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ALLAN CORRÊA MARCATTI

A APROXIMAÇÃO DA JUSTIÇA BRASILERIA AO


COMMON LAW E O SISTEMA DE PRECEDENTES

FACULDADE DE DIREITO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2017


ALLAN CORRÊA MARCATTI

A APROXIMAÇÃO DA JUSTIÇA BRASILERIA AO


COMMON LAW E O SISTEMA DE PRECEDENTES

Trabalho de Conclusão de Curso


(Monografia) apresentado à banca
Examinadora da Faculdade de Direito
de São Bernardo do Campo, como
exigência parcial para obtenção do
grau de Bacharel em Direito sob
orientação do Professor-Orientador
Estavan Lo Ré Pousada.

São Bernardo do Campo, São Paulo.

Fevereiro, 2017
_______________________________

_______________________________

_______________________________
Em memória à minha avó, Arlete Hodolin
Corrêa.
AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a Deus por todas as bênçãos a mim concedidas; à

minha família, sobretudo, aos meus pais pela oportunidade de estudar e por me

ensinarem bondade, honestidade e amor – à minha namorada, por todo carinho e apoio

nos momentos mais difíceis.

Ao meu professor-orientador Estevan Lo Ré Pousada por todos os

ensinamentos durante a graduação e por sua orientação no presente trabalho.

À Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e todo seu corpo docente

pelo trabalho de excelência realizado, concedendo a nós, alunos, o privilégio de cursar

um dos melhores cursos de Direito do Brasil.


"Creio no bem, na justiça, no amor e na
tolerância. E creio na gentileza e no bom
humor como uma boa forma de realizá-
los"

Luís Roberto Barroso


RESUMO

A monografia busca responder através de pesquisa doutrinária se o precedente

é compatível com a jurisdição brasileira, se a justiça brasileira está se aproximando do

common law e se o Brasil efetivamente possui um sistema de precedentes.


ABSTRACT

The monograph searches for answering through doctrinal search if the precedent

fits the Brazilian jurisdiction, if the Brazilian Justice is approaching the common law and

if Brazil effectively has a precedent system.


Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10
CAPÍTULO I - O COMMON LAW E O CIVIL LAW ..................................................... 11
1.1. O common law .............................................................................................. 11

1.2. Aspectos fundacionais do common law ......................................................... 11

1.3. Teoria declarativa e construtivista no common law........................................ 12

1.4. Statute law e common law............................................................................. 15

1.5. O civil law ...................................................................................................... 16

1.6. A França e o civil law .................................................................................... 16

1.7. O papel do juiz no common law e o civil law.................................................. 19

1.8. Absorção do sistema inglês pelos Estados Unidos da América e o nascimento


do controle de constitucionalidade difuso (Marbury contra Madison) ...................... 20

CAPÍTULO II - O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO ............ 22


2.1. O nascimento do constitucionalismo brasileiro como sendo o primeiro ponto de
intersecção do sistema brasileiro com o common law ............................................ 22

2.2. Histórico de controle de constitucionalidade no Brasil ................................... 23

2.3. Controle difuso e controle concentrado ......................................................... 26

2.4. Neoconstitucionalismo .................................................................................. 27

CAPÍTULO III - O SISTEMA DE PRECEDENTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


DE 2015...................................................................................................................... 30
3.1. Diferenças entre precedente, jurisprudência e súmula e o tratamento
indiscriminado nos termos no novo CPC ................................................................ 31

3.2. Ratio decidenti e obiter dictum, distinguishing e overruling............................ 32

3.3. Deveres de fixação e observância (art. 926 e 927 do CPC) .......................... 33

3.4. Algumas aplicações do sistema de precedentes: improcedência liminar do


pedido (art. 332), tutela de evidência (art. 311) e dispensa da caução na execução
provisória (art. 521, IV)................... ........................................................................ 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 39


REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 41
10

INTRODUÇÃO

O Novo Código de Processo Civil dedicou-se a delinear novas previsões acerca

do precedente vinculante de modo a satisfazer uma necessidade já há muito sentida no

Direito Processual brasileiro: o respeito aos julgados anteriores.

Destas inovações surgiram questões, tais como se o sistema jurídico brasileiro

estaria se aproximando do common law e se o referido diploma obteve êxito em sua

proposta de reforçar a segurança jurídica das decisões judiciais.

As diferenças históricas e culturais entre os grandes sistemas jurídicos

ocidentais, common law e civil law, fizeram com que o precedente fosse valorizado pelo

common law e descreditado pelo civil law.

No Brasil, a influência do common law há muito é percebida, desde suas

primeiras constituições até os impactos do neoconstitucionalismo no século XX, o Direito

brasileiro absorve instrumentos jurídicos de origem inglesa.

Atualmente, busca-se intensificar a utilização do stare decisis através do novo

sistema de precedentes do Código de Processo Civil, uma vez que os arts. 926 e 927

estipulam o dever de observância dos precedentes aos juízes e tribunais.

Ademais não se pode olvidar do efeito vinculante dos recursos extraordinários

e especiais repetitivos, do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, do

Incidente de Assunção de Competência e em aplicações práticas, como na

improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC) e na tutela de evidência (art. 311 do

CPC).

O uso intensivo do precedente no Brasil é desejável e salutar na medida em

que robustece a segurança e estabilidade jurídica. Contudo, cumpre ressaltar que a

questão do precedente é cercada de dificuldades técnicas que serão, na medida do

possível, esclarecidas no presente trabalho.


11

CAPÍTULO I - O COMMON LAW E O CIVIL LAW

1.1 O common law

Dá-se o nome de common law ao sistema jurídico criado na Inglaterra a partir

do século XII pelas decisões das jurisdições reais. 1 Sustenta-se sobre a premissa do

precedente como sendo um evento passado, em direito, quase sempre uma decisão,

que serve como um guia para a presente ação.2

Este sistema manteve-se e desenvolveu-se até os nossos dias, tendo sido

importado para a maior parte de países de língua inglesa, como os Estados Unidos da

América, Canadá, Austrália, etc.

1.2 Aspectos fundacionais do common law

Os aspectos fundacionais do direito inglês assemelham-se à dos países

europeus até os séculos XII e XIII. A Inglaterra fez parte do Império Romano do século

I ao V, mas a sua romanização, sobretudo no Norte da Gália, foi pouco extensa,

deixando ínfimos vestígios institucionais nos períodos posteriores.

Das invasões dos povos Anglos, os Saxões, os Dinamarqueses, criam-se os

reinos germânicos a partir do século VI; como ocorre no continente, desenvolvem-se um

direito de cunho consuetudinário anglo-saxônico dado o nome de leis bárbaras.

