Sei sulla pagina 1di 14

"O Que É a Ideologia", opúsculo de Carlos Nougué

O que é a ideologia

Carlos Nougué

Parafraseando a Aristóteles, diga-se que o homem é um animal


de ciências e de artes. No sentido, porém, que nos interessa
aqui, ciência e arte identificam-se enquanto esta se distingue da
experiência ou costume. Com efeito, ter o hábito de dada ciência
(ou a Física, ou a Matemática, ou a Metafísica) implica que se
conheçam seu sujeito (ou seja, aquilo de que ela trata própria
e formalmente) e as causas, as partes, as propriedades, os
efeitos de seu sujeito. Mas também o artista conhece o sujeito
de sua arte (a Marcenaria, a Medicina, a Arquitetura, a Música...)
e as causas, etc. Não as conhece, porém, o operário que trabalha
ou opera somente por experiência ou costume e sob orientação
de um artista: assim como algum obreiro pode tão somente
serrar certas peças segundo o plano e a ordem de um
marceneiro.[1] O que assim opera, opera, como dito, por
experiência ou costume, e só se distingue nisto do animal
porque, se este aprende também por experiência, não o faz
senão no marco da estimativa e dos instintos próprios à sua
espécie.[2]

II

A ciência implica a visão clara e o assentimento firme que se têm


quando, a partir de determinados princípios, se demonstrou algo
corretamente.[3] Mas não se alcança a verdade senão por longo
e tortuoso caminho. Com efeito, depois de possivelmente errar,
suspeita-se que a verdade se encontra em um dos membros de
dupla probabilidade. O próximo passo é a opinião, ou seja, o
agarrar-se firmemente ao membro desse dilema que pareça mais
provável, ainda com receio, todavia, de que a verdade esteja no
outro membro. Quando porém já se têm ciência, isto quer dizer
que já não se teme nada e que se está firmemente estabelecido,
por clara visão intelectual, neste ou naquele membro do
dilema.[4]

Mas há outros hábitos intelectuais, outros modos intelectuais de


conhecer, entre os quais a fé (a religiosa, a virtude teologal,
porque a outra, a fé humana, se encontra ainda no âmbito da
Tópica ou Dialética). Nesta não se tem a visão clara da ciência
(porque, com efeito, a verdade que constitui o objeto formal da
fé – ou seja, a verdade primeira, Deus mesmo – não a temos
senão como por espelho, como em enigma);[5] mas, ao contrário
do que se dá na suspeita da verdade e na opinião, na fé teologal
se tem a firmeza da ciência, antes de tudo pela autoridade suma
de quem no-la dá e por moção sua.[6] Ora, por todo o dito, se
não se quer incorrer em contradição patente ou falácia, não
pode haver senão uma fé verdadeira: a efetivamente fundada
em dados revelados pelo Deus verdadeiro (quer dizer, enquanto
considerado segundo a completude que ele mesmo nos dá a
“ver”). Mas a verdade primeira ou divina, ou seja, o objeto da fé
em toda a sua formalidade, não no-la pode dar Deus
contraditoriamente, ou seja, de um modo em uma religião e de
outro modo, contraditório com aquele, em outra. Por
conseguinte, não pode haversimpliciter senão uma só religião,
enquanto as outras não se chamam religiões senão secundum
quid, isto é, enquanto compartilham algo da verdadeira sendo,
porém, simpliciter falsas.

Não se trata aqui de mostrar em que se funda que nossa religião


– a católica – seja a religião, isto é, a única verdadeira. Trata-se
aqui de mostrar que, além das referidas
religiões simpliciter falsas, há outras doutrinas que também se
podem chamar secundum quid religiões, e que, todavia, em
verdade, não passam de contrafações da religião na medida
mesma em que se querem substituir a ela sem alçar-se, no
entanto, do político: são as ideologias ou, no dizer de Eric
Voegelin, asreligiões políticas.[7]

