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Terra Livre

A solidariedade contraditória entre


conhecimento e educação

desde 1934

Associação dos Geógrafos Brasileiros


Associação dos Geógrafos Brasileiros
Diretoria Executiva Nacional (Gestão 2010-2012)

Diretoria executiva nacional


Presidente: Nelson Rego (Seção Porto Alegre)
Vice-Presidente: Heitor Oliveira (Seção Recife)
1º Secretário: Paulo Roberto Raposo Alentejano (Seção Rio de Janeiro)
2º Secretário: Leandro Evangelista Martins (Seção São Paulo)
1º Tesoureiro: Fernando Conde Veiga (Seção Belo Horizonte)
2º Tesoureiro: Silvio Marcio Montenegro Machado (Seção Florianópolis)
Coordenador de Publicações: Claudinei Lourenço (Seção Belo Horizonte)
Auxiliar de Coordenador de Publicações: Paulo César Scarim (Seção Vitória)
Representantes no CONFEA Lucimar Fátima Siqueira (Seção Porto Alegre)

COLETIVOS

Publicações
Charlles da França Antunes (Seção Niterói)
Claudio Ubiratan Gonçalves (Seção Recife)

Editor de Publicações Eletrônicas


Hindenburgo Francisco Pires (Seção Rio de Janeiro)

Comunicação
Pedro Henrique Oliveira Gomes (Seção Rio de Janeiro)
Daniel Baliu Fiamenghi (Seção São Paulo)
Aracídio de Freitas Barbosa Neto (Seção Florianópolis)
Cristiano Silva da Rocha Diogenes (Seção Campinas)
Leandro Monteiro Dal Bó (Seção Florianópolis)

Articulação dos GTs


Renato Emerson Nascimento dos Santos (Seção Rio de Janeiro)
Eduardo Maia (Seção Viçosa)

Secretaria
Renata Ferreira da Silveira (Seção Porto Alegre)
Evelin Cunha Biondo (Seção Porto Alegre)

Tesouraria
Rafael Muniz Pacchiega (Seção São Paulo)
Eduardo Luiz Damiani Goyos Carlini (Seção São Paulo)
Lara Schmitt Caccia (Seção Porto Alegre)
Paulo Cabral Lage (Seção Belo Horizonte)

Secretaria Administrativa
Caio Tedeschi de Amorim (Seção São Paulo)
ISSN 0102-8030

A solidariedade contraditória entre


conhecimento e educação

Terra Livre
Publicação semestral da
Associação dos Geógrafos Brasileiros

ANO 28 - Vol. 1
NÚMERO 38

Terra Livre São Paulo Ano 28, Vol. 1, n.38 p.1-203 Jan-Jun/2012
Terra Livre
Conselho Editorial: Alzenir Severina - Seção Local Recife | Anderson Bem - Seção Local Mal Candido Rondom |
Azucena Arango Miranda - Universidade Humboldt de Berlin, Alemanha e Universidad Autonoma do México, UNAM |
Claudinei Lourenço - DEN/Coordenação de Publicações | Claudio Ubiratan Gonçalves - DEN/Coordenação de Publicações
| Cristiane Cardoso - Seção Local Rio de Janeiro | Charlles Antunes da França - DEN/Coordenação de Publicações |
Edima Aranha - Seção Local Três Lagoas | Fábio Napoleão - Seção Local Florianópolis | Felipe Moura Fernandes - Seção
Local Niterói | Fernando Conde Veiga - Seção Local Belo Horizonte | Flávio Palhano Fernandes - Seção Local Vitória |
Gustavo Francisco Teixeira Prieto - Seção Local São Paulo | Jan Bitoun - Seção Local Recife | Jeani Delgado Paschoal
Moura - Seção Local Londrina | João Damasceno - Seção Local Campina Grande | João Edmilson Fabrini - Seção Local
Mal Candido Rondom | Joelma Cristina dos Santos - Seção Local Ituiutaba | José Messias Bastos - Seção Local Florianópolis
| Julio César Gabrich Ambrozio - Seção Local Juiz de Fora | Lucas Manassi Panitz - Seção Local Porto Alegre | Marcelo
Rodrigues Mendonça - GT Agrária| Marcelo Garrido - Universidad Academia de Humanismo Cristiano, Chile | Márcio
da Costa Berbat - Seção Local Rio de Janeiro | Marcos Antonio Campos Couto - Seção Local Niterói | Margarida Cássia
Campos - Seção Local Londrina | Margarida Pereira - Universidade Nova de Lisboa, Portugal | Maria Adailza Martins de
Albuquerque - Seção Local João Pessoa | Maria de Fátima Ferreira Rodrigues - Seção Local João Pessoa | Maria Lúcia
Pires Menezes - Seção Local Juiz de Fora | Marilda Teles Maracci - Seção Local Vitória | Natália Freire Bellentani - Seção
Local São Paulo | Paulo Sérgio Cunha Farias - Seção Local Campina Grande | Paulo César Scarim - DEN/Coordenação de
Publicações | Rosemeire Aparecida de Almeida - Seção Três Lagoas | Silvana Lúcia da Silva Lima - GT Agrária | Sinthia
Christina Baptista - Seção Local Porto Alegre | Verônica Ibarra - Universidad Autonoma do México, UNAM | Vitor Koiti
Miyasaki - Seção Local Ituiutaba | William Rosa Alves - Seção Local Belo Horizonte

Editor Responsável: Claudinei Lourenço - AGB Belo Horizonte


Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Impressão:
Impressões de Minas PRODUÇão editorial (www.impressoesdeminas.com.br)
Capa: WALLISON GONTIJO
Endereço para correspondência: Associação dos Geógrafos
Brasileiros (DEN) - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geogreafia e
História - Cidade Universitária - CEP. 05508-900 - São Paulo - SP Brasil - Tel.:
(11) 3091-3758 | Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo - SP
e-mail: terralivre@agb.org.br

Ficha Catalográfica
Terra Livre, ano 1, n.1, São Paulo, 1986 - v. ils. Histórico:

1986 - ano 1, v. 1 2000 - n.15


1987 - n. 2 2001 - n.16, n.17
1988 - n. 3, n.4, n.5 2002 - ano 18, v.1, n.18; v.2, n.19
1989 - n.6 2003 - ano 19, v.1, n. 20; v.2, n.21
1990 - n.7 2004 - ano 20, v.1, n.22; v.2, n.23
1991 - n.8, n.9 2005 - ano 21, v.1, n. 24; v.2, n.25
1992 - n.10 2006 - ano 22, v.1, n.26; v.2, n.27
1992/93 - n.11/12 (editada em 1996) 2007 - ano 23, v.1, n.28; v.2, n.29
1994, 95,96 - interrompida 2008 - ano 24, n.30; v.2, n.31
1997 - n.13 2009 - ano 25, n.32; v.2, n.33
1998 - interrompida 2010 - ano 26, n.34; v.2, n.35
1999 - n. 14 2011 - ano 27, n.36 v.1; v.2, n.37
2012 - ano 28, n.38 v.1
Sumário
EDITORIAL | 11

Grupos de Trabalho| 17

Impactos socioambientais dos grandes projetos de


desenvolvimento: o caso do Complexo Industrial-Portuário do Açu
Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da AGB - Seções Rio e Niterói

ARTIGOS

Formação cidadã no Iberoamérica: aposta desde as ciências da


educação, as ciências políticas e o enfoque crítico da geografia |57
Alberto León Gutiérrez Tamayo

O Estudo do Lugar nos anos iniciais do ensino fundamental |79


Helena Copetti Callai
Lana de Souza Cavalcanti
Sonia Maria Vanzella Castellar

Formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental:


considerações sobre escola, conhecimento, linguagem e ensino de
Geografia| 99
Jorge Luiz Barcellos da Silva

Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente? |121


Célio Augusto da Cunha Horta

NOTAS | 147

“Expedição Marco Veron” e a luta do povo Kaiowá-Guarani em Mato


Grosso do Sul

ENTREVISTA |177
Geografias e a AGB

NORMAS | 195
Normas para Publicação
Summary
FOREWORD | 13

WORKGROUPS | 17

Impactos socioambientais dos grandes projetos de


desenvolvimento: o caso do Complexo Industrial-Portuário do Açu
Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da AGB - Seções Rio e Niterói

ARTICLES

Citizenship education in Latin America: the bet from the


educational sciences, political science and geography critical
approach | 57
Alberto León Gutiérrez Tamayo

The Study of places in the earlier years of the


Elementary School| 79
Helena Copetti Calla
Lana de Souza Cavalcanti
Sonia Maria Vanzella Castellar

Training of teachers of the early years of elementary school:


considerations about school, knowledge, language and teaching
of Geography | 99
Jorge Luiz Barcellos da Silva

Human Geography: “deregionalization” (in)consequent? | 121


Célio Augusto da Cunha Horta

NOTES |147

“Marco Veron Expedition” and the struggle of the Kaiowá-Guarani


people on Mato Grosso do Sul

INTERVIEW | 177
Geografias e a AGB

STANDARDS | 195
Standards for publication
Sumario
EDITORIAL | 15

GRUPOS DE TRABAJO | 17

Impactos socioambientais dos grandes projetos de


desenvolvimento: o caso do Complexo Industrial-Portuário do Açu
Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da AGB - Seções Rio e Niterói

ARTÍCULOS

Formación ciudadana en Iberoamérica: la apuesta desde las ciencias


de la educación, las ciencias políticas y el enfoque crítico de la
geografía |57
Alberto León Gutiérrez Tamayo

El Estudio del Lugar en la escuela primaria |79


Helena Copetti Callai
Lana de Souza Cavalcanti
Sonia Maria Vanzella Castellar

La formation des enseignants des premières années de l’école


élémentaire: considérations sur l’école, la connai ssance, la
langue et enseignement de la géographie | 99
Jorge Luiz Barcellos da Silva

¿Geografía Humana: “desregionalización” (in)consecuente? | 121


Célio Augusto da Cunha Horta

NOTAS | 147

“Expedición Marco Veron” y la lucha del pueblo Kaiowá-Guarani en


Mato Grosso do Sul

ENTREVISTA | 177
Geografias e a AGB

NORMAS |195
Normas para publicación
EDITORIAL

Caros leitores, nesse momento publicamos o número 38 (ano 28,


volume 1) da Revista Terra Livre. Esse é o quarto número publicado pela
gestão 2010-2012 da AGB, garantindo assim, apesar das dificuldades, a
semestralidade da publicação.
O significado dessa revista, no espírito que dinamiza o movimento age-
beano, é continuar a ser um veículo de interlocução para aqueles que se de-
dicam a pensar, debater, produzir e divulgar o conhecimento geográfico em
seu comprometimento social e em toda sua pluralidade. Os temas plurais que
encontramos ao longo dos tempos na Terra Livre e que se encontram nos seus
artigos expressam muito bem esse objetivo. Com esse espírito muito evidente é
que chegamos ao trigésimo oitavo número na existência da nossa revista, gesta-
da em 1986 a partir do desejo de trazer a Geografia para desvendar a dinâmica
da sociedade, conforme dito quando de sua criação. São evidentes os esforços
para fazer a revista chegar a esse número e garantir sua existência ao longo
desses quase 30 anos, mas também são evidentes o contentamento e satisfação
de terminar mais uma gestão e ver a possibilidade de mais 30 anos pela frente
e a certeza da continuidade dessa que é, sem dúvida. uma das mais importantes
publicações da Geografia brasileira.
O presente número da Terra Livre também retoma as intenções do pro-
jeto original da revista e declarado no editorial de seu primeiro número no já
distante ano de 1986 que indicava que a mesma deveria “veicular artigos que mani-
festem compromissos com as lutas da sociedade, assim como (...) sobre questões mais gerais e
diretamente relacionadas com os principais problemas enfrentados pela sociedade brasileira”.
Este número da Terra Livre buscou trazer contribuições que explicitem
teoricamente o fazer geográfico, seja no campo epistemológico seja no campo
da educação em sentido amplo, isto é, não apenas nas formas institucionali-
zadas do ensino formal, mas também nas experiências outras do processo de
formação da consciência e da práxis. Trata-se de colocar questões às nossas
elaborações verificando o alcance e limites das mesmas ao decifrar a realidade.
Para tal devemos inquirir o arcabouço teórico, metodológico, discursivo, técni-
co e prático do conhecimento geográfico em suas várias manifestações.
Parceiros em projeto e contemporâneo em nascimento Terra Livre e Fala
Professor, foram e são fundamentais para a divulgação e disseminação de formas
mais críticas e comprometidas de pensar/produzir sobre o Ensino de Geogra-
fia. Em especial esse número da revista trás também artigos que concretizam

11
o importante e fecundo diálogo entre a Geografia brasileira e a Geografia pro-
duzida em diversos outros países da América Latina, que se encontram nos
Encontros e agora se juntam também nas páginas da Terra Livre nº 38.
São publicados, também, uma entrevista, na verdade muito mais um diálogo,
com o professor Douglas Santos, no qual buscou-se debater alguns pontos que
perpassam a Geografia atual e dois documentos resultantes de uma prática que, a
nosso ver, merece ser retomada e aperfeiçoada pelos geógrafos preocupados em
reinventar o trabalho intelectual na e através da AGB – a elaboração de estudos,
associados mais diferentes movimentos sociais, e que de alguma forma já vêm
cumprindo a tarefa de ampliar o acesso as informações sobre fatos, processos e
projetos que impactam a sociedade brasileira em todas as escalas e dimensões.
Esses documentos que são resultados também da importante contribuição dos
Grupos de Trabalho da AGB (GTs), que como já dito reafirmam os objetivos
de ampliação dos diálogos da Terra Livre, o que pode ser novamente reforçado
com o histórico editorial de seu primeiro número, que diz: “decidimos que seria
essencial e prioritário equiparmos a entidade com uma revista de circulação nacional, que
tivesse como pretensão transpor os muros da “comunidade geográfica”.
Que seja boa a leitura; fecunda a aprendizagem e extenso o alcance dos
debates aqui anunciados! É o que esperamos propiciar com esta publicação.

Coletivo DEN – 2010 - 2012

12
A Word from the Publisher

Dear readers, we are now publishing issue 38 (year 28, volume 1) of


Terra Livre (Free Earth) magazine. This is the 4th issue published by AGB’s
2010-2012 administration, which has ensured the magazine is published every
semester, despite the hardships.
In the spirit that drives the AGB movement, this magazine is meant to
continue being a vehicle of discussion for those who dedicate themselves to
thinking, debating, producing, and disseminating geographical knowledge in
terms of its social commitment and entire plurality. The plural topics we have
found over time in Terra Livre and which are featured in our articles express
that goal quite well. It is with such clear mindset that we have reached the 38th
issue in the existence of our magazine, devised in 1986 from the wish to bring
Geography to unveil society’s dynamics, as we stated when Terra Livre was
created. Indisputable have been the efforts to get the magazine to this issue
and ensure its existence over these nearly 30 years, but also indisputable are
the contentment and satisfaction of completing yet another administration and
seeing the possibility of another 30 years ahead of us, and the certainty that this
publication, undoubtedly one of the most important in Brazilian Geography,
will go on.
This Terra Livre issue also reclaims the intentions of the magazine’s ori-
ginal project as stated in the word from the editor of our first issue in the now
distant year of 1986, which said Terra Livre should “run articles embodying com-
mitments to society’s struggles, as well as (...) about more general issues directly related to the
main problems faced by the Brazilian people”.
This Terra Livre issue sought to bring contributions that theoretically
explain the practice of geography, whether in the epistemological field or in
the field of education in a broad sense, that is, not only in the institutionalized
manners of formal education but also in the other experiences pertaining to
the process of building awareness and its practical application. It is a matter of
asking questions to our studies and checking their range and limits as they de-
cipher reality. To do that, we need to look into the theoretical, methodological,
discursive, technical, and practical frameworks of geographical knowledge in
its various manifestations.
Project partners and emerging at the same time, Terra Livre and Fala Pro-
fessor (Speak out, Teacher) have been and are essential to disclose and dissemi-
nate more critical and engaged ways of thinking about/producing Geography

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Education. Especially, this issue of our magazine also features articles that ce-
ment the important and fertile dialogue between Brazilian Geography and the
Geography produced in several other Latin American countries, which meet at
conferences and are now coming together on the pages of Terra Livre # 38
as well.
This issue also brings an interview – in fact, more of a conversation
-, with Professor Douglas Santos, in which we discuss a few points related
to today’s Geography and two documents resulting from a practice which we
believe deserves to be resumed and improved by geographers dedicated to
reinventing their intellectual work at and through AGB – the preparation of
studies associated to a wide variety of social movements, and who somehow
have been fulfilling the task of expanding the access to information about
facts, processes and projects that impact the Brazilian people in each and every
way. Those documents are also the product of the important contribution pro-
vided by AGB’s Work Groups which, as previously said, reaffirm the goals of
expanding Terra Livre’s conversation. That fact can be once again reinforced
by our first issue’s historic word from the editor, which states: “we decided it would
be essential and a priority to equip the entity with a magazine circulating nationwide and
which was meant to leap over the wall of the “geographic community.”
May you enjoy your reading; may the learning be fruitful, and far-rea-
ching the scope of the debates announced herein! That is what we hope to
provide you with in this publication.

DEN Group – 2010 - 2012

14
Editorial

Estimados lectores, en este momento publicamos el número 38 (año 28,


volumen 1) de la Revista Terra Livre. Este es el cuarto número publicado por
la gestión 2010-2012 de la AGB, garantizando así, a pesar de las dificultades, la
semestralidad de la publicación.
El significado de esta revista, en el espíritu que dinamiza el movimiento
agebeano, es continuar a ser un vehículo de interlocución para aquellos que
se dedican a pensar, debatir, producir y divulgar el conocimiento geográfico
en su compromiso social y en toda su pluralidad. Los temas plurales que en-
contramos a lo largo de los tiempos en Terra Livre y que se encuentran en sus
artículos expresan muy bien este objetivo. Con ese espíritu muy evidente es que
llegamos al trigésimo octavo número en la existencia de nuestra revista, gestada
en 1986 a partir del deseo de traer la Geografía para desvendar la dinámica de la
sociedad, conforme dicho cuando se realizó su creación. Son evidentes los es-
fuerzos para hacer que la revista llegue a este número y garantizar su existencia
a lo largo de estos casi 30 años, pero también son evidentes el contentamiento
y la satisfacción de terminar más una gestión y ver la posibilidad de más de 30
años por delante y la seguridad de la continuidad de esta que es, sin duda, una
de las más importantes publicaciones de la Geografía brasileña.
El presente número de Terra Livre, también retoma las intenciones del
proyecto original de la revista y declarado en el editorial de su primer número
en el ya distante año de 1986, que indicaba que la misma debería “difundir artí-
culos que manifestasen compromisos con las luchas de la sociedad, así como (...) sobre temas
más generales y directamente relacionados con los principales problemas enfrentados por la
sociedad brasileña”.
Este número de Terra Livre buscó traer contribuciones que expliciten
teóricamente el hacer geográfico, en el campo epistemológico o en el campo de
la educación en sentido amplio, o sea, no solo en las formas institucionalizadas
de la enseñanza formal, sino también en las experiencias otras del proceso de
formación de la consciencia y de la praxis. Se trata de colocar temas a nuestras
elaboraciones verificando el alcance y los límites de las mismas al descifrar la
realidad. Para tal debemos inquirir el conjunto de normas teórico, metodoló-
gico, discursivo, técnico y práctico del conocimiento geográfico en sus varias
manifestaciones.
Aliados en proyecto y contemporáneo en nacimiento Terra Livre y Fala
Professor, fueron y son fundamentales para la divulgación y diseminación de

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formas más críticas y comprometidas de pensar/producir sobre la Enseñanza
de Geografía. En especial este número de la revista trae también artículos que
concretizan el importante y fecundo diálogo entre la Geografía brasileña y la
Geografía producida en diversos otros países de América Latina, que se en-
cuentran en los Encuentros y ahora se juntan también en las páginas de Terra
Livre nº 38.
Se publica, también, una entrevista, en verdad mucho más un diálogo,
con el profesor Douglas Santos, en la cual se buscó debatir algunos puntos que
sobrepasan la Geografía actual y de los documentos resultantes de una práctica
que, para nosotros, merece ser retomada y perfeccionada por los geógrafos
preocupados en reinventar el trabajo intelectual en y a través de AGB –la ela-
boración de estudios, asociados pero diferentes movimientos sociales, y que de
alguna forma ya vienen cumpliendo la tarea de ampliar el acceso a las informa-
ciones sobre hechos, procesos y proyectos que impactan a la sociedad brasileña
en todas las escalas y dimensiones. Esos documentos que son resultados tam-
bién de la importante contribución de los Grupos de Trabajo de AGB (GTs),
que como ya se dijo, reafirmaron los objetivos de ampliación de los diálogos de
Terra Livre, lo que puede ser nuevamente reforzado con el histórico editorial
de su primer número, que dice: “decidimos que sería esencial y prioritario equipar la
entidad con una revista de circulación nacional, que tuviera como pretensión transponer los
muros de la “comunidad geográfica”.
¡Que sea buena la lectura; fecundo el aprendizaje y extenso el alcance de
los debates aquí anunciados! Es lo que esperamos propiciar con esta publicación.

Colectivo DEN – 2010 - 2012

16
Grupos de
Trabalho
Impactos socioambientais dos grandes
projetos de desenvolvimento: o caso do
Complexo Industrial-Portuário do Açu

Este texto foi elaborado pelo Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da


Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seções Rio e Niterói. Participaram da
elaboração do mesmo Débora Mendonça, Eduardo Barcelos, Luís Henrique
dos Santos, Luiza Chuva, Paulo Alentejano.

Resumo: O presente artigo foi elaborado a partir do relatório “Impactos socioambientais


do Complexo Industrial-Portuário do Açu (2011)”, produzido pelo GTAgrária das AGBs
Rio e Niterói para subsidiar a luta dos trabalhadores rurais do Norte Fluminense contra os
impactos gerados pelo megaempreendimento levado a cabo pelo Grupo X de Eike Batista
com injustificável e escancarado apoio do Estado brasileiro, em especial do governo do estado
do Rio de Janeiro. O artigo propõe-se a analisar o caso do CIPA como emblemático do atual
padrão de desenvolvimento que vem sendo implantado no Brasil, onde a apropriação de
territórios e recursos nos países periféricos por grandes corporações transnacionais torna-se
base para a expansão da acumulação capitalista num contexto de crise das economias centrais.

Resumen: Este artículo fue compilado a partir del informe “Impactos socioambientais do
Complexo Industrial-Portuário do Açu (2011)”, producido por el GTAgrária AGBs de Río
de Janeiro y Niterói para apoyar la lucha de los campesinos del Norte Fluminense contra los
impactos generados por megaempreendimento llevado a cabo por Grupo X de Eike Batista
con el apoyo injustificable y abierta del Estado brasileño, en especial el gobierno del estado
de Río de Janeiro. El artículo se propone examinar el caso del CIPA como emblema de la
actual patrón de desarrollo que se está implementando en Brasil, donde la apropriación de las
tierras y los recursos en los países de la periferia por las gran corporaciones transnacionales se
convierte en la base para la expansión de la acumulación capitalista en contexto de la crisis de
las economías centrales.

Abstract: This article was compiled from the report “Impactos socioambientais do
Complexo Industrial-Portuário do Açu (2011)”, produced by GTAgrária AGBs of
Rio and Niterói to support the struggle of peasants from North Fluminense against the
impacts generated by megaempreendimento carried out by Group X from Eike Batista with
unjustifiable and overt support of the Brazilian state, especially the state government of Rio

Terra Livre São Paulo/SP Ano 28, V.1, n.38 p.19-53 Jan-Jun 2012

19
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

de Janeiro. The article proposes to examine the case of CIPA as emblematic of the current
pattern of development that is being implemented in Brazil, where the apropriation of lands
and resources in the peripheral countries by transnational corporations becomes the basis for
the expansion of capitalist accumulation in context of the crisis of the devepoled countries.

Apresentação

O presente artigo foi elaborado a partir do relatório Impactos socio-


ambientais do Complexo Industrial-Portuário do Açu (2011), produzido
pelo GTAgrária das AGBs Rio e Niterói para subsidiar a luta dos trabalhadores
rurais do Norte Fluminense contra os impactos gerados pelo megaempreen-
dimento levado a cabo pelo Grupo X com injustificável e escancarado apoio
do Estado brasileiro, em especial do governo do estado do Rio de Janeiro. O
referido relatório foi elaborado a partir de três trabalhos de campo realizados
nos meses de maio e julho de 2011, nos quais obtivemos uma série de informa-
ções junto à Associação de Moradores e Proprietários de Imóveis do 5º Distri-
to de São João da Barra (ASPRIM), ao Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), moradores do 5º Distrito de São João da Barra e assenta-
dos do Zumbi dos Palmares. Também se apoiou em informações concedidas
pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro
(CODIN) e relatórios de impacto ambiental dos diversos empreendimentos do
Complexo Industrial-Portuário do Açu (CIPA).
O artigo propõe-se a analisar o caso do CIPA como emblemático do
atual padrão de desenvolvimento que vem sendo implantado no Brasil, onde a
apropriação de territórios e recursos nos países periféricos por grandes corpo-
rações transnacionais torna-se base para a expansão da acumulação capitalista
num contexto de crise das economias centrais.

Introdução

Na atual fase da globalização neoliberal, a compreensão particular das ten-


dências de crise do capitalismo não pode ser entendida sem considerar o papel
dos territórios no processo de acumulação/exploração. O geógrafo David Harvey
destaca, em seu livro “O Novo Imperialismo” que a expansão geográfica do capital
está na base de boa parte dos processos de estabilização do sistema de produção de
mercadorias e de retomada dos ciclos de negócios.
No início do século XX Rosa Luxemburgo já chamava atenção para a impor-
tância da expansão geográfica do capitalismo para superar as crises de acumulação:

20
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

Se o capitalismo vive das formações e das estruturas não capitalistas, vive


mais precisamente da ruína dessas estruturas, e, se necessita de um meio
não-capitalista para a acumulação, necessita-o basicamente para realizar
a acumulação, após tê-lo absorvido. Considerada historicamente, a
acumulação capitalista é uma espécie de metabolismo que se verifica entre
os modos de produção capitalista e pré-capitalista. Sem as formações pré-
capitalistas, a acumulação não se pode verificar, mas, ao mesmo tempo,
ela consiste na desintegração e assimilação delas. Assim, pois, nem a
acumulação do capital pode realizar-se sem as estruturas não-capitalistas
nem estas podem sequer se manter. A condição vital da acumulação
do capital é a dissolução progressiva e contínua das formações pré-
capitalistas (Luxemburgo, 1970, p.363).

Dialogando com Rosa, Harvey (2004) aponta para o problema da sobre-


acumulação1. Por definição esta é uma das causas fundamentais para a mirada
dos investimentos na direção das economias periféricas. A falta de oportunida-
des de investimentos lucrativos no Norte – estagnado por suas recessões locali-
zadas – tem sido motivo para a exploração de formas não capitalistas de produ-
ção e pela inserção de relações não proletarizadas no circuito da acumulação. A
idéia central deste pressuposto está na possibilidade do capital de apropriar-se
de uma “reserva latente”, excedente, que não está disponível em si mesmo.

... acesso a insumos mais baratos é tão importante quanto o acesso a


mercados em ampliação na manutenção de oportunidades lucrativas. A
implicação é que os territórios não-capitalistas deveriam ser forçados não
só a abrir-se ao comércio (o que poderia ser útil), mas também a permitir
que o capital invista em empreendimentos lucrativos usando força de
trabalho e matérias-primas mais baratas, terras de baixo custo e assim por
diante (Harvey, 2004, p.117).

Trata-se, portanto de uma abertura forçada dos territórios – em especial


aqueles que ainda mantém formas e relações não capitalistas de produção –
buscando “no outro” as condições de estabilização e retomada do crescimento
e da acumulação. Afinal, o capitalismo sempre se utilizou de fundos de ativos
externos a si mesmo para enfrentar problemas de sobreacumulação, tais como
apropriação de terra nua, novas fontes de recursos naturais, supressão de direitos

1  “A sobreacumulação é uma condição em que o excedente de capital (por vezes acompanhado de exce-
dentes de trabalho) está ocioso sem ter em vista escoadouros lucrativos (Harvey, 2004, p.124).

21
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

coletivos, expulsão violenta de trabalhadores e camponeses. Harvey chamou


este processo, no capitalismo contemporâneo de acumulação por espoliação.

O que a acumulação por espoliação faz é liberar um conjunto de ativos


(incluindo força de trabalho) a custo muito baixo (e, em alguns casos,
zero). O capital sobreacumulado pode apossar-se desses ativos e dar-lhes
imediatamente um uso lucrativo.No caso da acumulação primitiva que
Marx descreveu, isso significava tomar, digamos, a terra, cercá-la e expul-
sar a população residente para criar um proletariado sem terra, transfe-
rindo então a terra para a corrente principal privatizada da acumulação
do capital. A privatização (da habitação social, das telecomunicações, do
transporte, da água, etc. na Inglaterra, por exemplo) tem aberto em anos
recentes amplos campos a ser apropriados pelo capital sobreacumulado
(Harvey, 2004, p. 124).

No fundo, refere-se ao processo de retomada da acumulação capitalis-


ta por meio de estruturas preexistentes, envolvendo a coerção, a força, a co-
optação. Tais estruturas precisam ser violentamente reprimidas sob o regime
da acumulação e servem como “grandes trampolins para a predação, fraude e
roubo” (p.122). É o caso da forte onda de financeirização da economia, valori-
zação fraudulenta de ações, privatização de bens públicos e da escalada de des-
truição de recursos ambientais. Este último parece estar na base dos processos
de apropriação e controle territoriais, que resultam na propagação de formas
mercantis de controle da natureza, de terras comuns e de perda de direitos co-
letivos. Afinal, “o controle territorial (que pode ou não envolver a apropriação e a
administração concretas de território) passa a ser considerado um meio neces-
sário à acumulação do capital” (p.36).
O aspecto de que estamos falando se refere, no fundo, a estratégias que
intensificam uma relação mais profunda das economias centrais – em momen-
tos de crise – com o processo de apropriação dos territórios e de formas ainda
não mercantilizadas sob um regime lucrativo, assim como pela forte dependên-
cia de recursos materiais, de natureza. Neste padrão que vem se impondo, o
território ganha centralidade no processo de desenvolvimento do capitalismo,
numa dialética tripla capital-trabalho-natureza (Coronil, 2005), situando a “pe-
riferia mundial” como fonte inesgotável de natureza e força de trabalho baratas.
O resultado que une essa relação é que a exploração social e sua ênfase na relação
capital-trabalho torna-se inseparável da exploração natural e, assim, do próprio

22
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

território em sua materialidade2 .


Essas relações de natureza assimétrica vêm contribuindo para o apro-
fundamento de um capitalismo movido pela espoliação (Harvey, 2004), con-
dicionado pela pilhagem da natureza (Shiva, 2003) e por processos de mer-
cantilização e privatização de bens e domínios públicos. A interpretação dada
por Harvey, neste caso nos sugere um aprofundamento de coalizões e pactos
bem-sucedido rumo ao desenvolvimento capitalista com forte apoio dos po-
deres do Estado, tornando a periferia mundial uma alternativa para contornar
pressões de sobreacumulação.
É o caso dos grandes projetos de desenvolvimento, que se alastram mun-
do afora, em especial dos países do Sul. O baixo custo de insumos, a disponi-
bilidade de mão de obra barata e um literal estoque de terras e matérias primas
tem sido uma mistura de condições ao equacionamento das crises e refluxos do
processo de produção de mercadorias. Essas “formas violentas de desenvolvi-
mento” se tornaram a forma dominante de acumulação e se relaciona com as
tentativas de empreendedores internacionais e Estados desenvolvimentistas no
sentido de “integrar-se ao sistema”. A desregulamentação de leis de proteção
social e do patrimônio ambiental parece ser o elemento de abertura de novos
territórios ao desenvolvimento do capitalismo, configurando a alternativa pela
espoliação, pelo roubo.
Da maneira como vem sendo planejados, esses projetos refletem dois
processos combinados e contraditórios. Primeiro eles cumprem o papel de
aprofundar a dependência da economia nacional dentro da divisão internacio-
nal e territorial do trabalho, vinculando crescimento econômico à lógica primá-
rio-exportadora. Este aspecto favorece o reposicionamento das cadeias produ-
tivas mais poluentes e nocivas ao meio ambiente e de menor valor agregado,
contribuindo para uma especialização subordinada das economias periféricas
dentro de um patamar superior, já que os capitais envolvidos se encontram in-
ternacionalizados. Não é a toa que nos últimos anos houve um intenso proces-
so de reprimarização das exportações brasileiras, como mostra o gráfico abaixo.

2  Embora Coronil tenda a reduzir o território à dimensão natural, considerando apenas a base física,
com o que não concordamos, importa aqui o seu argumento que ressalta a importância da exploração da
natureza para a acumulação de capital na contemporaneidade.

23
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

Gráfico 1 - Reprimarização das exportações brasileiras

Como conseqüência, visualiza-se um segundo processo que se funda-


menta na concentração da renda e da riqueza, na precarização das relações de
trabalho e na desterritorialização de populações locais. A estratégia em curso
absorve mão de obra de forma precária, com predomínio da criação de empre-
gos sazonais, ligados aos ciclos de investimentos.
O que está em curso é, na verdade uma reestruturação da geopolítica
internacional, travada nos marcos da crise do capitalismo.

...a reprodução do capitalismo implica a realização de novas geografias e


que a criação de novas geografias, por meio da destruição criativa do ve-
lho, é uma boa forma de lidar com o problema permanente da absorção
do excedente de capital. Mas essa busca de uma “correção” geográfica
para o problema da absorção do excedente constitui também um perigo
sempre presente (Harvey, 2011, p.174).

Assim, enquanto a crise de acumulação se concentra no centro do sis-


tema capitalista (EUA, União Europeia, Japão), novos blocos de investimento
se expandem pela periferia do sistema. Os grandes investimentos em projetos
industriais, logísticos e de infraestrutura representam exatamente a contrapar-
tida aconselhada pelas tendências capitalistas voltadas à reprodução expandida,
visando a criação periódica de um estoque de ativos com fins lucrativos. A bus-
ca por matérias primas baratas e insumos reduzidos se torna o objetivo maior
da lógica espoliativa, que vê no território um fim utilitário, e dele faz um meio
necessário à acumulação.
É neste sentido que Vainer (2007) aponta os grandes projetos como

24
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

formas de acomodação subordinada dos estados nacionais à globalização


neoliberal. A integração continental, por meio de grandes obras, parece “levar
adiante apenas e simplesmente a criação de espaços mercantis adequados às
novas escalas e dinâmicas espaciais dos capitais transnacionais” (p.01). Ele
recupera a lógica desenvolvimentista do estado brasileiro, à época dos anos
1950, com a construção de grandes rodovias; dos complexos industriais da
década de 1970, para afirmar que estes investimentos, no fundo conformaram
verdadeiros enclaves territoriais – sociais, culturais, políticos e ecológicos –
responsáveis pela fragmentação do território.
O que se pretende sugerir é que os grandes projetos impõem um conjun-
to de opções e decisões de empresas privadas, com grande capacidade de com-
por e decompor regiões. Projetam-se por sobre espaços locais, por estruturas
pré-existentes e faz delas um meio de reprodução de interesses globalizados,
“à margem de qualquer exercício de planejamento compreensivo e distante de
qualquer debate público” (p.04).
No limite, trata-se de uma fragmentação induzida que prevê, no fun-
do novos enclaves, distritos, circunscrições visando a privatização – braço da
acumulação – e uma política territorial “fora do lugar”, que exclui e destitui.
Isso é exatamente o sentido da espoliação, proposta por Harvey (2004); aciona
novas “parcelas” do território para renegociar suas condições de exercício da
hegemonia, transformando um conjunto de ativos ociosos (terras nuas, maté-
rias primas, recursos ambientais) em alternativa lucrativa. É a partir daí que os
circuitos da acumulação se dilatam, abrindo novos territórios.
É com esses apontamentos que abrimos o cenário de implantação dos
grandes projetos no estado do Rio de Janeiro. Nos últimos 5 anos, tem-se visto
um radical processo de reconfiguração do espaço geográfico fluminense, mar-
cado pela crescente presença de grandes empresas nacionais e transnacionais,
com forte apoio institucional e financeiro estatal, articulado nas diferentes es-
feras de governo e com as principais organizações empresariais atuantes no
estado, com destaque para a Federação das Indústrias do Estado do Rio de
Janeiro (Firjan). Este cenário permite a realização de grandes blocos de inves-
timento mediante a criação de novos pólos de desenvolvimento articulados
entre si, envolvendo empreendimentos industriais, agroindustriais e obras de
infraestrutura e logística.
Pela própria massa de capital, território e recursos ambientais mobiliza-
dos, o estado tem viabilizado os interesses de grandes grupos empresariais por
meio de grandes obras e investimentos em projetos estratégicos. Projetos como
o CIPA, o Complexo Logístico de Barra do Furado, o Complexo Petroquímico

25
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

do Rio de Janeiro (COMPERJ) em Itaboraí, a ThyssenKrupp – Companhia Si-


derúrgica do Atlântico (TKCSA) em Santa Cruz, o Arco Metropolitano do Rio
de Janeiro, a Hidrelétrica de Simplício/Anta, a ampliação da Usina de Angra 3 e
os projetos de silvicultura industrial, todos estes só no estado do Rio de Janeiro,
nos oferecem uma combinação exata dos processos de apropriação, controle e
privatização do território em escalas jamais vistas. Todos, sem exceção trazem
junto o discurso do crescimento econômico e do desenvolvimento. O que está
em andamento, porém, pela lógica que vem se impondo em todo o Brasil é o
aprofundamento de um modelo de desenvolvimento intensivo em capital e
energia que gera poucos empregos e promove forte degradação ambiental.

O sentido da reestruturação produtiva em curso no Rio de Janeiro


é transformar o nosso estado em uma das principais plataformas de
beneficiamento (processo industrial que agrega o mínimo de valor
a matérias primas, necessário a sua comercialização) e exportação
de Commodities do país (produtos primários negociados no mercado
internacional. No caso do Rio de Janeiro, petróleo, minério de Ferro,
celulose e etanol (Mesentier, 2010, p.02).

Dentre os empreendimentos citados, se destaca o Complexo Industrial-Por-


tuário do Açu como o que mais causará impactos ao espaço agrário fluminense, por
se localizar na região norte-fluminense, nos municípios de Campos e São João da
Barra, que se caracterizam como importantes áreas agrícolas do estado.

1. O Complexo Industrial e Portuário do


Açu - CIPA

O CIPA, projeto do grupo EBX, prevê a construção de um terminal


portuário privativo de uso misto com capacidade para receber navios de gran-
de porte (220 mil toneladas) e estrutura offshore para atracação de produtos
como minério de ferro, granéis sólidos e líquidos, cargas em geral e produtos
siderúrgicos. Contará com um condomínio industrial com plantas de pelotiza-
ção, indústrias cimenteiras, um pólo metal-mecânico, unidades petroquímicas,
montadora de automóveis, pátios de armazenagem inclusive para gás natural,
cluster para processamento de rochas ornamentais e uma usina termoelétrica.
Inclui também a construção de um mineroduto de 525 km de extensão, com
capacidade de transportar 26,6 milhões de toneladas/ano, que levará o minério
de ferro produzido pela MMX/Anglo Ferrous Mineração em Conceição de

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Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

Mato Dentro/MG ao porto, cortando 32 municípios, e permitindo sua expor-


tação (Mapa 1).
O projeto está incluído no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)
do Governo Federal, e o total de investimentos pode chegar a R$ 40 bilhões,
com capital público e privado, nacional e estrangeiro.
O porto irá se integrar a projetos que se viabilizam mutuamente, como
a construção de uma usina termoelétrica no condomínio industrial a ser cons-
truído na área de retaguarda do porto, que deve atrair desde usinas siderúrgicas
a montadoras estrangeiras, atraídas pela facilidade da saída direta para a expor-
tação, e pela facilidade em termos de geração de energia elétrica. As indústrias,
especialmente a siderúrgica, poderão se beneficiar da existência do mineroduto
que irá levar minério de ferro do interior de Minas Gerais ao norte fluminense
a baixo custo, beneficiando-o no próprio porto, nas siderúrgicas ou unidades
de pelotização, assim agregando valor ao produto e permitindo maiores ganhos
através da exportação de ligas de metal de baixo custo ao invés de exportar o
material bruto.

Mapa 1: Traçado do Mineroduto Minas-Rio

O complexo portuário é o empreendimento principal desse conjunto,


pois irá atrair as principais empresas a se instalarem em São João da Barra. É
também o projeto mais adiantado, suas obras começaram em outubro de 2007,
com a construção de um píer que ligará o terminal de cargas ao continente, e

27
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

que já vem impactando a pesca, uma das principais atividades econômicas da


população local.
O Grupo EBX vem negociando a instalação de diversas companhias no
condomínio industrial a ser construído na área de retaguarda do porto, de mais
de 7.200 hectares. Entre as negociações já anunciadas está a instalação de uma
usina siderúrgica do grupo ítalo-argentino Techint, a um custo de três bilhões
de dólares. No CIPA se instalaria a Tenaris (subsidiaria da Techint), para produ-
ção de tubos de aço voltados para a indústria petrolífera da Bacia de Campos,
utilizando minério de ferro trazido pelo mineroduto. Além do grupo argenti-
no, a indiana Tata Steel, também estaria conversando com o grupo EBX para
a instalação de uma usina siderúrgica. A Votorantim Cimentos anunciou, em
2009, que estava analisando uma parceria com o Grupo EBX para instalar uma
indústria no local. Já a Anglo Ferrous Brazil anunciou um projeto de ampliar a
capacidade do sistema Minas-Rio para uma produção anual de 80 milhões de
toneladas de minério de ferro até 2015.
De todas essas negociações iniciais, a única que há certeza de já haver se
concretizado é a parceria com o grupo chinês Wuhan Iron and Steel Co (WIS-
CO). Além de construir uma siderúrgica no valor de R$ 4 bilhões com previsão
de produção de cinco toneladas de aço por ano, a WISCO também se tornaria
sócia das operações da MMX no Brasil e fornecedora de aço para a BEX, am-
bas subsidiárias do Grupo X.
A tabela abaixo resume os principais empreendimentos previstos para o
CIPA e seus impactos socioambientais de acordo com os RIMAs.

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Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

Tabela 1 – Empreendimentos do CIPA e seus impactos

Empreendimentos Características Impactos

Distrito Industrial de • investimento de 3 1.Destruição da restinga


São João da Barra – bilhões de reais
DISJB • geração de 10.000 2.Expulsão de
empregos agricultores e
• área de 7.036 ha com assentados da reforma
infraestrutura de água, agrária
esgoto, energia e vias de
circulação 3.Restrição à pesca
• unidade de constru- artesanal
ção naval; fábrica de
automóveis; fábricas 4.Destruição de
de cimento; fábricas pesqueiros
de peças pré-moldadas
de concreto; indústrias 5.Poluição da água
mecânicas; fábricas de (esgoto doméstico e
máquinas e equipamen- industrial)
tos; fábricas de autope-
ças e eletrodomésticos; 6.Poluição do ar
unidades siderúrgicas; (gases tóxico e metais
outras fábricas e ser- pesados)
viços associados às
atividades industriais e 7.Redução da produção
portuárias. de alimentos

8.Uso abusivo de água

29
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

Linha de Transmissão • Potência de 2.100 MW 9.Rebaixamento do


• 50 km de extensão fundo marinho
• R$ 18 bilhões de inves-
timento 10.Destruição de sítios
Usina Termelétrica a •3.300 MW de potência arqueológicos
Gás Natural •2,3 bilhões de dólares
•112 ha de área constru- 11.Destruição de lagoas
ída costeiras

Usina Termelétrica a • 3 geradores com 12.Aumento da erosão
Carvão Mineral 2100MW de potência costeira
• 239 há de área cons-
truída 13.Alteração da
sedimentação costeira
Unidade de Tratamento • Instalações para esto-
de Petróleo cagem e processamento 14.Forte aumento
de petróleo populacional

Unidade de Construção • 940 ha de área construída 15.Aumento da


Naval •R$ 3,5 bilhões violência
•oficina de caldeiraria
pesada, plataformas de 16.Especulação
soldagem e montagem imobiliária
de blocos, estruturas de
montagem de acessórios 17.Favelização
de aço, tubulações, equi-
pamentos navais, itens de 18.Restrições ao uso do
eletricidade, tratamento solo
de superfície e pintura
•canais internos e marinhos
ao longo do continente e
com entrada mar adentro
(13 km de extensão)
Fonte: AGB/GTAgrária (2011)

A instalação do CIPA provocará impactos diretos em 32 municípios de


Minas Gerais e Rio de Janeiro, por serem cortados pelo mineroduto. Porém,
seguramente, os mais impactados serão Campos dos Goytacazes e São João da

30
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

Barra, que também abrigarão as operações industriais e portuárias, bem como


outras obras de infraestrutura diretamente ligadas ao Complexo.
Os impactos da instalação do CIPA, especialmente nestes dois municí-
pios ainda não estão totalmente delineados, até porque o processo de licencia-
mento ambiental tem sido realizado de forma fragmentada, a fim de agilizar o
processo e viabilizar as obras, o que, aliás, tem se tornado um artifício comum,
mas nefasto, como analisaremos mais adiante.

Mapa 2: Impactos socioambientais do Complexo Industrial e


Portuário do Açu

2. SOBRE O LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO CIPA

As obras referentes à implantação do CIPA têm sido executadas na con-


tramão dos estatutos normativos e legais previstos na legislação ambiental bra-
sileira e das convenções internacionais de defesa e proteção da natureza. A
localização do empreendimento, no litoral norte fluminense parece colapsar
todas as recomendações, princípios e fundamentos norteadores da avaliação de
impactos ambientais (AIA), além de fragilizar, em particular a participação das
populações locais nas decisões e negociações sobre o empreendimento.
O instável limite entre as competências legais e institucionais dos órgãos
ambientais e a separação indevida dos empreendimentos no processo de licen-
ciamento ambiental desde seu início no estado de Minas Gerais parece iniciar

31
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

o rol de inconsistências neste processo. As licenças ambientais foram emitidas


por instituições públicas diferentes, em níveis de competência distintos, além
de não caracterizar as relações de sinergia e cumulatividade dos impactos socio-
ambientais. Adotou-se a substituição da análise de totalidade e abrangência do
projeto pela avaliação frágil de suas várias repartições, estruturando, assim, uma
notória arbitrariedade e incoerência no licenciamento. Esta opção se caracte-
rizou, a princípio como a base de legitimidade de todo o processo e motivou
as várias ações do Ministério Público Federal (MPF) contra a implantação do
empreendimento.

Em atendimento às determinações da Resolução Conama n°. 001/86,


todo EIA deveria avaliar as propriedades cumulativas e sinérgicas dos
impactos, assunto que tem sido abordado por diversos autores ligados à
temática ambiental. (...) Uma avaliação de efeitos ambientais deve con-
siderar a cumulatividade e a sinergia dos impactos, uma vez que a asso-
ciação de várias intervenções pode agravar ou mesmo gerar problemas
sociais que, de outro modo, não ocorreriam. A conjunção de projetos
de desenvolvimento que alteram, um após outro, ou ao mesmo tempo,
modos de vida locais, pode intensificar sofrimentos e perdas, inviabilizar
esforços de adaptação e recuperação familiares, coletivos, gerar ou acirrar
conflitos diversos (MPF, 2004, p.27-28).

Como os impactos extrapolam as fronteiras do estado do Rio de Janeiro


e Minas Gerais, desde a construção do mineroduto e início da atividade minei-
ra em Conceição do Mato Dentro, até o processamento metalúrgico e demais
operações industriais no município de São João da Barra, no estado do Rio de
Janeiro, seria injustificável delegar ao órgão estadual e seus setores correlatos
a atribuição em avaliar o conjunto dos impactos, quanto menos em licenciar a
concepção locacional, tecnológica, ambiental e socioeconômica dos vários em-
preendimentos associados. Portanto, exceto por meio de convênio específico,
caberia ao IBAMA executar toda a análise do licenciamento ambiental, confor-
me o artigo 4° da Resolução CONAMA 237/1997.
Além de não conduzir o processo por inteiro, o que qualifica a possibili-
dade de nulidade do licenciamento, o IBAMA ao licenciar em 2008 a instalação
e abertura do canteiro de obras, do pátio de armazenamento de tubos e o acesso
à estação de bombas 01 do mineroduto do Sistema MMX Minas-Rio e encerrar
sua participação na avaliação de impactos deste sistema empreendedor, se exime
da responsabilidade de avaliar a relação e sinergia dos impactos correlatos, no-

32
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

tadamente expressos em sua integração com os demais impactos previstos nas


“obras complementares” (CIPA) no estado do Rio de Janeiro, dando ênfase à
“sustentabilidade” do sistema empreendedor apenas pela análise de suas partes,
ou mesmo de seu início, na fragmentada concepção de que as medidas mitigado-
ras e compensatórias previstas serão, assim, medidas de conjunto.
As licenças do mineroduto foram concedidas de forma açodada, inclusi-
ve com lacunas no EIA/Rima, o qual foi analisado por equipe técnica multidis-
ciplinar sem a formação exigida. Além dessas irregularidades, o MPF verificou
que o projeto foi licenciado sem que se conhecesse sequer o traçado do mine-
roduto, e que ele atingiria vários sítios históricos e arqueológicos ao longo do
caminho, com impactos sobre comunidades tradicionais, as quais não foram se-
quer consideradas relevantes no EIA/Rima. No assentamento rural Zumbi dos
Palmares, localizado no município de Campos dos Goytacazes-RJ, cerca de 20
unidades familiares serão impactadas diretamente pelo traçado do mineroduto.
A opção pelo INEA também não caracteriza diretriz legal neste processo
de licenciamento, com exame crítico de suas atribuições, haja vista seu foco
apenas no trecho fluminense do sistema Mina-Mineroduto-CIPA, se eximindo
de avaliar a cumulatividade dos impactos desde Minas Gerais, os efeitos de
sinergia sobre as populações atingidas e a sobreposição de projetos ou ações
distintas num mesmo recorte regional.
A fragmentação de todo o processo de licenciamento, tendo o IBAMA
à frente da avaliação do mineroduto e operações iniciais do Sistema MMX
Minas-Rio e o INEA conduzindo toda a analise de viabilidade das demais obras
e unidades industriais no estado do Rio de Janeiro, é contrária ao disposto no
artigo 7° da Resolução CONAMA 237/19973, que define que quaisquer “empre-
endimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência”, respeitando
as condições atribuídas a cada órgão licenciador. Nesta medida, o empreendi-
mento CIPA deveria, de modo inseparável ser avaliado considerando o Sistema
Mina-Mineroduto-Indústria-Porto como um único empreendimento e, portan-
to, conduzido por uma única esfera licenciadora.
A escolha por fracionar o grande complexo portuário, em uma extensa
lista de “obras complementares”, adjuntas e interligadas em seus objetivos
caracteriza a primeira ilegalidade do processo de licenciamento. O tratamento
diferenciado de cada parcela do empreendimento, com seu próprio processo
de licenciamento – porto, unidades siderúrgicas, termoelétricas, modais

3  A Resolução CONAMA n° 237 de 19 de dezembro de 1997 dispõe sobre licenciamento ambiental;


competência da União, Estados e Municípios; listagem de atividades sujeitas ao licenciamento; Estudos
Ambientais, Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental.

33
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

industriais, infraestrutura, mineroduto e mina – reduz a dimensão de conjunto


dos impactos, bem como dificulta a identificação do conjunto das áreas e
populações atingidas.
Ao contrário do exposto pela Secretaria de Estado do Ambiente do Rio
de Janeiro, em nota pública divulgada em 23 de junho de 2011, a Avaliação
Ambiental Estratégica (AAE) – que em tese avaliaria a cumulatividade dos im-
pactos – não foi realizada considerando a totalidade do projeto desde Minas
Gerais (Sistema Mina-Mineroduto-CIPA), mas sim apenas o recorte espacial
do Complexo do Açu, associando o núcleo base industrial definido pelo em-
preendedor (LLX) com o cinturão industrial complementar, com módulos da
“indústria de serviços” (Núcleo Potencial).
Além disso, a formulação da AAE parece ter colocado como condição
prioritária a competitividade empresarial, visto que foram consultados no pro-
cesso de definição do “objeto de análise” 15 instituições, sendo 14 ligados di-
retamente aos setores empresariais envolvidos, 1 vinculado a UFRJ/COPPE/
LIMA (Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente) e nenhuma represen-
tativa das populações locais atingidas.
Caracteriza-se, assim, pela fragilidade na avaliação dos impactos em seu
conjunto; invisibilidade social de grupos afetados; licenciamento por trecho
construído; omissão da relação entre as etapas e obras previstas, de cada empre-
endimento em separado com o conjunto de obras ao qual se filia, permitindo a
conclusão de sua independência; impossibilidade do direito ao não, conforme
Convenção 169 da OIT do qual o Brasil é signatário; separação indevida entre
o meio ambiente de suas dimensões sociais, espaciais e históricas, perdas incal-
culáveis para a biodiversidade costeira e marinha; além da sustentação indevida
e privilegiada do aspecto econômico, fundado na relação custo/beneficio do
empreendimento em detrimento das dimensões sociais e ambientais.
Enfim, o fracionamento do licenciamento ambiental parece estar na base
de legitimidade dos vários empreendimentos que compõe o CIPA, como tam-
bém necessário ao argumento da viabilidade das obras. No fundo, ao se lançar a
“divisão das competências administrativas” entre os órgãos ambientais, afasta-
-se nitidamente as análises de totalidade dos impactos. Isso foi inclusive motivo
para que o Ministério Público Federal (MPF), em agosto de 2008 ajuizasse ação
civil pública perante a Justiça Federal em Belo Horizonte para impedir a con-
tinuidade das obras de instalação do Mineroduto Minas-Rio4. Nessa ação são

4 Em março de 2012 a Justiça Federal acatou pedido de liminar do Ministério Público Federal de Minas
Gerais (MPF-MG) e decidiu paralisar as obras da mina e do mineroduto, por prejuízo ao patrimônio
histórico. FONTE: Hoje em Dia - 21/03/2012.

