O reflexo de sentimentos
pouco parece que... ah! tá tão difícil, não consigo me movi-
mentar para aquelas coisas que eu pensei... Acho tudo as-
No reflexo de sentimentos o terapeuta comunica ao cliente os
sim... difícil...
sentimentos que ele percebe nas "entre-linhas" de suas palavras.
T: Difícil... Apesar do cliente não se referir diretamente a estes sentimentos, eles
C: É, parece que eu não vou conseguir, com relação ao meu estão presentes, sendo vivenciados por ele naquele momento. Ao
trabalho... Então acho que eu mesmo acabo colocando as di- refletir estes sentimentos, o terapeuta indica ao cliente que o está
ficuldades... compreendendo e que o está acompanhando em seu movimento de
auto-exploração.
T: Você coloca as dificuldades...
C: É, coloco as dificuldades e acabo não me sentindo capaz...
T: Não se sente capaz...
Exemplos de reflexo de sentimentos:
C: É, daí eu não faço efico ...

A reiteração é tão eficaz na ativação das forças de crescimento por- 1) C: Antes eu estava bem desesperada... o que vai ser de mim
que cria uma atmosfera de acolhida e de compreensão que ajuda a se eu não voltar para o Leandro ? Agora estou pensando de
diminuir as barreiras defensivas do cliente. A reiteração não é ame- outra forma... Estou fazendo de tudo, eu gosto dele. E se não
açadora, por isso, ela promove a aproximação entre o terapeuta e o der, eu não vou ficar desesperada... se não der, eu vou tocar a
cliente, facilitando a formação de uma relação de segurança e tran- minha vida, vou me divertir, procurar uma outra pessoa. Eu
quilidade. Com a reiteração, o cliente se sente compreendido e acom- voltei com outra cabeça... se não for para ser mesmo... É cla-
panhado pelo terapeuta, ao invés de observado, analisado ou julga- ro, é uma maneira um pouco de... mas eu vou fazer isso mes-
do. mo. Vai ser difícil, mas pelo menos pensar nisso já foi uma
A reiteração não é necessária somente nas fases iniciais da evolução.
terapia, quando o vínculo entre terapeuta e cliente ainda está se for- T: Pensar que se não der certo você pode superar... Só que
mando. Ao contrário, ela é necessária sempre, em todos os momen- parece que existe ainda um certo receio de não conseguir...
tos do processo terapêutico, pois auxilia o cliente a se aproximar
mais de si mesmo, como se fosse um "aquecimento" para iniciar um C: É, eu tenho...
novo itinerário no seu movimento de auto-exploração. Neste exemplo, a cliente não havia falado que estava com "receio de
não conseguir superar", entretanto, o terapeuta percebera que este
O aspecto mais importante da reiteração é que ela facilita o
sentimento, este "receio" estava.presente. É importante observar que
desenvolvimento da autonomia. Quando o cliente já se encontra num
o terapeuta comunicou esta percepção com a expressão "parece que",
certo nível de fluidez e de abertura à experiência, basta ao terapeuta
para indicar que ele está tentando compreender a cliente, mas que
fazer uma reiteração para o cliente avançar a níveis mais amplos de
auto-compreensão. não tem certeza se sua a percepção corresponde ao que ela está real-
mente sentindo.

130
2) C: Eu não fiz nada de errado, agora depende da interpreta- C: A impressão ? O senhor acha que se trata de uma impres-
ção dele. Pode interpretar que eu estou falando nas costas... e são - de uma simples opinião?
não foi nada disso, nada disso. E isso me deixa chateado. T: H-hm. Não é uma questão de impressão - é um fato.
T: Parece que você fica chateado por não estar conseguindo C: Certamente.
ser aberto e direto com seu sócio.
T: H-hm.
C: Exatamente. Ele é uma pessoa legal, ele é um cara muito
C: Pegue um livro qualquer. Vá à livraria T [livraria univer-
bom. Só que eu não o conheço direito. Eu tenho receio das
reações dele... sitária]... Mostre-me um único livro que não seja mais ou
menos subversivo - moralmente.
Para o terapeuta que necessita "parecer inteligente" é muito difícil T: Todos os que você examinou ali são mais ou menos subver-
fazer reiterações e reflexos de sentimentos, já que elas parecem ser sivos.
formas de comunicação simples demais, desprovidas de qualquer
atração intelectual. Entretanto, esta simplicidade é apenas aparente, C: Há alguma razão para se acreditar que o que se vende em
pois a reiteração e o reflexo de sentimento exigem muito do terapeuta: uma livraria como R... não é representativo deste tipo de coi-
uma profunda sensibilidade empática e uma aceitação incondicional sa?
do movimento do cliente, que são atitudes muito difíceis de serem T: H-hm. Você não vê razão alguma para isso.
vivenciadas na prática.
C: Se o que se vende numa livraria universitária não é repre-
Como um exemplo da eficácia dos reflexos e das reiterações, sentativo, onde seriam vendidas as obras representativas ?
apresentaremos um trecho de uma sessão realizada por Rogers, 134
T: Se estes livros não representam uma amostra válida, onde
onde utilizando-se apenas de reiterações e reflexos de sentimentos,
se devem procurar as amostras válidas ?
ele facilitou de tal forma a auto-exploração do cliente que, ao final
da sessão, o cliente pôde alterar significativamente a percepção que C: Certamente.
tinha de si mesmo e das causas de suas dificuldades pessoais e pro-
T: Esta é uma questão sobre a qual você se documentou sufi-
fissionais:
cientemente para não ter dúvida alguma.

C: Sei muito bem que o senhor não concordará comigo sobre C: Ah, veja bem, não sou especialista na matéria - mas, o que
isto. Sei muito bem que psicólogos e psiquiatras não aprovam me impressiona é que cada vez, mas cada vez que um livro de
concepções como estas. Tudo que se publica em psicologia psicologia ou de psicanálise me cai às mãos - está cheio de
prega o "laisser-alter", o compromisso, o relativismo moral - referências, de subentendidos - ataques velados - contra as
em suma, sei muito bem que minhas ideias não estão na moda. concepções morais tradicionais.
Mas eu não me preocupo com a moda quando se trata destes
T: Em tudo que lhe cai nas mãos você encontra esta mesma
assuntos
tendência subversiva.
T: Você tem a impressão de que tudo que se publica em psico- C: Certamente.
logia visa, de um certo modo, a afetar os costumes, a alterá-
los. T: H-hm.
C: Eu compreendo, evidentemente, que o senhor possa não
ver as coisas da mesma forma. Sendo o senhor um psicólogo,
134. Rogers & Kingel, 1977, pp. 74-78, vol.2

132 133
poderia não ver ataques onde eu os vejo, é natural. O fato de rio. Encontrarão o que buscam. A justificação de sua condu-
pertencer à especialidade deve, evidentemente, influenciar seu ta.
ponto de vista. Pois, afinal, temos que reconhecer, somos to- T: Os que são... isto é, um mau sujeito achará isto tudo muito
dos, em uma certa medida, prisioneiros de nosso campo de
natural. (Pausa)
especialização. Compreenda bem, não quero dizer que o se-
nhor pessoalmente - suas teorias e seus escritos sejam sub- C: Eu não disse que aquele que não vê estes livros como eu os
versivos. veja, seja necessariamente um mau sujeito.
T: Este não é exatamente o nome... que você lhe daria.
T: Você não me inclui entre os autores... ou agentes mais ou
menos subversivos. Mas considera que eu não posso, afinal C: Não sei como os qualificaria .Os que lêem e gostam destes
de contas, subtrair-me à influência de minha área. Aquele que livros não são todos, certamente, corrompidos. Nem mesmo -
se encontra no interior do círculo está menos apto a reconhe- necessariamente - os que escrevem.
cer estas coisas.
T: H-hm.
C: Ah, isto é claro. Afinal de contas o senhor não poderia
C: Como a maioria das pessoas, eles são... ingénuos, supo-
subtrair-se ao clima que reina na sua profissão.
nho. Ignorantes, incapazes de pensar em termos de princípi-
T: Em outras palavras, você acha que aquele que não perten- os. Não vêm as implicações do que dizem ou crêem. Em sua
ce a esta área está melhor colocado para julgar a questão. maioria, estas pessoas são lamentavelmente ignorantes ou
superficiais. Não é por maldade. Mas deixam-se influenciar
C: Sob certos pontos de vista, sim. Mas não em todos. Eviden-
por qualquer um. É isto que explica a derrocada moral a que
temente não. Do ponto de vista técnico, não tenho competên-
cia alguma, admito. estamos assistindo.
T: Quando você observa o panorama contemporâneo, acha
T: Mas, sob outros pontos de vista, vo^ê pensa que está mais
que está, realmente, povoado de pessoas crédulas, ignoran-
bem colocado.
tes, superficiais... e algumas talvez.•• piores.
C: Penso. Realmente.
C: Não creio, aliás, que isto se limite aos tempos atuais. Sem-
T: H-hm. pre foi assim, pelo que sei.
Pausa T: H-hm. Os bons... os justos foram sempre poucos.
C: Sei que pareço ter um ar terrivelmente pretensioso ao afir- C: Muitos poucos.
mar isto. Mas, no entanto, penso que é um fato.
T: H-hm.
T: Você não gosta de parecer pretensioso, mas julga que se
C: Evidentemente seria uma presunção acreditar que se per-
trata, inegavelmente, de uma questão de fato.
tence a este número. Isto é óbvio.
C: Sem dúvida. Evidentemente, como acabo de dizer, haverá
T: Ainda uma vez, você não gostaria de parecer presunçoso.
alguns que não serão da mesma opinião. Isto é inevitável.
Mas, se o compreendo bem... você não pode evitar de se colo-
T: Que diferentes indivíduos possam ver a questão de um modo car entre eles.
diferente.
C: Muito bem, doutor. Muito bem. Vejo que me perdi num dile-
C: Algumas pessoas não verão nisto nada de mal, ao contrá- ma.

135
T: Um dilema.
primeiro dos fracassados, sim. Eu não me encontraria aqui se
C: Se digo "sim ", sou um presunçoso. Se digo "não ", eu con- não fosse isto. E é provavelmente o que me torna tão... crítico
tradigo a mim mesmo e pareço absurdo... - tão mal-humorado, às vezes. E sob qualquer pretexto. Por
exemplo, outro dia, uma bondosa mulher dava uma volta pelo
T: Entre estes dois males lhe seria difícil escolher.
bairro com uma petição relativa à instalação de uma piscina
C: Oh, suponho que... poderia encontrar uma saída. na escola média. De repente me deixei levar por uma discus-
T: H-hm. são com esta mulher que jamais tinha visto antes, e que pro-
vavelmente nunca mais tornarei a ver. E tudo isto por uma
C: Não sei se é uma solução. Mas temo que seja uma conclu- piscina! O senhor compreende? E veja que já não é o medo de
são. Uma conclusão correta, provavelmente. Sou, provavel- um aumento de impostos - já que, de qualquer maneira, so-
mente, pretensioso. Sem o querer - sem dúvdia alguma. Sem mente os proprietários pagariam - e mesmo se a questão dos
me dar conta disto - completamente. impostos mudasse - de qualquer forma é muito pouco prová-
T: É uma conclusão dura... mas... vel que estejamos ainda no bairro no momento em que esta
piscina for instalada.
C: E verdade.
T: H-hm... Você tem a impressão nítida de que há uma certa
T: Você não acha fácil escapar a tal conclusão.
relação entre, de um lado, sua atitude crítica, sua necessidade
C: Não tenho o mínimo desejo de escapar. Quero olhar meus de se afirmar e... de outro lado, suas dificuldades com seus
erros com honestidade. Estou disposto a reconhecer meus er- empregadores.
ros. O que me recuso é reconhecer fatos que não representam
C: Oh, isto é claro. Tornou-se um hábito, uma obsessão. Antes
meus erros, mas sim, de outras pessoas. (Pausa)... Ah, veja,
mesmo de me dar conta, já estou envolvido num ataque mais
este é, provavelmente, um de meus erros. É o que indispõe
ou menos direto ou indireto. Aliás, o que acabo de fazer du-
meus chefes, meus colegas. Eu pareço presunçoso - eu sou
rante toda esta entrevista ? Oh, vejo que está na hora. Em vez
presunçoso.
de discutir meu caso, meus problemas, minha personalidade,
T: Parece-lhe que esta é, de certa forma, uma descoberta cha- o que faço? Ponho-me a atacar levianamente a psicologia.
ve com relação a sua pessoa. Algo de que você não se tenha Nem mesmo contra os psicólogos ou um determinado psicólo-
dado plenamente conta. go, mas contra todo o campo. E tudo isto diante de um repre-
sentante da profissão. A propósito, o senhor foi muito elegan-
C: Sim... Isto é... é uma questão-chave, um problema-chave. te (levantando-se). É que... e o que é curioso, é que eu tinha
Não realmente uma descoberta. De certo modo... inconscien- conhecimento durante toda esta discussão de que eu me com-
te... enfim, não verdadeiramente inconsciente - eu não teria portava como... uma pessoa grosseira. Mas não podia parar.
tomado conhecimento, se não tivesse uma certa consciência Tinha se tornado uma obsessão. É como se a gente estivesse
disto - de uma certa forma, eu sempre soube que tinha neces- automatizado. (Na porta): Mas, o senhor sabe, com relação à
sidade de me afirmar, de dominar, de ser melhor que os outros psicologia - é esta minha opinião. Enfim, deixemos, isto não
- "o primeiro da classe", sabe? Eu sempre tive esta necessi- tem importância. Até quinta-feira...
dade. Como quando estava na escola - onde tudo era questão
de memória e de disciplina - não realmente de disciplina, di- Na quinta-feira seguinte, o cliente retornou para um novo atendi-
gamos antes, de uma certa disciplina de adesão às regras mento:
estabelecidas. E agora! Ah! Estou longe de ser o primeiro. O

