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Coordenaçâo éditorial
APRESENTAÇÂO C r i t i c a d e mutirào
HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
SILVIANO SANTIAGO 9
Produçâo éditorial e revisâo
JACQUELINE BARBOSA
INTRODUÇÂO Modulaçôes d a margem
Projeto grâfico e diagramaçâo
ALEXANDRE FARIA, JOÂO CAMILLO PENNA, PAULO ROBERTO TONANI
ADRIANA MORENO
DOPATROOÎNIO 1 9
2 . M a n g u e : a margem e o imaginârio
A simples utilizaçào da expressào "marginal" para no- do poeta Waly Salomâo, e do Cinéma Marginal de Julio
mear a literatura produzida pelo grupo (ou grupos) jâ é, por Bressane, Rogério Sganzerla, dentre outros. A segunda pas-
si sô, uma forma rentâvel de aproximaçâo do objeto, pois, sa pela relaçâo tensa com o mercado éditorial e por certo
a definiçâo apresentada pelos autores da periferia é muito desencanto politico do grupo de poetas associados ao que
diversa da concepçâo que outrora predominava no âmbito se convencionou chamar de "Geraçâo Mimeôgrafo", com
dos estudos literârios, que compreendia o termo marginal nomes como Chacal, Charles ou Cacaso. A terceira é a que
como uma oposiçâo ao conceito de cânone. E se hoje po- enfoca, no discurso ficcional, os grupos marginalizados so-
demos identificar neste movimento literârio a adoçâo do cial e economicamente, e encontra diversos e variados tipos
termo "marginal", como elemento unificador e de constru- de representaçâo na literatura do periodo, como o teatro de
çâo identitâria, é importante ressaltar que o seu uso nâo é Plinio Marcos, e a prosa de Joâo Antonio e José Louzeiro.
MODOS DA M A R G E M
Oigoniradores ALEXANDRE FARIA, J O Â O CAMILLO PENNA e PAUIO « O B E R T O TONANI DO PATROCINIO
Como se vê, a amplitude da noçâo de marginal percorre investigaçâo comparativo e transistôrico, que se ocupa da
uma ampla gama de lugares discursivos que vai desde a es- ulcntificaçâo de mecanismos discursivos, politicos e sociais
colha estética, que se manifesta por uma récusa voluntâria que rasuram as amarras temporais e promovem a estrutura-
do cânone literârio, até a escolha do temârio da violêneia e çâo de um movimento circular ou répétitive A figura-tipo
da marginalidade urbana como foco central das obras. do jagunço, personagem ligado ao mundo rural, lido como
O objetivo dos organizadores deste livro é produzir um gênese do personagem marginalizado na estrutura social
debate a partir de estudos literârios e culturais de obras e brasileira, surge como elemento identitârio de um Brasil
autores que produziram alguma forma de modalizaçâo do que transita entre o arcaico e o moderno, entre o sertâo e
personagem/tipo marginal. A definiçâo do elenco de escri- 0 litoral, entre o rural e o urbano. No segundo contexto, hâ
tores e obras obedeceu dois critérios distintos, duas formas o predominio de ensaios que tematizam o Rio de Janeiro.
possiveis de ancoragem ao conceito de marginal: seja en- A antiga capital fédéral surge como berço e palco de um
quanto representaçâo de sujeitos/personagens marginais novo personagem marginalizado que ira transitar entre o
e, por outro lado, enquanto forma de construçâo de uma mundo da ordem e da desordem: o malandro. O terceiro
identidade artistica e formai, passando inclusive pela auto- contexto se situa nas décadas de 1960 e 1970, em torno da
denominaçâo marginal por parte dos autores. O objetivo, compreensâo da figura do marginal e/ou da marginalidade
com este exercicio de visitaçâo à historia da literatura e cul- como radicalizaçâo estética e atualizaçâo performâtica de
tura brasileiras, é uma contribuiçâo teôrica e critica para a textos e de corpos. O quarto contexto inclui a cena contem-
compreensâo do momento contemporâneo. Nesta perspec- porânea, nascente do movimento de leitura retrospectiva e
tiva, os artigos e ensaios aqui reunidos objetivam oferecer desembocadura de reflexôes prospectivas e inquiétas sobre
uma visâo ampla dos usos do conceito "marginal" na cul- o que talvez se caracterize como o fato mais instigante e
tura e literatura brasileiras no periodo que vai desde o fim conséquente da cultura no Brasil atual. O quinto, e ûltimo,
do século X I X até a primeira década do século X X I . Résulta contexto marca a emergêneia de enunciaçôes performâticas
desta coletânea de ensaios a construçâo de um olhar histô- e coletivas, na poesia e na cultura, em que se encenam no-
rico que, ao percorrer de forma atenta pouco mais de um vos modos de comportamento no seio de uma cidade que
século de produçào cultural e literâria, elege figuraçôes do muda radicalmente e que é obrigada a abrigar a periferia
marginal e da marginalidade como elemento catalisador de como seu centro criativo e puisante.