34
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

réus o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), o estado de Minas Ge-


rais, a MMX Minas-Rio Mineração e Logística Ltda, a Anglo Ferrous Minas-Rio
Mineração, a LLX Açu Operações Portuárias S/A, a LLX Minas-Rio Logística
Comercial Exportadora S/A e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do
Rio de Janeiro. O MPF sustenta que a fragmentação do licenciamento ambien-
tal do empreendimento foi totalmente ilegal. A procuradoria do MPF no Rio
de Janeiro também chegou a ajuizar ação similar pedindo liminar para que fos-
sem paralisadas as obras do Porto do Açu. Dessa vez os motivos seriam o fato
de o empreendimento não haver sido licitado, a cessão da área para o porto ter
sido indevida e a licença ambiental dada ao empreendimento ter ocorrido sem
a aprovação do estudo de impacto ambiental. O interesse político e econômico
teria suplantado o rigor técnico necessário.
A sustentação das inconsistências apontadas pelo MPF no licenciamento
do mineroduto, sobretudo a composição da equipe técnica elaboradora dos
EIA/RIMA também pode ser estendida para o caso do CIPA. A avaliação do
empreendimento foi feita de forma tendenciosa, contrária ao disposto no art. 7
da Resolução CONAMA 001/1986, priorizando excessivamente o meio físico
e os aspectos botânicos e faunísticos, e em boa medida ocultando os aspectos
sociológicos, antropológicos, culturais e históricos.
As medidas de pedido de nulidade e cassação das licenças ambientais de-
fendidas pelo MPF, mesmo que de outra natureza, se sustentam também pela
própria viabilização dos aspectos locacionais da obras, que se exime, diante dos
próprios RIMAs elaborados, em considerar de extrema singularidade a região
litoral norte do Rio de Janeiro, em especial o município de São João da Barra.
Trata-se de uma região única e socioambientalmente diferenciada. A área
do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB) e de todo o complexo
portuário do Açu se localiza na zona deltaica do rio Paraíba do Sul, formada por
planícies costeiras fluvio-marinhas e domínios litorâneos de dunas, cordões
arenosos e restingas, totalizando 156.995 hectares. Compõe este domínio um
complexo mosaico de lagunas, charcos, pequenos córregos, lagoas em ambien-
tes estuarinos, brejos costeiros, vegetação arbustiva fixadora de dunas, forma-
ções geológicas sedimentares, formações herbáceas e graminóides associadas a
faixas de praia, além de um mosaico de comunidades rurais, pescadores artesa-
nais, agricultores familiares, posseiros e pequenos comerciantes.
São comunidades ecológicas marcadas pela singularidade botânica e fau-
nística, reconhecidamente classificadas como de extremo interesse biológico
para a conservação da biodiversidade. Os próprios diagnósticos apresentados
nos EIA/RIMA das unidades industriais confirmam esta complexa estrutura

35
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

paisagística, com testemunhos de espécies ameaçadas de extinção e de distri-


buição biogeográfica restrita.
Este mosaico se destaca num continuum litorâneo que se estende desde a
porção centro-sul do município de São Francisco do Itabapoana, atravessando
todo o litoral de São João da Barra, intercalado por faixas de mangues e áreas
úmidas na porção costeira do município de Campos dos Goytacazes, seguin-
do por toda a extensão da linha de costa que acompanha os municípios de
Quissamã e Carapebus, e por fim atingindo a porção extremo litoral norte do
município de Macaé.
A extensão deste ambiente costeiro, ecologicamente diferenciado, se
configura como a mais extensa área de restinga do país, com cerca de 300 km2,
instituindo aspectos singulares e de grande relevância no campo das estratégias
de conservação ambiental. Segundo os estudos ambientais que subsidiaram o
ZEE do estado do Rio de Janeiro esta região é o último espaço natural de co-
nectividade de ecossistemas costeiros – incluindo as restingas, mangues e dunas
litorâneas – responsáveis pela manutenção da estabilidade geológica e biológica
do litoral norte fluminense.
Por esses e outros motivos foi criado em 1998 a primeira unidade de
conservação especificamente para a proteção do ecossistema de restinga, o Par-
que Nacional da Restinga de Jurubatiba, que abrange aproximadamente 15.000
hectares ao longo da costa de Macaé, Carapebus e Quissamã.
A restinga de São João da Barra é uma das últimas existentes fora de
unidades de conservação. Segundo levantamentos do CPRM e dos estudos que
subsidiaram o Plano Diretor municipal as restingas e cordões litorâneos se dis-
tribuem em praticamente 75% do município, incluindo toda a área do DISJB e
as áreas da zona industrial e portuária do Açu. A permanência e extensão das
áreas de restinga no município estão vinculadas diretamente ao padrão histó-
rico de uso e ocupação das terras. Tal ocupação, diferentemente do CIPA foi
impulsionada por atividades pouco impactantes, como as atividades ligadas à
agricultura camponesa e a pesca comunitária e artesanal.
Certamente não há dúvidas para questionar a própria idéia de “sustentabili-
dade” que supostamente caracteriza o empreendimento, inclusive a legal-jurídica.
Em particular, o fato do Complexo do Açu se localizar na mais extensa área de
restinga do país já seria motivo suficiente para questionar sua viabilidade.
Ao mesmo tempo, questiona-se o fato de se licenciar um projeto de tamanha
envergadura sobre áreas de preservação permanente (APP), conforme a Resolução
CONAMA N° 303/20025 e a Lei 4.771/1965, que institui o Código Florestal.

5  A Resolução CONAMA N° 303 de 20 de março de 2002 dispõe sobre parâmetros, definições e limites

36
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

Ao observar a localização de todo o complexo industrial do Açu, suas


áreas de servidão, de retaguarda, pátios de estocagem, frentes de obras, unida-
des de construção industrial e módulos de infraestrutura, nota-se a total inco-
erência e omissão com as exigências e condicionantes da legislação ambiental,
ao passo da própria alternativa locacional, ela mesma, ser definida exatamente
sobre áreas de preservação permanente, sequer, contudo apontando um estudo de
alternativas, já que a opção decidida foi a única proposta apresentada, qual seja
a do empreendedor.
A negligência com as particularidades ambientais da área e, assim, com a
própria legislação ambiental é tamanha que as justificativas para a implantação
da Unidade de Construção Naval (UCN) no litoral de São João da Barra é ape-
nas atender as “necessidades de suprir as demandas da indústria petrolífera”, “a
necessidade real brasileira para garantir o acesso a equipamentos de produção
de petróleo e atender às demandas do setor” e ainda pelo fato da “OGX, em-
presa do Grupo EBX, tornar-se a maior companhia privada brasileira do setor
de petróleo e gás natural em área marítima de exploração, com 22 blocos e 4,8
bilhões de recursos potenciais riscados líquidos”.6
Ao omitir a classificação das restingas como APP, confirma-se nitida-
mente a supervalorização dos aspectos econômicos do empreendimento, diri-
mindo-se apenas pela favorável conjuntura da cadeia produtiva do petróleo e as
possibilidades da OGX em ser a maior empresa privada do setor. Os aspectos
ambientais, biológicos e botânicos, até mesmo os legais ficaram posicionados
apenas a título de “caracterização” e não como critério de escolha e definição
na viabilização das obras.
Não foi mencionado, muito menos identificados nos RIMAs, os sítios
de reprodução das espécies (criadouros) e de alimentação de animais, apenas
sua “caracterização”. Cita-se que no caso dos quelônios (tartarugas) e cetáceos
os impactos serão administrados apenas pelo “monitoramento” das espécies e
por programas de educação ambiental. Chama a atenção também, sobretudo
nos documentos disponibilizados ao público a ausência de dados quantitativos
sobre a vegetação, muito menos a real área de restinga a ser desmatada para a
implantação do complexo. Há apenas a menção de que medidas de minimização
de impactos serão tomadas. Expressões como “supressão da vegetação”
“limpeza do terreno”, “gestão ambiental” ou mesmo “interferências na fauna”
não qualifica o impacto, generaliza as ações de mitigação, desvia a magnitude

de Áreas de Preservação Permanente.

6  Os trechos citados acima foram retirados dos RIMAs, conforme já referenciado em AGB/GTAgrária, 2011.

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GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

e a abrangência do impacto e não permite apreender toda a extensão de


modificações esperadas com as obras.
É injustificável viabilizar um complexo industrial de tamanha envergadu-
ra, sobre a mais extensa área de restinga remanescente do litoral brasileiro. A
emissão das licenças ambientais pelo INEA, portanto está na contramão das
recomendações e exigências legais e da correta publicização de informações
a fim de capilarizar o controle social do empreendimento. As fragilidades ora
em tela se encerram (1) por não enfatizar as vulnerabilidades e particularida-
des do ambiente afetado, (2) pela completa descaracterização do licenciamento
ambiental como instrumento de avaliação de impactos e controle social sobre
o meio ambiente e não apenas como um processo a ser superado e (3) por
nitidamente deslocar o papel do órgão ambiental do desafio em conservar, pro-
teger e recuperar o meio ambiente no estado do Rio de Janeiro, passando a
exercer uma função estratégica de viabilização da agenda de desenvolvimento
dos grandes projetos no estado.
A continuidade e viabilização das obras do CIPA, e por seqüência sua
implantação está atrelada a dois processos combinados. De um lado, como
havíamos relatado se observa um forte engajamento do estado em acelerar o
processo de emissão de licenças ambientais, fragmentando o empreendimento
em diversos processos de licenciamento, um para cada unidade industrial. Por
outro lado, a viabilidade ambiental do empreendimento se condicionou apenas
ao regime de previsão e cumprimento das condicionantes no processo de exe-
cução das ações de mitigação e compensação de impactos previstos nos EIA/
RIMA elaborados. Ao que parece, a viabilidade técnica do CIPA se subordinou
ao prognóstico elaborado pelos documentos, e, portanto ao posicionamento
técnico dirimido pelas empresas de consultoria contratadas e ao lobby empre-
sarial que sela relações decisórias com o estado.
O pacto de interesses tomou tamanha proporção que nem a autuação
do MPF intimidou o governo estadual no Rio de Janeiro, que continuou
emitindo as licenças necessárias à viabilização das obras. Em janeiro de 2009, o
Governador Sérgio Cabral assinou um decreto – sem a devida consulta pública
– declarando “áreas de interesse públicos” imóveis e benfeitorias situadas nas
faixas de terra necessárias à construção e passagem do Mineroduto Minas-Rio.
A primeira audiência pública para discutir o projeto em São João da Barra
foi realizada apenas em agosto de 2009, quando o projeto já estava em vias
de licenciamento, sendo apresentado como dado, sem se possibilitar que a
população se posicionasse diante da proposta. Os benefícios foram destacados,
enquanto os riscos foram minimizados. A própria prefeita do município de

38
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

SJB defendeu o projeto na audiência, extrapolando suas responsabilidades


e demonstrando o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, em que os
interesses privados são defendidos por agentes do Estado que utilizam o tráfico
de influência para beneficiar certas famílias e grupos políticos.
As decisões que legitimaram a viabilidade do empreendimento também
se esqueceram de apresentar uma avaliação mais correta sobre o impacto do
distrito industrial sobre os recursos hídricos da região.
No RIMA do Distrito Industrial de São João da Barra menciona-se de
forma bem genérica a ordem de 10 m3/s como “vazão de projeto” necessária
ao abastecimento das unidades e modais industriais previstas. Será uma tomada
d´água do Rio Paraíba do Sul, a cerca de 20 km da foz, com estação elevatória
e um conjunto de adutoras paralelas a rodovia RJ-240 até o sistema de reserva-
ção do DISJB. Com esta previsão, o CIPA se tornará o maior usuário de água
de toda a bacia, com consumo equivalente ao de uma população de 2.816.000
habitantes, ou mesmo 85 vezes a população do município de São João da Barra.
Há de se considerar também que não foi mencionado nos RIMAs ana-
lisados nenhuma consulta ao Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba
do Sul para dirimir quaisquer aspectos sobre os impactos das obras sobre os
recursos hídricos, muito menos menção sobre o processo de outorga de água,
antes mesmo do parecer técnico do órgão ambiental.
Também não foram mencionadas quaisquer análises sobre o impacto da
captação de água sobre o ambiente deltaico do rio, que já sofre com a redução
de vazão e o assoreamento. Registra-se neste caso que a redução da vazão do
Paraíba do Sul já está diretamente ligada aos recentes eventos de erosão costeira
que tem impactado as praias de Atafona, em São João da Barra, e promovido
um avanço da cunha salina e da maré sobre o continente.
Acompanhando estas e outras questões, os formuladores da proposta
de viabilidade ambiental do complexo apresentaram também um conjunto de
medidas de mitigação e compensação de impactos, em especial aqueles dire-
tamente associados ao meio físico. A secretaria de estado do ambiente do Rio
de Janeiro relata, inclusive que as compensações ambientais previstas para o
complexo do Açu foram as maiores já exigidas em todo o país.
Como estratégia principal dos vários empreendimentos, a indicação das
medidas de mitigação e compensação dos impactos parece se focar, prioritaria-
mente na criação de unidades de conservação ambiental (UC). Apesar de serem
exigidas como atendimento obrigatório e legal previsto no Artigo 36, da Lei
Federal 9.985 de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conser-
vação – SNUC em processos de licenciamento ambiental, a proposição de UCs

39
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

aparecem nos estudos ambientais como se fossem uma “vantagem” oferecida


pelo empreendedor e um diferencial do empreendimento.
Nos aspectos legais, a lei em questão define em seu artigo 22°, parágrafo
2° que a “criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estu-
dos técnicos e de consulta pública7 que permitam identificar a localização, a
dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser
em regulamento” (Lei 9.985, 2000). Neste dispositivo, torna-se obrigatório a
condição participativa do processo decisório de criação das UCs, incorporando
neste pleito o envolvimento das populações locais, seus costumes e necessida-
des materiais, sociais e culturais.
No caso do CIPA, a participação social e o reconhecimento das popula-
ções atingidas na definição das UCs parece não ter sido considerado na escolha
locacional das unidades. A definição e avaliação técnica das alternativas locacio-
nais das UCs se pautou unicamente pela avaliação da equipe técnica, sem con-
siderar dimensões socioculturais e históricas da região, sobretudo a presença de
assentamentos de reforma agrária e agricultores familiares.
A proposição apresentada pelos formuladores prevê a criação de três
unidades de conservação ambiental, sendo duas delas unidades de uso sus-
tentável – Área de Proteção Ambiental de Grussaí e a Reserva Particular do
Patrimônio Natural (RPPN) da Fazenda Caruara – e uma unidade de proteção
integral, o Parque Estadual do Açu. Juntas, essas três unidades somam mais de
17.000 hectares destinados à compensação ambiental e deverão impactar, no
total cerca de 33 comunidades rurais e pequenos núcleos urbanos, sobretudo
os pequenos agricultores. A criação destas unidades trará novas regras para o
uso do solo na região, critérios mais restritivos de acesso aos recursos naturais,
aumento da vigilância e fiscalização ambiental, coibição de práticas tradicionais,
como a pesca e a agricultura familiar entre outras.
Não houve qualquer diálogo com as famílias e comunidades rurais im-
pactadas, especialmente no que se refere aos novos critérios de ocupação do
solo e às condições de permanência no local. No RIMA do DISJB não há
qualquer referência de consulta pública às populações, mencionando apenas a
responsabilidade do INEA em reconhecer as referidas unidades.
No caso da APA de Grussaí, são pelo menos 8 comunidades diretamente
afetadas, sendo duas delas os assentamentos rurais Ilha Grande e Che Guevara,
com 58 e 74 famílias respectivamente. Segundo o mapeamento e proposição
locacional da APA parte das terras dos dois assentamentos passarão a ficar

7  “§ 3o No processo de consulta de que trata o § 2o, o Poder Público é obrigado a fornecer informações
adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.

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Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

regidas pelas normas e critérios da unidade de conservação, restringindo


ainda mais as atividades agrícolas familiares. Nenhum dos assentamentos foi
convidado a participar da proposta de construção destas unidades. Em relação
ao Parque Estadual do Açu, com 5.915 hectares novamente os assentamentos
rurais Ilha Grande e Che Guevara serão afetados. Algumas famílias serão
removidas, pois uma parte do parque ficará sobre a área rural do assentamento,
as demais deverão sofrer fortes restrições no uso do solo, por estar no entorno
da área (Mapa 3).

Mapa 3: Mapa das compensações ambientais – Unidades de Conservação

Com a forte restrição de uso do solo para várias comunidades, as me-


didas compensatórias parecem muito mais impactar suas condições e modos
de vida, do que potencializar e otimizar suas práticas e conhecimentos. Há
inclusive a previsão de deslocamento de populações nas comunidades de Mata
Escuro, água Preta e Quixabá pela implantação das unidades de conservação,
o que configura um retrocesso se considerarmos a importância do ambiente fí-
sico na relação destes grupos com os recursos naturais. Registra-se também que
no RIMA do DISJB não há qualquer proposta de reassentamento das famílias
impactadas pelas medidas de compensação ambiental.
O que se observa neste sentido é uma profunda desconsideração destas
populações, que por anos mantiveram suas práticas associadas aos ecossistemas
costeiros sem causar impactos ambientais significativos. Não é por menos, que

41
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

mesmo sem nenhuma unidade de conservação, São João da Barra manteve


ainda 75% de suas terras em domínio de restinga.
Porém, o que mais chama a atenção neste aspecto é a proposição incoe-
rente e ilegal de compensação da RPPN da fazenda Caruara, de posse da LLX.
No RIMA do Distrito Industrial, no item que justifica a escolha do município, a
Fazenda Caruara foi considerada de extrema importância ecológica, por abrigar
uma ampla e contínua área remanescente de restinga.
Com estas características, na proposição apresentada ao órgão ambiental,
a fazenda Caruara foi destinada ao regime de compensação por meio da criação
de uma RPPN. Esta categoria está prevista no SNUC (Lei Federal 9.985/2000),
art 14 e 21 como unidade de conservação de uso sustentável, definida a partir
de critérios e condições de uso específicos. Ao mesmo tempo em que a área
da fazenda Caruara aparece destinada à criação de uma RPPN, no RIMA da
Unidade Termoelétrica a carvão mineral esta mesma área é indicada como prio-
ritária para a implantação da UTE.
Ora, em dois estudos diferentes, formulados em tese para o mesmo sis-
tema empreendedor, a fazenda Caruara recebe tratamento diferenciado e usos
completamente antagônicos, por um lado no destaque de sua posição privile-
giada no regime de compensações, com área ambientalmente diferenciada a
título de justificar sua “definição” como unidade de conservação. Por outro, na
contramão desta análise, é definida como prioritária para a expansão industrial,
notadamente para a instalação da UTE, já que reúne condições satisfatórias
para sua viabilidade no funcionamento do Porto do Açu.
Trata-se de uma completa incoerência, sobretudo no destaque para as
restrições que uma RPPN apresenta, legalmente impossibilitada de abrigar uma
unidade de geração de energia movida a carvão mineral, uma das fontes ener-
géticas mais poluentes do mundo. Esta contradição evidencia as fragilidades
de um processo de avaliação ambiental pautado na fragmentação, revelando a
inconsistência da avaliação do empreendimento.
Em relação aos aspectos socioeconômicos e culturais na análise da via-
bilidade, mais uma vez os estudos ambientais apresentaram recomendações e
análises inconsistentes. Os modos de vida das coletividades, suas particularida-
des sociais, formas de organização, práticas de manejo e redes coletivas pare-
cem não estar devidamente identificados. Os RIMAs analisados se eximem em
considerar um continnum sócio-histórico de uso do território, referenciados aos
modos de uso e significação próprios aos distintos grupos sociais que vivem na
região. São agricultores familiares, posseiros, pescadores artesanais, trabalhado-
res assalariados, pequenos comerciantes e outros mais que se reproduzem de

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Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

maneira associada ao ambiente físico, numa relação de uso pouco impactan-


te. Tradicionalmente, vivem nas brechas e interstícios dos ambientes costeiros,
com práticas e costumes tipicamente da agricultura familiar, com pequenos
roçados de quiabo, maxixe, banana, aipim, cana, abacaxi, olerícolas diversas,
frutíferas, açudes e pequenas criações de cabra, bovinos, suínos e aves.
Nos RIMAs analisados não foi considerado em nenhum momento, ape-
nas a título de caracterizar suas “fragilidades” e “incipiência” variáveis como
a produção de alimentos, economia agrícola familiar e segurança alimentar da
população. As práticas agrícolas familiares no município se mostram de signifi-
cativa importância para reprodução social dos agricultores e pescadores artesa-
nais. Em 2010, foram 4.160 mil frutos de abacaxi, 240 toneladas de batata-doce,
182.000 toneladas de cana, 624 toneladas de mandioca, 80 toneladas de melão,
100 toneladas de tomate, 35 toneladas de banana, 1.600 mil frutos de coco da
baía, 2.100 toneladas de goiaba, 54 toneladas de laranja (IBGE/PAM, 2010).
Além disso, segundo o Censo Agropecuário 2006, registrou-se 279 hectares
de horticultura/floricultura e 9.641 hectares disponíveis para criações diver-
sas (muares, bovinos, eqüinos, caprinos) nos estabelecimentos rurais. O Censo
aponta ainda que SJB é o segundo maior produtor de maxixe e oitavo de quiabo
do estado do Rio de Janeiro.
Nos aspectos conservacionistas, as práticas de uso pouco impactaram
o município, registrando-se em 2006 apenas 109 hectares de pastagens degra-
dadas e nenhum registro para terras erodidas, desertificadas e/ou salinizadas
(IBGE, 2006). Ademais, o município é também o terceiro maior produtor de
pescado do estado.
Não se concebe, por exemplo, em nenhum dos relatórios analisados a
agricultura familiar como prática de baixo impacto ambiental e como modo
de vida de centenas de famílias, muito menos se retratou um prognóstico da
situação alimentar e nutricional das famílias após a implantação do complexo,
haja vista sua relação direta com a terra.
A forte relação e dependência destes grupos com os recursos naturais
disponíveis no ambiente, sem os quais não há condições de permanência e de
vida em comunidade, sinaliza evidências concretas de pertencimento e apro-
priação, sobretudo para os agricultores, que mantém toda uma história de rela-
ções com o lugar, a memória vivida e sentimentos afetivos e morais com suas
terras. Os RIMAs analisados, apenas apontam sua existência a título de carac-
terizar suas “posses”, sua materialidade, ocultando dimensões incomensuráveis
da existência humana, normalmente reduzidas a um valor numérico que conta-
biliza apenas o tamanho da terra, omitindo-se quanto à responsabilidade pela

43
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

total desestruturação dos modos de viver e produzir a ser desencadeada pelos


empreendimentos previstos.
Há inclusive uma análise a-temporal e equivocada no RIMA do DISJB
que supõe a existência de “vazios demográficos” na área de influência direta do
empreendimento, considerando a presença humana apenas nas áreas de povo-
amento e nucleação urbana. Isso certamente esconde a dinâmica de trabalho
das famílias agricultoras, que muitas das vezes, residem nas comunidades e po-
voados rurais, mas trabalham em lotes agrícolas situados em outra porção do
município. O fato deste lugar ainda permanecer com características ambientais
tão próximas ao de um ambiente “intocado” não pode se desvincular de uma
real percepção que correlacione a natureza social dos grupos e comunidades ali
situadas com a dinâmica de reprodução ecológica dos ambientes de restinga.
Nesta mesma medida, há de se considerar também o impacto do comple-
xo industrial no modo de vida dos pescadores artesanais. Com a construção da
unidade naval (UCN) um número significativo de grandes embarcações passará
a disputar o controle do espaço marinho com a pesca artesanal, promovendo
mudanças bruscas nas práticas e rotinas dos pescadores, inclusive inviabilizan-
do a rota e a delimitação das áreas de pesca. O próprio acesso ao mar, a partir
do litoral ficará também comprometido; do total de 34 km de perímetro costei-
ro do município, cerca de 20 km (58%) correspondem aos limites das fazendas
e empreendimentos do CIPA (Mapa 4).

Mapa 4: Impactos sobre a pesca artesanal no litoral norte fluminense

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Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

O aumento exponencial do fluxo de grandes embarcações e a permanen-


te movimentação das águas será sintomático na redução e deslocamento dos
cardumes, na mudança do perfil da pesca, com a atração da pesca industrial (já
em curso), riscos imediatos de derramamento de óleo, fragilização da econo-
mia artesanal pesqueira, entre outras. As medidas de mitigação não garantem
nenhuma ação concreta que preserve a continuidade da atividade pesqueira
familiar, apenas a menção da necessidade de “disciplinar o trafego” das em-
barcações, numa postura de “ajustamento”, o que pode ser entendido como
uma nova “regra” de acesso ao mar e aos recursos pesqueiros, e no fundo, uma
ruptura dos códigos coletivos e acordos comunitários destes grupos.
Não somente pela radical mudança na rota das pequenas embarcações
artesanais, a pesca será diretamente impactada pela abertura do canal de acesso
à UCN, prevendo o rebaixamento da plataforma marinha com a dragagem de
13.700.000 m3 de sedimentos. O aumento radical da turbidez da água e o re-
volvimento do fundo marinho já é visível na rotina dos pescadores, impactando
atualmente o volume e a distribuição geográfica dos pescados. O intenso fluxo
de embarcações trará também impactos na qualidade da água, em especial pelo
descarte das águas de lastro.
Ademais, chama a atenção a pouca ênfase dada aos impactos ambientais
de algumas “ações complementares” na fase de instalação do CIPA, diretamen-
te associadas à continuidade da pesca no litoral da região. O RIMA da UCN
prevê a implantação de dois “bota fora8 marinhos”, um nome que caiu em
desuso; o primeiro deles está entre dois pesqueiros (sendo um deles o Buraco
dos Morros) e o segundo, previsto futuramente, na borda do pesqueiro do Açu,
uma importante área de pesca. Outra área que não teve seus impactos previstos
foi a área de empréstimo marinho (de material dragado) entre os pesqueiros
Buraco dos Morros e Joacy.
Apesar do empreendedor sinalizar que os “bota fora” já foram licen-
ciados pelo órgão ambiental, não foram apresentadas as medidas de gestão e
monitoramento destas áreas. No fundo, aquilo que o empreendedor chama de
bota fora representa, na verdade grandes depósitos de resíduos mar adentro,
projetados a receber milhões de toneladas de material excedente – provenien-
te de dragagens e escavações, que sequer foram classificados e identificados
de acordo com sua periculosidade e toxicidade, conforme a Norma Brasileira
NBR 10.004/2004. Outra questão é que todos os efluentes industriais gerados no

8  O termo é usado em Engenharia e Mineração para designar genericamente os produtos naturais, não
servíveis a curto prazo, que necessitam ser colocados de lado, provisória ou definitivamente. Na Enge-
nharia Civil, os bota-foras são constituídos por material inconsolidado retirado de escavações (solo, areia,
argila) ou material rochoso proveniente de escavações, cortes e túneis.

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GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

CIPA deverão ser descartados, em emissário submarino a cerca de 4 km da costa,


exatamente sobre as áreas de pesca. Depositar material excedente e efluentes in-
dustriais em áreas de pesca, de extrema relevância social, revela a maneira como
os pescadores têm sido considerados na análise do empreendimento.
Em todo este processo, a opinião e percepção destas populações não foi
levada em consideração na elaboração do licenciamento ambiental. Tal fato vem
sendo denunciado pela ASPRIM – Associação dos Produtores Rurais e Imóveis.
Esta entidade, como diversos outros agricultores e pescadores do município, já
manifestou publicamente a arbitrariedade e injustiça que vem sendo cometida
pela CODIN e Grupo X na condução das negociações com as famílias.
Segundo a entidade, as tratativas com a CODIN e INEA a respeito dos
impactos socioambientais e das compensações têm sido extremamente incoe-
rentes, e dificilmente incorporam as proposições dos agricultores e pescadores
nas negociações. A questão que mais chama a atenção é que segundo a AS-
PRIM as audiências públicas realizadas pelo INEA foram a título de “apresen-
tar” o projeto, caracterizar suas obras, referendar as medidas mitigadoras de
impacto e afirmar a concepção vantajosa do empreendimento.

3. O processo de desapropriação e
reassentamento das famílias

Em junho de 2008, o Governo do Estado do Rio de Janeiro publicou


um decreto no qual declarava uma área de 7.200 hectares de interesse público,
a qual deveria ser desapropriada, através da Companhia de Desenvolvimento
Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin). Essa área está localizada no
5º distrito de São João da Barra e é basicamente ocupada por pequenos agri-
cultores, que deverão dar lugar ao condomínio industrial previsto no projeto.
É importante salientar, que tanto o condomínio industrial, quanto o porto são
empreendimentos a serem construídos e geridos com recursos privados. No
entanto, tal desapropriação está sendo feita com recursos de uma autarquia
pública, o que só demonstra a determinação do governo do estado em garantir
a instalação de ambos no município.
A questão da desapropriação das inúmeras famílias, por exemplo e as ga-
rantias previstas no “reassentamento” dos atingidos foram pautas ocultas e pou-
co esclarecedoras nas audiências públicas promovidas pelo INEA e CODIN.
Trata-se, neste caso de uma política de reassentamento compulsória, muito
comum nas ações de “compensação” de grandes projetos de desenvolvimento,
onde acredita-se que a troca de “terra por terra” atende aos critérios de

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Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

sustentabilidade dos empreendimentos, se eximindo de considerar os efeitos


destes deslocamentos nos modos de vida das populações e em suas relações
afetivas, simbólicas, culturais.
Os indícios de irregularidades nesse processo de retirada dos trabalha-
dores rurais da área para a implantação do CIPA envolvem tanto as áreas que
teriam sido adquiridas pelo Grupo X quanto pela Codin.
Há o caso da fazenda Saco D´Antas, que pertencia à falida Usina Baixa
Grande, foi ocupada pelo MST em 1999, mas não foi desapropriada pelo Incra,
sob argumento de ser uma área inadequada para a criação de um assentamento
rural devido aos solos arenosos. Desde então, várias famílias lá se mantiveram
como posseiros e em 2008 foram impedidos de entrar na área. Os que mora-
vam foram transferidos para a Fazenda Pontinha, os que só plantavam e/ou
criavam animais nada obtiveram. Alguns destes entraram na justiça e há notí-
cias de que parte deles conseguiu reintegração de posse com base no instituto
legal do usucapião.
A situação jurídica atual da fazenda Saco D´Antas é uma incógnita, al-
guns dizem que foi comprada pelo Grupo X, outros que pertence ao Banco
do Brasil em função das dívidas acumuladas pela Usina Baixa Grande, mas de
qualquer forma há fortes indícios de grilagem.
Os deslocados originalmente da Saco D´Antas para Pontinha estão sen-
do agora transferidos para a fazenda Palacete, que segundo informações extra-
-oficiais do Incra, pertencia à Usina Barcelos, do Grupo Othon e teria sido
adquirida pelo Grupo X, embora ainda não tenha sido registrada no Cadastro
Rural. Lá foi criada a Vila da Terra, onde cada família tem direito a uma casa
e mais 2 ha para plantio e criação. Até março de 2012 15 famílias foram para
a Vila da Terra, mas 1 não ficou. As famílias chegaram em 12 de setembro de
2011 com a promessa de terem um documento definitivo em 6 meses, o que
não foi cumprido9. Além disso, não têm assistência técnica, nem apoio para
irrigação, o que inviabiliza a produção numa área degradada e com condições
completamente diferentes daquelas nas quais estavam acostumadas a produzir.
Reclamam ainda do isolamento, já que a área é distante de núcleos urbanos, da
infestação de insetos, do intenso calor, falta de sombra e impossibilidade de
construir benfeitorias, bem como da constante vigilância a que são submetidos
pelos seguranças e demais funcionários da empresa que administra a Vila.
O Grupo X também teria adquirido da Usina Barcelos a fazenda

9  O contrato diz que as famílias receberão as escrituras seis meses após a regularização da situação jurídi-
ca da terra, o que segunda informações que circulam na região está emperrado por disputas judiciais em
torno do controle da área envolvendo os grupos X e Othon e a justiça trabalhista.

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GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

Caruara, para a qual está prevista a implantação de uma RPPN, como parte da
compensação ambiental pelos danos provocados pela instalação do CIPA, e
contraditoriamente como já analisado acima, uma termelétrica à carvão mineral.
No caso das áreas que estão sendo desapropriadas pela CODIN, os pro-
blemas envolvem a forma de notificação, erros de vistoria, subavaliação e assé-
dio moral. A ASPRIM relata que as famílias têm sido intimidadas por agentes
de segurança privada, contratados pela LLX, pela policia militar do 8° Batalhão
de Campos e por ações criminosas, como o caso de agricultores que tiveram
suas terras e lavouras invadidas e destruídas em pleno final de semana e no
período noturno.
Por outra, as tratativas da CODIN no caso das desapropriações tem sido as
piores possíveis, com ações fraudulentas, onde grande parte das famílias tem re-
cebido – a título de garantia e negociação de suas terras – um pequeno rascunho
de papel, sem carimbo, assinatura, marca oficial da instituição, apenas anotações
a caneta registrando o valor venal da terra, o valor das benfeitorias e o valor a ser
pago na desapropriação. Não há nestes casos, nenhum mandato oficial da justiça,
muito menos a presença de agente judiciário para acompanhar o processo.
Somente na fase de implantação da UCN (fase 1) os agricultores relatam
que serão cerca de 80 pequenas propriedades rurais desapropriadas, além de
1.403 lotes urbanos localizados no distrito de Barra do Açu. De toda forma,
fica evidente que o artigo 265 da Constituição Estadual que prevê que em caso
de remoção deve haver negociação com as famílias para garantir o reassen-
tamento das mesmas está sendo desrespeitado, uma vez que as famílias são
unânimes em afirmar que a fazenda Palacete não oferece condições adequadas
para o reassentamento, pois trata-se de terras degradadas e de áreas irrisórias.
Também não foi cumprida a obrigatoriedade de indenização prévia e
desenvolvimento de programas de readaptação também anteriores à remoção,
pois as famílias foram removidas antes das novas residências terem sido con-
cluídas, assim como deixaram de plantar em suas terras antes de terem os novos
lotes entregues. Cabe ressaltar também a baixa, insuficiente e frágil assessoria
jurídica prestada às famílias.
Especialmente nas localidades de Água Preta e Mato Escuro (São João da
Barra) há forte insatisfação de trabalhadores com o fato de que placas simples-
mente foram colocadas indicando a desapropriação das terras e sua destinação
para unidades do CIPA, sem que qualquer esclarecimento tenha sido prestado
aos trabalhadores. Moradores relatam inclusive que bons laçadores são contra-
tados para capturar gado dos pecuaristas da região e soltá-los à noite, no meio
da estrada, como forma de pressioná-los a sair da área.

48
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

Há indicações de processos diferenciados na negociação com grandes


e pequenos proprietários, além do total desrespeito a posseiros, parceiros e
arrendatários. Enquanto vultosas indenizações teriam sido pagas aos grandes
proprietários, nada seria garantido aos pequenos produtores. Nas negociações
com os pequenos sempre vem à tona a baixa fertilidade das terras como argu-
mento para redução das indenizações.
Segundo a ASPRIM a discussão sobre os preços praticados nas indeni-
zações e a nova condição de vida e trabalho já foram apresentadas às famílias
como dadas, inclusive o novo “arranjo habitacional” do tipo “condomínio rural
moderno” previsto na fazenda Palacete e o preço a ser pago pelo metro qua-
drado na desapropriação, menos de R$ 2,00, ou seja R$ 20.000 por hectare.
Cálculo realizado a partir dos laudos de vistoria encomendados pela Codin,
indica um valor médio de R$ 15.576,00 por hectare. Segundo reportagem de
novembro de 2011 o Grupo X fechou contrato de aluguel com uma empresa
francesa, no valor de R$ 63.437,00 por hectares/mês (http://www.infomoney.
com.br). Em março de 2012, outro contrato foi estabelecido, desta vez com
uma empresa dos EUA com valor equivalente a R$ 57.361,00 por hectares/mês
(http://www.brasileconomico.com.br). Trata-se de um exemplo inquestionável
da lógica da acumulação por espoliação de que nos fala Harvey (2004), afinal
o Grupo X obtém terras através de uma ação de desapropriação por utilidade
pública por meio da Codin por menos de R$ 16 mil por hectare e as aluga por
até 4 vezes esse valor ao mês!!!!

Considerações finais

A imagem que se cria dos grandes projetos produz expectativas na popu-


lação em torno da geração de empregos e renda. Entretanto, a história dos mega
empreendimentos no Brasil (Carajás, Tucuruí...) mostra que, de uma maneira
geral, estes pouco beneficiam a população local, constituindo-se meramente
em fonte de lucros para corporações nacionais e estrangeiras e praticamente
nenhum benefício para os moradores do entorno. Ao contrário, o que tende a
prevalecer são os impactos negativos para esta população.
Os impactos diretos e indiretos da construção do CIPA incluem danos à
pesca, expulsão de trabalhadores da terra, assoreamento de lagoas e rios, espe-
culação imobiliária e redução da produção agropecuária.
A construção da ponte de acesso ao píer do terminal portuário já vem
gerando impactos sobre a pesca, ao impedir que os pescadores locais atravessem
por baixo da ponte até a Lagoa de Iquipari onde eles tradicionalmente pescam

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GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

peixes e camarões. Pescadores de Barra do Açu alegam que durante a semana a


passagem é proibida, sendo liberada nos fins de semana, quando as obras estão
paradas. Os pescadores argumentam que isso vem causando prejuízos, já que o
povo local tem o costume de comprar peixe justamente durante a semana, ao
passo que os açougues são mais procurados para o consumo de carne durante
o final de semana.
Além do impedimento do acesso à Lagoa de Iquipari, os pescadores re-
clamam ainda que uma laguna vem sendo medida e demarcada como reserva
ambiental (APA de Grussaí e Parque Estadual do Açu), como compensação
ambiental pela instalação do Complexo, o que implica restrições adicionais à
atividade da pesca na região. Há ainda reclamações relativas à pressão de técni-
cos de órgãos governamentais quanto à ampliação das áreas de lavoura por par-
te dos pescadores o que poderia levá-los a perder o direito ao o seguro-defeso.
Desde abril de 2011, algumas notícias têm sido veiculadas, através de
jornais locais e nacionais, sobre as negociações e a construção do CIPA. Muitas
pessoas só ficaram sabendo da mudança no projeto de duplicação do traçado
da BR-101 através de matérias que começaram a ser lançadas em jornais locais,
apresentando as negociações entre a prefeitura de Campos e o empresário Eike
Batista. Além disso, as empresas responsáveis pelo empreendimento e o gover-
no do Estado também frequentemente lançam novas notícias acerca do tema,
especialmente como forma de propagandear e divulgar mais um dos grandes
projetos de desenvolvimento que o estado do Rio de Janeiro está investindo.
Um outro tipo de impacto diz respeito à poluição atmosférica gerada
pelas indústrias e pelas usinas termoelétricas a serem instaladas no complexo.
A qualidade do ar será fortemente alterada pelo conjunto das emissões, cujos
valores não foram considerados nos RIMAs disponíveis à população, tampou-
co contabilizados em seu conjunto.
Finalmente há o impacto da instalação do corredor logístico (rodovias e fer-
rovias) que servirá ao CIPA. Seu traçado tem inicio na variante da BR-101, a ser du-
plicada a partir do distrito de Ururaí até Travessão. O projeto original de duplicação
da BR-101 previa uma variante mais curta que cortava a cidade de Campos a oeste,
enquanto a nova proposta de variante, aprovada pelo governo do Estado, deverá
aproveitar a rodovia municipal que atravessa o assentamento de reforma agrária
Zumbi dos Palmares. Este assentamento é um símbolo da luta pela reforma agrária
no norte fluminense, conquistado há quase 15 anos pela luta dos trabalhadores sem
terra na região dominada pelos latifúndios canavieiros, em terras da antiga Fazenda
São João, município de Campos. O novo traçado deixa a BR-101, que é a principal
via de escoamento da produção, mais próxima do CIPA.

50
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

Além disso, facilita a expansão da malha urbana do município de Campos


a leste. Ao cortar o assentamento, a duplicação da rodovia deverá desapropriar
os lotes que a margeiam, atingindo cerca de 200 famílias de agricultores dos
núcleos I, II e III do assentamento Zumbi dos Palmares. Vale dizer que o
mineroduto também passa por dentro dos lotes do assentamento Zumbi dos
Palmares, diminuindo lotes e cortando brejo e lagoas. Até agosto de 2011 os
assentados não haviam sido notificados sobre o projeto de duplicação da rodo-
via que impactar
Em março de 2011, houve manifestações de trabalhadores da empreiteira
ARG, terceirizada contratada pela LLX e responsável pelas obras no porto do
Açu. Quase 1000 operários ficaram em greve por 3 dias, reivindicando aumento
de salários e alguns direitos trabalhistas como o adicional de periculosidade. A
estratégia de terceirização que tem se generalizado nestas grandes obras implica
a precarização das condições de trabalho, bem como a desresponsabilização
das grandes empresas pelos problemas trabalhistas, revelando-se como mais
uma prática perversa do capitalismo contemporâneo. Em fevereiro de 2012,
mais uma vez os trabalhadores das empresas terceirizadas entraram em greve
reivindicando melhores salários e condições de trabalho.
Todos os riscos e conflitos apontados acima se relacionam e se influen-
ciam mutuamente, numa cadeia de impactos que pode atingir comunidades em
pelo menos 32 municípios no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Diante deste cenário, os movimentos sociais vêm articulando uma reação
a este megaprojeto e seus impactos. Reuniões têm sido feitas para denunciar
a falta de informações e transparência e exigindo que a busca de alternativas à
desapropriação dos agricultores do 5º Distrito de São João da Barra e ao trajeto
da BR-101, de forma a preservar a integridade do assentamento Zumbi dos
Palmares.
Em setembro de 2011 realizou-se na Assembléia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro uma audiência pública convocada pela Comissão de Direitos
Humanos para debater as violações de direitos decorrentes da implantação do
CIPA. Nesta audiência o secretário de Desenvolvimento, Indústria e Comércio
reconheceu as irregularidades, mas afirmou que, diante do caráter estratégico
do empreendimento, as desapropriações e obras continuariam.
Como desdobramento da Audiência Pública, o Ministério Público Esta-
dual iniciou um procedimento de investigação que até abril de 2012 ainda não
resultou em medidas concretas, embora tenham sido produzidos dois relatórios
com críticas ao processo de licenciamento ambiental.
Em fevereiro de 2012, a ASPRIM, junto com a CPT, o Instituto Visão

51
GT de Assuntos Agrários - AGB Niterói Impactos socioambientais dos grandes projetos...

Social e o Instituto Justiça Ambiental, moveu uma Ação Civil Pública contra o
Grupo X, o INEA, o IBAMA e a CODIN, denunciando as “inconformidades
legais relativas ao licenciamento ambiental do empreendimento denominado
terminal portuário - Distrito Industrial do Açu” (Ação Civil Pública, São João
da Barra, 2012).
Em março do mesmo ano, a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ
esteve em São João da Barra recolhendo depoimentos de moradores da região,
o que resultou num Relatório que critica as arbitrariedades cometidas durante
o processo de desapropriação.
Além disso, ao longo do último ano foram produzidos vídeos, realizados
seminários e reportagens denunciando as injustiças sociais e ambientais come-
tidas em nome do desenvolvimento na região.
Por ora, a maior parte da população da região parece não olhar critica-
mente o projeto, com expectativas de melhoras na qualidade de vida, diante
das maciças propagandas vinculadas pela grande mídia e pelos governos mu-
nicipais, estadual e federal, porém, como vimos acima, os grandes projetos de
desenvolvimento raramente trazem benefícios para a maioria da população.
É preciso que se diga à custa de que se promove esse desenvolvimento.
Aonde vão se instalar os novos moradores destas cidades que prevêem um
crescimento de 5 a 10 vezes a população atual? E ainda, de onde se espera que
venham os alimentos para as populações urbanas, já que a ofensiva contra a
pequena agricultura e os sem-terra continua? Do agronegócio? Dificilmente,
uma vez que este se concentra tradicionalmente e cada vez mais nas culturas
voltadas para a exportação e agora também para os agrocombustíveis.
Enfim, a criação do CIPA está produzindo em Campos e São João da
Barra incertezas, ameaças, indignação em função do atropelo dos direitos so-
ciais, ambientais e fundiários destas famílias, diante da prioridade dada pelas
autoridades do estado do Rio de Janeiro aos interesses do grande capital em
detrimento das condições de vida da população fluminense.
Afinal, como nos diz Fontes em sua análise sobre o capital-imperialismo
no Brasil,

...as expropriações são a contraface necessária da concentração exacerbada


de capitais e (...) a forma mais selvagem da expansão do capitalismo. (...)
Essa é a marca original do capital – seu desenvolvimento propulsa a
socialização da existência em escala sempre ampliada, mas somente pode
ocorrer impondo processos dolorosos de retrocesso social. (Fontes,
2010, p. 93)

52
Terra Livre - n.38 (1): 19-53, 2012

BIBLIOGRAFIA

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VAINER, Carlos Bernardo. Planejamento territorial e projeto nacional: os desafios da
fragmentação. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais – v.9, n.1, 2007.

53
Artigos
Formación ciudadana en Iberoamérica: la
apuesta desde las ciencias de la educación,
las ciencias políticas y el enfoque crítico
de la geografía1

Formação cidadã nA Iberoamérica: aposta


desde as ciências da educação, as ciências
políticas e o enfoque crítico da geografia

Citizenship education in Latin America:


the bet from the educational sciences,
political science and geography critical
approach

Alberto León Gutiérrez Tamayo


Profesor de la Universidad de Antioquia, Facultad de Ciencias Sociales y
Humanas, Departamento de Trabajo Social y Coordinador del grupo de
investigación Medio Ambiente y Sociedad MASO-UDEA.

Resumen: La reflexión surge del interés por el tema del ciudadano y la formación ciudadana
en Iberoamérica, concretándose en la tesis doctoral: Formación ciudadana en perspectiva de los estudios
del territorio como estrategia pedagógica, cuyo propósito fue fundamentar la formación ciudadana
desde el potencial pedagógico de los estudios del territorio. Teóricamente se ocupa de la
constitución del ciudadano territorial como base de la ciudadanía orientada al fortalecimiento de
la democracia; operativamente se centra en el potencial pedagógico y el reto didáctico de los
estudios del territorio para las ciencias sociales, políticas y humanas. Al efecto, se acepta que
en la actualidad, en Iberoamérica, no se cuenta con el ciudadano requerido para afianzar la
democracia; que como éste no nace, es necesario contribuir a formarlo en contexto, de manera
consciente e intencionada para que, ligado al territorio que habita, construye y semantiza, pueda
desplegar junto a otros, una ciudadanía renovada, más activa y crítica, orientada al respeto por la

1  Las reflexiones planteadas surgen de la investigación de tesis doctoral en educación, línea formación
ciudadana de la Universidad de Antioquia, titulada: Formación ciudadana en perspectiva de los estudios
del territorio como potencial pedagógico. La experiencia PUI-NOR en Medellín-Colombia, realizada en
2009-2011, con el apoyo de los grupos de investigación Didáctica de la Educación Superior-DIDES y
Medio Ambiente y Sociedad-MASO.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 28, V.1, n.38 p.57-78 Jan-Jun 2012

57
tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

diferencia, al reconocimiento de la pluralidad, a la construcción de convivencia y, a la democracia.


La finalidad es contribuir al debate democrático haciendo visibles las posibilidades pedagógicas
y didácticas que otorga la formación ciudadana en perspectiva de los estudios del territorio,
soportados en los enfoques de las ciencias de la educación, las ciencias políticas y la geografía
crítica. La relación teórico-práctica formación ciudadana y estudios del territorio, es el aporte para
dinamizar la enseñanza de las ciencias sociales, políticas y humanas, con énfasis en la geografía.
Palabras clave: Ciudadano, democracia, territorio, formación, formación ciudadana,
ciudadano territorial.

Resumo: A questão emerge do interesse pelo tema do cidadão e a formação cidadania no


Iberoamérica, concretando-se na tese doutoral: Formação cidadã na perspectiva dos estudos
do território como estratégia pedagógica, que teve como propósito fundamentar a formação
cidadã desde o potencial pedagógico dos estudos do território. Teoricamente ocupa-se da
constituição do cidadão territorial como base da cidadania orientada ao fortalecimento da
democracia; operativamente centra-se no potencial pedagógico e o reto didático dos estudos
do território para as ciências sociais, políticas e humanas. Por isto, se aceita que na atualidade,
no Iberoamérica, não se tem o cidadão necessário para afiançar a democracia; que como o
cidadão não nasce, se precisa contribuir a sua formação, em contexto, de maneira consciente e
intencionada para que, ligado ao território que habita, construiu e conferi sentido, possa fazer
junto a outros, uma cidadania renovada, má ativa e crítica, orientada ao respeito pela diferencia,
ao reconhecimento da pluralidade, a construção de convivência e, a democracia. A finalidade é
contribuir ao debate democrático fazendo nítidas as possibilidades pedagógicas e didáticas que
conferi a formação cidadã na perspectiva dos estudos do território, suportados nos enfoques
das ciências da educação, nas ciências políticas e a geografia crítica. A relação teoria e prática,
na formação cidadã e os estudos do território, é o aporte para dinamizar o ensino das ciências
sociais, políticas e humanas, com ênfases na geografa.
Palavras chave: cidadão, democracia, território, formação, formação cidadã, cidadão territorial.

Resume: The reflection arises from interest in the topic of citizenship and citizenship
education in Latin America. This reflection took shape in the doctoral thesis: formation of
citizen perspective studies of the territory as a pedagogical strategy. Witch was designed to
support the civic education from the educational potential of the territory studies. Theoretically
it deals with the constitution of the territorial citizen as basis of citizenship aimed to strength
democracy. Operationally it focused on the educational potential and the didactic challenge
of the territory studies for social, political and human sciences. In fact, it is accepted that at
present, in Latin America, there isn´t the required citizens to strengthen democracy, He/she
is not Born like this, you need help to form it into context, consciously and intentionally so,
rooted in the land dwelling, built and semanticezes, can deploy alongside other, a renewed

58
Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

citizenship, more active, critical, respect for difference and the recognition of plurality oriented, to
building coexistence and democracy. The purpose is to contribute to democratic debate, making
visible the pedagogical and didactic options granted by citizenship education in studies perspective
planning, supported in approaches to education and political sciences and critical geography. The
theory-practice relationship, citizenship training and studies of the territory. Is the contribution to
boost the teaching of social sciences, political and human. With emphasis on geography.
Keywords: City, democracy, land, education, citizenship education, territorial citizen.

Presentación

A manera de preámbulo se asume que la formación es un proceso, ligado


a la pedagogía en tanto ciencia fundante de las ciencias de la educación y, a la
vez, conectado a la concepción de educación como proceso social, más que
como encargo o hecho social. Como tal, es intencionado, se basa en la instruc-
ción, la educación y el desarrollo, en contexto, y posee una finalidad predeter-
minada tal y como se prevé desde la teoría de los procesos conscientes (Álvarez
de Zayas, 1998). Ello implica que, además de definirse conscientemente en
qué formar y la manera de hacerlo para adquirir conocimientos haciéndolos
propios e incorporarlos y, habilidades que permitan practicarlos, también se
devela su finalidad. En particular, formar ciudadanos capaces de tejer el sue-
ño democrático latinoamericano demanda del sistema educativo, es decir, de
la escuela, por finalidad y encargo social, proponérselo e intencionarlo como
imagen objetivo, a manera de proceso consciente, con la finalidad de construir
y fortalecer este proyecto político.
La argumentación se detiene luego en la interrelación democracia,
ciudadano y ciudadanía apoyándose en las contribuciones de las ciencias
políticas para gestar, como resultado novedoso, la noción sobre ciudadano
territorial, fruto de los procesos de formación ciudadana referidos. La
democracia como sistema político y posibilidad para alcanzar mejores niveles
de vida y de bienestar general, requiere de ciudadanos capaces de vivir su
ciudadanía; más allá de ciudadanos cívicos, republicanos, comunitaristas o
mestizos, cumplidores de sus deberes y en ejercicio de sus derechos, se precisa
de ciudadanos democráticos, sociales, políticos y participativos, de manera
activa y crítica, dispuestos a subvertir el orden, con capacidad para transformar
la realidad cotidiana y arraigados fluidamente al territorio donde viven y luchan
por materializar sus sueños. Estos ciudadanos territoriales no nacen; se hacen,
se forman; la intencionalidad y finalidad centrales de la formación expuesta,
la del ciudadano territorial, estará orientada al ejercicio de su ciudadanía

59
tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

territorializada para construir y fortalecer la democracia.


