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1.

INTRODUÇÃO

(Excerto de "Introdução teórica à história do direito", de Ricardo Marcelo Fonseca. Texto


inédito. Circulação apenas para alunos para finalidades didáticas)

1.1. Por quê história do direito?

Iniciar esse livro com essa pergunta pode parecer um absurdo. Eventualmente pode-se ter a
impressão que a disciplina sobre a qual tudo o que será escrito a partir daqui (a história do
direito) necessite de uma justificativa para sua existência, uma desculpa para ser estudada.
Que tipo de conhecimento precisa justificar-se antes de ser estudado? A importância de um
determinado ramo do saber não deve se impor por si só, sem que haja a necessidade de
maiores explicações?

Em parte essa pergunta é absurda e em parte não é.

É absurda, de um lado, porque a história do direito não deveria justificar-se como disciplina
(como a filosofia do direito ou a sociologia do direto, por exemplo, também não necessitam).
Ela é dotada de uma especificidade dentro desse saber maior - que é o saber jurídico - que
des-vela aquilo que no fenômeno jurídico antes estava encoberto (velado), como também
formula perguntas (e também fornece algumas respostas) que são próprias das suas
estratégias teóricas de abordagem. A ênfase que damos na formulação de novas perguntas é
deliberadamente maior que no oferecimento de respostas, pois um saber tanto é mais
instigante quanto mais tenha capacidade de formular questões novas, às vezes inusitadas e
surpreendentes, diante de uma realidade que às vezes é sempre batida por um mesmo tipo de
olhar. A história do direito, sem dúvida alguma, tem um olhar muito próprio, muito específico
e também muito penetrante, que não se confunde com o olhar filosófico, sociológico ou com o
olhar das disciplinas dogmáticas - embora com elas (e também com outras disciplinas) se cruze
constantemente.

Deve-se desde logo dizer ainda que a história do direito também é uma abordagem teórica
que se localiza dentro dos limites da disciplina da história (enquanto saber geral que é
cultivado de modo "científico" a partir do século XIX, mas que tem suas raízes no grego
Heródoto). Não se pode fazer história do direito sem prestar atenção nas contribuições, nas
pesquisas, nas abordagens e nas metodologias específicas que os historiadores "gerais"
utilizam - às vezes com um refinamento exemplar - dentro das suas subáreas específicas.
Afinal, se o direito está presente na sociedade e se ele é histórico, não se pode desprender sua
análise no passado da análise da própria sociedade onde ele se insere e onde ele dialoga com a
política, com a cultura, com a economia, com a sociedade, etc..

Mas aquela pergunta (pra quê história do direito?), se assenta, em parte, em premissas que
nada têm de absurdo. Em primeiro lugar porque todas as disciplinas - de modo explícito ou
não - têm seus estatutos e credenciais "científicos" vinculados com vicissitudes que são
eminentemente históricas e, portanto, ligadas a uma provisoriedade e a uma "mundanidade".
Não há nenhuma razão supra-histórica que, de um modo metafísico, imponha um
determinado ramo do saber como o "privilegiado" em um espaço e em um tempo. Nenhum
saber se impõe por si mesmo, pois, afinal, os saberes também fazem parte do jogo de forças
que compõe o mundo histórico em que vivemos. Isso vale para as ciências em geral e para o
conhecimento jurídico em particular. Ninguém melhor do que o próprio historiador pode
perceber como o privilégio que em determinada época se dá a uma dada abordagem ou a uma
determinada "ciência" (ou a um ramo seu) é ligado a práticas, a lutas, a interesses, e, enfim, a
fatores eminentemente históricos (portanto mundanamente provisórios) que nada têm a ver
com a imposição "em si" de alguma idéia intrinsecamente ligada à essência dessa "ciência".
Isso implicaria em ver atuando na história algo que está fora dessa mesma história. Por isso,
fazer a pergunta "por quê história do direito" é de certo modo entrar no palco histórico das
vicissitudes que elegem privilégios e preferências ao mesmo tempo em que definem exclusões
e desprezos nos ramos do saber.