Em 1066, Guilherme I, duque da Normandia, conquista a Inglaterra com a

vitória da batalha de Hastings; quando rei, declara querer preservar os direitos anglo-

saxônicos e importa o feudalismo do continente. Sua autoridade real foi preservada

tanto frente aos vassalos de origem normanda como aos antigos chefes anglo-

saxônico. Gilissen ensina:

1
GILISSEN, John. Introdução histórica do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 7ª ed,
2013, p. 207.
2
Duxbury, Neil. The nature and the authority of the precent. Cambridge, Cambridge University
Press, 2008, p. 1.
12

“A princípio, o rei julgava no seu Tribunal, a Curia regis. Mas muito


cedo, foram destacadas secções especializadas da Curia para se
ocuparem de certas matérias: o Tribunal do Tesouro (Scaccarium,
Court of Exchequer) desde o século XII para as finanças e os litígios
fiscais, o Tribunal das Queixas Comuns (Court of Common Pleas) a
partir de 1215 para os processos entre particulares relativos à posse
da terra, o Tribunal do Banco do Rei (King’s Bench) para julgar os
crimes contra a paz no reino. O Scaccarium e os Common Pleas tinham
assento em Westminster, perto de Londres; o King’s Bench (bench
coram rege) era um tribunal ambulatório que seguia o rei nas suas
deslocações; foi somente no século XV que passou a ter sede em
Westminster.”3

No século seguinte, o costume permanece a única fonte de direito na

Inglaterra4: costumes dos mercadores, lex mercatória, e das cidades nascentes,

borough customs.

Com a estrutura do common law ligada aos writs, tornou-se praticamente

impossível o uso do direito romano como direito supletivo. 5 Os conceitos de direito

privado romanos não podiam ser utilizados no direito inglês e havia uma profunda

diferença em direito público.

Assim, o common law foi construído pelos tribunais reais, em especial, de

Westminster, e os precedentes foram de grande utilidade à solução dos casos práticos.

Lembrar ao tribunal que já se decidiu um caso em tal sentido era o grande recurso dos

advogados em suas ações.

1.3 Teoria declarativa e construtivista no common law

Discutiu-se intensamente àquela época na Inglaterra a finalidade da função

jurisdicional, buscava-se esclarecer se o direito era constituído ou declarado pelo

common law.

3
GILISSEN, John. Introdução histórica do direito, cit., p. 210.
4
GILISSEN, John. Introdução histórica do direito, cit., p. 209.
5
GILISSEN, John. Introdução histórica do direito, cit., p. 211.
13

No princípio, se sustentou que o direito era declarado pelos juízes, seu principal

defensor foi Blackstone.6 Sob sua ótica, havia o direito não escrito, lex non scripta, que

guardava os costumes dos povos, e o direito escrito, lex scripta ou statute law; supunha-

se que se o common law mantinha os costumes gerais não-escritos, o juiz ao julgar em

sua conformidade declarava-o e não constituía-o.

A teoria declarativa foi, ainda em sua época, duramente criticada; Austin 7

chegou a considerá-la uma “ficção infantil”.8 De fato, a teoria declarativa peca em vários

aspectos, ainda hoje doutrinadores a rejeitam, Breeven chega a considerá-la “não

somente um erro, mas um completo absurdo”.9 e justifica-se pela simples percepção de

que o direito está em constante mudança e em grande parte pelas decisões judiciais.

Assim, a teoria declarativa foi largamente desconsiderada e deu-se relevância

à teoria construtivista do direito; os juízes, no seu exercício jurisdicional, não estariam

apenas aplicando os costumes antigos, mas inovando o direito.

Essa discussão exprime relevância para a questão do respeito obrigatório dos

precedentes ou stare decisis. Se dois juízes de mesma alçada sentenciam casos

similares de modos diferentes, estaria um daqueles vislumbrando equivocadamente o

direito, dando sempre oportunidade ao overruling.10

Atualmente, um grande número decisões europeias e americanas têm

apontado o papel decisivo do juiz no desenvolvimento do direito público e dos direitos

humanos, a exemplo, o caso National Westminster Bank v Spectrum Plus em 2005, Lord

Nicholls afirmou:

6
BLACKSTONE, William. Commentaries on the law of england (fac-símile da 1a. edição, de
1765), Chicago: The University of Chicago Press, 1979, p. 69.
7
John Austin, jurista inglês. Sua obra inclui The Province of Jurisprudence Determined e Lectures
on Jurisprudence or the Philosophy of Positive Law.
8
AUSTIN, John, Lectures on Jurisprudence, or, The Philosophy of Law (J Murray 1895) 321,
apud BEEVER, Allan. The declaratory theory of law, Oxford: Oxford Journal of Legal Studies,
2013, pp. 421–444.
9
BEEVER, Allan. The declaratory theory of law, cit. p. 423.
10
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil e de common law
e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil, Curitiba: Revista da Faculdade de Direito
- UFPR, n.47, 2008, p.29-64.
14

“O common law é um direito feito pelos juízes. Por séculos juízes foram
responsabilizados de manter a lei lado a lado das atuais condições e
expectativas sociais. Essa ainda é nossa posição. O contínuo, mas
limitado desenvolvimento do common law dessa maneira é parte
integral da função constitucional do Judiciário. Os juízes não foram
exonerados dessa responsabilidade, o common law será o mesmo
agora como foi no reinado do rei Henry II. Por isso, o common law é
um instrumento vivo da lei, reagindo aos novos eventos e novas ideias,
e assim capaz de dar aos cidadãos deste país um sistema de justiça
prático ao tempo em que eles vivem”. (tradução nossa) 11

Lord Reid, após aposentar-se da House of Lordes12, deixou em suas memórias

o entendimento predominante sobre o assunto:

“Nós não acreditamos mais em contos de fadas. Então nós devemos


aceitar o fato de que, para o bem ou para o mal, os juízes fazem a lei
– e atacar a questão: como eles abordam a tarefa e como devem
abordá-la” 13

Observa-se que prevalece o entendimento de que o common law é um direito

criado pelos tribunais e em respeito a costumes regionais. Na adoção do sistema

constitucional, resta ao Judiciário sua proteção para garantir o desenvolvimento seguro

destas nações.

Se o common law é um direito desenvolvido pelos juízes, o magistrado deve

julgar conforme o princípio do stare decisis. Contudo, o precedente obrigatório não

11
“The common law is judge-made law. For centuries judges have been charged with the
responsibility of keeping this law abreast of current social conditions and expectations. That is
still the position. Continuing but limited development of the common law in this fashion is an
integral part of the constitutional function of the judiciary. Had the judges not discharged this
responsibility, the common law would be the same now as it was in the reign of King Henry II. It
is because of this that the common law is a living instrument of law, reacting to new events and
new ideas, and so capable of providing the citizens of this country with a system of practical
justice relevant to the times in which they live.”. (tradução nossa). Disponível em
http://swarb.co.uk/national-westminster-bank-plc-v-spectrum-plus-limited-and-others-hl-30-jun-
2005/ acessado em 17/01/2017.
12
Suprema Corte inglesa.
13
“We do not believe in fairy tales any more. So we must accept the fact that for better or worse
judges do make law – and tackle the question how do they approach their task and how they
should approach it.” (tradução nossa). apud Genn, Hazel. Common law reasoning and
institutions, Londres: University of London, 2015, p. 48.
15

nasceu com o common law, este sobreviveu e desenvolveu-se por muitos séculos até

que houvesse a ampla aplicação e regulamentação do sistema de precedente

obrigatórios na Inglaterra.14

Esta nuance histórica é de suma importância à medida que comprova que o

stare decisis pode ser aplicado em um sistema jurídico já existente, assim como se deu

originariamente.