III

Mas o mundo atual está contaminado de doutrina marxista


também quanto ao que nos interessa aqui. Segundo Marx e
Engels, os inventores do chamado “socialismo científico”, tudo
quanto resulta de qualquer modo do intelecto – ou seja, ciência,
opinião, ideias políticas, religião, o próprio estado, etc. – decorre
de determinado estágio das forças produtivas e constitui a
“superestrutura político-ideológica” da sociedade, excluído,
“naturalmente”, o mesmo socialismo científico (ou seja, o
materialismo dialético ou histórico). Esta doutrina, precisamente
por científica, estaria destinada a ser assimilada pela classe
revolucionária, o proletariado industrial, para que este
eliminasse pela revolução e por uma ditadura (sanguinária
quanto necessário) a superestrutura político-ideológica burguesa
(que não faz senão perpetuar a exploração da classe operária) e,
assim, pudesse atingir um desenvolvimento coletivo das forças
produtivas tal, que tornasse desnecessário o mesmo estado
(incluída a ditadura do proletariado). Alcançar-se-ia assim o
comunismo, ou sociedade sem classes, na qual cada um não
daria senão segundo sua possibilidade, mas teria tudo segundo
sua necessidade. Fechar-se-ia, desse modo, o triplo ciclo da
história: sociedade sem classes primitiva, sociedade de classes,
sociedade sem classes última, a comunista.

Se porém não se está obnubilado pela mesma doutrina marxista,


não é difícil notar que seu fundamento é perfeitamente mas
falaciosamente brandido pro domo sua, ou seja, em benefício
próprio, em causa própria. Com efeito, não se vê por que o
materialismo científico seria o único a escapar da tacha de
ideologia, se não é porque ele mesmo se imbuiu do caráter
messiânico que de algum modo lhe permitira a Revolução
Francesa e a dialética heráclito-hegeliana – ou seja, a que admite
a anulação ou confusão não só dos contrários, mas ainda dos
contraditórios, ou no Ígneo, no caso de Heráclito de Éfeso, ou na
síntese ou como reificação última do Espírito Absoluto, no caso
de Hegel.
Objetarão porém os marxistas: ainda que se conceda que assim
é, ou seja, que o marxismo também é ideologia, não se vê então
por que não o seria a religião, porque, como o marxismo, ela se
exclui das ideologias com fundamento também
falaciosamente pro domo sua. Responde-se, inicialmente: a
religião não só se exclui a si mesma das ideologias, senão que
exclui delas ainda a ciência, e em princípio a opinião, as ideias
políticas, o próprio estado, etc. O restante da resposta dar-se-á
mais adiante.

IV

É todavia insuficiente assinalar que o marxismo argumenta


falaciosamente pro domo, e é grande mérito de Eric Voegelin o
ter assinalado, pela primeira vez, que as ideologias, incluído o
marxismo ou sobretudo ele, têm origem e caráter precisos.[8]

a. Antes de tudo, originam-se todas, mais ou menos


remotamente, na heresia do abade cisterciense Joaquim de
Fiori,[9] segundo a qual a história do mundo se constituiria de
tripla idade: a primeira seria a de Deus Pai, a segunda a de Deus
Filho, a terceira a do Espírito Santo, ou seja, o milênio
“profetizado” no Apocalipse de São João. Sem entrar no mérito
da mesma heresia, e como mostra Voegelin detida e
longamente, todas as ideologias – ou seja, todas as religiões
políticas – se seguiram dela e todas advogaram ou advogam,
agora profanamente, alguma tríplice idade da história. Com
efeito, já o humanismo renascentista dividiu a história em idade
antiga, em idade média e em idade moderna. Caudatário disto é
o liberalismo, que levou ou à Revolução Francesa, em que a
idade moderna passou a identificar-se com a democracia e o
cumprimento do lema “liberdade, igualdade, fraternidade”, ou à
propugnação de uma sociedade final quase sem estado e de
absoluto livre mercado, mercado que por si só, um pouco ao
modo de como se daria o fim do estado com o comunismo,
resolveria todos os problemas que afetam desde sempre
apólis.[10] É caudatário da mesma heresia ainda o positivismo e
suas três idades. Nem seria preciso dizer que o marxismo é uma
como coroação ateística do joaquimismo, mas de um ateísmo
que não escapa de ser uma imitação invertida do
verdadeiramente religioso: o comunismo seria na Terra o que a
Jerusalém Celeste é para os bem-aventurados. Por fim, tem
ainda a mesma origem o nazismo e seu Terceiro Reich ou Reino,
de fundo racialmente antijudaico, mas gnosticamente, diga-se,
anticristão.[11]