Para lograrlo y fortalecerlo teórica y metodológicamente se acude a la no-
ción de territorio como construcción sociocultural e histórica, apoyados en los
aportes de la geografía crítica. Como tal, en particular, este territorio se concibe
como resultado de la interacción dinámica, holística y compleja entre materiali-
dad: su sustrato geofísico en permanente transformación; dinamización socio-
cultural gestada a partir de los usos y apropiaciones que la población realizada
de la materialidad; nuevas simbologías, representaciones e imaginarios con los
que la población semantiza la materialidad y la dinamización sociocultural; y,
las prácticas sociales que caracterizan los escenarios donde acontece el proceso
de constitución del territorio y que protagonizan, al tiempo, la institucionalidad
pública y privada, las subjetividades sociales y los conocimientos prácticos, a
manera de saber empírico que ambas han acumulado en el tiempo y que, por
la vía de la réplica, asumen como válido. Al asumir este territorio como obje-
to de estudio, adquiere la connotación de ser susceptible de enseñarse y, por
tanto, de convertirse en contenido, medio y método de enseñanza, provocador
de ambientes favorecedores del aprendizaje. Como tal, en medio del proceso
de constitución del territorio, provenientes de las transformaciones sobre su
materialidad, de las dinámicas socioculturales, las semantizaciones y las prác-
ticas sociales inherentes, emergen potencialidades pedagógicas para incentivar,
a manera de estímulos externos y de motivaciones internas, al sujeto, para que
pueda aspirar a constituirse en ciudadano territorial, vía procesos de formación
ciudadana en perspectiva territorial, dispuestos a contribuir al posicionamiento
y la vigorización del proyecto político democrático en Iberoamérica. Como
consecuencia de la argumentación desatada surgen las potencialidades pedagó-
gicas para la formación ciudadana en perspectiva de los estudios del territorio,
ubicadas en el enfoque de la teoría de los procesos conscientes y, a la vez, el reto
didáctico que ello implica, aplicables ambas a los procesos de formación en
ciencias sociales y humanas, complementados por las ciencias de la educación,
las ciencias políticas y el enfoque crítico de la geografía.
Las potencialidades pedagógicas y retos didácticos que ofrecen a la
enseñanza de las ciencias políticas, sociales y humanas los procesos de formación
ciudadana en perspectiva de los estudios del territorio, fundamentada en la
triangulación de los aportes teóricos provenientes de las ciencias de la educación,
las ciencias políticas y la geografía crítica, emergen de los debates teórico-
metodológicos generados en el seno de la red latinoamericana de didáctica de la
geografía, REDLADGEO; de las apuestas pedagógicas y didácticas gestadas en
lo referido a la enseñanza de las ciencias políticas, sociales y humanas al interior

60
Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

de los pregrados y posgrados que se ofrecen en la Universidad de Antioquia-


Colombia, UDEA; y, entre otras cosas, de los resultados de investigación
formativa y científica sobre las temáticas relativas a la formación ciudadana,
los estudios del territorio y sus nexos, lideradas en Colombia por los grupos de
investigación Medio Ambiente y Sociedad-MASO, Intervención Social-GIIS y
Didáctica de la Educación Superior-DIDES de la UDEA.

Formación ciudadana: la apuesta desde la


teoría de los procesos conscientes

Asumiendo el paradigma de las ciencias de la educación como enfoque


teórico orientador es posible considerar la educación como hecho, encargo y
proceso social. Como hecho social, fundamentado en la sociología de la edu-
cación, teniendo la escuela como su escenario por excelencia; como encargo
social desde la filosofía de la educación; y, como proceso social, desde la pe-
dagogía como ciencia fundamente de las ciencias de la educación. Es en la pe-
dagogía donde se sitúa la formación como proceso consciente, intencionado y
contextualizado para instruir -brindar conocimientos-, educar –incorporar acti-
tudes- y, desarrollar –otorgar habilidades prácticas- que permitan, en conjunto,
a partir del conocimiento, alcanzar la categoría del ser, para hacer y transformar
(Álvarez de Zayas, 1998); esta formación se encuentra en interacción con el
proceso de enseñanza-aprendizaje, propios de la didáctica y de la pedagogía.
En tanto tendencia pedagógica, los procesos conscientes surgen de los
modelos desarrollistas sociales que mediante su estructuración como sistema
abierto de relaciones dialécticas de las dinámicas instructivas, educativas y desa-
rrolladoras, esboza un paradigma donde los sujetos no son ajenos a su proceso
de enseñanza-aprendizaje, a su proceso educativo, ni a su proceso formativo
y, por ello precisamente, pueden y deben participar activa, crítica, plena y li-
bremente en el desarrollo económico, político, social, tecnológico, ambiental
y cultural de las nuevas sociedades del conocimiento (Álvarez de Zayas, 1998).
En los procesos conscientes afincados en la teoría mencionada, con-
fluyen dimensiones instructivas, educativas y desarrolladoras que interpretan
dialécticamente los modelos pedagógicos tradicionales y convencionales, otor-
gándole valor a los aciertos que les son propios y, al a vez, formulando nuevos
componentes para involucrar la escuela con la vida mediante la educación ba-
sada en problemas, la cual relaciona el proceso docente con la investigación,
atendiendo las demandas propias de la actual sociedad del conocimiento. Así,
la formación, en este caso, estará orientada por la pedagogía, con fundamento

61
tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

en bases teóricas que deben ser explícitas desde el orden filosófico, sociológico
y psicopedagógico para que, de conjunto, dirijan la enseñanza y el aprendizaje
(Díaz y Quiroz, 2005).
Así las cosas, formar en un determinado campo del conocimiento es,
consecuentemente, un proceso consciente e intencionado en tanto no solo de-
fine en qué hacerlo y cómo llevarlo a cabo sino, fundamentalmente, para qué se
hace, su finalidad e intencionalidad. Formación ciudadana, entonces, entendida
ante todo como proceso, en virtud a su nexo con la pedagogía como funda-
mento de las ciencias sociales, vinculada al carácter de proceso social de la edu-
cación, en relación directa con la sociología y la filosofía de la educación, con
la psicopedagogía y la didáctica; a la vez, como proceso educativo que acontece
no sólo, pero si preeminentemente, en el sistema educativo y se concreta en
la escuela; y, muy en particular, dirigida a los niveles básicos de la educación,
orientada por la teoría de los procesos conscientes, para ampliar las posibilida-
des del conocimiento, aspirar a adquirir y ser un auténtico ciudadano territorial,
en capacidad y dispuesto a actuar en escenarios democráticos, con el propósito
de contribuir a gestar cambios y a transformar positivamente la realidad.
Esta formación habrá de considerar al ser humano, hombre o mujer,
como individuo y, potencialmente, como ciudadano, más allá del estatus legal
y mejor aún, en perspectiva actitudinal, política y critica; no al ciudadano sim-
plemente como perteneciente a la sociedad glo-cal, dado que no todos los seres
humanos alcanzan la categoría de ciudadano (Santos, 1998). Tendrá que ir más
allá del aprendizaje del cómo y el para qué de la ciudadanía, adentrándose en la
enseñanza y más aún, en el proceso de enseñanza-aprendizaje e identificando
además el qué de la formación del ciudadano, de la ciudadanía y de la demo-
cracia, en contexto. No podrá solamente aspirar a generar ciudadanos cívicos,
buenos y responsables, fieles al sistema político imperante y a la política pública
educativa reguladora del sistema educativo vigente.
Será en cambio su tarea, complementar este carácter republicano del ciu-
dadano, la ciudadanía y la democracia, haciéndolo además democrático, parti-
cipativo, social, activo y, ante todo, político y crítico frente al establecimiento y
las políticas públicas en que se sustenta, particularmente las alusivas al sistema
educativo. Deberá concebirse en la escuela, por finalidad y encargo social, de
manera prioritaria, pero no exclusiva. Tendrá que educar en y sobre la ciuda-
danía, el estatus de ciudadano, el proyecto político democrático, la sensibilidad
crítica frente al proyecto político imperante y, a las políticas públicas educativas
que guían el sistema educativo (Pulgarín, 2008).
Los procesos de formación del ciudadano territorial, por lo general,

62
Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

tienen en cuenta que todos los escenarios de socialización del individuo, es


decir, aquellos en donde entra en contacto, se une, actué e interactúa con otros,
pueden ser considerados espacios de formación: la familia, el barrio, la iglesia,
la escuela, los medios masivos de comunicación social, la sociedad en general.
Cada uno de ellos, a su manera, es un lugar para la formación ciudadana; sin
embargo, el de mayor incidencia, conforme al proyecto político vigente y en
procura de preservar y fortalecer la cultura asumida como conjunto de valores,
prácticas, hitos, mitos, costumbres y creencias es, sin duda, la escuela, el sistema
educativo imperante.
Históricamente y desde la literatura generada al respecto, se atribuye a
la escuela responder por la función en donde se habrá de formar los ciudada-
nos territoriales para el ejercicio de la ciudadanía territorializada en procura
de construir y fortalecer el proyecto político democrático; en donde se ha de
impartir la formación requerida. Una escuela consciente de que la persona es,
en esencia, lo que la educación haga de ella; sabedora de que no se es, por na-
turaleza, lo que se debe ser sino que, mediante la formación, en el curso del
devenir histórico, la persona asume la tarea de irse construyendo de manera
interminable, procurando poder llegar a ser lo que en el trayecto, en el camino
de la vida, va siendo: un ciudadano territorial, en este caso, dispuesto a ejercer
la ciudadanía territorializada para construir y fortalecer la democracia.
Una escuela que asuma que es en los primeros años de la vida donde
podrá formarse al ciudadano en lo esencial, en aquello sobre lo cual en la edad
adulta podrá pedírsele cuenta, aquello que se espera aplique en su acción, en su
práctica individual y colectiva, en procura de transformar su realidad territorial
en contexto, ubicada en el tiempo y en el espacio para reconocer características
propias de la época histórica, identificar concepciones ideológicas en las que
subyacen y, al menos, dibujar el escenario social, económico, político, cultural,
ambiental, tecnológico y espacial que le enmarca.

Los aportes de las ciencias políticas en los


procesos de formación ciudadana

La tensión global-local que tiene como su principal efecto la globalización


-proceso histórico que penetra y reformula todos los ámbitos de la sociedad
incitando otras maneras de intervenir e investigar la realidad- está presente.
El lugar ofrece al movimiento del mundo la posibilidad de su realización más
eficaz; lo cual implica que el mundo, para hacerse espacio, depende de las
potencialidades del lugar. En un momento determinado, se escogen lugares y

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tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

se rechaza otros y, en ese movimiento, se modifica el conjunto de los lugares,


el espacio como un todo. Se devela así la relación de interdependencia entre
global y local, escenario de la formación ciudadana. Gran parte de las tendencias
derivadas de esta condición glo-cal contemporánea (Sánchez, 2005) advierten
sobre las nuevas exigencias, posibilidades y desafíos que el contexto le plantea a
la formación ciudadana, en particular, aportándole pautas para lograr una visión
más comprehensiva de las dinámicas que acontecen en la actualidad y motivando
la búsqueda de alternativas de acción plausibles que permitan la transformación
progresiva de la sociedad. Afrontar esta realidad en la perspectiva de alcanzar
mejor calidad de vida y mayores niveles de bienestar general demanda hoy,
como opción posible, de la consolidación, ampliación y profundización de la
democracia; del respeto por lo público; de formar y ejercer la ciudadanía; y,
como mínimo, de gestar ciudadanos en el amplio sentido de la palabra.
Ser ciudadano y ejercer la ciudadanía en un Estado democrático, en el
escenario contextual recreado, requiere ser partícipe de los asuntos y escena-
rios de la democracia; aprender, incorporar y fortalecer valores democráticos;
adoptar, practicar e innovar modos de vida, costumbres, maneras de ser y mitos
típicos de los regímenes democráticos; conocer, comprender y asumir posicio-
nes críticas frente al establecimiento vigente; velar por el cumplimiento de la
función pública asignada a la estructura gubernamental del Estado y comple-
mentarla, sin competir con ella, mediante el adecuado ejercicio de la respon-
sabilidad social. No basta con ser ciudadano clásico; se requiere promover,
innovar, preservar y transmitir una auténtica cultura democrática soportada en
ciudadanos territoriales dispuestos al ejercicio de la ciudadanía territorializada:
un ciudadano, una ciudadanía, una democracia útil para la vida, para incremen-
tar la calidad de vida y los niveles de bienestar general.
Iberoamérica en la actualidad, está marcada por un hecho incuestiona-
ble: la democracia, en tanto proyecto político, ha emergido como “alternativa
posible” (Gallardo, 2007, p. 11) para alcanzar el bienestar colectivo y mejorar
la calidad de vida. Como tal, precisa de ciudadanos dispuestos a construirla
mediante el ejercicio de su ciudadanía; una ciudadanía renovada, más allá de la
clásica (republicana, liberal o comunitarista), acorde a la realidad socio-histórica
y política del territorio (Santos, 1998). Sólo si existen de un lado, ciudadanos y,
del otro, ciudadanías actuando permanentemente, a manera de prácticas indivi-
duales, sociales y colectivas, la democracia será posible. Por ello el sujeto de la
democracia es el ciudadano participante, aquél que además de ser humano – de
derechos y deberes- alcanza la categoría de ciudadano, ejerce su ciudadanía y,
en la interacción con otros ciudadanos, contribuye a construir democracia. La

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Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

principal obligación del ciudadano es participar en la construcción del Estado,


en el fortalecimiento de la sociedad civil y en el ejercicio activo de la ciudadanía
para edificar y mantener el anhelo democrático (Magendzo, 2004). Este ciuda-
dano, en el contexto latinoamericano, plenamente, no existe y, además, como no
nace, entonces se hace en la interacción con otros, propiciada por los diversos
espacios de socialización: la familia, el barrio, la iglesia, la escuela, la sociedad,
los medios masivos de comunicación social, tutelados por el proyecto político
vigente en el territorio que habita y al cual se debe la política pública educativa
orientadora del sistema educativo. El déficit de ciudadanos en Iberoamérica es
tan evidente e incuestionable como el propio de las ciudadanías democráticas;
por tanto, el resultado es obvio: no sólo experiencias democráticas deficitarias,
sino con rasgos de fragilidades profundas.
La literatura sobre el tema, especialmente la que proviene de las cien-
cias políticas, deja ver la concurrencia de diversas concepciones clásicas sobre
el ciudadano: republicano, liberal, comunitario; otra, emergente en Colombia:
mestizo (Uribe, 1998); una más integral, contemporánea y adecuada al reto de
construir la democracia real: el ciudadano territorial (Gutiérrez, 2010). Esta
última alude al ciudadano que se forma; al ciudadano que no nace sino que
se hace. Por el hecho de nacer en un determinado contexto, particularmente
el democrático, los individuos tienen derechos inalienables los cuales les de-
ben ser provistos. Nacer y vivir en un momento y lugar determinado, implica
asumir una herencia moral portadora de prerrogativas como, por ejemplo, el
derecho a una vivienda que le proteja de la lluvia, del calor y del frío; derecho a
la alimentación; derecho a la educación; derecho a la salud; derecho al trabajo, a
la justicia y a la libertad; es decir, derecho a una vida, a una existencia digna, en
marcos preestablecidos; y, deberes como respetar y acatar la ley, pagar los im-
puestos, contribuir al orden establecido. Ello no hace al individuo ciudadano; le
hace titular de derechos y deberes, parte de una sociedad humana que, si se trata
de una sociedad democrática, le debe asegurar su libertad de ser, hacer y pen-
sar; al tiempo, le demanda y requiere el cumplimiento de los deberes que le son
propios (Santos, 1998). Por tanto, se existe como individuo, como ser humano,
como persona; ser ciudadano es una categoría que no viene dada, que se puede
alcanzar; se conquista mediante la lucha cotidiana; este ciudadano, se forma.
Es evidente que aspirar a contribuir en la construcción del proyecto
político democrático como sueño o ideal anhelado requiere no sólo aspirar
a alcanzar simplemente la categoría de ciudadano clásico; es indispensable
anhelar otro tipo de ciudadano, acorde a la realidad contextual y territorial
donde deberá poner en práctica su ciudadanía. La puesta, en este caso, es por

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tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

el ciudadano territorial: democrático, participativo, social y político, de manera


activa y crítica; dispuesto a ejercer una ciudadanía renovada –además de legal,
actitudinal, política y crítica-; capaz de convivir en medio y a propósito de las
diferencias, la diversidad y pluralidad propias de los humanos y del conflicto
que ello implica, de manera connatural, al interrelacionarse; motivado para
la convivencia en función de las relaciones interpersonales, el respeto por la
diferencia, los liderazgos, la estima y la autoestima, el clima y la cultura societal;
y, ante todo, motivado para contribuir a la construcción del proyecto político
democrático como ideal posible.
Se asume democrático, dado que la fortaleza y la estabilidad de la demo-
cracia (Kymlicka y Wayne, 1997) depende, en parte, de cualidades y actitudes de
sus ciudadanos: sentimiento de identidad, capacidad de tolerar y trabajar con
otros y diferentes y deseo de participar en los asuntos de su interés.
Participativo, porque está unido a lo que acontece, de tal forma que sus
logros “constituyen una diferencia para él –y ellos-. Su fortuna está más o me-
nos puesta en juego en las consecuencias de los sucesos. Por tanto hace todo lo
que puede para influir en la dirección que tomen los acontecimientos presen-
tes” (Dewey, 1971, p. 112); y es el llamado a superar la “ciudadanía-como-con-
dición-legal, es decir, la plena pertenencia a una comunidad política particular,
y la ciudadanía-como-actividad-deseable”, según la cual “la extensión y calidad
de mi propia ciudadanía depende de mi participación en aquella comunidad”
(Kymlicka y Wayne, 1997, p. 6).
Social, referido a los derechos sociales y al conflicto desatado por la mu-
tua influencia entre ciudadanía y clase social (Marshall y Bottomore, 1998),
en tanto la calidad de vida social se constituye en condición favorable para el
ejercicio de la ciudadanía y, al tiempo, en su principal y más relevante objetivo
dado que, de un lado, la “fortaleza del vínculo social contribuye a una mayor
participación ciudadana” y, del otro, existen experiencias documentadas para
“suponer que “ser ciudadano” no se refiere tan solo a la política institucional,
sino progresivamente a la vida social” (Lechner, 2000, p. 25).
Político, vinculado a los derechos políticos y al deber ser democrático, a la
norma, a la legalidad, a los deberes y derechos, a la libertad, la igualdad (Marshall
y Bottomore, 1998), a la justicia (Rawls, 1979; Habermas, 1987), al pluralismo, a
la posesión de una cultura política homogénea, heterogénea o fragmentada, de
acuerdo con el grado en que se comparten los sistemas de creencias y valores
que le fundamentan; en todo caso, por “encima de la ideología” (Sartori, 2003, p.
91). Activos, porque le interesa menos la política institucional que el desarrollo
de la sociedad motivado por la convivencia social, es decir, es más atento a la

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Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

vida social que al sistema político, sin que ello signifique una despolitización sino
una “ciudadanización de la política” en tanto los ciudadanos activos “participan
activamente en los asuntos de la comunidad (…) se sienten responsables por el
rumbo que tome el país” (Lechner, 2000, p. 31).
Y, críticos, en tanto posee la capacidad crítica propia de la reflexividad aso-
ciada a la praxis (Magendzo, 1996; Freire, 2005) que le hace ser consciente del fin
de la existencia: “conquistarse, hacerse más uno mismo, y conquistar el mundo,
hacerlo más humano” (Freire, 2005). En suma, que promueve y orienta el ejerci-
cio de una ciudadanía renovada, en procura de ser democrático y más humano.
Este ciudadano territorial también posee perfiles cívicos; es alternativo,
más contemporáneo y enmarcado por el contexto; activo, social, crítico, polí-
tico y democrático; capaz de ejercer la ciudadanía requerida para construir de-
mocracia. Resulta de la combinación entre estatus y actividad dado que, como
conocedor y poseedor de instrumentos para la acción, está dispuesto para la
transformación de la realidad ejercitando la ciudadanía. No es sólo un esta-
tus, una condición básica, normativa y jurídica; es, a la vez, una actividad que
subvierte el orden injusto e inequitativo establecido, una manera de vivir en
medio de la diferencia, una forma de actuar individual y colectivamente en
marcos éticos (Magendzo, 2004). Por ello, es este ciudadano quien semantiza el
territorio, quien se arraiga fluida y libremente al lugar, dotándolo de sentidos,
encontrando motivación y estímulo para el ejercicio de la ciudadanía, dirigida
a la construcción del proyecto democrático. Como tal, en ejercicio de su ciu-
dadanía, este ciudadano está dispuesto a contribuir en la construcción del ideal
democrático en donde existe, se palpa y ubica en un lugar, en un territorio, en
un espacio geográfico delimitado, en una temporalidad dada.
El valor del individuo que nace depende del lugar que habita. Por ello,
el acceso a los bienes y servicios esenciales para una vida digna, tanto públi-
cos como privados, dependerá de esta ubicación territorial, la cual, las más
de las veces, implica desigualdades y exclusiones territoriales para obtener lo
esencial que la vida demanda (Santos, 1998). Es allí en donde puede o no ser
efectivamente ciudadano; en donde se concreta la práctica de su ciudadanía; en
donde es posible la construcción democrática anhelada; en donde podrá o no
contribuir, individual y colectivamente a mejorar los niveles de bienestar gene-
ral siendo, como un todo, producto del territorio, desde el territorio y para el
territorio. Además, requiere del lugar, del espacio geográfico semantizado para
actuar como tal; el ejercicio de su ciudadanía también tendrá clara referencia
territorial; consecuentemente, igual acontecerá con la democracia.
Resulta lógico a esta altura de la reflexión, enfatizar en que debe ser un

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tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

requisito colateral a lo expuesto, comprender la ciudadanía que ha de ejercer el


ciudadano territorial, en particular la territorializada, para superar la separación
legal y actitudinal entre ciudadano y no ciudadano, proponiendo una concep-
ción de ciudadanía que los integre y les permite dialogar; lo exige también la
necesidad de concebir el Estado de manera integral; y, así mismo, la urgencia de
entender la ciudadanía en contexto, como producto de la experiencia, la forma-
ción y la interacción entre individuos y grupos de diversa índole, presentes en la
sociedad, en temporalidades y lugares determinados, a fin de alentar el propó-
sito de continuar construyendo y haciendo posible un mundo más equitativo y
justo. Es posible asumir la ciudadanía territorializada en función de la identidad,
las pertenencias, los derechos y deberes y, la participación, conjunto propio de
la ciudadanía emergente y contextualizada que se aprende y es requerida por
el ciudadano territorial: una ciudadanía para la vida. Complementariamente,
puede entenderse como categoría legal, política, crítico-social y actitudinal al-
canzable (Magendzo, 2004). Legal, conforme lo establecen las normas vigentes;
política, en cuanto se otorga y ejerce particularmente en este ámbito; crítico-so-
cial, en cuanto abarca la posibilidad de la transformación, más allá de derechos
y deberes; actitudinal, en cuanto es un valor que se incorpora a la conciencia y
a la voluntad para ejercerse, reclamarse y dinamizarse.
Se trata de ciudadanías que posibilitan la incorporación de valores, la nor-
ma y la política en individuos y colectivos; que asumen y analizan los cambios
sociales, políticos, tecnológicos, culturales, económicos, ambientales y espacia-
les que acontecen; y, exigen replantear la ubicación en el mundo y la formación
de quienes quieran participar en la vida democrática; que entienden la globa-
lización y sus implicaciones en relación con el nuevo concepto de ciudadanía:
la ciudadanía de un mundo que se puede ver a través de las imágenes de los
satélites, de la velocidad y del desplazamiento; que ya no puede ser solamente la
del Estado-nación y que ha de asemejarse a una ciudadanía fluida, no arraigada
e inmóvil; todo lo contrario: activa, dinámica, social, crítica y democrática, de
base territorial, sin ataduras. Como tales, estas ciudadanías se aprenden; mien-
tras que a los ciudadanos, se les incentiva a formarse para que las ejerza. Como
estado del espíritu, hacen parte de la cultura. Por ello ni las ciudadanías, ni las
categorías de ciudadanos comentadas, son dádivas; al contrario, se constituyen
en conquistas cotidianas, en luchas constantes por mantenerse, vigorizarse y
extenderse (Santos, 1998).
La ciudadanía como algo más que la conquista individual es una categoría
política que se adquiere en la convivencia con otros, en sociedad. Tiene cuerpo
propio y límites establecidos por las reglas de juego de la sociedad, los escenarios

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jurídicos y políticos vigentes; de ahí su carácter cambiante, transformador,


dinámico, conforme a los contextos en donde se analice; está asociada al
respeto del individuo y a sus deberes como ley de la sociedad y mandato
establecido e instituido, sin distinciones, que cobije y proteja a todos por igual
dado que, para ser mantenida por las generaciones futuras, preservarse, tener
efectividad real y ser fuente de auténticos derechos, debe ser una ley escrita,
pública, de conocimiento generalizado, para que asegure lo pactado y permita,
al vulnerarse, exigir su inmediato cumplimiento por las vías legales.

Formación ciudadana desde el enfoque


crítico de la geografía

El ciudadano ubicado en un lugar, genera con su accionar la ciudadanía


concreta, territorializada, no una ciudadanía abstracta. El espacio vivido con-
tiene desigualdades e injusticias que le hacen ser, en la práctica, un lugar sin
ciudadanos por la imposibilidad de acceder a los bienes y servicios necesarios;
son espacios regulados por el mercado y por el Estado para servir al modelo
económico (Santos, 1998). El territorio, entendido como espacio geográfico
usado, apropiado y construido, es decir, dotado de sentidos y producto de la
transformación histórica efectuada por los sujetos que lo habitan, puede fa-
vorecer o imposibilitar el ejercicio de la ciudadanía por parte de los ciudada-
nos territoriales. Dependiendo del tipo de territorio que se considere, de sus
potencialidades o de sus barreras, así serán los ciudadanos y el ejercicio de su
ciudadanía. Este territorio estará caracterizado por diversos aspectos: geográfi-
cos; políticos, administrativos o fiscales; socio espaciales y culturales; aspectos
ambientales, contextuales y tecnológicos. El ejercicio pleno de la ciudadanía
posibilitará la dinamización del territorio: su apropiación, planificación, orde-
namiento y transformación, o por el contrario su estancamiento. Las personas,
ejerciendo debida y oportunamente su ciudadanía, podrán, conforme sus inte-
reses, semantizar el territorio, innovarlo y hacerlo propio, dotando al espacio de
sentidos (Echeverría y Rincón, 2001). El ciudadano territorial formado debida
y adecuadamente, estará en capacidad y suficientemente motivado para ejercer
su ciudadanía territorializada y, con ello, aspirar a construir democracia: finali-
dad básica de su proceso formativo consciente e intencionado.
Para deducir la noción de territorio no basta con recrear sus nexos con
los términos asociados. Es necesario caracterizarlo mediante tres aspectos
relevantes: la materialidad, que le otorga, desde la noción de espacio, concreción
y soporte real a la producción sociocultural; la construcción sociocultural, que

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tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

dota la materialidad de sentidos; y, la semantización, producto de la relación


dialéctica entre materialidad y construcción sociocultural, que lo hacen
heterogéneo, simultáneo, conflictivo, flexible, móvil y cambiante, en el marco
de fuerzas internas y externas. El espacio provee de materialidad al territorio,
comportándose como continente de producciones socioculturales, donde se
representa la significación de las acciones humanas y se elaboran las diversas
formas de conocimiento de la realidad. Es el escenario de la semantización.
Se trata del componente físico para la construcción del universo cultural
de las colectividades, donde se desatan las acciones individuales sociales,
constituyéndose en marco de inscripción de la cultura y, por tanto, una de sus
formas de objetivación (Barbosa, 2002, pp. 132-139).
En este caso, el territorio es el soporte material de la ocupación huma-
na, con características de maleabilidad y ajustabilidad (Fals, 2000, p. 23). Es
una red física compleja, donde se construyen múltiples tramas, a partir de la
coexistencia simultánea de elementos internos y externos que se superponen,
yuxtaponen o confunden, ocasionando modificaciones en la estructuración de
la vida de la población, reflejada en su organización física, política, económica y
social. Estos elementos, por la manera como se configura el territorio, pueden
señalar posibilidades de integración y articulación sociocultural o peligros de
ruptura del vínculo social, ambos asuntos comprometidos, directamente, con la
planeación para el desarrollo del territorio. La materialidad del territorio difiere
del espacio semantizado, porque este la reúne junto a la vida que la anima. La
materialidad se caracteriza por la superposición de sistemas naturales y activi-
dades del hombre. De ahí que pueda vislumbrarse formada por un conjunto
indisoluble, solidario y contradictorio de sistemas de objetos —cada vez más
artificial— y de sistemas de acciones —igualmente artificiales—, no considera-
dos aisladamente, sino como el escenario particular en el que ocurre y acontece
la historia (Santos, 2000, p. 97). En tanto la materialidad se dinamiza y transfor-
ma de manera continua, el sistema de objetos condiciona la forma en que se da
el sistema de acciones. La materialidad puede asociarse al carácter del territorio
como base de la reproducción social, de la producción de gente o como espacio
vital (Echeverría y Rincón, 2000, p. 20).
El territorio como materialidad se desarrolla, siendo susceptible de
prefigurarse, en términos de imagen objetivo, mediante procesos de planeación
que convocan a actores que lo habitan, le dan vida, lo animan, movilizándolo,
creándolo y transformándolo. Además, le otorgan múltiples sentidos derivados
de las diversas maneras en que se construye socioculturalmente, en la
perspectiva de la interacción social, las formas particulares de esa interacción

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y las influencias contextuales sobre tales formas (García, 1976, p. 87). Además
de materialidad, se requiere, para generar y configurar el territorio, dotarla de
los sentidos propios - semantización - de quienes la habitan. Estos sentidos
se constituyen en una relación sociocultural que es marco de referencia
de las identidades, de las representaciones sociales que se visibilizan en las
prácticas sociales, catalogadas como acontecimientos que ponen en relación, a
hombres y mujeres, con las condiciones materiales en que viven. Como tales,
proponen también su articulación y establecen, de este modo, las reglas del
juego de la sociedad. Por ello, esos sentidos son una realidad social diversa,
conforme la multiplicidad de reglas que pueden implementar las heterogéneas
sociedades humanas. El territorio proporciona un parámetro de referencia
para la constitución de la identidad y la representación social, que se proyecta
simbólicamente en el universo cultural, significando ámbitos de autopercepción
y autodiferenciación, resultado del proceso dialéctico entre la capacidad que
tienen los diversos actores de reconocerse y de distinguirse de los otros, el cual
surge del deseo de apropiación del territorio y de la consciencia que adquieren
de su materialidad. Identidad y representación, así descritas, responden más
a procesos socioculturales y sociopolíticos que a la historia o al espacio
originario (Echeverría y Rincón, 2000, p. 30). En la constitución de identidades
y representaciones sociales, base de las prácticas sociales, resaltan, como sus
componentes, lo individual-subjetivo, con acento en el reconocimiento personal;
también un reconocimiento externo, que implica al otro que es diferente, y, por
último, la expresión de intereses sobre las cuales se construye sentido colectivo
(Sánchez, 2007, pp. 28-39).
El territorio se convierte en punto de referencia para el surgimiento de
la práctica social. En ello intervienen impactos que continuamente la reestruc-
turan desde lo económico, lo político y lo social. De ahí que la relación entre
práctica social y territorio no sea estática, rígida, ni inmutable. Las identifica-
ciones, como resultado de esta relación dialéctica, son transitorias, fugaces, se
forman y se disuelven, no están dadas, se construyen (Sousa, 1998, pp. 161-
188) socioculturalmente. Al respecto coincidimos con Ortiz (1998, p. 24-42) y
Martín-Barbero (2001, p. 17-29), quienes advierten acerca de dos significados
opuestos del término “identidad”, que inciden en la construcción sociocultural
del territorio y, por tanto, en su concepción. Hasta hace poco, identidad aludía
a raíces, raigambre, tiempo largo, memoria simbólicamente densa. En la actua-
lidad, implica redes, flujos, movilidades, instantaneidad, desanclaje, a manera
de raíces móviles o en movimiento, aquellas sin las cuales no se puede vivir
— sin embargo, muchas de ellas impiden caminar — (Ortiz, 1998, p. 23). Es

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tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

decir, los sujetos poseen referencias, pero no propiamente raíces que los fijan
físicamente al territorio. Ello posibilita que los esfuerzos de la construcción so-
ciocultural, en particular los asociados con los procesos productivos, culturales,
de organización ciudadana, política y religiosa, logren mayor éxito cuando las
interacciones visibles en las prácticas, se encuentren enraizadas territorialmente
(Zermeño, 1999, p. 184).
Aunque se perciban cambios en la manera como los sujetos dan significado
a sus territorios y constituyen identidades y representaciones que están a merced
de las circunstancias (Pécaut, 1999, pp. 8-35) —y, por tanto, son frágiles y trans-
territoriales (Martín-Barbero, 1998, p. 26)—, el territorio ofrece la posibilidad de
significar las acciones humanas, es decir, las prácticas sociales y, al tiempo, brinda
opciones para elaborar diversas formas de conocimiento de la realidad societal, la
vida que le habita y le dota de sentido, en medio del vaivén de las fuerzas econó-
micas, políticas y sociales que implican los procesos que conducen la construcción
sociocultural (Sousa, 1998, pp. 85-131). La época contemporánea sugiere que las
ópticas para el análisis territorial deben conjugar la diversidad, la variabilidad, la
inestabilidad y la múltiple coexistencia de órdenes, de tal modo que el surgimiento
de identidades, vinculaciones, lazos y las mismas formas de habitar los territorios,
estén atravesadas por movimientos y flujos que las relocalizan.
La semantización emana de la relación dialéctica entre materialidad y cons-
trucción sociocultural, aludiendo, por tanto, a los sentidos emergentes que dan
lugar al territorio, en contextos donde acontecen relaciones de poder (Lopes de
Souza, 2009, p. 78). Así, la consideración del territorio como objeto de apropia-
ción simbólica y real por parte de la colectividad, escenifica la posesión cultural
que los grupos humanos despliegan mediante acciones que lo delimitan, marcan
y significan (García, 1976, p. 29 y 77). Nos referimos a la semantización como
la transformación mediante la cual la materialidad del territorio modifica la ac-
tividad humana, haciendo que la organización social se estructure y cambie en
función de ella, adaptada al contexto territorial y, al tiempo, a aquella por medio
de la cual la colectividad realiza, en la materialidad, sucesivas transformaciones
histórico-culturales, representativas de las prácticas sociales acumuladas y de los
valores culturales agregados (Echeverría, 2001, p. 220). Ella se entiende mejor,
partiendo de que ocurre en la medida en que los individuos y los colectivos ima-
ginan, representan, sienten y conciben el territorio de cierta manera, y desde estas
imágenes y representaciones, con su práctica social, lo construyen. A la vez, el
territorio habitado marca estas maneras de imaginar, representar, sentir y percibir,
es decir, determina orientaciones y formas de las prácticas sociales.
Mientras la construcción sociocultural crea y modifica el territorio, este

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Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

deja huellas e incide en el individuo, en la colectividad que lo habita y en las


prácticas sociales que en él se desatan. En esta mutua incidencia, intervienen
fuerzas internas, provenientes de las prácticas de los actores que operan so-
bre el territorio, habitándolo y estableciendo rituales y costumbres, y fuerzas
externas, que contribuyen en su gestación mediante dinámicas que suceden
en otras escalas y esferas sociales, regionales, nacionales y globales, las cuales
impactan los distintos escenarios en los que el territorio se constituye. Esta di-
námica dialéctica en la construcción de territorio desata procesos simultáneos
y complejos, marcados por prácticas de “territorialización, desterritorialización
y reterritorilización” (García Canclini, 1989, p. 288) que, justamente, dotan de
otros significados las realidades, donde lo móvil, lo flexible, lo conflictivo, lo
simultáneo y lo complejo es lo característico. En otras palabras (Ortiz, 1998, p.
37), se estaría frente a la territorialidad dilatada, en virtud a que toda desterrito-
rialización aparta el territorio del medio físico que lo aprisionaba, mientras que
la reterritorialización lo actualiza como dimensión social. Tales procesos impli-
can acomodaciones, tensiones y conflictos que privilegian, por tanto, la deslo-
calización y la relocalización constante de las relaciones y las prácticas sociales
que semantizan el espacio, dotándolo de nuevos contenidos, constituyendo así
“otro territorio” (Ortiz, 1998, p. 42).
Desde esta perspectiva, los procesos de semantización son impactados
por dinámicas contextuales flexibles y fluidas que la determinan, en tanto no
obedecen a una única causa. Por consiguiente, las prácticas territorializadas no
están afincadas en un único patrón que dé cuenta de su esencia y naturaleza; al
contrario, se constituyen en medio de la diversidad, precisamente porque el te-
rritorio está en constante movimiento y se transforma, lo cual conlleva su cons-
trucción en marcos de estabilidad y consistencia y, al tiempo, de contradicción,
inestabilidad, indefinición y caos. Lo importante, en medio de esta producción
incesante, es descubrir cuáles son las tendencias de las relaciones de poder allí
presentes, para develar un nuevo orden sobre el cual se reestructure la relación
entre la materialidad y la construcción sociocultural semantizada.

Potencialidades pedagógicas para la formación


ciudadana: el ciudadano territorial

El territorio es común, por lo visto, a la democracia, al ciudadano y a la


ciudadanía. Puede entenderse (Santos, 1998) como conjunto de lugares y hecho
simbólico en permanente movimiento, más que como un simple conjunto de ob-
jetos. Asumir de manera integral el territorio (Sánchez, 2005) implica, además de

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tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

explorarlo como continente de producciones “socioculturales”, entenderlo como


una red compleja, donde se construyen múltiples tramas, a partir de la existencia
simultánea de elementos internos y externos que se superponen, yuxtaponen o
confunden, ocasionando modificaciones en la estructuración de la vida de la po-
blación, que se reflejan en su organización física, política, económica y social y
que, por la manera en que configuran el territorio, pueden señalar posibilidades
de integración y articulación sociocultural o peligros de ruptura del vínculo social.
El vínculo entre territorio y colectividad, y la producción social que de
allí se deriva, transforman tanto el territorio como a quienes lo habitan. Así, el
territorio se particulariza por los grupos sociales que lo intervienen, haciéndolo
parte de su devenir histórico; es resultado de los sentidos que estos le otorgan
al espacio mediante las diversas territorialidades (Echeverría y Rincón, 2000).
La funcionalidad que tiene el territorio adquiere significado (Sánchez, 2005) en
la medida en que actúa como continente de las producciones culturales, como
marco de referencia de la construcción de la identidad social (Echeverría y Rin-
cón, 2000), y como objeto de apropiación simbólica por parte de la colectividad
(García, 1976), de la ciudadanía territorializada. Este territorio sugiere fuerzas
ambivalentes que se expresan como prácticas sociales y territoriales que reve-
lan otras interacciones entre los actores sociales, y entre estos con el territorio;
encuentros entre sistemas de objetos y sistemas de acciones (Santos, 2000). En
el territorio ocurren vinculaciones y desvinculaciones, exclusiones positivas o
negativas que se confunden en medio de lo que es interno y externo regido
por flujos y fijos, por verticalidades y horizontalidades (Silveira, 2006); estas
aparentes contradicciones conforman los nuevos contenidos que dinamizan
lo sociocultural, que toman forma y se nutren - o debilitan - de acuerdo con
las continuas relaciones entre el contexto global y local. La relación de interde-
pendencia entre territorio y ciudadanía adquiere carácter complejo a través del
proceso dialéctico de transformación mutua.
Tal proceso pone de manifiesto un movimiento que va en doble
dirección: el territorio (Santos, 2000), considerado como el espacio socialmente
producido, el conjunto indisoluble de sistemas de objetos y sistemas de
acciones, susceptible de ser gobernado, ordenado y administrado, modifica la
actividad humana, es decir, la organización social se estructura y transforma en
función de las modalidades de los sistemas productivos, adaptados al contexto
territorial; a su vez, la colectividad lleva a cabo, en el horizonte territorial,
sucesivas transformaciones histórico-culturales que son representativas del
trabajo social acumulado y de los valores culturales agregados.
Aspecto sobresaliente para entender mejor la interdependencia y la

74
Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

conformación mutua entre territorio y colectividad es que ésta se da en la


medida en que los individuos imaginan, sienten y conciben el territorio de cierta
manera y desde estas imágenes lo construyen; los territorios que se habitan
marcan formas de imaginar, sentir y percibir; así, la relación entre individuo
transformador y objeto transformado es bidireccional: aquél crea y modifica
el territorio; éste deja huellas y transforma al individuo y a la colectividad que
lo habita (Echeverría y Rincón, 2000). Así las cosas, no es posible imaginar
una ciudadanía que prescinda del componente territorial; el ciudadano es
un individuo localizado, ubicado en un lugar, lo cual da paso a la ciudadanía
concreta, no a la ciudadanía abstracta. En muchas ocasiones, el espacio vivido
contiene desigualdades e injusticias que le hacen ser, en la práctica, un espacio sin
ciudadanos, por la imposibilidad de acceder a los bienes y servicios necesarios;
son espacios regulados por el mercado y por el Estado para servir al modelo
económico y no al modelo cívico-territorial (Santos, 1998). La localización de
las personas en el territorio es casi siempre una combinación entre las fuerzas
del mercado y las decisiones del Estado, representando en esencia por el
gobierno. No es un asunto de la voluntad del individuo; está determinado por
la combinación de estas fuerzas. Por ello, la igualdad de los ciudadanos supone
una accesibilidad semejante para todos a los bienes y servicios esenciales
para una vida digna; ello presupone una ubicación territorial lejos del alcance
del mercado, evitando que el modelo económico incremente, por ello, las
desigualdades sociales que ha generado ya la distribución territorial.
Las dificultades, desigualdades y exclusiones que genera la ubicación geográ-
fica para ser ciudadano habitualmente son duplicadas por la distancia política, dado
que vivir en el centro o en la periferia no sólo genera distancias de los bienes y servi-
cios necesarios para una vida digna, sino que, a la vez, es fuente del distanciamiento
de las personas de sus opciones políticas. En este marco, otro escenario pareciera
requerirse para hacer posible, en Iberoamérica, el proyecto democrático.
Estudiar el territorio implica asumirlo como espacio geográfico semantizado,
usado, apropiado y construido socioculturalmente, producto de la transformación
histórica efectuada por los sujetos; como escenario que favorece o imposibilita el
ejercicio de la ciudadanía. Dependiendo del tipo de territorio que se considere, de
sus potencialidades o de sus barreras, así será la ciudadanía y el comportamiento
ciudadano de los individuos y colectivos que lo habitan y transforman. Este
territorio podrá ser definido y caracterizado mediante la interdependencia y
la simultaneidad de aspectos geográficos, políticos, administrativos o fiscales;
aspectos ambientales, características socioespaciales y culturales.
De ahí emerge, su potencial pedagógico. De una formación ciudadana de

75
tamayo, a.l.g. Formación ciudadana en Iberoamérica...

“cara” y no de “espaldas” al territorio y a su estudio, adquiere la potencialidad


de constituir el ciudadano territorial requerido para consolidar el proyecto po-
lítico democrático, en virtud a la posibilidad real que tiene de construir y trans-
formar su territorio, contribuyendo a la consolidación del proyecto político
democrático. Ello implica que ser ciudadano vale la pena. Así las cosas, desde
las exigencias propias de la teoría de los procesos conscientes, la formación
ciudadana de “cara” al territorio encuentra su finalidad esencial: contribuir a la
construcción consciente del proyecto político democrático.

Síntesis provocativa

Asumiendo que la opción posible para aspirar a mejorar el bienestar in-


tegral en Iberoamérica es la democracia real, plural y transparente, ésta deberá
ser construida, individual y colectivamente, para disfrutársele. Para ello se de-
berán incrementar las estrategias y los recursos orientados a la gestación de
ciudadanos democráticos, participativos, sociales, políticos, activos y críticos,
capaces de emprender esta tarea, incentivados por la transformación positiva
de sus realidades, por la aspiración motivante de alcanzar más y mejores niveles
de desarrollo y, entre otras cosas, por el estímulo de vivir mejor; a la vez, casi
al tiempo, para crear e incorporar la anhelada ciudadanía como una manera de
vivir, como un modo de relacionarse con otros en medio de las diferencias,
del pluralismo y de la otredad, como una forma de atender y administrar los
conflictos y construir espacios de convivencia pacífica. Ciudadanos territoriales
ejerciendo debidamente su ciudadanía territorializada, constituyen la materia
prima requerida para construir la democracia territorial.
Así las cosas, estos ciudadanos localizados y apropiados del territorio,
estarán en capacidad y tendrán suficiente conocimiento para actuar en él, para
intervenirlo y transformarlo. Ello incrementará su arraigo dinámico y móvil, su
sentido de pertenencia, su identidad como valor asociado al territorio y, por tanto,
éste se convertirá en un estímulo más, una motivación adicional, un potencial
apropiado para el accionar ciudadano y para el ejercicio de la ciudadanía. El
territorio emerge como una razón más para ser ciudadano y ejercer la ciudadanía
de manera que se oriente hacia la transformación positiva de la realidad. Lograr
el ciudadano descrito, la ciudadanía anhelada y la apropiación territorial como
ingrediente detonante de ellas, requiere de una adecuada formación integral, de
una debida e intencionada formación ciudadana que trascienda, incluyéndolos,
los derechos y los deberes, lo político y lo social, el estatus y la práctica; que
eduque, desarrolle e instruya; que combine la enseñanza y el aprendizaje.

76
Terra Livre - n.38 (1): 57-78, 2012

Es decir, un proceso de formación ciudadana integral, elevado a la cate-


goría de política pública educativa, cuyo sentido sea aportar a la transformación
positiva del ciudadano territorial; se la ciudadanía territorializada renovada; del
lugar y del territorio en donde es posible escenificarla; del proyecto democrá-
tico que le es propio y que, además, posibilite luchar por el derecho a una vida
decente, a obtener los bienes y los servicios necesarios para vivir dignamente
y en paz.
Como tales, los procesos de formación ciudadana aludidos, disponen
para la construcción y fortalecimiento de la democracia anhelada en Iberoamé-
rica, de una potente estrategia pedagógica que les nutre: la interdependencia
entre ciudadanía y territorio o, dicho de manera más apropiada, la ciudadanía
territorializada, escenario de actuación del ciudadano territorial formado desde
los procesos conscientes.

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78
O Estudo do Lugar nos anos iniciais do
ensino fundamental

Helena Copetti Callai


Pesquisadora CNPq - Professora da UNIJUI - helena@unijui.edu.br

Lana de Souza Cavalcanti


Pesquisadora CNPq - Professora da UFG

Sonia Maria Vanzella Castellar


Pesquisadora FAPESP - Professora da USP - smvc@usp.br

Resumo: O texto aborda o processo de ensino e de aprendizagem nos anos iniciais assumindo
a posição de uma prática de ensino mais dinâmica para que o aluno possa não só dar significado
ao que está sendo ensinado, mas, também, compreenda a realidade. Entendemos que tal
postura implica uma concepção que reconheça o aluno como sujeito da sua aprendizagem e,
ainda, motive - o a superar os conhecimentos espontâneos por meio de novos conhecimentos
que articulados possam ser reelaborados dando significação ao conteúdo desenvolvido em
sala de aula. A análise apresentada neste artigo está fundamentada no fato que a criança
constrói o conceito de lugar por meio do contato direto com o objeto o que significa não
apenas o que está próximo e concreto, mas o que pode (também) ser distante e concreto. É
importante ter claro que a realidade é construída pelos homens na relação com o trabalho, com
a sociedade, considerando que há conflitos e contradições no cotidiano. A geografia contribui
para entender o real e, na perspectiva geográfica pode passar pelo estudo do lugar e do espaço
vivido, percebido e concebido do ponto de vista das relações sociais, das ocupações e da
construção dos espaços geográficos tendo como referência os processos históricos e o meio
físico, considerando os diferentes tempos e grupos sociais. O desafio é como proceder para
realizar esta tarefa, por isso o texto apresenta resultados de pesquisa onde se pode constatar
como acontece este aprendizado atualmente.
Palavras chave: geografia - espaço - lugar - anos iniciais

Resumen: El texto aborda el proceso de enseñanza y de aprendizaje en los años iniciales


asumiendo la posición de una práctica de enseñanza más dinámica para que el alumno pueda
no sólo dar significado a lo que está siendo enseñado, sino que también, comprenda la realidad.
Entendemos que tal postura implica una concepción que reconozca al alumno como sujeto

Terra Livre São Paulo/SP Ano 28, V.1, n.38 p.79-98 Jan-Jun 2012

79
CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

de su aprendizaje y, también, motive - la superación de los conocimientos espontáneos por


medio de nuevos conocimientos que articulados puedan ser reelaborados dando significación
al contenido desarrollado en la sala de aula. El análisis presentado en este artículo está
fundamentado en el hecho que los niños construyen el concepto de lugar por medio del
contacto directo con el objeto lo que significa no apenas lo que está próximo y concreto, mas
lo que puede (también) ser distante y concreto. Es importante tener claro que la realidad es
construida por los hombres en relación con el trabajo, con la sociedad, considerando que hay
conflictos y contradicciones en lo cotidiano. La geografía contribuye para entender lo real y, en
la perspectiva geográfica puede pasar por el estudio del lugar y del espacio vivido, percibido y
concebido del punto de vista de las relaciones sociales, de las ocupaciones y de la construcción
de los espacios geográficos teniendo como referencia los procesos históricos y el medio físico,
considerando los diferentes tiempos y grupos sociales. El desafío es como proceder para
realizar esta tarea, por eso el texto presenta resultados de investigaciones donde se puede
constatar como acontece este aprendizaje actualmente.
Palabras clave: geografía- espacio–lugar- años iniciales.

Abstracts: The text approach is the process of teaching and learning in the early years
assuming the position of a teaching practice more dynamic so that the student can not only
give meaning to what is being taught, but also understands the reality. We believe that such
a stance implies a concept that recognizes students as subjects of their learning and also
motivate the knowledge spontaneous overcome through new knowledge that can be articulated
reworked giving meaning to the content developed in the classroom. The analysis presented
in this article is based on the fact that the child constructs the concept of place through direct
contact with the object which means not only what is near and concrete, but what can (also)
be distant and concrete. It is important to be clear that reality is constructed by men in relation
to work with the company, considering that there are conflicts and contradictions in everyday
life. Geography helps to understand the real and the geographic perspective can pass through
the study of place and space lived, perceived and conceived in terms of social relationships,
occupations and geographic areas of the building with reference to historical processes and
the environment physical, considering the different ages and social groups. The challenge is
how to accomplish this task, so the text presents research results where you can see how this
learning takes place today.
Keywords: geography-space-place-early years

Introdução

Estudar Geografia é uma oportunidade para entendermos o mundo em


que vivemos, visto que essa disciplina refere-se às ações humanas construídas

80
Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

em diferentes sociedades e lugares. Seu estudo permite compreendê-las do


ponto de vista das relações sociais, das ocupações e da construção dos espaços
geográficos tendo como referência os processos históricos e o meio físico,
considerando os diferentes tempos e grupos sociais.
Nos primeiros anos do ensino fundamental devemos considerar como as
crianças podem perceber e observar os seus lugares de vivência, isso significa
que é interessante estudar o real, a realidade com elas, mas sem desconsiderar
que faz parte do universo infantil o imaginário e o simbólico. Esse universo
contribui para entender o real e, na perspectiva geográfica pode passar pelo
estudo do lugar e do espaço vivido, percebido e concebido. A análise que fare-
mos neste artigo está fundamentada no fato que a criança constrói o conceito
de lugar por meio do contato direto com o objeto o que significa não apenas
o que está próximo e concreto, mas o que pode ser distante e concreto, como,
por exemplo, perceber o local de moradia e criar nele a casa do dinossauro.
Entretanto, temos que ter claro que a realidade é construída pelos ho-
mens na relação com o trabalho, com a sociedade, considerando que há confli-
tos e contradições no cotidiano.
É neste contexto que iremos tratar do processo de ensino e de aprendi-
zagem nos anos iniciais e, por isso, assumimos uma posição de uma prática de
ensino mais dinâmica para que o aluno possa não só dar significado ao que está
sendo ensinado, mas, também, compreenda a realidade. Dar significado ao co-
nhecimento escolar implica uma concepção que reconheça o aluno como sujeito
da sua aprendizagem e, ainda, motive o aluno a superar os conhecimentos espon-
tâneos por meio de novos conhecimentos que articulados possam ser reelabora-
dos pelos alunos dando significação ao conteúdo desenvolvido em sala de aula.

