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PREFÁCIO:

“SOBRE TOLERÂNCIA E LIBERDADE NUM MUNDO EM FICÇÃO”


Rodrigo Medina Zagni

“Eu não vim pregar a tolerância! Porque a mais ilimitada liberdade de religião é para
mim um direito tão sacrossanto, que a própria palavra ‘tolerância’ com que se
pretende exprimí-lo é já, de algum modo, tirânica (...) A existência de uma autoridade
que tem o poder de tolerar atenta contra a liberdade de pensamento pelo facto mesmo
de que tolera e, por conseguinte, poderia não tolerar.”
Honoré Gabriel Riqueti de Mirabeau

O termo “tolerância”, conforme tratado por Mirabeau, revela o uso primeiro que
a ele fora dado no ambiente europeu do Humanismo do Renascimento, quando sua
etimologia revelava as matrizes latinas tolerare e tollere, cujo radical comum, “tol”,
equivaleria à ação de “suportar”, do qual deriva o sentido de suportar pacientemente
uma condição adversa e por determinado tempo; sem que isso significasse a aceitação
dessa condição notadamente indesejável1.
Logo, tolerar, durante muito tempo, foi algo muitíssimo distinto de transcender
as diferenças a fim de encontrar no “outro” um indivíduo pleno. E se o conceito agora
parece estar eivado desses conteúdos, torna-lo uma prática social é um dos maiores
desafios do mundo contemporâneo.
Embrenhando-se nesta seara, a obra “A (in) tolerância religiosa e os Direitos
Humanos: Laicismo – proselitismo – fundamentalismo – Terrorismo”, de Antonio
Baptista Gonçalves, cuja origem é a tese de doutoramento defendida em 2011 no
Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e que ora chega ao público leitor num formato revisado e ampliado é, antes de
tudo, uma leitura necessária para tempos tão conturbados e na vigência de culturas de
ódio, intolerância e sectarismos conformando a cultura dominante.


Historiador graduado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo, defendeu doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina, da USP, é
docente do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo e coordenador do
Grupo de Pesquisa “Conflitos armados, massacres e genocídios na era contemporânea”
(UNIFESP/CNPq).
1
Cf.: ZAGNI, Rodrigo Medina; “Tolerância e emancipação: o tolerantismo no debate teórico e na
experiência histórica moderna”; in: AVILLA, Carlos F. Dominguez; FONSECA, Vicente; XAVIER,
Lídia de Oliveira (orgs.). Direitos Humanos, Cidadania e Violência no Brasil. Volume 3. Curitiba: CRV,
2015, p. 55.

1
Eric Hobsbawm, ao caracterizar uma “era dos extremos” (como nominara o
“breve século XX”), disse-o como o tempo de um individualismo associal absoluto,
produtor de indivíduos egocentrados e alheios a identificações com classes de interesses
comuns, determinadas pela mesma base material de existência2. No promontório do
“eu” sobre quaisquer coletividades, signo das sociedades de consumo de massa, a
deterioração das teias de sociabilidade mais primais impõe uma dificuldade cada vez
maior de ver o “outro” – expressão de alteridade e empatia -, sobretudo aqueles que se
encontram na borda externa do que, de maneira etnocêntrica e com profundos cortes
étnicos, convencionou-se na ideologia difundida nas realidades centrais de capitalismo
avançado, no séc. XIX, como logus de “civilização” (masculina, branca e proprietária).
A fim de antecipar o leitor que ora se prepara para descortinar este livro,
tentando a edificação daquilo que Martin Heidegger e Hans Georg Gadamer, ao
teorizarem o “círculo hermenêutico”, definiram como estruturas pré-compreensivas da
realidade e que deveriam, no decurso da leitura, serem postas à prova3, proponho aqui
um exercício para a leitura que se aproxima: não de busca por respostas para os graves
problemas que configuram o tempo presente e sobre os quais o autor fez “tese”; mas o
de problematizar ainda mais a realidade a partir de seus conteúdos, tentando
dimensionar seu grau de complexidade e para que não tenhamos simples aquilo que é
complexo; mesmo porque assim são os problemas humanos, incluso aqueles sobre os
quais o autor se debruçou.
Se para Gadamer, “no desenvolvimento dos círculos concêntricos [que
compõem o círculo hermenêutico] teria de haver a reelaboração daquele sentido inicial
pré-conceitual, sob pena de se produzir um conhecimento equivocado”4, o que
proponho é a fixação de problemas iniciais e que o leitor atento poderá desenvolver no
decurso dessa leitura, portanto, em “círculos”.
Sendo assim, comecemos a fixar perguntas!
Tomando como objetos de investigação o laicismo, o proselitismo e o
preconceito religioso, derivando deste o fundamentalismo religioso, Antonio Baptista
Gonçalves aponta para a defesa da dignidade da pessoa humana, princípio basilar dos