sua elaboraçâo estética.
Ao utilizarmos, no titulo do livro, a expressào modos
O livro esta dividido em cinco sessôes temâticas, que de margem, desejamos propor uma leitura polissêmica do
denominamos contextos. A definiçâo dos contextos obede- conceito. O termo "modos" pressupôe ao mesmo tempo:
ce a critérios temporais, teôricos e topolôgicos. O primeiro uma tipologia, a ideia de que hâ uma modalizaçâo voltada
contexto do livro torna clara a presença de um modelo de para o subalterno e o marginal na fieçâo brasileira, e o fato
por pesquisadores indianos saidos da India e radicados em • hm urso literârio marginal, mas de forma livre, prestando
diversas universidades do mundo anglo-saxâo, o conceito é i spécial atençào aos desdobramentos especificos, brasilei-
ampliado e passa a ser utilizado como denominaçâo de todo r o , , da ancoragem produzida pelos Estudos Subalternos.
e qualquer sujeito de "nivel inferior". Nesse sentido, nâo se ( ^onfrontados, no entanto, à escolha entre os termos "pe-
trata mais de um sinônimo para delimitar uma classe so- i ilci ico" e "subalterno", optamos por um terceiro: marginal,
cial especifica, seu uso passa a ser uma referêneia para no- llnda que este também possa igualmente levar a riscos teô-
mear uma teoria gérai da subordinaçâo de sujeitos sociais. rlcos. Identificamos pelo menos dois (ou très): o primeiro
Os Estudos Subalternos basicamente colocaram em crise o • le les é o de se cair no que Janice Perlman chamou de mito
estatuto da prôpria disciplina (o comparatismo, os "estudos d,i marginalidade. A sociôloga norte-americana ressalta que
de ârea", os estudos literârios) ao confrontâ-la ao seu objeto, . ta lavelados e suburbanos, como grupo, desempenham fun-
tornando impossivel qualquer historia dos subalternos. çôes que nâo sô sâo aceitas, mas sâo requeridas pelo restante
da sociedade. Desta forma, ao se autointitularem "margi-
O termo "subalterno" se tornou popular no âmbito da
nais", os prôprios autores da periferia, apenas confirmariam
critica brasileira e mundial devido à ampla circulaçâo do
i extensâo do mito, e, com ele, os mecanismos de contrôle
ensaio de Gayatri C . Spivak, Pode o subalterno falar? Nâo
I0( ial. Ao contrario do que aparenta ser, o resultado consis-
iremos aqui oferecer uma resposta à pergunta formulada
iina numa iniciativa literâria pouco libertâria ou autêntica,
por Spivak. O u quem sabe, jâ de cara, uma primeira res-
posta mesmo que precâria possa ser fornecida pelo simples I ondizente com o status quo do ponto de vista social, e presa
fato de estarmos diante de um livro que reûne uma série .m >s limites do realismo documentai e biogrâfico, do ponto de
de artigos que discutem a fala dos "subalternos". O que nos vista estético. Nâo obstante esse risco, vale observar, a partir
permitiria responder com simplicidade excessiva ao texto dos contextos evidenciados na sequêneia de seçôes do livro,
da critica indiana afirmando que os "subalternos" podem, um significativo processo de empoderamento da parte dos
sim, falar. No entanto, a questâo de fundo passa a ser defini- lujeitos em pauta, que encontra a sua sintese na passagem
cional e nâo estariamos mais nos ocupando da interrogaçào de Ferrez que citamos no inicio desta introduçâo. O sujeito
sobre se o subalterno pode falar, e sim sobre se o autor mar- marginal deixa de ser um objeto representado - sociologica-
ginal é o subalterno tal quai definido por Spivak. E m outras Diente pelo intelectual letrado da primeira metade do século
palavras, a questâo se torna a aplicabilidade de um conceito X X e performaticamente a partir dos anos 1960 - e passa a se
produzido fora do Brasil aos nossos narradores. Trocando autorepresentar e nomear seu movimento como "Literatura