1.4 Statute law e common law

Nos séculos XVIII e XIX, o statute law, como sendo as normas positivadas e

regulamentadas pelo Poder Legislativo, existe mas não figura como fonte superior no

direito inglês, mantem-se como exceção aos costumes regionais.

Esta secundariedade da lei diminui nas épocas seguintes em virtude do

crescimento da atividade legislativa, sobretudo a legislação tendente a assegurar a

intervenção do Estado nos domínios econômicos e sociais, o wellfare-state.15

Há de se ressaltar que a legislação codificada pelo Legislativo sempre viveu e

produziu efeitos no common law, como bem pontuam MERRYMANN e PEREZ-

PERDOMO, não é a codificação das leis que distingue o sistema inglês do sistema

continental ou civil law.

Os códigos existem na maioria dos sistemas de civil law, como também existem

em abundância em países de tradição inglesa. A exemplo, a Califórnia tem mais códigos

que qualquer país de sistema civil law, embora esteja em jurisdição do common law.16

14
GILISSEN, John. Introdução histórica do direito, cit., p. 211.
15
GILISSEN, John. Introdução histórica do direito, cit., p. 215.
16
“Nor is the existence of something called a code a distinguishing criterion. California has more
codes than any civil law nation, but California is not a civil law jurisdiction. Codes exist in most
civil law systems, but bodies of systematic legislation covering broad areas of te law and
indistinguishable in appearance from European or Latin American codes also exist in a number
of common law nations. Conversely, a civil law system need not have codes. Hungary and Greece
were civil law countries even before they enacted their civil codes” MERRYMANN, John Henry e
PEREZ-PERDOMO, Rogelio,The civil law tradition, Stanford: Stanford Press University,
California, 1969, p. 27.
16

1.5 O civil law

Os direitos romanistas europeus sofreram a influência comum do

desenvolvimento da ciência do Direito elaborado nas universidades a partir do século

XII. O estudo deste direito é quase inteiramente baseado no estudo do direito romano e

na codificação do corpo de leis da época de Justiniano, corpus iuris civilis.

Passou-se a vislumbrar uma vantagem na codificação da lei; o direito regional,

até então, era consuetudinário, sempre cercado das incertezas e das inseguranças de

um direito não-escrito.

Esse direito nascente, o direito erudito, era muito mais completo que os direitos

locais, compreendendo numerosas instituições que a sociedade feudal desconhecia,

mas que eram vitais para o desenvolvimento econômico. Com isso, tornou-se finalmente

o direito comum à Europa continental (ius commune), atuando como direito supletivo ao

brumado direito costumeiro local.17

Já no século XVI, esse novo direito já aparecia como fonte mais ou menos

oficial de muitos países europeus, a romanização foi maior na Alemanha, na Itália, nas

regiões belgo-holandesas e nos países ibéricos.

Na França, o direito erudito chegou com menos intensidade, mas foi aceito

como ratio scripta (razão escrita), firmando-se como fonte de direito.

Nos países escandinavos e eslavos, as universidades apareceram mais tarde

tendo menor influência. Por fim, a Inglaterra esquivou-se de sua aplicação em função

do já avançado desenvolvimento do common law.

1.6 A França e o civil law

17
GILISSEN, John. Introdução histórica do direito, cit., p. 203.
17

Antes da Revolução Francesa os juízes faziam parte da elite aristocrata, suas

decisões estariam desvencilhadas dos valores revolucionários de 1789 (liberté, egalité

et fraternité) por servirem às razões da monarquia. A magistratura era comprada ou

herdada, o cargo era visto como propriedade privada e seu uso podia ser direcionado

ao lucro pessoal.18

Dessa postura nasceu trabalhos da elite intelectual da época a defender a clara

separação das funções dos poderes, limitando, sobretudo, o poder dos juízes para que

servissem apenas como bouche de la loi19, a boca da lei. Montesquieu em sua obra

l'esprit des lois afirma:

“Os juízes da nação não são, como nos foi dito, senão a boca que
pronuncia as palavras da lei; são seres inanimados que não podem
moderar nem a força nem o rigor”20 (tradução nossa)

Conforme Montesquieu, o poder de julgar seria exercido de modo puramente

mecânico sem margens à inovação da lei, visto que seus cargos não haviam sido

outorgados pelo povo. O poder de decidir deveria ser limitado sempre àquilo que o

Legislativo já havia dito.21

Para que houvesse a validação desta ideia, os códigos deveriam ser claros e

capazes de solucionar todas as situações litigiosas. Imaginava-se que seria possível

reservar ao juiz somente a função de aplicador da lei para solucionar o caso concreto

sem ao menos deparar-se com a ausência ou o conflito entre normas.

A lei Revolucionária de agosto de 1790 dispõe em seu artigo 10:

18
CAPPELLETTI, Mauro. ¿Renegar de montesquieu? la expansion y la legitimidad de la justicia
constitucional, tradução de Pablo de Luis Durán, Madri: Revista Española de Derecho
Constitucional, 1986, p. 21.
19
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil e de common
law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil, cit., p. 10.
20
“les juges de la nation ne sont, comme nous avons dit, que la bouche qui prononce les paroles
de la loi ; des êtres inanimés qui n’en peuvent modérer ni la force ni la rigueur“ MONTESQUIEU,
De l'Esprit des lois, oeuvres complètes édition édouard laboulaye garnier frères, Paris: Institut
Des Libertés, Livre XI, Chapitre VI.
21
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil e de common
law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil, cit. p. 28.
18

“os tribunais judiciários não tomarão parte, direta ou indiretamente, no


exercício do poder legislativo, nem impedirão ou suspenderão a
execução das decisões do poder legislativo”

Também, seu art. 12 determina que os tribunais: “reportar-se-ão ao corpo

legislativo sempre que assim considerarem necessário, a fim de interpretar ou editar

uma nova lei”.