Em segundo lugar aquela pergunta não é de todo despropositada porque que os juristas em
geral - e os juristas brasileiros em particular - realmente não estão acostumados a olhar para o
fenômeno jurídico como algo a ser compreendido em perspectiva temporal. O passado não é
visto como algo que tenha tanto a ensinar ao presente, ao menos ao presente jurídico. O
senso comum dos juristas (fala-se evidentemente de uma maneira generalizadora) gosta de
pensar que o direito atual, o direito moderno, é o ápice de todas as elaborações jurídicas de
todas as civilizações precedentes, já que é a única ungida com a água benta da "racionalidade".
O direito moderno freqüentemente é visto como o resultado final de uma evolução histórica
onde tudo aquilo que era bom no passado vai sendo sabiamente assimilado e decantado, de
modo a transformar o nosso direito vigente na mais sofisticada e elaborada maneira de
abordar o fenômeno jurídico.

E, geralmente, quando se fala de algo bom no passado, pensa-se no direito romano e nos seus
respectivos institutos jurídicos que tanto legaram ao nosso direito moderno (especialmente ao
direito privado moderno). Geralmente, porém, pensa-se no direito romano como algo que
contém em si mesmo um núcleo precioso, de juridicidade "pura", e que poderia ser aplicada
diretamente (ou após algumas poucas mediações) na nossa realidade moderna.
Evidentemente que esse modo de observar o direito romano (muito difundido o Brasil) ignora
o modo como ele foi filtrado e recepcionado pelo direito moderno, a ponto de muitas vezes
transformá-lo e diluí-lo nesse mesmo direito moderno. Como diz Paolo Cappellini, não se deve
olhar a relação do direito romano com o direito moderno somente em termos de uma forçada
continuidade, mas sobretudo deve-se olhá-la nas cesuras, nas rupturas e nas mudanças de
rota, pois, afinal, os juristas europeus olhavam em direção à antiguidade, mas com olhos de
‘modernos'[1]. E se assim o fizermos - isto é, historicizando o direito romano - certamente ele
se apresentará com maior riqueza, com uma instigante força crítica e relativizadora (o que só
se pode fazer, todavia, a partir da análise das características da sociedade romana que acolhe
o seu magnífico direito), e não será somente um saber passado que só serve para ser
observado na medida em que se pode ser espelhado e refletido nos institutos jurídicos
vigentes, buscando justificar, dessa forma nem sempre convincente, a sua atual existência. De
fato, infelizmente o direito romano (que é uma disciplina importantíssima na formação do
jurista, e que desafortunadamente vem sendo crescentemente desvalorizada na formação dos
jovens bacharéis) é muitas vezes ensinado como se fosse um complemento ao estudo do
direito privado vigente, uma espécie de demonstração de como o direito atual, afinal de
contas, soube aproveitar muito bem o velho legado latino.
Dessa forma, se excetuarmos esse aproveitamento duvidoso que se faz do direito romano,
pouca coisa sobra de todo o passado histórico no trabalho intelectual que fazem os juristas na
compreensão do direito. Geralmente a idade média é solenemente desprezada como o
"período negro" da história do ocidente - e que nada tem a nos ensinar de útil - e toda a
conflitualidade que caracteriza a modernidade desde seus primórdios é vista como um
processo raso e tranqüilo em que a razão vai se impondo até chegar placidamente na
sofisticação da elaboração jurídica moderna. E isso pra não falar do modo como se ignoram as
especificidades da história brasileira (iniciada por um processo de conquista e de exploração,
pela eliminação dos índios e pela mancha da escravidão, que deixou mais sinais nas nossas
instituições e em nosso direito do que se pode inicialmente suspeitar) na compreensão do
direito.

Certamente existem razões históricas para isso (que o presente trabalho, todavia, não tem a
intenção de enfrentar). De todo modo, esse cenário demonstra como é necessário perquirir as
razões da presença ou da ausência da história do direito como saber no ensino jurídico. Mas
convém desde logo avançar na direção da complexidade que um questionamento sobre a
história do direito pode suscitar.

1.2. Uma primeira aproximação ao conteúdo da história do direito.

Em geral, a ‘história do direito' é tomada como um conjunto de saberes com uma compleição
bem definida e definível, como algo dado, como algo que talvez nem mereça uma discussão
sob um crivo teórico-metodológico. Enfim, pode-se pensar que quando falamos de História do
Direito já sabemos do que se trata.