O ensino da geografia na educação infantil e


anos iniciais

O processo de alfabetização em geografia, nos primeiros anos de es-


colarização ou na educação infantil, começa no momento em que as crianças
reconhecem lugares e identificam objetos e fenômenos organizados em es-
paços vividos, concebido e percebidos. Entendemos que a alfabetização não
se trata apenas da linguagem ou da matemática, mas também da geografia,
estimulando, portanto por meio da educação geográfica o raciocínio espacial.
O raciocínio espacial nas crianças pode ocorrer por meio de estratégias de en-
sino que proponham a localização de símbolos em espaços conhecidos ou que
identifiquem, como, por exemplo, no mapa, lugares de tamanhos diferentes

81
CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

(grande ou pequeno), distância (perto ou longe), e localizem lugares com cores


e símbolos que estimulem noções como hierarquização espacial.
Nesta perspectiva ao se trabalhar com o lugar de vivência das crianças,
possibilitamos articulações com as relações familiares da criança e com ou-
tras que são vivenciadas socialmente, estimulando estudos comparativos com
situações familiares de culturas diferentes. As crianças podem por meio das
atividades de pesquisa identificar diferentes lugares com traços do passado e do
presente e, ainda, articulando com as situações vividas e hábitos culturais já ob-
servados em culturas diferentes da sua. Daí se concretiza a relação espaço-tem-
po, sociedade-natureza, tendo a linguagem cartográfica como procedimento
que materializa o espaço vivido por meio dos mapas mentais ou trajetos dos
lugares vivenciados pelas crianças.
O processo de aprendizagem se dará de maneira mais significativa para
a criança. A noção de tempo, por exemplo, longa e curta duração ao se tratar de
presente e passado será mais compreendida e assimilada. A noção de tempo é
formada passo a passo, por meio das vivências das crianças e de atividades que
trabalhem com os conceitos de simultaneidade e periodização a partir de con-
textos vivenciados por elas. As relações sociais, no entanto, serão percebidas se
as noções lugar e localização forem exploradas no próprio cotidiano da criança.
Assim, é fundamental estimular o aluno a observar, perceber e representar es-
sas relações nos lugares de vivência. Portanto, é importante deixar claro que
os conceitos de lugar e tempo são importantes de serem tratados nas aulas de
Geografia. Essa ideia também discutida pelo Prof. Phill Gersmehl e Carol Ger-
smeh (2011) na pesquisa realizada em Nova Iorque, em uma escola do Halem,
mostrou que a influencia espacial e a capacidade de reconhecer o que é espaço
próximo e espaço distante para uma finalidade específica a criança por meio de
descrição verbal e jogos anos iniciais são capazes de identificar lugares no mapa
e traçar linhas das áreas do entorno de sua moradias e escola. Isso significa que
por meio da localização e do lugar podemos iniciar várias conversas com as
crianças, incluindo, ainda, o conceito de região.
O raciocínio espacial e a conceitualização do fenômeno estimula a capa-
cidade de generalização na construção do conceito, ou seja, de identificar o sen-
tido do conceito para alem das características materiais e funcionais do objeto.
Nas palavras de Luria (1990:66) deve-se notar que o pensamento categorial é
geralmente bastante flexível; os sujeitos passam prontamente de um atributo
a outro e constroem categorias adequadas. Classificam objetos pela substân-
cia (animais, flores, ferramentas), pelo material (madeira, metal e vidro), pelo
tamanho (grande pequeno) pela cor (claro, escuro) ou por outra propriedade.

82
Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

A capacidade de se mover livremente, de mudar de uma categoria para outra


é uma das características principais do pensamento abstrato ou do comporta-
mento categorial essencial a ele.
A capacidade de raciocínio está também articulada com a capacidade de
generalizar e, por isso que consideramos que o espaço do cotidiano possui um
valor didático relevante como objeto de aprendizagem e, conseqüentemente a
escala espacial e temporal. Isso porque ao se aproximar a reflexão sobre a reali-
dade vivenciada ou conhecida pelo aluno na aula facilita a integração da experi-
ência diária em um raciocínio mais abstrato o qual se pode realizar por meio do
domínio da linguagem, do pensamento simbólico e da representação espacial.
Nesse contexto, não podemos deixar de optar por uma participação ati-
va das crianças na construção do seu conhecimento, pois reforça a ideia que
elas reconstruam o seu conhecimento prévio, mas, ainda, que ao observar e
identificar o entorno do lugar de vivência reelabore suas ideias (conhecimento
espontâneo) e consiga raciocinar, estabelecendo classificações, relacionando,
comparando, analisando, enfim pensando de maneira investigativa a partir da
mediação do professor e de um conteúdo escolar que tenha significado.
Nessa perspectiva, é condição para a ocorrência de uma aprendizagem sig-
nificativa não só o modo como o aluno será ensinado (como ocorrerá o ensino) e
como ele aprenderá (aprendizagem), pois implica como o conteúdo estará orga-
nizado. Uma proposta didática que contribua para desenvolver o raciocínio dos
alunos, integrando as várias áreas do conhecimento e uma análise mais critica da
realidade é o que estamos buscando. Assim, o professor poderá avaliar o nível de
compreensão que os alunos possuem dos conceitos que estão sendo tratados em
sala de aula, estabelecendo conexões entre os diferentes lugares e tempos, bem
como as percepções dos alunos em relações a realidade vivenciada.
Para ocorrer aprendizagem, desde a educação infantil e anos iniciais, é im-
portante que se construa em sala de aula uma relação estimuladora da crítica,
mediada por outros saberes anteriormente construídos e que durante as aulas
considere as representações que os alunos têm da realidade (conhecimento pré-
vio sobre as coisas do lugar próximo, mas também de situações e experiências
que possam estar distantes, mas que são parte das suas vidas) na qual vivem, co-
locando em jogo as várias concepções dos objetos em estudo para que as crianças
construam seus olhares geográficos por meio de imagens, mapas e brincadeiras.
Neste contexto, ao se ensinar Geografia nos ocupamos em analisar a realidade, a
forma como ocorrem as interações entre a sociedade e a natureza e, as relações
decorrentes das ações humanas e dos diversos momentos históricos.

83
CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

O Estudo do lugar na educação infantil e anos


iniciais

Desde os primeiros anos da educação básica o ensino da geografia aparece


timidamente no currículo escolar tratando os conteúdos isoladamente sem con-
textualização. Ao escolhermos o conceito de lugar na educação infantil e nos anos
iniciais entendemos que é importante para a criança conhecer os espaços de vivên-
cia bem como inicie a construção de conceitos que estruturam a Geografia escolar
como grupo social, espaço e tempo que pode ser o caminho para fazer a iniciação
dos alunos na analise critica do espaço cotidiano em que vivem suas vidas.
No contexto analisado os conceitos como a localização e lugar são impor-
tantes, pois permitem aos alunos iniciarem a construção das noções de es-
paço e de cotidiano. A partir de experiências que estimulem o entendimento
de situações do cotidiano bem como os fenômenos espaciais do mundo que
os rodeia, desde os mais simples (o local de vivência) até os mais complexos
(relações geopolíticas entre os países). Isso significa não tratar os conteúdos
estruturados na idéia/proposição dos círculos concêntricos – do mais próximo
ao mais distante, mas tratar simultaneamente diferentes lugares localizados em
diferentes escalas de análise (local, regional e global), e, ainda, reforçar a ideia
da maneira como a sociedade se organiza para o trabalho, como constrói os lu-
gares, as mudanças que fazem nas paisagens a partir do seu fazer cotidiano em
sua historia que está sendo vivida. Postos em prática esses pressupostos podem
levar à formação da consciência crítica cidadã.
A Geografia nos leva a conhecer e compreender o mundo da vida – esse
mundo próximo de nós, mas também o que está distante, que é trazido a nós no
dia-a-dia pela informação ou por interesses particulares ou sociais, quer dizer
pela compreensão dos fenômenos que atuam direta ou indiretamente na vida
das pessoas.
Esse “conhecer o mundo” significa entender o que está acontecendo ao
nosso redor, encontrar as explicações, os motivos desses acontecimentos. E,
já nos anos iniciais do ensino fundamental, a criança dá início ao processo de
sistematização e organização de um conhecimento que é do dia-a-dia e nesse
momento o professor é desafiado a propor situações de aprendizagem que
tenham a ver com a realidade concreta da vida. Mas o professor precisa ter as
referências teóricas que sustentam a sua interpretação e que permitam fazer
com que o aluno reconheça os fenômenos como construídos social e historica-
mente, e que assim constroem o espaço em que vivemos.
Pode ter início, então, a atividade de pesquisa para a construção do

84
Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

conhecimento pelo aluno. É um processo que envolve os alunos e o professor


na busca de respostas para os problemas da vivência diária. É uma forma
de organização de aprendizagem e, nas aulas de Geografia, o motivo para
desencadear o aprendizado é o estudo do lugar.
O conceito de lugar, na Geografia, é muito usado, pois expressa a dimen-
são espacial, que se traduz pela organização do território. E, o território que
está mais perto do aluno é o que vai despertar-lhe mais interesse. Mas é preciso
ficar bem claro que estar “perto” não quer dizer única e exclusivamente estar
fisicamente próximo. Pelo contrário, a noção de espaço em questão não é a de
espaço absoluto, mas de espaço relativo. “Relativo” significa que se aproximam
mesmo espaços fisicamente distantes se existirem motivos pra isso. Esses mo-
tivos são ligações de ordens econômica, social, cultural e afetiva. É a escala de
análise que supõe os níveis local, nacional e mundial.
A ideia de lugar de vivência aproxima-se também a de pertencimento, é
herdeira da história dos objetos e das pessoas os quais dão significado e con-
fundem-se com a história do lugar e de seus habitantes. O lugar é, portanto,
entendido a partir da relação nodal – que estabelece com outros lugares e com
os objetos que marcam sua paisagem – e da relação de pertencimento – que
estabelece com as pessoas que vivem e convivem nele.
Neste contexto, articularemos a concepção de lugar de vivência à de ci-
dade, entendendo que a vida cotidiana transcorre nas redes organizadas e nos
itinerários da cidade e, ainda, que as mudanças culturais produzidas pelas raízes
do local ou pela globalização da sociedade, da informação e do consumo cons-
tituem um dos elementos mais significativos da organização da vida urbana.
Relacionar a cidade ao lugar remete à identidade relacionada ao território.
A consciência de pertencimento a uma cidade é um fator simbólico do espaço
urbano, que pode ser construído pelos processos orgânicos das comunidades
que habitam determinado lugar. Do ponto de vista da representação dos luga-
res as crianças podem traçar um caminho, elaborar um trajeto de um percurso,
neste caso o mais importante é a criança desenhar com coerência o real. Ao
desenhar a criança pode ser estimulada a investigar e a organizar a realidade,
mas, também, incluir lugares imaginários.
A partir do estudo proposto, a criança entende o significado do lugar de
vivência, do pertencimento, reflete sobre padrões de segregação na gestão dos
problemas urbanos – sejam eles de que natureza forem –, associa fenômenos
ambientais à gestão de recursos naturais (água, esgoto, saneamento, emissão
de poluentes etc.), de preferência comparando sua realidade com outras,
ou seja, analisa o lugar em diferentes escalas geográficas. As relações mais

85
CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

individualizadas das crianças com o lugar em que vivem, são trabalhadas


através das características do lugar em que vivem e suas condições (moradias,
infraestrutura, locais de lazer, áreas verdes, a relação entre as pessoas, etc.),
tecendo considerações acerca dos vínculos familiares e que a criança estabelece
entre seu cotidiano e o espaço vivido. Esse estudo proporciona as crianças
a serem estimuladas a estabelecer nexos entre o conceito de lugar e outros
para organizar uma rede conceitual como, por exemplo, localização, distância,
distribuição, posição e escala.
O lugar que é um conceito e, ao mesmo tempo, conteúdo Geográfico,
pode ser o município, no seu todo ou considerado pelos aspectos que sejam
significativos para as crianças. Não é um estudo de transmissão de informações,
mas de investigação, um esforço por entender o que existe e o que está aconte-
cendo no lugar. Nesse sentido estudar São Paulo (uma das maiores metrópoles
do mundo) e Ijui (uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, com menos
de 200 mil habitantes e próxima das fronteiras brasileiras com Uruguai e com
Argentina) tem uma caminho metodológico que se diferencia nos detalhes, mas
teoricamente assumem a mesma conotação- que é do Lugar.
Ao assumir um estudo investigativo para que as crianças possam com-
preender a realidade em que se vivem assumimos a superação da transmissão
da informação, dando significado ao lugar de vivência estabelecendo relações
com outros. Porém, para que isso aconteça é fundamental que o professor te-
nha clareza teórica para explicar o mundo e não esquecer de que o município (e
a cidade) é um lugar no mundo.
O propósito do ensino de geografia é começarmos desde a educação
infantil e anos iniciais motivar o olhar das crianças para os lugares de vivên-
cia dela e relacionar com outros para que elas possam comparar e relacionar
características semelhantes ou diferentes em várias escalas de análises (local,
regional, global). Além da noção espacial – vivido, concebido e percebido – se
faz necessário destacar a relevância da noção de tempo que está relacionada
com as experiências das crianças vivenciadas e as abstratas, formadas a partir
das representações mentais e das observações diárias.
Ao tratar desses conceitos – lugar, cidade – permitimos que as crianças
desenvolvam o raciocínio espacial por meio das noções de orientação (laterali-
dade), posição (ponto de referência, simultaneidade), duração (sucessão, passa-
do e presente, curta e longa) e ritmos (freqüência). A importância de se eleger
a escala de análise espaço-temporal e depois reelaborá-las se baseia no fato de
considerar que as ações didáticas são relevantes para as mudanças conceituais
ou ressignificação do conhecimento escolar.

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Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

Dessa maneira propomos um tema que poderia contribuir para o tra-


balho com as crianças, por exemplo, como nos organizamos no mundo. Esse pode
ser um tema de projeto que seria tratado pelo currículo escolar para integrá-lo.
Com essa temática podemos tratar desde o local de vivência até outros lugares
no mundo; tratar das divisões regionais no Brasil e no Mundo e do município.
Enfim, todas as formas de organização espacial e social.
Diante disso, o município passa a ser um conteúdo significativo, para o
ensino de Geografia, pois passa a ser importante e necessário para a criança, na
medida em que está desenvolvendo o processo de conhecimento e de crítica
da realidade em que está vivendo. Ali estão o espaço e o tempo delimitados,
permitindo que se faça a análise de todos os aspectos da complexidade do lugar
[...] É uma escala de análise que permite que tenhamos próximos de nós todos
aqueles elementos que expressam as condições sociais, econômicas, políticas de
nosso mundo. É uma totalidade considerada no seu conjunto, de todos os ele-
mentos ali existentes, mas que, como tal não pode perder de vista a dimensão
de outras escalas de análise. (Callai, Zarth, 1988 p. 11)
O município (no seu todo ou em partes- bairros, zona urbana, áreas de-
limitadas por algum motivo explicitado) passa a ser, então, o lugar que para a
Geografia interessa-nos estudar. É claro que é um conteúdo não exclusivamen-
te da Geografia e, além disso, é assunto que pode ser trabalhado em todas as
séries, dependendo de que tema esteja sendo tratado. Mas é nas séries iniciais
do ensino fundamental que é imprescindível o estudo. Nesse nível de ensino
pensamos que as questões podem ser tratadas de um modo mais integrado
mostrando como é realmente a vida e não apenas com informações parciais e
segmentadas que fragmentam a realidade dos lugares e que dificultam o enten-
dimento do que acontece no cotidiano das vidas dos sujeitos.
Assim entendemos que o estudo do lugar em que vive deve ocorrer desde
as séries iniciais, juntamente com o processo de alfabetização. Aprender a ler e a
escrever o mundo significa alfabetizar a partir de um projeto que considere a re-
alidade, assim o ensino da Geografia dá ao aluno a oportunidade de conhecer de
modo mais sistemático o lugar em que vive e relacionar com outros, construindo
os conceitos necessários tanto para aprendizagens futuras como para a sua vida.
Nesta perspectiva, por exemplo, no 1o ano, podemos explorar jogos e
brincadeiras, como projetos que podem ser interdisciplinar. Do ponto de vista
da criança entendemos que o brinquedo e as brincadeiras permitem que os
alunos dêem significado para as ações que estão vivenciando, criando situações
imaginárias independente dos objetos, contribuindo inclusive com o processo
de compreensão conceitual. Do ponto de vista do professor significa que essa

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CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

proposta procura estabelecer uma articulação entre a realidade local e a auto-


nomia do professor em planejar e preparar suas aulas considerando o contexto
escolar e, objetivos de aprendizagem, selecionando o desenho curricular.
As propostas apresentadas ao longo desde artigo em relação aos lugares
de vivência ao mesmo tempo remetem para o próximo vivido e, também, com
outros lugares de várias regiões do Brasil e do Mundo – às vezes não conhecido
– o espaço concebido. Além da localização podemos considerar as diferenças
entre o modo de vida, de trabalho, de convivência que caracteriza, por exemplo,
na cidade, com as semelhanças e diferenças que os alunos vão construindo suas
histórias e compreendendo as dinâmicas que envolvem as relações sociais e as
paisagens no estudo da geografia.
Ao partimos da idéia que a aprendizagem deve ser concebida como um
processo que requer tempo para que o aluno realize progressivas organizações
conceituais, desenvolvidas a partir da leitura de mundo e do lugar de vivência.
As situações de aprendizagem elaboradas levam em consideração as explica-
ções conceituais, pois entendemos que as noções e conceitos constituem ins-
trumentos básicos para o trabalho intelectual.
Neste sentido, consideramos que as crianças constantemente devem or-
denar, reelaborar, relacionar e hierarquizar os conceitos, ou seja, é um processo
no qual devem ser estimuladas a pensar, a reelaborar seus pensamentos, ques-
tioná-los e pensar novamente.... deve-se compreender como um processo de
construção do conhecimento, um trabalho de reelaboração conceitual a partir
da realidade em que vive.
Esta perspectiva de aprendizagem permite a criança construir novas es-
tratégias para elaborar conceitos e, a partir deles, fazer generalizações que sus-
tentem suas idéias e os motive para reelaborá-las, na medida em que dinamiza
os processos de pensamento o que permitirá sua relação com o espaço geo-
gráfico, a elaboração de conceitos geográficos fazendo com que os fenômenos
objetos de estudo da Geografia se incorporem ao cotidiano do aluno e dêem
sentido nas diversas relações que ele tem com o mundo.
Desta forma o conteúdo geográfico na educação infantil e anos iniciais
deve ser pensada de forma a tratar as categorias de lugar, paisagem, natureza,
sociedade, região, tempo e território, a fim de dar subsídios à elas para com-
preenderem a realidade que as cerca, garantindo uma aprendizagem significa-
tiva. O que permite as crianças localizarem os fenômenos compreendendo-os
conforme suas relações espaciais, dando significado aos diferentes lugares e es-
tabelecendo as relações desses com seu cotidiano, por exemplo, em relação aos
fenômenos observados na realidade. O uso de mapas e de elaboração faz sentido

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Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

desde a educação infantil para que as crianças possam reconhecer os fenômenos


e objetos presentes nos lugares como parques, praças, ruas e moradias.

A pesquisa e a importância do conceito de lugar

Em pesquisas sobre a temática realizada tanto com alunos das series ini-
ciais como com seus professores aparece o mesmo tipo de problema. Espaço
é o espaço físico, e a geografia é aquela que estuda as paisagens, os dados da
natureza; tempo é o do relógio é o da duração da aula e do recreio e grupo é
um conjunto de pessoas, tudo abstrato, neutro. Falta a dimensão política que
queremos ter presente e que a nós interessa para formação cidadã, sendo que
a geografia pode fornecer as ferramentas intelectuais para entendimento do
mundo em sua complexidade.
Em pesquisa realizada com alunos de mestrado em educação numa dis-
ciplina pode-se constar a dificuldade de expressão sobre estes conceitos tanto
do ponto de vista do desenhar como de escrever sobre os mesmos. De outro
modo percebeu-se também o desconhecimento de quanto podem ser impor-
tantes estes conceitos para a significação da aprendizagem. Como dados im-
portantes é adequado informar o nome da disciplina- “Espaço e tempo na
Pesquisa em Educação” quais são os sujeitos envolvidos são professores em
formação, nos cursos de pedagogia e licenciatura. A metodologia utilizada e os
resultados são apresentados a seguir:

1. Foi solicitado no primeiro dia da aula que cada um representasse em


imagem um lugar importante para suas vidas.
2. A seguir a foi questionado sobre qual o entendimento que cada um
tem dos conceitos de ESPAÇO e de TEMPO e que junto com o
desenho escrevessem algo que pudesse mostrar o seu entendimento;
3. No decorrer do semestre foram realizadas leituras e discussões sobre
os conceitos interligando com a temática de formação de cada um
dos sujeitos;
4. Foi realizada a leitura de duas obras básicas e discutidas no grande grupo;
5. Cada sujeito escolheu diante da oferta de bibliografia as leituras de
obras que abordam os conceitos e que sejam significativos para a
temática de sua pesquisa e formação;
6. As aulas aconteceram no decorrer do primeiro semestre de 2011 e
foram discutidas as questões por todo o grupo;
7. Ao final do semestre os trabalhos feitos no primeiro dia de aula foram

89
CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

entregues a cada sujeito que verificou o que havia apresentado no


inicio e como faria naquele momento a critica e a nova apresentação
do desenho e do texto.
8. A partir daí foram elaborados artigos que apresentam os conceitos
considerando a temática de sua atuação;
9. Depois disso foram feitos trabalhos de leitura critica por dois colegas
para cada texto, que foram discutidos e elaborados os artigos que
compõe o livro citado.

A representação realizada na primeira etapa da pesquisa mostrou que os


estudantes universitários tinham dificuldade em desenhar o lugar importante
para eles. A partir da leitura dos desenhos podemos inferir que há dificuldade
em compreender a noção de escala, na medida em que pudemos identificar que
na delimitação da área do lugar não se considerou a proporcionalidade área ver-
sus tamanho da folha, nem indicava orientação e, nem mostrava a localização.
Enfim, percebemos que não há compreensão dos símbolos cartográficos, mui-
to embora todos tenham passado pelas aulas de geografia na educação básica.
Ao escreverem sobre o entendimento dos conceitos de espaço e de tem-
po prevalece a idéia de espaço e tempo absoluto – que vale apenas pelo conte-
údo que apresentam. Ao compararmos o desenho com a escrita notamos que
muitas idéias não apresentadas na primeira atividade conseguiram demonstrar
as concepções de espaço e tempo presentes nos textos a seguir:
Espaço é lugar” foi a afirmação mais recorrente e para a definição de tempo
o mais presente foi “é difícil de definir”. A dificuldade de apresentar as idéias sobre
espaço e tempo nos deixa uma pergunta por que os estudantes universitários,
que na maioria são docentes formadores de outros professores nos cursos de
licenciatura em especial e, outros docentes que atuam na escola básica não pos-
suem clareza dos conceitos espaço e tempo? Outras perguntas nos mobilizam
a partir dos dados da pesquisa se os professores têm dificuldade em tratar dos
conceitos com seus alunos como poderiam realizar estudos sobre eles?
A seguir um quadro com a sistematização dos resultados da pesquisa
sobre os conceitos de LUGAR - ESPAÇO - TEMPO

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Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

lugar espaço tempo


Espaço que pode ser é um lugar/ligação com Momento de uma ação
físico ou geográfico o tempo
Um lugar/uma É um ambiente Momento que as coisas
paisagem acontecem que pode
ser passado, presente e
futuro
Lugar onde atuo, de É um local Controla a nossa vida
onde vêm as minhas
concepções de mundo.
É onde a vida acontece, É um lugar ocupado Período no qual os
se desenvolve, onde há por um grupo de fatos acontecem: dia,
relações, disputas por sujeitos noite, horas, anos,
ele seja como espaço passado, presente,
fisco ou geográfico futuro
É o lugar (o espaço Tempo das coisas que já
físico) onde o homem e aconteceram, que estão
a natureza convivem acontecendo ou que
vão acontecer
É o local onde
acontecem
determinados fatos,
onde convivem pessoas
e grupos sociais.
Lugares
Fonte: pesquisa direta 2011.

Percebe-se que ao sugerir que pensem sobre os lugares e considerem os


conceitos de espaço e tempo as respostas dadas estão fundamentadas no senso
comum. O conceito de lugar é o mais apresentado e nos faz crer que é por cau-
sa da condição de espaço físico-lugar ocupado. Outras respostas mostram falta
de compreensão dos conceitos.
- Para mim pensar no conceito de lugar nunca foi considerado, pois cada um ocupa um
lugar que lhe é dado.
- Pensar em tempo é pensar na falta de tempo que temos para fazer tudo que queremos
e precisamos.
-Espaço era para mim um lugar e pronto, não tinha nada a dizer sobre o conceito.

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CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

Em pesquisas realizadas com estudantes de series iniciais a professora


solicita que seja feito o desenho do trajeto de casa até a escola. Entendemos que
essa atividade exige um conjunto de procedimentos para que seja realizada de
modo a dar conta de fazer a pesquisa para aprender os conteúdos geográficos.
Além disso, ao trabalhar com os conceitos cartográficos estamos iniciando a
construção do raciocínio espacial e de uma leitura crítica do mundo em que
vive. A alfabetização cartográfica por meio de desenhos dos trajetos dos per-
cursos de vários lugares e das observações que podem ser realizadas possibilita
aos professores fazer trabalho de campo e utilizar diferentes gêneros textuais,
contribuindo com o processo de alfabetização em diferentes áreas do currículo
escolar. Para analisarmos as ações docentes ao desenvolver atividades cartográ-
ficas são passos necessários:

1. Estabelecer os objetivos para realização da atividade que é desenhar


o trajeto de diferentes percursos e lugares conhecidos das crianças;
2. Fazer o trajeto observando tudo o que existe, anotando o que é visí-
vel: as formas aparentes, as construções, a vegetação, o tipo de via de
carros, de pedestres...
3. Em seguida, descrever em roda de conversa o que eles observaram e
comentá-las se necessário utilizar mapas, documentos, imagens.
4. Fazer o registro, como o desenho do trajeto mostrando exatamente
o que existe,
5. Retomar o desenho indicando a localização dos lugares, a direção
deles e organizar uma legenda.

Feito o trajeto deve-se fazer a analise do que foi representado, seguindo


os passos:

1. O que é marcante no trajeto apresentado que as crianças fazem, o


que pode indicar a condição das pessoas que ali vivem;
2. Pode-se indicar os lugares e notar se a criança consegue localizar, de-
senha utilizando a linha de base, se organiza a legenda, se há propor-
ção nos objetos colocados no desenho e se a visão é vertical, frontal
ou oblíqua (alfabetização cartográfica);
3. Do ponto de vista mais subjetivo ainda podemos verificar se as crian-
ças ao colocarem os lugares onde freqüentam e consomem possuem
acesso ou não aos bens existentes.

92
Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

A partir do trajeto ainda podemos desenvolver atividades com textos


literários ou com histórias contatas pelas crianças a partir dos lugares que elas
conhecem.
Durante a pesquisa observamos este trabalho realizado com o segundo
ano que estava no currículo da escola. Entretanto essas atividades muitas vezes
não acontecem porque os professores dizem que não tem tempo para realizá-
-los e, por isso, tivemos dificuldade em encaminhar as atividades. Durante as
observações notamos que:

ATIVIDADE MOTIVO QUE LEVOU A SER


FEITO COMO FOI
Percorrer o trajeto Os alunos deveriam fazer em
período externo a aula e não fizeram
corretamente
Observação Para os pequenos a professora teria
que acompanhar em período da aula
e não havia tempo; para os maiores
não houve um tempo de explicação/
orientação que lhes permitisse
fazerem por sua conta
Representação O desconhecimento dos elementos
necessários para fazer a representação
é justificado pela falta de tempo, pela
dificuldade do professor trabalhar
com estes aspectos.
Resultado do trabalho Vários motivos impediram que fosse
realizada uma atividade com critérios
rigorosos o que resultou na sugestão
de que cada um deveria colocar o
que lembrasse. Não interessando
se havia prédios altos, casas com
terrenos grandes, terrenos baldios,
investimentos imobiliários, locais de
lazer, de passeios para pedestres nas
vias publicas.
Fonte: pesquisa direta: 2012

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CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

A questão central – a alfabetização cartográfica – que apresentamos a par-


tir dos resultados da pesquisa inclui a relação entre significantes e significados, ou
seja, o nome e o símbolo que representa o objeto real no mapa. Isso significou
uma mudança conceitual no que se refere ao tratamento cartográfico, implicando
entender a cartografia como uma linguagem própria: a linguagem cartográfica.
O uso dessa linguagem, presente na orientação curricular, contribuirá
para a compreensão do raciocínio espacial e da leitura do mundo na medida em
que o aluno ao fazer generalizações (significado das palavras), amplia o reper-
tório da leitura e escrita (significante e significado), articulando a linguagem e
o pensamento. Esse processo também auxilia o professor a desenvolver ativi-
dades voltadas para leitura de mapas e outros gêneros textuais que estimularão
imaginação e a memória. Considerando as mudanças que ocorrem nas cidades,
por exemplo, a partir do crescimento urbano, a realidade nos mostra um inten-
so fluxo de transportes, dos meios de comunicação isso implica em entender
os lugares não apenas como um ponto no mapa para localizarmos uma deter-
minada cidade, mas por meio da leitura das imagens de satélites, fotos aéreas,
mapas e imagens conseguimos ler e entender as mudanças, o que possibilita
dar novos significados aos fenômenos e objetos cartografáveis dos lugares de
vivência ou os percebido, implica que o aluno tenha condições de elaborar um
mapa reconhecendo os lugares e comparando com outros.
Mas para tomar para si a elaboração dos lugares de vivencia é importante
que se saiba ler o mapa, reconhecendo os símbolos, compreendendo a hierarqui-
zação dos fenômenos representados, comparando as distâncias entre a realidade
e a representação, identificando a escala, e percebendo a localização dos elemen-
tos representados. Há necessidade, portanto, do aluno ser alfabetizado geografi-
camente por meio dos conceitos cartográficos Saber ler um mapa é fundamental,
mas para isso o professor precisa, também., compreender a distribuição dos ob-
jetos no espaço geográfico e, ainda, conhecer a linguagem dos mapas.
Ao se apropriar dos conceitos cartográficos para fazer a leitura e a repre-
sentação dos lugares onde vive o aluno pode, ainda, fazer descrições e análises
da paisagem que estão carregadas de fatores culturais, psicológicos e ideológicos.
Ao ler paisagens ou representá-las, o aluno utiliza mais que técnicas de leitura: ele
estabelece relações entre os fenômenos analisados com base nas noções cartográ-
ficas, caracterizando-se o letramento geográfico, pois ao reconhecer a linguagem
faz relações com outras paisagens e lugares, estimulando o raciocínio espacial.
Essa é uma dimensão importante em nosso entendimento de educação em geo-
grafia, que deveria ser tratada no currículo desde a educação infantil.
A educação geográfica contribui para que os alunos reconheçam a ação

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Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

social e cultural de diferentes lugares, as interações entre as sociedades e a di-


nâmica da natureza, em diferentes momentos históricos. A vida em sociedade é
dinâmica, e o espaço geográfico absorve as contradições em relação aos ritmos
estabelecidos pelas inovações no campo da informação e da técnica, o que
implica, de certa maneira, alterações no comportamento e na cultura da popu-
lação dos diferentes lugares.
A escolha dos conceitos para serem tratados nos anos iniciais podem ser
assim explicados: Grupo - quem vive no lugar, quem são as pessoas o que elas
fazem, como elas vivem a sua vida, como moram nas casas em que habitam
como vão para o trabalho. Tempo - quais os tempos em que ocorrem os fe-
nômenos no lugar que esta sendo estudado, quais as atividades que acontecem
em cada horário do dia e da noite e quais as motivações para que seja assim.
Espaço - como é a paisagem que se apresenta aparente nesse lugar, quais são
as edificações, porque são deste ou de outro modo, porque existe vias, ruas,
avenidas para os carros, como são os lugares para os pedestres.
O importante nesse processo é conhecer a realidade em que se vive. Co-
nhecer a realidade vai além de identificar o que existe, supõe discutir as formas
em que se expressa, como se apresenta a realidade, entender não apenas o seu
produto. Para tanto o professor precisa considerar o conhecimento prévio do
aluno. Esse conhecimento que no mais das vezes é parcelado, que fragmen-
ta a realidade, cheio de “pré-conceitos”, carregado de crendices, de folclore.
Conhecer a realidade passa a ser, então, um processo de reconhecimento do
que existe no lugar, com as devidas explicações para o que acontece e a análise
crítica de como se dispõem as coisas.
Esse movimento fornece à análise de qualquer fenômeno, ou mesmo de algum
espaço, a diferenciação necessária e a amplitude adequada de tratamento. Supera-se a
simples descrição e o tratamento simplório, ao buscarem-se referências mais amplas
que permitam entender o fenômeno em uma dinâmica que é da própria vida.
O que buscamos é a compreensão dos conceitos que sintetizem o que
está referido significa reconhecer-se como cidadão que têm direitos e deveres
ao pertencer à sociedade e reconhecer que nela há diversos grupos sociais;
reconhecer que a sociedade tem uma história que é construída por todos; que
há um tempo acontecido com diversos fatos que são importantes, tanto para
si quanto para conjunto da sociedade; e que vive num espaço que não é dado
naturalmente, mas que é construído cotidianamente a partir do trabalho dos
homens que ali vivem.
E nunca é demais esclarecer que estudar o lugar não se trata de fazer o
elenco das coisas importantes, dos fatos e dos grandes homens, mas procurar

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CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

entender a dinâmica do desenvolvimento como um todo e como uma das


unidades (a menor) da federação, no Brasil. Não se trata inclusive de estudá-
lo separadamente dos demais, isolando-o para ver o que acontece ali, mas de
compreendê-lo como a expressão da sociedade no território brasileiro, dados lugar
e momento, e assim, verificar como se processa a construção do espaço, como
se dão as relações de poder (a partir das esferas nacional, estadual e municipal),
qual é o significado da sua organização interna, como se dão as relações entre os
homens, enfim, como é construído o espaço e que aparência ele assume.
O desafio é tentar fazer um trabalho interdisciplinar, partindo da rea-
lidade que está sendo vivenciada pelo aluno (seja ela próxima ou distante em
termos absolutos). Temos neste sentido duas vantagens. Uma delas é o fato de
que o aluno tem condições de reconhecer-se como cidadão em uma realidade,
que é a da sua vida concreta, se apropriando das informações e compreenden-
do como se dão as relações sociais e a construção do espaço. A outra é peda-
gógica, pois ao estudar algo que é vivenciado pelo aluno são muito maiores as
chances de sucesso, de se tornar um aprendizado mais conseqüente, tendo um
conhecimento significativo para a sua vida.
As investigações realizadas nos permitiram tratar do ensino e aprendiza-
gem dos anos iniciais e educação infantil de uma maneira real, conhecer e tratar
da geografia escolar que podem ser desenvolvidos com as crianças nas escolas
e a partir dela estimular o processo de alfabetização das crianças bem como o
raciocínio espacial.
O levantamento de dados e informações, aliados à observação, são meios
de realizar a investigação. Essa deve ser organizada pelo professor e pelos alu-
nos de modo a ser a mais produtiva possível. Porém, na verdade, o aprendiza-
do não será apenas o das informações, mas fundamentalmente, o processo de
análise desses dados, além de estimular o pensar, a reflexão, a fazer perguntas e
buscar respostas para elaborar outras perguntas e assim tornar a aprendizagem
mais significativa.

Considerações

Quando se pensa em um projeto na escola para os anos iniciais e edu-


cação infantil, deve-se tratá-lo coletivamente e com linhas estratégicas que en-
volvam o planejamento das aulas mas também as características das crianças.
Ao educador cabe reconhecer fundamentos da sua área de conhecimento e
ter a “mente aberta” para fazer articulações entre as áreas e a didática. Cabe a
ele também ampliar sua formação científica, buscando problemas que fazem

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Terra Livre - n.38 (1): 79-98, 2012

parte do cotidiano das crianças e que podem ser analisados do ponto de vista
científico. A escola, no esforço de transmitir conteúdos que passam por cons-
tantes mudanças, acaba criando uma caricatura do que vem a ser conhecimento
escolar, não conseguindo incorporar nem a realidade.
Uma perspectiva desse contexto é assumirmos, como afirma Arnay (1998:
45) que a cultura científica escolar, no processo de compreensão de um fato so-
cial – como é a ciência, faz parte de um momento histórico e social determinado
e produz uma série de consequências que afetam os cidadãos, os quais deveriam
desenvolver, ao longo da sua escolarização, um conhecimento que lhes permitis-
sem compreender os processos desencadeados pela ciência ao seu redor.
Trata-se, portanto, de estabelecer um espaço intermediário, no qual os
processos de ensino traduzem e tornam compatíveis concepções cotidianas
implícitas e aspectos conceituais tácitos de maior complexidade, parte dos quais
poderiam ser adaptações ajustadas e simplificadas da estrutura histórica e con-
ceitual da ciência, porém, sem oferecer o conhecimento científico como único
modelo e meta do conhecimento escolar, como afirma ainda Arnay (1998).
Embora o trabalho na escola tenha como referência básica os saberes
científicos, ela é um lugar de encontro de culturas, de saberes científicos e coti-
dianos. A escola lida, então, com culturas no interior da sala de aula e em seus
outros espaços, inclusive nos que estão fora e ao redor dela.
Nessa perspectiva, é condição para a ocorrência de uma aprendizagem
significativa não só o modo como ele será ensinado e aprendido, mas como o
conteúdo será organizado. Uma proposta didática que contribua para desen-
volver o raciocínio dos alunos, integrando as várias áreas do conhecimento e
uma compreensão mais critica da realidade é o que estamos buscando. Assim,
o professor poderá avaliar o nível de compreensão que os alunos possuem dos
conceitos que estão sendo tratados em sala de aula, estabelecendo conexões
entre os diferentes lugares, cenários geográficos e as percepções dos alunos em
relações a realidade vivenciada

Referências Bibliográficas

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Propostas pedagógico-metodológica. Ijuí: Editora Unijuí, 1990.
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IN:CARDOSO. F. C.; FUCHS, M. Reflexões sobre espaço e tempo- diferentes
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UNIJUI. 2011. p.11-23.

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CALLAI, H.C.; CAVALCANTI, L de s.; CASTELLAR, S.M.V. O estudo do lugar nos anos iniciais...

CALLAI,H. CALLAI, J.L. Grupo,espaço e tempo nas series iniciais. Espaços da


Escola, Ijui, vol.3,n. 11, p.9-18,jan/mar.1994.
CALLAI, H. C., ZARTH, P. O estudo do município e o ensino de História e Geografia. Ijuí:
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CASTELLAR, Sonia M. V. A Cartografia e a construção do conhecimento em contexto escolar.
In ALMEIDA, Rosangela Doin. Novos Rumos da Cartografia Escolar. São Paulo.
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espessura do Lugar: reflexiones sobre el espacio en el mundo educativo. Universidade
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SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. Rio de Janeiro: Record, 2010.

98
Formação de professores dos anos iniciais
do ensino fundamental: considerações
sobre escola, conhecimento, linguagem e
ensino de Geografia

Training of teachers of the early years


of elementary school: considerations
about school, knowledge, language and
teaching of Geography

La formation des enseignants des


premières années de l’école élémentaire:
considérations sur l’école, la
connaissance, la langue et enseignement
de la géographie

Jorge Luiz Barcellos da Silva


Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Departamento de Educação
jorge.barcellos@unifesp.br

Resumo: O presente trabalho apresenta breve considerações sobre a formação de professores


dos anos iniciais do ensino fundamental. Enfatizamos que para a construção de saberes
necessários para a atuação docente nessa etapa educacional um movimento é central ao
longo do percurso formativo. A explicitação de problematizações que assinalem: a razão de
ser da escola básica, o dimensionamento do significado do conhecimento no contexto das
proposições pedagógicas, o papel das linguagens no contexto escolar e o reconhecimento
de identidades dos saberes curriculares. Além disso, destacamos aspectos que identificam os
fundamentos e o papel do ensino de Geografia na formação dos professores, assim como
assinalamos ponderações propositivas para se trabalhar com esse componente curricular nos
anos iniciais do ensino fundamental.
Palavras chaves: Formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental, escola,
conhecimento, linguagem, ensino de Geografia.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 28, V.1, n.38 p.99-120 Jan-Jun 2012

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silva, j.l. da Formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental...

Abstract: This paper presents a brief consideration of the training of teachers of the early
years of elementary school. We emphasize that for the construction of knowledge needed
for teaching practice at this stage of education is central to a movement along the formative
path. The explicit problematization which point: the reason for the elementary school, the
design of the meaning of knowledge in the context of the education proposals, the role of
languages in the school context and the recognition of identities of curricular knowledge. In
addition, we highlight aspects that identify the rationale and the role of geography teaching in
teacher training, as well as purposeful weights noted for working with this component of the
curriculum in the early years of elementary school.
Keywords: Teacher of the early years of elementary school, school, knowledge, language,
teaching of geography.

Résumé: Ce document présente un bref examen de la formation des enseignants des premières
années de l’école élémentaire. Nous soulignons que c’est la construction des connaissances
nécessaires pour enseigner la pratique à ce stade de l’éducation est au cœur du mouvement
le long de la voie formative. La problématisation explicite Quel est le point: la raison pour
laquelle l’école primaire, la conception de la signification de la connaissance dans le contexte
de l’éducation propositions, le rôle des langues dans le contexte scolaire et la reconnaissance
des identités de la connaissance du curriculum. En outre, nous mettons en évidence les aspects
qui permettent d’identifier la raison d’être et le rôle des enseignement de la géographie dans
la formation des enseignants, ainsi que des poids motivantes relevées pour travailler avec cette
composante du programme d’études dans les premières années de l’école élémentaire.
Mots-clés: enseignants des premières années de l’école, l’école élémentaire, la connaissance, la
langue, l’enseignement de la géographie.

INTRODUÇÃO

[...]O ensino de Geografia na escola primária, como nas demais esferas,


é um dos ensinos sobre o qual menos ideia precisas possuímos. Todo
mundo sabe que geografia faz parte da bagagem da instrução elementar,
e pensa que é fácil a sua explicação e que não exige amplas reflexões. Al-
guns nomes na cabeça das crianças, algumas noções indispensáveis para
que o futuro soldado ou eleitor não pareça demasiado ignorante do seu
país. Não é isso tudo o que, no fundo, sugere à maior parte das pessoas
o termo geografia? Deveria, penso eu, sugerir outra cousa distinta. Este
ensino deveria servir para desenvolver e aclarar certas ideias no espírito
das crianças; deveria associar-se às suas primeiras impressões e despertar
nelas o espírito de observação [...] (Paul Vidal de La Blache, 1943, p.18)

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[...] Então eu acho assim... mesmo dentro das escolas, alguns professores
negligenciam um pouco tanto geografia, quanto história, quanto
ciências e focam só em português e matemática, que é o foco na
nossa formação na pedagogia... né... então eu acho sim que deveria
sim ter alguma coisa relacionada sim não só em geografia, mas nessa áre-
as história, ciências, artes para que o professor também seja capacitado
pra dar essas aulas porque... são disciplinas diferenciadas as de por-
tuguês e matemática então acabo ficando muito em uma coisa e pouco
em outras que são também importantes pras crianças[...] (depoimento
de uma professora da rede pública do município de São Paulo, out 2011)
(Apud Cerqueira, 2011, p. 47,grifo do autor)

As duas citações nos inspiram em nossas ponderações ao longo desse trabalho.


Na primeira delas o geógrafo Vidal de La Blache que está em destaque. Nessa
passagem ele, já no início do século XX, assinalava um desconforto no que tangia ao
ensino de Geografia na formação inicial das crianças na escola francesa. Identifica um
desconhecimento do que ocorria nessa etapa de ensino, disserta sobre como era o
entendimento da maior parte das pessoas do que era Geografia e expõe com clareza
meridiana sua concepção sobre esse saber na escola.
Na segunda citação são as palavras de uma professora dos anos iniciais do ensi-
no fundamental da rede municipal de São Paulo, já na segunda década do século XXI.
Ela indica a existência de uma hierarquia envolvendo os componentes curriculares.
Tece considerações sobre a trajetória de boa parte da formação inicial de professo-
res e, embora assinale a importância de se trabalhar com as áreas do conhecimento
como Geografia, Artes, e História, reconhece que alguns componentes curriculares
são considerados mais importantes que outros.
Essas considerações mostram no que se refere ao ensino de geografia para
crianças, grosso modo, o não entendimento sobre os sentidos que os conteúdos
adquirem na dinâmica escolar. E isso não é uma situação exclusiva a esse saber.
Em função dessa constatação dimensionamos que investigar o quê ocor-
re durante a formação inicial do professor, dos anos iniciais do ensino fun-
damental, no Brasil é um procedimento importante. A temática é rica e nos
permite estabelecer raciocínios levando em conta como os sujeitos, em seus
trajetos formativos, constroem os nexos de cada etapa educacional na escola,
assim como aqueles relativos ao ensino de Geografia.
É nesse ínterim que os futuros docentes, de forma mais sistematizada,
estabelecem diálogos com elementos que são importantes na sua construção
epistêmica, tencionando suas intervenções no mundo. Embora saibamos da

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importância da formação em serviço, investigar o que ocorre na transformação


do sujeito em professor dos anos iniciais do ensino fundamental é o foco desse
trabalho.
Nesse sentido esse trabalho enfatiza a necessidade de resgatarmos ao
longo do trajeto de formação inicial alguns elementos, constitutivos da forma-
ção do professor. São problematizações que assinalam: a razão de ser da escola
básica, os sentidos do conhecimento no contexto das proposições pedagógicas
e o reconhecimento das distinções entre os saberes curriculares. Por fim, ain-
da no delineamento do movimento tornar-se professor dos primeiros anos de
escolarização, vale destacar alguns aspectos que identificam os fundamentos e
o papel do ensino de Geografia na formação docente assim como ponderações
propositivas para se trabalhar com esse componente curricular na escola básica.

De onde falamos

Tomamos como referências para elaboração desse trabalho, as ações re-


lacionadas ao ensino na graduação, pesquisas e atividades extensionistas que
temos desenvolvido visando a formação de professores dos anos iniciais do
ensino fundamental, no contexto de um departamento de Educação de uma
universidade pública.
Esse movimento tem fomentado um conjunto de dúvidas cujo resulta-
do inicial é a intensificação de tentativas de sistematizações que identifiquem
como ocorre nos percursos formativos os diálogos entre os saberes acadêmi-
cos e escolares. A isso tem se somado as referenciações de leituras e debates
públicos que vinculam a formação inicial do professor e as práticas cotidianas
como campo de pesquisa. Nesse direcionamento, em especial, pautamo-nos na
compreensão de que o ensino e aprendizagem de Geografia se constituem em
ferramentas para a formação docente.

A problematização

O ponto de partida é a constatação de que o lugar reservado no currículo


ao ensino de Geografia (e de História) nos anos iniciais do ensino fundamental
apresenta mudanças.
A reunião de áreas de estudo como Geografia e História em torno de
uma disciplina chamada Estudos Sociais (CONTI, 1976) (SEABRA, 1981),
identificada na Lei 5692/71 apresentou marcas indeléveis na formação básica
brasileira. Sua institucionalização como disciplina retirou praticamente do ensino de 1º grau

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os conteúdos sistematizadores de História e Geografia (NADAI, 1988, p.12). A falta de


preocupações epistêmicas no trato de cada um desses componentes curricula-
res associada ao distanciamento dos objetivos pedagógicos resultou numa forte
descaracterização da área.
O reposicionamento curricular de disciplinas como Geografia e História
para os primeiros anos do ensino fundamental pode ser associado às mudanças
das políticas educacionais ocorridas ao longo da década de 1990, quando a imple-
mentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (FONSECA, 2009:243) pre-
conizou de forma distintiva as respectivas áreas como elementos estruturantes
no processo educacional. Essas distinções entre os dois campos do saber tam-
bém podem ser identificadas pelas exigências do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) que [...] desde o início dos anos 2000 [...]passou a exigir nos
editais de livros didáticos para os anos iniciais a inscrição, avaliação e aquisição
de livros didáticos distintos para as duas disciplinas: História e Geografia [...]
(op cit, 2009, p.46)
Vale ressaltar ainda que essas diferentes áreas do saber receberam input
significativo, no sentido de retomada com as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) dos cursos de graduação em Pedagogia, a partir de 2006 (BRASIL,
2006). Desde então os referidos documentos diretivos apresentam as distintas
áreas do conhecimento Geografia e História como elementos estruturantes da
formação docente.
Contudo é importante delinear que essas deliberações não avançaram no
que tange a formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
Se por um lado as deliberações do Estado assinalando o que deve ser tra-
balhado na escola assim como as orientações dos currículos da formação inicial
do docente dos anos iniciais demarcam encaminhamentos diferentes daqueles
dos anos 70 e 80, por outro a maneira de se pensar a formação de professores
para os primeiros anos do ensino fundamental se configurou (e permanece)
calcada em generalizações envolvendo os objetivos pedagógicos, os conteúdos
e, essencialmente, uma forma de pensar que vê o mundo pelas dicotomias.
Concordamos com Libâneo (2010:580): não se assegura ao futuro professor
o domínio dos conhecimentos que irão ensinar às crianças, articulados com metodologias de
ensino adequadas. Os professores chegam ao final de sua formação inicial pouco
sabendo identificar e dialogar com o que aprenderam e muito menos pensar no
encaminhamento de suas intervenções pedagógicas. Os sentidos e problemati-
zações das áreas do conhecimento voltadas para o ensino e aprendizagem dos
diferentes componentes curriculares nem sempre ficam evidentes (GATTI,
B.A. NUNES M., 2009). A formação do professor dos anos iniciais (e finais)

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do ensino fundamental tem se apresentado, na prática e nos seus resultados,


com uma frágil identidade profissional.
Sobre essa questão, a relação entre a construção da distinção profissional e
a apropriação de saberes, destacamos que, em grande parte dos cursos de Peda-
gogia as matrizes curriculares apresentam uma organização que nos permite in-
dagar como são trabalhados as fundamentações dos profissionais em formação.
Nesses cursos as áreas consideradas teóricas (Sociologia da Educação,
Filosofia da Educação, História da Educação...) estão posicionados na primeira
metade do curso, ficando as diferentes metodologias - consideradas como “so-
mente práticas”... - situadas para o segundo momento do curso.
Mesmo que tenhamos a clareza de que a existência de uma matriz com
outra natureza e articulação não é a garantia de uma vigorosa formação docen-
te, a questão que salta aos olhos é a concepção de teoria e prática apartadas.
Onde ( e como) se formam os futuros professores dos anos iniciais, o signi-
ficado de diálogos entre os diferentes campos do saber não está no cerne das
discussões formativas.
Diante desse quadro é que assinalamos a importância de se aumentar o
leque de discussões, observando que a problematização sobre a razão de ser da
escola não pode ficar de fora. As preocupações relacionadas com o que o pro-
fessor necessita equacionar no contexto de seu trabalho (identificar onde ele
está... quem são seus alunos... colegas... gestores educacionais... quais são meus
objetivos pedagógicos... o que devo ensinar... como os alunos aprendem... qual
o sentido de se trabalhar os conteúdos dos diferentes componentes curricula-
res...) estão na base da prática escolar e nesse sentido, compreendemos que essa
instituição se caracteriza como uma parte substancial na formação docente.