Esta concepção foi largamente difundida como paradigma aos países que

compartilhavam do mesmo sistema jurídico, restando como um conjunto de máximas

não questionadas à aplicação do direito.22 A este respeito, ensina Nelson Nery Junior:

“com a superveniência de outras correntes da teoria da interpretação,


desde a escola do direito livre (Hermann Ulrich Kantorowicz) – o juiz é
livre para julgar, não se vinculando apenas ao direito positivo, mas
também às demandas da sociedade, podendo, inclusive, decidir contra
Constituionem e contra legem, que teve incidência na prática da
judicatura do bon juge Magnuad (bom juiz Magnuad), que só decidia
segundo seus critérios pessoais de justiça –, passando por outras
importantes escolas – da evolução histórica (Claude Bufnoir, Raymond
Salleiles, Paul Esmein), jurisprudência dos conceitos
begriffsjurisprudenz – Georg Friedrich Puchta, Bernhard Windscheid,
Rudolph von Jhering, Friedrich Carl von Savigny), teoria objetivista da
interpretação (Adolf Wach, Karl Binding, Josef Kohler), jurisprudência
dos valores (wertungsjurisprudenz – Karl Larenz, Helmuth Coing, Carl-
Wilhelm Canaris, Franz Bydlinshi), até chegarmos, no início do século
XX, a escola do gouvernement des juges (governo dos juízes),
segundo a qual cabe aos juízes não só elaborar os textos normativos
abstratos e de caráter geral (obrigatório), isto é, fazer a lei (súmula
vinculante, súmula, orientações precedentes), como também aplicá-la.
A evolução da escola do governo dos juízes culminou, na Alemanha,
com o não prestigiado Richterrecht (direito dos juízes) e, no common

22
““O paradigma liberal do direito expressou, até as primeiras décadas do século XX, um
consenso de fundo muito difundido entre os especialistas em direito, preparando, assim, um
contexto de máximas de interpretação não questionadas para a aplicação do direito. Essa
circunstância explica por que muitos pensavam que o direito podia ser aplicado a seu tempo,
sem o recurso a princípios necessitados de interpretação ou a ‘conceitos-chave’ duvidosos”
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 313.
19

law, com o ativismo judicial (judicial activism), matizes atualizados da


escola do governo dos juízes.23

Portanto, hoje não se vê mais o juiz como a “boca da lei”, pois a interpreta e a

analisa em função dos valores sociais que constituem sua sociedade, atentando sempre

ao resultado de suas sentenças a fim de buscar a satisfação justa do caso concreto.

1.7 O papel do juiz no common law e o civil law

O papel do juiz na Inglaterra e na Europa continental sofreu mudanças

dramáticas após a Revolução Francesa. Na Inglaterra, ao contrário do que ocorreu na

França, exigiu-se do juiz uma postura criativa e um papel social muito mais firme e

flexível destinado a proteger o cidadão e colocar freios à autoridade real.

Na França, por sua vez, o juiz foi limitado a mero aplicador da lei e dele tolhida

sua independência interpretativa.

No common law, o juiz não teve apenas a oportunidade de robustecer o direito

existente, como também limitar os poderes estatais, Coke, em sua célebre passagem,

declara:

“...foi dito em nossos livros que, em muitos casos, o common law


controlará atos do parlamento e, algumas vezes, decidirá serem eles
absolutamente ineficazes; de modo que, quando uma lei do parlamento
é contrária ao direito e à razão comum, com eles incompatível ou
impossível de ser executada, o common law a controlará e decidirá
pela sua nulidade”24 (tradução nossa)

23
NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao código de processo civil, São Paulo: Revista dos
Tribunais 2015, p. 1836.
24
“…And it appears in our books, that in many cases, the common law will control acts of
Parliament, and sometimes adjudge them to be utterly void: for when an act of Parliament is
against common right and reason, or repugnant, or impossible to be performed, the common law
will control it and adjudge such act to be void” (tradução nossa) Disponível em <http://press-
pubs.uchicago.edu/founders/print_documents/amendV_due_processs1.html>.
Acessado em 18/01/2017.
20

1.8 Absorção do sistema inglês pelos Estados Unidos da América e o nascimento

do controle de constitucionalidade difuso (Marbury contra Madison)

No século XX, o constitucionalismo democrático tornou-se ideia vitoriosa de

Estado espalhando-se pela extensa maioria dos Estados modernos, uma ideologia que

combina o Estado de direito e a soberania popular considerando-os a melhor forma de

realizar os anseios de uma nação.

A Constituição americana, de fato, foi o grande marco jurídico moderno por ter

sido o primeiro documento dotado de supremacia e força normativa passível de

utilização imediata pelo Poder Judiciário.

O que nos toca no presente trabalho é a criação, nos Estados Unidos da

América, do judicial review derivado da adoção do Estado constitucional. Neste ponto

da história, o caso Marbury vs Madison garantiu a competência do Judiciário em anular

atos do Legislativo que contrariassem a Constituição, tornando-se o law-case mais

importante da história judiciária.

Os fatos históricos que circundam o caso eram complicados. Na eleição

americana de 1800, o Partido Democrático-Republicano organizado por Thomas

Jefferson derrotou o Partido Federalista de John Adams, criando uma atmosfera de

incertezas institucionais.

Em seus últimos dias como presidente, Adams apontou um grande número de

nomeações a cargos oficiais no Distrito de Columbia, que foram aprovadas pelo Senado,

mas não foram nomeados até a posse do novo presidente. Quando Thomas Jefferson

assumiu a presidência, ele ordenou a John Madison, seu secretário de Estado, que não

procedesse à nomeação dos cargos.


21

Willam Marbury, um dos indicados à nomeação, entrou com writ of mandamus

na Suprema Corte Americana contra o secretário de Jefferson exigindo sua nomeação

baseado em direito liquido em certo. 25

Em 1803, John Marshall, juiz relator do caso, propôs-se a responder três

perguntas: Marbury tinha direito de peticionar à Suprema Corte? A lei americana


26
garantia seu direito de ação? Se sim, poderia a Corte garantir o direito ao autor?

Em resposta à primeira pergunta, Marshall concluiu que Marbury tinha sido

legalmente apontado ao cargo de juiz de paz e que, portanto, possuía direito de ação.

Quanto à segunda, porque Marbury tinha direito à sua nomeação, a lei deveria garantir-

lhe um remédio. Assim, resolveu-se que cabiam às cortes garantir os direitos individuais,

mesmo contra atos do presidente dos Estados Unidos da América.

Aqui, o Poder Judiciário apoderou-se de sua função revisora e alçou-se como

guardião da Constituição; aqueles países, como o Brasil, que incorporaram o controle

de constitucionalidade aos seus sistemas jurídicos herdaram para si esta nova visão do

papel do juiz no Estado constitucional.

25
Disponível em
http://www.pbs.org/wnet/supremecourt/democracy/landmark_marbury.html. Acessado
em 18/01/2017.
26
Disponível em http://law2.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/conlaw/marbury.HTML.
Acessado em 18/01/2017.
22

CAPÍTULO II - O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO

2.1. O nascimento do constitucionalismo brasileiro como sendo o primeiro ponto de

intersecção do sistema brasileiro com o common law

O padrão de constitucionalismo utilizado no Ocidente segue, a rigor, os

conceitos estabelecidos há duzentos anos nos Estados Unidos da América,

caracterizados pelos princípios: (i) supremacia da Constituição; (ii) controle de

constitucionalidade; (iii) supremacia judicial e (iv) proteção dos direitos humanos.27

O controle de constitucionalidade Ocidental é doutrinariamente representado

por dois modelos: o controle preventivo, passando a norma infraconsticional pelo crivo

de constitucionalidade antes de sua promulgação através das Comissões de

Constituição e Justiça no Congresso Nacional e pelo veto jurídico do chefe do Poder

Executivo (art. 66, §1º, da CF/88); e o controle repressivo, realizado tanto pelo Poder

Judiciário em sede de controle difuso (art. 97, da CF/88) ou concentrado através de

ações específicas direcionadas ao Supremo Tribunal Federal.