De fato, o nosso senso comum teórico[2] costuma definir rapidamente o que significa esta
disciplina da seguinte forma: se não for uma ciência, um saber (no sentido de "a disciplina da
história do direito", ou "a história do direito ensina que...") certamente que ela vai significar o
objeto deste saber, que é precisamente o passado jurídico. Ou, em outros termos: neste
segundo sentido, a história do direito seria o conjunto de eventos e fatos que compõe o
passado jurídico da humanidade, reconstituídos através de procedimentos controlados (se não
mesmo objetivos), hauridos do ramo das ciências humanas (em verdade teoricamente muito
tumultuoso) que é a "ciência da história". A história do direito seria assim definida rápida e
tranqüilamente, pois parece haver pouco a ser discutido ante a certeza de que a história do
direito é, por um lado, o ramo do conhecimento que se ocupa do passado jurídico, e, por
outro, ela é, afinal, o conjunto dos eventos que compõe este passado.

Uma reflexão mais detida, todavia, demonstraria que as coisas não se passam bem assim. Um
filósofo "idealista" diria que os fatos e eventos não têm uma materialidade exterior ao
pensamento, mas que existem somente idéias destes fatos. Tudo o que temos, para esta
forma de analisar o mundo, não passaria de um conjunto de concepções mentais. A partir
deste tipo de reflexão, poderíamos então dizer que o passado do direito (entendido como o
conjunto de eventos concretos e materiais) não existe; o que existem são somente idéias ou
representações sobre eles. A história do direito, assim, não existiria; haveria apenas
elaborações subjetivas sobre o passado do direito, tornadas possíveis através da consciência.

Por outro lado, se pensarmos no conceito de história do direito como saber (e não como
objeto deste saber), e se o saber histórico, como dito acima, fosse "o conjunto de fatos" do
passado humano, haveria ainda outra possibilidade teórica - sem precisar sermos
necessariamente idealistas - que consistiria simplesmente em duvidar dos critérios tradicionais
de escolha dos "fatos" que compõem o saber histórico jurídico. Sim, pois se o saber histórico é
a recolha de alguns eventos do passado humano, e, afinal de contas, a cada minuto ocorrem
simultaneamente milhões de fatos de ordem e natureza variadas, devemos perguntar que
critérios justificam a escolha de alguns eventos para ingressarem na galeria da história, e não
de outros. Quais os meios de julgar que alguns fatos são "históricos" (ou ao menos dignos de
registro histórico) e outros não?

Se não nos contentarmos com a fácil resposta (que será adiante analisada) de que são dignos
de registro os "grandes" eventos, nomes e datas (no caso da história do direito, os grandes
eventos legislativos e as grandes escolas jurídicas), percebemos que a resposta ao
questionamento do significado da história do direito fica ainda mais difícil. E tudo isto para não
falarmos na possibilidade de simplesmente proscrever os fatos da ciência da história (que
seriam, nas palavras de Fernand Braudel, uma mera "agitação de superfície (...) de oscilações
breves, rápidas e nervosas"[3]), substituindo-os, como fizeram Lucien Febvre e Marc Bloch
(como também, a rigor, boa parte da historiografia francesa educada pela Escola dos
"Annales"[4]) pelas análises estruturais de longa duração, onde os eventos perdem
importância e dignidade. Afinal, para esta importante corrente de historiografia francesa, o
nível factual é o mais pobre dentro da análise histórica, devendo ser privilegiadas as visões
problematizantes em termos de conjuntura e estrutura.

Até aqui se pode notar como aquela conclusão trivial de que a história do direito seria, afinal, a
simples "reconstituição dos fatos jurídicos do passado" pode ser severamente questionada e
duvidada por vários ângulos. Uma definição ou explicação rápida da história do direito se
torna, como se pode ver, algo tremendamente problemático: afinal, não há um único caminho
para o conhecimento histórico (como não pode haver um único caminho para o saber).