137
C: Voltando à nossa discussão de quinta-feira passada, ima- T: H-hm. Você tinha a impressão de que era exatamente isto o
gine que eu tinha perfeito conhecimento de que fazia o papel que eu fazia: lhe dava razão e deixava-o dizer tolices.
de bobo - que fazia afirmações sobre um assunto que, no fun-
C: Eh... Sim. Sim e não. Não quero dizer que havia algo ofen-
do, me é estranho - mesmo que, nos últimos anos, tenha lido
sivo na sua atitude. Não. Não quero dizer que você diz que eu
muitos livros de psicologia e outros livros de ciências sociais
falava bobagens. Eu dizia isto sobre mim mesmo. Não, eu que-
- mas, apesar disto, não tenho nenhuma... nenhuma autorida-
ria dizer é isto. Você não me dava exatamente razão. Mas, não
de neste campo. Fiz dois anos de Filosofia e Letras, mas isto é
me contradizia. E isto, é tão raro que é.. bem, era suspeito. É
outra coisa - era principalmente filosofia clássica. Eu perce-
natural que se contradiga as pessoas quando elas se põem a
bia vagamente, no decorrer da conversa, que fazia afirma-
dizer asneiras, que manifeste seu desacordo de uma forma ou
ções que., eh, bem, que exprimia uma opinião - nada mais
de outra. E como você não o fazia, fiquei, de certa forma, com
(rindo). Aliás, continuo acreditando nela! Mas o fato de que..
a pulga atrás da orelha.
em certo sentido eu pontificava e.. enfim, vi que era ridículo.
Pois, afinal, era quase uma forma de criticar você ou de desa- T: Isto lhe parecia suspeito. Não de todo natural.
fiar. Ora, eu sabia que não tem nenhum sentido, para mim,
C: Isto mesmo. Sim... Ou antes, em qualquer outra ocasião ou
desafiá-lo, pois, não tenho nenhum motivo para isto. Alem disto
pelo menos com a maior parte das pessoas, isto teria me pare-
(rindo) você nunca aceita um desafio! Este não é o seu méto-
cido sem naturalidade. É preciso desconfiar quando a maior
do. Eu percebi isto desde o início.
parte das pessoas nos dão continuamente razão. Nos tratam
T: Você se surpreendeu, portanto, fazendo ou dizendo coisas como crianças. Divertem-se às nossas custas.
que não queria fazer ou dizer... Mas, sem ser capaz de parar, T: H-hm. Você tem a impressão de que em geral é preciso des-
de se corrigir ou de retroceder. confiar desta... atitude. Mas aqui isto lhe parece natural... sin-
C: Exatamente. E com relação ao método tive a impressão em cero.
dado momento — de que você utilizava uma certa tática, ou, C: Sim, em realidade eu me surpreendo de ser capaz de acre-
não, não uma tática, isto poderia sugerir um combate e você ditar que é sincero. Isto me acontece raramente. Ou melhor,
não é combativo. Quero dizer, eu percebia que você seguia um nunca.
certo método. Isto não é uma crítica. A propósito, refleti mui-
to sobre esta conversa e tenho que reconhecer que este méto-
do tem seu mérito. Mas, mesmo assim tenho que confessar
que se eu não estivesse convencido que você não tinha nenhu-
ma intenção de se rir de mim teria acreditado, em certo mo- 16.3. A elucidação
mento, que você estava me fazendo de idiota.

T: Se você não tivesse tido a impressão de que eu... que eu Na elucidação, o terapeuta comunica sua compreensão de sig-
era... sincero, teria acreditado que eu me ria de você... em nificados ou sentimentos que ainda não foram simbolizados pelo cli-
certos momentos. ente, isto é, na elucidação o terapeuta faz referência a experiências
que o cliente ainda não integrou no seu auto-conceito. Por este moti-
C: Em certos momentos, sim... parece-me... mas após refletir,
vo, a elucidação pode ser percebida pelo cliente como ameaçadora.
suponho que o melhor que se tem afazer quando as pessoas
Neste sentido, é conveniente que o terapeuta sempre comunique o
se põem a dizer tolices - é lhes dar razão.
conteúdo de uma elucidação de um modo não categórico, utilizan-
do-se de expressões como "não sei se lhe entendi bem...", "não es-

139
tou bem certo de estar lhe entendendo...", etc. Apesar da>elucidação T: Está aio centro do problema. Não são suas maneiras... é o
fazer referência a experiências ainda não-simbolizadas na consciên- fato de que suas maneiras, de uma forma ou de outra, o atin-
cia, ela se origina de uma compreensão empática do terapeuta em gem desfavoravelmente... o diminuem. É isto?135
relação à vivência do cliente. A elucidação, portanto, não possui um
caráter "psicodinâmico" ou interpretativo, pois não se baseia em con-
ceitos teóricos externos à experiência do cliente. Ou seja, a diferença
entre uma elucidação e uma interpretação é que a elucidação, ape-
16A. O desvelamento
sar de trazer elementos que ainda não estão presentes na consciência
do cliente, permanece centrada na experiência dele, ao passo que a
interpretação baseia-se nos conceitos teóricos a priori do terapeuta, O desvelamento é a expressão de um momento mágicom do
possuindo um caráter avaliativo, diagnóstico ou explicativo. processo terapêutico, quando o terapeuta está tão próximo do clien-
te, sentindo tão profundamente o seu mundo interno, que é capaz de
perceber sentimentos e significados que ainda estão muito distantes
da consciência ou da possibilidade de simbolização do cliente. No
Exemplo de elucidação: entanto, diferentemente da elucidação, no desvelamento o terapeuta
não está "compreendendo" um significado da experiência do cliente,
mas está vivendo junto com ele esta experiência. Por isso, o desvela-
C: Ele é um tipo literalmente cheio de pretensão. Para ele - mento nunca é ameaçador para o cliente. António Monteiro dos San-
somente a sua pessoa é que conta. Somente ele tem alguma tos137 se refere a estes momentos mágicos como momentos de pro-
coisa a dizer. Quando entra em cena, monopoliza a conversa- funda união entre terapeuta e cliente onde "cliente e psicoterapeuta
ção. Pode-se dizer boa-noite a todo o mundo e ir-se embora. fluem um em direção ao outro formando uma unidade compacta ca-
paz de penetrar confusões, desalentos, solidões e agonias em busca
T: Ele encobre todo o mundo
da saúde, da compreensão e do crescimento no processo terapêutico".
C: Totalmente, totalmente.
Santos138 aponta algumas das características destes momentos
T: Isto o incomoda... Isto o enerva, se bem compreendo. mágicos:
C: Ah, escute., isto lhe agradaria? ° Intensidade: estes momentos se caracterizam por um inten-
T: Você acredita que isto não pode agradar a ninguém... so envolvimento entre terapeuta e cliente;
C: Certamente. ° Liberdade: terapeuta e cliente sentem-se livres para falar,
pensar, fazer e se expressar sem restrições, sem medo de
T: Ou que poderia deixá-lo indiferente. errar;
C: Ah, isto depende. Se fosse apenas o espectador, suponho ° Fluidez: nestas vivências se manifesta a própria natureza da
que permaneceria indiferente. Mas eu não sou um espectador vida que é a de constante movimento;
desinteressado. Faço parte desta situação. Isto me atinge. Está
aí o centro do problema.
135. Rogers & Kinget, 1977, p. 86, vol.2
136. A expressão "momentos mágicos" é de autoria de António Santos. Ver Santos, 1987.