Deve-se, porém, focar atenção nas formas de controle de constitucionalidade

realizadas pelo Poder Judiciário que possibilitaram a criação de um sistema misto,

garantindo, assim, tanto à Corte Superior, quanto a todos os demais juízes, o dever de

proteção da Constituição.28

Como dito, no sistema brasileiro, o controle de constitucionalidade pode ser

realizado por ação direta, lato sensu, ao Supremo Tribunal Federal (controle

concentrado), ou no curso de qualquer ação que soluciona um caso concreto (controle

difuso).

27
BARROSO, Luís Roberto. A Americanização dos Direito Constitucionais e Seus Paradoxos:
Teoria e Jurisprudência Constitucional no Mundo Contemporâneo. Disponível em
http://www.editoraforum.com.br/ef/index.php/noticias/a-americanizacao-do-direito-
constitucional-e-seus-paradoxos-teoria-e-jurisprudencia-constitucional-no-mundo-
contemporaneo/ acessado em 19/01/2017.
28
MENDES, Gilmar. Direito constitucional, módulo V, Escola da Magistratura do Tribunal
Regional Federal da 4ª região, 2006 p. 27.
23

É possível também que esse controle seja exercido através da interpretação

em conformidade com a constituição e pela declaração parcial de nulidade (ou

inconstitucionalidade), seja por ação direta ou de modo incidental (art. 28, parágrafo

único, Lei nº 9.868/99).

Estes instrumentos de controle constitucional disponíveis ao juiz brasileiro,

inclusive ao juiz de 1º grau, trazem um poder de ampla latitude, que distinguem-no do

modelo tradicional de magistrado do civil law.29

No Brasil, o juiz pode negar o uso de lei em desconformidade com a

Constituição, interpretar e dar sentido a dispositivos legais em face dos direitos

fundamentais e valores constitucionais maiores, poderes correntemente associados à

tradição common law.

2.2. Histórico de controle de constitucionalidade no Brasil

A Constituição de 1824 não dispunha sobre qualquer modelo de controle de

constitucionalidade, sua influência francesa ensejou a outorga ao Poder Legislativo da

atribuição de “fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las” (art. 15, parágrafos

8º e 9º).

Com a instauração do regime republicano em 1891, a influência do Direito

norte-americano sobre juristas como Rui Barbosa, consagrou o controle difuso de

constitucionalidade já na Constituição Provisória de 1890 em seu art. 58, parágrafo 1º,

alíneas a e b.30

Também, a Lei. nº 221, de 20 de novembro de 1894, explicitou ainda mais o

sistema de controle de constitucionalidade adotado, dispondo em seu art. 13, §10:

“Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e


deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente

29
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil e de common
law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil, cit. p. 42.
30
MENDES, Gilmar. Direito constitucional, cit., p. 9.
24

inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis


com as leis ou com a Constituição”.

Criou-se assim o controle de constitucionalidade difuso no Brasil, primeiro

ponto de intersecção da jurisdição common law ao sistema jurídico brasileiro. O novo

modelo foi claramente influenciado pelo exemplo norte-americano. Rui Barbosa chega

a afirmar:

“Si os constituintes americanos viam nos tribunaes 'os baluartes de


uma Constituição limitada contra as invasões legislativas’, nessa
inspiração se embeberam egualmente os nossos, modelando pelo
mesmo padrão as instituições congeneres no Brasil novo.” 31

A Constituição de 1934 também introduziu significantes alterações em sede de

controle de constitucionalidade. O constituinte determinou que a declaração de

inconstitucionalidade poderia ser realizada pela maioria da totalidade de membros dos

tribunais (art. 76, III, b e c).

Entre outras inovações, a nova Carta Magna consagrou a competência do

Senado Federal para “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou

ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo

Poder Judiciário”, empregando efeito erga omnes à decisão proferida pelo Supremo

Tribunal Federal (arts. 91, IV, e 96).32

Em 1937, o inicio do Estado Novo traduz um absoluto retrocesso ao sistema

de controle de constitucionalidade brasileiro. A Constituição Polaca rompe com a

tradição constitucional brasileira e estipula que a declaração de inconstitucionalidade de

uma lei ficaria a cargo Presidente da República, com possibilidade de submissão da

decisão ao Parlamento (art. 96, parágrafo único).

31
BARBOSA, Rui. Os actos Inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a Justiça
Federal, Rio de Janeiro, Companhia Impressora, 1893, p. 83. Disponível em
http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/21512/Os_actos_inconstitucionaes.pdf acessado em
01/02/2017.
32
MENDES, Gilmar. Direito constitucional, cit., p. 11.
25

O texto Magno de 1946 restaura o tradicional controle judicial no Brasil e, entre

suas alterações, a mais importante foi a reativação da competência do Supremo

Tribunal Federal em julgar recursos ordinários (art. 101, inciso II, a, b e c) e

extraordinários quando:

“a) a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de


tratado ou lei federal; b) quando se questionar sobre a validade de lei
federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar
aplicação à lei impugnada; e c) quando se contestar a validade de lei
ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e
a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato”.

A Constituição de 1967 não inovou significativamente nosso sistema de

controle de constitucionalidade. O controle difuso manteve-se inalterado e a ação direta

de inconstitucionalidade subsistiu tal como prevista em 1946. Cita-se, porém, a Emenda

n. 7, de 1977 que outorgou a legitimidade ao Procurador-Geral da República em

provocar o Supremo Tribunal Federal para fins de interpretação de lei ou ato normativo

federal ou estadual. 33

A ampliação do rol de legitimados à propositura da ação direta pela

Constituição Federal de 1988 constituiu grande avanço na seara do controle de

constitucionalidade brasileiro.

Além de assegurar esta função ao Procurador da República como se

encontrava na constituição anterior, o constituinte estendeu a faculdade a diversos

autoridades e órgãos encontrados no art. 103, da Constituição Federal, sendo este o

modelo adotado pelo Brasil atualmente.

Este fato buscou, sobretudo, reforçar o controle abstrato de normas no sistema

jurídico brasileiro e fortalecer a competência do Supremo Tribunal Federal em revisar

qualquer questão jurídica à luz da Constituição Federal.

Convém ressaltar que, como observa o Gilmar Mendes:

33
MENDES, Gilmar. Direito constitucional, cit. p. 18.
26

“...toda vez que se outorga a um Tribunal especial atribuição para


decidir questões constitucionais, limita-se, explícita ou implicitamente,
a competência da jurisdição ordinária para apreciar tais
controvérsias.34

Com isso, a Carta Magna de 1988 ampliou os poderes do controle concentrado

de constitucionalidade e limitou a atuação dos juízes no controle difuso de

constitucionalidade.