b. O próprio das ideologias, portanto, proclamem-se ou não


ciência, já se antevê pelo que se acaba de dizer: ser uma
contrafação irreligiosa da religião, apesar (ou por causa) de sua
origem falso-religiosa. Já o mostramos quanto ao marxismo.
Tome-se, porém, o mesmo lema liberal-revolucionário
“liberdade, igualdade, fraternidade” e ver-se-á, sem grande
dificuldade, que se trata de contrafação ou mundanização da
tripla virtude teologal, ou seja, a fé, a esperança e a caridade
(das quais, lembremos, somos incapazes por nós mesmos). E
assim por diante. E por isso mesmo é que as ideologias podem
dizer-se “religiões políticas”, ou seja, porque pretendem
substituir-se àquilo que, de uma maneira ou de outra,
verazmente ou falsamente, sempre regeu as cidades ou
sociedades: a religião. Já estavam aí o feiticeiro, o xamã, o pajé
nos grupos tribais, segundo certo conjunto de crenças no
sobrenatural; os brâmanes e seus Vedas na Índia; no âmbito do
mitológico, os deuses gregos e a oração desesperada dos
cidadãos para abrandar a mão de ferro com que aqueles os
condenavam ao trágico, ou, no âmbito de certos mistérios, a
gnose e a salvação por ela; o mesmo, mutatis mutandis e sem os
mistérios, entre os romanos; e, naturalmente, aí esteve o povo
eleito (a única sociedade que por um tempo, ou seja, até aos
reis, pôde dizer-se propriamente teocrática, isto é,
governada diretamente por Deus), e aí esteve a Cristandade, ou
seja, a civilização cristã, que se estendeu muito firmemente de
Constantino até ao século XIII, para depois ir-se dissolvendo
pouco a pouco por causas múltiplas.[12] Mas as ideologias,
insista-se, visam precisamente ou a acabar

Mas insistirão os ideólogos: não se vê ao menos por que a


religião possa excluir-se das ideologias, até porque a Cristandade
se organizou em regimes políticos, ordenados, ademais, ao
poder eclesiástico em matéria de fé e de costumes, como
propugna a mesma doutrina católica. Responde-se a isso
triplicemente, no âmbito estreito deste escrito.[13]

a. A religião pretende-se relevada e fundada por Deus


mesmo,[14] enquanto as ideologias políticas pretendem-se
resultado de nossa pura mente, a mesma de que, segundo o
marxismo, brotam as ideologias, ou que, segundo outras
ideologias e segundo o próprio marxismo, é capaz por si de
perfeição e de absoluto. Mas é patente, em primeiro lugar, que
nosso intelecto é limitado e incapaz de compreender muitas
coisas, de arrostar exitosamente a fúria da natureza, de evitar as
mazelas sociais,[15] de suprimir a doença e a morte, etc., isso
para não falar de sua atual e permanente frustração enquanto se
pensa capaz de dominar o vasto universo. Se assim é, se tão
limitado é nosso intelecto, não se vê por onde seria capaz de
instaurar nenhum reino final terreno, de perfeita felicidade.

b. Por isso mesmo é que até o ateu haveria de considerar como o


mais conveniente que recebêssemos de Deus, e não de nosso
limitado intelecto, todo o conhecimento respeitante ao fim do
homem.[16] Mas, justamente por falta de fé, o ateu não poderia
considerar assim senão por suposição, e não lhe restaria senão
dupla possibilidade: ou o niilismo, que implica o desespero e
todas as suas nefastas consequências,[17] ou a adesão a uma
ideologia ou religião política, o que implica todas as contradições
e todos os resultados igualmente nefastos de sua aplicação –
além de não eliminar o desespero e suas consequências próprias,
porque, com efeito, ainda os que se digam os mais convictos e
orgulhosos dos incréus, todos quereriam de algum modo a
eternidade, se tal fosse possível.[18]