2
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia. das Letras,
1995, p. 29 a 222.
3
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.
Petrópolis: Editora Vozes, 1997, passim.
4
ZAGNI, Rodrigo Medina; “Hermenêutica e História: A crítica de Gadamer e de Ricoeur à constituição
da realidade histórica na hermenêutica de Dilthey”; Jus Humanum – Revista de Ciências Jurídicas e
Sociais da Univ. Cruzeiro do Sul. São Paulo, Vol. 1, n° 2, Jan./Jun. 2012, p. 34.

2
Direitos Humanos, como instrumento para reversão dos quadros de intolerância
vigentes em sociedade. Trata-se do núcleo atomístico de sua argumentação e
determinante de todo o percurso investigativo que desenvolveu nessa importantíssima e
necessária seara.
Dessa axiologia considero importante problematizar a dinâmica histórica de
construção (e eu não me refiro aqui a “surgimento” ou “evolução”) dos Direitos
Humanos (dado que se trata de uma construção social). Para Lynn Hunt, trata-se de uma
“invenção” datada do séc. XVIII5, forjada durante o avanço das ideias liberais na
Europa convulsionada pelas revoluções burguesas que puseram abaixo o Antigo
Regime6 e assentaram, na literatura do liberalismo político inglês, do iluminismo
francês e da aufklärung alemã7, as teses do constitucionalismo e do jus naturalismo,
implementando os princípios da representatividade política e do sufrágio, nada universal
para sociedades patriarcais e, muitas delas, ainda escravocratas em suas colônias.
Sem idealizar sentidos e significados das revoluções liberais deste período, se
processou no ideário de elites políticas e culturais a transformação de sua natureza
interior para comportamentos mais empáticos, bem como a produção de uma sociedade
de conteúdos morais distintos daqueles que ordenavam as estruturas estamentais
precedentes, pré-condições para que uma nova autoridade social e política se
estabelecesse das próprias ruínas do absolutismo.
No entanto, não podemos associar as mudanças que fundaram o mundo
contemporâneo apenas àquelas que se processaram na superestrutura política de seus
sistemas sociais; é preciso conectá-las às mudanças em curso na infraestrutura
econômica e que, no mesmo período, consolidaram o mundo industrial, o capitalismo
verdadeiramente existente, o mundo burguês (difundindo sua ideologia, como classe

5
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 10.
6
Vale sublinhar que este ciclo sistêmico revolucionário principiou antes disso, ainda no séc. XVII quando
irrompeu a Revolução Inglesa, estendendo-se até o início do séc. XIX, quando a contrarrevolução passou
a tomar forma no Congresso de Viena, em 1815, onde foi organizada a Santa Aliança, esforço restaurador
que se estendeu até 1848, quando um novo ciclo de revoluções varreu a Europa. Até então, o vagalhão
revolucionário havia mudado por completo paisagens sociais como a dos Estados Unidos e, no caso mais
emblemático, da França, no mesmo séc. XVIII.
7
Cf.: LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo; Ensaio acerca do
entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1978, pp. 33-85; MONTESQUIEU, C. S. B. O Espírito
das Leis. Brasília: UnB, 1995, pp. 3-23; ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo:
Cultrix, 1978, pp. 21-135; e, no caso alemão (em verdade, prussiano), de KANT, Immanuel. A paz
perpétua e outros opúsculos. São Paulo, Porto Alegre: L&PM, 1989, pp. 25-80.