1.3. Pensar a história do direito: a questão do método

Tudo isso demonstra que pensar História do Direito implica necessariamente em uma série de
interações teórico-metodológicas que a primeira interpretação ingênua passa por cima. Não
há aproximação a um objeto do saber sem o uso de um instrumental teórico-metodológico.
Michel Löwy[5] faz a esse respeito uma metáfora interessante: comparar a atividade de um
cientista com a atividade de um pintor. O pintor, que tem diante de si uma paisagem a ser
retratada, seria o cientista, que também tem o seu objeto (a sua paisagem) a considerar. A
paisagem para o pintor seria, pois, o correspondente do objeto para o cientista. Mas
fundamental para o cientista é também um belvedere, um observatório, de onde ele possa
vislumbrar a paisagem de um modo mais inspirador (quiçá mais abrangente) para retratar em
seu quadro. Não é possível pintar um quadro de uma paisagem sem que o pintor se coloque
em uma determinada altura e em uma perspectiva, que constituirão o observatório de onde a
paisagem será retratada. Pois bem: esse observatório corresponde à teoria do cientista, pois
sem um determinado ponto de observação (com uma altura e perspectiva dadas) o seu objeto
não poderá ser alcançado. Não existe ciência sem uma estratégia teórica que busque alcançá-
lo. Assim como para o pintor existem vários observatórios possíveis (e é justo pensar que em
alguns desses observatórios a paisagem se mostrará mais do que em outros), para o cientista
existem diversas teorias possíveis, que levarão a diferentes níveis de desvelamento de seu
objeto[6].

Se o cientista (pintor), diante de seu objeto (paisagem), necessita de uma teoria (observatório)
sem o qual seu trabalho não pode se desenvolver, há que se colocar logicamente a conclusão
de que a escolha da teoria irá implicar não só na escolha de um determinado caminho, mas
também no atingimento de um resultado diverso.

Por isso, ao pensar a história do direito devemos antes de tudo colocar a questão teórico-
metodológica dessa disciplina. Como qualquer ramo do saber, não se pode fazer história do
direito sem disciplina teórica, sem um questionamento de fundamentos e de métodos. Nesse
mesmo sentido Hespanha sentia que "se pode afirmar que a tarefa historiográfica não pode
decorrer sem a adesão a um modelo explicativo prévio que permita seleccionar as questões
relevantes e relacioná-las entre si, adoptar as estratégias de pesquisa adequadas, estabelecer
ligações entre os factos apurados pela investigação empírica." [7]

Se assim não fazemos a apropriação teórica será intuitiva, logo irrefletida e, portanto, prenhe
de conseqüências teóricas e práticas indesejadas. Organizar os instrumentos teóricos da
História do Direito significa portanto capacitar todo aquele que ingressa nos limites dessa
disciplina com algum instrumental que de algum modo permita um melhor manejo com esse
saber específico. Pietro Costa, com razão, adverte que se a pesquisa histórica quer ser um
verdadeiro e próprio ato de intelecção, ela deve servir-se de uma linguagem (aliás, de
linguagens) adequadas e rigorosas, de procedimentos controláveis, onde o ‘senso comum'
cede seu lugar ao exercício da razão crítica: a pesquisa histórica tende à teoria no método e no
resultado, assim como a teoria se torna real na reflexão historicamente fundada[8].

Diante desta situação, de fato parece-nos que uma das primeiras tarefas é justamente
rediscutir os pressupostos teóricos e metodológicos desta disciplina, de modo a capacitá-la a
enfrentar discussões históricas relevantes, alterando o foco onde tradicionalmente os
holofotes teóricos se dirigem. Afinal, nas palavras de Hespanha, a "adopção pela historiografia
jurídica de um modelo metodológico cientificamente fundado representa, por sua vez, a
aquisição de um novo sentido para esta disciplina no quadro das disciplinas sociais e jurídicas -
não um sentido apologético, não um sentido mistificador, mas um sentido libertador".[9]

1.4. Teoria e metodologia: esclarecimentos necessários

Desde logo convém esclarecer que método e teoria não são a mesma coisa. A metodologia na
História do Direito, ou a metodologia na ciência de um modo geral, diz respeito aos passos a
serem dados pelo cientista no processo de constituição do seu saber. Metodologia dentro da
história, assim, pode ser exemplificada com o modo de selecionar as fontes, o modo de
abordá-las e lê-las, o modo de classificá-las e organizá-las e, enfim, a partir de tudo isso, o
modo de descrevê-las. A metodologia é uma espécie de passo a passo, é o caminho que se faz
para ter um resultado de conhecimento. Já a teoria é a chave conceitual, a ferramenta que o
teórico utiliza para tratar determinado tema na ciência em geral (e na História ou Direito em
particular).