c. Por fim, por todo o dito até aqui, a ideologia não pode aplicar-
se senão mediante alguma revolução, ou seja, mediante uma
radical solução de continuidade. Pode ser uma revolução nos
costumes, nas artes, ou na ciência (como se antes nenhum
filósofo tivesse dito verdade central alguma), ou uma verdadeira
carnificina sob sua bandeira ou sob o estado que a encarne
(como se fora uma reificação sanguinária mas necessária do
espírito absoluto). Mas a religião – e falamos agora
exclusivamente da verdadeira, o catolicismo – não prega
nenhuma revolução, nem nunca aplicou nenhuma.[19] Batiza
todo o batizável, mas conservando-o o mais possível; e isso é
assim porque, como diz Santo Tomás, a graça não destrói a
natureza, senão que vem perfazê-la ou aperfeiçoá-la. Batiza,
repita-se, quando e enquanto batizáveis, as artes e os costumes,
razão por que pode assumir os olhos amendoados no Oriente e a
pele negra na África. E batiza, ainda quando e enquanto
batizáveis, os próprios regimes políticos. Para os doutores
católicos e para o magistério da Igreja, qualquer regime é bom
desde que não corrompido (ou seja, desde que não vise a
atender a apenas uma parte da sociedade): a monarquia, a
aristocracia, a politia ou democracia sem democratismo,[20] ou
ainda o regime misto propugnado por Santo Tomás de Aquino,
isto é, uma mescla de monarquia, de aristocracia e de
democracia; mas não assim, insista-se, sua corrupção, a saber: a
tirania, a oligarquia e a democracia democratista. E estejamos
certos de que, voltando a cristianizar-se, o mundo não se
parecerá com o mundo do Medievo cristão senão quanto à
ordenação essencial a Deus, assim como somente quanto a tal
ordenação o Medievo cristão se pareceu com o Império Romano
cristão ou com aChristianitas minor dos reis católicos Isabel e
Fernando, Carlos V e Felipe II. Se portanto o Medievo pode, em
certo sentido, dizer-se a “idade de ouro” da Cristandade, não
pode todavia dizer-se tal absolutamente, ou seja, no caso,
miticamente, e não entendê-lo é fornecer combustível
exatamente aos que querem arrolar a religião entre as
ideologias. Não o façamos, e distinguir-nos-emos cabal e
evidentemente, como devido, de toda e qualquer religião
política.
[1] Por isso mesmo é que o artista pode ensinar sua arte,
enquanto o que opera ou trabalha só por experiência ou
costume não o pode fazer.

[2] A espécie humana, por seu lado, é dotada de muito poucos


instintos (como o da sucção do seio materno no bebê ou o da
proteção da cabeça antes que do restante do corpo), e sua
estimativa diz-se propriamente cogitativa ou razão particular,
porque, ao contrário, obviamente, do que se dá com a estimativa
dos brutos, se rege pela razão superior. Com efeito, ainda
quando faz algo por experiência ou costume, o homem nunca
deixa de contar com as espécies inteligíveis abstraídas pelo
intelecto agente e impressas no intelecto possível, etc.

[3] Ou seja, de acordo com o estabelecido por Aristóteles


nos Analíticos (os Anteriores e osPosteriores) e por Santo Tomás
de Aquino no Comentário a estes últimos.

[4] Se todavia na prática, como dito, costumamos errar antes de


suspeitar a verdade, para depois opinar quanto a ela e para,
enfim, alcançá-la, não podemos porém saber se se trata de erro
senão com a régua da verdade, razão por que se têm de ensinar
e de aprender antes os livros mais propriamente lógicos
do Órganon aristotélico (Categorias, Da Interpretação,Analíticos
Anteriores e os Posteriores) para depois passar a seus demais
tratados (Tópicos,Retórica, Poética, Refutações
Sofísticas [Σοφιστικοὶ Ἔλεγχο, De Sophisticis Elenchis]).
[5] Mas o que hoje se vê por trás dos véus da fé, amanhã, ou
seja, na beatitude eterna, ou seja, pelos que a atingirem, se verá
por essência – com o que descansará para sempre o intelecto do
homem.

[6] Assim, como o define Santo Tomás de Aquino, crer é assentir


intelectualmente à verdade divina por moção da vontade,
movida esta, por seu lado, pela graça. – Ademais, o mesmo
intelecto humano que alcança a ciência é falível. Mas Deus não é
falível; não se engana, nem pode enganar-nos. Por isso mesmo é
que a fé, ao contrário da ciência humana, é
certíssima, absolute certa.

[7] Cf. sua História das Ideias Políticas. – A doutrina ou simbólica


do neokantiano Voegelin é incompatível com a doutrina cristã.
Mas não trataremos aqui tal incompatibilidade, porque o que
aqui nos importa é sua grande contribuição para a inteligência
das ideologias.

[8] Quanto à origem, cingir-nos-emos às conclusões de Voegelin;


quanto ao mais, muito será de nossa parte.

[9] 1135-1202.

[10] No entanto, o resultado geral do liberalismo revolucionário


é a hipertrofia iníqua do estado (como já o fora, ainda que em
menor grau, do mesmo absolutismo monárquico), de modo que
a democracia passa a ser outro nome da pior das tiranias: a que
esmaga os corpos intermediários da sociedade, e em especial a
família, e transforma os cidadãos em massa sua. – Mas a
doutrina católica, exposta por seus doutores e pelo magistério da
Igreja, sempre propugnou um mercado livre e um estado
mínimo. Sua diferença com os liberais que os propugnam é a
extensão com que se entende tal “mínimo” e tal “livre”, assunto
que fica para outro lugar. – Diga-se, ademais, que o próprio
absolutismo monárquico, fundado na doutrina (de origem
dantesca) dos dois fins últimos do homem e na recusa dos reis à
perfeita submissão espiritual à Igreja, já se encontra na fronteira
da ideologia, ainda que não a transponha.