Pensando a razão de ser da escola básica como


tema na formação inicial do professor dos
anos iniciais do ensino fundamental

Uma boa parte das escolas que conhecemos tem colocado como referência
de existência a disciplina do corpo e do pensar. Desenvolve-se nesse processo ma-
neiras de pensar o mundo que a cada dia comprovamos suas limitações. O que sa-
lientamos como uma possibilidade para se tencionar a discussão sobre os sentidos
da escola na formação inicial do professor aponta para outros encaminhamentos.
A escola é um lugar onde se desenvolvem práticas educativas. Isso sig-
nifica assinalar que ela deve ter como premissa o entendimento de que trata
de relações sociais que envolvem o ser humano. O aluno deve ser visto como

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o centro das atenções, isto é, ele é o agente mais importante do processo de


ensino e aprendizagem.
Diante dessa assertiva de que há um sujeito no processo educacional,
é importante assinalar algumas mediações. Vejamos a primeira. Referencia-se
num fragmento das idéias de Paracelso : [...] a aprendizagem é a nossa própria
vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa
dez horas sem nada aprender [...] (apud Meszáros, 2008, p.21)
O que fica evidente é que aprendemos o tempo todo. Na escola, no trabalho,
no clube, no estádio de futebol, nas festas ou ainda sozinhos vamos experimentan-
do situações cotidianas que nos proporcionam aprendizagens. O que destacamos
é que nesse processo não há uma obrigatoriedade de que tudo que se aprende está
diretamente correlacionado as questões postas pelas nossas vivências.
A segunda mediação: nos atos educativos existem muitas varáveis que o
determinam. Isso significa assinalar que não há como prevê-las na sua integralida-
de. A aula ministrada pelo professor aciona elementos que ele não tem controle.
Sabemos exatamente o que provocamos para os alunos quando ensinamos como
são os diferentes movimentos do planeta Terra e suas implicações na vida de um
determinado grupo social? Ou ainda quais são as relações entre ao êxodo rural e
a reorganização das áreas urbanas nas grandes cidades do Brasil?
Por essa razão a aprendizagem aqui é considerada como um movimento
contraditório na sua essência (não podemos controla-la). Quem educa participa
de ações sabendo que esse movimento exige sempre a busca da ultrapassagem,
isto é, aquilo que foi aprendido é combustível para se chegar a outro patamar
da aprendizagem. Isso denota no mínimo a ideia de que não é possível assina-
larmos a finitude do ato de conhecer (SANTOS 2008).
Terceira (e última) mediação: nesse contexto em que estamos ponderan-
do, os professores não sabem exatamente o que foi aprendido pelas crianças.
A ação do educador nos representa ser um elemento que ao participar dessa
intensa relação reorganiza as experiências que os educando portam. Vale res-
saltar que nesse movimento de se reposicionar as vivências, os ensinamentos
de Paulo Freire (2001) são valiosos: aquele que ensina, coloca-se como alguém
que também aprende.
Evidenciadas essas breves considerações sobre a importância da apren-
dizagem, devemos enfatizar que os alunos (crianças, adolescentes e adultos)
chegam à Escola com inúmeras vivências de mundo, e isso é fundamental. São
experiências que, por sua vez, foram construídas nas mais diferentes relações
cotidianas e não podem ser desprezadas.
Por essa razão todas as experiências que os alunos portam devem ser

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elementos da pauta do trabalho daqueles que ensinam. É condição sine qua non
para a realização do trabalho do professor, no contexto educativo, considerar
que o sujeito - parte da relação de ensino aprendizagem - é detentor de vivências
e, portanto carrega algum tipo de experiência de mundo.
Ainda sobre as experiências de mundo, vale realçarmos que na escola ou fora
dela ocorre um movimento riquíssimo que nem sempre é captado. A possibilida-
de que os seres humanos possuem de se apropriar do que já conhecem. As ações
cotidianas (as experiências) vão revelando inúmeras necessidades no processo de
transformação do mundo. Isso implica lançar mão de ferramentas para reconhecê-
-las, distingui-las, organizá-las e principalmente ressignificá-las. (Amapá, 2000)
A escola nesse processo de desenvolvimento de estruturas de raciocínio
pode ser um lugar diferenciado, permitindo ao aluno retomar as experiências
de mundo de maneira cada vez mais dotada de atributos. Dessa maneira cada
experiência já se trata de um conhecimento (em movimento) que a criança porta.

O conhecimento construído na escola. Do que


estamos falando?

Para nos ajudar nessa inflexão sobre o conhecimento construído na es-


cola, recorremos inicialmente a Lefebvre (1983, p.49):

[...] O conhecimento é um fato: desde a vida prática mais imediata a mais


simples, nós conhecemos objetos, seres vivos e seres humanos. É possível
– e mesmo indispensável – examinar e discutir os meios de aumentar esse
conhecimento, de aperfeiçoá-lo, de acelerar seu progresso; mas o conheci-
mento em si mesmo deve ser aceito como um fato indiscutível. Em termos
filosóficos, o sujeito ( o pensamento, o homem que conhece) e o objeto
( os seres conhecidos) agem e reagem continuamente um sobre o outro,
eu ajo sobre coisas, exploro-as, experimento-as; elas resistem ou cedem à
minha ação, revelam-se; eu as conheço e aprendo a conhecê-las. O sujeito e
o objeto estão em perpétua interação; essa interação será expressa por nós
com uma palavra que designa a relação entre dois elementos opostos e, não
obstante, partes de um todo, como numa discussão ou num diálogo [...]

O filósofo francês demarca com exatidão que o conhecer do sujeito é uma


das resultantes possíveis da relação sujeito-objeto. E isso se dá no contexto da
vida prática. Entendemos que esse movimento de um sujeito que está em algum
lugar no mundo, já está conhecendo. Poderemos até questionar a profundidade

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desse ato de conhecer, (pois vai depender de como ele concebe o mundo) mas
não podemos negar ao sujeito o fato de que ele já está conhecendo alguma coisa
ao estabelecer relações como os mais diferentes elementos de sua cotidianidade.
A nossa experiência nos permite saber de acontecimentos. Há uma reve-
lação que se dá em movimentos. São ações permitidas ao sujeito na sua relação
com o objeto, mas não são os acontecimentos na totalidade.
Por essa razão há a necessidade de chamarmos a atenção de que o co-
nhecimento sempre é um processo em construção (e ele não pode ser finito).
Isso deixa claro que o saber, como a citação de Lefebvre enfatiza, não é uma
revelação que se dá lá no final do movimento... É necessária uma ação.
Vivenciar a sala de aula nos seus diferentes aspectos já implica um tipo de
reconhecimento. Há sujeitos/objetos em intensas relações. O conhecimento
não pode ser visto como uma situação que vai ser atingido no final do ato de in-
vestigar, mas sim um processo que, no caso, o sujeito que averigua dialoga com
o objeto. Reconhecer formas, orientações, distâncias e conexões, por exemplo,
implica um dialogo permanente. Isso exige ressignificações em todo percurso,
isto é, o conhecimento não se realiza no fim, mas sim ao longo do processo.
Nesse ponto podemos fazer menção aos problemas que a racionalidade
iluminista construiu e até os dias de hoje que se fazem presentes na nossa ma-
neira de pensar. Por hora basta pelo menos assinalar o fato de que a revelação da
verdade no contexto iluminista ocorre no final do processo. MORAES (2003)
Pensar dessa maneira nos representa a perspectiva de trazer a discussão
da construção do conhecimento, na escola, para o sujeito. Dá-se vida a algo
que nem sempre é tomado como referência. Ao centrarmos o processo de
aprendizagem no aluno estamos dimensionando o que ele porta de vivências e
como ele interage com o mundo.
Quando há uma preocupação de se construir o reapropriar-se das experi-
ências para a partir delas superar o entendimento do que aquilo significa há um
movimento relacionado a elaboração de perguntas. Isso associado a busca do sig-
nificado da indagação é um ponto importantíssimo, como veremos mais adiante .
Acontece que ao tratarmos de conhecimento é preciso, ao menos, pon-
tuar sobre como ele é construído pelos seres humanos.

Da experiência à simbolização, da linguagem ao


contexto escolar

Para iniciarmos nossa exposição nessa seção do trabalho recorremos a


um fragmento da obra de Karl Marx (1983, p.149-50):

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[...] Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha


envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos
de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de cons-
truí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado
que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto
idealmente[...]

Nessa passagem a comparação demonstra uma situação que em nosso


entendimento nos diferencia dos outros seres vivos. Somos capazes de trans-
formar nossas ações em símbolos. Somos aptos a pensar nossos movimentos
antes de executá-los. Os seres humanos são capazes de antever, organizar e
planejar seus movimentos antes de agir.
Isso é importante colocar porque os seres humanos no seu dia-a-dia vão
reconhecendo, ao mesmo tempo, a existência de necessidades e a busca de
respostas para tais indagações. Nesse movimento de responder essas questões,
os seres humanos são capazes de transformar cada ato de vivência num conjunto
de símbolos, que entendemos como a elaboração de códigos específicos de lin-
guagens. Nesse sentido vale buscar apoio nas considerações de Elias (1994, p.71)

[...] A linguagem, que é meio pelo qual um ser humano pode comunicar
e, de facto, agir com os membros do seu grupo, é indispensável ao pleno
desenvolvimento de um ser humano com a capacidade de usar o conhe-
cimento e o raciocínio como meio de orientação sob a forma de símbolos
linguísticos. Todos eles possuem funções humanas que são dirigidas de
umas pessoas para as outras. Eles são tornados possíveis pela forma es-
pecífica que caracteriza a vida conjunta dos seres humanos em grupos e,
por seu lado, possibilitam esta forma específica [...]

Nessa citação a criação de símbolos – estruturas simbólicas – estabelece


a necessidade de construção da ideia do outro, Ela também permite inferir que
sem a construção de códigos específicos de linguagem a relação não acontece.
Essas relações que envolvem aprendizagens de como transformar as ex-
periências em símbolos é que oportunizam aos seres humanos se constituírem
como humanos. É nesse contexto que entram as linguagens. Elas cumprem o
papel de possibilitar não só a construção da alteridade (quem é o outro e, por
isso mesmo, quem sou eu), mas também de organizamos a nossa maneira de
pensar e agir no mundo.

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Não é possível pensar que os seres humanos possam viver, isto é, execu-
tar ações voltadas a suprir suas necessidades para a manutenção da vida, se não
levarmos em conta a capacidade de interagirem.
As relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza têm a
característica inexorável de modificar o mundo de forma contínua. São infinitas
experiências de mundo que acontecem desde que os seres humanos surgiram
no planeta. Os diferentes saberes que emanam dessas vivências distinguem os
grupos sociais ao longo da história da humanidade.
Os saberes, aos serem articulados, tornam-se uma ferramenta importante
para as ações humanas, pois a cada demanda que surge nas vivências sociais, as
respostas partem do que já se conhece para refletir sobre o novo. Surge assim,
no acúmulo de vivências organizadas mentalmente e sistematizadas, maneiras
diferenciadas, a cada momento, de se compreender e atuar.
Cada grupo social elabora seus hábitos alimentares, suas expressões reli-
giosas, artísticas, linguísticas etc. Trata-se do fato de que cada povo constrói sua
cultura e essa distinção é fundamental para parametrizar a vida nas sociedades.
Exatamente nessa dinâmica de se (re) tomar para si os conhecimentos
construídos social e historicamente é que ocorre o que nos representa o mais im-
portante: a sistematização de experiências vem acompanhada de ressignificações.
É nesse movimento, de cotejamento e sistematizações de diferentes ex-
periências de mundo que dimensionamos a possibilidade de oferecer – para
aqueles que experimentam o contexto escolar, práticas educativas de ressignifi-
cações das nossas vivências de estar no mundo, visando intencionalmente agir
sobre ele.
Diante desse quadro é que pensamos o contexto escolar. O lugar escola,
além de dar tratamento as sensações que marcam o cotidiano, deve trabalhar a
possibilidade de reordenar/sistematizar o conhecimento que os alunos carregam.

Sobre a organização do conhecimento na escola

Na formação inicial de professores temos encontrado muitos adeptos da


compreensão de que há uma correlação direta entre o que se produz de conheci-
mento na universidade e o que se vai desenvolver como ensinamentos na escola.
Diante dessa postura a respeito sobre a natureza e organização do
conhecimento na escola assinalamos duas indagações que nos ajudam a
explicitar um raciocínio, visando ampliar a discussão. Que tipo de saber a escola
produz? Como isso se relaciona com a escolarização?
Ao apresentarmos questões dessa natureza estamos delineando

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apontamentos sobre a organização curricular. Nesse sentido nos ajuda a refletir


sobre o currículo a ponderação de SACRISTAN (1998, p.17) que assinala: é a
expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado
momento, enquanto que através dele se realizam os fins da educação no ensino escolarizado.
Trata-se de um processo para além de um elenco de assuntos e formas de
encaminhamento de práticas escolares.
Ele deve expressar como as experiências desenvolvidas pela sociedade se
articulam no interior da escola. Os desenhos curriculares exigem o envolvimen-
to de todos aqueles que fazem parte da escola. São professores, gestores edu-
cacionais, alunos e segmentos da sociedade que participam da sua construção.
Isso significa reinterar que essa forma de organização escolar está car-
regada de correlações de forças sociais (ARROYO, 2011) - por conseguintes
políticas - e por essa razão é compreendida como um processo que se modifica
a cada momento.
Soma-se a essa compreensão o fato de que os componentes curriculares
são também difusores do processo de construção do conhecimento dentro da
escola. Assim vale perguntar quais são os sentidos atribuídos aos assuntos que
são trabalhados na Escola e como isso se relaciona com o ato de educar.
Grosso modo quando falamos em Matemática, Português, Artes, Educa-
ção Física, História, Ciências e Geografia essas disciplinas são identificadas fora
e dentro da escola, pelos assuntos que a elas são atribuídos tradicionalmente.
Podemos afirmar que, de maneira geral, os conteúdos tem sido a razão
identitária de cada uma delas. Eis o ponto de inflexão: pouco temos nos per-
guntado sobre as razões desse ou daquele conteúdo estar consagrado no interior
de cada disciplina. Pouco indagamos sobre as razões que levaram a tais escolhas.
Isso é importante assinalar por que é uma possibilidade muito rica de
se demonstrar que os conteúdos consagrados na verdade são resultados de
tensões que a cada momento expõem como cada grupo social foi pensando
e, fundamentalmente, decidindo o que as novas gerações deveriam conhecer.
Vale ressaltar que as pesquisas sobre a história das disciplinas escolares ,
como demarca Gasparello (2009, p.74) [...] um olhar orientado para a compreensão
da escola como lugar de produção do conhecimento escolar em interação com as demandas e
interesses de um contexto histórico [geográfico] e social [...] (grifo nosso), poten-
cializam um campo investigação que entendemos como fundamental para se
pensar a formação inicial dos professores. Por meio desse tipo de indagações
pode-se tencionar, por exemplo, como os conteúdos e as maneiras de ensino
foram se consagrando.
As metodologias de ensino que fazem parte da formação docente

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apresentam uma dinâmica bastante peculiar: em muitos casos, os futuros


profissionais são instigados a terem os conteúdos específicos de cada disciplina
em si. Isso, num efeito cascata, cria a idéia de que estamos preparando um
docente dos anos inicias do ensino fundamental que necessita ser um
especialista. Ao mesmo tempo não se estabelecem as condições para que esse
sujeito questione quais os sentidos desse conhecimento à luz do processo de
desenvolvimento cognitivo que as crianças apresentam.
O que se desdobra dessa situação é que o conjunto de conteúdos, quan-
do se apresenta como base e objetivo do processo de aprendizagem, obriga o
professor a partir de definições (premissa maior) que devem ser testadas na
realidade, confundindo o que se pensa sobre o mundo com o próprio mundo
e, assim, a experiência vivida serve somente como exemplo (premissa menor).
Temos, então, um movimento circular: o professor fala como é o mundo tendo
as definições como o “apriori” que servem para “vestir” a realidade, isto é, para
transformar o conjunto de fenômenos do mundo na simples demonstração de
uma ou mais definições.
Essa maneira de agir revela muitas coisas sobre como pensam alguns
professores dos anos iniciais do ensino fundamental em formação. O entendi-
mento é de que os alunos, no início de seus processos de escolarização, já têm
suas estruturas cognitivas formadas e, portanto podem pensar como os adul-
tos ou como um especialista da área. É isso que dimensionamos ao perceber
que o tratamento de muitos assuntos, nos anos iniciais do ensino fundamental
– também nas demais etapas da educação básica – tem sido realizado com con-
ceitos prontos, revelados de antemão... Mesmo que não se tenha as condições
de amadurecimento para compreendê-los.
Nesse contexto é o movimento de se observar o mundo para construir
conceitos (e não mais definições ou conhecimentos fechados) é que deveria es-
tar disponível para novas observações. No entanto as adequações que as novas
experiências exigem, não é uma pauta central nas intervenções pedagógicas. As
mediações em muitos casos não são realizadas na prática escolar.
O obstáculo que enxergamos para a construção do conhecimento está
situado na maneira como aprendemos a pensar sobre o mundo, isto é como
concebemos a articulação das disciplinas na escola. Isso não significa desco-
nhecer as decisões políticas que vão desde como o corpo docente é formado,
assim como se dá a escolha dos objetivos pedagógicos, quais linguagens serão
desenvolvidas assim como os conteúdos (tanto aqueles que os alunos portam
como aqueles que são consagrados pelas disciplinas)
Vale retomar que a falta de problematização sobre o papel que os

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conteúdos têm no processo de ensino-aprendizagem tem causado efeitos de


várias ordens, sendo aquele que nos mostra ser o responsável pelo distanciamento
das experiências que o aluno carrega, isto é aquele que desconsidera o sujeito,
o mais pernicioso.
Por essa razão é deveras importante assinalar que componentes curricu-
lares como Português e Matemática, por exemplo, ao trabalharem com a orto-
grafia e as operações fundamentais o façam preocupados com a elaboração e
decodificação de mensagens, isto é, atrelem significados para o entendimento
das palavras que usam ou à maneira correta de armar as parcelas de uma ope-
ração. Que História e Geografia, como um segundo exemplo, ao trabalharem
com os acontecimentos, levem em conta as identidades de cada saber, dimen-
sionando as abordagens específicas bem como as linguagens que caracterizam
cada uma delas.
Nesse ponto é que enfatizamos a importância de pensar os papéis que os
componentes curriculares cumprem dentro da Escola. Se quisermos sistematizar
as vivências transformando-as em mensagens, teremos de dar condições para que
os alunos tenham o domínio dos códigos linguísticos vinculados ao conhecimen-
to dos assuntos (conteúdos) que são tratados em cada componente.
Os componentes curriculares tomarão outro sentido no contexto de for-
mação inicial de professores dos anos iniciais do ensino fundamental quando
estes compreenderem que os conhecimentos que hoje dispomos foram cons-
truídos no transcorrer da História humana e que a cada momento a humani-
dade se viu obrigada a responder as questões que lhe foi imposta pelo desen-
rolar da vida. Identificar motivos, assim como reforçar a compreensão de que
o conhecimento se constrói no interior de movimentos contextualizados é o
primeiro passo para se pensar os sentidos que os componentes curriculares
apresentam. O segundo movimento é não perder de vista que a construção do
saber é um processo que exige observação dos acontecimentos e a construção
conceitos para os quais se devem dominar estruturas simbólicas (linguagens).
Isso nos permite organizar mentalmente o que estamos vivenciando.
Nesse sentido, quando o professor dos anos iniciais do ensino
fundamental apresenta um assunto aos alunos está dando condições para,
a partir da confrontação do que já se conhece, ocorra os momentos de
reordenação e ampliação das simbolizações. Transformar esse ato de (re)
conhecer em mensagens é a missão precípua. O professor deve ter claro que
esse movimento de reorganização e aprofundamento de simbolizações é um
processo de alfabetização que não para nunca.

112
Terra Livre - n.38 (1): 99-120, 2012

Ponderando sobre os sentidos do componente


curricular Geografia na formação dos
professores dos anos iniciais do ensino
fundamental

Criar condições para que os futuros professores dos anos iniciais viven-
ciem e sistematizem a possibilidade de pesquisar, organizar e ministrar aulas de
Geografia tem colocado para todos nós constantes questionamentos.
Os encaminhamentos de cópias de mapas, descrições exaustivas de re-
levos, continentes e cidades, exercícios de coordenadas de longitude e latitude
jogos de localização e ainda jograis que identificam o nome dos países e suas
respectivas capitais, embora sejam já há muito bastante discutidos e conside-
rados inoperantes, pois se fundamentam na junção de dados e na perspectiva
mnemônica, sem que se façam as ponderações sobre as adequações e relações
que envolvem cada uma dessas situações, são ainda muito presentes nessa etapa
do ensino fundamental.
Soma-se a isso, outra prática constante: quando se fala em organizar o
ensino de Geografia a perspectiva de se iniciar pela comunidade mais próxi-
ma, a escola e a família; passando pelo município e depois o estado; aparece
como os conteúdos a serem desenvolvidos. Acontece que essa sequencia linear,
ancorada na teoria dos círculos concêntricos, também tem recebido críticas
contundentes (CALLAI, 2005), em função da desarticulação das partes e fun-
damentalmente por que não contribui na construção de se ver o mundo como
um processo.
Nesse seguimento de muitas dúvidas há também o movimento de mu-
niciar os professores com diversas fontes de informação e novas tecnologias
de comunicação. São mapas, letras de música, poesias, textos literário, infantis
assim como computadores, softwares, lousa digital etc. para a realização do tra-
balho. Uma infinitude de materiais e ferramentas que nem sempre são devida-
mente compreendidas e vinculadas aos porquês de cada ação pedagógica, apre-
sentando falsas questões e tênues resultados na relação ensino - aprendizagem.
De fato encontramos carências, de várias ordens, que têm atingido a for-
mação dos professores e, por conseguinte suas aulas.
Mas, se as ações de memorizar e acumular informações não devem ser os
nossos únicos objetivos, qual seria, então, a finalidade de se ensinar Geografia
nos anos iniciais do ensino fundamental?
Em oposição ao ensino de Geografia que tem uma de suas bases na
perspectiva de que aprender Geografia é decorar o nome dos lugares ou ainda

113
silva, j.l. da Formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental...

conceber os lugares de forma isolada, o que está em discussão é outra pers-


pectiva. Busca-se, ao ensinar Geografia, evidenciar como o sujeito responde
às perguntas: onde eu estou?(FOUCHER, 1989) onde estão as coisas que me ajudam a
entender o onde estou? Isto é, como ele pensa e dialoga com o mundo tendo como
referência os lugares e, assim, como ele constrói o sentimento de pertencimen-
to, levando em conta tais identificações.
Trata-se de dimensionar metodologicamente o ensino de Geografia para
crianças como uma leitura geográfica de mundo. Isso significa ponderar que
ler e escrever em Geografia leva em conta suas vivências, suas ponderações e
os significados que atribuem aos lugares (isto é a localização e distribuição dos
objetos e processos).
Mas o que é o lugar que estamos falando?
O lugar é a expressão das relações que os homens têm entre si e com a
natureza na produção das condições materiais (e simbólicas) da vida. Usamos
a noção de lugar com o objetivo de identificar localizações. Assim, a Terra é um
lugar no sistema solar e a sala de aula é um lugar da escola. Conceitualmente,
pode-se afirmar que o lugar é a identidade topológica dos processos. Os reco-
nhecimentos dos lugares estão relacionados às nossas experiências vivenciadas
em cada um deles e depende da escala de referência que iremos utilizar.
Deste modo o lugar se caracteriza por apresentar a posição relativa dos
elementos que o compõem. Uns estão em relação aos outros e suas maneiras de
ser atribuem significados aos lugares. Quando trocamos a posição dos elemen-
tos de um lugar estamos criando novas redes de significações. A identidade do
lugar muda. Experimente mudar a localização da prefeitura de seu município
e a posicione em outro lugar. As relações de poder ali serão as mesmas? Ou se
ainda pensarmos em outro contexto, como por exemplo, numa história infantil,
que sempre acontece em algum lugar... Experimente mudar a localização da
casa da vovozinha de chapeuzinho vermelho. O fim da história será o mesmo?
Podemos trabalhar com esse conceito para qualquer acontecimento em
diferentes escalas, isto é, em diferentes posicionamentos. Podemos ver um
lugar chamado Brasil de longe, de perto... Podemos ver um lugar chamado
Zona Franca de Manaus de longe, de perto... Podemos ver o lugar onde
estudamos de longe, de perto... Podemos ver o lugar onde moramos de perto,
de longe... Enfim, podemos considerar o lugar como o local onde acontecem
as relações, numa rede de interdeterminações (local/global). Concordamos
com CAVALCANTI (2009, p.144) que assinala: [...] o lugar sintetiza de uma
maneira específica o mundo, expressa relações mais gerais, mais globais, em sua
complexidade e em suas contradições [...]

114
Terra Livre - n.38 (1): 99-120, 2012

Nesse sentido salientamos que não basta ao aluno saber que está num
lugar chamado escola, se não entendermos o que significa escola e onde ela se
encontra em relação às demais, assim como não basta identificar o bairro des-
contextualizado do município a que ele pertence. Entre reconhecer os lugares
a partir das vivências e ser capaz de construir uma sistematização é preciso que
reflitamos sobre o significado dessas vivências nesses lugares. Por outro lado
caberá à escola oferecer ao educando a experiência de se apropriar de ferra-
mentas intelectuais que viabilize o adensamento dessa reflexão.
Então, tal como veremos mais adiante, assinalamos que aprender a ler e
escrever sobre a [...] geograficidade [...] (DARDEL 2011, p.1) do mundo tendo
como referência o papel da linguagem – [...] linguagem e realidade [que] se
prendem mutuamente [...] (FREIRE, 2001) - é aproximar-se do processo de
alfabetização que caracteriza a escola básica. Ou ainda, em outras palavras, é
dar condições para que o aluno se aproprie dos conhecimentos, se reconheça
tomando como referência as localizações, dialogando como sujeito geográfico
com os processos que estuda.

Identificando possibilidades de trabalho


com o componente curricular Geografia na
formação dos professores dos anos iniciais do
ensino fundamental

Quando o aluno chega à escola ele é detentor de um conjunto de experi-


ências de várias ordens. Ao longo de suas vivências foram incorporados apren-
dizados que caracterizam um tipo de conhecimento. Um exemplo marcante,
tomando é o da construção da fala (VIGOSTKI, 1998, p.150). As dinâmicas
diárias entre os adultos que falam com a criança vão desencadeando uma série de
estímulos que permitem aprender como se fala. Além disso, por exemplo, apren-
demos quando crianças palavras como árvore, carro, homem, pedra, casa, coelho,
porta etc. associando-as com imagens (de objeto, de animais ou de pessoas).
As palavras que são aprendidas ao longo das vivências das crianças reve-
lam uma interação impressionante entre o som, a ação e/ ou o objeto codifica-
do. Essa codificação é vital. Não é possível de ser estancada e não reconhecida
quando pensamos quem são as crianças em fase de escolarização.
A entrada da criança na escola é realizada sob a condição de que ela já
carrega interações que relacionam [...] estruturas da linguagem, do pensamento,
do conhecimento com as funções que eles desempenham na e para a vida dos
seres humanos em grupos [...] (Elias, 1994, p.70).

115
silva, j.l. da Formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental...

O papel da instituição escolar, referenciando-se nos conhecimentos que


a criança já se apropriou - é o de alfabetizar e letrar (SOARES, 1999) o aluno
ou, o que é o mesmo, proporcionar dia após dia a oportunidade ao aluno ser
confrontado, isto é, exposto diante de outros saberes que irão dialogar com o
que já é sabido. As linguagens devem servir para que o aluno possa, por meio
de diferentes maneiras de codificação, como, por exemplo, a oralidade e a escri-
ta a possibilidade de refletir sobre o que pensava e pensa sobre o mundo.
Dentro desse entendimento, quando o professor solicita ao aluno a re-
dação sobre como foram as férias o que está em pauta não é a formalidade da
escrita correta em si. Está em discussão a transformação da experiência em
símbolo (as palavras) e os significados que lhes estão sendo atribuídos.
O que se busca é o exercício da ação da escrita assim como o reconheci-
mento dos componentes que farão parte de uma história que por sua vez, pode
ser, por exemplo, desdobrada em operações matemáticas, identificação de um
lugar falando das pessoas ou ainda a identificação dos elementos utilizados para
a fabricação dos alimentos e roupas na nossa sociedade.
No ensino do componente curricular Geografia o movimento não é
muito diferente.
O ponto de partida assinala a importância de se aprender a olhar e reconhecer
as formas para que possamos identificar os lugares, isto é, identificar as paisagens.
Seja uma simples parede ou um conjunto de montanhas no horizonte, se-
jam as formas conhecidas que nos permitem identificar que chegamos à escola
que trabalhamos ou na quitanda que compramos os mantimentos, ou na casa
que moramos, ou ainda a uma forma jamais vista com a qual nos deparamos
numa viagem de férias ou estudo do meio, a percepção das formas é, sempre, a
construção em nossa mente de uma paisagem.
Vale lembrar que, quando falamos de paisagem, no contexto da escola
básica, não se está indicando que a pauta seja discutir o conceito em si, como
se fosse o ponto de partida do processo educativo. Entendemos como assina-
lamos anteriormente, que os conteúdos colocam o mundo como objeto a ser
desvendado. A construção de conceitos é o resultado desse processo de apren-
dizagem (YOUNG, 2011, p.4004). O que se busca, nessa etapa de escolarização,
é ressaltar a oportunidade de o aluno observar os elementos que fazem parte
de seu mundo, reconhecendo-os a partir de suas formas. Tal reconhecimento
tem as mesmas características da formação da linguagem tal como já foram ob-
servadas: trata-se de associar formas e significados com nomes (substantivos),
qualidades (adjetivos) e ações (verbos). É, portanto, uma fusão entre o observar
do mundo e a possibilidade de identificá-lo com o uso de símbolos (desenhos,

116
Terra Livre - n.38 (1): 99-120, 2012

palavras faladas ou escritas, cores, gestos, sons, músicas etc.) para que, além de
se viver no mundo sejamos capazes de pensar sobre ele.
Isso significa tornar maior a capacidade da descrição. O movimento dos
alunos na direção da apropriação de palavras que estejam vinculadas aos obje-
tos e ações que observa é vital.
Deve ficar claro que ter ciência do nome (dos elementos que caracte-
rizam a paisagem) das coisas (além de suas qualidades e ações) não define o
conhecimento de sua geografia. Os elementos compõem a distinção dos lu-
gares. Além de reconhecer que elementos são esses, devemos localizá-los para
se desvendar o sentido que possuem por estarem onde estão. Por essa razão é
que se fala que a localização de quem observa interfere nos juízos de valor que
resultam dessa experiência.
Assim as noções espaciais aqui, ali, acolá, perto, distante, esquerda, direi-
ta, acima ou abaixo, à frente ou atrás devem se tornar de uso organizado e, nes-
se contexto, o uso da linguagem cartográfica vai se tornar uma das ferramentas
básica dessa aprendizagem. Se por exemplo as montanhas, conjuntos habita-
cionais, estradas, favelas, shopping center, aldeias, plantações de soja, fábricas,
rios, continentes, encosta de morro, bairros, países, regiões do Brasil, florestas,
escolas e pessoas têm seus lugares, conseguir representar tais localizações é
uma das formas mais diretas e eficientes de compreender o significado geográ-
fico que possuem.
Vale reforçar, ainda, que o ensino da Geografia não se resume a identifi-
car o nome das coisas e representa-las cartograficamente (SOUZA, J.G. e KA-
TUTA, A.M. 2001). É preciso que saibamos que a localização de todas as coi-
sas é determinante na definição do significado que possuem. Longe ou perto,
por exemplo, não é somente uma noção de distância métrica, mas poderá nos
informar como os objetos sobre os quais estamos prestando atenção acabam
influenciando uns aos outros.
Em Geografia tais distâncias não podem ser associadas somente a valo-
res numéricos. Não é muito difícil reconhecermos que determinadas pessoas
que vivem a muitos quilômetros de nós estão mais próximas de nossas vidas
que alguns dos nossos vizinhos. Hoje em dia, a existência da internet e de todos
os meios eletrônicos de comunicação acabaram por, definitivamente, revolu-
cionar nossas noções de distância.
Por último, depois de identificar a presença dos elementos, saber seus no-
mes, localizá-los de forma a posicioná-los uns em relação aos outros, o pensar
geográfico estará articulado quando conseguirmos saber como a coexistência
de posições define as dinâmicas e os significados dos lugares.

117
silva, j.l. da Formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental...

Na escola aprenderemos como organizar todos esses movimentos em


mensagens faladas e escritas (assim como aprenderemos a ler as mensagens
faladas e escritas dos outros campos do conhecimento).
É, portanto, tendo como referência o que acabamos de ver que se torna
possível repetir a ideia de que o componente Geografia, assim como os demais
saberes escolares que demarcam o currículo dos anos iniciais se articulam como
processos alfabetizadores.

Considerações finais para ampliar o diálogo...

Esse texto buscou problematizar como se organiza a construção do co-


nhecimento na formação inicial de professores dos anos iniciais do ensino fun-
damental. E isso, defendemos, deve ser mediado na trama articulada entre os
sujeitos e os sentidos dos saberes que produzem.
Assim a perspectiva que não vê o mundo de forma metafísica busca evi-
denciar, não só, quem é o sujeito, mas também quais são seus vínculos no con-
texto das relações envolvendo a escola, os processo de ensino-aprendizagem e
os fundamentos epistemológicos que orientam as respectivas práticas. Esse é o
delicado ponto a ser equacionado.
Com essas preocupações conceber a escola como um tema necessário na
problematização da formação docente se apresenta com uma potencialidade
(obrigação?) imensa. Exige uma atitude de se levar em conta de onde se está
falando. Isso demanda não só o sujeito reconhecer onde ele está, mas também
dá condições do estabelecimento de uma postura que leva em conta as particu-
laridades de cada escola, isto é não as vê como algo homogêneo.
É um movimento que amplia o caminho para pensarmos o papel dos
componentes curriculares no contexto dos objetivos pedagógicos do professor
de crianças de 6 a 10 anos.
É nesse ponto que as reflexões sobre o que são cada um dos diferentes
componentes curriculares adquirem um papel instigador para a formação
docente. Isso exige pensar nas suas distinções e articulações. Tenciona a
reflexão epistemológica sobre como os professores em formação inicial (se
mobilizam) dialogam e propõem suas intervenções pedagógicas sob o critério
dos sentidos de se atuar em mais de uma área do conhecimento que demarcam
os anos iniciais do ensino fundamental.
Dimensionamos que a ampliação de pesquisas sobre o ensino e aprendizagem
de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental potencializam reflexões
sobre as questões referenciadas nas epígrafes desse trabalho.

118
Terra Livre - n.38 (1): 99-120, 2012

Nesse sentido urge adensarmos as investigações durante os percursos


formativos de professores. É necessário ouvir e identificarmos quem são os
sujeitos, de quais escolas estamos falando, o que se compreende como compo-
nentes curriculares nos anos iniciais...
Enfim, cotejados com essas realidades, é importante lançarmos questões so-
bre os sentidos das arrumações curriculares no que se refere à mediação pedagógica
e, especialmente, explicitar também as diferenciações de proposições relativas ao
componente curricular em tela. Eis alguns dos desafios que necessitamos ampliar.

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silva, j.l. da Formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental...

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120
Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?1

Human Geography: “deregionalization” (in)consequent?

¿Geografía Humana: “desregionalización” (in)consecuente?

Célio Augusto da Cunha Horta


UFMG
celio@igc.ufmg.br

Resumo: Consideradas as transformações epistemológicas produzidas pela Geografia Crítica


e pela Geografia Humanística pretende-se, assim, refletir sobre a (des)valorização das pesquisas
regionais na Geografia. Comparecem, portanto, duas perguntas paralelas: de acordo com os
analistas marxistas do espaço, as mudanças globais mais recentes tendem a degenerar a região
ou essas espacialidades estão sendo reproduzidas conforme os parâmetros da terceira revolução
técnico-científica? No escopo das concepções fenomenológicas, a região, precisamente, se (con)
funde com a categoria lugar? E mesmo diante de interpretações que (em princípio) abordariam
a região, parte-se do pressuposto que ocorre um processo generalizado de “desregionalização”
na Geografia Humana.
Palavras-chave: região, geografia, globalização, fixos e fluxos.

Abstract: Given the epistemological transformations of Critical Geography and Humanistic


Geography seeks to reflect on the (de)valuation of research in regional geography. Attend,
therefore, two parallel questions: according to the Marxist analysts of space, the recent global
changes tend to degenerate region or these spatialties are being reproduced according to the
parameters of the third scientific-technical revolution? The scope of the phenomenological
conceptions, the region, precisely, is confused with the place category? And even with
interpretations that (in principle) would approach the region starts from the assumption that
there is a generalized process of “deregionalization” in Human Geography.
Keywords: region, geography, globalization, fixed and flows.

1  Texto extraído (e modificado) da tese de doutorado – “Geografia regional: um resgate teórico da ma-
croescala” – orientada pela Professora Ester Limonad e defendida, na UFF, em 11/11/2011.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 28, V.1, n.38 p.121-146 Jan-Jun 2012

121
horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

Resumen: Teniendo en cuenta las transformaciones epistemológicas producidas por la


Geografia Crítica y la Geografia Humanista se pretende, por tanto, reflexionar sobre la
valoración (de) la investigación en la geografia regional. Asistir, por lo tanto, dos cuestiones
paralelas: ¿según los analistas marxistas del espacio, los recientes cambios a nivel mundial
tienden a degenerar la región o estas especialidades se reproducen de acuerdo a los parámetros
de la tercera revolución científico-técnica? ¿El alcance de las concepciones fenomenológicas, la
región, precisamente, si (con) funde con la categoría lugar? E incluso con las interpretaciones
que (en principio) se acercaba a la región parte de la suposición de que existe un proceso
generalizado de “desregionalización” en Geografia Humana.
Palabras clave: región, geografía, globalización, fijos y flujos.

INTRODUÇÃO

A Geografia, em geral, apresentou significativos avanços teóricos e metodo-


lógicos no decorrer dos últimos trinta anos. O desenvolvimento de alguns campos
particulares, como a Geografia Urbana, a Geografia Agrária e a Teoria (e métodos)
da Geografia e a Climatologia vincula-se, em maior ou menor grau, aos desdobra-
mentos da crise epistemológica da Geografia, manifesta na década de 1970.
Contudo, os estudos regionais permaneceram numa espécie de ostra-
cismo acadêmico, ou seja, a Geografia Regional, grosso modo, não se inseriu
de maneira significativa nas mudanças de enfoque próprias desse período de
crise e renovação. Já no início da década dos anos de 1980, Rogério Haesbaert
(1984, p. 356) questionava: “(...) estarão as ‘regiões’, concretamente em crise,
ou estaremos mais vivendo uma crise de conceito?” E apesar dos sequentes
debates teóricos - na Geografia - envolvendo o conceito de região, os estudos
geográficos regionais não avançaram e aparentemente perderam expressão.
Há vários fatores que contribuem para a posição marginal, na Geografia,
dos estudos regionais. Ressaltem-se, entretanto, as (incompletas) conclusões
sobre as relações entre um mundo (mais) globalizado e a “morte” (ou o vigor)
da região. Para Haesbaert (2010, p. 49) se “a chamada Geografia quantitativa
representou o primeiro momento de morte e ressurreição da região, o segundo
viria com a Geografia crítica de fundamentação marxista.” Há indícios, porém,
de que essa “segunda ressurreição” não tenha alcançado proporção semelhante
ao seu “segundo período de morte”. Mesmo a região funcional, edificada na
Nova Geografia - e cujo princípio de coesão se sustenta nos fluxos e na forma-
ção de redes - está hoje relativamente ignorada.
Interroga-se, então, sobre a formulação de algumas ideias da Geografia
Crítica e da Geografia Humanística que influenciam na (des)valorização das

122
Terra Livre - n.38 (1): 121-146, 2012

pesquisas regionais. No contexto dessas duas correntes de pensamento geográfico,


algumas posturas acadêmicas relacionadas a essa questão merecem destaque, dentre
as quais: 1) a diluição da região no escopo das concepções preferenciais pelo lugar e
pelo espaço vivido; 2) a ideia de que a região extingue-se frente aos novos arranjos
globais do capitalismo e 3) a correlação recorrente entre região e escala.
Objetiva-se, assim, refletir sobre determinadas atribuições dispensadas
à região pelas correntes Crítica e Humanística da Geografia. A região, afinal,
constitui-se em uma espacialidade arcaica (e em degeneração) ou numa estru-
tura espacial em transformação? No cerne das investigações fenomenológicas,
a região se sustenta enquanto uma espacialidade objetiva? A problematização
em torno de algumas leituras (regionais?) do mundo pós-fordista, segundo o
pensamento de autores como Armand Frémont (1980), Milton Santos (1997),
Sandra Lencioni (2000), David Harvey (2005), Ruy Moreira (2008), dentre ou-
tros – compõe o eixo desse artigo. E mesmo diante de interpretações que a
priori tenderiam a valorizar a região, parte-se do pressuposto que ocorre um
processo generalizado de “desregionalização” na Geografia Humana.

Região: um conceito ultrapassado?

Somente poucos geógrafos humanos hoje em dia iriam proclamar-se


“geógrafos regionais”, e até há pouco a Geografia Regional foi descrita
como se estivesse necessitando mais de ser exumada do que ressuscitada.
(THRIFT, 1995, p. 215).

Essa citação de Nigel Thrift tende, evidentemente, a adquirir maior perti-


nência quando se pretende refletir sobre a morte da região. Assim, cabe pergun-
tar: será que alguns pesquisadores – focados em leituras marxistas de mundo
– “decidiram”, por força metodológica, decretar o desaparecimento da região?
Iná Elias de Castro (2002, p. 58) ressalta que a “perspectiva regional enfrentava,
pois, o dilema da não-cientificidade ou da sua morte. Com o domínio intelectu-
al do materialismo na Geografia a segunda opção foi vitoriosa.” E acrescenta:

Na perspectiva positivista a redução do método geográfico à região, sem uma


estrutura lógico-dedutiva consistente, confinou a disciplina a um forte pro-
vincianismo acadêmico. Na perspectiva da geografia crítica a aceitação de
qualquer determinação ou mesmo explicação do nível regional era contra-
ditória com a estrutura teórica de seus argumentos. (CASTRO, 2002, p. 58).

123
horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

Segundo Thrift (1995), Marx possuía desinteresse pela diferença regio-


nal. Para Thrift (1995), haveria uma incompatibilidade metodológica entre o
“sistema teórico totalizante” – próprio de muitas interpretações marxistas -
e as “diferentes geografias” da sociedade moderna. O autor considera que o
determinismo econômico e histórico, em muitos trabalhos geográficos, tem
prevalecido sobre o espaço regional.
Destarte Thrift (1995) discorda, por exemplo, de Frederic Jameson
(1987, 1991) por sua concepção de “espaço pós-moderno”, pois o regional,
segundo Thrift, é completamente liquidado nessa perspectiva. Territórios con-
tínuos e demarcados são substituídos pelo “localismo globalizado” e pela “so-
ciedade globalmente local”. Segundo Thrift (1995), Jameson ao considerar as
mais recentes transformações técnico-científicas trata, por exemplo, a fluidez
do capital financeiro e as diversas articulações sociais em rede como processos
próprios dos localismos globais e do globalismo localizado.
Quanto aos fixos e fluxos – abordados por Milton Santos (1978, 1982,
1988) – Jameson e outros pesquisadores (entre os quais geógrafos) parecem,
de fato, superestimar esses últimos. Além do mais, os fixos acabam reduzidos
ao efêmero, são desespacializados – às vezes desmaterializados – ou são apenas
observados em escala (do poder) local. Cabe especular se essa supervaloriza-
ção dos fluxos - acompanhada de uma relativa negação dos fixos - tem alguma
correlação, na Geografia, com alguns princípios metodológicos próprios de
pesquisadores que buscam alcançar a essência dos processos e ultrapassar, as-
sim, a “pura” descrição das formas (espaciais) aparentes. Trata-se, pois, de um
recorrente procedimento metodológico firmado, portanto, na fetichização dos
fluxos e, por conseguinte, na desconsideração das materialidades estruturais da
sociedade capitalista?
Nessa linha de pensamento, não só a região torna-se sem valor (e sem sen-
tido), como o próprio espaço perde significado como uma entidade. Entende-se
assim que, se alguns marxistas (geógrafos ou não) consideram que a Economia
Clássica não avançou satisfatoriamente na explicação dos processos capitalistas,
tal avaliação não deveria justificar as tentativas de formulação de uma espécie de
subteoria antiespacial: uma justaposição de conhecimentos da Economia Política
(marxista) com alguns conhecimentos da Geografia calcada, paradoxalmente, na
negação material do espaço, num nihilismo espacial (e regional).
Para Luis Lopes Diniz Filho (2002, p.158) “não é possível elaborar, a
partir de um instrumental marxista, um conceito científico de região.” O autor
salienta que, mesmo diante das interpretações teóricas que atingiram análises
pertinentes ao “desenvolvimento do capitalismo no espaço” (superando as

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Terra Livre - n.38 (1): 121-146, 2012

análises do “capital no espaço”), o envolvimento do marxismo na Geografia


Regional é tortuoso. Para o autor, essa “área dos estudos regionais não auxilia
na tentativa de demonstrar a objetividade das regiões, mesmo que se deseje
trilhar o acidentado caminho de formular alguma teoria das trocas desiguais
derivada desse referencial teórico e metodológico.” (DINIZ FILHO, 2002, p.
151). Assim, segundo Diniz Filho (2002, p. 152):

No caso dos marxistas, a grande questão evidentemente não é a de es-


tabelecer “leis gerais” sobre a distribuição espacial dos fenômenos na
superfície do planeta a fim de aplicá-las no estudo de regiões específicas,
tal como propunham algumas correntes da Geografia Tradicional; o pro-
blema aqui é o de ajustar a teoria marxista sobre as “leis” de movimento
do capital ao estudo do desenvolvimento desigual.

Nesse sentido, Diniz Filho (2002, p. 157) critica o conceito de região ado-
tado por Francisco de Oliveira (1993), pois considera o mesmo inoperante, inclu-
sive “para o estudo da dinâmica dos ‘novos espaços econômicos’ (...)”. O autor
ressalta que, na concepção de Oliveira (1993), “não se pode falar de regiões nos
marcos da hegemonia do capital monopolista sobre o processo produtivo em
escala nacional (...)” já que Oliveira “sustenta que em vários países capitalistas
avançados já não seria possível encontrar regiões, mas apenas ‘zonas de localização
diferenciada de atividades econômicas’ (...)”. (DINIZ FILHO, 2002, p. 156).
Diniz Filho (2002) questiona essa noção de “zonas de localização dife-
renciada” de Oliveira (1993). Segundo o autor, essas zonas, conceitualmente,
não se distinguiriam de diferenciações do espaço delineadas pela divisão regio-
nal do trabalho. Além do mais, Diniz Filho (2002, p.155) considera deficiente
a explicitação do “movimento assintótico”, ou seja, a contradição entre a ten-
dência à homogeneização espacial e o caráter desigual e combinado das rela-
ções de produção capitalista, pois esse movimento contraditório constitui um
marco importante das ideias de Oliveira (1993). Segundo Diniz Filho (2002),
esse movimento não é desenvolvido teoricamente por Oliveira (1993, p. 27)
que, no entanto, trata, mesmo assim, dessa contradição ao afirmar que “existem
‘regiões’ em determinado espaço nacional” e que, também,

existe a tendência para a completa homogeneização da reprodução do


capital e de suas formas, sob a égide do processo de concentração e
centralização do capital, que acabaria por fazer desaparecer as “regiões”
(...) Tal tendência nunca chega a materializar-se de forma completa e

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horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

acabada, pelo próprio fato de que o processo de reprodução do capital é


por definição desigual e combinado (...) (OLIVEIRA, 1993, p. 27).

Reconhece-se que essa contradição socioespacial (e de caráter regional)


não foi suficientemente desenvolvida por Oliveira e muito menos, ainda, por ou-
tros pesquisadores – geógrafos, inclusive. Todavia, especula-se que por influência
(não exclusiva, mas importante) dessa obra de Oliveira (1993) persistem, ainda
hoje, na Geografia Crítica em geral, as seguintes ideias: 1) de que a região tende
ao desaparecimento frente aos processos homogeneizadores (e externos) do ca-
pitalismo global; mas, por outro lado, 2) que a região, hodiernamente, se reproduz
(metamorfoseada) como produto socioespacial da divisão internacional (e nacio-
nal) do trabalho; e 3) que a região (econômica e política) corresponde, em termos
escalares, a um espaço circunscrito ao território nacional (já que para Oliveira sua
definição é derivada, principalmente, da hegemonia interna de classe).
Derek Gregory (1995) critica a visão geométrica e “antissocial” da Ge-
ografia como “ciência espacial” (Nova Geografia), mas, também, aponta pro-
blemas teóricos nas concepções geográficas que assumiram vários preceitos do
que ele denomina de “marxismo ocidental”. A leitura Gregory (1995) indica
que na produção de David Harvey e de outros geógrafos marxistas, há uma
negação do espaço, uma espécie de nihilismo espacial, conforme exposto ante-
riormente. Assim, as estruturas sociais, os sistemas econômicos e as tempora-
lidades são superdimensionados enquanto o espaço geográfico é praticamente
decomposto. O autor parece ciente de que para “Soja, a questão fundamental
da incorporação do marxismo à Geografia foi a excessiva ênfase dada à história
em detrimento do espaço” (LENCIONI, 2000, p. 163). Gregory (1995) tam-
bém parece convencido de que, para Edward Soja, persiste uma “materialidade
teimosa” frente às ações (e discursos) de “desincorporação” da humanidade
por meio da “Corporatização do território” (SANTOS, 1997, p. 201). Apesar
disso, Gregory (1995, p.105) discorda parcialmente do mesmo, tendo em vista
que “Soja considera esta ‘reversão ao mapeamento’ estimulante.”
Gregory (1995) não desqualifica as obras de Harvey, de Soja, de Manuel
Castells e outros, ao contrário. Mas, sinaliza - pode-se, a partir de suas idéias,
assim resumir – que a “Geografia Radical”, de um jeito ou de outro, não só
matou a região como, também, assassinou os lugares e os territórios. Para
Gregory (1995:104) esse tratamento teórico contribui para que se estabeleça
uma concepção generalizante de que o espaço geográfico tornou-se, então,
algo (metafísico) fluido e “como afirmou Castells (1983) ‘o espaço é dissolvido
em fluxos’ (...) e lugares são esvaziados de seu significado local.”

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Gregory (1995) também não desconhece e nem nega o surgimento de


novas relações (e formas?) espaciais derivadas da reestruturação do capitalis-
mo pós-fordista. Entretanto, critica a defasagem teórica na Geografia Humana.
Afinal, a decomposição – não absoluta - dos lugares ocorre(ria) automatica-
mente (sem haver resistência) conforme os ditames da atual globalização?
Manuel Castells (1999) ao refletir sobre a Sociedade em Rede na Era da In-
formação adverte para a ocorrência da “superação dos lugares”. Contudo, re-
conhece que a economia global não é planetária e, portanto, o “capitalismo
flexível e rejuvenescido” (CASTELLS, 1999, p.412) reproduz exclusões sociais
e territoriais, o que em parte implica em resistências (com base nas identida-
des comunais) ou em “conexões perversas” com o crime organizado. Segundo
Castells (1999, p.432) o “planeta está sendo segmentado em espaços claramente
distintos, definidos por diferentes sistemas temporais.” Castells (1999, p. 426-
427) afirma que

Ao longo da história, as culturas foram geradas por pessoas que compar-


tilham espaço e tempo (...) No paradigma informacional surgiu uma nova
cultura a partir da superação dos lugares e da invalidação do tempo pelo
espaço de fluxos e pelo tempo intemporal: a cultura da virtualidade real.

Castells (1999, p.437) salienta ainda que “há enorme defasagem entre
nosso excesso de desenvolvimento tecnológico e o subdesenvolvimento so-
cial.” Nesse sentido, cabe especular que a idéia de compressão espaço-tempo de
Harvey (1994) também contribuiu para o desenvolvimento das teorias sociais
críticas, porém, parece que, simultaneamente, estimulou os discursos sobre o
fim do espaço (e da Geografia). Harvey (1994, p. 264), ao tratar da “aniquila-
ção do espaço por meio do tempo” na modernidade e na pós-modernidade
destaca, inclusive, a dimensão espacial e suas variações geográficas, mas, talvez
tenha ficado a impressão de que a velocidade do tempo da mercadoria subtrai
o espaço geográfico ao invés de fragmentá-lo e rearticulá-lo. Provavelmente,
também, prevaleçam, nesse caso, confusões conceituais entre distância espa-
cial e espaço geográfico.
Harvey (1994, p. 260), portanto, ao se referir à mobilidade do capital (e
do trabalho) sob o regime de acumulação flexível salienta que a “efemeridade e
a comunicabilidade instantânea no espaço tornam-se virtudes a ser exploradas
e apropriadas pelos capitalistas para os seus próprios fins.” Nesse âmbito,
Zygmunt Bauman (2008, p.53) difere claramente os grupos detentores de fácil
mobilidade espacial das “pessoas que não são livres para se mover e trocar de

127
horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

lugar por falta de recursos”. Bauman (2008, p.56) trata da fragmentação do


tempo e do espaço e discrimina os novos nômades dos novos sedentários:

O tempo e o espaço têm sido alocados de maneira distinta nos degraus da


escada do poder global. Aqueles que podem se dar ao luxo vivem apenas
no tempo. O que não podem, vivem no espaço. Para os primeiros, o espaço
não importa. O segundo grupo luta para fazer com que o espaço importe.

Sobre essa relação (espaço-tempo), Moreira (2002) sinaliza na direção da
“densificação espacial da história” e acrescenta que “quanto mais as relações
espaciais vão se construindo pela técnica no tempo, mais a história vai se tor-
nando espaço que tempo (...)” (MOREIRA, 2002, p. 59).

Novas relações capitalistas: des-


regionalização do espaço?

No escopo das abordagens marxistas, a categoria região encontra-se en-


volvida nos mais variados discursos, a exemplo dos que apregoam o seu fim e
dos que a colocam como uma espacialidade modificada pelas novas relações de
reprodução capitalista. No segundo caso, dúvidas são colocadas acerca de sua
coerência interna produzida – conforme Santos (1978) e Harvey (2004) – pela
dinâmica internacional. Mas afinal, que (suposta) coerência é esta produzida
externamente? Sobre a lógica de acumulação (flexível) capitalista no/do espaço,
Harvey (2004, p. 88) aborda a recente relação entre a circulação do capital e sua
relativa estabilidade/coerência regional:

Referir-me-ei a essas configurações relativamente estáveis com o termo


“regiões”, que defino como economias regionais que alcançam certo grau
de coerência estruturada em termos de produção, distribuição, troca e
consumo – ao menos por algum tempo. Os processos moleculares con-
vergem, por assim dizer, na produção da “regionalidade.”

