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Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

A LINHAGEM PERDIDA DE SCEAF: GENEALOGIAS MÍTICO-HISTÓRICAS


NA INGLATERRA E ESCANDINÁVIA & A TRADUÇÃO DO PRÓLOGO DA
EDDA DE SNORRI STURLUSON.*

THE LOST LINEAGE OF SCEAF: MYTHICAL-HISTORICAL


GENEALOGIES IN ENGLAND AND SCANDINAVIA & THE TRANSLATION
OF THE PROLOGUE OF THE EDDA OF SNORRI STURLUSON.

Elton Oliveira Souza de Medeiros


Faculdade Sumaré
______________________________________________________________________
Resumo: Os estudos a respeito de Abstract: The studies on genealogies
genealogias durante o período medieval during the medieval period are often
muitas vezes acabam por se restringir apenas restricted to the field of academic curiosity,
a área da curiosidade acadêmica, do folclore folklore or as part of studies on mythology.
ou como parte de estudos sobre mitologia. However, its importance may prove to be a
Entretanto, sua importância pode se revelar relevant tool to identify elements that could
como uma ferramenta importante para be attempts to the construction of “national
identificarmos elementos que poderiam ser identities” in that period. In this article, we
tentativas de construção de “identidades intend to use the study about royal
nacionais” no período. Neste artigo, genealogies around the North Sea to
pretendemos usar o estudo sobre genealogias perform the criticism regarding the
régias ao redor do Mar do Norte para realizar recurring tendency to explain the
a crítica a respeito da tendência recorrente similarities between them simply as a result
em explicar as semelhanças existentes entre of an alleged pangermanic folkloric
elas simplesmente como fruto de uma culture. In addition, this work also brings
suposta cultura folclórica pangermânica. for the first time in Portuguese the
Além disso, neste trabalho, também translation of the prologue of the Edda of
trazemos pela primeira vez em língua the Icelandic Snorri Sturluson, from the
portuguesa a tradução do prólogo da Edda do original text in Old Norse and where can be
islandês Snorri Sturluson, a partir do texto found one of the most famous mythological
original em nórdico antigo e onde se genealogies of northern Europe.
encontra uma das genealogias mitológicas
mais famosas do norte europeu.
Palavras-chave: Genealogia, Edda, Alta Keywords: Genealogy, Edda, Early
Idade Média. Middle Ages.
______________________________________________________________________

Recebido em: 31/10/2015


Aprovado em: 21/12/2015

* Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada durante o VI Coloquio Medieval: Sociedad y Cultura en la
Alta Edad Media Occidental, entre 7 e 9 de outubro de 2015, na cidade de Buenos Aires, Argentina. Agradeço a
Santiago Barreiro por suas críticas e sugestões sobre a primeira versão, especialmente sobre a nomenclatura das
fontes. Quando não explicitado, todas as traduções para o português são de nossa autoria, assim como a tradução
a partir do original em nórdico antigo para o português.

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Introdução

No campo dos estudos sobre a Idade Média, e principalmente sobre a Alta Idade
Média, há ainda muito receio ao se abordar temas como “nação”, “nacionalidade” e
“identidade nacional”. Especialmente por serem terminologias já consagradas e
extremamente ligadas a análises de processos históricos voltados, costumeiramente, aos
séculos XVIII – XIX em diante.
É sabido que as ideias mais ortodoxas de “nação” e “nacionalismo” são atribuídas
a períodos específicos e a manifestações e construtos políticos modernos e
contemporâneos. A partir disso, é compreensível a argumentação de que formas de
associação e organização humanas anteriores a tais períodos não sejam qualificadas como
“nações”. Contudo, este não é um ponto de vista que medievalistas e muitos pesquisadores
do contemporâneo, entre historiadores e sociólogos, compartilham sem questionamentos.1
Ao visualizarmos grandes períodos de tempo e processos étnicos e de identidade
nacional, a grande ênfase dada ao campo político e que envolve diretamente a sociedade
civil para a concepção de nações e nacionalismos claramente necessita ser balizada por
elementos culturais, de etnicidade e o que poderíamos chamar como “mítico-
genealógico”. Uma vez que a ideia de identidade nacional é algo fundamentalmente
abrangente, multifacetado; e algo que não deveria ser estranho ao campo do conhecimento
histórico como um todo.
Segundo pesquisadores como Rees Davies, existiria certa “arrogância do tempo-
presente” para a utilização das ideias de nação e identidade nacional que fugisse ao escopo
das sociedades modernas e contemporâneas. Segundo Davies, para os mais
tradicionalistas é um pressuposto que a cultura escrita e a cultura de massa são pré-
requisitos essenciais para o desenvolvimento e articulação de uma identidade nacional.2
Entretanto, sociedades orais não estão necessariamente desprovidas de mecanismos que
possam gerar uma identidade nacional. Através, por exemplo, de contadores de histórias
profissionais e genealogistas, bardos andandantes e mesmo no campo mais austero do

1
DAVIES, Rees. Nations and National Identities in the Medieval World: An Apologia, Revue belge d’Histoire
contemporaine/Belgisch Tijdschrift voor Nieuwste Geschiedenis, XXXIV, n. 4, 2004, p. 567-568. Ver também
GEARY, Patrick. O Mito das Nações: a invenção do nacionalismo. São Paulo: Conrad, 2005.
2
Ibid.

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discurso político e social, com o que John D. Niles chama de “discurso ritualizado”,3 é
possível engendrar a ideia de “nação” e uma “identificação nacional” em cenários pré-
modernidade. É necessário lembrar que a sociedade medieval ocidental de forma alguma
dependia exclusivamente da palavra escrita ou da tradição oral para a propagação de
informações e do conhecimento. No caso da Inglaterra anglo-saxônica, da mesma forma
que sua poesia heroica, mitos de origem não eram simplesmente o produto de uma cultura
literária ou da tradição oral, mas de uma complexa interação entre elas. Ambas atuavam
simultaneamente e de forma intrínseca no universo da Idade Média.4
É possível notar que no medievo as pessoas acreditavam pertencer a certo povo
5
(gentes) e nação (naciones). Tradicionalmente poderíamos argumentar que os
significados das terminologias seriam diferentes no período medieval e na atualidade.
Porém, ao fazer isso, estaríamos ignorando a visão de tais povos sobre si mesmos em prol
da manutenção de uma epistemologia mais conservadora que se restringe a um período
muito especifico e mais recente da história humana. Pesquisadores como Susan Reynolds
insistem que as concepções medievais sobre reinos e povos eram na verdade muito
semelhantes às ideias a respeito de nações na atualidade, por exemplo.6
Ao trabalhar com a formação de identidades nacionais dentro da Idade Média, é
necessário levar em consideração outros pontos além dos elementos sociais, culturais e
políticos. Diferentemente da visão contemporânea de etinicidade e nacionalidade, ao
lidarmos com o medievo não podemos esquecer, de forma alguma, o peso da religiosidade
cristã. Tão importante que é a primeira construção identitária ocidental que tomanos
contato ainda como alunos ao iniciarmos o estudo do período: a Cristandade.
O Velho Testamento, nesse contexto, seria uma das fontes primordiais de inspiração
para a elaboração de linhagens, grupos sociais e a integração de tais agrupamentos dentro

3
Onde por “discurso” devemos entender uma associação de significados ao lidar com determinado tema que
permite abordagens sobre ele enquanto se estabelece um conjunto de relações entre um corpo de informações e
um conjunto de normas comportamentais e práticas institucionais. E por “ritualizado” estaríamos falando de um
estilo elevado de linguagem, voltado principalmente para apresentações em público dentro de um ambiente ou
ocasião especial, que se associa à estética, à ética e à ideologia do rito, e também ao status e poder daqueles que
tomam parte do ato. Cf. NILES, John D. Homo Narrans: The Poetics and Anthropology of Oral Literature.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1999, p. 120 – 145.
4
YORKE, Barbara. Anglo-Saxon Origin Legends. In: BARROW, Julia, WAREHAM, Andrew. Myth, Rulership,
Church and Charters. Aldershot: Ashgate, 2008, p. 28.
5
DAVIES, Rees. Nations and National Identities in the Medieval World: An Apologia, Revue belge d’Histoire
contemporaine/Belgisch Tijdschrift voor Nieuwste Geschiedenis, XXXIV, n. 4, 2004, p. 570.
6
REYNOLDS, Susan. Medieval Origines Gentium and the Community of the Realm, History, LXVIII, 1983, p.
375 – 390.

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dos ideais de “nação” e de etnogenese da Cristandade. Onde a identidade de tais grupos não
estava fundamentanda apenas em uma noção de percepção ou crença religiosa, mas numa
hereditariedade vinculada a uma espiritualidade cristã e a uma consanguinidade. Em outras
palavras, para os povos do ocidente europeu medieval, não era o bastante a simples
aceitação da fé cristã para integrá-los ao âmbito da Cristandade latina, era necessário o
estabelecimento de vínculos de parentesco – vínculos “biológicos” – que pudessem adequar
seus povos e seus ancestrais pagãos dentro das elaborações da doutrina cristã e assim
integrá-los a todo um cenário de uma História Sagrada e de Salvação.
Desta forma, como objeto de estudo deste fenômeno no período medieval, vamos
observar o que teria ocorrido na Inglaterra dos séculos IX e X. Nesse momento da história
inglesa podemos observar a construção de um mito de origem que remontava tanto ao
passado bíblico, quanto ao mundo germânico e à tradição cristã. Mito que serviu para
legitimar o presente daquele momento histórico e o poder político da casa real do reino de
Wessex. O qual acabou por se tornar um elemento de suporte à unidade dos povos anglo-
saxões remanescentes frente a um inimigo comum e que proporcionou as bases ideológicas
para a unificação do território inglês como um único reino a partir de meados do século X.
Porém, de onde viria tal construção identitária? Podemos dizer que um povo se
torna uma “nação” a partir do momento que passa a ter uma consciência de si de maneira
diferenciada em relação a outros povos e cria elementos que possam distinguí-lo como
tal. Desde o início da história inglesa, as fontes documentais tentam deixar claro que os
novos habitantes da ilha não eram bretões, dando os primeiros indícios de um processo
de etnogênese.7 No século VIII temos uma das principais obras do período que demonstra
claramente essa formação da identidade de um povo na ilha da Bretanha: a Historia
Ecclesiastica Gentis Anglorum (“História Eclesiástica do Povo Inglês”), de Beda o
Venerável (c. 672 – 735).
Beda estabelece uma das mais influentes contruções literárias de um mito de
origem no norte europeu, ainda que utilizando de alguns elementos presentes em trabalhos
anteriores como o de Gildas e sua Excidio et Conquestu Britanniae ou ainda dos primeiros
clérigos do reino de Kent. É Beda que irá unir as lendas de origem de fundo germânico
com outras, de influência bíblica, estabelecendo a ideia de um Povo Escolhido e de um
Destino Manifesto para os anglo-saxões. Com isso ele produz uma ideia poderosa que

7
REYNOLDS, Susan. Medieval Origines Gentium and the Community of the Realm, History, LXVIII, 1983, p.
572.

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iria inspirar a proliferação de ligações de elementos do período migratório dos anglos-


saxões aos hebreus do Velho Testamento, resultando em um processo de etnogenese que
nos séculos IX – X iria auxiliar na consolidação de um ideal de “povo inglês”.8
Em uma de suas homilias, Beda comenta a passagem bíblica das bodas de Canã,
quando Jesus se encontra com Natanael:

Perguntou-lhe Natanael: “De Nazaré pode sair algo de bom?” Felipe


lhe disse “Vem e vê”. Jesus viu Natanael vindo até ele e disse a seu
respeito: ‘Eis verdadeiramente um israelita em quem não há fraude’.
Natanael lhe disse: ‘De onde me conheces? ’ Respondeu-lhe Jesus:
‘Antes que Filipe te chamasse, eu te vi quando estavas sob a figueira’.
(João 1, 46-48)

Em seu comentário exegético, Beda diz sobre o comentário de Jesus ao reconhecer


Natanael sob a figueira: electione spiritalis Israhel, id est, Populi Christiani [“a escolha
da Israel espiritual, que é, o povo cristão”].9
O que complementa seu comentário anterior no mesmo texto:

O quam magna nobis quoque qui de gentibus ad fidem uenimus in hac


sententia nostri redemptoris spes aperitur salutis! Si enim uere Israhelita
est qui doli nescius incedit, iam perdidere Iudaei nomen Israhelitarum
quamuis carnaliter de Israhel quotquot doloso corde a simplicitate
patriarchae sui degenerauerunt, et adciti sumus ipsi in semen
Israhelitarum qui quamlibet aliis de nationibus genus carnis habentes fide
tamen ueritatis et munditia corporis ac mentis vestigia sequimur Israhel.
[“Ó, que grande esperança de salvação está aberta por esta ordem de
nosso Redentor para aqueles de nós que vieram para a fé dos gentios!
Pois se ele é verdadeiramente um israelita que caminha como um
ignorante do engano, os judeus, apesar de fisicamente descenderem de
Israel, já perderam o nome de israelitas, como muitos degeneram em seus
corações da simplicidade de seu patriarca. E nós fomos aceitos entre os
descendentes dos israelitas, desde que, embora de acordo com a
carne nós temos nossa origem de outras nações, contudo pela
verdadeira fé e pela pureza do corpo e da alma, seguimos os passos
de Israel”].10

Com essas palavras, Beda se apropria de um elemento da tradição cristã e que será
fundamental para a construção de um mito histórico social 11 , um mito de origem que

8
YORKE, Barbara. Anglo-Saxon Origin Legends. In: BARROW, Julia, WAREHAM, Andrew. Myth, Rulership,
Church and Charters. Aldershot: Ashgate, 2008, p. 28 – 29; MEDEIROS, Elton O. S. Alfred o Grande e a
linhagem sagrada de Wessex: a construção de um mito de origem na Inglaterra anglo-saxônica. Mirabilia, vol. 13,
n. 2, 2011, p. 134 – 172.
9
BEDA, Homaelia 1.17, ll 203-204.
10
BEDA, Homaelia 1.17, ll 172-180 (Grifo nosso).
11
SCHEIL, Andrew P. The Footsteps of Israel: Understanding Jews in Anglo-Saxon England. Ann Arbor:
University of Michigan Press, 2007, p. 96-97 e 106.

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persistirá durante todo período da Inglaterra anglo-saxônica. Nos séculos IX e X, essa


construção identitária se torna ainda mais clara com as elaborações realizadas na corte do
rei Alfred o Grande (871 – 899) e de seus sucessores, Edward o Velho (899 – 924) e
Athelstan (924 – 939), durante o período de enfrentamento contra os invasores
escandinavos e a tentativa de reunir sob o comando da casa real de Wessex o que havia
restado dos demais reinos anglo-saxônicos, frente à grande onda de assaltos vikings à
Inglaterra. Ao se colocar como soberano tanto de anglos quanto de saxões, Alfred estava
plantando os alicerces de um novo reino, que buscava unidade política, religiosa, linguística
e cultural. Assim ele criava um “povo inglês”, aos moldes do que Beda já falava no século
VIII. Podemos ver isso refletido nos escritos de Alfred na utilização de palavras como
Angeland ou Englaland (“Inglaterra”), Angelkynn ou Angelcynn (povo inglês) e Englisc (o
idioma inglês).12 Além disso, é nesse mesmo período que surgirá na Inglaterra a construção
genealógica da casa de Wessex, como parte desse processo mítico-histórico. Rememorando
a ancestralidade régia anglo-saxônica, o passado lendário pagão e o antigo mundo bíblico.
Contudo, ao estabelecermos paralelos da genealogia da casa de Wessex e de outras
genealogias régias das regiões em torno do Mar do Norte, é possível identificarmos uma
curiosa coincidência, onde temos as mesmas personagens – ou ao menos a repetição de
nomes muito similares – especialmente em fontes da Escandinávia.
O objetivo desse artigo não é exatamente esclarecer esse fenômeno, mas lançar
dúvidas sobre a forma como o assunto vem sendo tratado pela historiografia mais
tradicional e novas hipóteses ou possibilidades metodológicas para lidar com tais fontes.

A linhagem de Sceaf

No início do poema Beowulf, logo em sua introdução, temos um bom exemplo de


uma linhagem mítica surgindo através das palavras do poeta anônimo. Em seus versos de
abertura encontramos:

Hwæt! We Gardena in geardagum


þeodcyninga þrym gefrunon
hu ða æþelingas ellen fremedon.
Oft Scyld Scefing sceaþena þreatum
monegum mægþum meodosetla ofteah
egsode eorlas syððan ærest wearð

12
ABELS, Richard P. Alfred the Great: War, Kingship and Culture in Anglo-Saxon England, Harlow: Longman,
1998, p. 185.

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feasceaft funden. He þæs frofre gebad


weox under wolcnum weorðmyndum þah
oðþæt him æghwylc þara ymbsittendra
ofer hronrade hyran scolde
gomban gyldan. Þæt wæs god cyning.
Ðæm eafera wæs æfter cenned
geong in geardum þone god sende
folce to frofre fyrenðearfe ongeat
þæt hie ær drugon aldorlease
lange hwile. Him þæs liffrea
wuldres wealdend woroldare forgeaf
Beowulf wæs breme – blæd wide sprang –
Scyldes eafera, Scedelandum in.
(“Escutem! Ouvimos falar da glória dos guerreiros dinamarqueses dos
dias de outrora, dos reis de sua tribo, de como aqueles príncipes
realizaram feitos de coragem! Por diversas vezes Scyld Scefing tomou
os salões de hidromel que pertenciam a tropas inimigas de muitas tribos,
aterrorizou guerreiros, ainda que a princípio se encontrasse sozinho.
Para isso ele obteve auxílio e cresceu sob os céus, prosperou com
grande honra até que cada uma das nações ao longo da costa — além
do Caminho da Baleia — tivesse se submetido e pagasse tributo. Aquele
foi um bom rei! Para ele veio depois um filho, jovem na corte, que Deus
enviou para confortar o povo. Um grande sofrimento lhes abatia por
terem permanecido sem um líder por tanto tempo. O Senhor da Vida, o
Regente da Glória, concedeu-lhe grande renome: Beowulf, o filho de
Scyld, foi famoso, e seu nome se espalhou ao longe por todas as Terras
do Norte.”) vv. 1 – 19.13

A narrativa segue, falando sobre os preparativos do funeral de Scyld Scefing.14


Seu corpo é colocado em um barco, cheio de utensílios de guerra, tesouros e enviado ao
mar. Nesse momento o poeta faz um paralelo entre o corpo do rei enviado à deriva no
mar, para águas desconhecidas, e as origens misteriosas de Scyld Scefing. De como ele
teria surgido, ainda criança, numa embarcação, sozinho, na costa da Dinamarca; oriundo
das mesmas águas desconhecidas.
Tal imagem mítica, do herói ou governante que surge de além-mar ou de terras
distantes, é um arquétipo comum a diversas culturas. Por exemplo, podemos encontrá-lo
de forma central na Eneida de Virgílio, na Historia Regum Brittonum de Geoffrey de

13
Grifo nosso. Doravante, todos os trechos em destaque nos fragmentos das fontes utilizadas em nosso artigo têm
como objetivo realçar para o leitor os nomes e trechos importantes para a reflexão a respeito dos paralelos entre as
genealogias apresentadas.
14
Scyld Scefing: do inglês antigo “Scyld, filho de Scef”.

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Monmouth e mesmo em elaborações modernas dentro do mundo empresarial. 15 No


mundo da Europa setentrional, a chegada de fundadores nacionais vindos de além-mar é
um modelo clássico nos processos de etnogênese das sociedades de origem germânica.
Como os lendários irmãos Hengest e Horsa que chegam à Britannia, iniciando a ocupação
da antiga província romana e a linhagem dos reis saxões de Kent, ou como em três
embarcações os fundadores das linhagens dos godos teriam partido da Escandinávia.16
No caso de Scyld Scefing, sua figura mítica poderia ser apenas mais uma
elaboração poética dentro da obra em questão. Especialmente pelo fato de tal menção à
personagem ser breve e sem maiores explicações. Contudo, justamente por isso é que ela
chama a atenção. Pois, caso o poeta não estivesse apenas “floreando” a narrativa com um
evento sem grande importância para o restante do poema – pois, de fato, isso não afeta
em nada o desenrolar da obra –, podemos levantar a hipótese de que o público alvo da
narrativa tinha algum tipo de conhecimento a respeito da lenda de Scyld Scefing. Sua
história, como líder que vem ainda criança para a Dinamarca, era minimamente familiar
a um público anglo-saxão. E como poderíamos dizer que isso seria possível?
Além de Beowulf, na Inglaterra dos tempos anglo-saxônicos (séculos V – XI)
temos outros dois documentos importantes onde a personagem de Scyld aparece de forma
muito clara: a Crônica Anglo-Saxônica17 e a Crônica de Æthelweard. Como é sabido pela
historiografia, ambas relatam acontecimentos da história da Inglaterra anglo-saxônica.
Porém, vale lembrar, a Crônica de Æthelweard seria uma versão inspirada na versão mais
antiga da Crônica Anglo-Saxônica.18
Em ambas temos como ponto em comum o ano de 855, referente à linhagem do
rei Æthelwulf, pai de Alfred o Grande. Além da presença dos nomes que também surgem
em Beowulf iremos encontrar uma construção genealógica da casa real de Wessex,
remontando aos ancestrais mais famosos (como Ingild, Ine e Cerdic), a personagens
lendárias e míticas (como Woden e Geat) e sua união às personagens do passado bíblico.

15
RIPPIN, Ann, FLEMING, Peter. Brute force: Medieval foundation myths and three modern organizations’
quests for hegemony. Management & Organizational History, n. 1, v. 1, p. 51 – 70, 2006.
16
YORKE, Barbara. Anglo-Saxon Origin Legends. In: BARROW, Julia, WAREHAM, Andrew. Myth,
Rulership, Church and Charters. Aldershot: Ashgate, 2008, p. 20.
17
A Crônica Anglo-Saxônica relata ano a ano a história da Inglaterra, desde o nascimento de Cristo até meados
do século XII. Sua organização como nós a conhecemos teria sido fruto das iniciativas ocorridas na corte do rei
Alfred o Grande, no final do século IX. Atualmente são conhecidas sete versões da Crônica, com pequenas
discrepâncias entre si, sendo a versão mais antiga o Manuscrito A ou também conhecido como Manuscrito de
Winchester (Cambridge, Corpus Christi College MS 173, ff. Iv – 32r). Cf. SWANTON, Michael. The Anglo-
Saxon Chronicle. Londres: Dent, 1996.
18
CAMPBELL, Alistair (ed. trad.). Chronicon Æthelweardi, Londres: Thomas Nelson & Son, 1962, p. ix – xliv.