2.3. Controle difuso e controle concentrado

Conforme já explicitado, o controle difuso é realizado por qualquer juiz na

solução de um caso concreto, produzindo, em regra, efeito somente entre as partes da

lide, por exemplo no julgamento de mandado de segurança, mandado de injunção,

recurso extraordinário, etc.; declara-se, assim, a inconstitucionalidade de modo

incidental.35

O controle concentrado de constitucionalidade, por sua vez, recebe esta

denominação justamente por centrar-se em um único tribunal, em nosso país, no

Supremo Tribunal Federal. É verificado em cinco situações: a) ação direita de

inconstitucionalidade genérica; b) arguição de descumprimento de preceito

fundamental; c) ação direita de inconstitucionalidade por omissão; d) ação direta de

inconstitucionalidade interventiva; e) ação declaratória de inconstitucionalidade.

Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal também exerce o controle de

constitucionalidade difuso, em especial, no julgamento de recursos extraordinários e

especiais repetitivos.

34
MENDES, Gilmar. Direito constitucional, cit. 19.
35
LENZA, Pedro. Direito Constitucional, São Paulo: editora Saraiva, 6ª ed., 2012, p.120.
27

A criatividade judicial nos países de tradição civil law aumentou

expressivamente no século XX em função do fortalecimento do Estado constitucional.

Isto é considerado pela doutrina uma “convergência evolutiva” do common law e do civil

law.36

Nesta seara, a adoção de um sistema de controle constitucional pelo Judiciário

provoca a aproximação dos dois modelos, visto que os tribunais constitucionais

emergentes no Ocidente são muito diferentes daqueles que foram tradicionalmente

criados no sistema romano-germânico, fator fundamental de desenvolvimento do

fenômeno jurídico chamado globalização judicial.37

2.4. Neoconstitucionalismo

O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, como ensina Luís

Roberto Barroso, seria um conjunto amplo de transformações histórico-teóricas que

ocorreram no século XX, em que o Estado constitucional centralizou direitos

fundamentais e reaproximou o Direito da ética.

O marco filosófico é o pós-positivismo, o surgimento de uma nova escola de

pensamento derivada da confluência do jusnaturalismo e do positivismo clássico. 38 No

plano teórico, Barroso esclarece:

“três grandes transformações subverteram o conhecimento


convencional relativamente à aplicação do direito constitucional: a) o
reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da
jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática
da interpretação constitucional”39

36
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,
1993, p. 123.
37
CAPPELLETTI, Mauro. cit. p. 126.
38
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo, O Triunfo Tardio do Direito Constitucional
no Brasil, artigo, 2006, p. 7. Disponível em http://www.conjur.com.br/2006-abr-
26/triunfo_tardio_direito_constitucional_brasil
39
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo, O Triunfo Tardio do Direito Constitucional
no Brasil, cit. p. 6.
28

No Brasil, a Constituição de 1988 representou justamente essa nova visão

constitucional, não trazendo somente uma inovação de cunho técnico, mas um símbolo

da conquista nacional e da mobilização do imaginário do povo brasileiro.

Com isso, a Carta Magna aumento substancialmente as demandas judiciais e,

principalmente, a intensa judicialização das relações políticas e sociais, reforçaram o

papel dos juízes brasileiros e, em especial, do Supremo Tribunal Federal, em decidir

sobre questões que refletem uma disfunção de legitimidade do Legislativo e do

Executivo.40 Pontua Barroso:

“...a Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade


institucional da história republicana do país. E não foram tempos
banais. Ao longo da sua vigência, destituiu-se por impeachment um
Presidente da República, houve um grave escândalo envolvendo a
Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, foram afastados
Senadores importantes no esquema de poder da República, foi eleito
um Presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores, surgiram
denúncias estridentes envolvendo esquemas de financiamento
eleitoral e de vantagens para parlamentares, em meio a outros
episódios. Em nenhum desses eventos houve a cogitação de qualquer
solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional. Nessa
matéria, percorremos em pouco tempo todos os ciclos do atraso”. 41

Isso fez com que o STF e outras cortes nacionais se pronunciassem sobre os

mais variados temas sociais e políticos nos quase trinta anos de vigor da Constituição

Federal, a exemplo (i) políticas públicas: aspectos centrais da reforma da Previdência

Social, reforma do Judiciário e criação do Conselho Nacional de Justiça; (ii) relações de

Poderes: delineamento dos limites de atuação das Comissões Parlamentares de

Inquérito (quebra de sigilo e decretação de prisão) e sobre o papel do Ministério Público

40
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo, O Triunfo Tardio do Direito Constitucional
no Brasil, cit. p. 44.
41
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo, O Triunfo Tardio do Direito Constitucional
no Brasil, cit. p. 4.
29

na investigação criminal; (iii) direitos fundamentais: interrupção de gestação na hipótese

de anencefalia, reajuste mensal máximo pelos planos de saúde.


30

CAPÍTULO III - O SISTEMA DE PRECEDENTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

DE 2015

As fontes no direito processual brasileiro, em regra, são as mesmas do direito

material. A lei continua a ser sua fonte principal. Todavia, problemas decorrentes da

falta de normatização, bem como obscuridades no texto legislativo enalteceram o uso

da doutrina e da jurisprudência pelos tribunais.

Diante da força normativa que o direito moderno concede à jurisprudência, o

precedente no Brasil é indubitavelmente fonte de direito.42

É a Constituição Federal, em seu artigo 103-A, EC/2005, que prevê a força

vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade

e é a lei processual ordinária que autoriza o julgamento pelos tribunais com fundamento

nas decisões anteriores.

Sem dúvidas, a jurisprudência é fonte de direito no Brasil, contudo, há quem

afirme não se tratar de fonte primária de direito. Nesse sentido, THEODORO JR.:

“O vigente sistema processual brasileiro elevou a jurisprudência à


categoria de fonte de direito. Não cabe, data venia, atribuir-lhe, em
caráter absoluto, a qualificação de fonte primária, em total equiparação
à lei”43

No Estado de Direito, é vital o império da lei. O princípio da legalidade que

consagra a primazia da lei assegura o direito e freia a autoridade do Poder Público

(Constituição Federal, art. 5º, inciso II).

Assim, à luz dos ensinamentos do autor supracitado, a jurisprudência só pode

ser construída a partir da lei ou do direito positivo lato sensu mesmo quando vislumbra-

42
THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito
processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, vol. I, São Paulo: Editora
Forense, 56ª edição, versão digital, 2015, p.58
43
THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito
processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, cit. p.62.
31

se o efeito erga omnes, jamais podendo funcionar como mecanismo de revogação da

lei ou de abstração de sua existência.44

3.1 Diferenças entre precedente, jurisprudência e súmula e o tratamento

indiscriminado nos termos no novo CPC

Ao tratar do assunto, deve-se delinear o preciso sentido dos termos

precedente, jurisprudência e súmula. Ensina o prof. José Rogério Cruz e Tucci que

jurisprudência é um conjunto de casos julgados que revelam o posicionamento dos

tribunais sobre alguma matéria.

