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O que é a ideologia
Carlos Nougué
II
III
IV
c. Por fim, por todo o dito até aqui, a ideologia não pode aplicar-
se senão mediante alguma revolução, ou seja, mediante uma
radical solução de continuidade. Pode ser uma revolução nos
costumes, nas artes, ou na ciência (como se antes nenhum
filósofo tivesse dito verdade central alguma), ou uma verdadeira
carnificina sob sua bandeira ou sob o estado que a encarne
(como se fora uma reificação sanguinária mas necessária do
espírito absoluto). Mas a religião – e falamos agora
exclusivamente da verdadeira, o catolicismo – não prega
nenhuma revolução, nem nunca aplicou nenhuma.[19] Batiza
todo o batizável, mas conservando-o o mais possível; e isso é
assim porque, como diz Santo Tomás, a graça não destrói a
natureza, senão que vem perfazê-la ou aperfeiçoá-la. Batiza,
repita-se, quando e enquanto batizáveis, as artes e os costumes,
razão por que pode assumir os olhos amendoados no Oriente e a
pele negra na África. E batiza, ainda quando e enquanto
batizáveis, os próprios regimes políticos. Para os doutores
católicos e para o magistério da Igreja, qualquer regime é bom
desde que não corrompido (ou seja, desde que não vise a
atender a apenas uma parte da sociedade): a monarquia, a
aristocracia, a politia ou democracia sem democratismo,[20] ou
ainda o regime misto propugnado por Santo Tomás de Aquino,
isto é, uma mescla de monarquia, de aristocracia e de
democracia; mas não assim, insista-se, sua corrupção, a saber: a
tirania, a oligarquia e a democracia democratista. E estejamos
certos de que, voltando a cristianizar-se, o mundo não se
parecerá com o mundo do Medievo cristão senão quanto à
ordenação essencial a Deus, assim como somente quanto a tal
ordenação o Medievo cristão se pareceu com o Império Romano
cristão ou com aChristianitas minor dos reis católicos Isabel e
Fernando, Carlos V e Felipe II. Se portanto o Medievo pode, em
certo sentido, dizer-se a “idade de ouro” da Cristandade, não
pode todavia dizer-se tal absolutamente, ou seja, no caso,
miticamente, e não entendê-lo é fornecer combustível
exatamente aos que querem arrolar a religião entre as
ideologias. Não o façamos, e distinguir-nos-emos cabal e
evidentemente, como devido, de toda e qualquer religião
política.
[1] Por isso mesmo é que o artista pode ensinar sua arte,
enquanto o que opera ou trabalha só por experiência ou
costume não o pode fazer.
[9] 1135-1202.
[18] Disse-se acima “por falta de fé”, porque, com efeito, sem a
fé não se pode ter conhecimento do fim glorioso a que Deus
destinou o homem. Mas haveria que dizer ainda,
preambularmente: “por falta de ciência”. Com efeito, Aristóteles
demonstrou, em vários lugares e do ângulo da pura razão (ou
seja, sem contar com a revelação), não só que o fim do homem é
a vida contemplativa (bíos theōrētikós), ou seja, a contemplação
de Deus, senão que o homem deve imitar em sua própria vida a
vida divina. – Mas o chamado “socialismo científico” nega-o.
Também por isso, portanto, não é científico.