137. Santos, 1987, p. 38


138. Santos, 1987, pp. 42-43

141
"impressão integrativa" e se refere a um momento especial no pro-
° Sentido de totalidade: vivencia-se um estado de fusão de
cesso terapêutico no qual desaparecem os limites entre "Eu-Você-
forças, almas e energias que leva tanto o terapeuta quanto o
Eles-Natureza-Deus". Neste momento, a mente do terapeuta se tor-
cliente a sentirem-se parte de um todo regente do universo;
na quieta e calma, apontando totalmente para uma só direção, como
° Sincronicidade: terapeuta e cliente estão em sintonia, no se estivesse num estado meditativo. O terapeuta entra num estado
mesmo "comprimento de onda", na mesma "frequência"; alterado de consciência no qual o dualismo entre ele o cliente desa-
° Separação e objetividade: nestes momentos é como se o parece. Neste momento, o terapeuta é capaz de entrar completamen-
terapeuta pudesse observar o que está acontecendo de lon- te no mundo desorganizado, confuso e irracional do cliente e juntar,
ge, com objetividade, mas mantendo-se paradoxalmente numa impressão integrativa, as experiências fragmentadas e
unido e em contato com o cliente; desconectadas do cliente. Nestes momentos, o cliente consegue ver a
sua experiência sob uma nova luz e reorganizá-la. Bowen considera
° Intuição: terapeuta e cliente têm reações intuitivas e acredi- que estes momentos possuem uma qualidade espiritual, pois através
tam nestes pensamentos, sentimentos e movimentos que não deles terapeuta e cliente sentem-se interligados com a energia do
têm uma explicação racional e agem baseado neles; universo.
° Humildade: existe a experiência da entrega ao que vai além Na vivência deste momento mágico entre terapeuta e cliente,
do "eu" e que leva terapeuta e cliente a sentirem que são o desvelamento se dá, muitas vezes, a partir de apenas uma ou duas
apenas parte do que está acontecendo e não o todo. palavras do terapeuta, como no exemplo a seguir:
Santos considera que estes são momentos de união na qual ocorre Raquel, viúva há alguns anos de Francisco, falava ao terapeuta
uma relação de centro para centro, pondo em contato as forças intui- de suas dificuldades de relacionamento com o namorado atual:
tivas de terapeuta e cliente, quebrando a dor da separação e resultan-
do em sabedoria, aprendizagem e saúde. Para o autor, estes momen- C: Eu tenho muito medo de perdê-lo... eu tenho uma sede in-
tos possuem uma qualidade espiritual, na qual terapeuta e cliente saciável de amor, de carinho, de atenção.... parece que nada
participam de uma consciência mais ampla, divina. que ele faça é suficiente, estou sempre achando que vou perdê-
lo, estou sempre com medo que ele não me ame mais... Por
"Durante o acontecimento destes Momentos Mágicos parece que eu não consigo simplesmente namorá-lo, curtir o momen-
acontecer na consciência o paradoxo da união dos opostos, to em que estamos juntos ? Este sonho de que vamos casar e
numa fusão entre racionalidade e intuição, arte e ciência, ser uma família feliz está sempre presente, parece que toma
objetividade e subjetividade, consciente e inconsciente culmi- conta de tudo... O sonho fica maior que a realidade... Ao invés
nando na energia da vida que movimenta o ser humano físico de curtir o Renato, do jeito que ele é, a pessoa que ele é, o
e mentalmente. ...Assim sendo, resulta numa consciência não- momento real em que estamos juntos, o sonho acaba ficando
consciente, na qual recebemos informações sem saber bem de maior que tudo... Por que ele não pode ser apenas meu namo-
onde e fazemos coisas sem saber bem o quê, como se fôssemos rado? Por que eu tenho que ficar sonhando tanto?
parte de uma sabedoria maior que rege o Universo e que é T: Sabe, Raquel, você falando isso, me veio duas palavras...
muito sábia. "I39 Parece que não tem nada a ver com o que você está falando,
mas me veio, assim, estas duas palavras: "culpa " e "Francis-
O desvelamento foi denominado por Maria Constança Bowen 140 de co". Pode não ter nada a ver, você não falou no Francisco,
nem falou de culpa, mas me veio... assim... estas duas pala-
139. Santos, 1987, p. 37
vras apenas: "culpa " e "Francisco ", isso faz algum sentido
140. Bowen, 1987.
para você?
143
142
16.5. Diferenças entre atitudes e técnicas terapêuticas
C: (chorando muito)... Tem tudo a ver com o Francisco, sim...
Mas eu queria esquecer, eu não queria ficar me lembrando
dele... É como se eu tivesse posto uma pedra por cima de As atitudes facilitadoras da terapia centrada no cliente não
tudo... para não ver, para não sofrer mais... Mas está tudo podem ser consideradas como "técnicas" pois elas têm que ser
ainda aqui, ainda está doendo... (Depois de chorar muito e vivenciadas de forma genuína, autêntica, sincera e espontânea. Na
falar da dor que ainda sente com a perda de seu marido, Ra- terapia centrada no cliente, o terapeuta é o seu próprio instrumento
quel continua) Mas como eu faço para curar essa ferida ? Como de trabalho: ou seja, a qualidade do ser do terapeuta é a única "téc-
eu faço para me libertar desse passado ? Como eu posso acal- nica" utilizada.
mar meu coração?... sentir paz aqui dentro... Como?... Cho-
rando mais? Mas eu já chorei tanto!! Eu não quero mais cho- Neste sentido, Kinget141 afirma que o terapeuta não pode agir:
rar!! Eu não aguento mais chorar... Sabe, quando ele morreu
eu senti muita raiva, muita raiva... (Raquel chora convulsiva- "como se experimentasse sentimentos calorosos em relação
mente) Mas de quem eu ia sentir raiva? Dele? Como eu ia ao cliente;
sentir raiva dele? De Deus? Eu ia sentir raiva de Deus? De como se abstivesse de julgar;
quem eu ia sentir raiva? De mim?... (Raquel chora tanto que
como se aceitasse o cliente tal como ele é;
quase não consegue falar)... A culpa era minha... Eu não me-
recia ser feliz... Era o meu carma ficar sozinha, Deus tirou ele como se quisesse que o cliente tomasse a direção da entrevis-
de mim porque eu não merecia ser feliz.. • Era minha culpa... ta, etc."
Eu tenho muito medo... muito... medo... (Raquel pronuncia cada
palavra com intensa emoção, como se estivesse quase "se afo- O terapeuta precisa vivenciar de forma genuína e autêntica estes sen-
gando" em sua dor)... de que eu... nunca... mais... vou ser fe- timentos e atitudes em relação ao cliente, senão seus esforços serão
liz... porque Deus não quer... que eu seja feliz... é minha cul- inúteis. Para promoverem a mudança terapêutica, a consideração
pa... positiva incondicional, a compreensão empática e a congruência pre-
cisam ser experenciadas com a totalidade do ser do terapeuta. Se
Vemos, assim, que o medo que Raquel sentia surgira da culpa que estas atitudes forem consideradas apenas como "técnicas" para se-
experenciava a um nível muito profundo, mas que nunca conseguira rem aplicadas na situação terapêutica, o fracasso da terapia será ine-
simbolizar em sua consciência. Somente ali, na segurança da relação vitável.
terapêutica, ela pôde olhar para esta culpa. Na intensidade daquele No exemplo abaixo, o terapeuta utilizou a reiteração apenas
momento mágico, conectando-se com as suas forças de crescimento como uma técnica de intervenção verbal, sem conseguir se centrar na
e cura, Raquel conseguiu, então, se libertar desta culpa e acreditar
vivência do cliente:
na sua capacidade de ser feliz.
Como podemos constatar neste exemplo, o desvelamento ca- C: Eu gostaria de saber se você pode me dar uma dica, a
racteriza-se basicamente pelo estupor de que tudo fica subitamente maneira de eu agir, a maneira de fazer, a maneira de não re-
iluminado. Há uma sensação de "claridade", de visibilidade onde o clamar, porque eu reclamo muito...
organismo é atualizado e o cliente tem a possibilidade da certeza e da T: Gostaria que eu te desse dicas...
congruência. Com isso, abre-se um novo itinerário de possibilida-
des... Um caminho sem volta... C.É.
141. Rogers & Kinget, 1977, p.

145
144
O terapeuta não compreendeu o sentimento do cliente, restringindo- A primeira sessão:
se à dimensão intelectual daquilo que foi verbalizado, criando uma
situação na qual só cabia ao cliente responder "sim" ou "não". Se o
Desde o primeiro encontro, a relação terapêutica já se estrutu-
terapeuta estivesse centrado no cliente, ele possivelmente teria feito
alguma reiteração em relação ao sentimento do cliente de ser uma ra como uma relação não-diretiva, devido à confiança do terapeuta
pessoa que "reclama muito", o que, sem dúvida, facilitaria o seu na capacidade do cliente para utilizar com autonomia o tempo e o
movimento de auto-exploração. Percebe-se, através deste exemplo, espaço da sessão. Por este motivo, o terapeuta se abstém de indicar
que as atitudes centradas no cliente não são, de maneira alguma, ao cliente o que ele deve falar, quando deve falar ou como deve falar.
"técnicas". Ser um terapeuta centrado no cliente exige muito mais do Assim, ao entrar no consultório, o cliente já se encontra num espaço
que o conhecimento de "técnicas" de reflexo de sentimento. Ser um e tempo de completa liberdade, autonomia e aceitação. Marian Kinget,
terapeuta centrado no cliente exige, pelo contrário, a pessoa total do no livro "Psicoterapia e relações humanas", descreve com muita
terapeuta. sensibilidade este significado do primeiro encontro entre terapeuta e
cliente:

"Se o terapeuta está convencido da capacidade do indivíduo


16.6. A estruturação da relação terapêutica de se ajudar a si mesmo, quando lhe é realmente dada a oca-
sião, e se está convencido que o seu próprio papel é o de um
catalisador, não de um agente, transparecerá em sua aparên-
A relação terapêutica centrada no cliente é completamente dis- cia fisionómica — expressão do rosto, postura, etc. - uma co-
tinta de qualquer outro relacionamento da vida do cliente. Pelo fato municação que o cliente compreenderá sem dificuldade. (...)
de ser uma relação não-diretiva e completamente centrada no clien- Esta comunicação é bem simples: ela se refere ao fato de que,
te, ela se constitui numa relação interpessoal única, sui generis. En- neste preciso momento, o terapeuta considera seu papel como
tretanto, o cliente, quando vai procurar ajuda, tem a expectativa (ou sendo o de escutar. (...) Os primeiros segundos que os
o desejo), em maior ou menor grau, de que o terapeuta guiará o interlocutores passam assentados face a face — segundos si-
processo, fará perguntas ou dirigirá a sessão de alguma maneira. lenciosos, mas não inativos - constituem uma experiência sem-
Portanto, é inevitável que a primeira sessão ou o primeiro contato do pre fascinante. Em praticamente todos os casos verifica-se uma
cliente com este tipo de relação seja bastante significativa. Como o mudança, quase visível, na atitude do cliente: passagem da
cliente conseguirá "compreender" que a maneira como o terapeuta expectativa à iniciativa. Estes poucos instantes oferecem uma
irá ajudá-lo não será fazendo perguntas, interpretando, aconselhan- ocasião extremamente interessante para se observar que o ser
do ou orientando? Como o terapeuta poderá "mostrar" ao cliente que humano é um ser ativo, capaz de compreender a significação
ele (o cliente) possui completa autonomia e detém totalmente o locus de situações novas e de utilizá-las deforma construtiva. (...)Não
de avaliação e controle na relação? Certamente, não será explican- é pois, necessário, durante a primeira visita de um cliente,
do-lhe o referencial teórico da terapia centrada no cliente ou justifi- dizer-lhe para falar e indicar-lhe o tema. Sem se dar conta do
cando teoricamente o porquê de sua conduta não-diretiva. A estrutu- fato de que não foi convidado explicitamente a tomar a pala-
ra da relação terapêutica deve ser apresentada de uma maneira implí- vra e que, em consequência, nenhum assunto lhe foi indicado,
cita, desde a primeira sessão, através das atitudes não-verbais do o cliente toma a iniciativa. (...)0 mérito do método não-ver-
terapeuta. bal que acabamos de descrever não reside absolutamente na
ausência de linguagem, mas na presença, no comportamento

146
contrário, é uma atitude centrada no cliente, que se baseia na confi-
do terapeuta, de uma confiança e de um respeite que convi-
ança do terapeuta na capacidade do cliente de dirigir a sessão com
dam à atividade e, portanto, à atualização das capacidades
autonomia. Entretanto, o terapeuta inseguro pode estar tão preocu-
do cliente. "I42
pado com o que vai dizer para o cliente no instante seguinte que
Se, ao contrário, o terapeuta inicia a primeira sessão perguntando ao acaba se centrando muito mais em si mesmo. Neste sentido, quando
cliente "O que o trouxe aqui?" ou "Qual o seu problemal", ele assu- o terapeuta se abstém de tomar a iniciativa na sessão movido pela
me a direção do processo e tira a oportunidade do cliente de assumir sua insegurança interna e não pela confiança na capacidade do clien-
esta direção. Sobre esta forma de iniciar a sessão, Kinget comenta: te, isto não pode ser considerado como uma atitude não-diretiva.
A seguir, apresentaremos um exemplo de uma primeira sessão
"A intenção destas palavras é, sem dúvida, facilitar o papel de um terapeuta iniciante que, devido a sua insegurança interna, não
do cliente. O terapeuta presume que o indivíduo se sentirá conseguiu adotar uma atitude verdadeiramente não-diretiva na relação,
mais à vontade se as coisas se passarem de maneira familiar apesar da sua insistente recusa em "fazer perguntas" ao cliente:
ou rotineira. Contudo, neste caso, não se trata de facilitar,
mas de facilitar de maneira terapêutica. "m C: Você pode perguntar o que quiser, é melhor para eu res-
ponder do que falar assim.
Da mesma forma, se o terapeuta inicia a sessão com um discurso T: Você prefere que eu lhe faça perguntas porque você se sente
previamente estruturado, ele também não consegue se centrar no cli- mais á vontade que eu fale, faça perguntas.
ente. No exemplo abaixo, o terapeuta estava preocupado com o esta-
belecimento do contrato entre ambos, entretanto, esta era uma preo- C: E isso.
cupação do terapeuta e não do cliente: T: Você está se sentindo pouco a vontade e prefere que eu fale.

T: Eu sou a Glória, estagiária de psicologia e tudo o que for C: Isso. É que eu ainda não me acostumei muito sabe.
dito aqui fica entre nós e não vai sair desta sala. Este espaço T: Você não se acostumou ainda.
é seu e o tempo que temos é de 50 minutos e estou a sua dispo-
sição. C: Não.