[11] Diga-se, ademais, que algo das religiões políticas já estava


presente, por exemplo, na divinização do imperador romano.
Mas trata-se de fronteira algo turva entre falsa religião e religião
política, razão por que carece de precisão o conceito de
“ideologia imperial”, hoje em voga.

[12] Entre os quais a rebelião da carne contra as exigências da


santidade, o fim progressivo da ordenação do poder civil ao
eclesiástico, a substituição progressiva da cultura cristã por uma
renascida cultura pagã, etc.

[13] Quando se trate de âmbito mais largo, tal resposta há de ser


muito mais que tríplice.

[14] Obviamente, se agora dizemos “pretende-se” em vez de “é”,


dizemo-lo tão só a modo dialético.

[15] E o mais “curioso” nas ideologias, conquanto de todo


coerente com elas, é que consideram seus fracassos práticos não
como fracassos seus, mas sempre de uma incompleta ou
deficiente aplicação de seus princípios. Assim, o fracasso do
comunismo é fracasso do “socialismo real”; o do liberalismo
econômico, o do sempre incompleto cumprimento dos ditames
liberais; etc. Daí se vê que as ideologias são, ademais, idealistas.
Mas, vertido no campo do prático, o idealismo é sempre
quimérico, no duplo sentido da palavra: o de impossível, e o de
monstruoso. – Como em resposta à principal falácia do
liberalismo econômico, ou seja, que o mercado livre suprime por
si os conflitos humanos, Lawrence H. Keeley mostra muito
convincentemente que “em vários graus [...] muitas sociedades
tendem a [...] atacar os povos com os quais comercializam, e a
comercializar com seus inimigos. Ao contrário das suposições
habituais, a troca entre sociedades fornece um contexto
favorável ao conflito e está intimamente associada a ele” (A
Guerra Antes da Civilização – O Mito do Bom Selvagem, trad.
Fabio Faria, São Paulo, É Realizações, 2011, p. 262. Desta obra
sugestiva conquanto não raro falha, vide especialmente, com
respeito a este ponto, todo o capítulo “Um brado devastador”, p.
252-262).

[16] E é o que quereria o Platão do Fédon (85 c-d): “Acerca


destes temas é preciso conseguir uma das seguintes coisas: ou
aprender com outro como eles são, ou descobri-los por contra
própria, ou, se isto for impossível, tomando dentre as
explicações humanas a melhor e mais difícil de refutar, deixar-se
levar nela como numa balsa para sulcar a existência, já que não
podemos fazer a travessia de maneira mais estável e menos
arriscada num veículo mais seguro, ou seja, uma revelação
divina”.

[17] Até porque, segundo o niilismo, o homem seria o único


animal cujo apetite principal (o de eternidade) seria vão. Com
efeito, todos os outros animais só apetecem o que sua natureza
pode alcançar de algum modo.

[18] Disse-se acima “por falta de fé”, porque, com efeito, sem a
fé não se pode ter conhecimento do fim glorioso a que Deus
destinou o homem. Mas haveria que dizer ainda,
preambularmente: “por falta de ciência”. Com efeito, Aristóteles
demonstrou, em vários lugares e do ângulo da pura razão (ou
seja, sem contar com a revelação), não só que o fim do homem é
a vida contemplativa (bíos theōrētikós), ou seja, a contemplação
de Deus, senão que o homem deve imitar em sua própria vida a
vida divina. – Mas o chamado “socialismo científico” nega-o.
Também por isso, portanto, não é científico.

[19] Além de preferir padecer o mal, o que nos traz a palma da


vitória, a fazer o mal – como aliás já propugnavam de certa
maneira Sócrates e Platão.

[20] Ou seja, sem liberalismo. “A democracia [liberal]”, dizia São


Pio X, “é uma religião mais universal que a Igreja [...]. Resulta do
grande movimento de apostasia organizado em todos os países
para o estabelecimento de uma Igreja Universal que não terá
dogmas, nem hierarquia, nem regra para o espírito, nem freio
para as paixões” (Notre charge apostolique). – Aliás, até um
“liberal conservador” como Roger Scruton, talvez um pouco por
discípulo de Edmund Burke (1729-1797), admite perfeitamente a
democracia sem sufrágio universal.

Potrebbero piacerti anche