Para Harvey (2005) o processo de reprodução ampliada do capital exige,


cada vez mais, a ruptura das cristalizações espaciais, apesar da função paliativa
que as mesmas possuem no “adiamento das crises” de acumulação. O capital
fixo – e as espacialidades materiais decorrentes – mesmo que necessário, tende
a se constituir, na perspectiva de Harvey, um fator quase antieconômico para
realização do capital móvel, volátil. Assim, pode-se inferir que, para Harvey

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(2005), o capital – na sua forma atual – adquiriu uma “condição nômade” mui-
to mais significativa, a sua instalação espacial é parcialmente compatível com a
respectiva estabilidade regional que, todavia, torna-se cada vez mais reduzida
em termos temporais.
Há, de acordo com Harvey (2005), um desequilíbrio permanente e cres-
cente entre a reprodução ampliada dos capitais oligopolistas e as infraestruturas
materiais. A produção e, principalmente, a circulação de mercadorias se depa-
ram com o que ele denomina de “inércia geográfica” que, contraditoriamente,
possibilita a reprodução ampliada do capital, mas também inibe sua expansão
em maior escala. Segundo Milton Santos (1985, p.67), dentro “de uma região,
os capitais fixos são geografizados segundo uma lógica que é a do momento de
sua criação. Isso tem um inegável papel de inércia.”
Sobre a “coerência estruturada” no espaço (regional), Harvey (2005) ressalta
a contradição entre a materialidade funcional do território - inércia relativa – e a
mobilidade de capital e trabalho, essa última diretamente atrelada à necessidade de
giro rápido de capital (competição oligopolista). Segundo Harvey (2005, p.147):

Há processos em andamento, portanto, que definem os espaços regionais, em


que a produção e o consumo, a oferta e a procura (por mercadorias e força
de trabalho), a produção e a realização, a luta de classes e a acumulação, a
cultura e o estilo de vida permanecem unidos como certo tipo de coerência
estruturada, em uma soma de forças produtivas e de relações sociais.

Para Harvey (2005) essa coerência regional tende a ser cada vez mais tem-
porária sendo, ainda, definida basicamente por determinações externas. Harvey
(2005) defende que os deslocamentos espacial e temporal oferecem amplas opor-
tunidades para a absorção dos excedentes (inaproveitados) de capital e força de
trabalho. Instabilidade acentuada e estabilidade relativa das configurações regio-
nais constituem, assim, movimentos fundamentais da geopolítica atual do capital
oligopolista. Contradições entre os fixos e os fluxos manifestam-se na (re) produ-
ção das (des)organizações espaciais. Assim, segundo Harvey (2005, p.150):

A coerência regional estruturada, em que a circulação do capital e a troca


de força de trabalho apresentam a tendência, sob restrições espaciais tec-
nologicamente determinadas, a se constranger, tende a ser solapada por
poderosas forças de acumulação e superacumulação, de mudança tecno-
lógica e de luta de classes.

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horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

Todavia, o poder desse solapamento depende, segundo Harvey (2005,


p.150) “da mobilidade geográfica tanto do capital como da força de trabalho,
e essa mobilidade depende da criação de infra-estruturas fixas e imobilizadas,
cuja permanência relativa na paisagem do capitalismo reforça a coerência re-
gional estruturada em solapamento.” E afirma que “assim, a viabilidade das
infra-estruturas fica em perigo, devido à própria ação da mobilidade geográfica,
facilitada por essas infra-estruturas.” (HARVEY, 2005, p.150). Por isso, Harvey
(2005) destaca o processo de “destruição criativa” das paisagens geográficas
pelo capital e o processo de “ajuste espacial”. Portanto, a exportação das cri-
ses de acumulação transforma-se na “solução externa para os problemas da
região” (HARVEY, 2005, p.153). Formação e dissolução das alianças regionais
de classes (tendo o Estado papel relevante nesse empreendimento geopolítico)
se entrelaçam na trama da instabilidade-estabilidade regionais. E Harvey (2004,
p. 91-92) reconhece as novas atribuições do Estado nesse contexto de reorde-
nações territoriais:

O Estado pode, entretanto, usar seus poderes para orquestrar a diferen-


ciação e a dinâmica regionais não só por meio de seu domínio dos in-
vestimentos infra-estruturais (particularmente nos transportes e comu-
nicações, na educação e na pesquisa), mas também mediante sua própria
imposição de leis de planejamento e aparatos administrativos. Suas capa-
cidades de reforma das instituições básicas necessárias à acumulação do
capital também podem ter profundos efeitos (...).

Harvey (2004) concebe a região como produto da divisão (nacional e
internacional) do trabalho e como componente do imperialismo territorial e
financeiro – susceptível inclusive aos conflitos geopolíticos interestatais. E na
rede mundial de capitais oligopolistas, Harvey (2004:112-113) ressalta a cone-
xão entre centralidades geográficas e certos territórios periféricos:

O quadro geral que surge, por conseguinte, é de um mundo espaço-tempo-


ral entrelaçado de fluxos financeiros de capital excedente com conglome-
rados de poder político e econômico em pontos nodais chave (Nova York,
Londres, Tóquio) que buscam seja desembolsar e absorver os excedentes
de maneiras produtivas, o mais das vezes em projetos de longo prazo numa
variedade de espaços (de Bangladesh, ao Brasil ou à China), seja usar o
poder especulativo para livrar o sistema da sobreacumulação mediante a
promoção de crises de desvalorização em territórios vulneráveis.

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Terra Livre - n.38 (1): 121-146, 2012

Não obstante, David Harvey (2004, p.113) salienta ainda que “(...) as po-
pulações desses territórios vulneráveis que têm de pagar o preço inevitável em
termos de perdas de ativos, perda de empregos e perda de segurança econômi-
ca, para não mencionar perda de dignidade e de esperança.”
Diante desse quadro macroeconômico e macropolítico, como situar a
macrorregião, a região-zonal e mesmo a região-rede? Em termos de funcionali-
dade parece menos difícil situar essas regionalidades/teritorialidades nesse con-
texto (hiperimperialista) de “destruições criativas” e de recriações territoriais
instantâneas. Mas, e em termos de conteúdo formal? O campo aparente das
formas (materialidades) regionais não reflete o domínio estrutural pertinente
aos processos gerais de reprodução ampliada dos capitais financeiros?
Milton Santos (1978, p.199) assinala que a “sociedade não se pode tornar
objetiva sem as formas geográficas.” Segundo Santos (1997, p.101) “de um
lado a estrutura necessita da forma para tornar-se existência e, de outro lado, a
forma-conteúdo tem um papel ativo no movimento do todo social.” E acres-
centa: “tornada forma-conteúdo pela presença da ação, a forma torna-se capaz
de influenciar, de volta, o desenvolvimento da totalidade, participando assim,
de pleno direito, da dialética social.” (SANTOS, 1997, p.101).
Ruy Moreira (2002, p.57) ressalta as novas formas sociais e espaciais (ou
as deformações espaciais no sentido cartesiano?) de regulação capitalista em
que “a globalização financeira poliformiza o valor e o trabalho, e assim libera o
espaço do híbrido e da diferença (...)”. E como referência (memorial) ao “atual
espaço mundial em rede” (MOREIRA, 2002, p.54), o autor trata da produção
capitalista original do espaço (industrial) onde havia, segundo ele, maior nitidez
dos arranjos regionais. Assim, segundo Moreira (2002, p.53):

A região é a matriz espacial dessa sociedade da centralidade fabril, dis-


tinguindo-se duas formas de arranjo: a região homogênea, nas fases de
acumulação mercantil e inicial da acumulação industrial (...); e a região
polarizada, na fase da acumulação industrial propriamente dita.

E sobre as relações socioespaciais desiguais, próprios do atual contexto,


Harvey (2004, p. 113) afirma:

Conclui-se, pois, que o capitalismo sobrevive não apenas por meio de


uma série de ordenações espaço-temporais que absorvem os excedentes
de capital de maneiras produtivas e construtivas, mas também por meio
da desvalorização e da destruição administrativas como remédio corretivo

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horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

daquilo que é em geral descrito como descontrole fiscal dos países que
contraem empréstimos.

Harvey (2004:100) analisa a relação de poderio dos países e metrópoles


centrais (cidades dominantes) com as situações de “endividamento territorial”
nas periferias. Todavia, na Geografia, deve-se evitar reduzir essas relações ao
campo da virtualidade hegemônica do capital financeiro. O movimento dialéti-
co entre “as ordenações espaço-temporais” e a “destruição criativa” de estru-
turas socioespaciais demanda conceber temporalidades não lineares, espaciali-
dades superpostas e a aglutinação das velhas e novas contradições do modo de
produção capitalista. A supervalorização dos fluxos em detrimento dos fixos
pode levar a um tipo de reducionismo teórico que para a Geografia tende a ser
ainda mais devastador.
Deve-se, portanto, articular a volatilidade interregional do capital finan-
ceiro às lógicas territoriais que Harvey (2004, 2005) aborda. De acordo com
o autor, ao refletirmos sobre a circulação do capital e o “tempo de rotação
socialmente necessário” para realização do lucro “nos defrontamos com a con-
tradição: a organização espacial é necessária para superar o espaço.” (HAR-
VEY, 2005, p.145). Outrossim, desindustrialização não implica somente numa
sociedade pós-industrial (com o fim, por exemplo, do “proletariado típico” e
o fim dos velhos distritos industriais); e afinal onde e como são produzidas as
manufaturas e outros produtos de alto valor agregado? Os tecnopolos (poste-
riores ao Silicon Valley) são virtuais, esporádicos? Desapareceram as (velhas) re-
giões monocultoras de cana-de-açúcar na Zona da Mata Nordestina brasileira?
Os enclaves bananeiros da United Fruit na América Central não mais existem?
Os sistemas clássicos de circulação, de armazenamento e de troca – ferrovias,
rodovias, silos, portos marítimos, centros atacadistas, etc. – constituem compo-
nentes infraestruturais efêmeros? A construção de uma nova e grande hidrelé-
trica trata-se de um empreendimento desprezível do ponto de vista geográfico?
Seus impactos socioambientais no território atingido seriam, então, considera-
dos apenas como “um produto” contraditório da reprodução/mobilidade do
capital? Assim sendo, esse território/região se reduziria a um fragmento espa-
cial (ponto) de uma trama reticular global?
Segundo Harvey (2005, p.148) toda “forma de mobilidade geográfica
do capital requer infra-estruturas espaciais fixas e seguras para funcionar
efetivamente.” Para Milton Santos (1997, p.201) “a fluidez somente se alcança
através da produção de mais capital fixo, isto é, de mais rigidez.” E, em
consonância com essas afirmativas – aparentemente banais – e com as questões

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levantadas, saliente-se a necessidade de se reconhecer as metamorfoses


socioespaciais socialmente produzidas ao longo do tempo histórico. E sobre
as transformações decorrentes da segunda revolução industrial Moreira (1998,
p.214) assinala:

A mobilidade territorial relaciona-se com a liberação da localização es-


pacial da indústria em sua forma absoluta pela centralidade orgânica da
esfera da circulação (...) A flexibilização de todas as localizações flexibiliza
a distribuição do trabalho, resultando na disponibilização territorial do
trabalhador (...)

Essa citação também se aplica às metamorfoses da Terceira Revolução


Técnico-científica. Portanto, deve-se atentar mais uma vez para explanação de
Moreira (1998, p.219), pois, segundo ele, “a falta de referências fixas é uma
característica” marcante no processo recente de acumulação flexível do capital.
Além do mais, conforme Moreira (1998, p.216) o “capital que faz da mobili-
dade do espaço sua vontade geopolítica” torna-se, cada vez mais, centrado na
esfera da circulação “evidenciando a principalidade da finança” (MOREIRA,
1998, p.212). Bertha Becker (1988, p. 107) ao tratar do “triunfo da Cronopolí-
tica sobre a Geopolítica” (basicamente em razão do “triunfo da logística sobre
a estratégia”) assinala que a “tecnologia é uma fábrica de contração do tempo
e do espaço, permitindo hoje pensar não só na instantaneidade como na ubi-
qüidade.” E com referência à crescente autonomização da esfera da circulação
Moreira (1998, p.212) destaca a “preponderância da categoria geográfica da
distribuição sobre o da localização.” Desta maneira, novas regulações espaciais
se colocam em macroescala: “O espaço, através do arranjo das localizações e
distribuições territoriais das relações estruturais da sociedade, interfere e age
agora como elemento regulador da reprodução numa determinação ao revés
(...)” (MOREIRA, 2002, p.49).
Moreira (2008) estabelece nexos entre a primeira, a segunda e a tercei-
ra revolução técnico-científica e enfatiza a configuração do espaço-rede. Essa
configuração, segundo o autor resulta, em grande medida, do desenvolvimento
dos meios de transporte, de comunicação e de “transmissão de energia em que
a esfera da circulação parte para recobrir em rede a superfície do planeta de for-
ma rápida e ubíqua” ultrapassando (e superpondo-se) à “toda uma configuração
de espaço marcada pela presença de uma profusão de fronteiras – entre cidade
e campo, entre regiões e Estados nacionais (...)” (MOREIRA, 2008, p.177). E
quanto ao atual processo de reestruturação socioespacial, o autor ressalta o

133
horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

papel da biorrevolução (sustentada na engenharia genética e na informática) e


sua ligação com o capital financeiro, ou seja, a “junção da autonomização do
capital rentista e do abarcamento do planeta numa rede global de circulação”
(MOREIRA, 2008, p.179).
Moreira (2008, p.182) assinala que a “rigor a fusão entre cidade e campo
vinha já ocorrendo no estágio mais avançado da segunda revolução industrial”.
Todavia, o autor menciona que na reestruturação espacial deste começo de sé-
culo - conforme os postulados de regulação toyotista geral e a lógica produtiva
do complexo agroindustrial - o encontro do campo e com a cidade se intensifi-
cou: “funde no mesmo espaço a indústria e a agropecuária” (MOREIRA, 2008,
p.180). Segundo o autor, essa fusão do campo industrializado com a cidade
mais especializada no comércio e serviços (de alta tecnologia, inclusive) impli-
ca, entre outros processos, num novo movimento de apropriação capitalista
dos saberes tradicionais (povos indígenas, comunidades camponesas, etc.): a
“bioindústria significa uma revalorização e retorno da centração da produção e
acumulação capitalista para a terra” (MOREIRA, 2008, p.182). Essa transferên-
cia (espacial, de produção, de valor, de conflitos de classe, etc.) “impõe”, assim,
o diálogo entre “os saberes avançados da ciência e os saberes do senso comum
(...)” (MOREIRA, 2008, p.182).
Diante desses novos desenhos socioespaciais deve a região, portanto, ser
concebida como uma rugosidade espacial? Como uma espacialidade diluída,
morta? Ou convém assumi-la como uma reminiscência arqueológica? A região
(econômica e marxista), quando não colocada como espacialidade terminal,
tem sido frequentemente compreendida como expressão espacial das relações
(de produção) capitalistas. Diniz Filho (2002, p.147), no entanto, afirma que “a
divisão territorial do trabalho é apenas um critério que pode ser utilizado para
regionalizar o espaço terrestre no intuito de efetuar estudos concretos sobre
o desenvolvimento desigual.” Para análise da estrutura geográfica regional, de
matriz político-econômica, Haesbaert (1984, p.361) defende que se deva “reco-
nhecer os aspectos espaciais que viabilizaram sua reprodução”.
Essa colocação de Haesbaert (1984) parece permanecer ignorada no meio
geográfico. Alguns geógrafos, provavelmente, se sentem mais confortáveis em
negar a região ou, então, em desprezar “os aspectos espaciais” que viabilizam a
reprodução ampliada e (des)regionalizada do capital. Saliente-se mais uma vez,
os possíveis efeitos das ideias e discursos que defendem a dissolução do espaço
em fluxos ou que apregoam que as relações econômicas (e sociais) se tornam,
necessariamente, antirregionais.
Entende-se, assim, que essas ideias e discursos podem contribuir para um

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caminho teórico próximo ao obscurantismo, pois, nessa perspectiva, retiram-se


do movimento de produção, circulação, troca e consumo as territorialidades, as
regionalidades; algumas vezes, no máximo, esse movimento é posto como inte-
grado (e relativamente deslocado) a lugares reduzidos à efemeridade. Não por
acaso, Haesbaert (1984, p.356) questiona: “Estará a região sendo efetivamente
‘dissolvida’ pela força ‘homogeneizadora’ do capital ou este a estará manipulan-
do para o fortalecimento de seu processo desigual, através da redivisão territo-
rial do trabalho calcada sobre a articulação regional previamente organizada?”
Cabe relembrar que a distribuição implica em alocação espacial, em produ-
ção (localizada e material). Que a circulação de mercadorias e mesmo do capital
fictício depende de equipamentos materiais e meios de trabalho para sua reali-
zação, o que vale também para a esfera do consumo final. Assim sendo, a pre-
dominância da circulação sobre a produção (espacialmente fixada) aponta para
a Geografia a necessidade de interpretação da localização (e de compreensão)
desses novos circuitos reticulares e zonais. Também, acaba indicando a impor-
tância de se prosseguir com as pesquisas sobre a situação interna e externa das
forças produtivas, a exemplo das condições materiais (e imaterias) dos meios de
reprodução dos trabalhadores como moradia, alimentação, transporte – bair-
ros, vilas, restaurantes populares, vias metropolitanas de transporte coletivo etc.
que não são tão efêmeros – dentre outros.
A multiterritorialidade própria das atuais relações de produção capita-
lista é geograficamente variável e desigual nas suas diversas escalas temporais
e espaciais. A colocação de Moreira (1998), portanto, merece maiores atenções
por parte da Geografia Regional (nas suas diversas escalas), principalmente no
que se refere à categoria clássica distribuição. Milton Santos (1985, p. 62-63)
aprofundou-se nos estudos sobre o “espaço da circulação e da distribuição”,
porém, o “oligopólio territorial” a que se refere parece que não foi ainda devi-
damente explorado no âmbito transescalar da Geografia.
Caso, no entanto, a Geografia venha a dispensar as abordagens que
visam analisar os fixos junto com os fluxos, ou então, que se defina por
ignorar a investigação das (des)localizações-distribuições espaciais pode-se,
então, especular que, no geral, a Geografia estará – apesar de sua pluralidade
paradigmática – corroborando com os postulados que se fundamentam no
fim da região. Novamente colocam-se em dúvida alguns dos desdobramentos
provenientes do processo de globalização-fragmentação do espaço e da
sociedade: os “territórios compartimentados do passado” (MOREIRA, 1998,
p.219) não existem mais? O (suposto) desaparecimento processual das regiões
tende a manifestar a etapa suprema do capitalismo imperialista? Lênin, talvez

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horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

não se arriscaria a tanto, mas é provável que na visão de Rosa Luxemburgo


a região, nos dias atuais, fosse pensada em termos de sua metamorfose
funcional e formal. É preciso cautela ao conferir à mesma, um status espacial de
degenerescência irreversível.
Interessante ressaltar ainda que, nesse sentido de supervalorização dos
fluxos, das ações do capital financeiro, etc. o espaço geográfico parece assumir
uma menor condição de abrigo, de controle e de proteção ao capital oligopo-
lista e, em oposição, tende a se constituir, em maior proporção, numa prisão,
num obstáculo para a sua reprodução ampliada. Milton Santos (1978) critica a
Nova Geografia em razão de sua a-historicidade, de sua concepção meramente
quantitativista e geométrica de espaço e região. Assim ao desvincular o tempo
(a História) da Geografia e o próprio homem (social) do espaço, Santos (1978)
expôs argumentos contrários aos métodos da Nova Geografia. Todavia, para
algumas abordagens geográficas atuais, cabe a indagação: a excessiva valori-
zação do tempo histórico, dos fluxos, das relações virtuais, etc. poderá pro-
porcionar uma desespacialização/desregionalização que conferirá à Geografia,
novamente, a condição de “viúva do espaço”? “Concluo que a visão política e
a teoria de Marx ficaram abaladas pela falta de elaboração, em seu pensamento,
de uma dimensão sistemática e especificamente geográfica e espacial.” (HAR-
VEY, 2005, p.143).
A hipermobilidade do capital, as transformações tecnológicas que aden-
traram o século XXI merecem, contudo, relativização. O espírito do capitalis-
mo por mais que se incline para a “desencarnação”, para sua libertação frente
às dimensões espaço-tempo, por exemplo, acaba se deparando com materiali-
dades que ainda hoje são essenciais à sua existência e reprodução. Essa (duvi-
dosa) “espécie de aversão do capital pelo espaço” deve ser cotejada a um dos
fundamentos majoritários do modo de produção em vigor: a propriedade capi-
talista. Por mais que o capital negue o trabalho e o trabalhador2, negue o espaço
(e o capital fixo nele efetivado), negue também a natureza (reduzida a recurso e
tratada como obstáculo a ser domado) - ambos são parte constitutiva de sua
existência e (des)organização. Marx e marxistas diversos já se aprofundaram
nas contradições do modo de produção capitalista.
Sobre a questão da propriedade de base capitalista, mais especificamente
em relação aos investimentos em capital fixo e em relação ao mercado
imobiliário, David Harvey (2004, p.97) – antes da grave crise mundial de 2009 –
apontava para os riscos de um colapso no mercado de propriedades (a “bolha”

2  Seja pela variável psicossocial e/ou pela lógica inerente ao aumento da composição orgânica do capital
(que, como mais uma contradição imanente, leva à tendência a queda da taxa de lucro).

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especulativa): “É objeto de séria preocupação aquilo que acontece se e quando


essa bolha de propriedade explodir (...)”. E em relação ao Brasil, no que se refere
às recentes mudanças espaciais das atividades produtivas e da população, Ester
Limonad (2010) destaca que a dispersão espacial das atividades econômicas e da
riqueza é acompanhada pela dispersão da “exclusão social e da precarização das
condições de vida de grandes contingentes sociais, nos campos e nas cidades”.
Assim, de acordo com Limonad (2010, p.7):

Essa dispersão espacial da pobreza pode ser interpretada como expressão


de tentativas de aumentar a mobilidade espacial do trabalho e fazer frente
ao movimento de dispersão e deslocalização espacial do capital. Esses
movimentos combinados do capital e do trabalho, para dentro e para fora
das áreas urbanas e rurais, rompem com coerências regionais pretéritas
e contribuem para mudar o conteúdo e o significado das regiões (HAR-
VEY, 1985, SANTOS, 2004).

Em relação às ideias que sinalizam para o fim das regiões, Lencioni (2000,
p.167) considera tal leitura equivocada e afirma que esses autores contribuem para
esvaziar “o conteúdo espacial da realidade”. Com base na interpretação da autora
pode-se entender que leituras dogmáticas, pseudoestruturalistas, não-dialéticas,
dentre outras ou mataram a região (e o Estado-nacão) ou então a reduziram à sua
função produtiva na economia mundial. Segundo Lencioni (2000), a desconside-
ração da dimensão física da natureza na Geografia Regional e a redução da região
a um produto da divisão territorial do trabalho constituem procedimentos de
determinados geógrafos que adotaram – de maneira pouco cuidadosa – métodos
marxistas para interpretação de processos socioespaciais.
Regionalizações derivadas desses procedimentos, para Sandra Lencioni
(2000), resultam de visões que consideram determinantes os processos gerais
e pouco relevante o espaço; mas, a autora reconhece também outro extremo: a
ocorrência dos “exageros regionais” contidos em certos trabalhos, pois nesses
casos, a região é colocada como sujeito social. Sobre essa última concepção,
Soja (1993) e Lipietz (1988) produziram reflexões interessantes sobre a reifica-
ção regional, as chamadas “metáforas espaciais” que, camuflariam as lutas de
classes e “retirariam da história” os sujeitos e agentes sociais.
Cabe reforçar que, por um lado, o debate em torno da dialética socioespa-
cial proporcionou avanços epistemológicos e motivou algumas posturas de “ad-
vertência permanente” aos tratados geográficos que reduzem o espaço a um tea-
tro ou mesmo a um palco dos acontecimentos sociais e naturais. Mas, por outro

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horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

lado, houve exageros por parte de determinados pesquisadores ao concederem


autonomia social ao espaço. Portanto, permanecem dúvidas do tipo: o espaço
geográfico constitui uma “quarta instância” social?3 Quem produz o espaço re-
gional? E apesar do combate aos trabalhos geográficos a-espaciais, essa espacio-
logia4, no entanto, parece que pouco auxiliou o desenvolvimento da Geografia
Regional e talvez tenha, inclusive, acentuado as aversões em relação à região.
Embora essa discussão sobre o espaço possa ter esvaziado o debate so-
bre a região e apesar dessa última ser concebida, muitas vezes, como atributo
exclusivo das atividades econômicas, ocorreram, no entanto, alguns avanços
no campo da Geografia (e economia) Regional. A divisão regional do trabalho
proposta por Alain Lipietz (1987) abrange o espaço mundial como um todo e
Doreen Massey (1984) abordou as regiões segundo o desenvolvimento (capita-
lista) desigual e combinado.
Lipietz (1987) divide e, de certa forma regionaliza, os Estados nacionais
segundo a “divisão internacional do trabalho vertical” considerando, assim, a
ampla difusão da indústria no espaço geográfico mundial bem como o nível
de domínio tecnológico. Massey (1984, p.68) correlaciona as estruturas sociais
e as relações capitalistas de produção com a organização do espaço e chega,
portanto, às estruturas espaciais de produção.
Porém, ao tratar da divisão espacial do trabalho, Massey (1984, p.298)
aborda a região como produto do capitalismo mundial, mas, a escala de repro-
dução territorial da região assumida por Massey se restringe ao plano nacional
- apesar de seu caráter multinacional e multiespacial: “The term ‘regional’ is here,
as throughout, being use generically for ‘spatial’, or subnational.” (“O termo ‘regional’
está aqui, a todo o momento, sendo usado genericamente como ‘espacial’ ou
subnacional.”). Para Massey (1984, p.82), no entanto, não é possível divorciar
a “diferenciação geográfica intranacional do contexto internacional”. Assim,
segundo Massey (1984, p.82):

A geografia econômica interna de um país reflete o seu lugar na economia


política internacional, a divisão internacional do trabalho. Sabe-se muito
bem que países que estão rompendo com o imperialismo, ainda assim,

3  Grosso modo, pode-se afirmar que as três instâncias sociais tratadas por autores como José Luis Cora-
ggio, Manuel Castells e Milton Santos (esse último acrescenta uma quarta, no caso o espaço geográfico)
– dentre outros – são definidas pelas dimensões política, econômica e cultural-ideológica. Para Santos
(1978, p.148) “A estrutura espacial não é passiva mas ativa, embora sua autonomia seja relativa, como
acontece às demais estruturas sociais.”

4  Ver crítica sobre o “espaço-sujeito” em Souza (1988). Para uma reflexão sobre ontologia espacial ver Oliva
(2001).

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refletem em suas estruturas espaciais uma orientação extrovertida e uma


posição subordinada na economia mundial. O mesmo se aplica aos países
metropolitanos (...) Estruturas espaciais intranacionais estão incrustadas
no sistema internacional. (Tradução)

Divisão (meso/micro) regional do trabalho e a


(des)localização espacial.

Formulações espaciais como essas de Massey (1984), de Lipietz (1987),


de Harvey (2005), por exemplo, ao relacionarem a (re)produção/redefinição
da região com o modo de produção capitalista, acabam – mesmo que não in-
tencionalmente – se opondo às concepções que apregoam o fim das regiões
no “mundo ainda mais globalizado”. Inclusive, essas formulações contrariam
as ideias de região como um espaço (somente) pré-capitalista ou, então, como
uma descoberta ou uma invenção acadêmica estrita do século XIX, ou ainda,
como um espaço funcional – apenas - do capitalismo na sua fase colonialista e
de construção (originária) do território nacional.
Portanto, antagonicamente aos postulados que indicam que a região
corresponde a uma espacialidade ultrapassada e/ou em vias de degeneração
pode-se afirmar, com base em Lipietz (1987), Massey (1984) e outros, que a
acumulação/expansão contínua e ampliada do capital ao alcançar as “últimas
fronteiras” não cessou e nem se verifica o extermínio latitudinal e longitudinal
da região; ao contrário, a acumulação/expansão capitalista – em mutação - per-
manece redefinindo-a “à sua imagem e semelhança” (o que implica também em
diferenciação espacial, em regionalização).
Paulo Cesar da Costa Gomes (1995, p.71), com base em Lipietz (1977),
destaca que “muitos foram aqueles que afirmaram que os novos tempos anun-
ciavam o fim das regiões pela homogeneização do espaço ou pela uniformi-
zação das relações sociais (...)”. Mas, o debate em torno do fim ou da (re)
produção das regiões segundo a dinâmica do modo de produção capitalista
parece que não foi, nem de perto esgotado, apesar dos inúmeros trabalhos
que se desenvolveram sobre concepção de região. Permanecem, assim, ainda
relativamente fortalecidos os discursos sobre a homogeneização espacial, sobre
a inserção global dos lugares e dos não-lugares, sobre o fim das fronteiras, o
enfraquecimento dos Estados nacionais e a morte da região.
Desta forma, Lencioni (2000) discorda do enfoque marxista de Félix
Damette (1979), mas realiza menção favorável à sua reflexão sobre regionalização-
desregionalização. Assim, mesmo que se considerem como positivos os princípios

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metodológicos de Damette (1979) - como a correlação entre tempo histórico e


espaço e, também, a (re)produção das regiões segundo ordenamentos do capital
mundial - Lencioni (2000, p.164) não corrobora com sua concepção de Geografia
e de espaço regional: “Ele afirmou explicitamente que o objeto da Geografia seria
o de analisar a organização espacial dos modos de produção, o que implica a
análise das forças produtivas e das relações de produção.”
Lencioni (2000) ressalta também outras produções acadêmicas sobre a
economia capitalista e a organização espacial, porém, aponta para o maior en-
gajamento (e visibilidade) da Geografia Urbana no contexto geral da Geografia:
“(...) A incorporação do marxismo à Geografia verificou-se na valorização da
análise urbana, revelando a perversão da cidade capitalista (...)” (LENCIONI,
2000, p.163).
Entende-se, assim, que o desenvolvimento da Geografia Agrária e da
Geografia Urbana, no Brasil, a partir dos anos de 1980, não foi, paralelamente,
acompanhado pela Geografia Regional. É bem provável que as dificuldades
metodológicas e as vinculações ideológicas da “Geografia Regional pretérita”
somadas aos discursos mais recentes sobre os efeitos da globalização na (morte
da) região dificultaram o seu avanço.
Em síntese, observa-se no interior da Geografia Crítica um movimento
geral de negação (ou de marginalização) da região e, concomitantemente, outro
movimento - de matriz teórica semelhante - que admite a região basicamen-
te como produto da divisão internacional (e regional) do trabalho. Contudo,
verifica-se também que os adeptos da Geografia Humanística, em geral, privi-
legiam outras categorias espaciais, tais como a paisagem e o lugar. Portanto, da
mesma forma, não é difícil detectar nos trabalhos da Geografia Humanística
uma desespacialização do regional. Ressalte-se que a orientação teórico-meto-
dológica voltada para a valorização do ser humano e de seu espaço vivido abriu
diversas frentes de estudos geográficos em escala local. Havia e ainda há, nesses
trabalhos geográficos, significativa correspondência entre a categoria espacial
lugar e a escala local. Haesbaert (1999, p. 26-27) assinala, nesse sentido, que

(...) Lévy (1999) deixa implícita uma distinção entre local, enquanto es-
cala cartográfico-matemática, instrumento de análise, poderíamos dizer,
e lugar, enquanto concepção geográfica, no sentido de incorporar um
conteúdo sócio-espacial específico (...) O lugar pode ser então pequeno
ou grande em termos físico-cartográficos (...).

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Para Armando Corrêa da Silva (1978, p.7) o lugar é multiescalar sendo que
“o espaço é pois o maior lugar possível (...) o lugar manifesta-se como área, re-
gião, território”. Todavia, o que se questiona é o tratamento em relação aos estu-
dos regionais e, praticamente, o abandono das pesquisas em escala macroespacial.
Dentre as categorias espacias, Sandra Lencioni (2000:155) considera que
a Geografia Humanística aborda preferencialmente o lugar e paisagem. E em
relação à região, Alejandro Benedetti (2009, s.p.) afirma que desde “la perspec-
tiva fenomenológica, la región pasa a ser un espacio de vida, un espacio vivido por
y desde individuo (...) la diferenciación geográfica está asociada a la subjetividad
de los indivíduos, a su percepción (...)”.
Em geral, o espaço de vida é tratado na Geografia Humanística na es-
cala local e a região, muitas vezes, confunde-se como o lugar, com o espaço
vivido sendo ainda restritiva a sua perspectiva escalar. João Batista Ferreira de
Mello (1990, p.102) assinala que na Geografia Humanística as “fronteiras entre
a fenomenologia, existencialismo, idealismo e hermenêutica não são muito rígi-
das”, porém, segundo o autor:

Espaço, lugar, meio ambiente, cenário, paisagem, território, terreno, região,


área, centro, local, entre outros, são termos fartamente utilizados na Geo-
grafia. A perspectiva humanística tem-se esforçado em disciplinar o uso de,
pelo menos, dois desses conceitos: espaços e lugar. (MELLO, 1990, p.102).

Segundo Mello (1990, p.102) os “geógrafos humanistas insistem que o


lugar é o lar, podendo ser a casa, a rua, o bairro, a cidade ou a nação. Enfim,
qualquer ponto de referência e identidade.” Da casa à nação há, de fato, sig-
nificativa abrangência escalar, todavia, a vivência e a experiência espaciais se
concentram - para a maioria dos adeptos da corrente humanística da Geografia
- nos lugares “mais locais”. Ocorre, assim, a predominância de abordagens que
se situam metodologicamente entre o lugar e o local. Para Armand Frémont
(1980, p.116) o “lugar aparece como um elemento essencial da estruturação do
espaço. Abrange um espaço reduzido (...) a casa, o campo, a rua, a praça (...)”.
E Cristina Valenzuela (2004, s.p.) afirma que

La Geografía Humanista, en sus distintos enfoques (fenomenológico


existencial, e idealista) enfatizó el concepto de “lugar”, y con él la escala
local. El lugar es construido por la propia experiencia humana y es posible
indagar acerca de los significados y los vínculos emocionales existentes
entre éste y sus habitantes, descrifrar las implicancias del “espacio vivido”.

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horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

Mirlei Fachini Vicente Pereira (2004, p.349), por sua vez, considera que
um problema “a ser enfrentado pelo entendimento da noção de região como
espaço vivido é justamente a nítida aproximação da idéia de lugar, e a indefini-
ção de uma escala espacial (...)”. Para o autor, a Geografia Humanística, de ins-
piração fenomenológica, “prioriza a categoria lugar em suas abordagens, ainda
que com variações significativas do conceito.” (PEREIRA, 2004, p.345). Assim,
segundo Pereira (2004, p. 342-343):

(...) a corrente humanista propõe um conceito diferente para a categoria


região, entendida como área que pode ser reconhecida como espaço vivi-
do, sendo assim uma consciência dos homens, nascida do sentimento de
pertencê-la (GOMES, 2001). No entanto, a região nessa corrente geográ-
fica passa a ser entendida como sinônimo de espaço percebido, e mesmo
acaba sendo confundida com a idéia de lugar, categoria privilegiada pela
abordagem fenomenológica.

Com base em Gomes (1995, p.67), pode-se dizer que o humanismo na


Geografia estabeleceu certas vinculações com a Geografia Regional, assim, es-
tudos sobre consciência regional e regionalismos ganharam a atenção de alguns
pesquisadores que aderiram a essa tendência teórico-metodológica. Porém, a
predominância em relação ao sentimento de pertencimento espacial, à identi-
dade regional, etc. tem conferido à região uma conotação de espaço vivido o
que, em grande medida, sugere a sua diluição enquanto espacialidade objetiva
e até mesmo legível.
Entende-se, a partir de então, que no escopo geral da Geografia
Humanística a região é secundariamente trabalhada. É tratada frequentemente
segundo os valores culturais e de identidade. É concebida como uma construção
mental e individual e, também, inscrita na consciência coletiva. Além disso, nota-
se uma tênue demarcação entre o conceito de lugar e de região, principalmente,
em certos casos em que são pesquisados o espaço vivido e o espaço percebido.
Os estudos em macroescala são praticamente inexistentes. Para Frémont, citado
por Lencioni (2000, p.155-156):

A região, como espaço vivido, ultrapassa a idéia de espaço material, pois


incorpora valores psicológicos (...) não se confunde com os lugares pon-
tuais nem com os grandes espaços, situando-se numa escala intermediá-
ria, definida segundo a rede de relações que os indivíduos tecem (...).

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Frémont (1980, p.167) assinala que “de uma maneira geral, a região apre-
senta-se como espaço médio, menos extensa do que a nação ou o grande espa-
ço de civilização, mais vasto do que o espaço social de um grupo (...)”. A região,
desta forma, comparece como uma “unidade essencial de regulação espacial”
(FRÉMONT, 1980, p.115), ou seja, em termos escalares, a região situa-se entre
as relações sociais horizontais e verticais, entre os vastos e pequenos espaços.
Para o autor, a maior ou menor coerência e a especificidade dos espaços estão,
inclusive, relacionados ao tamanho (e densidade) regional. As regiões fluídas,
enraizadas e funcionais de Frémont (1980) obedecem a esses pressupostos es-
calares, porém, os grandes espaços (conjuntos naturais, espaços econômicos,
etc.) são considerados como estruturas extra-regionais.
Essa classificação se baseia no grau de intervenção social no espaço (na
utilização dos meios técnicos que determinados grupos sociais imprimem na
produção do espaço). Assim, grosso modo, as regiões fluídas corresponderiam
àquelas regiões pouco modificadas socialmente, predominando atividades de
caça, coleta, etc. Os espaços urbano-industriais estariam vinculados às regiões
funcionais e as regiões enraizadas implicariam “essencialmente, no quadro de
civilizações campesinas (...)” onde “os lugares pertencem aos homens e os ho-
mens pertencem aos lugares.” (FRÉMONT, 1980, p. 176-177).
Ressalte-se ainda, que na visão de Frémont (1980, p.235), a região – es-
paço vivido – se opõe, muitas vezes, ao espaço alienado: “o demente e o des-
viado (...) recriam na região o espaço que lhes é recusado pela ordem social.” A
“região-lugar” adquire, desta forma, uma atribuição política inerente, revela-se
como um “lócus” de identidade e de resistência.
Contudo, na sequencia das elaborações regionais próprias das correntes
“Crítica” e “Humanística” da Geografia, Benedetti (2009, s.p.) assinala que a
“região político-cultural” representa a concepção mais recente, mais nova (e
inovadora, talvez). Segundo Benedetti (2009), a região político-cultural recupe-
ra a ideia da construção subjetiva do espaço pelo (sujeito) coletivo. Para o autor,
esta perspectiva “não desconhece a dimensão material da região” e, inclusive,
valoriza sua dimensão simbólica, sua construção histórica, as relações de poder,
etc. (BENEDETTI, 2009, s.p.). Assim, no conjunto geral das reflexões perti-
nentes aos estudos regionais na Geografia, cabe perguntar: a região político-
-cultural se constitui(rá) numa “alternativa” teórica que valoriza(rá), de fato, o
espaços regionais na Geografia?

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horta, c.a. da C. Geografia Humana: “desregionalização” (in)consequente?

Considerações Finais

Sobre a “possibilidade de os conceitos se tornarem inadequados, no caso


do de região tendemos a refletir no sentido inverso – o conceito tem sua valida-
de e atualidade, e o que muda é o conteúdo da região” (LAMOSO, 2008:269).
Segundo Lisandra Pereira Lamoso (2008:269), essas “alterações de conteúdo
impõem desafios epistemológicos e políticos para a sua compreensão.”
Esses desafios mencionados por Lamoso (2008) parecem, no entanto,
distantes das preocupações geográficas. Hoje na Geografia, em geral, priori-
zam-se as conexões diretas entre o local-global e vice-versa. Assim, a região, via
de regra, permanece deslocada e “deslocalizada”. Às vezes, comparece “defor-
mada” em escala microespacial ou, então, é economicamente abordada como
recorte (subespaço) do nacional. Em outras situações, a região constitui mera
abstração ou é tratada como sinônimo de lugar. Na escala macro a região foi
praticamente abolida.
Cabe especular, por outro lado, que as mais recentes discussões sobre esca-
la espacial deverão contribuir para o desenvolvimento da Geografia Regional. É
provável, como ocorrido com o território (antes reduzido ao âmbito do nacional),
que a região seja libertada, na Geografia Humana, de suas clausuras subnacionais.
Mas é preciso aprofundar-se nas pesquisas geográficas sobre as categorias
espaciais. Por exemplo: que caracteres conceituais aproximam e/ou diferen-
ciam a região do lugar? No campo da fenomenologia geográfica, essa pergunta
carece de maior compreensão. E quanto à região político-cultural reservam-se,
também, dúvidas sobre diálogos com as categorias território e lugar.
Por fim, para os que apregoam o fim da região, registre-se a dificuldade
de se negar a diferenciação espacial como componente fundamental da lógica
geral do capitalismo (desigual e combinado) e como característica particular da
natureza e da cultura. Portanto, em substituição à renúncia aos estudos (e aos
espaços) regionais defendem-se, na Geografia Regional, mudanças de natureza
teórica e metodológica.

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Acessado em 25/03/2011.

146
Notas de pesquisa
“Expedição Marco Veron” e a luta do povo
Kaiowá-Guarani em Mato Grosso do Sul

[...] La sangre derramada


es una voz
que se recoge, viva,
en la carne del pueblo
que es la tierra [...]
(D.Pedro Casaldálliga)

Ao povo Kaiowá-Guarani que segue em luta.

Apresentação

Essa nota de pesquisa expõe uma parte das vivências e experiências ad-
quiridas e realizadas pelos geógrafos1 da Associação dos Geógrafos Brasileiros
(AGB) que participaram da Expedição “Marco Veron”, em Janeiro de 2012.
Mais que uma saída a campo para reafirmar teses ou confirmar hipóteses, este
trabalho diz respeito ao movimento concreto que vem sendo construído histo-
ricamente pela AGB, que assume, em seu cotidiano, reivindicações, demandas
e ações conjuntas com os movimentos populares.
Importante destacar que essa construção histórica não é algo linear. A
aproximação da AGB com a luta dos movimentos populares decorre de um po-
sicionamento político que revela, sobretudo, a disputa pela própria concepção
da Entidade. Este compromisso, hoje assumido em âmbito nacional pela AGB,
é imanente à atuação da Diretoria Executiva Nacional (DEN), Seções Locais e
Grupos de Trabalho locais e nacionais que as compõem.
É nesta perspectiva que a AGB reconhece junto ao Tribunal Popular2 -

1  Silvio Marcio M. Machado (AGB - Seção Florianópolis) e Eduardo Luiz D. Goyos Carlini (AGB - Se-
ção São Paulo).

2  O Tribunal Popular, criado em 2008, no 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
constitui um fórum aglutinador e difusor de diversos movimentos sociais e organizações populares que, a partir
das lutas empreendidas em torno das mais diversas pautas (questão agrária; questão urbana; questão indigena;
questão ambiental), procura denunciar os crimes cometidos pelo Estado brasileiro contra os direitos humanos.
A forma encontrada para a ampla divulgação das denúncias é a realização de um juri simulado. O Tribunal
Popular da Terra é um exemplo desta dinâmica dos movimentos populares que colocam no banco dos réus o
Estado capitalista de direito, especialmente no que tange a questão da terra, seja no campo e/ou na cidade. Dis-
ponível em: <www.agb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=87>. Acesso em Jun 2012.

149
MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

responsável pela articulação da Expedição “Marco Veron”- a importância da


luta do povo Kaiowá-Guarani3 na retomada de seus territórios originais em
Mato Grosso do Sul (MS). Desde sua criação, em 2008, o Tribunal Popular tem
se consolidado como um espaço de discussão e acúmulo de diversos movimen-
tos populares que enfrentam a ordem hegemônica estabelecida.
O conflito posto Kaiowá-Guarani passa a ser debatido por estes mo-
vimentos populares durante o processo de construção do Tribunal Popular da
Terra, em 2010. Esta demanda foi levantada, de forma urgente, em função do
extermínio dos indígenas em uma disputa que envolve a reprodução do capital
territorializado em MS. E, neste sentido, esta questão foi objetivada por meio
de um esforço coletivo que deu início ao processo de construção da expedição.
Composta por educadores, psicólogos, historiadores, geógrafos, advoga-
dos, jornalistas, cineastas, fotógrafos e militantes do Tribunal Popular, a expedi-
ção partiu de São Paulo - SP, no dia 10 de janeiro de 2012 rumo a porção sul do
Mato Grosso do Sul , percorrendo os municípios de Dourados, Rio Brilhante,
Caarapó, Juti, Amambaí, Paranhos, Coronel Sapucaia e Aral Moreira. Salutar
lembrar que a situação de conflito que envolve os Kaoiwá-Guarani, no sul do
Mato Grosso do Sul, não se restringe às aldeias visitadas pelos geógrafos que
serão aqui relatadas, quais sejam: Laranjeira Nhánderu, Takwara, Guyra Roká,
Passo Pirayu, Arroyo Korá e Kurusu Ambá. (Mapa 01)
Destaca-se que esta nota não pretende contemplar e/ou resolver todas as
dimensões do conflito vivido pelos Kaiowá-Guarani em sua demanda pela suas
terras originárias. O que pretende-se com este texto - que trará, primeiramente,
uma breve contextualização histórica da região no que tange a questão agrária e
indígena, seguido de uma sistematização das vivências e experiências nas aldeias
citadas acima - é elucidar as diversas formas de violência que este povo indígena
vem sofrendo em função da apropriação capitalista de suas terras e deste modo,
em alguma medida, aproximar a comunidade geográfica deste debate.

3  De acordo com Rossato (2002), a ortografia das etnias está definida em seu uso maiúscula quando es-
tas palavras forem sujeitos (ex.: os Kaiowá-Guarani-Guarani) e minúsculas quando forem adjetivos (ex.:
professores Kaiowá-Guarani-guarani).

150
Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

151
MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

ELEMENTOS DA LUTA PELO TERRITÓRIO KAIOWÁ-


GUARANI: COMBATES DE RESISTÊNCIA E SUPERAÇÃO
AO AGRONEGÓCIO EM TERRAS INDÍGENAS

Para construirmos o debate em torno da luta e resistência dos Kaiowá-


-Guarani em disputa pelos seus territórios, é preciso lembrar que este conflito
não é uma exclusividade de nossos tempos e que este processo, envolvendo uma
disputa entre a forma original (comunitária indígena) e a forma capitalista de uso
da terra, expõe as marcas violentas do desenvolvimento e constituição do modo
capitalista de produção nesta porção do planeta sob a forma do atual Estado
brasileiro. E é no interior deste contexto, de um massacre histórico sofrido pelos
povos culturalmente identificados com seus territórios por todo o Mundo, que
reconhecemos que o consórcio entre o capital e o Estado brasileiro é produtor da
conquista e destruição dos territórios indígenas (OLIVEIRA, 1993).
Cumpre destacar que, para Oliveira (1993), a história da luta dos povos
indígenas pela sua possibilidade de sobrevivência tem, no mínimo, a mesma
idade da chamada história (oficial) do Brasil. Não obstante, uma sequência de
acontecimentos violentos ocorridos contra estes povos se vincula profunda-
mente aos mais distintos momentos (ou etapas) do desenvolvimento do capi-
talismo no território brasileiro. Seja em sua acumulação primitiva em tempos
mais remotos, seja em sua mundialização financeira e rentista nos tempos atu-
ais, reiterando a própria acumulação primitiva.
Posto isso, o apontamento feito por Pimentel e Moncau (2010) se faz
necessário: os autores afirmam que a presença Kaiowá-Guarani na região do
que hoje se designa MS é registrada desde o início da invasão colonizadora
e as primeiras reservas para o grupo foram criadas na década de 1910, pelo
Serviço de Proteção ao Índio (SPI) atendendo aos interesses, primordialmente
dos não-indigenas, ou seja, as terras eram demarcadas pelo SPI respeitando a
conveniência dos fazendeiros-latifundiários.

História de um quase fim

Antônio Brand (2003) explica que o SPI reconheceu como de posse des-
ses índios um total de oito pequenas extensões de terra, entre os anos de 1915
e 1928 e que todas elas foram sofrendo sucessivas reduções, sempre com a co-
nivência do Estado. Para o autor, os Kaiowá-Guarani, localizados nesta região
sul do Estado de Mato Grosso do Sul, passaram nas últimas décadas por um
amplo processo de confinamento nestas áreas demarcadas.

152
Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

É importante lembrar que em 1967 com a criação da Fundação Nacional


do Índio (Funai) o SPI foi extinto e toda a responsabilidade sobre a demarca-
ção das terras indígenas passou a ser de competência, deste então, novo órgão
federal reconhecido enquanto coordenador e executor da política indigenista
brasileira. Recorrendo a Constituição Federal de 1988, na Lei 6001/73, é pos-
sível revisar em seu artigo 231 o dever da União em demarcar e proteger as
terras indígenas, ao mesmo tempo em que compete à Funai o dever de garantir
aos povos indígenas a posse plena e a gestão de suas terras, por meio de ações
de regularização e fiscalização de terras indígenas, bem como a proteção dos
povos indígenas isolados (BRASIL, 1988).
Todavia, como expressa Oliveira (2011)4, ao discutir sobre as perspecti-
vas para a demarcação de terras indígenas no Brasil, muitas vezes, é como se
a Constituição não existisse, é como se vivêssemos em um país sem lei. Como
nos alerta o autor, muitas são as implicações desse “desprezo” do Estado bra-
sileiro em relação à sua própria legislação, especialmente no que tange ao con-
trole do território e da propriedade privada da terra.
Pensar tais implicações para o caso dos Kaiowá-Guarani é preocupar-se ao
mesmo tempo com outros povos indigenas, com os quilombolas e também com
os camponeses (posseiros e/ou sem terra). Isto porque, estamos tratando de um
Estado nacional que entende a agricultura capitalista como centro fundante de suas
ações políticas e nessa relação privilegia, historicamente, o círculo vicioso primário-
-exportador que atende exclusivamente à classe dominante em sua fração fundiária.
Em outras palavras, levando-se em consideração tanto o processo, quan-
to o momento histórico atual, podemos dizer que, no campo brasileiro, a pro-
dução de monoculturas voltadas para exportação, cultivadas em latifúndios
(legais ou não), onde a força de trabalho é reproduzida sob formas violentas,
traz como consequência uma das estruturas fundiárias mais concentradas do
mundo e, ao mesmo tempo, gera um regime de opressão e tirania que resulta
em um incisivo conflito de classes, no qual estamos todos submetidos.
Neste momento, chamamos a atenção para a estrutura fundiária do sul-
mato-grossense, que de acordo com Fabrini (2008) “nasceu” concentrada em
razão do próprio Estado ter promovido a venda e titulação de terras devolutas.
A fim de reiterar esse entendimento, recorremos aos dados do cadastro do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e podemos
perceber que da área total do Estado do MS, que possui em torno de 35 milhões

4  “É uma mentira dizer que no Brasil a terra é produtiva”. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.
br/entrevistas/39669-e-uma-mentira-dizer-que-no-brasil-a-terra-e-produtiva-entrevista-especial-com-
-ariovaldo-umbelino>. Acesso em Mai/2012.

153
MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

de hectares, mais de 5 milhões de hectares são de áreas públicas devolutas,


ou seja, devem ser destinadas à demarcação das terras indígenas reinvidicadas,
aos remanescentes de quilombo, aos pequenos posseiros, à reforma agrária e à
preservação ambiental (OLIVEIRA, 2008).
Outro apontamento se faz necessário: além de mais de 5 milhões de
hectares de terras devolutas, de acordo com os dados do INCRA analisados
por Oliveira (2008), pelo menos, 8,5 milhões de hectares estão marcados pela
improdutividade das terras em MS, ou seja, não cumprem a Função Social da
Terra, estabelecida pela Constituição Federal de 1988.
Também, é indispensável frisar que as terras improdutivas estão mascaradas no
próprio cadastro do INCRA, ou seja, os chamados “grileiros de terra” além de man-
terem seus latifúndios sem documentação legal sobre a posse da terra, os mantém im-
produtivos. Contudo, o Estado não pede a reintegração de posse destas áreas e como
consequência não as destina para seus devidos fins, estabelecidos pela legislação federal.
Na tabela abaixo é possível verificar as áreas totais dos municípios em
que localizam-se as aldeias e acampamentos de retomada visitados durante a
Expedição “Marco Veron” e ainda, a quantidade de terras que estão cadastra-
das pelo INCRA como imóveis rurais.

Tabela 01: Área total e área total cadastrada dos municípios, onde estão
localizadas aldeias e acampamentos de retomada do povo Kaiowá-Guarani,
visitados durante a Expedição.