C: E. Eu já fiz terapia com outros psicólogos. Eu vim aqui T: Você não costuma falar.
porque... C: É. (silêncio)

Se o terapeuta estiver muito inseguro do seu papel, ele poderá até se T: Quer falar sobre algum assunto ?
abster de tomar a iniciativa ou de fazer perguntas, mas não consegui- C: Eu quero falar sobre qualquer coisa.
rá manifestar o calor e a compreensão empática necessários para
T: Não é muito de falar...
compensar estas abstenções. Em consequência disto, esta conduta
do terapeuta deixará o cliente apenas mais inseguro e defensivo. Ou C: Até sou mas acontece que, sabe né, é difícil né...
seja, a atitude não-diretiva não deve ser confundida com a atitude de
T: É difícil falar de você.
"abandonar" o cliente à sua própria sorte. A não-diretividade, pelo
C:É.
T: É complicado, falar dos outros é mais fácil, da gente fica
142. Rogers & Kinget, 1977, p. 96 mais difícil às vezes.
143. Rogers & Kinget, 1977, p. 96

148
C: É verdade. * terapeuta precisa ter sensibilidade e grande capacidade intuitiva. A
dimensão intuitiva da terapia centrada no cliente só pode ser desen-
T: As vezes precisa de um impulso para falar. volvida até um certo ponto. Precisa existir uma pré-disposição sensí-
C: É ( silêncio) vel no terapeuta, uma habilidade básica, já estruturada na sua perso-
nalidade, que lhe permite entrar em sintonia e compreender
T: Eu também não sei o que perguntar. empaticamente não somente o mundo interno do cliente como tam-
C: Ah eu sei, o que você acha que pode perguntar, aí eu res- bém a sua própria experiência organísmica. Este tipo de sensibilida-
pondo. de é um pré-requisito essencial para que o terapeuta possa ser empático
e congruente na relação terapêutica. Estar sensível e receptivo aos
T: Eu gostaria de saber mais sobre a sua história e sobre o sentimentos e ao processo experencial não só do cliente como tam-
que você gostaria de falar também. bém aos seus próprios é uma "arte", um "talento" ou um "dom", já
C: Mas prefiro que você pergunte, pode perguntar o que você que não é algo que possa ser aprendido como se fosse apenas uma
quiser que eu respondo, (silêncio) técnica. Entretanto, isto não significa que este talento não possa ser
desenvolvido, treinado e aperfeiçoado. É necessário um grande apren-
dizado, através de muita disciplina, para que o terapeuta seja capaz
de utilizar sua sensibilidade e intuição de maneira adequada na rela-
17. O desenvolvimento do terapeuta ção terapêutica. O aprendizado de um terapeuta pode ser comparado
com o aprendizado de um músico para tocar seu instrumento: assim
como um violinista precisa praticar pacientemente o simples ato de
A relação terapêutica centrada no cliente difere radicalmente segurar o arco para conseguir produzir uma bela música, também o
de todos os relacionamentos que vivemos em nosso dia-a-dia. É uma terapeuta precisa disciplinar pacientemente sua sensibilidade e intui-
relação que exige do terapeuta um nível de abertura à experiência, de ção para conseguir desenvolver sua capacidade empática a um nível
sensibilidade e de compromisso com o outro que não encontramos mais profundo144.
usualmente em nossos relacionamentos pessoais. Como vimos no
O terapeuta também precisa estar inteiramente receptivo à
capítulo 16 {diferença entre atitudes e técnicas terapêuticas), a pes-
verdade do outro e estar disposto a ser modificado pela relação.
soa do terapeuta é o único instrumento da terapia centrada no clien-
te. Por este motivo, o terapeuta centrado no cliente não pode ser Esta disponibilidade para reconhecer a verdade do outro implica numa
"qualquer" pessoa. Algumas condições são necessárias para que o disponibilidade para reconhecer seus próprios enganos, suas limita-
"jeito de ser" do terapeuta possa ser um instrumento terapêutico: ções, necessidades e vulnerabilidades. Esta característica do terapeuta
pode ser denominada de humildade, em contraposição a um senti-
Primeiramente, o terapeuta precisa ter uma confiança genuí- mento de onipotência e rigidez que impossibilita o terapeuta de se
na na tendência atualizante. Ou seja, ele precisa ter uma confiança abrir plenamente para a relação.
verdadeira, autêntica, de que o cliente possui dentro si os recursos
Além destas características de personalidade, também é im-
que necessita para se desenvolver e que ele é capaz de escolher, com
prescindível que o terapeuta já tenha experenciado o processo de
autonomia, o seu próprio caminho de crescimento. Esta confiança na
mudança terapêutica. Este processo, em muitos momentos, pode
capacidade do cliente tem que fazer parte da visão de mundo do
ser extremamente doloroso e assustador. Experenciar sentimentos que
terapeuta, precisa estar solidamente enraizada em seu sistema pesso-
até então eram negados ou distorcidos, olhar de frente para a realidade,
al de crenças e valores.
Além desta confiança básica na tendência atualizante, o 145. Esta metáfora do aprendizado do violinista foi utilizada por Portner (1994).

151
150
sem ilusões, é muitas vezes uma experiência aterradora. O medo de empática e auto-conhecimento, entre consideração positiva incon-
desintegração, o sentimento de auto-rejeição, a confusão, as dicional e auto-aceitação, e entre congruência e honestidade con-
ambivalências e incertezas tornam o processo de crescimento e sigo mesmo que se encontra a origem das dificuldades encontradas
mudança muitas vezes difícil de suportar. Para que o terapeuta possa pelo terapeuta para vivenciar as atitudes facilitadoras da terapia
efetivamente ajudar o seu cliente a mergulhar neste processo, supe- centrada no cliente.
rando seus medos e inseguranças, é necessário que ele tenha total
confiança no processo. Mas esta confiança do terapeuta somente
surge a partir da sua vivência pessoal, esta confiança só é possível
se o terapeuta já tiver vivido em si mesmo esse processo de mudança 17.1. As dificuldades para centrar-se no cliente
e transformação. Rogers, ao se referir à necessidade desta confiança
do terapeuta no processo, afirma: "É como seu eueo cliente, muitas
vezes amedrontados, nos deixássemos escorregar para dentro da Centrar-se no cliente, isto é, mergulhar no mundo do cliente,
corrente do vir-a-ser, uma corrente ou processo que nos conduz. Como se colocar no lugar dele e tentar sentir como ele se sente, não é uma
o terapeuta se deixou flutuar previamente nessa corrente de experi- atitude fácil de ser experenciada. Para centrar-se no cliente é neces-
ência ou de vida, achando-a compensadora, isso o torna cada vez sário, antes de mais nada, estar aberto a ele, aceitando-o positiva e
menos temeroso do mergulho. É a minha confiança que facilita ao incondicionalmente. Para estar aberto ao cliente, o terapeuta precisa
cliente embarcar também, aos poucos. "I45 estar sem defesas, isto é, precisa estar congruente com a sua experi-
ência. E é somente centrando-se no cliente que o terapeuta consegue
Mas não é somente pela necessidade de "transmitir" ao cliente compreendê-lo empaticamente. Dessa forma, podemos dizer que na
esta confiança no processo de mudança e em seus resultados atitude de centrar-se no cliente convergem e se realizam as outras
compensadores que o terapeuta precisa ter vivenciado previamente três atitudes facilitadoras: a consideração positiva incondicional, a
este processo. Este mergulho na experiência da mudança também compreensão empática e a congruência.
oferece ao terapeuta a possibilidade de adquirir outras condições
absolutamente necessárias para ser um facilitador na relação tera- Uma das dificuldades para centrar-se no cliente está na difi-
pêutica: auto-conhecimento, auto-aceitação e honestidade consi- culdade do terapeuta de entrar na "dor" do cliente. O terapeuta fica
go mesmo. O terapeuta precisa ter estas atitudes em relação a si apenas na "borda", na superfície, sem entrar na essência do que está
mesmo para ser capaz de vivê-las em relação ao cliente. Brian Thorne, sendo trazido, porque a dor do cliente lhe parece ser insuportável.
psicoterapeuta britânico, afirma que "você pode oferecer as condi- Esta dificuldade do terapeuta de entrar junto com o cliente na sua
ções para os clientes com algum tipo de integridade somente se você "dor" torna-se, então, um empecilho para o crescimento do cliente.
tenta oferecer essas condições para você mesmo. Se você é profun- Enquanto o terapeuta não conseguir entrar verdadeiramente no mun-
damente auto-rejeitador, como você pode oferecer aceitação para do do vivido do cliente, enquanto ele se mantiver distante, sentindo-
seus clientes? Se você é resistente ao auto-conhecimento, como você se ameaçado pela dor do cliente, ele estará dificultando a mudança
pode oferecer empatia ? Se você não está preparado para ser hones- terapêutica ao invés de estar facilitando-a.
to com você e estar em contato com o que está se passando dentro de Nestes exemplos, podemos observar as dificuldades que um
você, como você pode realmente ser congruente?"'46 terapeuta pode ter para se centrar no mundo do vivido do cliente:
Assim, é nesta relação indissociável entre compreensão
1) C: Penso que ela não é muito querida.

146. Rogers, 1995d,p.l28.


T: Me passa que você sente uma certa pena em relação a ela.
147. Portner, 1994.

153
152
C: Não tenho pena, por ela não, pelo que ela faz não. ele está fazendo um julgamento, uma avaliação. Além disso, quando
ele afirma que a cliente "quer provar às pessoas como é saudável" e
Na percepção do terapeuta, a cliente estava sentindo pena. Mas a que está difícil para ela "aceitar o fato de que não está doente", ele
resposta da cliente indica que o terapeuta não conseguiu centrar-se não está se centrando no mundo do vivido da cliente, muito pelo
no que ela estava realmente sentindo. contrário, está impondo-lhe as suas inferências que em nenhum mo-
mento estiveram presentes na experiência da cliente.
2) C: Eu não tenho vontade de perguntar, não tenho vontade
de ter contato nenhum com a Joana. Eu não gosto dela... 5) C: Não estou com vontade de fazer nada, eu tenho amanhã
estágio. Eu tenho prova amanhã e não sei nem do que se trata.
T: Você se sente muito mal com ela.
Sexta-feira inglês, que eu faltei esses dias, estou perdida nas
A cliente disse que não gostava de Joana, mas o terapeuta amenizou aulas. Eu não sei, se eu pudesse me enfiar num buraco, eu me
o seu sentimento, dizendo que ela apenas "se sente mal com ela". enfiava...
Ao "diminuir" o sentimento, o terapeuta evitou trabalhar a dor da T: Parece que você está canalizando todas as suas energias
cliente de "não gostar dela". A cliente iria trabalhar a questão do não nesse seus sentimentos, nessa confusão e isso parece que lhe
gostar, iria para um caminho desconhecido, mas o terapeuta mudou deixa sem energia para outras atividades.
o roteiro e evitou seguir por este caminho desconhecido.
O terapeuta não conseguiu compreender o sentimento vivenciado pelo
3) C: ...Tiago foi domingo na casa da minha madrinha, só que cliente. Se ele estivesse centrado no cliente, provavelmente teria feito
ela não deixou ele entrar lá dentro. Também não pede para alguma reiteração em relação ao sentimento do cliente de não estar
entrar, nunca subiu, mas ele nunca entrou quando eu estava conseguindo fazer as suas coisas, de estar sem vontade de fazer nada
lá. E eu fico bem longe da janela quando ele está perto, eu e de estar se sentindo sobrecarregado, e o cliente teria se sentido
não quero ver ele. compreendido.
T: Você não se sente bem com ele por perto.
6) C: Eu disse "estou muito bem". Finalmente estou muito
Esta situação é idêntica à do exemplo anterior Aqui, o terapeuta tam- bem. Enfatizei o átimo. Eu não sei se eu fiz alguma coisa, se
bém "amenizou" o sentimento da cliente. Ela disse que "não quer fui eu mesma que fracassei, demostrando assim ter ido com
ver" o Tiago, entretanto o terapeuta diminuiu a dor deste sentimento muita sede ao pote... Pretendo conseguir, pretendo, não tenho
dizendo-lhe que ela apenas "não se sente bem com ele por perto", certeza. Mas vou tentar...