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Reunindo a ancestralidade de Æthelwulf ao passado mítico e histórico dos anglo-saxões


e à História Sagrada do Cristianismo:

E dois anos após ter retornado da França, ele morreu, e seu corpo foi
sepultado em Winchester, e ele havia reinado por 18 anos e meio. E
Æthelwulf era o filho de Egbert, o filho de Ealhmund, o filho de Eafa, o
filho de Eoppa, o filho de Ingild. Ingild era irmão de Ine, rei dos Saxões
do Oeste, que manteve o reino por 37 anos e que mais tarde foi para junto
de São Pedro e findou sua vida lá. E eles eram filhos de Cenred. Cenred
era o filho de Ceowold, o filho de Cutha, o filho de Cuthwine, o filho de
Ceawlin, o filho de Cynric, o filho de Creoda, o filho de Cerdic. Cerdic
era o filho de Elesa, o filho de Esla, o filho de Gewis, o filho de Wig, o
filho de Freawine, o filho de Freothogar, o filho de Brand, o filho de
Bældæg, o filho de Woden, o filho de Frealaf, o filho de Finn, o filho de
Godwulf, o filho de Geat, o filho de Tætwa, o filho de Beaw, o filho de
Sceldwa, o filho de Heremod, o filho de Itermon, o filho de Hathra, o
filho de Hwala, o filho de Bedwig, o filho de Sceaf, i.e. o filho de Noé.
Ele nasceu na arca de Noé. Lamech, Methuselah, Enoch, Jared,
Mahalaleel, Cainan, Enos, Seth, Adão o primeiro homem e nosso pai, i.e.
Cristo. (Amém.) – Crônica Anglo-Saxônica.19
Assim, rei Æthelwulf morreu após um ano, e seu corpo descansa na
cidade de Winchester. O rei citado era filho do rei Ecgbyrht, e seu avô
era Ealhmund, (...) seu tetravô Cerdic, que foi o primeiro a possuir as
partes ocidentais da Bretanha após ter derrotado os exércitos dos bretões,
e seu pai era Elesa, o avô Esla, o bisavô Gewis, o tataravô Wig, o tetravô
Freawine, seu sexto pai Frithogar, o sétimo Brond, o oitavo Balder, o
nono Woden, o décimo Frithowald, o décimo primeiro Frealaf, o décimo
segundo Frithowulf, o décimo terceiro Fin, o décimo quarto Godwulf, o
décimo quinto Geat, o décimo sexto Tetwa, o décimo sétimo Beo(w), o
décimo oitavo Scyld, o décimo nono Scef. E este Scef chegou com um
barco pequeno na ilha do oceano que é chamada Scane(y), com
armas em torno de si, ele ainda um jovem garoto, e desconhecido
para o povo daquela terra. Mas ele foi recebido por eles, e acolhido
por eles, e o aclamaram rei; e desta família se origina a descendência
do rei Æthelwulf. – Crônica de Æthelweard 20
A primeira menção genealógica à casa real de Wessex na Crônica Anglo-Saxônica é
no ano de 495, ao falar de Cerdic e seus descendentes. Em 547 há a genealogia da casa da
Northúmbria a partir do rei Ida e remontando sua ancestralidade até Woden e a partir desse até
Geat. No ano de 552 temos novamente a casa de Wessex e agora a presença de Woden também
como um ancestral. Contudo, o que chama a atenção é que tanto as genealogias da casa da
Northúmbria quanto da casa de Wessex possuem como ancestral em comum o nome “Brand”:

547. (Northúmbria) Ida era o filho de Eoppa, o filho de Esa, o filho de


Ingui, o filho de Angenwit, o filho de Aloc, o filho de Benoc, o filho de

19
WHITELOCK, Dorothy (trad. e org.). The Anglo-Saxon Chronicle, Londres: Eyre & Spottiswoode, 1961, p. 44
(grifo nosso).
20
CAMPBELL, Alistair (ed. trad.). Chronicon Æthelweardi, Londres: Thomas Nelson & Son, 1962, p. 32-33
(grifo nosso). Aqui podemos observar o mesmo mito do líder vindo de além-mar presente no poema Beowulf.

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Brand, o filho de Bældæg, o filho de Woden, o filho de Freotholaf, o


filho de Freothowulf, o filho de Finn, o filho de Godwulf, o filho de
Geat. – Crônica Anglo-Saxônica.21
552. (Wessex) Cerdic era o filho de Elesa, o filho de Esla, o filho de Gewis,
o filho de Wig, o filho de Freawine, o filho de Freothogar, o filho de Brand,
o filho de Bældæg, o filho de Woden. – Crônica Anglo-Saxônica.22

Porém no ano de 560 ocorre algo interessante. É descrito a ascenção do rei


Ceawlin (filho de Cynric) em Wessex e do rei Ælle na Northúmbria e sua linhagem:

560. (Northúmbria) Ælle era filho de Yffe, o filho de Uscfrea, o filho


de Wilgils, o filho de Westerfalca, o filho de Sæfugel, o filho de Sæbald,
o filho de Sigegeat, o filho de Swefdæg, o filho de Sigegar, o filho de
Wægdæg, o filho de Woden. – Crônica Anglo-Saxônica.23

Em 592 teremos a repetição da mesma genealogia de 552 para a casa de Wessex e


depois teremos finalmente o aparecimento da famosa genealogia de Æthelwulf no ano de
855. Alguns pontos interessantes são que na Crônica Anglo-Saxônica, anterior ao século
IX, apenas na referência à casa real da Northúmbria na linhagem de Ida o nome de Woden
possui uma ascendência (“o filho de Freotholaf...). Somente o rei Ida da Northúmbria e
Cerdic de Wessex são descendentes de “Brand, o filho de Bældæg, o filho de Woden”.
Entretanto, a primeira genealogia de Wessex com Woden descrito como detentor de uma
ancestralidade surgirá apenas com o rei Æthelwulf (seguindo uma estrutura muito
semelhante a do rei Ida da Northúmbria). O que podemos pensar inicialmente a respeito
desses fatos é que, talvez, houvesse interesse da casa de Wessex em vincular sua
ancestralidade à casa real da Northúmbria através do rei Ida. Lembrando que com isso a
casa de Wessex estaria estabelecendo vínculos profundos de parentesco com uma
importante casa real anglo-saxônica do norte da Inglaterra. O que poderia se revelar como
uma ferramenta importante em um discurso político legitimador de um reino que tinha
pretensões de expansão hegemônica nos séculos IX – X sobre o território inglês; e período
quando a Crônica Anglo-Saxônica é organizada como a conhecemos na atualidade.24

21
WHITELOCK, Dorothy (trad. e org.). The Anglo-Saxon Chronicle, Londres: Eyre & Spottiswoode, 1961, p.
12 (grifo nosso).
22
Ibid. (grifo nosso).
23
Ibid., p. 13.
24
O que também pode demonstrar que tais eleaborações não estavam restritas a um único momento histórico da
Inglaterra anglo-saxônica, mas desde antes dos tempos de Beda que já havia uma preocupação na elaboração e
organização de mitos, lendas e genealogias que buscassem legitimar e promover uma identidade a tais grupos
sociais. Teríamos assim não uma única construção identitária de um mito de origem em um único momento
específico, mas diversas camadas de elaborações e servindo a diversos propósitos ao longo de um longo período
de tempo; cf. YORKE, Barbara. Anglo-Saxon Origin Legends. In: BARROW, Julia, WAREHAM, Andrew.
Myth, Rulership, Church and Charters. Aldershot: Ashgate, 2008, p. 23 – 24.

55
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

Já no caso da Crônica Anglo-Saxônica e da Crônica de Æthelweard e da linhagem


de Sceaf/Scef, há um espaço cronológico na elaboração das duas fontes de aproximadamente
cem anos: como dissemos, a Crônica Anglo-Saxônica data de por volta de fins do século IX
e início do X, enquanto a Crônica de Æthelweard data de finais do século X. O poema
Beowulf, por sua vez – ao menos o manuscrito contendo a narrativa como a conhecemos –,
data do período em torno do ano mil. Portanto, podemos supor que nesse momento tardio
da Inglaterra anglo-saxônica (dessa “Baixa Inglaterra anglo-saxônica”, séculos IX – XI), a
personagem de Scef/Sceaf ou Scyld Scefing era não só conhecida como também alguém
importante ao ponto de ser inserida na genealogia da casa real de Wessex.
Contudo, a identidade de Scyld Scefing ou Scef, infelizmente, continua um
mistério para nós até o presente momento. Poderíamos supor que ele faria parte de um
conjunto de outras personagens lendárias e míticas do norte europeu que nenhuma
informação mais precisa chegou até nós. Como exemplo de casos semelhantes dentre
outros deste universo inglês da Alta Idade Média, nos painéis da Franks Casket25 temos
a presença de duas cenas que até a atualidade permanecem sem maiores explicações sobre
quem seriam suas personagens ou o que estão retratando:

Figura 1: Franks Casket, painel superior (imagem concedida pelo Museu Britânico)

25
A Franks Casket (lit. “Caixa de Franks”), também conhecida como Caixa de Auzon, trata-se de uma pequena
caixa feita de osso de baleia, datada de por volta do século VIII, do norte da Inglaterra (mais precisamente do reino
da Northúmbria). Suas dimensões são aproximadamente 20cm de largura x 20 cm de profundidade x 10 cm de
altura. Em suas laterais foram esculpidas imagens que rememoram cenas míticas do passado germânico (como a
lenda de Weland) e romano (Rômulo e Remo com a loba) e do passado bíblico (a adoração dos Reis magos ao
menino Jesus e a tomada do Templo de Jerusalém pelo general Tito), além de inscrições rúnicas relacionadas a
algumas das passagens retratadas. Supostamente servindo como uma forma de reforçar elementos mítico-
históricos cristãos. De certa forma, desempenhando quase a mesma função que, por exemplo, a genealogia da casa
de Wessex ao unir o mundo do passado dos anglos e saxões às tradições da Antiguidade romana e cristã. Cf.
WEBSTER, Leslie. The Franks Casket. Londres: British Museum Press, 2012.

56
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

Figura 2: Franks Casket, painel direito (imagem concedida pelo Museu Britânico)

No painel superior da Franks Casket (Figura 1) vemos a figura de um arqueiro


defendendo o que podemos supor se tratar de uma fortaleza contra invasores armados,
com elmos e armaduras. Logo acima desse arqueiro encontramos as runas que dizem
“Ægili”, talvez o nome da personagem em questão, que poderia ser o herói irmão do
também lendário Weland. Porém isso não passa de mera conjectura.26
Já no painel direito da Franks Casket (Figura 2) o mistério é ainda maior. Vemos
à esquerda uma figura zoomórfica com asas, cabeça (talvez de cavalo) e à sua frente um
guerreiro armado de lança a escudo. Ao centro temos uma imagem feminina portando um
cálice e um cajado, junto a um monte funerário e um cavalo. E à direita temos duas figuras
femininas que parecem estar segurando uma terceira. Tudo isso em um cenário de
floresta. Assim como no caso anterior, não há qualquer indício que possa nos ajudar a
compreender o que está sendo retratado. Nem mesmo as inscrições rúnicas que
acompanham o entalhe nos ajudam a solucionar o mistério:

Her Hos sitiþ on harmberga


agl(...) drigiþ swa hiræ Ertae gisgraf
sarden sorga and sefa torna.
(Aqui Hos senta-se em uma colina de mágoa;
ela suportou sofrimento que assim lhe foi imposto por Ertae,
amargas tristezas e tormentos do coração)

26
WEBSTER, Leslie. The Franks Casket. Londres: British Museum Press, 2012, p. 18 – 19.

57
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

Quem é Hos, Ertae ou o que se passou entre essas duas personagens até hoje
continua sem explicações. Enquanto isso, casos semelhantes podem ser encontrados
também na tradição literária em inglês antigo, a exemplo de Beowulf, em sua produção
poética, como no Encantamento das Nove Ervas:
Gemyne þu, mægðe, hwæt þu ameldodest,
hwæt ðu geændadest æt Alorforda;
þæt næfre for gefloge feorh ne gesealde
syþðan him mon mægðan to mete gegyrede.
(Lembre-se, Camomila, o que você revelou; o que você consumou em
Alorford: que nunca ninguém desistiria da vida por causa de doença,
quando camomila lhe fosse preparada para a refeição) – Encantamento
das Nove Ervas, vv. 23 – 26.27

E no Poema Rúnico Anglo-Saxão:

ING [Ing] wæs ærest mid East-Denum


gesewen secgun, oþ he siððan est
ofer wæg gewat; wæn æfter ran;
ðus Heardingas ðone hæle nemdun.