MUNICÍPIOS (MS) ÁREA MUNICIPAL ÁREA TOTAL


TOTAL (ha) CADASTRADA (ha)
Amambaí 420.224,31 498.482,00
Aral Moreira 165.620,48 181.522,20
Caarapó 208.968,25 237.026,40
Dourados 408.640,63 476.279,70
Rio Brilhante 398752,1 520.364,00
Juti 161.283,58 133.912,40
Paranhos 130.210,31 102.999,40
Coronel Sapucaia 102.887,42 95.254,20
Fonte: Oliveira, A. U. (2008)

De imediato, o que chama atenção é que apenas três municípios (Juti,


Paranhos e Coronel Sapucaia), dos oito supracitados, apresentam áreas

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Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

cadastradas no INCRA inferiores a área total do município. Ou seja, a área total


de terras cadastradas no INCRA dos demais municípios é maior que o número de
hectares do próprio município. Isto revela uma prática que lamentavelmente tem sido
recorrente nos “paraísos do agronegócio”, como é o caso do Estado do Mato Grosso
do Sul, contribuindo para que os latifundiários possam forjar títulos de propriedades
de terras e garantir empréstimos em bancos, obter créditos públicos, refinanciar
dívidas agrícolas e dar garantias inconsistentes em suas transações financeiras.
Neste sentido, reforçamos que a ausência do controle do Estado sobre estas
titularidades possibilita, entre outras coisas, as diferentes formas que a terra, enquanto
propriedade privada, vem sendo utilizada para o enriquecimento dos latifundiários,
seja como reserva patrimonial (quando os fazendeiros tomam o dinheiro emprestado
dando como garantia a terra), seja como reserva de valor (quando a terra é vendida),
distanciando-se profundamente de seu uso de forma socialmente produtiva.
Vale lembrar que esta prática criminosa de falsa titularidade e consequen-
te sobreposição do total das áreas cadastradas em relação as terras disponíveis
no município é conhecida como “beliche fundiário” e se dá, costumeiramente,
sobre as terras públicas, ou seja, terras devolutas.
Ainda de acordo com os dados do cadastro do INCRA, aponta-se a cor-
relação entre área municipal total e a área das terras públicas em MS. No caso
dos municípios que possuem explicitamente terras devolutas, temos Juti com
25% (40.615,88 ha), Paranhos com 30% (39.481 ha) e Coronel Sapucaia com
15% (15.915,32 ha). Já para os municípios que excedem a área cadastrada no
INCRA em relação a área total do município, encontra-se em Amambaí pelo
menos 10% (42.114,19 ha), em Aral Moreira 3% (4.311,12 ha), em Caarapó
10% (21.032,15 ha), em Dourados 10% (42.512,97 ha) e em Rio Brilhante 20%
(77.980,10 ha) de terras devolutas. (OLIVEIRA, 2008).
Não podemos ignorar que mesmo naqueles municípios onde temos explicita-
mente a percentagem de áreas devolutas registradas, ainda sim, estes valores podem
não configurar a realidade, tendo em vista que, esta análise não considera as terras gri-
ladas e, dessa forma, subestima a quantidade de terras públicas. Com isso reforçamos
que a conivência do Estado na não construção de instrumentos que reconheça o seu
próprio território, contribui para o agravamento dos conflitos no campo brasileiro.
Logo, é nesta conjuntura que se assenta a luta pela demarcação e
permanência dos Kaiowá-Guarani em suas terras originárias. Luta que expressa
um território em forte disputa e torna evidente a peleja histórica dos indígenas
para ter de volta sua dignidade e autonomia.
Mesmo não cabendo aqui um esforço teórico para a compreensão sobre
território indígena, há que se reafirmar o esforço em entendê-lo como uma

155
MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

relação livre da lógica do modo de produção capitalista. Ou seja, nossa preocu-


pação aqui, trata-se de não incluirmos, de forma pouco aprofundada, o sentido
de tekoha5 dos Kaiowá-Guarani sob as bases conceituais de território que vem
preenchendo o debate geográfico. Isso porque no atual momento, ainda nos
falta um longo percurso para termos a clareza do que, de fato, significa o sen-
tido territorial Kaiowá-Guarani. Todavia, esse não é um limite que está dado a
comunidade geográfica, pelo contrário, entendemos que trata-se de um desafio
que deverá ser enfrentado por aqueles que enveredarem por esta discussão te-
órica e política acerca da questão territorial indígena.
Nem mesmo a vivência de campo ou as leituras feitas posteriormente,
nos tranquilizaram a respeito desse entendimento. O tekoha, entre outras coi-
sas, é algo composto de dimensões estruturadas em bases de uma sociedade
não capitalista que resiste a séculos contra o processo colonizador.
E dessa forma, constitui-se a resistência dos Kaiowá-Guarani. A busca
de sua soberania é, entre outras coisas, o afastamento do mundo abstrato, or-
dem da propriedade privada, do trabalho assalariado, da troca monetarizada e
generalizada e do ritmo capitalista imposto à natureza.

ALDEIAS KAIOWÁ-GUARANI: A RETOMADA DAS TERRAS


ORIGINÁRIAS E O PROCESSO DE CONFINAMENTO DO
POVO KAIOWÁ-GUARANI EM MS

A partir da década de 1970, estabelece-se de modo significativo em


Mato Grosso do Sul a expansão dos negócios da oligarquia local e nacional,
tanto no que tange às áreas plantadas com a monocultura de soja, como também
com as pastagens para a produção pecuária. Ao mesmo tempo, a mecanização é
instalada em algumas etapas do processo produtivo e a farsa da modernidade da
agricultura capitalista passa a compor, de maneira frequente, as ações e decisões
políticas para este estado da federação. Porém, é nesse ínterim que uma onda de
violência estabelece-se no cotidiano dos povos indígenas dessa região.
Do mesmo modo, mais recentemente, vivemos a euforia da ampliação da pro-

5  ‘Tekoha’, palavra na língua do povo Guarani para referir-se a terra tradicional, não se pode traduzir para
os conceitos da sociedade não indígena. Numa aproximação, poderíamos dizer lugar onde se convive, se
mantém a relação com os demais e com os antepassados, onde a vida se multiplica na relação cosmológica
que vai além do físico, do visível e do palpável. Contrapondo, violentamente, a esta forma de relação com
a terra, os promotores do latifúndio e do agronegócio em Mato Grosso do Sul vem, progressivamen-
te, expulsando, atacando em emboscadas e assassinando, principalmente, as lideranças Kaiowá-Guarani
Guarani , desde que este povo decidiu negar-se ao confinamento em micro-espaços, insuficientes para
qualquer das dimensões que atribuímos ao tekoha.”. Disponível em: <http://www.cimi.org.br/site/pt-
-br/index.php?system=news&action=read&id=6125> Acesso em Jun/2012.

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Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

dução da monocultura de cana-de-açúcar para exportação no país. No sul de MS, esta


situação não se faz diferente e há uma grande apreensão a respeito da apropriação
de terras de forma ilegal e ilegitima, a um só tempo que este monopólio faz-se dono
de uma força de trabalho que apresenta condicionantes análogas à escravidão e tem
sujeitado os Kaiowá-Guarani, expropriados de seu território, também a esta condição.
Neste sentido, agora mais do que em qualquer outra ocasião recente, temos
em MS a discussão da modernidade e do crescimento econômico (inclusive dito
sustentável) atrelada a dimensão da violência extrema contra os indígenas, a qual
pode ser constatada amplamente por todo o estado do Mato Grosso do Sul. Este
mesmo estado que recebe a alcunha de “Estado do Agronegócio”, que aparece
como modelo na produção agrícola do Brasil, exibe-se paralelamente como Es-
tado modelo em assassinatos de indígenas, bem como em ações violentas contra
os indígenas e por fim, modelo também em suicídios indígenas, de acordo com
os dados publicados pelo CIMI (2011) e apresentados nas figuras a seguir.

Figura 02: Assassinatos de Indígenas no Brasil (2003 – 2010).

Fonte: CIMI, 2010.

Figura 03: Suicídios de Indígenas no Brasil (2003 – 2010).

Fonte: CIMI, 2010.

É possível observar na figura 2, que o estado de Mato Grosso do Sul,


em apenas três anos (2003, 2004 e 2006) apresentou um número inferior de

157
MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

assassinatos para a soma dos outros 26 estados do Brasil . Mesmo concorrendo


com todos os estados juntos, nos outros cinco anos restantes deste período,
o Estado de Mato Grosso do Sul liderou os assassinatos ocorridos em todo
o Brasil. Em números gerais, no total dos 448 assassinatos registrados pelo
CIMI, 56% dos assassinatos, ou seja, mais da metade, ocorreram apenas em
MS, sendo os outros 44% distribuídos nos estados restantes do Brasil.
Na figura 3, destaca-se para este mesmo período, a liderança disparada que
MS apresenta em relação aos suicídios indígenas no Brasil, chegando a calamidade
de 34 suicídios em um único ano (2008). E como é possível constatar, de um total
de 206 suicídios indígenas registrados pelo CIMI em todo o Brasil, 83% ocorreu
apenas em Mato Grosso do Sul, no período que compreende 2003 à 2010.
Desde que, em meados da década de 1980, os Kaiowá-Guaranis pas-
saram a se organizar e a exigir as suas terras tradicionais, eles sofrem com a
opressão dos fazendeiros/latifundiários, seus capangas e do próprio Estado
brasileiro. Contudo, esse processo de retomada das terras6 é um processo que
tem reafirmado a identidade e a cultura dos Kaiowá-Guaranis e, ao mesmo
tempo, é um processo de luta pelo território que lhes serve de abrigo e que lhes
confere uma possibilidade de garantir a sua reprodução social enquanto grupo
étnico. E neste sentido, Brand (2004) é enfático:

[...] De 1980 até a presente data, os Kaiowá-Guarani recuperaram 10


novas áreas, perfazendo um total de 21.211 ha, hoje já devidamente
demarcadas e de posse dos índios. E, de outra parte, outras 10 áreas
seguem em processo de reocupação, sendo que os índios, em alguns
casos, ocupam pequenas parcelas da terra pretendida.

Este quadro sofreu pouca ou nenhuma alteração desde então e mantem-


-se sempre atrelado à condições de violência sofrida pelos Kaiowá-Guarani.
Em 2001, um grupo de Kaiowá-Guarani deu início a um novo processo de
retomada das terras de seus ancestrais na aldeia Takwara e, logo, em 2003, ocor-
reu o assassinato de Marco Veron como represália a essa retomada.
Atualmente, diversas lideranças estão ameaçadas de morte no Estado do
Mato Grosso do Sul e ressaltamos que desde o início do processo de retomada
das terras tradicionais, em 1983, e do assassinato de Marçal Guarani, mais de
253 assassinatos de lideranças guaranis foram registrados.

6  De acordo com Brand (2008) é a partir do final da década de 1970, em especial na década de 1980, que
os Kaiowá-Guarani iniciam um amplo processo de recuperação de territórios perdidos e ocupados pelas
frentes não-indígenas.

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Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

De acordo com alguns relatos coletados durante a expedição, essa estra-


tégia de terror praticada pelos agentes do agronegócio, não se aplica somente
a lideranças políticas – os caciques – mas também estende-se aos professores.
Recentemente foram registrados os assassinatos de 12 jovens professores nas
aldeias Kaiowá-Guarani no Mato Grosso do Sul.
Mortes, assassinatos, desaparecimentos, suicídios, despejos, muito san-
gue derramado e outras tantas ações configuram um cotidiano de guerra dos
Kaiowá-Guarani. Há anos os indígenas sofrem com esse massacre violento em
nome do discurso do crescimento econômico do país. Discurso falacioso, mui-
tas vezes ratificado por intelectuais e pela mídia que teimam em não enxergar
este quadro sombrio de descaso e violência contra os povos indígenas, qui-
lombolas e camponeses que convivem com a “modernização da agricultura”
financiada, muitas vezes, pelo próprio Estado. Estado este, que a serviço dos
fazendeiros/latifundiários, hoje recobertos pelo manto do agronegócio, torna-
-os imunes às leis.
Situação que precisa ser pensada por todos nós, para que tenhamos con-
dições de entender e agir de maneira contundente em favor daqueles que lutam
para (re)conquistar e permanecer em suas terras.
Em todas as aldeias visitadas, sem exceção, a violência também é praticada
sob outras configurações, como por exemplo, as consequências fatais para as
comunidades indígenas pelo assoreamento e pela contaminação dos cursos
d’água e solos pelo uso indiscriminado de agrotóxicos (pesticidas, fungicidas,
herbicidas, fertilizantes ou adubos químicos), principalmente nas lavouras de
soja, cana de açúcar e pastagens. Neste caso, as águas que são usadas para
beber, banhar, cozinhar e ritualizar, de forma frequente provocam intoxicação
em homens, mulheres e especialmente nas crianças das áreas atingidas. Vômitos,
dificuldade para respirar, diarreia, são os sintomas mais relatados entre os
Kaiowá-Guarani no que se refere a contaminação das águas. A proximidade da
morte está dada a cada instante, a cada saciar da sede, não se sabe quais serão
as consequências.
Do mesmo modo, o solo também está contaminado e os alimentos e er-
vas cultivados pelos Kaiowá-Guarani também não apresentam mais o mesmo
vigor e qualidade que outrora apresentavam.
Já não é mais possível garantir que os alimentos estejam livres de
contaminação, tendo em vista que em diversas ocasiões a aplicação de
agrotóxico ocorre por meio da aviação agrícola causando enorme prejuízo às
restritas áreas onde, neste momento, os indígenas estão confinados. Sobre esta
situação destaca-se o relato dos indígenas, que nos contaram que, muitas vezes,

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MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

procuram abrigo para proteger-se do descarregamento criminoso dos insumos


que inicia-se nos reduzidos trechos ocupados pelas famílias.
Soma-se a estes fatores um aspecto muito importante que diz respeito
à alimentação dos Kaiowá-Guarani. Seja pelo cultivo das monoculturas e suas
danosas consequências aqui já destacadas, seja pelo total descaso do Estado
brasileiro em relação a autonomia dos povos indígenas. Há anos as comuni-
dades visitadas não apresentam condições para a produção de seus próprios
alimentos, como tradicionalmente sempre o fizeram.
A entrega sistemática das cestas básicas é mais um ato que revela o desprezo
que existe por parte do Estado em relação aos Kaiowá-Guarani. É fato que hoje as
comunidades não sobreviveriam caso não recebessem as cestas e poderiam, inclu-
sive, morrer de fome. Todavia, enquanto as cestas são entregues, a soberania desse
povo e a autonomia dos mesmos para decidirem o que querem plantar e colher
para comer, está ameaçada. Essa violência velada também precisa ser exposta aber-
tamente, afinal, mais que suprir nutricionalmente os corpos, os Kaiowá-Guarani
precisam realizar sua interação com a terra de maneira plena e isso se dá quando
caçam, plantam, cultivam seus remédios e comemoram suas colheitas.
Além disso, deve-se salientar que a ascensão dos latifúndios (produtivos
ou não) do agronegócio, reforçam com veemência a devastação ambiental no
campo sul-mato-grossense. Ato de incalculável violência que afeta não só as
comunidades indígenas de forma direta, mas também toda a população do
estado de MS e dos demais estados brasileiros.
Formações florestais e arbustivas que estão ameaçadas e de forma
indiscriminada vem sendo, rotineiramente, anuladas pelo avanço das
monoculturas desenvolvidas na região e deste modo a manutenção da vida dos
Kaiowá-Guarani está comprometida em todas as suas dimensões. Enfatizamos
que o extermínio deliberado da biodiversidade praticado pelo agronegócio é um
ato criminoso e como aqui tratamos de um povo da floresta que necessariamente
supre todas as suas necessidades (materiais e imateriais) na relação com o meio
em que vivem, torna a questão Kaiowá-Guarani ainda mais complexa.
Ainda sob esta perspectiva da violência – que se revela de forma múltipla
– é importante destacar que um ponto comum da expressão de sofrimento des-
te povo diz respeito à saúde. Não só no âmbito do precário e ineficiente atendi-
mento realizado pela Funasa em todas as aldeias e acampamentos de retomada
visitados mas, fundamentalmente, pela impossibilidade de cultivarem seus re-
médios naturais. Folhas, sementes, flores, cascas das árvores e uma infinidade
de possibilidades de manutenção da própria saúde que são retiradas da terra,
não mais podem ser acessadas em função das cercas (palpáveis ou não) que são

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Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

erguidas cotidianamente contra a cultura tradicional dos Kaiowá-Guarani.


Este breve quadro apresentado indica uma situação que nos provoca severas
preocupações e como Célio Bermann nos lembra, chamar apenas de “impacto” as
perdas, prejuízos, danos, desastres, expropriações e expulsões pode significar uma
redução drástica de problemas que são concretos e precisam ser solucionados.
Para firmar este debate faz-se necessário apresentarmos o relato sobre
as aldeias e acampamentos de retomada que foram visitados pelos geógrafos,
durante a Expedição “Marco Veron”. Acentua-se, novamente, que não preten-
demos com este breve relato dar conta da realidade violenta enfrentada pelos
Kaiowá-Guarani em Laranjeira Nhánderu, Takwara, Guyraroká, Passo Pirayu,
Arroyo Korá e Kurusu Ambá. Apenas reforçamos que em sua luta diária por
sobrevivência, resistindo a fome, miséria, violência e todo tipo de sofrimento,
estas comunidades denunciam com seu próprio sangue a opção política do
Estado brasileiro em favor de um modelo de desenvolvimento que privilegia os
interesses dos latifundiários em seus negócios agropecuários em detrimento da
vida dos Kaiowá-Guarani, especialmente na região sul do MS.
Por fim, ressaltamos que nos relatos abaixo serão preservados os nomes
das lideranças Kaiowá-Guarani entrevistadas durante a Expedição, bem como as
localidades específicas das aldeias-tekohas e acampamentos de retomada, justa-
mente pela gravidade da atual conjuntura de ameaças e assassinatos nesta região.

Laranjeira Ñanderu

Laranjeira Ñanderu, é o nome dado à terra reivindicada pelos Kaiowá-Gua-


rani que reocupam o local pela quarta vez7. De fato, estes indígenas encontram-se
em uma situação de extrema delicadeza. Os despejos e os assassinatos, sendo o
mais recente deste último, o atropelamento do Cacique Zezinho8, tem se mostrado
constantes e constituem uma atmosfera sufocante no cotidiano desta aldeia.
A dificuldade em encontrar dados oficiais sobre a aldeia, deve-se ao fato
da não realização (até o momento atual da elaboração desta nota) do GT da
FUNAI, responsável por fazer o levantamento dos estudos da respectiva área.
Laranjeira Ñanderu, está localizada ao norte de Dourados dentro dos limites
do município de Rio Brilhante.

7  “Indígenas do MS evitam despejo e colocam agronegócio no banco dos réus”. Disponível em: <http://
www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19851> Acesso em Abr 2012.

8  “Nota das lideranças Aty Guasu Guarani e Kaiowá-Guarani para as autoridades do Brasil” Disponível
em: <http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6363>
Acesso em Abr 2012.

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MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

O acampamento de retomada está localizado no interior da fazenda San-


to Antônio da Nova Esperança, de posse (questionável) de José Raul das Ne-
ves, pai do presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) em Rio Brilhante9.
Para chegarmos ao local em que a aldeia está sendo reerguida, foi neces-
sário utilizar uma “estrada de chão” que passa por dentro da fazenda, percor-
rendo aproximadamente cinco quilômetros por entre a monocultura da soja até
encontrar um pequeno braço de mata próxima à um afluente do rio Brilhante.
Situação ilustrada logo abaixo.

Foto 01: A “estrada de chão” cercada pela monocultura da soja.

Segundo relato das lideranças da aldeia, Laranjeira Ñanderu, contava no pe-


ríodo de visita da expedição, com 167 indígenas entre, homens e mulheres, sendo
eles, adultos, jovens e crianças. Estes vivem em estado de sítio, devido às constantes
ameaças e pelo fato de estarem em um local onde o acesso passa, necessariamente,
pelas dependências da fazenda Santo Antônio da Nova Esperança.
É através da milícia contratada10 que o fazendeiro controla o portão da
estrada que da acesso à aldeia. Dessa forma, estruturas básicas como assistência

9  “Fazendeiro não concorda com tratamento recebido da Comissão de Direitos Humanos” Disponível
em: <http://www.douradosnews.com.br/dourados/fazendeiro-nao-concorda-com-tratamento-recebi-
do-da-comissao-de-direitos-humanos>. Acesso em Jun 2012.

10  Segurança privava que cumpre o papel que historicamente cumpriam os jagunços.

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Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

médica e transporte escolar são, muitas vezes, impedidas de alcançar a aldeia


agravando a situação dos que reivindicam Laranjeira Ñanderu.
Afim de ilustrar essa condição, vale relatar que os integrantes da expedi-
ção vivenciaram uma fração dessa ação de bloqueio. Para entrarmos, foi preciso
três pessoas para retirar cada uma das vigas de madeira que bloqueavam o aces-
so à estrada. Durante nossa visita e em conversa com os indígenas, recebemos
a notícia de que haviam bloqueado novamente a porteira, porém, desta vez com
uma grade de arado. Para garantir nossa saída e evitar um confronto, acionamos
a Polícia Federal (PF) e FUNAI local, que intervieram na situação.
Enfatiza-se que os contatos que fizemos frente a esta situação, possibili-
taram nossa saída. Porém, a real gravidade deste conflito se faz quando enten-
demos que situações como essa compõem o cotidiano da aldeia. Soma-se a isso
o despreparo da PF e a postura preocupante da FUNAI local que agem como
meros mediadores paliativos do conflito, ao invés de encaminharem soluções11
sendo, deste modo, coniventes com o medo e o clima de guerra.
O conflito que envolve a regularização das terras desta aldeia Kaiowá-
-Guarani está distante de cessar mesmo tendo conseguido um “descanso” na
batalha jurídica. No dia 27/03/2012, foi julgado mais um pedido de reintegra-
ção de posse e deferido pela permanência dos Kaiowá-Guarani no local até que
se conclua o documento final do GT da FUNAI.
Ressaltamos que mesmo com a decisão favorável à Laranjeira Ñanderu,
este período incerto até a entrega do relatório, torna-se uma extensão da guerra
vivida por esta comunidade. O assassinato do cacique Zezinho, morto no dia
01/07/2012, é mais um marco de que a luta pela terra é, ao mesmo tempo, a
luta pela sobrevivência na terra.
São numerosas as afirmações suicidas caso haja mais um despejo. O cli-
ma de guerra e a possibilidade da extorsão da identidade, evidencia que estão
dispostos a morrer lutando. Cacique Zezinho nos alertou antes de ser assassi-
nado: “Estou lutando pela recuperação de nossa tekoha antiga Laranjeira Ñanderu, é para
nossas crianças, por isso logo serei morto, eu sei disso. Mas vou lutar até morrer”

Takwara

Em Takwara, dentre as aldeias visitadas, existe um raro e importante


cultivo de milho e mandioca. Porém, estas culturas estão longe de atender a

11  “Nove anos depois do assassinato do cacique Verón, expedição registra conflito de terra no MS”
Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19386>.
Acesso em Jun 2012.

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MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

demanda alimentar e, inclusive, suprir a nutrição da população da aldeia. Fato


este, que reflete no lamentável quadro de políticas compensatórias do Estado,
como por exemplo, a total dependência das cestas básicas que são entregues
pela FUNAI para a alimentação deste povo. Contraditoriamente, ao tempo em
que se consolida esta condição de dependência, sabe-se que tradicionalmente
os Kaiowá-Guarani são consideráveis cultivadores de alimentos12.
As terras da aldeia Takwara já foram reconhecidas, porém a aldeia aguar-
da há mais de 12 anos pela homologação. O processo de demarcação iniciado
em 2000, é interrompido, em Julho de 2010, pela decisão do ministro da Justiça,
Paulo Barreto, que suspendeu a portaria que declarava a Terra Indígena Takwa-
ra como terra tradicionalmente indígena, conferindo a posse permanente da
área àqueles que reivindicam Takwara13.
A área reconhecida pela FUNAI apresenta um total de 9.700 ha. Segun-
do às lideranças locais, destes 9.700 ha, 4.300 ha estão ocupados com a mo-
nocultura da soja e pelo menos 4.700 ha com pastagens destinadas à produção
pecuária. Do restante, em apenas 90 ha se encontram os Kaiowá-Guarani que
vivem nesta ínfima porção da área total da aldeia Takwara14.
Mesmo sendo possível encontrar alguns dados institucionais sobre a al-
deia, ainda sim, estes apresentam uma qualidade pouco segura. Segundo dados
da FUNAI, em 2005, a população da aldeia era de 162 indígenas. Em 2010, a
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), aponta que em Takwara viviam 537
indígenas. Durante a visita da expedição na aldeia, nos foi relatado que vivem
cerca de 300 indígenas, entre mulheres e homens, sendo eles adultos, jovens e
crianças.
Para citar um outro exemplo, sobre esta imprecisão dos dados, o Instituto
Socioambiental (ISA) através de seu Laboratório de Geoprocessamento e a
partir das informações dos limites das Terras Indígenas publicados no Diário
Oficial da União (DOU), questiona os dados referentes ao total da área
estipulada pela FUNAI. Segundo o ISA, a área total da aldeia é de 9.629 ha. A
princípio, esta pode parecer uma pequena diferença, afinal o que representam
71 ha em uma área de 9.700 ha? No entanto, sob um olhar mais atento estamos

12  Silveira, destaca em seu artigo a pesquisa de Noelli (1999), que levantou, pelo menos 39 gêneros de
vegetais cultivados e cerca de 300 itens alimentares coletados pelos Kaiowá-Guarani-Guarani. In: SIL-
VEIRA, N. H. . Um ponto de vista sobre a segurança alimentar entre os Kaiowá-Guaranide Mato Grosso
do Sul. Itinerarios, v. 6, p. 123-138, 2007.

13  “Ministério da Justiça suspende Portaria Declaratória da TI Taquara” Disponível em <http://www.


cimi.org.br/site/pt-br/index.php?system=news&action=read&id=4808>. Acesso em Junho de 2012.

14 Mapeamento Terra Indígena Takwara realizado pelo Instituto Sócio Ambiental. Disponível em:
<http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/4126>. Acesso em Ago de 2012.

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nos referindo, ao tratarmos da aldeia Takwara, de mais de 9.000 ha que são


usurpados pelo agronegócio da região, enquanto este povo fica confinado em
apenas 90 ha.
Esta é, de fato, uma situação preocupante, na medida em que, mais do
que não termos clareza do total da população e da área, configura-se uma si-
tuação de extrema fragilidade de realização política e, ao mesmo tempo, uma
ausência deliberada do Estado. Entre outras interpretações, esta falta de pre-
cisão acarreta de maneira negativa no processo de consolidação dessas terras,
favorecendo a classe dominante representada pela figura dos latifundiários.
A disputa por estas terras envolve, entre outros, uma tradicional família
da oligarquia do centro oeste brasileiro. Desde o movimento de retomada das
terras originárias da aldeia Takwara a disputa envolveu Jacinto Honório da Silva
Filho, proprietário da Fazenda Brasília do Sul. Este é, por sua vez, acusado pelo
mando do assassinato do Cacique Marco Veron, morto brutalmente dentro das
dependências de sua própria aldeia15.
Segundo o jornal “Última Instancia”, de abril de 2010, “o cacique foi mor-
to a pauladas em janeiro de 2003 em Juti, no interior de Mato Grosso do Sul,
no acampamento indígena Takwara, localizado na fazenda Brasília do Sul. Na
ocasião, quatro homens armados ameaçaram, espancaram e atiraram nos líde-
res indígenas, incluindo o cacique Veron, que na época tinha 72 anos. Ele foi
levado para o hospital com traumatismo craniano, mas não resistiu e morreu”16.

15 “Não foi desta vez que um “branco” foi condenado por matar um indígena no MS” Disponível em:
<http://www.cimi.org.br/site/pt-br/index.php?system=news&action=read&id=5338>. Acesso em Jul 2012

16  “Júri paulista de acusados de matar líder indígena no MS é adiado” Disponível em: <http://ultimains-
tancia.uol.com.br/conteudo/noticias/46080/juri+paulista+de+acusados+de+matar+lider+indigena+n
o+ms+e+adiado+.shtml>. Acesso em Ag 2012

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MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

Foto 02: Monumento erguido em homenagem ao Cacique Marco Veron,


local que marca seu bárbaro assassinato. Ao fundo, a paisagem marcada pela
monocultura de soja dentro das Terras Indígenas Takwara.

No dia em que estivemos em Takwara completara nove anos da morte


de Marco Veron. A Foto 02, retrata o monumento erguido em homenagem
ao Cacique assassinado. Fotografada durante um ritual para lembrá-lo, este é o
local onde foi assassinado. Neste dia chovia, porém, mais forte do que a água
da chuva que tentava lavar o sangue derramado naquela terra, foram as lágrimas
da filha do cacique que ao atingirem o chão, alimentavam as sementes da con-
tinuidade da luta dos Kaiowá-Guarani por sua soberania.

Guyraroká

Apesar do pouco tempo de visita da Expedição à aldeia, foi possível cons-


tatar a grave situação em que se encontram àqueles que reivindicam Guyraroká.
Localizada no município de Caarapó, com suas terras já declaradas pela
FUNAI, porém ainda não demarcadas, sua área oficial é de 11.440 ha, dos
quais, segundo as lideranças locais, a comunidade ocupa apenas 58 ha. O res-
tante, está tomado pelos latifundiários. A área é caracterizada principalmente

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por extensas lavouras de cana de açúcar.


A comunidade Guyraroká, encontra-se em um forte embate, dentre ou-
tros, com o setor sucroenergético local. Neste processo mais recente, em rela-
ção a produção de soja e pastagens, a utilização das terras para o plantio de cana
de açúcar e a questão do trabalho precário deste setor tem envolvido o cotidia-
no desta aldeia. Segundo relatos das lideranças locais, as condições de trabalho
são alarmantes e registra-se, inclusive, situações de trabalho forçado infantil.
Em Guyraroká, o conflito revela a atuação daqueles que, muitas vezes,
podemos reconhecer ocupando seus postos na chamada “bancada ruralista”.
As terras da fazenda Santa Claudina, loteada e vendida de maneira fraudulenta
(assim como todas as terras das aldeias aqui em questão), está hoje sob posse
duvidosa do deputado estadual de MS, Zé Teixeira17, integrante do Partido De-
mocratas (DEM).
A expressão política dos interesses dos latifundiários, somada a figuras
como a do deputado, tem tornado os processos de homologação das terras
indígenas mais lentos e conflituosos. É o caso da demarcação da Terra Indí-
gena Guyraroká. Esta terra, já reconhecida e declarada pela FUNAI, teve seu
processo de demarcação interrompido justamente por envolver os interesses
de posse da fazenda de Teixeira.
Outros agravantes jurídicos envolvem o deputado e fazendeiro, além de
arrendar as terras indígenas em questão, para a produção de cana de açúcar
destinada a Raízen, gigante brasileira do setor sucroenergético,18 o político já foi
acusado pelo assassinato de uma criança Kaiowá-Guarani, conforme nos foi
relatado durante a expedição. Aqui, mais uma vez, a violência aparece de forma
indissociável da aclamada “modernização da agricultura”. Às custas de muito
sangue derramado, a cana de açúcar germina, a soja se desenvolve, as indústrias
se instalam e as commodities são negociadas na bolsa de valores.
Por outro lado, a comunidade da Terra Indígena Guyraroká sustenta em
luta sua espera pelo cumprimento da Constituição Federal e denuncia o mas-
sacre que vem sofrendo nas últimas décadas de forma opressora por parte do
Estado, que se esquiva das definições necessárias e urgentes, e, paralelamente,
por parte da oligarquia rural local/nacional.

17  “Zé Teixeira estranha nota sobre demarcação de terras em MS” Disponível em: <http://www.al.ms.
gov.br/Default.aspx?Tabid=201&ItemID=30766> Acesso em Jul 2012.

18 “Parceria Shell-Cosan desiste de comprar cana de açúcar de terras indígenas”. Disponivel em:
<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510418-parceria-shell-cosan-desiste-de-comprar-cana-de-acucar-
-de-terras-indigenas> Acesso em jul/2012.

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Passo Pirayu

Localizada no município de Dourados-MS, a aldeia Passo Pirayu encontra-


-se em processo de identificação19 da FUNAI, isso significa que, sobre a égide da
lei, a comunidade ainda está acampada em suas próprias terras.
O quadro geral em Passo Pirayu, não se diferencia por completo das outras
aldeias visitadas. Porém, nesta aldeia, é possível encontrar uma distinta atuação do
Estado que passa pela construção de um poço artesiano perfurado pela FUNA-
SA, até a uma cadeia construída para o encarceramento de lideranças indígenas.
As terras da aldeia Passo Pirayu estão em disputa com o proprietário da fazenda
Campo Belo, o Sr. Esmalte Barbosa Chaves. Esta família, há algumas décadas ocupa
a região e, inclusive, sempre esteve atrelada a oligarquia local, seja no inicio do século
XX, quando membros da família dedicavam-se à CIA Matte Laranjeira, contribuindo
com a exploração da força de trabalho indígena, já que dispunham de algum conhe-
cimento da língua Tupi-Guarani20. Seja, mais recentemente, com as monoculturas e
pastagens que se multiplicam nas terras do sul de Mato Grosso do Sul.
Como dissemos, entre as aldeias e acampamentos de retomada visitados,
Passo Pirayu, muito provavelmente, é aquela que expressa algumas contradições de
maneira ainda mais evidente, não deixando dúvidas aos integrantes da Expedição
que o Estado se faz presente nestes territórios com objetivos específicos e bem
definidos, especialmente, quando atendem aos interesses que lhes são favoráveis.
O que logo chama a atenção ao adentrar o restrito espaço ocupado pela
comunidade em vista da área total, não é um poço d’água inaugurado pela
FUNASA, para o abastecimento dos indígenas ou a estrutura de madeira de
10 m² onde funciona uma escola, mas sim, a estrutura de alvenaria construída
pelo Estado dentro de Passo Pirayu para que uma de suas lideranças espere seu
julgamento cumprindo prisão domiciliar.
Interessante notar que, neste caso, as contradições presentes na relação
entre o Estado e os Kaiowá-Guarani se revelam de maneira bastante explícita.
Questões que há muito tempo precisam ser enfrentadas e que se repetem nas
demais áreas indígenas não são definidas enquanto prioridade pelo Estado. En-
tre tantos exemplos, podemos destacar alguns: dependência de cestas básicas;
fome e subnutrição; doenças em geral; contaminação por agrotóxicos (princi-

19  De acordo o Instituto SocioAmbiental (ISA) até que os resumos dos relatórios de identificação ela-
borados por grupos técnicos criados pela Funai sejam publicados no Diário Oficial da União (DOU) as
terras não podem ser demarcadas.de .

20  “Garimpando a história em busca de Diego Stalard” Disponível em: <http://ofogodoshomens.blo-


gspot.com.br/2011/07/garimpando-historia-em-busca-de-diego.html>. Acesso em: Mai 2012.

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palmente as crianças); falta de estrutura para moradia digna; impossibilidade


de praticar seus rituais e fortalecer sua cultura; ineficiência de transporte para
acessibilidade aos hospitais e escolas da região; venda da força de trabalho para
assalariamento sob condições de extrema precariedade; exposição cotidiana à
violência física e psicológica pelas constantes ameaças e assassinatos de inte-
grantes da comunidade; ausência de assistência social e de proteção frente ao
estado de calamidade em que se apresentam; trabalho forçado infantil. Enfim,
essas e diversas outras questões perderam posição na lista de prioridades do
Estado, em oposição a construção da cadeia dentro de Passo Pirayu. Em outras
palavras, a cadeia é construída e mantida em detrimento de outras infraestrutu-
ras e demandas que são urgentes aos Kaiowá-Guarani em Passo Pirayu.

Foto 03: Cadeia para indígenas em prisão domiciliar – Passo Piraju 2012

O preso político em questão, é vítima de perseguição, acusado de assassinar


dois policiais que entraram de maneira violenta e inesperada dentro de Passo Pi-
rayu, no ano de 2007. Segundo as lideranças locais, o assassinato foi uma resposta
de vários membros da comunidade que, em legítima defesa, responderam à inva-
são surpresa e truculenta dos policiais que não estavam ao menos uniformizados.
Entre outros objetivos, a cadeia cumpre na conjuntura atual da questão Kaio-
wá-Guarani, um papel político de contenção dos Kaiowá-Guarani. A liderança em
questão presa é uma importante figura na articulação do movimento de retomada
dos territórios originários desde suas primeiras ações. Portanto, encarcerá-lo é, en-
tre outras coisas, uma tentativa de enfraquecer a articulação Kaiowá-Guarani.
Como enfatiza uma das lideranças Kaiowá-Guarani “para fazer a cadeia a
justiça serve, ao invés de construir um posto de saúde. A cadeia não serve para a aldeia. Um
posto de saúde ia atender a ajudar todo o mundo. Por que faz a cadeia e não posto de saúde?”

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Sendo assim, é oportuno reafirmar como os diferentes interesses do Estado,


bem como do poder público estadual e municipal (re)definem o cotidiano desses
povos e reforçam a condição precária que eles vem enfrentando para sobreviver.

Arroyo Korá

Muitas são as mortes e os atentados violentos às aldeias que estão próxi-


mas ao Paraguai, devido à facilidade encontrada pelos fazendeiros de contratar
pistoleiros e comprar armas na fronteira. Esta é uma das situações enfrentadas
pelos Kaiowá-Guarani e Guarani-Ñandeva que reivindicam Arroyo Korá21.
Localizada no município de Paranhos-MS, na fronteira com o Paraguai,
as terras foram reconhecidas e demarcadas, porém, hoje, encontram-se com a
homologação cancelada devido à decisão do Ministro Gilmar Mendes22.
Frente a isso, dos 7.175 ha já demarcados pela FUNAI, apenas 700 ha
estão ocupados pelos indígenas, sendo que os 6.475 ha restantes foram inde-
vidamente tomados pelos fazendeiros locais. Esta situação é de conhecimento
do Estado, como discrimina a FUNAI no relatório de demarcação das terras de
Arroyo-Korá publicado no DOU (2004):

O levantamento da cadeia dominial das propriedades identifica a origem e a


qualificação dos títulos de propriedades que incidem sobre a Terra Indíge-
na dArroio-Korá. Os primeiros proprietários adquiriram as terras junto ao
Governo do Estado de Mato Grosso através de compra e, paulatinamente,
expulsaram os índios, prática comum naquela época. [...] O Estado vendeu
as terras para particulares sem antes se certificar da ocupação indígena.23

Também por conta da negligência do Estado frente a essa situação, Ar-


royo Korá é atualmente um dos lugares de maior tensão no que diz respeito
ao conflito de terras em MS. Na terra indígena demarcada, equivocadamente
loteou-se diversas áreas onde hoje encontram-se latifúndios, predominante-
mente, de pecuaristas. O fato de envolver diversos proprietários em uma só

21  “Fazendeiros declaram guerra contra indígenas no MS” Disponível em: <http://carosamigos.terra.
com.br/index/index.php/cotidiano/2412-fazendeiros-declaram-guerra-contra-indigenas-no-ms>. Aces-
so em Ago 2012

22  “Proprietários de fazenda na Terra Indígena Arroio-Korá obtêm liminar suspendendo demarcação”.
Disponível em: <http://nota-dez.jusbrasil.com.br/noticias/2044915/proprietarios-de-fazenda-na-terra-
-indigena-arroio-kora-obtem-liminar-suspendendo-demarcacao>. Acesso em Jul 2012

23  Resumo do relatório circunstanciado de identificação e delimitação da terra indígena Arroio-Korá.


FUNAI - DOU.159 - 2004.

170
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demarcação, prejudica ainda mais os indígenas por serem alvo de violência de


um número maior de fazendeiros.
Segundo este mesmo relatório de demarcação das terras Arroyo Korá
(FUNAI), dezessete fazendas ocupavam ilegalmente as terras indígenas em
2004, são elas: fazenda “Campina” de propriedade de Safranor Lopes; fazenda
“Polegar” de propriedade de Otacílio Carollo Tramujas; fazenda “Nova Alvo-
rada” de propriedade de Jair Antônio de Lima; fazenda “Duas Meninas” de
propriedade de Moacir João Macedo; fazenda “Asa Branca” de propriedade de
Haroldo Schultz; fazenda “São Domingos” de propriedade de Luiz Bezerra de
Araújo; fazenda “Shekina” de propriedade de Marcos B. de Araújo e outros;
Sitio “Esperança” de propriedade de Aldemir Pedro Lenes Chavier e Valdir
Lenes Chavier; fazenda “Recanto Sossego” de propriedade de Anacleto Perei-
ra Lopes; fazenda “Garça Branca” de propriedade de Levito Nunes; fazenda
“Cinco Irmãos” de propriedade de Maria C. Pereira Lopes; fazenda “Novo
Horizonte” de propriedade de Walter M. da Rosa Valenzuela; fazenda “Sete
Voltas” de propriedade de Marilete Pereira Lopes; Fazenda “Iporã” de proprie-
dade de Maxionilio Machado Dias; fazenda “Santa Maria” de propriedade de
Yoshie Osaku; fazenda “Mafran” de propriedade de Antônio Godinho Macha-
do; fazenda “São Judas Tadeu” de propriedade de José Antônio Busato.
Por conta da disputa das terras de Arroyo Korá, o Cacique não sai da
aldeia sem o acompanhamento de uma escolta organizada pelos próprios indí-
genas quando este precisa se locomover até a cidade. O trecho mais perigoso é
o que liga a rodovia até a sede da aldeia. A liderança afirma que se a escolta não
for lhe buscar nos horários combinados, prefere esconder-se na mata e dormir
por lá mesmo a caminhar na estrada que leva à aldeia.

Kurussu Ambá

Desde 2007 repetidas tentativas de retomada das terras originárias daqueles que
reivindicam Kurussu Ambá vem acontecendo. Após terem sofrido três despejos de suas
próprias terras, os indígenas de Kurussu Ambá reocupam o local pela quarta vez.
Este curto período de retomada é marcado pela extrema violência sofrida
pela comunidade. Durante a primeira ocupação, em janeiro de 2007, a indígena
Xurite Lopes foi assassinada com tiros disparados à queima roupa pela milícia
local. No ano de 2009, após a segunda retomada, as lideranças Osvaldo Lopes
e Ortiz Lopes também foram assassinados24. Estes crimes somam-se a centenas

24  “Carta dos Guarani Kaiowá-Guarani sobre a retomada de Kurussu Ambá” Disponível em: <http://
www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/11/459414.shtml> Acesso em jul 2012

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MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

de assassinatos ocorridos em MS que permanecem em absoluta impunidade.


Esta situação se torna ainda mais grave quando os casos de violência que
seguem, manifestam-se, paralelamente, em outras esferas. Segundo as lideranças lo-
cais, três crianças morreram por problemas derivados de desnutrição crônica asso-
ciada à falta de auxílio das famílias no que tange as questões básicas de alimentação.
Seja por não possuírem qualquer possibilidade de desenvolver sua agricultura de
autoconsumo e ao mesmo tempo pela negligência da FUNAI na entrega e distri-
buição das cestas básicas, seja por se encontrarem sem atendimento à saúde.
As terras Kurussu Ambá, localizadas no município de Amambaí, estão hoje
sob posse duvidosa de Antônio e Maria Cecília Vendramini proprietários da fazenda
“Madama”25 e Delza do Amaral Vargas, proprietária da fazenda “Maria Auxiliadora”26.
Todavia em 2010, a decisão do Tribunal Regional Federal da 3º. Região
(TRF3), garantiu a esta comunidade indígena a permanência no local até que
se concluam os trabalhos de identificação do GT da FUNAI o que não lhes
garante, neste momento, a certeza de terem suas terras demarcadas.
É importante destacar que a argumentação elaborada para deferir tal de-
cisão, foi tomada sob o entendimento de que se tratam, de fato, das terras origi-
nárias Kurussu Ambá. Abaixo, segue um trecho da decisão publicada em 2010
na 101° edição da revista do TRF3, onde tais fatos são reconhecidos:

“Busca a FUNAI a reforma da decisão sustentando, em síntese, que: a) os


indígenas ocupam uma parte ínfima do imóvel rústico, localizada em área
de preservação permanente - APP; b) o depoimento do autor Paulo Van-
derlei Pillon é contraditório, pois num primeiro momento afirma que teria
plantado 450 ha de soja, além de 70 ha de milho, e num segundo momento
afirma que teria plantado 450 ha de soja, e que o restante da proprieda-
de seriam brejos sem possibilidade de serem explorados economicamente,
além do que o contrato de arrendamento tem como objeto a cessão de 250
ha de terras, de um total de 650 ha; c) segundo estudos antropológicos,
a presença dos índios kaiowa na região remonta ao Brasil-Colônia;
d) a legislação brasileira, desde o período colonial, reservou aos indí-
genas o direito à ocupação originária de terras, direito este que não
se confunde com a posse do direito civil; f) O art. 231, § 6o, da CF de

25  “Índios permanecem em fazenda de Amambai e prometem resistir à desocupação” Disponível em:
<http://www.midiamax.com.br/view.php?mat_id=276416> Acesso em jul 2012.

26  “Histórico sobre a luta do povo Kaiowá-Guaranide Mato Grosso do Sul pela retomada da terra
tradicional Kurussú Ambá”. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/es/noticias?id=83315&id_
pov=78>. Acesso em jul 2012.

172
Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

1988 garante aos indígenas o direito de posse de forma inalienável,


indisponível e imprescritível; g) está em andamento processo admi-
nistrativo de identificação da ocupação tradicional Guarani-Kaiowá,
que, embora não esteja concluído, há elementos históricos e antro-
pológicos que sinalizam a legitimidade da demanda dos indígenas
que consideram parte da região dos municípios de Amambaí e Co-
ronel Sapucaia como de sua ocupação tradicional; h) o grupo indí-
gena Guarani-Kaiowá vem sofrendo atos de violência na região, sendo já
registradas três mortes; i) a autora Delza deixou de demonstrar nos autos
a cadeia dominial antecedente do bem rústico objeto da lide; j) a tradição
normativa brasileira garante as terras indígenas contra a usurpação,
seja pelo Estado, seja pelos particulares, de forma que se conclui
que a titulação originária da Fazenda Nossa Senhora Auxiliado-
ra desrespeitou a posse indígena; k) é recomendável que os indígenas
permaneçam na área ocupada, pois, do contrário, voltarão para o precário
acampamento nas lindes da aldeia Taquaperi, à beira da rodovia MS-289”
(TRF3 p.142. 2010). (grifos nossos).

Nesse sentido, fica claro que ainda que o Estado por meio de suas ins-
tituições oficiais, tanto a FUNAI quanto o TRF3 já tenham reconhecido as
terras, contraditoriamente, a ação não é executada em função de uma decisão
política que prioriza os interesses do agronegócio na região. E deste modo, os
indígenas permanecem confinados em uma ínfima área em relação a área total
de suas terras originárias, expostos à diversos tipos de violência.

Considerações finais

“... que história Kaiowá-Guarani tenho para contar para meus filhos na beira do fogo?
A história dos assassinatos? É essa história que vou contar? ”
(Liderança Kaiowá-Guarani)

Em face do exposto, não é difícil ter dimensão das condições degradan-


tes que o povo Kaiowá-Guarani vem enfrentando historicamente para sobre-
viverem. E, ao mesmo tempo, resistindo de forma permanente à expropriação
de suas terras, matança de seu povo e impunidade aos agressores. O profundo
desrespeito à Constituição Brasileira de 1988 e às convenções internacionais
das quais o Brasil é signatário, reforçam ainda mais esta situação.
Concretamente, a posição do Estado brasileiro em beneficio de uma classe

173
MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

dominante e dos interesses dos latifundiários, como já verificamos, determina a ma-


nutenção deste estado de guerra em que, atualmente, este e outros povos indígenas
estão sujeitados. Sejam os grandes empreendimentos em terras indígenas, sejam as
medidas provisórias, portarias e projetos de lei27 que assumem sob a alegação do
crescimento econômico, a responsabilidade pela morte de seu próprio povo.
É bom lembrar também que entre as mais diversas situações vivenciadas
durante a expedição, foi possível constatar a atuação violenta dos fazendeiros,
muitas vezes, em acordo com a FUNAI-MS, prefeitura e governo do Estado. O
estado de sítio em que se encontram algumas aldeias, as ameaças físicas e psicoló-
gicas nas áreas de retomadas, a inexistência material de recursos naturais necessá-
rios para a reprodução da vida, bem como a contaminação das águas e solo pelo
uso desmedido de agrotóxicos, são apenas algumas, entre tantas, condicionantes
que não se resolvem e colocam em risco a sobrevivência desse povo.
Remetendo ao processo histórico - como Antônio J. Brand demonstra em
seus trabalhos, fundamentados, inclusive, em documentos oficiais - é possível
constatar que esta aliança terra-capital é determinante na expulsão dos Kaiowá-
-Guarani de seus territórios originários. Não é de hoje que o assalto às terras dos
Kaiowá-Guarani se materializa nesta região. Após a concessão de terras para a
CIA Mate Laranjeira, o processo de usurpação do território Kaiowá-Guarani
continuou com a atuação do SPI, confinando os indígenas em reservas, liberan-
do espaço para propriedade privada em uma região densamente povoada pelos
Kaiowá-Guarani. Soma-se a este processo a atuação da Colônia Agrícola Nacio-
nal de Dourados (CAND)28 que ampliou o loteamento dessas terras indígenas.
Neste contexto, o Estado brasileiro, por meio da atuação de seus distin-
tos governos, negligenciou, deliberadamente, suas constituições. Como Brand,
Ferreira e Almeida (2008) afirmam,“é importante ter presente que já na cons-
tituição de 1934, art. 129, consta que ‘a posse dos silvícolas estava protegida
quanto às terras onde localizados em caráter permanente’, garantia essa reafir-
mada nas demais constituições e ampliada na de 1988.”
Deste modo, podemos afirmar que esta luta pela retomada das terras
originárias e pela permanência com autonomia nestes territórios, é uma luta
não só contra o confinamento dos indígenas, mas também contra a violência
no campo, o processo de grilagem das terras, a concentração fundiária, a explo-
ração dos trabalhadores e a criminalização dos indígenas.

27  Portaria 303 da AGU/ PEC 215

28  “A Colonia Nacional de Dourados (CAND) situa-se no contexto da política de “marcha para o Oes-
te”, tendo em vista ampliar as fronteiras agrícolas mediante a integração de novos espaços” (BRAND,
2008)

174
Terra Livre - n.38 (1): 149-176, 2012

Paralelamente, corroborando com as diversas manifestações das lideranças


que pudemos colher durante a Expedição, a demarcação/homologação das terras
Kaiowá-Guarani não garante a cessação do conflito entre os indígenas e os fazen-
deiros latifundiários. O retrocesso nas decisões judiciais sobre as terras indígenas,
como por exemplo, o caso da aldeia Taquara e, ao mesmo tempo, as ininterruptas
ações de violência dos fazendeiros, são apenas dois entre tantos outros exemplos
das condições sob as quais os Kaiowá-Guarani resistem. E assim, explicita-se que
esse povo não luta apenas por suas terras, mas fundamentalmente, hoje, assumem
o combate por condições (mínimas) para permanecer e (re)produzir seu território.
Posto isso, precisamos nos atentar para o fato de que, para onde quer que
se vá, não podemos mais construir o conhecimento descolado da realidade. São
os protagonistas dessa luta que escrevem sua história e demarcam sua geografia,
sejam eles indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, trabalhadores, etc.
E é com esta determinação que a AGB assume conjuntamente com os
Kaiowá-Guarani esta luta e este enfrentamento, entendendo que as ações civis
públicas em favor dos povos indígenas devem se multiplicar e que a comuni-
dade geográfica, precisa e pode contribuir em sua atuação e formação político-
-acadêmico/militante-científica para que possamos, na construção de uma ge-
ografia do Brasil, compor uma outra história para nossa sociedade.

Foto 04: Crianças Kaiowá durante uma atividade espontânea realizada


pelos participantes da Expedição, que perceberam a curiosidade das crianças
diante dos equipamentos, sobretudo dos computadores, e decidiram passar a
animação “Pajerama”.

175
MACHADO, S.M.M; CARLINI, E.L.D.G. “Expedição Marco Veron” ...

Referências

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trf3.jus.br/ >. Acesso em Maio 2012.