4) C: Hoje estou um pouco melhor. Recebi pelo correio o re- T - Mesmo com tantos obstáculos que está sentindo pretende
sultado do último exame, este é o mais completo, o médico tentar.
infectologista me garantiu que é o exame mais completo e no-
Onde estão os "tantos obstáculos?" Sutilmente, o terapeuta está in-
vamente deu negativo para o vírus do HIV Olhe meus exames,
troduzindo obstáculos que não existem. Ao invés de se centrar no
veja o resultado.
sentimento do cliente, de ter fracassado e de ter ido com muita sede
T: Você está mais tranquila, isso é muito bom, no entanto, ao pote, o terapeuta coloca um elemento novo - os obstáculos - que
você quer provar às pessoas como é saudável, porém ainda levam a uma intelectualização. O terapeuta, de fato, está dando um
está difícil aceitar o fato de que não está doente. conforto ao cliente, como se estivesse lhe dizendo que "apesar dos
obstáculos, ele está conseguindo" e, assim, está evitando entrar na
Quando o terapeuta diz: "você está mais tranquila, isso é muito bom", "dor" do cliente.

154 155
0
7) C: Eu não sei, ultimamente estou sentindo muita náusea, inibem a liberação das forças de autonomia do cliente;
não tenho fome e o pior é que transei sem estar tomando nada ° promovem atitudes defensivas, na medida em que o cliente
para não engravidar. pode se sentir ameaçado pelas orientações, sugestões, per-
T: Você não usou camisinha? guntas ou explicações do terapeuta.
Neste exemplo, o terapeuta não se centrou na cliente, mas centrou-se o afastam o cliente do seu movimento interno, que é mais sá-
na sua preocupação com a gravidez dela. bio que todo o conhecimento intelectual do terapeuta.

8) C: Eu me sinto super mal, sério (nesse instante, enche os Quando o terapeuta não confia suficientemente na tendência
olhos de água). Por isso que eu converso, eu fico guardando atualizante do cliente, ele se sente inseguro para "abrir mão" do con-
tudo para mim. trole na relação terapêutica. A atitude de "entrega" que caracteriza a
não-diretividade exige do terapeuta uma profunda segurança interna
T: Você parece triste...
e uma inabalável confiança nas forças de crescimento do cliente.
O terapeuta fugiu da dor do cliente, pois ele não "parece triste" - ele As atitudes diretivas podem se expressar de diversas formas
está triste. Não houve empatia, pois o terapeuta evitou entrar no durante a sessão terapêutica. A mais comum delas é através de per-
movimento que o cliente estava trazendo, da realidade de que ele guntas que expressam uma "curiosidade" do terapeuta em relação
"está super mal". O cliente trouxe algo extremamente dolorido, mas ao cliente. Estas perguntas têm como consequência o afastamento do
o terapeuta não entrou nessa dor, ficou na "borda", dizendo-lhe que cliente do seu movimento de auto-exploração. Vejamos alguns exem-
ele "parece" triste. plos:
1) C: Você é psicóloga e eu tenho que lhe contar tudo que me
9) C: Sim, lá era muito bom e tenho boas recordações, falar
nisso me dá uma grande emoção. deixa mal. O relacionamento íntimo com meu marido não é
legal...
T: Nosso horário está terminando, vamos ficando por aqui.
T: Não é legal?
C: É, não é. Ele me procura muito pouco. Às vezes nós nos
relacionamos uma vez só por mês ...
17.2. As atitudes diretivas T: Estes encontros são de qualidade?

O terapeuta direcionou o movimento da cliente para a questão da


A não-diretividade, outra atitude fundamental da terapia qualidade, que, possivelmente, são valores do terapeuta. A cliente
centrada no cliente, também é muito difícil de ser vivida na prática, está dizendo que o relacionamento com o seu marido "não é legal",
pois exige do terapeuta uma confiança inabalável na tendência entretanto, o terapeuta, sem conseguir compreendê-la, reduziu tudo
atualizante do cliente. Quanto menos confiança o terapeuta tiver na à questão da qualidade.
capacidade do cliente de crescer com autonomia, mais ele tenderá a
controlar, orientar e dirigir o processo terapêutico. As atitudes 2) C: Sou afilha mais velha dentro da família de 3 irmãos e 2
diretivas inibem o processo de crescimento do cliente por várias ra- irmãs e prometi para minha mãe que eu sempre iria cuidar
zões: deles. Sou muito apegada a eles, e eles ainda sofrem comigo,
até meus irmãos sofrem.

156 157
T: Parece que seus pais também têm dificuldades em se afas- T: E foi se trancando conforme foi crescendo. Agora eu não
tar de você. entendi o que tem a ver com o que você falou de ser rapidinha,
como por exemplo, na alimentação.
C: Somos muito ligados um nos outros.
T: Como assim ligados ? Neste exemplo, o terapeuta está considerando que é importante que
ele entenda o cliente. Mas entender para quê? Esta atitude do terapeuta
Ao invés de centrar-se no sentimento da cliente de ser muito apegada coloca um limite na relação: o cliente terá que funcionar de forma a
a sua família, o terapeuta distorceu este sentimento dizendo-lhe que que o terapeuta o entenda. Só que o fato do terapeuta entender não
os seus pais é que são apegados a ela. Além disso, o terapeuta também significa que o cliente vai mudar. É o terapeuta quem deve ajudar o
esvaziou o movimento da cliente ao colocar o foco nos seus pais. A cliente a se compreender, através de uma atitude empática e não inte-
seguir, quando o terapeuta perguntou "como assim ligados?", ele lectual.
tentou dar um rumo, uma direção para o processo, demonstrando que Outra maneira bastante comum do terapeuta dirigir o processo
não está compreendendo a cliente e que não está confiando no ritmo do cliente, é "focalizando" a atenção do cliente para algum aspecto
dela. que o terapeuta considera importante. Estas tentativas de
"focalização", pelo fato de se originarem do referencial do terapeuta,
3) C: É, para as crianças não preciso falar, pensam que estou
tendem a gerar mais atitudes defensivas por parte do cliente. Alguns
triste por ter ficado sozinha sem meu marido. Sempre faço
exemplos:
isso.
T: Faz o quê? 6) C: Eu me senti enganada, não quero mais que isto aconteça
comigo. Quero cuidar de mim.
Se a dor, se a tristeza da cliente foi claramente expressa, o que o
terapeuta está querendo explorar? Ao invés de compreender o senti- T: Como assim, cuidar, quem sabe me fala sobre esse cuidar?
mento que ela estava trazendo, o terapeuta demonstrou uma curiosi-
dade pessoal que afasta a cliente do seu movimento interno. Aqui o terapeuta se afastou completamente das premissas básicas da
terapia centrada no cliente. Qual a necessidade de focalizar sobre
4) C: A sensação que eu tenho é que desde setembro de 95 eu esse cuidar? Para que levar a cliente por esse caminho, se ela já esta-
saí fora do ar, não vivi, não participei e não entendi o que va seguindo autonomamente por ele? Que necessidade o terapeuta
estava acontecendo. Sinto que acordei agora e quero muitas tem de orientá-la? Esta necessidade surge pela falta de confiança do
explicações a respeito disso. terapeuta no movimento interno da cliente. Ele está subestimando a
capacidade da cliente de seguir com autonomia no seu movimento
T: A respeito do quê? de auto-exploração. O terapeuta focaliza aquilo que ele julga impor-
tante, deixando de seguir e acompanhar a cliente naquilo que ela
O terapeuta apresentou a mesma atitude de curiosidade e de afasta-
considera importante.
mento do movimento do cliente que vimos no exemplo anterior.
7) C: E muito difícil para mim falar, não gosto de magoar
5) T: Não sei se eu compreendi, mas você falou que foi ama-
ninguém, prefiro me isolar, ficar na minha, sei lá, no meu
durecendo com o tempo em função desta vida familiar atribu-
lugar...
lada?
T: Sabe que lugar é este ?
C: E bastante.

159
158
A pergunta do terapeuta conduz o cliente a uma área "intelectual", a 1) T: Estou à sua disposição.
pensar sobre "que lugar é este", afastando-o do sentimento que ele C: Para mim está sendo difícil... (silêncio)
estava trazendo naquele momento, o sentimento de que ele "prefere
se isolar", que ele "não gosta de magoar". Com esta atitude de buscar T: Difícil...
"informações", o terapeuta foge da compreensão do sentimento do C: Difícil de falar sobre as coisas. Vamos com calma.
cliente de estar se isolando.
T: Me parece que isso acontece não só aqui, mas na sua vida.
8) C: Nos últimos tempos temos nos encontrado todas as se- C: É, eu tenho medo.
manas; passamos juntos todas as segundas, quando as crian-
ças vão para a casa do vô. Ele me faz sentir coisas que eu Nesse exemplo, o terapeuta além de não respeitar o ritmo do cliente,
nunca senti antes. Eu não consigo me separar dele. fez também uma inferência sem qualquer fundamento. Como o
terapeuta pode saber que "isto acontece não só aqui"? Ao invés de
T: Observe o que estão fazendo as tuas mãos (passava
centrar-se no medo que o cliente estava experenciando naquele mo-
ininterruptamente uma mão com a outra, com força).
mento, o terapeuta centrou-se nas suas próprias hipóteses e conjecturas
C: Parou com as mãos. a respeito do cliente.
T: Continue.
2) A cliente chegou dez minutos adiantada e é logo atendida
C: Continuou porém sem tanta força... pelo terapeuta:
T: O que este movimento tem haver com a sua situação atual ?
T: Oi, Estela, vamos passar?
Da mesma forma que no exemplos anteriores, a necessidade do C: Vamos.
terapeuta de guiar e conduzir a cliente reviam a sua total falta de
T: Vamos iniciar mais cedo hoje.
confiança nos recursos internos dela e a sua dificuldade de entrar no
mundo do vivido da cliente, de entrar, junto com ela, na sua "dor". C: Tá bom. (silêncio) Eu gosto de chegar mais cedo. Eu fico
pensando no que eu vou falar. Sabe, estes momentos são im-
portantes pra mim...

O que para o terapeuta pareciam ser dez minutos "ociosos", para a


Respeitar o ritmo do cliente
cliente eram dez valiosos minutos para pensar no que iria falar na
sessão. Inadvertidamente, o terapeuta "atropelou" o ritmo da cliente,
As atitudes diretivas muitas vezes se originam da necessidade desrespeitando a sua necessidade de se "preparar" para a sessão.
do terapeuta de "apressar" ou "acelerar" o processo do cliente. Quando
o cliente está muito defensivo, quando ele resiste a perceber os ele-
mentos incongruentes do seu autoconceito, o terapeuta pode sentir
dificuldade em aceitar o ritmo do cliente. Mas como a fruta que só
cai do pé quando está madura, a mudança no autoconceito só ocorre
quando o indivíduo está "maduro" para esta mudança. Tentar forçar
ou acelerar o processo faz com o cliente se sinta ainda mais ameaça-
do e, consequentemente, reforce ainda mais as suas defesas.