(ING [Ing] foi visto primeiramente pelos homens entre os


Dinamarqueses do leste, até que ele então para o oriente, sobre as ondas,
rumou; seguido de sua carruagem. Assim, os Heardingas o chamaram
de herói). – Poema Rúnico Anglo-Saxão.28
Em todos os casos mencionados acima, até a atualidade, não existem explicações
satisfatórias que elucidem quem são tais personagens; como quem ou o que seria Alorford
e quem seria Ing? Podemos conjecturar que suas histórias se perderam ao longo do tempo,
nos restando lidar apenas com os fragmentos de suas lendas. Da mesma forma que a
presença de Scyld Sceafing nas fontes supracitadas. O que nos ajuda a refletir que o que
conhecemos desse passado anglo-saxão a partir de tais fontes seria talvez apenas uma
pequena fração do que existia em sua totalidade original.
Retornando às genealogias, o caso se torna ainda mais intrigante ao analisarmos
outra fonte, contemporânea à Crônica Anglo-Saxônica: a Vida do Rei Alfred, de Asser;
monge de origem galesa que teria vivido na corte de Wessex durante o governo de Alfred.
Segundo a genealogia descrita pelo autor:

27
MEDEIROS, Elton O. S. Erudição e Poesia Encantatória na Inglaterra anglo-saxônica: Salomão & Saturno I e
o Encantamento das Nove Ervas. Mirabilia, n. 20, v. 1, 2015, p. 313 – 363.
28
MEDEIROS, Elton O. S. Ráðna Stafi, Mjǫk Stóra Stafi, Mjǫk Stinna Stafi: Tradução Comentada dos Poemas
Rúnicos Anglo-Saxão, Islandês, Norueguês e do Abecedarium Nordmannicum. Revista Medievalis, v. 4, n. 1,
2015, p. 1 – 31.

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Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

Sua linhagem é organizada desta forma: Rei Alfred era filho do Rei
Æthelwulf, o filho de Egbert, Æthelwulf era o filho de Egbert, (...), o
filho de Cynric, o filho de Creoda, o filho de Cerdic, o filho de Elesa,
o filho de Gewis (devido ao qual os galeses chamaram toda aquela raça
de gewisse), o filho de Brand, o filho de Bældæg, o filho de Woden, o
filho de Frithuwald, o filho de Frealaf, o filho de Frithuwulf, o filho de
Finn, o filho de Godwulf, o filho de Geat (a quem os pagãos adoraram
por muito tempo como um deus), (...) o filho de Tætwa, o filho de Beaw,
o filho de Sceldwa, o filho de Heremod, o filho de Itermon, o filho de
Hathra, o filho de Hwala, o filho de Bedwig, o filho de Seth, o filho
de Noé, o filho de Lamech, o filho de Methuselah, o filho de Enoch
(filho de Jared), o filho de Mahalaleel, o filho de Cainan, o filho de
Enos, o filho de Seth, o filho de Adão – Vida do Rei Alfred.29
Como podemos ver, ela segue a mesma lógica de nomes da Crônica Anglo-
Saxônica e da Crônica de Æthelweard ao remontar uma linhagem mítica da genealogia
do rei Alfred, ligando-o tanto a um suposto passado germânico quanto ao passado bíblico
veterotestamentário – assunto que não nos aprofundaremos aqui por ser extremamente
complexo e já abordado em trabalhos anteriores.30
A princípio isso não nos causaria tanta estranheza, uma vez que se tratam de fontes
praticamente contemporâneas e produzidas dentro de um mesmo espaço geográfico sob a
influência de Wessex. Porém, ao realizar uma comparação com fontes externas ao ambiente
inglês é quando algo começa a nos saltar aos olhos. Um paralelo famoso e tradicional com
a casa real de Wessex se encontra na Escandinávia, no prólogo da Edda ou Edda em Prosa
do islandês Snorri Sturluson (fins do século XII e início do XIII). Não há como deixar
passar despercebidas as semelhanças entre as genealogias dessas fontes – anglo-saxônicas
e a Edda – e pensar em algum tipo de associação entre elas, como veremos a seguir.
A comparação entre as genealogias anglo-saxônicas e a Edda de Sturluson pode nos
propiciar uma porta de entrada para a tentativa de estabelecer outros paralelos com outras
fontes escandinavas. Em nosso caso, isso ocorreu especialmente após o contato com a tradução
de Jesse Byock para a Hrólfs Saga, que por sua vez compartilha muito dos elementos heroicos
e fantásticos com o poema Beowulf. Segundo um paralelo estabelecido por Byock:31

29
KEYNES, Simon, LAPIDGE, Michael (trad. e org.) Alfred the Great: Asser’s life of King Alfred and other
contemporary sources. Londres: Penguin, 1983, p. 67 (grifo nosso).
30
MEDEIROS, Elton O. S. Alfred o Grande e a linhagem sagrada de Wessex: a construção de um mito de origem
na Inglaterra anglo-saxônica. Mirabilia, vol. 13, n. 2, 2011, p. 134 – 172.
31
BYOCK, Jesse. The Saga of King Hrolf Kraki. Londres: Penguin, 1998, p. 90.

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Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

Gesta Skjöldunga
Beowulf Danorum32 Saga33 Hrólfs Saga
Eadgils Athislus Adillus Adils
Bodvar
Beowulf Biarco Bodvarus Bjarki
Froda Frotho Frodo Frodi
Healfdene Haldanus Halfdanus Halfdan
Halga Helgo Helgo Helgi
Hrothgar Roe Roas Hroarr
Hrothulf Roluo Krake Rolfo Krake Hrolf Kraki
Scyld
Scefing Scioldus Scioldus Skjoldr
Yrse Vrsa Yrsa Yrsa

Como podemos ver, na comparação de Byock fica evidente que há algo em


comum entre tais fontes. O que se torna ainda mais curioso se levarmos em conta as
genealogias dos reis de Wessex.
A partir dessa comparação preliminar entre as fontes anglo-saxônicas e o prólogo
da Edda de Snorri Sturluson – e posteriormente levando em consideração o quadro
comparativo sugerido por Jesse Byock –, decidimos realizar um levantamento
comparativo geral de fontes com origens escandinavas que poderiam ser vinculadas a essa
problemática a respeito de genealogias régias e o resultado que obtivemos foi o seguinte:34

32
Obra de Saxo Grammaticus, a Gesta Danorum (“Os Feitos dos Dinamarqueses”) narra a história dos povos
dinamarqueses, desde suas origens míticas até o século XII. Cf. DAVIDSON, Hilda Ellis, FISHER, Peter. Saxo
Gramaticus: The History of the Danes, Book I – IX. Cambridge: D. S. Brewer, 1979.
33
É uma saga lendária datada de por volta de fins do século XII, onde temos a figura central do lendário líder
dinamarques Skjöldr. Elementos de sua história e de seus descendentes surgem em outras obras como na Edda em
Prosa e na Heimskringla de Snorri Sturluson, na Gesta Danorum e outras obras de origem nórdica. Cf. MCTURK,
Rory. A Companion to Old Norse-Icelandic Literature. Oxford: Blackwell, 2005.
34
As referências para as fontes utilizadas em nosso levantamento são: SWANTON, Michael. The Anglo-Saxon
Chronicle. Londres: Dent, 1996; WHITELOCK, Dorothy. The Anglo-Saxon Chronicle. Londres: Eyre &
Spottiswoode, 1961; CAMPBELL, Alistair (ed. trad.). Chronicon Æthelweardi, Londres: Thomas Nelson & Son,
1962; KEYNES, Simon & LAPIDGE, Michael (trad. e org.) Alfred the Great: Asser’s life of King Alfred and
other contemporary sources. Londres: Penguin, 1983; STEVENSON, William Henry. Asser’s Life of King Alfred.
Oxford: Claredon Press, 1959; KLAEBER, F. Beowulf. Lexington: Heath, 1922; DOBBIE, Elliott van Kirk. The
Anglo-Saxon Poetic Records IV: Beowulf and Judith. Nova York: Columbia University Press, 1953; MEDEIROS,
Elton O. S. Beowulf. São Paulo: Ed. 34, 2016 (no prelo); KRAPP, George Philip, DOBBIE, Elliott van Kirk. The
Anglo-Saxon Poetic Records III: The Exeter Book. Nova York: Columbia University Press, 1936; MEANEY,
Audrey L. Scyld Scefing and the Dating of Beowulf – Again. Manchester: Manchester University Press, 1989;
DAVIDSON, Hilda Ellis & FISHER, Peter. Saxo Gramaticus: The History of the Danes, Book I – IX. Cambridge:
D. S. Brewer, 1979; JÓNSSON, Guðni (ed). Eddukvæði: Sæmundar-Edda. Reykjavík: Islendingasagnaútgáfan,
1956; LARRINGTON, Carolyne. The Poetic Edda. Oxford: Oxford University Press, 1996; ORCHARD, Andy.
The Elder Edda. Londres: Penguin, 2011; STURLUSON, Snorri. JÓNSSON, Finnur (trad). Edda. Copenhagen:
Gyldendalske Boghandel, 1931; BJÖRNSSON, Arni. Snorra Edda. Reykjavík: Iðun, 1975; FAULKES, Anthony
(trad). Edda. Londres: Everyman, 1998; JÓNSSON, Guðni & VILHJÁLMSSON, Bjarni. Fornaldarsögur
Norðurlanda, vol. 2, Reykjavík: Bókaútgáfan Forni, 1943-1944; BYOCK, Jesse. The Saga of King Hrolf Kraki.
Londres: Penguin, 1998.