É certo que essa distinção é um tanto artificial porque não se pode operar uma metodologia
sem o uso de uma certa teoria, como também não se pode manejar uma teoria sem o uso de
uma certa metodologia. Há que se perceber que na prática o manejar teórico e o manejar
metodológico se confundem um pouco - embora permaneçam sendo conceitualmente
diferentes.

Dada essa diferenciação, esclarece-se desde logo que esse livro dará um privilégio à teoria,
mais do que à metodologia. A intenção é formular um discurso que contribua mais para a
reflexão e compreensão teórica que à operacionalização metodológica (embora, como se
disse, às vezes isso possa se confundir até mesmo nos argumentos que possamos desfiar mais
adiante).

Finalmente, quanto a esse particular uma outra observação é obrigatória: a discussão pura e
simples de teoria e de metodologia, quando for completamente desvinculada dos propósitos
do ramo do saber em questão (no nosso caso, da história do direito), pode se tornar uma
discussão até certo ponto estéril. Afinal, tanto a teoria quanto a metodologia servem para
operacionalizar um saber que não deve se esgotar nem na teoria e nem na metodologia. O que
se pretende, enfim, é que seja feita uma história do direito bem informada (ou ao menos
autoconsciente) nos seus limites teórico-metodológicos. Todavia, de outro lado, não podemos
perder de vista o fato de que a abordagem do saber específico (no caso, a ‘história do direito')
não pode ser separada da discussão teórica e metodológica que a envolve, senão de modo
fictício. A diferença entre o ‘objeto' do saber e o modo como ele é apreendido é uma distinção
retórica, eis que o modo como se apreende o objeto constitui, em certa medida, esse mesmo
objeto. Abordar o objeto é em certo sentido construir esse objeto. Noutras palavras, discutir
história do direito é, em cada passo e a cada momento, discutir também seus limites e
possibilidades do ponto de vista teórico e metodológico.
1.5. Definindo os caminhos a serem percorridos.

Feitas todas essas ressalvas e tomadas todas as precauções, pode-se agora anunciar o caminho
escolhido nesse pequeno livro para guiar o leitor nessa problematização teórica da história.
Esclarece-se desde logo que não se fará uma "história da história" (projeto tão amplo quanto
infactível), mas sim um recorte muito limitado e demarcado. Deixaremos de lado uma certa
"trajetória" que habitualmente se faz, que começa na antiguidade com Heródoto (c. 485 - c.
424 a.c.) - considerado o "pai da história", passa por Tucídides (c. 460 - c. 400 a.c.), Políbio (c.
200 - c. 125 a. c.), Tito Lívio (59 a.c. - 17 d.c.) e Tácito (c. 58 - c. 120 d.c.), passa pela Idade
Média de Gregório de Tours (530-594), de Joaquim de Fiori (1132-1202), percorre as eras do
Renascimento e da Ilustração de C. Salutati (1330-1406), L. Bruni (c. 1370-1444), Maquiavel
(1469-1527), G. Vico (1668-1744), Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755), Rousseau
(1712-1778) e Bonnot de Mably (1709-1785), até chegar ao ‘pensamento histórico da
Revolução Francesa', como Condorcet (1743- 1794), Destut de Tracy (1754-1836), Augustin
Thierry (1795-1856), François Guizot (1787-1874) e Thiers (1797-1877)[10]. Certamente essa é
uma trajetória importante na compreensão de como foram se conformando os modos de se
fazer história e constituíram antecedentes fundamentais daquilo que, depois, viria a ser
colocado dentro da "ciência da história". Embora a reflexão sobre o significado da história,
sobretudo nos autores anteriores ao século XIX, seja muitas vezes bastante diversa daquela
que se conformou a partir dali, todas essas referências são importantes para alguém que busca
uma compreensão completa da constituição da história como ramo do saber. Todavia, esse
caminho não será trilhado aqui. Opta-se, apenas, por um recorte que toma como ponto de
partida o momento em que se começou, justamente, a acreditar que se estava fazendo
"ciência" da história, ou seja, a partir do momento em que voltar ao passado deixava de ser,
no discurso dos historiadores, algo que fosse a busca do "exemplo" dos antepassados e
passava a ser a "descrição objetiva", com enquadramento científico, do que já aconteceu. Esse
é um momento em que o estudo do passado efetivamente se profissionaliza, passa a ocupar
um lugar de dignidade em universidades, passa a revestir-se (como se verá a seguir), junto com
outras jovens ciências sociais, de uma aura "científica" capaz de atingir uma "verdade" do
mesmo modo como o faziam as já estabelecidas "ciências naturais". É também o momento em
que se começa a refletir como nunca sobre o próprio ato de fazer história - ou seja, começa a
existir um discurso teórico e metodológico sobre a disciplina. Estamos já, enfim, no século XIX,
período cujas características epistêmicas serão justamente chamadas de "Era da História"[11].