160 161
17.3. As atitudes tutelares Quando o terapeuta orienta e aconselha, é porque ele não
acredita que o cliente seja capaz de se auto-orientar;

Se o terapeuta não confia suficientemente nos recursos inter- Quando o terapeuta explica e esclarece éporque ele não acre-
nos do cliente, ele tentará lhe oferecer os seus próprios recursos dita que o cliente seja capaz de encontrar autonomamente suas
acreditando que, dessa forma, está ajudando-o. Por exemplo, se o próprias respostas ou porque ele não acredita no valor das
terapeuta não confia na capacidade do cliente para encontrar as res- respostas que o cliente possa obter;
postas que procura, ele tentará lhe dar explicações e esclarecimen- Quando o terapeuta consola e encoraja é porque ele não con-
tos. Se o terapeuta não confia na capacidade do cliente para escolher fia suficientemente nas forças de crescimento do cliente;
com autonomia a sua própria direção, ele tentará orientá-lo ou
Quando o terapeuta apoia ou estimula é porque ele não con-
aconselhá-lo. Da mesma forma, se o terapeuta não confia nas forças
fia na capacidade do cliente de crescer com autonomia.
internas de crescimento do cliente, ele tentará consolá-lo, encorajá-
lo, apoiá-lo e estimulá-lo. Em todos estes casos, o terapeuta está agindo
As atitudes tutelares esvaziam e obstruem o processo terapêutico
de forma tutelar e ao invés de estar facilitando a liberação dos
porque suprem o cliente dos recursos, da força, do encorajamento e
recursos internos do cliente, está, muito pelo contrário, impedindo
do apoio que ele poderia encontrar em si mesmo. As atitudes tutela-
ou dificultando esta liberação.
res retêm o cliente, mantendo-o preso a suas dificuldades, já que ele
As atitudes tutelares são extremamente comuns em qualquer encontra no terapeuta a pessoa que faz por ele aquilo que poderia
tipo de relacionamento. De uma maneira geral, o modo como as pes- fazer por si mesmo. Por este motivo, quando o terapeuta é tutelar, ele
soas procuram se ajudar uma às outras é através de atitudes tutela- comete um grande dano ao processo terapêutico.
res. Pais, professores, amigos, médicos, advogados, assistentes soci-
ais, etc, utilizam geralmente formas tutelares de ajuda. Aconselhar,
orientar e esclarecer ou consolar, encoraja, e estimular são as for-
mas mais comuns de ajuda. Contudo, a relação terapêutica centrada
no cliente é uma relação sui generis, completamente distinta dos re-
lacionamentos comuns. Se o terapeuta é tutelar com o seu cliente, Exemplos de atitudes tutelares:
ele está simplesmente reproduzindo um sistema que sempre agiu desta
forma em relação a ele. Mas o compromisso do terapeuta é com a
liberação das forças de crescimento do cliente. Ser terapeuta é dife- 1) (Silêncio)
rente de ser pai, amigo, médico ou professor. O terapeuta não está C: Nem sei por onde começar, estou nervoso.
presente, ali na relação terapêutica, para oferecer a "mesma coisa"
que todos os outros indivíduos sempre ofereceram ao cliente: formas T: O que te levou a procurar ajuda?
tutelares de ajuda. Este é o grande diferencial da relação terapêutica
centrada no cliente e o compromisso ético do terapeuta: acima de Neste exemplo, o terapeuta não confiou na capacidade do cliente de
tudo, confiar nas forças de autonomia e crescimento do cliente. Ao iniciar a sessão e resolveu "dar-lhe uma mãozinha". Ele tentou "re-
invés de oferecer respostas, soluções, um ombro amigo para se apoi- solver" o problema do cliente, iniciando a sessão por ele e tirando-
ar e consolo, o terapeuta oferece a sua confiança incondicional na lhe a oportunidade valiosa de explorar a sua dificuldade e superá-la.
capacidade do cliente de crescer com autonomia.
2) C: Está difícil entender o que aconteceu. Sabe, eu sempre
De uma maneira geral, podemos afirmar que: fui gordinha... Após o meu casamento, eu engordei 22 kg. De-
pois que ele morreu, tenho ficado menstruada todos os dias,

162 163
O terapeuta tentou tranquilizar e estimular a cliente dizendo-lhe que
sonho muito e são sempre pesadelos em que morrem pessoas
ela estava indo bem, apesar das dificuldades. Entretanto, a necessi-
que eu gosto. Estou tão confusa que nem sei o que pensar e o
dade do terapeuta de ser tutelar não lhe permitiu centrar-se na cliente
que fazer... Estou sempre doente? Por favor, me responda,
e perceber a tensão que ela estava sentindo. Dessa forma, devido a
doutor.
esta atitude tutelar, a cliente não conseguiu se sentir compreendida
( silêncio) pelo terapeuta.
T: Me faz pensar que a situação pela qual você vem passando
contribuiu para que o seu emocional ficasse muito afetado e
automaticamente atingisse o seu físico.
17.4. A racionalização
A cliente, aflita, pediu ao terapeuta que lhe desse uma resposta. O
terapeuta, ao invés de responder ao sentimento da cliente naquele
instante - de estar confusa, sem saber o que pensar nem o que fazer - Entrar no mundo dos sentimentos, no mundo do vivido do
resolveu tranquilizá-la, esclarecendo intelectualmente sua situação. cliente, não é uma atitude fácil, pois exige do terapeuta uma grande
Ou seja, ao invés de aceitar a confusão da cliente, o terapeuta tentou abertura à experiência. Diante da dificuldade de sentir o cliente, o
acabar com ela, fazendo pela cliente o que ela seria capaz de fazer terapeuta pode utilizar o recurso da racionalização ou intelectuali-
por si mesma, mais cedo ou mais tarde, se ele confiasse na sua zação: ao invés de compreender empaticamente os sentimentos do
tendência atualizante. cliente, o terapeuta tenta explicá-los. A consequência desta postura
"intelectual" do terapeuta é que o cliente, ao tentar seguir o rumo
3) C: Ah! ...gostei. Já estou saindo mais tranquila. indicado por ele, acaba se afastando ainda mais de seus sentimentos
e de sua própria experiência organísmica.
T: Que bom! Bem, então até o nosso próximo encontro.
Por exemplo:
4) T: Bem, estamos no final de nosso encontro e eu gostaria de
encerrar dizendo que eu fico muito contente em lhe ver as- 1) T: O que eu entendi é que você disse que tem a ver.
sim... Nos encontramos na próxima semana.
C: Sim. Eu acho que tem a ver.
Nestes dois exemplos, o terapeuta mostra uma atitude de apoio e T: Me parece que tudo aquilo que você me colocou da sua
estímulo. Esta atitude é prejudicial ao processo terapêutico porque história, isto seria consequência da sua relação familiar.
expressa uma avaliação, ainda que sutil, do processo do cliente - o
C: Grande consequência.
terapeuta julga certas coisas como "boas", que o deixam contente - o
que implica que "outras coisas" não são boas nem o deixam o con- T: Agora, parece que, para você, está claro isto e quanto mais
tente. Muito sutilmente, o terapeuta dirige o processo do cliente para você clareia esta história mais fácil fica para você enfrentar.
aquilo que ele considera bom, estimulando a dependência e dificul- Não que você esteja apta, mas que está mais tranquila.
tando a liberação das forças de autonomia do cliente.
Neste outro exemplo, a cliente, felizmente, percebeu a inutilidade
5) T: Me parece que, embora difícil, até que os assuntos bro- das explicações teóricas do terapeuta e pode comunicar-lhe esta per-
tavam e fluiu bem de ti. cepção:
C: Que bom que fluiu porque eu ainda estou tensa. T: Me parece um pouco assim: se ele se sente derrotado, você

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acaba se sentindo derrotada junto... quando ele se sente der- profundo com a sua própria experiência. Apresença calo-
rotado, ele vai se vingar, se revoltar e talvez você acabe se rosa do terapeuta, compartilhando desse silêncio, oferece
sentindo que vai ser derrotada... você tem que dar o gostinho ao cliente a segurança e a aceitação que ele necessita para
da vitória pra ele pra você se sentir... realizar este mergulho interior.

C: E que aquilo ali é a realidade, aquilo ali não é... não é... Um terapeuta muito defensivo pode se sentir ameaçado com o silên-
teoria... Na teoria é fácil... mas o problema é conviver lá den- cio na sessão. Ele pode se sentir "ansioso" por acreditar que "tem
tro... que" se mostrar produtivo, que tem que "mostrar trabalho". Dessa
forma, ele acaba dizendo "qualquer coisa" apenas para acabar com o
silêncio. Por exemplo:

17.5. O silêncio 1) C: O médico me dava remedinhos, mas a cabeça continu-


ava a mesma loucura. ...(silêncio)
T: Você disse que a cabeça estava mal. Fale um pouco
O silêncio na relação terapêutica pode ter diversos sentidos e
mais sobre isto.
pode ser experenciado de diversas maneiras tanto pelo cliente quan-
to pelo terapeuta. Basicamente, podemos identificar alguns destes Por que o terapeuta quer que o cliente fale sobre "isto"? Quebrando
significados: o silêncio, o terapeuta desrespeitou o ritmo e o movimento do clien-
te, desviando-o do seu processo interno. Ao invés de confiar no
1) o silêncio como uma dificuldade do cliente para se expres- cliente e tentar compreendê-lo, o terapeuta interrompeu o seu movi-
sar verbalmente: O cliente pode estar com medo, se sentin- mento de auto-exploração. Não podemos saber para onde iria esse
do ameaçado, ansioso ou confuso e estes sentimentos po- movimento se o terapeuta não o tivesse interrompido e desrespeita-
dem estar impedindo-o de se expressar verbalmente naquele do. Mas sabemos, com certeza, que este movimento, se fosse com-
momento. preendido e aceito pelo terapeuta, conduziria o cliente para muito
mais perto de sua experiência organísmica.
2) o silêncio como uma defesa do terapeuta: Se o processo do
cliente "mobiliza" algum sentimento ou experiência inter-
2) T: Meu nome é Jorge e estou a sua disposição.
na do terapeuta que ele não consegue lidar durante a ses-
são, ele pode não saber o que dizer ao cliente. Neste mo- C: (Silêncio)
mento, por estar se sentindo ameaçado, ou "mexido", o T: Parece que é difícil falar das suas coisas.
terapeuta silencia.
C: É difícil.
3) o silêncio como uma forma do cliente testar o terapeuta: O
cliente pode sentir necessidade de "testar" o terapeuta an- T: A impressão que passa é que você tem algumas coisas mui-
tes de poder confiar nele. to doloridas..

4) o silêncio como um momento muito rico e produtivo de C: (balança a cabeça deforma afirmativa)
auto-exploração do cliente: Quando existe um clima de
Neste exemplo, o terapeuta também quis romper o silêncio "na marra",
grande segurança na relação terapêutica, os momentos de
forçando o cliente a "falar das suas coisas".
silêncio são oportunidades muito valiosas para o cliente se
aproximar mais de si mesmo, para entrar num contato mais