60
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.
Crônica AS Crônica Vida do Rei Beowulf Widsith Sven Aggesen Saxo Grammaticus Skjoldunga Saga Edda Poética Edda em Prosa Hrólfs Saga
c. 855 Æthelweard Alfred
Noé Noé
Sceaf Scef Seth Scef Sceafa Seskef
Bedwig Bedwig Bedvig
Hwala Hwala
Hrathra Hrathra Athra (Annar)
Itermon Itermon Dan Itrmann
Heremod Heremod Lotherus Heremod
Sceldwa Scyld Sceldwa Scyld Skjold Scioldus Scioldus Skjold Skjaldun (Skjold) Skjöldr
Gram Fridleifus Fridleif
Hadingus Frodo I Frodi
Herleifus
Havardus
Frodo II
Vermundus
Olava
Frodo III
Fridleifus
Beaw Beo Beaw Beowulf Frotho Frotho Frodo IV Bjaf (Bjar)
Tætwa Tetuua Tætwa Healfdene Haldan Haldan Halfdanus Hálfdan
Geat Geat Geat Hrothgar Helghi etc. Roas Jat Hróarr
Godwulf Goduulf Godwulf etc. etc. etc. Gudolfr
Fin Fin Fin Finn
Friduwulf Frithouulf Friduwulf
Frealaf Frealaf Frealaf Friallaf (Fridleif)
Friduwald Frithouuald Friduwald
Woden Vuothen Woden Voden (Odin)

61
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

Todas as fontes elencadas parecem compartilhar de nomes semelhantes e muitas


vezes obedecendo a uma mesma ordem genealógica, com maiores ou menores intervalos.
Dentre elas, ao que parece, as que mais se assemelham são as fontes anglo-saxônicas e a
obra de Snorri Sturluson.
Uma das soluções mais comuns para elucidar tal fato seria a ideia de que tais
elementos seriam fruto de um “fundo cultural” comum a essas sociedades. Como parte
de um mesmo universo pangermânico que uniria, nesse caso, tanto anglo-saxões quanto
escandinavos. Assim, seria natural supor que Scef ou Scyld Scefing e sua linhagem (assim
como Weland, Beowulf, Ing e outras personagens como as da Franks Casket) fariam parte
desse mesmo universo germânico genérico e acessível tanto aos anglo-saxões quanto aos
escandinavos.
A partir disso, uma prática comum, como forma de solucionar as lacunas e
incógnitas presentes no conteúdo de muitas fontes – especialmente as de origem anglo-
saxônica – seria buscar elementos lendários e míticos escandinavos para preencher tais
vazios. Entretanto, tal prática é duplamente perigosa e leva, costumeiramente, a
considerações extremamente circunstanciais.
Jane Crawford em seu artigo de 1963, intitulado Evidences for Witchcraft in
Anglo-Saxon England, 35 já alertava sobre isso. A autora elenca indícios de práticas
mágicas e (pseudo)religiosas na Inglaterra do período anglo-saxônico e sua relação com
o que possivelmente seriam reminiscências de práticas populares pré-cristãs. Ela então
enfatiza o problema de escassez de indícios e de fontes existentes sobre o período –
criando grandes dificuldades aos pesquisadores sobre o assunto – e ressalta o que para ela
seria um vício do mundo acadêmico: na falta de elementos em número o suficiente ou
que possuam maior clareza de sua procedência no contexto anglo-saxão, buscar por
elementos do mundo escandinavo ou ainda céltico. Desconsiderando, na maioria das
vezes, as particularidades dessas culturas e a época de onde tais exemplos ou “enxertos”
são oriundos. Criando, dessa forma, verdadeiras anomalias teóricas ao reunir, por
exemplo, uma fonte anglo-saxônica do século VII ou VIII com supostos exemplos de
práticas ou crenças pré-cristãs escandinavas; que na verdade estão presentes em fontes
literárias do século XIII.

35
CRAWFORD, Jane. Evidences for Witchcraft in Anglo-Saxon England, Medium Ævum 32, n. 2, 1963, p. 99-
116.

62
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

A partir disso, os problemas recorrentes que observamos dentro desse campo de


estudos sobre o norte-europeu medieval – mesmo antes dos tempos de Crawford até a
atualidade – seriam: a) o de considerar a existência de um pangermanismo medieval como
um fato concreto e claro36 e, em decorrência disso, b) utilizar de uma metodologia que
trata a Escandinávia medieval como um grande repositório de fontes totalmente
confiáveis para demonstrar qualquer tipo de coisa que esteja levemente vinculado ao
passado mítico do norte europeu e especialmente aos tempos pagãos.
Mais recentemente, o perigo de tal prática foi muito bem abordado pela
pesquisadora Anette Lassen, em seu último livro a respeito do estudo da personagem do
deus Odin nas fontes literárias da Escandinávia.37 Onde ela demonstra que não há como,
a partir de tais fontes, encontrar o “verdadeiro deus dos tempos pagãos” em função da
natureza de tal documentação e o período de sua confecção em tempos cristãos. E mais:
são muitas vezes, na verdade, elaborações caricatas de como os cristãos enxergavam esse
seu passado pagão. Reforçando, assim, o argumento de Jane Crawford.
Desta forma, levando em consideração argumentos como os de Jane Crawford e
de Anette Lassen, pensarmos na hipótese de que a semelhança entre as fontes
escandinavas e as anglo-saxônicas ocorre em função de um pangermanismo se torna algo
duvidoso. Isto é, a ideia de que elementos germânicos de origem escandinava teriam
influenciado a construção das genealogias na Inglaterra deixa de ser algo concreto e se
torna apenas uma entre outras possibilidades.
Outra hipótese seria talvez inverter os protagonistas dessa equação. Em outras
palavras, ao invés de uma influência oriunda da Escandinávia em sentido à Inglaterra,
termos uma influência da Inglaterra sobre a Escandinávia. Tal possibilidade se torna mais
palpável especialmente em vista da documentação existente que pode sustentar essa
argumentação: um manuscrito na Dinamarca conhecido como o Manuscrito Resen.38

36
O que costumeiramente leva a anacronismos brutais e a uma abordagem no mínimo ultrapassada, que exala um
leve ranço nacionalista do século XIX; cf. GEARY, Patrick. O Mito das Nações: a invenção do nacionalismo. São
Paulo: Conrad, 2005, p. 27 – 55; BJORK, Robert E. Nineteenth-Century Scandinavia and the Birth of Anglo-
Saxon Studies. In: FRANTZEN, Allen J., NILES John D. Anglo-Saxonism and the Construction of Social Identity.
Gainesville: University Press of Florida, 1997, p. 111 – 132.
37
LASSEN, Annette. Odin på kristent pergament: En teksthistorisk studie. Copenhagen: Museum Tusculanums
Forlag, 2011.
38
FAULKES, Anthony. The Genealogies and Regnal Lists in a Manuscript in Resen’s Library, Sjötíu ritgerðir
helgaðar Jakobi Benediktssyni 20. júlí 1977, Rvík 1977, p. 177–190.

63
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

O Manuscrito Resen (Resen MS. AM1 e βII fol., ff. 85v–91r ) trata-se de uma
cópia de três páginas feita pelo estudioso islandês Árni Magnusson (1663 – 1730) a partir
do manuscrito original, que havia pertencido ao dinamarquês P. H. Resen (1625 – 1688).
Infelizmente esse original se perdeu em um incêndio em Copenhagen em 1728.39 Seu
conteúdo trata de um conjunto de listas genealógicas presentes em outras fontes
escandinavas – assim também como as que aparecem na Crônica Anglo-Saxônica e na
Crônica de Æthelweard – e datado como da segunda metade do século XIII. Portanto,
não poderia ter sido utilizado por Snorri Sturlusson (morto em c. 1241); ainda que seja
possível que uma versão anterior com a mesma compilação pudesse ter sido usada por
ele. O que levanta a hipótese de que o manuscrito original que deu origem ao Manuscrito
Resen fosse também uma cópia.40
O manuscrito, como o conhecemos, possui tanto genealogias régias anglo-
saxônicas quanto escandinavas, totalizando onze listas. Em sua primeira página há uma
primeira lista contendo onze ancestrais de Odin começando com o nome de “Sescef”,
juntamente com três linhas de descendência a partir de Odin (chamado também como
“Voden”) através de dois filhos – “Beldeg” e “Veggdegg” – até os reis históricos de
Wessex, Kent e Northúmbria, e uma quarta lista com os reis da Inglaterra desde Alfred
(grafado como “Elfraðr”), passando por Cnut o Grande, Eduardo o Confessor e
Guilherme o Bastardo/Conquistador, até Henrique II (“Heinrecr”):

1. Sescef, Bedvig, Athra, Itermann, Heremoth, Scealdva, Beaf, Eat,


Godulf, Finn, Frealaf, Voden þann kollum ver Odinn fra honum eru
commar flestar kononga ęttir i norðr halfu heimsins. Hann var tyrkia
konungr oc flyði fyrir rvmverium nordr higat.
2. Beldeg, Brand, Freoðegar, freovine, Vigg, Gevis, esla, Elesa, Kredic,
Kreoda, Kinric, Keaƿlim, Kvðvine, kuða, Keolvald, Kenreð, Ingeld
broðir vestr Saxa konongs. hann var konongr xxxvi∙ hann let gora
mustari i Glestinga buri. Siðan foro þeir badir til rvms oc ǫnduðuz þar
þessi ero nofn langfeðga þeira. Ioppa, Eava, Ealhmund. Eggbricht,
Aðulf, Elfred riki, Eadverð, Eadmund, Iadgar, Eþelreð, Eadverð.
3. Veggdegg, Vitrgisl, pitta, Hengest, ocga, vese, Eormrec, Eðelberth,
Eaðbald, Erconbert, Ecbert, Viggtdrec, Eðelbriht.
4. Veggdegg, Siggar, Svebdegg, Siggror, Seballd, Sefugol, Seomel,
Veostorr valena, Vilgils, Vvlscfrea, Vffe, Elle, Eadvine.
5. Elfraðr riki xxviii ar oc vii manoðr. Eatvarðr xxiiii ar Aþalsteinn xiii
ar vii vicor ∙iii∙ daga. Eatmundr brodir hans ∙vi∙ ar ∙vi∙ manoðr 7 ∙ii∙
daga, Eatvarðr brodir þeira ix ar 7 ∙v∙ vicor, Eatvigr son Jatmundar

39
FAULKES, Anthony. The Earliest Icelandic Genealogies and Regnal Lists, Saga-Book XXIV, 2005, p. 115–19.
40
Ibid., p. 177 – 178.

64
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

∙iii∙ ar vicor ∙xxxvi∙ ii daga, Eatgeirr brodir hans xvi ar. Eatvarðr iiii
ar xvi vicor. Adalradr brodir hans xxxíííj∙ ar, Eatmundr aþalraðs son
ix manoðr, Knutr gamli ∙xxíííj∙ ar, Haraldr ∙v∙ ar, Horda Knvtr ii ar,
Eatvarðr helgi Aþalraðs son xxííj∙ ar, Haraldr guðina son ix manodr,
Vilialmr basthardr xxi, Vilialmr xi ar, Heinrecr xxx ar, Stefnir xiii∙,
Heinrecr xi, Rikarþr x, Ioan sina terra ∙xvii∙, Heinrecr.