O precedente stricto sensu, por sua vez, é um caso anterior julgado que revela

uma regra de julgamento, com potencial para tornar-se um leading case. As súmulas

são máximas ou enunciados que consubstanciam a regra jurídica à aplicação em casos

sucessivos.45

No Brasil, cotejando o nosso sistema infraconstitucional, há uma pirâmide de

vinculação ao precedente lato sensu, há súmulas com eficácia vinculante, decisões do

controle concentrado de constitucionalidade, súmulas e precedentes com eficácia

vinculante relativa, a exemplo de súmulas impeditivas de recursos, além dos acórdãos

do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de

incidentes de resolução de demandas repetitivas, de recursos repetitivos, ou de

assunção de competência.

A este respeito, Cruz e Tucci denuncia a explicita inconstitucionalidade do art.

988 do Novo Código de Processo Civil, visto não haver na Constituição Federal

44
THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito
processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, cit., p.62
45
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Súmula, Precedente e Jurisprudência na Experiência do Novo
CPC, Ciclo de Palestras sobre o Novo CPC, 2016, p. 23. Disponível em
http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/103108/S%C3%BAmula,%20precedente%20e%20juri
sprud%C3%AAncia%20na%20experi%C3%AAncia%20jur%C3%ADdica%20brasileira%20e%2
0no%20novo%20CPC.pdf acessado em 29/01/2017.
32

dispositivo que autorize ao legislador infraconstitucional inserir tal eficácia vinculante a

acórdãos desta natureza.46

3.2. Ratio decidenti e obiter dictum, distinguishing e overruling

Não se pode tratar de precedentes sem se ter perfeita compreensão destes

quatro institutos fundamentais ratio decidenti, obiter dictum. distinguishing e overrruling.

A ratio decidenti é a regra jurídica que fundamenta a decisão, a essência da

tese que forma o julgado47, já o obiter dictum são passagens presentes na decisão que,

embora úteis à compreensão, não constituem seu fundamento jurídico.

O raciocínio jurídico de comparar casos semelhantes e julgá-los de modo

desigual chama-se distinguishing. Trata-se da não aplicação do respectivo precedente

em função de nuances díspares entre os casos. Contudo, ensina Marinoni:

“...o poder para fazer o distinguishing está longe de significar sinal


aberto para o juiz desobedecer a precedentes que não lhe convêm. (...)
o juiz deve argumentar para demonstrar que a distinção é material, e
que, portanto, há justificativa para não se aplicar o precedente.”48

Por fim, o overruling dá-se quando o juiz afasta a aplicação do precedente e

retira a eficácia do paradigma. É uma hipótese de judicial departures, assim como o

distinguishing, porém, com razões mais fortes, como a incongruência social do

precedente com a cultura ou a economia de uma nação, ou inconsistência sistêmica, a

exemplo, erro ou equívoco em julgamento.

46
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Súmula, Precedente e Jurisprudência na Experiência do Novo
CPC, Ciclo de Palestras sobre o Novo CPC, cit. p. 25.
47
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo, Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 222.
48
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, cit., p. 327.
33

3.3. Deveres de fixação e observância (art. 926 e 927 do CPC)

O novo Código de processo civil trouxe novos instrumentos de vinculação das

decisões judiciais, dentre eles o incidente de resolução de demandas repetitivas, o

incidente de assunção de competência e disposições legais sobre o dever de

observância do juiz aos precedentes.

O art. 926 do Código de Processo Civil49 dispõe que os tribunais têm a

obrigação de respeito ao precedente para uniformizar sua jurisprudência e mantê-la

íntegra e coerente.

Curiosamente, o texto legal impõe que a jurisprudência deve ser mantida

estável, o sentido pretendido pela lei é o de evitar a mudança de entendimento sem

propósitos claros, ressalvadas as alterações em função de transformações sociais e

econômicas da sociedade.50

O dispositivo, em seu parágrafo 1º, também impõe o dever dos tribunais de

sumular seus entendimentos jurisprudenciais dominantes. Por súmula, conforme já

abordado, entende-se como o “conjunto das teses jurídicas reveladoras da

jurisprudência reiterada e predominante no tribunal e vem traduzida em forma de

verbetes sintéticos numerados e editados”.51

Difere-se o instituto, porém, do precedente stricto sensu, a este respeito, o

Novo Código de Processo Civil trata indistintamente os institutos, considerado pela

doutrina um lapso técnico do novo corpo legislativo.

49
“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente.
§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais
editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos
precedentes que motivaram sua criação.”.
50
NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil, cit. p. 1832.
51
NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil, cit p. 1832.
34

Por fim, as circunstâncias fáticas de que trata o parágrafo 2º do art. 926 do CPC

referem-se aos casos concretos, devendo o tribunal ater-se às circunstâncias reais de

sua jurisprudência, e não em parâmetros inobservados em seus julgados.

A doutrina, em virtude das alterações realizadas pelo CPC/1973 e agora

reforçadas pelo atual código, criou a figura do precedente à brasileira, nome adotado

por Julio Cesar Rossi como sendo: a) súmula vinculante; b) incidente de resolução de

demandas repetitivas, consolidado em súmula ou em decisões em ações e recursos

repetitivos e de repercussão geral.

O art. 927 do Código de Processo Civil52 é, sem dúvidas, uma grande inovação

processual, não há correspondente no código processual anterior e reforça a

necessidade de respeito à jurisprudência pelos tribunais, onde se intensifica esta

obrigatoriedade.53

Consoante abordado no primeiro capítulo, não há mais sentido em empregar o

princípio do le juge est la bouche de la loi. À época, o juiz era visto como a boca da lei

e deveria aplicá-la sem maiores considerações à sua forma ou conteúdo. Sobre o

assunto, Nelson Nery Junior:

52
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do
Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando
decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos
repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou
entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos
tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver
modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada
em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e
específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da
isonomia.
§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica
decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”.
53
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e outros. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo
Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1º ed., 2015, p. 927.
35

“Assim, como o juiz não é a boca da lei, pois a interpreta, analisa os


fins sociais a que ela se destina para aplicá-la ao caso concreto,
culminando com a sentença de mérito que é a norma jurídica que faz
lei entre as partes, o juiz também não é a boca dos tribunais, pois deve
aplicar a súmula vinculante e o resultado da procedência da ADIn ao
caso concreto (CF 102, § 2º e 103-A; CPC 927, I e II) e nas demais
situações (CPC 927 III, a, V), aplicar livremente os preceitos abstratos
e genrais (leis, lato sensu) constantes das súmulas simples dos
tribunais, orientações do plenário ou do órgão especial do TRF ou TJ,
justificando a aplicação ou não do dispositivo oriundo do tribunal. Só
existe hierarquia jurisdicional do tribunal sobre o juiz no caso de
competência recursal.” 54

O texto do art. 927 usa o verbo observar ao referir-se à postura a ser tomada

pelos juízes e tribunais. A doutrina tem-se posicionado no sentido de que a norma

impõe, imperativamente, que cumpram os magistrados com preceitos nele listados.