em miûdos: interessa-nos pensar os mecanismos teôricos Marginal". Nesse sentido, produze uma inesperada tensâo,
que ligam autores como Carolina Maria de Jésus, Ferrez, interna ao prôprio mito, ou ao lugar problemâtico em que a
Paulo Lins e Allan Santos da Rosa às questôes elaboradas II adiçâo da leitura dos "problemas brasileiros" o colocou. E m
MODOS DA M A R G E M
O r 9 a n i z a d o . e s AlEXANDRE FARIA, J O Â O C A M I I I O PENNA e PAUIO ROBERTO T O N A N I D O PATROCINIO
outras palavras, o sujeito faz literatura, sem que isso neces- i il >st ituida, ou para dizer o minimo, diretamente desafiada
sariamente o faça ascender socialmente, ou seja, sem que ele pria 'dialética da marginalidade', a quai esta parcialmente
mude o lugar desde onde produz seu discurso. Ao exemplo fundada no principio da superaçâo das desigualdades so-
clâssico de mudança de classe pela inclusào subalterna, de . eus através do confronto direto em vez de conciliaçâo."
Paulo Lins, se acrescentam agora inûmeros outros, que nâo \ lupôtese parte de uma constataçâo: o surgimento da vio-
adotam essa estratégia. Eles permanecem na periferia, desen- I. ru ia nas novas produçôes culturais brasileiras, que con-
volvendo projetos culturais e/ou culturais, como a Cooperifa, lam com a tradiçâo do deslizamento, atenuamento e
de Sergio Vaz, ou a IdaSul, de Ferrez, ou entâo permanecem • NI .unoteamento da violêneia na tradiçâo da malandragem.
ligados à fala localizada de onde provêm. Nesse sentido, as- I ' (ermos da "dialética", oposiçâo, antinomia, contradiçâo,
sumir o lugar e a voz do marginal, com força suficiente para ifto bastante simples: malandragem versus marginalidade,
dar-lhes centralidade na dinâmica social, é subverter o mito. Conciliaçâo versus confronto, ocultamento versus exposi-
U m segundo risco consiste na acepçâo, a nosso ver, ,.iu, e suscitam ressalvas imediatas.
equivocada, que o termo obteve no Brasil a partir do ensaio, O ensaio tem méritos inegâveis. Modos da margem parte
"A guerra de relatos no Brasil contemporâneo. O u a Dialé- Je uma evidência anâloga: a nova linhagem de imagens na
tica da marginalidade", de Joâo César de Castro Rocha, pu- i ullura contemporânea brasileira, mas que nâo é tâo nova
blicado primeiramente em inglês, e em seguida traduzido i .un, é frequentemente violenta. Muitos dos pontos sensi-
em português. E m uma primeira leitura, o ensaio mapeia w is do momento cultural brasileiro, os mesmos onde esta
os termos da questâo, fazendo um levantamento do corpus i nietânea de ensaios toma como ponto de partida, foram
marginal atual, dando nome aos bois e situando a novidade II ii ados no texto: a natureza coletiva das novas produçôes
da questâo no contexto brasileiro. A tese de Joâo César su- u i gidas dos novos territôrios da pobreza urbana brasileira;
cintamente consiste em propor que a estratégia acomoda- as implicaçôes éticas de falar em nome, ou no lugar, dos
ticia, conciliatôria, "cordial" - para usar a noçâo de Sérgio que sofrem, por oposiçâo a uma enunciaçâo de experiên-
Buarque de Holanda num sentido afim ao utilizado pelo so- i las pelos prôprios sujeitos destas mesmas experiências, as-
ciôlogo - da malandragem, estabelecida pelo marco critico uinindo o contrôle destas imagens e redistribuindo-lhe os
do texto de Antonio Candido, Dialética da malandragem, beneficios; a novidade epistemolôgica, "adverbial", contida
conforme aprendemos a reconhecer certa configuraçâo da >lo ponto de vista "de dentro" e nâo mais de fora; as estraté-
cultura brasileira, foi hoje substituida - embora o autor hé- aias de sobrevivência envolvidas nestes projetos, uma outra
site sobre esta operaçâo - por uma estratégia de confronto, .uticulaçâo entre sujeitos e as instâneias nacionais e inter-
de choque, numa verdadeira guerra simbôlica, expressa por nacionais de mediaçâo.