Manuscrito Resen41

Na segunda página existem listas genealógicas dos Sjöldungar e dos Ynglingar,


entre outros, todos com Odin como seu início. E na terceira página se encontram as
genealogias a partir de Ragnar Lothbrok e listas dos reis da Dinamarca, Noruega e Suécia
até meados do século XIII.
As referências presentes nas listas da primeira página do manuscrito seriam
praticamente idênticas às encontradas em outro manuscrito na Inglaterra do período
anglo-saxônico conhecido como Cotton Tiberius B v. Esse manuscrito, a exemplo de
outros como o Cotton Vespasian B iv (Cambridge, Corpus Christi College 183) e o
prólogo da Vida do Rei Alfred, são documentos do período anglo-saxônico que contêm
genealogias régias vinculadas ao que pode ser encontrado na Crônica Anglo-Saxônica
ainda que não façam parte da mesma. 42
No caso específico do Cotton Tiberius B v haveria outros elementos que também
o vinculariam de forma mais clara ao universo político e intelectual do sul da Inglaterra,
principalmente a abadia de Glastonbury.43 O manuscrito em si – London, British Library,
Cotton Tiberius B. v, part 1 (ff. 2-73 e 77-88) – data de por volta da primeira metade do
século XI. Nele podem ser encontradas iluminuras, elaborações de um calendário, listas
com os nomes dos primeiros abades de Glastonbury juntamente com a genealogia dos

41
FAULKES, Anthony. The Earliest Icelandic Genealogies and Regnal Lists, Saga-Book XXIV, 2005, p. 115–19
(grifo nosso).
42
Cf. FAULKES, Anthony. The Genealogies and Regnal Lists in a Manuscript in Resen’s Library, Sjötíu ritgerðir
helgaðar Jakobi Benediktssyni 20. júlí 1977, Rvík 1977, p. 179 – 180.
43
É importante lembrar que nos séculos IX – X ocorre um importante florescimento intelectual que possibilitou o
desenvolvimento de toda uma cultura literária extremamente erudita no sul da Inglaterra, em comunidades religiosas
como as de Winchester e Glastonbury. Essa última era um dos principais centros intelectuais e religiosos do sul da
Inglaterra do século X e um dos com maior influência intelectual irlandesa da época. E durante essa mesma época,
e ligado a esse tipo de produção, em Glastonbury foi quando viveu São Dunstan (c. 909 - 988); figura que teve um
papel de destaque na história da Inglaterra anglo-saxônica (especialmente durante os governos do rei Edgar e
Æthelred II e sua relação com a Reforma Beneditina na Inglaterra) e que viveu na corte do rei Athelstan em sua
juventude. Em suma, alguém próximo à corte anglo-saxônica. Cf. MEDEIROS, Elton O. S. Erudição e Poesia
Encantatória na Inglaterra anglo-saxônica: Salomão & Saturno I e o Encantamento das Nove Ervas. Mirabilia, n.
20, v. 1, 2015, p. 318 – 320.

65
Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

reis de Wessex.44 Em função da lista com nomes dos abades de Glastonbury contidos no
manuscrito e a falta de um cabeçalho que identificasse claramente do que aquela lista de
nomes se tratava, supõe-se que sua composição tenha ocorrido de fato na própria
Glastonbury. Uma vez que tal lista dificilmente seria identificada fora dos limites de tal
comunidade ou além das regiões do sul da Inglaterra mais próximas do período. Além
disso, o manuscrito também contém tabelas identificando os períodos de celebração da
Páscoa referentes aos anos de 969 a 1006. Combinando cronológicamente com a
genealogia da casa de Wessex ali presente. A partir desses indícios (a genealogia régia de
Wessex, a lista com os abades e as tabelas sobre a data da Páscoa) é possível presumir
que o conteúdo do manuscrito tenha sido composto em meados do século X, talvez
durante o próprio ano de 969.45 Portanto, isso faria com que o Cotton Tiberius B v fosse
uma cópia do século XI a partir de um original do século X e contemporâneo à compilação
dos manuscritos mais antigos da Crônica Anglo-Saxônica.46
Com isso teríamos uma documentação que estaria vinculada às genealogias da
casa real de Wessex e anterior a muitas das fontes genealógicas escadinavas como a Edda
de Sturluson e ao Manuscrito Resen, por exemplo.
A partir disso, uma argumentação polêmica, mas muito interessante – como de
pesquisadores como Anthony Faulkes47 – seria de que em tais fontes genealógicas régias
escandinavas a personagem de Odin, por exemplo, acaba por ser inserida não por se tratar
de uma reminiscência pré-cristã dos povos escandinavos. Tais genealogias inicialmente
remontariam a heróis míticos como Yngvi e Skjöldr – como no caso de Scyld Scefing em
Beowulf, ou ainda como as figuras de Enéas na Eneida ou Brutus na Historia Regum
Brittonum – por exemplo, e com o contato com a Inglaterra e as genealogias régias anglo-
saxônicas, onde Woden/Voden/Odin se faz presente como ancestral de diversas casas
régias, passou-se a inserir a divindade também nas genealogias nórdicas a partir dos
séculos XII – XIII. Não como fundador, mas um integrante de tais genealogias a exemplo

44
FOOT, Sarah. Glastonbury’s Early Abbots. In: ABRAMS, Lesley, CARLEY, James P. The Archaeology and
History of Glastonbury Abbey. Woodbridge: Boydell Press, 1991, p. 164 – 165.
45
FOOT, Sarah. Glastonbury’s Early Abbots. In: ABRAMS, Lesley, CARLEY, James P. The Archaeology and
History of Glastonbury Abbey. Woodbridge: Boydell Press, 1991, p. 165.
46
O Manuscrito A ou Manuscrito de Winchester (Cambridge, Corpus Christi College MS 173, ff. 1v – 32r) e o
Manuscrito A2 (British Library MS Cotton Otho Bxi, 2); cf. SWANTON, Michael. The Anglo-Saxon Chronicle.
Londres: Dent, 1996, p. xxi – xxiii.
47
FAULKES, Anthony. The Genealogies and Regnal Lists in a Manuscript in Resen’s Library, Sjötíu ritgerðir
helgaðar Jakobi Benediktssyni 20. júlí 1977, Rvík 1977, p. 177-190.

66
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do que já ocorria na Inglaterra. E assim tal influência anglo-saxônica teria acabado por se
fazer presente também a obra de Snorri Sturluson – através de uma cópia paralela ao
Manuscrito Resen e talvez derivada das listas contidas no Cotton Tiberius B. v – onde não
apenas a genealogia semelhante à casa de Wessex aparece, mas elementos que podemos
identificar remetendo aos arquétipos medievais do mito de origem troiana, à “matéria de
Tróia” e a conciliação de tal cenário com a tradição genealógica cristã
veterotestamentária.48

Considerações finais.

A importância das genealogias mítico-históricas no contexto europeu setentrional


do medievo não pode ser encarada como simples reminiscências pagãs ou mero folclore,
mas como um processo extremamente intrincado de construção indentitária, de
etnogênese, na formação de “nações” durante o dito período.49
No caso das fontes utilizadas em nosso artigo, é necessário enfatizar que ao
questionarmos seu conteúdo, isso não significa que não seja possível encontrar algum
tipo de informação importante que esteja vinculada ao período pré-cristão inglês ou
escandinavo. Contudo, é necessário reconhecer que tais elementos não podem ser usados
de forma proselitista, sem uma metodologia coerente e senso crítico.50 Se faz necessário
um novo olhar sobre a análise de tais fontes, que estejam voltadas a uma visão holística
do período. Onde, por exemplo, as práticas dos primeiros missionários cristãos no norte
europeu deveriam ser revisitadas pelo pesquisador e submetidas a novas críticas. Ao invés
de uma busca exclusiva por supostos elementos pré-cristãos em fontes posteriores ao
período, numa ânsia acadêmica por resultados que podemos dizer ser no mínimo
teleológica.
Em suma, o ponto que gostaríamos de enfatizar neste trabalho seria de que se faz
mais do que necessário rompermos com antigas metodologias de pesquisa que claramente
não conseguem mais suprir análises consistentes e, consequentemente, buscar por novas

48
FAULKES, Anthony. The Genealogies and Regnal Lists in a Manuscript in Resen’s Library, Sjötíu ritgerðir
helgaðar Jakobi Benediktssyni 20. júlí 1977, Rvík 1977, p. 183.
49
DAVIES, Rees. Nations and National Identities in the Medieval World: An Apologia, Revue belge d’Histoire
contemporaine/Belgisch Tijdschrift voor Nieuwste Geschiedenis, XXXIV, n. 4, 2004, p. 567-579.
50
YORKE, Barbara. The fate of otherworldly beings after the conversion of the Anglo-Saxons. In: RUHMANN,
Christiane, BRIESKE, Vera. Dying Gods – Religious beliefs in northern and eastern Europe in the time of
Christianization, Neue Studien zur Sachsenforschung 5, 2015, p. 167-179.

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Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

hipóteses ou soluções. No caso abordado em nosso artigo, uma metodologia que rompa
com antigos paradigmas – como a persistente ideia oitocentista de um fundo cultural
pangermânico – e a procura por novas abordagens que tentem cumprir tal função
realmente a partir das fontes e o que elas nos apresentam de fato, por mais óbvio que isso
possa soar dentro do campo da pesquisa histórica e literária. Como nossa proposta
(baseadas nas ideias de Crawford, Lassen e Faulkes) de um maior cuidado ao lidar com
as fontes do período e uma desmitificação da Escandinávia medieval como detentora de
uma influência absoluta ou fonte primordial sobre as regiões em torno do Mar do Norte.
E a partir disso possibilitar o desdobramento para pensarmos em outras hipóteses
onde, por exemplo, tais genealogias escandinavas pudessem ser compreendidas não
apenas como meras reminiscências mitológicas ou folclóricas, mas indícios de processos
de formação de identidades nacionais – ou ao menos de tentativas – e de discursos
legitimadores no ambiente sociopolítico da Escandinávia medieval do século XIII, a
exemplo do que já vinha ocorrendo na Inglaterra e no Continente.

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PRÓLOGO DA EDDA DE SNORRI STURLUSON.51

Original em Nórdico Antigo Tradução

1. 1.
Almáttigr guð skapaði í uphafi himin Deus Todo-Poderoso criou o céu e a terra e
ok jǫrð ok alla þá hluti, er þeim fylgja, todas as coisas neles, e por fim duas pessoas
og síðarst menn tvá, er ættir eru frá dos quais as gerações são descendentes, Adão
komnar, Adam ok Evu, ok fjǫlgaðisk e Eva. E sua linhagem se multiplicou e se
þeira kynslóð ok dreifðisk um heim espalhou por todo o mundo. Mas o tempo
allan. En er fram liðu stundir, þá passou e a humanidade se tornou diversa.
ójafnaðisk mannfólkit: váru sumir Alguns eram bons e corretos em sua fé, mas
góðir ok rétttrúaðir, en myklu fleiri muitos se afastaram para seguir as luxúrias do
snerusk eptir girndum heimsins ok mundo e negaram os mandamentos de Deus, e
órœkðu guðs boðorð, ok fyrir því então Deus mergulhou o mundo numa
drekti guð heiminum í sjávargangi ok enchente com todas as criaturas do mundo
ǫllum kykvendum heimsins nema exceto aquelas que estavam na arca com Noé.
þeim er í ǫrkinni váru með Nóa. Eptir Após a enchente de Noé viveram oito pessoas
Nóa flóð lifðu átta menn þeir er que habitaram o mundo e delas descenderam
heiminn bygðu ok kómu frá þeim gerações. Pouco antes que o mundo viesse a
ættir, ok varð enn sem fyrr at þá er ser povoado e se acomodado, ocorreu de que
fjǫlmentisk ok bygðisk verǫldin þá grande parte da humanidade cultivou o desejo
var þat allr fjǫlði mannfólksins er por riqueza e glória e negou a obediência a
elskaði ágirni fjár ok metnaðar en Deus, e isso chegou a tal ponto que eles se
afrœktusk guðs hlýðni, ok svá mikit recusaram a mencionar o nome de Deus. Mas
gerðisk af því at þeir vildu eigi nefna quem estava lá então para contar a seus filhos
guð. En hverr mundi þá frá segja sobre os mistérios de Deus? Então aconteceu
sonum þeira frá guðs stórmerkjum? que eles esqueceram o nome de Deus e em
Svá kom, at þeir týndu guðs nafni ok muitas partes do mundo não havia ninguém a

51
O texto original da Edda de Snorri Sturluson que acompanha nossa tradução foi baseado nas edições de
JÓNSSON, Guðni. Edda Snorra Sturlusonar. Reykjavik: Islendingasagnautgafan, 1959; BJÖRNSSON, Arni.
Snorra Edda. Reykjavík: Iðun, 1975.