166 167

3) C: (Chora mais ainda) - 5) Uma cliente relata o significado que teve para ela uma ses-
são na qual o seu terapeuta ficou todo o tempo em silêncio:
( silêncio) "O silêncio dele fazia eu me sentir profundamente aceita. Eu
T: O que será que este silêncio quer dizer ? não precisava me explicar para ele, não precisava falar de
mim, bastava eu ser, eu estar ali. Naquela hora eu percebi que
O terapeuta não suportou o silêncio emocionado do cliente. Se ele não precisava ficar me justificando, eu não precisava ficar
tivesse conseguido esperar, o cliente possivelmente iria emergir des- falando sobre mim. Eu poderia tanto falar como não falar: eu
te silêncio com alguma descoberta ou com algum significado muito não "tinha que " fazer nada para ser aceita. O silêncio dele
profundo para a emoção que estava sentindo naquele momento. A me permitiu mergulhar muito fundo em mim mesma, nos meus
pergunta do terapeuta, no entanto, "atrapalhou" o movimento do cli- sentimentos. Eu sentia seu silêncio como uma forma de res-
ente, interferindo neste processo de auto-exploração, pois dirigiu a peito e como uma confiança muito profunda em mim, no que
sua atenção para uma questão de natureza apenas "intelectual". eu sou. Ali, junto dele, eu não senti medo de mergulhar fundo
em mim e perceber certas coisas que eu jamais havia me per-
Portanto, quando o silêncio surge na sessão terapêutica, o mitido perceber antes. Ele estava ali, comigo, sem me julgar,
terapeuta precisa ter muita sensibilidade para discernir que signifi- sem me avaliar. Sem que ele falasse uma só palavra, eu me
cado tem aquele silêncio naquele momento, para perceber se o clien- senti acolhida, protegida e segura como nunca havia me sen-
te está se sentindo ameaçado ou se é ele mesmo quem está se sentin- tido antes, em toda a minha vida. A sua presença me acolhia e
do ameaçado; para perceber se o cliente o está desafiando ou se aquele me dava segurança para eu prosseguir no meu mergulho inte-
silêncio está sendo uma oportunidade valiosa para o cliente mergu- rior. Esta sessão transformou profundamente minha vida, pois
lhar mais profundamente no seu movimento de auto-exploração. O ali eu consegui perceber que posso ser eu mesma. Que não
silêncio na sessão terapêutica é como a corda de um violão - se esti- preciso "fazer força " para ser aceita e amada. Basta eu ser!!"
ver frouxa demais, o som não sai e se estiver esticada demais, a corda
arrebenta. Se o silêncio for tenso, ou se o silêncio for uma desculpa
para o terapeuta não correr riscos e se ausentar da relação, então ele
se torna prejudicial ao processo terapêutico. Mas se o silêncio estiver
pleno da presença confiante e receptiva do terapeuta, ele se torna um 17.6. As perguntas do cliente
grande facilitador da mudança terapêutica, pois ajuda o cliente a se
aproximar mais de si mesmo, a entrar em contato mais profundo com
a sua experiência. Por exemplo: Quando o cliente faz uma pergunta ao terapeuta, existe um
sentimento que a está motivando. Se o terapeuta não percebe este
4) O cliente solicita ao terapeuta uma sessão extra. É a pri- sentimento e simplesmente dá a resposta solicitada, ele "esvazia" o
meira vez que ele faz esta solicitação. Ele entra no consultó- processo do cliente, pois perde uma oportunidade valiosa de respon-
rio, se senta e fica 50 minutos em silêncio. Ele chora, ri, se der a este sentimento. Certamente não existem "regras" de como o
mexe na poltrona, mas não verbaliza nada. Ao final dos 50 terapeuta deve responder às perguntas do cliente, mas existe um prin-
minutos, o terapeuta lhe diz que o tempo da sessão terminou. cípio que deve sempre guiá-lo em suas respostas: manter-se centrado
O cliente, então, diz: "Só para te acalmar, foi a melhor coisa no processo do cliente. Isto significa que o terapeuta deve tentar
que eu fiz na minha vida, pedir esse horário, é a primeira vez perceber qual o sentimento que está motivando a pergunta e respon-
que eu consigo pedir algo, eu estou cansado de falar, falar, e der a este sentimento e não à questão em si.
quero me escutar, me ouvir mais... "

168 169
Um exemplo da importância de se responder ao sentimento ou C: É o pão de cada dia.
ao significado que a pergunta tem para o cliente ao invés de respon- T: H-hm... Um pão antes amargo... que lhe proporcionam seu
der simplesmente ao conteúdo da pergunta, encontra-se no livro marido e seu círculo de amigos - se bem compreendo.
"Psicoterapia e relações humanas" de Rogers & Kinget. A cliente
fez a seguinte pergunta ao terapeuta: Kinget comenta os efeitos que a resposta do terapeuta teve no pro-
cesso de auto-exploração da cliente:
1) C: O senhor é crente?... quero dizer... acredita... na religião?
"A cliente, esquecendo sua pergunta e, talvez, ao mesmo tem-
Comentando esta pergunta, Kinget afirma: po, agradavelmente surpreendida e tranquilizada pela
constatação de que o terapeuta é capaz de adivinhar o senti-
"Na sua forma, estas palavras representam uma questão que mento que anima suas palavras e de refleti-lo de tal modo que
visa a obter uma simples informação. Em certo sentido, se- se torna fácil para ela admiti-lo, entrega-se finalmente a ex-
cundário, isto é o que significa a questão. Mas sua significa- pressar o obstáculo que impedia o desenvolvimento de uma
ção pessoal é de ordem emocional. (...) O contexto da relação atitude de confiança com relação ao terapeuta."
e o comportamento não-verbal — tom de voz, expressão facial
da cliente - sugerem que sua "questão' é uma manifestação A cliente não estava, realmente, tão interessada em saber se o terapeuta
de insegurança, de temor de ser incompreendida, de não en- era crente ou não, ela estava interessada em saber se ele poderia
contrar o respeito necessário à expressão de sentimentos pro- compreendê-la ou não. Somente ao final da terapia ela referiu-se
fundos".147 novamente a esta questão, mas de forma um tanto divertida:
O terapeuta, por este motivo, respondeu à significação emocional da C: "Afinal, não concluímos ainda se o senhor é crente!"
pergunta, e não ao seu aspecto formal, de simples busca de informa-
ção: T: "Esta questão continua ainda levantada, hein?"
C: "Realmente não. Não, no ponto em que estamos. Compre-
T: Você quer dizer que... a menos que fosse crente... eu não endi que este é um 'problema seu' (expresso de maneira hu-
poderia compreender o que ia me dizer? morística) "
C: Mas... não sei. Acontece tão frequentemente que pessoas
como o senhor... enfim, como meu marido e as pessoas de sua É comum o cliente perguntar a opinião do terapeuta a fim de obter
relações sejam descrentes. uma aprovação ou apoio para as suas atitudes ou decisões. Se o
terapeuta responde expressando a sua opinião a respeito do assunto,
T: ...que... muito frequentemente você pensa que é melhor guar- ele se descentra do processo do cliente e a relação passa a ser centrada
dar consigo mesma certas coisas que lhe importam intima- no terapeuta. Como consequência disto, não apenas o processo do
mente... pelas quais você experimenta uma certa reverência, cliente é esvaziado, como também a autonomia do cliente é ameaçada.
como as questões de religião. Se este tipo de resposta é frequente na relação, o terapeuta torna-se
C: Sim. Isto (falar disto) apenas serve para fazer com que nos um promotor da dependência do cliente.
pareçamos estúpidos ou para que fiquemos isolados.
2) A cliente telefona para o terapeuta num sábado, tarde da
T: Este é um sentimento que lhe parece ser familiar noite, dizendo que precisava falar com ele com urgência. A cliente,
que é uma mulher casada, diz ao terapeuta que seu antigo amante
148. Rogers & Kinget, 1977, p. 71

170 171
/
convidou-a para sair e pergunta: "O que você acha ? Saio com ele ou da sua experiência como se fosse a experiência verdadeira. Por
não saio?" exemplo:

T: "Se eu disser sim ou não vai influenciar na sua decisão?" C: Agora estou sozinha, completamente só. Então, eu fico me
perguntando, quem vai cuidar de mim ?
C: "Não, porque eu já sei o que vou fazer. Desculpe ter lhe
acordado a essa hora. Eu falo sobre isso na nossa próxima T: Eu.
sessão "
Neste caso, o terapeuta não está sendo apenas tutelar. Muito pior do
Este exemplo também mostra que uma resposta verdadeiramente que isso, ele está mentindo, está oferecendo ao cliente algo que não é
empática não é a resposta ao conteúdo "formal" da questão, mas ao real. O terapeuta não irá "cuidar" do cliente no sentido em que ele
seu significado emocional. O terapeuta percebera que a cliente não está querendo se sentir cuidado. O terapeuta está apenas sendo pago
estava buscando realmente a sua opinião, mas a sua aprovação para para ajudá-lo. Mas o cliente está perguntando por outro tipo de cui-
uma decisão que já havia tomado. O terapeuta, então, respondeu dado: um amor, uma atenção que o terapeuta não pode lhe oferecer.
"apenas" ao significado emocional da sua pergunta. Na verdade, o cliente está fazendo a pergunta para si mesmo e só ele
tem acesso à resposta que procura. Mas o terapeuta se apropriou da
Por outro lado, existem também perguntas do cliente que ex-
sua pergunta, dizendo-lhe que tinha a resposta, e isto é um "contra-
pressam uma compreensão empática do cliente em relação ao
bando": ele está enganando o cliente.
terapeuta. Por exemplo:

3) C: "Você está cansado?"

Neste caso, se o terapeuta está realmente cansado, obviamente ele 17.8. As etapas no desenvolvimento do terapeuta
não pode negar a percepção correta que o cliente está tendo. Se ne-
gasse, o terapeuta estaria sendo incongruente, o que provocaria uma
Como o terapeuta centrado no cliente é ele próprio o seu ins-
distorção na experiência do cliente.
trumento de trabalho, as técnicas e o conhecimento teórico adquirido
não são suficientes para garantir a qualidade de seu trabalho. Por
este motivo, o desenvolvimento profissional do terapeuta é comple-
tamente dependente de seu desenvolvimento pessoal. O terapeuta
17.7. Falsificando a experiência necessita ampliar a consciência de seus processos internos e aprimo-
do cliente: "O contrabando" rar sua sensibilidade para poder se abrir com mais confiança à expe-
riência de si mesmo e do cliente na relação terapêutica ao invés de
buscar um aperfeiçoamento das "técnicas" ou a simples aquisição de
O terapeuta, tendo dificuldade em entrar no mundo do cliente mais "informações". Neste sentido, podemos identificar algumas eta-
e sentir junto com ele a sua "dor", pode tentar distorcer a experiência pas necessárias para o desenvolvimento do terapeuta centrado no
do cliente, falseando a realidade que ele está trazendo por sentimen- cliente:
tos e experiências do terapeuta. Chamamos esta atitude de "contra-
bando", pois assim, como na fronteira, mercadorias são falsificadas
para serem vendidas como se fossem genuínas, também na relação
terapêutica o terapeuta pode oferecer ao cliente uma "falsificação"

172 173
I. Aprender a não esvaziar o processo 2. Evitando experiências que são
terapêutico do cliente s
l ameaçadoras para o terapeuta:

Antes de mais nada, o terapeuta precisa aprender a não "atra- As dimensões da experiência que o terapeuta não consegue
palhar" o movimento do cliente. Este é o aprendizado básico - não integrar no seu auto-conceito são percebidas por ele como ameaça-
dificultar, não interferir, não desviar o cliente do seu movimento - doras quando são trazidas pelo cliente ao longo do processo
atitudes estas que levam, basicamente, a um "esvaziamento" do pro- terapêutico. Para se defender desta ameaça, o terapeuta pode ignorar
cesso terapêutico. São muitas as maneiras pelas quais o terapeuta ou evitar estas experiências, não conseguindo se centrar no cliente.
pode esvaziar o processo do cliente - algumas muito evidentes e ou- Entretanto, enquanto estas experiências não forem reconhecidas e
tras bastante sutis: "trabalhadas" no processo terapêutico, o cliente continuará trazen-
do-as até se sentir compreendido. Por conseguinte, o terapeuta só
conseguirá facilitar o processo do cliente quando for capaz de reco-
nhecer e integrar as suas próprias experiências negadas ou distorcidas.

1. Através de atitudes tutelares:


Exemplos:

C: Nós temos uma filha que mora longe, a outra mora junto. E
As atitudes tutelares dificultam a liberação das forças de cres-
difícil estarmos sozinhos. Quando ela sai, eu brinco com ele,
cimento do cliente. Quando o terapeuta assume uma atitude tutelar,
eu gosto muito das brincadeiras: enfim sós! Estamos sós, en-
ele se coloca numa posição de autoridade na relação e se torna o
tão vamos aproveitar, vamos transar, porque quando ela está
provedor de respostas, de apoio e encorajamento para o cliente.
aí, ele tem mania de dizer: Ah, mas afilha está aí. Lá em casa
De uma maneira geral, as atitudes tutelares aparecem quando: todos os quartos tem portas. Não tem porquê.

° diante da confusão do cliente, o terapeuta esclarece; T: Sua filha é grande?