176
Entrevista
Geografias e a AGB1

Claudinei Lourenço: Para iniciar este bate-papo, eu imagino uma ques-


tão, que na verdade foi formulada por você mesmo no artigo intitulado, se
bem me lembro, “Os Objetivos e os Conteúdos do Ensino da Geografia”. Ao
chegar ao final do texto você afirma que a Geografia deveria ensinar a elaborar
questões e também a respondê-las. E hoje? Quais seriam as questões que pode-
riam estar colocadas para a Geografia?
Douglas Santos: Você está retomando um texto antigo. Eu o escrevi
para o Fala Professor que se realizou em Presidente Prudente, em 1995. Na-
quele momento, uma das maiores preocupações para a elaboração do texto foi
evidenciar a necessidade de se buscar o papel do conteúdo no processo de en-
sino-aprendizagem. O pressuposto é que para a grande maioria dos professores
os conteúdos das disciplinas devem ser ensinados por que são importantes em
si mesmos. Quando, por exemplo, procuro ensinar o relevo do Brasil o meu ob-
jetivo seria fazer com que os alunos aprendessem como é o relevo do Brasil. O
que o texto busca realçar é que essas coisas não são tão lineares. Discutir relevo
tem por objetivo criar, numa nova geração uma experiência discursiva e, com
isso, uma experiência cognitiva, uma experiência lógica que lhe permita olhar o
mundo e identificar a diferencialidade das formas e seus possíveis significados.
A pura e simples constatação de que os relevos existem ou deixam de existir
não é suficiente para o ensino da Geografia. Então, quando digo que o ensinar
Geografia envolve ensinar a construir perguntas e respostas, busco chamar a
atenção do leitor para a necessidade de se compreender as ordens lógicas que
me permitiriam construir perguntas e buscar respostas. Então, quando eu ensi-
no o relevo, o meu objetivo não é o relevo, mas a ordem lógica que me permite
construir um discurso deste tipo.
CL: O que me parece é que você elucida bem a importância, por dentro
do conhecimento geográfico, da relação entre forma e conteúdo na construção
destas questões. E, de fato, nós temos que partir dos exemplos e até construí-
-los. Na sequência gostaria que você comentasse sobre quais questões são inter-
nas à elaboração do próprio pensamento geográfico. Obviamente os conteúdos
devem aparecer na elaboração das perguntas. Sem o conteúdo, como você diz
no texto, não há, de fato, construção. No campo da Geografia, epistemologica-
mente perguntando: quais são as questões que nos permitem chegar à constru-

1  Entrevista do Professor Douglas Santos concedida à Revista Terra Livre no dia 14-02-2011, para Clau-
dinei Lourenço, Coordenador de Publicações da Diretoria Executiva Nacional (DEN). Agradecemos a
Paulo Cabral Lage da Seção Local Belo Horizonte pela transcrição da entrevista.

179
ENTREVISTA | DOUGLAS SANTOS Geografias e a AGB

ção destas questões? Porque temos questões que são anteriores a ela. Afinal de
contas, elas estão ainda pouco formuladas. A hegemonia da lógica formal, que
você descreve, é uma delas, e como a lógica dialética poderia num momento,
como a lógica do improvável, visitar o empírico, o real, de uma forma mais
rica? Então a questão no fundo era essa. Quais são as questões colocadas para a
comunidade dos geógrafos, para o pensamento geográfico de uma forma geral?
DS: A primeira reflexão a se levantar é reconhecer quais seriam os fun-
damentos do discurso geográfico. Sem esses fundamentos não é construir per-
guntas e, muito menos, respostas. Tal reconhecimento, no meu entender, deve
ser feito a partir de três dimensões distintas e absolutamente interligadas:
A primeira é o reconhecimento da existência da geograficidade do mun-
do, isto é, que há uma ordem tópica no fenomênico, determinante para sua
própria caracterização e dinâmica. Ao se propor que existe uma relação tópica
entre os fenômenos, o reconhecer das formas, das posições relativas – o onde
elas estão, para onde elas vão - estabelece a possibilidade da construção de uma
estrutura analítica capaz de permitir algum tipo de síntese e, portanto, reconhe-
cer o que é o mundo pelo viés de uma de suas dimensões efetivas.
A segunda é reconhecer que existe uma Geografia. Isto é, existe no mun-
do uma tradição discursiva que tem nesta localização e no desvendamento de
seus possíveis significados seu fundamento lógico e ontológico. Trata-se de um
discurso que nos permite afirmar que tanto Estrabão quanto Milton Santos
produziram discursos com os mesmos objetivos, fundados na mesma tradição.
Vale lembrar que escreveram discursos geográficos muito diferentes – no mí-
nimo porque algo em torno de 1800 anos de histórias e geografias os separa –
mas eles não são geográficos à toa. São geográficos porque têm esses mesmos
fundamentos, têm essa ordem topológica por fundamento.
A terceira é o discurso propriamente dito, o fato de que eu, você e todos
os geógrafos somos capazes de proferir diferentes discursos sobre uma mesma
realidade. Tais discursos, no entanto, só serão geográficos se dialogarem efeti-
vamente com essa mesma tradição. Então, há uma tradição a se considerar. E
essa tradição se funda numa pergunta, que é, justamente, o sentido da localiza-
ção das coisas numa determinada escala, que é a escala do ecúmeno. Neste sen-
tido, então, eu diria que ao reconhecer que buscamos na percepção do mundo
algum tipo de ordem lógica que nos permita explicá-lo, essa nossa percepção
não é divagante, ela não é simplória, ela não é total, ela não é simplesmente
catastrófica, digamos assim, porque ela tem uma direção – todo discurso tem
por objetivo alguma ordem. A percepção do mundo, num primeiro momento,
é sempre caótica e a construção do conhecimento é a tentativa de dar ordem ao

180
Terra Livre - n.38 (1): 179-193, 2012

caos. A ordem da Geografia envolve o reconhecimento de uma ordem tópica


na escala da nossa relação com a vida, da nossa relação com o mundo, na escala
do nosso ecúmeno. Este fundamento permitiu aos gregos se tornarem o centro
do mundo para si próprio e aos chineses serem o centro do mundo também
para si e permite a algumas tribos indígenas da Amazônia serem o centro do
mundo para eles mesmos, e permite, hoje, acharmos que o ecúmeno é o planeta
como um todo, que existem “N” povos que se constituem e que nós, de alguma
maneira, estamos olhando o mundo a partir da nossa própria centralidade en-
quanto modo de produção capitalista. Esta ordem é que constrói o discurso ge-
ográfico. A pergunta fundamental é identificar qual é, afinal de contas, a ordem
que o capitalismo cria. Não o capitalismo enquanto uma entidade metafísica,
mas o capitalismo enquanto uma forma de vida, isto é, o como nós, os seres
humanos, ao nos relacionarmos com todas as nossas alteridades, em todos os
níveis e escalas, construímos uma ordem própria. Isso nos obriga, portanto, a
rever um conjunto de conceitos, inclusive o conceito de localização. Quer dizer,
se a Geografia Clássica entende a localização como uma localização euclidiana,
hoje a Geografia tem de entendê-la no interior dos processos que a identifica.
A proposição é reconhecer que você, por exemplo, está onde está sempre em
relação a um determinado processo, porque em outros processos você está em
outros lugares: os lugares são os lugares da processualidade.
Tudo isso envolve uma nova concepção de regionalidade, uma nova con-
cepção de territorialidade, de paisagem... Bom, essas categorias vão mudando
de posição para poder dar conta de uma nova noção de ecúmeno, de uma nova
escala do ecúmeno, de uma nova capacidade de entendimento de alguma coisa
que nós poderemos chamar de unidade geográfica, digamos assim.
CL: Mais do que responder, você colocou outas inúmeras questões. Acho
que isto é interessante e permite-nos começar a pensá-las. Desde a necessidade
de se identificar o que é pensamento geográfico e sua relação com a própria ge-
ograficidade, como algo que possui caráter ontológico, quase natural - como se
o arranjo da existência pudesse ser determinado ontologicamente - e, há aí uma
relação com os gregos, como se pudesse pensar uma institucionalização primei-
ra da Geografia, com o fato dos gregos terem nomeado aquilo que viria a ser
considerado como Geografia. Antes daquilo não haveria então Geografia no
sentido da elaboração do pensamento. Existiriam práticas, saberes, existências
concretas com o mundo, pela magia, pelo mito, mas não uma Geografia cons-
truída. De fato, parece que foram os gregos que elaboraram o termo Geografia,
então essa é o que eu chamaria de primeira institucionalização. Foi marcado que
haveria para o ser um novo ente...

181
ENTREVISTA | DOUGLAS SANTOS Geografias e a AGB

DS: Bom, desculpe cortar sua reflexão, mas acho que é importante identi-
ficar aí que a própria criação do nome, a nomenclatura, assim como Geometria,
Geografia, Filosofia, Física, Metafísica, este conjunto de proposições que a civi-
lização grega clássica nos legou estão associadas à necessidade se reconhecer o
comportamento humano no formato de uma estrutura discursiva. Reconhecer
esse fato é identificar os fundamentos da nossa tradição Greco-romana-judaica
e o sentido que ela deu ao significado de conhecimento.
Tal reconhecimento implica, ainda, que não podemos chamar de não
sistemática a cartografia dos Incas, ou não sistemáticos o conhecimento e a
topologia que se desenvolveu na China, por exemplo, simplesmente porque
consideramos que é mais sistemático o dos gregos. Esses processos de sistema-
tização foram constituídos em todas as civilizações, principalmente quando se
refere ao saber de caráter topológico entendendo por isso o reconhecimento
do lugar em que estou (o caráter sintético) e de coisas e processos que me per-
mitem reconhecê-lo (o caráter analítico), qual é o lugar do outro, qual o outro
lugar, o lugar do imaginário, o céu, o inferno...
CL: Isso não seria uma visita a reconhecer, por dentro das leituras an-
tropológicas, uma ontologia geográfica, que não estava diluída na totalidade da
cultura? E por que os gregos anunciam uma geografia, portanto, a consciência,
somos herdeiros dessa tradição, então, isso coloca...
DS: Essa referência sistemática, claro. Eles batizaram a “criança”.
CL: E antes disso, não é que nós vamos institucionalizar a Geografia
aqui. Porque num primeiro momento essa solidariedade social, a forma social
do pensamento, que Adorno e Horkheimer vão discutir, muito bem, na Dia-
lética do Esclarecimento... A Geografia emerge de uma sociedade específica.
Portanto dá uma forma específica da existência social e do próprio pensamento.
DS: Eu teria algumas divergências aí: a primeira delas envolve o fato de
que uma parte grande da literatura, principalmente da literatura do século XX,
em relação da Geografia, coloca o nascimento da Geografia nas mãos do Hum-
boldt e, mais recentemente, nas mãos de Kant tendo como referência as aulas
de Geografia do Kant, o que me parece absolutamente legítimo. Mas o que
me parece que não é tão legitimo é que confunde a constituição da Geografia
com ela se tornar uma disciplina acadêmica, e, portanto, só é saber aquilo que
é o nosso saber, o saber daqueles que são acadêmicos. Na tentativa de romper
isso, voltamos à tradição grega. Correto, ela estabelece uma determinada nor-
mativa, que dá sentido, significado, ordenação, uma certa teleologia inclusive,
ao discurso sistematizando perguntas que são clássicas para a sociedade como
um todo. Tal constatação nos permite afirmar que o espalhamento da discussão

182
Terra Livre - n.38 (1): 179-193, 2012

geográfica, para ficarmos no nosso limite, para o mundo como um todo, não
envolve um empastelamento ou simplificação das culturas, mas a identificação
das estruturas lógicas que estão no fundamento de uma razão que necessita
dialogar com as demais razões. As perguntas sobre a dimensão e significado
do “onde” não é uma prerrogativa da chamada sociedade ocidental. Ela é uma
necessidade da humanidade.
CL: Aí que está. Permita-me aí pensar junto. Como isso, num primeiro
momento, se enquadra e é absorvido como uma totalidade pela sociedade mo-
derna capitalista na medida em que ela absorve aquilo que ela envolve, dialeti-
camente? Neste sentido a Geografia passou por esse crivo, por este processo.
DS: Mais um comportamento do que um ordenamento discursivo explícito.
CL: E que ganha uma continuidade. Ela não foi eliminada como outras
coisas. Ela foi bem recebida no moderno, pelas formas. Então, aí nós encontra-
mos talvez uma questão da própria natureza desse pensamento...
DS: Nesse sentido, sim. Uma coisa interessante da minha experiência na
África, à medida que essa experiência tem me permitido discutir, junto com
os discursos clássicos da chamada sociedade ocidental e que já estão coloca-
dos para a universidade moçambicana na sua confluência com os discursos de
origem tribal, muito presentes na vida e na constituição cultural e intelectual
daquelas pessoas que estão lá... Trata-se da oportunidade de vivenciar onde um
discurso permite o desenvolvimento do outro, ou não. É um solapamento. É
uma violência cultural. Essa experiência tem me obrigado a questionar qual se-
ria a Geografia do discurso geográfico. Em que medida a presença desse discur-
so, e de suas normas cultas, envolve a destruição das identidades, das estruturas
identitárias, ou envolve um repensar dessas identidades, o significado de lugar
para os povos... Tal reflexão ainda está para ser feita. Tendemos a fazer sempre
uma historia do discurso, fazer uma sociologia do discurso, e temos dificuldade
em fazer uma geografia dos discursos. Precisamos efetivamente fazer desven-
dar a geograficidade do discurso geográfico.
CL: Para hoje.
DS: Exatamente, é uma questão para hoje.
CL: Penso que com isso eu só queria trazer aos termos do moderno e
penso que uma questão novamente aparece e ela está presente nas suas pre-
ocupações também. Creio que é o momento evidenciar o espaço como uma
questão. Por mais que temos vivido o espaço, nem sempre ele foi a questão dos
pensadores. Nessa relação entre a constituição do mundo moderno e a consti-
tuição do espaço. Onde se colocaria o contato entre o pensamento geográfico,
a constituição do moderno e a constituição do espaço?

183
ENTREVISTA | DOUGLAS SANTOS Geografias e a AGB

DS: Vou dividir meus comentários nas mesmas partes que construíram tua
pergunta. Antes, porem, gostaria de me reportar, usando exclusivamente a memó-
ria, às primeiras páginas de “O Capital”, do Marx, onde ele advoga a ideia de que,
para construir perguntas uma sociedade deve amadurecer-se ou, numa interpreta-
ção absolutamente pessoal, a construção das perguntas faz parte do processo de
existir da própria sociedade. Assim sendo, na mesma direção, vale afirmar que há
um conjunto de questões que só se constituiu na medida em que a humanidade se
reconheceu como civilização, ou a civilização se reconheceu como humanidade,
isto é, quando nos reconhecemos na escala planetária das relações que hoje nos
constituem. Alguns vão chamar de questão ambiental, outros de política, de temas
do capitalismo monopolista... O que é importante é que o século XX, pelo menos
até os anos de 1970, dentro da sua mitologia, digamos assim, advoga a idéia de que
o tempo é a categoria de análise, por excelência, da dinâmica das transformações e
da tentativa de controlá-las. Desde Newton nota-se a tentativa de se construir um
discurso que coloque o tempo no formato da mecânica e a mecânica sob controle,
o que permitiu ao capitalismo desenvolver a idéia de controlar o trabalho pela via
do tempo de trabalho... Então, a constituição da humanidade da forma como a gen-
te a reconhece hoje, e do modo de produção capitalista da forma como ele se realiza
efetivamente hoje, coloca a dimensão da planetariedade como a escala necessária da
discussão. E aí vem o seguinte dilema: como é que eu construo um discurso único,
genérico, geral, suficiente, que dê conta dessa diferencialidade que é a realização do
fenomênico. Neste sentido então, e é justamente neste momento, que vai se realçar
a categoria espaço.
CL: Ela é, então, necessariamente a constituição do universal...
DS: Exatamente.
CL: Isso na Geografia...
DS: Sim, isso na Geografia.
CL: Na Filosofia o espaço foi uma questão muito anterior...
DS: Sim e não. Vamos considerar o seguinte: do ponto de vista do discurso
cientifico, a partir do século XVI, não há nenhum que tenha se constituído
sem colocar as questões de espaço e tempo em evidência. Espaço e tempo
são categorias tipicamente burguesas. Num primeiro momento, do capitalismo
mercantil, acelerando e colocando em evidência o discurso geográfico pela
majestade da produção cartográfica, a retomada das discussões astronômicas
e assim por diante. A fábrica traz o tempo para o primeiro plano. Creio que
isso se evidencia quando confrontamos a maneira pela qual Kant vai entender
os primeiros movimentos da mecânica e Hegel vai procurar identificar o
significado de Natureza.

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Terra Livre - n.38 (1): 179-193, 2012

CL: Mas voltamos a nomeação do termo - como a Geografia, esse fenô-


meno (vamos dizer assim), evidente para quem, a sensação do fenomenológico,
do teórico, é nomeado. Há quanto tempo, os geógrafos do século XIX, do
século XX, olhavam pro Mundo como se fosse um palimpsesto de meios. Há
algum momento em que algo dissolve isso e o constitui como uma unidade?
DS: Uma metafísica.
CL: Espacial...
DS: Sim, a grande questão é que, do ponto de vista da empiria, o que
você vê são coisas. Você não vê espaço.
CL: É o tempo do abstrato.
DS: Exatamente. O espaço é uma categoria da pura abstração. É uma
categoria da metafísica e, neste sentido, necessária. A discussão, portanto, deve
seguir o seguinte questionamento: como generalizar o fenomênico, sem perder
sua relação topológica? O que se fez foi transformar o o intangível no objeto
da Geografia, como se o intangível fosse o tangível, fosse o fenomênico, como
se o espaço existisse como coisa.
CL: E ai não há uma distância? Por que a Geografia surge antes do espaço.
DS: Tal como estamos conversando aqui... muito antes.
CL: Então o objeto original da Geografia não é o espaço, é um outro
produto, um outro ser...
DS: É a localização, a localização das coisas. Não se trata, portanto, de
uma coisa, mas da compreensão de uma dimensão da processualidade que
identifica a relação entre sujeito e objeto.
CL: Até que, como que nós herdamos o espaço, isso nos remete à uma con-
fluência de determinações que são difíceis de alcançar nesse momento... Eu quero
que a Geografia é anterior ao espaço, parece... Ou eu estaria dizendo um absurdo?
DS: Vamos retomar a questão. O que é que queremos? Cotidianamente
falando? Nós queremos reconhecer que as coisas estão, em relação a outras coi-
sas, devidamente localizadas, elas são sempre devida e relativamente localiza-
das, porque a localização das coisas e a observação disso, envolvem a percepção
dos processos nos quais essas coisas estão inseridas. Essa é a nossa realidade.
Muito bem. Isso, no entanto, pode nos levar a um empirismo brutal. Busca-
mos, portanto, um pensamento sistêmico que nos permita construir a leitura
sobre essas processualidades. Na melhor tradição positivista, isso significa que
eu preciso achar um objeto para a Geografia. Como o objeto não pode mais ser
as coisas, porque as coisas são muitas, e as coisas só são em processo, as coisas
deixam de ser a observação imediatizada para que seja o espaço. O espaço é
uma categoria suficientemente ampla pra isso. Mas ele é uma armadilha de

185
ENTREVISTA | DOUGLAS SANTOS Geografias e a AGB

caráter epistemológico, uma armadilha se o pensarmos como objeto. Por quê?


Porque, na verdade, o espaço é uma dimensão do fenômeno, uma dimensão do
fenomênico, não é uma coisa.
CL: Isso na metafísica...
DS: Por isso ele vai para o campo da metafísica para se tornar uma iden-
tidade em si. Espaço infinito, a divindade... Bom, isso é uma discussão que vai
pelo século XVI, XVII, XVIII afora. Agora o mais interessante é que como não
conseguimos dar conta disso, porque a categoria espaço faz parte de todos os
campos do conhecimento, nós acabamos adjetivando-o de espaço geográfico.
Acontece que isso nos leva a uma tautologia sem fim, porque se o espaço geográ-
fico é aquilo que a Geografia estuda, então o que é a Geografia no final das con-
tas? E não há resposta nessa linha, porque perdemos a noção de qual é o interesse
do sujeito. Nós temos aí uma ciência que discute o seu objeto sem discutir o seu
sujeito. Essa é a discussão dos últimos 30 anos. Uma ciência sem sujeito.
CL: Isso nos remete diretamente a uma questão de caráter ontológico...
DS: Claro, sempre.
CL: A constituição de todo o pensamento moderno foi um esforço on-
tológico, pode se pensar assim.
DS: Se você quiser ler assim, mas não necessariamente as pessoas com
consciência disso estarão nessa direção.
CL: Imagino que em todo ato epistemológico, desde o mais básico
que é a nomeação das coisas e dos saberes, até a sua elaboração na forma do
processo... As formas todas articuladas...
DS: E o seu reconhecimento enquanto sujeito...
CL: É.
DS: Acontece que o positivismo não se vê assim. Mesmo que ele faça isso.
CL: Exatamente.
DS: Porque não reconhece que o objeto só é objeto para um sujeito. Que
não existe um objeto sem um sujeito, e que a definição do objeto depende do
objetivo do sujeito, portanto, depende de que processo você está falando, em
que relação você está inserido. Então, acabamos construindo uma relação mui-
to linear entre sujeito e objeto, construindo um objeto típico do positivismo,
mais pueril.
CL: Mas a afirmação do sujeito não implica numa fenomenologia?
DS: Ela implica, mas o problema não é esse. Estou afirmando que a afir-
mação do sujeito é um processo que implica na existência do sujeito e que este
não se afirma sem que exista para o objeto. O problema é que o positivismo
não reconhece isso e, portanto, não reconhece o sujeito na relação. Por isso é

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Terra Livre - n.38 (1): 179-193, 2012

capaz de afirmar que o objeto da Geografia é o espaço, mas não é capaz de


dizer o que é espaço.
CL: Ou o inverso, que é falar dos sujeitos.
DS: ...mas eu diria que aí há uma incorreção estrutural do ponto de vis-
ta ontológico. Essas construções discursivas envolvem o reconhecimento da
identidade da sociedade sobre a qual se fala, isto é, quem são os sujeitos falan-
tes, e porque é que os sujeitos identificam os seus objetos da forma como iden-
tificam. Não como se os objetos existissem em si, mas como se eles existissem
em processo, por isso que a constituição da identidade é fundamental.
CL: São as formas históricas que vamos chamar primeiro de indivíduo
ou sujeito. Sejam as formas culturais, as formas sociais. Obviamente não po-
demos imaginar o mundo sem um anteparo desses superegos, que seriam a
cultura, a sociedade...
DS: O mundo humano pelo menos não.
CL: Então nós partimos sempre de um conjunto de representações para
pensar e herdamos este processo. Daí a dificuldade, muitas vezes, de elaborar o
corte deste processo. É como imaginar o retorno ao objetivo da entrevista, de-
pois deste grande passeio, em relação àquilo que se constitui como pensamen-
to geográfico. Você e os que lerem esta entrevista, provavelmente, a maioria,
se não todos, estarão relacionados a isso. Portanto constituímos um universo
discursivo. Dentro desse universo discursivo nos contradizemos, elaboramos.
Dentro dessa elaboração fica a pergunta: qual elemento ou processo você po-
deria pensar a respeito do conjunto de equívocos que nós temos desenvolvido?
DS: Uma pergunta perigosíssima...
CL: Exatamente. Caso não queira respondê-la...
DS: Não! Vou dar um exemplo somente para demonstrar a complexi-
dade da pergunta. No final dos anos de 1970, participamos de um grande mo-
vimento que foi chamado de Geografia Crítica. Afora o fato de que alguns
usaram isto como uma espécie de marca registrada para vender livros, a grande
maioria das pessoas que teve acesso a este tipo de informação acabou asso-
ciando a idéia de Geografia Critica a uma determinada leitura especifica da
Geografia, a um campo do conhecimento, a uma epistemologia, a uma opção
de caráter metodológico, ideológico, e assim por diante. Poucos foram os que
perceberam que se tratava de um movimento de pessoas de diferentes matizes
político/ideológicos que se juntaram na luta contra a Ditadura Militar. Mas isso
criou um grande equivoco, não é? Um equívoco que prejudicou profundamen-
te o desenvolvimento da discussão porque ao colocou uma marca, digamos
assim, induziu a muitos a pensar que “Geografia Crítica” guardaria em si todas

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ENTREVISTA | DOUGLAS SANTOS Geografias e a AGB

as variáveis e fundamentos de um processo que, de fato, era muito diversificado


e envolvia uma luta imensa.
CL: Foi isso que aconteceu quando deram o nome de Geografia ao
conhecimento?
DS: Não.
CL: Os gregos nomearam o conhecimento como Geografia. Depois dis-
so, nós vemos essa institucionalização. Estamos aqui hoje e a capilaridade da
Geografia imensa. Com certeza, neste momento, milhares de pessoas estão fa-
lando sobre algum conteúdo geográfico. Há uma capilaridade fantástica, fruto
de uma nomeação que talvez tenha sido equivocada no seu próprio nascimen-
to, do ponto de vista ontológico. Então nós continuamos reverberando isso
de Geografia, e assumimos isso. Aí já é uma questão da própria identidade,
no decurso da formação de um pensamento. Podemos defendê-lo, analisá-lo,
revisitá-lo, historiá-lo, mas fica a questão. Aceitamos, queira ou não, uma heran-
ça que não foi questionada. E hoje vamos discutir a fragmentação, a Geografia
Crítica, Física, Humana... Até onde foi o nosso questionamento? Questiona-
mos a fragmentação, mas não questionamos o sentido ontológico da nossa
própria instituição. Herdeiros do quê? Estou atravessando, mas no sentido...
DS: Fico pensando se efetivamente o Heidegger tem razão. Será que
identificar a filosofia de Filosofia matou a filosofia? Ou identificar a filosofia de
Filosofia permitiu ao Heidegger...
CL: Ser filósofo.
DS: Ser filosofo, fazendo uma defesa da poieses... O que eu estou querendo
levantar com isso é: será que somos capazes de uma ordem do nosso pensamen-
to, de construir uma ordem do pensamento, que nós mesmos sejamos capazes
de reconhecê-la, sem que tenhamos de nomeá-la? Do ponto de vista da tradição
grega não. Não somos capazes. E, portanto, não vejo nessa institucionalização
um desvio. Talvez possa ficar mais claro com uma simples associação: quando a
criança deixa de se chamar pelo próprio nome e passa a se chamar pelo pronome.
É essa noção de generalidade que é a noção de que eu sou eu. A seu modo, Hegel
inicia a “Fenomenologia do Espírito” colocando tal questão.
CL: Nós seríamos essas crianças. Porque herdando o nome próprio de
um povo, o povo grego...
DS: Sim, mas também usamos pronomes, também usamos verbos, tam-
bém usamos as mais diferentes linguagens, tudo isso são limites. Mas todo
limite é a condição da sua própria superação. A inexistência da linguagem não
permitiria o pensamento. Mas não há como construir a linguagem que não seja
identificadora das processualidades, dos elementos que compõe os processos,

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Terra Livre - n.38 (1): 179-193, 2012

dos verbos que articulam e identificam processos, dos adjetivos que qualificam.
Neste sentido, a construção da lógica é a construção de uma sintaxe. Então, o
que chama geografia de Geografia é o reconhecimento da identidade de um
procedimento necessário da humanidade. Isso é uma institucionalização? É
porque é uma identificação, e a identificação do fenomênico é, entre outras
capacidades, a de dar nomes. Na capacidade de dar nomes construímos iden-
tidades para a nossa própria ansiedade, para nossa relação com o mundo, para
a maneira de olhar o mundo e ao mesmo tempo construímos um conjunto de
conflitos que permite a superação do referencial conceitual que dá significado
aos nomes. Um conjunto de conhecimentos, também construídos pelos gregos,
desapareceu, porque a sociedade que os sucederam, digamos assim, não viram
mais naquelas contradições respostas para suas próprias demandas. No caso, a
Geografia já teve quase que desaparecida varias vezes e ressuscitou das cinzas
outras tantas, porque a cada momento em que se muda a ordem técnica, em
que se mudam as velocidades, também se mudam as noções de distância, que
se mudam as áreas de pertencimento, as escalas de deslocamento, de realização
do trabalho, em cada um desses momentos as questões espaciais retornam e o
discurso geográfico volta a ser importante.
CL: O que me deixa perplexo é que isso tenha se constituído, se cha-
mando de Geografia. Porque simplesmente tenha permanecido por dentro de
vários conteúdos ainda se chamando da mesma coisa, é genérica no seu nasci-
mento, a sua generalidade constitutiva na identidade, preservou talvez...
DS: É como a História, a Filosofia, a Matemática,...
CL: Então a Geografia pertenceria a este momento e constituiu um cam-
po que, por mais que...
DS: Por mais que se autodestrua se reconstitui na sua discussão.
CL: E vai continuar... É como se fossem as raízes constitutivas. Isso é
que é interessante e, ao mesmo tempo, nos coloca aqui hoje. E vamos continuar
conversando sobre isso... Senão não estaríamos aqui.
Tenho ainda uma questão, que leva direto ao núcleo da AGB e que re-
monta à sua experiência na própria entidade, desde 1978, que não vamos re-
tomar, porque já foi amplamente comentado por você em outras entrevistas,
mas em algum sentido a gente não superou uma questão: a da cisão ainda per-
manente entre o que é o movimento dos geógrafos e o movimento estudantil
da Geografia. Nós temos muitas grandes entidades, a AGB e a CONEEG, e
encontros, o ENEG, o ENG... Você acha que há um passo para ser dado na
direção de uma união entre essas entidades da Geografia? Ou nós vamos ter
que construir diversas entidades, cada uma do seu lado? Ou é possível pensar

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ENTREVISTA | DOUGLAS SANTOS Geografias e a AGB

numa entidade unificada dos movimentos da Geografia no Brasil?


DS: Há um reconhecimento hegemônico dentre os geógrafos brasileiros
de que toda e qualquer Geografia que venhamos a produzir passará, de alguma
maneira, pela AGB. O distanciamento da AGB significa se distanciar daquilo
que mais instigante, mais produtivo, mais complexo, digamos assim, mais aca-
bado, ou não, e o menos também, se reúne em determinados momentos, em
determinados lugares. Então, a AGB é, e tende a permanecer, uma entidade
catalisadora. Ela não pode querer se tornar a entidade única sob pena de se au-
todestruir, pois não tem como dar conta do conjunto de questões, do conjunto
de dúvidas, do conjunto de dificuldades, do conjunto de desafios que envolvem
a vida do geógrafo e da Geografia. Nada impede que os geógrafos preocupados
com a questão urbana se reúnam. Nada impede que X ou que Y se reúnam e
nada impede que os geógrafos que trabalham em empresas de planejamento
se reúnam separados da AGB, ou que os estudantes tenham sua própria enti-
dade. Estas identidades constroem questões especificas e desafios específicos,
e necessitam de atos políticos e de respostas políticas. Mas nenhuma dessas
entidades é a AGB.
CL: Então a AGB é uma metaentidade?
DS: Não.
CL: E não seria um equívoco que a AGB se transforme nisso? Ela se
reverteria nessas diversidades e ficaria aguardando, como uma forma vazia, as
demandas? Ela não tem sua própria identidade?
DS: A AGB constrói esta identidade do ponto de vista histórico. As
outras entidades, na verdade, pelo menos a grande maioria delas, resultam, se
não da AGB enquanto uma decorrência, pelo menos da AGB enquanto uma
contestação. Portanto, todas, de alguma maneira, dialogam com essa tradição.
Nessa medida a capacidade política de agregar os intelectuais, de todos os
níveis, de todos os tipos, desde os aprendizes de feitiçaria, até os feiticeiros mais
antigos... Essa capacidade é que dá a ela sua identidade. É o reconhecimento
dessa legitimidade. Um encontro de estudantes não tem capacidade política de
reunir todas as formas, todos os tipos, todas as gerações de geógrafos num único
lugar, bem como o encontro de geógrafos de uma determinada especialidade
não reúne a totalidade dos geógrafos. A AGB tem essa capacidade, essa
legitimidade política, portanto ela é e se reconhece no interior dos geógrafos
como um comando político. Não é uma identidade no vazio, é uma identidade
que se constrói na história da Geografia. Pelo bem e pelo mal. Inclusive, porque
muitas pessoas falam mal dela, enquanto outras adoram, outras se apaixonam,
outras... Então, enquanto isso existir ela será capaz de catalisar de maneira

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Terra Livre - n.38 (1): 179-193, 2012

ampla e intensa a variedade imensa de demandas que existem no nosso campo


de trabalho. Eu não tenho duvida que todos os professores devem se reunir
nos seus sindicatos. Mas uma coisa é se reunir no sindicato, outra coisa é o
professor de Geografia num encontro da AGB. E outra coisa é se reunir num
“Fala Professor” que é organizado pela AGB, mas que não é um encontro
de geógrafos. Porque ele tem características políticas, raízes políticas muito
específicas. Uma dessas especificidades, principalmente a partir de 1978, é o
desafio de romper com as paredes que protegem o castelo de cristal que é
a academia, e colocar em seu interior o conjunto de questões que elaborado
pelo e para o grande público, pelos professores, estudantes, estudantes do
ensino médio, quem seja, quem tiver alguma pergunta de Geografia pode entrar
numa reunião da AGB, pode até ser sócio da AGB! Então, essa capacidade de
catalisação política, onde essa diversidade não retira a identidade, é que permite
que a AGB sobreviva, senão ela teria morrido.
CL: Se bem entendi, você fala que a AGB nasceu com o espírito de uma
entidade mestra, que se relaciona com as demais. E, ao mesmo tempo, queira
ou não, e aí eu não sei se é uma qualidade, em algum momento vira uma fragili-
dade, que ao mesmo tempo em que ela sintetiza as outras posições, ela também
é consumida pelas outras posições... É um dialogo amplo...
DS: É um diálogo tenso. Muito profícuo e muito criativo. Porque em de-
terminados momentos você percebe que a AGB agrega mais os que defendem
posicionamento de esquerda, em outros momentos os de direita, em outros
momentos... Eu não sei se existe centro... E em determinados momentos nós
temos uma preocupação maior com o ensino, em outros com o meio ambiente,
em alguns momentos queremos nos fundir à CUT, em outros perdemos esta
discussão e ela vira um vazio...
CL: E vamos para o CREA...
DS: Mas em todos estes momentos, em todas estas variações, ela esta-
belece um tipo de comando, porque se você produz alguma coisa e você não é
capaz de levar isto para a AGB para que as pessoas possam escutar o que você
trouxe, você não teve um fórum de discussão. Quer dizer, o que estabelece essa
relação cosmopolita com a Geografia é a possibilidade de viver com a AGB.
CL: Você colocaria, por exemplo, a tentativa da ANPEGE de frequentar os
ENGs freqüentemente como uma dessas tentativas de legitimação de si mesma?
DS: Sim. Mas jamais a ANPEGE será a AGB, porque isso seria transfor-
mar a AGB num órgão acadêmico, e ela nunca será. Não voltará a ser. A própria
criação da ANPEGE, de alguma maneira, foi a percepção de que o caminho
percorrido pela AGB e a sua dimensão cosmopolita tinha colocado em questão

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ENTREVISTA | DOUGLAS SANTOS Geografias e a AGB

a necessidade de uma organização interna, principalmente via pós graduação e


suas relações com o Estado e com a CAPES...
CL: Tendo como referência o conjunto da sua obra, aquilo que você já
publicou em termos de conhecimento... Quais seriam os mais adequados e os
mais contundentes, melhor dizendo, em termos da penetração do pensamento
geográfico? Pensando naquilo que já foi dito, na sua capilaridade? Quais são os
caminhos hoje em que a Geografia chega melhor ao mundo?
DS: Bom, eu tenho sido muito questionado por pessoas de diferentes for-
mações, inclusive geógrafos, no sentido de querer saber se em algum momento
eu já refleti sobre os desdobramentos e a importância dos livros didáticos que
eu ajudei a escrever desde 1986. E, assim, pelo que eu tenho percebido, esses
textos refletem leituras da Geografia em pessoas que nunca fizeram Geografia,
não vão fazer, não são geógrafos... Então, estes textos são efetivamente os que
têm a maior capilaridade. Pessoas desconhecidas, que hoje são advogados, pe-
dagogos, médicos e que, em algum momento, guardam lá na sua casa, segundo
alguns depoimentos, aquele livro que de alguma maneira fez a sua cabeça, fez
com que o colégio valesse a pena. Os textos que escrevi dentro da Geografia e
para geógrafos, não são textos de muito consumo. Quando publiquei, na Terra
Livre, a discussão sobre a relação sujeito e objeto na Geografia, imaginei que
o debate apareceria muito rapidamente, porque se criava ali uma tensão, prin-
cipalmente pelas tradições que estão mais vigentes, mais comuns, hoje em dia,
entre nós. Mas percebo que este texto só agora começa a ser discutido quando
uma pessoa ou outra coloca questões em torno dele. E mesmo assim é muito
lento. O texto “A reinvenção do espaço” já vai para 10 anos de publicação e
nesse momento é que ele está sendo um pouco mais usado dentro das salas de
aula, parece que é uma coisa que está se tornando um pouco mais domesticável,
digamos assim, as pessoas se aproximam mais deste texto com menos proble-
ma, com menos dificuldade. Então, eu produzi textos de diversos tipos, alguns
relacionados ao ensino, que são os textos mais conhecidos. Em compensação
tem textos que eu gosto muito, como o que fiz sobre a concepção de espaço e
tempo no Gênesis e que é muito pouco conhecido. Foi publicado na Espanha.
No Brasil tem uma publicação pela AGB-Niterói, mas é um texto que ninguém
comenta, ninguém entra nessa discussão...
CL: Só complementando, você pensa que a Revista Terra Livre poderia,
em algum momento, ser um pouco mais incisiva na suas colocações, de forma
que os textos que ali viessem pudessem fomentar mais o diálogo e menos ser
um depositório de necessidades acadêmicas em função da qualificação da CA-
PES e do CNPQ?

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Terra Livre - n.38 (1): 179-193, 2012

DS: Se eu pensar nos meus próprios interesses eu diria que sim, não é?
Mas aí eu estaria deixando de lado a idéia de que a Terra Livre é uma revista de
uma entidade e ela deve responder a este conjunto de demandas. E aí eu citaria
o Ruy Moreira, no sentido de dizer que todo conhecimento que não tem por
objetivo a subversão é melhor nem ser feito. Ele não fala com estas palavras,
mas acho que a idéia é bem esta. Então acho que todo conhecimento tem por
objetivo questionar, mudar, revolucionar, subverter... Mas isto não significa que
não há importância, para este processo de subversão, o movimento de consoli-
dação de determinadas observações. Talvez não sejam os textos que eu escreva,
eu não escreveria, creio que nem sei fazer isto. Mas isso é um papel da entidade,
ela deve tornar a produção pública e as pessoas devem bancar publicamente
aquilo que elas afirmam. Acho que a questão política é essa, e talvez esta seja a
grande revolução.
CL: Muito bem Douglas, gostaríamos de agradecer a sua dedicada audiên-
cia à Terra Livre. Espero você possa continuar contribuindo com essa discussão...
DS: Queria agradecer à Direção da AGB, a você, ao pessoal da publi-
cação que tenha lembrado meu nome para fazer a entrevista e, como sempre,
dizer que estou à disposição e na medida em que puder ajudar estamos juntos
nesta jornada que já vai pra sei lá quantos anos. Obrigado a vocês.

193
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bordinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor,

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data, página). Ex.: (Oliveira, 1991) ou (Oliveira, 1991, p.25). Caso o nome do
autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “A
esse respeito, Milton Santos demonstrou os limites... (1989)”. Diferentes títulos
do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados por uma
letra minúscula após a data. Ex.: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b).
9.1. As citações, bem como vocábulos, conceitos que não estejam em
português, deverão ser oferecidas ao leitor em nota de rodapé.
10. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem
alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos.
a) no caso de livro:
SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação: Editora,
data. Ex.:
VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petró-
polis: editora Vozes, 1985.
b) No caso de capítulo de livro:
SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome
(org.). Título do livro. Local de publicação: Editora, data, página inicial-página
final. Ex.: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do
Parque Municipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BAS-
SO, Luís. VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande
Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93.
c) No caso de artigo:
SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, local de
publicação, volumedo periódico, número do fascículo, página inicial- página
final, mês(es). Ano. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografia(s)? Orientação, São
Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984.
d) No caso de dissertações e teses:
SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (tese). Local: Instituição
em que foi defendida, data. Número de páginas. (Categoria, grau e área de con-
centração). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares
em fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese,
doutorado em Ciências: Geografia Humana).
11. O descumprimento das exigências anteriores acarretará a não aceita-
ção do referido texto; tampouco seguirá a tramitação usual para os pareceristas
da Revista Terra Livre.
12. Os artigos serão enviados a dois pareceristas, cujos nomes perma-
necerão em sigilo, omitindo-se também o(s) nome(s) do(s) autor(es). Em caso

197
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de divergência nos pareceres, o texto será submetido a um terceiro parecerista.


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de alterações editoriais.
14. Cada trabalho publicado dá direito a dois exemplares a seu(s) autor(es),
no caso de artigo, e um exemplar nos demais casos (notas, resenhas, comuni-
cações. A Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) se reserva o direito
de facultar osartigos publicados para reprodução em seu sítio ou por meio de
cópia xerográfica, com a devida citação da fonte.
15. Os conceitos emitidos nos trabalhos são de responsabilidade exclusi-
va do(s) autor(es), não implicando, necessariamente, na concordância da Coor-
denação de Publicações e/ou do Conselho Editorial.
16. Os autores poderão manter contato com a Comissão Editorial atra-
vés do endereço eletrônico da Revista Terra Livre - terralivre@agb.org.br

Terra Livre Magazine


Standards for publication

Terra Livre is an Association of Brazilian Geographers’ biannual pu-


blication that aims to disseminate materials pertaining to the themes present
in the training and practice of geographers and your participation in the ci-
tizenship construction. Its texts are received in the form of articles, notes,
reviews, communications, among others, of all who are interested and partici-
pate in the knowledge afforded by Geography, and which are related with the
discussions that involves the theories, methodologies and practices developed
and used in this process, as well as the conditions and situations under which
they are manifesting and prospects.
1. All the texts sent to this journal must be unpublished and written in
Portuguese, English, Spanish or French.
2. The texts must be presented with minimum lenght of 15 and maxi-
mum 30 pages, with margins (right, left, top and bottom) of 3 cm, and para-
graphs of 2 cm, in Word for Windows, using the Times New Roman, size 12,
space 1 and ½, A4 format (210x297mm).
3. The files don’t exceed 2.0MB, including text, references, tables, figures etc.
3.1 The illustrations (figures, tables, pictures, graphics, photographs etc.)
must be available in JPEG or TIF formats, and not only be accepted in black,
or that details are accented in shades of gray, no color pictures will be accepted.
4. The header should contain the title (and subtitle, if any) in Portuguese,

198
Normas para Publicação

English and Spanish or French. In the second line, the name (s) of author (s),
and the third, the information of the institution (s) you belong to and mailing
address of the author (s).
5. The text should be accompanied by summaries in English, Portuguese
and Spanish or French, with a minimum 10 and maximum of 15 lines, single-
-spaced, and a list of 5 keywords identifying the content of the text.
6. The structure of the text should be divided into unnumbered and with
subtitles. It is essential to include an introduction and conclusion or closing remarks.
7. Footnotes should not be used for references. This feature can be used
when absolutely necessary and every note should be about 3 lines.
8. Textual quotes long (more than 3 lines) should be a separate para-
graph. The words to ideas and / or information during the text should be
referred to the scheme (author’s surname, date) or (author’s surname, date,
page). Example: (Oliveira, 1991) or (Oliveira, 1991, p.25). If the author’s name
is mentioned in the text, indicate only the date in parentheses. E.g.: In this re-
gard, Milton Santos revealed the limits ... (1989). Different works by the same
author published in the same year should be identified by a letter after the date.
E.g.: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b).
8.1. The quotes and words, concepts that are not in Portuguese, must be
offered to the reader in a footnote.
9. References must be submitted at the end of the work, in alphabetical
order by surname of the author (s) (s), as the following examples.
a) For a book:
LAST NAME, Name. Title. Place of publication: Publisher, date.
Example:
Valverde, Orlando. Agrarian Studies Geography Brazilian. Petrópolis:
Vozes, 1985.
b) In the case of book chapter:
LAST NAME, Name. Title of chapter. In: SURNAME, Name (ed.). Ti-
tle of book. Place of publication: Publisher, date, page-last page.
E.g.:
Frank, Monica Weber. Geographical analysis for implementation of the
Municipal Park of Niterói, Canoas - RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO,
Luis Verdun, Roberto (eds.). Environment and place in the city: the Porto Ale-
gre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93.
c) In the case of article:
LAST NAME, Name. Title of article. Journal title, place of publication,
journal volume, issue number, page-last page, month (s) Year.

199
Normas para Publicação

E.g.:
SEABRA, Manoel F. G. Location (s)? Guidance, São Paulo, n.5, p.9-17,
out. 1984.
d) In the case of dissertations and theses:
LAST NAME, Name. Title of dissertation (thesis). Location: Institution whe-
re it was held, date. Number of pages. (Category, grade and area of concentration).
E.g.:
SILVA, José borzacchiello da. Popular social movements in strength: a geo-
graphical approach. São Paulo: Faculty of Philosophy and Humanities at the Uni-
versity of São Paulo, 1986. 268p. (Thesis, Doctor of Science: Human Geography).
10. Failure to comply with the above requirements will result in the rejec-
tion of the text; neither follows the usual procedure for ad hoc of the journal
Terra Livre.
11. The articles will be sent to referees, whose names remain in secrecy
and is also the name (s) of author (s).
12. The originals will be considered by the Coordination Office, which may ac-
cept,rejectorreturntheoriginaltotheauthor(s)withsuggestionsforeditorialchanges.
The versions that contain the comments of the reviewers, and also parts of eva-
luations of the reviewers that the Editorial Board considers important to direct
the authors, are compared with the versions that the authors should return to the
Commission, if there is compliance with the requests signaled by the referee that
carry the disfigurement and demerits of the journal, the texts will be refused by
the Editorial Board.
13. The Association of Brazilian Geographers (AGB) reserves the right
to provide the published articles for playback on your website or by photoco-
py, with proper citation of the source. Each published work is entitled to two
copies of your author (s), if the article, and a copy in all other cases (notes,
reviews, communications ...).
14. The concepts expressed in papers are the sole responsibility of the
author (s) (s), not implying necessarily the agreement of the Coordination Offi-
ce and / or the Editorial Board.
15. E-mail addresses, for which the texts are to be targeted will be an-
nounced in each call specifies for each issue.
16. Authors may contact the Editorial Board via e-mail address of the
Editorial Board of Revista Terra Livre, terralivre@agb.org.br as well as through
the postal address of the AGB / National: National Executive / Coordination
Office – Terra Livre- Av. Lineu Prestes, 332 - Historical Geography and His-
tory - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo (SP) - Brazil.

200
Normas para Publicação

Terra Livre
Normas Para Publicación

Terra Livre es una publicación semestral de la Asociación de los Geógrafos


Brasileños (AGB) que tiene como objetivo divulgar materias concernientes a los
temas presentes en la formación y la práctica dos geógrafos y su participación
en la construcción de la ciudadanía. En ella se recogen textos bajo la forma de
artículos, notas, reseñas, comunicaciones, entre otras, de todos los que se inte-
resan y participan del conocimiento propiciado por la Geografía, y que estén
relacionados con las discusiones que incluyen las teorías, metodologías y prác-
ticas desarrolladas y utilizadas en este proceso, así como con las condiciones y
situaciones bajo las cuales se vienen manifestando y sus perspectivas.
1. Todos los textos enviados a esta revista deben ser inéditos y redactados
en portugués, inglés, español o francés.
2. Los textos deben ser presentados con extensión mínima de 15 y máxima
de 30 páginas, con margen (derecho, izquierdo, superior e inferior) de 3 cm, y
párrafos de 2,0 centímetros, en Word para Windows, utilizando la fuente Times
New Roman, tamaño de fuente 12, espacio 1,5 formato A-4 (210x297mm).
3. Los archivos no podrán sobrepasar 2,0 Mb, incluyendo texto, referencias
bibliográficas, tablas, figuras, etc.).
3.1. Las ilustraciones (figuras, tablas, dibujos, gráficos, fotografías, etc.)
deben estar dispuestos en los formatos JPG o TIF, y no solamente se aceptarán
en color negro, o que los detalles se acentúen en tonos grises; no se aceptarán
figuras en colores.
4. El encabezado debe contener el título (y subtítulo, si hubiera) en por-
tugués, inglés y español o francés. En la segunda línea, el(los) nombre(s) del(s)
autor(es), y, en la tercera, las informaciones referentes a la(s) institución(ones) a
la que pertenece(n), así como el(los) correo(s) electrónico(s) y dirección postal
del(los) autor(es).
5. El texto debe estar acompañado de resúmenes en portugués, inglés,
español o francés, con un mínimo 10 y como máximo 15 líneas, en espacio
simple, y una relación de 5 palabras clave que identifiquen el contenido del texto.
6. La estructura del texto se debe dividir en partes no numeradas y con
subtítulos. Es esencial contener introducción y conclusión o consideraciones
finales.
7. Las notas al pie de página no deberán ser usadas para referencias biblio-
gráficas. Este recurso puede ser utilizado cuando sea extremadamente necesario
y cada nota debe tener alrededor de 3 líneas.

201
Normas para Publicação

8. Las citaciones textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un


párrafo independiente. Las menciones a ideas y/o informaciones en el trans-
curso del texto deben subordinarse al esquema (Apellido del autor, fecha) o
(Apellido del autor, fecha, página). Ej.: (Oliveira, 1991) u (Oliveira, 1991, p.25).
En el caso de que el nombre del autor esté citado en el texto, se indica sólo a la
fecha entre paréntesis. Ej.: “A este respecto, Milton Santos demostró los lími-
tes... (1989)”. Diferentes títulos del mismo autor publicados en el mismo año
se deben identificar por una letra minúscula después de la fecha. Ej.: (Santos,
1985a), (Santos, 1985b).
8.1. Las citas, así como vocablos, conceptos que no estén en portugués,
deberán ser ofrecidas al lector en nota al pie de página.
9. La bibliografía debe ser presentada al final del trabajo, en orden alfabético
de apellido del(los) autor(es), como en los siguientes ejemplos.
a) En el caso de libro:
APELLIDO, Nombre. Título de la obra. Lugar de publicación: Editorial, fecha.
Ej.:
VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis:
Editora Vozes, 1985.
b) En el caso de capítulo de libro:
APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In: APELLIDO, Nombre (org).
Título del libro. Lugar de publicación: Editora, fecha, página inicial - página final.
Ej.:
FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Mu-
nicipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís.
VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre.
Porto Alegre: Editora de la Universidad, 2000, p.67-93.
c) En el caso de artículo:
APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Título del periódico, lugar de pu-
blicación, volumen del periódico, número del fascículo, página inicial - página
final, mes(es). Año.
Ej.:
SEABRA, Manoel F. G. Geografía(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, oct.
1984.
d) En el caso de disertaciones y tesis:
APELLIDO, Nombre. Título de la disertación (tesis). Lugar: Institución en que fue
defendida, fecha. Número de páginas. (Categoría, grado y área de concentración).
Ej.:
SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em fortaleza: uma

202
Normas para Publicação

abordagem geográfica. São Paulo: Facultad de Filosofía, Letras y Ciencias Hu-


manas de la Universidad de São Paulo, 1986. 268p. (Tesis, doctorado en Ciencias:
Geografía Humana).
10. El no cumplimiento de las exigencias anteriores, acarreará la no acepta-
ción del referido texto; tampoco seguirá la tramitación usual para los funcionarios
de pareceres ad hoc de la Revista Terra Livre.
11. Los artículos se enviarán a los funcionarios de pareceres, cuyos nombres
permanecerán en sigilo, omitiéndose también el(los) nombre(s) del(los) autor(es).
12. Los originales serán apreciados por la Coordinación de Publicaciones,
que podrá aceptar, rechazar o representar el original al(los) autor(es) con suge-
rencias de alteraciones editoriales.
Las versiones que contendrán las observaciones de los funcionarios de
pareceres, así como partes de las evaluaciones de los funcionarios de pareceres
que la Comisión Editorial juzgue importante dirigir a los autores, serán compa-
radas con las versiones que deberán retornar de los autores a la Comisión; caso
en el caso que no haya el cumplimiento de las solicitudes señalizaciones por los
funcionarios de pareceres y que implican en la desfiguración y demérito de la
Revista, los textos serán rechazados por la Comisión Editorial.
13. La Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) se reserva el de-
recho de facultar los artículos publicados para reproducción en su sitio o por
medio de copia xerográfica, con la debida citación de la fuente. Cada trabajo
publicado da derecho a dos ejemplares a su(s) autor(es), en el caso de artículo, y
un ejemplar en los demás casos (notas, reseñas, comunicaciones, ...).
14. Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclu-
siva del(los) autor(es), no implicando, necesariamente, en la concordancia de la
Coordinación de Publicaciones y/o del Consejo Editorial.
15. Direcciones electrónicas, para las cuales los textos deberán ser dirigi-
dos serán divulgados en cada llamada específica para cada número de la revista.
16. Los autores podrán mantener contacto con la Comisión Editorial a
través de la dirección electrónica de la Comisión Editorial de la Revista Terra
Livre, terralivre@agb.org.br, así como por medio de la dirección vía postal de la
AGB/Nacional: Dirección Ejecutiva Nacional / Coordinación de Publicaciones
– Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 – Edificio Geografía e Historia –
Ciudad Universitaria – CEP 05508-900 – São Paulo (SP) – Brasil.

203
Esta revista foi editorada e impressa por Impressões de Minas Editora, em caracteres
Garamond, miolo papel apergaminhado 75g, capa papel reciclado 240g, formato 180x265mm,
em maio de 2013.

Preparação de originais e revisão de textos: Claudinei Lourenço e Cláudio Ubiratan

Tiragem: 1000 exemplares.

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