Dentro desse terreno, optamos por abordar em primeiro lugar o "positivismo" no


conhecimento histórico (sobretudo aquele oitocentista, e cientes, antes de tudo, que o próprio
termo "positivismo" pode aqui dar margens a controvérsias). Trata-se daquilo que também é
conhecido por "história tradicional" ou "história rankeana" (em alusão ao maior epígono dessa
"escola", o alemão Leopold von Ranke), e que deve, ao nosso juízo, constituir o primeiro passo
desse nosso percurso não só por constituir a primeira formulação "científica" da história (nos
moldes em que o século XIX definiu a "ciência"), numa tentativa efetiva de buscar
"objetividade" e dignidade teórica ao estudo do passado, mas também por ser a forma de
encarar a disciplina da história que impregnou de modo radical a cultura no Brasil e, de modo
particular, impregnou a visão que os juristas tinham (e têm) da história. Voltar a atenção a esse
modo particular de se conceber a história é, portanto, de certo modo, um acerto de contas
com nossa própria consciência geral e, precisamente está aí a maior justificativa para que neles
enfoquemos nossa atenção.

A seguir nos ocuparemos das duas "escolas" historiográficas que, no consenso de


praticamente todos os estudiosos, constituem aquelas que maiores marcas deixaram no
trabalho acadêmico dos historiadores ao longo do século XX: em primeiro lugar a "Escola de
annales", ou escola francesa, e em segundo lugar o marxismo, ou materialismo histórico. É
certo que enquanto a primeira foi um movimento acadêmico e puramente historiográfico, o
segundo foi algo mais amplo, que invadiu os campos de discussão filosófica, econômica e,
sobretudo, política. Ambas, todavia, trouxeram um cabedal de questões ao historiador que
não pode, de nenhum modo, ser hoje descartado. No que diz respeito ao marxismo, embora
seja um tanto artificial "separá-lo" em diversas "contribuições" disciplinares (pois não se
entende que o marxismo seja "cindível", pois dessa forma essa abordagem perde um tanto sua
força argumentativa), o que se tentará fazer aqui é centrar o foco, ciente do risco de
reducionismos, sobre a contribuição que essa corrente trouxe para a história (o núcleo daquilo
que ficou conhecido como "materialismo histórico"), pois mesmo qualquer olhar
ideologicamente desapaixonado deverá reconhecer, se tiver uma pitada de honestidade
intelectual, que essa abordagem em muito enriqueceu o olhar que a disciplina histórica pode
dar ao passado.