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víðast um verǫldina fansk eigi sá ser encontrado que conhecesse alguma coisa
maðr er deili kunni á skapara sínum. sobre seu criador. Mesmo assim Deus lhes
En eigi at síðr veitti guð þeim jarðligar concedeu bênçãos terrenas, riqueza e
giptir, fé ok sælu, er þeir skyldu við prosperidade para desfrutarem no mundo. Ele
vera í heiminum. Miðlaði hann ok também lhes deu certa quantia de sabedoria de
spekina svá at þeir skilðu alla jarðliga forma que pudessem compreender todas as
hluti ok allar greinir þær er sjá mátti coisas terrenas e os detalhes de tudo que eles
loptsins ok jarðarinnar. Þat hugsuðu pudessem ver no céu e na terra. Eles refletiram
þeir ok undruðusk, hví þat myndi e estavam maravilhados sobre o que
gegna, er jǫrðin ok dýrin ok fuglarnir significava a terra e os animais e os pássaros
hǫfðu saman eðli í sumum hlutum ok terem características em comum em algumas
þó ólík at hætti. Þat var eitt eðli, at coisas, apesar de que havia (também)
jǫrðin var grafin í hám fjalltindum ok diferenças (entre eles). Uma das características
spratt þar vatn upp ok þurfti þar eigi da terra era de que quando ela era cavada no
lengra at grafa til vats en í djúpum alto do topo da montanha, lá a água jorrava e
dǫlum. Svá eru ok dýr ok fuglar, at não havia necessidade para se cavar mais por
jafnlangt er til blóðs í hǫfði ok fótum. água lá do que em vales profundos. Era o
Ǫnnur náttúra er sú jarðar, at á hverju mesmo com os animais e pássaros, pois há de
ári vex á jǫrðinni gras ok blóm ok á se sangrar tanto na cabeça quanto nos pés.
sama ári fellr þat allt ok fǫlnar. Svá Uma segunda qualidade da terra: que todo ano
eru ok dýr ok fuglar, at þeim vex hár lá cresce vegetação e flores e no mesmo ano
ok fjaðrar ok fellr af á hverju ári. Þat tudo cai e definha. É o mesmo com animais e
er in þriðja náttúra jarðar, þá er hon er pássaros: seus cabelos e penas crescem e caem
opnuð ok grafin, þá grœr gras á þeiri todo ano. É a terceira qualidade da terra:
moldu er efst er á jǫrðinni. Bjǫrg ok quando ela é aberta e cavada, então a
steina þýddu þeir á móti tǫnnum ok vegetação que está mais alto na terra cresce no
beinum kvikvenda. Af þessu skilðu solo. Rochas e pedras eles pensaram ser o
þeir svá at jǫrðin væri kyk ok hefði líf equivalente aos dentes e ossos dos seres vivos.
með nokkurum hætti, ok þat vissu þeir A partir disso concluíram que a terra estava
at hon var furðuliga gǫmul at aldartali viva e tinha vida há muito tempo, e eles
ok máttug í eðli. Hon fœddi ǫll perceberam que ela era incomensuravelmente
kvikvendi ok hon eignaðisk allt þat er velha na conta dos anos e de natureza

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Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

dó. Fyrir þá sǫk gáfu þeir henni nafn poderosa. Ela nutria todas as criaturas e se
ok tǫlðu ættir sínar til hennar. Þat apossava de tudo que morria. Por essa razão
sama spurðu þeir af gǫmlum frændum eles lhe deram um nome e traçaram sua
sínum at síðan er talið váru mǫrg ancestralidade até ela. Da mesma forma eles
hundruð vetra þá var in sama jǫrð, sól aprenderam de seus parentes mais velhos que
ok himintungl. En gangr após muitas centenas de anos era sabido que
himintunglanna var ójafn, áttu sum existia a mesma terra, sol e corpos celestes.
lengra gang en sum skemra. Af Mas os percursos dos corpos celestes eram
þvílíkum hlutum grunaði þá at muitos, alguns tinham um percurso mais longo
nǫkkurr mundi vera stjórnari e alguns mais curtos. A partir destas coisas eles
himintunglanna, sá er stilla mundi pensaram de forma acertada que deveria haver
gang þeira at vilja sínum, ok mundi sá alguém a controlar os corpos celestes que
vera ríkr mjǫk ok máttugr; ok þess deveria estar ajustando seus percursos de
væntu þeir, ef hann réði fyrir acordo com sua vontade, e ele seria muito forte
hǫfuðskepnunum, at hann mundi fyrr e poderoso; e eles concluíram que se ele
verit hafa en himintunglin; ok þat sá governava sobre os elementos, que ele deve ter
þeir, ef hann rédi gang existido antes dos corpos celestes; e eles
himintunglanna, at hann mundi ráða perceberam que se ele governava sobre o
skini sólar ok dǫgg loptsins ok ávexti percurso dos corpos celestes, ele devia
jarðarinnar er því fylgir, ok slíkt sama governar sobre o brilho do sol e o orvalho do
vindinum loptsins ok þar með stormi céu e o que é produzido na terra e o que
sævarins. Þá vissu þeir eigi hvar ríki depende dela, e de forma similar o vento do
hans var. Af því trúðu þeir at hann réð céu e com ele a tempestade do mar. Eles não
ǫllum hlutum á jǫrðu ok í lopti, sabiam onde era seu reino. E então acreditaram
himins ok himintunglum, sævarins ok que ele governava todas as coisas na terra e no
veðranna. En til þess at heldr mætti frá céu, do céu e dos corpos celestes, do mar e os
segja eða í minni festa þá gáfu þeir climas. Mas então como é melhor, capaz de dar
nafn með sjálfum sér ǫllum hlutum, um relato disso e fixar na memória, eles deram
ok hefir þessi átrúnaðr á marga lund um nome por eles mesmos para tudo, e esta
breyzk, svá sem þjóðirnar skiptust ok religião mudou de várias maneiras conforme
tungurnar greindusk. En alla hluti as nações se tornavam distintas e as línguas se
skilðu þeir jarðligri skilningu, því at ramificam. Contudo, eles compreenderam

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þeim var eigi gefin andlig spekðin. tudo com entendimento terreno, pois para eles
Svá skilðu þeir, at allir hlutir væri não foi concedido sabedoria espiritual. Assim,
smíðaðir af nǫkkuru efni. eles concluíram que tudo foi criado a partir de
algum material.

2. 2.
Verǫldin var greind í þrjár hálfur, frá O mundo foi dividido em três regiões. Do sul
suðri í vestr ok inn at Miðjarðarsjá; sá até o oeste e até o mar Mediterrâneo, esta
hlutr var kallaðr Affríca. Hinn syðri região é chamada África. A parte mais ao sul
hlutr þeirar deildar er heitr, svá at þar dessa região é quente e queimada pelo sol. A
brennr, af sólu. Annarr hlutr frá vestri segunda região, do oeste e até o norte e o mar,
til norðrs ok inn til hafsins; er sá esta é chamada Europa ou Enea. A parte mais
kallaðr Evropa eða Enea. Hinn nyrðri ao norte de lá é tão fria que a vegetação não
hlutr er þar svá kaldr, at eigi vex gras cresce e é impossível de se habitar. Do norte e
ok eigi má byggja. Frá norðri ok um por sobre as regiões do leste, direto até o sul,
austrhálfur allt til suðrs, þat er kallat esta é chamada Ásia. Nesta parte do mundo
Asia. Í þeim hlut veraldar er ǫll fegrð está toda a beleza e esplendor e riqueza
ok prýði ok eign jarðar ávaxtar, gull produzida na terra, ouro e joias. O meio do
ok gimsteinar. Þar er ok mið verǫldin. mundo também está lá; e da mesma forma que
Ok svá sem þar er jǫrðin fegri ok betri a terra lá é mais bonita e melhor em todos os
ǫllum kostum en í ǫðrum stǫðum, svá aspectos do que em outros lugares, assim
var ok mannfólkit þar mest tignat af também a humanidade lá era mais honrosa
ǫllum giptum, spekinni ok aflinu, com todas as dádivas, sabedoria e força, beleza
fegrðinni ok alls kostar kunnustu. e todo tipo de habilidade.

3. 3.
Nær miðri verǫldinni var gǫrt þat hús Próximo ao meio do mundo foi construído
ok herbergi, er ágætast hefir verit, er aquela edificação e habitação que havia sido a
kallat var Trója, þar sem vér kǫllum mais esplendida de todas, a qual foi chamada
Tyrkland. Þessi staðr var miklu meiri Tróia. Nós chamamos aquela terra de Turquia.
gǫrr en aðrir ok með meira hagleik á Este lugar foi construído muito maior que

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marga lund með kostnaði ok fǫngum, outros e com maior habilidade em muitos
er þar váru til. Þar váru tólf aspectos, utilizando a riqueza e os recursos
konungdómar ok einn yfirkonungr, ok disponíveis. Lá se encontravam doze reinos e
lágu mǫrg þjóðlǫnd til hvers um grande rei, e muitos países estavam
konungdóms. Þar váru í borginni tólf submetidos a cada reino. Na cidade havia doze
hǫfuðungur. Þessir hǫfðingjar hafa línguas principais. Os doze governantes dos
verit um fram aðra menn, þá er verit reinos eram superiores em todas as qualidades
hafa í verǫldu, um alla manndómliga humanas a outras pessoas que haviam vivido
hluti. Einn konungr er þar var er no mundo. O nome de um dos reis era Munon
nefndr Munón eða Mennón. Hann átti ou Mennon. Ele era casado com a filha do
dóttur hǫfuðkonungs Príámí. Sú hét grande rei Príamo; ela se chamava Troan. Eles
Tróán. Þau áttu son. Hann hét Trór, tiveram um filho, que se chamava Tror; nós o
þann kǫllum vér Þór. Hann var at chamamos Thor. Ele foi criado na Trácia por
uppfœzlu í Trákíá með hertoga þeim, um nobre cujo nome era Loricus. Quando ele
er nefndr er Lóríkús, en er hann var tíu tinha dez anos ele herdou as armas de seu pai.
vetra, þá tók hann við vápnum fǫður Ele era tão belo de se ver quando ele vinha
síns. Svá var hann fagr álitum, er hann entre outras as pessoas como quando o marfim
kom með ǫðrum mǫnnum, sem þá er está cravado em carvalho. Seu cabelo era mais
fíls bein er grafit í eik. Hár hans er belo que o ouro. Quando ele tinha doze anos
fegra en gull. Þá er hann var tólf vetra, ele havia alcançado toda sua força. Assim, ele
hafði hann fullt afl. Þá lypti hann af ergueu do chão dez peles de urso de uma vez e
jǫrðu tíu bjarnstǫkum ǫllum senn, ok então ele matou seu pai adotivo Loricus e sua
þá drap hann Lóríkúm fóstra sinn, ok esposa Lora ou Glora e tomou posse do reino
konu hans, Lórá eða Glórá, ok eignaði da Trácia. Nós a chamamos de Thrudheim. Ele
sér ríkit Trákiá. Þat kǫllum vér então viajou por muitas terras e explorou todos
Þrúðheim. Þá fór hann víða um lǫnd os cantos do mundo e derrotou sem ajuda todos
ok kannaði allar heims hálfur ok os berserkers e todos gigantes e um dos
sigraði einn saman alla berserki ok maiores dragões e muitos animais selvagens.
risa ok einn inn mesta dreka ok mǫrg Nas regiões do norte do mundo ele se
dýr. Í norðrhálfu heims fann hann encontrou com a profetisa chamada Sibyl, a
spákonu þá, er Síbíl hét, er vér kǫllum qual nós chamamos Sif, e casou-se com ela.
Sif, ok fekk hennar. Engi kann at segja Ninguém é capaz de dizer sobre a linhagem de