3
dominante, como ideologia dominante de sua época8) e seu anverso, o proletariado e de
cuja organização despontam as teses do socialismo que habitaram, nas mentalidades
políticas, o mesmo espaço que o moderno ideal de democracia e os efervescentes
nacionalismos. Sobretudo interessa-nos que a nova configuração e vulto das
contradições capital/trabalho explicam a impossibilidade de a igualdade jurídica,
assegurada nos ordenamentos dos recém-paridos Estados Constitucionais, verter-se em
realidade social.
Motivo pelo qual a consecução de direitos, dentre eles os Direitos Humanos
(anteriores a quaisquer outros) segue sendo algo a ser feito. Sobretudo em tempos de
individualismo associal absoluto, no lugar de sociedades de direitos impõem-se
sociedades de privilégios onde, sendo inacessíveis os direitos para a maior parte dos
indivíduos, não existe cidadania e, sem ela, inexistem cidadãos.
De sua inconclusão resulta ainda a problemática apropriação que governos e
agências de notícias fazem do “discurso dos Direitos Humanos” como reforço
ideológico para a perpetuação do ciclo “civilização & barbárie” ou, como definira
Edward Said, do “orientalismo”, a saber: os estereótipos elaborados, segundo uma
visão eurocêntrica, como representações ou mistificações das sociedades e culturas
orientais, para a sua inferiorização9.
O discurso dos Direitos Humanos, quando esvaziado de sentidos e significados
verdadeiramente empáticos, opera como parte de justificativas, produzidas na
superestrutura ideológica, para a consecução dos interesses de seus vocalizadores,
sobretudo aqueles que movem a infraestrutura da economia política internacional.
Este tipo de construção semântica e discursiva se produz no bojo da
intensificada mundialização do capital (a globalização econômico financeira) e da
repartição político-econômica do mundo a partir da divisão internacional do trabalho
que se estabelece na desigual e combinada relação entre centros de capitalismo
desenvolvido, periferia e semiperiferia do sistema mundial. Novas formas de
imperialismo econômico, os brutais deslocamentos populacionais e os refugiados de

8
Cf.: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, São Paulo: Boitempo, 2007, p. 45 e 46: “As
idéias da classe dominante são também as idéias predominantes em cada época, ou seja, a classe que é a
força material dominante da sociedade é também a força espiritual dominante (...). As idéias
predominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais predominantes, são as relações
materiais predominantes apresentadas sob a forma de idéias, portanto a expressão de relações que fazem
de uma classe a classe dominante. Em outras palavras, são as idéias de seu domínio”.
9
SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.

4
guerra configuram a trama em que se desenvolvem novos ultranacionalismos, práticas
de xenofobia e discriminações de toda sorte.
Se o atual ciclo de mundialização do capital é principiado pela revolução
informacional dos anos 198010, seria correto supor que as formas modernas de
comunicação possibilitariam construir uma relação mais empática entre culturas
distintas. No universo onírico da propaganda de consumo de massa, aquilo que Milton
Santos definira como uma “globalização como fábula”11 ou o mundo como nos fazem
crer que exista, somos bombardeados por mensagens (melhor dizendo, ruídos) que nos
dizem da existência de uma “aldeia global” onde culturas diversas coexistem e o
“outro” é plenamente aceito em sua diversidade (religiosa, política, sexual, étnica etc.).
No entanto, a “globalização como perversidade”12 (o mundo tal qual ele é)
apresenta uma realidade bastante distinta daquela difundida pela mídia hegemônica: a
permanência de uma economia de guerra, os novos massacres e processos genocidários,
a hiperexploração da mão-de-obra reinventando formas de escravidão, os
ultranacionalismos, a xenofobia, a homofobia, a violência de gênero, a intolerância
religiosa e o anterior ódio de classes informam o contínuo desrespeito aos direitos
humanos, ao passo de seu uso flagrantemente retórico por órgãos, cortes e convenções
internacionais que jamais ousaram contrapor-se a interesses hegemônicos, movidos por
sua vez por considerações econômicas e geopolíticas.
Outrossim, para destacar os Direitos Humanos como remédio para a
intolerância religiosa e, expressão desta, o fundamentalismo (do qual decorreria o
terrorismo) é preciso compreender que o problema do fundamentalismo religioso é de
natureza essencialmente hermenêutica, ou seja, trata-se de leituras literais dos livros
sangrados não de uma, mas de quaisquer religiões existentes. Isso para dizer que o
fundamentalismo e, com ele, o fanatismo e o radicalismo não são monopolizados por
uma religião apenas, como faz supor a mídia hegemônica e os interesses ocidentais
(refiro-me aos Estados Unidos e à Organização do Tratado do Atlântico Norte) em
relação ao islamismo.