uma nova dialética, a dialética da marginalidade. O cerne da dialética da marginalidade surge na anâlise
"A 'dialética da marginalidade' esta sendo parcialmente da oposiçâo entre uma exposiçào exotizante e infantilizante
9 Maniglier, Patrice. "Le tournant géologique de l'anthopologie". Maria, dedicado à "Ética e cordialidade", em maio de 2007.
Palestra proferida no Colôquio Os mil nomes de Gaia. Rio de 13 Rocha, Joâo César de Castro, "A guerra de relatos...", op.cit., p. 36.
Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 15 de setembro de 2014. Ver I I Ibidem, p. 46.
também: Spivak, Gayatri Chakravorty. Death of a Discipline. 15 Ibidem, p. 50.
Nova York: Columbia University Press, 2003. 16 Candido, Antonio, Dialética da malandragem, p. 29.
10 Spivak, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? (edi- 17 Schwarz, Roberto (org.). Os pobres na literatura brasileira.
çâo brasileira, trad. Sandra Regina Goulart Almeida e outros. Sâo Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010). Cf. Guha, Ranajit; Spivak, 18 Ibidem, p. 8.
Gayatri Chakravorty (orgs.) Selected Subaltern Studies. Nova 19 Schwarz, Roberto. "Pressupostos, salvo engano, de 'Dialética
York: Oxford University Press, 1988); Beverley, John; Ovie- da malandragem'", publicado originalmente em Arinos, Afon-
do, José e outros" Latin American Subaltern Studies Group/ so et alii. Esboço de figura. Homenagem a Antonio Candido.
Founding Statement". In: Beverley e Oviedo (orgs.) The Post- Sâo Paulo: Livraria Duas Cidades, 1979, p. 147. (O ensaio sera
modernism Debate in Latin America. A Spécial Issue of Boun- retomado em Schwarz, Roberto. Que horas sâo? Sâo Paulo:
dary 2, volume 20, numéro 3, outono 1993. Duke University Companhia das Letras, 1987.)
Press. Intéressante observar que, salvo uma intervençâo de 20 Ibidem.
Silviano Santiago neste volume, o Brasil permanece sintoma- 21 Schwarz, Roberto (org.). Os pobres na literatura brasileira. Sâo
ticamente fora desta configuraçâo latino-americana, embora Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
o debate se reclame da inserçâo continental. 22 Ibidem, p. 8.
11 Perlman, Janice E.. O mito da marginalidade. Favelas e Politi- 23 Schwarz, Roberto. "Pressupostos, salvo engano, de 'Dialética
ca no Rio de Janeiro. Trad. Waldivia Marchiori Portinho. Sâo da malandragem'", publicado originalmente em Arinos, Afon-
Paulo: Paz e Terra, 2002, 3a ediçâo. so et alii. Esboço de figura. Homenagem a Antonio Candido.
12 Uma primeira versâo do ensaio apareceu no Caderno Mais! Sâo Paulo: Livraria Duas Cidades, 1979, p. 147. (O ensaio sera
da Folha de S. Paulo (24/02/2004), com o titulo de "Dialética retomado em Schwarz, Roberto. Que horas sâo? Sâo Paulo:
da marginalidade (Caracterizaçâo da cultura brasileira con- Companhia das Letras, 1987.)
temporânea)", uma segunda versâo foi publicada em inglês, 24 Ibidem.
sob o titulo de "The 'Dialectic of Marginality': preliminary no-
M O D O S DA M A R G E M
Orgonizodores ALEXANDRE FARIA, J O Â O CAMILLO PENNA e PAULO ROBERTO T O N A N I D O PATROCINIO