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ætt Sifjar. Hon var allra kvenna fegrst. Sif. Ela era a mais bela de todas as mulheres,
Hár hennar var sem gull. Þeira son var seu cabelo era como o ouro. O filho deles era
Loriði, er líkr var feðr sínum. Hans Loridi, que se parecia com o seu pai; seu filho
son var Einriði, hans son Vingeþórr, era Einridi, seu filho Vingethor, seu filho
hans son Vingener, hans son Móða, Vingenir, seu filho Moda, seu filho Magi, seu
hans son Magi, hans sonr Seskef, hans filho Seskef, seu filho Bedvig, seu filho Athra,
son Beðvig, hans son Athra, er vér o qual nós chamamos Annar, seu filho
kǫllum Annan, hans son Ítrmann, Itrmann, seu filho Heremod, seu filho
hans son Heremóð, hans son Skjaldun, o qual nós chamamos Skjöld, seu
Skjaldun, er vér kǫllum Skjǫld, hans filho Bjáf, o qual nós chamamos Bjár, seu filho
son Bjáf, er vér kǫllum Bjár, hans sonr Ját, seu filho Gudolf, seu filho Finn, seu filho
Ját, hans son Guðólfr, hans son Finn, Friallaf, o qual nós chamamos Fridleif. Ele
hans son Fríallaf, er vér kǫllum teve um filho cujo nome era Voden, é ele a
Friðleif. Hann átti þann son, er nefndr quem chamamos Odin. Ele era uma pessoa
er Voden. Þann kǫllum vér Óðin. notável pela sabedoria e todos os tipos de
Hann var ágætr maðr af speki ok allri feitos. Sua esposa era chamada Frigida, a qual
atgervi. Kona hans hét Frigida, er vér nós chamamos Frigg. Odin tinha o dom da
kǫllum Frigg. Óðinn hafði spádóm ok profecia assim como sua esposa, e por este tipo
svá kona hans, ok af þeim vísindum de sabedoria ele descobriu que seu nome seria
fann hann þat, at nafn hans mundi lembrado nas regiões do norte do mundo e
uppi vera haft í norðrhálfu heimsins reverenciado acima de todos os reis. Por esta
ok tignat um fram alla konunga. Fyrir razão ele tornou-se ávido para deixar a Turquia
þá sǫk fýstisk hann at byrja ferð sína e levou consigo um grande número de pessoas,
af Tyrklandi ok hafði með sér mikinn jovens e velhos, homens e mulheres, e eles
fjǫlða liðs, unga menn ok gamla, karla levaram consigo muitas coisas preciosas. E por
ok konur, ok hǫfðu með sér marga qualquer terra que passavam, imensa glória era
gersamliga hluti. En hvar sem þeir dita sobre eles, de forma que se pareciam mais
fóru yfir lǫnd, þá var ágæti mikit frá como deuses do que homens. E eles não
þeim sagt, svá at þeir þóttu líkari cessaram sua jornada até que vieram para o
goðum en mǫnnum. Ok þeir gefa eigi norte, para a terra que agora é chamada
stað ferðinni, fyrr en þeir koma norðr Saxônia. Odin permaneceu lá por um longo
í þat land, er nú er kallat Saxland. Þar

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dvalðist Óðinn langar hríðir ok tempo e tomou posse de grandes partes


eignask víða þat land. daquela terra.

4. 4.
Þar setr Óðinn til lands gæzlu þrjá Lá Odin deixou como responsáveis pelo reino
sonu sína. Er einn nefndr Veggdegg. três de seus filhos. O nome de um deles era
Var hann ríkr konungr ok réð fyrir Veggdegg, ele foi um rei poderoso e governou
Austr-Saxlandi. Hans sonr var sobre a Saxônia Oriental; seu filho era Vitrgils,
Vitrgils. Hans synir váru þeir Vitta, seu filho era Vitta, pai de Hengest, e Sigar, pai
faðir Heingests, ok Sigarr, faðir de Svebdegg, o qual nós chamamos Svipdag.
Svebdegg, er vér kǫllum Svipdag. O segundo filho de Odin se chamava Beldegg,
Annarr son Óðins hét Beldegg, er vér o qual nós chamamos Baldr; ele possuía um
kǫllum Baldr. Hann átti þat land, er nú reino que hoje se chama Vestfália. Seu filho
heitir Vestfal. Hans son var Brandr, era Brand, seu filho Friodigar, o qual nós
hans son Frióðigar, er vér kǫllum chamamos Frodi, seu filho Freovin, seu filho
Fróða. Hans son var Freóvin, hans son Wigg, seu filho Gewis, o qual nós chamamos
Wigg, hans son Gevis, er vér kǫllum Gavir. O nome do terceiro filho de Odin era
Gavi. Inn þriði son Óðins er nefndr Siggi, seu filho Rerir. Esta dinastia governou
Siggi, hans son Rerir. Þeir langfeðgar sobre o que hoje é chamada França, e deles
réðu þar fyrir, er nú er kallat Frakland, descende a família chamada de os Volsungos.
ok er þaðan sú ætt komin, er kǫlluð er De todos eles descendem grandes linhagens de
Vǫlsungar. Frá ǫllum þessum eru famílias. Então Odin deixou o norte e veio para
stórar ættir komnar ok margar. Þá uma terra que eles chamavam Reidgotaland e
byrjaði Óðinn ferð sína norðr ok kom tomou posse de tudo o que ele desejava
í þat land, er þeir kǫlluðu naquela terra. Ele deixou sobre aquela região
Reiðgotaland, ok eignaðisk í því landi um filho chamado Skjöld; seu filho era
allt þat, er hann vildi. Hann setti þar chamado Fridleif. Deles é descendente a
til landa son sinn, er Skjǫldr hét. Hans família chamada de os Skjöldungas; eles são
son hét Friðleifr. Þaðan er sú ætt reis da Dinamarca, e o que era então chamada
komin, er Skjǫldungar heita. Þat eru Reidgotaland é agora chamada Jutlândia.

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Danakonungar, ok þat heitir nú


Jótland, er þá var kallat Reiðgotaland.

5. 5.
Eptir þat fór hann norðr, þar sem nú Depois disso Odin foi para o norte para o que
heitir Svíþjóð. Þar var sá konungr, er é agora chamada Suécia. Havia lá um rei cujo
Gylfi er nefndr. En er hann spyrr til nome era Gylfi, e quando ele soube da chegada
ferða þeira Ásíamanna, er Æsir váru dos homens da Ásia (os quais eram chamados
kallaðir, fór hann í móti þeim ok bauð, æsir), foi se encontrar com eles e ofereceu a
at Óðinn skyldi slíkt vald hafa í hans Odin tanto poder em seu reino quanto ele
ríki, sem hann vildi sjálfr. Ok sá tími desejava para si mesmo. E tamanho era o
fylgði ferð þeira, at hvar sem þeir sucesso que acompanhava suas viagens que
dvǫlðusk í lǫndum, þá var þar ár ok em quaisquer terras que eles paravam havia lá
friðr góðr, ok trúðu allir, at þeir væri então prosperidade e boa paz, e todos
þess ráðandi, því at þat sá ríkismenn, acreditavam que eles eram os responsáveis
at þeir váru ólíkir ǫðrum mǫnnum, (por isso). Em função disso o povo que detinha
þeim er þeir hǫfðu sét, at fegrð ok at poder via que eles eram diferentes de outros
viti. Þar þótti Óðni fagrir lands kostir povos que eles já haviam visto, tanto em
ok kaus sér þar borgstað er nú heita beleza quanto em sabedoria. Odin achou as
Sigtúnir. Skipaði hann þar condições naquela terra atrativas e selecionou
hǫfðingjum ok í þá líking, sem verit como local para sua cidade o lugar que agora é
hafði í Trója, setti tólf hǫfuðmenn í chamado Sigtunir. Lá ele também organizou
staðinum at dœma landslǫg, ok svá governantes no mesmo estilo como havia sido
skipaði hann réttum ǫllum sem fyrr em Tróia, estabeleceu doze chefes em tal
hǫfðu verit í Trója ok Tyrkir váru função para administrar as leis da terra, e ele
vanir. organizou todo o sistema legal como havia
sido anteriormente em Tróia, e àquele ao qual
os turcos estavam acostumados.

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Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

6. 6.
Eptir þat fór hann norðr, þar til er sjár Depois disso ele se dirigiu para ao norte, para
tók við honum, sá er þeir hugðu, at onde se deparou com o mar – aquele que eles
lægi um ǫll lǫnd, ok setti þar son sinn pensavam que circundava todas as terras – e
til þess ríkis, er nú heitir Nóregr. Sá er deixou um filho seu sobre o reino que agora é
Sæmingr kallaðr, ok telja þar conhecido por Noruega. Ele é chamado
Nóregskonungar sínar ættir til hans ok Sæming, e os reis da Noruega traçam sua
svá jarlar ok aðrir ríkismenn, svá sem ancestralidade até ele, da mesma maneira como
segir í Háleygjatali. En Óðinn hafði fazem os nobres e outros governantes, assim
með sér þann son sinn, er Yngvi er como é dito no Haleygiatal 52 . E Odin levou
nefndr, er konungr var í Svíþjóðu, ok consigo um filho seu cujo nome era Yngvi, que
eru frá honum komnar þær ættir, er se tornou rei na Suécia, e dele são descendentes
Ynglingar eru kallaðir. Þeir æsir tóku as linhagens da família conhecida como os
sér kvánfǫng þar innan lands, en ynglingas. Estes æsir encontraram casamentos
sumir sonum sínum, ok urðu þessar para si mesmos naquela terra, e alguns deles
ættir fjǫlmennar, at umb Saxland ok para seus filhos também, e estas famílias
allt þaðan um norðrhálfur dreifðisk tornaram-se extensas, de forma que por toda a
svá, at þeira tunga, Ásíamanna, var Saxônia e de lá para todas as regiões do norte
eigintunga um ǫll þessi lǫnd. Ok þat se espalharam. Assim como sua língua, aquela
þykkjast menn skynja mega af því, at dos homens da Ásia, tornando-se a língua mãe
skrifuð eru langfeðga nǫfn þeira, at sobre todas essas terras. As pessoas acreditam
þau nǫfn hafa fylgt þessi tungu ok þeir que elas podem deduzir (isso) a partir dos
Æsir hafa haft tunguna norðr hingat í registros dos nomes de seus ancestrais –
heim, í Nóreg ok í Svíþjóð, í Danmǫrk aqueles cujos nomes pertenciam a esta língua –
ok í Saxland, ok í Englandi eru forn e que os æsir trouxeram essa língua para o norte
lands heiti eða staða heiti, þau er skilja desta parte do mundo, para a Noruega e para a
má, at af annarri tungu eru gefin en Suécia, para Dinamarca e para Saxônia; e na
þessi. Inglaterra existem antigos nomes para regiões
e lugares que se pode dizer que veio de uma
língua diferente dessa.

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Poema escrito por Eyvind Skaldaspillir, que traça a linhagem de Hakon, earl de Halogaland.

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