10
Cf.: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio
de Janeiro, São Paulo: Record, 2000, pp. 24-116; JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro. Petrópolis:
Vozes, 2001, pp. 17-41; CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, pp.
23-44.
11
SANTOS, Milton. Op. Cit.
12
Ibid.

5
A manutenção da economia de guerra, de acordo com Ernest Mandel anexada
ao modo de produção capitalista no decurso da Segunda Guerra Mundial13, movida
pelos EUA contra o espectro do “terrorismo internacional”, vale-se da construção, no
senso comum, da imagem do “inimigo comum” que ameaçaria os “povos livres”. Sua
construção, por meio do cinema, da grande imprensa e da propaganda, passa pela
fórmula da associação entre árabes, muçulmanos, fundamentalistas e terroristas,
tentando encurtar distâncias e fixar a associação imediata e estereotipada do “árabe
terrorista”.
Antes de mais nada cabe indagar a quem cabe determinar este ou aquele grupo
como terrorista? Voltaire, a guisa de exemplo, na Encyclopedie, ironizou: “é proibido
matar: todos os assassinos serão punidos, salvo se matarem em grandes quantidades e
ao som de trombetas”.
A perspectiva crítica é extremamente necessária para distinguirmos a ação
política que se vale do uso legítimo da violência – em Locke, o direito a resistir ao
governo ilegítimo14 - de práticas efetivamente de terror (que existem e devem ser
execradas). O foquismo – a estratégia da luta armada – é um fenômeno político
complexo e deve ser compreendido em sua complexidade; senão vejamos: os
nacionalistas armênios que lutaram contra a opressão turco-otomana, sendo por isso
chacinados, podem ser considerados terroristas? Certamente os turco-otomanos o
fizeram! Os jovens judeus que se levantaram em armas contra os guardas nazistas, no
Gueto de Varsóvia, ou as milícias partisans, podem ser caracterizados terroristas?
Certamente os nazistas o fizeram! As organizações políticas que enveredaram para a
luta armada contra a ditadura militar de segurança nacional, no Brasil, na Argentina, no
Uruguai, no Paraguai e no Chile podem ser tomados como terroristas? Certamente os
militares o fizeram! Isso porque o conceito de terrorismo é também socialmente
construído e seus usos discursivos, de igual forma, são determinados em termos
políticos, conforme sustentou Eric Hobsbawm em um de seus últimos escritos15.
Por fim, uma última pergunta, antes que o leitor dê seus primeiros passos neste
texto que, repito, é extremamente importante e necessário: modernidade e capitalismo
são mesmo remédios para a cultura de intolerância que vigora ou seria preciso pensar

13
MANDEL, Ernest. O significado da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Ática, 1989, pp. 9-101.
14
LOCKE, John. Op. Cit.
15
HOBSBAWM, Eric J. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2007, pp.
121-137.

6
formas concretas de emancipação das sociedades humanas de quaisquer estruturas de
opressão?

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