° diante da dor, o terapeuta consola; O terapeuta está evitando o tema da sexualidade. Por que ele quer
0
diante do sentimento de impotência, o terapeuta encoraja; saber se a filha da cliente "é grande"? O que a cliente está trazendo é
° diante do sentimento de vulnerabilidade, o terapeuta protege. que não existe motivo nenhum para não haver envolvimento sexual
entre ela e seu marido. Mas ela não foi compreendida pelo terapeuta.
Dessa forma, provendo o cliente dos recursos que ele poderia encon- Ao invés de centrar-se na cliente e no seu sentimento de não compre-
trar em si mesmo, o terapeuta acaba esvaziando o processo terapêutico. ender porque o marido a evita sexualmente, o terapeuta assumiu o
mesmo referencial do marido.
Por exemplo:
C: ...as pessoas não me aceitam...
C: Eu gosto de ir ao cinema, mas ele não valoriza essas coi-
T: Me parece que você tem receio que eu não te aceite...
sas. Mas eu gosto muito de ir ao cinema...
C: Não, não é isso... (silêncio) Eu não sei explicar... Vou ter
T: Você já pediu para ele levar você ao cinema ?
que falar dos meus problemas para você...
C: Já cansei de pedir isso para ele...
(silêncio)

174 175
T: Bem nós temos que fazer algumas combinações,,.. der(...) eu disse: agora vocês se apertaram, ficaram tudo mor-
rendo de medo... Eu queria gozar dos dois, sabe ?(...) Ah! Agora
O terapeuta fugiu da dor do cliente. Já que o cliente "não sabe expli- ficou ruim para vocês dois? E eu fiquei rindo dos dois, sabe?
car" e o terapeuta não quer correr riscos no "desconhecido", ele foge Daí, vamos ver...
para a certeza, desviando o movimento do cliente para a combina-
ção do contrato terapêutico. Como o cliente "não sabe" e o terapeuta T: Você sentiu vontade de chorar também.
não confia no seu movimento de auto-atualização, ele decide estruturar Após uma reunião de supervisão, a terapeuta escreveu o seguinte
a relação. Mas se o terapeuta não se centrar no cliente e não depoimento sobre este momento da sessão: "Mas porque que eu dis-
compreendê-lo, a dor do cliente de não se sentir aceito e de "não se isso? Vi que o sentimento de ironia, de zombaria que a cliente
saber explicar" voltará. tinha trazido não fora compreendido por mim, por isso eu quis que
ela voltasse para a tristeza, que era o sentimento que me interessa-
va... E então eu me dei conta, claramente, porque eu havia feito isso:
a ironia é um sentimento desconhecido pra mim, com o qual eu não
3. Focalizando as experiências nas quais o terapeuta me sinto familiar, ao passo que a tristeZa é um sentimento que eu
possui maior segurança ou controle: conheço profundamente... Era mais fácil para mim conduzira clien-
te a falar de sentimentos que ressoavam com os meus, ao invés de
respeitar o movimento dela..."
O terapeuta pode focalizar privilegiadamente a sua atenção
nos sentimentos e experiências com que já está familiarizado e pos-
sui algum controle ou conhecimento. O terapeuta torna-se, assim,
"seletivo" em relação aquilo que está disposto a escutar, sentir e com-
preender da experiência do cliente, tentandi conduzir o processo
terapêutico para os temas nos quais ele se sente mais seguro e à von-
tade. 4. Não conseguindo se descentrar de si mesmo:

Exemplo: O terapeuta pode, por insegurança ou curiosidade, não conse-


guir se descentrar de si mesmo, de suas próprias necessidades e sen-
timentos para se centrar no mundo do vivido do cliente. Preocupan-
C: ...mas eu também tinha vontade de chorar, entende?
do-se comos fatos, necessitando mostrar^ "competente"e queren-
T: Você também estava com vontade de chorar... do se sentir valorizado pelo cliente, acaba esvaziando o processo
terapêutico.
C: (interrompendo a terapeuta) mas eu disse: eu não vou cho-
rar. Daí o Daniel disse: o melhor que nós vamos fazer, é se
aquietar todo mundo e terminar de arrumar a nossa casa, fa-
zer a frente, botar laje aqui, botar não sei o quê... E eu disse: Exemplo:
tão engraçado... não queria tanto que vendesse a casa... você
não atirou tanto na minha cara que era para eu vender? pois Depoimento de um cliente:
agora, vamos vender. (...) Daí ele veio me abraçar e me beijar
"Naquela semana eu tinha muito a falar, minha mente estava
e disse: você não vai vender, né? E eu disse: não, eu vou ven-
em ebulição e eu não tinha certeza das decisões e caminhos a

176
177
tomar. Estava saindo da faculdade e um amigo ofereceu caro- Exemplo:
na até o consultório do meu terapeuta. Por uma coincidência
(feliz ou infeliz não sei até hoje) estava no carro um amigo do A cliente estava falando dos seus medos e inseguranças na
meu amigo, que eu não conhecia, e o terapeuta dele era o relação com o seu namorado. De repente, ela desviou comple-
mesmo meu. Quando cheguei no consultório contei isto a ele tamente o assunto e passou a falar sobre a mãe de uma amiga
como forma de iniciar falando sobre algo leve, cotidiano, para sua. Durante dez minutos, a cliente ficou discorrendo sobre
depois começar a falar sobre o que eu realmente queria e ne- todos os defeitos dessa pessoa, narrando uma situação ocor-
cessitava. Bem, ele ficou tão abalado de eu conhecer este cli- rida entre ambas com os mínimos detalhes e repetindo, frase
ente dele que não parava de me perguntar detalhes sobre o por frase, todo um diálogo ocorrido entre elas.
que eu havia conversado com ele e não deixava eu falar sobre
Em certo momento o terapeuta percebeu que nada daquilo fazia sen-
mim. Saí decepcionado e confuso, pois não sabia porque ele
tido. Ele não estava interessado na mãe da amiga da cliente e aqueles
queria saber tanto sobre algo que não me importava e não via
minutos estavam sendo completamente entediantes para ele. Só en-
relação deste episódio com o meu momento. No encontro se-
tão ele percebeu que, com esta "conversa", a cliente estava fugindo
guinte, ele perguntou novamente sobre o episódio. Eu tentei
do seu processo interno, da sua dor. O terapeuta decidiu que não iria
desconversar, disse para ele que o assunto realmente não in-
mais "compactuar" com esta sabotagem da cliente e lhe expressou o
teressava e que tinha outras coisas muito importantes para
seu sentimento de que ela parecia estar evitando falar dos sentimen-
falar. Ele insistiu e eu disse que só poderia acreditar que era
tos que a estavam realmente perturbando naquele momento. A clien-
algum problema dele e que no caso a terapia era minha e que,
te concordou com o terapeuta e sentindo-se, então, compreendida,
caso ele quisesse, poderíamos conversar sobre isto em outro
conseguiu retornar ao seu movimento de auto-exploração.
momento; não no espaço terapêutico. Foi um momento muito
difícil e não gostaria de passar por isto novamente. A partir Neste caso, o terapeuta teria sabotado o processo se tivesse
daí a relação terapêutica se perdeu nuito e acabei mais tarde deixado a cliente prosseguir no seu movimento de evitação, sem ex-
desistindo de fazer terapia com ele." por os seus próprios sentimentos em relação a isso. Com certeza,
seria mais fácil para o terapeuta compactuar com a cliente nessa sa-
botagem, pois, assim, ele também não precisaria correr riscos.

5. Sabotando o processo do cliente:

Quando o cliente começa a se sentir ameaçado pelas experiên- 6. Perdendo-se no "jogo" da dúvida do cliente.
cias que vai reconhecendo ao longo do processo terapêutico, ele pode
tentar "sabotar" o processo, desviando o seu movimento para áreas
mais seguras da sua experiência e evitando tocar ou falar da sua dor. A vida é um contínuo. Não é como um pêndulo de um relógio
Quando o terapeuta percebe que o cliente está fugindo da dor, que que vai e vem, mas um contínuo que vai e vai. A vida vai e vai, não
está falando de coisas completamente externas à sua experiência, tem volta. Sempre estamos decidindo, embora a nossa decisão, algu-
que está se colocando de fora do processo, ele pode "entrar no jogo" mas vezes, possa ser apenas interna, sem que a executemos externa-
do cliente e sabotar o processo junto com ele. mente. No processo terapêutico, a dúvida do cliente parece um fato.
Mas será que a dúvida existe realmente?

178 179
«
Por exemplo, a cliente que diz ao terapeuta: "Não sei se me III. Desenvolver o seu próprio
separo do meu marido", está apenas ruminando uma possibilidade. "jeito de ser" como terapeuta
Mas não existe o amanhã, existe somente o aqui-agora. Na prática
ela já tomou uma decisão, ela já realizou uma ação concreta - ela não
se separou. A cliente não tem dúvida realmente, pois ela já fez a sua Temos escutado muito frequentemente terapeutas que, tendo
decisão. Mas se o terapeuta entra no jogo da dúvida, ele se perde. O dificuldade em vivenciar as atitudes terapêuticas centradas no clien-
cliente está decidindo sempre, a cada instante; no entanto, ele tem te e não conseguindo, dessa forma, ajudar os seus clientes, recorrem
medo da sua incapacidade, medo de enfrentar a impossibilidade. A ao uso de "técnicas" oriundas de outros referenciais teóricos e justi-
dúvida é, então, uma certa justificativa, uma des-responsabilização ficam esta atitude dizendo simplesmente: "este é o meu jeito de
frente àquilo que ele não está conseguindo fazer. O cliente fica no ser"... Mas isto é uma grande falácia. Para que o terapeuta consiga
jogo da dúvida para não assumir a sua decisão, e o terapeuta também desenvolver o seu próprio "jeito de ser" como terapeuta, ele precisa
pode cair nesse jogo. primeiramente aprender a não esvaziar o processo terapêutico e ser
capaz de compreender tanto o movimento do cliente quanto o seu
A duvida é um porto seguro. O barco no alto mar tem mil próprio movimento na relação terapêutica. A metáfora do violinista
alternativas: a dúvida é quando ficamos no porto. utilizada no início deste capítulo nos será útil mais uma vez: antes
que o violinista possa compor e criar suas próprias melodias, ele
precisa aprender a "tirar o som" do violino. Este aprendizado, de
segurar o arco, de encontrar as notas, de fazê-las vibrar com suavida-
II. Compreender o movimento do cliente e o seu de e beleza requer paciente disciplina e dedicado esforço. Somente
próprio movimento na relação terapêutica depois deste aprendizado básico, mas necessário, o violinista pode
usar livremente seu instrumento, com criatividade e segurança. O
terapeuta que esvazia o processo do cliente e que não consegue com-
Depois que o terapeuta aprende a não esvaziar o processo do preender a si mesmo e ao cliente na relação, é como o violinista que
cliente, ele consegue desenvolver uma nova habilidade. Quando ele não sabe nem ao menos segurar o arco e encontrar as notas e, portan-
consegue "deixar" o cliente ser livremente, quando consegue abrir to, ainda não possui competência suficiente para desenvolver o seu
mão de todo controle na relação, o terapeuta pode avançar em níveis próprio "jeito" de ser terapeuta.
mais profundos de compreensão. Ao mesmo tempo que ele consegue
perceber o mundo interno do cliente como se estivesse no lugar dele,
o terapeuta consegue também perceber os seus próprios sentimentos
na relação terapêutica. Ou seja, nesta etapa, o terapeuta consegue
aceitar e compreender empaticamente tanto o movimento do cliente
quanto o seu próprio movimento na relação.
IV. A experiência do "verdadeiro encontro"
com o cliente

A experiência do Encontro verdadeiro, a vivência da "com-


pleta unicidade, singularidade, inteireza no experenciar do relacio-

180 181

namento"14*, constitui a experiência "desveladora" e transformadora REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
da terapia centrada no cliente. O desenvolvimento do terapeuta vai
em direção a uma tal abertura à experiência de si mesmo e do outro
que possibilita a vivência deste Encontro e torna a sua simples pre- BOHART, A. & Greenberg, L. (Eds.) (1997). Empathy Reconsidered: new
sença curadora. Ser um terapeuta centrado no cliente exige, portan- directions in psychotherapy. Washington: American Psychological
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to, do terapeuta, a sua pessoa total: "Eis aqui, para mim, o ponto
crucial. 'Estreita é a passagem' e duro o caminho daqui para frente. BOZARTH, J.D. (1998). Person-centeredtherapy: a revolutionary paradigm.
Ninguém mais pode dar respostas satisfatórias (...) pois aqui se exi- Ross-on-Wye, England: PCCS Books.
ge de você o que nenhuma outra pessoa pode fazer ou assinalar - BOZARTH, J.D., Tausch, R. & Zimring, F.M. (1999). Research in Client-
isto é, rigorosamente examinar a si mesmo e suas atitudes em rela- Centered Therapy: the evolution of a revolution. (no prelo)
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