Finalmente, outras duas abordagens (já não tão consensuais entre os historiadores, mas, ao
nosso ver, extremamente ricas de desdobramentos para a história, e em particular para a
história do direito) serão também discutidas: trata-se de algumas das contribuições específicas
para o conhecimento histórico que nos foram dadas pelos filósofos Walter Benjamin e Michel
Foucault. Não se trata de nenhuma nova "interpretação" do pensamento desses autores e
nem mesmo de uma ‘síntese' de suas reflexões (o que seria demasiadamente pretensioso),
mas pura e simplesmente um recorte de algumas questões (que entendemos sejam
relevantes) que são, a nosso ver, centrais para aqueles que se ocupam de olhar para o passado
humano (incluídos, pois, aqueles que olham para o passado do direito humano). Àqueles que
acusarem essas específicas abordagens de serem "excessivamente filosóficas" para o campo
dos historiadores, eu responderia de antemão que a história será tanto mais capacitada
metodologicamente quanto mais capaz for de dialogar com outras ciências sociais e com a
filosofia (contribuições essas que, aliás, estão contidas nos programas da "escola de Annales" e
da historiografia marxista). E aqueles que acusarem essas abordagens de uma certa
"arbitrariedade", eu posso me render, dando a mão à palmatória, obtemperando, porém, que
toda construção teórica carrega consigo, em certa medida, algo de arbitrário e de pessoal.

[1] CAPPELLINI, Paolo. Dal diritto romano al diritto moderno, "in" SCHIAVONE, Aldo (a cura di).
Diritto romano privato: um profilo storico. Torino: Einaudi, 2003, págs. 454 e segs. Nessa
perspectiva que enquadra historicamente o direito romano, veja-se também SCHIAVONE, Aldo
(a cura di). Linne di storia del pensiero giuridico romano. Torino: Giappichelli, 1994.

[2] FONSECA, Ricardo Marcelo. A história no direito e a verdade no processo: o argumento de


Michel Foucault, "in" Gênesis: revista de direito processual civil. Curitiba, Gênesis editora,
número 17, julho/setembro, ano 2000, págs. 570/583.

[3] BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história, págs. 112/119, apud BOURDÉ, Guy e MARTIN,
Hervé. As Escolas Históricas. S/l: Publicações Europa América, s/d, pág. 131.

[4] Exemplar nessa tentativa de fazer uma história que tem um "horror ao evento" que
culmine numa "história sem homens" é o texto-manifesto de LE ROY LADURIE, E. Le territoire
de l'historien. Paris: Gallimard, 1973.

[5] LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchausen: marxismo e
positivismo na teoria do conhecimento. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 1994.

[6] O uso dessa metáfora evidentemente não faz com que desconsideremos toda a essencial
postura teórica do paradigma hermenêutico segundo o qual a operação cognitiva deve superar
o dualismo sujeito-objeto (próprio do paradigma epistêmico) em direção a uma relação
sujeito-sujeito, ou, dito de outro modo, à evidência segundo a qual o ato de conhecer não é
apenas debruçar-se sobre um objeto que se coloca em uma natureza inerte, pronto para ser
colhido por um sujeito altivo, dominador e racional, mas sim uma operação onde que se dá no
mundo da linguagem, onde a interpretação e criação do saber têm um papel central. Vide a
propósito VATTIMO, Gianni. Oltre l' interpretazione: Il significato dell'ermeneutica per la
filosofia. Roma/Bari: Laterza, 1994 e também LUDWIG, Celso. Gadamer: a racionalidade
hermenêutica - contraponto à modernidade "in" FONSECA, Ricardo Marcelo (org). Crítica da
modernidade: diálogos com o direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, págs. 145 e segs.

[7] HESPANHA. António M. A história do direito na história social. Lisboa: livros horizonte,
1978, pág. 16.

[8] COSTA, Pietro. Iurisdictio: semantica del potere politico nella repubblica medievale (110-
1433). Milano: Giuffrè, 2002, p. 7. (Ristampa). "Se la ricerca storica vuole essere un vero e
proprio atto di intellezione, essa deve servirsi di un linguaggio (anzi di linguaggi) aggiornati e
rigorosi, di procedimenti controlabili, dove il ‘senso comune' cede il posto all'esercizio della
ragione critica: la ricerca storica tende alla teoria nel metodo e nel risultato, così come la teoria
diventa reale nella riflessione storicamente fondata".
[9] HESPANHA, António M. A história do direito na história social, págs. 16/17.

[10] Vide FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Trad. Luiz Roncari.
Bauru: EDUSC, 1998, págs. 15/115.

[11] FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. Selma Tannus Muchail. 6ª. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1992, págs. 231 e segs.

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