De fato, os conceitos trazidos pelos precedentes são gerais e abstratos e muito

se assemelham à lei – resta, assim, analisar se o Poder Judiciário tem legitimidade

constitucional para assumir a função de legislar, com exceção da Súmula Vinculante do

STF, que vem expressamente prevista na Constituição Federal em seu art. 103-A.

A observância obrigatória pelos tribunais de decisão: a) em recurso

extraordinário e em recurso especial repetitivos; b) em incidente de resolução de

demandas repetitivas (IRDR); c) em incidente de assunção de competência; d)

entendimento constante em súmula simples do STF em matéria constitucional; e)

entendimento constante em súmula do STJ em matéria infraconstitucional; f) do

plenário ou órgão especial aos quais o estiverem vinculados os juízes ou tribunais –

representa flagrante inconstitucionalidade, pois autoriza o Poder Judiciário a legislar

através de lei infraconstitucional.

54
NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 1836.
36

O objetivo almejado pelo referido artigo dependia de anuência constitucional,

no entanto, optou-se pela solução mais fácil, mas inconstitucional.55

Tratar da possível inconstitucionalidade deste e outros dispositivos do Código

de Processo Civil de 2015 não excluem sua importância ao aprimoramento do sistema.

Estes instrumentos de vinculação das decisões judiciais, dentre eles o incidente

de resolução de demandas repetitivas, o incidente de assunção de competência são

instrumentos jurídicos com enorme potencial inovador, que viabilizam o combate do

gigantismo litigioso.

O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), como esclarece

DIDIER56, é um incidente instaurado em processo de competência originária do tribunal

ou em recurso objetivando a formação concentrada de precedentes obrigatórios.

Importante observar que é preciso haver efetiva repetição de processos, não

cabendo IRDR preventivo, ou seja, é imperioso o risco à isonomia e à segurança

jurídica.57

Formado o precedente obrigatório, tanto no incidente de assunção de

competência como na resolução de demanda repetitiva, os juízes e tribunais devem

observá-lo, proferindo liminarmente a improcedência do pedido (art. 332 do Código de

Processo Civil).

3.4. Algumas aplicações do sistema de precedentes: improcedência liminar do


pedido (art. 332), tutela de evidência (art. 311) e dispensa da caução na execução
provisória (art. 521, IV)

O enunciado do art. 332 do CPC58 amplia os poderes do juiz ao autorizar a

decisão liminar do mérito para julgar improcedente o pedido quando este contrariar: a)

55
NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 1837.
56
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Jus Podivm, 13ª ed.,
versão digital, 2015, p. 625
57
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, cit, 605.
58
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação
do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
37

enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça; b)

acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça; c)

entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de

assunção de competência.

Profere-se, aqui, uma decisão contra o réu antes de sua citação, sendo uma

exceção ao princípio do contraditório e ampla defesa previsto no art. 5º, IV e art. 9º do

CPC.59

Havia no Código de Processo Civil de 1973 previsão semelhante no art. 285-

A, porém, o juiz só podia julgar liminarmente quando a matéria fosse exclusivamente de

direito e já houvesse sido proferida a improcedência em casos idênticos, reproduzindo-

se, assim, o teor da anteriormente prolatada.

A tutela de evidência trazida pelo art. 311 do CPC60 corresponde parcialmente

ao art. 273, II, do CPC/73. Comparando-a com a tutela de urgência, igualmente se exige

a plausibilidade do pedido, mas independe da demonstração do risco.

Contudo, não basta somente demonstrar o direito – seu inciso II reforça o novo

sistema de precedentes dizendo que o pedido poderá ser julgado liminarmente se a tese

discutida já tenha sido resolvida em casos repetitivos ou em súmula vinculante. 61

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção
de competência;
IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo,
a ocorrência de decadência ou de prescrição.
§ 2o Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos
termos do art. 241.
§ 3o Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.
§ 4o Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do
réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no
prazo de 15 (quinze) dias.
59
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. cit. p. 560.
60
“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de
perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
(...)
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese
firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;”
61
NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 871.
38

Há, também, a possibilidade de dispensa da caução quando a sentença a ser

provisoriamente cumprida estiver em consonância com entendimento sumulado do STF

ou STJ ou em conformidade com o julgamento de casos repetitivos.

A hipótese é justifica não só pela grande possibilidade de manutenção da

decisão, mas também por estar em concordância com a ideia de respeito aos

precedentes e uniformização da jurisprudência no Código de Processo Civil de 2015.


39

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aprimoramento de um sistema de precedentes nas jurisdições modernas

sempre se mostrou de grande utilidade à segurança jurídica e estabilidade institucional.

Desde o século XVI, o stare decisis foi amplamente adotado pelo sistema inglês

e, a partir do século XIX, muitos países de jurisdição civil law, de algum modo,

incorporaram ao seu corpo legislativo previsões de um sistema de precedentes.

Como visto, a aproximação do common law ao sistema brasileiro deu-se, a

princípio, através da adoção do controle de constitucionalidade difuso no século XIX,

dessa incorporação resultou o robustecimento do nosso Poder Judiciário e o natural

fortalecimento do poder do magistrado que não mais subjugava-se à lei quando em

desconformidade com a Constituição Federal.

O Código de Processo Civil de 2015 propôs-se a sanar a falta de um sistema

de precedentes adequado no Brasil capaz de combater o gigantismo litigioso. Entre as

inovações, os arts. 926 e 927 criaram o dever de observância dos precedentes pelos

juízes e tribunais, o dever de coesão de seus julgados.

Encontra-se no estatuto processual, ainda, outras previsões de utilização

situacional do precedente, como a improcedência liminar do pedido com fundamento

em enunciados jurisprudenciais e a dispensa da caução na execução provisória quando

fundada em entendimento firmado por súmula ou julgamento de casos repetitivos.

Contudo, encontram-se na doutrina diversas críticas ao novo sistema referente

à inconstitucionalidade dos arts. 927 e 988 por outorgarem, infraconstitucionalmente,

função de legislar ao Poder Judiciário.

De fato, é a Constituição Federal que autoriza excepcionalmente o Poder

Judiciário a legislar, como em seu art. 103-A que traz a possibilidade do Supremo

Tribunal Federal de criar súmulas vinculantes.


40

Se o Novo Código Processual Civil almejava a reforma do sistema de

precedentes brasileiro, esta deveria preceder de emenda à Constituição Federal, pois

os precedentes obrigatórios criam conceitos gerais e abstratos assim como as leis.

O sistema de precedentes brasileiro resta abalado pela incerteza de

inconstitucionalidade – os juízes poderiam se opor à aplicação dos novos artigos,

porque, no Brasil, o magistrado serve à Constituição e não à lei.

Talvez, a solução mais adequada seria uma emenda constitucional prevendo

estas novas hipóteses.

Ademais, a regulamentação de um sistema de precedentes é desejável e

salutar à jurisdição brasileira, pois fortalece a segurança e a estabilidade jurídica e, em

última análise, efetiva os princípios norteadores do nosso Estado plúrimo e democrático.


41

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